CAPÍTULO
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Interpretação do hemograma Fernanda Maria Santos / Marcos Laercio Pontes Reis
É importante destacar que estes valores são uma média mundial, podendo haver variedades geográ ficas e populaO hemograma corresponde a um conjunto de testes la- cionais. boratoriais que estabelece os aspectos quan ttatvos e quaQuando abaixo do valor normal para idade, sexo e altlitatvos dos elementos celulares do sangue: eritrócitos (eri- tude, diz-se estar diante de um quadro de anemia; quando trograma), leucócitos (leucograma) e plaquetas (plaqueto- acima, trata-se de poliglobulia, que pode ser primária (miegrama). Deve ser colhido em tubo contendo an tcoagulante loproliferação crônica, policitemia vera) ou secundária (auEDTA (tampa roxa) e pode ser feito manualmente (contagem mento da eritropoetna em situações de hipoxemia crônica de glóbulos no microscópio, centrifugação para o hematócri- ou tumores produtores de EPO). to, colorímetro para hemoglobina e análise do sangue peric) Hematócrito (Ht) férico) ou de forma automatzada (contadores eletrônicos). É a proporção que o volume da massa eritrocitária ocuA contagem de eritrócitos, leucócitos e plaquetas, de forma pa na amostra de sangue, estabelecida pela relação percenautomatzada, é feita basicamente por meio de leitor óp tco
1. Análise do hemograma
que interpreta o volume (tamanho) e a complexidade (granu- tual entre a massa eritrocitária e o plasma (Figura 1). Pode lação) de cada célula. Mesmo os contadores mais modernos ser determinado diretamente, por centrifugação, ou indirenão dispensam a microscopia, pois, quando apresentam dú- tamente, pelo cálculo: vidas (alertadas pelo aparelho como bandeiras ouflags) na identficação das células, elas precisam ser esclarecidas. Ht = E/VCM E = eritrócitos
2. Eritrograma
Com a apropriada correção de unidades.
a) Contagem de Eritrócitos (E) Determinação do número de eritrócitos por mm3 de sangue. Normal: Homem: 4.400.000 a 6.000.000/mm 3; Mulher: 3.900.000 a 5.400.000/mm 3. Pode-se ter anemia com contagem normal de eritrócitos (talassemia). -
• •
b) Dosagem de Hemoglobina (Hb) Determinação da quantdade total de Hb, por meio da lise das hemácias e determinação do valor por espectrofotometria. - Normal: Homem: 14 a 18g/dL; Mulher: 12 a 16g/dL. Em crianças com idade entre 6 e 14 anos, têm-se em média 12g/dL. Gestantes e crianças entre 6 meses e 6 anos, média de 11g/dL. • •
Figura 1 - Hematócrito -
Normal: Homem: 40 a 54%; Mulher: 38 a 49%. • •
Valores abaixo do normal podem signi ficar anemia ou hemodiluição, enquanto valores acima do normal podem corresponder à poliglobulia ou desidratação. Indivíduos desidratados com Ht normal podem estar anêmicos.
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HEMATOLOGIA d) Volume corpuscular médio O Volume Corpuscular Médio (VCM) refere-se à média do volume de uma população de eritrócitos. Pode ser obtdo diretamente por impedância elétrica ou dispersão óptca, ou indiretamente, pelo cálculo: VCM = Ht/E Com a apropriada correção de unidades.
Normal: 80 a 96fL (normocítca); - Valores abaixo do normal (<80fL): microcitose, significando alteração na síntese da Hb (alteração da maturação citoplasmátca), consequente à diminuição da disponibilidade de ferro, da síntese de cadeia globulínica ou da síntese do heme; - Valores acima do normal (>96fL): macrocitose, decorrente de alteração do metabolismo de ácidos nucleicos, alteração na maturação dos eritrócitos, retculocitose, entre outros. -
O VCM pode estar falsamente aumentado (sem macrocitose) pela presença de paraproteínas ou crioglobulinas, que provocam aglutinação hemácias (hemácias em rouleaux ou hemácias empilhadas. e) Hemoglobina corpuscular média Hemoglobina Corpuscular Média (HCM) é a média do conteúdo (em peso) de Hb em uma população de eritró-
Hipercromia (CHCM >36g/dL): eritrócito concentrado por diminuição do “contnente”: esferócito, drepanócito (falciforme), esquizócito (hemácias fragmentadas), equinócitos (insuficiência renal); - Hipocromia (CHCM <32g/dL): por diminuição do conteúdo, pela diminuição da síntese de Hb: ferropenia, talassemia e anemia de doença crônica. -
g) Red Distributon Width (RDW) É um coeficiente que revela numericamente a variação de volume dos eritrócitos (grau de anisocitose). Bastante importante na classificação e diagnóstco das anemias, pois é o 1º índice a ser alterado nas anemias carenciais, auxilia na suspeita da presença de fragmentos celulares e de aglu tnação. -
Normal: 11 a 14,5.
Atenção: ficado clínico. Valores aciValores abaixo do normal não têm signi ma do normal indicam alteração na maturação eritrocitária ou fragmentação eritrocitária. Via de regra, anemias carenciais por ferro, folato e B12 estão associadas a RDW elevado.
Além dos valores hematmétricos mencionados, alguns contadores automátcos fornecem histogramas ou citogramas que possibilitam a avaliação do VCM e da CHCM de forma gráfica, possibilitando a identficação de pequenas subpopulações, ou seja, populações eritroides com tamanhos e cores diferentes.
citos. Pode ser obtido por método automático por meio da derivação do VCM e da CHCM pelo laser ou pelo cálculo: HCM = Hb/E Com a apropriada correção de unidades. -
Normal: 27 a 31pg.
O conteúdo de Hb em um eritrócito depende do seu volume e da concentração de Hb dentro dele; portanto, pode haver aumento de HCM com Concentração de Hemoglobina Corpuscular Média (CHCM) normal (na macrocitose), sem caracterizar hipercromia, ou diminuição de HCM com CHCM normal (na microcitose), sem caracterizar hipocromia. f) Concentração de hemoglobina corpuscular média A CHCM corresponde à média das concentrações internas de Hb de uma população de eritrócitos, sendo responsável pela cor dele. É ob tda de forma direta, a laser, e de forma indireta, pelo cálculo: CHCM = HCM/VCM Como HCM = Hb/E e VCM = Ht/E, então: CHCM = Hb/Ht Com a apropriada correção de unidades. -
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Normal: 32 a 36g/dL (normocrômica).
Figura 2 - Histograma de volume eritrocitário: dupla população eritroide durante tratamento de anemia ferropriva, uma microcítca (deficiência de ferro), outra normocítca (população normal)
VCM e CHCM são medidas que representam uma população de glóbulos; portanto, não dão ideia de divergência de cor ou de tamanho dos eritrócitos, sendo necessária a complementação com a análise do sangue periférico. Os índices hematmétricos mencionados, associados à contagem de retculócitos e à análise do sangue periférico, concluem o raciocínio clínico para o diagnóstco e tológico das anemias. Tabela 1 - Classificação morfológica das anemias, considerando VCM e RDW RDWnormal VCM <80fL
- Talassemia; - Anemia de doença crônica.
RDW>14,5 - Anemia ferropriva; - S-beta-talassemia; - Microangiopata.
INTERPRETAÇ ÃO DO HEM OGRAMA
RDWnormal - Anemia de doença crônica; - Insuficiência renal crônica; VCM normal - Hipotreoidismo; - Hemodiluição da gravidez; - Hemorragia aguda.
VCM >96fL
- Anemia aplástca; - Medicamentos; - Alcoolismo; - Hepatopata; - Hipotreoidismo.
RDW>14,5 - Deficiências mistas (B12, folato + ferro); - Anemia sideroblástca; - Síndrome mielodisplásica; - Anemia falciforme; - Esferocitose hereditária. - Anemia megaloblástca; - Hemólise; - Síndrome mielodisplásica.
relatvos) de cada subtpo leucocitário e com as possíveis alterações morfológicas. Valores relatvos (%) podem levar a erro de interpretação. Por exemplo, em um paciente com leucócitos totais = 2.000/mm 3, linfócitos = 60%, neutró filos = 40%, tem-se uma linfocitose; porém, analisando-se os valores absolutos (linfócitos = 1.200, neutró filos = 800), observa-se neutropenia. Muitas vezes, a contagem global de leucócitos está normal, mas o diferencial está alterado, por exemplo, um indivíduo com leucócitos = 8.700/mm 3, mas com eosinófilos de 1.400/mm3 = a contagem global está normal, mas existe eosinofilia. Da mesma forma que os eritrócitos, os leucócitos também podem ser representados por citogramas, relacionando volume (tamanho) e complexidade (granulação).
Algumas alterações morfológicas da série eritrocítca podem estar descritas no hemograma, após a análise do sangue periférico.
3. Leucograma O sistema imune é um complexo e dinâmico sistema que promove a defesa contra infecções por bactérias, vírus, fungos, protozoários e outros parasitas, além de células neoplásicas, rejeição de células, órgãos e tecidos. Os leucócitos são as principais células do sistema imune e atuam tanto de forma direta (neutrófilos, linfócito T citotóxico, células NK) quanto de forma indireta, pela produção de an tcorpos (linfócitos B). A contagem global dos leucócitos pode ser feita de forma manual, por meio da câmara de Neubauer, ou automatzada, e a contagem diferencial pode ser feita pela análise do sangue periférico ou de forma automatzada. Para amostras normais, o método automátco é mais preciso, porém, para amostras alteradas, apenas a microscopia pode identficar células imaturas, sinais de displasia, avaliar a tpias linfocitárias e outras alterações morfológicas. Os valores de referência para o leucograma variam de acordo com a idade do paciente. Para fins prátcos, os leucócitos são classificados em 2 grandes grupos: - Polimorfonucleares (granulócitos): neutrófilos, eosinófilos e basófilos; - Mononucleares: monócitos e linfócitos.
Figura 3 - Citograma de leucócitos: (A) monócitos; (B) linfócitos; (C) neutrófilos; e (D) eosinófilos Tabela 2 - Valores normais para o adulto Leucócitos
4.400 a 11.000/mm3
Neutrófilos
1.600 a 6.600/mm3
Linfócitos
1.200 a 3.500/mm3
Monócitos
0 a 400/mm3
Eosinófilos
0 a 400/mm3
Basófilos
0 a 100/mm3
A - Leucocitoses Leucocitose é o aumento na contagem de leucócitos, >11.000/mm3, geralmente à custa do aumento isolado de uma única linhagem: neutrófilo, eosinófilo, basófilo, linfócito ou monócito.
O aumento ou a diminuição de leucócitos deve levar em conta: - A capacidade de produção medular e/ou linfonodal; - Se há causa evidente para tal resposta (patógeno, trauma, neoplasia, inflamação crônica) ou se é aumento primário (neoplasia hematológica). Contagem diferencial O número global de leucócitos deve sempre ser avaliado em conjunto com os valores absolutos (e não com os -
Figura 4 - Granulocitopoese
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HEMATOLOGIA a) Neutrofilia O pool de neutrófilos total é dividido em pool marginal, que fica aderido ao endotélio, e pool circulante. A contagem de neutrófilos obtda no hemograma reflete apenas o pool circulante. A neutrofilia é o aumento da contagem de neutró filos (somatório de segmentados + bastonetes) >7.000/mm 3. Pode ser primária (nas doenças mieloproliferatvas crônicas) ou secundária. Dentre as causas secundárias, têm-se o tabagismo (pode com neutrofibacterianos), lia discreta), quadros infecciosos agudoscursar (principalmente inflamação crônica (artrite, vasculite, doença inflamatória intestnal), liberação de citocinas (grande queimado, trauma), estresse (exercício, estresse psíquico), medicamentos (adrenalina, cortcoide), asplenia, reacional a neoplasias não hematológicas, infarto agudo do miocárdio. São definições importantes: -
Desvio à esquerda: aumento da quantdade de bastonetes >700/μL. Quanto mais intenso o desvio, maior o aumento das formas imaturas, que aparecem de forma escalonada (bastão >metamielócito >mielócito >promielócito). Ocorre em resposta ao processo infeccioso bacteriano agudo, grandes queimados, politrauma etc.;
-
Reação leucemoide: quando há leucocitose intensa (>50.000/mm3), com desvio à esquerda escalonado. É um processo benigno, reacional;
-
Desvio à direita: também conhecido como neutró filos hipersegmentados (Figura 5), caracterizado pela presença de mais de 3% de neutró filos com 5 ou mais lóbulos, ou mais de 1% com 6 ou mais lóbulos. Principais causas: anemia megaloblástca, infecções crônicas, insuficiência renal crônica, uso de altas doses de cortcoide, mielodisplasia, medicamentos (hidroxiureia).
Reação leucoeritroblástca: leucocitose com desvio à esquerda e presença de eritrócitos imaturos no sangue periférico (eritroblastos). Ocorre nas situações em que há infiltração medular por outro tecido: fibrose (mielofibrose), câncer metastátco ou solicitação extrema da medula (sangramento agudo grave, hemólise intensa); - Granulações tóxicas: geralmente descritas quando presentes, correspondem a grânulos grosseiros presentes nos neutrófilos em processos infecciosos agudos ou estados in flamatórios graves. -
b) Linfocitose Aumento da contagem de linfócitos acima dos valores de referência para a idade (>4.000/mm 3 em indivíduos maiores que 12 anos). A 1ª causa a ser investgada é infecção viral. Se houver atpia evidente, devem-se investgar mononucleose, citomegalovirose, caxumba, adenovírus e herpes-vírus-6 humano. Se a atpia for menos pronunciada, pensar em rubéola, hepattes, dengue, HIV (durante o período de soroconversão), sarampo, catapora ou hantavírus. As linfocitoses reacionais a vírus podem chegar a 100.000/mm3 linfócitos, principalmente em crianças, e são transitórias, com duração de aproximadamente 3 semanas. Algumas infecções bacterianas (pertussis, sífilis, tuberculose) e por protozoários (toxoplasmose) também podem apresentar linfocitose. Outras causas de linfocitose reacionais: medicamentos – reação de hipersensibilidade, situações de estresse (infarto do miocárdio, traumatsmos, epilepsia), tabagismo e pós-esplenectomia. Atenção: Se morfologia alterada, suspeitar de leucemia linfoide aguda ou outra linfoproliferação neoplásica.
Linfocitose persistente, sem etologia definida, principalmente em idosos: avaliar morfologia. Muitas vezes, é difcil distnguir uma população linfoide policlonal e benigna de elementos monoclonais malignos, como nas leucemias e linfomas, devendo-se utlizar da imunofenotpagem para excluir linfoproliferação crônica clonal. Uma linfocitose persistente, mas policlonal, de caráter benigno, tem sido descrita em mulheres jovens e fumantes, e pode ser acompanhada de esplenomegalia leve. Na morfologia, encontram-se linfócitos binucleados. Observação: Falsa linfocitose: eritroblastos são contados como linfócitos em muitos aparelhos, em razão do tamanho, do núcleo e da ausência de grânulos. Em anemias hemolítcas severas ou situações de estresse medular, em que há eritroblastos circulantes em grande quantdade, pode-se encontrar “linfocitose”.
Figura 5 - Neutrófilo hipersegmentado: 5 segmentos
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c) Plasmocitose A presença de plasmócitos no sangue periférico é patológica e pode ser reacional (infecção, medicamento, imunização, doenças imunes) ou neoplásica (mieloma múltplo, macroglobulinemia de Waldenström ou leucemia de células plasmocitárias).
INTERPRETAÇ ÃO DO HEM OGRAMA
d) Monocitose O monócito é uma célula também fagocitária, mais e ficaz na destruição de fungos, vírus e parasitas. Crianças de até 2 anos respondem às doenças infecciosas com monocitose precoce, além de neutro filia. A monocitose é definida como contagem >800/μL e tem, como principais causas: - Reacional: gestantes, recém-nascidos, asplenia, doenças granulomatosas (tuberculose, sarcoidose), doenças infecciosas (sífilis, brucelose, malária, febre tfoide,
raça negra podem apresentar variação étnica da contagem de leucócitos, revelando leucopenia à custa de neutropenia, que não é significado clínico. A leucopenia pode resultar de baixa produção medular (de causa primária ou secundária), de elevada u tlização (consumo), de marginalização excessiva do pool circulante ou de hiperesplenismo. Da mesma forma que a leucocitose, a leucopenia geralmente ocorre por diminuição em uma única linhagem.
a) Neutropenia Definida como valores abaixo de 1.500 neutrófilos/mm3 de sangue. A prevalência de neutropenia é maior em indivíduos da raça negra (4,5%) que nos indivíduos da raça bran- Clonal: mieloproliferação crônica, LMA M4 ou M5, hisca (0,39%), conforme já dito anteriormente, sem significado tocitose maligna. patológico. É também conhecido o termo “neutropenia benigna familiar” ou “leucopenia benigna familiar”, que apree) Eosinofilia senta maior prevalência nas seguintes etnias: sul-africanos, 3 Definida como contagem acima de 500/mm , independenjudeus yemenite, indianos ou árabes jordanianos, e reflete te da contagem global de leucócitos, pode ser primária (doenças hematológicas – mieloproliferação crônica, síndrome hipe- situação de neutropenia/leucopenia sem maior incidência de quadros infecciosos. reosinoflica) ou secundária, esta úl tma, mais comum. O risco de infecção é inversamente proporcional à conA eosinofilia secundária é encontrada em quadros alértagem de neutrófilos, sendo maior se os valores estverem gicos (rinite, asma, ur tcária), reação a drogas, infecção paabaixo de 500/mm3. Pode ser classificada, quanto à gravirasitária (escabiose e parasitas intestnais), doenças cutânedade, em: as (pênfigo), infecção fúngica (coccidioidomicose), deficiên3 - Discreta: 1.000 a 1.500 neutró filos/mm ; cia de cortcoide (Addison) e associada em alguns casos de 3 - Moderada: 500 a 1.000/mm ; linfomas (15% em Hodgkin e 5% em não Hodgkin). 3 A eosinofilia secundária a parasitas se deve à estmu- Grave: <500/mm . lação da resposta linfocitária Th2, que libera IL-4 e IL-5 e é Quanto à causa, classifica-se em adquirida e hereditária. diretamente proporcional ao grau de invasão tecidual. Os Dentre as adquiridas, a neutropenia pode ocorrer por: parasitas responsáveis por essa resposta são: - Nematódeos intestnais: Necator americanus, - Diminuição da síntese: Ancylostoma duodenale e Strongyloides stercoralis – - Doenças medulares: aplasia, leucemias, in filtração por todos podem fazer ciclo pulmonar e causar síndrome linfomas ou outras neoplasias; de Loeffler, com eosinofilia intensa. A eosino filia é pro- Supressão das células precursoras de granulócitos: porcional à magnitude da infestação; por quimioterápicos; agranulocitose por medicamen- Nematódeos teciduais: Toxocara canis (larva migrans) tos (dipirona, cloranfenicol, sulfonamidas, clorpromae Trichinella spiralis. zina, metltouracila e fenilbutazona); agentes tóxicos ambientais (benzeno); Os helmintos, como Taenia e Ascaris, que estão em con- Nas deficiências nutricionais: cobre, B12 e folato. tato apenas com o lúmen intestnal, não cursam com eosinofilia. Parasitas unicelulares, como Giardia e Entamoeba A toxicidade medicamentosa pode ser dose-dependen(ameba), também não cursam com eosino filia. te (quimioterápicos) ou não (sulfonamidas, an ttreoidiainfecções fúngicas), doenças inflamatórias crônicas (artrite reumatoide, LES, colite ulcera tva, Crohn), raros carcinomas;
f) Basofilia Definida como mais de 200/mm3. É comumente encontrada em neoplasias mieloproliferatvas e outras doenças hematológicas malignas, mas também pode ser detectado em reações inflamatórias ou alérgicas (inclusive colite e artrite reumatoide), endocrinopata (mixedema, administração de estrógeno) e alguns quadros infecciosos (viral, tuberculose, helmintos).
B - Leucopenia Consiste na diminuição da contagem de leucócitos a valores abaixo da referência para idade e raça. Indivíduos da
nos, antconvulsivantes, ant-histamínicos, alguns antmicrobianos). Agranulocitose é definida por ausência virtual de granulócitos (<200/mm3) e contagem normal de eritrócitos e plaquetas. Em 70% dos casos, está relacionada ao uso de medicamentos (excluídos os mielossupressores) – os mais importantes são os anttreoidianos e a clozapina. Outros medicamentos relacionados à agranulocitose são: sulfas, dipirona, inibidores da enzima conversora da angiotensina, dapsona, ant-inflamatórios não hormonais, bloqueador H2 e clomipramina. Os indivíduos mais susce veis a essa patologia são mulheres, maiores de 50 anos e pacientes com
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HEMATOLOGIA doença autoimune. O tratamento é a suspensão da droga responsável pelo quadro e, após essa medida, a neutropenia resolve em 1 a 3 semanas (média em 12 dias). Nos pacientes com infecção secundária à neutropenia, além da an tbiotcoterapia de amplo espectro, pode ser associado fator de crescimento de neutrófilo (GCSF), que acelera a recuperação. -
Aumento da utlização ou da destruição •
•
•
Quadros infecciosos por certos agentes bacterianos (febre tfoide e paratfoide, Mycobacterium tubersia, vírus (hepatte A, mononuculosis),rubéola, por rickécaxumba, cleose, sarampo, dengue, HCV, HIV), protozoários (malária, calazar) e fungos (histoplasmose), podem cursar, em algum momento da infecção, com neutropenia, por aumento da utlização de neutrófilos. Indivíduos com baixa reserva medular ou desnutridos também podem apresentar neutropenia diante de quadros bacterianos agudos, que tpicamente cursariam com neutrofilia; Doenças imunes: neutropenia autoimune isolada ou associada a outros quadros sistêmicos como LES, artrite reumatoide, síndrome de Felty; neutropenia aloimune neonatal; Pode também ocorrer neutropenia no sequestro esplênico (hiperesplenismo).
En fim, existem muitas causas para a neutropenia. Por isso, o raciocínio deve basear-se na história clínica, no exame fsico e em outros achados do hemograma. Na suspeita de doença medular, deve-se avaliar também o mielograma e/ou a biópsia de medula óssea. As neutropenias hereditárias são raras, destacando-se a síndrome de Kostmann, síndrome de Chediak-Higashi e a síndrome de Shwachman-Diamond. b) Linfopenia Definida como contagem linfocitária <1.000/mm3 de sangue em adultos; em crianças, varia de acordo com a idade e o sexo. É causada por: - Baixa produção: desnutrição proteico-calórica (principal causa de linfopenia), imunodeficiência, deficiência de zinco. As imunodeficiências linfopênicas congênitas podem ser seletvas (apenas B ou T) ou combinadas (B e T); - Aumento na destruição: quimioterapia e radioterapia, alteração de vasos linfátcos, síndrome de WiskoAldrich, quadro inflamatório crônico (doenças autoimunes, partcularmente no LES), infecções virais (HIV, sarampo, poliomielite, influenza, varicela-zóster). O HIV causa linfocitopenia seletva do subtpo T CD4. Também pode decorrer de situações perdedoras de linfócitos, como nas enteropatas perdedoras de proteínas e na insuficiência cardíaca congestva grave:
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Redistribuição: diante de eventos estressantes, como infecções, queimados e trauma, em resposta à elevação de cortcoide, ocorre desvio do linfócito do sangue periférico para os tecidos. A mesma situação acontece diante dos quadros de doença granulomatosa disseminada (tuberculose, sarcoidose); - Mecanismo incerto: doença de Hodgkin, insuficiência renal, câncer, síndrome de Felty, infecção bacteriana aguda no idoso. -
c) Monocitopenia Contagem de monócitos abaixo de 100/mm 3 de sangue. De escasso valor clínico, exceto na leucemia de células cabeludas (neoplasia de células B). d) Eosinopenia Contagem abaixo de 20/mm3, ocorre em quadros de infecções agudas com neutrofilias acentuadas. É bastante útl para o diagnóstco de casos de abdome agudo e ocorre também quando em uso de cor tcoide e epinefrina. e) Basopenia De pouca aplicabilidade clínica.
4. Plaquetograma Como os demais, a contagem plaquetária pode ser feita por meio de contagem direta (câmara de Neubauer), indireta (microscopia) ou automatzada. O valor normal é de 140.000 a 450.000/mm3. Para valores abaixo do normal, deve-se excluir contagem plaquetária errada para menos: - Espúria: agregados de plaquetas em razão de coleta traumátca ou lenta, demora na homogeneização do tubo – proceder à coleta adequada; - Aglutnação de plaquetas induzidas pelo EDTA: colher nova amostra em citrato (tubo de tampa azul); - Presença de macroplaquetas: alguns contadores automátcos contam macroplaquetas como hemácias. Confirmada a plaquetopenia pelo contador automátco, por meio de coleta adequada em EDTA e citrato, e análise do sangue periférico, deve-se pensar em: - Diminuição da produção: de ficiência de vitamina B12 ou ácido fólico, aplasia de medula, mielodisplasia, in filtração da medula por neoplasia, efeito de medicamentos e agentes tóxicos ou infecciosos (rubéola, varicela, parvovírus, HCV, EBV); - Excesso de destruição ou consumo: microangiopata, destruição imune, CIVD e infecção; - Hiperesplenismo. As falsas plaquetoses são bem menos comuns e decorrem, principalmente, da presença de fragmentos eritrocitários, en-
INTERPRETAÇ ÃO DO HEM OGRAMA
contrados em microangiopa tas (esquizócitos) e aquecimento indevido da amostra; ou da microcitose extrema. Confirmada a plaquetose, devem-se excluir quadros infecciosos, inflamatórios ou neoplásicos, e ainda a ferropenia. Na ausência dessas causas, investgar mieloproliferação crônica. Não é possível distnguir plaquetose primária ou secundária por meio do valor das plaquetas, entretanto, esta diferenciação por investgação se faz de extrema necessidade, tendo em vista que as plaquetoses primárias acarretam maior risco de trombose, o que não ocorre nas plaquetoses de causas secundárias.
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5. Hemograma nas leucemias agudas O hemograma nas leucemias agudas é bastante variado. A anemia é um achado frequente e de intensidade variável, e o valor de Hb pode variar entre 3 e 16g/dL. É normocrômica e normocítca, com retculócito normal ou diminuído. Eritroblastos podem ou não estar presentes no sangue periférico. Plaquetopenia está presente em mais de 90% dos casos, sendo o valor inferior a 50.000/mm 3 encontrado em 50% dos casos. Os leucócitos são bastante variáveis: a contagem pode estar elevada em 50 a 60% dos casos, normal em 20 a 30% ou diminuída em 20 a 30%. Hiperleucocitose (>100.000/ mm3) acontece apenas em 20% dos casos. Desta forma, o hemograma de uma leucemia aguda pode variar de pancitopenia à discreta plaquetopenia, sem alteração de leucócitos e hemácias, ou até anemia com plaquetopenia e hiperleucocitose. Na maior parte das vezes, encontram-se blastos no sangue periférico, que são células neoplásicas de aspecto imaturo (núcleo com cromatna frouxa e, algumas vezes, nucléolo evidente), podendo conter grânulos (blasto mieloide) ou não (sugestvo de blasto linfoide). A presença de bastonetes de Auer (grânulo bastante evidente em forma de bastão) é patognomônico de blasto mieloide. Leucemias em fase inicial, ou aquelas que cursam com pancitopenia, podem não apresentar blasto em sangue periférico, apenas na análise da medula óssea (hemograma aleucêmico – ocorre em 10% dos casos). A distinção entre blasto mieloide e linfoide deve sempre contar com auxílio de exame citoquímico e imunofenotipagem, visto que existem leucemias bifenotípicas (presença dos 2 clones, mieloide e linfoide, ou linfoide B e T), que apresentam pior prognóstico e necessitam de terapia mais agressiva. Hiato leucêmico: é a presença de células maduras e imaturas, sem precursores intermediários, característco da leucemia mieloide crônica.
Figura 6 - Mieloblasto com grãos e bastonete de Auer
6. Hemograma nas asplenias Nos pacientes com hipoesplenia ou asplenia (anemia falciforme, esplenectomia), as característcas do hemograma são: - Série vermelha: presença de corpúsculos de HowellJollly, corpos de Heinz, células “em alvo” e acantócitos, pois o baço é o principal local de remoção de hemácias envelhecidas Série branca: enoanômalas; pós-operatório imediato da esplenectomia, observa-se leucocitose à custa de neutrofilia, período que dura aproximadamente 1 a 2 semanas, seguido de linfocitose e monocitose discretas e persistentes; - Plaquetas: no pós-operatório imediato, ocorre plaquetose importante, muitas vezes alcançando valores superiores a 1 milhão/mm3, inclusive com risco de trombose (sendo recomendado o uso de an tagregante plaquetário profilátco), de forma transitória, com duração que varia entre alguns meses a 2 anos. -
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HEMATOLOGIA
Figura 7 - Alterações da série eritrocítca na asplenia
7. Resumo Abaixodonormal
Quadro-resumo Valornormal
Acimadonormal
Poliglobulia: secundária (síntese aumentada Anemia: por falta de produção, perda ou destrui- Hb: 12 a 16g/dL (mulher); 14 a de EPO por hipoxemia ou tumor) ou primária ção excessiva. 18g/dL (homem). (mieloproliferação crônica). VCM: 80 a 96fL. Microcitose: anemia ferropriva, talassemia, ane- Normocitose: se anemia – anemia Macrocitose: anemia megaloblástca, medicamia de doença crônica, deficiência de cobre, into- de doença crônica, insuficiência mentos, mielodisplasia, alcoolismo, hepatopaxicação por chumbo. renal crônica, hipotreoidismo, ta, hipotreoidismo. anemia carencial mista. Hipocromia: anemia ferropriva, talassemia, aneCHCM: 32 a 36pg. mia de doença crônica.
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Hipercromia: esferocitose.
INTERPRETAÇ ÃO DO HEM OGRAMA
Abaixodonormal Clínica: sem significado clínico.
Valornormal RDW: 1 1 a 14,5%.
Neutropenia: por doença medular (aplasia, leucemias, infiltração por linfomas ou outras neoplasias); supressão das células precursoras de granulócitos (quimioterápicos); agranulocitose Neutrófilos: 1.600 a 6.600/mm3. (medicamentos como dipirona, cloranfenicol, sulfonamidas, clorpromazina, metltouracila e fenilbutazona); agentes tóxicos ambientais (benzeno); deficiências nutricionais (B12 e folato). Linfopenia: desnutrição proteico-calórica, imunodeficiência, deficiência de zinco; quimioterapia e radioterapia, alteração de vasos linfátcos, síndrome de Wisko-Aldrich, quadro inflamatório crônico (doenças autoimunes) infecções virais (HIV, sarampo, poliomielite,influenza, varicela-zóster); Linfócitos: 1.200 a 3.500/mm3. enteropatas perdedoras de proteínas; insuficiência cardíaca congestva grave; eventos estressantes (infecções, queimados e trauma), doença granulomatosa disseminada (tuberculose, sarcoidose); doença de Hodgkin, insuficiência renal, câncer, infecção bacteriana aguda no idoso.
Acimadonormal Anemia ferropriva, microangiopa ta. Neutrofilia: - Primária: neoplasia mieloproliferatva; - Secundária: tabagismo, quadros infecciosos agudos (principalmente bacterianos), inflamação crônica (artrite, vasculite, doença inflamatória intestnal), liberação de citocinas (grande queimado, trauma, infarto agudo do miocárdio.), estresse (exercício, estresse psíquico), medicamentos (adrenalina, cortcoide), asplenia e reacional a neoplasias não hematológicas. Linfocitose: - Primária: linfoproliferação clonal aguda ou crônica; - Secundária: infecção viral, outras infecções (pertussis, sífilis, tuberculose, toxoplasmose), medicamentos (reação de hipersensibilidade), situações de estresse (infarto do miocárdio, traumatsmos, epilepsia) tabagismo e pós-esplenectomia; - Linfocitose apica: mononucleose, citomegalovirose, caxumba, toxoplasmose, adenovírus e herpes-vírus tpo 6 humano. Eosinofilia: - Primária: doenças hematológicas, mieloproliferação crônica, síndrome hipereosino flica;
Eosinopenia (<20/mm3): infecções agudas com Eosinófilos: 0 a 400/ mm3. neutrofilias acentuadas; uso de cortcoide e epinefrina.
- Secundária: quadros alérgicos (rinite, parasiasma, urtcária), reação a drogas, infecções tárias (estrongiloides, Toxocara canis-larva migrans, Ancylostoma e escabiose), doenças cutâneas (pênfigo), infecção fúngica (coccidioidomicose), deficiência de cortcoide (Addison) e em associação a linfomas.
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HEMATOLOGIA
CAPÍTULO
Anemias
2 1. Conceitos gerais A anemia é definida como a situação em que há diminuição da concentração de hemoglobina, por unidade de sangue, abaixo da média considerada normal para a raça, o sexo, a idade do indivíduo e a alttude em que ele se encontra. Essa condição caracteriza-se pela redução da capacidade de transporte de oxigênio, resultando, nos quadros mais severos, em disfunção miocárdica e cerebral. Segundo os critérios da Organização Mundial de Saúde (OMS), os limites mínimos no nível do mar são de 14g/dL para homens, 12g/dL para mulheres e 11g/dL para mulheres grávidas. Erroneamente, considera-se a anemia uma patologia, não o sinal de uma doença de base. O raciocínio simplista de considerar a anemia uma entdade individual leva a falhas graves na realização de diagnóstcos e, com isso, ao comprometmento do tratamento do paciente. Diagnostcar a etologia é essencial, pois, se não corrigida ou controlada, manterá a anemia de forma recorrente ou com piora progressiva, como no caso da anemia secundária ao hipotreoidismo, além da progressão da patologia de base, como na deficiência de ferro por neoplasias gástricas. A responsabilidade médica inclui ainda desmis tficar o quadro de anemia, conhecido, entre o público leigo, como “capaz de transformar-se em leucemia” ou “provocar aumento dos glóbulos brancos por queda dos vermelhos”. Esses conceitos errôneos e muitos outros do gênero causam enorme preocupação a pacientes e familiares, muitas vezes comprometendo a adesão e até o resultado do tratamento.
2. Hematopoese Hematopoese é o processo pelo qual são formados os elementos do sangue. O tecido hematopoétco, localizado no adulto predominantemente na medula óssea, é srcinado das células-tronco hematopoétcas, que apresentam 3 propriedades:
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Fernanda Maria Santos / Marcos Laercio Pontes Reis
-
Autorrenovação: capacidade de produzir células idêntcas;
-
Diferenciação: produção de todas as linhagens das células hematológicas maduras;
-
Plastcidade: capacidade de transdiferenciação, ou seja, de srcinar outros tecidos.
A srcem da célula-tronco hematopoé tca (do inglês, hematopoietc stem cell) pode ser entendida relembrando os conceitos da embriogênese: - Célula-tronco totpotente (zigoto): tem capacidade de formar todos os tecidos embrionários e extraembrionários; -
Célula-tronco pluripotente (blastocisto, também chamada célula-tronco embrionária): tem capacidade de formar qualquer tecido embrionário;
-
Célula-tronco multpotente: capacidade de formar tecidos específicos (por exemplo: neurológico, epidérmico, sanguíneo – também chamada célula-tronco adulta), mas com propriedade de plastcidade.
A Célula-Tronco Hematopoétca (CTH) é uma célula multpotente e atualmente muito estudada, para compreensão
das doenças hematológicas (pois dá srcem a todo componente celular sanguíneo) e pela sua propriedade de plas tcidade. Essa propriedade é fundamental para o desenvolvimento das técnicas futuras de terapia celular, que consiste na reparação, pela célula-tronco adulta, de tecidos lesados, como tecido cardíaco em chagásicos ou coronariopatas, tecido neurológico em acidente vascular cerebral e lesão medular, tecido ósseo e cartlaginoso etc. A CTH adulta é de fácil aquisição, por meio da coleta da medula óssea ou, inclusive, do sangue periférico (por intermédio de técnicas adequadas de mobilização dessa célula para o sangue), diferente da célula-tronco embrionária, que para seu estudo envolve questões é tcas difceis.
ANEMIAS
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Figura 1 - Embriogênese e propriedades da célula-tronco de diferenciação e transdiferenciação
As células que povoam os espaços intertrabeculares da chamada “medula óssea vermelha” ou “hematopoétca” são as CTH (stem cells), em pequena quantdade, e as células derivadas da sua diferenciação e maturação, que se desenvolvem devido ao microambiente medular – consttuído de vasos sanguíneos, células estromais (fibroblastos e osteoblastos, por exemplo), matriz extracelular e citocinas. No processo de diferenciação celular, a CTH tem a capacidade de srcinar novas células, mais diferenciadas e comissionadas para uma linhagem específica, os chamados precursores mieloides e linfoides. Esses precursores, por meio de sucessivas divisões e maturação, chegam à forma-
ção dos elementos maduros que são liberados para a circulação periférica. Tanto o comissionamento linhagem-específico quanto a divisão e a maturação dos elementos das diferentes linhagens se devem à ação de mecanismos intracelulares e à a tvidade dos mediadores humorais, fatores de crescimento e citocinas ( stem cell factor, fator de crescimento granulocí tco, eritropoe tna, trombopoe tna, interleucinas e o fator de necrose tumoral, entre outros), além da ação das chamadas “moléculas de adesão medulares”. Assim, a ausência ou o excesso de alguns deles pode levar a estados patológicos.
CFU: Unidade formadora de colônia; BFU: unidade formadora de “ninhos” de eritrócitos e megacariócitos; GM: granulócitos e monócitos. Figura 2 - Hematopoese
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HEMATOLOGIA A eritropoese engloba os mecanismos de diferenciação e maturação da linhagem eritroide e compreende os seguintes elementos que podem ser detectados na análise da medula óssea:
Figura 3 - Eritropoese: as formas que vão desde a célula-tronco até a BFU-E não apresentam característcas morfológicas próprias quando visualizadas no esfregaço de sangue medular, mostrando-se apenas como células mononucleares indiferenciadas. A par tr do pró-eritroblasto, já existem característcas morfológicas de cada elemento, e são essas característcas que indicam sua maturação
A síntese de hemoglobina faz parte do processo de maturação eritroblástca e começa com os eritroblastos policromátcos. Ao final da maturação, o núcleo, já sem utlidade para a célula, será extruído, dando srcem ao retculócito. Os retculócitos, portanto, são anucleados e já são células capazes de realizar todas as a tvidades metabólicas de um eritrócito maduro, mas que mantêm restos de material ribossômico em seu interior e têm um volume celular discretamente maior que as formas maduras. Ao cair na circulação periférica, após 3 dias de permanência na medula óssea, o retculócito terminará sua maturação em 1 dia; com a perda do material ribossômico restante – re trado pelo baço – irá se transformar em eritrócito maduro. Para que a eritropoese ocorra de maneira completa e eficiente, são necessários: - CTH normal; - Fator estmulante para a síntese eritroide: principalmente eritropoetna (EPO) e IL3. A EPO é uma glico-
Figura 4 - Controle da eritropoese
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proteína produzida no parênquima renal, pelas células justaglomerulares, por meio de mecanismo autorregulatório – uma alça defeedback, cujo estmulante principal é a hipóxia, e o nível de EPO circulante aumenta em proporção inversa à oxigenação tecidual e à massa eritrocitária. À medida que a anemia se desenvolve, o aparelho sensor dentro do rim aumenta a secreção de EPO, com aumento da síntese eritroide na medula óssea; - Nutrientes: ferro, vitaminas B12 e B6, ácido fólico, proteínas e lipídios, entre outros. Após 100 a 120 dias na circulação, o eritrócito senil é destruído pelo sistema re tculoendotelial, principalmente no baço. Cerca de 0,8 a 1% da massa eritroide circulante é reposta diariamente. A massa eritroide total do indivíduo é resultado do balanço entre produção e destruição diárias.
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3. Composição do eritrócito O eritrócito é composto essencialmente por uma membrana envolvendo uma solução, rica em eletrólitos (principalmente o potássio) e hemoglobina. É altamente dependente de glicose como fonte de energia (ATP) e, como não existem organelas intracelulares como mitocôndrias, a produção de ATP é quase exclusiva através da glicólise.
A - Membrana eritrocitária A membrana consttuídatransmembrana por bicamada lipídica, na qual eritrocitária são inseridasé proteínas (proteínas integrais, banda 3, glicoforina), que tem como base de sustentação um citoesqueleto (malha de espectrina alfa e beta). A integridade da membrana é responsável por propriedades importantes dos eritrócitos que permitem sua passagem pelos vasos sem que haja lise celular. Essas propriedades são deformabilidade, elastcidade e reestruturação do eritrócito.
Hemoglobina A (HbA): 2 cadeias alfa e 2 cadeias beta; Hemoglobina A2 (HbA2): 2 cadeias alfa e 2 cadeias delta; - Hemoglobina fetal (HbF): 2 cadeias alfa e 2 cadeias gama. -
Contudo, existem outros tpos de cadeias globínicas e de hemoglobinas que aparecem durante o desenvolvimento embrionário-fetal ou por mutações especí ficas, como no caso das talassemias e da doença falciforme. Cada cadeia de globina“porção envolveheme um único núcleo contendo ferro, denominado da molécula”. O heme contém um anel de protoporfirina e um átomo de ferro em seu estado ferroso, e pode ligar-se a uma única molécula de oxigênio. Portanto, cada molécula de hemoglobina é capaz de ligar 4 moléculas de oxigênio.
Figura 5 - Membrana do eritrócito
B - Hemoglobina A hemoglobina é a macromolécula presente no interior dos eritrócitos, responsável direta pelo transporte de oxigênio até os tecidos. A cor vermelha das hemácias é dada por esse pigmento, e a sua concentração no interior do corpúsculo se traduz em diferentes intensidades e padrões de pigmentação, que podem ser armas propedêutcas importantes no diagnóstco da etologia das anemias. A concentração considerada normal de hemoglobina para indivíduos adultos do sexo feminino é de 12 a 15g/dL e, para homens adultos, de 13 a 17g/dL. Cada molécula da hemoglobina é composta por 4 cadeias heme e 4 cadeias de polipep dios de globina. As cadeias globínicas, responsáveis pela caracterização do tpo de hemoglobina, são formadas por 2 cadeias alfa e 2 cadeias não alfa (beta, gama e delta). As formas predominantes no indivíduo normal após o nascimento são:
Figura 6 - Hemoglobina A: 4 cadeias de globina (2 alfa, 2 beta) e 4 núcleos heme
No adulto normal, em torno de 98% da hemoglobina circulante são hemoglobina A, aproximadamente 2% da hemoglobina restante ocorrem na forma A2. Menos de 1% da hemoglobina se apresenta na forma fetal ou F, sendo esta de maior afinidade pelo oxigênio que as formas A. A afinidade do oxigênio pela hemoglobina é determinada pela pressão parcial do oxigênio (pO 2) em que 50% da hemoglobina estão saturados (P50). A P50 é normal em 27mmHg de O2, em pH 7,4 e temperatura de 37,4°C. A afinidade do oxigênio pela hemoglobina é modulada pelo pH, CO2, 2,3 DPG, temperatura e ferro. a) pH e CO2 A acidez (excesso de prótons H+) e alta concentração de CO2 nos capilares de tecidos em metabolismo atvo promo-
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HEMATOLOGIA vem a liberação de O2 da hemoglobina, pois diminuem a afinidade pela mesma. O efeito contrário acontece nos capilares dos alvéolos do pulmão, onde a alta concentração de O2 libera CO2 e H+ da hemoglobina. A capacidade da hemoglobina de liberar mais oxigênio em tecidos com muito CO2 é conhecida como efeito Bohr. b) 2,3 DPG É produzido e destruído enzimatcamente como intermediário da glicólise nos eritrócitos. O 2,3 DPG se liga à hemoglobina desoxigenada, diminuindo assim a a finidade desta pelo oxigênio, liberando mais oxigênio para os tecidos; isso ocasiona um desvio da curva de saturação da hemoglobina para a direita. c) Ferro Em seu estado ferroso, é essencial para a a finidade normal da hemoglobina ao oxigênio, pois o estado férrico (metemoglobina) tem alta afinidade pelo oxigênio, comprometendo a liberação tssular. d) Temperatura A hipotermia também aumenta a afinidade de oxigênio pela hemoglobina.
C - Metabolismo do eritrócito O metabolismo do eritrócito, apesar de ser uma célula anucleada, é bastante complexo e envolve uma série de reações enzimátcas. A glicose é o substrato primário para o requerimento energétco dos eritrócitos. O ATP assegura o funcionamento da bomba de sódio e o transporte de várias moléculas através da membrana, mantém a forma e a deformabilidade desta e garante a concentração de 2,3 DPG dentro da célula. Uma vez que a glicose entra na célula, ela é fosforilada a glicose 6-fosfato (G6P) pela enzima hexoquinase (HK). A G6P é então metabolizada pela via da glicólise ou via das pentoses (VPP). A via da glicólise resulta em ATP e lactato, por meio da enzima piruvato-quinase (PK). Na via das pentoses ou shunt da hexose-monofosfato, a G6P sofre ação da enzima glicose-6-fosfato desidrogenase (G6PD), formando a 6-fosfogluconato e o NADPH. Este últmo é coenzima da glutaton-redutase, que leva à regeneração do glutaton reduzido GSH. O GSH é usado pela glutaton-peroxidase na eliminação do peróxido de hidrogênio na hemácia, evitando a oxidação da membrana plasmá tca da hemácia, das globinas e das proteínas estruturais (já que isso causaria instabilidade celular). Em resumo, a G6PD protege a Hb e a membrana eritrocitária do dano oxidatvo dos radicais livres do O2 produtca zidos infecções, drogas, toxinas, cetoacidose diabé etc. Apor oxidação de estruturas da membrana pode causar hemólise intravascular.
Figura 8 - Metabolismo da G6PD
A G6PD também atua, por intermédio da produção de NADH, para manter o heme na forma reduzida Fe++, evitando a formação da metemoglobina (heme contendo ferro na forma férrica), que precipita lesando a membrana eritrocitária de diversas maneiras. Figura 7 - Curva de dissociação da oxi-hemoglobina em um indivíduo adulto: em preto: curva de dissociação normal: a hemoglobina está 50% saturada, resultando em pO2 tecidual de 27mmHg (isto é: P50 = 27mmHg); desvio para a esquerda (linha azul): representa aumento da afinidade do O2 pela hemoglobina, com menor liberação tecidual de oxigênio – a hemoglobina libera somente 35% do seu oxigênio, resultando em pO2 de cerca de 10mmHg; desvio para a direita (linha vermelha) diminuição da a finidade da oxi-hemoglobina, com maior liberação de O 2 para os tecidos – a hemoglobina libera 70% do seu oxigênio ocasionando uma pO2 tecidual de cerca de 37mmHg
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4. Quadro clínico Os sinais e sintomas associados à anemia se devem à deficiência do aporte tssular de oxigênio. A chamada síndrome anêmica varia em suas manifestações de acordo com a idade, o tempo de estabelecimento, a intensidade da anemia e as performances hemodinâmica e respiratória do indivíduo. Idosos com comorbidades, como insu ficiência cardíaca ou doença pulmonar obstru tva crônica, terão menos tolerância ao estado de hipóxia tssular. Pacientes cujo
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quadro anêmico se estabeleceu lentamente, como no caso da deficiência de ferro por perdas crônicas, suportarão níveis mais baixos de hemoglobina (pela adaptação feita com os mecanismos compensatórios) que aqueles em que houve rápida instalação da anemia, como nas perdas agudas. Existem mecanismos fisiológicos de adaptação à anemia, que são: a) Aumento do débito cardíaco Para aumentar o aporte de oxigênio aos tecidos, o sangue circula em maior volume por minuto. Tal procedimento é chamado “efeito hipercinétco da anemia”, que é consequência da queda da resistência vascular periférica e aumento da frequência cardíaca. b) Aumento do 2,3 DPG (glicose difosfato) no interior da hemácia Este metabólito reduz a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio, facilitando a liberação de O 2 nos tecidos e minimizando os sintomas. c) Aumento da perfusão “órgão-seletva” Formando shunts, para melhorar perfusão de órgãos vitais. Na perda aguda, as maiores áreas de redistribuição são o leito vascular mesentérico e ilíaco; nas perdas crônicas, pele e rim. d) Aumento da função pulmonar Aumento da frequência respiratória para elevar a oxigenação sanguínea. e) Aumento da produção de eritrócito Mediado pela produção de EPO. A taxa da síntese de EPO é inversamente proporcional à concentração de hemoglobina e estmulada pela hipóxia do tecido renal. Quando o sistema de adaptação da anemia está preservado, a liberação tssular de oxigênio pode ser mantda, em repouso, com valores de hemoglobina até 5g/dL. Sintomas se estabelecerão com valores abaixo deste no indivíduo em repouso, ou ao esforço fsico, ou, ainda, nos casos de falha no sistema de adaptação. Os sintomas mais habitualmente associados à síndrome anêmica (independente da etologia dela) são dispneia aos esforços, de forma progressiva – até dispneia em repouso, tontura postural, vertgem, cefaleia, palpitação, síncope, astenia, diminuição do rendimento fsico e intelectual, alteração do sono, diminuição da libido, alteração do humor, anorexia, dor torácica e descompensação de patologias cardiovasculares, cerebrais ou respiratórias de base. Ao exame fsico, encontram-se palidez de pele e mucosas, taquicardia, aumento da pressão de pulso, sopros de ejeção sistólicos, diminuição da pressão diastólica, edema periférico leve. Nos casos mais graves – letargia, confusão mental, hipotensão arterial e arritmia cardíaca. Anemia causada por perda sanguínea aguda é acompanhada de sintomas de hipovolemia. De acordo com o volume de sangue perdido, a intensidade do sintoma muda, e
pode variar desde taquicardia, até choque hipovolêmico e perda de consciência. Além disso, os re flexos de adaptação vascular à perda volumétrica aguda são mais intensos, e o quadro pode regredir apenas com reposição de volume. É importante reconhecer a diferença entre sintoma de anemia e hipovolemia, a fim de evitar transfusões de sangue desnecessárias (Tabela 1). Tabela 1 - Classificação do choque hipovolêmico Classe I
Classe II 800 a 1.500
Classe III
Classe IV
1.500 a 2.000
Perda (mL)
Até 750
Perda (%)
Até15
Pressão sistólica
Normal Normal
Diminuída
Diminuída
Pressão diastólica
Normal Diminuída Diminuída
Diminuída
15a30
Frequência Até100 100a120 cardíaca (bpm) Frequência respiratória (irpm)
Normal Normal
Diurese (mL/h) >30
20a30
30a40
>2.000 >40
120
>120
>20 10a20
>20 0a10
Extremidades
Normal Pálida
Pálida
Fria
Nível de consciência
Alerta
Sonolento
Confuso
Ansioso
A transfusão de concentrado de hemácias deve ser considerada aos pacientes das classes III e IV, pois, nos de classes I e II, pode ser feita apenas reposição volêmica com cristaloides. O cor anêmico é possível em indivíduos previamente hígidos e acontece em razão da ICC de alto débito.
5. Investgação etológica e classificação A anemia é sinal de doença – nunca deve ser admi tda como normal e sempre se deve procurar uma causa. A abordagem inicial do paciente com anemia deve acontecer da seguinte forma: -
História clínica completa Questonar quanto aos sintomas da síndrome anêmica e tempo de evolução; História nutricional, incluindo ingestão alcoólica; Questonar sobre sintomas de doenças que sabidamente cursam com anemia: sangue nas fezes, dor epigástrica, artrite, característcas da diurese; Comorbidades e medicamentos em uso; História familiar de anemia e srcem étnica, considerando alterações hereditárias da hemoglobina e do metabolismo do eritrócito (talassemias, anemia falciforme, deficiência de G6PD etc.); •
• •
• •
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HEMATOLOGIA •
-
História ocupacional, à procura de exposição a agentes tóxicos.
Exame fsico Realizar examefsico completo, estar atento para sinais de anemia, sinais característcos de ferropenia ou deficiência de B12, icterícia (sinal de hemólise ou hepatopata), sinais de neuropata, esplenomegalia (hemólise ou outra doença de base), sinais de doenças associadas como causa da anemia (adenomegalia, esplenomegalia, petéquias etc.). Como exames laboratoriais de triagem, devem-se solicitar: * Hemograma: importante para a análise dos índices eritroides, auxiliando na classificação morfológica da anemia e para avaliação dos outros componentes celulares sanguíneos; * Contagem de retculócito: avalia a função medular, importante na classificação funcional das anemias; * Avaliação do esfregaço de sangue periférico: contém informações importantes quanto à alteração na produção eritroide, diferenças em tamanho e forma. •
•
A - Avaliação da função medular (hemograma e contagem de retculócitos) A contagem de retculócitos é utlizada como marcador da eritropoese eficaz, pois são formas jovens da hemácia que recentemente foram liberadas pela medula óssea. Diante do quadro de anemia, se a EPO e a função medular estão preservadas, a produção eritroide aumenta em 2 a 3 vezes o valor normal dentro de 10 dias do início da anemia. Desta forma, se o valor normal da contagem não for ampliado dessa maneira, será indicada resposta medular inadequada. O valor do retculócito pode ser expresso em número absoluto ou relatvo (em porcentagem). Como geralmente é referido em porcentagem, para utlizá-lo como indicador de função medular, são necessários 2 ajustes: a) Ajustar para o grau de anemia Pois, na anemia, a porcentagem de re tculócitos pode estar aumentada, enquanto o número absoluto está baixo. Exemplo: um caso em que o valor de retculócitos é de 5%, numa contagem de eritrócitos de 1 milhão/μL, o número absoluto é de 50.000/μL, isto é, não há retculocitose. Para corrigir esse efeito, utliza-se o seguinte cálculo: % retculócito ajustada =
Quando o retculócito é expresso em número absoluto, esse cálculo não é necessário. b) Índice retculocitário O re tculócito está presente na circulação pelo período de 1 a 2 dias, tempo su ficiente para o catabolismo final dos resíduos de RNAs. Em situações com grande es mulo da eritropoese, o retculócito pode sair precocemente da medula e ficar mais dias no sangue periférico, fato identficado pelo encontro de policromasia (variação de cor na análise do sangue periférico). Portanto, nessas situações, pode-se ter uma estmatva exagerada da eritropoese. Para corrigir esse efeito, utliza-se o índice retculocitário. Calcula-se, de forma prátca, dividindo o retculócito corrigido por 2 (ou o valor absoluto), pois a maioria dos pacientes se apresenta com hematócrito entre 20 e 30. Porém, quanto mais intensa for a anemia, mais precocemente o retculócito cairá na circulação, e ali fica por maior tempo. Desta forma, o método correto de calcular o índice retculocitário é correlacionar com o hematócrito. Tabela 2 - Fator de correção segundo o hematócrito para o cálculo do índice retculatório Hematócrito
30% a 20 <20%
2,5
Com esses dados, pode-se estabelecer a classificação -
Anemias hipoproliferatvas: diagnostcada pela retculocitopenia, resulta da baixa taxa de produção de hemácia. Causas mais comuns: Deficiência nutritva (causa mais comum entre crianças e adultos): por falta de absorção, ingesta inadequada ou perda crônica; Falta de esmulo: diminuição de hormônios estmulantes da eritropoese – eritropoetna (disfunção renal), hormônio treoidiano, andrógeno; Doenças da célula-tronco (anemia aplástca, mielodisplasia) ou infiltração medular tumoral; supressão medular: quimioterápicos, medicamentos; Anemia de doença crônica secundária a processos inflamatórios, infecciosos ou neoplásicos. •
•
•
Outra fórmula que também pode ser utlizada é o cálculo do número de retculócitos absolutos, como segue:
16
2
fisiopatológica das anemias:
Hematócrito normal*
100
1,5
Com a avaliação dos re tculócitos, pode-se dividir a função medular em: - Medula hipoproliferatva: apresenta contagem de retculócito corrigida <2% ou <100.000/mm 3; - Medula hiperproliferatva: quando a contagem a tnge valores ≥2% ou ≥100.000/mm 3, indicando resposta medular normal à perda de sangue ou à destruição excessiva dos eritrócitos.
% retculócito x hematócrito do paciente
% de retculócitos x contagem de hemácias
1
45% a30
* Hematócrito normal para o homem: 45%; para a mulher: 40%.
Retculócito absoluto =
Fatordecorreção
>45%
•
Anemias hiperproliferatvas: diagnostcadas pela retculocitose, ocorrem em razão da perda ou destruição -
ANEMIAS
excessiva dos eritrócitos, com resposta adequada da medula óssea. Hemólise é a destruição prematura de hemácias e pode ser de causa congênita ou adquirida. Tabela 3 - Classificação fisiopatológica das anemias Anemias hipoproliferatvas - Deficiência de ferro; - Deficiência de B12; - Deficiência de folato; - Anemia de doença crônica; - Anemia da insuficiência renal; - Anemia diseritropoétca congênita; - Efeito de drogas ou toxinas; - Anemia por doença endócrina; - Infiltração medular; - Anemia sideroblástca; - Anemia aplásica. - Se houver leucopenia e/ou plaquetopenia associados: · Deficiência de B12; · Deficiência de folato; · Leucemia; · Anemia aplásica; · Sepse; · Infiltração medular tumoral. Anemias hiperproliferatvas - Resposta apropriada à perda sanguínea. - Anemias hemolítcas: · Hemoglobinopatas; · Anemia hemolítca imune; · Hemólise de causa infecciosa (malária, babesiose); · Doenças de membrana (esferocitose hereditária, eliptocitose); · Anormalidade metabólica (deficiência de G6PD); · Hemólise mecânica (microangiopata, prótese valvar cardíaca); · Hemoglobinúria paroxístca noturna. - Se houver plaquetopenia associada: · Anemia microangiopátca: PTT, SHU, HELLP, CIVD.
B - Avaliação da morfologia (hemograma e esfregaço do sangue periférico) A avaliação morfológica das anemias baseia-se, principalmente, na Concentração da Hemoglobina Corpuscular Média (CHCM), no Volume Corpuscular Médio (VCM) e no RDW. O VCM (que mostra o tamanho médio dos eritrócitos) e o CHCM (que mostra o valor médio de hemoglobina por hemácia – representada morfologicamente pela cor do eritrócito) podem ser calculados com base nos valores de hematócrito, número de eritrócitos e hemoglobina. Segundo o VCM, a anemia pode ser: - 96fL: macrocítca; - 80 a 96fL: normocítca; - <80fL: microcítca. Segundo o CHCM, a anemia pode ser: - >36g/dL: hipercrômica;
<36g/dL a >31g/dL: normocrômica; <31g/dL: hipocrômica. Com esses dados, pode-se estabelecer a classificação das anemias, segundo a morfologia, em: -
a) Hipocrômicas e microcí tcas São caracterizadas por células pequenas e de coloração menos intensa, pelo pouco conteúdo de hemoglobina, que pode ser decorrente de: - Diminuição da disponibilidade do ferro: deficiência de ferro, anemia de doença crônica, de ficiência de cobre; - Diminuição da síntese do heme: intoxicação por chumbo, anemia sideroblástca; - Diminuição na síntese de globinas: talassemia, outras hemoglobinopatas. b) Normocrômicas e normocítcas A média do tamanho e coloração das hemácias é normal. Nesta situação, a análise do sangue periférico é importante, pois pode tratar-se de estágio inicial de anemia microcítca ou macrocítca. Pode também ocorrer pela falta de esmulo da eritropoese (insuficiência renal, endocrinopata), da anemia de doença crônica ou das anemias por infiltração medular, entre outros. c) Normocrômicas e macrocítcas Trata-se de hemácias grandes e de coloração normal, maiores que a média, porém com conteúdo globínico normal. Ocorre frequentemente em: - Anemias com metabolismo anormal do ácido nucleico – megaloblástcas por deficiência de vitamina B12 ou ácido fólico, medicamentos (zidovudina, hidroxiureia); - Retculocitose importante, pois o re tculócito é célula grande – anemia hemolítca, resposta à perda sanguínea aguda; - Alteração da maturação do eritrócito: mielodisplasia; - Outras causas: hepatopa ta, hipotreoidismo, alcoolismo. Pode-se ainda classificar as anemias, além dos pontos de vista fisiopatológico e morfológico: Quanto à massa eritrocitária Relatvas Aumento do volume plasmátco, sem alteração da mas-
•
sa eritrocitária: gestante, macroglobulinemia. Absolutas Diminuição real da massa eritrocitária. •
Quanto à velocidade de instalação Agudas De instalação rápida. Crônicas De instalação lenta. -
•
•
Após a avaliação e classificação inicial das anemias, muitas vezes são necessários exames especí ficos para confir-
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HEMATOLOGIA mação diagnóstca, como na anemia hipocrômica e microcítca, com RDW alto – analisar per fil de ferro; anemia macrocítca com RDW alto – analisar dosagem de vitamina B12 e folato; anemia normocrômica e normocí tca com retculócito baixo e RDW normal – dosar nível sérico de EPO, avaliar função renal e treoidiana, e solicitar mielograma. Por fim, quando se analisa um quadro de anemia, deve-se ainda prestar atenção nas alterações morfológicas das hemácias. Geralmente elas vêm descritas no hemograma, ao final da série eritroide, sendo indica tvas de determinadas patologias, conforme detalhado na Tabela 4. Tabela 4 - Alterações morfológicas das hemácias no sangue periférico de pacientes com anemia Alteração
Descrição
Tipo daenemia
Poiquilocitose
Variação das formas das hemácias
Anemia ferropriva
Eliptócitos/ ovalócitos
Hemácias elíptcas e ovaladas
Eliptocitose, talassemia, deficiência de ferro, anemia megaloblástca
Esferócitos
Anemia hemolítca autoiHemácia pequena de forma esférimune, esferocitose heredica e hipercorada tária
Dacriócitos
Hemácias em forma de lágrima
Leptócitos/ hemácias em alvo
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Células em forma de alvo
Mielo fibrose, mieloise
Talassemia, doença hepátca, hemolobinopatas S e C, talassemia, pósesplenectomia, deficiência de ferro
Imagens
ANEMIAS
Alteração Drepanócitos
Descrição Hemáciasemformadefoice
Acantócitos (spur cells)
Abetalipoproteinemia, Hemácias pequenas com projeções hepatopata alcoólica, irregulares pós-esplenectomia, má absorção
Esquizócitos
Microangiopata (PTT, SHU, Fragmentos de hemácias de CIVD, vasculite, hipertensão tamanhos diferentes e com formas maligna) queimadura sevebizarras ra, doença valvar
Anel de Cabot
Tipo daenemia Doençafalciforme
Imagens -
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Figura em forma de anel observada nas anemias megaloblástcas. Filamento fino, de cor vermelhoEstado hemolítco -violeta, concêntrico em relação à membrana celular, que resulta de mitoses anômalas
Corpúsculos Restos de cromatna nuclear de Howell-Jolly
Pós-esplenectomia, anemia hemolítca, anemia megaloblástca
Pontlhado basófilo
Granulações variáveis em número Talassemias, e tamanho, de cor azulada, agregapor chumbo dos de ribossomos remanescentes
Corpúsculos de Heinz
Precipitados de hemoglobina desIndicação de lesão oxidatnaturada que podem ser enconva: deficiência de G6PD, hetrados aderidos à membrana das moglobinas instáveis hemácias
intoxicação
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HEMATOLOGIA Alteração
Descrição
Tipo daenemia
Imagens
Depósito de ferro no eritrócito Talassemias, anemia Corpúsculo de apresenta-se como pontos enegre- megaloblástca e hipoesplePappenheimer cidos, agrupados ou localizados nismo
Rouleaux
Aglutnação das hemácias que forHipergamaglobulinemia mam verdadeiras pilhas
Eritroblastos
Hemácias nucleadas que podem Anemiaaguda,hemólise aparecer no sangue periférico
-
Figura 9 - Análise morfológica de hemácias no sangue periférico
6. Resumo Quadro-resumo - Anemia: ⇓ hemoglobina abaixo da média considerada normal para a raça, o sexo, a idade etal tude. Caracteriza-se pela redução da capacidade de transporte de oxigênio. Mecanismos de adaptação à anemia - Aumento do débito cardíaco); - Aumento do 2,3 DPG; - Aumento da perfusão “órgão-seletva”; - Aumento da função pulmonar; - Aumento da produção de eritrócito ↑ ( EPO). Quadro clínico - Os sintomas decorrem da hipoxemia tecidual e têm maior intensidade, quanto mais rápida a instalação do quadro, mais intensa a anemia e menor a capacidade de adaptação. Sintomas - Dispneia aos esforços; - Tontura postural; - Vertgem; - Cefaleia; - Alteração do sono;
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ANEMIAS
Sintomas - Diminuição da libido; - Palpitações; - Síncope; A I G
- Alteração do humor;
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- Anorexia; - Dor torácica; - Astenia com diminuição dos rendimentosfsico e intelectual; - Descompensação de patologias cardiovasculares, cerebrais ou respiratórias. Necessário para eritropoese adequada - CTH normal; - Esmulo adequado: EPO (consequentemente, boa função renal), hormôniostreoidiano, ( andrógeno, cortcoide); - Nutrientes: ferro, vitaminas B12 e B6, proteínas, lipídios; - Sempre investgar a causa da anemia.
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HEMATOLOGIA
CAPÍTULO
3
Anemias por deficiência de produção Fernanda Maria Santos / Marcos Laercio Pontes Reis
carreadora do ferro) na urina, comprometendo o ciclo do ferro e contribuindo para a anemia. A baixa resposta retculocitária perante a anemia é um A diálise pode contribuir para anemia por meio da desinal patognomônico das anemias por deficiência de propleção de ácido fólico (dialisável no procedimento); hemódução ou hiporregeneratvas. A faixa da normalidade no lise por trauma mecânico; presença de alumínio na água do número de retculócitos por volume de sangue (valores perbanho de diálise, que pode interferir na incorporação do centuais sofrem maiores variações e erros, mesmo quando ferro aos precursores eritroides, causando anemia microcísão utlizadas as fórmulas de correção) varia entre 25.000 tca; além da perda de pequena quan tdade de sangue, que e 100.000/mm3, esperando-se contagens >100.000/mm3 fica retdo no circuito a cada sessão. quando há regeneração medular (ou seja, nas anemias hiNa avaliação laboratorial, encontra-se anemia normoperproliferatvas) e valores <100.000/mm 3 quando não há crômica e normocítca leve, na grande maioria dos casos resposta medular eficaz (no caso das anemias hipoprolifecom hemoglobina em torno de 9 a 10g/dL (apesar da posratvas ou por deficiência de produção). sibilidade, em até 30% dos casos, de anemia mais intensa, abaixo de 8g/dL), com retculócito normal ou diminuído. Deve ser feita a dosagem do perfil completo de ferro ao 2. Anemia da insuficiência renal crônica diagnóstco da anemia e como monitorização durante todo Na Insuficiência Renal Crônica (IRC), o grau de anemia o tratamento. é proporcional ao grau de insuficiência renal, de modo que O tratamento é feito com a reposição de EPO recombiaproximadamente 90% da população com o clearance de nante, na dose de 150U/kg, 3x/semana (administração SC). creatnina <25 a 30mL/min apresentam anemia, muitas veO valor-alvo de hemoglobina desejado com o tratamento é zes com valor de hemoglobina <10g/dL. Porém, a anemia de 10 a 12g/dL (nunca excedendo 13g/dL), o que ocorre em pode surgir mesmo com menores valores de creatnina, mais de 95% dos casos, mostrando que a ação dos outros como 2mg/dL. mecanismos na diminuição da eritropoese é mínima. Casos A anemia no paciente com IRC contribui para a piora dos de resistência à EPO decorrem de ferropenia, processo insintomas relacionados à diminuição da função renal, como fadiga, depressão, dispneia e alteração cardiovascular. Tam- flamatório/infeccioso associado, hiperparatreoidismo secundário à IRC ou por intoxicação por alumínio. Como raros bém está associada ao aumento da morbimortalidade por efeitos adversos da EPO, podem-se ter hipertensão arterial, eventos cardiovasculares e maior frequência e duração de crise convulsiva, eventos cardiovasculares e trombose, prinhospitalização. cipalmente de fstula. fi A siopatologia da anemia na IRC pode ser explicada por Recomenda-se a reposição de ácido fólico e ferro, com 3 mecanismos: controle periódico do perfil de ferro, que deve manter va1 - Diminuição da produção de EPO. lores de ferritna >200μg/L e <500μg/L e/ou saturação de 2 - Presença de produtos tóxicos metabólicos que dimitransferrina >20% e <50%. Para pacientes pré-dialítcos ou nuem a meia-vida do eritrócito e inibem sua produção (baiem diálise peritoneal, a reposição de ferro pode ser feita via xa responsividade à EPO). oral ou parenteral; para pacientes em hemodiálise, a repo3 - Sangramentos (disfunção plaquetária), hemólise e sição é feita com ferro parenteral. espoliação.
1. Conceitos gerais
As coletas de exame frequentes, associadas à perda de hemácias durante a hemodiálise, causam espoliação crônica de sangue e depleção de ferro. Raramente, em pacientes com síndrome nefrótca, há perda de transferrina (proteína
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3. Anemias das doenças endócrinas Apesar de existr um sistema interno de controle medular da produção celular, o sistema endócrino age a tvamen-
ANEMIAS POR DEFICIÊNCIA DE PRODUÇÃO
te sobre o tecido hematopoétco, e seus distúrbios frequentemente se traduzem em quadros de anemia. a) Hipotreoidismo: pode cursar com anemia leve a moderada, geralmente normocítca e normocrômica, mas podendo ser macrocítca ou microcítca. Está associada à retculocitopenia e hipoplasia eritroide medular, pois os hormônios T3, T4 e rT3 potencializam o efeito da EPO sobre os precursores eritroides. Não é incomum a associação de hipotreoidismo e anemia perniciosa, coexistndo a deficiência de vitamina B12 (macrocitose), tendo em vista ambos
individual, sendo importantes para isso o sexo, a idade e o balanço entre ingestão e perda diária.
poderem ser processos autoimunes.e/ou Podem coexistassociar ferropenia (microcí acloridria tca) por menorragia das ao hipotreoidismo. b) Hipertreoidismo: anemia ocorre em 10 a 25% dos casos devido ao aumento do volume plasmátco, diminuição da sobrevida do eritrócito e eritropoese ineficaz. c) Insuficiência adrenal: os glicocortcoides interagem com a EPO e aumentam a eritropoese. d) Deficiência androgênica: andrógenos estmulam a secreção de EPO e têm efeito direto na eritropoese, enquanto estrógenos têm efeito supressivo na mesma. e) Hiperparatreoidismo: a causa da anemia é desconhecida. Mielofibrose com comprometmento da eritropoese é encontrada em alguns pacientes. O tratamento dessas anemias é apenas o da doença de base. Raramente são necessários outros recursos terapêutcos.
tal estmado de 2.100mg de ferro no sangue de um indivíduo que pesa 70kg. Nas mulheres, a concentração é mais baixa, calcula-se encontrar aproximadamente 1.350mg de ferro, o que pode ser explicado por perda menstrual, gravidez, lactação e menor ingestão. O conteúdo de ferro do organismo está distribuído da seguinte forma: - Ferro livre presente no plasma: quantdade mínima, para evitar danos oxidatvos; - Ferro circulante ligado à transferrina: proteína carreadora do ferro, sintetzada no fgado; - Ligado ao heme: formando a hemoglobina (principal forma de apresentação orgânica do ferro); - Ligado a outras proteínas: mioglobina, catalases, peroxidases; - Estoque celular (ferritna) e tecidual (hemossiderina):
B - Metabolismo do ferro e fisiopatologia da carência O ferro total do organismo varia entre 2 e 4g: aproximadamente 50mg/kg nos homens e 35mg/kg nas mulheres. Nos homens, 1mL de concentrado de hemácias contém, aproximadamente, 1mg de ferro, portanto 1mL de sangue total contém entre 0,5 e 0,6mg de ferro, perfazendo um to-
varia entre 0,5 e 2g.
4. Anemia por deficiência de ferro A - Conceitos gerais O ferro é um mineral essencial ao organismo humano, e sua função é a de mediador enzimátco para a troca de elétrons (citocromo, peroxidases, catalases e ribonucleo deo-redutase) e carreador de oxigênio (mioglobina e hemoglobina). Na hemoglobina, é o componente central da molécula heme e o responsável direto pelo carreamento de oxigênio até os tecidos. A deficiência de ferro é a causa mais comum de anemia no mundo e uma das doenças mais frequentes na prá tca médica. Sua distribuição geográfica é mais extensa nos países em desenvolvimento, em que o aporte dietétco de ferro e o controle das parasitoses intestnais são insuficientes. Dados americanos revelam que de 1 a 2% dos adultos apresentam anemia ferropriva, sendo que a deficiência de ferro sem anemia é mais comum, acometendo 11% das mulheres e 4% dos homens. Entretanto, não existe faixa etária de maior prevalência desta patologia, podendo ser encontrada em qualquer idade, com causas variáveis. Em adultos, as causas mais comuns são falta de ingestão, déficit de absorção, perdas sanguíneas ou aumento rápido da demanda (como no crescimento rápido dos adolescentes e na gestação). O desenvolvimento da deficiência de ferro e a velocidade que ela se instala dependem da reserva
O estoque de ferro é feito sob 2 formas: - Na forma de ferri tna: formada pela proteína apoferritna + ferro, encontrada virtualmente em todas as células do organismo (principalmente fgado, baço e pulmões) e também na corrente sanguínea, por ser hidrossolúvel. Sua dosagem sérica re flete o estoque total corporal, visto ser essa a forma de estoque mais abundante. É importante para disponibilizar ferro conforme a necessidade corporal; - Na forma de hemossiderina:não é hidrossolúvel, representando cerca de 25 a 30% do estoque corporal; nos indivíduos normais, encontra-se armazenada no sistema retculoendotelial macrofágico e na medula óssea; porém, em condições patológicas, pode acumular-se em qualquer tecido, principalmente nofgado e no baço.
Figura 1 - Ciclo da cinétca de ferro
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HEMATOLOGIA a) Ingestão A dieta média nos países desenvolvidos contém aproximadamente 15mg de ferro/dia. No Brasil, calcula-se que a dieta das classes B e C apresenta aproximadamente 10mg de ferro/dia nos alimentos. O ferro está presente na forma de anéis heme (carnes, peixes, aves), sendo esta a forma mais biodisponível, e na forma de complexos de hidróxido férrico (nos vegetais) – esta forma necessita do pH ácido do estômago para ser reduzida à forma ferrosa e poder ser adequadamente absorvida. b) Absorção Do total de ferro ingerido, 30% da forma heme e 10% da não heme são absorvidos, e o restante é perdido nas fezes. A absorção diária de ferro no homem varia de 0,5 a 1mg/dia, sendo o dobro na mulher, o que é jus tficado pela perda menstrual, e o quádruplo na gestante, em razão do consumo pelo feto. A absorção do ferro pode ser ajustada de acordo com as necessidades orgânicas – na presença de deficiência de ferro, a eficácia da absorção do metal pode aumentar em até 5 vezes em relação ao basal. O ferro, de maneira geral, é absorvido pela borda em escova das células epiteliais da vilosidade intestnal, especialmente no duodeno e jejuno proximal. Os íons ferrosos (Fe+2) são absorvidos mais eficientemente do que a forma férrica (Fe+3); estes, por sua vez, necessitam da acidez gástrica para estabilização e ligação com a mucina. A par tr de
Observação: flamação, Situações que aumentam a hepcidina são infecção, in aumento do estoque de ferro; situações que a diminuem são hipóxia, anemia, deficiência de ferro, eritropoese inefetva e altos níveis de EPO.
A hepcidina e a ferroportna são reguladoras da absorção de ferro: aumentam a absorção quando os estoques estão baixos ou ausentes e quando há aumento da eritropoese (principalmente em doenças que cursam com eritropoese ineficaz: mielodisplasia, beta-talassemia e anemia sideroblástca); diminuem a absorção quando os estoques estão repletos. A hepcidina também regula a liberação de ferro pelos macrófagos que fagocitaram eritrócitos senescentes. c) Transporte do ferro O ferro ferroso (Fe++) absorvido pelo enterócito pode ser armazenado na forma de ferritna ou novamente ser oxidado em férrico (Fe+++), para se ligar à transferrina e ser transportado aos diversos tecidos pela ação da hefaestna, enzima dependente de cobre. Os tecidos que necessitam de ferro possuem receptores de transferrina (TFR) em quan tdade proporcional às suas necessidades, pois por meio deles se ligam à transferrina e recebem o ferro.
então, uma enzima+3 chamada redutase férrica transmembrana converte Fe em Fe+2, o qual precisa atravessar a membrana apical da célula intes tnal pela proteína DMT1 (transportador de metal divalente do tpo 1), saindo assim do lúmen intestnal e atngindo o interior celular (Figura 2). Existem substâncias capazes de interferir na absorção do ferro, como o ácido ascórbico, que modi fica a valência de férrico para ferroso e melhora a absorção, ou como os fitatos (farelos, aveia, centeio), tanatos (chás), oxalatos (uvas-passas, figos, ameixas, batatas-doces, amêndoas, tomates, chocolate, cacau), fosfatos (leite e derivados), t anácidos, cálcio e até antbiótcos (tetraciclina, quinolonas), que reduzem a absorção. Como já citado, o duodeno e a porção superior do jejuno são os locais de máxima absorção do ferro; consequentemente, síndromes disabsortvas ou bypass dessas áreas podem levar à deficiência de ferro. Uma vez no interior celular, o ferro tem 2 vias possíveis: ou é armazenado como ferri tna, ou é transportado para o plasma, passando pela proteína transmembrana ferroportFigura 2 - Absorção de ferro no duodeno na (Figura 2), que por sua vez atua em conjunto com a hefaestna para nova transformação de íon ferroso em férrico. d) Reaproveitamento do ferro Atualmente, sabe-se ainda que a regulação da absorção Aproximadamente, 20 a 25mg de ferro são liberados é dada por uma proteína de fase aguda chamada hepcididiariamente pelas hemácias senescentes para os macrófana; sintetzada no fgado, esta proteína atua diretamente na gos. O núcleo heme da hemácia fagocitada pelo macrófainibição da absorção de ferro bem como diminuindo a libego é metabolizado, deixando o ferro livre para a circulação ração do ferro do interior da célula intestnal, pelo feedback sanguínea através da ferroportna ou para armazenamento negatvo do seu transportador na membrana basolateral na forma de ferritna, a depender das necessidades do orferroportna. Logo, sua superexpressão causava diminuição dos estoques de ferro e anemia ferropriva. ganismo.
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ANEMIAS POR DEFICIÊNCIA DE PRODUÇÃO
e) Perda Não há nenhum mecanismo de regulação da perda do ferro. O ferro é perdido pelo suor, descamação da pele e do epitélio gastrintestnal na taxa de aproximadamente 1mg/ dia e, na mulher, em cada ciclo menstrual a perda é aumentada em 1 a 2mg/dia. Nenhum mecanismo de excreção do ferro foi ainda detectado, nem pelo fgado, nem pelos rins, portanto a homeostasia do ferro fica balanceada entre uma absorção diária de 1 a 2mg e uma perda diária da mesma quan tdade.
gastrintestnal. Patologias aparentemente não sangrantes, como a esofagite e a hérnia de hiato, podem estar relacionadas ao aparecimento de deficiência de ferro. A hemoglobinúria crônica também pode causar deficiência de ferro, pois é possível perder acima de 1mg de ferro/dia por esta via. Esse quadro pode ocorrer por hemólise mecânica, por válvulas cardíacas metálicas e por hemólise intravascular sustentada, como na hemoglobinúria paroxístca noturna. A Tabela a seguir sinte tza os fatores que levam à de ficiência de ferro. Tabela 1 - Fatores etológicos da deficiência de ferro - Diminuição da oferta; - Ingesta inadequada (raro); - Diminuição da absorção (acloridria, gastrectomia, doença celíaca, gastrite porHelicobacter pylori, gastroplasta redutora); - Aumento do consumo; - Infância (principalmente dos 6meses aos 2 anos); - Adolescência; - Gravidez e lactação; - Parasitose intestnal; - Sangramentos: trato gastrintestnal (TGI), fluxo menstrual aumentado; - Pós-operatório;
* Tf-Fe(III): transferrina ligada ao ferro Figura 3 - Homeostasia do ferro
- Doação de sangue frequente;
A gravidez pode modificar tal equilíbrio pelo aumento da demanda de ferro de até 2 a 5mg/dia. A dieta normal geralmente não supre essas necessidades, e o ferro medicinal é necessário durante a gravidez. Gestações repetdas, principalmente quando seguidas de amamentação, são causas frequentes de anemia ferropriva caso não haja aporte de ferro adicional. As perdas crônicas desequilibram o cálculo entre o aporte diário e a absorção de ferro. Deve-se pensar nesse fato como num balanço comercial: se a absorção for equivalente a 2mL de sangue ao dia (1mg), perdas acima dessa quantdade deverão ser compensadas pelo mecanismo de aumento do aproveitamento do ferro alimentar. Contudo, tal mecanismo nem sempre é suficiente, e os estoques de ferro são lentamente depletados, até que a deficiência se instale. O processo é frequente nas hipermenorreias, em que a mulher pode relatar um fluxo intenso e duradouro por muitos anos e considerá-lo normal. A redução da absorção do ferro, como na gastrite atrófica ou na acloridria, doença celíaca e gastrite por Helicobacter pylori levam à deficiência. Contudo, o sangramento em algum local do tubo digestvo é causa muito mais comum desta condição. Reitera-se que a causa mais frequente de deficiência de ferro em adultos é a perda de sangue, seja menstrual, nas hipermenorreias ou polimenorreias; seja digestva, em úlceras gástricas, doenças divertculares e tumores do trato
- Hemossiderose pulmonar idiopátca; síndrome de Goodpasture e atletas;
- Hemoglobinúria;
- Alterações no transporte e metabolismo; - Ausência congênita de transferrina; tca. - Perda de transferrina em síndrome nefró
Em geral, a falta de ingesta, como causa isolada de ferropenia, é rara, devendo ser um diagnós tco de exclusão, pois mesmo a quantdade de ferro em dietas de extrema pobreza tem boa disponibilidade, associada ainda à capacidade do organismo em aumentar a sua absorção de ferro em até 5 vezes.
C - Quadro clínico A apresentação clínica pode incluir tanto manifestações da doença de base como do próprio estado anêmico. A privação de ferro manifesta-se com sintomas em outros órgãos e tecidos, independentemente da presença ou não de anemia, como queda de cabelo, redução do rendimento intelectual e mialgia. Sintomas evoluem de maneira gradual e incluem fadiga, taquicardia, palpitação, irritabilidade, tontura, cefaleia e intolerância aos esforços de intensidade variável. Pela instalação insidiosa e prolongada, os mecanismos adaptatvos do organismo permitem tolerância de níveis bastante baixos de hemoglobina. Caracteristcamente, na ferropenia encontra-se queixa de:
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HEMATOLOGIA Perversão do apette (pica ou malacia) – vontade de comer terra, barro, arroz cru; - Pagofagia: compulsão por comer gelo, altamente específico de ferropenia; - Unhas quebradiças e finas; - Língua lisa com perda das papilas, glossite, estomatte angular (queilite angular), gastrite atrófica, diminuição da saliva. -
Figura 6 - Queilite angular
D - Laboratório
Figura 4 - Língua com perda de papilas
Manifestações clínicas muito raras: - Disfagia em razão do surgimento de uma membrana cricofaríngea patológica (à combinação de glossite, disfagia, membrana cricofaríngea e anemia ferropriva, chama-se síndrome de Plummer-Vinson ou síndrome Paerson-Kelly); - Alteração nos mecanismos de imunidade, principalmente os relacionados à imunidade celular e macrofágica. Em decorrência disso, podem-se encontrar infecções do trato digestvo ou genital por Candida albicans, e não é rara a remissão dessas infecções apenas com a suplementação de ferro; - Coiloníquia: unhas em forma de colher (Figura 5); - Esclera azul: sinal raro, em que a esclera fica mais fina, deixando a coroide visível, em virtude da formação inadequada do colágeno; - Tríade específica para ferropenia: pagofagia, coiloníquia e esclera azul.
Figura 5 - Coiloníquia
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Os achados laboratoriais acompanham a evolução do quadro clínico do paciente, pois a deficiência de ferro se instala por etapas: - Inicialmente, ocorre a depleção dos estoques de ferro, com redução dos níveis de ferritna sérica abaixo de 30ng/mL. A ferritna é o indicador mais confiável do status do ferro no organismo, por ser menos sensível às variações distributvas que o ferro sérico e seus indicadores de transporte. Contudo, é uma proteína “de fase aguda”, ou seja, aumenta perante quadros inflamatórios, devendo ser considerada com cautela quando há concomitância da anemia com infecções ou inflamações severas. Para dosagens de ferritna extremamente baixas (<15ng/mL), a especi ficidade do teste é de 99%; - Posteriormente, a formação dos eritrócitos con tnua, porém os níveis de ferro circulante e a saturação da transferrina caem, mostrando que não resta mais ferro para ser mobilizado. A Capacidade Total de Ligação do Ferro (CTLF) e a quantdade de receptor de transferrina solúvel aumentam, mostrando que os receptores do ferro estão “vazios”; - Outros parâmetros menos utlizados no cotdiano, porém de valor acadêmico, são: receptor de transferrina solúvel (produzido pelos eritrócitos de forma aumentada na carência de ferro, dando a estas células maior capacidade de absorção do ferro) e protoporfirina eritrocitária livre (reflete diretamente a substtuição do ferro pelo zinco na formação do heme, estando aumentada nas ferropenias); - A falta de ferro para formar hemoglobina leva à formação de hemácias com pouco conteúdo (hipocromia – CHCM baixo) que, ao se adaptarem a essa situação, alcançam volumes corpusculares mais baixos (microcitose – VCM baixo). Nas formas mais severas, podem ser
ANEMIAS POR DEFICIÊNCIA DE PRODUÇÃO
notadas formas bizarras das hemácias, com anisocitose e poiquilocitose intensas. A contagem de re tculócitos está diminuída, pois a eritropoese também está. A contagem de plaquetas pode elevar-se em razão do aumento da secreção de EPO pela anemia. A variação do tamanho das hemácias leva ao aumento do índice de anisocitose, o RDW, acima de 15%. O padrão-ouro para a avaliação direta do estoque de ferro é a análise da medula óssea com pesquisa do ferro medular, por meio da coloração com azul da Prússia (Perls). Desta ttatcomo forma,de é possível semiquan vamente estoque ferro nosavaliar macrófagos; porém, sua oaplicabilidade é limitada, opta-se por medidas indiretas; - Deve-se sempre se lembrar de investgar a causa: diante de ferropenia ou anemia ferropriva, sem causa aparente (hipermenorreia, gestação, adolescência, infância); avaliar inicialmente: endoscopia digestva alta e colonoscopia, caso não seja identficada nenhuma anomalia, avaliar intestno delgado (exame de imagem – tomografia de abdome, cápsula endoscópica).
Tabela 2 - Perfil laboratorial Laboratório Retculócitos Ferrosérico Ferritna Saturaçãodetransferrina CTLF Transferrina
Resultado Diminuídoounormal Diminuído Diminuída Diminuída Aumentada Aumentada
Receptor de transferrina solúvel
Aumentada
Protoporfirinaeritrocitária
Aumentada
E - Diagnóstco diferencial Outras causas de anemia hipocrômica microcítca devem ser consideradas na avaliação clínica. Contudo, a história e o exame fsico geralmente são suficientes para confirmar o diagnóstco. São diagnóstcos diferenciais: - Anemia de doença crônica; - Talassemia; - Anemia sideroblástca; - Hemoglobinopata C; -
Intoxicação por chumbo.
É importante ressaltar que no hipo treoidismo e na deficiência de vitamina C existe diminuição de ferri tna sem haver depleção dos estoques de ferro.
F - Tratamento Além de oferecer o aporte de ferro para o tratamento da deficiência subjacente, deve-se tratar a causa, ou seja, investgar a fonte de perda sanguínea e tratá-la, já que a persistência da perda é o principal mo tvo de manutenção e até piora da anemia ferropriva.
É extremamente rara a necessidade de transfusão para a correção de anemia ferropriva, pois esta é de instalação lenta, e o organismo se adapta a níveis bastante baixos de hemoglobina. Deve ser reservada para quadros de instabilidade hemodinâmica por sangramento excessivo ou situações que apresentam sinais de isquemia tecidual/cor anêmico. A 1ª opção para o tratamento da anemia ferropriva é o ferro oral, pois é bastante barato, de fácil administração e sem efeitos adversos graves. O ferro parenteral, por ser mais caro, com necessidade de infusão em ambiente hospitalar e risco de reações adversas graves e até fatais, deve ser reservado para casos especiais. a) Ferro oral Apesar do aparecimento de várias formas diferentes de ferro oral, o melhor tratamento para a deficiência de ferro contnua a ser o sulfato ferroso. A dose preconizada para adultos é de 2 a 3mg de ferro elementar por kg/dia ou 5mg de sulfato ferroso/kg/dia (o comprimido contém 65mg de ferro elementar, correspondendo a 2 a 4 comprimidos de sulfato ferroso/dia), tomados longe das refeições, para garantr o máximo aproveitamento. Em crianças, preconiza-se o uso de 2mg /kg/dia de sulfato ferroso, procurando não ultrapassar 15mg/dia, para não aumentar a toxicidade. O principal problema no uso do sulfato ferroso são os possíveis efeitos colaterais: intolerância digestva, com tpação e gosto dispepsia, diarreia, consdas amargo na dor boca,epigástrica, além de escurecimento fezes. Muitas vezes, conseguem-se controlar os efeitos adversos com ingestão do medicamento junto com as refeições, fracionamento ou redução da dose diária, lembrando-se, porém, que estas medidas podem reduzir o aporte terapêutco de ferro elementar em até 50%, resultando em maior tempo de tratamento. O aporte de ferro oral deverá ser man tdo por pelo menos 4 a 6 meses após normalização da hemoglobina, para garantr a repleção dos estoques do mineral. Contudo, recomenda-se realizar nova dosagem de ferritna sérica após o término da reposição, para confirmar a normalização das reservas, que devem estar acima de 50ng/mL e saturação de transferrina >20% (deixando um intervalo de pelo menos 7 dias entre a últma dose da medicação e a coleta do exame, já que a ingesta de suplementos de ferro é a principal causa de resultados falsamente normais de ferro sérico e ferritna). Algumas vezes, pode ser necessário manter o aporte de ferro oral por mais tempo, principalmente quando a causa da deficiência ainda não foi resolvida ou ultrapassada. Atualmente, existe o ferro quelato ou quelatado, superior ao sulfato ferroso quanto às queixas de intercorrências gastrintestnais, pois não ocorre liberação de íons ferro no trato gastrintestnal, como acontece com o uso de outros sais de ferro, o que pode estar relacionado ao fato de a absorção deste tpo de ferro acontecer principalmente no jejuno. A eficácia da reposição do ferro pode ser avaliada por meio do pico retculocitário, que ocorre de 5 a 7 dias após o
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HEMATOLOGIA início do tratamento, e pela elevação de hemoglobina, em 3 semanas, de pelo menos 2g/dL (0,2g/dL/dia). Em casos de refratariedade ao tratamento, deve-se pensar em dose inadequada da medicação prescrita, falta de adesão, falta de absorção e persistência da causa da ferropenia. b) Ferro parenteral Em virtude de efeitos adversos graves (choque ana filátco ocorre em 1% dos casos), a administração de ferro parenteral deve ser reservada a casos estritos: - Na intolerância ao ferro oral, apesar da alteração de posologia ou da mudança na apresentação; - Na falta de absorção do ferro oral, como em alguns casos pós-gastrectomia; - Na vigência de doença gastrintestnal (como as doenças inflamatórias intestnais), pois pode piorar os sintomas; - Nos casos em que há perda intensa, que o ferro oral não é suficiente para corrigir as necessidades; - Pacientes em hemodiálise, que apresentam perdas constantes pelo procedimento e dé ficit de absorção intestnal. Atenção: O grau de anemia não faz parte das indicações de ferro parenteral; assim, mesmo que o paciente esteja com baixos níveis de hemoglobina, se não es tver sintomátco a ponto de realizar transfusão de hemácias e não houver nenhuma contraindicação ao uso de ferro oral, opta-se por esta modalidade de reposição de ferro.
A única apresentação comercial de ferro parenteral no Brasil, até hoje, é o sacarato de hidróxido de ferro III, que se encontra em formulação tanto para aplicação IM quanto para infusão IV após diluição, sendo preferível esta últma. A administração de ferro IM é dolorosa, de absorção lenta e incompleta, pode impregnar-se na região da aplicação e não é menos tóxica ou mais segura que a administração IV, estando atualmente proscrito o seu uso rotneiro. Tabela 3 - Fórmula para cálculo da dose do ferro parenteral Dose total de [peso (kg) x Dhb* (g/dL) x 2,4] + reservas de hidróxido de Fe** (mg) Fe (mL) = Apresentação hidróxido de ferro III: 20mgFe/mL * DHb = diferença entre a hemoglobina ideal para o sexo e a idade e a hemoglobina encontrada no exame laboratorial do paciente. ** Reservas de Fe = 15mg/kg, máximo de 500mg. Tabela 4 - Principais causas de anemia ferropriva de acordo com a faixa etária Faixaetária
Causas
Crianças, adolescentes, ges- Aumento do consumo associado tantes e nutrizes a menor ingesta Mulheres em idade fértl
Hipermenorragia
Mulheres pós-menopausa e Doença gastrintestnal/neoplasia homens gastrintestnal
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5. Anemia de doença crônica A - Considerações gerais e fisiopatologia A Anemia de Doença Crônica (ADC) é a etologia mais frequente de anemia em indivíduos hospitalizados, já que a maioria das doenças sistêmicas crônicas se associa a quadros de anemia leve ou moderada. Nesta condição, ocorre uma resposta hematológica insuficiente perante as injúrias sistêmicas dos mais variados tpos, como inflamação, infecta alcoólica, insuficiência ção, trauma, neoplasia, hepatopa cardíaca conges trombose, doença pulmonar tva, diabetes, obstrutva crônica, insuficiência renal, entre outros. Na fisiopatologia da ADC, existem múltplos mecanismos que, associados, levam ao quadro anêmico: - Distúrbio na hemostasia do ferro: este é o principal mecanismo fisiopatológico; há aumento na captação e no armazenamento pelo sistema retculoendotelial (SRE), diminuindo o nível sérico do ferro e a disponibilização para os precursores eritroides, com consequente queda do ferro sérico e aumento dos níveis de ferritna; - Diminuição da sobrevida eritrocitária: pela ação de interleucinas, que inibem a proliferação e a diferenciação de precursores eritroides, e pela falha da medula óssea em compensar adequadamente essa redução; -
t
Diminuição va dos níveis deda EPO: emboraseu a EPO esteja poucorela aumentada quando dosagem, nível não é suficiente para aumentar a eritropoese, provavelmente por elevação da apoptose dos precursores eritroides.
Estudos recentes apontam, ainda, o papel de proteínas que interferem no metabolismo celular do ferro na etopatogenia da ADC. A hepcidina, já citada, tem sua liberação aumentada frente a quadros infecciosos e in flamatórios, partcularmente com liberação de interleucina 6 (IL-6). Tal proteína provoca a retenção do ferro dentro dos macrófagos, impedindo o retorno do ferro estocado à circulação, e bloqueia a entrada do ferro presente nos enterócitos para a circulação (inibe a ferroportna), perdendo o metal ao sofrerem a descamação fisiológica. Acrescenta-se ainda o papel das interleucinas, como IL1, IL-6, fator de necrose tumoral e interferon, que são responsáveis por diminuir a responsividade da medula óssea à EPO, induzir apoptose dos precursores eritroides e down-regulaton dos receptores de EPO nos precursores eritroides, diminuir a liberação de EPO pelas células renais, alterar a expressão de receptores de transferrina e ferri tna, e aumentar a liberação de hepcidina. Aparentemente, níveis mais elevados de EPO e aumento do esmulo de eritropoese levam à redução da síntese de hepcidina e ao aumento da disponibilidade do ferro. A administração de EPO em doses maiores também pode inibir o efeito de interleucinas, par tcularmente o IFN.
ANEMIAS POR DEFICIÊNCIA DE PRODUÇÃO
Existe uma variante da ADC, que é a anemia relacionada a eventos agudos: trauma, infarto agudo do miocárdio, pós-cirúrgico e sepse – é a chamada “anemia do doente crítco”, que apresenta a mesmafisiopatologia de baixo ferro sérico e baixa resposta à EPO endógena.
O estudo do perfil de ferro completo demonstra: - Ferro sérico baixo, às vezes chegando em níveis mínimos; - Capacidade de ligação do ferro (CTLF) baixa, re fletndo o nível de transferrina diminuído; - Saturação de transferrina normal (mas em 20% dos casos pode estar diminuída); - Dosagem de receptores de transferrina (TFR) solúveis diminuída; - Ferritna normal ou elevada, por tratar-se de proteína de fase aguda; -
Pesquisa do ferro medular revelando quantdade normal ou aumentada de ferro nos macrófagos e diminuída, ou ausente nos precursores eritroides (diminuição ou ausência dos sideroblastos).
Substâncias que sugerem atvidade inflamatória elevada, como a proteína C reatva, VHS, fibrinogênio e ferritna podem estar elevadas. A ADC é um diagnóstco de exclusão, e sempre se devem investgar outras causas de anemia, principalmente as nutricionais.
D - Diagnóstco diferencial Figura 7 - Fisiopatologia da anemia de doença crônica
A ADC é uma anemia normocítca e normocrômica, hipoproliferatva e com as demais linhagens celulares normais, tendo como principal diagnóstco diferencial a anemia da fi
B - Sinais e sintomas Os achados clínicos são usualmente modestos, correlacionados usualmente com a doença de base, devendo-se suspeitar do diagnóstco quando o paciente é portador conhecido de alguma patologia crônica; entretanto, a con firmação será feita somente com os achados laboratoriais. Deve-se investgar a coexistência de causas de deficiência nutricional concomitante, por déficit de ingesta, sangramento ou disabsorção, e observar a presença de sinais/ sintomas sugestvos das carências. A sintomatologia é de anemia, e o quadro especí fico da doença de base pode dificultar o diagnóstco.
C - Quadro laboratorial A anemia é de intensidade variável. Muitos pacientes apresentam valor de hemoglobina (Hb) entre 10 e 11g/dL, mas alguns casos podem ter anemia grave, com Hb <8g/dL (até 30% dos casos). Em pacientes com estetpo de anemia é sempre importante afastar outras causas de anemia concomitante: insuficiência renal, carência nutricional ou sangramento. A prevalência e a severidade da anemia estão relacionadas ao estágio da doença de base e à idade do paciente. A morfologia eritrocitária é normocítca/normocrômica, e a contagem retculocitária está diminuída – como resultado da eritropoese diminuída. Em 30% dos casos, a anemia pode ser hipocrômica e microcítca, especialmente quando em associação com anemia ferropriva.
insu ciência renal. Outras que podem às cursar com quadro semelhante são as situações anemias secundárias doenças endócrinas graves: hipotreoidismo, hiperparatreoidismo, insuficiência adrenal e, até, pan-hipopituitarismo. Nas poucas vezes em que a ADC se apresenta como anemia hipocrômica e microcítca, o diagnóstco diferencial mais difcil é da anemia ferropriva. Há de se ressaltar que as 2 entdades apresentam ferro sérico diminuído: na anemia ferropriva, porém, existe um déficit absoluto de ferro por depleção do mesmo; já na ADC, existe menor disponibilidade deste íon, que se encontra sequestrado nos estoques teciduais. Assim, os exames mais fidedignos para diferenciar as 2 situações são: pesquisa do ferro medular, que na carência de ferro está ausente, e dosagem do receptor de transferrina, que está aumentada na ferropriva e diminuída na ADC. A quantficação da capacidade total de ligação do ferro também é um dado importante, pois está aumentada na ferropriva e diminuída na ADC. Deve-se estar atento para o fato de que as 2 situações podem coexis tr. Entretanto, na rotna clínica, lança-se mão da ferritna, que usualmente está aumentada na ADC e diminuída na anemia ferropriva. Outros diagnóstcos diferenciais de anemia hipocrômica e microcítca: talassemia, anemia sideroblástca, deficiência de cobre, intoxicação por chumbo e hemoglobinopata C. Tabela 5 - Diferenciação entre anemia ferropriva e ADC Exame laboratorial Ferro sérico
Anemia de do- Anemia ença crônica ferropriva Reduzido
Reduzido
Ambas as condições Reduzido
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HEMATOLOGIA Exame laboratorial
Anemia de do- Anemia ença crônica ferropriva
Ambas as condições
Transferrina
Reduzido a normal
Aumentado
Reduzido
Saturação de transferrina
Reduzida
Reduzida
Reduzida
Normal a aumentada
Reduzida
Reduzida a normal
Normal
Aumentado
Normal a aumentado
Ferritna Receptor de transferrina solúvel Nível de citocinas
Aumentado
Normal
Ferromedular
Aumentado
Baixo
Aumentado Normal ou baixo
A AS hereditária mais comum é ligada ao X, de baixa incidência e de manifestação precoce. Nessa forma, há de ficiência da enzima ácido aminolevulínico-sintetase (ALAS), necessária para a formação da protoporfirina. As formas adquiridas são mais comuns e acontecem por alcoolismo, toxicidade por drogas (cloranfenicol e agentes anttuberculose), intoxicação por chumbo, de ficiência de cobre e, mais frequentemente, como manifestação de uma desordem medular (clonal) em célula-tronco hematopoétca, a mielodisplasia ou síndrome mielodisplásica, capaz de evoluir para leucemia aguda.
E - Tratamento O tratamento é o da doença de base. A anemia tende a ser discreta e muitas vezes não necessita de tratamento. Em casos mais graves ou nos quais a doença de base é de tratamento mais difcil, podem ser necessárias transfusões de concentrados de hemácias quando a oxigenação tssular é muito prejudicada. Sangramento, deficiência de vitamina B12, folato e ferro deverão ser corrigidos, se necessário. A EPO recombinante injetável, indicada a pacientes com Hb <10g/dL, apresenta boa resposta em 40 a 80% dos casos. O nível sérico de EPO <500UI/L é bom preditor de resposta. Em 2 semanas de tratamento com EPO, espera-se a elevação de ao menos 0,5g/dL de hemoglobina com a dose de EPO de 100 a 150U/kg, 3x/semana. Se não houver resposta em 6 a 8 semanas, aumentar a EPO para 300mg/kg, 3x/semana. Se não houver resposta em 12 semanas, suspender e manter apenas suporte transfusional quando necessário. Deve-se fazer reposição de ferro oral concomitante para manter a ferritna >100ng/dL e a saturação de transferrina >20%. Se não houver melhora dos níveis de ferro com a apresentação oral, utlizar ferro parenteral (a hepcidina elevada diminui a absorção intestnal do ferro). De maneira geral, a reposição de ferro somente é indicada em casos de concomitância com anemia ferropriva ou refratariedade ao uso de agentes eritropoétcos por depleção férrica.
6. Anemias sideroblástcas A - Considerações gerais As Anemias Sideroblás tcas (AS), congênitas ou adquiridas, compõem um grupo heterogêneo de doenças nas quais há o comprome tmento da síntese de hemoglobina, em virtude da falha na síntese de protopor firina que, junto com o ferro, forma o núcleo heme da hemoglobina. O metabolismo do heme acontece nas mitocôndrias, e, desta forma, como está de ficiente, o ferro pode se acumular partcularmente nas mitocôndrias dos eritroblastos e macrófagos.
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Figura 8 - Formação do heme; SCoA: Succinil-coenzima A; ALA: ácido deltaminolvulínico
B - Quadros clínico e laboratorial Não há sintomas clínicos além dos relacionados à anemia, que geralmente é moderada, com níveis de hemoglobina entre 7 e 9g/dL. O diagnós tco é feito por meio do exame da medula óssea, que mostra sinais de eritropoese ineficaz (ou seja, hiperplasia eritroide medular que não se traduz em aparecimento de retculócitos no sangue periférico) e deficiência na maturação citoplasmátca. A coloração de ferro medular pelo corante azul de Prússia, ou coloração de Perls, mostra aumento generalizado nos depósitos de ferro. Em algumas situações, podem-se encontrar sideroblastos em anel (depósitos de ferro ao redor do núcleo do eritroblasto). Os níveis séricos de ferro, ferritna e a saturação de transferrina estão elevados, revelando a sobrecarga de ferro. a) Hereditária: a anemia aparece nos primeiros meses de vida; pode haver esplenomegalia. Apresenta microcitose e hipocromia, devendo ser diferenciada da anemia ferropriva e das talassemias. b) Adquirida: tende a ser macrocítca, com uma subpopulação microcítca. Pode apresentar leucopenia e/ou plaquetopenia. No caso da intoxicação por chumbo, o pontlhado basócaracterístco, e os níveis séricos desse metal estão acima do normal. filo eritroide é
ANEMIAS POR DEFICIÊNCIA DE PRODUÇÃO com a presença de grandes núcleos com croma tna rendilhada, traduzida no sangue periférico pelo encontro de macro-ovalócitos. As alterações morfológicas afetam todas as linhagens, inclusive a granulocítca e a megacariocítca, podendo ocorrer pancitopenia. Existem 4 tpos etológicos de anemia megaloblástca: por deficiência de cobalamina (vitamina B12), por de ficiência de folato, por drogas e por alterações variadas, que incluem síndrome mielodisplásica, formas raras de de ficiências enzimátcas e doenças ainda inexplicáveis, como a síndrome de Lesch-Nyhan. Figura 9 - Sideroblastos em anel pela coloração de Perls
C - Tratamento O tratamento vai depender da causa base: - Quando a e tologia é secundária ao uso de drogas, a retrada delas é suficiente; - Na intoxicação por chumbo, está indicada a quelação do metal pesado; - Na deficiência de cobre, deve ser feita a suplementação do metal; - No alcoolismo, deve ser orientada a suspensão da ingesta alcoólica e realizada suplementação vitamínica com ácido fólico e vitamina B6; - Na mielodisplasia, alguns pacientes têm demonstrado resposta ao uso de piridoxina (vitamina B6, necessária para as etapas iniciais da síntese do heme), porém a maioria dos casos não responde a tal terapêutca, sendo necessário tratamento quimioterápico e, quando possível, o transplante de célula-tronco hematopoétca (antgamente chamado “transplante de medula óssea”); - Na forma hereditária, há ó tma resposta com a reposição de piridoxina; - O uso de EPO pode ser eficaz em alguns casos; por sua vez, o suporte transfusional depende da sintomatologia de cada paciente e pode ser necessário por toda a vida, nas displasias; - Por fim, os níveis de ferro devem ser monitorizados, e a quelação deve ser indicada a pacientes com ferritna >1.000mcg/mL.
7. Anemia megaloblástca A anemia megaloblástca é um distúrbio provocado pela síntese comprometda do DNA. A divisão celular é lenta, em razão da inadequada conversão de desoxiuridilato em tmidilato. O desenvolvimento citoplasmátco progride normalmente, de modo que as células megaloblástcas tendem a ser grandes, com proporção aumentada de RNA e proteínas em relação ao DNA. O aspecto das células é característco, e o termo megaloblástco se refere às anormalidades que aparecem nos núcleos celulares dos precursores eritroides,
A - Anemia por deficiência de vitamina B12 a) Considerações gerais A vitamina B12 pertence à família das cobalaminas e atua em 2 reações importantes: - Como metlcobalamina: coenzima da me tonina-sintetase, que catalisa a transferência do radical me tl da metlcobalamina para a homocisteína, formando a metonina, importante na metlação de vários neurotransmissores, fosfolipídios, DNA e RNA. O grupo metl do 5-metl-tetra-hidrofolato restabelece a metlcobalamina doando seu radical metl, resultando na formação do tetra-hidrofolato, importante para a síntese de tmidilato; - Como adenosilcobalamina: cofator para a conversão da metlmalonil coenzima A em succinil-coA.
Figura 10 - Papel da metlcobalamina no metabolismo humano
b) Fisiopatologia A vitamina B12 é encontrada somente em produtos de srcem animal (carnes, ovos e derivados do leite), e toda a vitamina B12 presente no corpo humano provém da dieta. A necessidade diária é de 2 μg/dia para adultos e 2,6μg/ dia para gestantes e lactentes. A reserva de vitamina B12 é de 2.000 a 5.000mg, metade estocada no fgado. Portanto, desde que o consumo diário de B12 esteja entre 2 e 5 μg, a carência pode levar mais de 3 anos para estabelecer-se após a instalação de um bloqueio de absorção. A cobalamina da dieta está ligada a proteínas alimentares, precisando sofrer ação da acidez e pepsina do estôma-
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HEMATOLOGIA go para ser liberada e ligada à proteína-R (ou haptocorrina), produzida pela saliva e pelo suco gástrico. A combinação proteína-R + B12 impede a absorção da vitamina. Proteases do suco pancreátco produzem meio alcalino no duodeno e liberam o ligante da B12, disponibilizando-a para ligar-se ao Fator Intrínseco (FI), secretado pelas células parietais do fundo gástrico e do cárdia. Vitamina B12 + FI são absorvidos no íleo distal (99%), por meio do complexo receptor cubilina/AMN, que é dependente de cálcio. Posteriormente, a cobalamina é transportada através do plasma pelas transcobalaminas e estocada, principalmente no fgado. As transcobalaminas são proteínas de transporte de vitamina B12, e até o momento foram identficados 3 tpos dessa proteína: I, II e III, cada qual com um local de síntese diferente e variações na estrutura de glicoproteínas. Aproximadamente, 90% da B12 plasmátca circulam ligados às transcobalaminas, porém apenas a transcobalamina II tem a capacidade de transportar a vitamina B12 para o interior das células. Uma vez dentro das células, a cobalamina (Cbl) é metabolizada em metl-Cbl e adenosil-Cbl. Portanto, para a absorção adequada da vitamina B12, são necessários os seguintes fatores: - Ingesta adequada; - Acidez gástrica; - Proteases pancreátcas; - Secreção de fator intrínseco; - Receptor ileal funcionante.
Diminuição da metonina: papel importante na neuropata da deficiência da vitamina B12; - Diminuição da formação de tetra-hidrofolato (THF): alteração na síntese de DNA. -
Tabela 6 - Consequências da deficiência de Cbl - Aumento da homocisteína; - Aumento de metlmalonil; - Diminuição da metonina; - Diminuição da formação de tetra-hidrofolato (THF).
Pela síntese inadequada de THF, ocorre eritropoese ineficaz, ou seja, a medula óssea é repleta de precursores, porém no sangue periférico há retculocitopenia relatva e anemia, em consequência de hemólise intramedular por formação de precursores alterados. c) Causas de deficiência de vitamina B12 Deficiência de ingesta Uma vez que a vitamina B12 está presente em todos os alimentos de srcem animal, a de ficiência da vitamina por ausência de ingesta é raríssima, podendo afetar os indivíduos considerados vegetarianos veganos (que não ingerem ovos nem produtos lácteos). -
Deficiência de absorção As cirurgias de gastrectomia podem causar deficiência de B12 pela retrada da camada de mucosa produtora de FI, pela diminuição da produção do suco gástrico e pela ocorrência da chamada “síndrome da alça cega”, em que o crescimento bacteriano excessivo leva à competção pela vitamina B12 no lúmen intestnal. Ileostomias em que a porção absorvedora de B12 é retrada também provocam carência. Uma causa rara de deficiência de B12, porém frequentemente citada, é a infestação por Diphyllobothrium latum, um parasita que afeta peixes de águas frias. Esta larva atua competndo com a absorção de vitamina B12. Na pancreatte e na doença de Crohn grave, há deficiência de B12 por retardo da absorção no íleo. Outras doenças que afetam a região de absorção ileal como tuberculose intestnal, linfoma intestnal e irradiação pélvica também são fatores que levam à de ficiência da vitamina. Há relatos de deficiência de vitamina B12 em pacientes portadores de Helicobacter pylori, nos quais o tratamento deste corrige a deficiência da vitamina. -
Deficiência de fator intrínseco A causa mais comum de deficiência de B12 é a chamada anemia perniciosa, doença autoimune que dificilmente se manifesta antes da idade adulta. O FI diminui por meio de 2 mecanismos principais: Antcorpos antfator intrínseco: detectáveis em 70% dos pacientes com anemia perniciosa; Gastrite atrófica: associada ao antcorpo antcélula parietal (detectável em 90% dos pacientes), dimi-
Figura 11 - Absorção de B12
São consequências da deficiência de Cbl: - Aumento da homocisteína: evento tóxico ao endotélio, acelerando a arteriosclerose e podendo causar tromboembolismo venoso; - Aumento de metlmalonil coenzima A: já que não há mais cofator para transformação em succinil-coA;
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ANEMIAS POR DEFICIÊNCIA DE PRODUÇÃO
nuindo a secreção do fator intrínseco. A gastrite atrófica também está associada ao risco aumentado de neoplasia gástrica e tumor carcinoide gástrico, recomendando-se vigilância com endoscopia anual. Geralmente, a anemia perniciosa associa-se a outras alterações imunológicas, como a de ficiência de IgA, vitligo, hipotreoidismo e a insu ficiência endócrina poliglandular. Observação:
dem aparecer independentemente da anemia; na verdade, de 12 a 25% dos pacientes com anemia megaloblástca por carência de B12 podem evoluir com sintomas neurológicos, sem alteração hematológica. A reposição de folato é capaz de corrigir a anemia, porém não afeta o quadro neurológico ou até há piora deste, nos casos de deficiência de B12. Não é incomum, em pacientes com anemia perniciosa, o diagnóstco de outras doenças autoimunes, como treoidite de Hashimoto e vi tligo.
fi
veis à deinfecção Pacientes idosos sãoabsorção partcularmente susce ciência de B12, devido à má por anemia perniciosa, por Helicobacter pylori, uso prolongado de medicamentos que tácidos, iniinterferem na absorção da vitamina (biguanida, an bidor de bomba de prótons) e insuficiência pancreátca.
fsico,Durante exameleve. o paciente mostra-se pálido, às vezes comAoicterícia o exame neurológico, redução da sensação vibratória e da propriocepção pode estar presente, sendo o 1º sinal de neuropa ta periférica. Consttui quadro clássico: mulher idosa, levemente ictérica e pálida, com língua careca, mentalmente lenta e com passos largos - Causas hereditárias São muito raras, mas podem acontecer por secreção de e trôpegos. A anemia megaloblástca caracteriza-se por macrocitose FI qualitatvamente deficiente, mutação do gene do receptor com VCM que pode chegar a 140fL. A associação com a deileal cubilina/AMN, de ficiência congênita de transcobalamina. ficiência de ferro não é rara, nesse caso o VCM pode estar Tabela 7 - Causas de deficiência de vitamina B12 normal ou até diminuído. No esfregaço de sangue periférico, nota-se anisopoiqui- Anemia perniciosa; locitose acentuada, e o achado caracterís tco é a presença - Gastrectomia/cirurgia bariátrica; de macro-ovalócitos. Os neutrófilos maduros mostram hi- Doença péptca; persegmentação nuclear (5% com 5 segmentos ou mais, ou - Ressecção/bypass ileal; 1% com 6 segmentos ou mais – polilobócitos). - Doença de Crohn/má absorção; A contagem de plaquetas e granulócitos pode estar re- Síndrome da alça cega; duzida, e os retculócitos estão baixos. - Insuficiência pancreátca; A morfologia eritroide medular é caracterís tca, com - Vegetarianos veganos; hiperplasia eritroide como resposta à produção vermelha ineficaz, e ocorre a presença pica de células grandes, com - Gestante vegetariana; assincronia de maturação do núcleo e do citoplasma (já que - Medicamentos: biguanida, neomicina; o citoplasma contnua a amadurecer, mas o núcleo, pelo de- Inibidor da bomba de prótons. feito de síntese de ácidos nucleicos, retarda sua progresd) Quadros clínico e laboratorial são). Na série granulocítca, além dos polilobócitos, podem ser vistos metamielócitos gigantes. A combinação macroO paciente refere sintomas relacionados à anemia, ge-ovalócitos + neutrófilos hipersegmentados é patognomôralmente grave, podendo ocorrer também sangramentos nica de anemia megaloblástca. quando se instala plaquetopenia. Como resultado da eritropoese ineficaz e da destruição Como a síntese de DNA alterada afeta todos os tecidos intramedular das células anômalas, os níveis séricos de bique apresentam alto turnover, o estado megaloblástco lirrubinas e desidrogenase lác tca podem elevar-se, com produz mudanças nas mucosas, levando à glossite, assim aumento pronunciado de DHL e discreto de bilirrubina incomo a outros distúrbios gastrintestnais inespecíficos, por direta. exemplo, anorexia e diarreia.
Ocorre também uma síndrome neurológica complexa e característca chamada “degeneração combinada subaguda”, em que os nervos periféricos geralmente são os primeiros afetados, com queixas iniciais de parestesia simétrica, acometendo mais os membros inferiores que os superiores. As colunas posteriores da medula espinhal começam a sofrer lesão, e os pacientes queixam-se de alterações sensoriais mais graves, caracteristcamente havendo redução da propriocepção, apresentando ataxia e, nos casos mais severos, paraplegia, incontnência urinária e fecal. Em casos mais avançados, podem ocorrer alterações neuropsiquiátricas e até demência. Os sintomas neurológicos po-
O diagnóstco de deficiência de vitamina B12 é feito pela dosagem da vitamina no sangue, que deverá estar baixa, desde que o paciente não tenha recebido recentemente um aporte exógeno da vitamina. É frequente encontrar pacientes com deficiência de B12, mas com níveis séricos normais, por terem recebido hidratação venosa ou suplementos vitamínicos contendo complexo B. A dosagem sérica da vitamina B12 sofre várias limitações: gestantes com níveis diminuídos sem haver deficiência, variação individual ampla, alguns pacientes com dosagem normal diante do quadro de deficiência; portanto, em casos de dosagem normal de vitamina B12, mas com quadro clínico e hemograma alta-
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HEMATOLOGIA mente suspeito, podem-se dosar homocisteína sérica e ácido metlmalônico sérico e urinário: ambos estarão aumentados. Estas dosagens são atualmente o padrão-ouro para diagnóstco, tanto que valores normais destes metabólitos intermediários, mesmo com dosagens diminuídas de B12, excluem diagnóstco de anemia megaloblástca. O teste de Schilling, realizado como forma de evidenciar a redução da absorção da vitamina B12 administrada VO, permite fazer o diagnóstco diferencial entre a anemia perniciosa e as falhas de absorção que ocorrem sem relação com a falta de FI. Também consiste na dosagem urinária de Cbl marcada; apenas de importância histórica, sem u tlidade prátca, pela dificuldade do uso do material radioatvo. Para o diagnóstco da anemia perniciosa, podem ser dosados o antcorpo antfator intrínseco (mais específico: 100%, pouco sensível: 50 a 70%), an tcélula parietal (pouco sensível e específico) e dosagem sérica de gastrina (bastante sensível: 90 a 95%, mas pouco específico). Tabela 8 - Passo a passo do teste de Schilling Passos
Interpretação Como houve administração de alta 1 - Administrar alta dose dose de B12, houve supressão de qualquer carência presente. Caso de B12 IM; após ingestão de vitamina B12 VO haja correta absorção de vitamina B12 radiomarcada, esta será excretamarcada com radioida pela urina, tendo em vista o orgasótopo, com medição imediatadeste. da excreção urinária 2 - Administrar vitamina B12 marcada e fator intrínseco, com medição de excreção urinária em 24 horas. 3 - Administração de vitamina B12 marcada e enzimas pancreátcas.
nismo não mais precisar desta na. Caso não haja excreção, hávitamialgum problema de absorção. Caso haja excreção urinária, ocorre correção de disabsorção pela administração de fator intrínseco, com diagnóstco de anemia perniciosa ou gastrectomia. Se correção de excreção urinária, há correção de absorção pela presença de enzimas pancreátcas, com diagnóstco de patologia pancreátca.
4 - Administração prévia de antbiótcos via oral (cefalosporina de 1ª geração e metronidazol), com posterior ingestão
Caso haja aumento de excreção urinária, há competção na absorção pela presença de bactérias, como na síndrome da alça cega ou outras cau-
de vitamina B12 marcada.
sas de hiperproliferação bacteriana.
e) Diagnóstco diferencial Deve-se, primeiramente, diferenciar a deficiência de B12 da deficiência de folato, pela semelhança dos quadros clínico e laboratorial, embora possa haver concomitância. Afastar também a mielodisplasia, capaz de causar alterações morfológicas medulares bem semelhantes, mas sem haver concomitantemente queda dos níveis de B12 (normais na mielodisplasia) nem quadros neurológicos associados. Pelo quadro de pancitopenia que pode acontecer, deve-se diferenciar de anemia aplásica e leucemias agudas.
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f) Tratamento Os pacientes com anemia perniciosa são tratados com aporte parenteral de vitamina B12, sugerindo o uso diário de 1.000mg de vitamina IM. O esquema proposto é de 1 injeção/dia por 1 semana, após, 1 injeção por semana durante 1 mês, e depois, 1x/mês por toda a vida. Pode-se, em alguns casos, utlizar a manutenção com Cbl oral de forma alternatva, 1.000mg/dia, contnuamente. Também se deve evitar o uso de folatos antes do início da reposição de vitamina B12, pois podem agravar o quadro neurológico do paciente. O 1º sinal de resposta do paciente é uma sensação inespecífica de bem-estar, seguida da redução dos outros sintomas. Já no 2º dia do tratamento, há queda importante do ferro sérico, bilirrubina e desidrogenase láctca, além da normalização das alterações encontradas na medula óssea. Pode acontecer hipocalemia nos primeiros dias de tratamento, principalmente se a anemia é muito grave, pelo aumento da utlização para a eritropoese. Espera-se aumento de contagem retculocitária em 3 a 4 dias de tratamento, com pico entre o 7º e o 10º dias. Os neutrófilos hipersegmentados desaparecem ao redor do 10º ao 14º dia. E a normalização hematológica acontece em torno de 2 meses após o início da terapêutca. Os sintomas do SNC são reversíveis em até 12 meses, se tverem pouco tempo de evolução (menos de 6 meses), mas podem ficar sequelas permanentes caso o tratamento não seja iniciado prontamente.
B - Anemia por deficiência de ácido fólico a) Considerações gerais O ácido fólico (AcF) está presente na maioria dos vegetais e frutas (principalmente nos cítricos e nas folhas verdes) na forma de poliglutamato, sendo hidrolisado em monoglutamato no jejuno, onde é absorvido. As necessidades diárias variam entre 50 e 100μg, aumentando na gestação até 8 vezes. Os estoques corporais de folato alcançam cerca de 5.000μg, nível suficiente para suprir os requerimentos orgânicos por 2 a 3 meses. Os folatos consttuem um grupo de compostos heterocíclicos nos quais o ácido pteroico está conjugado com 1 ou diversos resíduos de ácido L-glutâmico. O AcF, para ser biologicamente atvo, necessita sofrer redução, passando pelas formas intermediárias de diidrofolato e tetra-hidrofolato, por meio da enzima diidrofolato-redutase. Pode ainda ligar unidades de carbono, que inclui grupos metl (CH3), metleno (CH2), formil (-CHO-) ou formimino (-CHNH-), conferindo ao folato a função de coenzima, em diferentes sistemas enzimátcos, como carreador dessas unidades de carbono em diferentes graus de oxidação. Os folatos podem ser absorvidos ao longo de todo o intestno delgado, preferencialmente no jejuno. Para sua absorção, os poliglutamatos necessitam ser hidrolisados a monoglutamatos pela enzima intestnal pteroil-poligluta-
ANEMIAS POR DEFICIÊNCIA DE PRODUÇÃO
mato-hidrolase. Uma vez absorvidos, os folatos monoglutamatos podem ser convertdos a 5-metl-tetra-hidrofolato (5-metl THF), principal forma encontrada no plasma, onde é transportado para o fgado e tecidos periféricos via circulação porta. O folato é estocado principalmente no fgado e também é secretado na bile, onde a circulação êntero-hepátca será responsável por sua reabsorção e reu tlização, diminuindo as perdas orgânicas. A importância dessa vitamina está na par tcipação de reações de de me transferência de unidades de carbono, como reações de metonina, biossíntese de tlação, síntese purinas; formação de tmidilato (fundamentais para a síntese do DNA). b) Causas da deficiência A principal causa de de ficiência de AcF é falha na ingesta: anorétcos, etlismo crônico, pessoas que não ingerem frutas ou vegetais crus e aqueles que cozinham demasiadamente os alimentos (a AcF é termolábil, destruído após 15 minutos de cozimento). O alcoolismo crônico pode resultar em deficiência de folato por diminuição da ingesta alimentar, diminuição da circulação êntero-hepátca e inibição da absorção pela inibição direta do álcool sobre a enzima hidrolase pteroil-poliglutamato. Raramente, é vista a de ficiência por déficit de absorção. O AcF é absorvido no jejuno proximal, por isso pode ocorrer principalmente em indivíduos com síndromes disabsor tvas crônicas (espru tropical). Existem condições em que os requerimentos diários de folato aumentam intensamente, podendo levar aos quadros carenciais, como na gestação, nas doenças esfoliatvas cutâneas crônicas e nas anemias hemolí tcas. É muito importante o suplemento durante a gestação, para prevenir malformação fetal, como os defeitos de tubo neural (anencefalia e espinha bífida). Drogas como a fenitoína, que podem interferir na absorção do folato, a sulfassalazina e o sulfametoxazol-trimetoprima, que são inibidores fracos da diidrofolato-redutase, e o metotrexato, que é inibidor forte da diidrofolato-redutase, levam a uma diminuição da síntese de DNA (diminui síntese de tmidilato) e provocam anemia megaloblástca por deficiência funcional. Pacientes em esquema de hemodiálise por IRC podem apresentar deficiência de AcF por este ser dialisável, logo, perdido durante as múltplas sessões às quais o paciente é submetdo. c) Quadros clínico e laboratorial O quadro é semelhante ao da deficiência de vitamina B12, com as mudanças megaloblástcas e as alterações de mucosa, porém não apresenta quadro neurológico associado. Acontece também a elevação de DHL e das bilirrubinas, porém a dosagem de B12 é normal. O AcF sérico está abaixo de 3ng/mL. Os níveis eritrocitários de AcF são mais especí ficos que a dosagem no soro, contudo é um exame de maior
complexidade e menor disponibilidade. Em caso de dúvida diagnóstca, pode-se observar aumento da homocisteína sérica e urinária, mas, diferentemente da deficiência de vitamina B12, a dosagem do ácido metlmalônico está normal. A I G
Tabela 9 - Dosagem de metabólitos intermediários Achado laboratorial
Carência de vitamina B12
Carência de ácido fólico
Homocisteína
Aumentada
Aumentada
Ácido metilmalônico
Aumentado
Normal
d) Diagnóstco diferencial Obviamente, deve ser afastada a deficiência de vitamina B12, mas deve-se considerar que doenças hepá tcas crônicas, hipotreoidismo e o uso de zidovudina em portadores de AIDS podem levar ao aparecimento de anemia macrocí tca. As mielodisplasias também devem ser descartadas. Nesse caso, a dosagem sérica de AcF estará normal ou elevada. Tabela 10 - Diagnóstco diferencial de causas de macrocitose Causas comuns de macrocitose - Drogas; - Alcoolismo/doença hepátca alcoólica; - Hipotreoidismo; - Mieloma múltplo; - Síndrome mielodisplásica; - Anemia aplásica; - Leucemias agudas.
e) Tratamento Utliza-se AcF oral na dose de 1mg/dia (porém, a maioria das formas comerciais disponíveis no Brasil é de 2 ou 5mg), e espera-se uma resposta rápida, semelhante à da reposição de B12 na carência desta. O tratamento deverá ser contnuado até a completa recuperação hematológica ou durante todo o período de aumento da demanda, quando for o caso.
8. Aplasia pura da série vermelha A - Considerações gerais A Aplasia Pura da Série Vermelha (APSV) descreve uma condição em que somente os precursores eritroides na medula estão pratcamente ausentes. As formas congênitas mais frequentes são doenças crônicas, muitas vezes associadas a anomalias fsicas. Essa patologia foi descrita por Joseph, Diamond e Blackfan na 1ª metade do século passado, por isso, geralmente é conhecida como anemia de Blackfan-Diamond. Ocorrem lesões nas stem cells intraútero, iniciando a anemia, que já se manifesta ao nascimento. Nas formas adquiridas do adulto, a supressão dos precursores eritroides é mediada por linfócitos T ou por an-
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HEMATOLOGIA tcorpos da classe IgG. Na maioria dos casos, o quadro é idiopátco, porém pode haver associação a:
Linfoproliferações: leucemia de linfócito large granular, leucemia linfoide crônica, mais raramente linfomas não Hodgkin; - Timomas: esta patologia sempre deve ser investgada em casos de APSV, estando presente em 5% dos casos; - Doenças autoimunes: como o lúpus eritematoso sistêmico e a artrite reumatoide; - Algumas drogas: como a fenitoína, o ácido valproico, a -
isoniazida, a azatoprina e o cloranfenicol; Doenças virais: HCV e H IV; - Complicação dos usuários de EPO recombinante:por meio da formação de antcorpo ant-TPO, especialmente em pacientes com IRC e mais raramente emdoping; - Infecção pelo parvovírus B19: caracteristcamente cursa com APSV, embora em alguns casos pode afetar outras linhagens. As manifestações clínicas são mais evidentes nos pacientes portadores de anemias hemolítcas crônicas, como a anemia falciforme e a esferocitose hereditária, em que a demanda medular está muito aumentada e a queda dos níveis de hemoglobina é súbita. O parvovírus destrói os precursores eritroides e cursa com alteração morfológica característca: pró-eritroblastos gigantes na análise da medula óssea. -
O tratamento da patologia de base, nas formas adquiridas, é fundamental para a regressão do quadro de APSV. Partcularmente no caso do tmoma, a exérese do tumor está relacionada à regressão da aplasia. Nos casos de infecção pelo parvovírus, o quadro tende a ser autolimitado, resolvido em 2 a 3 semanas. Caso não haja resolução espontânea nesse período, deve-se u tlizar a imunoglobulina IV. Nos demais casos, a conduta inicial é feita com prednisona em doses imunossupressoras. Nos casos não responsivos nos primeiros 3 meses de tratamento, outras drogas imunossupressoras devem ser associadas: imunoglobulina, ciclofosfamida, azatoprina, globulina anttmocítca ou até o rituximabe (antcorpo monoclonal ant-CD20). b) Formas congênitas (anemia de Diamond-Blackfan) Nas formas congênitas, existe relato de aproximadamente 50% de resposta ao uso de cor tcoterapia. Porém, em muitos casos, a indicação é a de transplante alogênico de célula-tronco hematopoétca, ou o paciente será dependente de transfusões de hemácias por toda a vida.
9. Resumo Quadro-resumo Principais causas de anemia por deficiência de produção - Ferro, vitamina B12 e AcF = por
B - Quadros clínico e laboratorial
Os sintomas da APSV são apenas os relacionados à anemia, exceto quando há uma patologia associada, como as linfoproliferações e o LES. No tmoma, pode haver quadro de miasteniagravis associado à aplasia. A anemia é severa, normocítca, normocrômica, com níveis de hemoglobina abaixo de 6g/dL e contagem de retculócitos baixíssima (<10.000/ mm3). Ao mielograma, evidencia-se normocelularidade global da medula óssea, porém com número muito diminuídoe, às vezes, ausência virtual de precursores eritroides.
Deficiência nutricional
Doença medular
- Aplasia, mielodisplasia, infiltração tumoral.
Supressão medular
- Medicamentos, quimioterapia, radioterapia.
Deficiência de hormônios - EPO, hormônio treoidiano, anque estmulam a eritropoese drógenos. Anemia de doença crônica
- Insuficiência renal crônica; Anemia normocítca
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- Deficiência mista: ferro e B12 ou folato; - Doença hormonal.
Anemia normocítca sem re- APSV. tculócito Anemia normocítca + pancitopenia
- Doença medular: aplasia, mielodisplasia, infiltração tumoral; - Deficiência de B12 ou folato. - Alcoolismo;
Anemia macrocítca
D - Tratamento a) Formas adquiridas Se houver suspeita de ação de drogas, deve-se suspender o uso delas.
- Alteração no metabolismo de ferro. - Anemia de doença crônica;
C - Diagnóstco diferencial O principal diagnóstco diferencial é com a anemia aplásica, em que há queda dos precursores de todas as linhagens celulares. Deve ser afastada também a anemia hemolí tca autoimune, já que nas linfoproliferações e no LES pode ocorrer a formação de autoantcorpos contra as células eritroides maduras; entretanto, o laboratório na anemia hemolí tca autoimune cursa com bilirrubina indireta, re tculócitos e DHL aumentados. As síndromes mielodisplásicas podem levar a quadros de anemia normocítca normocrômica, mas a morfologia displásica na medula óssea é caracterís tca.
falta de ingesta, aumento do consumo, má absorção ou perda sanguínea.
- Medicamentos; - Síndrome mielodisplásica.
Anemia megaloblástca
- Deficiência de vitamina B12 ou folato.
Anemia com reação leucoeri- - Infiltração medular por fibrose troblástca ou metástase de tumor sólido.
ANEMIAS POR DEFICIÊNCIA DE PRODUÇÃO
Doenças endócrinas que causam anemia - Hipo/hipertreoidismo; - Insuficiência adrenal; - Deficiência androgênica;
Ácido fólico
- Hiperparatreoidismo. Absorção
- Reaprovei- Acontece no tamento do duodeno e metabolismo da hemoglo- - Necessita jejuno; da bina; acidez gástrica - Alimentos para absorver contendo feras formas não ro na forma heme; heme (carnes) - Regulada pela e não heme ferroportna e (vegetais e hepcidina. cereais).
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- Disponível em vegetais e frutas crus;
Metabolismo do ferro Fontedeferro
Vitamina B12 - Importante nas reações de: · Homocisteína: metonina (formação de tetra-hidrofolato); · Metlmalonil-coA: succinil-coA.
Perda
tlação - Importante na síntese das purinas, pirimidinas e na me da homocisteína.
Causas de deficiência de vitamina B12
- Descamação da pele; - Descamação intestnal; - Menstruação.
Causas de ferropenia - Falta de ingesta;
Ingestão inadequada
- Vegetarianos veganos.
⇓ Acidez gástrica
- Gastrectomia/cirurgia bariátrica, doença péptca, inibidor da bomba de prótons,Helicobacter pylori.
⇓F ator intrínseco
- Anemia perniciosa.
⇓ Função pancreátca
Insu -
⇓ Receptor ileal
Alguns medicamentos
- Biguanida, neomicina.
- Diminuição da absorção; - Consumo: gestação, lactação, adolescência, infância, parasitose; - Perdas: menstrual, doação de sangue, sangramento gastrintestnal, hemoglobinúria. Etapas do diagnóstco da ferropenia/anemia ferropriva - ⇓ Ferritna; - ⇓ Ferro sérico;
Causas de deficiência de ácido fólico Falta de ingestão
- Anoréxicos, não ingesta de verduras e frutas crus; etlismo crônico.
Alteração de absorção
- Etlismo crônico, espru tropical, doença inflamatória intestnal.
Aumento do consumo
- Gestação, hemólise, doenças espoliatvas (psoríase), hemodiálise.
Medicamentos
- Fenitoína, sulfas, metotrexato.
- CTLF e ⇓ saturação de transferrina; - ⇓ CHCM, ⇓ VCM, RDW; - ⇓ Hemoglobina. Quadro clínico da ferropenia - Pica/pagofagia; - Unhas quebradiças efinas; fica, diminuição da - Língua careca, queilite angular, gastrite atró saliva;
- Síndrome de Plummer-Vinson ou síndrome Pa erson-Kelly; - Coiloníquia; - Esclera azul.
ficiência pancreátca.
- Ressecção/bypass ileal, doença de Crohn/má absorção, síndrome da alça cega, infestação por Diphyllobothrium latum, tuberculose intestnal, linfoma intestnal e irradiação pélvica.
Anemia perniciosa ficiência de B12; - A causa mais comum de de ficilmente se manifesta em adultos; - Doença autoimune que di
- Ocorre diminuição do fator intrínseco por: · Antcorpos antfator intrínseco (70%); · Gastrite atró fica: associada a antcorpo antcélula parietal (90%). Alto risco de neoplasia gástrica e tumor carcinoide. - Geralmente associada a outras doenças autoimunes.
Indicações do ferro parenteral
Diagnóstco
- Intolerância ao ferro oral, apesar da alteração de posologia ou
- Anemia macrocítca com retculócitos baixo e RDW aumentado;
da mudança na apresentação; - Falta de absorção (alguns casos pós-gastrectomia);
- Pode cursar com plaquetopenia e/ou leucopenia;
- Doença gastrintestnal (como as doenças inflamatórias intestnais), pois pode piorar os sintomas;
- Sangue periférico: macro-ovalócitos, neutró filos hipersegmentados; - Medula: hipercelular, células megaloblás tcas;
- Casos de perda intensa;
- Aumento de bilirrubina indireta e DHL;
- Pacientes em hemodiálise.
- Na deficiência de B12: ⇓ nível sérico de B12, de homocisteína e ácido metlmalônico;
Anemia megaloblástca - Resultado da alteração da síntese de DNA, formando células com morfologia anormal. Vitamina B12 - Disponível em alimentos de srcem animal.
- Na deficiência de folato: ⇓ nível sérico de folato e de homocisteína. Quadro clínico da anemia megaloblástca - Sintomas da síndrome anêmica;
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HEMATOLOGIA Quadro clínico da anemia megaloblástca - Alteração de mucosa com glossite, anorexia, diarreia; - Casos graves: sangramento mucocutâneo pela plaquetopenia; - Apenas na deficiência de folato durante a gestação: defeito do tubo neural e perda fetal; - Apenas na deficiência de B12: quadro neurológico com alteração sensorial e da propriocepção, alteração psiquiátrica e de memória, alteração motora. Tratamento - Deficiência de B12: reposição parenteral de vitamina B12 = 1.000mcg IM, 1x/dia, durante 1 semana; após = 1x/semana, durante 1 mês; após = 1x/mês durante toda a vida ou até o controle da causa; - Deficiência de folato: reposição VO de 1 a 5mg/dia até a normaficiência; lização do hemograma e a resolução da causa da de ficiência de - Não repor folato antes de repor B12 quando há de ambos, pois pode levar à piora dos sintomas neurológicos.
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Anemias pós-hemor rágicas e hiperproliferatvas
CAPÍTULO
4
Fernanda Maria Santos / Marcos Laercio Pontes Reis
1. Anemia pós-hemorrágica A anemia pós-hemorrágica apresenta 2 mecanismos: a) Perda direta de eritrócitos. b) Em sangramentos crônicos, há depleção gradual dos estoques de ferro, resultando em deficiência de ferro. A perda aguda de sangue varia, em suas manifestações hematológicas, ao longo das horas, desde o evento sangrante até a realização dos exames, podendo ser iden tficadas 3 etapas: Tabela 1 - Identficação em etapas da perda aguda de sangue
Também poderá haver um aumento transitório da leucometria e da plaquetometria e, se houver sangramento intenso, liberação de formas jovens de eritrócitos e leucócitos na corrente sanguínea. Tal fenômeno decorre da resposta medular exacerbada ao esmulo da EPO. Trata-se de um quadro benigno e passageiro. A 1ª conduta diante da hemorragia aguda é a restauração da volemia com cristaloides. Após a avaliação clínica, deve-se tentar quantficar o sangramento e realizar reposição de sangue para perdas >30% da volemia total. Nas perdas crônicas, a conduta consiste na correção da ferropenia e na identficação da etologia do sangramento.
1ª etapa Os primeiros sintomas estão relacionados à hipovolemia, e, nesta fase inicial, os níveis de Hb detectados no exame podem se manter normais, uma vez que tanto o conteúdo plasmá tco quanto o celular são perdidos de maneira proporcional, e ainda não ocorreram os mecanismos compensatórios. 2ª etapa dios, o fluido Diante da liberação de vasopressina e outros pep extravascular é mobilizado para o intravascular, levando à reposição volumétrica e hemodiluição. Nesta situação, evidenciam-se queda dos níveis de Hb e consequente anemia, cujo grau reflete a quantdade de sangue perdida. O processo de expansão plasmátca é lento: em uma perda de 20% da volemia, são necessárias de 20 a 60 horas para restaurá-la, por exemplo.
3ª etapa Finalmente, diante do quadro de anemia e hipóxia, a produção de EPO aumenta, iniciando o esmulo da produção de eritrócitos. A retculocitose demora de 2 a 3 dias para ser detectada,tangindo o pico em 8 a 10 dias após o quadro de hemorragia. Nesta fase, é importante o diagnóstco diferencial com as anemias hemolítcas, apesar de não haver aumento dos metabólitos da Hb (bilirrubina indireta) nem redução da haptoglobina. As pessoas com reserva baixa de ferro, após manifestações hemorrágicas, não conseguem tculocitose, e a realizar eritropoese adequada, não havendo re recuperação eritrocitária no tempo esperado, necessitando de suplementação de ferro para isso ocorrer.
2. Anemias hemolítcas – conceitos gerais A anemia hemolítca compreende um grupo de patologias em que a anemia se estabelece por redução do tempo de sobrevida eritrocitário. Se for considerada a medula óssea capaz de aumentar a eritropoese (por esmulo da EPO) em até 8 vezes para compensar as perdas ou a destruição eritrocitária, nem sempre haverá hemólise associada à anemia, já que os mecanismos compensatórios podem ser suficientes para evitar a queda dos níveis de Hb circulante. Esse mecanismo pode ser detectado pelo aumento de retculócitos circulantes no sangue periférico, característca primordial das anemias hiperproliferatvas. A anemia surge se a destruição eritrocitária ultrapassa a velocidade de eritropoese ou se a eritropoese não está aumentando proporcionalmente (como no caso de deficiência de folato associada). É exatamente com o objetvo de evitar quedas ainda maiores de hemoglobina por falta de folato que, nas anemias hemolítcas crônicas, utlizam-se doses diárias e connuas de ácido fólico. Os motvos para a redução da sobrevida eritrocitária são variados e vão de alterações estruturais da molécula da Hb, como na anemia falciforme, passando por defeitos no esqueleto da membrana celular, como nos casos de esfero-
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HEMATOLOGIA citose hereditária, chegando a mecanismos fisiopatológicos extremamente complexos, como o aumento da sensibilidade ao complemento atvado na hemoglobinúria paroxístca noturna. A classificação das anemias hemolítcas pode ser feita em relação ao local do glóbulo afetado (intracorpusculares ou extracorpusculares) ou quanto ao local predominante da hemólise (intravasculares ou extravasculares). Com raras exceções (hemoglobinúria paroxístca noturna), as hemólises são intracorpusculares são congênitas e as extracorpusculares adquiridas (Tabela 2). As hemólises intravasculares acontecem quando a alteração da membrana eritrocitária é muito abrupta e intensa ou por trauma direto da hemácia (microangiopa ta, trauma mecânico, queimaduras), e as extravasculares, quando a lesão da membrana é menos intensa, pois o eritrócito alterado é captado pelo sistema macrofágico e levado ao baço, onde ocorrerá sua destruição, o que jus tfica, em muitos casos de hemólise crônica, a esplenomegalia. A presença de Hb livre no plasma e na urina e a presença de esquizócitos em sangue periférico é indica tva de hemólise intravascular.
Tabela 2 - Causas de anemia hemolítca Extravascular Intrínseca
Extrínseca
- Deficiência de enzima: · Deficiência de G6PD; · Deficiência de PK.
- Anemia hemolítca autoimune; - Queimadura; - Hiperesplenismo.
- Defeito de membrana: · Esferocitose hereditária; · Eliptocitose; · Xerocitose.
- Infecções: · Babesiose; · Malária.
- Hemoglobinopata: · Anemia falciforme; · Talassemias; · Hemoglobinas instáveis; · Metemoglobinemia; · HbCC e outras.
- Outros: · Picada de inseto; · Veneno de cobra; · Doença hepá tca.
Intravascular - Defeito em válvula cardíaca metálica; - Microangiopata: · PTT, CIVD, SHU, HELLP, vasculite; - Infecção: · Malária grave; · Toxinado Clostridium. - Hemoglobinúria paroxístca noturna;
As característcas laboratoriais da hemólise estão relacionadas aos processos de destruição globular (aumento
- Reação hemolítca aguda pós-transfusional;
dos níveis de DHL), resposta medular (aumento dos re tculócitos) e eliminação dos metabólitos da Hb (aumento da bilirrubina indireta, diminuição do nível sérico da haptoglobina). Essas alterações podem ou não ser acompanhadas de queda no nível de Hb, conforme explicado. A haptoglobina é uma proteína capaz de carrear a Hb livre, e a queda de seus níveis traduz a presença de hemólise. Porém, quando a haptoglobina é completamente saturada, a Hb livre pode estar present e no plasma e ser filtrada nos glomérulos, aparecendo na forma de hemoglobinúria. Quadros como esses são mais comuns em situação de hemólise intravascular.
- Hemólise osmótca por solução hipotônica; - Veneno de cobra.
A combinação DHL e diminuição de haptoglobina garante 90% de especificidade para o diagnóstco de anemia hemolítca. Um quadro de hemólise não relacionado à doença hemolítca é a reação transfusional hemolítca. Nessa situação, a transfusão de concentrados de hemácias com presença de angenos, para os quais o receptor apresenta antcorpos (como na incompatbilidade do sistema ABO), leva à hemólise das hemácias transfundidas. Tal reação grave pode ser prevenida por meio de testes pré-transfusionais, por isso tem sido rara, sendo mais associada a erros da equipe de saúde (troca de bolsas, troca de amostras, entre outros). Contudo, quadros de hemólise em pacientes transfundidos obrigam sempre a exclusão desta e tologia.
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- Queimadura grave;
O paciente com hemólise, classicamente, apresenta as seguintes alterações: - Anemia de início rápido; - Palidez; - Icterícia e, se hemólise crônica, história de calculose biliar; - Esplenomegalia; - Aumento de retculócitos e DHL e diminuição de haptoglobina; - A análise do sangue periférico é muito importante para orientar a investgação etológica da hemólise.
3. Anemia falciforme A - Considerações gerais A Anemia Falciforme (AF) é a doença hematológica hereditária mais comum no mundo, caracteriza-se pelo acometmento da cadeia beta da Hb, srcinando uma Hb anormal denominada S (HbS). A maior prevalência ocorre na África tropical e entre os negros de países que par tciparam do tráfico de escravos. O padrão de herança é autossômico e codominante. Em consequência de uma mutação estrutural, haverá uma
ANEMIAS PÓS-HEMORRÁGIC AS E H IPERPROLIFER ATIVAS
alteração qualitatva na Hb. A alteração molecular primária é representada pela subs ttuição, no cromossomo 11, de um único aminoácido no códon 6 do gene da cadeia beta-globina: o glutamato pela valina, resultando na troca de bases: a Adenina (A) é subs ttuída pela Timina (T) (GAG-GTG), tendo como consequência a formação da HbS, que apresenta uma diminuição de sua carga negatva e aumento da hidrofobicidade. Com o aumento desta, a HbS desoxigenada fica insolúvel e forma fibras polimerizadas, resultando em alteração da morfologia da hemácia (hemácia “em foice”). Após a reoxigenação, o polímero se desfaz, e a célula volta ao normal. Porém, a polimerização e a despolimerização frequentes acabam provocando lesões progressivas na membrana, que inicialmente são reversíveis; contudo, após vários processos de falcização, as hemácias tornam-se definitvamente lesadas, transformando-se nas chamadas hemácias irreversivelmente falcizadas. As células com formato alterado (forma de foice) são rígidas e com menor capacidade de deformabilidade; passam a circular com mais dificuldade pelos pequenos capilares e, quando associadas a leucócitos em número aumentado e moléculas de adesão, são responsáveis pela lentficação do fluxo, oclusão vascular e lesão de tecidos, que representam os fenômenos principais dessa doença. A formação das cé-
aumento da geração de trombina e atvação plaquetária, fatores que também contribuem para os fenômenos vaso-oclusivos. Em geral, os pais são portadores assintomá tcos de um único gene afetado (heterozigoto), produzindo HbA e HbS (AS) – conhecidos como traço falciforme, e vão transmi tr cada um o gene alterado para a criança, que o recebe em dose dupla (homozigoto SS). A denominação “anemia falciforme” é reservada à forma da doença que ocorre nesses
lulas falcizadas também é responsável pela hemólise crônica, pois, pelas alterações estruturais severas, ocorre a retrada da circulação dessas células pelo sistema macrofágico, com subsequente destruição. A taxa de falcização é influenciada por vários fatores, sendo o mais importante destes a concentração de HbS intraeritrocitária. A desidratação, que ocorre pela alteração dos canais iônicos, em consequência das alterações da membrana, torna a célula mais vulnerável à falcização, assim como às baixas concentrações de oxigênio e à acidose. A presença de outras hemoglobinas no interior da hemácia pode aumentar ou reduzir o processo de falcização (como no caso da Hb fetal). A cinétca da polimerização também é fator determinante na evolução para fenômenos oclusivos vasculares. Existe um tempo entre a desoxigenação e a formação do polímero. Se o tempo gasto para o processo de geli ficação for menor que o necessário para as hemácias transitarem pela microcirculação, provavelmente haverá obstrução, caso contrário o fenômeno vaso-oclusivo será evitado. A velocidade da polimerização é influenciada pela concentração de HbS. As lesões na membrana celular do eritrócito e o rearranjo dos polímeros em seu interior explicariam por que muitas células se mantêm morfologicamente alteradas mesmo após a reoxigenação. Adesões frequentes de eritrócitos e leucócitos ao endotélio levam à disfunção endotelial, com
1 - AF (doença SS): os indivíduos são homozigotos para o gene da HbS.
homozigotos SS.anormalidades Além disso, o gene da HbS pode combinar-se com outras hereditárias das hemoglobinas, como hemoglobina C (HbC), hemoglobina D (HbD), beta-talassemia, entre outros, gerando combinações também sintomátcas, denominadas, respectvamente, hemoglobinopata SC, hemoglobinopata SD e S/beta-talassemia. No conjunto, todas essas formas sintomátcas do gene da HbS, em homozigose ou em combinação, são conhecidas como doenças falciformes. Apesar das par tcularidades que as distnguem e dos graus variados de gravidade, todas essas doenças têm um espectro epidemiológico e de manifestações clínicas e hematológicas superponíveis. Tabela 3 - Associação da doença falciforme com outras hemoglobinopatas hereditárias
2 - Traço falciforme (doença AS): o paciente tem um gene que sintetza cadeias polipepdicas globínicas normais (beta A) e um gene anormal (beta S), com produção de ambas as hemoglobinas (A e S), predominando a hemoglobina A (HbA). Seus eritrócitos raramente falcilizam, somente sob circunstâncias específicas, como hipóxia severa. 3 - AF associada à beta-talassemia (S-talassemia beta): - S-talassemia beta0: não há produção de Hb beta pelo gene da beta-talassemia; - S-talassemia beta+: o indivíduo produz cadeias beta normais, porém em pequenas quantdades. 4 - AF associada à hemoglobina C (Hb SC): o paciente tem 2 genes de cadeia beta alterados (beta S e beta C), o que ocasiona a produção tanto de HbS quanto de HbC. 5 - AF associada à talassemia alfa: deleção de 1 ou 2 genes da globina alfa. Anemia hemolítca mais discreta, com menos complicações se comparada à AF. 6 - AF associada à talassemia delta beta, condição heterozigó tca combinada que consttui uma das várias deleções grandes dos genes das globinas delta e beta, e permite o desvio de produção da HbF para a Hb do adulto. 7 - AF associada à PHHF (persistência hereditária da HbF) resulta de várias deleções grandes dos genes das globinas delta e beta que retardam o desvio da produção de HbF para a Hb do adulto.
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Figura 1 - Padrão de herança genétca da anemia falciforme: traço falciforme: HbAS; normal: HbAA2; falciforme: HbSS
Figura 2 - Fisiopatologia da anemia falciforme
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De modo geral, além da anemia crônica, as diferentes formas de doenças falciformes caracterizam-se por numerosas complicações que podem afetar quase todos os órgãos e sistemas, com expressiva morbidade e redução da capacidade de trabalho e da expectatva de vida.
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B - Quadro clínico As síndromes falciformes apresentam manifestações clínicas extremamente heterogêneas, variando de pacientes pratcamente assintomátcos durante toda a vida àqueles que necessitam de internação hospitalar frequente desde a infância. Em geral, quanto maior a quan tdade de HbS, mais grave a doença. Os pacientes homozigotos para HbS tendem a ter quadro clínico mais grave que os pacientes com hemoglobinopata SC, SD etc. A associação à persistência hereditária de Hb fetal confere melhor prognóstco à doença, pois a HbF tem maior afinidade com o oxigênio, diminuindo a polimerização. A doença inicia-se durante o 1º ano de vida, quando os níveis de Hb fetal caem e as hemácias perdem a proteção dada por essa Hb. Inicia-se um quadro de anemia hemolítca crônica, com icterícia e esplenomegalia (nos primeiros anos de vida).
Figura 3 - Criança com dac tlite
A manifestação clínica mais característca é a chamada crise álgica ou vaso-oclusiva, em que as micro-obstruções
A esplenomegalia pode persistr por toda a vida nos pacientes com doenças mistas, como na Hb SC, PHHF, S-beta-talassemia, porém, em indivíduos SS, a ocorrência frequente de infartos esplênicos por obstrução dos capilares leva à chamada autoesplenectomia (ou asplenia funcional), em que o baço se transforma em órgão residual cicatricial, com pouca ou nenhuma função. Isso provoca a redução da capacidade de opsonização e o aumento da suscetbilidade a infecções por germes capsulados, como pneumococo (Streptococcus pneumoniae), Haemophilus e Salmonella sp. Os episódios de infecção também podem ser facilitados pela disfunção de IgM e IgG, distúrbio na fixação do complemento e da opsonização – anomalias observadas nesses pacientes.
vasculares, principalmente no interior difusos, dos vasos sanguíneos ósseos, levam a quadros isquêmicos com intensa dor e, eventualmente, febre baixa. Esses episódios podem durar de horas a semanas, afetam teoricamente qualquer região do corpo, todavia parecem predominar em ossos e artculações. A dor é muito intensa, geralmente incapacitante, algumas vezes necessitando de hospitalização para analgesia parenteral. Crises repetdas com necessidade de internação (>3/ano) têm correlação com pior sobrevida, sugerindo que esses episódios sejam responsáveis por lesões crônicas em órgãos-alvo. Observa-se que valor alto de Hb (>8,5g/dL) é o maior fator de risco para crise álgica. As crises álgicas costumam ser deflagradas por quadros infecciosos, desidratação, exercício excessivo, mudanças bruscas na temperatura, hipóxia, stress emocional, mens-
A hemólise crônica leva ao excesso de bilirrubina indireta, que tem como complicação comum colecistopata calculosa por cálculos de bilirrubinato. Retardo de crescimento e de desenvolvimento e atraso da puberdade são bastante observados nos pacientes falciformes, mas a patogênese é pouco conhecida. Nos 2 primeiros anos, um quadro clínico considerado característco é a chamada “síndrome mão-pé” ou dactlite, em que ocorrem edema, calor e rubor dos dedos das mãos e pés por infarto ósseo, com dor intensa, que deve ser abordada de forma semelhante à das crises álgicas dos adultos.
truação e ingestão de bebida alcoólica, mas muitas vezes não se encontra o mo tvo. Contudo, diante de um paciente com crise dolorosa, é sempre obrigatória a inves tgação de foco infeccioso. As úlceras perimaleolares ocorrem pelas micro-obstruções vasculares e podem cronificar, pois o déficit de perfusão local é mantdo. Quase sempre se desenvolvem nos tornozelos, acima dos maléolos laterais e mediais; mais raramente, surgem na região pré-tbial e no dorso do pé. O início pode ser espontâneo ou subsequente a trauma, por vezes leve, como a picada de um inseto.
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HEMATOLOGIA nente estado de hiperbilirrubinemia indireta. Alterações hepátcas podem ainda ser derivadas de vaso-oclusão naquele órgão, sobrecarga de ferro e infecções, ambas determinadas por politransfusões. Em resumo, os episódios repetdos e silenciosos de vaso-oclusão podem afetar virtualmente todos os órgãos. Tabela 4 - Tipos de crises álgicas em pacientes com anemia falciforme Síndromes dolorosas agudas - Dor torácica aguda; - Colecistte; - Síndrome mão-pé; Figura 4 - Úlceras de perna
A vaso-oclusão pode alcançar tecidos mais “nobres” e levar a acidentes vasculares cerebrais, infartos pulmonares e priapismo. O acidente vascular cerebral acomete mais as crianças e tende a ser recorrente, sendo necessárias medidas de profilaxia; não é comum em adultos. Infartos pulmonares subagudos e crônicos resultam em hipertensão pulmonar e cor pulmonale, sendo, muitas vezes, causa de óbito. As complicações renais mais comuns são secundárias a microinfartos renais, com hematúria dolorosa por infarto papilar; proteinúria e hipertensão (que podem ser tratados por uso de inibidores de enzima conversora de angiotensina; necrose papilar; isquemia parenquimatosa que culmina em glomeruloesclerose segmentar e focal, e insu ficiência renal crônica; diabetes insipidus nefrogênico e alto risco para carcinoma medular renal. Também pode acontecer a chamada retnopata proliferatva similar à do diabetes mellitus, podendo levar à cegueira, além de oclusão da artéria retniana, descolamento de retna e hemorragia, como complicações retnianas. Como complicação óssea, pode ocorrer a osteonecrose (necrose óssea isquêmica ou necrose assép tca) da cabeça do fêmur ou úmero, além do favorecimento de osteomielite pela falha de perfusão óssea. Os agentes etológicos mais frequentes da osteomielite na AF são Salmonella e Staphylococcus aureus. A hiperproliferação da medula óssea e os microinfartos ósseos podem levar a alterações crônicas, sendo a mais conhecida a espinha “em boca de peixe”, em que as vértebras apresentam aumento do espaço medular e adelgaçamento do córtex, com osteoporose. Também são citados o infarto da medula óssea (com retculocitopenia e/ ou pancitopenia) e a embolia gordurosa secundária ao infarto ósseo. Por sua vez, as complicações cardíacas, picas da doença falciforme, são usualmente derivadas da circulação hiperdinâmica. Raramente, porém, ocorre crise vaso-oclusiva coronariana ocasionando isquemia miocárdica. Hipertensão pulmonar e ICC são eventos achados possíveis. Finalmente, as complicações hepatobiliares são representadas pela formação de cálculos biliares, pelo perma-
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- Crises álgicas; - Priapismo; - Síndrome do quadrante superior direito; - Sequestro esplênico. Síndromes dolorosas crônicas - Artrite; - Artropata; - Necrose asséptca avascular; - Úlceras nos membros; - Colapso do corpo vertebral.
Outros tpos de “crises” que afetam tais pacientes são: a) Crise hemolítca Exacerbação da hemólise, com retculocitose, diante de quadros infecciosos (em especial por Mycoplasma), crises álgicas, medicamentos e, raramente, associação da AF à deficiência de G6PD ou esferocitose hereditária. Este diagnóstco deve ser feito a par tr da exclusão de todas as causas possíveis de piora da anemia. b) Crises hiper-hemolítcas Surgimento de quadros hemolítcos graves e súbitos, deflagrados por transfusão de sangue ou anemia hemolítca autoimune. A Hb pós-transfusão é inferior à Hb pré-transfusão. Mesmo que a bolsa de sangue transfundida tenha sido compavel com angenos negatvos, desencadeia-se um processo de hemólise severa, intravascular, com hemoglobinúria, alteração da função renal, queda da Hb e retculocitopenia (mecanismo pouco conhecido, talvez por destruição também dos retculócitos). Nessa situação, deve-se evitar transfusão, manter hidratação vigorosa e usar cortcoide ou imunoglobulina. c) Crises aplásicas Na anemia falciforme, há redução importante na sobrevida dos eritrócitos (média de 17 dias), e qualquer supressão temporária na eritropoese pode resultar em anemia grave. Na crise aplásica, ocorre diminuição intensa e transitória da proliferação medular, com consequente queda importante nos níveis de Hb. Geralmente, é precedida por episódios infecciosos, e 70% dos casos decorrem da infec-
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ção por parvovírus B19, sendo os demais casos por outros agentes infecciosos, como Salmonella, Streptococcus ou vírus Epstein-Barr. A deficiência de folato também deve ser lembrada como possível fator causal, quando então recebe a denominação de crise megaloblástca. Os pacientes podem apresentar fadiga, dispneia, febre, infecção respiratória alta e sintomas gastrintestnais. A retculocitopenia é marcante, com valores <1% (ou <10.000/mm3, diferenciando do quadro clássico de re tculocitose em falcêmico). Embora a maioria dos quadros regrida espontaneamente, a transfusão de glóbulos vermelhos deve ser considerada nos pacientes sintomátcos. Imunoglobulina IV é o tratamento de escolha quando a aplasia é causada pelo parvovírus B19 que não apresentam remissão espontânea. d) Síndrome Aguda do Tórax (SAT) Caracteriza-se por febre, dor torácica, hipoxemia e aparecimento de opacidade radiológica pulmonar nova. Queda no valor da Hb e na contagem de plaquetas pode preceder a alteração radiológica. Cerca de 50% dos pacientes com AF apresentam ao menos 1 episódio de SAT no decurso da doença, sendo essa a 2ª causa mais frequente de hospitalizações desses pacientes e a principal complicação em anestesias e cirurgias. A frequência é de 8,7 eventos/100 pacientes/ano, e a mortalidade é de 4 a 9%. A e tologia é multfatorial e pode incluir infecção, embolia gordurosa, hiper-hidratação, hipoxemia, microatelectasias. Sua gravidade varia de acordo a idade do paciente. Em crianças, a manifestação clínicacom é mais branda, e geralmente o fator desencadeante é uma infecção. Em adultos jovens, predominam eventos trombótcos pulmonares que resultam em hipoxemia, hospitalização prolongada e alta taxa de mortalidade. Em cerca de 1/3 dos pacientes com SAT, a radiogra fia simples de tórax pode estar normal inicialmente, e, dependendo da evolução, que pode variar de horas a dias, as anormalidades radiográficas podem acentuar-se como infiltrado localizado, lobar ou difuso, unilateral ou bilateral e/ou derrame pleural. Como infarto pulmonar e pneumonia nem sempre são diferenciáveis à radiografia simples de tórax e à cintlografia de ventlação-perfusão, e como a arteriografia pulmonar com contrastes hipertônicos é contraindicada a pacientes com anemia falciforme, pelo alto risco de induzir alteração estrutural na Hb, a tomografia computadorizada de alta resolução tem sido sugerida como bom método para detecção de microêmbolos. Os principais diagnóstcos diferenciais da SAT são pneumonia e doença pulmonar vaso-oclusiva. Outras condições que podem simular SAT são Síndrome de Embolia Gordurosa (SEG) e infarto ósseo. A SEG geralmente está associada à dor óssea, alteração do nível de consciência, trombocitopenia, hipocalcemia e hiperuricemia; petéquias na conjun tva e no tórax podem reforçar o diagnóstco. Acredita-se que a dor local provocada pelo infarto ósseo, principalmente das costelas, do esterno e das vértebras, possa resultar em hipoventlação, atelectasia, hipercapnia e hipoxemia.
O tratamento consiste em manter o paciente euvolêmico, oxigenoterapia, 2L/min sempre que PaO 2 = 70 a 80mmHg ou SatO2 <92 %, controle da dor, terapêutca transfusional para deixar a HbS <30%, fisioterapia respiratória, para evitar atelectasia, e antbiotcoterapia empírica (macrolídeos e/ou quinolonas), para cobertura de Streptococcus pneumoniae, Mycoplasma pneumoniae e Chlamydia pneumoniae. Para a prevenção da SAT, pacientes com AF devem receber vacinação antpneumocócica e ant-influenza. A antbiotcoterapia empírica também é recomendada aos indivíduos com suspeita de pneumonia adquirida na comunidade, visando cobrir os agentes mais comuns, que podem variar de acordo com a história, o quadro clínico, a idade e a presença ou não de outras doenças de base. Hidratação com solução salina hipotônica deve ser u tlizada para prevenir ou reverter a depleção de volume intravascular e diminuir a osmolaridade em crise de falcização. O programa transfusional crônico, visando reduzir a concentração de HbS para menos de 30%, pode ser ú tl na profilaxia em longo prazo, através de transfusão simples ou da eritrocitoaférese (procedimento que consiste na troca automatzada do volume hemátco, suficiente para deixar a Hb no valor desejado).
Figura 5 - Exemplo de raio x de paciente com síndrome torácica aguda: infiltrado interscio alveolar difuso bilateral
e) Crises de sequestração Quadro definido pela redução abrupta de ao menos 2g/ dL em relação ao nível basal de Hb, plaquetopenia, re tculocitose e esplenomegalia. É causado por um aprisionamento de eritrócitos no baço, podendo levar ao choque hipovolêmico e sendo desencadeado por quadros infecciosos. Observam-se sintomas de hipovolemia, como taquicardia, palidez, taquipneia ou até hipotensão e choque; aumento do volume abdominal com esplenomegalia e dor no hipocôndrio esquerdo. O não atendimento imediato e eficaz pode, muitas vezes, levar a óbito em poucas horas.
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HEMATOLOGIA Afeta principalmente crianças em idade pré-escolar e pacientes com HbSC e HbS beta, em quem ainda há persistência do baço. No exame laboratorial, pode-se ter Hb muito baixa (2 a 3g/dL), retculocitose intensa e, geralmente, diminuição de leucócitos e/ou plaquetas. O tratamento inicial consiste na correção da hipovolemia, com reposição de cristaloides e transfusão de glóbulos vermelhos. A transfusão deve ser feita com cuidado, visto que o sangue aprisionado no baço pode entrar na circulação novamente. A recorrência do quadro na infância é comum (50%), e a mortalidade pode chegar a 15%. Não há consenso na literatura em relação à pro filaxia da recorrência, que pode ser observação clínica ou esplenectomia. Nos adultos, opta-se por observação clínica, pois os episódios tendem a ser mais leves e com menor taxa de recorrência. f) Priapismo É definido como uma ereção involuntária, sustentada e dolorosa, em virtude da vaso-oclusão que obstrui a drenagem venosa do pênis. O priapismo prolongado (duração superior a 2 a 3 horas) é uma urgência médica e requer avaliação urológica, pois, se não tratada, pode causar disfunção erétl. A média de idade é de 12 anos, e, aos 20 anos, 89% dos pacientes já apresentaram 1 ou mais episódios. Os pacientes devem ser orientados a reconhecer o quadro, iniciar ingesta hídrica vigorosa, analgesia via oral, urinar com frequência (a
Analgesia; Dor de leve a moderada intensidade: An t-Inflamatórios Não Hormonais (AINHs), analgésicos comuns (dipirona, paracetamol) e opioides fracos (codeína, tramadol). Cuidado com o uso de AINH, por possíveis alterações da função renal, comuns no paciente falciforme. Sempre evitar uso crônico, pelos mesmos motvos; - Dor forte: opiáceos fortes: cloridrato de mor fina, 0,1mg/kg em bolus. Repetr a dose a cada 20 minutos, até o controle da dor ou a sedação excessiva. Evitar o -
uso de meperidina, pelo alto potencial de dependência dessa droga; outros opioides fortes, como metadona e oxicodona também podem ser u tlizados. Para casos de dor grave e refratária, pode-se utlizar bomba de infusão connua de morfina; - Hidratação: encorajar a ingesta hídrica e manter o paciente euvolêmico por meio da reposição de solução salina. Cuidado com a hipo e a hiper-hidratação – fazer controle diário dos líquidos ingeridos e administrados, perdas e controle de peso; - Transfusão: não diminui a duração da crise e está indicada na síndrome torácica aguda, na crise aplásica, no sequestro esplênico e na anemia sintomátca; - Tratamento das infecções:a principal causa de óbito em crianças é sepse por Streptococcus pneumoniae; - Oxigenoterapia: apenas se houver hipoxemia.
bexiga cheia pode serdeum fator desencadeante) e procurar atendimento médico urgência. Outros fatores desencadeTabela 5 - Resumo do tratamento da crise álgica antes são infecção, desidratação, ingestão de drogas (álcool, Sempre indicado cocaína, maconha, psicotrópicos) e traumatsmo. - Avaliação clínica minuciosa; O tratamento consiste em analgesia vigorosa e hidrata- Hidratação; ção parenteral, e a não regressão imediata do quadro após - Analgesia. a terapêutca inicial indica a realização de aspiração do corIndicação de acordo com avaliações clínica e laboratorial po cavernoso e irrigação com solução salina, com ou sem - Transfusão; alfa-adrenérgico (adrenalina, fenilefrina), a fim de prevenir disfunção erétl. Para os casos que não respondem à irri- Antbiotcoterapia; gação, a cirurgia para colocação de shunt entre os corpos - Oxigenoterapia. cavernoso e esponjoso deve ser considerada. A Tabela 6 descreve os principais quadros infecciosos e g) Avaliação do paciente com crise álgica no prontopatógenos relacionados. -socorro -
História: avaliar o início (agudo ou crônico), a intensidade (escala de 0 a 10), a duração, a localização e a
frequência da dor. Investgar fatores desencadeantes, tratamento utlizado no domicílio, data da úl tma crise e hospitalização prévia; - Exame fsico: sinais vitais (PA, pulso, frequência respiratória, temperatura e oximetria de pulso). Avaliar local da dor, edema e mobilidade artcular. Pode-se encontrar icterícia, em razão da hemólise. Procurar sinais sugestvos de quadro infeccioso; - Exames complementares: raio x de tórax, hemograma com contagem de retculócitos, hemocultura e urocultura, função renal e eletrólitos; outros exames, a depender da queixa e do exame fsico;
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Tabela 6 - Quadros infecciosos na anemia falciforme Quadro clínico Bacteremia Meningite
Prováveis patógenos - Streptococcus pneumoniae; - Haemophilus influenzae. - Streptococcus pneumoniae; - Haemophilus influenzae. - Mycoplasma pneumoniae;
Pneumonia
- Chlamydia pneumoniae; - Streptococcus pneumoniae. - Salmonella;
Osteomielite/artrite séptca
- Staphylococcus aureus; - Streptococcus pneumoniae.
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Toda criança com doença falciforme que apresenta febre >38,5°C deve ser tratada, tendo em vista a possibilidade de septcemia. Recomendam-se a internação e a realização de hemoculturas e culturas de nasofaringe (procurando colonização por S. pneumoniae e possível identficação de cepas resistentes). Imediatamente, deve ser iniciada an tbiotcoterapia empírica utlizando-se, por exemplo, ampicilina ou amoxicilina. Estudos evidenciam a ce riaxona como antbiótco ideal para a maioria das infecções bacterianas na anemia falciforme. Qualquer sinal de gravidade, como
A confirmação diagnóstca é feita pela eletroforese de Hb, em que se encontram níveis de HbS entre 85 e 98% nos indivíduos SS. A associação de outras hemoglobinopatas pode reduzir os níveis de HbS, porém a HbA estará ausente (exceto na S-alfa-talassemia, em que a HbA pode chegar a 70 ou 75%, porém sem oferecer proteção alguma contra a falcização). Os níveis de HbF são pouco a moderadamente elevados, e os casos com HbF mais alta costumam ter quadros clínicos mais brandos.
taquicardia, hipotensão, deve ser tratado agressivamente com rocefinbacteremia, e vancomicina. Crianças com doença SS têm resposta imunológica normal a vacinas, sendo essas armas importantes na pro filaxia das infecções na infância. Embora apresente fiecácia limitada para determinados sorotpos e em crianças menores de 4 anos, a vacinação contra pneumococo representou grande avanço na proteção da criança com anemia falciforme, assim como a vacinação contraHaemophilus. É interessante também que a criança falcêmica seja submetda à imunização contra o vírus da hepatte B, em razão do risco elevado dessa infecção, relacionado às frequentes hemotransfusões. Além das imunizações, o uso de penicilina oral (125mg, 2x/dia, até os 3 anos e 250mg, 2x/dia, para maiores de 3 anos) de forma profilátca visa, principalmente, evitar os casos de sepse por pneumococo. Há controvérsias quanto à faixa etária em que a pro filaxia por penicilina deva ser descontnuada. Embora alguns estudos recomendem a manutenção da profilaxia por toda a vida, demonstrou-se ser seguro suspender a penicilina oral após o 5º ano de vida.
Exames como teste de solubilidade Hb e oporém teste de falcização são oexcelentes provas para da triagem, estão positvos nos indivíduos heterozigotos (traço falciforme), que são assintomátcos, não sendo importantes para o diagnóstco. Para o seguimento clínico dos pacientes com anemia falciforme, devem ser realizados exames periódicos em que se avalie não só a Hb, mas o índice de hemólise (BTF, DHL), a resposta medular (retculócitos) e, anualmente, se verifiquem os efeitos sobre órgãos e sistemas (avaliação cardiológica, oalmológica, neurológica etc.).
C - Laboratório Os sinais de anemia hemolítca crônica são evidentes, com níveis de Hb em torno de 7 (podendo ser mais baixos, principalmente nas exacerbações hemolítcas e na associação ao gene talassêmico) e retculócitos entre 3 e 15%. As alterações morfológicas do sangue periférico são característcas, com a presença de hemácias “em foice”, retculocitose, eritroblastos circulantes e, quando ocorrer autoesplenectomia, presença de corpúsculos de Howell-Jolly. As hemácias são normocítcas e normocrômicas, exceto quando há alfa ou beta-talassemia associada, em que são encontradas microcitose e hipocromia. A leucometria de base geralmente está elevada, entre 12 e 15.000/mm3, e pode acontecer trombocitose (nos asplênicos). Nos pacientes com doença falciforme (HbSC, beta-S-talassemia), a leucometria é normal, e pode haver trombocitopenia (por hiperesplenismo, quando há grande esplenomegalia). As bilirrubinas estão elevadas, com evidente predomínio da indireta, e pode haver elevações crônicas e não severas das enzimas hepatocelulares. Elevação da fosfatase alcalina, da gama-glutamiltranspeptdase e da bilirrubina direta podem ser evidências de colestase por cálculos de bilirrubinato.
D - Tratamento Não existe tratamento específico para a anemia falciforme, apenas de suporte, ou seja, o paciente deve fazer acompanhamento periódico com especialista, para profilaxia e diagnóstco precoce das complicações. Exames recomendados periodicamente, além dos exames de sangue, são: - Ultrassom de abdome, com o obje tvo de encontrar cálculo biliar, para proceder a colecistectomia ele tva; - Ultrassom Doppler transcraniano a partr dos 2 até os 16 anos, para detecção do risco de acidente vascular cerebral e inclusão no programa de transfusão crônica para profilaxia primária, quando necessário; - Exame oalmológico; - Ecocardiograma após os 15 anos, para avaliação da pressão da artéria pulmonar e função cardíaca; - Densitometria óssea e monitorização do nível sérico de cálcio e vitamina D após os 12 anos; - Demais exames conforme os sintomas. Os pacientes são mantdos constantemente em uso de ácido fólico para evitar a falência medular por esgotamento dos estoques da substância. As transfusões de concentrados de hemácias podem ser terapêutcas ou profilátcas. As transfusões terapêutcas têm indicações precisas, devendo ser utlizadas apenas quando a sintomatologia do quadro anêmico for severa, em crises aplásicas ou de sequestração, fase aguda do acidente vascular cerebral, síndrome torácica aguda e falência aguda de múltplos órgãos. A transfusão pro filátca fica reservada para profilaxia primária ou secundária de acidentes vasculares cerebrais.
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HEMATOLOGIA Uma complicação importante das múl tplas transfusões que os pacientes são submetdos é a sobrecarga de ferro, portanto, devem ser evitadas as transfusões desnecessárias. Deve-se quantficar a ferritna a cada 3 a 4 meses e iniciar tratamento de quelação do ferro com desferroxamina ou deferasirox, antes que a ferritna esteja >2.000ng/dL, principalmente naqueles submetdos a esquema crônico de transfusão (profilaxia de AVC). A sobrecarga de ferro é potencializada pelo aumento fisiológico de absorção de ferro, secundário à eritropoese ine ficaz, sendo contraindicação absoluta a administração de ferro medicinal para esses pacientes. Esta hemossiderose pode ocasionar problemas graves como insuficiências hepátca, cardíaca, pancreátca e endocrinopata. Outras complicações das múltplas transfusões são a aloimunização e a transmissão de infecção. A profilaxia de infecções por germes capsulados inclui o uso de vacinas contra pneumococo, Haemophilus B, hepatte B e influenza a partr dos 2 anos de vida. A u tlização profilátca de penicilina via oral desde o lactente até os 5 anos, como forma de prevenção, tem sido feita ro tneiramente, como a imunização para o vírus influenza. A orientação quanto aos sinais de infecção e o uso precoce de antbiótcos deve ser sempre reforçada. A hidroxiureia, um agente citotóxico utlizado classicamente nos casos de mieloproliferações, revolucionou o tratamento de casos selecionados de anemia falciforme, com diminuição da morbidade e aumento da sobrevida. Ela eleva a síntese de Hb fetal, diminui o número de granulócitos e re tculócitos, aumenta o nível de óxido nítrico e diminui a aderência da hemácia à parede vascular. Deve ser considerada em pacientes com >3 crises/ano, com necessidade de internação; antecedente de síndrome torácica aguda; anemia sintomátca frequente e história de outros eventos vaso-oclusivos severos. Outras indicações ainda estão sendo estudadas. Outros medicamentos também vêm sendo estudados para o tratamento específico da anemia falciforme, por intermédio de vários mecanismos de ação, como 5-azaci tdina, decitabina, inalação de óxido nítrico, suplementação de magnésio e eritropoetna. Há grande esperança no tratamento da AF com a terapia gênica em estudo. O transplante de células-tronco hematopoétcas, por sua alta morbimortalidade, é considerado alternatva somente nos casos mais graves. Tabela 7 - Resumo do tratamento da anemia falciforme - Tratamento curatvo: transplante alogênico de células-tronco hematopoétcas: para casos selecionados; - Ácido fólico; - Vacinação: contra pneumococo,Haemophilus B, hepatte B e influenza; - Profilaxia infecciosa com penicilina oral até os 5anos;
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- Hidroxiureia para pacientes selecionados: pacientes com >3 crises graves/ano; antecedente de síndrome torácica aguda; anemia sintomátca frequente com necessidade transfusional elevada e história de outros eventos vaso-oclusivos severos; - Profilaxia primária e secundária de AVC em pacientes de risco; - Transfusão de hemácias em situações especiais: anemia sintomátca severa, crise aplásica ou de sequestração, fase aguda do acidente vascular cerebral, síndrome torácica aguda e falência aguda de múltplos órgãos; - Quelação do ferro; - Acompanhamento com especialista para monitorização e tratamento de complicaçõesdiversas.
E - Prognóstco e sobrevida A sobrevida global do paciente com AF é reduzida, mas vem melhorando com o acompanhamento médico e o diagnóstco precoce das complicações, imunização adequada, profilaxia antbiótca na infância, uso precoce de antbiótcos em quadros infecciosos, suporte transfusional adequado e uso da hidroxiureia, quando indicado. O teste do pezinho é um exame de triagem, realizado na 1ª semana de vida (3º ao 7º dia), de rastreamento de algumas doenças congênitas, entre elas as hemoglobinopatas. Se alterado, devem ser realizados exames confirmatórios (eletroforese e hemoglobina, no caso da anemia falciforme). De extrema importância, visto que medidas pro filátcas que diminuem mortalidade e morbidade podem ser insttuídas precocemente.
As principais causas de óbito, em ordem decrescente de frequência, são: - Infecção, principalmente na infância, com síndrome torácica aguda e falência de múltplos órgãos; - AVC; - Sequestro esplênico; - Tromboembolismo; - Insuficiência renal; - Hipertensão pulmonar. Alguns fatores estão associados à alta morbidade e menor sobrevida: - Dactlite antes de completar 1 ano de vida; - Leucocitose na ausência de infecção; -
Hb <7g/dL.
F - Situações especiais a) Acidente Vascular Cerebral Isquêmico (AVCI) Tomografia computadorizada de crânio sem contraste deve ser realizada para descartar quadros hemorrágicos ou não isquêmicos nos pacientes sintomátcos. A RNM é o melhor exame para avaliação das lesões isquêmicas, que são mais comuns em crianças de 2 a 9 anos; os quadros hemorrágicos são mais frequentes em indivíduos entre 20 e 29 anos. Isso se deve ao fato de que, com os microinfartos
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de repetção na infância, ocorrem a formação de pequenos aneurismas em circulação colateral peri-infarto (aneurismas de moyamoya), os quais, na vida adulta, podem se romper levando ao AVC hemorrágico. Na criança, o tratamento na fase aguda consiste em hidratação e transfusão, além da antagregação. Na prevenção secundária, u tliza-se o programa de transfusão crônica em razão do alto risco de recidiva. O adulto deve ser avaliado para receber t-PA (atvador tssular do plasminogênio recombinante) na fase aguda do AVCI; se não for possível, pode ser u tlizado ácido acetlsalicílico (325mg). Na infância, 25% das crianças podem ter lesões isquêmicas silenciosas, resultando em alterações cognitvas. Desta forma, está indicado o screening para toda criança com AF por meio do ultrassom Doppler transcraniano – fluxo aumentado na artéria cerebral média ou na carótda interna (>170 a 200ms) é interpretado como alto risco de evento isquêmico, estando indicada a pro filaxia primária do AVC através do regime de transfusão crônica. A hidroxiureia está sendo estudada para essas situações. A transfusão de sangue visa reduzir a concentração de HbS para menos de 30%, que tem benefcio no programa de profilaxia do AVC. A transfusão crônica pode ser feita por transfusão simples ou u tlizando-se da eritrocitoaférese (procedimento que consiste na troca automa tzada do volume hemátco, suficiente para deixar a Hb no valor desejado). b) Falência de múltplos órgãos A falência de múltplos órgãos aguda é vista mais frequentemente durante crises álgicas graves nos pacientes HbSS. A fisiopatologia não é completamente entendida, mas sabe-se que suporte transfusional com eritrocitoaférese pode reverter o quadro. c) Anestesia e cirurgia O risco de morbimortalidade é maior que o da população em geral, pela presença de anemia, da propensão à falcização na microcirculação, das lesões de órgãos-alvo, do risco de hipóxia e dos efeitos da asplenia (risco aumentado de infecção). São orientações no pré-operatório: - Correção da anemia (manter a Hb entre 8 e 10g/dL); - Se possível, transfusão de concentrado de hemácias fenotpadas para evitar a aloimunização; -
Manutenção de oxigenação e hidratação; Seleção de procedimentos menos invasivos e extensos; - Fisioterapia respiratória no pós-operatório. -
d) Gravidez A gravidez em mulheres com AF traz uma série de riscos, tanto para a mãe quanto para o bebê. Esses riscos não são impeditvos de uma gravidez desejada, salvo em situações especiais. A incidência de aborto espontâneo é elevada. O pré-natal é fundamental, e a paciente deve ser aconselhada a buscar acompanhamento médico logo no início da gravidez. É necessário pesquisar a presença de
aloan tcorpos, independente da história transfusional. O acompanhamento da paciente aloimuniz ada deve ser metculoso, e a realização de amniocentese para pesquisar o desenvolvimento fetal e a concentração de bilirrubina é recomendada, para investgação de doença hemolí tca do recém-nascido. É sugerida a administração de imunoglobulina an t-Rh, em casos selecionados. O retardo do crescimento intrauterino é frequente, assim como a prematuridade. A toxemia gravídica, síndrome torácica aguda, infecções do trato urinário e a trombo flebite também são complicações comuns. atentar para episódios infecciosos comoTambém infecção édopreciso trato urinário, pielonefrite e endometrite. Durante o trabalho de parto, a hipercinesia e o alto débito cardíaco se tornam acentuados, e a dor deve ser controlada pelo uso de narcótcos. As perdas sanguíneas devem ser repostas de acordo com a ro tna obstétrica habitual, com oxigênio e hidratação de manutenção devendo ser administrados. No período pós-parto, deve-se manter hidratação adequada, e é possível diminuir o risco de tromboembolismo com o uso de meias elástcas e a deambulação precoce. A prevenção de atelectasia é importante, e, em caso de febre, deve-se diagnostcar a causa e tratá-la agressivamente. O recém-nascido deve ser submetdo a testes para iden tficação de hemoglobinopata, assim como de outras desordens genétcas. Em caso de aborto espontâneo ou provocado, a paciente Rh negatvo deve sempre receber a imunoglobulina tan -Rh. O emprego de transfusões de concentrado de hemácias profilatcamente, para manter níveis hematmétricos mais altos (Hb em torno de 10g/dL) com o intuito de reduzir a incidência de complicações, como abortamento e/ou prematuridade, é discuvel e, para alguns, injustficável. e) Traço falciforme Os pacientes com genótpo heterozigoto apresentam uma condição hereditária benigna, não uma doença: não apresentam manifestação hematológica (valores de Hb, VCM, CHCM e retculócitos normais), crises vaso-oclusivas, risco gestacional, cirúrgico ou anestésico adicional em relação à população normal e tem expectatva de vida normal. Apesar de ser condição benigna, algumas complicações raras podem acontecer: - Renais: a medula renal pode sofrer infartos microscópicos, o que leva à incapacidade de concentrar a urina (hipostenúria); em infartos da papila renal, ocorrem episódios de hematúria macroscópica; risco aumentado de carcinoma medular renal; - Trombose: risco de infarto esplênico em grandes al ttudes; - Pacientes com traço falciforme, subme tdos a exercícios extenuantes e prolongados (militares): têm risco 30 vezes maior de morte súbita, provavelmente em razão de rabdomiólise, infarto do miocárdio, arritmia.
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HEMATOLOGIA É importante o aconselhamento gené tco, informando que se ambos, marido e mulher, forem traço falciforme, haverá 25% de chance de seus filhos apresentarem a AF propriamente dita.
4. Hemoglobinopata C A hemoglobinopata C (HbCC) tem herança autossômica e é resultado da substtuição de um único aminoácido na molécula da cadeia beta globina, trocando glutamina pela lisina na posição B6. A forma homozigota da HbCC provoca o aparecimento de anemia hemolítca crônica leve, com esplenomegalia discreta, icterícia leve e coleliase por cálculos de bilirrubinato. Os heterozigotos para HbAC são assintomátcos, todavia apresentam alterações morfológicas no sangue periférico (microcitose), sendo importante diagnóstco diferencial com o traço talassêmico. A HbC não é falcemizante, mas partcipa na polimerização se está junto com a HbS (HbSC). O sangue periférico mostra predomínio de hemácias “em alvo” e, ocasionalmente, células contendo cristais retangulares de HbC precipitada. O diagnóstco é confirmado pelo achado de hemoglobina S e C na eletroforese de proteínas. Os indivíduos com hemoglobinopata SC podem apresentar as mesmas complicações que o indivíduo com AF (HbSS), mas em menor intensidade e mais tardiamente, como episódios de dor óssea ou ar tcular, porém de intensidade leve. Das doenças falciformes, esta é a forma que mais apresenta risco de re tnopata, com necessidade de consultas periódicas com o almologista, mesmo se indivíduo completamente assintomátco. O tratamento é meramente de suporte, com uso de ácido fólico, transfusões (quando necessário) e tratamento sintomátco das crises.
5. Hemoglobinas instáveis Hemoglobinas instáveis são resultantes de mutações que levam à síntese de Hb, diminuindo a solubilidade da molécula no eritrócito e deixando com maior propensão à oxidação, ocasionando sua precipitação, mesmo havendo um sistema de G6PD eficaz, culminando com lesão na membrana celular. A transmissão é autossômica dominante, e a severidade varia de acordo com a quan tdade de Hb mutada. A maioria dos pacientes mostra quadro de hemólise crônica, com icterícia, esplenomegalia, re tculocitose e colecistopata calculosa por bilirrubinato. O início da manifestação clínica depende da cadeia globínica afetada: se cadeia alfa, o início é neonatal; se cadeia beta, após o 3º ao 6º meses de vida. Os pacientes com formas mais leves só apresentam anemia sob condições de estresse oxidatvo, como infecção, febre e medicamentos. Alguns pacientes queixam-se de urina escura – pigmentúria, resultado da presença de anéis pirrólicos na urina.
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O diagnóstco é feito por meio da evidência de corpúsculos de Heinz eritrocitários, alteração no teste de precipitação de hemoglobina instável e níveis normais de G6PD. O encontro de “hemácias mordidas” no sangue periférico também auxilia o diagnóstco (células que perderam parte da membrana lesada em passagem pelo sistema re tculoendotelial do baço).
Figura 6 - Lâmina de sangue periférico de paciente com Hb instável; (A) hemácias “mordidas” e (B) corpúsculo de Heinz
O diagnóstco diferencial inclui outras formas de anemias hemolítcas, não esferocítcas, que apresentam corpúsculo de Heinz: - Congênitas: deficiência de G6PD, deficiência de piruvatoquinase; - Adquiridas: metemoglobinemia por intoxicação medicamentosa, doença de Wilson. O tratamento nem sempre é necessário, visto que a maior parte dos casos é de anemia leve. Para todos, recomenda-se o uso de ácido fólico connuo, o uso precoce de antbiótcos nos casos de infecção e evitar o uso de medicamentos oxidantes. Nos casos em que há hemólise mais intensa e mantda, suporte transfusional e pode ser necessária a esplenectomia. O prognóstco é benigno na grande maioria dos casos.
6. Talassemias A - Considerações gerais As talassemias são condições caracterizadas pela redução ou ausência da síntese das cadeias de globina (alfa ou beta). A síntese reduzida da cadeia globínica mutada leva à redução do conteúdo eritrocitário de Hb e, finalmente, a uma anemia hipocrômica e microcítca de intensidade variada. Em compensação, o excesso da cadeia globínica normal pode levar à hemólise crônica e à eritropoese ineficaz. A Hb normal circulante de um adulto é composta, em média, por 98% de HbA, que é formada por um tetrâmero de 2 cadeias alfa e 2 cadeias beta globínica, podendo ser chamada de “alfa 2 beta 2”; <3% de Hb A2, formada por 2 cadeias alfa e 2 cadeias delta (alfa 2 delta 2)e <15% de Hb fetal (HbF), com 2 cadeias alfa e 2 cadeias gama (alfa 2 gama 2).
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Tabela 8 - Tipos de Hb normal Tipo
Composição
Frequência
HbA
alfa 2 beta 2
HbA2
2alfa2delta
98% <3%
HbF
2alfa2gama
<15%
a) Alfa-talassemia As 2 cópias do gene da alfa-globina estão localizadas no cromossomo 16, e não há substtuto para a alfa-globina na formação da Hb. A deficiência de formação da alfa-globina leva consequentemente ao excesso relatvo de cadeia beta nas crianças e adultos, formando a HbH, e ao excesso de gama-globina intraútero, gerando a Hb de Bart. O excesso de cadeia beta é capaz de formar tetrâmeros solúveis (beta-4 ou HbH) que são instáveis e podem precipitar dentro da hemácia, gerando uma variedade de manifestações clínicas. A HbH tem alta afinidade com o oxigênio e distribui mal o O 2 nos tecidos; a Hb de Bart (gama 4) apresenta extraordinária afinidade com o oxigênio e resulta na hidropisia fetal e morte intrauterina ou pós-parto na alfa-talassemia major, em que não há produção da cadeia alfa. A alfa-talassemia acontece principalmente por deleção do gene, causando redução da síntese das cadeias de alfa-globina. Mas, como todas as hemoglobinas do adulto contêm cadeias alfa, não modifica o percentual de distribuição das hemoglobinas A, A2 e F. - Mutação dos genes da alfa-talassemia: 3 genes normais e 1 gene mutado [α α/α -] portador silencioso ou traço alfa-talassêmico (alfa-zero talassemia); 2 genes normais e 2 mutados [α -/α - ou α α /--] talassemia minor ou alfa+talassemia: não existem sintomas, mas o hemograma pode apresentar anemia leve, microcítca; 1 gene normal [α-/--] doença da HbH: os pacientes apresentam anemia hemolítca, esplenomegalia, alterações esquelétcas devido à eritropoese aumentada; Nenhum gene normal [--,--] hidropisia fetal com a Hb de Bart, pois a cadeia alfa não é formada, sendo incompavel com a vida extrauterina. •
•
•
•
quanto no sangue periférico e são responsáveis por uma variedade de manifestações clínicas. A intensidade dessas manifestações depende da quantdade de cadeia alfa globina em excesso. Quando não há síntese de cadeias beta, o subtpo é denominado “zero”, enquanto aqueles com síntese reduzida são chamados “+”. A redução na síntese de cadeias beta leva à formação de maior quan tdade de HbA2 e F. O traço talassêmico beta é o termo usado para os pacientes heterozigotos, que herdam um único gene mutado responsável pela redução da cadeia da beta-globina ( β/β+). A talassemia intermediária é o resultado da homozigose para mutações talassêmicas – os 2 alelos apresentam mutação que resultam na diminuição da síntese de cadeia beta (β+/β+), ou heterozigose com alelos não produtores de cadeia beta (β+/β-zero). A talassemia major é o termo u tlizado quando há mutação em homozigose que resulta na ausência da síntese de cadeia globínica (β-zero/β-zero).
B - Quadros clínico e radiológico a) Talassemia alfa As síndromes alfa-talassêmicas predominam em indivíduos srcinários da China e do sudoeste asiá tco e, mais raramente, em indivíduos de raça negra. O portador silencioso (ou alfa-talassemia menor) é assintomátco e não manifesta nenhuma alteração hematológica. O traço alfa-talassêmico apresenta anemia leve, microcítca e hipocrômica, com excelente qualidade de vida e sintomatologia mínima ou ausente. A doença da HbH tem quadro de anemia hemolítca de intensidade variável, mas geralmente em associação à necessidade transfusional desde a infância, com esplenomegalia e alteração óssea variável pela eritropoese ine ficaz. O quadro de anemia e icterícia já se manifesta logo ao nascimento, visto que há deficiência de alfa globinapara a síntese de HbF. Na hidropsia fetal, ocorre hepatoesplenomegalia intensa, com anemia severa (Hb 3 a 4) e insu ficiência cardíaca, culminando com óbito fetal ou na tmorto.
b) Beta-talassemia As beta-talassemias são causadas prioritariamente por mutações pontuais do que por deleções e resultam na formação de cadeias beta incompletas ou até na ausência das cadeias. Os defeitos moleculares que levam à beta-talassemia são múltplos e heterogêneos. O único gene da beta-globina localiza-se no cromossomo 11, adjacente aos locais onde estão codificadas as cadeias delta e gama, capazes de substtuir a cadeia beta. O excesso relatvo das cadeias alfa provoca diminuição da solubilidade e precipitação da Hb, levando a lesões de membrana e alteração no transporte de oxigênio. Essas lesões provocam hemólise tanto dentro da medula óssea
Figura 7 - Hidropsia fetal
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HEMATOLOGIA b) Talassemia beta Os indivíduos mais afetados pela talassemia beta são os srcinários da costa do Mediterrâneo (italianos e gregos, principalmente) e, em grau menor, chineses, outros asiá tcos e negros. O traço talassêmico (beta-talassemia minor) pode apresentar anemia discreta, porém é assintomátco. Geralmente a suspeita é feita com hemograma de rotna. Na talassemia intermediária, os pacientes apresentam anemia hemolítca crônica, de intensidade variável, habitualmente com necessário pouca necessidade ao longo da vida, sendo o aporte transfusional de sangue apenas em períodos de estresse. Podem apresentar eritropoese extramedular, com formação de massas nos mais diversos locais (pulmão, paravertebral) e ter deformidades ósseas de intensidade variável em consequência da eritropoese ine ficaz. Na beta-talassemia major (anemia de Cooley), os sinais geralmente são evidentes em torno do 6º mês de vida, período em que ocorre diminuição da síntese de HbF e seria esperado aumento da Hb contendo cadeia beta (HbA). Numerosos problemas clínicos acontecem a partr desse momento, como anemia hemolítca crônica intensa, falhas de crescimento e desenvolvimento, deformidades ósseas devido à eritropoese intensa, hepatoesplenomegalia, icterícia e hematopoese extramedular. Se as crianças não são tratadas, 8% morrem no 1º ano de vida por insu ficiência cardíaca, inanição e infecção. A evolução clínica é modificada pela realização de terapêutca transfusional adequada, porém a sobrecarga de ferro transfusional (hemossiderose) pode ser grave, com lesões de múltplos órgãos e redução da sobrevida, se não tratada. Nas formais mais graves de talassemia, como resposta à eritropoese ineficaz, a série eritroide medular aumenta, às vezes de forma tão intensa, que pode levar à proliferação das camadas hematopoétcas de ossos chatos e longos, com deformidades ósseas severas, osteopenia e, eventualmente, fraturas patológicas. As principais alterações ósseas na talassemia são: - Protuberância da região frontal e das regiões malares; - Depressão na ponta do nariz; - Horizontalização dos orifcios nasais; - Hipertrofia dos maxilares com exposição de dentes e gengivas superiores.
No crânio, pode-se ter ainda o alargamento da díploe, desaparecimento da tábua externa e aparecimento de estrias perpendiculares que dão aspecto característco de “porco-espinho”. O exame radiológico de ossos em geral, finalmente, mostra redução do osso compacto da cortcal e reabsorção das trabéculas.
Figura 9 - Alargamento de díploe e diminuição de tábua externa no crânio
Figura 10 - Crânio “em porco-espinho”
C - Laboratório a) Traço de alfa-talassemia
Figura 8 - Alterações ósseas da talassemia
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A Hb varia desde a normalidade até em torno de 10g/ dL. O VCM é marcadamente baixo (entre 60 e 75fL), e a contagem eritrocitária está normal ou elevada. O esfregaço de sangue periférico mostra microcitose, hipocromia, hemácias “em alvo” e acantócitos. A contagem de retculócitos é normal, assim como o ferro sérico.
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A eletroforese de Hb não mostra aumento de A2 ou de F, e não ocorre HbH. Trata-se de um diagnós tco geralmente de exclusão, quando se afastam a deficiência de ferro, a esferocitose e a beta-talassemia. Para diagnóstco de certeza, é necessária a pesquisa molecular.
Tabela 9 - Talassemias: genétca, clínica e laboratório Doença
Portador silencioso αα/α(α+ talassemia)
b) Doença da HbH São pacientes com anemia hemolí tca de intensidade moderada a severa, que cursam com Hb em torno de 7 a 9g/dL e que apresentam uma morfologia rica de sangue periférico, com poiquilocitose, microcitose, hipocromia, hemácias “em alvo”. Apresenta como caracterís tca as chamadas hemácias “em bola de golfe” com a coloração supravital, em razão dos precipitados intraeritrocitários de HbH. A contagem de retculócitos é elevada, e na eletroforese de Hb é identficada a HbH.
da anemia ferropriva. Em alguns casos, pode-se encontrar esplenomegalia discreta. d) Beta-talassemia intermediária Anemia variável, geralmente em torno de 7 a 8g/dL, com VCM baixo (entre 55 e 75fL) e contagem eritrocitária normal ou elevada. O sangue periférico mostra poiquilocitose, microcitose, hipocromia, hemácias “em alvo” e pontlhado basófilo. A contagem de retculócitos é normal ou elevada; o ferro sérico tende a ser elevado, pela absorção aumentada, que é estmulada pela eritropoese ineficaz. A eletroforese de Hb mostra aumento de A2 entre 4 e 8%, e de HbF, entre 1 e 5%. e) Beta-talassemia major Ocorre anemia severa, com hipocromia e microcitose intensas, e a Hb pode chegar a valores de 3g/dL. O esfregaço de sangue periférico mostra múltplas alterações, com poiquilocitose, hipocromia muito intensa, pontlhado basófilo e eritroblastos circulantes e eritrócitos em formas bizarras. Corpúsculos de Heinz podem ser vistos, pois a cadeia alfa precipita. Pode apresentar leucocitose e retculócitos baixos como resultado de aumento do esmulo medular e eritropoese ineficaz. Pratcamente, não há HbA na eletroforese, as quantdades de HbA2 são variáveis, e o predomínio é de HbF.
VCM
Hemoglobina
Alfa-talassemia
Beta-talassemia
αα/- mia minor ou (α0 talasseα-/αmia)
Eletroforese
Normal Normal
Normal; <3% de Hb Bart ao nascimento
Baixo
>10g/dL
Normal; 3 a 8% de Hb Bart ao nascimento
α Talasse-
c) Beta-talassemia minor (traço) São indivíduos assintomátcos. Alguns cursam com anemia leve (Hb em torno de 10g/dL). Microcitose e hipocromia são marcantes, sendo diagnóstco diferencial importante da anemia ferropriva, mas hemácias “em alvo” são vistas na análise do sangue periférico, o RDW é normal, o número de eritrócitos é aumentado e a contagem de retculócitos é normal ou pouco aumentada, o que auxilia no diferencial
Genótpo
Doença da HbH
α-/--
Baixo
7a9g/dL
5 a 30% de HbH, Hb de Bart pode estar presente
Hidropsia fetal (hemoglobina de Bart)
--/--
Baixo
Fatal
HbA, A2 e F ausentes, Hb Bart presente
Portador silencioso
β/β+
Baixo
Traço talassêmico (β β/β0 talassemia minor)
Baixo
Intermédia β+/β+
Baixo
Normal ou pouco HbA dimidiminu- nuída, HbA2 entre ída 3,5 e 7 e HbF au>10g/dL mentada, aumento de Hb A2 7 a 9g/dL
Major
Baixo
3 a 4g/dL
β /β 0
0
HbA ausente
D - Diagnóstco diferencial Principalmente com a deficiência de ferro, partcularmente nas formas menores. O paciente com talassemia tem VCM menor, número de hemácias por mm 3 normal ou elevado, RDW normal, ferro e ferritna séricos normais ou elevados e retculócitos normais ou aumentados. A eletroforese de Hb é o divisor de águas.
E - Tratamento Nas formas heterozigótcas menores, não é necessário tratar nem realizar aporte de ácido fólico, exceto em períodos de estresse ou aumento da demanda, após perdas ou na gestação. Os pacientes podem desenvolver de ficiência de ferro por perdas ou aumento de demanda, e não há contraindicações para o uso de suplementos de ferro nestes casos. As formas intermediária e major devem fazer uso connuo de ácido fólico. Na doença da HbH, devem ser evitadas as drogas oxidantes e o uso de ferro medicinal. As formas maiores necessitam de esquemas regulares de transfusão desde a infância, para garantr crescimento e desenvolvimento adequados, bem como minimização dos efeitos ósseos e endocrinológicos da anemia severa crônica, com o objetvo de deixar a Hb entre 9 e 10.
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HEMATOLOGIA Indica-se esplenectomia se o hiperesplenismo causa aumento nos requerimentos transfusionais ou se a talassemia intermediária está com Hb emnível de transfusão frequente. A terapêutca de quelação de ferro é essencial para as formas maiores em transfusão, assim que os níveis de ferri tna ultrapassem 1.000g/L. A sobrecarga de ferro leva a complicações graves, como disfunção endócrina e metabólica diabetes ( mellitus, hipotreoidismo, hipogonadismo e retardo de crescimento). As opções terapêu tcas são desferroxamina, de administração subcutânea, con nua ou o deferasirox, de uso oral. Na talassemia, podem acontecer ainda as crises aplásicas. Da mesma forma que na anemia falciforme, na maioria das vezes está relacionada com infecção por parvovírus B19 ou deficiência de folato. O transplante alogênico de célula-tronco hematopoétca vem sendo realizado em casos selecionados de beta-talassemia major, partcularmente em crianças que ainda não desenvolveram sobrecarga de ferro, com um índice de resposta em torno de 80% dos casos com sobrevida sem necessidade transfusional.
7. Esferocitose hereditária e outras doenças da membrana eritrocitária A - Considerações gerais A membrana eritrocitária executa funções altamente especializadas e apresenta uma estrutura básica de 2
Figura 11 - Proteínas de membrana eritrocitária
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camadas de fosfolípides e um conjunto de proteínas de membrana, possibilitando que cada proteína celular realize diferentes atvidades. Essas proteínas são classi ficadas basicamente como periféricas, que compõem o citoesqueleto, e integrais, que ocupam toda a espessura da membrana, sendo geralmente glicoproteínas com diversas funções. As proteínas do citoesqueleto são consttuídas principalmente por membros da família das espectrinas e anquirinas, dispostas em sentdo horizontal ou vertcal, sendo responsáveis, entre outras pela deformabilidade da hemácia. Por outro lado,funções, uma função importante das proteínas integrais é o transporte de água e íons por meio das membranas. A esferocitose hereditária é a anemia hemolí tca por defeito de membrana mais comum, cuja incidência é da ordem de 1 em 5.000 indivíduos europeus. O padrão de herança é autossômico dominante em 75% dos casos, sendo os demais de padrão recessivo. Resulta de mutações em genes que codificam as proteínas da membrana eritrocitária (espectrinas, banda 3, anquirinas e proteína 4.2), com consequente mudança na estrutura do citoesqueleto, deixando a membrana instável e suscevel a perda de superfcie por vesiculações, formando os esferócitos, que são mais rígidos, comprometendo sua passagem pelos sinusoides esplênicos, onde são captados pelo sistema re tculoendotelial e fagocitados.
ANEMIAS PÓS-HEMORRÁGIC AS E H IPERPROLIFER ATIVAS
B - Quadro clínico O diagnóstco geralmente é feito na infância, pelo quadro de anemia, icterícia e esplenomegalia – muitas vezes confundida com AF e com hepatte. Doença leve ocorre em 20 a 30% dos casos, situação em que não há anemia nem icterícia, pois a medula óssea compensa a hemólise, ocorrendo retculocitose moderada e discreta esplenomegalia. Esse caso pode ser diagnostcado apenas na adolescência ou no indivíduo já adulto. De 60 a 75% dos casos são de intensidade moderada,
vez menos concentradas, e faz-se um traçado da hemólise percentual a cada diluição, demonstrando que, nesse caso, começa a haver hemólise com concentrações de NaCl que não causariam esse efeito sobre eritrócitos normais. Contudo, a curva de fragilidade mostra apenas a existência de esferócitos, não a etologia deles, podendo estar alterada, por exemplo, na anemia hemolí tca autoimune. Portanto, o diagnóstco é feito por meio da história familiar de anemia, presença de anemia hemolí tca, com esferócitos no sangue periférico e alteração da curva de fragilidade osmótca.
com anemia leve a moderada, re tculocitose intensa, esplenomegalia significatva, icterícia e necessidade transfusional ocasional. Os casos graves são a minoria e caracterizam-se pela necessidade transfusional frequente, em consequência da hemólise intensa. Há citação de morte intraútero por hidropsia fetal em casos extremos. Em quaisquer dessas situações, a anemia pode ser muito agravada quando há concomitância com deficiência de ácido fólico ou com infecção viral, em especial, infecção por parvovírus B19. A hemólise crônica leva ao quadro de colecistopata crônica calculosa. Ao exame fsico, chama a atenção a presença de esplenomegalia e icterícia.
C - Laboratório
Figura 13 - Curva de fragilidade osmó tca normal
É encontrada anemia de gravidade variável, e eventualmente pode não haver anemia. Retculocitose é um achado constante, e o esfregaço de sangue periférico mostra a presença de esferócitos, podendo fazer parte de apenas um percentual dos eritrócitos ou ocupar completamente a lâmina.
Figura 14 - Curva de resistência globular alterada
D - Tratamento Figura 12 - Sangue periférico com esferócitos (seta)
A concentração corpuscular de Hb (CHCM) está elevada (sendo esta uma das raras causas de anemia hipercrômica), porém o volume celular (VCM) está diminuído ou normal (média entre o VCM dos esferócitos – microcí tcos, e dos retculócitos – macrocítcos), e o RDW está elevado. Pela perda de parte de sua superfcie de membrana, os esferócitos têm aumento da vulnerabilidade quando presentes em meios hipotônicos. Nessa característca, fundamenta-se o teste da curva de fragilidade osmó tca, na qual os eritrócitos são expostos a soluções de cloreto de sódio cada
Os pacientes devem permanecer constantemente em uso de ácido fólico, para garantr a resposta medular à hemólise crônica. O tratamento de escolha para pacientes que mantêm hemólise severa, com necessidade transfusional, consiste na esplenectomia. A re trada do baço não corrige o defeito de membrana, mas elimina o principal síto de hemólise, portanto não deve ser indicada a casos de anemia leve. É recomendado, quando possível, aguardar até 4 anos para realizar a esplenectomia, pelo risco de sepse grave. É imprescindível vacinação pré-esplenectomia, antpneumococo, meningococo e Haemophilus, além de profilaxia com penicilina V oral até 5 anos após esplenectomia.
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HEMATOLOGIA 8. Deficiência de G6PD e piruvatoquinase A - Deficiência de G6PD A glicose-6-fosfato (G6P), formada no início da glicólise, pode ser desviada para a via das pentoses ou shunt da hexose-monofosfato. Nesta via, a G6P sofre ação da G6P desidrogenase, formando a 6-fosfogluconato e restaurando o NADPH. Este últmo é coenzima da glutaton-redutase, que leva à regeneração do glutaton reduzido GSH. O GSH é usado pela gluta on-peroxidase na eliminação de hidrogênio nathemácia, evitando a oxidaçãodo daperóxido membrana plasmátca da hemácia, das globinas e das proteínas estruturais (já que isto causaria instabilidade celular). Em resumo, protege a Hb e a membrana eritrocitária do dano oxidatvo dos radicais livres do O2 produzidos por infecções, drogas, toxinas, cetoacidose diabétca etc. A oxidação de estruturas da membrana pode causar hemólise intravascular.
gesta. Ocorre queda rápida do hematócrito, com elevação da bilirrubina indireta, queda da haptoglobina e elevação da hemoglobinemia. Há queixas de mal-estar precordial, calafrios, cefaleia, náuseas e vômitos, confusão mental, dor lombar, hematúria e alteração da dinâmica cardiorrespiratória. Como toda crise hemo lítca intravascular, a destruição eritrocitária maciça pode levar à necrose tubular aguda, por deposição de Hb e seus metabólitos. A queda de Hb es tmula a secreção de eritropoe tna, que resultará em retculocitose, com pico entre 7 e 10 dias do início da hemólise. 2 - Anemia hemolítca não esferocítca congênita: apresentam hemólise crônica de intensidade variável mesmo na ausência de agentes oxidantes, mas os quadros hemolítcos costumam ser fulminantes após a exposição a drogas. 3 - Icterícia neonatal: pico de incidência de hemólise ocorre entre o 2º e o 4º dias de vida; há mais icterícia que anemia; raramente a anemia é grave. 4 - Favismo: principalmente em crianças de 1 a 5 anos. Após a ingesta de fava (5 a 24h), há hemólise intravascular intensa. Tabela 10 - Principais medicamentos e produtos químicos que podem levar a crises hemolítcas na deficiência de G6PD Classe de medicamentos/ substâncias químicas Analgésicos, ant-inflamatórios
Figura 15 - Metabolismo da G6PD
A G6PD também atua, por meio da produção de NADH, para manter o heme na forma reduzida Fe++. Na deficiência da G6PD, a metemoglobina (heme contendo ferro na forma férrica) persiste e se precipita formando os corpúsculos de Heinz, que se ligam à membrana, lesando-a de diversas maneiras. Assim, a G6PD é necessária para a formação de NAPH e GSH, protegendo a hemácia dos efeitos oxidatvos e evitando a formação de metemoglobina. A deficiência da G6PD é uma doença ligada ao cromossomo X, que afeta 1 a cada 100.000 pessoas na Europa, especialmente os homens; cerca de 10% dos negros americanos têm a variante africana (classe III); no Brasil, 8% dos
Antmaláricos
Medicamentos cardiovasculares
fi
negros apresentam adedeHeinz ciência. Os corpúsculos são observados no período precoce do quadro no esfregaço de sangue periférico, pelo corante cristal violeta. Os eritrócitos com corpúsculos de Heinz são rapidamente retrados da circulação pelo baço, que detecta a existência dessa alteração, levando ao aparecimento das bited cells, ou células “mordidas”. Existem 4 formas de manifestação clínica da de ficiência:
Antbiótcos
1 - Anemia hemolí tca aguda: pacientes apresentam crise hemolí tca aguda, intravascular e extravascular, quando expostos a agentes oxidantes, como algumas drogas, com sintomato logia nos primeiros 2 a 4 dias após a in-
Sulfonas, sulfonamidas
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Exemplos - Ácido acetlsalicílico; - Acetaminofeno; - Fenilbutazona. - Hidroxicloroquina; - Pirimetamina; - Primaquina; - Cloroquina; - Quinina. - Procainamida; - Enalapril (maleato); - Hidralazina; - Quinidina; - Captopril. - Nitrofurantoína; - Ácido nalidíxico; - Trimetoprima; - Estreptomicina; - Cloranfenicol; - Norfloxacino; - Ciprofloxacino; - Ofloxacino; - Isoniazida. - Dapsona; - Sulfadiazina; - Sulfametoxazol; - Sulfassalazina; - Sulfametoxipirimidina; - Mesalazina.
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Classe de medicamentos/ substâncias químicas
Exemplos - Azul de metleno; - Ácido ascórbico (altas doses); - Fenitoína; - Fenazopiridina (piridium); - Levodopa; - Prometazina; - Fitomenadiona (vitamina K1); - Ácido para-aminobenzoico (lido-
Outros
caína); - Difenidramina; - Desferroxamina; - Glibenclamida; - Probenecide; - Flutamida; - Dimercaprol; - Naaleno; - Hidrocloreto de tolueno; - Trinitrotolueno; - Azul de toluidina.
A Organização Mundial de Saúde preconiza classificar a deficiência de G6PD de acordo com a magnitude da de ficiência e a severidade da hemólise: - Classe I: de ficiência enzimátca severa (<10% de a tvidade) e hemólise crônica; Classe II: de ficiência enzimátca severa, mas hemólise intermitente, geralmente associada à infecção ou medicamento; - Classe III: de ficiência enzimátca moderada (10 a 60% de a tvidade), com hemólise intermitente associada a quadro infeccioso ou uso de medicação. -
a) Diagnóstco É realizado a partr do estudo quan ttatvo de G6PD em hemolisados e da eletroforese da enzima em acetato de celulose. b) Tratamento O tratamento consiste no suporte transfusional durante as crises hemolítcas graves. Na icterícia neonatal, a conduta é a mesma qualquer doença hemolí ca do recém-nascido, sendo de indicadas a fototerapia e atexsanguineotransfusão, a depender dos valores de bilirrubina. A grande recomendação aos pacientes portadores dessa deficiência é a profilaxia, evitando o uso das drogas citadas e o consumo de fava. A esplenectomia é indicada apenas em casos especiais.
B - Deficiência de piruvatoquinase A piruvatoquinase (PK) está envolvida no metabolismo da glicose e produz ATP por meio do catabolismo do fosfoenolpiruvato em lactato.
O ATP assegura o funcionamento da bomba de sódio e também é importante para a manutenção dos lipídios da membrana. Mantém o funcionamento da bomba Ca/Mg, evitando a calcificação da membrana plasmátca. O déficit de ATP leva a alterações na membrana do eritrócito, com tendência à hiper-hidratação, à formação de esferócitos e à destruição da célula (anemia crônica). Essa deficiência é a 2ª causa mais comum de anemia hemolítca decorrente de deficiências enzimátcas, sendo a herança autossômica recessiva. O quadro de hemólise crônica interfere no desenvolvimento da criança, por isso pode estar indicada a esplenectomia.
9. Hemoglobinúria paroxístca noturna A Hemoglobinúria Paroxístca Noturna (HPN), ou doença de Marchiafava-Micheli, é uma doença clonal, adquirida e rara do tecido hematopoétco, capaz de afetar todas as suas linhagens. A incidência exata não é conhecida; afeta todas as faixas etárias, partcularmente o adulto jovem, e incide igualmente em ambos os sexos. Caracteriza-se como doença crônica com significante morbidade e mortalidade. No entanto, muitos pacientes têm sobrevida longa (>10 anos), e alguns casos podem entrar em remissão espontânea. Raros casos (1 a 2%) evoluem para mielodisplasia ou leucemia aguda, ou ainda para aplasia de medula. É resultado da mutação somá tca do gene PIG-A localizado no cromossomo X de uma célula-tronco pluripotencial. O produto do gene PIG-A é essencial à biossíntese de glicosil-fosfatdil-inositol (GPI), um fosfolípide necessário para que determinadas proteínas (mais de 25 proteínas) possam ser fixadas à membrana celular externa. Como a âncora GPI não é sintetzada nas células defeituosas, as proteínas que dela dependem para sua expressão não aparecem na membrana celular. Duas proteínas que deveriam ser ancoradas na GPI são responsáveis pela inibição do sistema de complemento: CD55 e CD59. Nas deficiências destas, o quadro de anemia hemolítca intravascular paroxístca (noturna em razão da acidose estabelecida durante o sono pelo excesso de CO2), leucopenia e/ou plaquetopenia é consequência da sensibilidade elevada das células à atvação do complemento (C) pela via clássica ou alterna tva. A trombose venosa e/ou arterial, outra caracterís tca da doença, acontece por atvação plaquetária, juntamente com a atvação do complemento e a formação de trombos espontaneamente. Em 30 a 40% dos pacientes, esses eventos são a principal causa de óbito. O evento mais descrito é a síndrome de Budd-Chiari (trombose das supra-hepátcas). Os sintomas são os relacionados às citopenias: fadiga pela anemia, quadros infecciosos pela leucopenia e sangramento (raro) pela plaquetopenia; urina escura pela manhã (hemoglobinúria) e após estresse (infecção, cirurgia, exercícios vigorosos); icterícia pela hemólise; esplenomegalia leve; deficiência de ferro pela perda na urina e os relacionados à trombose.
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HEMATOLOGIA Tabela 11 - Situações que devem despertar a suspeita de HPN: - Neutropenia ou plaquetopenia associados à hemólise; - Hipoplasia de medula óssea associado à hemólise; - Hemólise adquirida sem esplenomegalia; - Hemólise adquirida com teste de Coombs nega tvo; - Trombose hepátca ou mesentérica; - Dor abdominal recorrente associada às citopenias; - AVC ou qualquer episódio trombótco sem risco conhecido.
O diagnóstco é feito por: - Achados clínicos: sintomas de citopenias, fenômenos trombótcos; - Pancitopenia: associada à re tculocitose; - Evidência de hemólise: DHL, bilirrubina indireta e retculócitos aumentados, diminuição da haptoglobina – com teste de Coombs direto negatvo; - Evidência de hemólise intravascular: hemoglobinemia, hemoglobinúria; - Testes indiretos da sensibilidade das células à lise pelo complemento: testes de Ham (teste de lise em meio ácido) e de sacarose (teste de atvação do complemento em meio de baixa força iônica); estes exames são atualmente pouco u tlizados na prátca por sua baixa sensibilidade; - Citometria de fluxo: a deficiência de GPI é detectada por uma naeexpressão dossendo an genos CD59 em redução eritrócitos granulócitos, este oCD55 méto-e do diagnóstco padrão para esta patologia; - Biologia molecular: estudo do gene PIG-A. O tratamento da HPN consiste em suplementação de ácido fólico, suplementação de ferro quando necessário e suporte transfusional nas crises hemolítcas; alguns casos se beneficiam de cortcoide em baixas doses, andrógenos ou imunossupressores. Há casos indolentes e necessitam apenas de tratamento de suporte, enquanto outros apresentam manifestações clínicas severas, com alta necessidade transfusional e repetdos eventos trombótcos. Para esses casos severos, recentemente tem sido estudado o antcorpo monoclonal ant C5, inibindo a atvação final do complemento (eculizumabe), droga utlizada com ótmos resultados na diminuição da necessidade transfusional e de eventos trombótcos, mas ainda de custo bastante elevado. Casos de citopenias graves e persistentes, sem resposta à terapêutca, deve-se considerar o transplante de células-tronco hematopoétcas.
tco se baseia na demonstração da existência de hemólise, conduzindo a um grau variável de anemia. Antcorpos IgG, IgM, IgA e atvação do sistema complemento contra os angenos eritrocitários são responsáveis por essa destruição.
As AHAIs podem classificar-se em 2 grandes grupos: 1 - De acordo com a temperatura na qual a reação angeno/antcorpo será máxima: - Antcorpos quentes: geralmente IgG, que reage à temperatura corpórea de 37°C; representa 70 a 80% de todos os casos de AHAI; - Antcorpos frios: geralmente IgM, que reage em temperaturas inferiores a 37°C (doença das hemaglutninas frias); consttui 20 a 30% dos casos. 2 - De acordo com o local da hemólise: - Extravascular: IgG aderida ao eritrócito é rapidamente reconhecido pelos receptores Fc dos macrófagos teciduais, e é eliminado pelo baço e/ou pelo fgado; - Intravascular: IgM rapidamente atva a via clássica do complemento, produzindo hemólise intravascular. As AHAIs por antcorpos quentes podem estar associadas a doenças linfoproliferatvas, colagenoses (como o LES, a artrite reumatoide e outras), infecções virais (EBV, HIV) e tumores sólidos. As AHAIs por an tcorpos frios podem ser secundárias a infecções (como micoplasma, mononucleose) e linfoproliferações. Desta forma, diante de um quadro de AHAI, sempre se deve investgar um fator causal, e em algumas situações a AHAI pode preceder a doença à qual está relacionada, que deverá ser tratada para o controle adequado do paciente. Quando não se encontra nenhuma causa, trata-se de AHAI idiopátca. Inúmeras drogas podem provocar a formação de antcorpos dirigidos contra angenos eritrocitários e, consequentemente, causar AHAI – as principais classes de medicamentos são cefalosporinas, penicilinas e derivados, ant-inflamatórios não hormonais e quinidina. Os principais mecanismos etopatogênicos são: a) Adsorção da droga: a droga (exemplo, penicilina), que funciona como hapteno, liga-se fortemente às proteínas da membrana eritrocitária, resultando na síntese de antcorpos dirigidos contra a droga ligada às hemácias.
10. Anemia hemolítca autoimune
b) Adsorção de imunocomplexos: os antcorpos reagem com a droga (quinidina, fenace tna, cefalosporinas de 3ª geração) para formar imunocomplexos que são adsorvidos por receptores específicos das hemácias e podem a tvar o sistema do complemento e desencadear hemólise intravascular.
A membrana eritrocitária, além da bicamada lipídica e das proteínas de membrana, possui várias estruturas an tgênicas, que identficam os grupos sanguíneos (iden tficados mais de 300 angenos). A anemia hemolítca autoimune (AHAI) é uma patologia bem caracterizada, cujo diagnós-
c) Indução de autoimunidade: drogas (alfa-metldopa, procainamida) alteram angenos da superfcie eritrocitária, induzindo à formação de autoantcorpos, que inclusive apresentam reação cruzada com angenos não alterados, em geral relacionados ao grupo sanguíneo Rh.
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Quando a droga é a responsável pela hemólise, na maioria das vezes a suspensão dela é su ficiente para assegurar a resolução do quadro. Quando o an tcorpo tem atvidade sobre outras glicoproteínas ou angenos eritrocitários, o processo é autolimitado e requer cerca de 2 a 12 semanas para a resolução completa do quadro hemolí tco após a suspensão da droga. Alguns pacientes permanecem com teste de Coombs direto positvo durante alguns dias após a interrupção do medicamento. Têm sido relatados casos de AHAI, geralmente quadros graves, secundários ao uso de drogas que interferem no sistema imunológico, como fludarabina, pentostatna, tacrolimo e interferon-alfa. Hemoglobinúria paroxístca ao frio: rara, compreende um autoantcorpo IgG que reage ao frio (4°C) e ao calor (37°C) – antcorpo Donath-Landsteiner. Após a exposição ao frio, o paciente apresenta hemoglobinúria, febre, dor lombar e sintomas de anemia.
A - Diagnóstco Caracteristcamente, encontra-se uma anemia de instalação rápida, que geralmente pode colocar a vida em risco, por sua severidade. Há queixas de astenia e dispneia intensa, muitas vezes podendo haver insu ficiência cardíaca e quadros de hipo fluxo cerebral grave. Icterícia e esplenomegalia ocorrem frequentemente, e caso o paciente apresente uma patologia de base manifesta, os sinais e sintomas desta podem ser confundidos com os da AHAI. Nos casos da doença das aglu tninas frias, o paciente pode apresentar sintomas relacionados à aglutnação das hemácias na exposição a ambientes frios: acrocianose = coloração azulada da pele em extremidades: dedos, orelhas, nariz, que desaparecem após aquecimento. Os pacientes chegam a níveis de Hb de 3 ou 4g/dL, com retculocitose intensa e esferócitos no sangue periférico, aumento de DHL, aumento de bilirrubina indireta e diminuição da haptoglobina. Se o estresse sobre a medula óssea for muito intenso, poderão aparecer eritroblastos na circulação periférica. Nos casos de hemólise intravascular, ocorre hemoglobinúria, podendo evoluir com insuficiência renal, pelo depósito de Hb livre. Cerca de 10% dos indivíduos apresentam trombocitopenia imune associada (síndrome de Evans). Utliza-se o teste de antglobulina direto (denominado antgamente Coombs direto) para detectar a presença de antcorpos ou complemento aderidos aos an genos eritrocitários, porém pode estar negatvo em aproximadamente 5% dos casos. O teste de Coombs indireto (Pesquisa de Antcorpos Irregulares – PAI) detecta a presença de autoantcorpos livres no plasma dos pacientes. Quando a ttulação de autoantcorpos é elevada ou a afinidade destes com os eritrócitos é intensa, pode haver positvidade inespecífica na pesquisa de antcorpos irregulares pré-transfusionais, e as provas cruzadas podem ser positvas a todas as unidades de hemácias testadas, sendo necessárias “manobras” imuno-hema-
tológicas para identficar as bolsas compaveis em caso de necessidade transfusional.
B - Tratamento Como tratamento, sugere-se a suplementação com ácido fólico e iniciar o uso de prednisona 1mg/kg/dia, que pode ser dividida em 2 tomadas para minimizar a intolerância. Se não houver resposta, ou em casos de anemia severa, pode-se fazer pulso com Solu-Medrol, imunoglobulina IV ou imunossupressão com ciclofosfamida. A esplenectomia fica reservada aos casos mais graves, em que não há resposta clínica às drogas, ou aos casos de cor tcodependência ou recidivas frequentes. Novo medicamento que está sendo estudado em casos refratários é o antcorpo monoclonal ant-CD20 (rituximabe), como justficatva de que, inibindo os linfócitos B, a síntese de an tcorpo também é inibida. Nos casos da AHAI por antcorpo frio, como o mecanismo de hemólise se dá por meio da atvação do complemento, o cortcoide apresenta benefcio limitado, visto que atua modulando a fagocitose; a esplenectomia não está indicada, pois a destruição eritrocitária ocorre em pequena porcentagem no baço. Pode-se ainda proceder plasmaférese (procedimento em que ocorre a troca de plasma rico em antcorpos do paciente por plasma normal proveniente de estoques de banco de sangue), porém o tratamento recomendado nessa patologia é o uso de alquilante (clorambucila, ciclofosfamida) ou o rituximabe. A transfusão de concentrados de hemácias deve ser feita apenas nos casos com risco de vida, e serão usadas unidades que apresentem o fenó tpo eritrocitário mais compavel com o do receptor, pois as provas cruzadas podem tornar-se invalidadas pela presença dos autoan tcorpos.
11. Anemias hemolítcas microangiopátcas A anemia hemolítca microangiopátca, ou hemólise por fragmentação, acontece por lesão mecânica da membrana eritrocitária durante a circulação, levando à hemólise intravascular e ao aparecimento de esquizócitos, que são os achados característcos dessa síndrome no esfregaço de sangue periférico. Quando as hemácias atravessam um vaso onde houve lesão endotelial com deposição local de fibrina e agregação plaquetária no local, sofrem lesões de membrana (cisalhamento). Essa fragmentação acontece em diversas patologias, como na Púrpura Trombocitopênica Trombótca (PTT), na Síndrome Hemolítco-Urêmica (SHU), na coagulação intravascular disseminada (CIVD) – estas 3 en tdades serão mais bem estudadas no capítulo de hemostasia e trombose, na eclâmpsia, na hipertensão maligna e nas crises de esclerodermia. Além das patologias descritas, o estresse de cisalhamento induzido por próteses valvares, próteses vasculares, aparelhos de circulação extracorpórea e shunts portossistêmicos, pode ocasionar anemia macroangiopátca, em razão do turbilhonamento não fisiológico.
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HEMATOLOGIA A chamada hemólise do corredor ocorre em atletas de alta performance (como fundistas, maratonistas, jogadores de basquete ou pratcantes de judô), em que o impacto dos pés contra o chão provoca hemólise mecânica, muitas vezes com hemoglobinúria macroscópica.
12. Resumo Quadro-resumo Anemia pós-hemorrágica Quadroclínico
Conduta
Hb/Hl normal ou pouco diminuído.
2ª fase: sintomas de anemia
Anemia de intensidade proporcional ao sangramento, normo/normo, retculó- Transfusão, se necessário. cito normal ou baixo.
3ª fase: sintomas de anemia
Anemia normo/normo, com retculócito diminuído (se ferropenia associada) Reposição de ferro. ou aumentado (recuperação medular).
Sintomas de anemia
Anemia hipo/micro com retculócito Reposição de ferro e resolução baixo. do sangramento.
Hemorragia aguda
Hemorragia crônica
Laboratório
1ª fase: choque hipovolêmico
Reposição volêmica.
Anemia hemolítca
Redução da sobrevida eritrocitária. Alterações laboratoriais ↓Hb, retculócito, DHL, bilirrubina indireta, ↓ haptoglobina. Quadro clínico
Da síndrome anêmica, geralmente apresenta icterícia e esplenomegalia.
Anemia falciforme - Troca de Adenina (A) pela Timina (T) (GAG-GTG) no códon 6 do gene globina beta (cromossomo 11) resulta na troca de glutamato pela valina, formando HbS; - HbS desoxigenada torna-se insolúvel e formafibras polimerizadas, resultando em alteração da morfologia da hemácia (hemácia “em foice”). Consequência: hemólise crônica e fenômenos vaso-oclusivos. Situações especiais Crise álgica
Manifestação clínica mais comum. Desencadeada por infecção, desidratação, exercício excessivo, mudanças tca. bruscas na temperatura, hipóxia, menstruação, ingestão de bebida alcoólica ou de forma idiopá
Crise aplásica
↓ Hb, ↓retculócito: secundária à infecção parvovírus B19 ou deficiência de folato.
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Situações especiais Sequestro esplênico Crise hemolítca
↓Hb, retculócito: comum em crianças e HbS beta. Dor no hipocôndrio esquerdo, choque hipovolêmico, alta
mortalidade. ↓Hb, retculócito: geralmente pós-fator desencadeante (infecção, frio, álcool).
Síndrome torácica aguda Febre, dispneia, dor torácica e alteração radiológica. Causas: infecção, embolia pulmonar, infarto pulmonar. AVC
Deve-se fazer profilaxia com transfusão crônica a pacientes de alto risco e àqueles que já tveram um episódio. Traço falciforme
- HbAS; tva de vida normal; - Não apresentam crises vaso-oclusivas, mas apresentam expecta - A medula renal pode sofrer infartos microscópicos: incapacidade de concentrar a urina (hipostenúria) se houver infarto da papila renal: episódios de hematúria macroscópica;
- Não apresentam risco gestacional, cirúrgico ou anestésico adicional em relação à população normal; - Quando em grandes alttudes ou quadros infecciosos graves, têm risco de infarto esplênico. Doença falciforme - HbSC, HbS beta, PHHFS: cursam com crises álgicas menos intensas, com esplenomegalia; tplos infartos esplênicos. - A AF (HbSS) evolui com autoesplenectomia por múl
Medicamentos que desencadeiam hemólise na de ficiência de G6PD - Antmaláricos; - Naalina; - Dapsona; - Sulfametoxazol; - Sulfonas; - Sulfanilamida; - Nitrofurantoína; - Nitratos e nitritos; - Fenil-hidralazina; - Primaquina; - Azul de toluidina; - Analgésicos (acetanilida); - Vitamina K forma hidrossolúvel; - Ácido nalidíxico. Situações relacionadas à AHAI Antcorpo quente (IgG)
Doenças linfoproliferatvas, colagenoses (LES, artrite reumatoide e outras), infecções virais e tumores sólidos.
Antcorpo frio (IgM)
Infecções (como micoplasma, mononucleose) e linfoproliferações. Medicamentos relacionados à anemia hemolí tca autoimune
- Alfa-metldopa; - Penicilina; - Quinidina; - Fenacetna; - Cefalosporinas de 3ª geração; - Procainamida.
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HEMATOLOGIA
CAPÍTULO
Pancitopenias
5 1. Introdução A pancitopenia caracteriza-se por um quadro de diminuição de todos os elementos figurados do sangue (hemácias, leucócitos e plaquetas), que pode ou não estar associado a manifestações clínicas. As e tologias são variadas e vão desde as doenças congênitas com ausência de produção de glóbulos, como a anemia de Fanconi, disceratose congênita, até o aumento de destruição e a captação esplênica, como no hiperesplenismo. As causas mais frequentes de pancitopenia incluem: a) Drogas: podem estar relacionadas à dose, ao efeito da droga sobre os precursores hematopoétcos ou aos fatores imunológicos. b) Doenças medulares: incluem as patologias in filtratvas, como leucemias, tumores sólidos, linfomas, e as doenças primárias da medula, como aplasia medular, mielodisplasia, mielofibrose e hemoglobinúria paroxístca noturna. c) Doenças esplênicas: incluem esplenomegalias congestva, tumoral, infecciosa (calazar, tuberculose) ou reacional à hipertensão portal. d) Deficiência de fatores essenciais: caracteristcamente na anemia megaloblástca (deficiência de B12 e folato). e) Secundária a doenças sistêmicas: lúpus eritematoso sistêmico, tuberculose e micobacteriose apica, sarcoidose e brucelose.
2. Anemia aplásica A Anemia Aplásica (AA) consiste na diminuição da quantdade das células-tronco hematopoétcas, com substtuição de grande parte do tecido hematopoé tco por tecido
gorduroso, resultando na pancitopenia, podendo ser congênita (doença de Fanconi, disceratose congênita) ou adquirida. Apresenta 2 picos de incidência: em adultos jovens, partcularmente dos 15 aos 25 anos, e após os 60 anos. Dentre as anemias aplásicas adquiridas, 60% são idiopátcas, ou seja, sem mo tvo aparente, e 40% são secundárias. Dentre as secundárias, têm-se: - AA transitória: decorrente do efeito de quimioterápicos e radioterápicos para o tratamento de neoplasias (causa mais comum de AA);
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Fernanda Maria Santos / Marcos Laercio Pontes Reis
Agentes fsicos e químicos (produzem aplasia dependendo da dose e do tempo): radiação, benzeno e derivados, arsênico e sais de ouro; - Agentes químicos (que ocasionalmente produzem aplasia): cloranfenicol, butazona, an ttreoidianos, ant-inflamatórios não hormonais e antconvulsivantes; - Vírus: HIV, EBV, parvovírus B19 e vírus da hepa tte (HAV, HBV, HCV); - Doenças imunes: fasciite eosino flica, lúpus eritematoso sistêmico, tmoma, hipoimunoglobulinemia e doença do enxerto contra o hospedeiro. -
fi
A hipótese mais aceita para a siopatologia da AA é ea de que vírus, medicamentos, agentes fsicos ou químicos doenças imunes sejam responsáveis pela a tvação de linfócitos T e liberação de citocinas, capazes de inibir e induzir à apoptose das stem cells. Essa “autodestruição” também pode ocorrer de forma idiopátca. Tal teoria é reforçada pela alta taxa de resposta da doença ao tratamento imunossupressor. Outros possíveis mecanismos fisiopatológicos são a presença de defeitos intrínsecos à própria célula tronco, que permite uma maior vulnerabilidade genétca; e a perturbação direta do estroma medular com a diminuição de fatores estmuladores celulares, como o fator estmulador de colônia de granulócitos. Existem ainda situações que podem estar associadas à AA de forma não esclarecida, como gestação e hemoglobinúria paroxístca noturna. A anemia de Fanconi é uma doença congênita autossômica recessiva ou ligada ao X, que se manifesta com pancitopenia de intensidade variável e anomalias congênitas, também variáveis (manchas café-com-leite, hipogonadismo, microcefalia, baixa estatura), e apresenta alto risco de desenvolver doenças malignas, como leucemia aguda, carcinoma de cabeça e pescoço e síndrome mielodisplásica. A mediana de idade ao diagnóstco é de 6 anos, sendo diagnóstco diferencial importante da AA adquirida, visto que não se beneficiam de imunossupressor. As células do paciente com anemia de Fanconi exibem uma sensibilidade aumentada a agentes clastogênicos (como o diepoxibutano – DEB), resultando em anormalidades cromossômicas adicionais com a utlização destes agentes.
PANCITOPENIAS
A - Quadro clínico e diagnóstco A doença é de manifestação insidiosa, na maior parte das vezes associada à sintomatologia secundária às citopenias, como febre e infecções de repetção por neutropenia, hemorragia e síndrome anêmica. Esplenomegalia e linfonodomegalia não estão associadas à patologia. No sangue periférico, encontra-se pancitopenia ou diminuição de ao menos 2 séries celulares, com re tculocitopenia (tendo em vista que não existe stem cell para produção de elementos figurados do sangue). Geralmente, a anemia é normocítca e normocrômica, mas pode ser macrocí tca (com VCM <115). São critérios indicatvos de AA: hemoglobina <10g/dL, contagem de plaquetas <50.000/mm 3, contagem de neutrófilos <1.500/mm3 e retculocitopenia. Indica-se a biópsia de medula óssea (exame que con firma o diagnóstco) para avaliar a celularidade global na medula óssea. Neste exame, encontra-se uma medula óssea hipocelular, com predomínio de tecido gorduroso, em que as células hematopoétcas restantes são morfologicamente normais, e não há infiltração medular por outras células. A análise do cariótpo é importante para descartar síndrome mielodisplásica hipoplásica, e a pesquisa do aumento de quebras cromossômicas induzidas pelo DEB é importante para afastar anemia de Fanconi (principalmente em crianças, adolescentes e adultos jovens). É importante a avaliação com citometria de fluxo para pes-
a) AA não grave sem necessidade transfusional: obedece aos critérios diagnóstcos; persistente por 3 meses. b) AA não grave com necessidade transfusional: necessita de transfusão periódica de hemácias e/ou plaquetas. c) AA grave: o tratamento específico deve ser iniciado, pois, somente com suporte hemoterápico e an tbiótco, a mortalidade chega aos 70% em 12 meses. d) AA muito grave: tratamento indicado imediatamente pelos mesmos motvos já citados. t
B - Tratamento da AA idiopá ca
Os casos de AA não graves, sem necessidade transfusional, não necessitam de tratamento, apenas de acompanhamento periódico. Por sua vez, para os pacientes com AA grave ou muito grave, o tratamento de escolha para pacientes com menos de 40 anos, quando houver doador HLA compavel disponível, é o transplante alogênico de células tronco hematopoétcas, Porém, em razão das di ficuldades de encontrar doadores, pode ser necessária terapêu tca medicamentosa. Indica-se o uso de globulina anttmocítca (ATG) associada à ciclosporina e cortcoide, para bloquear a ação citotóxica dos linfócitos T. A resposta é esperada em 4 a 12 semanas, podendo ser apenas parcial. Espera-se resposta em aproximadamente 60% dos pacientes. Se a neutropenia é severa, pode-se u tlizar GCSF (fator
tca noturna, pois até 30% dos de crescimento granulocítco) associado à terapia imunosquisa de hemoglobinúria paroxís pacientes podem apresentar concomitância das 2 doenças. supressora para estmular exclusivamente essa população, na tentatva de diminuir eventos infecciosos. A transfusão de hemocomponentes deve ser evitada sempre que possível, estando indicada somente quando há sintomas (anemia sintomátca, sangramento de mucosas) ou risco de sangramento (procedimentos invasivos, traumas, plaquetopenia <10.000/mm3), pois, se o paciente for candidato ao transplante de células tronco, o número de transfusões estará relacionado à redução na sobrevida. Existe risco de progressão para outras doenças clonais hematológicas, como mielodisplasia, leucemia aguda e hemogloFigura 1 - Medula óssea hipocelular, com aumento do tecido gorbinúria paroxístca noturna, mesmo após o tratamento. duroso, ausência de células anômalas ou tecido fibrótco B – clasO prognóstco da doença tem relação direta com a sevesificação da AA idiopátca ridade da doença e relação inversa com a idade do paciente.
Tabela 1 - Critérios diagnóstcos de anemia aplásica - Celularidade de medula óssea <25 a 30% ou até 50% com menos de 30% de células-tronco hematopoétcas;
Anemia aplá- Ao menos 2 dos 3 critérios a seguir: sica severa · Neutró filos abaixo de 500; · Plaquetas abaixo de 20.000; · Retculócitos abaixo de 20.000.
Anemia aplá- Idêntco à anemia aplásica severa, porém com sica muito neutrófilos abaixo de 200. severa Anemia aplásica não severa
- Pacientes que não preenchem nenhum dos critérios anteriores.
3. Síndromes mielodisplásicas As síndromes mielodisplásicas (SMD) consttuem
um grupo de doenças hematológicas clonais malignas caracterizadas por alterações displásicas das células da medula óssea, hematopoese ineficaz e citopenias. Podem acontecer por mutação genétca “de novo” ou em consequência da exposição a agentes mutagênicos (alquilantes, radiação). A doença é frequentemente progressiva, com evolução para leucemia aguda em cerca de 30% dos pacientes. A sobrevida mediana após o diagnós tco é de cerca de 2 a 3 anos, sendo a morte secundária a complicações relacionadas à leucemia aguda ou à falência medular. Embora ocorra na
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HEMATOLOGIA infância, a maioria dos pacientes é idosa, apenas 25% têm idade inferior a 65 anos. Um dos aspectos mais importantes observados nas SMDs é a hematopoese ine ficaz. Apesar da celularidade abundante e do alto turnover celular, a apoptose intramedular aumenta, em razão da displasia, resultando nas citopenias encontradas.
Citopenia Refratária com Displasia - Bicitopenia ou Multlinhagem pancitopenia; e Sideroblas- - <1% blastos. tos em Anel (CRDMSA)
A - Classificação das síndromes mielodisplásicas (classificação OMS)
Anemia Refratária com Excesso de
a) Classificação FAB Anemia Refratária (AR): a mais frequente, acontece, em geral, acima dos 50 anos. Não há neutropenia, plaquetopenia nem blastemia (menos de 1% no sangue periférico e menos de 5% na medula óssea). Costuma ser uma doença de melhor prognóstco; - AR com excesso de blastos (AREB): na medula, há de 5 a 19% de blastos e menos de 1% no sangue periférico. Há plaquetopenia, granulocitopenia e oligocitemia; - AR com sideroblastos em anel (adquirida): semelhante à AR, porém com mais de 15% de sideroblastos em anel na medula óssea quando corados para ferro medular; -
Tipo
Sangueperiférico
Medulaóssea - Displasia em 2 ou mais linhagens; - <5% blastos; - >15% de sideroblastos em anel.
- Bicitopenia ou pancitopenia;
- Displasia uni ou multlinhagem;
Blastos - 1 (AREB-1)
- <5% blastos.
- 5 a 9% blastos.
Anemia Refratária com Excesso de Blastos - 2 (AREB-2)
- Bicitopenia ou pancitopenia; - Blastos de 5 a 19%; - Monócitos <1.000/mm3.
- Displasia unilinhagem ou multlinhagem; - 10 a 19% blastos.
Síndrome mielodisplásica inclassificável
- Neutropenia ou plaquetopenia; - Blastos raros ou ausentes.
- Displasia unilinhagem; - Blastos <5%.
Síndrome mielodisplásica com deleção (5q) isolada
- Anemia, plaquetas normais ou elevadas; - <5% blastos.
- Megacariócitos em número normal ou elevado, com núcleos unilobulados; - <5% blastos; - 5q-.
-
Leucemia mielomonocítca crônica (LMMC): é semelhante à AREB, mas tem aumento signi ficatvo de monócitos, com disgranulocitopoese importante. Monocitose >1.000/mm3 no sangue periférico; - AR com excesso de blastos em transformação (AREBT): caso mais raro, é a cláss ica pré-leucemia. Há de 21 a 30% de blastos na medula e mais de 5% no sangue periférico. b) Classificação OMS
B - Quadro clínico e diagnóstco
Tabela 2 - Classificação das síndromes mielodisplásicas Tipo
Sangueperiférico
Anemia Refra- - Anemia; tária (AR)
- Blastos <1%.
Anemia Refratária com sideroblastos em anel (ARSA)
- Anemia; - Ausência de blastos.
Citopenia Refratária - Bicitopenia ou com Displasia pancitopenia; Multlinhagem - <1% blastos. (CRDM)
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Pela classificação da OMS, existe outra classe de doenças: as mieloproliferatvas/mielodisplásicas, em que há tanto o componente proliferatvo quanto o displásico. Nessa nova classificação, incluem-se leucemia mielomonocítca crônica (LMMC), leucemia mieloide crônica apica e leucemia mielomonocítca juvenil. Vale ressaltar que, pela antga classificação FAB, não mais u tlizada atualmente, estas doenças pertenciam ao grupo das mielodisplasias.
Medulaóssea - Displasia apenas na linhagem eritroblástca <5% blastos; - < 15% sideroblastos em anel. - Displasia apenas na linhagem eritroblástca; - <5% blastos; - >15% de sideroblastos em anel. - Displasia em 2 ou mais linhagens; - <5% blastos.
A síndrome mielodisplásica é geralmente assintomátca e pode manifestar sintomas relacionados a citopenias, sendo mais comuns as queixas relacionadas à síndrome anêmica, como fadiga, intolerância ao exercício, tontura ou déficit de atenção. Raramente, pode apresentar fenômenos autoimunes como manifestações paraneoplásicas (artrite, pleurite, vasculite, miosite). Há alteração importante da imunidade por vários motvos: neutropenia, disfunção de neutró filos, linfopenia e hipogamaglobulinemia. Pode ocorrer hipergamaglobulinemia poli ou monoclonal. No exame fsico, a única situação em que se encontra esplenomegalia é na LMMC (que, por sua vez, como já dito, pertence às doenças mieloproliferatvas/mielodisplásicas), podendo apresentar inclusive hepatomegalia e linfonodomegalia; as demais classes não apresentam outras alterações ao exame fsico além da palidez cutâneo-mucosa e, a
PANCITOPENIAS
depender da plaquetometria, petéquias e equimoses. O diagnóstco é realizado por meio de vários exames. Os principais são: a) Hemograma: podem-se encontrar anemia (macrocí tca, normocítca ou microcítca) e leucopenia à custa de neutropenia e/ou plaquetopenia. As alterações podem afetar apenas 1 ou 2 das séries, ou todas, e as alterações morfológicas dos eritrócitos variam. Na LMMC, há leucocitose com monocitose (>1.000/mm3). b) Mielograma: as alterações morfológicas podem afetar 1 ou mais séries, com aparecimento de eritroblastos com falhas de hemoglobinização, elementos megaloblastoides, presença de pontes internucleares, granulócitos com falhas na segmentação nuclear (formas pseudo-Pelger-Huet), hipogranularidade, megacariócitos com núcleos hipolobulados e outras aberrações, além da presença de células imaturas (blastos). A coloração para ferro medular (Perls) é fundamental para a distnção dos sideroblastos em anel.
nóstco internacional (IPSS), que divide as mielodisplasia em risco alto, intermediário 2, intermediário 1 e baixo, por meio da pontuação de fatores como porcentagem de blastos na medula, alteração citogenétca e número de citopenias. Tabela 3 - Sistema de escore prognóstco internacional (IPSS) para mielodisplasia Escore
0
0,5
% blastos na <5% medula óssea
5a10%
1 -
1,5
Cariótpo*
IntermeBom diário Ruim -
Citopenias**
0a1 2a3
-
-
2 20 a 30% (leucemia)
11a19%
-
* Cariótpo: - Bom: normal, - Y, del (5q), del (20q); - Ruim: complexo (acima de 3 anormalidades) ou anormalidade do cromossomo 7; - Intermediário: qualquer outra anormalidade. ** Citopenias: - Hb <10g/dL; - Neutrófilos <1.800/mL; - Plaquetas <100.000/mL.
Atualmente existem vários outros modelos prognóstcos que tentam, de uma forma ou de outra, a melhor avaliação possível para o correto tratamento das mielodisplasias. Pacientes com idade ≤60 anos, ótmo performance status e IPSS intermediário 2 ou alto, beneficiam-se de terapias agressivas; os demais devem receber quimioterapia de baixa intensidade e/ou tratamento de suporte. Tabela 4 - Avaliação do performance status Performance status
Definição
0
Totalmentea tvo, sem quaisquer restrições.
1
Sintomas da doença, porém leva seu cotdiano normalmente.
2
Fora do leito por mais de 50% do tempo, capaz de realizar autocuidado, porém incapaz de realizar atvidades extras.
3
No leito por mais de 50% do tempo, dependente de cuidados mais intensivos.
4
Preso ao leito, incapaz de qualquer autocuidado ou atvidade.
Figura 2 - Sideroblasto em anel
c) Imunofenotpagem: importante para quantficar e definir a etologia dos blastos. d) Biópsia de medula óssea: o método de escolha para avaliar a celularidade medular, que geralmente está aumentada, pela eritropoese ineficaz (medula hipercelular). Também pode evidenciar localização anormal de células imaturas (ALIP) e revelar a existência de fibrose associada. O mielograma pode ser realizado, porém sempre se deve confirmar os achados de SMD pela biópsia de medula óssea. e) Cariótpo: as aberrações cromossômicas são frequentes nas mielodisplasias e se comportam como fatores prognóstcos importantes.
C - Tratamento A orientação terapêutca deve levar em conta a idade do paciente, o performance status e o sistema de escore prog-
Observação: essa escala pode ser u tlizada para avaliação de qualquer estado de paciente em doenças oncológicas.
Como terapia agressiva, entendem-se esquemas quimioterápicos agressivos e transplante de células-tronco hematopoétcas. O tratamento curatvo e de escolha é o transplante alogênico, porém a maioria dos pacientes está além da 6ª década de vida, e esse procedimento é de maior risco nessa população, mesmo considerando a introdução de novas modalidades de transplante menos agressivas (como o transplante de intensidade reduzida). A terapêutca de suporte consiste em transfusões, uso de eritropoetna e fator estmulador de colônia de granuló-
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HEMATOLOGIA citos, antbiotcoterapia perante quadros infecciosos e quelação do ferro em pacientes politransfundidos. Quimioterapia de baixa intensidade consiste em agentes indutores de maturação celular e diferenciadores, como os hipometlantes (azacitdina e decitabina) e os imunomoduladores (por exemplo, a talidomida e lenalidomida), porém nenhum destes apresenta resposta curatva. Entretanto, a melhor resposta atual se dá com os primeiros agentes, que, mesmo não curando o paciente, conseguem um excelente controle de citopenias na grande maioria dos casos. Deve-se destacar a síndrome do 5q-, que acomete principalmente mulheres com média de idade de 68 anos. Esse grupo apresenta, frequentemente, alta necessidade de transfusão de hemácias e responde dras tcamente à lenalidomida (derivada da talidomida).
- Retculocitopenia;
D - Diagnóstco diferencial
Doenças hematológicas clonais malignas caracterizadas por alterações displásicas das células da medula óssea, hematopoese ineficaz e citopenias.
- Biópsia de medula óssea hipocelular. Classificação Mode- Pode ser dependente de transfusão ou não. Segue os rada critérios diagnóstcos. Grave
3 Neutrófilos <500/mm3, plaquetas <20.000/mm , retculócito <20.000/mm3 ou celularidade da medula óssea <25 a 30%.
Muito grave
Neutrófilos <200/mm3.
Tratamento Suporte transfusional – o mínimo possível –, imunossupressão (ciclosporina, cortcoide, globulina anttmocítca ou combinação desses), transplante de medula óssea alogênico. Mielodisplasia
No diagnóstco da mielodisplasia, deve-se ter o cuidado de afastar todas as situações que possam cursar com alterações displásicas das células sanguíneas, como medicamentos (tuberculostátcos, quimioterápicos, ácido valproico, antrretrovirais), alcoolismo crônico, uso de drogas, infecções virais (principalmente o HIV). A deficiência de B12 e folato cursa com hiperplasia eritroide e sinais de displasia nessa série, manifestando-se como pancitopenia, logo a dosagem do nível sérico dessas vitaminas deve ser feita de ro tna. Aplasia de medula também cursa com pancitopenia, mas não apresenta displasia, e deve ser considerada diagnóstco diferencial da mielodisplasia hipocelular – rara situação em que ocorre pancitopenia + medula óssea hipocelular. O diagnóstco diferencial com as leucemias agudas é feito pela contagem de blastos no sangue e na medula, considerando-se que na leucemia aguda os blastos obrigatoriamente devem estar acima de 20% na medula óssea. A LMMC deve ser diferenciada das mieloproliferações crônicas, principalmente a mielofibrose e a leucemia mieloide crônica.
4. Resumo Quadro-resumo Anemia aplásica - Diminuição da quan tdade das células-tronco hematopoé tcas, com tco por tecido substtuição de grande parte do tecido hematopoé gorduroso. Fisiopatologia - Atvação de linfócitos T e liberação de citocinas, capazes de inibir e induzir a apoptose das stem cells. Critérios indicatvos - Hemoglobina <10g/dL; - Contagem de plaquetas <50.000/mm3; - Contagem de neutrófilos <1.500/mm3;
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Diagnóstco Citopenias + medula óssea hipercelular com sinais de displasia, muitas vezes, alteração citogenétca + exclusão de condições que cursam com displasia (medicamentos, alcoolismo crônico, uso ficiência de de drogas, infecções virais – principalmente o HIV, de B12 e folato). Tratamento - Considerar a idade do paciente, o performance status e o sistema de escore prognóstco internacional (IPSS). Pode ser: · Transplante de célula-tronco alogênico; · Quimioterapia emaltas doses; · Agentes hipome tlantes; · Lenalidomida/talidomida; · Suporte transfusional equelação de ferro.
CAPÍTULO
6 Parte 1 Abordagem inicial da hemostasia e trombose 1. Introdução e fisiologia da coagulação A hemostasia é o processo resultante do equilíbrio entre proteínas pró-coagulantes, antcoagulantes e fibrinolítcas, para manter o sangue fluido e, quando necessário, coibir o sangramento. Tal equilíbrio é alcançado pelo bom funcionamento de vasos sanguíneos (endotélio), plaquetas, proteínas da coagulação, da fibrinólise e dos antcoagulantes naturais. Muitos fatores, genétcos ou adquiridos, podem contribuir para romper esse equilíbrio, levando a estados de hipocoagulabilidade ou hipercoagulabilidade. Didatcamente, a hemostasia pode ser dividida em 3 etapas:
Figura 1 - Etapas da hemostasia
Hemostasia e trombose Fernanda Maria Santos / Marcos Laercio Pontes Reis
A - Hemostasia primária Após uma lesão endotelial, ocorrem exposição do colágeno e vasoconstrição reflexa. Plaquetas circulantes aderem ao colágeno por meio do Fator de von Willebrand (FvW), liberado pelo endotélio em razão do estresse de cisalhamento. Essa adesão ocorre por intermédio das glicoproteínas Ib (GPIb) e Ia-IIa localizadas, respec tvamente, na superfcie das plaquetas e do colágeno. As plaquetas aderidas ao colágeno são atvadas, liberando secreções dos conteúdos granulares (ADP, prostaglandinas, tromboxano A2, serotonina) e sofrem alteração de sua estrutura, expondo outra glicoproteína de membrana: GP IIb/IIIA, responsável pela agregação plaquetária por meio da ligação dessa GP ao fibrinogênio: agregação plaqueta/plaqueta (Figura 2). As secreções dos grânulos plaquetários são responsáveis por maior vasoconstrição, adesão, atvação e agregação plaquetária. Assim, forma-se o tampão plaquetário, responsável pelo controle do sangramento em poucos minutos. Por fim, o tampão plaquetário tem atvidade pró-coagulante, por meio da exposição de fosfolipídios pró-coagulantes e complexos enzimátcos na superfcie da plaqueta, que resulta em inter-relação entre atvação plaquetária e atvação da cascata de coagulação.
Figura 2 - Hemostasia primária
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HEMATOLOGIA B - Hemostasia secundária Hemostasia secundária é o nome dado às reações da cascata da coagulação, que consistem na a tvação sequencial de uma série de pró-enzimas ou precursores proteicos inatvos (zimógenos) em enzimas atvas, resultando na formação de fibras de fibrina que fortalecem o tampão plaquetário. Todos os fatores de coagulação são produzidos pelo fgado, com exceção do fator VIII, que também é secretado peloEssa endotélio. cascata da coagulação é dividida, didatcamente, em 2 vias principais: a via intrínseca (desencadeada por fatores de contato, de carga negatva, presentes no intravascular) e a via extrínseca (desencadeada pelo fator tecidual), que confluem para uma via comum (Figura 3).
Figura 4 - Cascata da coagulação
Figura 3 - Hemostasia secundária
Na via extrínseca, o fator VII circulante liga-se ao FT (tromboplastna) exposto pelo endotélio lesado e, juntos, atvam o fator-X (via comum). Na via intrínseca, o fator XII, na presença de Cininogênio t de Alto Molecular (CAPM) e pré-calicreína vado porPeso fatores de contato (substâncias de carga(PK), negaétava,como toxinas bacterianas). O XIIa atva o fator XI, que atuará na atvação do fator IX. O fator IXa, na presença do VIIIa, atva o fator X. Após a geração de fator Xa por ambas as vias, este se associa ao fator Va e atva a protrombina (fator II) em trombina (fator IIa), sendo esta a responsável pela transformação do fibrinogênio em fibrina. O fator XIII é fundamental para a estabilização do coágulo de fibrina (Figura 4). Cálcio e fosfolipídios são cofatores importantes para a cascata de coagulação.
68
Tal maneira clássica de apresentar a cascata da coagulação é importante para o raciocínio na interpretação dos exames laboratoriais, mas não é o que acontece no organismo. Fisiologicamente, sabe-se que o Fator Tecidual (FT) exposto após a lesão endotelial é o evento primário da cascata da coagulação, pois o complexo FT/VIIa ativa os fatores X e IX, gerando pequena quantidade de trombina, e que os fatores da antiga via intrínseca (como XI, IX, VIII) funcionam como amplificadores do processo dessa geração de trombina, “peça-chave” na formação do coágulo de fibrina. Tal amplificação ocorre na membrana das plaquetas ativadas (aquelas ativadas no processo da hemostasia primária), utilizadas como fonte de fosfolípides, importante para a localização do coágulo apenas no tecido lesado. Três importantes substâncias agem como moduladoras da cascata da coagulação: anttrombina (AT), proteína C atvada/proteína S e inibidor da via do fator tecidual. A an ttrombina, produzida no fgado (e, possivelmente, nas células endoteliais), é um dos mais potentes inibidores da cascata da coagulação. Exerce seu papel como antcoagulante pela inibição da trombina, dos fatores XIIa, XIa, IXa, Xa e da calicreína. O inibidor da via do FT bloqueia a ação do complexo
HEMOSTASIA E TROMBOSE VIIa-FT ao ligar-se com o fator Xa, diminuindo a geração de trombina em sua fase mais inicial. A principal fonte do inibidor da via do FT são as células endoteliais. Outra molécula importante no controle da cascata de coagulação é a proteína C. A trombina gerada pela cascata da coagulação liga-se à trombomodulina, presente no endotélio sem lesão. O complexo trombomodulina/trombina a tva a proteína C circulante (PCa), e esta, a proteína S. Tanto a PCa quanto a PSa exercem seus papéis como antcoagulantes ao inatvarem os fatores Va e VIIIa, bloqueando a geração de mais trombina. Além dessa ação an tcoagulante, a proteína C atvada é capaz de bloquear a ação do PAI-1 (inibidor do a tvador do plasminogênio-1) e do TAFI (Thrombin-Actvatable Fibrinolysis Inhibitor – inibidor da fibrinólise dependente de trombina), diminuindo o efeito supressivo desses compostos sobre a fibrinólise. Portanto, a proteína C a tvada apresenta um papel pró-fibrinolítco. Por fim, a proteína C atvada também é capaz de reduzir a resposta in flamatória por vários mecanismos.
Figura 5 - Modulação da cascata da coagulação
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HEMATOLOGIA Além desses mecanismos, o tromboxano, a prostaciclina e o óxido nítrico modulam a reatvidade da parede vascular e das plaquetas, contribuindo para o controle da cascata de coagulação e para a fluidez do sangue.
C - Fibrinólise Além das proteases da coagulação (fatores de coagulação) e da antcoagulação, o organismo conta também com um sistema fibrinolítco. O plasminogênio é uma proteína inatva circulante no plasma, que se liga à fibrina à medida que o coágulo se forma, e é conver tdo a plasmina no momento de sua ligação com a fibrina, sendo esta a responsável pela dissolução do coágulo, iniciando, assim, a fibrinóli-
se. Essa conversão ocorre pela ação do atvador tecidual do plasminogênio (tPA –tssue Plasminogen Actvator), sintetzados pelo endotélio; e do atvador do plasminogênio tpo uroquinase (UPA –Urokinase-type Plasminogen Actvator), secretado por diversos tecidos. A liberação endotelial do t-Pa é estmulada pela presença de trombina, serotonina, bradicinina, adrenalina e citocinas. Os compostos que controlam a fibrinólise são PAI (inibidor do atvador do plasminogênio), especialmente o PAI-1, TAFI (inibidor dafibrinólise atvado pela trombina) e alfa-2-antplasmina inibindo a plasmina). OeTAFI é aàtvado fibripelo complexo(age trombina/trombomodulina liga-se na já parcialmente lisada, impedindo a ligação do plasminogênio e formação de mais plasmina.
Figura 6 - Fibrinólise
D - Avaliação laboratorial da hemostasia Os exames laboratoriais que devem ser solicitados para a avaliação da hemostasia primária são: a) Contagem de plaquetas com análise do sangue periférico (normal: 150 a 400.000/mm3) Sempre deve ser avaliada, tendo em vista que as plaquetas fazem parte da hemostasia primária. U tliza-se usualmente o antcoagulante EDTA (tubo de tampa roxa) para coleta de sangue periférico; este antcoagulante tem a capacidade de aglutnar plaquetas, resultando numa possível contagem final reduzida. Assim, um dos primeiros testes a ser solicitado é uma nova contagem de plaquetas u tlizando o antcoagulante citrato de sódio (tubo de tampa azul) e comparando-se o resultado encontrado. Pela análise de sangue periférico, pode-se avaliar a morfologia plaquetária (presença de macroplaquetas, comuns nas púrpuras trombocitopênicas imunes).
Figura 7 - Plaquetas aglutnadas, picas do uso de antcoagulante EDTA
70
b) Tempo de sangramento (teste de Duke: 1 a 3 minutos; teste de Ivy: 1 a 7 minutos) Avalia a integridade da parede vascular, das plaquetas e do FvW, sendo um teste da função da hemostasiaprimáriain vivo; baseia-se em lesões de pequenos vasos, com perfuração de somente 1mm de profundidade. Podem ser realizados 2 testes: teste de Duke, em que a perfuração é realizada no lóbulo da orelha (pouco sensível, somente alteradas em distúrbios graves plaquetários e de hemostasia primária) e o teste de Ivy, em que serealiza corte padronizado em antebraço com esfigmomanômetro insuflado a 40mmHg. c) Perfil de von Willebrand Caracterizam-se basicamente pela dosagem do angeno de von Willebrand, dosagem do cofator de ristocetna e curva de agregação plaquetária (Figura 8). d) Curva de agregação plaquetária: avalia a função plaquetária in vitro Baseia-se na medida de formação de agregados plaquetários após exposição a agente agregante (ADP, adrenalina, ácido araquidônico, trombina, colágeno). Estes agregados, então, são medidos pelo agregômetro, que se utliza da espectrofotometria (capacidade de medir a variação de transmissão de luz por meio de uma suspensão de plaquetas). O resultado do teste, apresentado em porcentagem, re flete diretamente a quantdade de transmissão de luz, logo, de formação de agregados plaquetários.
HEMOSTASIA E TROMBOSE
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Figura 8 - Resultado de agregação plaquetária
Para a análise da hemostasia secundária, deve-se lembrar a divisão didátca em via intrínseca/extrínseca, pois assim é possível desenvolver raciocínio clínico com a história do paciente e os exames laboratoriais.
Figura 9 - Cascata da coagulação Tabela 1 - Interpretação laboratorial da hemostasia secundária Testes
Tempo de Protrombina (TP)
Significado
Resultado normal*
Avalia a via extrínseca, 11 a 14,5 segundos; alterando-se nas depode ser expresso ficiências dos fatores em porcentagem VII, X, V, II oufibrino(tempo de atvidade gênio, ou quando há de protrombina): 70 presença de inibidoa 100%. res.
Avalia a via intrínseca, alterando-se nas deficiências dos fatores Tempo de XII, XI, IX, VIII, X, V, II Tromboplastna ou fibrinogênio, ou Parcial atvada quando há presença (TTPa) de inibidores. Sensível à presença de heparina.
25 a 30 segundos; pode ser expresso pela relação TTPA do paciente/TTPA normal (RTTPA), cujo valor normal está até 1,2.
Testes
Significado
Resultado normal*
Prolongado nas deficiências de fibrinogênio e na presença dos proTempo de Tromdutos de degradação 9 a 15 segundos. bina (TT) do fibrinogênio/fibrina. Muito sensível à presença de heparina. Fibrinogênio
Fornece quantficação dos níveis plasmátcos do fibrinogênio.
195 a 365mg/dL.
Produtos de degradação fibrina/ fibrinogênio (PDF)
Avalia a presença de fibrinólise e/ou fibrinogenólise.
Negatvo <5g/mL.
D-dímero
Avalia a ocorrência de lise da fibrina estabili- 68 a 494mg/dL. zada.
* Os valores podem variar de acordo com laboratório de referência. Atenção: Apenas TP alargado: deficiência ou inibidor de VII. Apenas TTPa alargado: deficiência ou inibidor de VIII, IX, XI, XII, CAPM ou PK. TP e TTPa alargados: deficiência ou inibidores da via comum: V, X, II, fibrinogênio.
A variação nos reagentes comerciais u tlizados para a realização do TP resulta em sensibilidade variável para a detecção de alterações no teste. Para padronizar a monitorização da terapia com antcoagulante oral, a OMS estabeleceu um reagente de referência internacional e recomenda que o valor do TP seja dado na forma de razão: paciente/padrão internacional – RNI (Razão de Normatzação Internacional). O mesmo raciocínio se dá com o TTPA, que deve preferencialmente ser sempre expresso na forma da relação do TTPA (que é conseguido pela divisão do TTPA do paciente pelo TTPA normal do dia).
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HEMATOLOGIA A diferença entre deficiência de fator e presença de inibidor é feita por meio do teste com o plasma do paciente misturado com plasma normal, à proporção 1:1. Em caso de deficiência, o alargamento do tempo em estudo será corrigido completamente, visto que foi ofertado o fator de ficiente. Em caso de presença de inibidor, após a mistura a 50%, o tempo não corrige ou o faz parcialmente. A utlidade dos testes de coagulação é avaliar a de ficiência de fator ou presença de inibidor, detectado pelo alargamento daqueles. O encurtamento dos testes pode ocorrer em algumas circunstâncias especiais, sendo as principais: erro de coleta ou técnica inadequada na realização dos testes – afastada essas causas, os fatores de coagulação podem estar aumentados em neoplasias malignas, coagulação intravascular disseminada ou após exercício, resultando no encurtamento dos testes. Finalmente, pode-se solicitar a dosagem dos fatores individualmente, como no caso da hemo filia A (fator VIII) e hemofilia B (fator IX). Para avaliar a fibrinólise, além dos testes anteriores, pode-se utlizar o teste do tempo de lise da euglobulina, que consiste em separar do plasma do paciente a fração de euglobulina (proteínas que incluem fibrinogênio, plasminogênio e T-Pa = atvadores da fibrinólise). Essa fração separada é ressuspensa juntamente com a trombina – a par tr daí, conta-se o tempo para a formação do coágulo. Tempo encurtado equivale à hiperfibrinólise, tempo alargado, hipofibrinólise.
Parte 2 Distúrbios da hemostasia primária 1. Introdução Os distúrbios da hemostasia primária são resultantes destes 3 mecanismos: - Maior fragilidade da parede vascular; - Alterações quanttatvas ou qualitatvas das plaquetas; - Alteração do FvW.
petéquias, púrpuras, sangramento mucoso (gengivorragia ou epistaxe), e raramente apresentam sangramento digestvo ou urinário. Na investgação, é importante determinar se há púrpura palpável (representa depósito de fibrina, edema ou infiltração celular) ou não, se há sinais inflamatórios (calor local, dor ou eritema) e se há alteração nos exames laboratoriais que denotem causa hematológica (contagem e função plaquetária, coagulograma). Tabela 2 - Etologias mais frequentes das púrpuras vasculares Tipo de púrpura
Causa
Exemplos
Crioglobulinemia, doença de Disproteinemia Waldenström (depósito de imunoglobulina). Púrpura Necrose pela varfarina, deficipalpável não Púrpura trom- ência de proteína C e S, livedo inflamatória bótca retcular, síndrome do antcorpo antfosfolípide. Púrpura embólica
Êmbolo de cristal de colesterol.
Pioderma gangrenoso
Alteração do sistema imunitário.
Púrpura de Henoch-Schönlein
IVAS, medicamentos, alimentos, exposição ao frio.
Infecção
Meningococcemia, rickésia, sarampo.
Causado por infecção (MycoPúrpura Eritema mult- plasma, adenovírus, CMV) ou inflamatória forme medicamentos (sulfas, fenitoína, palpável ou AINH). não Infecção estreptocócica (especialmente em crianças), parvoPoliarterite vírus B19, HIV, vírus da hepatte B, tuberculose, doença intestnal nodosa inflamatória e trombose da veia cava inferior. Vasculites
A manifestação clínica dos distúrbios da hemostasia primária mais comum é o sangramento mucocutâneo (pele, gengivorragia, epistaxe, hematêmese/melena, hematúria, menorragia) espontâneo e/ou imediatamente ao trauma, muitas vezes pequeno.
A - Alteração da parede vascular Distúrbios microvasculares, inflamatórios ou não, podem cursar com quadro de sangramento mucocutâneo: são as chamadas púrpuras não trombocitopênicas. É um diagnóstco diferencial muito importante das púrpuras trombocitopênicas, visto que a manifestação clínica é semelhante:
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associadas ao ANCA
Wegener, Churg-Strauss.
Hipersensibilidade Por depósito de imunocomplea medicamen- xos. Púrpura não tos palpável, Púrpura senil, excesso de gliconão inflamacortcoide, deficiência de vitaDiminuição da tória mina C (escorbuto ou síndrome integridade de Scurvy), doença do tecido vascular conectvo (síndrome de Ehlers-Danlos).
HEMOSTASIA E TROMBOSE
Observação: Púrpura de Henoch-Schönlein (PHS): principal causa de vasculite na infância, afeta predominantemente a população pediátrica (3 a 15 anos), 90% dos casos em crianças menores que 10 anos. Mais comum em meninos que em meninas (1,8:1). A causa não é bem esclarecida, mas credita-se que infecções virais, bacterianas (principalmente por Streptococcus), medicamentos, alergia alimentar ou picada de insetos possam ser desencadeadores. Ocorre uma vasculite leucocitoclástca por depósito de complemento e imunocomplexo (à custa de IgA e C3). Manifesta-se pela tétrade clínica: 1 - Púrpura palpável simétrica, na ausência de plaquetopenia ou alteração da coagulação (principalmente nos membros inferiores e nádegas). 2 - Artralgia/artrite. 3 - Dor abdominal de intensidade variável (com ou sem sangramento digestvo). 4 - Nefrite (glomerulonefrite aguda). O diagnóstco é clínico, e a biópsia do local afetado (pele ou rim) é reservada aos casos de apresentação clínica incompleta ouapica. É uma doença autolimitada necessitando apenas de tratamento de suporte (ingesta de líquidos, repouso e analgesia). O uso de cortcoide é reservado aos casos complicados com envolvimento renal ou não responsivos aos sintomátcos. O prognóstco é muito bom, apenas 1/3 dos casos apresenta recidiva nos 4 meses seguintes ao quadro inicial, de forma mais branda e com menor duração. A complicação com perfuração ou intussuscepção intestnal é rara, e 94% das crianças e 89% dos adultos que apresentam alteração renal evoluem com recuperação completa. Atenção: Telangiectasia hemorrágica hereditária (doença de Rendu-Osler-Weber): trata-se de um distúrbio autossômico dominante com aparecimento de vasos tortuosos, dilatados, com paredesfinas, geralmente na submucosa do tubo digestvo e na mucosa respiratória. Manifesta-se com epistaxes frequentes e sangramento de mucosa oral e gastrintestnal, consequentes à malformação vascular. No exame fsico, é característco o encontro de telangiectasias na face, nos dedos, na língua, nos lábios e no nariz. Parece púrpura, mas não é.
B - Trombocitopenias Trombocitopenia é definida como contagem de plaquetas <150.000/mm3, as causas são várias e podem ser agrupadas em diminuição da produção, aumento da destruição (imune ou não imune) e sequestro esplênico. A iden tficação da etologia é essencial para a indicação do tpo de tratamento, já que, em alguns casos, o uso de concentrados de plaquetas para transfusão pode piorar o quadro clínico. A trombocitopenia é causa importante de sangramento de pequenos vasos, e essas manifestações hemorrágicas estão relacionadas à etologia da trombocitopenia e à contagem plaquetária: sangramento clinicamente significatvo em geral não ocorre com contagem plaquetária abaixo de 20 a 10.000/mm3; e pacientes com PTI têm menor tendência a sangramento, pois, com a destruição periférica, ocorre maior produção medular, com plaquetas mais jovens circulantes e de maior poder hemostátco.
A pseudoplaquetopenia (plaquetopenia espúria) é um diagnóstco diferencial importante: aglutnação plaquetária in vitro, interpretada pelos contadores automátcos como plaquetopenia, geralmente relacionada ao EDTA (antcoagulante do tubo de coleta – tubo roxo). Esse diagnóstco é facilmente feito por meio da análise do esfregaço do sangue periférico ou da coleta da amostra de sangue em tubo contendo citrato como antcoagulante (tubo azul). A plaquetopenia dilucional acontece nas transfusões sanguíneas maciças, em que o aporte transfusional chega ao correspondente a uma volemia ou próximo disso. Transfusão de 15 unidades de hemácias em 24 horas resulta na contagem plaquetária entre 47 e 100.000/mm3, e transfusão de 20 unidades pode levar à contagem entre 25 e 61.000/mm3. A seguir, são analisadas as formas mais frequentes de plaquetopenia, suas manifestações clínicas e tratamentos. a) Plaquetopenia por déficit de produção Pode ser congênita ou adquirida. A 1ª é muito rara, destacando a síndrome de Wisko -Aldrich, síndrome de Bernard-Soulier e May-Haeglin. As formas adquiridas são mais comuns e podem ser causadas por: - Doenças primárias da medula óssea: como distúrbio na produção dos megacariócitos, anemia aplástca, mielodisplasia, infiltrações medulares por leucemias, tumores e mielofibrose. Destaca-se ainda a agressão medular por quimioterapia ou radioterapia, ou ainda por outros agentes tóxicos (benzeno, álcool); - Carência nutricional de vitamina B12 e ácido fólico: causas importantes de plaquetopenia por déficit de produção, geralmente acompanhada de anemia e/ou leucopenia; - Megacariopoese ineficaz: ocorre produção medular de megacariócitos anômalos, com liberação inadequada de plaquetas para o sangue periférico, sendo exemplo a mielodisplasia; - Quadros infecciosos: em especial o vírus HIV, levando à trombocitopenia nos primeiros estágios, por reações angeno-antcorpo e por supressão megacariocí tca direta pelo vírus. A hepatte por vírus C e o EBV causam frequentemente um quadro semelhante. b) Plaquetopenia por excesso de destruição -
Púrpura trombocitopênica imunológica: destruição plaquetária por formação de antcorpos antplaquetários ou por interação dos antcorpos com outros elementos, em que a plaqueta atua como hapteno, ou ainda por produção ineficaz de plaquetas. Pode estar associada a outras doenças autoimunes, como Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES), anemias hemolí tcas autoimunes, quadros infecciosos virais, ingestão de drogas, ou pode ser idiopá tca; - Destruição mecânica: como na hemólise por próteses valvares cardíacas, hemangioma cavernoso, aneurisma de aorta ou aterosclerose;
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HEMATOLOGIA Consumo: por quadros inflamatórios ou infecciosos, como na meningococcemia, dengue hemorrágica, mononucleose, CMV, HIV e sepse; nas microangiopatas trombótcas, em que as plaquetas são consumidas em razão da trombose na microcirculação (PTT, SHU, HELLP, CIVD); - Medicamentos: como no uso de heparina, quinidina, ácido valproico, sulfas, interferon e vacina de catapora; - Púrpura aloimune: destruição plaquetária em razão de aloan tcorpos (antcorpo antplaquetário não presente no indivíduo, adquirido por transfusão ou transmissão materno-fetal, contra angeno presente na superfcie da plaqueta dele). Ocorre em indivíduos que recebem muitas transfusões de plaquetas e na púrpura aloimune neonatal; -
Figura 10 - Fatores etológicos da trombocitopenia
Trombocitopenia aloimune neonatal Acontece quando as plaquetas do feto contêm an genos herdados do pai, que a mãe não tem. Sendo assim, há o desenvolvimento de antcorpos maternos diretamente contra esses angenos plaquetários do feto (HPA 1a ou PLA1, principalmente), o que acontece na Doença Hemolí tca do Recém-Nascido (DHRN). A mãe passa a produzir antcorpos específicos (IgG) que cruzam a barreira placentária e destroem as plaquetas em formação. Os recém-nascidos podem apresentar plaquetopenia leve, moderada ou severa. Deve-se manter o nível de plaquetas >30.000 a 50.000, pois a maior complicação é o sangramento intracraniano, que acontece em 10 a 20% dos RNs acometdos, sobretudo nas primeiras 72 a 96 horas, ou ainda intraútero (25 a 50% dos casos). O quadro reverte-se em 1 a 4 semanas, período necessário para o clearance dos antcorpos maternos. Enquanto isso, devem-se transfundir plaquetas com an genos plaquetários compaveis com os da mãe (inclusive a própria plaqueta da mãe) e/ou administrar imunoglobulina. A transfusão será indicada se a contagem de plaqueta for <30.000 a 50.000/mm3, principalmente nas primeiras 96h, em que o risco de sangramento é muito alto. -
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A taxa de recorrência nas gestações subsequentes é de 75 a 90%, sendo indicada transfusão intraútero imediatamente antes do parto e/ou infusão de imunoglobulina na mãe, associadas ou não a cor tcoide. Púrpura Trombocitopênica Imunológica/Idiopá tca (PTI) É a causa mais comum de plaquetopenia em adultos e crianças. Trata-se de uma doença autoimune, aguda (com duração de menos de 6 meses) ou crônica, que cursa com destruição plaquetária imunologicamente mediada por antcorpos, à semelhança do que acontece na AIDS, no LES, nas infecções virais e nas complicações de terapias medicamentosas diversas (púrpuras trombocitopênicas imunológicas secundárias). Essas etologias secundárias devem ser devidamente investgadas e descartadas, pois o diagnóstco de PTI é de exclusão. -
Patogênese A patogênese da PTI ainda é incerta, mas acredita-se que está relacionada: Ao aumento da destruição das plaquetas por antcorpos IgG produzidos por linfócitos B (pode coexistr IgM em 40% dos casos) contra os complexos glicoproteicos plaquetários IIb/IIIa e Ib/IX. As plaquetas -
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HEMOSTASIA E TROMBOSE
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opsonizadas após esta reação an geno-antcorpo são fagocitadas pelo sistema re tculoendotelial, levando à destruição plaquetária, principalmente no baço; À partcipação importante de linfócitos T-helper CD4+, tanto no esmulo da ação dos linfócitos B quanto na possível ação citotóxica direta; À sensibilização e destruição dos precursores plaquetários (megacariócitos), já que estes têm os mesmos angenos de membrana, sendo a plaque-
manda medular, sem qualquer outra evidência de alteração no hemograma. Eventualmente, pode haver discreta anemia ferropriva (secundária aos episódios de sangramento). As outras linhagens celulares estão normais, porém 10% dos pacientes têm anemia hemolítca autoimune associada (síndrome de Evans). A análise do sangue periférico é importante para descartar pseudoplaquetopenia e presença de células anômalas (leucemia) e de esquizócitos (sinal de microangiopata). Ao mielograma, evidenciam-se linhagens celulares nor-
topenia resultante só do aumento da destruição, como também não da diminuição da produção.
mais, podendo haver aumento do número de megacariócitos, muitos deles imaturos, basoflicos, com núcleo grande e não lobulado, demonstrando eritropoese acelerada e resposta medular elevada. Pode-se encontrar também número de megacariócitos normais ou diminuídos, nos casos em que os megacariócitos também são afetados. Logo, o mielograma não é importante para o diagnós tco da PTI, mas para a exclusão de outras doenças que afetem a medula. Deve ser solicitado em crianças (pela possibilidade de diagnóstco de leucemia aguda) e em idosos (pelo diagnós tco diferencial de mielodisplasia). Podem-se ainda detectar antcorpos antplaquetários por citometria de fluxo, porém a sensibilidade e a especificidade desse teste são muito baixas, não sendo u tlizados para o diagnóstco. Não há nenhum exame laboratorial que confirme PTI,
Epidemiologia A incidência maior é na infância, porém pode afetar virtualmente todas as faixas etárias. Em crianças, é mais frequente o aparecimento da plaquetopenia após quadro viral ou vacina (principalmente a MMR – sarampo, caxumba e rubéola), iniciando-se, geralmente, 3 semanas após a infecção, com taxa de remissão espontânea nessa faixa etária bastante alta, chegando a 80%. Infecção pelo Helicobacter pylori tem sido associada à PTI em alguns relatos. -
sendo um diagnóstco de exclusão (sempre descartar outras doenças imunes associadas, infecções virais, principalmente HCV e HIV, medicamentos, síndrome do an tcorpo antfosfolípide e microangiopata). Tabela 3 - Patologias a serem descartadas para diagnós tco de PTI - Doenças autoimunes; - Anemia megaloblástca; Figura 11 - Incidência de PTI por faixa etária
Quadros clínico e laboratorial A manifestação clínica é de um distúrbio da hemostasia primária, destacando a presença de petéquias, geralmente ascendentes. Pode ocorrer sangramento em virtualmente todos os tecidos do organismo, sendo mais comum a epistaxe, gengivorragia e menorragia. Pessoas idosas tendem -
a manifestar sangramentos graves como diges tvo ou urinário. O Sistema Nervosomais Central (SNC) raramente apresenta fenômenos hemorrágicos potencialmente fatais, tendo em vista hiperfunção das poucas plaquetas presentes. Os pacientes são encontrados em bom estado geral e afebris, com ausência de esplenomegalia ou de outras alterações no examefsico, além de petéquias, púrpuras e equimoses. Diferentemente da PHS, a púrpura da PTI é indolor, não é palpável e não ocorre exclusiva ou principalmente nos membros inferiores. A contagem plaquetária pode alcançar valores abaixo de 10.000/mm3, muitas vezes com megatrombócitos circulantes (macroplaquetas), consequentes ao aumento da de-
- Doenças infecciosas, em especial VHC e HIV; - Agamaglobulinemia (solicitar eletroforese de proteínas e dosagem de imunoglobulinas); - Tireoidopatas; - SMD (principalmente idosos); - Leucemia aguda (principalmente crianças); - Uso de medicamentos. -
Tratamento Considerando que nas crianças geralmente há remissão espontânea, e também em alguns poucos casos nos adultos (<10%), o início da terapia está indubitavelmente indicado apenas em 3 situações: nível plaquetário abaixo de 30.000/ mm3, quadro de sangramento atvo ou previsão de intervenção cirúrgica. Outras situações podem ser levadas em conta para a indicação terapêu tca objetvando plaquetometria maior, como o risco de trauma do paciente (geralmente idosos ou aqueles que exercem atvidade de risco), o uso de medicamentos antcoagulantes ou antagregantes e a presença de comorbidades.
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HEMATOLOGIA A 1ª opção terapêu tca é o cortcoide, para reduzir a afinidade dos macrófagos com as plaquetas marcadas por antcorpos, além de reduzir a ligação dos an tcorpos à superfcie das plaquetas. Quando mantda a cortcoterapia por longos períodos, a produção de an tcorpos diminui. Há 3 opções de administração do cortcoide: - Prednisona, na dose de 1mg/kg de peso por dia, pelo mínimo de 4 semanas (mais u tlizada); - Pulsos com dexametasona, 40mg/dia, por 4 dias a cada 14 a 28 dias, quantas vezes forem necessárias para aumentar a contagem plaquetária; - Pulso com metlprednisolona na dose de 30mg/kg/dia, respeitando a dose máxima de 1g/dia, por 3 dias, seguido da prednisona na dose já descrita. Nessa opção, os pacientes obtêm resposta mais rapidamente, mas sem diferença na frequência ou duração de resposta completa, sendo reservada apenas a pacientes com quadro de sangramento importante ou refratários à dose convencional de prednisona.
as indicações de esplenectomia, mas ainda carece de estudos que comprovem superioridade quanto à sua ficácia, e principalmente em longo prazo, sendo reservado aos refratários à esplenectomia ou àqueles com contraindicação cirúrgica. Quanto aos pacientes que não apresentam resposta ao uso das medidas citadas, imunossupressores potentes, como a azatoprina, a ciclosporina e a ciclofosfamida podem ser utlizados, com resultados variáveis. Descreve-se também o uso do danazol, um agente anabolizante que, na dose de 600mg/dia VO, está associado à melhora em pacientes refratários a cortcoides. Os agentes estmuladores da trombopoese (eltrombopague), aprovado para uso nos pacientes refratários às terapias anteriores. Não induz à remissão, apenas melhora a plaquetometria durante o seu uso. Descreve-se, também, que o uso do danazol, um agente anabolizante, está associado àmelhora em pacientes refratários a cortcoides, o mesmo acontecendo com o quimioterápico ciclofosfamida e imunossupressor ciclosporina. Ressalta-se, porém, que estes medicamentos são de 3ª linha, apresentando respostas menores que os demais supracitados.
O sangramento geralmente diminui de intensidade após o 1º dia de cortcoide, mesmo antes do início da elevação - Prognóstco plaquetária, talvez por aumento da estabilidade vascular. Após o início da cor tcoterapia, a contagem de plaqueNas crianças, a maior parte dos casos apresenta remistas pode levar até 4 semanas para se elevar. são completa (80%), nos adultos, a maioria dos casos (aproComo alternatva, metlprednisolona a pacientes com qua- ximadamente 60%) regride com o uso de prednisona. Os dro de sangramento importante ou refratários à prednisona, indivíduos sem resposta à terapêutca ou com recidivas frea imunoglobulina IV é um excelente recurso terapêu tco, em quentes nos primeiros 6 meses são considerados crônicos.
que há rápida elevação dos níveis plaquetários e redução pre- Contudo, o prognóstco é bom na maioria dos casos, com coce dos sangramentos. Tal agente atua no bloqueio dos re- resolução após terapêutca medicamentosa ou esplenecceptores Fc dos macrófagos e na diminuição da captação de tomia. A mortalidade relacionada à PTI é pequena (<1%) e plaquetas recobertas por an tcorpos. Preconiza-se uma dose secundária a sangramento ou infecção. de 400mg/kg de peso ao dia, por 3 a 5 dias ou 1g/kg/dia por 2 dias. Espera-se resposta laboratorial em 1 a 5 dias. Contudo, a imunoglobulina IV é uma terapêutca de alto custo, nem sempre disponível de forma imediata para uso, e seu efeito nos casos crônicos se mantém por apenas 1 a 2 semanas. Assim, reserva-se o uso a pacientes com sangramento atvo, em pré-operatório (partcularmente para a esplenectomia) e para gestantes, no preparo para o parto. A transfusão de plaquetas está contraindicada, recomendada apenas em caso de sangramento atvo e com risco de vida iminente (sangramentos em TGI ou SNC). Não há contraindicações para transfusões de concentrados de hemácias caso haja anemia severa sintomátca associada, em Para razãoosdas perdas. casos refratários, a esplenectomia ainda é a 1ª opção, indicada aos casos em que não há resposta à prednisona, quando há dependência de altas doses do uso desta, ou quando há recidiva da doença. Deve-se aguardar pelo menos 6 meses para indicar este procedimento, tendo em vista a chance de remissão espontânea neste período. Entretanto, a cirurgia não é garan ta de sucesso a 100% dos pacientes, tendo um índice de resposta em longo prazo que varia de 60 a 90%, dependendo da série estudada. O antcorpo monoclonal ant-CD20 (rituximabe), responsável pela supressão de linfócitos B e, portanto, da síntese tde - an corpos, vem sendo bastante estudado na tenta tva de diminuir Figura 12 - Tratamento na PTI
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HEMOSTASIA E TROMBOSE
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Púrpura Trombocitopênica Trombótca (PTT)
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Considerações gerais
Trata-se de uma microangiopata trombótca disseminada, caracterizada pela oclusão difusa de microcirculação por microtrombos plaquetários. Estes microtrombos causam anemia hemolítca microangiopátca com formação de esquizócitos. Pode resultar em isquemia de SNC e IRA, e alta chance de mortalidade se não tratada rápida e adequadamente. O principal mecanismo posto em evidência recentemente é a deficiência ou inibição (congênita ou adquirida) da metaloproteinase (ADAMTS13), responsável fisiologicamente pela degradação dos polímeros de alto peso do FvW em polímeros de baixo peso. A presença de antcorpos IgG antmetaloproteinase parece ser um fenômeno habitualmente associado às formas adquiridas de PTT, permanecendo, no entanto, pouco claros os mecanismos que levam esses antcorpos inibitórios a reconhecerem o complexo enzimátco, bem como a razão pela qual são produzidos. Por outro lado, as formas congênitas de deficiência da enzima parecem estar relacionadas a mutações no gene da ADAMTS13 (A Desintegrin And Metalloproteinase with ThromboSpondin I motf), situado no braço longo do cromossomo 9 (9q34). A disfunção endotelial é o elemento desencadeante da microangiopata, em que haverá a adesão plaquetária persistente pela presença constante dos mul meros de alto peso do FvW (já que não há ADAMTS13), srcinando direta e indiretamente a trombose microvascular e promovendo a formação de um trombo primariamente plaquetário na microcirculação (microangiopata trombótca disseminada). As hemácias, ao tentar vencer o trombo plaquetário, chocam-se, o que resulta em hemólise (anemia hemolítca microangiopátca) e formação dos esquizócitos. Uma lista crescente de agentes e tológicos tem sido descrita, com especial destaque para as toxinas bacterianas, vírus e fármacos, como alguns an tagregantes plaquetários – tclopidina e clopidogrel. Todavia, somente em 15% dos casos se detecta um fator causal.
Figura 13 - Fisiopatologia da PTT
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Figura 14 - Formação de trombos plaquetários na PTT no (A) cérebro e no (B) rim
Esta síndrome predomina na idade adulta, com pico de incidência na 3ª década de vida e com uma razão sexo feminino/sexo masculino de 3:2. Os dados sobre a incidência são escassos, mas parecem indicar um aumento progressivo dela, com valores estmados de 3,7 casos/1.000.000/ ano. O quadro clínico assenta-se, sobretudo, no pêntade: trombocitopenia, anemia hemolítca microangiopátca (sinais de hemólise + esquizócitos), febre, disfunções neurológica e renal. Febre, púrpura e sinais neurológicosflutuantes são encontrados em cerca de 90% dos doentes. Em 40% dos casos, é identficado um quadro semelhante a uma síndrome gripal, que antecede imediatamente o aparecimento do quadro clínico pico de PTT. A púrpura é o sinal clínico inicial em 90% dos doentes, sendo a trombocitopenia comumente inferior a 20.000 plaquetas/L em razão do consumo na formação dos trombos plaquetários. A anemia é de moderada a grave. A febre está sempre presente, em algum momento da evolução da doença. Adisfunção neurológica está presente inicialmente em 60% dos doentes, ascendendo a 90% em qualquer momento da enfermidade. Nos sinais neurológicos, tpicamente transitórios e flutuantes, predominam síndromes confusionais, alterações do campo visual, parestesias e paresias, afasia, disartria, síncope, ver tgens, ataxia, paralisias centrais, convulsões e alterações do estado de consciência. Podem ainda ser observados distúrbios na condução miocárdica, associados ou não à insuficiência cardíaca, bem como infiltrados interstciais pulmonares. Antcorpos antnucleares (ANA) são identficados em até 20% dos doentes. O aumento de DHL é intenso e característco, indicando hemólise e lesão pela isquemia tecidual, e o acompanhamento dos níveis séricos de DHL é útl na avaliação da resposta ao tratamento. Geralmente, a insuficiência renal aguda não decorre da necrose cortcal, podendo cursar com hematúria e proteinúria; acomete 40% dos doentes, mas comumente é ligeira e transitória, e raramente torna-se crônica (ao contrário da Síndrome Hemolítco-Urêmica – SHU). A análise do sangue periférico é fundamental para o diagnóstco da PTT. O encontro de esquizócitos >1% do total de glóbulos vermelhos, resultado da fragmentação mecânica das hemácias na microcirculação, é fator determinante da presença da microangiopata.
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HEMATOLOGIA antcorpos. Há controvérsia sobre o início imediato do cortcoide ou se deve utlizá-lo apenas em caso de resposta inicial ruim. O antagregante plaquetário compreende um tratamento adjunto que deve ser u tlizado quando a contagem plaquetária ultrapassa 50.000/mm3. A transfusão plaquetária pode piorar os quadros neurológico e renal, sendo reservada apenas a casos de sangramento que coloquem o paciente em risco de vida. Em paciente refratário, opta-se por aumentar a troca
Figura 15 - Esquizócitos
O diagnóstco da PTT é clínico. Como visto, nem sempre se encontram os 5 principais sintomas; assim, em qualquer plaquetopenia associada à presença de esquizócitos em sangue periférico, o diagnóstco de PTT deve ser lembrado. Associado ao achado de anemia microangiopátca e DHL alto, não há nenhum teste que con firme o diagnóstco. A dosagem da metaloprotease ADAMTS 13 é de difcil realização, e ainda não há a padronização dos seus resultados, não tendo utlidade no diagnóstco da doença, talvez apenas no prognóstco (quanto mais severa a deficiência, pior a sobrevida, mais lenta é a recuperação das plaquetas e maior o risco de recidiva). - Tratamento Antes do desenvolvimento de um tratamento e ficaz, o desfecho era fulminante. Atualmente, a mortalidade é inferior a 10% em caso de tratamento adequado. Recomenda-se início imediato de plasmaférese, mesmo diante da suspeita diagnóstca, pois o retardo do tratamento pode comprometer consideravelmente o prognóstco. O objetvo da plasmaférese é a re trada dos antcorpos ant-ADAMTS 13 (quando presentes) e dos mulmeros de alto peso, por meio da troca de grandes volumes de plasma (cerca de 40 a 60mL/kg ou uma volemia plasmá tca em cada sessão), com reposição de plasma fresco congelado normal, que contém a proteinase. A presença de depressão grave do estado de consciência não é contraindicação para plasmaférese, visto que, com tratamento eficaz, verifica-se a reversão completa do quadro neurológico. É possível que os sintomas neurológicos amenizem já nas primeiras horas e que o número de plaquetas e os níveis de hemoglobina comecem a elevar-se em 3 a 5 dias (porém, a normalização só é observada após semanas). A plasmaférese deve ser mantda, até a resolução do quadro neurológico e a normalização da contagem plaquetária e a estabilização do DHL, por pelo menos 3 dias. Cerca de 90% dos pacientes respondem ao tratamento nas primeiras 3 a 4 semanas. Recomenda-se o uso de prednisona 1mg/kg associado à plasmaférese, na tentatva de inibir a formação de mais
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plasmátisento ca, realizando 2 procedimentos aomul dia,meros u tlizando plasma de crioprecipitado (menos de alto peso), e por aumentar imunossupressão com vincristna, rituximabe, ciclosporina ou azatoprina. A esplenectomia foi considerada tratamento de 1ª linha para PTT antes do uso das aféreses e não é mais indicada. Diagnóstco diferencial Fazem parte do diagnóstco diferencial da PTT todas as causas de microangiopata, ou seja, anemia secundária à hemólise por trauma mecânico-microvascular, portanto, com presença de esquizócitos no sangue periférico e plaquetopenia de consumo: SHU, síndrome HELLP, vasculites e coagulação intravascular disseminada. -
Síndrome hemolítco-urêmica A SHU também é uma forma de microangiopata trom-
tbó ca disseminada com hemolí ca microangiopá ca;tlogo, clinicamente se anemia apresenta comtsintomas e achados laboratoriais similares a PTT. Entretanto, a diferenciação entre estas 2 entdades é de extrema importância pelo tratamento diferenciado de cada entdade. SHU afeta principalmente crianças em 95% dos casos, independente do sexo, sendo ocasional em adultos. Existe a formação de microtrombos em circulação que a tngem principalmente rins, podendo causar insu ficiência renal oligoanúrica. A SHU pica é associada com febre, disenteria e infecção pela Escherichia coli produtora de verotoxina (VTEC). O subtpo O157:H7 está presente em aproximadamente 80% dos casos, mas pode ser causada ainda por outros sorotpos de E. coli produtores de toxina ou por Shigella dysenteriae tpo I. Aproximadamente 15% dos pacientes que cursam com diarreia pela E. coli VTEC evolui com SHU. O mecanismo fisiopatogênico exato desta entdade se mantém desconhecido, mas provavelmente se correlaciona com lesão renal vascular provocada pela toxina. Os demais tpos de SHU não são associados com VTEC, podendo se correlacionar com uso de medicamentos, em especial ciclosporina, quinidina, quimioterápicos, tclopidina e interferon. A maioria dos casos se apresenta com plaquetopenia, porém em níveis não tão baixos como na PTT. Sintomas neurológicos são bem menos comuns e menos severos: convulsões, coma e AVC ocorrem somente em 10% dos casos. Em compensação, os microtrombos em microcirculação renal são bem mais comuns, evoluindo com insu ficiência renal.
HEMOSTASIA E TROMBOSE
O objetvo do tratamento inicial da SHU é manter a perfusão renal com fluidos intravenosos, ao mesmo tempo em que se evita a congestão pelo excesso de líquidos. Aproximadamente 50 a 60% dos pacientes com insu ficiência renal evoluem para insuficiência renal oligúrica, necessitando de hemodiálise. Por outro lado, 90% das crianças sobrevivem com tratamento de suporte clínico. Não há benefcio adicional com infusão de plasma e/ou plasmaférese, enquanto o uso de antbiotcoterapia específica para os germes envolvidos é controverso. Infelizmente, em até 1/3 dos pacientes,
tária. Além da alteração da função, também apresenta diminuição da contagem plaquetária; - Tromboastenia de Glanzmann: é uma síndrome hemorrágica rara, causada por um defeito autossômico recessivo com perda do receptor de fibrinogênio (GpIIb/IIIa), resultando em déficit de agregação plaquetária; - Storage pool disease: é uma “doença do armazenamento”, ocorrendo por defeitos das reações de liberação do conteúdo dos grânulos plaquetários, levando
haverá prejuízo da função renal por anos após o evento inicial da SHU.
a respostas anormais na produção de agregação prostaglandinas (PG) ou liberação de ADPs, alterando e a tvação plaquetárias.
Tabela 4 - Comparação entre PTT e SHU Característca
PTT
SHU
Hemólise microangioSim pátca
Sim
Trombocitopenia
Severa
Moderadaasevera
Idade
Abaixode40anos Infância
Gênero
Feminino
Recorrência
Comum
Rara
Infecção porE. coli
Ocasional
Presente
IRA
Incomum
SintomasSNC
Comum
Envolvimento de órMultorgânico gãos MulmerosFvW ADAMTS-13
Grandes Deficiente
-
Comum Incomum Renal Pequenos Normal
C - Plaquetopenia por sequestro esplênico
b) Defeitos adquiridos tlsalicílico (AAS):que se liga de - Ingestão de ácido ace forma irreversível à cicloxigenase 2 (COX2), enzima responsável pela produção de PG e tromb oxane A2 na membrana plaquetária, levando à alteração da agregação plaquetária e ao aumento do tempo de sangramento; - Ingestão de outros an t-inflamatórios não hormonais: inibem reversivelmente a COX, também inibindo a agregação plaquetária, porém, de forma menos intensa; - Tienopiridinas: a tclopidina e o clopidogrel agem inibindo o receptor plaquetário de ADP, inibindo também a sua agregação; - Inibidores da glicoproteína IIb/IIIa: são drogas que inibem especificamente essa glicoproteína, impedindo a agregação plaquetária: abciximabe, eptfibatda e trofibana, utlizados no tratamento da insu ficiência coronariana; - Uremia: o mecanismo exato para a alteração da função plaquetária é desconhecido. Altera a adesão, a agregação e a secreção de grânulos plaquetários. A gravidade do quadro clínico associa-se à severidade da insuficiência renal concomitante.
Pacientes com esplenomegalia podem reter até 90% das plaquetas circulantes no baço, portanto a massa plaquetária do paciente pode ser normal, mesmo quando a contagem representa apenas 20% do valor normal. A causa mais importante desse tpo de plaquetopenia é a hepatopata crônica com hipertensão portal e esplenomegalia conges tva. E - Doença de von Willebrand Hiperesplenismo é uma situação dis tnta, em que a esplenomegalia está associada ao aumento da destruição de a) Considerações gerais plaquetas, leucócitos e hemácias, juntamente com aumenTrata-se de distúrbio autossômico dominante (o tpo 1, to dos precursores medulares (citopenia, esplenomegalia forma mais comum, afetando cerca de 80% dos casos) ou e medula hipercelular). Ocorre nas citopenias autoimunes, recessivo (o tpo 3, mais raro), em que pode haver redudoenças infecciosas e inflamatórias, como lúpus, esquistosção da síntese do FvW ou produção de substância alterada, somose, mononucleose, malária, leishmaniose. ineficaz. É a coagulopata hereditária mais frequente e raramente pode ser adquirida, em geral associada a mieloproliD - Defeitos qualitatvos das plaquetas ferações ou a tumores sólidos. O FvW é uma glicoproteína multmérica sintetzada Podem ser congênitos ou adquiridos e são responsáveis nos megacariócitos e nas células endoteliais, e circula no por quadro clínico semelhante ao das plaquetopenias. plasma como mulmeros de tamanhos variáveis. Só os a) Defeitos congênitos mulmeros de alto peso atuam na adesividade plaquetá- Síndrome de Bernard-Soulier: doença autossômica ria. DDAVP, trombina e colágeno estmulam a secreção de recessiva em que há deficiência no complexo glicopromulmeros ultragrandes, que são clivados na circulação teico plaquetário GpIb, resultando em menor número pela metaloprotease ADAMTS 13, em mulmeros menores de receptores para o FvW e defeito na adesão plaquee menos atvos.
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HEMATOLOGIA O FvW tem 2 funções na hemostasia: adesão plaquetária e manutenção adequada dos níveis de fator VIII, pois o FvW ligado ao fator VIII na corrente sanguínea protege este últmo da degradação plasmátca pela proteína C e S. Assim, na sua deficiência, além de existrem distúrbios da adesividade plaquetária, pode ocorrer a redução dos níveis de fator VIII. Tabela 5 - Tipos de doença de von Willebrand
•
•
-
Tipo 1 - Deficiência quanttatva parcial do FvW.
Tipo 3
•
- Deficiência quanttatva virtualmente completa do FvW.
A pseudodoença de von Willebrand consiste em alterações da membrana plaquetária, com excessiva avidez pelas formas multméricas grandes, causando sua retrada precoce do plasma. b) Quadro clínico Ocorre manifestação clínica de patologia da hemostasia primária: sangramento mucocutâneo, com exceção do subtpo 2N, que se comporta como um hemoflico (deficiência de fator VIII), com sangramentos artculares e musculares profundos, e sangramento tardio após trauma. Deve-se ter atenção para a história familiar, que pode apresentar história de sangramento prolongado após extração dentária, procedimentos cirúrgicos, pós-parto e sangramento menstrual excessivo. O sangramento diminui na vigência de estrogênios ou durante a gravidez, pois essas situações aumentam a síntese de FvW. c) Diagnóstco laboratorial O diagnóstco laboratorial da DvW pode ser difcil, pois o nível sérico de FvW é influenciado por diversos fatores, e os resultados dos vários testes se relacionam mal com a gravidade da situação clínica. Esse fato exige frequentemente a repetção das análises se a suspeita clínica é grande e os resultados, inconclusivos. Vários testes podem e devem ser utlizados no diagnóstco da DvW e na sua classi ficação, e são agrupados em 3 níveis: testes de rastreamento; testes específicos para o FvW, que permitem estabelecer o diagnóstco; e testes classificatórios, que permitem caracterizar precisamente os diferentes subtpos da doença. -
Testes de rastreamento Tempo de sangramento: importante na suspeita inicial de muitos casos de DvW, pois estará aumentado em todos os tpos, exceto no subtpo 2N (deficiência de fator VIII); •
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Testes específicos •
fi tva do FvW: -·De qualita 2A:ciência redução da função de ligação às plaquetas e ausência de grandes mulmeros de alto peso molecular; Tipo 2 · 2B: maior afinidade pela glicoproteína Ib; · 2M: redução da função da ligação às plaquetas sem ausência de grandes mulmeros de alto peso molecular; · 2N: redução da afinidade do fator VIII coagulante.
•
-
Dosagem do fator VIII plasmátco: estará diminuído t 3; no subtpodo 2NAg e no Dosagem FvWpo plasmátco: estará diminuído nos subtpos 1 e 3, e normal ou limítrofe no tpo 2, lembrando que um grande número de fatores pode alterar os níveis plasmátcos do Ag FvW, como o sistema ABO do sangue (os indivíduos do grupo O têm níveis de FvW plasmátco mais baixos que os AB); estrogênios; hormônios treoidianos; a idade e o estresse; Atvidade de cofator da ristoce tna (RCo): avalia alteração funcional do FvW. A ristoce tna é antbiótco capaz de induzir a interação entre o fator de von Willebrand e o complexo GP Ib/IX. Logo, a determinação do RCo estará diminuída em todos os tpos da DvW.
Testes classificatórios •
•
•
-
Tempo de tromboplastna parcial atvada: o TTPa pode ser normal ou prolongado, a depender do valor do fator VIII; Contagem plaquetária: estará normal, descartando outras patologias de hemostasia primária. Exceção ao subtpo 2b, em que, em razão da alta afinidade GpIb/FvW, é possível ter plaquetopenia.
Eletroforese do FvW em gel de agarose: permite a análise dos diferentes mulmeros; Aglutnação plaquetária induzida pela ristocetna (RIPA): estará aumentada no subtpo 2b e diminuída nos demais tpos; O diagnóstco pré-natal da DvW já é possível por meio de análise genétca.
Tratamento
Deve-se evitar sempre o uso de ant-inflamatórios não esteroides e antcoagulantes orais. A desmopressina (DDAVP), um análogo sinté tco do hormônio antdiurétco, provoca um aumento dos níveis de fator VIII e FvW, mas não o aumento da pressão arterial, vasoconstrição nem contração uterina ou gastrintestnal, sendo bem tolerado pelos pacientes. Seu uso não está associado ao aumento de infecções virais, e o produto é comercializado em várias formulações (IV, SC ou inalatória) com um custo relatvamente baixo. Apresenta boa resposta terapêu tca na DvW tpo 1 e resposta variável no tpo 2. O uso de concentrados de fator VIIIy liofilizado (contendo FvW) é preconizado para os que não respondem a DDAVP, na dose de 20 a 50U/kg/peso/dose, a ser repe tda 3x/ dia enquanto for necessário. Agentes antfibrinolítcos, como o ácido tranexâmico ou o ácido épsilon aminocaproico e cola de fibrina, podem ser utlizados como terapêutca adjuvante durante pequenos procedimentos invasivos.
HEMOSTASIA E TROMBOSE O estrógeno pode ser utlizado em mulheres com sangramento menstrual excessivo, com boa resposta na DvW tpo 1 e resposta variável no tpo 2.
Parte 3 Distúrbios da hemostasia secundária
gotas do gene são assintomátcas. Raros casos de mulheres homozigotas foram descritos. Pode ser de 2 tpos, hemofilia A (fator VIII ou hemofilia clássica) e hemofilia B (deficiência do fator IX ou doença de Christmas). Em qualquer um dos tpos de hemofilia ocorre diminuição de fator VII ou IX, que pode ser secundária à de ficiência quanttatva ou qualitatva de síntese do fator. A classificação da hemofilia se dá de acordo com a quan tdade presente de fator, conforme a Tabela 7. Tabela 7 - Classificação da hemofilia
1. Introdução e c onsiderações gerais As coagulopatas por alterações da hemostasia secundária manifestam-se quase sempre por grandes equimoses ou hematomas após traumas menores e por tempo de coagulação prolongado após lacerações ou cirurgias. O sangramento é tardio após o trauma, diferente das alterações da hemostasia primária, em que o sangramento é imediato. Sangramentos artculares são bastante comuns e também possíveis no trato gastrintestnal. Quase todos os fatores de coagulação têm descrições de alterações, que podem ser adquiridas ou hereditárias. Tabela 6 - Diferenças entre hemostasias primária e secundária Alteração da hemostasia primária
Alteração da hemostasia secundária
Início do sangramento imediato Início do sangramento tardio ao trauma ao trauma Petéquias e equimoses
Hematomas profundos
Sangramento cutâneo-mucoso
Hemartrose, sangramentos profundos
História familiar rara (exceto DvW)
História familiar comum
Predomínio no sexo feminino
Predomínio no sexo masculino
Classificação
Fator VIII ou IX
Grave
1% =
Moderada
5% a1
Leve
3% a5
HemofiliaA 70% 15% 15%
Hemo filia B 50% 30% 20%
Quadros clínico e laboratorial As hemofilias A e B são clinicamente indistnguíveis. Ocorrem hemartroses espontâneas (em grandes artculações, como joelhos, tornozelos, cotovelos), além de sangramentos musculares, do trato gastrintestnal e do trato geniturinário. As hemartroses são responsáveis por 80% das manifestações hemorrágicas. Em alguns casos, o diagnóstco é feito logo ao nascimento, pois pode haver hemorragia intracraniana ou subgaleal nos casos graves, no período perinatal. -
Adquiridas Geralmente, são deficiências múltplas, como no caso da hepatopata ou da deficiência de vitamina K (nesta últma, há menor síntese de fatores II, VII, IX, X e de proteínas S e C). Nas doenças hepátcas, há deficiência de síntese de todos os fatores de coagulação de síntese no fgado, inclusive os antfibrinolítcos. -
-
Hereditárias Geralmente, envolvem apenas 1 fator de coagulação deficiente. Por exemplo, as deficiências do fator VIII (hemo filia tpo A, mais comum) e do fator IX (hemo filia tpo B ou doença de Christmas) são desordens com transmissão ligada ao cromossomo X.
A - Alterações hereditárias a) Hemofilia Doença de caráter recessivo ligado ao X, afetando partcularmente homens, pois as mulheres portadoras heterozi-
Figura 16 - Hemartrose em paciente hemo flico grave
Aos pequenos traumas ocorre parada do sangramento inicialmente, porém, após algum tempo, com difcil controle local, o sangramento retorna, podendo, muitas vezes, durar vários dias. De todos os tpos de sangramento, o mais temido é aquele que ocorre em SNC. Pode acometer virtualmente qualquer região (subdural, epidural, parenquimatoso, subaracnóideo) e deve sempre ser diagnostcado e tratado de forma agressiva. Sempre que houver episódio de cefaleia não habitual, intensa, que dure mais de 4 horas e que não responda à analgesia comum, é importante que se exclua este tpo de sangramento.
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HEMATOLOGIA A artropata hemoflica crônica é complicação derivada de repetdas hemorragias em artculação, causando destruição da cartlagem artcular, hiperplasia sinovial resultando em deformidade artcular permanente e contraturas musculares. Pode ocorrer virtualmente em qualquer artculação, em especial joelho, tornozelos, cotovelos e arflamatório e fitculação coxofemoral. Todo este processo in brótco resulta em perda da função ar tcular (inclusive com artculação anquilosada) e intensa atrofia muscular.
Figura 17 - Artropata crônica em joelho
Os hematomas musculares são a 2ª causa mais comum de sangramento em hemoflicos. Quando em pequena quantdade, apresentam dor local e desconforto, sendo facilmente manejáveis; entretanto, nos hemo flicos graves, estes hematomas podem ser de volume crescente, fazendo compressão e dissecção deleucocitose, tecidos, comfebre riscoede ções, podendo apresentar dorcomplicaintensa. Sangramentos espontâneos ou pós-traumátcos de vias aéreas (língua, musculatura ou partes moles do pescoço ou garganta) podem aumentar rapidamente e causar compressão de vias aéreas, devendo ser rapidamente tratados.
Figura 18 - Hematomas em paciente hemoflico
De acordo com o local acometdo, os hematomas podem causar síndromes compressivas: no antebraço, podem causar paralisia dos nervos mediano ou ulnar, ou a contratura isquêmica da mão (contratura de Volkmann); sangramento abundante na panturrilha pode causar paralisia de nervo fibular. Em especial, devem-se destacar hematomas em músculo iliopsoas que, de acordo com o volume, podem acarretar dor no abdome inferior, simulando outras patologias abdominais cirúrgicas, como apendicite aguda.
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Por sua vez, a hematúria é sintoma comum, ocorrendo em até 75% dos hemo flicos em algum momento de seu acompanhamento, em geral, após 12 anos de idade. Pode ser totalmente assintomátca ou ocasionar sintomas de dolorimento no flanco à dor no abdome inferior/disúria. Usualmente, este quadro é autolimitado, devendo-se, porém, sempre investgar causas do sistema geniturinário, especialmente em hematúrias de repetção. Pode-se ter ainda o chamado pseudotumor hemoflico, complicação pouco frequente, porém grave. Também chamado cisto hemorrágico, ocorre quando um sangramento abundante não é completamente reabsorvido, com a formação de uma lesão capsular cístca, contendo fluido serossanguinolento ou viscoso. Esta estrutura pode, por sua vez, crescer, ocasionando compressão óssea ou vascular e destruição tecidual. Os locais mais acometdos na pelve, fêmur e bia nos adultos, enquanto nas crianças ocorrem predominantemente nos ossos das mãos e dos pés. Laboratorialmente, o TTPa encontra-se prolongado, enquanto os tempos de sangramento e de protrombina, e a agregação plaquetária estão normais. Os níveis séricos de fator VIIIc (fator VIII “coagulante”) e de fator IX estão diminuídos. Tratamento O tratamento básico fundamenta-se no aporte dos fatores VIII e IX, hoje disponíveis na forma de concentrados -
fi lio tratados de forma a ina tvar vírus como o HIV, poislizados, são hemoderivados. Procuram-se alcançar níveis de fator VIII su ficientes para tratar o sangramento atvo ou prevenir hemorragias, como em pré-procedimentos cirúrgicos. É importante destacar que o uso do fator tem como obje tvo suspender a hemorragia atva, enquanto o organismo reabsorverá por si só o hematoma formado. A dose de fator VIII é calculada assumindo que 1U/kg de peso de fator VIII aumenta em 2% o seu valor plasmátco. A partr desse valor, calculam-se o volume plasmátco do indivíduo e o número de unidades de fator que deverá receber para alcançar níveis de atvidade de fator VIII suficientes para tratar a condição do momento. Considera-se que, para sangramentos menores, 30% de atvidade do fator serão suficientes, ao passo que, para perdas moderadas, indica-se alcançar 50% de atvidade. Para grandes cirurgias, sugerem-se 100% de atvidade como nível seguro. As infusões de fator VIII devem ser repe tdas a cada 12 horas, para garantr a ação deste fator dentro da vida média do mesmo. As formas leves de hemofilia A podem ainda favorecer-se com o uso de DDAVP, já que esta substância aumenta a liberação de fator VIIIc. Na hemofilia B, utlizam-se concentrados de fator IX, na dose calculada de 1U/kg de peso de fator IX, o que leva a um aumento de 1% do seu valor plasmátco, pois o seu volume de distribuição tecidual é maior. O tempo de vida média do
HEMOSTASIA E TROMBOSE
fator IX é de 18 horas, o que reduz o número de infusões, não havendo indicação para uso doDDAVP nesta doença. Como medidas coadjuvantes, ainda, tem-se medidas locais (curatvos compressivos ou tampões com adrenalina), uso de agentes antfibrinolítcos como ácido tranexâmico ou ácido gama aminocaproico. O atendimento multdisciplinar, com orientações de Psicologia, Enfermagem, Nutrição e Odontologia é de extrema importância. Finalmente, deve haver treinamento de pais ou responsáveis para aplicação domiciliar de fator, prevenindo ao máximo as complicações
alizar a reposição do fator de ficiente nos casos de sangramento atvo ou em pro filaxia pré-procedimento invasivo. A deficiência do fator XII, par tcularmente, não apresenta tendência hemorrágica, ou contrário, estuda-se a possibilidade de deficiências severas (<1%) estarem relacionadas a fenômenos trombótcos. É importante para diagnós tco diferencial de TTPA alargado, mas não exige nenhum cuidado para profilaxia de sangramento.
B - Alterações adquiridas
fi
da hemo lia, como artropata hemoflica crônica. - Prognóstco Como complicações tardias da hemofilia, podem-se ter, além das anormalidades ortopédicas secundárias a hemartroses de repetção, a transmissão de infecção viral pelos derivados do sangue e desenvolvimento do antcorpo antfator VIII e IX. A disponibilidade de fator VIII lio filizado para reposição tem modificado a história natural da hemofilia A, e a inatvação viral eficaz dos concentrados de fator seguramente interferiu no aumento da sobrevida desses pacientes. Cerca de 40% dos pacientes desenvolvem an tcorpos inibidores do fator VIII e necessitam de uma abordagem mais específica, como aumento da dose do fator, uso de complexo protrombínico atvado (FEIBA) ou fator VII atvado (Novoseven). Já na hemofilia B, somente 6 a 10% dos pacientes evoluirão com inibidores de fator IX, lançando-se mão, nestes casos, das mesmas medidas para hemofilia A. b) Deficiência do fator XIII Doença hereditária rara, que se manifesta por sangramento persistente após procedimentos cirúrgicos ou traumas, com alteração da cicatrização. Caracteristcamente, apresenta persistência de sangramento no coto umbilical após queda do cordão umbilical. Na avaliação laboratorial, TP, TTPA, TS e contagem plaquetária estão normais. O diagnóstco é feito com o teste da uréase concentrada (5M). A quantdade de fator XIII para adequada hemostasia é extremamente baixa, sendo u tlizada para tratamento a transfusão de plasma fresco congelado na dose de 2 a 4mL/kg ou crioprecipitado. Como a meia-vida é longa (14 dias), a reposição com plasma, quando necessária, pode ser feita a cada 20 dias. c) Outras deficiências É possível apresentar deficiência de quaisquer dos fatores: XI (hemofilia C), V, X, VII, XII, fibrinogênio ou disfibrinogenemia ou, ainda, combinação dessas deficiências. O diagnóstco é feito pela manifestação hemorrágica e pela dosagem do fator deficiente. O tratamento é realizado por meio da reposição do fator de ficiente através da infusão de complexo protrombínico (para deficiência dos fatores II, VII ou X), fator VII atvado (para deficiência de fator VII), transfusão de crioprecipitado (para de ficiência de fibrinogênio ou disfibrinogenemia) ou de plasma fresco congelado nos casos que não dispõem de produto lio filizado. Deve-se re-
a) Coagulação intravascular disseminada Considerações gerais A coagulação intravascular disseminada (CIVD) é uma síndrome adquirida, caracterizada pela atvação simultânea dos fatores da coagulação, plaquetas e fibrinólise, com manifestação clínica de trombose e/ou sangramento excessivo. É resultante da atvação maciça da cascata da coagulação ou da fibrinólise. A deposição de fibrina em excesso pode levar à oclusão microvascular e consequente comprometmento do fluxo sanguíneo, o que, em conjunto com alterações metabólicas e hemodinâmicas, pode contribuir para a falência de múltplos órgãos. O consumo e a consequente depleção dos fatores da coagulação e plaquetas, resultantes da a tvação connua -
da coagulação, podem levar ao quadro de sangramento em diversos sítos. Etologia e patogênese A CIVD pode ocorrer em associação a uma grande variedade de patologias. -
Tabela 8 - Causas de CIVD Situação
Comentário
Doenças infecciosas
Infecções bacterianas são as mais associadas (Gram positvos e Gram negatvos). Exotoxinas de bactérias resultam em resposta inflamatória generalizada, com liberação sistêmica de citocinas e atvação de macrófagos. Estes expressam FT em sua superfcie e, juntamente com a lesão endotelial pela ação direta das toxinas, t a vam a cascata de coagulação.
Trauma grave
Mecanismos incluem liberação de gordura e fosfolipídios tssulares na circulação, hemólise e lesão endotelial.
Mecanismo envolvido parece estar relacionado ao Fator Tissular (FT) expresso na suTumores sólidos e perfcie das células tumorais. De 10 a 15% neoplasias hemato- dos pacientes com tumores metastátcos e lógicas de 15 a 20% dos pacientes com leucemia apontam evidências de atvação intravascular da coagulação.
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HEMATOLOGIA Situação
Comentário
Forma distnta de CIVD caracterizada por Leucemia promiehiperfibrinólise decorrente da liberação locítca aguda (LMA de substância fibrinolítca dos grânulos dos M3) promielócitos patológicos.
Condições obstétricas
O descolamento de placenta e a embolia de líquido amniótco são relatos clássicos, e considera-se que a liberação de material tromboplástco é o que provavelmente desencadeia o quadro. Pré-eclâmpsia e eclâmpsia, síndrome do feto morto retdo, rotura uterina e aborto séptco são outros exemplos.
Como hemangiomas gigantes (síndrome de Kasabach-Merri) ou grandes aneurisDoenças vasculares mas de aorta, resultam em atvação local da coagulação pelo turbilhonamento não fisiológico.
Quando a CIVD é de instalação aguda, há consumo excessivo de fatores de coagulação, que o fgado não consegue “repor”. Esse fato, associado à fibrinólise intensa, explica os fenômenos hemorrágicos que acompanham a CIVD. Quando a CIVD é de instalação crônica, o consumo dos fatores de coagulação é compensado pela produção hepátca, e os pacientes apresentam alto risco de trombose. Como exemplo, têm-se as neoplasias malignas, que muitas vezes se apresentam inicialmente com quadro de trombose profunda ou tromboflebite superficial migratória (síndrome de Trousseau).
Figura 19 - Resumo da fisiopatologia da CIVD
Quadros clínico e laboratorial O quadro clínico é de sangramento importante em feridas operatórias, locais de punção ou drenos, petéquias, sangramento digestvo ou urinário, eventos trombótcos e falência multssistêmica em casos avançados. Os trombos formados podem ser encontrados em diferentes topogra fias (em ordem decrescente de frequência): cérebro, coração, pulmões, rins, adrenais, baço,fgado e hipófise, culminando nos casos mais avançados com a falência de múltplos órgãos. Nos exames laboratoriais, espera-se encontrar TP e TTPa prolongados, hipo fibrinogenemia e trombocitopenia -
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(consumo), anemia hemolítca microangiopátca (trauma mecânico), elevação dos produtos de degradação da fibrina e dos mulmeros de vW. A anttrombina e a proteína C podem estar diminuídas pelo mesmo motvo de consumo, contribuindo para eventos trombótcos. Em casos iniciais ou de CIVD crônica, encontram-se apenas contagem plaquetária discretamente alterada, D-dímero e PDF aumentados, podendo o TT também estar alargado (pelo aumento de PDF). Os demais exames (TP, TTPa e fibrinogênio) são normais. -
Tratamento Tratar a causa-base e estabilizar hemodinamicamente o mais rápido possível o paciente (early goal) reduzem claramente a mortalidade deste quadro. A reposição de plasma fresco e de concentrados de plaquetas deve ser criteriosa e usada apenas quando há fundamento laboratorial, sangramento atvo ou necessidade de procedimento invasivo/intervenção cirúrgica. Tentam-se manter TP e TTPa normais e as plaquetas acima de 50.000/ mm3 nesses casos. O fibrinogênio é reposto por intermédio do crioprecipitado, a fim de manter as concentrações acima de 100mg/ dL, sempre que há sangramento a tvo ou necessidade de intervenção invasiva. Não há evidência de que a transfusão de plaquetas, plasma fresco congelado ou crioprecipitado, na ausência de sangramento atvo ou risco de sangramento (procedimento invasivo), tragam benefcio ao paciente. Tampouco há estudos que comprovem o bene fcio do uso da heparina na CIVD aguda para melhora da disfunção orgânica, sendo reservada só aos casos de CIVD crônica com manifestação trombótca e antes de procedimentos cirúrgicos. A utlização de concentrado de proteína C recombinante é controversa, indicada em algumas situações de sepse grave, com risco de morte e disfunção de órgão; a an ttrombina recombinante não mostrou bene fcio entre os pacientes estudados e evidenciou maior risco de sangramento, e fator VII atvado é reservado para casos com sangramento muito grave, com risco de morte, sem melhora com a reposição de plasma fresco, plaquetas e crioprecipitado. Já a utlização de agentes antfibrinolítcos é contraindicada, pois, ao inibir a fibrinólise, aumenta-se o risco trombótco. - Prognóstco A CIVD é uma complicação grave, com mortalidade chegando de 40 a 80%. Depende da causa-base, da rapidez no diagnóstco e da pronta insttuição de terapêutca adequada. b) Deficiência de vitamina K A vitamina K é essencial para a funcionalidade dos fatores de coagulação que apresentam radical glutâmico: fatores II (protrombina), VII, IX, X, proteína C e proteína S. Ela é sintetzada no organismo pela flora bacteriana intestnal, em pequenas quantdades. A ingesta alimentar de vegetais
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de folhas verdes (que contêm a vitamina) é necessária para complementar a necessidade diária de 90 a 120mcg. Após a ingesta, a vitamina K é separada do alimento pelas enzimas pancreátcas e, por ser lipossolúvel, necessita de sais biliares para ser absorvida no intestno delgado. A função da vitamina K é de coenzima para a gama-carboxilação dos fatores de coagulação citados, juntamente com a enzima gama-carboxilase. Após esse processo, tem-se a formação da vitamina K na forma inatva (epóxido), que é novamente atvada pela enzima epoxidorredutase.
Figura 20 - Oxirredução da vitamina K e ação dos dicumarínicos sobre a vitamina K-redutase
São pessoas sujeitas à deficiência de vitamina K: - Alcoolistas crônicos: pela diminuição da ingesta e pela insuficiência pancreátca; - Pacientes com doença in flamatória intestnal ou pós-ressecção ileal: pois ocorrem diminuição da absorção e alteração da flora bacteriana; - Uso de antbiótcos e nutrição parenteral por períodos prolongados: levam à alteração daflora bacteriana; - Lactentes: em razão do fgado imaturo, ausência de vitamina K no leite materno e ausência de flora. Manifesta o quadro clínico da doença hemorrágica do recém-nascido, que consiste em sangramento cutâneo, gastrintestnal ou até intracraniano na 1ª semana de vida e pode ser prevenido pela administração de vitamina K, 0,5 a 1mg, IM; - Uso de dicumarínico: essa classe de medicamentos inibe a enzima vitamina K-redutase, diminuindo a a tvidade da vitamina K.
com risco de vida, transfundir plasma fresco congelado na dose de 10 a 15mL/kg, complexo protrombínico ou fator VII atvado, a depender da urgência e das condições do paciente. c) Hepatopata O fgado é o local de síntese de todos os fatores de coagulação, com exceção do fator VIII. Também é local de carboxilação dos fatores dependentes da vitamina K, de síntese de anttrombina e de síntese de fatores fibrinolítcos. Hepatopatas crônicos têm deficiência de vitamina K tanto pela falta de ingesta quanto pela diminuição da absorção pela colestase em estágios terminais. Diminuição da síntese dos fatores de coagulação, diminuição da carboxilação dos fatores dependentes da vitamina K, diminuição dasíntese de anttrombina e alfa-2-antplasmina, disfibrinogenemia (em razão do excesso de ácido siálico, que interfere na formação de fibrina) colocam o hepatopata em risco de sangramento e de trombose, sendo necessário um equilíbrio muito justo para não acontecer nenhum desses eventos. Muitas vezes, também cursam com plaquetopenia secundária à esplenomegalia, contribuindo para as manifestações hemorrágicas. O tratamento deve basear-se apenas na manifestação clínica, nunca em exame laboratorial. Pode-se administrar profilatcamente a vitamina K, e, enquanto o fgado for capaz de produzir fatores, ela será bené fica. Em casos de sangramento, deve-se transfundir plasma fresco congelado, e, em caso de trombose, antcoagulação cautelosa.
Parte 4 Distúrbio da hemostasia terciária 1. Introdução Anormalidade congênita da fibrinólise é uma condição muito rara, sendo mais comuns as alterações adquiridas. Como resultado dessas anormalidades, podem-se encontrar: - Aumento excessivo da plasmina decorrente do aumento dos atvadores do plasminogênio ou deficiência dos inibidores. Tais situações cursam com manifestação clínica de sangramento (hiperfibrinólise);
- Aumento dos inibidores da fibrinólise ou deficiência dos atvadores – cursando com manifestação clínica de O diagnóstco é feito pelo TP alargado, visto que esse trombose (hipofibrinólise). teste é altamente sensível para detectar redução nos fatores vitamina K-dependentes, sendo o fator VII o principal Tabela 9 - Causas de distúrbio dafibrinólise deles, pois apresenta baixa meia-vida (6h). Nas de ficiências Anormalidades congê- Anormalidades adquiridas (fibrinóliextremas, também pode prolongar o TTPa. No teste da misnitas se secundária) tura a 50%, observa-se a correção do tempo prolongado. A Afibrinogenemia ou dis- CIVD: aumenta t-PA e diminui alfa-2manifestação clínica é de equimoses ou hematomas após fibrinogenemia -antplasmina pequenos traumas. Nas deficiências severas, podem ocorHepatopata crônica: diminui clearanrer hematêmese, melena ou hematúria. Hipoplasminogenemia, ce de t-PA e síntese de alfa-2-antplasO tratamento é feito com a reposição de vitamina K na displasminogenemia mina dose de 1 a 10mg, VO, IM ou IV. Em casos de sangramento
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HEMATOLOGIA Anormalidades congê- Anormalidades adquiridas (fibrinólinitas se secundária) Deficiência de PAI-1
Neoplasias: de próstata aumenta u-PA
Deficiência de alfa-2Cirurgias cardíacas -antplasmina -
Nos exames laboratoriais, encontram-se: Na hiperfibrinólise, o diagnóstco diferencial com CIVD aguda é muito difcil, visto que há alargamento de TP e TTPa, diminuição de fibrinogênio, aumento •
•
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de D-dímero e PDF, encurtamento do tempo de lise da euglobulina. A diferença é que não há consumo de plaquetas, esquizócitos nem consumo de anttrombina; Na hipofibrinólise, o diagnóstco é bastante difcil, visto que dosagem dos atvadores do plasminogênio e dos inibidores da fibrinólise é muito variável e sofre diversas interferências. O exame que sugere esse quadro é o tempo de lise da euglobulina alargado; No tratamento dos quadros de hiper fibrinólise, utlizam-se os antfibrinolítcos e, nos casos de hipo fibrinólise, antcoagulante oral.
- Procedimento cirúrgico; - Imobilidade prolongada (estar acamado ou passar >50% do dia deitado ou sentado, por mais de 72h); - Trauma; - Gestação e puerpério; - Uso de antconcepcional oral ou reposição hormonal; - Alguns quimioterápicos (talidomida, asparaginase); - Infecção grave; - Acidente vascular cerebral; - Infarto agudo do miocárdio.
Pessoas com fatores de risco que sejam expostas a situações de risco devem receber pro filaxia para tromboembolismo venoso.
Parte 5 Trombofilias Figura 21 - Tríade de Virchow
1. Introdução
A - Trombofilias hereditárias
A ocorrência de trombose está relacionada ao desequilíbrio de um dos fatores da chamada tríade de Virchow: estase sanguínea, lesão endotelial e hipercoagulabilidade (Figura 21). Exemplos comuns dessas situações são a cirurgia com longos períodos de imobilização (estase), as doenças hereditárias ou adquiridas com redução das substâncias que atuam na modulação da cascata de coagulação ou fibrinólise, como a deficiência de anttrombina (alteração da coagulação), e a arteriosclerose, que provoca alterações endoteliais severas (lesão endotelial). Em 80% dos casos de trombose, é possível identficar um fator de risco para o evento trombó tco e, em muitos casos, é possível detectar múltplos fatores.
Compreendem situações em que a trombose acontece por alteração de substâncias moduladoras da coagulação ou fibrinólise, herdadas por meio de mutação gené tca, associada ou não a fatores desencadeantes. Os pacientes, uma vez tendo apresentado um episódio de trombose, poderão necessitar de antcoagulação por toda a vida, a depender das circunstâncias nas quais a trombose ocorrer. As trombo filias hereditárias mais prevalentes são presença do fator V deLeiden e da mutação do gene da protrombina, que compreendem juntas 50 a 60% dos casos. As trombofilias hereditárias mais associadas a eventos trombótcos, em ordem decrescente, são homozigose para o fator V de Leiden, de ficiência de anttrombina e deficiência de proteína C.
Tabela 10 - Risco para tromboembolismo venoso - Idade >40 anos;
O estudo para a pesquisa de trombofilias hereditárias mais comuns consiste em pesquisa molecular do fator V de Leiden e da mutação do gene da protrombina, dosagem de anttrombina (AT), proteína C e proteína S, pesquisa molecular para a mutação da enzima me tlenotetra-hidrofolato-redutase (MTHFr) – hiper-homocisteinemia. Diante de um evento trombó tco, aqueles que devem ser investgados para trombofilia hereditária são: - Trombose idiopátca; - Trombose em indivíduos menores de 50 anos; - História familiar de trombose (em familiares com menos de 50 anos);
- Obesidade (IMC >35kg/m2); - Diagnóstco de trombofilia hereditária; - Varizes ou insuficiência arterial periférica; - Câncer; - Anemia falciforme ehemoglobinúria paroxístca noturna; - Insuficiência cardíaca congestva classe funcional III/IV; - História prévia de trombose; - Síndrome nefrótca;
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Trombose recorrente; Trombose em locais pouco comuns; - Associação de trombose venosa e arterial; - Tromboflebite migratória; - Púrpura fulminante; - Resistência à heparina. -
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a) Fator V de Leiden Trata-se de uma mutação genétca que resulta na formação de fator V mutante, resistente à inatvação pela proteína C. A resistência à proteína C atvada é um dos principais fatores de risco para o tromboembolismo venoso, sendo a mutação do fator V de Leiden uma das principais causas de resistência à proteína C. A presença da mutação aumenta o risco de doença trombótca em 3 a 10 vezes para portadores heterozigotos e em 80 vezes para homozigotos, e o risco aumenta quando associado a outros fatores de risco (u tlização de contraceptvos orais, gravidez, imobilização após cirurgias, traumatsmo ou doenças malignas). Essa mutação também favorece a ocorrência de abortos espontâneos, e descreve-se possível correlação com a síndrome microangiopátca, conhecida como síndrome HELLP. Estma-se que, no Brasil, tal gene esteja presente em cerca de 2 a 4% da população, e a detecção é feita por meio da pesquisa da mutação por biologia molecular. b) Deficiência da anttrombina Doença autossômica dominante, em que ocorre síntese reduzida do inibidor dos fatores IIa, Xa, XIa e IXa. Como a antcoagulação nos pacientes acometdos de trombose é feita inicialmente pela heparina não fracionada, caracteristcamente esses indivíduos têm maior dificuldade de alcançar níveis de antcoagulação, visto que a ação dessa heparina depende da AT. O diagnóstco é feito pela dosagem dos níveis da atvidade de AT sérica. c) Deficiência de proteína C Doença autossômica dominante que pode apresentar-se sob 3 formas clínicas característcas, além da trombose venosa profunda: - Tromboflebite superficial recorrente; - Púrpura fulminante neonatal: ocorre em recém-nascidos com deficiência grave, nos primeiros dias de vida, manifestando-se como tromboses venosa e arterial extensas e rapidamente progressivas, culminando em CIVD e falência de múltplos órgãos, caso não seja feita a reposição do fator deficiente; - Necrose cutânea induzida pela varfarina: necrose extensa e rapidamente progressiva que acontece nos primeiros dias de uso da varfarina (habitualmente, altas doses) em pacientes com de ficiência de proteína C, em razão do período transitório inicial de hipercoagulabilidade, visto que a proteína C é dependente da vitamina K;
O diagnóstco é feito pela pesquisa da a tvidade da proteína C sérica.
d) Hiper-homocisteinemia congênita Decorre da mutação gênica da enzima MTHFr, necessária para a formação da me tonina, a partr da homocisteína, na presença de cobalamina e metltetra-hidrofolato. Na deficiência dessa enzima, acumula-se a homocisteína, que é lesiva ao endotélio, predispondo a eventos trombótcos venosos e/ou arteriais, porém se observa que a reposição de vitaminas (B12, B6 e ácido fólico), com o obje tvo de diminuir o nível sérico de homocisteína, não tem bene fcio na prevenção secundária de eventos trombótcos.
B - Trombofilias adquiridas Gestação e puerpério: formam o principal exemplo de trombofilia adquirida. Estes, são associados ao risco de trombose 6 vezes maior em razão de diversos fatores: diminuição do nível sérico de proteína C, estase sanguínea pela compressão uterina, imobilização prolongada e obesidade; - Cirurgia e trauma:devido à exposição de grande quantdade de FT por lesão endotelial, imobilidade prolongada e patologia de base. O risco trombótco é bastante aumentado em pacientes submetdos a procedimento cirúrgico, principalmente cirurgias ortopédica, vascular, -
neurológica e oncológica. Outros fatores de risco que aumentam ainda mais o risco trombó populatco nessa ção são a idade, evento trombótco prévio, trombofilia hereditária, tempo cirúrgico e imobilização prolongada. Os pacientes devem receber profilaxia anttrombótca primária no período pós-operatório, pois, sem isso, o risco de trombose venosa profunda sintomátca e embolia pulmonar é bastante alto; - Neoplasias malignas: decorrentes da exposição de FT em células neoplásicas, levando à formação excessiva de trombina, manifestando-se como tromboflebite migratória (síndrome de Trousseau), endocardite trombótca não infecciosa ou CIVD crônica; - Deficiência adquirida da an ttrombina: decorre de consumo (CIVD, pré-eclâmpsia e eclâmpsia), diminuição de síntese (doença hepátca) e perda urinária (síntca); drome nefróadquirida Deficiência de proteína C: em razão de consumo em infecções graves, CIVD e pós-operatório; - Hiper-homocisteinemia: por deficiência de folato ou vitamina B12; - Anemias hemolítcas: hemoglobinúria paroxístca noturna (trombose venosa, principalmente no leito hepátco, ou arterial), anemia falciforme e talassemia; - Hiperviscosidade: plasmátca (mieloma múltplo, Waldenström), eritrocitária (policitemia vera), leucocitária (leucemia aguda) e plaquetária (trombocitemia essencial, mieloproliferação crônica); -
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HEMATOLOGIA Medicamentos: talidomida, L-asparaginase, bevacizumabe e antconcepcional oral/terapia de reposição hormonal; - Síndrome do antcorpo antfosfolípide (SAAF). -
Tabela 11 - Causas de hipercoagulabilidade Adquiridas - Câncer; - Doenças inflamatórias crônicas (RCU, lúpus); - Doenças mieloproliferatvas; - Pós-operatório; - Uso de antconcepcionais, gestação; - Síndrome do antcorpo antfosfolípide; - Trombocitopenia por heparina; - Deficiência de vitamina B12 ou de ácido fólico. Congênitas - Deficiência de anttrombina; - Fator V resistente à proteína C (fator V de Leiden); - Deficiência de proteína S; - Deficiência de proteína C; - Mutação do gene da protrombina; - Raros: disfibrinogenemia, plasminogênio mutante, hiper- homocisteinemia. -
SAAF (síndrome do antcorpo antfosfolípide)
Síndrome caracterizada por fenômenos trombótcos (venosos e/ou arteriais) e presença persistente de antcorpo antfosfolípide. Dentre as manifestações trombó tcas, consideram-se também as perdas fetais recorrentes. Dentre os an tcorpos antfosfolípides, têm-se o antcoagulante lúpico, antcardiolipina e ant-beta-2-glicoproteína I. O antcoagulante lúpico é uma IgM ou uma IgG autoimune, que provoca o prolongamento paradoxal do TTPa in vitro e que leva ao aumento do risco trombótco e a abortos de repetção. O TTPa prolongado, que não se corrige com a adição de plasma normal, com TP e fibrinogênio normais, é bastante característco. O tempo de Russel, realizado com veneno de cobra, é o teste mais específico. Os antcorpos antcardiolipina ou beta-2-glicoproteína I também podem ser IgM ou IgG e afetam diretamente a camada fosfolípide plaquetária, levando, paradoxalmente, à plaquetopenia e à trombose, por atvação das plaquetas e formação de microcoágulos. Também está associada a abortamentos de repetção, por microtrombos placentários. A SAAF geralmente é idiopátca, mas pode estar associada a lúpus, neoplasia, infecções ou drogas.
C - Tratamento dos eventos trombótcos a) Heparina A heparina é uma substância que atua ampliando em 1.000 a 4.000 vezes a capacidade inibitória da an ttrombina.
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A não fracionada (HNF) inibe os fatores IIa, Xa, IXa, XIa, sendo necessário o controle do nível terapêutco por meio do TTPa (manter entre 1,5 e 2 vezes o valor basal). A de baixo peso molecular (HBPM – enoxaparina, dalteparina, tnzaparina, nadroparina) inibe apenas os fatores IXa, Xa e XIa, não necessitando do controle com o TTPa, mas, em casos especiais, como obesidade e insu ficiência renal, de monitorização por meio da dosagem do fator an t-Xa. A heparina deve ser iniciada imediatamente diante de um episódio agudo de trombose. Como complicação desse tratamento, podem-se sangramento Trombocitopenia Induzida pela Heparinater(TIH). Em casose de sangramento, está indicada a interrupção do tratamento até ser resolvida a causa. Em caso de sangramento severo, pode-se utlizar a protamina, um andoto da heparina. A TIH ou HIT acontece em 2 a 5% dos pacientes que recebem heparina, é imunologicamente mediada e inicia entre o 4º e o 10º dias de uso. Mais associada à HNF, sendo rara em HBPM. A TIH está relacionada a eventos trombó tcos com potencial risco de vida. Sua patogenia é explicada por um mecanismo imune, em que os pacientes desenvolvem antcorpos contra complexo heparina – fator-4-plaquetário. Uma vez presentes, os antcorpos promovem atvação plaquetária por meio dos seus receptores Fc. As plaquetas liberam mais fator-4-plaquetário, uma proteína encontrada nos seus grânulos alfa que possui alta a finidade de ligação com a heparina. Essa ligação forma um complexo multmolecular heparina/fator-4-plaquetário, que é o alvo antgênico dos antcorpos formados. A ligação dos antcorpos aos angenos se dá na superfcie das plaquetas e das células endoteliais, resultando em agregação e destruição plaquetária, e lesão das células endoteliais. Consequentemente, ocorrem atvação da cascata da coagulação e aumento na síntese de trombina. Todos esses fatores aumentam o risco de complicações tromboembólicas, sendo os mais frequentes os tromboembolismos venosos, especialmente trombose nos membros inferiores e embolia pulmonar. As complicações arteriais geralmente envolvem as grandes artérias dos membros inferiores, levando à isquemia aguda das extremidades. Diante da suspeita de TIH (diminuição de pelo menos 50% da contagem plaquetária basal do paciente, sem justficatva),
é mandatória a suspensão imediata da heparina. A contagem de plaquetas geralmente se normaliza após 7 a 10 dias da interrupção. Entretanto, só a sua suspensão não é suficiente, devendo ser insttuída nova antcoagulação, pelo alto risco trombó tco, até que a contagem plaquetária se normalize. A HBPM não é recomendada como alternatva para antcoagulação na TIH, por apresentar rea tvidade cruzada in vitro com os antcorpos formados em mais de 90% dos casos. Antcoagulantes orais também não devem ser usados como substtutos da heparina: apresentam um lento início de ação e promovem uma queda dos níveis de pro-
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teína C que, associada ao aumento na geração de trombina já existente nesses pacientes, coloca-os em um risco maior de complicações tromboembólicas. Seu uso tem sido associado à gangrena venosa de extremidades. A terapia com antcoagulante oral deve ser postergada até que a trombocitopenia seja resolvida. Em virtude da partcipação da trombina na patogênese da TIH, a alternatva ideal para antcoagulação deve incluir uma droga que reduza a síntese/ação de trombina. Entre essas drogas estão os inibidores diretos da trombina, a hi-
de tratamento, concomitantemente ao início da heparinização, após se obterem os valores basais de TP (RNI) e TTPa. A dose atualmente preconizada é de 1 comprimido de 5mg 1x/dia, em jejum, com controle periódico do RNI nos primeiros dias de tratamento para ajuste da dosagem. Uma vez que as proteínas C e S são an tcoagulantes naturais também dependentes da vitamina K, pode haver uma diminuição mais acentuada dessas proteínas por ocasião do início da antcoagulação oral, precipitando eventos trombótcos, até que todos os fatores vitamina K-dependentes
rudina e o argatrobana, e um inibidor indireto da trombina, o danaparoide. O tratamento dos episódios agudos de trombose, obviamente, baseia-se na antcoagulação. Exceto nos casos de plaquetopenia por heparina, sugere-se usar uma forma de heparina (não fracionada ou de baixo peso molecular) nos primeiros 2 a 5 dias, podendo-se iniciar o antcoagulante oral (varfarina sódica, por exemplo) concomitantemente, e retrando-se a heparina após ação evidente do cumarínico (prolongamento de TP, com INR acima de 2, por pelo menos 2 dias consecutvos).
t estejam diminuídos. casos caracteris cursam com necrose de peleTais e subcutâneo, sendocamente especialmente comum em pacientes com de ficiência hereditária de proteína C ou proteína S e também nos portadores da síndrome do antcorpo antfosfolípide. Essa complicação deve ser tratada com suspensão da varfarina, administração de vitamina K e heparinização plena. Nos casos severos, pode-se administrar proteína C recombinante. As complicações decorrentes de sangramento em consequência da antcoagulação excessiva (RNI >3) devem ser tratadas com reposição de vitamina K e, se houver sangramento com risco de vida, transfusão de plasma fresco congelado ou infusão do complexo protrombínico atvado (Tabela 12).
b) Antcoagulantes orais A classe de drogas genericamente conhecida como agentes cumarínicos compõe o arsenal terapêu tco u tlizado para a antcoagulação em longo prazo nos pacientes com TEV. Tais drogas agem no fgado, inibindo a gama-carboxilação dos resíduos de ácido glutâmico da região N-terminal dos fatores da coagulação dependentes da vitamina K (fatores II, VII, IX, X, proteínas C e S), por meio do bloqueio da ação da enzima vitamina K-redutase, importante na redução da vitamina K da forma inatva para a forma atva. São absorvidas no intestno e transportadas no plasma por meio de ligação à albumina. O metabolismo acontece também no fgado, e a droga é excretada sobre forma hidroxilada na urina. A alta sensibilidade do teste de protrombina para detectar redução nos fatores que são dependentes de vitamina K é o racional para o seu uso na monitorização dessa classe de medicamento. Existem 2 tpos de cumarínicos comercialmente disponíveis no Brasil: a varfarina (Marevan®) e a femprocumona (Marcoumar®). A varfarina tem vida média de 35 horas, e a femprocumona, de 4 a 5 dias. Pela menor meia-vida plasmátca da varfarina, tal droga apresenta melhor per fil para utlização clínica, com menores riscos de superdosagem e controle mais fácil da antcoagulação, justficando sua maior utlização nos ensaios clínicos em todo o mundo. Os fatores da coagulação dependentes da vitamina K também têm diferentes meias-vidas, sendo a mais curta a do fator VII (6h). As meias-vidas mais longas dos fatores IX (24h), X (25 a 60h) e II (50 a 80h) são as responsáveis pela latência no efeito terapêu tco dos antcoagulantes orais. No tratamento da TEV, a varfarina deve ser iniciada no 1º dia
Tabela 12 - Tratamento da antcoagulação excessiva INR
Conduta
3
Interromper por 1 dia e diminuir as doses subsequentes, monitorizar frequentemente até alcançar dose ideal.
5 ≤INR <9 sem sangramento
Suspender o medicamento até o INR ideal , tr o administrar vitamina K 2,5mg VO e repe INR em 24h. Ajustar as doses subsequentes do antcoagulante.
INR ≥9 sem sangramento
Suspender o medicamento, administrar vitamina K, 5 a 10mg VO. Repetr o INR em 24h e ajustar doses subsequentes.
Suspender antcoagulante, administrar vitaSangramento mina K 10mg IV e complementar com plasma excessivo indefresco congelado, complexo protrombínico ou pendente do fator VII atvado, a depender da urgência e das INR condições do paciente.
São inúmeros os fatores que interferem na dose ideal de cada paciente: fatores genétcos (alguns pacientes metabolizam muito lentamente os antcoagulantes orais, necessitando de doses extremamente baixas), alimentação (alimentos que contenham vitamina K) e diversos medicamentos (alteram o metabolismo da vitamina K e do antcoagulante oral). A utlização connua de antcoagulantes orais tem várias indicações (Tabela 13), porém os critérios variam entre as diferentes insttuições. A avaliação cuidadosa do risco trombótco de cada paciente e da resolução ou persistência dos fatores capazes de desencadear a trombose são os elementos fundamentais da u tlização racional dessa terapêutca.
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HEMATOLOGIA Tabela 13 - Indicação para uso con nuo de antcoagulantes orais Indicação
Intervalo de INR ideal
Profilaxia de TVP para cirurgia de alto risco
2a3
Critério clínico
Tratamento de TVP: 1º episódio
2a3
3a6meses
Alto risco de recorrência de TVP Trombose por síndrome
Duração
2a3
Todaavida
2a3
Todaavida
antfosfolípide Tratamento de embolia pulmonar: 1º episódio
2a3
3a6meses
Alto risco de embolia recorrente
2a3
Todaavida
Prevenção de embolia sistêmica: prótese valvar biológica
2a3
3meses
IAM (se indicado, prevenir embolia sistêmica)
2a3
Critério clínico
Doença valvar cardíaca (após evento trombótco ou se o átrio esquerdo for >5,5cm).
2a3
Todaavida
Fibrilação atrial: Crônica ou intermitente
2a3
Todaavida
Cardioversão
2a3
Próteses valvares aórtcas: mecânicas
Resumo Quadro-resumo Hemostasia primária - Elementos fundamentais: parede vascular, plaquetas e fator de von Willebrand; - Quadro clínico: sangramento mucocutâneo espontâneo ou pós-traumas leves (petéquias, equimoses), imediatamente após o trauma, predomina no sexo feminino; - Avaliação laboratorial:tempo de sangramento, contagem plaquetária, teste de agregação plaquetária, dosagem do fator de von Willebrand e cofator de ristocetna. Púrpura de Henoch-Schönlein - Epidemiologia: predomínio em crianças; - Quadro clínico: púrpura palpável simétrica nos membros inferiores e nádegas, artralgias, artrite, dor abdominal; - Complicação: nefrite, intussuscepção intestnal; - Diagnóstco: quadro clínico. Complementação em caso de dúvida: biópsia – vasculite leucocitoclástca, depósito de IgA/C3; - Tratamento: autolimitado, suporte clínico, cortcoide para casos complicados ou não responsivos. Púrpura trombocitopênica idiopátca
2a3
3 semanas semanas depois antes e 4 da cardioversão, se o ritmo sinusal foi mantdo Todaavida
Próteses valvares aórtcas: biológicas
2a3
Próteses valvares trais: mecânicas
mi-
2a3
Todaavida
Próteses valvares trais: biológicas
mi-
2a3
3meses
Critério clínico (3 meses)
c) Outros antcoagulantes Existem outros anticoagulantes que podem ser utilizados no tratamento da trombose, uns não disponíveis no Brasil (inibidores diretos da trombina: hirudina, argatrobana; inibidores do Xa: fondaparinux, idraparinux), outros em estudo (inibidores do fator VIIa, inibidores do fator IXa). No Brasil, existem antcoagulantes disponíveis para profilaxia primária de trombose em algumas situações (cirurgias ortopédicas), mas ainda não foram liberados para uso no tratamento da trombose, aguardando estudos. São exemplos os novos antcoagulantes orais: a rivaroxibana (inibidor do fator Xa) e a dabigatrana (inibidor direto da trombina), que apresentam como vantagem sobre os cumarínicos o fato de não necessitarem de monitorização labo-
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ratorial, vantagem sobre as HBPM a administração oral, e a desvantagem de não apresentar an doto específico nos casos de sangramento.
- Epidemiologia: causa mais comum de plaquetopenia em adultos e crianças. Em crianças, é comum após infecção viral ou vacina; - Quadro clínico: bom estado geral, apenas petéquias ou sangramento mucoso, sem sintomas sistêmicos; - Diagnóstco: diagnóstco de exclusão, afastar outras causas de plaquetopenia: infecções virais (principalmente HIV e HCV), outras doenças autoimunes, medicamentos, microangiopa ta e doença medular. Dez por cento dos casos podem apresentar anemia hemolítca associada (síndrome de Evans). Alguns podem apresentar anemia ferropriva. A leucometria é normal. Antcorpo antplaqueta: baixa sensibilidade e especificidade; - Tratamento: apenas se plaquetas <30.000 ou sangramento tavo. Primeira linha: cortcoide. Em pacientes refratários: pulsoterapia com altas doses de cortcoide, imunoglobulina, esplenectomia, rituximabe, azatoprina e outros imunossupressores associados ou não aos es tmuladores da plaquetogênese. As crianças podem apresentar remissão espontânea em 80% dos casos. Púrpura trombocitopênica trombótca - E tologia: deficiência ou inibição da metaloprotease ADAMTS 13; - Quadro clínico: pêntade: febre, plaquetopenia, anemia hemolítca microangiopátca, sintoma neurológico e insuficiência renal; - Diagnóstco: quadro clínico + esquizócitos no sangue periférico, aumento de DHL e exclusão de outras causas de microangiopata;
HEMOSTASIA E TROMBOSE
Púrpura trombocitopênica trombótca
Trombocitopenia induzida pela heparina
- Tratamento: plasmaférese; - Diagnóstcos diferenciais principais: CIVD, síndrome HELLP, SHU, eclâmpsia, hipertensão maligna e vasculite.
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Hemostasia secundária
O L O T A M E H
- Elementos fundamentais:fatores de coagulação, cálcio, fosfolípides e vitamina K; - Quadro clínico: hematomas profundos, principalmente hemartroses, tardio após o trauma. História familiar comum com predomínio no sexo masculino. Alterações hereditárias - Hemofilia A: ligada ao X - afeta o sexo masculino, TTPa alargado, deficiência de fator VIII. A mais comum; - Hemofilia B: ligada ao X - afeta o sexo masculino, TTPa alargado, deficiência de fator IX; - Hemofilia C: autossômica, acomete homens e mulheres, princificiência de fator palmente judeus Ashkenazi, TTPa alargado, de XI. CIVD - Desencadeadores:infecção (meningococcemia), trauma grave, neoplasias, doenças obstétricas, doença vascular, LMA M3. - Diagnóstcos diferenciais: Hiperfibrinólise
PTT
Variável
primária Normal
↓
↓
Normal ou ↑
↓
Normal
PDF
↑
↑
↑
Normal
D-dímero
↑
↑
↑
Normal
Antitrombina
Presente
Normal
Normal
Normal
Esquizócitos
↓
Presente
Ausente
Presente
Teste euglobulina
↓
Normal
↓
Normal
TP/TTPa
↑
Normal
Normal
Normal
CIVD aguda
CIVD crônica
↓
Fibrinogênio
Teste Plaqueta
Deficiência de vitamina K - Fatores dependentes:II, VII, IX, X, proteína C e S; - Fatores de risco:alcoolista crônico, doença intestnal, antbiótcos, nutrição parenteral, lactentes e dicumarínico; - Diagnóstco: alargamento do TP corrigido com mistura 50%. Trombocitopenia induzida pela heparina - Diagnóstco: diminuição de 50% do valor basal do paciente 4 a 10 dias após o início da heparina (mais a HNF que a HBPM); - Quadro clínico: necrose cutânea, trombose venosa ou arterial – principalmente dos membros inferiores e extremidades; - Conduta: suspender heparina, antcoagular com inibidor direto da trombina.
91
HEMATOLOGIA
CAPÍTULO
7
Visão geral das neoplasias hematológicas Fernanda Maria Santos / Marcos Laercio Pontes Reis
1. Introdução Existe uma larga variedade de neoplasias do tecido hematopoétco, que inclui leucemias, linfomas, neoplasia de células plasmátcas, neoplasias mieloproliferatvas, tumor histocítco e neoplasia de células dendrí tcas. A classificação das neoplasias hematológicas foi atualizada pela Organização Mundial de Saúde em 2008 e leva em consideração aspectos clínicos, histológicos, histoquímicos, citogenétcos e moleculares. Esta introdução objetva apenas sistematzar as neoplasias hematológicas, com o intuito de facilitar a compreensão das patologias mais comuns.
Figura 1 - Esquema de hematopoese
92
VISÃO GERAL DAS NEOPLASIAS HEMATOLÓGICAS
Seguindo a hematopoese fisiológica, podem-se classificar as neoplasias hematológicas em mieloides ou linfoides, e cada uma delas pode ser subdividida em aguda ou crônica, a depender da proporção de células morfológicas e imunofenotpicamente imaturas na medula óssea.
2. Neoplasias mieloides Resultam de alterações no precursor mieloide. O tpo de mutação resulta nos mais variados fenó tpos, com capacidade de maturação da célula neoplásica e taxa de proliferação distntas. Tabela 1 - Principaistpos de neoplasia com srcem em precursor mieloide Tipo Característca diagnóstca Neoplasia mie- Leucemia mieloide loide aguda aguda Síndrome mielodisplásica Neoplasia mieloproliferatva crônica (poNeopla- licitemia vera, tromsia mie- bocitemia essencial, loide mielofibrose, leucemia crônica mieloide crônica) Síndrome mieloproliferatva/mielodisplásica (leucemia mielomonocítca crônica, leucemia mielomonocítca juvenil, leucemia mieloide crônica apica)
≥20% de células imaturas na
medula óssea, com característcas mieloides Característcas morfológicas de displasia em 1 ou mais linhagens celulares + hipercelularidade medular + citopenia no sangue periférico Hipercelularidade medular + geralmente hipercelularidade periférica de 1 ou mais linhagens
Não classificada nas anteriores
Podem resultar de alteração em células da linhagem linfoide B, da linfoide T ou ainda da linfoide NK. A classi ficação da neoplasia linfoide é determinada pelo ponto da maturação do linfócito em que ocorreu a alteração, sendo basicamente dividida em linfoproliferação de células precursoras (imaturas) e linfoproliferação de células maduras. - Neoplasia de células precursoras: a alteração neoplásica ocorre em uma célula linfoide precursora B ou T, srcinando 4 tpos de linfoproliferação. Tabela 2 - Principaistpos de neoplasia com srcem em precursor linfoide Característca diagnóstca
Leucemia linfoide aguda T
Neoplasia de células maduras: - Linfoma Não Hodgkin (LNH): a maturação dos linfócitos acontece nos órgãos linfoides e depende da exposição a angenos. Os estágios de maturação do linfócito acontecem em diferentes locais da estrutura linfoide (zona marginal, zona de manto, centro germinatvo). A cada estágio da maturação, os linfócitos ganham ou perdem marcadores de superfcie, conhecidos como CD (Cluster Differentaton), por meio dos quais é possível identficar o ponto de maturação no qual aquele linfócito se encontra e dar nome ao linfoma. O processo de maturação dos linfócitos B resultará na formação dos plasmócitos, para síntese de antcorpos, e o processo de maturação dos linfócitos T resultará na síntese de linfócito T-helper, supressor e citotóxico. Desta forma, pode-se entender a classificação morfológica e imuno-histoquímica dos LNH maduros: Tabela 3 - Principaistpos de linfomas não Hodgkin LNH B maduro - Leucemia linfoide crônica; leucemia pró-linfocí tca; linfoma linfocítco; - Linfoma difuso de grandes células B;
3. Neoplasias linfoides
Leucemia linfoide aguda B
Característca diagnóstca Linfoma lin- Adenomegalias com estudo anatomopatológico e foblástco B imuno-histoquímico demonstrando células linfoiLinfoma lin- des imaturas B ou T, respectvamente, com <20% foblástco T de células imaturas na medula óssea.
≥20% de células imaturas na medula óssea, com característca linfoide B ou T, respectvamente.
- Linfoma folicular; - Linfoma de células do manto; - Linfoma de Burki; - Linfomas da zona marginal: extranodal tpo(MALT); esplênico, nodal; - Tricoleucemia; - Linfoma linfoplasmocítco; - Plasmocitoma/mieloma múltplo. LNH T/NK maduro - Leucemia pró-linfocítca T; - Linfoma de células T/NK; - Micose fungoide e síndrome de Sézary; - Linfoma T periférico; - Linfoma angioimunoblástco; - Linfoma angiocêntrico; - Linfoma/leucemia de células T do adulto (ATLL); - Linfoma de grandes células anaplásico. -
Linfoma de Hodgkin: também é uma neoplasia linfoide B madura, com srcem no centro germina tvo, que se diferencia do LNH por apresentar a célula de Reed-Stemberg ou suas variantes – célula neoplásica de morfologia partcular; além de apresentar comportamento clínico distnto, acometendo diferentes faixas etárias e com melhor resposta terapêutca.
93
IA G O L O T A M E H
HEMATOLOGIA
CAPÍTULO
8 1. Introdução A - Introdução As leucemias agudas formam um grupo heterogêneo de doenças que apresentam a proliferação de um clone maligno srcinado do stem cell hematopoétco, com produção de células imaturas que perderam a capacidade de diferenciação (chamadas blastos). Esses blastos in filtram a medula óssea e, progressivamente, o sangue periférico, ocasionando redução na produção de células sanguíneas normais. A perda da função normal da medula óssea leva às complica-
Leucemias agudas Marcos Laercio Pontes Reis / Fernanda Maria Santos
hematopoétco sem motvo aparente, resultando em proliferação maligna (sem controle) da célula anômala. Dentre as alterações genétcas envolvidas nesse processo, podem-se citar mutação em oncogene e perda de gene supressor tumoral, com alteração de processos regulatórios do controle e da diferenciação celular (Figura 1). Essas células perdem a capacidade de diferenciação celular, produzindo um número elevado de células imaturas (“blastos”) na medula óssea, que vão para o sangue periférico e podem infiltrar outros órgãos (sistema retculoendotelial, sistema nervoso central e outros tecidos).
ções das leucemias agudas: infecções, sangramento e anemia. Se a proliferação clonal for de um precursor mieloide (que srcina granulócitos, eosinó filos, basófilos, monócitos, hemácias e plaquetas), a doença será chamada Leucemia Mieloide Aguda (LMA); caso os blastos tenham srcem em precursor linfoide (que resultam em linfócitos B, T, células NK e plasmócitos), é denominada Leucemia Linfoide Aguda (LLA). Em ambos os casos, são doenças fatais e rapidamente progressivas se não insttuída terapêutca imediata. A incidência anual de novos casos é de cerca de 8 a 10 por 10.000 habitantes, representando cerca de 3% dos cânceres na população em geral. A LLA é o câncer mais comum da infância – 20 a 30% dos casos de neoplasia e 75 a 80% dos casos de leucemia, incidindo principalmente na faixa etária de 2 a 10 anos, com excelente prognóstco, alcançando 80% de índices de cura. No adulto, incide a uma taxa de 20%,em com5 prognós maisneoplasia reservado, alcançando sobrevida tcoessa anos de 50%. A LMA, por sua vez, representa somente cerca de 10% das leucemias em crianças menores de 10 anos, e, 80% em adultos, aumentando gradatvamente a incidência de acordo com a idade (metade dos casos acontece em pacientes com menos de 50 anos).
B - Patogênese A maioria das leucemias agudas acontece “de novo”, ou seja, em consequência da mutação genétca de um precursor
94
Figura 1 - Genétca das leucemias
A Célula-Tronco Hematopoétca (CTH) dá srcem, por meio de diversos esmulos, ao mieloide progenitor; tanto este quanto a própria CTH, porém, podem sofrer mutações em seu material gené tco, atvando oncogene antes silencioso. Dessa forma, existe parada de maturação das células (que não mais produzem células maduras, como o granulócito), aumentando somente as formas imaturas (blastos),
LEUCEMIAS AGUDAS
resultando na LMA. Para LLA o raciocínio é o mesmo, porém com células progenitoras linfoides. No entanto, sabe-se que alguns fatores genétcos e ambientais estão associados a uma “predisposição” ao aparecimento dessas neoplasias, principalmente das LMAs, entre eles: - Fatores genétcos: anemia de Fanconi, síndrome de Down (trissomia 21), síndrome de Patau (trissomia 13) e síndrome de Klinefelter (XXY); -
A I G
O L O T A M E H
Fatores ambientais: exposição a agentes potencialmente mutagênicos, como irradiação, derivados de benzeno, solventes orgânicos, agentes alquilantes e epipodofilotoxinas (usada para o tratamento de outras neoplasias, como etoposídeo, teniposídeo);
-
Doenças adquiridas: mielodisplasia, doenças mieloproliferatvas crônicas, hemoglobinúria paroxístca noturna e anemia aplástca.
C - Classificação
Figura 2 - Bastonete de Auer
As LMAs ditas “do meio” são as de bom prognós tco (M2, M3 e M4); as demais, em contrapar tda, são de mau prognóstco.
A distnção das linhagens celulares mieloide e linfoide pode ser feita por diferentes métodos: morfológico, citoquímico, imunofenopico, citogenétco e molecular. Com relação à classificação, manifestação clínica e tratamento, serão vistas, separadamente, as leucemias mieloides e linfoides.
B - Citoquímica
2. Leucemia mieloide aguda
damentada na utlização dos métodos citoquímicos. Os blastos positvos para os métodos de Sudan Black B (SBB) e mieloperoxidase (MPO) são característcos da linhagem mieloide.
A - Morfologia celular Blastos mieloides apresentam, em grande parte dos casos, citoplasma claro, abundante e frequentemente granular. Os grânulos, quando agrupados, formam os chamados bastonetes de Auer (patognomônico do blasto mieloide), formando estruturas longas e fusiformes (Figura 2). Encontram-se, em grande parte das LMAs, característcas morfológicas sugestvas da linhagem afetada (por exemplo, células de aspecto monocitoide nas leucemias mielomonocítcas, ou promielócitos anômalos na leucemia promielocítca aguda), classificando-se assim as LMAs em (Classificação FAB – Franco-Americano-Britânica, mais u tlizada atualmente): - MO: LMA com mínima diferenciação (nesse caso, não se consegue morfologicamente diferenciar LMA de LLA pela ausência de diferenciação celular);
Colorações específicas, capazes de aproveitar a atvidade enzimátca celular, podem ser utlizadas para a diferenciação das linhagens celulares e foram amplamente adotadas até a difusão dos métodos de imunofenotpagem. A classificação mais difundida até hoje, a chamada Classificação FAB, foi fun-
C - Imunofenotpagem A citometria de fluxo é um método que u tliza antcorpos monoclonais marcados comfluorescência para analisar padrões de expressão de an genos (Cluster Differentaton – CDs) em populações celulares de interesse. Existe um tpo de antcorpo monoclonal para cadatpo de CDs; caso haja ligação CD X antcorpo, pela capacidadefluorescente deste, existe a emissão de luz que é registrada por um aparelho especial, o citômetro, o qual traduz estes sinais em grá ficos. Da avaliação destes gráficos, ou seja, da positvidade ou negatvidade dos diferentes CDs, surge o diagnós tco específico da linhagem acometda. Esse método é mais preciso que a citoquímica, e foi incorporado ao diagnós tco, classificação, prognóstco e, em alguns casos, monitoramento das leucemias agudas.
-
M1: LMA sem maturação;
-
M2: LMA com maturação;
-
M3: LMA promielocítca;
Blasto mieloide
CD 11, CD 13, CD 15, CD 33, HLA DR
-
M4: LMA mielomonocítca;
Promielócito
CD 11, CD 13, CD 15, CD 33
-
M5: LMA monocítca;
Blasto mielomonocítco
Mieloide + CD14
-
M6: eritroleucemia;
Eritroblasto
Glicoforina, espectrina, HLA-DR
M7: LMA megacariocítca.
Megacarioblasto
CD 41, CD 42, CD 61
-
Tabela 1 - Perfil imunofenopico básico das leucemias mieloides Imunofenótpo básico mais comum
95
HEMATOLOGIA D - Citogenétca Leucemias são doenças que apresentam alterações cromossômicas numéricas e/ou estruturais frequentes e, muitas vezes, específicas de determinados sub tpos, envolvendo genes que, uma vez alterados qualita tva ou quanttatvamente, atuam como fatores de iniciação e progressão neoplásicas. Anormalidades cromossômicas caracterizadas por translocações balanceadas e por perda e ganho de cromossomos são encontradas em mais de 65% dos casos. A avaliação pode ser feita pelo carió tpo convencional ou pelo método FISH (hibridização fluorescente in situ), e a aplicação clínica é de contribuição diagnóstca e prognóstca, já utlizada desde a classificação MIC para LMA: morfológica, imunofenopica e citogenétca. Na estratficação prognóstca, os achados no estudo citogenétco são divididos em carió tpo favorável, intermediário e desfavorável (Tabela 2). Como regra geral, as translocações carregam um bom prognóstco, enquanto as deleções e inversões (salvo se inversão 16) são de mau prognóstco. Tabela 2 - Estratficação de risco dos achados citogenétcos Risco
Cariótpo
Monossomia do 5 ou 7; del(5q), del(7q), t(6;9), anormalidade do 12p; 17p ou 11q23; trissomia do 8 ou 13 ou cariótpo complexo (definido como mais de 3 alterações).
E - Pesquisa genétca molecular A avaliação genética molecular, por meio do método PCR ( Protein Chain Reaction ) e RT-PCR ( Real Time – Protein Chain Reaction ), detecta a fusão gênica resultante da alteração cromossômica, sendo um método mais sensível de detecção das anormalidades conhecidas. De importante valor diagnóstico e prognóstico e, em algumas situações, utilizado para acompanhamento de resposta terapêutica. Recentemente, têm sido estudadas algumas mutações ou expressões gênicas com importância prognóstica, o que teve vital importância em especial nos pacientes com cariótipo normal. Observa-se que, dentre estes pacientes, alguns evoluem de forma melhor (com melhor resposta à quimioterapia e sem recidiva de doença) do que outros. Foi, assim, detectada por meio de pesquisa molecular, a presença de mutações de mau e bom prognóstico, justificando assim as diversas respostas deste grupo de pacientes: Tabela 3 - Alterações moleculares no cariótpo
Favorável t(8;21), t(15;17), inv(16)/t(16;16)/del(16q). Intermediário
Desfavorável
Normal, t(9;11), outras que não estão classificadas nos outros 2 grupos.
Mau prognóstco
Mutações FLT3 e cKIT.
Bom prognóstco
Mutações NPM1 e CEBPA.
Tabela 4 - Classificação FAB de LMA, frequência, cariótpo, prognóstco e rearranjo gênico Tipo
Cariótpo
Prognóstco
M1
Semmaturação
Descrição
Frequência 20%
-
Desfavorável
M2
Com maturação
30%
t(8;21)
M3
Promielocítca e var. microgranular
8%
t(15;17)
Bom
PML/RAR A
M4
Mielomonocítca
28%
Inv16
Bom
CEFB/MY HII
M5
Monocítca a) Sem maturação b) Com maturação
10%
Anormalidades do 11q23
Desfavorável
Rearranjo do MLL
M6
Eritroleucemia
4%
Desfavorável
M7
Megacarioblástca
<5%
M0
Minimamentediferenciada
-
<5%
Esta classificação que envolve característcas morfológicas, citoquímicas/imunofenopicas e cariopicas é a mais tradicional. Entretanto, a OMS em 2008 reformulou os critérios e nomenclatura da classificação da LMA. Esta classificação leva em conta, em especial, a alteração gené tca encontrada e a srcem da leucemia, como se observa na Tabela 5:
96
-
Bom
(1;22) T
Desfavorável
Inv(3)
Desfavorável
Rearranjo gênico
ETO/AML I
Tabela 5 - Classificação das LMAs segundo OMS (2008) Leucemia mieloide aguda com anormalidades citogené tcas recorrentes Este item engloba as leucemias com alterações cario picas clássicas, que virão, assim, como definidoras de doença: - LMA com t(8;21); RUNX1-RUX1T1; - LMA com inv (16) ou t(16;16); CBFB-MYH11; - Leucemia promielocítca aguda com t(15;17); PML-RARA; - Outros: LMA com t(9;11), LMA com inv (3); LMA (megacarioblástca) com t(1;22), LMA com mutação gênica (NPM1, CBPA).
LEUCEMIAS AGUDAS
Leucemia mieloide aguda com displasia multlinhagem (secundária a SMD e leucemia mielomonocítca crônica – LMMC) São as leucemias que derivam de mielodisplasia ou das chamadas síndromes mieloproliferatvas/mielodisplásicas, em que se encontra a LMMC. Estas entdades merecem uma classificação à parte, por seu curso extremamente agressivo e pouco responsivo aos tratamentos convencionais. Neoplasias mieloides relacionadas à terapia Aqui são englobadas as leucemias secundárias à quimioterapia ou radioterapia prévia de qualquer tpo; em especial, destacam-se os agentes alquilantes (como melfalana e ciclofosfamida) e inibidores da topoisomerase II (etoposídeo, daunorrubicina). Tal qual a LMA com displasia multlinhagem, estas neoplasias têm curso agressivo e prognóstco reservado. Sarcoma mieloide Corresponde ao exclusivo aparecimento de massa tumoral com predomínio de blastos ocorrendo em outros locais que não na medula óssea; excluem-se aqui os tumores mieloides em pacientes com LMA. Proliferações mieloides relacionadas à síndrome de Down Como a síndrome de Down confere risco aumentado para LMA na faixa etária infantl (em que classicamente predomina a LLA), a OMS optou por uma classificação à parte para esta entdade. Existe um aumento de incidência de leucemia megacarioblástca neste grupo. Leucemia mieloide aguda não especificada Este termo engloba a LMA que não apresenta alteração cariopica recorrente e tradicional; é basicamente a descrição da classificação FAB antga; por exemplo, LMA com mínima maturação (antga M0), LMA sem maturação (antga M1), e assim por diante.
F - Manifestações clínicas O quadro clínico das leucemias agudas é secundário à falência medular e à in filtração orgânica pelos blastos. A ocupação medular pelos blastos leva à de ficiência de produção de elementos normais do sangue, ocasionando anemia, neutropenia e plaquetopenia graves. Os sintomas associados são: -
-
-
Grandes contagens de leucócitos no sangue periférico, geralmente acima de 100.000/mm3, estão associadas ao aumento da viscosidade sanguínea e à síndrome de leucostase (caracterizada por len tficação e obstrução da microcirculação pelos blastos circulantes), que pode levar à insuficiência respiratória, alterações neurológicas graves (evoluindo muitas vezes para o coma ou o sangramento cerebral), priapismo e fenômenos trombó tcos. O mecanismo ainda não é bem compreendido, pois se evidencia falha na capacidade de reduzir os efeitos da leucostase apenas por meio da mecânica das células há casos emremoção que se instala a síndrome com(leucoaférese), contagens nãoetão elevadas de leucócitos. O tamanho, a deformabilidade e os receptores celulares, além da capacidade de liberação de citocinas pelas células neoplásicas, parecem estar relacionados ao quadro. Raramente, na LMA ocorre in filtração linfonodal ou hepatoesplenomegalia; quando presentes, a 1ª suspeita diagnós tca, após descartar LLA, é leucemia da série monocítca. A infiltração extramedular por blastos é conhecida como cloroma ou sarcoma granulocí tco. Os sí tos mais comuns são pele ( leukemia cu ts) e mucosa (hiperplasia gengival), mais frequentes na LMA de linhagem monocítca. O cloroma pode aparecer virtualmente em qualquer tecido, e é também descrito atrás dos olhos e na meninge (partcularmente, relacionado à LMA promielocí tca), epidural, ovário, intestno e medias tno. É pouco comum o seu aparecimento sem a detecção da doença medular, mas é possível (daí a classi ficação da OMS em separado de sarcoma mieloide), e o tratamento é o mesmo. Dor óssea, principalmente em esterno e ossos longos, é pouco comum em pacientes adultos com LMA, e correspondem à expansão leucêmica na cavidade medular. As leucemias apresentam, portanto, sintomas e sinais inespecí ficos, que podem simular o quadro clínico de muitas patologias: Artrite Reumatoide Juvenil (ARJ), febre reumátca, Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES), Púrpura Trombocitopênica Idiopátca (PTI), aplasia medular e mononucleose infecciosa, entre outras.
Astenia, dispneia aos esforços, palidez cutânea, taquicardia – por anemia, podendo chegar ao cor anêmico; Febre e infecções oportunístcas, como monilíase e micoses profundas – pela neutropenia severa e prolongada; “neutropenia febril”. É muito rara a manifestação de febre como sinal da própria leucemia, portanto, quando presente, deve ser investgada e tratada como secundária à infecção; Sangramentos: desde petéquias, equimoses e hematomas, passando por sangramentos de mucosas, até hemorragias cranianas ou pulmonares – pela plaquetopenia severa.
filtração leucêmica na LMA M5 Figura 3 - Hiperplasia gengival por in
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O L O T A M E H
HEMATOLOGIA ranjo PML/RARA, pode estar havendo translocações variantes, como t(5;17), t(11;17) ou outras que também respondem ao ATRA, exceto a t(11;17)(q23;q22).
Figura 6 - Promielócitos anômalos e faggot cells de LPA Figura 4 - Leukemia cú ts
3. Leucemia linfoide aguda A - Morfologia
Figura 5 - Cloroma retro-orbitário
Leucemia Promielocítca Aguda (LPA) ou LMA-M3 De acordo com a classificação FAB, a LMA-M3 representa de 10 a 15% das LMA. Pela classificação WHO, é conhecida como LMA t(15;17) com a fusão gênica PML/RARA. É uma variante clínica e biológica dis tnta das LMAs. Esse tpo de leucemia apresenta morfologia celular característca, com promielócitos anormais, núcleo excêntrico e abundantes granulações no citoplasma. Caracteriza-se também pela presença de múltplos bastonetes de Auer no citoplasma, formando feixes, dando a essas células a denominação de faggot cells (células com maços ou feixes) – Figura 6. Os indivíduos com LPA apresentavam alta taxa de mortalidade devido à coagulopata que lhe é característca, sendo por esse motvo uma emergência médica. Tal complicação é consequente à liberação de substâncias fibrinolítcas pelos grânulos dos promielócitos, que resulta em quadro de coagulação intravascular disseminada (CIVD). Os pacientes se beneficiam do uso do ácido transretnoico (ATRA), que leva à maturação dos blastos por ação direta no ponto de bloqueio induzido pela translocação, com diminuição dos promielócitos anômalos e consequente melhora da coagulopata. O uso do ATRA levou a LMA com t(15;17) a ser um dos subtpos mais curáveis, devendo este medicamento ser iniciado prontamente após a suspeita diagnós tca. Nas raras situações de LPA em que não se observa tal translocação (15;17) ou seu equivalente molecular, o rear-
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Os blastos de linhagem linfoide, por sua vez, geralmente são de dimensões menores que os mieloides e apresentam, em sua maior parte, citoplasma basó filo e sem granulações. Podem ser monomórficos ou pleomórficos, e não apresentam grânulos ou bastonetes de Auer. A classificação morfológica das LLAs em L1, L2 e L3, muito utlizada anteriormente, é pouco específica e não fornece dados precisos sobre o subtpo leucêmico e os índices prognós tcos. Deve-se destacar morfologia para a LLA L3, atualmente conhecida como LLA Burki, que tem vacúolos citoplasmátcos bastante característcos e prognóstco reservado (Figura 7). Tabela 6 - Classificação FAB de LLA Aspectos citológicos Tamanho da célula
L1 Células pequenas
Quantdade Escasso de citoplasma
L2
L3
Grande e Grande e homoheterogênea gênea Variável
Moderadamente abundante
Nucléolos
Não visíveis ou pequenos
1 ou + presentes e grandes
1 ou + presentes e proeminentes
Basofilia do citoplasma
Variável
Variável
Intensa
Vacuolização Variável citoplasmátca
Variável
Proeminente
Figura 7 - (A) LLA 1 e (B) LLA 3
LEUCEMIAS AGUDAS
B - Citoquímica Nas LMAs, o advento da imunofenotpagem, através de colorações capazes de aproveitar a a tvidade enzimátca celular, possibilita diferenciar as LMAs das LLAs (com exceção da LMA M0 e, algumas vezes, a M1). Os blastos linfoides são positvos para o ácido periódico de Schiff (PAS) e negatvos para MPO e sudan black.
Tabela 9 - Anormalidades citogené tcas em LLA e implicação prognós tca Grupoderisco
Anormalidades
Favorável
t(12;21) (p13;q22), hiperdiploidia (>50 cromossomos).
Intermediário
Normal.
Desfavorável
t(9;22), t(8;14), t(1;19), t (4;11), hipodiploidia (<50 cromossomos).
C - Imunofenotpagem
De forma semelhante às LMAs, a OMS organizou, no mesA determinação do CD na LLA é fundamental para: mo ano, a classificação LLA, mais uma vez levando em ex- Diferenciar linhagem linfocitária B da T; trema consideração as das alterações cario picas desta doença. - Determinar o ponto de parada de maturação do linfóTabela 10 - Classificação OMS para LLA (2008) cito neoplásico; - Diferenciar da linhagem mieloide, principalmente nos caLeucemia/linfoma linfoblástco B com anormalidades citogenétcas recorrentes sos de LMA M0 e M1 e, algumas vezes, LMA M6 e M7.
São fatores muito importantes para de finir critérios diagnóstcos, prognóstcos e auxiliar a indicação da terapêutca.
- Leucemia/linfoma linfoblástco com t(v;11q23); rearranjo MLL; - Leucemia/linfoma linfoblástco B com t(12;21); TEL-AML1; tco B com hiper(hipo)diploidia; - Leucemia/linfoma linfoblás
Tabela 7 - Perfil imunofenopico das leucemias linfoides B Marcador
- Leucemia/linfoma linfoblástco B com t(9;22); BCR-ABL1;
- Leucemia/linfoma linfoblástco B com t(5;14); IL3-IGH;
Pró-b
Bcomum
Pré-b
TdT
+
+
+
+/-
Leucemia/linfoma linfoblástco B não especificado
CD19
+
+
+
+
Leucemia/linfoma linfoblástco T
CD22 (C)
+/-
+
Bmadura
+
CD10 CD20
-
+ -/+
C
-
-+
SmIg
-
-
+
e) Pesquisa genétca molecular
+ +
-/+ +
-
+
-
TdT = Terminal desoxinucleotdil-transferase; CD22(c) = CD22 intracitoplásmica; Cμ = Cadeia μ citoplasmátca; Smlg = Imunoglobulina de superfcie; +/-: expressão variável, frequentemente positva; -: ausência de expressão do an geno; +: presença do angeno; -/+: expressão variável, frequentemente negatva. Tabela 8 - Perfil imunofenopico das leucemias linfoides T Marcador
T precoce ou Pró-T
T comum
CD7
+
+
CD2
-
+
(c) CD3
-/+
(a) CD1 (s)CD3
-
+ + +
-/+
-
CD4/CD8
T tardia
+
-
f) Quadro clínico Além do quadro clínico decorrente das citopenias (anemia, plaquetopenia e neutropenia), com fadiga, sangramentos e infecção, não é rara a ocorrência de sintomas B. Adenomegalia e hepatoesplenomegalia podem ser vistas em 50% dos pacientes ao diagnóstco. O envolvimento de sistema nervoso central é comum e pode ser acompanhado por sintomas de neuropae sintomas meníngeos. Os locais extranodais mais comumente acometdos são o SNC e o tesculo.
+ -/+
A principal pesquisa molecular nas LLAs é da fusão gênica BCR/ABL, correspondente à alteração cromossômica da t(9;22), que algumas vezes pode não ser detectada pelo método de cariótpo comum. O PCR e o RT-PCR são métodos mais sensíveis e inclusive utlizados para seguimento da resposta terapêutca, quando presente. Pacientes com essa alteração consttuem um grupo distnto no tratamento das LLAs.
ta de par craniano, hipertensão intracraniana, crise convulsiva
-
+
- Leucemia/linfoma linfoblástco B com t(1;19);E2A-PBX1.
+ Tabela 11 - Definição de sintomas B
D - Citogenétca
- Febre: temperatura >38°C;
- Emagrecimento (perda de peso > 10% do peso corporal em 6 Na LLA, anormalidades citogené tcas são encontradas em cerca de 60 a 85% dos casos; algumas delas apresentam impli- meses); cações prognóstcas importantes. Em 30% dos casos das LLAs - Sudorese noturna. nos adultos, encontra-se a translocação entre os cromossoA LLA-T é mais comum na infância tardia, nos adolesmos 9 e 22, formando o cromossomo Philadelphia(o mesmo da LMC), conferindo mau prognós centes e nos adultos jovens. Além dos sintomas já citatco a essetpo de LLA.
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O L O T A M E H
HEMATOLOGIA dos, par tcularmente apresenta adenomegalia cervical, supraclavicular e axilar, inclusive com massa medias tnal em 50 a 75% dos casos, cuja manifestação clínica é tosse seca (Figura 8). Como complicação desse quadro, é possível haver derrame pleural, derrame pericárdico (com ou sem tamponamento), obstrução traqueal ou compressão da veia cava superior. O sistema nervoso central e o tesculo, pela presença das barreiras hematoencefálica e hematotestcular, são considerados “santuários”, onde a quimioterapia tem maior dificuldade para infiltração, tornando esses locais possíveis fontes de recidiva se não tratados adequadamente. A presença de infiltração meníngea ou testcular sugere uma doença mais agressiva.
4. Leucemia linfoide aguda na infância O pico de incidência está entre os 2 e os 5 anos, com predomínio no sexo masculino. Na manifestação clínica, além dos sintomas inespecí ficos de astenia, inapetência, febre e sangramento cutâneo mucoso, destaca-se a dor óssea, par tcularmente em ossos longos, como consequência da in filtração leucêmica do periósteo, da metáfise, da região artcular ou ainda de osteonecrose asséptca por células leucêmicas. Acomete de 20 a 30% das crianças, e, em metade dos casos, é possível encontrar imagem radiológica: a tarja leucêmica (imagem radiotranslúcida na região metafisária), periostte, osteólise e osteoporose. É importante salientar que a tarja leucêmica não é patognomônica da leucemia aguda e que, em casos bastante precoces (raro), o hemograma pode ser normal, com manifestação exclusiva de dor osteomuscular. É diagnóstco diferencial importante da artrite reumatoide e febre reumátca. Toda criança com dor osteomuscular e alteração no hemograma deve ser avaliada quanto à possibilidade de leucemia aguda. Alguns fatores prognóstcos são partculares da criança e importantes para a decisão terapêu tca, para tentar preservar aqueles de baixo risco dos efeitos tóxicos do tratamento e realizar tratamento mais agressivo nos de alto risco. Tabela 12 - Fatores prognóstcos da LLA na infância Risco Fatores Baixo Standard
- Hiperdiploidia ou trissomia do 4, 10 ou 17; - t(12;21). - Leucócitos <50.000; - Idade entre 1 e 9,9 anos. - Idade >10 anos;
A
Alto
- Leucócitos >50.000; - t(1;19); - LLA-T. - T (9;22) ou t(4;11);
Muito alto - Idade <1 ano; - Tempo >4 semanas para resposta à quimioterapia.
t
5. Diagnós co O diagnóstco das leucemias agudas é feito por meio da
B Figura 8 - Massa mediastnal anterior na LLA-T; (A) ao raio x e (B) na tomografia computadorizada
100
detecção maior que 20% de blastos no sangue ou na medula óssea, pelos novos critérios da OMS (em detrimento à já an tquada classificação FAB, que considerava como ponto de corte 30% de blastos). O exame que possibilita esse diagnóstco é o mielograma. Para “medulas secas”, em que a aspiração de sangue medular durante o mielograma não é produtva (dry tap), a infiltração deve ser con firmada por análise histológica do tecido (biópsia de medula óssea). Esses casos têm como diagnóstcos diferenciais as aplasias medulares e a mielo fibrose.
LEUCEMIAS AGUDAS
Exceção se faz às leucemias com alteração citogené tca t(8;21), t(15;17) e inv(16) e ao sarcoma granulocítco, que independem da contagem de blastos. Para a definição de linhagem acometda e do subtpo de leucemia, utliza-se da imunofenotpagem, citogenétca e pesquisa molecular, conforme explicado nos itens anteriores. Outras alterações laboratoriais frequentemente encontradas são: a) Hemograma -
Citopenias: plaquetopenia, anemia e leucopenia; Leucocitose, à custa de blastos, promielócitos anômalos ou monócitos; - Eritroblastose (rara). -
b) Bioquímica - Hiperuricemia, acidose metabólica, hiperpotassemia ou hipopotassemia, hipocalcemia, hiperfosfatemia, aumento de ureia e creatnina, elevação de enzimas hepátcas, DHL aumentada (principalmente nas LLAs); - Partcularmente, na LMA promielocí tca (M3): alargamento de TP e TTPa, diminuição do fibrinogênio. c) Urinálise Hematúria, cilindrúria, pH ácido, cristais de urato. São necessários ainda, em alguns casos, outros exames complementares, a depender dos sintomas, com o intuito de avaliar o comprome tmento de outros órgãos e sistemas: - Radiografias, ultrassonografia, tomografia e ressonância magnétca; - Liquor com pesquisa de células neoplásicas – em todas as LLAs e nas LMAs que apresentem sintoma em SNC; - Avaliação de fundo de olho – nas suspeitas de leucostase; - Biópsia testcular: para avaliação de in filtração em tesculo; - Atualmente, é imprescindível, para o correto diagnós tco e o manejo terapêutco das leucemias agudas, mielograma ou biópsia de medula óssea, imunofenotpagem e cariótpo (ao menos, pelo método convencional).
6. Prognóstco e evolução Como em todas as neoplasias, as LMAs e LLAs apresentam fatores prognóstcos que contribuem para a decisão terapêutca, mais ou menos agressiva, e para a dis tnção daqueles que alcançarão resposta completa, sustentada ou não. Tabela 13 - Fatores prognóstcos das LMA Favorável Idade<50anos
Desfavorável Idade>60anos
Leucócitos <30.000
Leucócitos >30.000
Performance statusECOG <2
Performance statusECOG >2
Favorável
Desfavorável
Citogenétcafavorável
Citogené tca desfavorável
Alteração molecular: NPM1, CEBPA
Alteração molecular: FLT3/ITD, MLL
LMA“denovo”
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LMAsecundária
Ausência da expressão de MDR Presença de MDR MDR: proteína de resistência a mul tdrogas, que confere maior resistência aos quimioterápicos; LMA “de novo”: sem patologia prévia que predispõe à leucemia; LMA secundária: existe previamente alguma patologia que predisponha à leucemia, como síndrome mielodisplásica, mieloproliferação crônica ou tratamento com quimioterapia/radioterapia.
A idade e o performance status são os melhores preditores de mortalidade, enquanto os demais fatores são preditores de doença refratária ou recidiva precoce. Tabela 14 - Fatores prognóstcos desfavoráveis na LLA em adultos - Idade >30 anos; - >30.000 leucócitos na LLA-B; - Tempo para alcançar remissão completa >4 semanas; - Imunofenótpo pró-B, T precoce e T madura; - t(9;22); t(4;11).
Quanto maior o número de fatores desfavoráveis na LLA, pior a sobrevida em 3 anos, variando entre 21 e 91%. A taxa de remissão completa e sobrevida livre de doença em 5 anos depende do tpo e do subtpo da leucemia e dos fatores prognóstcos, sendo as leucemias de melhor prognóstco a LMA promielocítca com t(15;17) e as LLAs na infância.
7. Tratamento O tratamento de qualquer tpo de leucemia aguda baseia-se em 2 pontos extremamente importantes:
A - Tratamento específico É feito por meio de esquemas de poliquimioterapia, diferentes para cadatpo de leucemia. Para a escolha doratament to adequado, é importante o diagnós tco do tpo e do subtpo da leucemia e da estra tficação de risco por intermédio dos fatores prognóstcos. Com isso, preserva-se dos efeitos tóxicos da quimioterapia nos pacientes de baixo risco e tende-se a ser mais agressivo na tenta tva de obter maior êxito nos de alto risco. Os esquemas geralmente compreendem 3 fases: - Indução da remissão: objetva alcançar a remissão completa, ou seja, diminuir intensamente o clone leucêmico (alcançar <5% de blastos na medula óssea), de forma que a medula volte à sua função normal; - Pós-remissão (intensi ficação/consolidação):para diminuir ainda mais o clone leucêmico e diminuir as chances de recidiva; - Manutenção: para evitar a rea tvação da doença residual mínima, se houver. É utlizada nas LLAs.
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HEMATOLOGIA A quimioterapia intratecal é usada para pro filaxia e tratamento de infiltração do SNC. Em pacientes portadores de leucemias agudas, toda abertura do espaço liquórico tem de ser acompanhada da infusão intratecal de quimioterápicos, pois está sendo violado um “santuário” – a quimioterapia não ultrapassa a barreira hematoencefálica, e células neoplásicas que porventura cheguem até esta barreira, serão foco de recidiva se não forem tratadas. É de muita importância no tratamento das LLAs. Vale lembrar o importante papel do ATRA, especi ficamente no subtpo M3/promielocítco, transformando uma das leucemias de maior mortalidade na leucemia de melhor prognóstco atualmente. A radioterapia está indicada a situações específicas, não sendo amplamente utlizada. O Transplante de Células-Troncos Hematopoé tcas (TCTH) alogênico nas leucemias agudas, de um modo geral, apresenta as seguintes indicações: em pacientes cuja doença se caracteriza de alto risco, assim que entrarem em remissão; pacientes de qualquer risco, frente à recidiva ou refratariedade da doença e finalmente pacientes com LMA secundária. Por sua vez, o TCTH autólogo pode ainda ser t u lizado na LMA de baixo risco ou na LMA de risco intermediário ou alto na ausência de doador compavel para realização de procedimento alogênico. Já na LLA, o TCTH autólogo encontra-se em desuso, pois esta modalidade de transplante apresentou resultados inferiores que a quimioterapia isoladamente. Tabela 15 - Critérios de remissão completa para leucemias agudas - Menos de 5% de blastos em medula óssea por mielograma ou biópsia de medula óssea: · Para LMA, acrescenta-se ainda ausência de bastonetes de Auer. - Ausência de blastos em sangue periférico;
Hidratação vigorosa: deve-se hiper-hidratar o paciente, de preferência com aproximadamente 3L/m2/dia, mantendo uma boa diurese, u tlizando-se de diurétco, caso necessário. Procurar manter um débito urinário de 100mL/m2/h. Deve-se tomar o devido cuidado em se tratando de doentes com doença cardiopulmonar prévia (por exemplo, ICC), a fim de evitar sobrecarga hídrica; - Alopurinol: na dose de 300 a 600mg/dia, para diminuir a síntese de ácido úrico e evitar a hiperuricemia -
consequente destruiçãoedos blastos; Controle de àeletrólitos hemograma: é comum o distúrbio eletrolítco na fase inicial, devendo ser monitorizado com frequência nos primeiros 7 dias. A transfusão de hemocomponentes é geralmente necessária pelo efeito mielotóxico das drogas; deve-se, então, transfundir hemácias de acordo com sintomas (em geral, se <7g/dL) e plaquetas se <10.000/mm 3 em pacientes estáveis, sem sangramento atvo, ou abaixo de 20.000 se em pacientes instáveis, com uso de antbiótcos ou com episódios febris; - Controle diário de TP, TTPa e fibrinogênio: indicado nas leucemias promielocítcas desde o início do tratamento, até que esses exames estejam normais e estáveis, sem transfusão. Utlização de suporte transfusional com plasma fresco congelado e crioprecipitado, conforme necessário. -
É preciso suporte psicossocial eficaz, pois os indivíduos afetados, seus familiares e amigos estão perante uma doença incapacitante por longos períodos, de tratamento extenso e intenso, alto custo, muitas vezes segregante (pelo riscoinfeccioso, por mudanças de aparênciafsica etc.) e que demanda cuidados específicos, sendo habitualmente necessário treinar os cuidadores dos pacientes em prátcas de suporte.
- Ausência de doença extramedular; - Independência transfusional: · Neutrófilos >1000/mm3; · Plaquetas ≥100.000/mm3.
8. Complicações clínicas
- Ausência de alteração cariopica encontrada ao diagnóstco;
A - Neutropenia febril
- Ausência de alteração molecular encontrada ao diagnóstco.
Síndrome febril associada a neutró filos <500/mm3 ou <1.000/mm3 em queda. A fonte de infecção é determinada em só 30% dos casos, geralmente associada à translocação
B - Tratamento inespecífico A profilaxia e o tratamento das infecções são fundamentais para a sobrevivência do paciente, visto que a imunossupressão é muito severa e prolongada, tanto pela doença quanto pelo tratamento. É necessário um bom acesso venoso para administração de quimioterapia, pelo risco de flebite, pelo efeito irritante das drogas e pelo risco de necrose cutânea por extravasamento de alguns quimioterápicos. A implantação de cateteres de curta (duplo lúmen) ou de longa permanência (Hickman ou Port-a-cath) muitas vezes é necessária, principalmente nos primeiros dias de tratamento quimioterápico.
102
bacteriana intestnal que ocorre pela imunossupressão e lesão de mucosa provocada pelos quimioterápicos. Se não tratada prontamente, evolui para quadros infecciosos severos, levando a SIRS, choque séptco e óbito, muitas vezes, em algumas horas. A febre num paciente neutropênico é uma emergência médica. O predomínio de bactérias Gram negatvas era claro há décadas atrás, mas atualmente se observa um aumento das infecções por Gram positvos, sobretudo pelo uso de cateteres intravenosos e pelo uso crescente de an tbiotcoterapia profilátca. Agentes anaeróbios devem ser pensados em casos de infecções abdominais, abscessos dentários ou pe-
LEUCEMIAS AGUDAS
rianais, mucosite grave e sinusite. Infecções virais (herpes-simples, herpes-zóster e CMV) e fúngicas, principalmente a aspergilose angioinvasiva e a candidemia, também são importantes. Deve-se obter uma história e exame clínico bastante minuciosos, além de valorizar todas as queixas do paciente, uma vez que, devido à quantdade ínfima de neutrófilos, os processos inflamatórios são muito discretos, de difcil localização. Preconiza-se a coleta de culturas (hemoculturas e uro-
-
Diminuição de cálcio sérico; Cristais de ácido úrico e de fosfato de cálcio podem precipitar-se nos túbulos renais causando insu ficiência renal.
Muitas vezes, pode fazer parte dessa síndrome um quadro de CIVD, que resulta em altas taxas de mortalidade. Trata-se de uma emergência médica e necessita de intervenção imediata com hiper-hidratação com 3L de solução salina/m 2, manutenção do débito urinário >100mL/ m2/min, com uso de diuré tcos se necessário e hipouricefi culturas, culturas de secreções, seou presentes) a m miantes (alopurinol ou rasburicase). O controle de eletróde identfialém car síde primários de infecção bacteremia, e tos litos deve ser feito a cada 6 horas, até a normalização. Ala realização da investgação radiológica, quando necessário. A introdução da antbiotcoterapia empírica é mandatória gumas vezes, é necessária hemodiálise para o controle do e deve ter início imediato, pois o retardo pode comprometer quadro. A alcalinização urinária deve ser reservada para os a vida do paciente. Na era pré-antbiotcoterapia empírica, casos de acidose metabólica, visto que pode promover a 75% da mortalidade dos pacientes com câncer se deviam aos precipitação de fosfato de cálcio nos túbulos renais e nos tecidos. quadros infecciosos. Segue a chamada “escala an tbiótca”: O melhor tratamento da síndrome da lise tumoral com- Início do quadro febril: cobertura para Gram nega tvos, preende prevenção, por meio da hiper-hidratação, e agenincluindo Pseudomonas: cefalosporinas de 4ª geração, tes hipouricemiantes. cefepima, imipeném ou meropeném; - Se houver foco provável cutâneo ou de cateter, muC - Hiperleucocitose e leucostase cosite importante, se tverem passado 48 a 72 horas da introdução de cobertura para Gram negatvos, sem Pacientes com leucemia aguda podem apresentar o redução da curva febril nem melhora clínica, ou ainda, quadro inicial com contagens muito elevadas de leucócitos se ocorrer instabilidade hemodinâmica já no início do no sangue periférico, o que caracteriza a chamada hiperleuquadro febril: incluir cobertura para Staphylococcus 3 aureus com o uso de vancomicina, teicoplanina ou licocitose (>100.000 leucócitos/mm No LLAs adulto, a hiperleucocitose pode ocorrer em 10 a 30%).das e em 5 a 20% nezolida; das LMAs. É mais comum em crianças e em certas variantes - Se houver neutropenia prolongada e persistência de das leucemias agudas (por exemplo: M3v, M4, M5 e LLA-T). febre por >5 dias, apesar de an tbiotcoterapia de amÉ também muito frequente hiperleucocitose em leucemias plo espectro: ampliar cobertura empírica para fungos crônicas indolentes, como a Leucemia Mieloide Crônica (Aspergillus, Candida etc.) com anfotericina B ou suas (LMC) e a Leucemia Linfoide Crônica (LLC). formas lipossomais, caspofungina ou voriconazol. Se Dentre os diversos doentes com hiperleucocitose, alo paciente permanecer instável ou com suspeita de guns podem manifestar uma síndrome chamada leucostainfecção fúngica, pode-se iniciar a terapia an tfúngica se, em que há len tficação e obstrução da microcirculação antes desse prazo. pelos blastos circulantes. A viscosidade na hiperleucocitose aumenta principalmente em situações de baixo fluxo Profilaxia de infecções oportunístcas: sanguíneo, daí o predomínio de manifestações em terri- Profilaxia para Pneumocysts jiroveci: sulfametoxazol/ tório microvascular. A leucostase está, em geral, associada trimetoprim, 800/160mg, 3x/semana, durante todo o a contagens elevadas de blastos, sendo mais comum nas tratamento; leucemias agudas e incomum nas leucemias crônicas, como - Parasitoses: antes do início da quimioterapia, u tlizar a LLC. Em geral, tem-se leucostase com >100.000 blastos/ mebendazol por 7 dias ou albendazol por 3 dias. mm3 nas LMA e >300.000 blastos/mm 3 nas LLAs, porém já foram descritos casos com <50.000 blastos/mm3, aponB - Síndrome de lise tumoral tando que outros fatores, como uma possível interação do A presença em massa de blastos, em constante síntese e blasto com a célula endotelial, devem ter seus papéis na apoptose, pode provocar a hiperuricemia em virtude do ex- patogênese dessa condição. A leucostase apresenta sintomas predominantemente tenso catabolismo das purinas que acompanha a rápida lise no território pulmonar e no cerebral, sendo insuficiência de células neoplásicas induzidas por quimiote rápicos ou pela própria morte celular espontânea (síndrome de lise tumoral). respiratória e hemorragia intracerebral as principais causas Quanto maior o número de leucócitos, maior o risco de lise de morte desses doentes. No entanto, qualquer órgão pode tumoral. São característcos da síndrome de lise tumoral: ser afetado pela contagem excessiva de blastos. - Sintomas respiratórios: dispneia aos esforços e des- Aumento dos níveis séricos de DHL, potássio, fósforo, ureia, creatnina, ácido úrico; conforto respiratório com hipoxemia importante. De-
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HEMATOLOGIA ve-se evitar guiar uso de oxigênio por gasometria arterial, uma vez que pode ocorrer pseudo-hipoxemia por consumo de oxigênio pelos leucócitos; - Sintomas neurológicos: de leve confusão mental e cefaleia até acidente vascular cerebral hemorrágico e coma; - Sintomas gerais: muitos doentes podem ter febre pela condição, contudo sempre deve ser considerado que a presença de febre indica infecção e deve ser tratada como tal. Outras queixas comuns são zumbido, tontu-
ra, náusea e mal-estar; Sintomas vasculares: priapismo, trombose de veia renal, trombose venosa retniana, hemorragias retnianas, isquemia coronariana.
Deve-se fazer uma avaliação laboratorial com hemograma, funções renal e hepátca, eletrólitos e coagulograma. A suspeita diagnóstca deve ser feita em doentes com quadro neurológico ou pulmonar que apresentem contagens elevadas de blastos no sangue periférico. O exame de fundo de olho pode ser muito útl, assim como em todas as síndromes de hiperviscosidade, demonstrando dilatação e tortuosidade de veias re tnianas, hemorragias retnianas, papiledema etc. A leucostase é uma emergência médica e deve ser tratada como tal. A mortalidade pode ser muito alta, chegando a 34 a 40% em 1 semana em algumas séries de casos, devendo a terapêutca ser iniciada prontamente em caso de suspeita clínica. O tratamento da leucostase envolve 2 fases: -
Medidas de suporte Hidratação vigorosa: deve-se hiper-hidratar o doente, de preferência com aproximadamente 3L/ m2/dia. Também se deve manter uma boa diurese, podendo-se fazer uso de diurétcos se necessário, procurar manter um débito urinário de 100mL/m2/ hora, e tomar o devido cuidado em doentes com doença cardiopulmonar de base (por exemplo, ICC), para evitar sobrecarga hídrica; Profilaxia de síndrome de lise tumoral: além da hiper-hidratação, é indicado o uso de alopurinol, na dose de 300 a 600mg/dia, para diminuir a síntese •
•
•
-
•
de ácido úrico e evitar a hiperuricemia consequente à destruição dos blastos; Transfusão de hemoderivados: evitar a transfusão de concentrados de hemácias, até que a etapa número 2 tenha sido feita, uma vez que a transfusão de hemácias pode piorar a viscosidade e precipitar complicações graves.
Correção da hiperleucocitose – pode ser a tngida pelas seguintes maneiras: Leucoaférese: é a medida de efeito mais imediato, mas nem sempre disponível em todos os centros. •
104
•
Consiste em sessões de aférese em que há retrada de blastos circulantes e reinfusão do restante do sangue. Leva a uma rápida redução dos níveis de blastos (20 a 50%) e está indicada na presença de leucostase. Necessita da passagem de cateter venoso central de grosso calibre para realização, caso o paciente não apresente bom acesso periférico; Citorredução química: o objetvo é a rápida redução das contagens de blastos. Pode ser u tlizada para esse fim a hidroxiureia, agente quimioterápico antmetabólico, usada na dose de 50 a 100mg/ kg/dia, dividida em 3 a 4 doses (reduz 50 a 80% da contagem leucocitária em 24 a 48 horas). Pode ser iniciada prontamente no momento do diagnós tco, tendo maior sensibilidade na LMA. Na LLA, pode ser insttuída, com o mesmo fim, cortcoterapia com prednisona em altas doses, em geral 60mg/m2/dia; Quimioterapia:uma vez que se tenha o diagnós tco do tpo de leucemia aguda, deve ser prontamente iniciada a indução quimioterápica com os agentes específicos indicados, o que causará a redução da carga tumoral e o alívio dos sintomas.
Para indivíduos com hiperleucocitose sem leucostase, é recomendada apenas a hidroxiureia. Para aqueles com leucostase, a recomendação é u tlizar a leucoaférese associada à hidroxiureia.
9. Resumo Quadro-resumo Leucemia aguda - Proliferação de um clone maligno srcinado do stem cell hematopoétco, com produção de células imaturas que perderam a capacidade de diferenciação (blastos). Classificação - Leucemia mieloide aguda: · MO: com mínima diferenciação; · M1: sem maturação; · M2: com maturação; · M3: promielocítca; · M4: mielomonocítca; · M5: monocítca; · M6: eritroleucemia; · M7: megacariocítca. - Leucemia linfoide aguda: · B: *Pró-B; *Pré-B; *B comum; *B madura. · T: *T precoce; *T comum; *T tardia.
LEUCEMIAS AGUDAS
Diagnóstco - Morfológico: >20% de blastos do sangue ou medula (mielograma). - Citoquímico: · Mieloide: sudan black, MPO; · Linfoide: ácido periódico de Schiff (PAS).
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- Imunofenopico (resumido): · Mieloide: CD13; CD33; · Linfoide: CD3, CD7. - Citogenétca; - Pesquisa molecular. Quadro clínico - Secundário às citopenias, podendo ter algumas par tcularidades. Leucemia linfoide aguda na infância - Câncer mais comum da infância: 20 a 30% dos casos de neoplasia e 75 a 80% dos casos de leucemia; - Pico de incidência entre 2 e 5 anos; - Manifestação clínica importante – dor osteomuscular e ar tcular; - Ótmo prognóstco, com 80% de chance de cura. Leucemia promielocítca aguda (LPA – LMA M3) - Presença de promielócitos anômalos na morfologia; - Presença da t(15;17) na citogenétca; - Presença do gene PML/RARA na pesquisa molecular; - Manifestações trombótcas/hemorragias secundárias à hiperfibrinólise e CIVD: alargamento de TP, TTPa e diminuição de fibrinogênio; - Diante da suspeita, deve-se iniciar imediatamente o ácido transretnoico (ATRA), pois diminui drastcamente o risco de hemorragia;
- Leucemia aguda de melhor prognóstco após o advento do ATRA (sobrevida em 5 anos de >80%). Tratamento - Específico: poliquimioterapia; - Inespecífico: hidratação, manutenção da diurese, alopurinol, controle de eletrólitos e de sinais de coagulopata; - Complicações: · Neutropenia febril; · Hiperviscosidade; · Lise tumoral.
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HEMATOLOGIA
CAPÍTULO
9 1. Leucemia mieloide crônica A - Introdução A Leucemia Mieloide Crônica (LMC), uma doença neoplásica que resulta da mutação somá tca em uma célula hematopoétca multpotente, é a mais frequente das síndromes mieloproliferatvas (nesse grupo, ainda existem a policitemia vera, a trombocitemia essencial e a mielo fibrose primária), de evolução crônica que, ao longo dos anos e sem tratamento adequado, evolui inexoravelmente para uma fase aguda, terminal, semelhante à leucemia aguda. Caracteriza-se pela proliferação clonal da célula-tronco multpotente anômala, que gera células mieloides granulocítcas, as quais mantêm sua capacidade de diferenciação (logo, com aparecimento de células normais e diferenciadas na medula óssea e sangue periférico, contrastando com as leucoses agudas, em que ocorre parada de maturação) com infiltração lenta e progressiva da medula óssea. Existe marcadamente uma hiperplasia mieloide que se revela como leucocitose, predominantemente à custa de neutro filia, mas também pode haver baso filia e eosinofilia, além de volumosa esplenomegalia. A LMC consttui de 15 a 20% das leucemias nos adultos, e sua incidência é de 1,6 caso por 100.000 habitantes/ano. A idade mediana clássica do diagnóstco está entre a 5ª e a 6ª décadas de vida (entretanto, não são poucos os casos diagnostcados entre a 3ª e a 4ª décadas), havendo discreto
Leucemias crônicas Marcos Laercio Pontes Reis / Fernanda Maria Santos
em vários mecanismos de sinalização celular e resultando numa capacidade autônoma de atvação, proliferação e diferenciação celulares. A expansão dos progenitores granulocítcos com diminuição da responsividade à regulação celular é verificada pelo aumento progressivo da contagem de leucócitos. A megacariopoese costuma também estar aumentada, e a eritropoese geralmente é deficiente. Pouco se conhece sobre a cinétca desses transcritos durante a expansão clonal e sobre as mutações em estágios pré-clínicos, pois tais clones são frequentemente identficados quando a leucemia é clinicamente evidente. Atualmente, esses transcritos são detectados e monitorados de forma mais sensível, por PCR (Protein Chain Reacton), antes e depois dos tratamentos. A única situação identficada até o momento que se relaciona ao aparecimento dessa alteração cromossômica é a exposição à radiação ionizante.
predomínio no sexo masculino (1,4:1).
B - Patogênese A LMC resulta de uma anormalidade gené tca adquirida, a translocação entre os cromossomos 9 e 22 – t(9;22) (q34;q11), caracterizada citogenetcamente pela formação do cromossomo Philadelphia (Ph). O produto resultante é a expressão de um transcrito quimérico (oncogene) denominado BCR-ABL, derivado da fusão do gene BCR, no cromossomo 22, com o gene ABL do cromossomo 9. A tradução desses transcritos srcina uma proteína funcional com a tvidade enzimátca trosina-quinase desregulada, interferindo
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Figura 1 - Formação do cromossomo Philadelphia
C - Manifestações clínicas e laboratoriais A LMC evolui de forma lenta, mas progressiva, e o diagnóstco é feito em média cerca de 12 meses após a instalação da doença.
LEUCEMIAS CRÔNICAS
Aproximadamente, 20 a 50% dos pacientes são assintomátcos, sendo a 1ª suspeita diagnós tca feita em exames de rotna. Quando há sintomas, estes são inespecí ficos, como queixa de fraqueza progressiva, febre, perda de peso, sudorese noturna, aumento do volume abdominal e sensação de plenitude gástrica (pelo aumento do baço). A dor óssea também pode ser queixa comum, principalmente na região esternal, correspondendo à expansão medular. Mais raramente, há fenômenos trombótcos ou hemorrágicos (por plaquetose ou disfunção plaquetária), adenomegalias e hepatomegalia. As característcas de evolução crônica da LMC costumam persistr por tempo médio de 3 a 5 anos, evoluindo após esse período invariavelmente, e se não houver tratamento adequado, para uma fase de agravamento (fase acelerada) e, a seguir, para uma fase de leucemia aguda (fase ou crise blástca), caracterizando assim as 3 fases da LMC:
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a) Fase Crônica (FC) Cerca de 85% dos pacientes têm o diagnóstco de LMC enquanto estão na FC. Caracteriza-se por marcada hiperplasia medular e capacidade de maturação preservada das células mieloides. O paciente geralmente apresenta-se oligossintomátco ou com queixas inespecíficas, podendo ser apenas um achado incidental laboratorial, durante exames de ro tna. Não há aumento de incidência de infecções, pela presença de leucócitos funcionantes. Por vezes, o paciente apresenta quadro de priapismo como 1ª manifestação, caso haja hiperviscosidade por hiperleucocitose. Essa fase dura cerca de 3 a 5 anos e é a mais provável de responder satsfatoriamente ao tratamento. Os achados laboratoriais dessa fase revelam: - Leucocitose (em geral, acima de 25.000) com granulócitos em todas as suas fases de maturação, podendo chegar até blastos – o chamado desvio escalonado com maturação preservada, ou simplesmente desvio à esquerda. Um achado clássico da LMC na FC é o “hiato leucêmico”, quando há mais mielócitos (granulócito imaturo) que metamielócito (granulócito mais maduro). A basofilia é universal, a eosino filia pode ser encontrada em 90% dos casos, e a monocitose não é incomum; - Presença de anemia normocí tca e normocrômica é mais comum que a poliglobulia; - A plaquetose é mais frequente que a plaquetopenia; - Mielograma e biópsia de medula óssea apresentam hipercelularidade global, das 3 séries, com todas as formas de maturação mieloide em abundância (hiperplasia granulocítca com aumento da relação mieloide: eritroide), observando-se, no anatomopatológico, diferentes graus de fibrose medular.
Figura 2 - (A) Biópsia de medula óssea normal, mostrando celularidade normal com alguns adipócitos e (B) medula óssea de LMC com hipercelularidade global, com algumas traves ósseas de permeio Tabela 1 - Exemplo de hemograma na LMC Eritrócitos 3.740.000/mm3 Hemoglobina Hematócrito VCM CHCM
10,9g/dL 35% 88fL 33% Policromasia
Leucócitos Mieloblastos Promielócitos Mielócitos Metamielócitos Bastonetes Segmentados Linfócitos Monócitos Eosinófilos Basófilos Plaquetas
142.000/mm3 1% 1.420 2% 2.840 25% 35.500 6% 8.520 28% 39.760 29% 41.180 3% 4.260 2% 2.840 1% 1.420 3% 4.260 570.000/mm 3
Figura 3 - Sangue periférico de paciente com LMC, revelando leucocitose com desvio à esquerda
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HEMATOLOGIA b) Fase Acelerada (FA) ou de transformação Caracteriza-se por perda progressiva da capacidade de diferenciação dos neutrófilos e por dificuldade de controle da leucocitose com medicamentos, funcionando como uma fase intermediária entre a leucemia crônica e a aguda, com duração aproximada de 3 a 18 meses. Pode haver pacientes assintomátcos, entretanto geralmente se observam piora de sintomas consttucionais e aumento da esplenomegalia, bem como do número de leucócitos, da basofilia, células blástcas, da trombocitose ou plaquetopenia. Tabela 2 - Critérios para fase acelerada da LMC – OMS - Leucocitose progressiva não responsiva à terapêu tca; μL, não relacionada à terapia; - Trombocitopenia inferior a 100.000/
- Trombocitose >1 milhão/mm3, não responsiva à terapia; - Esplenomegalia progressiva, não responsiva à terapêu tca; - Blastos entre 10 e 19% no sangue ou na medula óssea; - Basófilos ≥20% no sangue periférico; - Anormalidade citogenética adicional à presença do cromossomo Ph.
c) Fase Blástca (FB) ou aguda Na crise blástca, os mieloblastos ou linfoblastos perdem a capacidade de diferenciação. A LMC em FB, ainda mais resistente à terapiaaguda, convencional, é agressiva, clínico da leucemia e permite ao doentecom umaquadro sobrevida muito curta, em torno de 6 meses. Essa fase se caracteriza por ≥20% de blastos no sangue periférico ou na medula óssea; ou por infiltrado extramedular de células blástcas. Em 70% dos casos, os blastos são de característcas mieloides e em 20% são linfoblastos. Raros casos podem ser formados por células indiferenciadas ou bifenopicas (que expressam tanto característcas mieloides quanto linfoides à imunofenotpagem). Na fase blástca, os pacientes pioram bastante dos sintomas consttucionais, apresentando febre, sudorese noturna, anorexia, perda de peso e dores ósseas, com aumento ainda maior da esplenomegalia. Se não tratada, a sobrevida é de cerca de 3 a 6 meses.
D - Outros achados laboratoriais a) Citoquímica: dosagem sérica da Fosfatase Alcalina Leucocitária (FAL) intensamente baixa. A FAL está presente no citoplasma de granulócitos maduros e reduz ou desaparece completamente na LMC, denotando a anormalidade das células presentes no sangue periférico e diferenciando essa leucemia da reação leucemoide granulocítca (em que há aumento evidente da fosfatase alcalina de neutró filos). b) DHL aumentado: por proliferação celular excessiva. c) Ultrassonografia de abdome: evidenciando esplenomegalia intensa e hepatomegalia.
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E - Diagnóstco O diagnóstco da LMC é feito pelo encontro de anormalidades no hemograma e medula óssea (mielograma e biópsia de medula óssea), conforme já descrito, e con firmado pelo encontro do cromossomo Philadelphia – t(9;22), por meio da citogenétca convencional ou pelo método FISH Fluorescen( ce In Situ Hybridizaton), ou ainda pelo encontro da fusão gênica resultante dessa translocação, o BCR-ABL (por RT-PCR). Atualmente, pela sensibilidade de métodos diagnós tcos como FISH e PCR real tme, é consensual que, para o diagnóstco da LMC, é necessário o encontro da t(9;22). Caso contrário, mesmo que haja quadro clínico sugestvo, na ausência dessa alteração genétca por métodos de maior sensibilidade (o que ocorre em 1% dos casos), o diagnós tco é de outra doença mieloproliferatva (classificada pela OMS como doença mieloproliferatva/displásica, correspondente à antga LMC apica).
F - Evolução e prognóstco A evolução da doença costuma ser lenta, porém progressiva. No entanto, hoje se dispõe de terapêu tca menos agressiva e que fornece períodos de sobrevida global e livre de doenças maiores. Os fatores prognóstcos estão relacionados à presença de alguns achados clínicos e laboratoriais ao diagnóstco, como tamanho da esplenomegalia, número de leucócitos no sangue periférico (>100.000/mm 3), número de blastos circulantes (>1%), contagem de plaquetas <150.000/mm 3 ou >700.000/mm3. Mais recentemente, têm sido considerados também dados como idade e porcentagem de basófilos e eosinófilos no sangue, sendo os pacientes divididos em grupos: baixo risco, risco intermediário e alto risco, a depender da pontuação de todos esses fatores.
G - Tratamento O tratamento é indicado a todos os pacientes com diagnóstco de LMC, independente da fase. As opções terapêutcas são: - Controle da doença com inibidores da trosina-quinase (ITK); - Tratamento curatvo com transplante de células progenitoras hematopoétcas; - Tratamento paliatvo. Inicialmente, pode-se realizar o tratamento com agentes citostátcos (hidroxiureia), com o obje tvo da citorredução (em especial, em leucocitoses extremas), bem como diminuição de esplenomegalia. Entretanto, tais medicamentos apresentam somente alívio sintomá tco temporário, não alteram a evolução da doença para a fase aguda, sem bene fcio na sobrevida. Pode ser u tlizado no tratamento palia tvo. O interferon-alfa, por sua vez, leva à remissão hematológica em 90% dos casos, porém remissão citogené tca em
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apenas 30% dos casos (ou seja, causa melhora de leucocitose e demais alterações de hemograma além da esplenomegalia, contudo não chega a atuar no cerne fisiopatológico da doença, o cromossomo Philadelphia), levando ao retardo na evolução para a fase aguda. O uso de interferon é extremamente limitado, pela indução de sintomas similares a um quadro gripal (febre, cefaleia, artralgias e mialgias), além da via de administração subcutânea, que pode ser incômoda para muitos pacientes. Os inibidores de trosina-quinase de 1ª (mesilato de imatnibe) 2ª geração (dasa tnibe,mutante nilo tnibe) são inibi-a dores sele tevos da trosina-quinase e induzem remissão hematológica em 98% dos pacientes e citogenétca em pelo menos 80%, sendo atualmente o tratamento de 1ª linha para LMC. Atuam promovendo parada de crescimento das células leucêmicas e aumento da apoptose (“morte” das células anômalas), pelo impedimento da atvação da trosina-quinase neoplásica, sem interferir nas células normais. Medicamentos em estudo para serem utlizados em associação com os ITK são: agentes hipome tlantes (decitabina, azacitdina), cladribina, inibidores da farnesiltransferase, oligonucleodeos análogos do gene BCR/ABL e imunoterapia com vacinas. As opções de tratamento a pessoas com LMC dependem da fase da doença, da idade do paciente, das comorbidades, dos fatores prognóstcos, da existência de um doador de medula em potencial compavel e da resposta ao tratamento inicial com ITK. -
Tratamento por fases
a) Fase crônica O mesilato de imatnibe (Glivec®) mudou completamente o tratamento da LMC. Com esse medicamento, 9 entre 10 pacientes têm remissão completa da doença, e a maioria deles contnua em remissão por muitos anos. Atualmente, a LMC é uma doença crônica que necessita de uso contnuado, por tempo indeterminado, de ITK. Sabe-se que, ao suspender o medicamento, há recidiva da doença, e, além disso, alguns pacientes se tornam resistentes à droga durante o tratamento, quadro que, em alguns casos, pode ser revertdo com o aumento da dosagem ou com a troca por ITK mais potentes (como o nilotnibe e o dasatnibe). Apesar de incomuns, pode haver casos de pacientes na FC que não respondem ao imatnibe. Para pacientes que reagem bem ao medicamento, há estmatvas de cerca de 16 anos de sobrevida livre de doença. Há estudos em andamento que analisam o benefcio de iniciar ITK de 2ª geração como 1ª linha, pela observação de apresentar resposta mais rápida e com maior taxa de resposta molecular quando comparado ao imatnibe. Pode-se ainda optar pelo transplante de célula-tronco hematopoétca (TCTH) alogênico (ou seja, de doador compavel). Antes da introdução do mesilato de imatnibe, este era o tratamento padrão para LMC, havendo cura em
cerca de 70% dos casos, com remissões hematológicas e citogenétcas duradouras. Entretanto, o procedimento em si possui uma mortalidade de cerca de 15%, bem como uma importante limitação: pacientes em idade avançada (acima de 55 anos) dificilmente toleravam as altas doses de quimioterapia pré-transplante necessárias ao procedimento. Com o tratamento, objetva-se alcançar: - Resposta hematológica: contagem de leucócitos <10.000/mm3, sem desvio à esquerda, com <5% de basófilos, contagem de plaquetas <450.000/mm 3 e baço -
não palpável; Resposta citogenétca: ausência do cromossomo Ph; Resposta molecular: gene BCR-ABL não detectável pelo método de RT-PCR.
A monitorização da resposta deve ser feita, alcançada a resposta hematológica, a cada 3 meses, com RT-PCR, e, diante da perda de resposta, deve ser revista a terapêu tca. Atualmente, os novos consensos indicam que o ima tnibe deve ser u tlizado como tratamento de 1ª linha, pelos excelentes resultados, baixa toxicidade quando comparados ao TCTH e pela comodidade posológica do medicamento. Na impossibilidade do uso de Glivec®, resistência ao medicamento ou perda de resposta (molecular, citogené tca ou hematológica), apesar do uso de ITK de 2ª geração, o transplante de medula óssea deve ser escolhido como modalidade terapêutca. b) Fase acelerada As opções de tratamento nesta fase são semelhantes às da FC. Para pacientes que ainda não utlizaram o imatnibe, este deve ser u tlizado. Pacientes em fase acelerada têm alta taxa de perda de resposta e progressão para crise blástca com ITK isolado, devendo ser obrigatoriamente considerado o TCTH. Em pacientes que evoluem para fase acelerada durante o uso de imatnibe, pode-se optar pelo aumento da dose de imatnibe ou, preferencialmente, pelo uso de ITK de 2ª geração antes do transplante, tendo em vista que 30 a 40% deles alcançaram alguma resposta (exceto aqueles que adquirem uma nova mutação conhecida como T315I, que não respondem a qualquer ITK atual e apresentam prognóstco muito ruim, a despeito de qualquer terapêutca insttuída). Para aqueles transplantados ainda em fase acelerada, por falta de resposta aos ITK, a taxa de sobrevida livre de doença em 4 anos é de 30%; quando os ITK conseguem uma boa resposta e trazem a doença de volta à FC e o paciente é transplantado neste momento, a sobrevida eleva-se para 80%. c) Fase blástca ou aguda Nesta fase da LMC, as células doentes assemelham-se às células da LMA ou da LLA, mas são resistentes às drogas usadas para tratá-la. O tratamento padrão quimioterápico da LMA raramente consegue colocar o paciente em remis-
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HEMATOLOGIA são da doença. A estes, a opção é o uso de ima tnibe, para os virgens de tratamento ou usuários prévios, em doses maiores que na fase acelerada, ou ITK de 2ª geração, para os refratários ao imatnibe, pois foi observado que é possível alcançar resposta hematológica com menor toxicidade e maior sobrevida, quando em comparação aos esquemas tradicionais de indução de LMA. A tngida a resposta máxima, o paciente deve ser submetdo (se possível) ao TCTH, pois a resposta ao ITK isolado é muito fugaz – varia de 4 a 17 meses. Um pequeno número de pacientes de LMC em fase aguda apresenta blastos que se assemelham aos da LLA. Essas células respondem melhor à quimioterapia padrão, a qual deve ser associada ao ITK. Da mesma forma, o paciente deve ser submetdo (se possível) ao transplante, pois a resposta ao ITK + quimioterapia é muito fugaz. Pacientes que não respondem ao tratamento inicial não terão boa resposta ao transplante (sobrevida em 4 anos <10%), sendo indicado o tratamento paliatvo para o alívio dos sintomas. A radioterapia pode aliviar as dores nos ossos, e a quimioterapia alivia os sintomas por alguns meses. Mas a sobrevida média desses casos, mesmo com tratamento, é de cerca de 6 meses.
2. Leucemia linfoide crônica A Leucemia Linfoide Crônica (LLC) é uma neoplasia consttuída por acúmulo progressivo de linfócitos maduros fun-
prognóstco em 50% dos casos, sendo as mais comuns a deleção do braço longo do cromossomo 13 e a trissomia do 12.
A - Quadro clínico A maioria dos pacientes com LLC é assintomátca, e não é incomum que a suspeita diagnós tca seja feita na realização de exames de rotna, por outras causas quaisquer. Entre os pacientes sintomátcos, as queixas mais comuns são linfadenopata generalizada, cansaço, intolerância aos exercícios e sintomas B: febre >38°C inexplicada, perda de peso (>10% do peso em 6 meses) e sudorese noturna. Os gânglios são geralmente pequenos, mas podem ser volumosos, sendo móveis e indolores. Os locais mais acometdos são as regiões cervical, supraclavicular e axilar. Hepatomegalia é bem mais frequente, e a esplenomegalia, bem menos volumosa que na LMC. Além disso, a in filtração leucêmica pode estar presente em qualquer parte do corpo, sendo os locais não linfoides mais comuns a pele e as tonsilas. Sintomas de anemia, petéquias e equimoses ou infecções de repetção podem estar presentes, mas não são comuns. Algumas situações paraneoplásicas podem acompanhar a LLC, como pên figo paraneoplásico, reação excessiva a picada de insetos e glomerulonefrite membranoproliferatva. Cerca de 0,5 a 3% dos casos podem evoluir para a chamada síndrome de Richter, que se caracteriza pela trans-
formação em linfoma difuso de grandes células, associada à febre, emagrecimento, sudorese noturna (os chamados cionalmente incompetentes, de srcem clonal. É considesintomas B), aumento importante de linfadenopata, anerada idêntca ao linfoma linfocítco de pequenas células B mia e trombocitopenia; ou seja, parte-se de uma doença – são estágios diferentes da mesma doença, um apresenta indolente (LLC) para uma doença extremamente agressiva acúmulo das células em medula óssea (leucemia), poden(linfoma não Hodgkin difuso). O prognóstco nesses casos é do ou não acometer linfonodos, o outro cursa apenas com muito ruim, com sobrevida média de 6 meses. Pode ocorrer adenomegalias (linfoma). ainda aumento de pró-linfócitos (leucemia pró-linfocí tca), Em 98% dos casos, os linfócitos clonais maduros são da linhagem B, e somente 2% são linfócitos T. Esta doença ocasionando resistência ao tratamento insttuído. Adicionalmente, em 1% dos casos ocorre progressão para leucepode evoluir assintomátca por longas fases, e, de acordo mia aguda, não somente linfoide, mas também mieloide, com o estadiamento, pode-se tanto optar por tratamento bem como relatos de evolução para mieloma múl tplo, linquimioterápico como adotar conduta expectante. A LLC é a leucemia mais comum em adultos, com incidên- foma de Hodgkin e carcinomas. cia de cerca de 3 a 6 a cada 100.000 habitantes ao ano, segunB - Achados laboratoriais do dados americanos. A idade mediana ao diagnós tco é de cerca de 70 anos, mas pacientes abaixo de 50 anos também A característca laboratorial marcante da LLC é o achado podem ser acometdos; a incidência aumenta com a idade, e a 3 frequência é maior em homens, à proporção de 2:1. de leucocitose à custa de linfócitos: linfocitose >5.000/mm ; de aspecto morfológico maduro persistente (Figura 4). A etologia é desconhecida. Fatores ambientais, como É comum a descrição de manchas de Gumprecht, que são exposição a agentes químicos e a derivados de petróleo, parestos celulares encontrados na lâmina de sangue periférirecem estar associados ao aumento do risco de doença, poco. Com a evolução da doença, aumenta o número de linfórém ainda sem comprovação cien fica. Sabe-se que parencitos. Anemia pode estar presente, especialmente porque tes de 1º grau de pacientes com LLC apresentam frequência há desenvolvimento de autoantcorpos contra hemácias em maior que a esperada para casos de LLC, outras neoplasias cerca de 35% dos casos (no entanto, somente 11% evoluem linfoides ou hematológicas, inclusive neoplasias sólidas, com anemia por essa causa, a despeito da detecção de anmas não está demonstrado nenhum padrão de transmissão tcorpos) ou induzidos pelo tratamento com fludarabina. O genétca dessa doença. teste da antglobulina direta (TAD ou Coombs direto) deve Como é usual dentre as neoplasias hematológicas, anor- ser realizado com o intuito de afastar ou con firmar essa malidades citogenétcas estão entre os fatores causais e de patologia. Na maior parte das vezes, a anemia se dá pelo
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déficit de produção proveniente da ocupação e in filtração medular pelos linfócitos clonais. O mesmo pode acontecer na série plaquetária, tanto déficit de produção quanto formação de autoantcorpos, bem como sequestro esplênico pela esplenomegalia. Mais rara é a agranulocitose em consequência de autoantcorpos antneutrófilos. A hipogamaglobulinemia é comum e pode ser detectada em 60% dos pacientes, e pode piorar com a evolução da doença, contribuindo para os quadros infecciosos de repetção. Pode-se ainda detectar aumento da fração gamaglobulina, podendo ser policlonal (a maioria) ou monoclonal. Não há anormalidades característcas da LLC nos exames bioquímicos, mas a desidrogenase lác tca (DHL) e a beta-2-microglobulina podem estar elevadas em 60% dos casos e se correlacionam com a massa tumoral. As característcas imunofenopicas dessa leucemia também devem ser investgadas, sendo os resultados de imunofenotpagem um critério diagnóstco, conforme descrito na Tabela 3: Tabela 3 - Critérios diagnóstcos para LLC - Aumento de linfócitos de aspecto maduro no sangue periférico, presente por pelo menos 3 meses, >5.000/ L. - Característcas imunofenopicas importantes: · Positvidade para marcadores de células B: CD19, CD20, CD23; · Presença anômala de marcador para célula T: CD5; · Presença fraca de imunoglobulina de super fcie: IgM ou IgD com cadeia leve kappa ou lambda (nun ca ambas) – marcação fraca ou nega tva para: FMC7, CD22 e CD79b.
C - Diagnóstco diferencial Linfocitose reacional a quadros infecciosos: mononucleose, toxoplasmose, pertussis – apresenta quadro clínico da doença infecciosa, a linfocitose é transitória, e os linfócitos geralmente têm morfologia a pica (sem aspecto maduro) e não são monoclonais; - Outras doenças linfoproliferatvas: diagnóstco diferencial feito pelo perfil imunofenopico; - Linfocitose B monoclonal: situação benigna que acontece em pacientes assintomátcos, sem adenomegalia ou visceromegalia, com linfocitose monoclonal e contagem <5.000/mm3. Ocorre geralmente em idosos (>60 anos) e tem risco de evoluir para LLC com necessidade terapêutca na taxa de 1 a 2% ao ano; - Linfocitose B policlonal persistente: como o próprio nome diz, é policlonal. Faz diagnóstco diferencial com LLC pela contagem persistentemente alta de linfócitos (>4.000/mm3). É uma condição benigna que acomete principalmente mulheres jovens tabagistas. Além do perfil imunofenopico (policlonal), difere da LLC pela morfologia – os linfócitos são binucleados. Pode estar acompanhado de adenomegalias discretas ou esplenomegalia. A causa é desconhecida. -
D - Estadiamento e prognóstco estadiamento LLC apresenta importante na defiO nição do prognósna e na decisão papel terapêu tco tca, pois alguns pacientes podem viver de 10 a 20 anos com óbito não relacionado à LLC (30% dos casos), enquanto outros podem evoluir rapidamente a óbito num período de 2 a 3 anos. As principais causas de óbito são quadro infeccioso e sangramento. O prognóstco é estabelecido com base nas característcas clínicas e hematológicas e leva em conta a história natural da doença, que é resultante do acúmulo progressivo de células leucêmicas no organismo. Os 2 sistemas mais utlizados são os de Rai (com 5 estadios) e o de Binet (com 3 estadios, mais simples de ser lembrado). Em 1987, foi introduzida modificação no estadiamento de Rai, em que os pacientes eram subdivididos em 3 grupos de acordo com o risco: risco baixo (estadio 0), risco intermediário (estadios I e II) e risco alto (estadios III e IV). Tabela 4 - Estadiamento de Rai Risco
Estadio
Sobrevida mediana (em meses)
Baixo
0
Linfocitose no sangue e medula óssea
>150
Intermediário
I
Linfocitose + adenomegalia (localizada ou generalizada)
>101
II
Linfocitose + esplenomegalia e/ou hepatomegalia
>71
Figura 4 - Linfócitos maduros e manchas de Gumprecht na LLC
Não é necessária a avaliação da medula óssea para o diagnóstco da LLC, apenas a análise do sangue periférico com hemograma, estudo morfológico e imunofenotpagem são suficientes.
Característcas clínicas
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Risco
Estadio
Característcas clínicas
III
Linfocitose + anemia (Hb <11 g/dL)
IV
Linfocitose + trombocitopenia (plaquetas <100.000/L)
Alto
Sobrevida mediana ( em meses)
>19
Tabela 5 - Estadiamento de Binet Estadio
Característcas clínicas
Sobrevida mediana (em meses)
A
<3 áreas linfoides envolvidas*
Comparável ao grupo controle
B C
≥3 áreas linfoides envolvi-
das* Hb <10g/dL ou plaquetas <100.000/L
84 24
* Áreas linfoides: cervical, axilar, inguinal, baço e fgado.
Embora esses sistemas de estadiamento sejam amplamente usados, observou-se que alguns pacientes de baixo risco podem evoluir de forma agressiva, portanto outros fatores prognóstcos têm sido estudados. Um dos principais fatores prognóstcos novos é a presença dos genes mutados de IgVH (genes da região variável da cadeia pesada da imunoglobulina). Se esses genes estverem mutados, haverá maior sensibilidade à quimioterapia (pela mutação) e chance de doença mais indolente; o contrário é verdadeiro, caso tais genes estejam não mutados. Foi observada uma correlação entre a presença dos genes não mutados e a expressão de CD38 e ZAP-70 (proteína trosina-quinase, expressa anormalmente no linfócito B), que podem ser detectadas por citometria de fluxo ou por real tme PCR. Desta forma, pacientes que expressam ZAP-70 em grande quantdade e CD38 apresentam prognóstco ruim, pois se trata de um sinal de IgVH não mutado; se possui ZAP-70 e CD38 negatvos, apresenta IgVH mutado e melhor prognóstco. Outros fatores de mau prognóstco entre os pacientes de baixo risco são aumento de DHL, aumento de beta-2-microglobulina, duplicação da contagem de linfócitos no sangue periférico num período menor que 12de meses e padrão difuso da infiltração linfocitária na biópsia medula óssea (o padrão não difuso, ou seja, nodular e/ou interstcial, estão relacionados a melhor prognóstco). Finalmente, as anormalidades citogenétcas deleção 11q e deleção 17p, quando presentes, conferem pior prognóstco à doença.
E - Tratamento Até o momento, não há tratamento curatvo para a LLC, estando as indicações de tratamento de acordo com o estadiamento do paciente.
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Nos pacientes em estadio Binet A ou baixo risco de Rai, assintomátcos, o tratamento não é indicado. Torna-se necessário um período de observação com frequência de 3 em 3 meses para de finir se a doença é estável ou progressiva. Se a doença for estável e assintomá tca, será indicada apenas observação com hemograma e exame clínico (opção pelo W-W –Watch and Wait, observar e esperar), pois a introdução de protocolos quimioterápicos nessa fase não altera a evolução da doença nem muda a sobrevida, acrescentando somente maior morbimortalidade pelo tratamento. Ainda está em estudo se outros fatores de mau prognóstco em pacientes classi ficados nesse estadio necessitam de tratamento imediato. A terapêutca estará indicada nas seguintes situações: - Presença de sintomas: sintomas B, fraqueza e adenomegalia dolorosa ou com sintoma compressivo; - Presença de anemia e/ou plaquetopenia (Binet C); - Presença de anemia hemolí tca ou plaquetopenia autoimune não responsivas a cortcoide; - Sinal de progressão de doença: aumento de 2 vezes da contagem de linfócitos num período menor que 12 meses e aumento importante do tamanho dos linfonodos, baço ou fgado (Binet B); - Quadros infecciosos de repetção. O tratamento da LLC é feito com quimioterapia, com as seguintes opções: agentes alquilantes – clorambucila, ciclofosfamida; análogos da purina – fludarabina e antcorpos monoclonais (como o rituximabe – an t-CD20 – e o alentuzumabe – ant-CD52), ou a combinação destes, das mais diversas formas. O clorambucila geralmente é reservado para tratamento paliatvo, visto que as outras drogas mostraram superioridade nas taxas de resposta e de sobrevida. A combinação fludarabina, ciclofosfamida e rituximabe é a que se mostra mais efetva até o momento, com maior taxa de resposta, sobrevida livre de doença e sobrevida global. O TCTH alogênico ainda está em estudo na LLC e deve ser pensado apenas em pacientes jovens pertencentes aos grupos de alto risco que não responderam ao tratamento padrão. Em alguns casos ainda pode-se realizar radioterapia quando ocorrer compressão por conglomerado de linfonodos.
3. Resumo Quadro-resumo Leucemia mieloide crônica - Doença neoplásica mieloproliferatva crônica; - Quadro clínico: 50% são assintomátcos; os demais podem apresentar sintomas B (febre, emagrecimento, sudorese noturna) e sintomas relacionados à esplenomegalia (plenitude gástrica, dor abdominal, aumento do volume abdominal); - Diagnóstco: encontro do cromossomo Philadelphia t(9;22) por citogenétca convencional ou FISH (em medula óssea), ou de seu produto gênico – BCR/ABL, pelo RT-PCR (em sangue periférico ou medula óssea).
LEUCEMIAS CRÔNICAS
Leucemia linfoide crônica - Doença neoplásica linfoproliferatva crônica; - Quadro clínico: a maioria é assintomátca; os sintomátcos podem apresentar adenomegalia, astenia, sintomas B (febre, emagrecimento, sudorese noturna), hepatomegalia e esplenomegalia;
A I G
O L O T A M E H
- Diagnóstco: linfocitose persistente >5.000/mm+ comprovação de monoclonalidade B (imunoglobulina de super fcie kappa ou lambda; CD19, CD20, CD23, CD79a e CD 5positvos); 3
- Diagnóstco diferencial: linfocitose reacional (mononucleose, toxoplasmose, pertussis), outras doenças linfoproliferatvas, linfocitose B monoclonal, linfocitose B policlonal persistente; - Outros achados: · Manifestação autoimune: anemia, plaquetopenia, agranulocitose; · Manifestações paraneoplásicas: pên figo, glomerulonefrite; · Hipogamaglobulinemia; · Hipergamaglobulinemia policlonal ou monoclonal; · ↑ beta-2-microglobulina e DHL. - Outros fatores de mau prognóstco: · Citogené tca: del(11q) e del(17p); · CD38 ou ZAP-70 aumentados. Binet A estável, assintomátca: não tratar Indicação de tratamento - Presença de sintomas: sintomas B, fraqueza e adenomegalia dolorosa; - Presença de anemia e/ou plaquetopenia (Binet C); - Presença de anemia não responsivas a corhemolí tcoide;tca ou plaquetopenia autoimune - Sinal de progressão de doença: aumento de 2 vezes a contagem de linfócitos num período <6 meses; aumento importante do tamanho dos linfonodos, baço oufgado (Binet B); - Quadros infecciosos de repetção.
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HEMATOLOGIA
CAPÍTULO
10
Neoplasias mie loproliferatvas (não LMC)
1. Introdução De acordo com a classi ficação revista em 2008 pela Organização Mundial de Saúde, as doenças mieloides crônicas do adulto são divididas em: síndromes mielodisplásicas (SMD), neoplasias mieloproliferatvas (NMP), superposição SMD/NMP e neoplasias mieloides associadas à eosinofilia e anormalidades do PDGF (fator de crescimento derivado de plaquetas). A categoria “neoplasias mieloproliferatvas”, por sua vez, inclui outras 4 doenças clássicas: leucemia mieloide crônica, Policitemia Vera (PV), Trombocitemia Essencial (TE) e Mielofibrose Primária (MF), também chamada metaplasia mieloide agnogênica. Existem, ainda, outras doenças menos comuns também inclusas nesse grupo: a leucemia neutroflica crônica, leucemia eosinoflica crônica, mastocitose e neoplasia mieloproliferatva não classificável. As NMP crônicas são doenças clonais da célula-tronco hematopoétca caracterizadas pela presença histológica de hiperproliferação de 1 ou mais linhagens mieloides (granulocítca, megacariocítca ou eritrocítca), com proeminente leucocitose, trombocitose e/ou eritrocitose periférica. Com a nova revisão da OMS, os critérios diagnós tcos dessas doenças também mudaram, destacando o papel cada vez mais importante da biologia molecular por meio da pesquisa tanto do gene de fusão BCR-ABL (no caso da LMC) quanto das recém-descobertas mutações do gene t rosina-quinase Janus-quinase 2 (JAK2) clonais e do receptor de trombopoe agora marcadores definitvos tna (MPL),
para PV (principalmente), TE e MF (que, em conjunto, são denominadas neoplasias mieloproliferatvas BCR-ABL negatvas). A mutação JAK2 foi extremamente importante para o diagnóstco das demais neoplasias mieloproliferatvas BCR-ABL negatvas, pois é específica para linhagem mieloide (e ausente na linfoide), além de estar presente em virtualmente todos os pacientes com PV e em, pelo menos, 50% daqueles com TE e MF. Neste capítulo, serão discutdas as doenças mieloproliferatvas crônicas, PV, TE e MF. A leucemia mieloide crônica,
114
Marcos Laercio Pontes Reis / Fernanda Maria Santos
por sua complexidade e avanços atuais, será discu tda em capítulo específico.
2. Policitemia vera O termo “policitemia” indica aumento de sangue, mais especificamente aumento da massa de eritrócitos, e pode ser tanto primária (causada por mutações nos progenitores mieloides, ou seja, a causa está primariamente na medula óssea) como secundária (causada por fatores que atuam nos progenitores mieloides – o principal exemplo é a eritropoetna). A PV é uma doença clonal maligna do sistema hematopoétco, com proliferação principalmente do setor eritrocitário, mas também do granulocí tco e do megacariocítco, cujas manifestações mais proeminentes são o aumento da massa eritrocitária e elevação persistente do hematócrito. Raramente evolui para mielofibrose, mielodisplasia ou leucemia aguda, e é a mais comum das doenças mieloproliferatvas após a LMC. Sua incidência estmada é levemente maior entre os homens (2,8/100.000 homens e 1,3/100.000 mulheres), sendo comum em judeus, em quem se veri fica, inclusive, tendência familiar. A faixa etária de surgimento da doença é, em média, 60 anos, entretanto, pode ocorrer em adultos jovens e, muito raramente, em crianças. Etologicamente, a PV desenvolve-se da transformação de única célula-tronco hematopoétca, com vantagem de crescimento seletva, que, gradualmente, transforma-se no principal precursor mieloide. As colônias eritroides derivadas da medula óssea desenvolvem-se na ausência de eritropoetna endógena, revelando o caráter autossômico da proliferação. Assim, a PV se dis tngue fisiopatologicamente das eritrocitoses secundárias, que ocorrem, em geral, por uma elevação da eritropoetna. Tabela 1 - Causas de poliglobulia secundária Secreção inapropriada de eritropoetna - Carcinoma renal; - Hepatocarcinoma; - Hemangioblastoma;
NEOPLASIAS MIELOPROLIFERATIVAS (NÃO LMC)
Secreção inapropriada de eritropoetna - Fibroide uterino; - Doença pulmonar crônica; A I G
- Shunt cardiopulmonar;
O L O T A M E H
- Apneia do sono; - Obesidade mórbida; - Grandes alttudes; - Doença vascular renal; - Alteração da hemoglobina: metemoglobinemia, intoxicação por monóxido de carbono, cobalto.
A - Quadro clínico A PV pode ser totalmente assintomátca e diagnostcada em exames de rotna. Entretanto, o diagnóstco pode ser obtdo por meio de complicações tromboembólicas (30%) ou hemorrágicas, já que os pacientes, por mo tvos pouco conhecidos, têm maior incidência desses 2 fenômenos (principalmente trombótcos arteriais). Várias apresentações de tromboembolismo podem estar presentes, como acidente vascular encefálico, ataque isquêmico transitório, infarto do miocárdio, isquemia digital, trombose venosa profunda, trombose das veias supra-hepátcas (desencadeando a síndrome de Budd-Chiari), trombose do seio cavernoso e doença tromboembólica pulmonar, fazendo que a prevenção de tais eventos seja um dos pilares básicos do manuseio da PV. Sangramentos leves podem ocorrer em cerca de 25% dos pacientes. Deve-se ter atenção especial para as hemorragias gastrintestnais prolongadas (úlceras pép tcas devido ao aumento da viscosidade na microcirculação e à baso filia, e consequente hiper-histaminemia), que podem dificultar o diagnóstco da PV pela queda do hematócrito. Em 30 a 40% dos pacientes ocorrem sintomas gerais e inespecíficos, como cefaleia, tontura, fraqueza e sudorese. Uma queixa pica dos pacientes com PV é o prurido aquagênico generalizado (principalmente após o banho), presente em cerca de 40% dos casos. Queixas neurológicas como vertgem, diplopia, escotomas e déficit neurológico transitório também podem estar relacionadas ao diagnóstco. Existe, ainda, o clássico sintoma da eritromelalgia, que consiste na sensação de queimação de pés e de mãos, acompanhada de eritema, palidez ou cianose, com pulsos palpáveis. A eritromelalgia, associada à parestesia acral (de extremidades), é patognomônica da trombose microvascular que ocorre na PV e TE, geralmente associada à plaquetometria >400.000/mm3. Em casos mais severos, pode resultar em necrose isquêmica de digitais com amputação.
Figura 1 - Eritromelalgia; observa-se eritema de mão direita
Outras manifestações podem ser verificadas, como equimoses e lesões urtcariformes. Ainda fazem parte da investgação a avaliação fundoscópica com sinais de hipertensão arterial, dilatação vascular retniana e/ou presença de hemorragia e ingurgitamento vascular. Ao exame fsico, nota-se o aparecimento de esplenomegalia, pletora e, em alguns casos, hepatomegalia, eritromelalgia, lesões urtcariformes e escoriações pelo prurido.
B - Característcas laboratoriais Encontra-se elevação da massa eritrocitária com altos valores de hemoglobina/hematócrito em quase todos os pacientes, com exceção daqueles que apresentam ferropenia por sangramento digestvo crônico ou pelo próprio consumo na eritropoese excessiva. Nessas situações, encontra-se desproporção entre os níveis de hemoglobina/hematócrito com hipocromia e microcitose. A contagem de re tculócitos pode estar ligeiramente elevada. Neutrofilia ocorre em 60% dos casos, ocasionalmente com presença de mielócitos e metamielócitos no sangue periférico (desvio à esquerda). Basofilia também pode ocorrer em 2/3 dos casos. A contagem plaquetária está aumentada em cerca de 50% dos pacientes, podendo chegar a mais de 1.000.000/mL. Frequentemente, a PaO2 (pressão parcial arterial de oxigênio) é levemente diminuída. Níveis abaixo de 63mmHg são encontrados em mais de 10% dos pacientes, acompanhados também pelos níveis de saturação de O 2, complicando o diagnóstco diferencial de policitemia secundária à hipóxia. Não é incomum o encontro de hiperuricemia, devido ao alto turnover celular. A medula óssea é, caracteristcamente, hipercelular, com hiperplasia nas 3 séries mieloides (eritrocitária, leucocitária e plaquetária). Alterações do cariótpo são observadas na minoria dos pacientes, principalmente 20q, trissomia dos cromossomos 8 e 9 e 13q. Entretanto, a pesquisa por biologia molecular da mutação JAK2 possui um alto valor preditvo negatvo; não é exagero dizer que, virtualmente, todos os pacientes com PV carregam essa mutação.
115
HEMATOLOGIA Assim, o diagnóstco de PV deve ser dado pela presença de quadros clínico e laboratorial suges tvos, análise da medula óssea (mielograma e biópsia de medula óssea) e pesquisa de JAK-2. Tabela 2 - Diferenças entre policitemia primária e secundária Policitemia vera
Poliglobulia secundária
Leucocitose
+
-
Trombocitose
+
-
Saturação de O2 Vitamina B12
↑ ↑
↓
FA leucocitária
↑
Normal
Medula óssea
↑
Hiperplasia eritroide
Pan-hiperplasia
↑
Achados clínicos
Nível de eritropoetna
Normal
C - Critérios diagnóstcos Antgamente, os critérios diagnóstcos mais aceitos eram do Polycythemia Vera Study Group, que consideravam como fatores diagnóstcos a presença de esplenomegalia, a exclusão de outras causas de eritrocitose e os valores de leucócitos e plaquetas. Atualmente, porém, têm-se os critérios da OMS de 2008, em que a pesquisa do JAK2 se firma como um dos métodos diagnóstcos essenciais para PV. Tabela 3 - Critérios diagnóstcos de PV, segundo a OMS – 2008 Critérios maiores 1 - HB >18,5g/dL (homens) e >16,5g/dL (mulheres) ou HB >17g/ dL (homens) ou 15g/dL (mulheres) se observado aumento sustentado de ≥2g/dL da Hb basal do paciente. 2 - Presença da mutação JAK2. Critérios menores 1 - Mieloproliferação das 3 linhagens mieloides na medula óssea (pan-mielose). 2 - Níveis subnormais de eritropoetna sérica. 3 - Crescimento de colônias eritroides endógenas in vitro.
-
Baixo risco: nenhum dos itens anteriores.
a) Flebotomia É a principal forma terapêutca da PV e, provavelmente, a melhor terapia inicial para a maioria dos pacientes. Geralmente, há grande tolerância para a re trada de 450 a 500mL a cada 4 dias. Essa prátca pode resultar em deficiência de ferro, que não deve ser corrigida, pois leva a novo aumento de hematócrito. b) Hidroxiureia Trata-se de um medicamento an tmetabólico que inibe a síntese do DNA. U tlizado na PV para suplementar a flebotomia em pacientes de alto risco, evita eventos tromboembólicos por conseguir tanto níveis mais estáveis de hematócrito (menores do que 45 ou 42%) quanto efe tvo controle na quantdade de plaquetas (mantendo-as em torno de 400.000/ L). An tgamente, era atribuído potencial leucemogênico à hidroxiureia, fato não con firmado pelos trabalhos mais atuais. Apresenta efeito teratogênico e deve ser usado com cuidado nas mulheres em idade fértl. c) Ácido acetlsalicílico (AAS) Estudos clássicos europeus estabeleceram os bene fcios do uso de AAS em baixas doses (100mg/dia) para pacientes com PV, com diminuição do risco de morte por infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral, sem aumento de episódios hemorrágicos (o que não acontece em doses maiores, em que o risco hemorrágico presente suplanta os benefcios protetores). O uso do AAS reduz consideravelmente o sintoma de eritromelalgia. Vale destacar que a doença de von Willebrand adquirida é uma complicação possível nas mieloproliferações crônicas, principalmente quando há plaquetometria >1 milhão/ mm3. Os candidatos ao uso de AAS devem ser rastreados para exclusão dessa complicação por meio da pesquisa do cofator de ristocetna que, se abaixo de 30%, contraindica o uso de AAS pelo alto risco de sangramento.
D - Tratamento
d) Fósforo radioatvo e agentes alquilantes Ambas as modalidades terapêutcas são eficazes em diminuir o número de episódios tromboembólicos, mas são desencorajadas pelo alto potencial oncogênico.
O objetvo do tratamento é a resolução dos achados clínicos (sintomas), fsicos (esplenomegalia, eritromelalgia) e laboratoriais (alteração do hemograma, hiperuricemia), além da diminuição da taxa de complicações em longo prazo: eventos trombótcos, hemorragias, transformação hematológica e desenvolvimento de outras neoplasias. As recomendações terapêutcas devem basear-se na análise de vantagens e desvantagens de cada opção, bem como na estratficação dos pacientes quanto ao risco de trombose, conforme descrito a seguir: - Alto risco: idade ≥60 anos ou episódio trombó tco anterior;
e) Interferon-alfa Do ponto de vista biológico, suprime a proliferação de progenitores hematopoétcos com efeito inibidor nas células progenitoras de fibroblastos e de antagonista do fator de crescimento plaquetário, que podem estar envolvidos na evolução da PV para mielo fibrose. Estudos mostram bons índices de resposta, que, em alguns casos, podem chegar a 60%, com grande eficácia na redução do tamanho do baço e muito importante no controle do prurido. Entretanto, é um medicamento de alto custo e com alto grau de intolerância por efeitos colaterais (dores no corpo, cefaleia, depressão, síndrome flu-like, ou seja, o
PV = 2 critérios maiores e 1 menor ou 1 critério maior e 2 menores.
116
NEOPLASIAS MIELOPROLIFERATIVAS (NÃO LMC)
paciente apresenta sintomas semelhantes a resfriados ou gripes). Por tudo isso, associado a resultados inferiores em relação à hidroxiureia, o interferon-alfa deve ser reservado como 2ª linha para pacientes refratários ou intolerantes ao uso de hidroxiureia e para mulheres em idade fértl, uma vez que não apresenta teratogenicidade.
em, aproximadamente, 2 vezes. Embora a média da idade ao diagnóstco seja de 60 anos, cerca de 20% dos pacientes têm idade inferior a 40 anos. Os raros casos observados na infância consttuem, provavelmente, trombocitemia hereditária.
f) Anagrelida Corresponde a um inibidor da proliferação e da maturação de megacariócitos, que provoca queda no número de plaquetas; é, então, útl somente no controle da trombocitemia em pacientes com PV, não tendo efeito na esplenomegalia ou no controle da série vermelha.
Metade dos pacientes é assintomátca, e a outra metade apresenta sintoma “vasomotor” ou eventos trombo-hemorrágicos. Os eventos trombótcos incluem isquemia cerebral
Tabela 4 - Indicação terapêutica, segundo risco de eventos trombóticos Risco
Manuseioterapêu tco indicado
Baixo risco
Baixas doses de AAS +
flebotomia.
Alto risco
Baixas doses de AAS +
flebotomia
+ hidroxiureia.
E - Prognóstco e sobrevida A média de sobrevida dos pacientes tratados é maior do que 15 anos, e a mortalidade é de 1,6 a 1,7 vez maior que indivíduos não doentes de mesmo sexo e idade, revelando a característca indolente da patologia. As principais causas de óbito são: fibrose, num risco relatvo - Transformação para mielo de 15,2 em 10 anos; - Evolução para mielodisplasia ou leucemia aguda, que ocorre de forma variável, a depender do tratamento insttuído, com taxa de 2,4% (nenhum citotóxico) a 17% (≥2 citotóxicos); - Eventos trombótcos, com frequência de 3,4/100 pacientes/ano. Outras complicações possíveis ao diagnóstco e durante a evolução são: - Desenvolvimento de outras neoplasias – diretamente relacionado ao tpo de tratamento u tlizado; - Hemorragias, par tcularmente gastrintestnais, resultando raramente em óbito. Complicações que ocorrem em menos de 3% dos casos e estão relacionad as à alta contagem de plaquetas ou ao uso de altas doses de AAS.
3. Trombocitemia essencial A TE é uma doença clonal mieloproliferatva que envolve primariamente a linhagem megacariocítca, caracterizada pela elevação sustentada do número de plaquetas com tendência à trombose e hemorragia.
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B - Quadro clínico
transitória, acidente vascular cerebral, oclusão da veia ou artéria retniana, infarto agudo do miocárdio, embolia pulmonar, trombose da veia porta, trombose venosa profunda, isquemia digital – em casos graves, com necrose da polpa digital. Os sintomas vasomotores incluem cefaleia, síncope, dor torácica apica, parestesias de extremidades, alterações visuais transitórias, livedo retcularis e eritromelalgia. Alguns estudos correlacionam esses fenômenos à atvação plaquetária mediada por tromboxane. Os eventos hemorrágicos são menos frequentes que os trombótcos e podem ocorrer espontaneamente ou após um trauma. As principais manifestações consistem em sangramento cutâneo, mucoso ou do tubo diges tvo, mais frequentemente observadas com contagem de plaquetas superiores a 1.000.000/μL ou em pacientes em uso de altas doses de AAS ou an t-inflamatório não hormonal. Esse fato pode correlacionar-se não somente a uma alteração da função plaquetária, mas também a deficiência adquirida do fator de von Willebrand, pois o grande número de plaquetas circulantes apresenta ação redutora proteolítca na concentração plasmátca dos grandes mulmeros desse fator. Existe, assim, uma relação inversamente proporcional entre os níveis de fator de von Willebrand e a contagem plaquetária. Logo, o uso de AAS em plaquetas acima de 1.000.000/ μL pode resultar em sangramento importante, devendo ser realizada a dosagem do fator de von Willebrand e cofator de ristocetna para avaliar se há contraindicação ao uso.
C - Critérios diagnóstcos A TE deve ser sempre diferenciada de trombocitose reatva e de outras mieloproliferações clonais que causam trombocitose, o que é importante, pois há o risco de eventos trombótcos somente nas trombocitoses primárias. Tabela 5 - Causas de trombocitose rea tva - Doenças infecciosas ou inflamatórias; - Neoplasias; - Anemia ferropriva, anemia hemolítca, sangramentos agudos; - Esplenectomia.
Classicamente, descrevia-se uma série de critérios, que por muitos anos auxiliou o diagnóstco dessa patologia, esAs taxas de incidência anuais para TE variam de 0,59 a tabelecidos também pelo Polycythemia Vera Study Group. 2,5 casos/100.000 indivíduos ao ano, maior em mulheres Atualmente, porém, com o advento da pesquisa da muta-
A - Epidemiologia
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HEMATOLOGIA ção JAK2, presente em 50% dos casos de TE, os critérios foram revisados pela OMS em 2008. Tabela 6 - Critérios diagnóstcos de TE, segundo a OMS – 2008 - Plaquetas acima de 450.000/μL; - Proliferação megacariocítca com morfologia madura. Nenhuma ou pouca proliferação granulocítca ou mieloide; - Demonstração de JAK2 ou MPL; - Se JAK2 negatvo, deve ser excluída outra causa de plaquetose; - Sem critérios diagnóstcos da OMS para LMC, PV, mielofibrose, mielodisplasia ou outra neoplasia mieloide; - São necessários todos os 4 critérios diagnós tcos.
Pode-se observar que a doença permanece como diagnóstco de exclusão.
D - Prognóstco e tratamento A TE pode ser considerada um processo mieloproliferatvo benigno com uma expectatva de vida normal, em que o risco de eventos trombó tcos, transformação para mielofi-
brose ou leucemia mieloide aguda num período de 15 anos é de 17, 4 e 2%, respec tvamente. Portanto, o tratamento de pacientes sintomátcos deve ser dirigido para a redução da morbidade associada aos sintomas vasomotores, complicações trombótcas e hemorrágicas. Como 1º passo, deve-se classificar a trombose em alto ou baixo risco: -
c) Anagrelida Este potente inibidor, uma quinazolina inibidora da enzima nucleodeo-fosfodiesterase cíclica, é capaz ainda de inibir a proliferação e a maturação de megacariócitos, juntamente com a trombopoese. Não há efeitos diretos nas demais séries hematológicas. A droga é considerada teratogênica e não deve ser administrada em grávidas. Pacientes resistentes à hidroxiureia respondem à anagrelida em 68% dos casos, só recomendada em casos de falha ou intolerância ao outro agente. Não há efeito leucemogênico observado em trabalho prospectvo de 7 anos, mas há maior risco de transformação em mielofibrose quando comparado com a hidroxiureia. d) Interferon-alfa É um agente citorredutor atvo sem ação mutagênica ou teratogênica. Além do efeito mielotóxico direto, seu uso na TE é justficado pelo antagonismo ao PDGF (fator de crescimento derivado de plaquetas), substância responsável pela proliferação dos megacariócitos. É bastante eficiente nessa patologia, com resposta geral de cerca de 84%, contudo os efeitos colaterais bastante frequentes (febre e sintomas gripais), associados à via de administração subcutânea diariamente, impedem, muitas vezes, a boa adesão do paciente a esse fármaco. e) Pipobromana
Alto risco: idade ≥60 anos ou episódio trombó tco anterior; - Baixo risco: nenhum dos itens anteriores. O 2º passo é definir a melhor opção terapêu tca – são as mesmas que na PV, com algumas poucas variações no arsenal e na administração.
ficado como Derivado da piperazina, estruturalmente classi um agente alquilante, é um medicamento com taxa global de resposta na diminuição plaquetária e natvidade a anttrombótca de cerca de 95%. Contudo, apresenta risco de indução de leucemia com o uso em longo prazo, além de ser um medicamento novo e pouco disponível na maioria dos países.
a) Ácido acetlsalicílico Consttui a terapia antagregante plaquetária padrão. O uso em pacientes assintomátcos é discuvel e, geralmente, não recomendado. As manifestações vasomotoras são facilmente controladas com baixas doses de AAS (80 a 100mg/d). Está também indicado na profilaxia secundária de eventos trombótcos. O uso de AAS, porém, em pacientes com plaquetose acima de 1.000.000/ μL é contraindicado, por haver aumento de eventos hemorrágicos pela comum associação com doença de von Willebrand adquirida, situação que sempre deve ser excluída nesses casos pela pesquisa do cofator de ristocetna (cujo normal é estar acima de 30%) antes da introdução do medicamento.
Tabela 7 - Manuseio atual da TE de acordo com o risco de trombose
b) Hidroxiureia É o agente citorredutor de escolha nos pacientes de alto risco, com ação tanto na redução de plaquetas quanto na atvidade anttrombótca, utlizado com o objetvo de manter a contagem plaquetária <400.000/mm3. O efeito na proliferação celular não é específico para plaquetas, resultando em supressão da eritropoese e granulopoese, que, por sua vez, implicam, respectvamente, anemia e leucopenia.
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Estratficaçãoderisco Baixo risco
Conduta Baixa dose de aspirina se sintoma vasomotor
Baixo risco, porém, com exBaixa dose de aspirina (se cofator trema trombocitose (acima de ristocetna >30%) de 1.000.000/μL) Alto risco
Baixadosedeaspirina+hidroxiureia
Como a maior parte dos pacientes com TE tem expectatva de vida normal, com baixa taxa de complicação, o tra-
tamento citorredutor com medicamentos potencialmente tóxicos deve ser reservado àqueles que efetvamente precisam – os de alto risco. Por fim, em extrema trombocitose com episódios trombótcos, pode-se proceder à plaquetaférese, com redução temporária dos níveis plaquetários.
4. Mielofibrose A MP (também conhecida como metaplasia mieloide agnogênica, mieloesclerose e osteoesclerose) é uma neo-
NEOPLASIAS MIELOPROLIFERATIVAS (NÃO LMC)
plasia mieloproliferatva de caráter crônico e de e tologia desconhecida, caracterizada por esplenomegalia, sangue periférico exibindo quadro leucoeritroblástco e presença de hemácias “em lágrima” (dacriócitos), além de medula óssea com variado grau de fibrose, hematopoese extramedular e sintomas consttucionais. A presença de fibrose na medula óssea não é su ficiente para definir essa entdade, pois inúmeras outras doenças malignas e não malignas podem exibir esse mesmo achado. É uma doença rara, com incidência estmada em 0,5 ca-
As primeiras queixas estão relacionadas à anemia e consttuem fraqueza, fadiga, palpitações e dispneia aos esforços. A esplenomegalia pode ser bastante volumosa, exteriorizando-se por sensação de massa no flanco esquerdo e por efeitos compressivos nas vísceras ocas abdominais, ocasionando sensação de plenitude gástrica e saciedade precoce. Manifestações hemorrágicas (relacionadas à plaquetopenia e à disfunção plaquetária) são reveladas por petéquias e equimoses. Nas fases mais avançadas da doença, aparecem sintomas gerais importantes, como sudorese no-
sos/100.000 ao com ano. ligeiro A idadepredomínio média parano o diagnós tco é de habitantes 50 a 69 anos, sexo masculino e sobrevida média de 3 anos em cerca de 52% dos casos. A fisiopatologia dessa doença ainda não é compreendida; acredita-se que primeiramente ocorra uma mutação somátca na célula hematopoétca pluripotente, seguida da proliferação anômala de fibroblastos, induzida por citocinas e fatores de crescimento liberados por megacariócitos. Logo, a fibrose medular é uma reação aos megacariócitos dismórficos e clonais. Inicialmente, há uma fase hipercelular da patologia, de duração variável, caracterizada por poliglobulia, leucocitose e/ou plaquetose, sendo o diagnóstco definitvo, algumas vezes, de difcil realização. Apenas posteriormente a doença evolui para uma fase hipocelular fibrótca. Anormalidades cromossômicas podem ser detectadas em 50 a 60% dos casos, nenhuma delas especí fica da MF, mas as mais comuns são deleção do 20q, deleção do 13q e anormalidades do cromossomo 8.
turna, astenia perda de peso, palidez, icterícia, edema e doresprogressiva, ósseas. A incidência de evento arterial ou venoso é semelhante à TE e menor que na PV – os fatores de risco são idade avançada, leucocitose e presença da mutação JAK2. Tecido de eritropoese extramedular pode ocorrer em qualquer lugar, mas é mais comum no baço (esplenomegalia) e no fgado (hepatomegalia). Também pode ser encontrado no pulmão, sistema nervoso central, canal medular (inclusive com síndrome de compressão medular), trato gastrintestnal, pleura, pericárdio etc. Ao hemograma, observa-se anemia, em geral normocítca e normocrômica, com anisocitose e poiquilocitose importantes, além do achado das hemácias em lágrimas ou dacriócitos (provenientes da hematopoese extramedular). Podem ser encontrados leucopenia, número normal de leucócitos ou leucocitose. Desvio à esquerda até algumas células blástcas, juntamente com a presença de eritroblastos (precursores de hemácias), configura o quadro de reação leucoeritroblástca, uma característca marcante da doença. Plaquetas podem estar normais ou diminuídas em número, e a trombocitose é rara. Frequentemente, há alteração da morfologia das plaquetas e de sua função.
Figura 2 - Dacriócito
A - Quadro clínico A sintomatologia é de instalação insidiosa e, em aproximadamente 20% dos casos, o diagnóstco é obtdo pelo achado incidental de esplenomegalia ao exame fsico ou pela ultrassonografia.
Figura 3 - Reação leucoeritroblástca: células eritroides e granulocítcas imaturas
A contagem de CD 34 no sangue periférico (marcadores de células hematopoétcas precursoras) é 90 vezes maior
119
A I G
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HEMATOLOGIA que uma pessoa saudável, sendo u tlizada como diagnóstco diferencial de outras mieloproliferações crônicas, que não LMC. Alguns estudos mostram que esse achado tem valor prognóstco, ao passo que outros não o conseguem comprovar. O aspirado de medula óssea é geralmente “seco” (ou seja, sem saída de material para análise, devido ao grau de fibrose), com biópsia de medula óssea revelando, comumente, extremos graus de fibrose ou expressiva hiperplasia megacariocítca na fase hipercelular. A mutação JAK2 pode ser encontrada em 50% dos casos, mas o seu significado clínico quanto ao impacto na evolução e sobrevida ainda é incerto. Outras alterações laboratoriais geralmente presentes são hiperuricemia, pela alta taxa de renovação celular, aumento de DHL, pela eritropoese inefe tva, e aumento da fosfatase alcalina, pelos comprome tmentos hepá tco e ósseo. A fibrose medular e a reação leucoeritroblástca não são patognomônicas de mielo fibrose primária, visto que podem ocorrer em outras situações: câncer com metástase medular, doenças autoimunes (LES, esclerodermia), hiperparatreoidismo e osteodistrofia renal. Tabela 8 - Critérios diagnóstcos para mielofibrose, segundo a OMS – 2008
Critérios maiores
1 - Proliferação megacariocítca e atpia acompanhada tanto por fibrose retculínica quanto colágena, ou, na ausência da primeira, as mudanças megacariocítcas devem ser acompanhadas por aumento de celularidade medular, proliferação granulocí tca e, geralmente, diminuição da eritropoese. 2 - Demonstração da mutação JAK2 ou MPL. 3 - Sem critérios diagnóstcos para LMC, PV, SMD ou outra neoplasia mieloide. Critérios menores 1 - Leucoeritroblastose. 2 - Aumento de DHL. 3 - Anemia. 4 - Esplenomegalia palpável. Todos os 3 critérios maiores e, ao menos, 2 critérios menores.
B - Prognóstco Em comparação com as demais neoplasias mieloproliferatvas, a mielofibrose tem um prognóstco pior, com sobrevida média de 6 anos e um risco de 30% de evolução para leucemia mieloide aguda. Consequentemente, são necessários índices prognóstcos que orientem a decisão terapêutca.
120
Tabela 9 - Escore prognóstco para mielofibrose (Internatonal Prognostc Scoring System) Fatores prognóstcos - Hemoglobina <10g/dL; - Leucócitos ≥25.000/mL; - Blasto circulante≥1%; - Idade >65 anos. Risco
Número de fatores
Baixo
0
Intermediário 1-
1
Intermediário 2-
2
Alto
Sobrevida (meses) 135 95 48
3
≥
27
C - Tratamento No momento, o único tratamento considerado potencialmente curador para mielofibrose é o transplante de células-tronco hematopoétcas alogênico. Deve ser indicado a pacientes de alto risco, com idade abaixo de 55 anos. É possível obter sucesso em até 62% dos casos. O tratamento medicamentoso, por sua vez, é paliatvo e importante no controle dos sintomas. Terapia convencional inclui preparações de androgênios, prednisona, fatores estmuladores da eritropoese e danazol (esteroide sinté tco), associação de baixas doses de talidomida e prednisona, alcançando dosesda regulares no controle de sintomas sistêmicos anemia,e resultados trombocitopenia e esplenomegalia, com respostas aproximadas de 20%. A lenalidomida, um análogo da talidomida, também se tem revelado droga de boa resposta nesses mesmos casos. Por sua vez, a hidroxiureia ainda é a atual droga de escolha para controle de esplenomegalia, leucocitose e trombocitose. Ainda se tem a pesquisa de um 3º componente derivado da talidomida, a pomalidomida, que, segundo estudos preliminares, pode ter uma boa resposta na mielo fibrose, em especial se comprovadamente positvo para JAK2. A esplenectomia está indicada aos pacientes que não respondem à terapia medicamentosa, persistem com esplenomegalia importante e sintomas mecânicos, infarto esplênico recorrente, anemia dependente de transfusões frequentes ou plaquetopenia refratária. A mortalidade relacionada ao procedimento chega a 24%, e a morbidade pode alcançar taxas de 46%, sendo as principais causas: sangramento de difcil controle no intraoperatório, infecção ou eventos trombótcos (por trombocitose no pós-operatório). Alguns estudos relatam que a transformação leucêmica em pacientes com MF esplenectomizados pode chegar a 16%. Irradiação do baço também pode ser feita em indivíduos que não podem realizar a esplenectomia, com bene fcio transitório (3 a 6 meses) quanto a sintomas de compressão mecânica ou citopenias. Locais de eritropoese extramedular com sintomas importantes, como derrame pleural, ascite, compressão medular, podem ser irradiados para alívio do sintoma.
NEOPLASIAS MIELOPROLIFERATIVAS (NÃO LMC)
Medicamentos ainda em estudo são inibidores do TNF-alfa (etanercepte), inibidores da mutação JAK2 e bortezomibe (antneoplásico), ao encontro de alguma droga que possa interferir na evolução natural da doença.
5. Resumo A I G
Quadro-resumo Neoplasias
Policitemia vera
Trombocitemia essencial
Manifestações clínicas
- Prurido aquagênico, eritromelalgia.
- Sintoma vasomotor.
Complicações
- Eventos tromboembólicos (raro sangramento).
- Evento tromboembólico, hemorragia.
Diagnóstco
Tratamento
Prognóstco
- Hb >18,5g/dL (ho- - Baixo risco: flebotomia mem) ou >16,5g/ +AAS; -BaixoriscodetransdL (mulher) + JAK2 formação hematopositvo + pan-mie- - Alto risco (>60 anos ou lógica (mielofibrose trombose prévia): fle- e leucemia aguda), lose + dosagem de botomia + hidroxiureia sobrevida longa. EPO diminuída ou + AAS. normal. - Plaqueta - Baixo risco:AAS – se >450.000/mm3 sintoma vasomotor ou + JAK2 positvo + plaquetas >1 milhão, hipercelularidade após descartar doença medular (principal- de von Willebrand; mente de megacariócitos) + exclusão de plaquetose - Alto risco (>60 anos ou reacional, LMC, PV, trombose anterior): MF, mielodisplasia hidroxiureia + AAS. ou outra mieloproliferação.
- Bom/baixo risco de transformação hematológica (MF e leucemia aguda).
- Tratamento curatvo: - Estado hipercatabólico,
Mielofibrose
- Sintomas sistêmicos, de compressão mecânica pela esplenomegalia e de anemia.
transplante de medula óssea; hepatoespleno- - ↑megacariócitos + - Tratamento paliatvo: megalia maciça fibrose medular + andrógeno, danazol, com hipertenJAK2 ou MPL posieritropoetna e transfu- - Pode ser bastante são portal, outvo + exclusão de sões (anemia); talidoruim, a depender dos tros sintomas LMC, PV e SMD; mida com prednisona, fatores prognóstcos, de eritropoese - Leucoeritroblasto- lenalidomida (sintomas com sobrevida de 26 extramedular, sistêmicos, anemia, pla- meses nos pacientes se + esplenomea depender do quetopenia); esplenecgalia + ↑DHL + de alto risco. local acometomia ou radioterapia anemia. tdo, infecção, esplênica (refratários); transformação radioterapia de tecido leucêmica. sintomátco de eritropoese extramedular (ex.: compressão medular).
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HEMATOLOGIA
CAPÍTULO
Linfomas
11 1. Introdução Os linfomas são tumores sólidos com srcem no tecido linfoide normal, geralmente em linfonodos, e incluem várias apresentações, que cursam com quadros clínico, morfológico e imuno-histoquímico bastante diversos. Apresentam cerca de 55.000 casos novos e 25.000 mortes por ano nos EUA, e são responsáveis por 4% de todas as mortes relacionadas a neoplasias malignas. Os linfomas são classicamente divididos em não Hodgkin ou Hodgkin, com base em achados clínico-patológicos. O diagnóstco do Linfoma de Hodgkin (LH) se baseia no encontro da célula de Reed-Sternberg ou suas variantes, o que não acontece no Linfoma Não Hodgkin (LNH).
2. Abordagem do paciente com linfoma Independente do tpo de linfoma, a abordagem inicial ao paciente é a mesma: -
História clínica detalhada e exame fsico minucioso;
-
Exame diagnóstco;
-
Exames de estadiamento;
-
Estratficação de risco.
A manifestação clínica mais comum nos linfomas é o aparecimento de adenomegalias indolores com consistência de borracha, que podem ser localizadas (em estadios precoces) ou disseminadas (em estadios avançados). Todos os tecidos do organismo apresentam células linfoides, desta forma, pode-se desenvolver linfoma em qualquer órgão (linfoma extranodal), como ovário, tesculo, treoide, pálpebra, fgado, pulmão etc. Por isso, história e exame fsico detalhados são muito importantes. Sintomas B são manifestações sistêmicas que podem acompanhar as adenomegalias e têm importância prognóstca. São eles: -
Emagrecimento: perda de menos 10% do peso nos últmos 6 meses;
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Fernanda Maria Santos / Marcos Laercio Pontes Reis
Febre: temperatura >38°C, geralmente vespertna, persistente ou recorrente no últmo mês; - Sudorese noturna: recorrente no últmo mês. -
Para diagnostcar o tpo de linfoma, utliza-se o exame histopatológico da região acometda, e, para determinar o subtpo, imprescindível para a decisão terapêutca e a determinação prognóstca, é necessário o exame de imuno-histoquímica do mesmo material. O exame de punção por agulha fina não permite a análise histológica, o que muitas vezes compromete o diagnóstco do tpo e do subtpo de linfoma, não sendo encorajado como exame diagnós tco. A decisão do local aou serresultado biopsiado é conclusivo. difcil, pelo risco de material inadequado não Quando há adenomegalia palpável, opta-se por biopsiar o maior gânglio, com a seguinte ordem de preferência: supraclavicular, cervical, axilar ou inguinal. A biópsia excisional é recomendada sempre que possível. Outras característcas dos linfonodos que devem sugerir a realização de biópsia para inves tgação são linfonodos >2cm (em adultos) e 1cm (crianças), e presença de linfonodos aderentes aos planos profundos, de crescimento progressivo e permanente (a partr de 30 dias). O estadiamento cumpre 3 objetvos principais: auxiliar na seleção da terapêu tca, assegurar a identficação de todas as áreas acometdas para reavaliação pós-tratamento e ter valor prognóstco. Os exames utlizados para o estadiamento são: -
Tomografia computadorizada de pescoço, tórax, abdome e pelve (de sistema nervoso central apenas se houver sintoma que a justfique);
-
Biópsia de medula óssea: realizada em crista ilíaca posterior (unilateral em LNH, bilateral em LH), avalia se há comprometmento medular por meio da análise histológica. O mielograma faz análise apenas citológica e não é indicado para estadiamento de linfoma;
-
Cintlografia com gálio ou PET-scan: avaliam a infiltração tumoral e não só a dimensão dos linfonodos, complementando o estadiamento inicial, e são importantes no controle pós-rádio ou quimioterapia;
LINFOMAS
Estadios
Descrição
IV
Envolvimento de síto extranodal não conguo a linfonodo acometdo (exemplos: fgado e medula óssea).
A
Ausência de sintomas B.
B
Presença de sintomas B. Observação: basta 1 sintoma B presente.
E
Envolvimento de sí to extranodal conguo.
S
Acometmento do baço.
X
Doença bulky: massa mediastnal acima de 1/3 do diâmetro intratorácico máximo ou massa de diâmetro acima de 10cm.
A I G
O L O T A M E H
Figura 1 - Imagens de cintlografia com gálio, evidenciando captação anômala na região de coxa esquerda até região inguinocrural -
Liquor: alguns linfomas agressivos tendem a comprometer o sistema nervoso central, estando indicado esse exame como parte do estadiamento em casos selecionados, como nos pacientes HIV posi tvos (pela maior chance de infiltração em SNC) e naqueles em que há acometmento de linha média facial (oronasofaringe, anel de Waldeyer, cavidades paranasais, olhos, pela proximidade com SNC);
Endoscopia digestva alta: linfomas de orofaringe (anel de Waldeyer) podem também acometer o estômago, estando a endoscopia indicada nesse caso; - Hemograma e bioquímica completa. -
Realizados os exames, o paciente pode ser classi ficado conforme a extensão da doença em estadios de I a IV (Ta-
Figura 2 - Estadiamento de linfoma pelo sistema Cotswolds: os pontos em azul-escuro se caracterizam como acometmento linfomatoso
A estratficação de risco é feita por meio da pontuação de fatores prognóstcos, que variam de acordo com o tpo de linfoma (Hodgkin ou não Hodgkin), importante no planejamento terapêutco.
3. Linfoma de Hodgkin A - Introdução
bela 1).
Esta é uma doença proliferatva que tem srcem no linfócito B do centro germinatvo e se caracteriza, histopatologicamente, pela presença das células de Reed-Sternberg, Estadios Descrição imersas em substrato celular característco, de aspecto inEnvolvimento de apenas 1 região linfonodal ou estru- flamatório. I tura linfoide, ou envolvimento de sí 1to extranodal (IE). Representa 10% de todos os linfomas e 0,6% de todas Envolvimento de mais de 1 região linfonodal ou as neoplasias do adulto. Observa-se uma curva bimodal de estrutura linfoide, ou envolvimento localizado de 1 incidência, caracterizada por baixa incidência na infância, II síto extranodal conguo e 1 ou mais regiões linforápida elevação com pico em torno dos 20 anos, um platô nodais (IIE) do mesmo lado do diafragma. ao longo da meia-idade e novo pico após a 5ª ou 6ª décaEnvolvimento de regiões linfonodais acima e abaixo da. Há maior incidência em homens que em mulheres, em III do diafragma. brancos que em negros.
Tabela 1 - Estadiamento dos linfomas: sistema Cotswolds
123
HEMATOLOGIA
Figura 3 - Curva bimodal de distribuição dos casos de linfoma de Hodgkin
B - Etologia Três fatores estão relacionados ao desenvolvimento do LH: - Agentes infecciosos: o fator etológico mais estudado na doença de Hodgkin é o vírus Epstein-Barr. O antecedente de mononucleose infecciosa, confirmado por testes sorológicos, confere um risco 3 vezes maior para o aparecimento do LH. As células da doença clássica contêm o EBV em cerca de 50% dos casos; - Fator genétco: o risco de desenvolver LH é maior entre parentes de 1º grau de paciente com a doença, devido à suscetbilidade genétca e exposição ambiental comum dos membros da família. A ocorrência de agregação familiar de incidência é 3 a 5 vezes maior em parentes de 1º grau quando comparado com a população geral. Gêmeos idêntcos têm risco ainda maior; - Imunossupressão: existe uma incidência bastante aumentada do LH na população imunossuprimida por transplante de órgão sólido, transplante de células-tronco hematopoétcas, HIV e doença autoimune.
C - Histopatologia, classificação e característcas clínicas
As células de Reed-Sternberg (RS) são grandes, binucleadas ou multnucleadas e com nucléolo evidente e eosinoflico, e o citoplasma é abundante, sendo também eosinoflico (Figura 4). Tradicionalmente, essa célula é descrita como “olho de coruja”. A variante da célula RS é a célula de Hodgkin – apresenta o mesmo padrão de nucléolo evidente e eosinofilia, mas é mononuclear. Tais células estão sempre localizadas em um fundo de células inflamatórias abundantes, de forma que a massa tumoral é consttuída de somente 1 a 2% de células neoplásicas (as células RS) com 99% de reação inflamatória.
124
Figura 4 - Célula de Reed-Sternberg
Muitas classificações diferentes baseadas na morfologia e no comportamento clínico do LH já foram u tlizadas; a mais recente é a formulada pela Organização Mundial de Saúde (OMS/WHO) em 2008, batzada de classificação REAL (Revised European American List). As principais alterações em relação à classificação de Rye e REAL (até então, a mais aceita) é a definição de que, sendo uma neoplasia linfoide, a terminologia correta deve ser LH (e não doença de Hodgkin); e a definição de 2 tpos principais de LH: a forma de predomínio linfocítco nodular e a forma clássica, que inclui os subtpos ricos em linfócitos, celularidade mista, depleção linfocitária e esclerose nodular. A subclassificação do LH clássico baseia-se na diferença da composição do tecido inflamatório que acompanha as células RS. Tabela 2 - Classificação do linfoma de Hodgkin - Predominância linfocítca nodular; - LH clássico: . Esclerose nodular; . Rico em linfócitos; . Depleção linfocitária; . Celularidade mista.
LINFOMAS
a) Predominância Linfocítca Nodular (PLN) A principal característca morfológica do subtpo PLN é que não possui a célula RS clássica, mas sim uma variante, conhecida como célula “em popcorn” com vesículas, núcleo polilobulado e nucléolo periférico e pequeno. O tecido inflamatório de fundo contém muitos linfócitos, principalmente linfócitos B, também histócitos, eosinófilos, plasmócitos e neutrófilos. É um tpo distnto do LH clássico inclusive pela epidemiologia, pois o pico de incidência é maior em adultos entre 30 e 50 anos, predominantemente do sexo masculino. Representa aproximadamente 5% dos casos de LH. Setenta e cinco por cento dos casos são classi ficados como estadio I ou II, sendo os linfonodos periféricos as regiões mais acometdas. É bastante raro o acome tmento mediastnal (2 a 7%), esplênico (8%) e, mais ainda, o envolvimento medular (1 a 2%). Pouco comum é o encontro de sintomas B ao diagnóstco (6 a 15%). Sua evolução é bastante lenta e apresenta alta taxa de recidiva, mas tem ó tma resposta terapêutca. b) Esclerose nodular Subtpo histológico mais comum. Corresponde a cerca de 70% dos casos de LH clássico. Apresenta células lacunares e bandas de colágeno que, caracteristcamente, separam o tecido linfoide em nódulos. Acomete, em geral, adolescentes e adultos jovens. Geralmente, tal subtpo histológico envolve os linfonodos cervicais inferiores, supraclaviculares e mediastnais, e, em cerca de 70% dos casos, é diagnostcado ainda em estágio limitado (estadio I ou II).
Figura 5 - Bandas de colágenos separando nodulações no linfonodo no subtpo esclerose nodular
c) Celularidade mista Correspondem a até 25% dos casos de LH, os 2 extremos de idade (crianças e idosos) e é mais comumente associado a estágios avançados ao diagnós tco, sintomas consttucionais e imunodeficiência. A celularidade mista passa a ser o principal tpo histológico quando ocorre associação de LH e HIV. As clássicas células RS são facilmente encontradas com
um fundo celular composto de linfócitos, eosinó filos, células plasmátcas e histócitos. d) Depleção linfocitária Há 2 tpos histológicos descritos: fibrose difusa e fibrose retcular. Em qualquer uma delas, as células RS são esparsas e de difcil achado. Geralmente, são encontrados em pacientes idosos e também nos HIV positvo, que apresentam, ao diagnóstco, sintomas sistêmicos e estadiamento avançado, sendo o sub tpo mais raro existente (menos de 1% dos casos). O envolvimento abdominal é bastante comum, logo icterícia e hepatoesplenomegalia podem ser a apresentação inicial, com envolvimentos linfonodal e mediastnal pouco frequentes. e) Rico em linfócitos Corresponde a cerca de 5% do LH clássico, que contém, em tecido inflamatório, muitos linfócitos e poucos neutrófilos e eosinófilos. A apresentação clínica habitualmente é em estadio precoce, raramente acometendo mediastno, com predomínio em homens e em idosos. Trata-se de um subtpo histológico de bom prognóstco, com baixa taxa de recidiva.
D - Manifestações clínicas e laboratoriais A apresentação clínica mais comum é o aparecimento de adenomegalias indolores (em 60% dos casos cervicais ou supraclavicular; nos demais casos, axilares ou inguinais), de consistência de borracha. O paciente pode referir dor na região acometda após ingestão de álcool, mesmo em pequena quantdade – tal queixa é bastante rara (<10%), mas, se presente, é bastante específica de LH. A doença geralmente progride de forma congua, isto é, cervical, supraclavicular, axilar e mediastnal, retroperitoneal, inguinal. A 2ª forma de apresentação mais comum é a massa mediastnal, detectada por raio x em virtude de sintomas respiratórios (tosse seca, dispneia, dor torácica, rouquidão, pneumonite obstrutva, até síndrome da veia cava superior) ou durante investgação de prurido intratável (outra queixa inespecífica que se pode correlacionar com LH). O baço pode estar envolvido em 25% dos pacientes, e a medula óssea, infiltrada em 15% dos casos. Áreas extraganglionares raramente são afetadas no LH, incluindo pele, SNC e TGI; se envolvidos, devem suscitar a associação da doença ao HIV ou ao diagnóstco de LNH. Um terço dos pacientes apresentará sintomas B ao diagnóstco. Há uma partcularidade bastante rara, mas específica do LH, que é a febre de Pel-Ebstein, caracterizada por períodos de dias ou semanas de febre alta separados por intervalos afebris de mesma duração. O prurido, apesar de não ter valor prognós tco e, por este motvo, não ser considerado sintoma B, é um sintoma importante, pois pode ser precoce ou inclusive preceder o diagnóstco de linfoma em meses, devendo ser sinal de alerta para pessoas com queixa de prurido difuso sem motvo aparente.
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HEMATOLOGIA Com relação à avaliação laboratorial, podem-se encontrar alterações inespecíficas: - Hemograma: anemia de doença crônica, ou seja, normocítca/normocrômica; podem estar presentes anemia hemolítca, leucocitose com neutrofilia e/ou eosinofilia (sinal indireto de atvidade de doença), linfopenia, plaquetas em número normal, aumentado ou diminuído; - Hipoalbuminemia; - DHL aumentado; -
VHS aumentado (sendo o principal fator inespecí fico correlacionado com atvidade de doença).
E - Evolução e prognóstco Alguns fatores estão diretamente relacionados ao prognóstco, a depender do estadiamento clínico (Tabelas 1 e 3), os quais separam 2 grupos de pacientes: de prognóstco favorável ou desfavorável. A estratficação de risco é importante para determinar a intensidade do tratamento e reavaliar, após o término, a efetvidade da terapêutca insttuída. Tabela 3 - Fatores de mau prognóstco Estadios precoces (I e II) - Bulky mediastnal; - ≥4 regiões linfonodais acometdas; - >50 anos; - VHS >50 ou VHS >30 se associado a sintoma B. Estadios avançados (III e IV) - Estadio IV; - Sexo masculino; - Idade >45 anos; - Albumina sérica <4g/dL; - Contagem de leucócitos >15.000; - Contagem de linfócitos <600/L ou 8% do total de leucócitos; - Hemoglobina <10,5g/dL.
Para pacientes em estadio precoce, a presença de apenas 1 fator de mau prognóstco o classifica como desfavorável. Nos estadios avançados, quanto maior o número de fatores de mau prognóstco, pior a sobrevida em 5 anos, variando de 84% para aqueles com nenhum fator a 42% se 5 ou mais fatores estverem presentes. Com as opções terapêutcas atuais, é possível alcançar até 94% de sobrevida em 10 anos, o que torna o LH a doença onco-hematológica com maior taxa de cura da atualidade.
F - Tratamento O estadiamento clínico correto é fundamental para a orientação terapêutca. O uso da terapia combinada (quimioterapia + radioterapia) tem o objetvo de alcançar a maior sobrevida global e sobrevida livre de doença, com a menor toxicidade possível, pois utliza menor quantdade de quimioterapia, menor campo irradiado e menor dose de radioterapia – o LH é um dos tumores mais sensíveis à radioterapia.
126
Estadio precoce favorável:a proposta é de 3 a 4 ciclos de quimioterapia + RT da região linfonodal acome tda (involved field). O uso de radioterapia exclusiva apresenta maior taxa de recidiva quando em comparação com o da terapia combinada. Alguns estudos em andamento tentam reduzir ainda mais o número de ciclos de quimioterapia, enquanto outros tentam mostrar que a quimioterapia exclusiva é su ficiente, mas ainda sem conclusão publicada; - Estadio precoce desfavorável: 4 a 6 ciclos de quimiote-
-
field; rapia + RT involved atualmente, Estadio avançado: se preconiza no máximo 6 ciclos de quimioterapia + RT só na lesão bulky, ou se houver lesão residual. A realização de 8 ciclos de quimioterapia mostrou resultados semelhantes a 6 ciclos, porém, com maior toxicidade, devendo-se delimitar, até o presente momento, como 6 o número máximo de quimioterapias.
Mesmo nos casos refratários (ou seja, resistentes à quimioterapia) ou nas recaídas (naqueles que responderam ao tratamento inicial, no entanto, voltaram a apresentar a doença mais tarde), a chance de cura ainda chega a 50% com tratamento adequado. A proposta, nesse caso, é uma quimioterapia de resgate (com drogas quimioterápicas diferentes do tratamento anterior) seguida do transplante de células tronco hematopoétcas autólogo. O papel do transplante de células-tronco hematopoétcas alogênico (de doador) se limita aos casos refratários a todas as terapias prévias, com resultados bem menos promissores (aproximadamente, 10 a 15% de resposta). Como a maior parte dos pacientes com LH PLN apresenta-se em estadio precoce favorável e tem evolução e prognós tco muito bons, o tratamento pode ser menos agressivo, com base em RT exclusiva. Para os estadios precoces desfavoráveis e avançados, o tratamento é semelhante ao do LH clássico.
G - Linfoma de Hodgkin e HIV Nos pacientes em que ocorre infecção pelo HIV, o LH se apresenta com maior frequência de sintomas B, diagnós tco de doença em estadiamento avançado com maior incidência de infiltração de medula óssea e/ou extranodal. Quase universalmente, encontra-se coinfecção com EBV. Os subtpos histológicos mais incidentes são a celularidade mista
e depleção linfocitária, deixando de ser o LH clássico esclerose nodular. Apesar da melhora dos resultados da quimioterapia após uso de terapia an trretroviral de alta potência (HAART), o prognóstco é pior do que nos HIV negatvo, denotando uma doença extremamente agressiva.
4. Linfoma não Hodgkin A - Introdução Os LNH se caracterizam por proliferações clonais de células do sistema imunológico (linfócitos T, linfócitos B ou
LINFOMAS
células retculares) em diferentes estágios de maturação, geralmente com srcem em linfonodos, mas podendo originar-se de qualquer parte do corpo que contenha tais células. Apresentam, assim, uma ampla variedade histológica, imuno-histoquímica e clínica.
B - Epidemiologia a) Do ponto de vista epidemiológico, os LNHs correspondem a:
Investga-se ainda a presença de incidências familiares aumentadas de LNH. Doenças imunossupressoras, congênitas ou adquiridas também são relacionadas ao aumento da incidência de LNH. Em cerca de 50% dos linfomas de células B, podem-se identficar anormalidades cromossômicas, sendo geralmente translocações. Pelo menos em 3 entdades (linfoma de Burki, linfoma folicular e linfoma do manto), translocações distntas estão presentes na maioria dos casos, o que parece consttuir eventos crítcos no desenvolvimento da doença.
-
tcada; 6ª principal neoplasiacausa mais de diagnos 6ª óbito por câncer; - Homens mais acometdos que mulheres; - 150% de aumento da incidência de 1940 a 1980; - Aumento anual de 3% na incidência; - Incidência aumentando logaritmicamente com a idade; - Incidência dos diversostpos de LNH diferindo geograficamente. Por exemplo: linfoma T/NK nasal tem maior incidência no sul da Ásia eem partes da America Latna; - ATLL (leucemia/linfoma de células T do adulto) é mais comum no Sul do Japão e Caribe. -
b) Causas do aumento de incidência: - Melhoria do diagnóstco; - AIDS; - Exposição ambiental; -
Advento de terapias imunossupressoras.
C - Etologia A etologia é multfatorial: exposição ocupacional a pestcidas e herbicidas, além de radiação ionizante em altas doses, podem ser fatores etológicos. Existem alguns agentes infecciosos relacionados ao LNH já bem definidos (Tabela 4). Tabela 4 - Agentes infecciosos relacionados ao LNH Agenteinfeccioso
TipodeLNH
HTLV-1 (vírus Leucemia/linfoma de células T do adulto humano linfotró(ATLL). pico T) Linfoma de Burki, linfoma primário do sisVírus Epstein-Barr tema nervoso central, linfomas relacionados à imunossupressão e linfoma T/NK nasal. Helicobacter pylori
Linfoma MALT do estômago.
Borrelia sp
Linfoma B cutâneo.
Chlamydia psiaci Linfoma MALT ocular. HIV
Linfoma difuso de grandes células B e linfoma de Burki.
Vírus da hepatte C Linfoma da zona marginal esplênico. HHV-8 (herpes-vírus humano tpo 8)
Linfoma efusivo primário.
Tabela 5 - Principais alterações cromossômicas dos linfomas de células B Neoplasia Burki (8;14)
Translocação tA t(11;18)
MALT
t(1;14)
Folicular
Consequência tvação do c-myc
Redução da apoptose Doença mais agressiva
t(14;18)
A tvação do bcl-2
t(3;14)
Doença extranodal
Linfoblástco
t(1;14)
A tvação do tal-1/SCL
Manto
t(11;14)
A tvação do bcl-1 (ciclina D1)
Difuso de grandes células B
D - Quadro clínico A manifestação clínica depende muito do tpo de linfoma e do local acometdo. Tipicamente, manifesta-se como adenomegalia indolor, confluente e de aumento progressivo; sintomas B estão presentes em 25 a 40% dos pacientes, principalmente nos linfomas agressivos; outros sintomas sistêmicos são menos comuns (<10%) e sem valor prognóstco, como fadiga, mal-estar e prurido. O tecido linfoide da orofaringe (anel de Waldeyer) pode estar envolvido, em geral, em associação ao trato gastrintestnal. A hepatoesplenomegalia é bem mais comum do que no LH, principalmente nos linfomas indolentes. A história e o exame fsico completos são fundamentais para detectar evidências de envolvimento extranodal (mais frequente no trato gastrintestnal, mas também no SNC, tesculo, pulmão, pele e medula óssea), sendo esta in filtração extranodal bem mais comum que no LH, com uma incidência em torno de 35% dos casos. Performance status é de valor prognóstco muito importante e influi na decisão terapêu tca, devendo ser documentado. As 2 escalas mais u tlizadas são a de Karnofsky e o ECOG (Tabela 6). Tabela 6 - Escala de performance status do ECOG (Eastern Cooperatve Oncology Group) Performance status
Definição
0
Sem restrições, é assintomá tco.
1
Exerce as atvidades habituais, com restrição aos grandes esforços.
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HEMATOLOGIA Performance status
Definição
II - Neoplasias de células B periféricas 7 - Tricoleucemia.
2
É capaz apenas de autocuidado, não exerce atvidades habituais.
8 - Plasmocitoma/mieloma múltplo.
3
É restrito ao leito >50% do dia, e tem auxílio para autocuidado.
10 - Linfoma de Burki.
4
É limitado ao leito, totalmente dependente.
9 - Linfoma difuso de grandes células B. Neoplasias de células T e NK (Natural Killer) I - Neoplasias de células T precursoras
Complicações possíveis como manifestação inicial do linfoma, que necessitam de rápida identficação e trata-
1 - Linfoma/leucemia linfoblástca.
mento, caracterizando emergência médica, são: - Síndromes compressivas: compressão medular, síndrome da veia cava superior, obstrução da via aérea superior (em geral por massa mediastnal), obstrução ou intussuscepção intestnal, obstrução ureteral; - Tamponamento pericárdico; - Hipercalcemia, partcularmente na ATLL; - Meningite linfomatosa ou lesão com efeito de massa no sistema nervoso central; - Lise tumoral em linfomas de alto turnover (Burki e linfoblástco); - Hiperviscosidade em linfoma linfoplasmocítco; - Anemia ou plaquetopenia autoimune severas – habitualmente, associadas ao linfoma linfocítco.
1 - Leucemia pró-linfocítca T. 2 - Linfoma de células T/ NK.
E - Classificação A classificação dos LNH é motvo de controvérsia em toda a história da Medicina, justamente pela ampla variedade histológica que essa patologia oferece. Debates desde a década de 1970 propuseram 6 novas classificações, e, por um período, 4 classificações chegaram a ser utlizadas em todo o mundo ao mesmo tempo. Posteriormente, após uma tentatva de consenso, conseguiu-se uma unificação da classificação chamada Working Formulaton que, por muitos anos, foi a mais u tlizada. Na década de 1990, houve ainda a classificação REAL. Atualmente, é usada a classi ficação da OMS, que considera aspectos morfológicos, imunofenopicos, genétcos e clínicos. Tabela 7 - Classificação da OMS resumida Neoplasias linfoides B I - Neoplasias de células B precursoras 1 - Linfoma/leucemia linfoblástco. II - Neoplasias de células B periféricas 1 - LLC, leucemia pró-linfocítca, linfoma linfocítco. 2 - Linfoma linfoplasmocítco. 3 - Linfoma de células do manto. 4 - Linfoma folicular. Graus: I, células pequenas; II, misto; III, células grandes. 5 - Linfoma da zona marginal. A. Extranodal (tpo MALT). B. Nodal. 6 - Linfoma esplênico da zona marginal.
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II - Neoplasias de células T periféricas
3 - Micose fungoide e síndrome de Sézary. 4 - Linfoma T periférico. 5 - Linfoma angioimunoblástco. 6 - Linfoma angiocêntrico. 7 - Linfoma intestnal (associado ou não à enteropata). 8 - Linfoma/leucemia de células T do adulto (ATLL). 9 - Linfoma de grandes células anaplásico.
Além da classificação histológica, podem-se agrupar os pacientes em apresentações clínicas comuns de sobrevida semelhante. Assim, os LNH são agrupados em linfomas indolentes, agressivos e muito agressivos, classificação esta extremamente importante para programação terapêutca. linfomas indolentes têmOs crescimento lento eapresenacometemOs principalmente os idosos. pacientes podem tar-se com poucos sintomas por vários anos, mesmo após o diagnóstco, sendo comuns, por este motvo, a apresentação em estadios avançados (estadio III ou IV) e o envolvimento do sangue e da medula óssea. Como o curso é lento, a sobrevida é de vários anos, mesmo se não tratado. Pode-se, inclusive, observar ocasional regressão espontânea em alguns casos. Entretanto, a cura em tais situações émenos provável do que nos pacientes com formas agressivas de linfoma, pois a taxa de recidiva é muito alta. Os linfomas indolentes correspondem a, aproximadamente, 40% dos diagnós tcos de LNH. Por sua vez, os linfomas agressivos a tngem qualquer idade, geralmente adultos, apresentando-se com massa de rápido crescimento. O envolvimento do sangue e da medula óssea, ao contrário, é menos comum, e, caso não haja tratamento, a sobrevida é curta, com duração de meses. Finalmente, os LNH altamente agressivos acometem crianças e adultos jovens, com um crescimento tumoral extremamente rápido, consequentemente os estadios ao diagnóstco também são avançados. É comum o envolvimento inicial da medula óssea e do SNC, com sobrevida de semanas se não tratado. A seguir, estão descritos os principais representantes de cada tpo clínico de linfoma: - Linfomas indolentes (sobrevida anos): linfoma linfocítco, linfoplasmocítco, folicular, MALT, micose fungoide; linfoma do man- Linfomas agressivos (sobrevida meses): to, grandes células B, anaplásico, angiocêntrico T/NK;
LINFOMAS
-
Linfomas altamente agressivos (sobrevida semanas): linfoma linfoblástco, Burki.
Segue a descrição das formas histopatológicas mais frequentes: a) LNH difuso de grandes células B É a neoplasia linfoide mais comum e corresponde a 25% de todos os linfomas. A incidência aumenta com a idade, com mediana de idade ao diagnóstco de 64 anos e predomínio no sexo masculino. Apresenta-se como massas de rápido crescimento, com diagnóstco em estadio avançado em 60% dos casos. O acometmento extralinfonodal ocorre em 40% dos casos, sendo o local mais comum o trato gastrintestnal, mas pode acometer qualquer tecido: pele, tesculo, sistema nervoso central, ovários, osso, treoide, amígdalas etc. A medula óssea pode estar envolvida em até 30% dos casos ao diagnóstco. É agressiva, com taxa de sobrevida em 4 anos variando de 53 a 94% de acordo com os fatores prognóstcos e o tratamento. A associação de poliquimioterapia ao rituximabe (an tcorpo monoclonal ant-CD20) melhorou em 15% as taxas de remissão completa e sobrevida. b) Linfoma folicular É o linfoma indolente mais comum (20% dos LNH e 70% dos LNH indolentes) de células B. Ocorre, sobretudo, em idosos (mediana de idade ao diagnóstco de 60 anos), com discreto predomínio nas mulheres, com linfadenopata generalizada, indolor e, muitas vezes, extensa. O comprometmento de órgãos que não linfonodos ou medula óssea é incomum. Em 60 a 70% dos casos, a medula óssea está acometda ao diagnóstco. Histologicamente, é subclassificado pela OMS em graus I, II ou III (predomínio de células pequenas, mistas ou grandes, respectvamente), sendo essa divisão de importante valor prognóstco, pois o grau III é de evolução mais rápida e com menor sobrevida. Podem evoluir para formas rapidamente progressivas (linfoma de células B difuso), de prognóstco mais reservado. A sobrevida de 8 a 12 anos é comum, mesmo em alguns pacientes sem indicação terapêutca. c) Linfoma MALT (Mucosa-Associated Lymphoid Tissue) É um linfoma indolente de células B, que pode ser dividido em 3 classes: nodal, esplênico e extranodal, sendo o úl tmo o mais comum. O linfoma MALT extranodal pode se desenvolver em inúmeros tecidos: estômago, intestno, glândulas salivares, treoide, pulmões, anexos oculares, pele etc., sendo o quadro clínico dependente do local acometdo. O linfoma MALT é localizado, na maior parte dos casos, tendo longos períodos de remissão muitas vezes apenas com tratamento cirúrgico ou radioterápico, mas apresenta alta taxa de recidiva e possui potencial de disseminação e transformação em linfoma agressivo ao longo dos anos. Evidências sugerem que esse linfoma é srcinado de prolongada e excessiva proliferação linfoide por estmula-
ção antgênica crônica por vírus, bactérias ou doença autoimune. O linfoma MALT gástrico é o principal representante dessa classe de LNH, associado aoHelicobacter pylori em mais de 90% dos casos. Os sintomas são semelhantes aos da úlcera e do adenocarcinoma gástrico (com dispepsiainespecífica, epigastralgia e síndrome consumptva), e o aspecto endoscópico pode ser de gastrite inespecífica a úlcera péptca, pólipo e adenocarcinoma, localizadas principalmente no antro ou de padrão multfocal. A biópsia permite fazer o diagnóstco. Alguns linfomas MALT gástricos, quando localizados, com a erradicação doHelicobacter pylori (60 a 70%); curam a radioterapia é reservada aos casos refratários ao tratamento antmicrobiano, mas com doença localizada, e aos casos em que a pesquisa deH. pylori é negatva. A quimioterapia concomitante está indicada apenas nos casos de doença avançada. A cirurgia é indicada apenas quando há complicações: obstrução ou perfuração. O doente com linfoma MALT tem prognóstco, na maior parte das vezes, muito bom. d) Linfoma linfoblástco Pode ter srcem em célula B ou T. Trata-se de um espectro linfomatoso da leucemia linfoide aguda, ou seja, a célula que dá srcem às 2 doenças é a mesma (linfócito imaturo – linfoblasto), mas a manifestação clínica é diferente: - No Linfoma Linfoblástco (LL), há aumento de gânglios linfátcos, caracteristcamente do mediastno, e na medula óssea há menos de 25% de blastos; Na leucemia, podem existr adenomegalias, mas há mais de 25% de blastos na medula óssea. O LL T (linfócitos T intramicos imaturos) ocorre, predominantemente, em pacientes adultos jovens, adolescentes e crianças. É 2 vezes mais frequente em homens e tem, como característca clínica mais importante, o aparecimento de adenomegalia difusa e de massa mediastnal, muitas vezes com derrame pleural e pericárdico associados; - No LL B, é menos comum o envolvimento mediastnal, sendo mais frequente o acome tmento extranodal. Juntamente com a LLA-B, perfaz o tpo de câncer mais comum da infância; - Ambos apresentam alto risco de in filtração em sistema nervoso central; - Tanto o LL B como o T apresentam envolvimento precoce de medula óssea e evoluem rapidamente para LLA, devendo ser tratados como uma leucemia aguda. Os poucos que conseguem manter a doença em fase linfomatosa alcançam alta taxa de cura. -
e) Linfoma de Burki Consiste em um linfoma morfologicamente formado por pequenas células não clivadas. Observam-se 3 formas clínicas distntas: - Endêmica: principalmente em crianças africanas, com comprometmento mandibular ou intra-abdominal,
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HEMATOLOGIA sendo considerado endêmico nessa região, onde é comum o encontro de evidências de infecção pelo vírus Epstein-Barr; - Esporádica: mais frequente em africanos e na América, envolvendo mais comumente o intestno, o retroperitônio e os ovários; - Em associação à imunodeficiência: mais comum em adultos e em pacientes HIV positvo. Entre estes, acomete aqueles com alto valor de CD4 e sem infecção oportunístca. É considerado o linfoma de crescimento mais rápido, podendo dobrar o volume das massas em 24 horas, com habitual envolvimento extranodal, principalmente intra-abdominal, sistema nervoso central e medula óssea. Em vista da velocidade de crescimento exacerbada, é comum apresentar ao diagnóstco sinais de lise tumoral espontânea (alto valor de DHL, ácido úrico e disfunção renal), e o prognóstco pode ser muito comprometdo se o tratamento não é iniciado o mais rápido possível. A taxa de cura com as opções terapêutcas atuais chega a 80%.
do-se como doença indolente, podendo variar até 1 ano, de acordo com a presença de estadiamentos mais avançados.
Figura 7 - Placas elevadas e eritematosas, cuja biópsia resultou em infiltração difusa por linfócitos T,picos de micose fungoide
Figura 6 - Criança com LNH Burki
f) Linfoma do manto Corresponde a 7% dos LNH. O diagnóstco é feito em estadio avançado em 70% dos casos, sendo bastante frequente o envolvimento extranodal, como a medula óssea, o baço e o trato gastrintestnal – principalmente o intes tno e o anel de Waldeyer. É um subtpo de linfoma de prognóstco ruim, com sobrevida em 5 anos variando entre 25 e 50%, de acordo com os fatores prognóstcos. g) Micose fungoide É um linfoma de células T cutâneo que geralmente leva a um variado quadro clínico dermatológico, incluindo placas, nódulos e/ou eritrodermia esfoliatva generalizada. Quando ocorre a leucemização desse linfoma (pela presença de células de Sézary, de núcleos convolutos e cerebriformes), dá-se o nome de síndrome de Sézary. A sobrevida média desse tpo de linfoma é de cerca de 10 anos, caracterizan-
130
Figura 8 - Eritrodermia difusa em micose fungoide
Figura 9 - Células de Sézary
LINFOMAS
h) Leucemia/linfoma de células T do adulto (ATLL) Rara nos países ocidentais, esta é a forma mais comum de linfoma na Ásia e é causada pelo vírus HTLV-1. A ATLL pode ter um comportamento extremamente agressivo, mas algumas apresentações clínicas podem ter um curso mais indolente. De maneira geral, esta patologia não pode ser curada apresentando as seguintes formas clínicas: - ATLL aguda: apresenta-se na forma leucêmica com elevada contagem leucocitária às custas de linfócitos cujo núcleo tem aspecto de flor (flower cells), rash cutâneo, linfadenomegalia generalizada, sintomas consttucionais, aumento devisceromegalia, DHL e hipercalcemia. A sobrevida pode variar de algumas semanas a 1 ano; - ATLL linfomatosa:caracterizado, como o nome indica, por proeminente linfonodomegalia, porém sem envolvimento de sangue periférico. Hipercalcemia é menos frequente que na forma aguda, em contrapartda, o estadiamento ao diagnóstco é usualmente avançado. A sobrevida varia no mesmo período que na fase aguda; - ATLL crônica:apresenta um quadro clínico mais protraído, com sobrevida mais longa, podendo, entretanto, transformam-se para a fase aguda agressiva. Pode haver lesões de pele e linfocitose semlinfócitos apicos no sangue periférico. Nesta forma, não há hipercalcemia; - ATLL indolente/smoldering : quadro bastante lento, caracterizado apenas por imunofenotpagem com cétdade, usualmenlulas neoplásicas em pequena quan te abaixo de 5%. Como as demais apresentações, pode se tornar agressiva.
Deve-se proceder ao estadiamento anatômico, conforme o sistema de Cotswolds, por meio dos exames complementares. Exames auxiliares: - Hemograma: sinais inespecí ficos, como anemia de doença crônica, leucopenia e plaquetopenia (por infiltração medular da doença); - Funções: renal e hepá tca; - DHL: preditor independente de sobrevida; - Beta-2-microglobulina: relaciona-se à massa tumoral; - Dosagem de cálcio sérico: pode estar elevado principalmente na ATLL; Dosagem de ácido úrico sérico: pode estar elevado em linfomas de alto turnover e ser indício de lise tumoral; - Eletroforese de proteínas: alguns linfomas podem cursar com síntese de proteína monoclonal, inclusive com síndrome da hiperviscosidade (par tcularmente o linfoma linfoplasmocítco); - Sorologias de HCV, HBV e HIV:alguns linfomas podem cursar com estas alterações sorológicas (Tabela 8), que, inclusive, têm implicação terapêutca. A sorologia positva para HBV exige cuidados aos pacientes que são submetdos à quimioterapia. -
Alguns fatores prognóstcos são utlizados na tentatva de predizer a sobrevida dos pacientes com LNH agressivos, submetdos ao tratamento convencional. Tabela 8 - Índice prognóstco internacional para LNH Fatores de mau prognóstco - Idade >60 anos; - DHL aumentado; - ECOG ≥2; - Estadio clínico III ou IV; - >1 síto extranodal. Estratficação Número de fatores de mau prog- Sobrevida de risco nóstco presentes em 5 anos Baixo risco
F - Diagnóstic o, exames complementa res e prognós tco É possível diagnostcar alguns linfomas por meio da imunofenotpagem de sangue, medula ou líquidos cavitários, quando a doença está leucemizada ou ocupando espaços como pleura ou pericárdio. Contudo, a distribuição celular histológica com auxílio da imuno-histoquímica ainda tem função preponderante na definição diagnóstca da doença.
73% 2
51%
Intermediário alto
3
43%
Alto risco Figura 10 - Flower cells picas de leucemia linfoma de células T do adulto, forma leucêmica
1a0
Intermediário baixo
5a4
26%
Esse índice pode ser adaptado de acordo com idade (indivíduos >60 anos têm sobrevida pior), sub tpo histológico (o folicular considera a hemoglobina também como fator importante) ou uso de antcorpo monoclonal – ant-CD20 no tratamento do linfoma de grandes células B (a estra tficação é feita em muito bom, bom e ruim, e a sobrevida em 4 anos varia entre 55 e 94%).
G - LNH e HIV Nos pacientes HIV positvo, os LNHs ocorrem a uma frequência 23 a 353 vezes maior que a esperada na população
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HEMATOLOGIA HIV negatvo, consttuindo, assim, a 2ª neoplasia mais comum nesse grupo, só perdendo para o sarcoma de Kaposi. Apesar de o uso de antrretrovirais altamente atvos (HAART) ter mudado a história natural da AIDS e a incidência das neoplasias nessa população, a ocorrência de LNH ainda se mantém alta quando comparada com a população HIV nega tvo. Em contraste com o sarcoma de Kaposi, que tem maior incidência em homossexuais, o LNH não tem predileção por comportamento de risco, acometendo todas as faixas etárias, especialmente homens. O risco de desenvolvimento do
te chamada watch and wait (olhe e espere), por meio da qual após o diagnóstco de linfoma indolente o paciente é mantdo sem tratamento, até a presença de sintomatologia (astenia, sintomas B), disfunção orgânica (como compressão renal por massa provocando insuficiência renal, compressão medular, hepatopata etc.), citopenias ou progressão da doença (aumento de massas previamente pequenas e assintomátcas). O tratamento pode ser radioterápico ou cirúrgico para linfomas indolentes sintomátcos em estadio precoce, a depender do tpo de linfoma, ou quimioterápico
linfomade correlaciona-se diretamente com a3)intensidade eo tempo imunossupressão (CD4 <100/mm e com a alta carga viral; configura-se, então, em um evento tardio na evolução da doença. Exceção se faz ao linfoma de Burki , que habitualmente acomete indivíduos mais jovens e com contagem de CD4 relatvamente alta (ao redor de 200/mm3). Esses linfomas são histologicamente heterogêneos e quase sempre derivados de células B. Ostpos mais comuns são: - LNH sistêmico, com destaque para o difuso de grandes células B e suas variantes imunoblástca e plasmoblástca (acomete a cavidade oral) e o linfoma de Burki ; - Linfoma de efusão primária – apresenta-se como derrame pleural, pericárdico ou ascite, sem massa associada, diagnostcado por imunofenotpagem desses líquidos; - Linfoma primário de sistema nervoso central.
para aqueles em estadio avançado. T cutâneos (micose fungoide), pode-se optarNos por linfomas tratamento tópico com esteroides ou quimioterapia, bem como quimioterapia ou radioterapia nos estadiamentos mais avançados. Por sua vez, os linfomas agressivos apresentam alta taxa de proliferação celular, tornando-os mais sensíveis à ação quimioterápica e com potencial chance de cura. Em estadios mais localizados, pode-se optar por poucos ciclos de quimioterapia em associação à radioterapia de campo acometdo (3 ciclos de quimioterapia contendo antracíclico e, se linfoma B, rituximabe) ou mais ciclos de quimioterapia e sem radioterapia – apenas para casos que não apresentem doença bulky. A radioterapia exclusiva apresenta altas taxas de recidiva, não sendo encorajada. Nos estadios avançados, faz-se imperioso o tratamento quimioterápico completo – 6 a 8 ciclos contendo antracíclico e, se linfoma B, rituximabe, sendo associada à radioterapia apenas em situações especiais. A taxa de remissão completa e a sobrevida livre de doença dependem do tpo de linfoma, do escore prognóstco e do tratamento u tlizado. Finalmente, os linfomas altamente agressivos têm extrema sensibilidade ao tratamento quimioterápico pela alssima taxa de proliferação celular, sendo neoplasias potencialmente curáveis. Destaca-se que esses linfomas têm uma incidência importante de infiltração extranodal no SNC, necessitando, na grande maioria dos protocolos, de quimioterapia profilátca ou terapêutca intratecal. Por fim, no tratamento de recidivas destas doenças, o raciocínio é semelhante ao LH: deve-se proceder à terapia de salvamento com protocolos de quimioterapia não u tlizados, com preferência ao TCTH autólogo (agressivos) e alogênico (indolentes e muito agressivos).
Em quaisquer de suas formas, o curso é extremamente agressivo e com acome tmento extranodal frequente. O tratamento do linfoma concomitante com esquema antrretroviral HAART é fundamental.
H - Tratamento A orientação terapêutca depende mais do tpo histológico que do estadiamento clínico e baseia-se em esquemas de poliquimioterapia associados ou não a an tcorpos monoclonais ou radioterapia. Para algumas formas específicas de linfoma (difuso de grandes células B e folicular), um dos antcorpos monoclonais já desenvolvidos, denominado rituximabe (an tcorpo monoclonal ant-CD20 – marcador de linfócito B), mostra resultados comprovadamente benéficos, quando associado à quimioterapia, com aumento da taxa de resposta, da sobrevida livre de doença e da sobrevida global. Outros antcorpos monoclonais vêm sendo estudados para o tratamento de linfomas B e linfomas T. Nos linfomas indolentes, observa-se baixa fração de proliferação celular neoplásica; logo, apesar do curso lento, na grande maioria das vezes, são doenças incuráveis (formando, assim, o clássico “paradoxo dos linfomas não Hodgkin” – embora sejam doenças indolentes e de curso arrastado, dificilmente respondem ao tratamento de forma definitva). Mesmo após o tratamento e a aparente remissão, as chances de recidivas repetdas são enormes. Por isso, muitas vezes é possível adotar uma conduta expectan-
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I - Evolução e prognóstco
De modo geral, os linfomas com melhor prognóstco são aqueles com: - Histologia favorável; - Menor volume de massa tumoral; - Nenhum comprometmento extranodal; - Ausência de leucocitose no sangue periférico; - Idade abaixo de 60 anos; - Estadios menos avançados (I ou II); - Bom performance status; - DHL normal.
LINFOMAS
5. Diferenças clínicas entre LH e LNH Tabela 9 - Diferenças entre linfoma Hodgkin e não Hodgkin Linfoma não Característca Linfoma Hodgkin Hodgkin Processo localizado, Sistêmico desde expansão congua; Estágio e grau o início; grau tem estadiamento immaior importância portante Células neoplásicas Células neoplásicas são <1%, maioria Massa tumoral são a maioria das células inflamatócélulas rias Deficiência imunoImunidade humoral Imunidade celular lógica (bacteriana) Envolvimento TGI e Raro Comum anel de Waldeyer EnvolvimentoMO 5a15% Até50% Envolvimento extra10% 40% nodal Envolvimento me- 50% (70% mulheres 10 a 20% diastnal jovens) Incomum (exceto Envolvimento infraidosos com sintoComum diafragmátco mas B) Comum (linfomas Infiltração hepátca Incomum foliculares)
6. Resumo
Estadios IV A B E
Descrição Envolvimento de síto extranodal não conguo a linfonodo acometdo (exemplos: fgado e medula óssea). Ausência de sintomas B. Presença de sintomas B. Observação: basta 1 sintoma B presente. Envolvimento de sí to extranodal conguo.
S
Acometmento do baço. Doença bulky: massa mediastnal acima de 1/3
X
do diâmetro intratorácico máximo ou massa de diâmetro acima de 10cm. Linfoma de Hodgkin
- Predominância linfocítca: acomete mais crianças e adultos jovens; - Diagnóstco geralmente em estadio precoce – tratamento exclusivo com radioterapia nos estadios precoces. - LH clássico: · Esclerose nodular: subtpo mais comum; · Rico em linfócitos: comum em idosos; · Depleção linfocitária: comum em idosos e HIV positvo, comum acometmento abdominal; · Celularidade mista: principal tpo associado ao HIV. Linfoma não Hodgkin - Fatores de mau prognóstco dos LNH: · Idade >60anos; · DHL aumentado; · ECOG ≥2; · Estadio clínico IIIou IV; · ≥1 síto extranodal.
Quadro-resumo - Diagnóstco de linfoma: · Histologia da região acome tda (biópsia) + exame de imunohistoquímica. - Sintomas B: · Febre: >38°C; · Perda de peso: >10% do peso em 6 meses; · Sudorese noturna. - Exames para estadiamento: · Tomogra fias; · Biópsia de medula óssea; · Cin tlografia com gálio; · PET-scan; · Hemograma ebioquímica completa; · Para casos selecionados: liquor,endoscopia digestva alta. Estadiamento dos linfomas – Cotswolds (simplificado) Estadios Descrição Envolvimento de apenas 1 região linfonodal ou I estrutura linfoide, ou envolvimento de 1 tsí o extranodal (IE). Envolvimento de mais de 1 região linfonodal ou estrutura linfoide, ou envolvimento localizado de II 1 síto extranodal conguo e 1 ou mais regiões linfonodais (IIE) do mesmo lado do diafragma. Envolvimento de regiões linfonodais acima e abaixo III do diafragma.
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HEMATOLOGIA
CAPÍTULO
12 1. Introdução O Mieloma Múltplo (MM) é uma neoplasia maligna das células plasmátcas, ou plasmócitos. Essas células são linfócitos B maduros destnados a produzir imunoglobulinas (antcorpos), normalmente presentes na medula óssea, mas que podem ser encontrados em todo o corpo, em qualquer lugar que exista uma resposta imune. Os plasmócitos produzem diferentes antcorpos de acordo com os esmulos antgênicos (ou seja, levam ao aumento policlonal de imunoglobulinas). No MM, entretanto, ocorre a proliferação de um único tpo de plasmócito neoplásico, produtor de um único tpo de imunoglobulina (ou de fragmentos desta), sem necessidade de esmulo antgênico, levando ao chamado aumento monoclonal de tal proteína, resultando no pico monoclonal de proteína (proteína M), detectados no sangue e/ou na urina. O MM corresponde a 1% de todos os tpos de câncer, e, a 10% das neoplasias hematológicas. A incidência é de aproximadamente 4 casos por 100.000 habitantes/ano nos países industrializados, sendo mais comuns em negros que em brancos e acomete mais homens que mulheres, segundo trabalhos norte-americanos. A doença arremete, principalmente, indivíduos mais velhos, com idade média de 65 anos, entretanto 10 e 2% dos casos são de indivíduos com menos de 50 e 40 anos, respectvamente, denotando a tendência atual de aumento de incidência em faixas etárias mais precoces. Até o momento, é uma doença incurável, responsável por 20% de todas as mortes por neoplasia hematológica. A etologia do MM é bastante questonável. Há trabalhos relatando que exposição a benzeno, inse tcidas, herbicidas e radiação pode estar relacionada ao desenvolvimento dessa doença, mas todos com número pequeno de casos, não conclusivos. Outros estudos tentam ainda mostrar associação a herpes-vírus e sarcoma de Kaposi (HSV-8), mas sem sucesso. O papel da herança genétca também é incerto, porém há raros relatos de casos de doença familiar. Entretanto, há um consenso de que anormalidades cromossômicas têm importância na patogênese do mieloma. Essas anormalidades citogenétcas, encontradas com fre-
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Mieloma múltplo Fernanda Maria Santos / Marcos Laercio Pontes Reis
quência, como trissomias (cromossomos 3, 5, 7, 9, 11, 15, 18, 19, 21), monossomias (8, 13, 16, 20, 22), translocações dos tpos t(11;14), t(8;14) e t(14;18), hipodiploidias e deleções determinam rearranjos genétcos que aumentam a expressão de certos genes (proto-oncogenes que se tornam oncogenes) e diminuem a atvidade de outros (como as mutações do gene supressor p53). Dentre as principais alterações determinadas por mutações encontradas no MM, têm-se: - Aumento da expressão do oncogene bcl-2, causando a inibição do fenômeno da apoptose; - Justaposição do oncogene c-myc ao gene das imunoglobulinas (principalmente no mieloma IgA); - Mutações dos oncogenes da família “ras” (Ki, H-ras); - Deleção 6q-, associada à presença de lesões osteolí tcas no MM; - Deleção 7q-, associada à resistência ao quimioterápico adriamicina, por maior expressão da glicoproteína P na célula mielomatosa; - Mutações do angeno Fas (receptor da família TNF), relacionado à apoptose e associado a algumas condições de autoimunização que ocorrem no MM, como a formação de antcorpos anteritrocitários (que resulta em anemia tpo hemolítca) e antplaquetários. A translocação mais comumente encontrada envolve os cromossomos 11 e 14; vale destacar que a deleção 13q e 17p, quando detectada, confere mau prognóstco à doença.
2. Fisiopatologia
Após uma anormalidade genétca, srcina-se um clone de plasmócitos anômalos, produtores de proteína monoclonal, resultando numa condição clínica chamada Gamopata Monoclonal de Significado Indeterminado (GMSI). É necessário que novas anormalidades citogenétcas aconteçam, para que o plasmócito anômalo interaja com as células do estroma medular e proteínas da matriz extracelular por meio de moléculas de adesão, desencadeando vias produtoras de citocinas (IL-6, IGF-1, VEGF, SDF-1alfa), responsáveis pelo crescimento e sobrevida da célula tumoral, efeito antapoptótco e inclusive de droga-resistência. O
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crescimento descontrolado dos plasmócitos, a inibição de sua apoptose e o aumento da síntese de proteína M têm várias consequências clínicas, incluindo destruição óssea, anemia, aumento da viscosidade plasmátca, supressão da síntese das imunoglobulinas normais e insu ficiência renal – responsáveis pelo quadro clínico do MM. Algumas alterações no microambiente celular têm sido relacionadas à progressão do GMSI para MM, como aumento da angiogênese, supressão da imunidade celular e produção excessiva de citocinas como IL-6 e VEGF (fator de crescimento docasos, endotélio vascular). Em alguns a doença pode permanecer assintomátca por anos, pois o crescimento tumoral pode ser muito lento.
A - Proteína M As imunoglobulinas são proteínas formadas por 4 cadeias polipepdicas: 2 cadeias pesadas e 2 leves (Figura 1). As cadeias pesadas podem ser de 5 tpos, e são elas que dão nome ao tpo de imunoglobulina (M, G, A, D e E), enquanto as cadeias leves são de 2 tpos: lambda e kappa.
Quadro de hiperviscosidade: a depender da quantdade e do tpo da imunoglobulina – quanto maior em tamanho e quantdade, maior o risco de desenvolver sintomas relacionados ao aumento da viscosidade sanguínea (maior risco com a IgM); - Ligação a fatores de coagulação com disfunção destes, ocasionando quadros de sangramento; - Pseudo-hiponatremia; - Redução do ânion-gap; - Ligação a hormônios circulantes, resultando em disfunções endócrinas variadas; - Disfunção renal por depósito de cadeias leves. -
Em cerca de 30% dos casos, a proteína monoclonal produzida não é uma imunoglobulina inteira, somente fragmentos desta; quando essa proteína é uma cadeia leve (seja ela kappa ou lambda), pode passar pelos glomérulos renais e ser excretada na urina, sendo chamada proteína de Bence-Jones. Em outros casos, ainda mais raros, a proteína M é formada apenas por cadeias pesadas (ocasionando a chamada doença das cadeias pesadas). Existem ainda raríssimos casos em que o MM, apesar da proliferação excessiv a de plasmócitos, não é capaz de produzir cadeias de imunoglobulina, sendo então chamado “mieloma não secretor”. A eletroforese de proteínas é o exame laboratorial capaz de avaliar a concentração das proteínas séricas e a proporção das diferentes frações, permitndo quantficar as imunoglobulinas que se movem de forma heterogênea pelo campo elétrico, e, quando há componente monoclonal, este se move de maneira homogênea, formando um pico na região gama (menos comum na região beta ou alfa 2, Figuras 2 e 3). A quantdade de antcorpo deve ser de, no mínimo, 0,5g/dL para ser detectada por esse método, podendo passar despercebida em pacientes com neoplasia pouco secretora.
Figura 1 - Estrutura de uma molécula de imunoglobulina
As imunoglobulinas formadas normalmente têm diferentes cadeias pesadas e ambas, as cadeias leves, sendo, portanto, policlonais, enquanto as proteínas sinte tzadas por plasmócitos e linfócitos B neoplásicos ou monoclonais têm sempre o mesmo tpo de cadeias pesadas e/ou leves, sendo então chamadas de proteína M (proteína monoclonal). A síntese excessiva da proteína M geralmente resulta em: - Déficit de produção e do funcionamento normal das imunoglobulinas normais;
Figura 2 - Eletroforese de proteínas: padrão normal
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HEMATOLOGIA absorção óssea. Também contribuem para a a tvação dos osteoclastos a produção anômala de interleucinas de ação local (IL-6, TNF-beta, IL-1) e a maior expressão das chamadas beta-3 integrinas. Paralelamente, ocorre inibição de osteoblastos por ação das mesmas citocinas locais, resultando, desse desequilíbrio entre osteoblastos e osteoclastos, a presença de hipercalcemia, osteoporose difusa, lesões lítcas, diminuição da estatura e suscetbilidade a fraturas patológicas.
Figura 3 - Eletroforese de proteínas: padrão monoclonal na região gama
A imunoeletroforese de proteínas ou a imuno fixação são exames que confirmam a monoclonalidade da proteína, mesmo em pequenas quantdades, sendo exame complementar à eletroforese. O encontro da proteína monoclonal não é exclusivo do mieloma e pode ser detectado em outras situações: outras doenças dos plasmócitos (amiloidose primária, macroglobulinemia de Waldenström), linfoproliferações malignas (leucemia linfoide crônica, linfomas B ou T), outras neoplasias (leucemia mieloide crônica, câncer de mama, câncer de cólon), outras doenças não neoplásicas (cirrose, sarcoidose), doenças autoimunes (artrite reumatoide, miastenia gravis) e raras doenças de pele (líquen mixedematoso, xantogranuloma necrobiótco).
Figura 4 - Achatamento de vértebras por fraturas patológicas
B - Doença óssea A dor óssea é o sintoma mais comum do mieloma e acomete 70% dos pacientes. Existe intensa inter-relação entre os plasmócitos anômalos e as outras células do estroma medular, incluindo osteoclastos e osteoblastos. O “acoplamento” normal entre a função dos osteoclastos e osteoblastos é responsável pelo reparo e remodelamento ósseos. No MM, observa-se um aumento da atvação de osteoclastos pelo desequilíbrio entre osteoprotegerina (OPG) e RANKL, com diminuição do 1º e aumento do 2º. A iden tficação da interação entre o fator a tvador NFKb (RANK) e o seu ligand RANKL mostrou-se crítca para ocorrer a formação de osteoclastos. Além disso, a iden tficação da OPG, um receptor solúvel que se liga ao RANKL, impede a conexão RANK/RANKL e, consequentemente, a formação de osteoclastos e a re-
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Figura 5 - Lesão lítca no crânio
MIELOMAÚLTIP M LO
C - Anemia
E - Efeitos neurológicos
A anemia no MM resulta da substtuição de precursores eritroides por células neoplásicas, da liberação de citocinas (em especial o TNF – Fator de Necrose Tumoral) que inibem a eritropoese normal, e da disfunção renal que acomete grande parte dos pacientes. Pequena porcentagem dos pacientes apresenta anemia megaloblástca secundária à deficiência de vitamina B12 ou folato, de e tologia não esclarecida. Neutropenia e plaquetopenia são extremamente raras.
A radiculopata configura-se como a principal complicação neurológica do MM, resultante, em geral, de plasmocitoma paravertebral compressivo ou colapso vertebral. Compressão da medula espinhal por plasmocitoma ou fragmento ósseo é uma emergência médica e necessita de intervenção imediata, seja com radioterapia e/ou com cortcoterapia em altas doses. Plasmocitoma em SNC é raro e, quando ocorre, geralmente é por extensão de lesão na calota craniana ou base de crânio. A hipercalcemia pode ser responsável por sintomas como letargia, fraqueza, depressão e confusão mental. A hiperviscosidade pode causar cefaleia, fadiga, distúrbio visual ou até sinais e sintomas de isquemia cerebral. Neuropata periférica, pouco comum, acontece como resultado do depósito de substância amiloide ou efeito adverso de medicamento (talidomida, bortezomibe). Finalmente, as infecções (em especial a varicela-zóster) podem levar a quadros neurológicos, como a paralisia de Bell.
D - Disfunção renal A creatnina sérica está aumentada em 50% dos pacientes ao diagnóstco (>2mg/dL em 20%), e pode-se estabelecer uma correlação entre presença e severidade da disfunção renal ao diagnóstco e sobrevida do paciente (80% de sobrevida em 1 ano para creatnina 1,5mg/dL x 50% para creatnina >2,3mg/dL). Existem 2 fatores principais que contribuem para a insuficiência renal: - Acúmulo tubular de proteínas monoclonais de cadeias leves, resultando em nefropata obstrutva (rim do mieloma): caracterizada por atrofia dos túbulos proximais, obstrução dos túbulos distais e coletores, inflamação e fibrose interstcial; esta se caracteriza como a 1ª causa de insuficiência renal no MM; - Hipercalcemia: esta é a 2ª principal causa de nefropata, ocasionando diminuição da capacidade de concentração urinária por induzir resistência ao ADH, levando à poliúria e desidratação; causa vômito e anorexia, provocando também a desidratação, com vasoconstrição renal, aumentando a toxicidade das cadeias leves. Pode ocorrer ainda depósito de cálcio nos túbulos renais, evoluindo para nefrite interstcial. Outros fatores que também são importantes: - Depósito glomerular de cadeia leve: se manifesta como síndrome nefrótca. Pode ser à custa de depósito de amiloide (estrutura fibrilar composta de cadeia leve) ou só de cadeia leve (estrutura não fibrilar); - Síndrome de Fanconi adquirida: por disfunção tubular proximal causada por toxicidade direta da cadeia leve – caracterizada por glicosúria, aminoacidúria, uricosúria e fosfatúria, perda (acidose tubularalém renaldatpo 2). urinária de bicarbonato Outros fatores associados, como o uso de drogas nefrotóxicas (ant-inflamatórios não esteroides e contrastes radiográficos), infecções, hiperuricemia, podem contribuir na evolução dos pacientes para a falência renal. Cinquenta por cento dos pacientes que apresentam creatnina <4g/dL manifestam reversão completa da função renal após o início do tratamento. Também tem valor prognóstco a recuperação completa da função renal após o tratamento: sobrevida de 28 meses para aqueles que recuperam e 4 meses para aquelas que não recuperam.
F - Infecções As infecções são causadas por: - Diminuição da produção e aumento da destruição das imunoglobulinas normais (por aumento do catabolismo); - Diminuição dos linfócitos T CD4+; - Diminuição de plasmócitos normais; - Comprometmento da função de neutró filos, monócitos/macrófagos e do sistema complemento; - Uso de medicamentos imunossupressores, como a dexametasona. Todos esses fatores levam à maior susce tbilidade a infecções, principalmente por bactérias encapsuladas (em especial, o S. pneumoniae ). As principais manifestações clínicas são pneumonia e pielonefrite, e os principais agentes, Staphylococcus aureus, Klebsiella pneumoniae e Escherichia coli . Infecção viral como o herpes-zóster também é comum.
G - Hiperviscosidade Trata-se de uma complicação que acontece em menos de 10% dos pacientes com diagnós tco de mieloma, mais comum nos casos de IgA e IgM. As altas concentrações de proteína M plasmá tca levam ao aumento da viscosidade do plasma – responsável por distúrbio circulatório, que se manifesta principalmente por disfunções cerebral, pulmonar, cardíaca e renal. Geralmente, está associada à manifestação hemorrágica pela associação coagulopa ta + distúrbio circulatório, provocados pelo excesso de imunoglobulina.
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HEMATOLOGIA Tabela 1 - Fisiopatologia do MM Achado clínico
Mecanismo patogênico
Alterações ósseas, hipercalcemia
Expansão tumoral, atvação de osteoclasto, inibição de osteoblasto.
Insuficiência renal
Depósito de cadeia leve, hipercalcemia, amiloidose, nefropata pelo urato, lesão tubular pela cadeia leve, toxicidade por AINH ou contraste.
Anemia, fadiga
Infiltração da medula óssea, inibição da eritropoese, diminuição da eritropoetna, citocinas.
Infecção recorrente
Hipogamaglobulinemia, baixa contagem de CD4, diminuição de plasmócitos normais, alteração da função dos neutrófilos, monócitos, macrófagos e complemento.
Sintomas neurológicos
Hiperviscosidade, hipercalcemia, compressão, depósito de amiloide.
Sangramento
Disfunção de plaquetas, interferência do excesso de imunoglobulinas nos fatores de coagulação.
3. Tipos de mieloma As diferentes imunoglobulinas produzidas pelas várias formas do MM caracterizam padrões de doença variados. A mais comum imunoglobulina produzida no MM é a IgG, e a mais rara, a IgE. O MM IgA é aquele associado à monoclonalidade de imunoglobulina A, sendo comumente ligado ao envolvimento extraósseo, conferindo pior prognós tco. O MM IgD (produção exacerbada e exclusiva de imunoglobulina D) está frequentemente ligado à leucemia de células plasmátcas e às lesões renais mais severas. Tabela 2 - Distribuição dos diferentestpos de MMs Tipos de proteínas monoclonais (proteína M)
Percentuais (%)
IgG
52
IgA
21
IgD
2
IgE Apenascadeialevekappaoulambda
<0,01
O risco de infecção é bastante alto, devido aos fatores já mencionados. Apesar de a pneumonia por pneumococos ser a “infecção clássica” associada ao MM, outras bactérias, como hemófilos e estafilococos, são encontradas habitualmente. Também ocorrem infecções por herpes-zóster. A infecção bacteriana é responsável por 45% dos óbitos nos primeiros 60 dias do diagnóstco. Na síndrome de hiperviscosidade, o quadro clínico pode ser bastante severo, com sangramento de mucosas (epistaxe é frequente), distúrbios visuais, hipoacusia, cefaleia, sonolência (até coma), infarto agudo do miocárdio e uma grande quantdade de sintomas neurológicos isquêmicos, causados pela redução da oxigenação tecidual. O risco aumentado de sangramento é causado pela ligação das proteínas monoclonais aos fatores de coagulação e às plaquetas, e muito raramente há trombocitopenia. A uremia, quando presente, piora os quadros hemorrágicos. Deve-se suspeitar da compressão da medula espinhal por plasmocitoma ou fragmento ósseo quando há dor intensa, fraqueza e parestesia de membros, disfunção ou incontnência urinária ou fecal. Compreende uma emergência médica.
5. Exames labo ratoriais As manifestações laboratoriais incluem: -
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Apenascadeiapesada(GouA)
<1
2oumaisparaproteínas
2
Ausênciadeparaproteínas IgM
em 24% dos casos, ao passo que febre ocorre em menos de 1% dos pacientes e, quando presente, provavelmente diz respeito à manifestação de quadro infeccioso. A hipercalcemia, presente em 30% dos pacientes ao diagnóstco, pode ser assintomátca, apresentar sintomas inespecíficos como astenia, obstpação e depressão, ou sintomas mais severos como poliúria, polidipsia, desidratação, náusea e vômito, confusão mental, rebaixamento do nível de consciência ou até coma. A precipitação tubular de sais de cálcio piora a função renal desses indivíduos.
•
•
3 0,5
•
4. Quadro clínico A maior parte dos pacientes de MM (cerca de 70%) apresenta dor de intensidade variável, mais frequentemente no dorso ou nas costelas, que piora ao movimento e melhora ao repouso. Dor súbita e severa sugere fratura patológica ou colapso de corpo vertebral. Mal-estar geral, fraqueza e queixas vagas são frequentes e comumente associadas à anemia. Perda ponderal ocorre
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Hemograma:
-
Anemia normocítca e normocrômica em 75% dos casos; 3
Leucopenia (<4.000/mm ) eocorrendo plaquetopenia (<100.000/ mm3) são bastante raras, em 20 e 5% dos casos, respectvamente; Leucemia de células plasmátcas: definida como plasmocitose em sangue periférico >2.000/mm3, bastante rara (15% dos casos) e de prognóstco muito ruim.
Análise do sangue periférico: formação do chamado rouleaux de hemácias (glóbulos vermelhos empilhados – “empilhamento de moedas”, em virtude do excesso de paraproteínas séricas).
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-
Citogené tca: não há alteração citogené tca pica ou diagnós tca do MM, mas pode-se inves tgar, por meio do exame de cariótpo convencional ou preferencialmente por técnicas mais sensíveis, como o FISH, à procura de alterações que tenham valor prognóstco e possam ter in fluência na conduta terapêu tca; o carió tpo convencional, por sua vez, é de extrema dificuldade nesta doença pelo baixo índice mitó tco plasmocitário, com pobres resultados e ausência de metáfases;
-
Índice de replicação plasmocitária na medula óssea: pouco utlizado na prátca clínica, mas de valor prognóstco importante: índice ≥1% apresenta pior prognóstco quando comparado com índice <1%; - Identficação da imunoglobulina monoclonal: é possível em 97% dos casos com o arsenal diagnóstco atual: •
Figura 6 - Hemácias em rouleaux
Mielograma ou biópsia de medula óssea: evidencia >10% de plasmócitos monoclonais maduros, pró-plasmócitos ou plasmoblastos; - Imunofenotpagem ou imuno-histoquímica: importante para comprovar a monoclonalidade do plasmócito: detecta cadeia kappa ou lambda, nunca ambas – a relação kappa:lambda >4:1 ou <1:2 preenche a definição de monoclonalidade kappa ou lambda, respectvamente. Desta forma, é possível diferenciar de quadros com plasmocitose reacional. -
•
-
Sangue: eletroforese de proteínas revela, de forma quanttatva, a presença de um pico de proteína monoclonal; imunoeletroforese de proteínas ou imunofixação são importantes no esclarecimento da monoclonalidade de forma qualitatva; Urina – proteinúria de 24h e eletroforese de proteínas: quantfica a perda proteica e diferencia a perda de albumina (síndrome nefró tca) da perda de proteína monoclonal (de Bence-Jones) além de
fazer análise quanttatva. Imunofixação de proteínas: determinação qualitatva da proteína M; pesquisa de cadeias leves livres em pacientes oligossecretores, nos quais não se identfica alteração na eletroforese de proteínas ou na imunofixação.
Atenção: Urina I detecta aumento de proteína à custa de albumina, mas não proteína monoclonal, portanto não pode ser u tlizada para triagem de mieloma. fixação para deDevem-se solicitar imunoeletroforese ou imuno tecção da proteína monoclonal eeletroforese para quantficação.
Em 3% dos casos, não é possível identficar proteína monoclonal (mesmo com a pesquisa de cadeia leve livre no sangue ao que se dá o nome de mieloma não secretor.ou Osurina), pacientes não têm risco de desenvolver doença renal e apresentam prognóstco semelhante ao do mieloma secretor. - Dosagem das imunoglobulinas séricas: importante para detectar redução das imunoglobulinas normais; - Cálcio sérico, ureia e creatnina geralmente elevados; - Diminuição do ânion-gap, secundário à hipercalcemia e pela presença de IgG aumentada (catônica); - Ácido úrico e coagulograma eventualmente alterados. Figura 7 - Células plasmátcas
Estudo radiológico por meio de:
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HEMATOLOGIA -
Raio x de esqueleto: espera-se encontrar osteoporose difusa, lesões lítcas e/ou fraturas patológicas em aproximadamente 80% dos pacientes ao diagnós tco. Os locais mais acometdos são corpos vertebrais, calota craniana, caixa torácica, pelve, úmero e fêmur;
-
Ressonância nuclear magnétca ou tomografia computadorizada: importante para os pacientes que referem dor, mas não apresentam alterações ao raio x, e para avaliar os casos de síndrome compressiva;
-
Cintlografia com tecnécio sestamibi e PET-scan: necessitam de mais estudos para determinar sua utlidade na prátca clínica;
-
Dosagem de beta-2-microglobulina: elevada em 75% dos pacientes ao diagnóstco, indica bastante valor prognóstco.
6. Critérios de diagnóstco Para o diagnóstco de mieloma, novos critérios foram insttuídos pela Clínica Mayo e pelo Grupo Internacional de Mieloma, sendo necessária a presença destes 3 fatores: -
Presença de proteína monoclonal sérica ou urinária: não é estpulado nenhum valor mínimo, visto que 40% dos pacientes apresentam <3g/dL dessa proteína;
-
Presença de >10% de plasmócitos monoclonais na medula óssea ou plasmocitoma;
-
Presença de sintomas, ou seja, alteração em tecidos/ órgãos-alvos (pelo menos 1 dos 4 sintomas): calcemia elevada, insuficiência renal, anemia, lesão óssea lítca (bone lesion) – conhecido pelo acrônimo CRAB.
Tabela 4 - Sistema de estadiamento de Durie e Salmon
Estadio I (A ou B): massa celular baixa
C
Cálcio >1mg/dL do limite superior da normalidade. Renal – creatna >2mg/dL.
A
Anemia – HB <10g/dL ou 2g/dL abaixo do normal.
B
Bone – lesões ósseas (lítcas ou osteopenia).
A diferença entre mieloma indolente (ou smoldering) e mieloma sintomátco se faz exatamente pela presença de lesões de órgão-alvo (ausentes no indolente, presentes no MM sintomátco).
7. Estadiamento e prognóstco O sistema de estadiamento de Durie e Salmon vem sendo utlizado desde 1975, porém diversos novos parâmetros vêm sendo adicionados na avaliação prognós tca dos pacientes com MM, com especial destaque para o ISS (Internatonal Staging System), que utliza o beta-2-microglobulina e a albumina como fatores prognós tcos, sendo mais usado atualmente.
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Medida da massa de células do mieloma (células x 1012/M2)
Todos os itens a seguir: - Valor de hemoglobina >10g/dL; - Valor de cálcio sérico normal ou <12mg/dL; - Na radiografia, estrutura óssea normal (escala 0) ou apenas plasmocitoma ósseo solitário; - Baixa taxa de produção de componente M com valor de IgG <5g/dL e de IgA <3g/ dL; - Proteína de Bence-Jones <4g/24h.
<0,6
Estadio II (A ou B): - Não atende aos critérios de massa ceestadio I nem de estadio III. lular intermediária
0,6 a 1,2
- Um ou mais dos seguintes itens: · Valor de hemoglobina Estadio III (A ou B): massa celular elevada
Tabela 3 - Sintomas para diagnóstco do MM: acrônimo CRAB R
Critérios
Estadio
<8,5g/dL; · Valor de cálcio sérico >12mg/dL; · Lesões ósseas lí tcas avançadas (escala 3); · Alta taxa de produção de componente M com valor de IgG >7g/dL e de IgA >5g/dL; · Proteína de Bence-Jones >12g/24h.
>1,2
Tabela 5 - Subclassificação do mieloma múltplo Subclassificação A
Função renal relatvamente normal (valor de creatnina sérica <2mg/dL).
Subclassificação B
Função renal anormal (valor de creatnina sérica >2mg/dL).
Tabela 6 - ISS: Internatonal Staging System Estadiamento Critérios Sobrevida(meses) I II III
Beta-2-microglobulina sérica <3,5mg/dL Albumina sérica >3,5g/dL Nem ou II I Beta-2-microglobulina sérica >5,5
62 44 29
Outros fatores de prognóstco são anormalidade citogenétca [hipodiploidia, deleção do 13q ou 17p, t(4;14) e
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t(4;16)], índice de replicação plasmocitária ≥3%, DHL aumentado, VHS aumentado, célula plasmátca circulante e escala de performance status.
8. Variantes de imp ortância clínica da d oença dos plasmócitos A - Gamopata monoclonal de significado indeterminado A chamada “gamopata monoclonal” de significado indeterminado (MGUS, correspondendo à sigla em inglês) é uma patologia em que o pico monoclonal aparece, mas não se evidencia mieloma atvo, ou seja, há proteína monoclonal em pequena quantdade (<3g/dL), plasmocitose medular discreta (<10%) e ausência de alteração em órgão-alvo (ausência de CRAB). Também devem ser excluídas doenças autoimunes e outras linfoproliferações, visto que a MGUS pode estar associada a essas doenças. A MGUS pode evoluir para doença sintomática de proliferação plasmocitária (MM, amiloidose primária) ou para linfoproliferação (linfoma não Hodgkin, leucemia linfoide crônica, macroglobulinemia de Waldenström). O risco de progressão é pequeno, em torno de 1% ao ano. É bastante comum permanecer estável ou sofrer mínimas alterações nos níveis de proteína monoclonal por muitos anos. Se a MGUS permanecer estável por 2 anos, apenas 30% dos pacientes desenvolverão MM após 10 anos de evolução.
B - Mieloma indolente Também conhecido como mieloma assintomátco ou smoldering. Nesse tpo de mieloma, há proteína monoclonal ≥3g/dL, plasmocitose >10%, porém não se detectam lesões de órgãos-alvos, que devem ser lembrados pelo acrônimo CRAB. - C: Cálcio >10mg/dL; - R: disfunção Renal (crea tnina >2mg/dL); - A: Anemia (hemoglobina <10g/dL); - B: Bone (lesões lítcas ou osteoporose) – realizar RNM de coluna e bacia, mesmo que assintomátco, para excluir lesões lítcas, nos casos de mieloma indolente.
C - Plasmocitoma Trata-se do acúmulo de células do mieloma de forma localizada. Existem 2 tpos: - Plasmocitoma solitário ósseo: lesão lítca única; - Plasmocitoma extramedular: forma massas tumorais nos tecidos moles, nas mais variadas localizações, sendo mais comum no tecido submucoso, nasofaringe e seio paranasal. Quando ocorre na medula espinhal, pode ocasionar compressão e deslocamento de nervos, situação que configura emergência médica.
Ambas as situações cursam com ausência de plasmocitose medular e de lesão de órgão-alvo (CRAB), e apenas 30% dos casos apresentam proteína M no sangue ou urina. Ambos são altamente responsivos à radioterapia local. A evolução é variável: cerca de 50% dos pacientes vivem aproximadamente 10 anos, entretanto cerca de 2/3 do plasmocitoma ósseo desenvolvem MM nos 3 anos subsequentes ao diagnóstco. O plasmocitoma extramedular raramente recidiva ou progride para mieloma.
D - Macroglobulinemia de Waldenström Trata-se da proliferação neoplásica desordenada de pequenos linfócitos que maturam até plasmócitos, evidenciado na medula óssea como linfoma linfoplasmocí tco, com produção excessiva de IgM, cujas característcas biológicas provocam a maioria das manifestações clínicas. Acomete, principalmente, indivíduos de idade média de 63 anos, sendo caracterizado clinicamente por hiperviscosidade, crioglobulinemia, coagulopata, polineuropata e deposição tecidual de amiloide. Em contraste com o mieloma, tal doença cursa com linfadenomegalia e hepatoesplenomegalia. A principal manifestação clínica é de hiperviscosidade, visto que a IgM é uma molécula grande. Não apresenta lesão lí tca nem hipercalcemia. Deve-se evidenciar o pico monoclonal correspondendo a IgM, com mielograma usualmente seco e maior necessidade de biópsia de medula óssea. Observação: Mieloma IgM cursa com lesão lítca, ao contrário da macroglobulinemia de Waldenström.
E - Mieloma osteoesclerótco/síndrome de POEMS Esta síndrome rara corresponde ao acrônico: polineuropata, organomegalia, endocrinopata, monoclonal (presença de proteína monoclonal) e skin (lesões de pele). Não é necessária a presença de todos os sintomas para se pensar em POEMS: a polineuropata periférica crônica desmielinizante é a principal manifestação clínica em conjunto com a proteína monoclonal (que usualmente é cadeia leve lambda). Presume-se que o plasmócito produza substância tóxica aos nervos periféricos, resultando na polineuropata. É doença cuja mediana de idade está em torno de 50 anos. Em contraste com o MM, não se observa plasmocitose na medula (usualmente menos de 5%), além da ausência de alterações no hemograma e bioquímica. Outros possíveis achados são hepatoesplenomegalia, hiperpigmentação de pele, ginecomasta, edema, baqueteamento digital, hipertricose, tesculos atróficos e impotência.
F - Amiloidose primária Situação em que plasmócitos monoclonais sinte tzam cadeias leves monoclonais, que se depositam em estrutura fibrilar em virtualmente qualquer tecido (menos SNC), tornando-os mais rígidos e aumentados de tamanho. Ca-
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HEMATOLOGIA racteriza-se principalmente por aumento da língua (macroglossia), disfagia, sensação de empachamento, neuropata periférica e autonômica, disfunção renal com aumento do volume dos rins, insu ficiência cardíaca congestva e hepatomegalia. Os sintomas gerais são extremamente vagos, como fadiga e perda de peso. Nos exames laboratoriais encontra-se plasmocitose <10% e proteína monoclonal <3g/dL, além da alteração decorrente de cada tecido acometdo. Vale destacar que pode exis r superposição de patologias, ou seja, há possibilidade deto paciente apresentar MM (preenchendo os critérios diagnóstcos para tal) e ainda a presença de depósito amiloide tecidual, caracterizando amiloidose. De uma forma geral, deve-se suspeitar de amiloidose quando houver: - Proteinúria intensa (usualmente em níveis de síndrome nefrótca), com ou sem insuficiência renal; - Insuficiência cardíaca ou suspeita de cardiomiopata restritva; - Hepatomegalia inexplicada; - Neuropata periférica idiopátca.
Os objetvos gerais do tratamento são resolver os sintomas específicos e controlar a doença de um modo geral: - Determinar se o paciente é candidato ou não ao transplante de células-tronco hematopoétcas (idade, performance status e comorbidades são responsáveis por essa decisão). Tabela 7 - Elegibilidade ao transplante de medula óssea Pacientes não candidatos ao transplante de medula óssea - Idade >70 anos; - Disfunção hepátca (bilirrubina >2mg/dL); - Disfunção renal (creatnina >2,5mg/dL); - Insuficiência cardíaca classe III ou IV da NYHA; - Performance statusruim (ECOG 3 ou4).
Estratficação de risco: pacientes com anormalidade citogenétca de mau prognóstco são estratficados como de alto risco, os demais, são risco standard. - Alterações citogenétcas de alto risco: t(4;11), t(14;16), Del 17p, Del 13, hipodiploidia. -
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9. Tratamento
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A - Tratamento da doença de base A 1ª e mais importante decisão é cer tficar-se de que a terapia é necessária. Os pacientes com MGUS e mieloma indolente (assintomátco) não devem ser tratados, mas atentamente observados. Atualmente, não existem terapias capazes de intensificar a regulação imunológica do mieloma inicial ou de reduzir a probabilidade de atvação da doença, logo, ainda não se pode falar em cura para tais pacientes. Entretanto, já existem vários esquemas quimioterápicos que induzirão à remissão prolongada, em especial se essa remissão for seguida de 1 ou 2 transplantes de medula óssea autólogos (ou seja, com células-tronco colhidas do próprio paciente). Há ainda opções disponíveis em fase de pesquisa, como vacinas an t-idiopicas. fi
O tratamento mielomatco, especí co re é flrecomendado quando o mielomaanétsintomá sendo etdo por um aumento no componente M e/ou lesões de órgãos-alvo (CRAB). Os problemas que justficam o tratamento incluem: - Lesões osteolítcas, osteoporose intensa; - Anemia: Hb <10g/dL ou queda de 2g/dL do valor basal; - Creatnina >2mg/dL; - Cálcio sérico >11,5mg/dL; - Plasmocitoma; - Dano neural ou outro dano signi ficatvo ao tecido ou órgão, causado pelo mieloma ou pela proteína deste.
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Pacientes candidatos Não é recomendado o uso de alquilantes (melfalana), pois este quimioterápico resulta em pobre coleta de células-tronco para posterior transplante; Os pacientes de alto risco devem receber esquema quimioterápico que contenha bortezomibe, um novo agente, inibidor de proteassoma; Pacientes de risco standard devem receber combinações quimioterápicas que contenham dexametasona em altas doses (associado a talidomida, lenalidomida, e, mais antgamente, vincristna + adriamicina – VAD). Após o alcance de resposta máxima, o paciente é encaminhado para o transplante de células-tronco hematopoétcas autólogo. Deve-se deixar claro, porém, que este tpo de transplante não tem fim curatvo, mas sim proporcionar maior sobrevida livre de doença e maior sobrevida global. •
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Pacientes não candidatos O tratamento consiste em pulsos de alquilante associado a cortcoide. A combinação mais usada é melfalana + prednisona, associados ou não à talido•
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mida. Pacientes de alto risco devem receber alquilante associado à prednisona e bortezomibe; A radioterapia é reservada para tratamento de plasmocitoma, tratamento de dor por lesão óssea não controlada com quimioterapia, ou para alguns quadros compressivos (exemplo: síndrome da cauda equina); A terapia de manutenção usualmente se faz com talidomida, por no máximo 2 anos, observando-se acuradamente a presença de efeitos colaterais, especialmente a neuropata periférica, que contraindiquem seu uso;
MIELOMAÚLTIP M LO
Terapia de suporte (em que se incluem eritropoetna, uso de bifosfonados para combater a doença óssea do mieloma e antbiotcoterapia profilátca). - Recidivas Em casos de recidiva, se em menos de 6 meses, deve-se proceder a novo protocolo quimioterápico; se ocorrer após 6 meses de remissão, pode-se tentar o mesmo protocolo quimioterápico utlizado previamente. De qualquer uma das formas há necessidade de consolidação com TCTH, que pode ser •
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novamente autólogo ou ainda, preferencialmente, um transplante alogênico de intensidade reduzida. Em pacientes que inicialmente já possuem risco alto, a fim de evitar recidivas, pode-se ainda optar pelo tandem TCTH autólogo (2 autólogos no intervalo de 6 meses) ou ainda pelo tandem autoallo (ou seja, um TCTH autólogo e posterior TCTH alogênico de intensidade reduzida, também com intervalo de 6 meses). -
coterapia o mais precocemente possível. O uso de antbiotcoterapia profilátca com sulfametoxazol/trimetoprim ou quinolona durante os 3 primeiros meses de tratamento é recomendado, apesar de ainda não ser consensual. O tratamento com imunoglobulina é indicado para pacientes com infecção bacteriana recorrente e hipogamaglobulinemia. O uso de aciclovir ou valaciclovir para pro filaxia de herpes-zóster é recomendado àqueles que u tlizam bortezomibe. e) Insuficiência renal: a detecção precoce da lesão renal auxilia no tratamento. Medidas gerais de suporte devem ser instaladas (hidratação volumosa, alcalinização), e os casos em que haja indicação, manejados com hemodiálise. Plasmaférese tem seu papel bastante controverso na reversão da insuficiência renal, não sendo ainda indicada rotneiramente. f) Compressão medular: é indicação de cirurgia descompressiva de urgência, radioterapia e/ou cor tcoterapia.
10. Resumo
Quadro-resumo Tratamentos novos e emergentes Quando suspeitar de mieloma Análogos da talidomida: Revlimid®/Actmid® (Lena- Quadro pico: idosos, com sintomas vagos, anemia inexplicada, lidomida); dor óssea com lesão lítca identficada em exame de imagem, Denosumabe: antcorpo monoclonal contra RANKL alteração da função renal, elevação da calcemia e iden tficação – atvador de osteoclasto; de proteína monoclonal no sangue ou urina. Holmium® (radiação com alvo em lesões do esqueleto). •
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B - Tratamento das complicações a) Hiperviscosidade: manejado com plasm aférese, para redução da paraproteinemia e reposição do volume com albumina. b) Hipercalcemia: hidratação intensa (observar o status hemodinâmico do paciente) com solução salina (3.000mL/ m2/24h) associada a diuré tco (furosemida, 20 a 40mg) e cortcoide. Hipercalcemia extrema (>18mg/dL) pode exigir hemodiálise de urgência, associada às medidas anteriores. Além disso, devem ser u tlizados os bisfosfonatos (pamidronato ou ácido zoledrônico). Essas drogas ligam-se avidamente às lacunas de absorção óssea, e, por não serem metabolizadas, altas concentrações são mantdas nos ossos por longos períodos e internalizadas pelos osteoclastos, inibindo a reabsorção óssea e reduzindo drastcamente os níveis de cálcio. O mecanismo exato de inibição dos osteoclastos ainda não foi completamente elucidado, mas o bisfosfonato parece ter também um efeito an tangiogênico. O uso dos bisfosfonatos reduz eventos ósseos como fratura patológica, cirurgia óssea, compressão medular. c) Anemia: pode ser manejada com eritropoetna recombinante (Eprex®; Hemax), 150 a 250U/kg, 2x/semana ou, se extremamente sintomátca, com transfusões (nunca transfundir hemácias em paciente com sintomas de hiperviscosidade antes da plasmaférese – alto risco de complicação pela piora da viscosidade). d) Infecções: as infecções mais comuns são do trato urinário e do respiratório, e deve ser ins ttuída a antbiot-
Tríade diagnóstca
- Plasmocitose medular >10% ou plasmocitoma; - Proteína monoclonal no sangue ou urina; - CRAB (principalmente, lesões ósseas lítcas). Lesão em órgão-alvo - C: Cálcio >10mg/dL; - R: disfunção Renal; - A: Anemia; - B: Bone (lesões lítcas ou osteoporose). Diagnóstco diferencial - Lesão de órgão-alvo:hipercalcemia, insuficiência renal, anemia ou lesão óssea lítca; - Para cada diagnóstco: é necessária a presença dos 3 fatores. Tratamento Bisfosfonato (pamidronato, ácido zoledrônico) - Tratamento importante para doença óssea:diminui eventos de fratura, hipercalcemia e dor. Investga-se também impacto na progressão de doença; - Complicação em uso prolongado:insuficiência renal e necrose de mandíbula. - Importantes fatores prognóstcos: · Albumina; · Β-2-microglobulina; · Citogené tca: hipodiploidia, Del 13q, Del 17p, t(4;11), t(4;16); · Performance status; · Índice de replicação plasmocitária ≥3%. Sugestão terapêutca - GMSI e mieloma estadio IA não devem ser tratados!
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HEMATOLOGIA
CAPÍTULO
Hemoterapia
13 1. Introdução Em uma breve análise histórica das transfusões sanguíneas, há registros de que, em 1667, Jean Bap tste Denis transfundira sangue de animais em humanos com resultados trágicos, levando à proibição dos experimentos com transfusões pela Faculdade de Medicina de Paris e determinando o abandono dessa prátca por cerca de 130 anos. Em 1818, James Blundell retomou os estudos, realizando a 1ª transfusão de humanos com sangue humano. Só em 1907 ocorreu a 1ª transfusão ABO compavel, com a descoberta desses grupos sanguíneos por Karl Landsteiner, em 1901. O sistema Rhesus só foi descoberto em 1940, por Levine e Landsteiner. O advento da AIDS, nos anos 1980, iniciou um período de intenso desenvolvimento e crescimento da disciplina de hemoterapia em ritmo acelerado em todo o mundo, proporcionando grandes investmentos em pesquisas e desenvolvimento de infraestrutura para a segurança transfusional, a ponto de torná-la, hoje, uma especialidade médica autônoma.
2. Indicações de transfusões A coleta de sangue pode ser feita de forma manual ou automatzada. Na forma manual, a bolsa de sangue total coletada é fracionada por meio de centrifugação e separada em concentrado de hemácias, plaquetas, plasma e crioprecipitado. A coleta automatzada utliza-se da máquina de aférese para realizar coleta sele tva de concentrado de hemácias ou plaquetas. Na decisão clínica de transfundir um paciente, recomenda-se considerar os seguintes princípios: - Considerar a natureza da anemia: aguda ou crônica, uma vez que os pacientes crônicos se adaptam melhor aos estados anêmicos; - Determinar quais sintomas seriam atenuados pela transfusão e considerar a possibilidade de indicar terapêutcas alternatvas (exemplo: eritropoetna, ferro, ácido fólico e vitamina B12); - Planejar programas de autotransfusão sempre que possível;
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Fernanda Maria Santos / Marcos Laercio Pontes Reis
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Discutr o risco-benefcio da transfusão, visto que 10% delas apresentam reações, algumas vezes fatais.
A indicação da transfusão deve basear-se principalmente em critérios clínicos, evitando-se, sempre que possível, adotar limites exclusivamente laboratoriais (exemplo: nível de hemoglobina abaixo de 10g/dL).
A - Sangue total a) Rendimento - Adultos: uma unidade de sangue total eleva os níveis de hemoglobina em 1g/dL e o hematócrito em 3%, -
como o concentrado de hemácias; Crianças:dose de 8mL/kg eleva a hemoglobina em 1g/dL.
b) Indicações Atualmente, o sangue total é raramente u tlizado, pois, com a necessidade de aguardar o resultado dos testes sorológicos, não é possível utlizá-lo de imediato. Desta forma, os fatores de coagulação não estão viáveis, principalmente os de meia-vida mais curta e lábeis (VII, V, VIII) e as plaquetas ficam agrupadas e inatvadas pelo frio (2 a 6°C). Antgamente, o uso era indicado em transfusão de substtuição (exsanguineotransfusão) em Recém-Nascidos (RN) e transfusão maciça. Hoje não é feito o uso do sangue total, mas sim do sangue reconsttuído (concentrado de hemácias misturado com Plasma Fresco Congelado – PFC) no RN e concentrados de hemácias na transfusão maciça, com PFC e plaquetas conforme a necessidade. O uso do sangue total deve ser evitado, uma vez que não costuma trazer vantagens em relação à utlização de concentrados de hemácias na correção das anemias, e o seu fracionamento possibilita um melhor aproveitamento das doações de sangue e o uso racional dos componentes sanguíneos.
B - Concentrado de hemácias a) Rendimento - Adultos: 1 unidade de concentrado de hemácias eleva os níveis de Hb em 1 a 1,5g/dL, e os de Ht, em 3 a 4%; - Crianças: dose de 10 a 15mL/kg.
HEMOTERAPIA
b) Indicações Não existe valor ideal de hemoglobina para indicação transfusional. A indicação depende dos sintomas de anemia (fadiga fácil, taquicardia, tontura postural, dispneia aos esforços, cefaleia, dor torácica). Indivíduos jovens geralmente apresentam sintoma com hemoglobina inferior a 7g/dL (hematócrito = 21%), e idosos com doença cardiovascular geralmente toleram bem níveis de até 8g/dL. Anemias carenciais necessitam de transfusão apenas em casos excepcionais, pois é possível recuperar a massa eritrocitária com reposição vitamínica, e é maior a tolerância a baixos valores de hemoglobina. Em situações de perda sanguínea aguda, como em politrauma, acidentes por armas ou cirurgias, por exemplo, a indicação transfusional depende estritamente dos sintomas da hipovolemia e hipo fluxo (taquicardia, hipotensão, confusão mental, diminuição da diurese). São aceitáveis as transfusões de concentrado de hemácias também nas seguintes situações de anemia crônica: -
Adultos
associada, para que não haja comprometmento do crescimento e desenvolvimento. Crianças Sintomas associados à anemia do recém-nascido: taquipneia, taquicardia, dispneia, períodos de apneia, períodos de hipoatvidade, diminuição do ganho de peso. -
Tabela 2 - Indicação de concentrado de hemácias em crianças Recém-nascidos e lactentes com idade inferior a 4 meses - Perda aguda de sangue >15% da volemia; - Hb <7g/dL (Ht = 20%) em neonatos estáveis, mas com sintomas de anemia; - Hb <10g/dL, sintoma de anemia e necessidade de2 <35% O em máscara ou cateter; ou CPAP ou VM com pressão aérea média de 6cmH2O; tdade de O2 que o men- Hb <12g/dL e necessidade de maior quan cionado anteriormente;
- Hb <15g/dL em pacientes com doença cardíaca cianó tca ou doença pulmonar severa ou sob oxigenação de membrana extracorpórea. Crianças acima de 4 meses
Tabela 1 - Indicação de concentrado de hemácias em adultos Valor de hemoglobina
Indicação de transfusão
- Sangramento intraoperatório >15% da volemia;
Hb >10g/dL
Transfusão não indicada.
- Perda aguda não responsiva a outras terapêu tcas;
Hb <7g/dL
Geralmente indicada, de acordo com sintomas.
- Hb <8g/dL: · No perioperatório; · Anemia crônicacom sintoma.
Transfusão indicada de acordo com idade, performance cardiorrespiratória e sintomas.
- Hb <13g/dL: em doença pulmonar grave ou oxigenação de membrana extracorpórea;
Hb 7 a 10g/dL
Quanto a pacientes >65 anos ou com doença cardiorrespiratória, considerar transfusão quando Hb <8g/dL.
- Programas de transfusão crônica, como beta-talassemia major, anemia de Blackfan-Diamond.
Situações especiais: Pacientes em perioperatório: além das orientações anteriores, deve-se considerar a perda cirúrgica prevista; Pacientes crítcos: obedecem às orientações anteriores, utlizando parâmetros mais obje tvos para caracterizar “sintoma” ou baixa oxigenação tecidual, como lactato, taxa de extração de oxigênio (indicado se >0,3) e oferta de O 2 (se <10 a 12/kg/min); Pacientes com anemia falciforme: raramente é indicada transfusão quando Hb >7 g/dL, exceto no caso de pacientes em esquema de hipertransfusão para profilaxia secundária de AVC; crise de sequestro esplênico, crise aplástca, síndrome torácica aguda, priapismo recorrente e preparo cirúrgico com anestesia geral.
Pacientes com anemia falciforme seguem as orientações dos adultos.
•
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•
As transfusões para manutenção do nível de hemoglobina acima de 9g/dL e/ou do hematócrito de 27% são aceitáveis nas seguintes situações: - Portadores de coronariopata instável; - Pacientes com talassemia major, em que está indicado esquema de hipertransfusão com quelação de ferro
Uso não indicado As transfusões não devem ser indicadas para: Aumentar a sensação de bem-estar dos pacientes; Promover melhor cicatrização de feridas cirúrgicas; Expandir o volume intravascular quando a capacidade de oxigenação estver adequada; Profilatcamente (na ausência de sintomas). -
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•
C - Plaquetas a) Rendimento Uma unidade de concentrado de plaquetas randômicas usualmente aumenta a contagem plaquetária de um adulto de 70kg em 5x109/L (5.000/mL). Pessoas com febre, esplenomegalia, sangramento e uso de determinados medicamentos apresentam menor rendimento plaquetário. A dose utlizada é de 1 unidade a cada 10kg de peso do paciente, esperando-se um aumento plaquetário em torno de 30.000 a 50.000. Nesta modalidade de transfusão cada plaqueta randômica provém de um doador de sangue, ha-
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HEMATOLOGIA vendo possibilidades de exposição an tgênica e formação de aloantcorpos, associado ao maior risco de reação transfusional. Pode-se ainda obter plaquetas por aférese, em que, por meio da máquina de aférese, centrifuga-se o sangue do paciente, separando as plaquetas em concentração elevada, formando a bolsa de aférese plaquetária. A vantagem deste hemocomponente é o alto rendimento plaquetário por meio de única doação, associado à menor exposição do receptor a angenos de outros doadores e menor chance
c) Refratariedade plaquetária O termo designa uma situação na qual as transfusões plaquetárias deixam de ser e ficazes, traduzidas pela ausência de resposta clínica nos pacientes que recebem as transfusões e/ou que não aumentam a contagem de plaquetas no sangue periférico, sendo uma complicação apresentada por 5 a 15% dos receptores crônicos de plaquetas. As causas que levam à refratariedade podem ser imunológicas (40%) e não imunológicas (60%). As principais causas não imunes são infecções graves e septcemias,
de reação transfusional. A dose de plaquetas por aférese é de 1 unidade, tendo em vista que esta equivale de 6 a 8 plaquetas randômicas.
sobretudo se acompanhadas febre, uso B), de grandes an tbiótcos (vancomicina) e antfúngicos de (anfotericina esplenomegalias, hemorragias atvas e coagulação intravascular disseminada. A refratariedade imunológica é causada pela aloimunização contra angenos HLA de classe I, presentes em todas as células nucleadas e nas plaquetas, ou contra an genos plaquetários específicos (HPA). Decorre da transfusão repetda de concentrado de plaquetas ou de outros hemocomponentes. A refratariedade também pode resultar do uso de plaquetas ABO-incompaveis. Uma vez estabelecida a causa das transfusões ineficazes, as condutas a serem adotadas baseiam-se no tratamento da causa clínica ou na transfusão de plaquetas HLA compaveis com o receptor.
b) Indicação -
Uso profilátco
Tabela 3 - Uso profilátco de plaquetas Situação
Contagem plaquetária (/mm3)
Deficiência de produção (aplasia, pós-quimioterapia ou radioterapia)
<10.000
Paciente com febre, outra coagulopata ou medicamentos que levem à plaquetopata
<20.000
RN de termo com instabilidade ou com fator de risco para sangramento ou RN prematuro
<50.000
RNdetermoclinicamenteestável
<20.000
Pré-cirúrgico ou procedimento invasivo
<50.000
Cirurgia do SNC, oalmológica
<100.000
Plaquetopata congênita ou adquirida pré-cirúrgica ou procedimento invasivo -
Uso terapêutco •
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-
Independente da contagem plaquetária
Contagem plaquetária <50.000/mm3 em pacientes com sangramento atvo; Contagem plaquetária <100.000/mm3 em RNs doentes e com sangramento atvo; Púrpura trombocitopênica imunológica associada a sangramento com risco de vida; Suspeita ou presença de defeitos qualita tvos plaquetários na existência de sangramento atvo.
Uso não indicado
A transfusão de plaquetas é contraindicada profilaticamente na Púrpura Trombocitopênica Idiopática (PTI), na Púrpura Trombocitopênica Trombótica (PTT), na Síndrome Hemolítico-Urêmica (SHU), na síndrome HELLP e na trombocitopenia associada à heparina. Em todas essas situações deve ser utilizada apenas se há sangramento com risco de vida. Também não é utilizada profilaticamente na CIVD ou na transfusão maciça de sangue e no bypass cardiopulmonar (na ausência de sangramento ativo).
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D - Plasma Fresco Congelado (PFC) a) Posologia A dose terapêutca de plasma a ser administrada nas coagulopatas é de 10 a 20mL/kg, levando-se em conta o quadro clínico e a doença de base do paciente. A frequência da administração depende da vida média de cada fator a ser reposto. O Tempo de Protrombina (TP) e o Tempo de Tromboplastna Parcial atvada (TTPa) devem ser realizados antes e depois da transfusão. b) Indicações O PFC é administrado para corrigir sangramentos decorrentes de anormalidades nos fatores de coagulação, quando a terapia específica não está disponível. Os critérios aceitáveis para indicação são: - Sangramento atvo ou necessidade de procedimentos invasivos em pacientes com deficiência de fatores de coagulação, documentados por TP ou TTPa prolongado (desde que não haja o fator deficiente liofilizado); - Protocolos de suporte transfusional em transfusão maciça; - Reversão em caráter de emergência (sangramento atvo, pré-operatório ou procedimento invasivo) do efeito de antcoagulantes orais; - Plasmaférese para PTT ou SHU; - Em alguns casos de de ficiência de anttrombina III, na vigência de fenômenos trombó tcos com necessidade de heparinização.
HEMOTERAPIA
c) Uso não indicado O PFC não deve ser utilizado m eramente como expansor de volume, pois as soluções coloides ou cristaloides são produtos mais seguros para expansão volumétrica. Não deve ser usado para reverter coagulopatia provocada por dicumarínicos, quando não há sangramento ativo ou programação cirúrgica de emergência, independente do INR. Também não deve ser utilizado como fonte proteica. - Plasma comum (plasma normal ou plasma simples): é o plasma cujo congelamento ocorreu mais de 8 horas depois da coleta do sangue total que lhe deu srcem. Pode resultar também de um PFC cujo período de validade expirou. É u tlizado pela indústria para síntese de hemoderivados (exemplo: albumina, fator VIII lio filizado, fator IX lio filizado); - Plasma isento do crioprecipitado: é o plasma do qual foi retrado, em sistema fechado, o crioprecipitado. Utlizado de forma controversa, em casos de PTT refratária à plasmaférese convencional.
E - Crioprecipitado a) Posologia Uma unidade de crioprecipitado para cada 10kg de peso do paciente. b) Indicações Coagulação intravascular disseminada com nível de fibrinogênio inferior a 100mg/dL e sangramento atvo (coagulopatas de consumo); (<100mg/dL) ou disfibrino- Hipofibrinogenemia genemia congênita nos sangramentos atvos ou nos procedimentos invasivos/cirúrgicos; - Reposição terapêutca da deficiência do fator XIII, em situações clinicamente significatvas; - Apenas em raríssimas situações, nas quais não há disponibilidade de fatores liofilizados, o crioprecipitado pode ser utlizado como forma de reposição de fator VIII ou do fator de von Willebrand. -
Hemocomponente
Volume
Validade
Armazenamento
Concentrado de plaquetas
RandôPor mica: aférese: 50 a 200 a 70mL 400mL
3 a 5 dias
20 a 24°C sob agitação constante
PFC Crioprecipitado
200a250mL 10a15mL
1a2anos 1a2anos
-20a-30°C -20a-30°C
F - Hemoderivados a) Concentrados de fator VIII e fator IX Podem ser provenientes do plasma ou por tecnologia recombinante de linhagem de células de hamster, estabilizado com albumina humana. Por serem altamente purificados e sem risco de transmissão de doenças, são o tratamento de escolha para hemo filia A (fator VIII) e hemo filia B (fator IX). A meia vida do fator VIII é de 12 horas, e a do fator IX, 24 horas. O grande risco destes hemoderivados, após exposição crônica, é a formação de autoantcorpos (inibidores), bem mais comuns contra o fator VIII que quanto ao fator IX. b) Concentrado de Complexo Protrombínico (CCP) Este produto contém fatores II, VII, IX e X, além de proteínas C e S. Faz parte do arsenal terapêu tco para pacientes com inibidor de fator VIII; porém, pela quan tdade de fatores de coagulação, tem o importante risco de induzir trombose, especialmente em pacientes no pós-operatório, imobilizados ou com disfunção hepatocelular. Existe ainda o complexo protrombínico atvado, que deve ser utlizado para os mesmos fins. c) Concentrado de fator VIIa recombinante Licenciado para tratar pacientes com hemo filia A com inibidor ou pacientes com inibidor adquirido de fator VIII. Pode ainda ser utlizado em sangramentos nos pacientes com doença hepátca ou tromboastenia de Glanzmann.
c) Uso não indicado O crioprecipitado não deve ser usado no tratamento de pacientes com deficiências de outros fatores que não fator VIII, fibrinogênio, fator von Willebrand ou fator XIII.
3. Autotransfusão
Tabela 4 - Descrição dos hemocomponentes
Trata-se de um procedimento que possibilita, com o uso de máquinas especiais (cell savers), a aspiração do sangue perdido no campo operatório ou nos drenos cirúrgicos, sua lavagem e reinfusão no paciente, minimizando e, muitas vezes, eliminando o uso de transfusões alogênicas. Está indicado para cirurgias que apresentam grande perda sanguínea (como cirurgia cardíaca, transplante hepátco, aneurisma de aorta torácica).
Hemocomponente Concentrado de hemácias
Volume
Validade
Armazenamento
200 a 250mL
35 a 42 dias (depende do conservante)
2 a 6°C
A - Recuperação intraoperatória de sangue
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HEMATOLOGIA Não é permitda a recuperação intraoperatória quando existem riscos de veicular ou disseminar agentes infecciosos e/ou células neoplásicas. O sangue resgatado no intraoperatório não pode ser transfundido em outros pacientes e deve ser utlizado em até 4h da coleta.
B - Hemodiluição normovolêmica A hemodiluição normovolêmica é a coleta de sangue do paciente antes ou imediatamente após a indução anestésica com reposição simultânea de volume com cristaloides e/ou coloides. O volume de sangue colhido dependerá do hematócrito inicial do paciente e da perda estmada no intraoperatório. As unidades obtdas devem permanecer na sala de cirurgia em que o paciente está sendo operado durante todo o transcorrer do ato cirúrgico e devem ser transfundidas antes de completarem 8 horas da coleta. Qualquer paciente pode beneficiar-se dessa técnica, exceto aqueles com incapacidade de compensar a perda do hematócrito com aumento do débito cardíaco (insu ficiências cardíaca e renal graves, por exemplo).
Tabela 5 - Indicação de procedimentos especiais Procedimento
Método
Irradiação
Exposição ao césio 137 na dose de 25Gy - Pacientes submetdos ao (inviabiliza linfócitos, transplante de células-tronprevenindo a reação cos hematopoétcas; do enxerto x hospedeiro transfusional). - RNs prematuros de peso <1.200g; - Transfusão intrauterina.
Centrifugação com 1 - História de reação alérgica a 3L de solução fisio- grave ou não responsiva à pré-medicação com antLavagem lógica para retrada de proteínas plasmá- -histamínico; tcas. - Transfusão intrauterina. Redução de 70 a Hemácia 80% dos leucócitos pobre - Prevenção de reação febril por meio do filtro de em leunão hemolítca. microagregados ou cócito lavagem. - Prevenção de reação febril não hemolítca;
C - Autotransfusão pré-depósito (doação autóloga)
- Prevenção de aloimunização leucocitária e refratariedade plaquetária em pacientes
O procedimento de doação autóloga pré-operatória requer a aprovação do médico hemoterapeuta e do médico do paciente. O paciente coleta bolsa de sangue total dias antes da cirurgia e esta fica estocada para seu uso exclusivo. Está indicado para cirurgias com perda sanguínea que, invariavelmente, resulta em transfusão sanguínea, como: -
Prostatectomia;
-
Mastectomias;
-
Cirurgias ortopédicas;
-
Cirurgias vasculares de médio porte.
Não é autorizada a coleta de sangue de pacientes com quadro clínico instável, doenças cardíacas como angina instável, hipertensão não controlada, insu ficiência cardíaca descompensada e cardiopatas restritvas, processos infla-
Indicação - Receptores de unidades doadas por parentes de 1º grau;
Hemácia/ plaqueta leucodepletada
Redução de 99% dos politransfundidos; leucócitos por meio - Prevenção de transmissão de filtros de leucóde doenças que utlizam citos (filtros de 3ª o leucócito como vetor geração). (exemplo: citomegalovírus em pacientes com sorologia ant-CMV negatva – principalmente prematuros e transplantados); - Transfusão intrauterina.
Observação: componentes acelulares (plasma e crioprecipitado) não necessitam ser irradiados; quanto a pacientes oncológicos, transplantados de órgãos sólidos, pacientes medicados com análogos de purina (fludarabina) e com imunode ficiência celular congênita, a irradiação não é mandatória pela legislação brasileira, mas é recomendada pela literatura internacional; por sua vez, pacientes HIV positvo não necessitam receber componente irradiado.
matórios existência de infecção a tva inferior ou tratamento antpresentes, microbiano, anemia com hemoglobina a 11g/dL.
5. Procedimentos especiais
4. Manipulação de hemocomponentes
A - Sangria terapêutca
Visando a um melhor rendimento na transfusão e com menor risco de reações transfusionais, pode-se lançar mão de alguns procedimentos, conforme listado na Tabela 5. Ratfica-se que os procedimentos não são mutuamente exclusivos (por exemplo, um mesmo hemocomponente, se necessário, pode ser irradiado e filtrado).
Consiste em extrações de sangue com fins terapêutcos, visando à redução da massa eritrocitária ou da sobrecarga de ferro no paciente. O sangue extraído não pode ser u tlizado para transfusão alogênica, e o volume a ser re trado é determinado pelo médico do paciente, de acordo com a finalidade terapêutca.
148
HEMOTERAPIA
-
Indicações: •
•
•
ClasseI
ClasseII
Pressão arterial
Normal
Normal
Pacientes com poliglobulia (eritrocitose secundária) sintomátca;
Frequência cardíaca
Até100
Pacientes com policitemia vera com hematócrito acima de 55%.
Frequência respiratória
Normal
Pacientes não anêmicos com sobrecarga de ferro e hemossiderose/hemocromatose;
Diurese
B - AExsanguineotransfusão Doença Hemolí ca do Recém-Nascido (DHRN) é uma t
patologia em que ocorre hemólise do feto ou neonato por antcorpos maternos. A causa mais comum é a incompatbilidade Rh ou ABO, podendo haver incompatbilidade também com outros grupos sanguíneos. No tratamento, utliza-se de 1ª linha a fototerapia, sendo a exsanguineotransfusão (EST) reservada para casos sem resposta à fototerapia ou nos quais já existam sinais da encefalopata pela hiperbilirrubinemia. A EST é feita por cateterismo da veia umbilical, por onde é realizada troca de 2 volemias, com reposição de sangue total reconsttuído (hemácias compaveis com a mãe e PFC compavel com o bebê), preferencialmente colhido há menos de 5 dias. Com esse procedimento, re tram-se de 25 a 45% do valor da bilirrubina e trocam-se cerca de 85% dos eritrócitos do bebê. As hemácias devem ser irradiadas, lavadas e leucodepletadas. As complicações relacionadas ao procedimento são infecção, enterocolite necrosante, trombose de veia umbilical, arritmia, coagulopata dilucional, plaquetopenia, hipocalcemia e hipercalemia, sobrecarga volêmica, hipovolemia, embolia gasosa.
C - Transfusão maciça Transfusão maciça é definida como transfusão de 1 volemia ou mais, num intervalo de 24 horas. Ocorre em situações de trauma (principalmente de bacia, sistema nervoso central, pescoço e ferimentos múltplos), grandes cirurgias (transplante hepátco e aneurisma de aorta), complicação obstétrica e hemorragia digestva alta. A principal manifestação clínica diante da perda sanguínea maciça é a hipovolemia. A depender do volume da perda, têm-se diferentes sinais do choque hipovolêmico. Tentando padronizar o volume de perda e a conduta a ser tomada perante a hipovolemia, o Comitê do Trauma da Sociedade Americana de Cirurgiões criou a classi ficação a seguir: Tabela 6 - Classificação do choque hipovolêmico ClasseI
ClasseII
ClasseIII
Perda (mL)
Até 750
De 800 a 1.500
De 1.500 a 2.000
Perda (%)
Até15
De15a30
De30a40
ClasseIV >2.000 >40
>30
De100a120
ClasseIII
ClasseIV
Diminuída
Diminuída
120
Normal
>20
De20a30
De10a20
>120
>20 De0a10
(mL/h) Extremidades
Normais
Pálidas
Pálidas
Frias
Nível de consciência
Alerta
Ansioso
Sonolento
Confuso
A 1ª conduta frente à perda sanguínea maciça é garantr acesso venoso calibroso, manter o paciente aquecido e colher exames: hemograma, TP, TTPA, TT,fibrinogênio, t-
pagem sanguínea, bioquímica e gasometria. Inicia-se a ressuscitação volêmica com cristaloides ou coloides aquecidos a 40°C, sendo a transfusão sanguínea indicada quando há perda estmada superior a 30 a 40% da volemia ou quando não há resposta à ressuscitação com cristaloides. O restabelecimento urgente da volemia é essencial para a prevenção da falência de múltplos órgãos que, depois de instalada, dificilmente é reversível. A mortalidade de pacientes submetdos à transfusão maciça é de 45 a 50%. Deve-se preferir a transfusão ABO compavel, visto que a tpagem sanguínea demora de 10 a 15 minutos para ser feita. Em urgência extrema, os primeiros 2 a 4 concentrados de hemácias devem ser do tpo O, até que se obtenha a tpagem do paciente. O grupo Rh nega tvo deve ser reservado a mulheres em idade fér tl e crianças. Mulheres em menopausa e homens podem receber tpo O+, em razão da dificuldade em obter sangue do tpo O-.
D - Complicações da transfusão maciça a) Coagulopata dilucional A ressuscitação inicial com 5 concentrados de hemácias é suficiente para desencadear a coagulopata dilucional, que consiste na diminuição de fatores de coagulação em virtude da perda e diluição sanguínea com hemácias, aumentando a suscetbilidade ao sangramento. Desta forma, deve-se monitorizar o coagulograma frequentemente (de preferência, a cada 5 a 7 unidades de hemácias transfundidas). Para INR >1,5, iniciar a reposição de PFC ou, se a velocidade de infusão de hemácias for muito rápida, 1 unidade de PFC a cada 1 a 2 de hemácias. A plaquetopenia acontece geralmente após a troca de 2 volemias, devendo-se monitorizar e transfundir sempre que o número de plaquetas for inferior a 75.000/mm3 ou, se a velocidade de infusão de hemácias for muito rápida,
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HEMATOLOGIA transfundir 1 unidade de plaquetas para cada 10kg de peso, a cada 10 a 15 concentrados de hemácias transfundidas. Os pacientes com politrauma grave devem ser conduzidos de forma diferente: em estudos recentes, observou-se grande impacto na mortalidade com a introdução precoce de concentrado de hemácia, PFC e plaquetas. Isso se deve ao fato de que esses pacientes já chegam ao centro de atendimento hospitalar com coagulopa ta grave, em consequência da hipotermia, lesão tecidual extensa, lesão muscular, consumo de fatores de coagulação e fibrinogênio. Desta forma, recomenda-se, já no início da tação volêmica, a transfusão de concentrado deressuscihemácia, PFC e plaquetas, à proporção 1:1:1. b) Coagulação intravascular disseminada (CIVD) Complicação que acontece em razão do excesso de exposição do fator tecidual, a depender do local (principalmente, sistema nervoso central), da extensão da lesão e da estase sanguínea (duração do choque). A CIVD resulta em trombose microvascular, levando à falência de múltplos órgãos e ao sangramento difuso (em razão da hiperfibrinólise e do consumo dos fatores de coagulação). Após sua instalação, a mortalidade é de 70%. Para o diagnóstco, adotam-se como parâmetros o alargamento excessivo de TP e TTPA, a diminuição excessiva da contagem plaquetária e o consumo de fibrinogênio. O tratamento é feito com transfusão de crioprecipitado, plaquetas e PFC, em caso de sangramento. c) Hipotermia Em virtude da perda sanguínea e do choque, há diminuição importante da temperatura corporal que, associada à infusão de grande quantdade de cristaloides e hemocomponentes, pode gerar hipotermia grave, com arritmia e óbito. A hipotermia também diminui a a tvidade de fatores de coagulação e da função plaquetária, contribuindo para a coagulopata. Deve-se manter o paciente aquecido com manta térmica e infundir solução cristaloide, solução coloide e hemácias aquecidas a 40°C em aquecedores especiais para esse fim. d) Toxicidade do citrato Os hemocomponentes contêm o citrato como solução antcoagulante, um quelante do cálcio, impedindo a coagulação do sangue após sua coleta e durante sua conservação. Infusão de grande volume de hemocomponente, principalmente em pacientes com dificuldade de metabolizar o citrato (hepatopata aguda ou crônica, hipotermia e hipotensão severa e prolongada) pode resultar em quadro de intoxicação pelo excesso de citrato, com hipocalcemia e alcalose metabólica. A alcalose metabólica decorre do fato de que, no metabolismo hepátco, cada mmol/L de citrato gera 3mEq de bicarbonato. Desta forma, em pacientes com insu ficiência hepátca ou renal (não há eliminação adequada do excesso de bicarbonato), pode ocorrer alcalose metabólica, com hi-
150
pocalemia, que se manifesta com arritmia e vasodilatação com piora do sangramento e da hipotensão. Para corrigir essas complicações, são recomendadas a monitorização frequente do cálcio iônico, pH e potássio, e deve ser feita a reposição com cloreto ou gluconato de cálcio, para manter níveis acima de 1,13mmol/L e com cloreto de potássio nos casos de hipocalemia. e) Hipercalemia e acidose A acidose/hipercalemia, nas situações de perda sanguínea maciça, decorre da má perfusão periférica. A transfusão de hemocomponentes com mais de 14 a 21 dias de estocagem tem maior quantdade de K+ consequente à lise celular, porém pode ser realizada sem gerar impacto clínico negatvo, uma vez que o excesso de K+ é perdido pela urina, entra nas células e é diluído com a reposição de cristaloides. Deve-se ter cuidado apenas nos casos de exsanguineotransfusão em RNs ou em transfusão maciça de pacientes com insuficiência renal grave, nos quais se devem utlizar hemácias com menos de 5 dias de estocagem ou hemácias lavadas, para retrar o excesso de K+. Para o sucesso terapêutco nas transfusões maciças são fundamentais o restabelecimento rápido da perfusão periférica, a prevenção da coagulopata e a resolução rápida da causa do sangramento.
6. Reações transfusionais A - Reações imediatas Ocorrem dentro das primeiras 24 horas após a transfusão, mas, em geral, durante o procedimento ou nas primeiras 4 horas. As condutas a serem tomadas são: - Interrupção imediata da transfusão, se esta ainda estver ocorrendo; - Exame dos rótulos das bolsas e de todos os registros pertnentes, para verificar se houve algum erro na identficação do paciente ou das bolsas transfundidas; - Coleta de novas amostras de sangue do receptor, as quais, apropriadamente rotuladas, devem ser rapidamente remetdas ao serviço de hemoterapia, junto com a bolsa que estava sendo transfundida, ainda que esta já esteja vazia. Serão repetdas as provas pré-transfusionais do receptor e da bolsa, prova antglobulina direta, prova cruzada maior com o resíduo da unidade, pesquisa de antcorpos irregulares e de sinais de hemólise e cultura para bactérias da bolsa e do paciente. Todas as informações relatvas à reação devem ser registradas no prontuário, e toda unidade envolvida numa reação transfusional deve ser descartada. a) Reação hemolítca aguda - Definição: presença de aloantcorpos no soro do receptor que reagem contra os an genos das hemácias do doador, provocando hemólise;
HEMOTERAPIA
Incompatbilidade ABO: esse é o quadro mais grave, que ocorre em 1 a cada 12.000 transfusões, por erros logístcos (troca de bolsas ou de amostras). Como os antcorpos ant-A e ant-B são IgM e têm um alto potencial de atvação do sistema complemento, o resultado é uma intensa hemólise intravascular que se inicia logo após a transfusão. Os primeiros 30mL de sangue transfundidos já são su ficientes para desencadear reação hemolítca, com repercussão clínica grave, inclusive óbito. Quase todas as hemácias infundidas são imediatamente hemolisadas. O sistema complemento é hiperatvado, produzindo fatores quimiotátcos para neutrófilos (C3a, C5a), que liberam citoquinas pró-inflamatórias e atvam o sistema de coagulação, provocando CIVD; - Sinais e sintomas: febre (elevação da temperatura em pelo menos 1°C em relação à temperatura pré-transfusão), calafrio, mal-estar, ansiedade, taquidispneia, dor lombar, taquicardia, flush facial, hemoglobinúria, choque, oligúria e insuficiência renal aguda (necrose tubular aguda por hemoglobinúria + ação de citoquinas) e sinais de CIVD (sangramento microvascular e falência de múltplos órgãos), com letalidade em torno de 40%. Os sintomas geralmente acontecem no início da transfusão; - Conduta: suspensão imediata da transfusão, hidratação vigorosa para manter o débito urinário >100mL/h, com o objetvo de reduzir a lesão renal, terapia de suporte respiratório e hemodinâmico; - Prevenção: pronta identficação após coleta de amostra para tpagem sanguínea do receptor, dupla checagem de bolsa e iden tficação do receptor. -
b) Reação febril não hemolítca - Definição: é a mais frequente das complicações pós-transfusionais, ocorrendo de 1 a cada 30 ou 100 transfusões (0,3 a 1%), ainda mais comum após a transfusão de plaquetas. São 2 os mecanismos principais: - Aloimunização contra angenos HLA de leucócitos (presentes no concentrado de hemácias ou plaquetas); - Formação de citocinas pelos leucócitos da bolsa infundida (eventualmente, essa produção também pode ser feita pelas plaquetas), entre elas o pirogênio endógeno e a interleucina l. Sinais e sintomas: calafrios, evoluindo com hipertermia (elevação da temperatura em pelo menos 1°C em relação à temperatura pré-transfusão) e mal-estar. Em geral, a manifestação acontece ao final da transfusão ou até 4 horas após o término; - Conduta: embora a evolução seja benigna, recomenda-se a suspensão imediata da transfusão para averiguar a possibilidade de estar diante de uma reação hemolítca aguda ou contaminação bacteriana. Antpirétcos devem ser prescritos para febre, e meperidina 25 a 50mg para os tremores; -
-
Prevenção: recomenda-se pré-medicação com an tpirétcos (paracetamol ou dipirona), ou a transfusão de hemácias pobres em leucócitos (hemácias leucodepletadas).
c) Contaminação bacteriana - Definição: é uma complicação potencialmente grave que pode ocorrer em razão da contaminação do sangue doado no momento da coleta, da manipulação ou da estocagem. O sistema fechado de bolsa dupla ou tripla reduziu drastcamente essa complicação. A maioria das bactérias não resiste à temperatura de armazenamento do concentrado de hemácias (4°C), exceto a Yersinia enterocolitca. Por isso, essa bactéria é o agente etológico mais comum da sepse por transfusão de hemácias. No concentrado de plaquetas, a chance de contaminação é bem maior, por ser armazenado em temperaturas mais próximas da temperatura ambiente (22°C). - Sinais e sintomas: calafrios, febre (elevação da temperatura em pelo menos 1°C em relação à temperatura pré-transfusão), hipotensão e choque; - Conduta: interrupção imediata da transfusão, coleta da amostra do receptor e da bolsa para hemocultura, introdução de antbiótco e suporte clínico; - Prevenção: assepsia adequada na coleta, esterilidade na manipulação e cuidados na estocagem. d) Injúria pulmonar relacionada à transfusão (TRALI) - Definição: complicação grave, presente em 1 a cada 5.000 transfusões, sendo a principal causa de mortalidade relacionada à transfusão no Reino Unido. A patogênese depende de aloantcorpos do plasma do doador que reagem contra os leucócitos do receptor, induzindo-os à agregação e adesão no endotélio alveolar, liberando citocinas e aumentando a permeabilidade vascular. Pode ocorrer também reação entre antcorpo do doador e mediador lipídico de neutrófilo do receptor e, raramente, antcorpo do receptor contra leucócitos do doador; - Sinais e sintomas: febre, calafrios, taquidispneia, hipóxia, cianose, hipotensão arterial, edema pulmonar e aparecimento de infiltrados difusos ao raio x de tórax. O quadro pode agravar-se e transformar-se em SARA, com hipoxemia grave e óbito (o diagnóstco diferencial com sobrecarga volêmica é feito pela pressão capilar pulmonar normal); - Conduta: suporte ventlatório e hemodinâmico, muitas vezes com necessidade de ventlação mecânica. Evitar uso de diurétco, pois o paciente é hipovolêmico e geralmente hipotenso. A administração de cor tcoide não apresenta benefcio comprovado. Contudo, com suporte intensivo adequado, a maioria se recupera bem após 48 a 96 horas; - Prevenção: ainda não há consenso sobre a melhor forma de prevenção do TRALI. Sugere-se u tlizar com-
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HEMATOLOGIA ponentes plasmátcos apenas de indivíduos do sexo masculino, pois as mulheres são expostas a diferentes angenos HLA durante a gestação, com maior chance de formação de antcorpos antleucócitos. e) Reação alérgica -
Definição: alergia aos componentes (proteínas) do plasma. Apresenta incidência relatvamente alta, comparável à da reação febril não hemolítca. Obviamente, é mais comum na transfusão de PFC e plaquetas, mas
também pode acontecer com a transfusão de concentrado de hemácia. Os pacientes com quadros alérgicos mais graves são aqueles que apresentam deficiência hereditária de IgA (1 a cada 900 brasileiros). Esses indivíduos geralmente possuem antcorpos ant-IgA que reagem com a IgA do plasma transfundido; - Sinais e sintomas: manifestação alérgica de intensidade variável, desde prurido, urtcária, angioedema e broncoespasmo leve até choque anafilátco (raro, com uma incidência de 1 a cada 150.000 transfusões); - Conduta: interromper a transfusão, se ainda es tver ocorrendo, e administrar ant-histamínicos associados ou não a cortcoide; em caso de choque ana filátco, associar adrenalina. É a única reação transfusional que permite contnuar a transfusão após o controle do sin-
f) Sobrecarga volêmica - Definição: hipervolemia que acontece quando o paciente é incapaz de compensar a expansão do volume sanguíneo infundido – geralmente, pacientes com insuficiência cardíaca e insuficiência renal; - Sinais e sintomas: cefaleia, dispneia, hipoxemia, taquicardia, edema pulmonar e hipertensão arterial sistólica; - Conduta: interromper a transfusão, elevar decúbito, suporte ventlatório e diurétcos; - Prevenção: infundir o concentrado de hemácias lentamente na velocidade de 2 a 4mL/kg/h (com cuidado para não exceder 4 horas). g) Hipotensão - Definição: após a transfusão de plaquetas e hemácias ocorre a geração de bradicinina pela a tvação das vias das cininas secundária ao contato do plasma com superfcies artficiais (filtro de leucócitos). Pacientes medicados com inibidores da enzima conversora da angiotensina já têm níveis mais elevados de bradicinina e, quando transfundidos com filtro de leucócitos bedside, podem desenvolver essa reação; - Sinais e sintomas: hipotensão, dor abdominal e eritema facial; - Conduta: cessar transfusão, infundir cristaloides e adotar posição de Trendelemburg; - Prevenção: evitar filtro de leucócitos bedside e preferir filtragem
toma (em caso de manifestação alérgica leve).
pré-estocagem, quandofioltro estver indicado.
B - Reações tardias Tabela 7 - Reações tardias Reação
Mecanismo
Quadroclínico
Tratamento
Prevenção
Hemólise extravascular por angeno incompavel, num indivíduo previamente sensibilizado. Angenos mais comuns: Rh D, outros an genos Rh, Kell, Du ffy.
Anemia hemolítca 2 a 10 dias Transfusão de hemácias após a transfusão, de leve a mo- Monitorização do hemafenotpadas (negatvas derada intensidade, com febre, tócrito. Nova transfusão, para o angeno em icterícia, retculocitose e Coom- se necessário. questão). bs direto positvo.
“Enxerta” do linfócito do doador num receptor com imunodeficiência celular ou com DECH transfuHLA semelhante (parente de sional 1º ou 2º grau), resultando em agressão tecidual pelo linfócito enxertado.
Depende do tecido lesado: rash cutâneo (pele), diarreia, Irradiação de hemoImunossupressão (mortaaumento de bilirrubina direta componentes celulares (trato gastrintestnal), aplasia lidade de 90%). (hemácias e plaquetas). (medula óssea).
Reação hemolítca tardia
Doenças infecciosas*
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Utlização de sangue contaminado com hepattes B e C, HIV, HTLV, sífilis, doença de A depender do agente transmiDa doença adquirida. Chagas, malária, doença de tdo. Creutzfeldt-Jakob, citomegalovirose, parvovírus B19.
Triagem clínica e sorológica, uso racional do sangue, transfusão de hemocomponente filtrado para prevenir infecções que utlizam o leucócito como vetor (CMV).
HEMOTERAPIA
Reação
Mecanismo
Quadroclínico
Reação do antcorpo do receptor contra angeno Púrpura pós- plaquetário do doador. Pode -transfusional decorrer da transfusão de qualquer hemocomponente (principalmente hemácia).
Aloimunização
Produção de aloantcorpos contra angenos presentes na membrana das hemácias
Prevenção
Plaquetopenia importante 5 a 10 dias após a transfusão, com ou sem manifestação de sangramento e duração autolimitada de 1 a 3 semanas.
Se plaquetopenia severa ou sangramento atvo, administrar imunoglobulina.
Refratariedade plaquetária,
Transfusão de hemocom- Uso de hemácia/pla-
e/ou leucócitos e/ou plaque- hemólise tardia. tas, principalmente angenos HLA.
Hemossiderose
Tratamento
Depende da quantdade de Acúmulo de ferro nos teciferro acumulado e do órgão dos decorrente de múltplas acometdo: escurecimento da transfusões (1mL de hemácia pele; insu ficiências hepá tca, contém 1mg de ferro). cardíaca, pancreátca.
Uso de hemácias lavadas e plaquetas HPA1 negatvas (angeno plaquetário mais comumente envolvido).
ponentes compaveis.
queta leucodepletada.
Quelação de ferro em pacientes cronicamente transfundidos.
Uso racional do sangue.
* A triagem sorológica nas bolsas de sangue coletadas são feitas para HIV, HCV, HBV (an t-Hbc e Ag Hbs), sífilis (teste treponêmico e não treponêmico), HTLV e Chagas. A pesquisa de malária é feita apenas nas regiões endêmicas.
A triagem sorológica dos vírus HIV, HCV e HBV pode ser feita pelo método ELISA, para pesquisa de an tcorpos ou pelo NAT, que realiza a detecção molecular de ácidos nucleicos. A técnica do NAT ainda não é uma realidade no SUS do Brasil. Tabela 8 - Janela imunológica e risco residual por doença Agente
Janelaimunológica(dias)*
Riscoresidual(pordoação)**
ELISA
NAT
ELISA
NAT
HCV HIV
70 16
10 11
1:230.000 1:1.200.000
1:2.300.000 1:2.400.000
HBV
45
39
1:220.000
1:500.000
* Janela imunológica: período em que o agente infeccioso está presente na corrente sanguínea, mas os testes convencionais não o detectam. ** Risco residual: risco de transmissão de um agente infeccioso por transfusão sanguínea no período de janela imunológica.
7. Resumo Quadro-resumo Indicação de plaqueta profilátca ficiência de produção (aplasia, pós-quimioterapia, radioterapia); - Se <10.000: pacientes estáveis, com plaquetopenia por de
- Se <20.000: pacientes com plaquetopenia por deficiência de produção, mas com febre, outra coagulopa ta ou medicamento que leve à plaquetopata; RN de termo clinicamente estável; - Se <50.000: pré-cirúrgico ou pré-procedimento invasivo; RN prematuro; RN de termo com instabilidade ou risco de sangramento; - Se <100.000:cirurgia de SNC ou oalmológica; - Independente da contagem de plaquetas:plaquetopata congênita ou adquirida pré-cirúrgico ou procedimento invasivo. Indicação de plasma fresco congelado ficiência de fatores de coagulação (desde que não - Sangramento atvo ou necessidade de procedimentos invasivos em pacientes com de haja o fator deficiente liofilizado);
- Tratamento da coagulopata dilucional da transfusão maciça; tcoagulantes orais; - Reversão em caráter de emergência (sangramentotavo, pré-operatório ou procedimento invasivo) do efeito de an
- Plasmaférese para PTT ou SHU; - Em alguns casos de deficiência de anttrombina III e necessidade de heparinização. Uso não indicado do plasma fresco congelado - Como expansor de volume;
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HEMATOLOGIA Uso não indicado do plasma fresco congelado - Para reverter coagulopata provocada por dicumarínico quando não há sangramento tavo ou programação cirúrgica de emergência, independente do INR; - Como fonte proteica. Composição do crioprecipitado - Fibrinogênio; - Fator XIII; - Fator VIII; - Fator de von Willebrand; - Fibronectna.
Complicações da transfusão maciça
- Coagulopata dilucional; - CIVD; - Hipotermia; - Toxicidade provocada pelo citrato: hipocalcemia, alcalose; - Hipercalemia, acidose.
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14 1. Introdução O Transplante de Células-Tronco Hematopoé tcas (TCTH) consiste na infusão intravenosa de células progenitoras hematopoétcas, com o objetvo de restabelecer a função medular, após a administração de altas doses de quimioterapia ou radioterapia corporal total. O restabelecimento da função medular ocorre porque as Células Progenitoras Hematopoétcas (CPH) produzem todas as células maduras que circulam no sangue: glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas. O 1º relato de infusão intravenosa de medula óssea data de 1939, quando um paciente recebeu 18mL de medula de seu irmão como tentatva de tratamento para aplasia de medula óssea. Porém, o desenvolvimento das bases cienficas atuais do TCTH iniciou-se por meio de experiências com roedores que, após serem subme tdos à radiação em doses letais, sobreviviam ao receber infusão posterior intravenosa de medula óssea. A identficação e a compreensão do sistema de histocompatbilidade humano, que está codi ficado no cromossomo 6, contribuíram de forma decisiva para o sucesso dos transplantes. Em 1968, 3 transplantes de célula-tronco em que os doadores eram irmãos com tpagem HLA idêntca ao do receptor foram realizados em crianças com imunodeficiência, porém, estas não receberam radioterapia ou quimioterapia prévia, somente a infusão de medula óssea. Em março de 1969, o Dr. Donnall Thomas e seu grupo realizaram, em Seale, EUA, o 1º TCTH alogênico bem-sucedido, dentro de um modelo u tlizado até hoje, em um paciente com leucemia que recebeu doses letais de irradiação corporal total, seguidas da infusão de medula do irmão. Atualmente, o termo transplante de medula óssea não deve ser mais utlizado, tendo em vista que a medula óssea atualmente se configura em apenas uma das fontes de células-tronco hematopoétcas; assim, a nomenclatura correta deve ser transplante de células-tronco hematopoé tcas.
2. Modalidades de transplante São 3 as modalidades de TCTH:
Transplante de células-tronco hematopoétcas Fernanda Maria Santos / Marcos Laercio Pontes Reis
a) Transplante alogênico:o paciente recebe as CPH de outra pessoa, que pode ser algum familiar (doador aparentado, também chamado transplante alogênico relacionado) ou não (doador não aparentado, chamado transplante alogênico não relacionado, selecionado por meio de banco de doadores). b) Transplante singênico:o doador é um irmão gêmeo idêntco. É a modalidade mais rara de transplante, em razão da pouca frequência de gêmeos idên tcos na população. c) Transplante autogênico: utliza as células do próprio paciente, coletadas previamente à quimioterapia. Foi empregado pela 1ª vez no final da década de 1970 para tratar pacientes adultos com linfoma. Ainda é muito utlizado em nosso meio o termo autólogo, no lugar de autogênico, da denominação srcinal em inglês autologous.
3. Fontes de células As CPH podem ser coletadas de: - Medula óssea: diretamente na crista ilíaca posterior, por meio de múltplas punções e aspirações da medula óssea – procedimento realizado em centro cirúrgico, sob anestesia geral; - Sangue periférico: por meio de máquinas de aférese – capazes de retrar somente as células necessárias para o transplante, retornando para o paciente os demais consttuintes sanguíneos; - Sangue de cordão umbilical: técnica mais recente, em que se retra, imediatamente após o parto, o sangue do cordão umbilical, rico em células progenitoras.
4. Técnicas de coleta A - Aspiração de medula óssea Por meio das cristas ilíacas posteriores são realizadas punções para a retrada de medula óssea necessária para o transplante. O volume estmado é de 10 a 15mL/kg de peso do receptor. O índice de complicaçõesgraves é baixo, as quais ocorrem, em sua maioria, em doadores com história de doença prévia, e metade delas pode ser atribuída à anestesia. A queixa mais frequente é de dor no local dapunção, que cede com analgésicos comuns. Os doadores necessitam ser hospitalizados, mas a maioria recebe alta 24 horas após a coleta.
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HEMATOLOGIA B - Células progenitoras hematopoé tcas periféricas
C - Células do sangue do cordão umbilical
A 1ª experiência bem-sucedida no uso do Sangue de Cordão Umbilical (SCU) como fonte de células para a reconsttuição de medula óssea aconteceu em 1988, quando a Dra. Eliane Gluckman, na França, tratou com sucesso um paciente portador de anemia de Fanconi, u tlizando o SCU de seu irmão para reconsttuir a função medular após quimioterapia mieloablatva. O SCU é coletado logo após o nascimento da criança, posteriormente processado e mantdo congelado até a infusão. Apresenta como principal vanum cateter de duplo lúmen. tagem a pronta disponibilidade do material, que se enconAs complicações mais frequentes da coleta de CPH perifé- tra criopreservado; além disso, pela imaturidade das células ricas são relacionadas à passagem do cateter (pneumotórax) e de sangue de cordão, a compatbilidade HLA total não se faz ao efeito colateral das medicaçõestulizadas para a mobiliza- necessária (termo designado como mismatch). Entretanto, ção (GCSF pode provocar dor óssea, mialgia, cefaleia e febre). a recuperação medular com esta fonte de células é mais deO uso de CPH periféricas acelera a recuperação de leumorada, associada à necessidade de uso de duplos cordões pela pequena quantdade de células disponíveis. cócitos e plaquetas, sendo economicamente mais vantajoPara um TCTH ser realizado, é necessário que: so que o uso da medula óssea, diminuindo número de dias - O paciente esteja em condições clínicas adequadas, de neutropenia, de uso de antbiótco, de suporte transfusem disfunção grave de órgãos ou sistemas; sional e dos dias de internação. Por outro lado, alguns tra- Existam células disponíveis para a realização do procebalhos apontaram um aumento da incidência da Doença dimento (medula, SCU, células periféricas previamente Enxerto Contra Hospedeiro (DECH) crônica ao usarem essa congeladas ou doador compavel); fonte de células. Ainda não há estudo que comprove bene- O TCTH seja reconhecido como o melhor tratamento fcio na sobrevida global entre as 2 fontes de CPH. para a doença de base. No caso de a doença ser neoplásica, deve estar preferencialmente em remissão; - Haja condições familiares, psicológicas e socioeconômicas para seguir o acompanhamento recomendado pós-transplante. São coletadas com o auxílio de equipamentos de aférese, após a mobilização das CPH da medula óssea para o sangue periférico, com a u tlização de fatores estmuladores de colônias de granulócitos (GCSF); no caso de pacientes submetdos a transplante autogênico, o fator de crescimento pode ser combinado à quimioterapia prévia. É necessário um acesso venoso com bom calibre para coletas adequadas. A maioria dos pacientes necessita de
5. Triagem do doador Diferente do que acontece na maioria dos transplantes de órgãos sólidos, o grau de compatbilidade imunológica entre o doador e o paciente é crucial para o sucesso dos transplantes de medula óssea. O HLA (Human Leukocyte Antgen) está codificado no braço curto do cromossomo 6, sendo ele o responsável por nossa identdade imunológica. O HLA segue as regras da herança mendeliana simples. Assim, alguém que tenha um irmão tem 25% de chance de ter um doador HLA idêntco. Quanto maior a quantdade de irmãos, maior é a chance. Atualmente, os casais têm
Figura 1 - Máquina de aférese
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um número cada vez menor de filhos, por isso a chance de encontrar um doador com tpagem HLA compavel aparentado também vem diminuindo. Outros fatores que devem ser considerados na procura de um doador são a idade, evitando doadores muito jovens ou idosos; o peso, que de preferência deve ser igual ou maior que o do receptor; o histórico médico; a condição clínica geral; o sexo e a paridade (quanto maior a paridade, menos indicado o doador para transplante). Realizam-se exame clínico completo no doador, exame laboratorial, assim como tpagem sanguínea, e prefere-se que esta seja igual à do receptor, embora a diferença entre os grupos sanguíneos não seja contraindi-
TRANSPLANTE DE CÉLULAS-TRONCO HEMATOPOÉTICAS
cação à doação. A investgação de doenças infecciosas por intermédio de exame sorológico é imprescindível, devendo o doador ser negatvo para as doenças virais investgadas, principalmente o HIV, e, de forma ideal, mas nem sempre possível, para o CMV. É importante uma avaliação cuidadosa em doenças ligadas à herança genétca. A anemia de Fanconi, por exemplo, pode ter manifestações muito discretas em alguns pacientes. Os candidatos ao transplante autogênico precisam ter suas células previamente colhidas e congeladas. umseja doador HLA aparentado completamente compaCaso vel não encontrado, as alterna tvas são: - Busca por doadores não relacionados totalmente compaveis (full match): possível no Brasil, pelo Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea (REDOME); - Busca por doadores parcialmente compa veis (mismatch): familiar com incompatbilidade em um único locus HLA; - Busca por doadores haploidên tcos: familiares 50% compaveis com o receptor; - Busca por SCU.
TCTH autogênico é tornar fac vel a administração de quimioterapia em altas doses, em doenças que mostram sensibilidade ao aumento da dose dos quimioterápicos. Como a toxicidade limitante da dose dessas medicações é a mielossupressão, a reinfusão de CPH permite doses que jamais poderiam ser administradas se não houvesse esse recurso. A complexidade e as complicações do transplante autogênico são menores quando comparadas às do TCTH alogênico. A utlização da CPH periférica diminuiu bastante o tempo da enxerta (“pega medular”) nesse procedimento, levando a menor número de dias de neutropenia, de mucosite, de uso de antbiótco e de internação hospitalar. Atualmente, há evidências de que o TCTH autogênico seja eficaz no tratamento das seguintes doenças: - Linfoma Hodgkin em 2ª remissão; - Linfoma não Hodgkin agressivo em 2ª remissão; - Mieloma múltplo após tratamento inicial, em resposta completa ou parcial; - Neuroblastoma de alto risco; - LMA: após a 1ª ou a 2ª remissão, especi ficamente em pacientes sem doadores compaveis; - Tumor de células germina tvas em 2ª remissão.
6. Indicações A - Indicações para TCTH alogênico e singênico O TCTH alogênico e o singênico podem ser u tlizados para o tratamento de várias doenças. As principais são listadas a seguir: Tabela 1 - Doenças não neoplásicas e neoplásicas Doenças não neoplásicas - Anemia Aplástca Grave (AAG); - Anemia de Fanconi; -Aldrich, - Imunodeficiências primárias (Chediak-Higashi, Wisko imunodeficiência combinada severa); - Osteopetrose; fia, leucodistrofia me- Doenças de acúmulo (adrenoleucodistro tacromátca infantl); - Talassemiamajor; - Anemia falciforme com manifestações graves e doador aparentado disponível. Doenças neoplásicas
7. Condicio namento pré-transplante O condicionamento pré-transplante é o tratamento que se faz antes de e/ou infundir a CPH, que podetotal, ser quimioterapia em altas doses irradiação corporal com o obje tvo de erradicar a doença residual do paciente e induzir uma imunossupressão que permita a “pega” das células infundidas. A irradiação corporal total foi utlizada isoladamente como agente de condicionamento para o TCTH e, logo depois, a ciclofosfamida foi associada. Essa combinação é utlizada até hoje. No caso dos transplantes autogênicos, a finalidade única do condicionamento é erradicar a doença residual. A escolha do melhor regime de condicionamento é feita conforme a doença de base do paciente. O regime de condicionamento escolhido pode ser mieloablatvo ou não mieloablatvo (atualmente melhor denominado transplante de intensidade reduzida). O 1º u tliza-se de esquema quimioterápico ou radioterápico intenso, após o qual, se não há infusão de células progenitoras, o
- Leucemia Mieloide Crônica (LMC); - Leucemia Mieloide Aguda (LMA) em 1ª remissão com fatores de mau prognóstco ou em 2ª remissão; - Leucemia Linfocítca Aguda (LLA) em 1ª remissão com fatores de mau prognóstco ou em remissões subsequentes;
paciente não é capaz de recuperar a função medular; o 2º utliza protocolo quimioterápico menos intenso, sendo bastante estudado em população mais idosa ou com comorbidades que limitam o transplante mieloablatvo.
- Síndromes mielodisplásicas; - Mielofibrose.
8. Infusão d as células progenitoras hematopoétcas
B - Indicações e partcularidades do transplante autogênico O transplante autogênico tem sido pesquisado como forma de tratamento de várias neoplasias. A finalidade do
Na maioria dos serviços que realizam TCTH alogênico relacionado e singênico, a medula óssea ou as células progenitoras de sangue periférico são infundidas logo após a coleta, por meio do cateter venoso central. Em caso de in-
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HEMATOLOGIA compatbilidade ABO entre o doador e o receptor, procede-se à remoção das hemácias da medula óssea antes de sua infusão e, algumas vezes, realiza-se plasmaférese no receptor, a fim de evitar reações transfusionais graves. Quando o transplante é autogênico ou de SCU, as células são congeladas, utlizando-se crioprotetores como o dimetlsulfóxido (DMSO). Para ocorrer a infusão, essas células são descongeladas à beira do leito do paciente, em “banho-maria”, e então, administradas. Ro tneiramente, utlizam-se hidrocortsona e prometazina ou difenidramina previamente, pois o DMSO pode causar reação anafilátca. As complicações mais comuns durante e após a infusão das células são náuseas, vômitos, hematúria e dor abdominal, as quais são relacionadas à presença do DMSO no produto da infusão. Raramente, pode haver arritmia cardíaca e sintomas neurológicos, como crise convulsiva. Pacientes que recebem medula não congelada estão sujeitos a desenvolver reações transfusionais comuns aos outros hemocomponentes e sintomas de sobrecarga volêmica. As células infundidas são quan tficadas pelo marcador de superfcie denominado CD34. Aconselha-se que as contagens infundidas sejam acima de 3 x 106 células CD34 positvas por kg de peso do paciente, quando a fonte de células é o sangue periférico, e 5 x 106 células CD34 positvas por kg de peso do paciente, quando a fonte é medula óssea. A quantficação de células CD34 tem pouco valor nos
Geralmente, as contagens de leucócitos ficam abaixo de 100 células/mm3 por volta do D+7, dependendo do tpo de condicionamento utlizado e da doença de base. Considera-se que a medula “pegou” quando as contagens de leucócitos neutrófilos se mantêm acima de 500 células/mm3 por 3 dias consecutvos, o que ocorre em média entre os dias +15 e +19 após um TCTH alogênico relacionado. As contagens de plaquetas também costumam ficar abaixo de 10.000 células/mm3; considera-se a sua recuperação quando contagens acima de 20.000 células/mm3 são atngidas, sem a necessidade de transfusões, por mais de 7 dias. Isso acontece em torno dos dias +19 a +25. A recuperação da função medular é in fluenciada pelo tpo de transplante, número de células infundidas, tpo de condicionamento, doença de base e infecções. Quando as contagens de plaquetas ficam abaixo de 10.000 células/mm3, ou quando há sinal de sangramento atvo, está indicada a transfusão de plaquetas. A hemoglobina é mantda acima de 7 a 8g/dL, também com o auxílio de transfusões. Concentrados de hemácias e de plaquetas devem ser irradiados, para inatvar os linfócitos, e filtrados, para diminuir o número de leucócitos – com isso, reduz-se a incidência de DECH transfusional, infecção por citomegalovírus (CMV) e reações pirogênicas. Os fatores de estmulação de colônias de granulócitos e macrófagos também devem ser utlizados no período pós TCTH, para acelerar a recuperação da série branca.
transplantes com SCU, utlizando-se o número absoluto de células nucleadas como melhor parâmetro, que deve ser acima de 2 x 107 células por kg de peso do receptor. Técnicas que ainda precisam de mais estudos para comprovar o benefcio e ampliar o uso na prátca clínica são: - Depleção de linfócitos T com o intuito de diminuir a incidência da DECH; - Uso de quimioterápicos ou an tcorpos monoclonais in vitro, o chamado purging ex vivo, na tentatva de diminuir células residuais e a recidiva de doença no transplante autogênico; - Mobilização de maior quan tdade de célula dendrí tca, juntamente com a CPH; - Expansão ex vivo das CPH, principalmente aquelas obtdas de cordão umbilical.
B - Doença enxerto contra hospedeiro
9. Complicações pós-TCTH
fócito doadorinteração infundido, graulinfócito de incompa bilidade doadorTxdo receptor, entre T do t doador e células do receptor, citocinas pró-in flamatórias e dose de progenitor de célula B do doador. Pacientes com doadores relacionados têm um risco de cerca de 20% de desenvolver DECH, enquanto os submetdos a transplante com doadores não relacionados têm risco de até 80%.
A - Aplasia da medula óssea O dia da infusão da medula óssea é denominado dia zero. Os dias anteriores, quando é realizado o condicionamento, são denominados como negatvos (-2, -1), e os posteriores, como positvos (+2, +3 etc.). Após a infusão, a medula óssea de um transplantado fica em aplasia por um período aproximado de 2 a 3 semanas, no qual é maior o risco de infecções, anemia e sangramentos.
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Todos os pacientes que receberam CPH alogênicas provenientes da medula óssea, do sangue periférico ou do sangue de cordão umbilical estão sujeitos a desenvolver DECH. É possível DECH nos transplantes singênicos e, mais raramente, nos autogênicos. A DECH é o resultado da principal função do sistema imunológico: o reconhecimento do próprio e do não próprio. Mesmo quando a compa tbilidade do HLA é completa, a presença de angenos menores incompaveis e que não são detectados pelos métodos tradicionais de tpagem pode ser responsável pelo aparecimento da DECH, pois os linfócitos T do doador identficam os angenos do receptor como “não próprio”. A ocorrência ou não da DECH depende do tpo de lin-
a) ECH aguda - Linfócitos T do doador reagem com aloangenos do hospedeiro. Citocinas são importantes tanto na atvação dos linfócitos quanto na lesão tecidual;
TRANSPLANTE DE CÉLULAS-TRONCO HEMATOPOÉTICAS
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Manifesta-se a partr da “pega” do enxerto, podendo ocorrer por definição até o dia +100 pós-transplante;
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Fatores de risco para a DECH aguda são: doadoras do sexo feminino, com gestações prévias, doadores idosos, utlização de esquemas inadequados de imunoprofilaxia, incompatbilidade HLA, positvidade para sorologia de CMV no doador e/ou receptor, intensidade do condicionamento e o uso de CPH periféricas;
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Os órgãos mais afetados são pele, fgado, trato gastrintestnal e sistema hematopoétco;
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A profilaxia é feita com drogas imunossupressoras: ciclosporina, metotrexato, cortcoides e tacrolimo;
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O tratamento é indicado de acordo com o grau de extensão da DECH: a DECH grau I não é tratada. Doenças grau II a IV são tratadas com a associação de altas doses de metlprednisolona a outros imunossupressores: ciclosporina, micofenolato de mofetla, tacrolimo, sirolimo e soro anttmocítco;
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Drogas em estudo: tacrolimo, ant-IL2 (daclizumabe), ant-TNF (etanercepte, infliximabe), talidomida, pentostatna, alentuzumabe;
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Em pacientes refratários ao cortcoide ou com DECH em grau avançado, a mortalidade pode chegar a 80%.
Funciona como doença autoimune, envolvendo vários órgãos e sistemas; -
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Manifesta-se geralmente após os 100 dias de transplante. Envolve principalmente a pele, o fgado, o trato gastrintestnal e os pulmões, mas também pode acometer os olhos, a mucosa oral, o sistema neuromuscular, o sistema renal, células sanguíneas (plaquetopenia) etc. O aspecto das lesões de pele lembra o líquen plano com atrofia da epiderme e fibrose focal na derme, sem inflamação. Ceratoconjuntvite, fotofobia e boca seca são outras manifestações da doença; O tratamento é indicado de acordo com o grau de extensão da DECH: casos limitados (pele localizada ou fgado isolado) não necessitam de tratamento. Casos extensos (pele de forma generalizada ou pele localizada + fgado + outro órgão) são tratados com imunossupressão: cortcoide, ciclosporina, micofenolato e soro anttmocítco. Nas lesões de pele, pode-se u tlizar psoraleno associado à radiação ultravioleta; A mortalidade em pacientes com DECH crônica chega a mais de 30% nos 5 anos subsequentes ao transplante, e a principal causa é quadro infeccioso secundário à imunossupressão prolongada.
Embora o desenvolvimento da DECH represente uma importante causa de morbidade e mortalidade na população de transplantados, observou-se um fenômeno interessante nesses pacientes: o efeito GVL (Gra Versus Leukemia). Os linfócitos T do doador podem reconhecer e interagir contra células tumorais residuais do hospedeiro, diminuindo as chances de recidiva da doença, pois se observou que os pacientes que receberam medula de doadores singênicos ou medula manipulada para depleção de linfócitos T têm risco menor de desenvolver DECH, mas um alto risco de recidiva. É exatamente aí que reside o grande desafio do acompanhamento no pós-transplante: há necessidade de tratar a DECH, porém, ao mesmo tempo, pode-se diminuir o efeito GVL.
C - Complicações infecciosas
Figura 2 - DECH cutâneo agudo grau IV
b) DECH crônica -
Doença alo e autoimune, em que os linfócitos atvados estmulam síntese de citocinas e atvam macrófagos, células NK e linfócitos B – sintetzando autoantcorpos.
Quase todos os pacientes transplantados apresentam febre no período pós-condicionamento e são muito susce veis a infecções graves. As infecções bacterianas são as mais frequentes e acometem sítos como pulmão, seios da face e cateter. Agentes como os Staphylococcus coagulase-negatvos e o Staphylococcus aureus são frequentemente identficados. Os Gram negatvos também são frequentes, isolando-se espécies como o Enterobacter e a Pseudomonas. O tratamento é iniciado de forma empírica, com antbiótcos de amplo espectro, e os esquemas podem variar de acordo com o local onde o transplante é realizado, considerando-se os patógenos mais frequentes encontrados e seus padrões de sensibilidade.
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HEMATOLOGIA Os fungos também são agentes envolvidos nas infecções em pacientes transplantados. O uso de fluconazol profilátco durante o período de neutropenia teve um impacto posi tvo, diminuindo o número de infecções por Candida albicans , embora a incidência de outras espécies de Candida resistentes a essa pro filaxia tenha aumentado, sendo, algumas vezes, necessário tratamento com anfotericina B. Menos comuns, as infecções por Aspergillus invasivo, que geralmente acomete pulmões e seios paranasais, exi-
D - Complicações gastrintestnais e hepátcas
ge tratamento sistêmico com anfotericina B ou os novos antfúngicos (voriconazol, caspofungina) e, algumas vezes, intervenção cirúrgica, com alta mortalidade. Com o uso empírico de antfúngicos em grande escala perante os quadros de neutropenia febril, tem-se observado um aumento de quadros infecciosos por agentes fúngicos menos comuns, como Fusarium e zigomiceto. A profilaxia do Pneumocysts jiroveci é feita com 3 doses semanais de sulfametoxazol e trimetoprim; esse agente não é mais causa importante de complicações nos pacientes transplantados. A pentamidina pode ser usada naqueles com intolerância às sulfas. A infecção por CMV é comum entre os subme tdos a transplante alogênico, apresentando maior incidência entre o dia +28 e o +100, sendo secundária à rea tvação de vírus latente no organismo, primoinfecção ou reinfecção.
de saliva e alimentação, diarreia e enterorragia (Figura 3). É tratada com analgésicos tópicos e sistêmicos, higiene oral e, recentemente, terapia com laser (ação analgésica e cicatrizante), e funciona como porta de entrada para agentes infecciosos. Por vezes, o quadro de mucosite é tão drástco que demanda dieta zero e introdução de nutrição parenteral total, ou até intubação orotraqueal para manutenção de vias aéreas. Diarreia é frequente no período pós TCTH, merecendo investgação, já que pode ter múltplas causas, desde a descamação de células provocada pela mucosite até DECH aguda e infecções por enteropatógenos bacterianos ou virais. A DECH hepátca aguda nas formas moderada e grave tem prognóstco desfavorável, apesar do tratamento, que costuma ser intenso e prolongado, aumentando a possibili-
É pouco frequente em pacientes subme tdos ao transplante autogênico. As manifestações mais importantes da doença são a pneumonia inters tcial, que pode ser fatal em até 75% dos casos, e sintomas gastrintes tnais (principalmente diarreia, muitas vezes acompanhada de sangramento digestvo). A iden tficação da a tvidade do CMV é obtda com testes de reação de polimerase em cadeia (PCR) ou an tgenemia do vírus, que se tornam posi tvos precocemente, permitndo um tratamento denominado preemp tvo, ou seja, antes do surgimento das manifestações clínicas da doença. U tliza-se ganciclovir por aproximadamente 14 dias ou, em caso de resistência ou intolerância, o foscarnete. O vírus sincicial respiratório pode causar pneumonite interstcial grave, muitas vezes fatal. Outros vírus, como o parainfluenza e o influenza, também podem produzir com-
dade de complicações Todos os pacientesinfecciosas. necessitam de um suporte nutricional, utlizando-se nutrição enteral, reservando a alimentação parenteral para pacientes que não tolerarem essa via. A complicação hepátca mais temida é a doença veno-oclusiva hepátca, atualmente chamada de Síndrome da Obstrução Sinusoidal (SOS). É uma entdade clínica específica com uma correlação anatomopatológica, diagnostcada somente na ausência de outras causas de doença hepátca. A SOS está associada à obliteração das vênulas hepátcas com congestão centrolobular. Afisiopatologia exata dessa doença não é bem conhecida. Clinicamente, manifesta-se nos primeiros 30 dias pós-TCTH, com ganho de peso, ascite, hepatomegalia, icterícia e dor no quadrante superior direito. Alguns fatores de risco foram iden tficados como o tpo de condicionamento realizado e enzimas hepá tcas elevadas no período pré-condicionamento. A heparina em infusão connua em doses baixas e o ácido ursodesoxicólico são usados como pro filátcos em alguns centros, e estudos randomizados prospec tvos apontam para a eficácia do 1º método. O tratamento da SOS é basicamente de suporte, e as formas graves da doença são fatais, na maioria das vezes. Algumas drogas estão em estudo, apresentando resultados preliminares positvos, mas ainda não manifestam benefcio comprovado, sendo a profilaxia o melhor tratamento recomendado até o momento.
plicações pulmonares, já que os tratamentos antvirais disponíveis são pouco eficazes. O adenovírus é associado a diarreias e cis tte hemorrágica tardia. A reatvação do vírus do herpes-simples e do herpes-zóster é prevenida com a administração pro filátca do aciclovir. O risco de infecções cai no 100º dia pós-infusão de célula-tronco nos pacientes submetdos a TCTH autogênico e singênico, e em pacientes subme tdos ao TCTH alogênico que não desenvolveram DECH crônica. Pacientes em tratamento para DECH crônica têm maior risco de infecções por agentes bacterianos encapsulados.
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Vômito é uma complicação frequente durante e após as altas doses de quimioterapia no condicionamento. O manejo é feito com antemétcos, como a ondansetrona ou a granisetrona. Vômitos tardios podem estar associados à DECH ou à infecção por CMV. A mucosite ocorre em grande parte dos pacientes e acomete todo o trato gastrintestnal, variando de uma hiperemia da mucosa a ulcerações que di ficultam a deglutção
TRANSPLANTE DE CÉLULAS-TRONCO HEMATOPOÉTICAS
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Doenças linfoproliferatvas; Rejeição do enxerto.
b) Efeitos relacionados ao regime de condicionamento - Disfunção pulmonar (secundária à radioterapia, quimioterapia e DECH crônica); - Desordens oculares (catarata pós-radioterapia); - Disfunção neuroendócrina; - Desordens neuropsicológicas; - Neoplasias secundárias.
H - Disfunção imunológica Figura 3 - Mucosite grau III
E - Complicações cardiopulmonares O pulmão é frequentemente afetado por complicações durante o TCTH e está sujeito a pneumonias bacterianas, fúngicas e virais; bronquiolite e DECH, como já descrito. Fibrose pulmonar pode ocorrer tardiamente, pelos efeitos da radioterapia ou de drogas como o bussulfano. A ciclofosfamida, nas doses utlizadas em regimes de condicionamento é, por si só, cardiotóxica. Entretanto, a maioria dos pacientes que desenvolvem cardiomiopa tas tem história
Após o transplante, o nível de linfócitos T e B fica abaixo do normal, assim como o de imunoglobulinas. É interessante notar que parte da imunidade do doador pode ser transferida para o receptor, a chamada imunoterapia ado tva. Pacientes ant-HBsAg negatvos podem tornar-se positvos caso tenham recebido medula de doador previamente imunizado contra hepatte B. A recuperação imunológica é progressiva, mas pode ser atrasada com a ocorrência de DECH crônica. Recomenda-se vacinar os pacientes 1 ano após o transplante, uma vez que a imunidade recebida do doador costuma durar pouco tempo e o grau de imunossupressão deixa o receptor menos suscevel a responder à imunização nesse período. Usualmente, realiza-se a vacinação para pneumococo, Ha-
prévia ao TCTH de utlização de antraciclinas, que são quimioterápicos com conhecido potencial cardiotóxico. A radioterapia na região torácica também pode provocar ou potencializar efeitos cardiotóxicos.
emophilus influenzae, influenza B, DT, meningococo, além da H1N1.
F - Complicações geniturinárias
A rejeição aguda do enxerto, tal como acontece nos transplantes de órgãos sólidos, é pouco frequente no TCTH. Traduz-se, na maioria das vezes, no restabelecimento da hematopoese srcinal do paciente e no desaparecimento progressivo das células do doador ou na ausência de pega medular, além de estar associado com recidiva de sua doença de base, caso esta estvesse na medula óssea (como nas leucemias). É mais frequente em anemia aplástca, mas sua incidência tem diminuído com o uso de regimes de condicionamento mais intensos, como bussulfano e ciclofosfamida.
Drogas como a ciclofosfamida têm metabólitos que podem provocar cistte hemorrágica. Hidratação adequada e uso de drogas como a argimesna (Uromitexan®) atenuam essa toxicidade. Infecções virais como adenovírus e poliomavírus também podem causar cistte hemorrágica, de difcil controle. Pode ocorrer insuficiência renal aguda associada à radioterapia e às drogas utlizadas durante o TCTH, como a ciclosporina, a quimioterapia de condicionamento e os antbiótcos. Esse efeito pode ser reversível ou resultar em danos graves à função renal; a insuficiência renal crônica é descrita em alguns pacientes.
G - Efeitos tardios Os efeitos tardios de um TCTH estão frequentemente relacionados a uma combinação de fatores, como a doença de base, o condicionamento utlizado, o tpo de transplante e as complicações agudas. Esses efeitos incluem: a) Efeitos relacionados ao processo do transplante - DECH crônico; - Imunodeficiência;
I - Rejeição do enxerto
J - Recidiva pós-transplante
A recidiva pós-transplante tem um prognóstco extremamente desfavorável e indica presença de doença resistente. Pacientes submetdos a transplante autogênico usualmente não têm indicação para um 2º transplante e são tratados com protocolos alternatvos. Para pacientes com leucemia, uma das alterna tvas é a suspensão das drogas imunossupressoras, caso a recidiva seja precoce, tentando assim induzir um efeito enxerto contra a leucemia. Outra forma de tratamento é a infusão de linfócitos do doador (DLI) com a finalidade de estmular um
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HEMATOLOGIA efeito enxerto contra leucemia, que pode ocasionar uma nova remissão da doença. Essa alternatva tem sido utlizada com êxito em LMC, alguma resposta em LMA, mas com pouco sucesso em LLA. Um 2º transplante pode ser facvel se a recidiva ocorrer 6 meses ou mais, e se o paciente tem u tlizado condicionamento sem radioterapia na 1ª vez.
K - Neoplasias secundárias Pacientes submetdos a TCTH têm risco aumentado de outras neoplasias, pelo potencial carcinogênico da quimioterapia e da radioterapia u tlizadas previamente. Podem ocorrer também doenças linfoproliferatvas associadas ao vírus Epstein-Barr. A probabilidade de surgimento de uma 2ª neoplasia é de aproximadamente 6% num período de 15 anos após o TMO.
10. TCTH com doadores não aparentados Menos de 30% dos candidatos ao TCTH têm doador aparentado compavel. Para contornar essa dificuldade, surgiram os bancos de doadores de medula óssea, que são arquivos informatzados em que as tpagens HLA dos potenciais doadores podem ser pesquisadas para eventuais transplantes. Caso seja encontrado um doador compa vel, são realizados testes confirmatórios e, posteriormente, são coletadas as células progenitoras hematopoétcas. Embora os bancos não estoquem a medula propriamente dita, seus custos são elevados, em razão da grande quan tdade de tpagens necessárias. Existe um tempo de espera prolongado entre o início da identficação de um doador compavel e a coleta das célu-
las, que pode chegar a alguns meses. Durante esse período, muitos pacientes apresentam progressão da doença. No Brasil, a pesquisa é feita por meio do REDOME, que busca doadores compaveis no país e no exterior. A indicação de TCTH com doador não aparentado deve ser cuidadosamente discutda, pois, nesse caso, os pacientes estão sujeitos a maior incidência de complicações como infecção, rejeição e DECH, tendo o TCTH um custo maior, internação prolongada e maior mortalidade e morbidade relacionadas ao procedimento. Os TCTH com doadores aparentados com tpagem HLA parcialmente compaveis apresentam riscos semelhantes aos dos TCTH com não aparentados. -
Transplante com SCU
O SCU tem propriedades muito interessantes: menor probabilidade de induzir DECH aguda e crônica, mesmo quando a tpagem HLA não é totalmente compavel com a do receptor; aparente manutenção do efeito enxerto contra leucemia; e menor índice de infecções por vírus como EBV e CMV pela menor exposição a esses agentes. A partr de 1992, isso fez o SCU passar a ser sistema tcamente congelado com a criação do Placental Blood Program pelo Dr. Pablo Rubenstein, noNew York Blood Center. Desde então, vários centros passaram a estocar SCU congelado para a realização de transplantes, o que também passou a ser uma vantagem, pois as unidades de SCU podem ser enviadas a qualquer lugar do mundo com relatva rapidez, tornando o SCU uma das mais promissoras fontes celulares para TCTH na atualidade. A desvantagem dessa fonte é a pequena quantdade de células, sendo fator limitante para possíveis receptores de grande peso, sob o risco da falha de enxerta.
11. Resumo Quadro-resumo - Transplante de células-tronco hematopoé tcas: · Nome genérico que se refere à infusão de células progenitoras (de diversas fontes) após um regime quimioterápico intenso. -·Tipo de TCTH: Alogênico. - Relacionado; - Não relacionado: · Singênico; · Autogênico. - Fonte de células: · Medula óssea; · Sangue periférico; · Sangue de cordão umbilical.
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TRANSPLANTE DE CÉLULAS-TRONCO HEMATOPOÉTICAS
- Tipo de condicionamento: · Mieloablatvo; · Não mieloablatvo. - Condições para que um TCTH seja realizado: · Condições clínicas adequadas do paciente (sem disfunção grave de órgãos ou sistemas); · Células disponíveis para a realização do procedimento (doador compavel, SCU ou células previamente congeladas); · O TMO ser reconhecido como o melhor tratamento para a doença de base. No caso de a doença ser neoplásica, deve estar preferencialmente em remissão; · Condições familiares, psicológicas e socioeconômicas para seguir o acompanhamento recomendado pós-transplante. Principais indicações do TCTH - Doenças não neoplásicas: · AAG; · Anemia de Fanconi; -Aldrich, imunodeficiência combinada severa); · Imunodeficiências primárias (Chediak-Higashi, Wisko · Osteopetrose; fia, leucodistrofia metacromátca infantl); · Doenças de acúmulo (adrenoleucodistro · Talassemiamajor; · Anemia falciforme com manifestações graves e doador aparentado disponível. - Doenças neoplásicas: · LMC; · LMA em 1ª remissão com fatores de mau prognós tco ou em 2ª remissão; · LLA em 1ª remissão com fatores de mau prognós tco ou em remissões subsequentes; · Síndromes mielodisplásicas; · Mielofibrose. Complicações do TCTH
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A I G
O L O T A M E H