CAPÍTULO
1
1. Introdução Para iniciar o livro de Cardiologia, é importante relembrar alguns pontos básicos da anatomia cardíaca. A maioria dos assuntos abordados neste capítulo provavelmente já faz parte do conhecimento do aluno, porém alguns tópicos serão destacados.
2. Coração A - Visão geral O coração é uma bomba dupla, de sucção e pressão, autoajustável, cujas porções trabalham conjuntamente para impulsionar o sangue para todos os órgãos e tecidos. O lado direito do coração recebe o sangue venoso através da veia cava superior e veia cava inferior, bombeando-o, posteriormente, através do tronco pulmonar, fazendo-o ser oxigenado nos pulmões. O lado esquerdo do coração recebe sangue arterial dos pulmões através das veias pulmonares, bombeando-o, posteriormente, para a aorta, de onde será distribuído a todo o corpo. São 4 as câmaras do coração: Átrio Direito (AD), Átrio Esquerdo (AE), Ventrículo Direito (VD) e Ventrículo Esquerdo (VE). Os átrios recebem e bombeiam o sangue ao ventrículo. O sincronismo de bombeamento das 2 bombas atrioventriculares cardíacas (câmaras direita e esquerda) constitui o chamado ciclo cardíaco. Tal ciclo inicia-se com a diástole, que é o período em que há o relaxamento e enchimento ventricular, terminando com a sístole, que é o período de contração muscular e esvaziamento dos ventrículos. Os 2 sons fisiologicamente auscultados no coração são produzidos pelo estalido de fechamento das válvulas que normalmente impedem o refluxo de sangue durante as con-
Anatomia cardíaca básica José Paulo Ladeira / Victor Ales Rodrigues
trações cardíacas. O 1º som dá-se com o fechamento das válvulas atrioventriculares (mitral e tricúspide), gerando um som grave, denominado de 1ª bulha cardíaca (B1). O 2º som é gerado com o fechamento das válvulas semilunares (pulmonar e aórtica), denominado de 2ª bulha cardíaca (B2).
B - Localização anatômica O coração está localizado no mediastino, que é a cavidade central do tórax. Estende-se de forma oblíqua da 2ª costela até o 5º espaço intercostal. Situa-se acima do diafragma, anterior a coluna e posterior ao esterno. Está rodeado parcialmente pelos pulmões. Dois terços do coração estão à esquerda do eixo mediano e o outro terço à direita. O vértice cardíaco encontra-se entre a 5ª e a 6ª costela, local onde se pode fazer a palpação do “choque da ponta” ou ictus cordis.
C - Morfologia O coração pode ser descrito como tendo uma base, ápice, 4 faces e ainda 4 margens: a) Ápice do coração Situa-se no 5º espaço intercostal esquerdo, a aproximadamente 9cm do plano mediano; imóvel durante o ciclo cardíaco e o local de máximo som de fechamento da valva mitral. b) Base do coração Voltada posteriormente em direção aos corpos das vértebras T6-T9, separada delas pelo pericárdio, seio pericárdico oblíquo e pela aorta; recebe as veias pulmonares nos lados direito e esquerdo de sua porção atrial esquerda e as Veias Cavas Superior (VCS) e Inferior (VCI) nas extremidades superior e inferior de sua porção atrial direita.
1
CARD I OLOG I A c) Faces do coração Tabela 1 - Quatro faces do coração Face esternocostal (anterior)
Formada principalmente pelo VD.
Face diafragmática (inferior)
Formada principalmente pelo VE e parte do VD.
Face pulmonar direita
Formada principalmente pelo AD.
Face pulmonar esquerda
Formada principalmente pelo VE; forma a impressão cardíaca do pulmão esquerdo.
d) Margens do coração Tabela 2 - Quatro margens do coração Margem direita
Ligeiramente convexa e formada pelo AD, estendendo-se entre VCS e a VCI.
Margem inferior
Oblíqua, quase vertical, formada principalmente pelo ventrículo esquerdo.
Margem esquerda
Quase horizontal e formada principalmente pelo VE e por pequena parte da aurícula esquerda.
Margem superior
Formada pelos átrios e aurículas direitos e esquerdos em vista anterior; a aorta ascendente e o tronco pulmonar emergem dessa margem e a VCS entra no seu lado direito. Posterior à aorta e ao tronco pulmonar e anterior à veia cava superior, essa margem forma o limite inferior ao seio transverso do pericárdio.
Figura 1 - Pericárdio
3. Revestimento e parede cardíaca Há uma membrana fibrosserosa que envolve todo o coração e o início de seus grandes vasos chamada pericárdio (Figura 1). Esta tem a característica de ser semelhante a um saco fechado contendo o coração. É formado por 2 camadas: a externa, chamada pericárdio fibroso, mais resistente, constituída por tecido conjuntivo denso e que tem por função fixar o coração ao diafragma e grandes vasos; e uma camada interna, chamada pericárdio seroso, mais delicada e que, por sua vez, possui 2 lâminas – lâmina parietal, que reveste internamente o pericárdio fibroso, e a lâmina visceral, que recobre o coração e os grandes vasos. Entre as 2 lâminas, existe a cavidade pericárdica, que contém certa quantidade de líquido e que permite a movimentação do coração dentro do tórax. Já a parede do coração é formada por 3 camadas (Figura 2): Tabela 3 - Formação da parede cardíaca Camada interna, fina espessura (endotélio e tecido Endocárdio conjuntivo subendotelial), atuando como revestimento íntimo do coração, inclusive de suas valvas. Miocárdio
Camada intermediária, helicoidal e espessa, formada por músculo cardíaco.
Epicárdio
Camada externa, fina espessura (mesotélio) e formada pela lâmina visceral do pericárdio seroso.
2
Figura 2 - Pericárdio e parede cardíaca
A - Câmaras cardíacas São 4 as câmaras cardíacas (Figura 3), sendo 2 átrios e 2 ventrículos, separados por um septo e por 2 valvas atrioventriculares. De forma geral o sangue chega ao coração nos átrios (do pulmão através do AE e do corpo através do átrio direito) e é ejetado do coração pelos ventrículos (para o pulmão pelo VD e para o restante do corpo pelo ventrículo esquerdo). a) Átrio direito Recebe o sangue venoso da VCS, da VCI e do seio coronário. A aurícula direita é uma bolsa muscular cônica que se projeta como uma câmara adicional, aumentando a capacidade do átrio, enquanto se superpõe à aorta ascendente. No AD há ainda 2 estruturas muito importantes que serão tratadas mais a frente, são elas o nó sinusal e o nodo atrioventricular (AV). Seu interior é formado por uma parede posterior lisa e fina e uma parede anterior muscular rugosa, formada pelos músculos pectíneos, que auxiliam na contração atrial.
ANATOMIA CARDÍACA BÁSICA
c) Átrio esquerdo Recebe o sangue arterial, proveniente das veias pulmonares direitas e esquerdas. Deságua no VE, separado pela valva
mitral. Seu interior possui uma parte maior com paredes lisas e uma aurícula muscular menor, contendo músculos pectíneos. Sua parede é também um pouco mais espessa que a do AD. d) Ventrículo esquerdo É responsável pelo bombeamento do sangue ao corpo. Recebe o sangue arterial do AE, que passa ao VE através da valva mitral. Deságua na aorta através da valva aórtica. O VE forma o ápice do coração, suas paredes são até 3 vezes mais espessas que a do VD, as trabéculas cárneas são mais finas e numerosas e os músculos papilares são maiores que do VD. Vale lembrar que a pressão arterial é muito maior na circulação sistêmica do que na circulação pulmonar, por isso o VE trabalha mais do que o VD.
Figura 3 - Estruturas cardíacas
B - Valvas cardíacas As valvas são formadas basicamente de tecido conjuntivo e têm a função de garantir o sentido unidirecional do sangue, ou seja, elas impedem o refluxo sanguíneo nas 4 cavidades cardíacas. As valvas são formadas por válvulas, espécie de folhetos das valvas, que variam de acordo com a localização (Figuras 4, 5 e 6). a) Valva mitral Possui 2 válvulas e permite o fluxo sanguíneo entre o AE e o VE. b) Valva tricúspide Possui 3 válvulas e permite o fluxo sanguíneo entre o AD e o VD. Essas 2 valvas (mitral e tricúspide) são fixadas
a cordas tendíneas proveniente de músculos papilares. Essas estruturas promovem sustentação, permitindo que as válvulas resistam a maiores pressões, também impedindo o prolapso. c) Valva aórtica Possui 3 válvulas e permite o fluxo sanguíneo de saída do VE em direção à aorta. d) Valva pulmonar Possui 3 válvulas e permite o fluxo sanguíneo de saída do VD em direção à artéria pulmonar. Ao contrário das outras 2, as valvas aórtica e pulmonar não possuem cordas tendíneas para sustentá-las. São menores e a pressão sobre elas é menor que a metade da exercida nas valvas AVs.
3
CARDIOLOGIA
b) Ventrículo direito É responsável pelo bombeamento do sangue na circulação pulmonar. Ele recebe o sangue venoso do AD, que repassa ao ventrículo através da valva tricúspide. Deságua no tronco da artéria pulmonar através da valva pulmonar. Possui em seu interior elevações musculares chamadas trabéculas cárneas. Os chamados músculos papilares começam a contrair antes da contração ventricular, tensionando estruturas chamadas cordas tendíneas. Esse mecanismo é o responsável pela abertura e fechamento das válvulas.
CARD I OLOG I A
Figura 5 - Focos de ausculta cardíaca
Figura 4 - Valvas cardíacas Tabela 4 - As valvas cardíacas e o exame clínico Focos de ausculta
Valva cardíaca
Localização
Observações
Valva mitral
Área em que são melhor percebidos os fenô5º espaço intercostal esquerdo, na linha menos estetoacústicos como bulhas, estalidos e hemiclavivular, correspondendo ao sopros relacionados a valva mitral estenótica ou ictus cordis ou ponta do coração. insuficiente.
Foco tricúspide
Valva tricúspide
Base do apêndice xifoide, ligeiramente à esquerda.
Algumas vezes os acometimentos da Valva Tricúspide são melhor ouvidos no foco mitral, porém a inspiração profunda intensifica o sopro se ele for de origem tricúspide.
Foco aórtico
Valva aórtica
2º espaço intercostal direito, junto ao esterno.
Local de maior intensidade de ausculta de B2, juntamente com o foco pulmonar.
Foco pulmonar
Valva pulmonar
2º espaço intercostal esquerdo, junto ao esterno.
Foco onde se têm condições ideais para análise de desdobramentos, patológico ou fisiológico, da 2ª bulha pulmonar.
Foco aórtico acessório
Valva aórtica
Entre o 3º e o 4º espaço intercostal esquerdo, próximo ao esterno.
Melhor local para perceber fenômenos acústicos de origem aórtica.
Foco mitral
Figura 6 - Valvas cardíacas (corte transversal)
4
C - Coronárias As artérias coronárias são os primeiros ramos da aorta. Elas suprem o miocárdio e o epicárdio. As artérias coronárias direita e esquerda originam-se dos seios da aorta correspondentes na região proximal da parte ascendente da aorta e seguem por lados opostos do tronco pulmonar (Figura 7). a) Artéria Coronária Direita (ACD) Origina-se do seio direito da aorta, seguindo no sulco coronário. Próximo de sua origem, emite o ramo do nó sinoatrial (supre o nó SA), e depois emite o ramo do nó atrioventricular (supre o nó AV). Passando para parte posterior, dá origem ao grande ramo interventricular posterior, que, por sua vez, envia os chamados ramos interventriculares septais. b) Artéria Coronária Esquerda (ACE) Origina-se do seio esquerdo da aorta, seguindo no sulco coronário. Na extremidade superior do sulco IV anterior, a ACE divide-se em 2 ramos, o ramo anterior e o ramo circunflexo. O ramo IV anterior segue até o ápice do coração. Em muitas pessoas o ramo IV anterior dá origem ao ramo diagonal. A artéria circunflexa origina a artéria marginal esquerda.
rados por ele se propagam pelos feixes de condução atrial (anterior, médio e posterior) até o nó atrioventricular, que os retransmitem. O nó AV está situado abaixo do endocárdio atrial direito, na parte do septo interatrial imediatamente acima do óstio do seio coronário. O feixe atrioventricular dirige-se para a parte membranácea do septo interventricular e em seguida se divide em ramos direito e esquerdo, propagando-se até as paredes dos respectivos ventrículos. A frequência de geração e a velocidade de condução são aumentadas pelo sistema simpático e inibidas pelo sistema parassimpático. Isso acontece para atender as demandas ou conservar energia. Os nós SA e AV são supridos pelos ramos nodais da ACD, o que justifica a maior incidência de bloqueios da condução AV nas síndromes coronarianas agudas de CD; já os feixes são supridos pelos ramos septais da ACE, o que justifica a presença frequente de bloqueios de ramos agudos nas síndromes coronarianas agudas desta artéria. A oclusão de qualquer artéria, com consequente infarto do tecido nodal, pode exigir a inserção de um marca-passo cardíaco artificial.
Figura 8 - Sistema elétrico do coração
5. Grandes vasos Figura 7 - Artérias coronárias
4. Sistema elétrico O sistema de condução do coração é constituído basicamente de fibras musculares especializadas para a transmissão de impulsos elétricos. É representado pelo nó sinoatrial, feixes de condução atrial, nó atrioventricular, feixe atrioventricular com seus ramos e fibras de Purkinje (Figura 8). Os estímulos são gerados ritmicamente, resultando na contração coordenada dos átrios e ventrículos. O nó sinoatrial localiza-se na parte superior do AD, no contorno anterolateral de junção da VCS. Os estímulos ge-
Como grandes vasos, apresentados na Figura 9, podemos citar: - Aorta;
- Tronco braquiocefálico; - Artéria carótida comum esquerda; - Artéria subclávia esquerda; - Porção distal do tronco pulmonar; - Veias braquiocefálica direita; - Veias braquiocefálica esquerda; - Parte da VCS.
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CARDIOLOGIA
ANATOMIA CARDÍACA BÁSICA
CARD I OLOG I A
Figura 9 - Grandes vasos
6
CAPÍTULO
2
Dislipidemia e fatores de risco para doença cardiovascular José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado
1. Introdução A doença cardiovascular (DCV) é a principal causa de morte entre adultos homens e mulheres, com mais de 250.000 óbitos no Brasil em 2002. Aproximadamente, 50% dos homens e 64% das mulheres não apresentavam sintomas prévios de doença até o aparecimento de evento cardiovascular. Por isso, prevenção e tratamento dos fatores predisponentes da doença aterosclerótica são de grande importância. Entre os fatores predisponentes, as alterações lipídicas representam um dos mais importantes para o desenvolvimento e progressão da doença aterosclerótica nas sociedades industrializadas, e o seu tratamento objetiva a diminuição do risco cardiovascular.
2. Lípides e lipoproteínas A arteriosclerose pode ser definida como uma afecção de artérias de grande e médio calibre, caracterizada pela presença de lesões com aspectos de placas (ateromas). Arteriosclerose é essa afecção nas arteríolas, sendo a lesão típica da hipertensão arterial. Uma das primeiras lesões associadas à dislipidemia é a placa gordurosa, formação plana e amarelada na parede dos vasos, sem repercussão clínica. As placas podem evoluir para a formação das placas fibrolipídicas, que são formações elevadas na superfície da camada íntima da artéria, estáveis ou instáveis. Podem ser associadas a complicações como fissuras, calcificação, necrose, trombose e rotura. Os principais lípides de importância clínica são Ácidos Graxos (AG), triglicérides (TG), fosfolípides (FL) e Colesterol (C). Merecem destaque os TG, que têm o papel fisiológico de reserva de energia, e o C, que é um componente da
membrana celular e participa da síntese de ácidos biliares e de hormônios esteroides. As lipoproteínas transportam os lípides do local de síntese ao local de utilização, apresentando as seguintes funções:
- Formação de membranas celulares; - Síntese de ácidos biliares; - Substrato para esteroidogênese; - Precursor da formação de vitamina D; - Produção e armazenamento de energia.
Como os lípides são moléculas hidrofóbicas, para serem transportados no plasma, associam-se a determinadas proteínas (apoproteínas), formando complexos lipídicos solúveis. Esses complexos são divididos de acordo com sua densidade, característica conferida pela proporção entre quantidade de apoproteínas e de TG, em: - Quilomícrons (Qm); - VLDL (Very Low Density Lipoprotein); - IDL (Intermediate Density Lipoprotein); - LDL (Low Density Lipoprotein); - HDL (High Density Lipoprotein). A dosagem de cada um destes componentes é possível para utilização clínica, mas é frequente a substituição destas dosagens pelo cálculo indireto de alguns de seus componentes, conforme a fórmula de Friedwald a seguir: Para valores de TG menores que 400mg/dL LDL-c = CT - HDL-c - TG/5
Em pacientes com hipertrigliceridemia (TG >400mg/ dL), hepatopatia colestática crônica, diabetes mellitus ou
7
CARD I OLOG I A - Hipertrigliceridemia com HDL baixo.
síndrome nefrótica, a equação é imprecisa. Nestes casos, o valor do LDL-C pode ser obtido por dosagem direta. Devido ao diabetes mellitus e à síndrome metabólica, doenças muito frequentes na população e que causam dislipidemia secundária, os tipos mais comuns de dislipidemias são:
A classificação de Fredrickson, apesar de ser menos utilizada atualmente, é importante para entender os padrões das dislipidemias familiares (Tabela 1). Também é importante saber que a avaliação semiológica pode sugerir o diagnóstico em algumas dislipidemias em que é característica a aparência do plasma.
- Hipercolesterolemia isolada ou em associação a hipertrigliceridemia;
Tabela 1 - Dislipidemias familiares: classificação de Fredrickson, Lees e Lewis Lipoproteínas plasmáticas pre- Lipídio plasmático predomidominantemente elevadas nantemente elevado
Tipo
Aparência do plasma após refrigeração
Exemplo
I
Qm
TG
Sobrenadante cremoso
Deficiência de LPL
IIa
LDL
C
Claro
Hiperlipidemia familiar
IIb
LDL e VLDL
C e TG
Geralmente claro
Hiperlipidemia familiar combinada
III
Remanescentes
C e TG
Turvo
Disbetalipoproteinemia
IV
VLDL
TG
Turvo
Hipertrigliceridemia familiar
V
Qm e VLDL
C e TG
Sobrenadante cremoso e resto turvo
Deficiência de apo-CII
Uma discussão mais aprofundada das características das diferentes síndromes monogênicas que causam dislipidemia não é o objetivo deste capítulo, mas a Tabela 2 apresenta as principais causas genéticas dessa alteração. Tabela 2 - Principais causas genéticas de dislipidemia Doença
Gene mutante
Herança
Frequência estimada na população
Padrão de lipoproteínas
Deficiência familiar de LPL
LPL
Autossômica recessiva
1/106
I, V
Deficiência familiar de apo-CII
Apo-CII
Autossômica recessiva
1/106
I, V
Receptor de LDL
Autossômica dominante
1/500 (heterozigoto) 1/106 (homozigoto)
IIa
Defeito familiar de Apo B-100
Apo-B
Autossômica dominante
1/1.000
IIa
Hiperlipoproteinemia familiar tipo III
Apo-E
Autossômica recessiva
1/10.000
III
Hiperlipidemia familiar combinada
Desconhecida
Autossômica dominante
1/100
IIa, IIb, IV (raramente V)
Hipertrigliceridemia familiar
Desconhecida
Autossômica dominante
Incerta
IV (raramente V)
Hipercolesterolemia familiar
Manifestações típicas Xantomas
Pancreatites
Doença vascular prematura
Eruptivos
+
-
Eruptivos (raro)
+
-
Tendinosos
-
+
Xantelasma
-
+
Arco córneo lipídico
-
+
Palmar
-
+
Tuberoso
-
+
8
3. Metabolismo de lipoproteínas e colesterol O metabolismo das lipoproteínas pode ser dividido em 2 vias: exógena e endógena. A via exógena se inicia com a absorção intestinal dos AG e do C da dieta. Dentro das células intestinais, os AG são combinados com o glicerol, formando os TG, e o C é esterificado pela acetilcoenzima A. No intracelular, os TG e o C são agregados, formando os quilomícrons. Ao saírem das células intestinais, estes adquirem apoliproteínas (componentes proteicos dos quilomícrons que funcionam como cofatores para enzimas e ligandinas para receptores) como a B-48, CII e E. A apo B-48 permite a ligação entre os lípides e os quilomícrons, mas não se liga ao receptor LDL, prevenindo o clearance precoce de quilomícrons da circulação (Figura 1). A apo-CII é um cofator para liproteínas que geram quilomícrons progressivamente menores por hidrolisar o núcleo de TG liberando os AG. Quando liberados, os 3 AG são utilizados como fonte de energia, convertidos novamente em TG ou estocados no tecido adiposo. O produto final dos qui-
lomícrons é chamado de quilomícron remanescente, que é retirado da circulação por receptores hepáticos. Os quilomícrons remanescentes contêm uma pequena quantidade de lípides que são envelopados pelos componentes restantes de superfície. Esses constituintes de superfície são transferidos dos quilomícrons remanescentes para a formação do HDL. A via endógena se inicia com a síntese hepática de VLDL, formados por 60% de TG e 20% de ésteres de C. A transferência proteica microssomal de TG é essencial para o transporte do conjunto de TG para o retículo endoplasmático, onde ocorrerão a montagem do VLDL e a secreção de apo B-100 no fígado. O núcleo de TG do VLDL é hidrolisado pela lípase lipoproteica. Durante a lipólise, o núcleo do VLDL é reduzido, gerando o VLDL remanescente. Os componentes de superfície do VLDL remanescente como FL, C não esterificado e apoproteínas são transferidos para o HDL. Os VLDL remanescentes podem ser eliminados da circulação ou remodelados para formar as partículas de LDL.
Figura 1 - Metabolismo de lipoproteínas e colesterol
4. Características e causas das dislipidemias Algumas características dependem do tipo de dislipidemia que o paciente apresenta. Pacientes com aumento de LDL-colesterol podem apresentar xantelasma e
xantomas tendinosos; já os xantomas eruptivos são mais comuns nas grandes hipertrigliceridemias, enquanto a lipemia retiniana é mais frequente em pacientes com hiperquilomicronemia. A Tabela 3 sumariza as principais causas de dislipidemia.
9
CARDIOLOGIA
DISLIPIDEMIA E FATORES DE RISCO PARA DOENÇA CARDIOVASCULAR
CARD I OLOG I A - Obstrução biliar ou colestase: elevação de lipoprote-
Tabela 3 - Principais causas de dislipidemia Alteração
Elevação de C
Elevação de C e TG
Dislipidemias primárias
Dislipidemias secundárias
- Hipercolesterolemia familiar; - Hipotireoidismo; - Defeito familiar apo-B100; - Síndrome nefró- Hipercolesterolemia poli- tica. gênica. - Hipotireoidismo; - Hiperlipidemia familiar - Síndrome nefrócombinada; tica; - Disbetalipoproteinemia. - Diabetes mellitus.
- Hipertrigliceridemia familiar; - Diabetes mellitus; - Deficiência de LPL; Elevação de TG - Hiperlipidemia al- Deficiência de Apo-CII; coólica. - Hipertrigliceridemia esporádica.
As causas de dislipidemia secundária são frequentemente encontradas na população e podem ser divididas em endócrinas e não endócrinas.
A - Endócrinas
- Diabetes mellitus: hipertrigliceridemia ou hiperlipide-
mia mista. Há aumento da produção de VLDL e redução do catabolismo de VLDL; - Hipotireoidismo: hipercolesterolemia. Há diminuição da depuração do LDL. As anormalidades no C costumam reverter após a correção do hipotireoidismo; - Terapia com estrogênio: hipertrigliceridemia. Há aumento da produção de VLDL; as mulheres pós-menopausa podem reduzir o LDL em 20 a 25%. No entanto, não devem ser utilizados exclusivamente com essa indicação devido ao discreto aumento do risco cardiovascular com o uso prolongado; - Terapia com glicocorticoide: hipercolesterolemia e/ ou hipertrigliceridemia. Há aumento da produção de VLDL e conversão a LDL; - Hipopituitarismo: hipercolesterolemia e hipertrigliceridemia. Há aumento da produção de VLDL e conversão a LDL; - Acromegalia: hipertrigliceridemia. Há aumento da produção de VLDL; - Anorexia nervosa: hipercolesterolemia. Há diminuição da excreção biliar de C e ácidos biliares; - Lipodistrofia: hipertrigliceridemia. Há aumento da produção de VLDL.
B - Não endócrinas
- Álcool: hipertrigliceridemia. Há aumento da produção de VLDL; - Uremia: hipertrigliceridemia. Há diminuição da depuração de VLDL;
10
ína X. Extravasamento do C biliar e FL na circulação;
- Hepatite: hipertrigliceridemia. Há diminuição da LCAT (Lecithin-Cholesterol-Acyl-Transferase);
- Lúpus eritematoso sistêmico: hipertrigliceridemia. An-
ticorpos diminuem a atividade da lipase lipoproteica; monoclonal: hipercolesterolemia ou hipertrigliceridemia. Anticorpos ligam lipoproteínas e interferem no catabolismo; - Outras causas secundárias: incluem porfiria, hepatite e diversos medicamentos (diuréticos, beta-bloqueadores, corticosteroides, ciclosporina, entre outros).
- Gamopatia
5. Rastreamento para dislipidemia Não há evidências diretas demonstrando que a dosagem rotineira de lípides consiga diminuir eventos cardiovasculares, mas evidências indiretas sugerem que esses eventos podem diminuir com rastreamento em homens a partir dos 35 anos e mulheres a partir dos 45 anos. O objetivo primário no manejo dos pacientes com dislipidemia é o controle do LDL-colesterol. Após atingi-lo, a meta é, idealmente, um HDL-colesterol maior que 40mg/dL para os homens e 50mg/dL para as mulheres e para pacientes diabéticos. Os TG são o 3º objetivo, porém, em pacientes com valores de TG acima de 500mg/dL, torna-se prioritário o seu controle pelo risco de pancreatite secundária à hipertrigliceridemia. Não é possível calcular os níveis de partículas de C com a fórmula de Friedewald quando os níveis de TG são maiores que 400mg/dL. Nesses pacientes, pode-se utilizar o C não HDL como indicador e meta terapêutica. A hepatopatia colestática crônica, o diabetes e a síndrome nefrótica também podem tornar a fórmula imprecisa. A IV Diretriz Brasileira sobre Dislipidemia publicada em 2007 recomenda a dosagem direta de LDL-C nesta população. O NCEP (National Cholesterol Education Program) recomenda a dosagem de C, HDL, LDL e TG a pacientes com menos de 20 anos, repetindo dosagem a cada 5 anos, em caso de presença de valores normais. Tal recomendação se justifica para o rastreamento das causas monogênicas de dislipidemia, que podem causar eventos adversos em pacientes com menos de 20 anos. O ACP (American College of Physicians) considera raridade esses casos, com conduta mais conservadora, e recomenda o rastreamento a partir de 35 anos.
6. Risco cardiovascular e alvos do tratamento Para determinar os níveis lipídicos desejados, devem-se seguir estes passos:
DISLIPIDEMIA E FATORES DE RISCO PARA DOENÇA CARDIOVASCULAR
Pacientes com uma das características anteriores já devem ser classificados como de alto risco para apresentar novo evento cardiovascular em 10 anos. Se o paciente se enquadra nesse perfil, deve-se ir direto ao 4º passo.
- 2º passo: Avaliar o risco cardiovascular. Entre os indivíduos não classificados como de alto risco no passo nº 1, deve-se estimar o risco cardiovascular individual por meio dos fatores de risco para doença cardiovascular. Assim, são considerados: • Tabagismo;
• HAS; • Baixo HDL-c (<40); • História familiar de DCV em homem <55 anos ou em mulher <65 anos; • Idade (homem ≥45 anos, mulher ≥55 anos). Deve-se acrescentar, também, que quando o HDL-c é maior que 60mg/dL, recomenda-se retirar um dos fatores de risco. Dessa forma, o risco individual de eventos cardiovasculares em 10 anos pode ser dividido em: - Baixo risco (<10%): no máximo, 1 fator de risco; - Risco moderado (de 10 a 20%): 2 ou mais fatores de risco; - Alto risco (>20%): diabetes mellitus, DCV prévia ou equivalente de risco cardiovascular. Equivalentes de risco cardiovascular incluem manifestações de formas não coronarianas de doença aterosclerótica (doença arterial periférica, aneurisma de aorta abdominal e doença arterial carotídea). A IV Diretriz Brasileira sobre Dislipidemia recomenda o uso do escore de Framingham para esta estratificação (Tabela 4).
Tabela 4 - Adaptada da IV Diretriz Brasileira sobre Dislipidemia Homens
Mulheres
Idade
Pontos
Idade
Pontos
20 a 34
-9
20 a 34
-7
35 a 39
-4
35 a 39
-3
40 a 44
0
40 a 44
0
45 a 49
3
45 a 49
3
50 a 54
6
50 a 54
6
55 a 59
8
55 a 59
8
60 a 64
10
60 a 64
10
65 a 69
11
65 a 69
12
70 a 74
12
70 a 74
14
75 a 79
13
75 a 79
16
Colesterol
Idade
Colesterol
Total, mg/dL
20 a 39
40 a 49
50 a 59
60 a 69
70 a 79
Idade
Total, mg/dL
20 a 39
40 a 49
50 a 59
60 a 69
70 a 79
<160
0
0
0
0
0
<160
0
0
0
0
0
160 a 199
4
3
2
1
0
160 a 199
4
3
2
1
1
200 a 239
7
5
3
1
0
200 a 239
0
6
4
2
1
240 a 279
9
6
4
2
1
240 a 279
11
8
5
3
2
≥280
11
8
5
3
1
≥280
13
10
7
4
2
20 a 39
40 a 49
50 a 59
60 a 69
70 a 79
20 a 39
40 a 49
50 a 59
60 a 69
70 a 79
Não
0
0
0
0
0
Não
0
0
0
0
0
Sim
8
5
3
1
1
Sim
9
7
4
2
1
Fumo
Idade
Fumo
Idade
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CARDIOLOGIA
- 1º passo: Avaliar presença de doença aterosclerótica significativa ou seus equivalentes: • Doença arterial coronariana conhecida manifesta; • Doença arterial cerebrovascular; • Doença aneurismática ou estenótica da aorta abdominal ou de seus ramos; • Doença arterial periférica; • Doença arterial carotídea; • Diabetes mellitus tipo 1 ou 2.
CARD I OLOG I A HDL-colesterol (mg/dL) ≥60 50 a 59 40 a 49 <40 PA (sistólica, mmHg) Não tratada <120 0 120 a 129 0 130 a 139 1
Pontos -1 0 1 2 Tratada 0 1 2
HDL-colesterol (mg/dL) ≥60 50 a 59 40 a 49 <40 PA (sistólica, mmHg) Não tratada <120 0 120 a 129 1 130 a 139 2
Pontos -1 0 1 2 Tratada 0 3 4
140 a 159
1
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140 a 159
3
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≥160
2
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≥160
4
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Escores de Risco de Framingham (ERF) para cálculo do risco absoluto de infarto e morte em 10 anos para homens e mulheres (fase 2) – continuação Total de pontos Risco absoluto em 10 anos (%) Total de pontos Risco absoluto em 10 anos (%) <0 <1 <9 <1 0 1 9 1 1 1 10 1 2 1 11 1 3 1 12 1 4 1 13 2 5 2 14 2 6 2 15 3 7 3 16 4 8 4 17 5 9 5 18 6 10 6 19 8 11 8 20 11 12 10 21 14 13 12 22 17 14 16 23 22 15 20 24 27 16 25 ≥25 ≥30 ≥17 ≥30 -
- 3º passo: fatores agravantes: A presença de fatores agravantes entre os pacientes classificados pelo escore de Framingham como baixo ou médio risco levam o indivíduo à categoria de risco imediatamente superior. Os fatores agravantes são: • História familiar de doença cardiovascular prematura; • Síndrome metabólica; • Micro ou macroalbuminúria; • Hipertrofia ventricular esquerda;
• Insuficiência renal crônica; • PCR de alta sensibilidade maior que 3mg/L.
- Exame complementar com evidência de doença aterosclerótica subclínica: • Escore de cálcio >100; • Espessamento da carótida; • Índice tornozelo-braquial <0,9.
- 4º passo: metas terapêuticas e reavaliação do risco:
Tabela 5 - Adaptada da IV Diretriz Brasileira sobre Dislipidemia Meta terapêutica Risco em 10 anos pelo escore de Framingham LDL-c Não HDL-c Baixo <10 % <160 <190 Intermediário 10 a 20% <130 <160 Alto ou diabéticos >20% <100 (opcional <70) <130 (opcional <100) Aterosclerose significativa >20 <70 <100 HDL-C TG Homens ≥40 <150 Mulheres ≥50 <150 Diabéticos ≥50 <150 MEV: Mudança de Estilo de Vida.
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Medida Reavaliação terapêutica inicial de metas MEV 6 meses MEV 3 meses MEV + terapia farmacológica 3 meses MEV + terapia farmacológica Individualizada
Os TG são considerados fatores de risco independentes para doença coronariana, e a classificação quanto a seus níveis é apresentada na Tabela 6.
tais, como óleo de oliva ou canola. Dentre os carboidratos, deve-se preferir pelos alimentos integrais e pelas formas com menor índice glicêmico.
Tabela 6 - Classificação dos níveis de triglicérides
B - Álcool
Classificação
Nível
Normal
<150mg/dL
Limítrofe
150 a 199mg/dL
Alto
200 a 499mg/dL
Muito alto
>500mg/dL
Outros fatores de risco menores e que não são usados para tomada de decisão são: - Obesidade; - Sedentarismo; - Dieta aterogênica; - Lipoproteína A; - Homocisteína; - Fatores pró-inflamatórios e pró-trombóticos; - Glicemia de jejum alterada; - Evidência de doença aterosclerótica subclínica.
Ingestão de álcool e mortalidade por DCV estão relacionadas, e o consumo excessivo determina aumento do risco de DCV, enquanto o consumo moderado (1 dose/dia para mulheres e 2 para homens) está associado a redução do risco cardiovascular. Consumos maiores aumentam o risco, principalmente, de acidente vascular cerebral.
C - Perda de peso
7. Tratamento não medicamentoso = mudança no estilo de vida
Além de melhorar o perfil lipídico, a perda de peso tem grande influência nos demais fatores de risco cardiovascular envolvidos com o excesso de peso, como HAS e DM. Uma redução no peso de 5 a 10% reduz o C total em até 18%, TG em até 44%, LDL-C em até 22%, e aumenta os níveis de HDL-C em até 27%. Hoje, é uma das mais importantes medidas preventivas quanto ao risco cardiovascular.
A - Dieta
D - Atividade física
Um dos principais elementos das modificações no estilo de vida é a dieta, que deve ser recomendada a todos os pacientes com alteração dos níveis de lípides. Somente com a dieta, 60% dos pacientes têm 1,8% de diminuição do peso corpóreo, e de 5 a 7% de queda dos níveis de LDL. Além disso, a dieta pode ajudar a modificar outros fatores envolvidos no desenvolvimento de DCV, como hipertensão, diabetes e obesidade. A recomendação sugerida pelo NCEP está na Tabela 7.
A inatividade física contribui, substancialmente, com os fatores de risco cardiovasculares lipídicos e não lipídicos. Os níveis de HDL-C aumentam proporcionalmente com o nível de gasto energético. Os níveis de TG também sofrem uma diminuição importante, especialmente nos pacientes com altos níveis iniciais. A recomendação é que os exercícios sejam realizados de 3 a 6 vezes por semana, em sessões de duração de 30 a 60 minutos.
Tabela 7 - Dieta recomendada pelo NCEP
8. Tratamento medicamentoso
Nutriente Gordura saturada
Recomendação <7% total calorias
Gordura poli-insaturada
Até 10% total calorias
Gordura monoinsaturada
Até 20% total calorias
Gordura total
25 a 35% total calorias
Carboidrato
50 a 60% total calorias
Fibra Proteína Colesterol
20 a 30g/dia 15% total calorias <200mg/dia
O total de calorias deve proporcionar equilíbrio entre ingestão e gasto de energia, a fim de manter o peso desejado ou prevenir ganho de peso. Entretanto, deve-se salientar que atualmente é considerada mais importante a qualidade do alimento ingerido do que proporções fixas de cada alimento. Uma dieta pode apresentar concentrações mais altas de gorduras, desde que na forma de gorduras vege-
A - Estatina (inibidor da HMG-CoA redutase) A estatina deve ser considerada medicação de 1ª escolha para níveis altos de LDL-C, sejam primários ou secundários. Apresenta também o efeito cardioprotetor devido a propriedades pleiotrópicas, envolvendo a biologia da aterosclerose (modulando imunorregulação, inflamação, coagulação e resposta vasomotora). Essa medicação inibe de maneira competitiva a enzima HMG-CoA redutase (Figura 2), que é o passo limitante na síntese de C, levando à queda transitória dos níveis intracelulares, aumentando a síntese dos receptores celulares de LDL, acelerando a remoção de LDL-c e TG. A medicação aumenta de 5 a 10% os níveis de HDL-c e diminui em 20 a 60% os níveis de LDL-c e 10 a 33% os níveis de TG.
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CARDIOLOGIA
DISLIPIDEMIA E FATORES DE RISCO PARA DOENÇA CARDIOVASCULAR
CARD I OLOG I A Tabela 9 - Apresentação comercial das principais estatinas Estatina Atorvastatina Sinvastatina Lovastatina Pravastatina Fluvastatina
Figura 2 - Síntese de colesterol
Não só para o tratamento da hipercolesterolemia e da hiperlipidemia mista, o uso da estatina também tem sido recentemente estudado na osteoporose e na insuficiência coronariana aguda, em que é notado o efeito potencializador na estabilização da placa, principalmente pela atorvastatina. A posologia desse grupo medicamentoso é descrita na Tabela 8. Tabela 8 - Posologia sugerida das estatinas Dose
Melhor administrar
Alteração no LDL-C
Atorvastatina
10 a 80mg/dia
À noite
Redução de 37 a 55%
Sinvastatina
20 a 80mg/dia
À noite
Redução de 27 a 42%
Lovastatina
10 a 80mg/dia
Após refeição noturna
Redução de 21 a 41%
Pravastatina
20 a 40mg/dia
Ao deitar
Redução de 20 a 33%
Fluvastatina
20 a 80mg/dia
Ao deitar
Redução de 15 a 37%
Rosuvastatina
10 a 40mg/dia
Qualquer horário
Redução de 43 a 55%
Há uma relação de equivalência terapêutica entre as estatinas: 10mg de atorvastatina = 20mg de sinvastatina = 40mg de lovastatina/pravastatina = 80mg de fluvastatina. O efeito é observado, em média, de 3 a 4 semanas após o início do uso, podendo-se aumentar a dose após esse intervalo, caso não seja atingido o efeito desejado. Após uma redução inicial de 30 a 35% do LDL-c, cada vez que se dobra a dose, obtém-se uma redução adicional de 6%. Algumas apresentações estão citadas na Tabela 9.
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Apresentação comercial - Lipitor – comprimido, 10 e 20mg; - Citalor – comprimido, 10 e 20mg. - Zocor – comprimido, 5, 10, 20 e 40mg; - Mivalen – comprimido, 5 e 10mg; - Vaslip – comprimido, 5 e 10mg. - Mevacor – comprimido, 10 e 20mg; - Reducol – comprimido, 20mg. - Pravacol – comprimido, 10 e 20mg; - Mevalotin – comprimido, 10 e 20mg. - Lescol – cápsula, 20 e 40mg; - Lescol XL – cápsula, 80mg.
São medicações consideradas bem toleradas, sendo incomuns efeitos adversos significativos. Os principais são cefaleia, náuseas, alteração de sono, aumento de enzimas hepáticas e de fosfatase alcalina, miosite e rabdomiólise (principalmente, na presença de insuficiência renal, quando associadas a genfibrozila e ciclosporina). São contraindicadas na gestação, na amamentação, em doença hepática aguda e em aumento persistente inexplicável de transaminases. Recomendam-se obter os níveis basais de CK total e transaminases antes do início da terapia com estatinas. Devem-se repetir essas dosagens na 1ª reavaliação ou a cada aumento de dose. Devem ser suspensas nos seguintes casos: - Aumento progressivo de CK; - Aumento superior a 10 vezes o limite superior do método ou manutenção de mialgia; - Sinais de hepatotoxicidade: icterícia, hepatomegalia, aumento de bilirrubina direta e do tempo de protrombina; - Elevação de transaminases acima de 3 vezes o limite superior do método. Se assintomática, avaliar a redução da dose ou suspensão da droga a critério clínico.
B - Resinas sequestradoras de ácidos biliares São medicações que se ligam aos ácidos biliares no intestino, diminuindo sua absorção no íleo terminal, reduzindo, assim, o pool hepático de ácidos biliares. Isso leva ao aumento da conversão de C em ácidos biliares nos hepatócitos. Dessa forma, ocorrem aumento da síntese e expressão dos receptores de LDL-c, determinando uma queda dos níveis de LDL-c. As resinas diminuem de 15 a 30% os níveis de LDL-c e podem levar a um pequeno aumento do HDL-c. Devem ser evitadas entre pacientes com hipertrigliceridemia, pois se observam, eventualmente, aumentos nos níveis de TG. Por serem medicações sem efeitos sistêmicos, são a única classe de droga aprovada para o tratamento de hipercolesterolemia na infância. São, também, consideradas a opção de escolha para mulheres em idade fértil e utilizadas da seguinte forma: - Colestiramina: de 4 a 24g/dia, 30 minutos antes das refeições – única droga disponível no Brasil;
- Colestipol: de 5 a 30g/dia, 30 minutos antes das refeições; - Colesevelam: 3,75g/dia, às refeições.
A Tabela 10 sumariza as apresentações comerciais dessas medicações. Tabela 10 - Apresentação comercial das resinas Resina
Apresentação comercial
Colestiramina Questran pó – misturar com água. Colestipol
Colestid – tablete de 1g, pacote com grânulos de 5g.
Colesevelam
Welchol – tablete de 625mg.
O efeito adverso mais comum é a alteração da função intestinal (plenitude abdominal, flatulência e constipação), que ocorre em 30% dos casos, sendo contraindicadas a pacientes com obstrução biliar completa e obstrução intestinal. Tais medicações podem levar ao aumento de enzimas hepáticas e de fosfatase alcalina, de forma que se devem monitorizar esses indivíduos.
C - Inibidores da absorção de colesterol (ezetimiba) O ezetimiba interfere na absorção intestinal do C, diminuindo o seu aporte ao fígado e levando a uma diminuição do depósito hepático de C. Ocorre aumento do clearance sérico de C por aumento do seu catabolismo endógeno. Quando usado como monoterapia, reduz os níveis de LDL-c em 15 a 20%. Pode ser usado em associação a estatinas, levando a um acréscimo de diminuição de LDL-c de até 14%. Tal associação também mostrou um decréscimo dos níveis de proteína C reativa. A grande indicação são casos em que os níveis de redução do LDL-c estão subótimos, principalmente quando se desejam evitar doses altas de estatinas, ou quando a dose máxima já foi atingida, sem que os níveis de LDL-c estejam satisfatórios. A dose utilizada é de 10mg, e deve ser tomada 1 vez ao dia, com ou sem a refeição. Apesar de ser um coadjuvante importante para atingir as metas propostas, ainda não existem estudos clínicos consistentes que demonstrem a redução de eventos cardiovasculares com o seu uso. Efeitos adversos clinicamente significativos são incomuns, ocorrendo entre 1 e 10%. Pode haver diarreia, dor abdominal, artralgia, lombalgia, fadiga, tosse e sinusite. O uso em associação a estatinas pode levar a um aumento das transaminases um pouco maior que o uso isolado de estatinas. No 1º caso, devem-se realizar provas de função hepática antes e depois da introdução da droga.
D - Fibratos Os fibratos são as drogas de maior eficácia a pacientes com hipertrigliceridemia e baixos níveis de HDL-c. A eficácia da sua ação está relacionada com a magnitude dos níveis de TG. No entanto, quanto maior o nível, menor a probabilidade de normalização com o tratamento por fibratos. São associados à re-
dução dos níveis de triglicerídeos em 35 a 50% e podem elevar os níveis de HDL-c em 15 a 25%. Agem por meio da ativação do fator de transcrição nuclear PPAR-alfa, levando a: - Diminuição da síntese da apo-CIII; - Aumento da atividade da lipase lipoproteica; - Aumento da transcrição da apo-AI (e consequentemente aumento do HDL-c) e da apo-AII; - Aumento da remoção hepática de LDL. Como via final dessas alterações, ocorrem aumento do HDL-c e diminuição da trigliceridemia, do LDL-C e da colesterolemia. As principais indicações para a terapia com fibratos são níveis de TG acima de 500mg/dL associados a medidas não farmacológicas (recomendação classe I, nível de evidência A), disbetalipoproteinemia familiar e pacientes com baixos níveis de HDL-c. Dentre as medicações disponíveis, citam-se genfibrozila, bezafibrato, fenofibrato, etofibrato, ciprofibrato e clofibrato. Este último foi proscrito devido à associação encontrada com colangiocarcinoma e outros cânceres gastrintestinais. O genfibrozila tem efeito modesto em diminuir LDL-c em pacientes com hipercolesterolemia e pequeno efeito no LDL-c dos pacientes com hiperlipidemia mista. Além disso, determina aumento do LDL-c em pacientes com hipertrigliceridemia pura. Sua principal característica é a capacidade em aumentar HDL-c em pacientes com altos níveis de TG, porém com pequenos aumentos em pacientes com níveis normais de TG e baixos de HDL-c. O fenofibrato apresenta efeito um pouco melhor na redução de LDL-c em relação ao genfibrozila. A posologia e as apresentações dessas medicações estão descritas nas Tabelas 11 e 12. Recomenda-se evitar a associação do genfibrozila a estatinas pelo aumento do risco de rabdomiólise. Tabela 11 - Posologia dos fibratos Fibrato
Dose
Melhor momento de administração
Genfibrozila
- 600mg, (2 vezes ao dia)*.
- 30 minutos antes das refeições.
Bezafibrato
- 200mg, (3 vezes ao dia)**; - 400mg.
- Durante ou após as refeições; - À noite.
Fenofibrato
- 250mg, dose única.
- À noite.
Fenofibrato micronizado
- 200mg, dose única.
- À noite.
Ciprofibrato
- 100mg, dose única.
- À noite; - Longe da refeição.
Etofibrato
- 500mg, dose única. - À noite, ao jantar.
* A dose pode ser diminuída para 900mg antes do jantar, caso os níveis de TG desejados sejam atingidos. ** Em caso de sensibilidade gástrica, iniciar com um comprimido e aumentar, gradativamente, para 3. Caso os níveis ideais de TG sejam atingidos, pode-se diminuir para 2 vezes ao dia.
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CARDIOLOGIA
DISLIPIDEMIA E FATORES DE RISCO PARA DOENÇA CARDIOVASCULAR
CARD I OLOG I A Tabela 12 - Apresentações comerciais dos fibratos Fibrato Genfibrozila Bezafibrato Fenofibrato Ciprofibrato Etofibrato
Apresentação - Lopid – comprimido, 600 e 900mg. - Cedur – comprimido, 200mg; - Cedur Retard – comprimido, 400mg. - Lipanon Retard – comprimido, 250mg; - Lipidil – cápsula, 200mg. - Lipless – comprimido, 100mg; - Oroxadin – comprimido, 100mg. - Tricerol – comprimido.
Os fibratos são medicações geralmente bem toleradas. Os efeitos adversos mais relatados são distúrbios gastrintestinais. Dor, fraqueza muscular, diminuição da libido, erupção cutânea e distúrbios do sono são outros efeitos relatados. Além desses, os fibratos parecem estar envolvidos no aumento de cálculos biliares.
E - Ácido nicotínico O ácido nicotínico age por meio da inibição hepática da produção de VLDL, levando à diminuição do LDL-c. Diminui a transformação de HDL-c em VLDL, aumentando, assim, os níveis de HDL. Também está associado à diminuição dos níveis séricos de plasminogênio. A medicação obtém diminuição de 5 a 25% nos níveis de LDL-c, de 20 a 50% nos níveis de TG e aumento de 15 a 35% nos níveis de HDL-c. Deve ser iniciado com 100mg, 2 vezes ao dia, aumentando-se gradualmente até a dose-alvo tolerada (dose máxima de 1,5 a 2g, divididos em 3 vezes ao dia). É administrado durante a refeição, para diminuir os efeitos colaterais de flushing (rubor e prurido cutâneo) e náuseas. A administração prévia de aspirina também diminui a ocorrência de tais efeitos. As apresentações comerciais incluem: - Olbetam: cápsula – 250mg; - Niaspan: cápsula – 500mg, 750mg, 1000mg; - Slo-Niacin: cápsula – 250mg, 500mg, 750mg; - Ácido nicotínico: comprimido – 50mg, 100mg, 250mg, 500mg. Os efeitos adversos são frequentes, e a droga não é tolerada em até 10% dos pacientes. Os mais comuns são relacionados à mediação por prostaglandinas, como rash cutâneo, desconforto gastrintestinal e mialgia. Pode levar à piora do controle glicêmico, bem como ao aumento de homocisteína e de ácido úrico. É contraindicado na presença de doença hepática, úlcera péptica ativa, hipotensão severa e hemorragia arterial. E deve ser evitado em etilistas, pacientes com insuficiência coronariana, DM, doença renal, gota e história pregressa de doença hepática.
um complexo insolúvel com os ácidos biliares (mecanismo de ação semelhante aos sequestradores de ácidos biliares). b) Probucol Esta droga diminui a síntese hepática e a secreção de VLDL, além de diminuir a captação de LDL por via independente do receptor. Estimula a atividade da proteína de transferência do C (CETP), o que leva à redução do HDL. In vitro, demonstra grande capacidade em aumentar a resistência do LDL à oxidação, diminuindo a sua modificação em formas mais aterogênicas. A administração é via oral, e a eliminação é biliar. A dose diária é de 1g, dividida no almoço e no jantar. Deposita-se no tecido adiposo, sendo sua liberação muito lenta. Atualmente, é pouco usada como monoterapia, mais utilizada como antioxidante. c) Ácidos graxos ômega-3 (óleos de peixe) Agem pela inibição da síntese de VLDL e de apolipoproteína B, podendo reduzir os níveis de TG em até 50% e elevar discretamente os níveis HDL-c. São indicados aos casos de hipertrigliceridemia refratária e encontrados em cápsulas de 500 e 1.000mg, com teor de ômega-3 de 30 a 50%. d) Terapia de reposição hormonal (estrogênica) A Terapia de Reposição Hormonal (TRH) em mulheres pós-menopausadas proporciona efeito benéfico no perfil lipídico, com redução de 15% no LDL-C, 20% na Lp(a), 24% nos TG e aumento de 10 a 15% no HDL-C. Apesar do teórico benefício cardiovascular, isso não foi confirmado no estudo Women’s Health Initiative, nem no estudo HERS. A TRH pode até ser prejudicial, não sendo recomendada para prevenção primária ou secundária. e) Aspirina O estudo HOT sugeriu que há benefício potencial com o uso de aspirina para prevenir eventos cardiovasculares. Seu uso é recomendado pela US Task Force quando o risco de evento cardiovascular é maior que 6% em 10 anos. Já a AHA (American Heart Association) recomenda o uso se o risco de evento cardiovascular é maior que 10%. Apesar disso, apenas 14% das pessoas com 1 ou mais fatores de risco cardiovasculares estão em uso de AAS. f) Antioxidantes Não há evidências de que suplementos de vitaminas antioxidantes (vitamina E, C ou beta-caroteno) previnam manifestações clínicas da aterosclerose, portanto não são recomendados.
9. Situações especiais
F - Outras drogas
A - Pacientes com HDL baixo
a) Neomicina Na dose de 2g/dia, a neomicina reduz os níveis de LDL-c e de Lp(a) em cerca de 25%. Age através da formação de
O HDL-c baixo está associado a doença aterosclerótica. O estudo VA-HIT demonstrou benefício com uso de fibrato para aumentar o HDL-c em pacientes com LDL-c não aumentado. Nesses casos, o uso dos fibratos é considerado de
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DISLIPIDEMIA E FATORES DE RISCO PARA DOENÇA CARDIOVASCULAR
B - Pacientes com hipertrigliceridemia Recomenda-se tratar a hipertrigliceridemia quando em níveis acima de 150mg/dL, procurando enfatizar as medidas gerais de dieta e atividade física quando os níveis estão entre 150 e 199mg/dL. Quando ultrapassam 200mg/dL, o tratamento da hipertrigliceridemia passa a ser objetivo secundário no tratamento, enfatizando a importância de tratar, primariamente, o LDL-c elevado e, posteriormente, o HDL-c baixo. Contudo, nesses pacientes, considera-se introduzir intervenção medicamentosa adjuvante às medidas gerais. Quando os níveis ultrapassam 500mg/dL, os TG passam a ser objetivo primordial do tratamento, com combinação de terapia medicamentosa (ácido nicotínico ou fibratos) com medidas gerais. Níveis de TG acima de 1.000mg/dL podem causar pancreatite aguda, e a hipertrigliceridemia é responsável por cerca de 1,3 a 3,8% desses casos. A maioria de tais pacientes tem TG em níveis superiores a 4.000mg/dL. Os indivíduos com hipertrigliceridemia importante e sintomas sugestivos de pancreatite devem permanecer em repouso até que os níveis de TG fiquem abaixo de 1.000mg/dL.
a competição com o plasminogênio pelos receptores específicos, com diminuição da ativação e geração do plasminogênio na superfície do trombo. Além disso, tal lipoproteína se liga aos macrófagos através de receptores de alta afinidade, facilitando o depósito de C nas placas ateroscleróticas.
B - Doença renal crônica É recomendado na literatura que a doença renal crônica seja considerada equivalente de risco coronariano, pois uma análise mostrou chance de eventos próxima a 20% em 2,8 anos.
C - Microalbuminúria Vários estudos demonstraram aumento de risco cardiovascular nos pacientes com microalbuminúria positiva. Acredita-se que isso reflita dano vascular, sendo marcador precoce de lesão endotelial.
D - Hiper-homocisteinemia É associada a aumento de risco cardiovascular tanto em estudos de caso-controle quanto em estudos prospectivos. Contudo, pacientes que receberam terapia dirigida com ácido fólico e vitaminas B6 e B12 não apresentaram benefício.
C - Pacientes HIV positivo
E - Terapia antioxidante
A dislipidemia relacionada à infecção pelo HIV apresenta característica altamente aterogênica apresentando HDL baixo, LDL e TG altos. Um recente estudo demonstrou a presença de hipercolesterolemia em 27% dos indivíduos em terapia antirretroviral com IP, em 23% dos pacientes que recebiam somente inibidores da transcriptase reversa não análogos de nucleosídeos (NNRTI) e 10% no grupo tratado apenas com NRTI, quando comparado com 8% nos indivíduos sem terapia antirretroviral. A correspondência desses dados para hipertrigliceridemia foi de 40, 32 e 23%, respectivamente, quando em comparação com os 15% dos indivíduos que não recebiam tratamento. As estatinas como a sinvastatina, lovastatina e atorvastatina são metabolizadas pelo citocromo P-450 isoforma 3A4, o qual é inibido pelos IPs, entretanto a pravastatina e o ezetimiba podem ser boas alternativas pelo metabolismo alternativo. Nos casos de associação entre drogas antirretrovirais e antilipemiantes (fibratos e/ou estatinas), é fundamental uma rigorosa monitorização da função renal, das enzimas hepáticas e da creatinofosfoquinase (CPK) pela potencialização dos efeitos nefrotóxicos, hepatotóxicos e miotóxicos dessas medicações.
Sabe-se que o LDL oxidado está associado a aumento do risco de desenvolver aterosclerose. Apesar dos benefícios teóricos da terapia antioxidante, vários estudos realizados com uso de vitamina E, vitamina C ou beta-caroteno não demonstraram benefício com a intervenção.
F - Fatores de coagulação Níveis de fibrinogênio são importantes preditores do risco cardiovascular, mas ainda não foi determinado se esse é um fator independente de risco cardiovascular. Dados preliminares, como D-dímero, parecem também ser associados a aumento de eventos, assim como fator de von Willebrand, aumento da trombomodulina e diminuição do fator ativador do plasminogênio.
G - Proteína C reativa
10. Outros fatores de risco para aterosclerose e DCV
A PCR e outros marcadores inflamatórios associam-se a aumento de risco de doença cardiovascular. Um estudo publicado na Circulation em 2001 demonstrou que as estatinas diminuem em 20% os níveis de PCR. Um 2º estudo, publicado no New England Journal Of Medicine, demonstrou que as estatinas reduzem a mortalidade no subgrupo de pacientes com PCR elevado e LDL normal.
A - Lipoproteína A
H - Síndrome metabólica
Trata-se da forma específica de LDL-c formado no extracelular, com interferência no processo de fibrinólise devido
O estudo WOSCOPS encontrou risco 1,7 vez maior de evento cardiovascular no grupo com síndrome metabólica e
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CARDIOLOGIA
escolha, e a niacina é 2ª opção naqueles sem diabetes ou intolerância à glicose.
CARD I OLOG I A 3,5 vezes mais chance de DM. Outros estudos demonstraram associação semelhante. O diagnóstico de síndrome metabólica é feito tendo a obesidade abdominal como critério obrigatório, somado a pelo menos mais 2 critérios entre os expostos a seguir: hipertrigliceridemia, HDL-c baixo, hipertensão arterial e glicemia de jejum alterada ou tratamento para DM.
I - Hiperuricemia Está associada a aumento de risco cardiovascular, mas não se sabe se tem relação causal com aterosclerose ou se é apenas um marcador de atividade do processo.
J - LDL pequenas e densas A presença de partículas pequenas e densas de LDL pode estar relacionada a aspectos da síndrome metabólica, e alguns estudos mostraram melhora angiográfica da coronariopatia após melhora do seu tamanho. No entanto, continua incerto se a mudança no tamanho das partículas de LDL, além da redução no seu número absoluto, traz benefícios clínicos.
K - Outros fatores Vários outros fatores se associam a aumento de risco cardiovascular, como: - Hipertrofia de ventrículo esquerdo; - Taquicardia ao repouso; - Espessamento de artérias e relação íntima/média; - Doenças do colágeno; - Alterações retinianas; - Peptídio natriurético cerebral; - Acúmulo de ferro.
11. Resumo Quadro-resumo - Dislipidemia é importante fator de risco para doença cardiovascular; - Em pacientes com dislipidemia, deve-se avaliar a possibilidade de dislipidemia secundária; - A decisão de iniciar estatinas depende da estimativa de risco de cada paciente e dos fatores de risco que esse paciente apresenta; - O HDL-c aumentado implica diminuição do risco de eventos cardiovasculares; - O LDL-c é o principal alvo no tratamento da dislipidemia; - Em pacientes com níveis de TG maiores que 500mg/dL, essa passa a ser a prioridade do tratamento; - Pacientes com hipertrigliceridemia podem beneficiar-se do uso de fibratos; - Aspirina está indicada a pacientes com risco aumentado de eventos cardiovasculares; - O tratamento medicamentoso depende do perfil da dislipidemia; - Há outros fatores de risco cardiovascular, como microalbuminúria, PCR e hiper-homocisteinemia, contudo ainda restam dúvidas se a intervenção modifica o risco.
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CAPÍTULO
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Hipertensão arterial sistêmica José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado
1. Introdução A Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) é uma doença que representa um dos maiores problemas em saúde pública no Brasil e no mundo, gerando elevado custo médico-social, principalmente por sua participação em complicações como na doença cerebrovascular, na Doença Arterial Coronariana (DAC), na Insuficiência Cardíaca (IC), na insuficiência renal crônica, na retinopatia hipertensiva e na insuficiência vascular periférica. É uma condição clínica multifatorial caracterizada por níveis elevados e sustentados da Pressão Arterial (PA). Tem alta prevalência e baixas taxas de controle, sendo importante problema de saúde pública. No Brasil, desde a década de 1960, as doenças cardiovasculares têm superado as doenças infectocontagiosas como a principal causa de morte, com certa participação da HAS nesse fato. A HAS é um dos fatores mais relevantes para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares. Alguns autores consideram que 40% das mortes por AVC e 25% das mortes por DAC são decorrentes de HAS. No país, em 2003, 27,4% dos óbitos foram decorrentes de doenças cardiovasculares, atingindo 37% quando excluídos os óbitos por causas mal definidas e violência. A principal causa de morte de origem cardiovascular em todas as regiões é o AVC, acometendo as mulheres em maior proporção. Um dos principais desafios no tratamento da hipertensão é a realização do diagnóstico precoce devido à inexistência de sintomas precoces específicos. Dos pacientes com diagnóstico de hipertensão, atingir o alvo terapêutico é
muitas vezes difícil e necessita do uso combinado de várias drogas, o que tem impacto na redução da adesão ao tratamento medicamentoso.
2. Fisiopatologia Apesar de não estarem muito bem estabelecidos todos os mecanismos associados à HAS, existem 2 teorias que explicam a maioria dos casos: a neurogênica e a do desbalanço na absorção de sódio e água. A teoria neurogênica sustenta a ideia de que o sistema nervoso autônomo teria o seu set point pressórico alterado para um patamar mais elevado, determinando elevação da PA. A teoria do desbalanço do controle da absorção de sódio sustenta a ideia de que ocorre perda da capacidade de excreção adequada de sódio frente à quantidade de sódio ingerido, determinando retenção de sódio e de água. O sistema renina-angiotensina-aldosterona é o principal mecanismo de regulação da pressão arterial. Em situações de hipoperfusão renal, (1) ocorre a liberação da renina, uma enzima renal. Por sua vez, a renina (2) ativa a angiotensina (3), um hormônio que provoca contração das paredes musculares das pequenas artérias (arteríolas), aumentando a PA. A angiotensina também desencadeia a liberação do hormônio aldosterona pelas glândulas suprarrenais (4), provocando a retenção de sódio e a excreção de potássio. O sódio promove a retenção de água e, dessa forma, provoca a expansão do volume sanguíneo e o aumento da pressão arterial. Esse é o principal sistema de modulação da PA.
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CARD I O LOG I A não há como utilizar o fator genético para predizer o risco de desenvolvimento da HAS.
4. Diagnóstico
Figura 1 - Regulação da pressão arterial: sistema renina-angiotensina-aldosterona
3. Fatores de risco Existem vários fatores de risco para desenvolvimento da HAS e a maioria pode ser eliminada apenas com hábitos saudáveis e cuidados com a saúde.
- Idade: existe relação direta entre idade e desenvolvimento de HAS; acima de 65 anos, a prevalência é de 60%;
- Gênero e etnia: até os 50 anos, a prevalência é maior
em homens, invertendo-se esta tendência após esta idade. Também é mais prevalente nas raças não brancas. No Brasil, mulheres negras têm o dobro da incidência de HAS do que mulheres brancas;
- Sobrepeso e obesidade: mesmo em jovens, a obesidade aumenta o risco de HAS; o aumento de 2,4kg/m2 acima do IMC adequado já eleva o risco de HAS;
- Ingesta de sal: a ingesta excessiva de sal está associada a HAS; já foram identificadas populações indígenas onde o sal não faz parte da dieta e não foram encontrados casos de HAS;
- Álcool: o consumo excessivo de álcool determina ele-
vação da PA e aumento da mortalidade cardiovascular em geral;
- Sedentarismo: a atividade física protege o indivíduo de desenvolver HAS, mesmo em pré-hipertensos;
- Fatores socioeconômicos: no Brasil, a HAS é mais prevalente em pessoas com baixa escolaridade;
- História familiar: a contribuição de fatores genéticos no desenvolvimento da HAS é bem estabelecida, mas
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A medida da PA deve ser feita em toda consulta médica, porém isso nem sempre é feito corretamente. Deve ser aferida com manguito apropriado para a circunferência do braço (o cuff insuflável deve recobrir, pelo menos, 80% da circunferência do braço), com repouso de, no mínimo, 5 a 10 minutos e abstinência de nicotina, álcool e cafeína de ao menos 30 minutos. Devem ser realizadas medidas nos 2 braços, considerando a medida de maior valor para referência e certificando-se de que o indivíduo não está de bexiga cheia, pernas cruzadas e nem praticou exercícios nos últimos 90 minutos. Todos esses fatores podem influenciar a medida da PA. Para indivíduos com idade superior a 18 anos, o diagnóstico de HAS é feito sempre que se obtêm 2 ou mais medidas de pressão diastólica, em 2 visitas subsequentes, iguais ou acima de 90mmHg ou pressão sistólica maior ou igual a 140mmHg. Como pode haver grande labilidade da pressão arterial, as medidas devem ser feitas em diferentes ocasiões ao longo de semanas ou meses, a menos que ocorram sintomas. Há situações em que a medida de PA pode estar falsamente elevada, decorrente de estresse ou outros fatores, principalmente de aspecto psicológico. Nesses casos, pode-se lançar mão de 2 artifícios diagnósticos: a Medida Residencial da Pressão Arterial (MRPA) ou a Medida Ambulatorial de Pressão Arterial (MAPA). O objetivo desses artifícios é minimizar ao máximo o estresse da visita ao médico, o desconforto do exame e da medida da PA e permitir maior número de medidas, oferecendo ideia mais precisa da variação da PA durante o dia. O aumento transitório da PA associado a estresse ou ansiedade não constitui doença hipertensiva, mas pode indicar propensão para HAS no futuro. As principais indicações de MAPA são: - Suspeita de hipertensão do consultório ou do avental branco; - Suspeita de episódios de hipotensão arterial sintomática. Avaliação da eficácia da terapêutica: - Quando a PA casual permanecer elevada, apesar da otimização do tratamento anti-hipertensivo para diagnóstico de hipertensão arterial resistente ou efeito do avental branco; - Quando a PA casual estiver controlada e houver indícios da persistência ou da progressão de lesão de órgãos-alvo. A seguir, observe o fluxograma para diagnóstico de HAS no segmento ambulatorial.
CARDIOLOGIA
HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA
Figura 2 - Avaliação de normotensos com lesão de órgãos-alvo
A seguir, os procedimentos adequados para a aferição da PA (Tabela 1). Tabela 1 - Metodologia correta para aferição da PA Preparo do paciente para medida da pressão arterial 1 - Explicar o procedimento ao paciente. 2 - Oferecer repouso de, pelo menos, 5 minutos em ambiente calmo. 3 - Evitar bexiga cheia. 4 - Não praticar exercícios físicos 60 a 90 minutos antes. 5 - Não ingerir bebidas alcoólicas, café ou alimentos e não fumar 30 minutos antes. 6 - Manter pernas descruzadas, pés apoiados no chão e dorso recostado na cadeira e permanecer relaxado. 7 - Remover roupas do braço no qual será colocado o manguito. 8 - Posicionar o braço na altura do coração (nível do ponto médio do esterno ou 4ª espaço intercostal), apoiado, com a palma da mão voltada para cima e o cotovelo ligeiramente fletido. 9 - Solicitar para que não fale durante a medida.
Procedimento de medida da pressão arterial 1 - Medir a circunferência do braço do paciente. 2 - Selecionar o manguito de tamanho adequado ao braço. 3 - Colocar o manguito sem deixar folgas, cerca de 2 a 3cm acima da fossa cubital. 4 - Centralizar o meio da parte compressiva do manguito sobre a artéria braquial. 5 - Estimar o nível da pressão sistólica (palpar o pulso radial e inflar o manguito até o seu desaparecimento, desinflar rapidamente e aguardar 1 minuto antes da medida). 6 - Palpar a artéria braquial na fossa cubital e colocar a campânula do estetoscópio sem compressão excessiva. 7 - Inflar rapidamente até ultrapassar de 20 a 30mmHg o nível estimado da pressão sistólica. 8 - Proceder à deflação lentamente (velocidade de 2 a 4mmHg/s). 9 - Determinar a pressão sistólica na ausculta do 1º som (fase I de Korotkoff), que é um som fraco seguido de batidas regulares, e, posteriormente, aumentar ligeiramente a velocidade de deflação.
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CARD I O LOG I A Procedimento de medida da pressão arterial 10 - Determinar a pressão diastólica no desaparecimento do som (fase V de Korotkoff). 11 - Auscultar cerca de 20 a 30mmHg abaixo do último som para confirmar seu desaparecimento e depois proceder à deflação rápida e completa. 12 - Se os batimentos persistirem até o nível zero, determinar a pressão diastólica no abafamento dos sons (fase IV de Korotkoff) e anotar valores da sistólica/diastólica/zero. 13 - Esperar de 1 a 2 minutos antes de novas medidas. 14 - Informar os valores de pressão arterial obtidos para o paciente. 15 - Anotar os valores e o membro.
A partir dos valores encontrados, deve-se orientar o paciente para nova aferição e avaliação clínica, conforme a Tabela 2.
Sistólica <130
<85
Reavaliar em 1 ano. Estimular mudanças no estilo de vida.
130 a 139
85 a 89
Reavaliar em 6 meses. Insistir em mudanças no estilo de vida.
140 a 159
90 a 99
Confirmar em 2 meses. Considerar MAPA/MRPA.
160 a 179
100 a 109
Confirmar em 1 mês. Considerar MAPA/MRPA.
≥110
Realizar intervenção medicamentosa imediata ou reavaliar em 1 semana.
≥180
De acordo com o valor pressórico encontrado, o paciente é classificado por estágios da HAS, conforme a Tabela 3. Tabela 3 - Classificação da PA, de acordo com a medida casual em consultório (>18 anos) Pressão sistólica (mmHg)
Pressão diastólica (mmHg)
Ótima
<120
<80
Normal
<130
<85
130 a 139
85 a 89
Classificação
Limítrofe Hipertensão
Estágio 1
140 a 159
90 a 99
Estágio 2
160 a 179
100 a 109
Estágio 3
≥180
≥110
Estágio 4
≥140
<90
5. Classificação - Essencial: não tem causa identificada; corresponde à
grande maioria dos casos; - Secundária: representa de 5 a 10% dos casos, em que uma causa secundária é associada à gênese da hipertensão. Muitas vezes, essas causas são curáveis, resolvendo a HAS;
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6. Avaliação A análise de exames gerais do paciente recém-diagnosticado permite uma melhor compreensão do contexto da HAS (Tabela 4). Tabela 4 - Avaliação laboratorial do paciente com HAS Avaliação inicial de rotina para hipertenso - Análise de urina; - Creatinina plasmática*;
Seguimento
Diastólica
rápida da função renal, exsudatos ou hemorragias no exame do fundo do olho, sem papiledema; - Maligna: hipertensão acentuada com papiledema e necrose fibrinoide da camada íntima das pequenas artérias; - Complicada: HAS associada à lesão de órgãos-alvo: AVE, ICC, IRC, IAM e aneurismas.
- Potássio plasmático;
Tabela 2 - Recomendações para reavaliação da PA Pressão arterial inicial (mmHg)
- Acelerada: hipertensão acentuada, associada a perda
- Glicemia de jejum; - Colesterol total, HDL e triglicérides plasmáticos**; - Ácido úrico plasmático; - Eletrocardiograma convencional; - Pacientes hipertensos diabéticos, hipertensos com síndrome metabólica e hipertensos com 3 ou mais fatores de risco: recomenda-se pesquisa de microalbuminúria – índice albumina/ creatinina em amostra isolada de urina (mg de albumina/g de creatinina ou mg de albumina/mmol de creatinina); - Normal <30mg/g ou <2,5mg/mmol; - Microalbuminúria: de 30 a 300mg/g ou de 2,5 a 25mg/mmol; - Pacientes com glicemia de jejum entre 100 e 125mg/dL: recomenda-se determinar a glicemia 2 horas após sobrecarga oral de glicose (75g); - Em hipertensos estágios 1 e 2 sem hipertrofia ventricular esquerda ao ECG, mas com 3 ou mais fatores de risco, considerar o ecocardiograma para a detecção de hipertrofia ventricular esquerda; - Para hipertensos com suspeita clínica de insuficiência cardíaca, considerar o ecocardiograma para a avaliação das funções sistólica e diastólica. * Calcular a Taxa de Filtração Glomerular Estimada (TFGE) pela fórmula de Cockroft-Gault 57: TFGE (mL/min) = (140 - idade) x peso (kg) / creatinina plasmática (mg/dL) x 72 para homens; para mulheres, multiplicar o resultado por 0,85. Interpretação: função renal normal: >90mL/min; disfunção renal leve: 60 a 90mL/min; disfunção renal moderada: 30 a 60mL/min e disfunção renal grave: <30mL/min. ** O LDL-c é calculado pela fórmula: LDL-c = colesterol total - HDL-c – triglicérides/5 (quando a dosagem de triglicérides for abaixo de 400mg/dL).
Estabelecido o diagnóstico de HAS, a avaliação do paciente deve ser focada em 3 aspectos: 1 - Estratificação de risco de doença cardiovascular: a estratificação de risco de pacientes com HAS é feita considerando os níveis pressóricos, a presença de fatores de
HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA
3 - Determinação da probabilidade de causa secundária: deve-se suspeitar de hipertensão de causa secundária nos casos de início precoce (antes dos 30 anos), tardio (após os 50 anos), ausência de história familiar, descontrole inesperado da PA e hipertensão refratária. Outros sinais podem estar presentes e estão listados na Tabela 6. Tabela 6 - Indícios de HAS secundária - Início da hipertensão antes dos 30 anos ou após os 50 anos; - Hipertensão arterial grave (estágio 3) e/ou resistente à terapia; - Tríade do feocromocitoma: palpitações, sudorese e cefaleia em crises; - Uso de medicamentos e drogas que possam elevar a pressão arterial; - Fácies ou biótipo de doença que cursa com hipertensão: doença renal, hipertireoidismo, acromegalia e síndrome de Cushing; - Presença de massas ou de sopros abdominais; - Assimetria de pulsos femorais; - Aumento da creatinina sérica ou taxa de filtração glomerular estimada diminuída; - Hipopotassemia espontânea; - Exame de urina anormal (proteinúria ou hematúria); - Sintomas de apneia durante o sono.
Figura 3 - Acometimento de órgãos-alvo na doença hipertensiva Tabela 5 - Componentes para a estratificação do risco individual dos pacientes Identificação dos fatores de risco cardiovasculares - Fatores de risco maiores: · Tabagismo; · Dislipidemias; · DM; · Nefropatia; · Idade acima de 60 anos; - História familiar de doença cardiovascular em: · Mulheres com menos de 65 anos; · Homens com menos de 55 anos. Lesões em órgãos-alvo e doenças cardiovasculares - Doenças cardíacas: · Hipertrofia do ventrículo esquerdo; · Angina ou infarto agudo do miocárdio prévio; · Revascularização miocárdica prévia; · Insuficiência cardíaca. - Episódio isquêmico ou acidente vascular cerebral; - Nefropatia; - Doença vascular arterial de extremidades; - Retinopatia hipertensiva; - Demência vascular.
2 - Avaliação complementar – seus objetivos são: - Confirmar o diagnóstico de HAS; - Avaliar lesões de órgãos-alvo; - Identificar fatores de risco para doenças cardiovasculares; - Diagnosticar doenças associadas à HAS; - Diagnosticar causas secundárias.
São causas de HAS secundária: - Uso de estrogênios: mais comum em mulheres acima dos 35 anos. Em geral, a PA retorna ao normal algumas semanas após a suspensão da medicação; - Doença renal: causa mais comum de HAS secundária, pode ser resultado de doença glomerular, tubular, doença policística ou nefropatia diabética; - Doença renovascular: representa de 1 a 2% dos pacientes hipertensos. Em jovens, a causa mais comum é a displasia fibromuscular. No restante, deve-se à doença aterosclerótica da porção proximal das artérias renais; pode ser uni ou bilateral (25% dos casos – Figura 4).
Figura 4 - Hipertensão arterial sistêmica renovascular por estenose bilateral de artérias renais
Deve-se suspeitar de doença renovascular em casos de início precoce (antes dos 30 anos), tardio (após 50 anos), presença de sopro abdominal (epigástrico), presença de in-
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CARDIOLOGIA
risco para doença cardiovascular e a lesão de órgãos-alvo (Figura 3), conforme a Tabela 5. A partir da estratificação, estabelece-se a abordagem terapêutica.
CARD I O LOG I A suficiência arterial periférica e piora de função renal com inibidores da enzima de conversão. O exame de eleição para o diagnóstico é a arteriografia; testes não invasivos, como a ultrassonografia com Doppler de artérias renais, cintilografia renal com DTPA (com ou sem teste do captopril) e a angiorressonância também podem ser utilizados. Para a doença fibromuscular, o tratamento de escolha é a angioplastia com stent. Na doença aterosclerótica, grande parte dos indivíduos permanece hipertensa, mesmo após restauração do fluxo renal; a angioplastia é indicada apenas quando há hipertensão refratária ou perda de função renal. - Feocromocitoma: caracteristicamente, apresenta-se de forma episódica e se acompanha de intensos sinais de ativação adrenérgica; - Hiperaldosteronismo primário: geralmente, por adenoma de suprarrenal ou hiperplasia; deve-se suspeitar na presença de hipocalemia e baixo nível de renina plasmática. Antes considerado causa rara de hipertensão, alguns acreditam ser a principal causa de hipertensão secundária atualmente. Outros distúrbios endócrinos, como a síndrome de Cushing, a acromegalia, o hipertireoidismo e o hipotireoidismo também podem iniciar sua apresentação com HAS. A coarctação da aorta é uma situação rara em adultos. E a HAS associada a gestação também caracteriza uma forma secundária de hipertensão.
7. Tratamento A decisão terapêutica considera, além de valores pressóricos, outros fatores, como a presença de lesão em órgãos-alvo e fatores de risco maiores associados a doenças cardiovasculares. A estratégia terapêutica, assim como as metas pressóricas a serem atingidas, é determinada pela estratificação de risco cardiovascular do paciente, como descrito na Tabela 7. Tabela 7 - Estratificação de risco individual do paciente hipertenso Risco cardiovascular adicional de acordo com os níveis da pressão arterial e a presença de fatores de risco, lesões de órgãos-alvo e doença cardiovascular Fatores de risco Pressão arterial Hiperten- Hiperten- HipertenNor- Limítrosão são são mal fe estágio 1 estágio 2 estágio 3 Sem fator Sem risco adi- Risco Risco Risco alto de risco cional baixo médio Risco 1 a 2 fato- Risco Risco Risco Risco muito res de risco baixo baixo médio médio alto 3 ou mais fatores de Risco Risco risco ou Risco méRisco alto Risco alto muito lesão de alto dio alto órgãos-alvo ou DM Doença Risco Risco Risco Risco Risco muicardiovasmuito muito muito alto to alto cular alto alto alto
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Tabela 8 - Identificação de fatores de risco associados a lesões em órgãos-alvo - Hipertrofia do ventrículo esquerdo; - Angina do peito ou infarto agudo do miocárdio prévio; - Revascularização miocárdica prévia; - Insuficiência cardíaca; - Acidente vascular cerebral; - Isquemia cerebral transitória; - Alterações cognitivas ou demência vascular; - Nefropatia; - Doença vascular arterial de extremidades; - Retinopatia hipertensiva. - A pacientes com 3 ou mais fatores de risco cardiovascular, considerar marcadores mais precoces da lesão de órgãos-alvo, como: · Microalbuminúria (índice albumina/creatinina em amostra isolada de urina); · Parâmetros ecocardiográficos: remodelação ventricular, função sistólica e diastólica; · Espessura do complexo íntimo-média da carótida (ultrassom vascular); · Rigidez arterial; · Função endotelial.
Após a classificação do risco de evento cardiovascular do hipertenso, é necessário determinar metas pressóricas a serem atingidas com o tratamento da HAS. Tabela 9 - Metas terapêuticas do paciente hipertenso Metas de valores da pressão a serem obtidas com o tratamento Meta (no mínimo)
Categorias Hipertensos estágios 1 e 2 com risco cardiovascular baixo e médio
<140x90mmHg
Hipertensos e limítrofes com risco cardiovascular alto Hipertensos e limítrofes com risco cardiovascular muito alto, ou com 3 ou mais fatores de risco
130x80mmHg
Diabetes mellitus Síndrome metabólica ou lesão de órgão-alvo Hipertensos nefropatas com proteinúria >1g/L
Após a classificação do risco cardiovascular e da definição de metas terapêuticas do paciente hipertenso, é necessária a indicação da estratégia terapêutica (Tabela 10). Tabela 10 - Estratégia terapêutica para o paciente hipertenso, a partir do seu risco cardiovascular Decisão terapêutica da hipertensão arterial segundo o risco cardiovascular Categoria de risco Sem risco adicional
Estratégia Tratamento não medicamentoso isolado
HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA
Estratégia
Risco baixo
Tratamento não medicamentoso isolado por até 6 meses. Se não atingir a meta, associar tratamento medicamentoso.
Risco médio, alto ou muito alto
Tratamento não medicamentoso + medicamentoso.
Inicia-se sempre o tratamento com medidas não farmacológicas como orientação dietética (Dieta DASH – Diet Approach to Stop Hypertension) e estímulo à atividade física. Essas modificações nos hábitos de vida são mais eficientes em se tratando de casos leves e moderados.
Tabela 12 - Mudanças nos hábitos de vida e seus impactos nos valores da PA Modificação
Recomendação
Redução aproximada na PAS
Controle de peso
Manter o peso do corpo na faixa normal (índice de massa corporal entre 18,5 e 24,9kg/m2).
5 a 20mmHg para cada 10kg de peso reduzido
Padrão alimentar
Consumir dieta rica em frutas e vegetais e alimentos com baixa densidade calórica e baixo teor de gorduras saturadas e totais.
8 a 14mmHg
Redução de consumo de sal
Reduzir a ingestão de sódio para não mais de 100mmol/dia = 2,4g de sódio (6g de sal/dia = 4 colheres de café rasas de sal = 4g + 2g de sal próprio dos alimentos).
2 a 8mmHg
Moderação no consumo de álcool
Limitar o consumo a 30g/ dia de etanol para os homens e 15g/dia para mulheres.
2 a 4mmHg
Exercício físico
Habituar-se à prática regular de atividade física aeróbica, como caminhadas por pelo menos 30 minutos por dia, 3 a 5 vezes/semana.
4 a 9mmHg
Tabela 11 - Dieta DASH - Escolher alimentos que possuam pouca gordura saturada, colesterol e gordura total. Por exemplo, carne magra, aves e peixes, utilizando-os em pequena quantidade; - Comer muitas frutas e hortaliças, aproximadamente de 8 a 10 porções/dia (1 porção = 1 concha média); - Incluir 2 ou 3 porções de laticínios desnatados ou semidesnatados por dia; - Preferir os alimentos integrais, como pão, cereais e massas integrais ou de trigo integral; - Comer oleaginosas (castanhas), sementes e grãos, de 4 a 5 porções/semana (1 porção = 1/3 de xícara ou 40g de castanhas, 2 colheres de sopa ou 14g de sementes, ou 1/2 xícara de feijões ou ervilhas cozidas e secas; - Reduzir a adição de gorduras. Utilizar margarina light e óleos vegetais insaturados (como, azeite, soja, milho, canola); - Evitar a adição de sal aos alimentos. Evitar, também, molhos e caldos prontos, além de produtos industrializados; - Diminuir ou evitar o consumo de doces e bebidas com açúcar.
As principais medidas são restrição de sal, controle do peso, restrição de álcool, restrição ao tabagismo, suplementação de Ca, K, Mg e prescrição de atividade física. Após tais orientações, há a prescrição de medicação, lembrando que o controle dos níveis pressóricos deve ser mais rigoroso nos diabéticos, coronariopatas e pacientes com hipertrofia ventricular esquerda, pois estes têm maior risco de progressão para lesão de órgãos-alvo. Hipertensos com excesso de peso devem ser incluídos em programas de emagrecimento com restrição da ingestão calórica e aumento de atividade física. A meta é alcançar índice de massa corporal inferior a 25kg/m2 e circunferência da cintura inferior a 102cm para homens e 88cm para mulheres, embora a diminuição de 5 a 10% do peso corporal inicial já seja suficiente para reduzir a pressão arterial sistólica em hipertensos leves. A seguir, as medidas de mudança do estilo de vida e seu impacto sobre os valores pressóricos (Tabela 12).
8. Tratamento farmacológico O objetivo do tratamento de HAS é, prioritariamente, reduzir a morbidade e a mortalidade por doenças cardiovasculares. O anti-hipertensivo ideal deve apresentar características como tratamento em dose única, baixo custo e poucos efeitos colaterais. Infelizmente, não há, até agora, droga para monoterapia com todas as características do medicamento ideal. Algumas classes específicas de drogas têm indicação preferencial em determinados pacientes por adicionarem benefícios ao controle e à evolução de outras doenças associadas. Tabela 13 - Forte indicação para escolha terapêutica da HAS Situação clínica
Medicamento
DM tipo 1 com proteinúria
IECA
DM tipo 2
IECA – inibidor AT2
ICC
IECA, beta-bloqueador e diuréticos
Pós-IAM
Beta-bloqueador e IECA
HAS sistólica isolada (idosos)
Diuréticos e bloqueadores de canais de cálcio
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CARDIOLOGIA
Categoria de risco
CARD I O LOG I A Tabela 14 - Escolha terapêutica preferencial em situações especiais Negros
Diuréticos / bloqueadores de canais de cálcio
Idosos
Diurético + betabloqueador, bloqueadores de canais de cálcio, IECA e BRA
Gestantes
Alfa-metildopa, bloqueio de canais de cálcio, betabloqueadores
As classes disponíveis para tratamento são:
A - Diuréticos São drogas seguras, de baixo custo, amplamente utilizadas e aparentam melhor efeito em negros e idosos. São recomendadas como 1ª escolha para monoterapia ou associação a outra categoria de drogas e podem ter benefício adicional em ICC e IRC. Os efeitos colaterais mais comuns são hiperuricemia, hiperglicemia, aumento de LDL, rash cutâneo, hipocalemia e impotência. Drogas que pertencem a tal grupo são a furosemida, a hidroclorotiazida e a clortalidona.
B - Beta-bloqueadores Mais utilizados em jovens, trazem benefício adicional a pacientes com angina estável, infarto agudo prévio, manifestações somáticas de ansiedade, enxaqueca e IC (apenas para carvedilol, bisoprolol e metoprolol). Associados a vasodilatadores, evitam a taquicardia reflexa. Devem ser usados com cautela em casos de diabetes, dislipidemias, bloqueios atrioventriculares e doença pulmonar obstrutiva. Seus efeitos colaterais mais comuns são fadiga, indisposição, depressão, broncoespasmo, bradiarritmias, insônia, impotência sexual, hipertrigliceridemia, hiperglicemia, descompensação de IC e de insuficiência arterial periférica. Também bloqueiam a resposta fisiológica à hipoglicemia e retardam a neoglicogênese, podendo mascarar os sinais clínicos da hipoglicemia. São drogas deste grupo o propranolol, o atenolol, o carvedilol e o metoprolol.
C - Bloqueadores de canal de cálcio Têm boa indicação para coronariopatas, com efeito melhor em negros e idosos, principalmente para controle da hipertensão leve e moderada. Nifedipina, amlodipina, verapamil e diltiazem pertencem a tal grupo.
eventos mórbidos. Drogas de escolha na IC e na disfunção ventricular assintomática, não alteram a glicemia e o perfil lipídico, sendo bem tolerados durante o uso. Podem desencadear tosse seca, angioedema, elevação transitória da ureia e da creatinina (em especial na presença de estenose bilateral das artérias renais). Drogas como captopril, enalapril, lisinopril e ramipril têm essa ação.
E - Inibidores de receptor de angiotensina II Há evidências de que possam reduzir risco cardiovascular em indivíduos hipertensos, diabéticos e com insuficiência cardíaca. Seu custo mais elevado e efeito protetor semelhante limitam seu uso a pacientes que desenvolvem tosse com IECA. No entanto, parece haver menor incidência de efeitos colaterais. Drogas como losartana, candesartana e irbesartana pertencem a este grupo.
F - Agentes de ação simpatolítica central Metildopa e clonidina têm seu uso reduzido para a hipertensão severa, não controlada com as outras categorias de drogas. Agem estimulando os adrenorreceptores centrais, diminuindo o fluxo simpático e gerando vasodilatação e redução da frequência cardíaca. Há baixa adesão de tratamento devido aos efeitos colaterais (impotência sexual, depressão, anemia hemolítica e teste de Coombs positivo) e ao risco de hipertensão rebote quando o uso é interrompido abruptamente.
G - Vasodilatadores arteriolares diretos Seus principais representantes são a hidralazina e o minoxidil. Podem causar taquicardia reflexa e, quando suspensos, produzir hipertensão rebote. São utilizados na hipertensão de difícil controle, principalmente quando em associação à alteração renal. A seguir, são listados efeitos benéficos do uso de determinadas classes de medicações no controle de outras doenças associadas (Tabela 15), assim como efeitos indesejáveis em algumas associações (Tabela 16). Tabela 15 - Possível efeito benéfico adjacente para nortear escolha terapêutica Situação clínica
Medicamento
D - Inibidores da Enzima Conversora de Angiotensina (IECA)
Angina
Beta-bloqueador e bloqueador de cálcio IECA
São pouco eficazes em negros, mas têm sua eficácia melhorada quando associada ao diurético. São os agentes de escolha em pacientes com DM tipo 1 com microalbuminúria ou proteinúria, assim como disfunção renal. Há indicação, também, para pacientes com DM tipo 2 e alteração renal. Em pacientes com alto risco de eventos cardiovasculares, são capazes de reduzir a mortalidade e o número de
Doença aterosclerótica Fibrilação atrial
Beta-bloqueador
Tremor essencial
Beta-bloqueador
Enxaqueca
Beta-bloqueador e bloqueador de cálcio
Osteoporose
Tiazídicos
Prostatismo
Bloqueador alfa (prazosina)
IRC
IECA – inibidor AT2
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HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA
Tabela 16 - Provável efeito indesejável da escolha terapêutica
Posologia
Medicamento
Medicamentos
Broncoespasmo
Beta-bloqueador
Depressão
Beta-bloqueador e agonista alfa central
Gota
Diurético
Anlodipino
Bloqueio atrioventricular
Beta-bloqueador e bloqueador de canal de cálcio (não diidropiridínico) Alfa-bloqueador, bloqueador de canal de cálcio e beta-bloqueador
ICC Doença vascular periférica
Beta-bloqueador
Gravidez
IECA e inibidor AT2
IRC
Agentes poupadores de K
Doença renovascular bilateral
IECA e inibidor AT2
Bloqueadores de receptor AT1 Figura 5 - Algoritmo geral: tratamento da hipertensão Tabela 17 - Drogas para HAS e suas doses terapêuticas Posologia
Medicamentos
Número de tomadas/ Mínima Máxima dia
Clortalidona
12,5
25
Hidroclorotiazida
12,5
25
1
Indapamida
2,5
5
1
Indapamida SR
1,5
5
1
Bumetanida
0,5
-
1a2
Furosemida
20
-
1a2
Piretanida
6
12
1
Poupadores de potássio
Amilorida
2,5
10
1
Espironolactona
25
100
1a2
Triantereno
50
100
1
Benzotiazepinas
Diltiazem AP, SR ou CD
180
480
1a2
Tiazídicos (diuréticos)
Alça
1
2,5
10
1
Felodipino
5
20
1a2
Isradipina
2,5
20
2
Lacidipino
2
8
1
Diidropiri- Lercarnidipino dinas Manidipino
Inibidores da ECA
Inibidor direto da renina
10
30
1
10
20
1
Nifedipino Oros
30
60
1
Nifedipino Retard
20
60
2a3
Nisoldipino
5
40
1a2
Nitrendipino
10
40
2a3
Benazepril
5
20
1
Captopril
25
150
2a3
Cilazapril
2,5
5
1
Delapril
15
30
1a2
Enalapril
5
40
1a2
Fosinopril
10
20
1
Lisinopril
5
20
1
Perindopril
4
8
1
Quinapril
10
20
1
Ramipril
2,5
10
1
Trandolapril
2
4
1
Candesartana
8
32
1
Irbesartana
150
300
1
Losartana
25
100
1
Olmesartana
20
40
1
Telmisartana
40
160
1
Valsartana
80
320
1
Alisquireno
150
300
1
Alfametildopa
500
1.500
2a3
Clonidina
0,2
0,6
2a3
4
12
2a3
0,2
0,6
1
1
2
1
12,5
25
1a2
Atenolol
25
100
1a2
Bisoprolol
2,5
10
1a2
Carvedilol
Inibidores adrenérgi- Guanabenzo cos (ação Moxonidina central) Rilmenidina Reserpina
Inibidores adrenérgicos (beta-bloqueadores)
Número de toMínima Máxima madas/ dia
12,5
50
1a2
Metoprolol e metoprolol (ZOK)
50
200
1a2
Nadolol
40
120
1
Nebivolol
5
10
1
40/80
240/160
2 a 3/1 a2
10
40
1a2
Propranolol/propranolol (LA) Pindolol
27
CARDIOLOGIA
Situação clínica
CARD I O LOG I A
Medicamentos Inibidores adrenérgicos (alfa-bloqueadores)
Doxazosina
Vasodilatadores diretos
Número de toMínima Máxima madas/ dia 1 16 1
Cardiovasculares
Posologia
- Edema agudo de pulmão; - Síndromes coronarianas agudas. Crises adrenérgicas graves - Crise de feocromocitoma;
Prazosina
1
20
2a3
Prazosina XL
4
8
1
Terazosina
1
20
1a2
- Eclâmpsia;
Hidralazina
50
150
2a3
- Hipertensão maligna e acelerada (considerar emergência).
Minoxidil
2,5
80
2a3
Bloqueadores dos canais Verapamil Retard de cálcio (fenilalquilaminas)
- Ingestão de cocaína e catecolaminérgicos. Associadas à gestação
Urgências hipertensivas Hipertensão associada a - Insuficiência coronariana crônica;
120
480
1a2
9. Hipertensão arterial resistente Quando o paciente aderente ao tratamento não responde à terapia combinada de 3 classes diferentes (obrigatoriamente uma delas é um diurético) fica caracterizada a hipertensão resistente. Nesta condição, devem-se buscar causas que determinem este comportamento como obesidade, consumo excessivo de álcool, apneia do sono e causas secundárias de hipertensão. Na ausência destes fatores de refratariedade, a associação de espironolactona e simpatolíticos centrais e beta-bloqueadores é recomendada.
10. Emergência hipertensiva As emergências caracterizam-se pela presença de sofrimento tecidual de órgãos-alvo, com iminente risco de vida ao paciente, em geral, mas não necessariamente associado a altos níveis pressóricos. É o caso da encefalopatia hipertensiva, da cardiopatia isquêmica, do edema agudo de pulmão, da dissecção de aorta e do AVC. São situações de gravidade clínica acentuada, e o tratamento deve acontecer no ambiente da sala de emergência ou da terapia intensiva com infusão de drogas intravenosas, como o nitroprussiato de sódio.
- Insuficiência cardíaca; - Aneurisma de aorta; - AVCI (prévio); - Glomerulonefrites agudas; - Pré-eclâmpsia.
As urgências hipertensivas caracterizam-se por níveis pressóricos elevados, geralmente com níveis de PA sistólica >200mmHg e/ou PA diastólica >120mmHg, sem sinais evidentes de lesão de órgãos-alvo ou piora de lesão prévia. As drogas podem ser administradas via oral, e utilizam-se benzodiazepínicos para ansiedade e analgésicos para dor. Caso não haja controle da PA com essas medidas, podem-se utilizar bloqueadores de canais de cálcio, beta-bloqueadores, diuréticos de alça e inibidores da ECA. A seguir, um breve relato a respeito de algumas patologias.
A - Dissecção aguda de aorta A dissecção de aorta é classificada em tipo A, se envolve a aorta ascendente, e tipo B, se não a envolve. Em geral, as dissecções proximais (tipo A) acontecem em indivíduos com anormalidades do colágeno (por exemplo, síndrome de Marfan), e as dissecções distais (tipo B) em indivíduos com HAS de longa data. As dissecções tipo A respondem melhor ao tratamento cirúrgico, enquanto as do tipo B ao tratamento clínico, embora ambas devam ser estabilizadas com tratamento clínico emergencial.
Tabela 18 - Principais causas de emergências e urgências hipertensivas Emergências hipertensivas Neurológicas - Encefalopatia hipertensiva; - Hemorragia intraparenquimatosa; - Hemorragia subaracnóidea. Cardiovasculares - Dissecção aguda de aorta; - Infarto agudo do miocárdio;
28
Figura 6 - Dissecções de aorta; (A) ascendente e (B) descendente
O quadro clínico manifesta-se por dor torácica severa, de início agudo, quase sempre anterior (retroesternal), irradiando-se frequentemente para o dorso (interescapular, inicialmente) e algumas vezes para o abdome, acompanhada de sintomas adrenérgicos. Essa apresentação ocorre em 90% dos casos e se deve à dissecção propriamente dita. Complicações da dissecção podem produzir outros sintomas, como síncope, sintomas neurológicos focais, sinais de isquemia em outros órgãos, insuficiência cardíaca, tamponamento cardíaco e paraplegia. Ao exame físico, o paciente parece estar em choque, mas a PA quase sempre está elevada. Os pulsos podem apresentar-se assimétricos, e a PA medida em ambos os braços pode apresentar diferença significativa. É possível ouvir sopro de regurgitação aórtica, podendo-se encontrar sinais de tamponamento cardíaco e derrame pleural. O ECG pode mostrar sinais de hipertrofia ventricular esquerda decorrente da HAS crônica, ser normal ou, eventualmente, mostrar isquemia miocárdica aguda, predominantemente nas derivações inferiores, quando a dissecção envolve o óstio coronariano direito. Já a radiografia de tórax pode mostrar um alargamento de mediastino e um contorno aórtico anormal; é possível encontrar, ainda, sinais de derrame pericárdico e pleural. O exame normal não afasta o diagnóstico. O diagnóstico final pode ser obtido com a angiotomografia de tórax ou o ecocardiograma transesofágico (sensibilidade de 98%), eventualmente, com ressonância ou angiografia. O ecocardiograma transtorácico também pode ser usado, porém apresenta uma sensibilidade menor (75% para dissecções do tipo A e apenas 40% para dissecções do tipo B). Para pacientes instáveis, deve-se utilizar o ecocardiograma transtorácico e, se não diagnosticada a dissecção, o transesofágico. O principal fator que determina o risco de dissecção, a progressão da dissecção e suas complicações, além da pressão arterial, é o ritmo de aumento da onda de pulso aórtico (dP/dT – variações da pressão em relação ao tempo), que tem, como principais determinantes, a amplitude da pressão de pulso e a Frequência Cardíaca (FC). Assim, o tratamento clínico deve incluir, simultaneamente, a redução da PA sistólica (para próximo de 100 a 110mmHg) e a do fluxo aórtico pulsátil (dP/dT), o que pode ser obtido com um anti-hipertensivo de ação rápida, como o nitroprussiato de sódio, e de um beta-bloqueador parenteral, como o propranolol ou o metoprolol, para atingir uma FC = 60bpm. É importante lembrar que o beta-bloqueador associado a vasodilatador é imprescindível, uma vez que o uso de um vasodilatador isoladamente pode levar a uma taquicardia reflexa aumentando a dP/dT e produzindo resultados deletérios ao paciente. O propranolol pode ser usado
na dose de 0,15mg/kg, iniciando-se com 1 a 2mg IV em 5 minutos, e repetindo-se a dose conforme necessário. Pode-se utilizar o metoprolol (Seloken®), iniciando-se com 5mg a cada 3 a 5 minutos para atingir a FC necessária (em geral, 15mg). É importante lembrar o alívio da dor, que pode ser alcançado com morfina, em doses de 3 a 6mg IV, até atingir analgesia adequada.
B - Encefalopatia hipertensiva O fluxo sanguíneo cerebral é autorregulado dentro de limites específicos. Em indivíduos normotensos, o fluxo sanguíneo cerebral permanece constante entre PA média (PAm) de 60mmHg a 120mmHg. Quando a PAm ultrapassa o limite superior da capacidade de autorregulação do fluxo sanguíneo, há a hiperperfusão cerebral, levando a uma disfunção endotelial, quebra da barreira hematoencefálica com aumento da permeabilidade, edema cerebral e micro-hemorragias. Em indivíduos normotensos, sinais de encefalopatia podem ocorrer com PA tão baixa quanto 160x100mmHg, enquanto indivíduos com HAS de longa data, por terem sua curva de autorregulação desviada para a direita, podem não apresentar sinais e sintomas de encefalopatia com PAs = 220x110mmHg ou maiores. A encefalopatia hipertensiva pode ser definida como uma síndrome cerebral orgânica aguda que resulta da falência do limite superior da autorregulação vascular cerebral. Clinicamente, caracteriza-se por início agudo ou subagudo de letargia, confusão, cefaleia, distúrbios visuais (incluindo amaurose) e convulsões (podem ser focais, generalizadas ou focais com generalização). Em geral, a encefalopatia está associada à HAS não tratada ou subtratada. Uma série de outras circunstâncias pode estar associada à hipertensão arterial, como doença renal, terapia imunossupressora, uso de eritropoetina e Púrpura Trombocitopênica Trombótica (PTT) ou eclâmpsia. O fundo de olho é obrigatório, devendo-se procurar por papiledema, hemorragias e exsudatos. Deve-se realizar TC de crânio para diagnóstico diferencial com AVC. Em geral, a encefalopatia hipertensiva não produz sintomas neurológicos focais, ao contrário dos AVCs isquêmicos e hemorrágicos. O tratamento pode ser realizado com nitroprussiato de sódio e anticonvulsivantes (fenitoína ou benzodiazepínicos), em caso de convulsões. Na 1ª hora de tratamento, o objetivo é reduzir de cerca de 20% a PAm ou uma PA diastólica de 100mmHg (atingindo o valor mais alto dessas 2 opções). Deve-se ter muito cuidado com hipertensos de longa data e idosos, em quem uma redução abrupta da PA pode causar isquemia cerebral por redução significativa do fluxo sanguíneo cerebral. Em caso de piora do estado neurológico, deve-se suspender ou reduzir a infusão do anti-hipertensivo.
29
CARDIOLOGIA
HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA
CARD I O LOG I A C - Hipertensão maligna A hipertensão maligna caracteriza-se por necrose fibrinoide das arteríolas e proliferação miointimal das pequenas artérias, manifestadas por neurorretinopatia e doença renal. É uma doença incomum nos dias de hoje, ocorrendo em, aproximadamente, 1% dos hipertensos. Sua mortalidade, se não tratada adequadamente, chega a 90% em 1 ano. Clinicamente, caracteriza-se por hipertensão e alterações de fundo de olho (retinopatia graus III e IV de Keith-Wagener), especialmente o papiledema (grau IV). Além disso, pode haver:
- Sintomas gerais: astenia, mal-estar, fadiga e perda de peso são muito frequentes; - Sintomas cardiovasculares: ICC (apresentação inicial em 11% dos pacientes) e doença coronariana; - Sintomas neurológicos: cefaleia, tontura, encefalopatia hipertensiva e AVCs. O envolvimento renal é comum, varia em gravidade e pode variar de proteinúria não nefrótica a franca perda de função renal. Há creatinina acima de 2,3mg/dL em 31% dos pacientes na apresentação. O tratamento da hipertensão maligna deve ser realizado prontamente, entretanto pode variar na dependência da forma de apresentação. Assim, em pacientes com hipertensão maligna não complicada (sintomas gerais, como papiledema, mas sem grande perda de função renal ou sintomas cardiovasculares ou neurológicos importantes), pode-se considerá-la uma urgência hipertensiva, e a redução da PA é possível mais lentamente ao longo de 24 a 48h, com anti-hipertensivos via oral. Contudo, se a hipertensão maligna é complicada por outras emergências como insuficiência coronariana aguda, edema agudo de pulmão ou encefalopatia hipertensiva, deve-se considerá-la uma verdadeira emergência hipertensiva e devem-se usar medicações parenterais, como o nitroprussiato de sódio, com o cuidado de não reduzir excessiva e abruptamente a PA. Deve-se estar atento, ainda, ao balanço hidroeletrolítico e à função renal, pois a depleção volêmica é muito comum entre esses pacientes. Tabela 19 - Achados de história e exame físico das diferentes emergências hipertensivas Emergência hipertensiva
Anamnese
Exame físico
Comentários
Edema agudo de pulmão
- Estertores pulmonares; - Paciente angustiado e com dificul- Baixa saturação de oxigênio; dade para falar; - B3 e/ou B4; - Geralmente, já apresenta algum - Pode ter estase de jugulares grau de disfunção ventricular. (não é obrigatório).
- Às vezes, podem ocorrer sibilos importantes, deixando dúvidas com o diagnóstico diferencial de asma.
Síndrome Coronariana Aguda (SCA)
- Dor ou sensação de opressão precordial; - Pode ser acompanhada de náuseas, dispneia e sudorese fria.
- B4 presente; - Pobres achados propedêuticos geralmente.
- A caracterização minuciosa da dor é a etapa mais importante na investigação de SCA.
Dissecção aguda de aorta
- Dor lancinante, pode ser precordial ou irradiar-se para as costas.
- Pode ter pulsos assimétricos; - Pode ter sopro diastólico em - É fundamental diferenciar de SCA. foco aórtico.
Encefalopatia hipertensiva
- Letargia, cefaleia, confusão, distúr- Pode não ter qualquer acha- - Usualmente, é necessário excluir bios visuais e convulsões, todos com do ao exame físico. AVC com tomografia. início agudo ou subagudo.
Hipertensão maligna
- Astenia, mal-estar, oligúria, sintomas vagos cardiovasculares e/ou neurológicos.
- Fundo de olho: papiledema.
- Potencialmente fatal, seu diagnóstico rápido só é possível com exame de fundo de olho.
Acidente vascular encefálico isquêmico candidato a trombólise ou hemorrágico
- Súbita alteração neurológica (geralmente, motora ou sensitiva).
- Alterações no exame neurológico.
- Diagnóstico diferencial com várias outras condições clínicas, como hipo ou hiperglicemia.
Eclâmpsia
- Gestante após a 20ª semana de gestação ou até a 6ª semana após o parto.
-
- Diagnóstico prévio de pré-eclâmpsia e que desenvolve convulsões.
30
CARDIOLOGIA
HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA
Figura 7 - Condições clínicas na hipertensão e papiledema Tabela 20 - Drogas para uso em emergências hipertensivas Medicamentos
Dose
Nitroprussiato de sódio (vasodilatador 0,25 a 10mg/kg/min IV arterial e venoso) Nitroglicerina (vasodilatador arterial e venoso)
5 a 100mg/min IV
Hidralazina (vasodilatador de ação direta)
10 a 20mg IV ou 10 a 40mg IM 6/6h
Metoprolol (bloque- 5mg IV (repetir ador beta-adrenérgi- 10/10min, se necessáco seletivo) rio até 20mg)
Esmolol (bloqueador beta-adrenérgico seletivo de ação ultrarrápida)
Ataque: 500μ/kg, infusão intermitente: 25 a 50μ/kg/min. ↑ 25μ/kg/min cada 10 a 20min. Máximo: 300μg/kg/min
Início
Imediato
2 a 5min
10 a 30min
5 a 10min
1 a 2min
Duração
Efeitos adversos e precauções
Indicações
1 a 2min
Náuseas, vômitos, intoxicação Maioria das emerpor cianeto. Cuidado na insugências hipertenficiência renal e hepática e na pressão intracraniana alta. Hipo- sivas. tensão grave.
3 a 5min
Cefaleia, taquicardia reflexa, taquifilaxia, flushing, meta-hemoglobinemia.
3 a 12h
Taquicardia, cefaleia, vômitos. Piora da angina e do infarto. CuiEclâmpsia dado com pressão intracraniana elevada.
3 a 4h
Bradicardia, bloqueio atrioventricular avançado, insuficiência cardíaca, broncoespasmo.
1 a 20min
Insuficiência coronariana, insuficiência ventricular esquerda.
Insuficiência coronariana. Dissecção aguda de aorta (em combinação com NPS).
Dissecção aguda de aorta (em Náuseas, vômitos, BAV 1º grau, combinação com espasmo brônquico, hipotensão. NPS). Hipertensão pós-operatória grave.
31
CARD I O LOG I A Medicamentos
Dose
Início
Duração
Efeitos adversos e precauções
Indicações
Furosemida (diurético)
20 a 60mg (repetir após 30min)
2 a 5min
30 a 60min
Hipopotassemia
Insuficiência ventricular esquerda. Situações de hipervolemia.
Fentolamina (bloqueador alfa-adrenérgico)
Infusão contínua: 1 a 5mg. Máximo 15mg
1 a 2min
3 a 5min
Taquicardia reflexa, flushing, tontura, náuseas, vômitos.
Excesso de catecolaminas.
NPS: nitroprussiato de sódio.
11. Resumo Quadro-resumo - A forma de aferição da PA deve ser corretamente aplicada, pois os critérios diagnósticos da HAS são dependentes da forma de aferição; - Os critérios para definição de HAS são baseados na aferição pressórica em 2 consultas consecutivas; - A partir dos valores da PA, fatores de risco associados e existência de lesão em órgãos-alvo, as metas dos valores pressóricos a serem atingidos são diferentes; - A existência de fatores de risco, história ou alterações laboratoriais sugestivas de causa secundária da HA demandam investigação; - O reforço na adesão às medidas de mudanças dos hábitos de vida e o uso adequado das medicações devem ser sempre estimulados no paciente hipertenso.
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CAPÍTULO
4
Síncope Rodrigo Antônio Brandão Neto / José Paulo Ladeira / Fabrício Nogueira Furtado
1. Introdução e definições
2. Epidemiologia
A síncope é definida como a perda súbita e breve da consciência e do tônus postural, com recuperação espontânea e sem sequelas neurológicas. Quase todas as formas de síncope cursam com diminuição ou interrupção transitória do fluxo sanguíneo cerebral. A pré-síncope, por sua vez, é apenas a percepção de uma perda de consciência iminente com quadro clínico prodrômico semelhante à síncope. A síncope é responsável por mais de 3% de todas as consultas ao pronto-socorro. Cerca de 20% da população adulta já experimentaram um episódio que pudesse ser descrito como síncope, e cerca de 1 a 6% das internações hospitalares nos Estados Unidos têm a síncope como causa. Na maioria dos casos, é um evento limitado e benigno, mas pode causar injúrias (descritas em até 30% dos pacientes), aflição e complicações psicológicas em pacientes e familiares. Na avaliação desses pacientes, deve-se ter em mente que existem 4 principais fatores envolvidos com risco de eventos adversos: 1 - Idade ≥45 anos. 2 - História de insuficiência cardíaca. 3 - História de arritmias ventriculares. 4 - ECG anormal (exceto alterações de repolarização inespecíficas).
O maior estudo epidemiológico sobre o assunto consistiu em um seguimento de 822 pacientes no estudo de coorte de Framingham; por cerca de 17 anos, o estudo verificou que a taxa de eventos sincopais aumentava de cerca de 5 eventos a cada 1.000 pessoas/ano no grupo entre 20 e 29 anos, para cerca de 20 eventos a cada 1.000 pessoas/ano no grupo com mais de 80 anos, mostrando um aumento considerável dos eventos com a idade, que se tornava muito importante a partir dos 70 anos. Nesse estudo, a incidência não foi diferente a depender do sexo, embora outros estudos tenham demonstrado diferenças, com uma incidência um pouco maior no sexo feminino. Os pacientes do sexo masculino, entretanto, apresentam maior probabilidade de apresentar causa cardiológica de síncope.
Os doentes que não apresentam nenhum desses fatores têm de 4 a 7% de risco de apresentar eventos adversos, enquanto os doentes com 3 ou 4 fatores de risco têm de 58 a 80% de chance de apresentar os mesmos eventos.
3. Etiologia As causas mais frequentes de síncope estão descritas na Tabela 1. A chamada síncope vasovagal ou neurocardiogênica é a principal causa. Os pacientes apresentam profunda vasodepressão devido à falência abrupta da modulação autonômica sobre o aparelho cardiovascular, e podem ainda apresentar importante diminuição da frequência cardíaca por reflexos neuromediados. Alguns autores subdividem esses casos em síncope vasodepressora ou síncope cardioinibitória. Outras causas importantes são: - Anemia; - Arritmias cardíacas; - Débito cardíaco extremamente baixo, como em IAM extenso e em tamponamento cardíaco;
33
CARD I OLOG I A - Cardiomiopatia hipertrófica; - Estenose aórtica (a síncope é associada à mortalidade de 50% em 5 anos) e estenose mitral;
- Hipersensibilidade do seio carotídeo; - Hipoglicemia; - Hipotensão ortostática; - Hipoxemia; - Uso de medicações; - Insuficiência adrenal; - Síncope situacional (precipitada por tosse, defecação
e micção com esforço), considerada uma variante da síncope vasovagal.
A síncope apresenta causa desconhecida em cerca de 5 a 20% dos casos, mas estudos antigos relatam que mais de 30% dos pacientes não têm causa detectável de síncope (31% no estudo de Framingham e 34% em uma análise de 5 estudos publicada em 1997). O uso de novos métodos diagnósticos, como o tilt-table test, diminuiu significativamente esses números. Tabela 1 - Causas de síncope Tipo ou causa de síncope
Prevalência média (%, variação entre estudos)
Síncope mediada neurologicamente (neurocardiogênica)
40 a 60%
Síncope vasovagal
30 a 50%
Síncope situacional
5%
Síndrome do seio carotídeo
1%
Hipotensão ortostática Medicações Transtornos psiquiátricos Neurológica (todas) Cardíaca Doença cardíaca orgânica Bradiarritmias e taquiarritmias Causa desconhecida
1 a 14% 3% (0 a 7) 1 a 5% 10% 10 a 25% (estudos antigos <20%) 3 (1 a 8) 14 (4 a 26) 5 a 20% (estudos antigos >30%)
Tabela 2 - Medicamentos que podem levar à síncope - Antiarrítmicos; - Antidepressivos; - Anti-hipertensivos (especialmente, beta-bloqueadores, diuréticos, IECAs, antagonistas dos canais de cálcio e bloqueadores alfa-2-adrenérgicos). Risco particular em pacientes idosos; - Antiparkinsonianos; - Antipsicóticos e fenotiazinas; - Bromocriptina.
34
4. Achados clínicos A anamnese e o exame físico minuciosos são os principais instrumentos para o diagnóstico da causa da síncope. O principal objetivo é detectar doentes com risco aumentado de óbito ou de complicações que necessitarão de uma investigação adicional imediata ou de internação. Tabela 3 - Tipos de síncope Síncope vasovagal Também conhecida como o desmaio comum, é mediada pelo estresse emocional ou ortostático. Geralmente, é precedida por pródromos como sudorese, náusea e palidez cutânea. Síncope situacional Ocorre logo após acessos de tosse, micção ou evacuação, o que facilita o seu diagnóstico. Geralmente determinada por descarga vagal. Síndrome do seio carotídeo A manipulação mecânica do seio carotídeo é responsável pelo episódio de síncope. Os sinais e sintomas podem ser reproduzidos pela massagem do seio carotídeo. Acomete, principalmente, os idosos. Hipotensão ortostática Apresenta queda progressiva da PA com a posição ortostática, e ocorre diminuição da pressão sistólica medida com paciente em pé por 3 minutos maior que 20mmHg em relação à PA medida após o mesmo indivíduo ficar 5 minutos deitado. Síncope associada a arritmias Geralmente associadas a: - FC <40bpm ou bloqueios sinoatriais repetidos ou pausa sinusal maior que 3 segundos; - BAV 2º grau Mobitz 2 ou BAV total; - Alternância de bloqueio de ramo direito e bloqueio de ramo esquerdo; - Paroxismos de taquicardias ventriculares ou supraventriculares; - Disfunção de marca-passo com pausas cardíacas. Associada a isquemia Procurar fatores de risco para IAM e sinais de isquemia no eletrocardiograma de repouso. Síncope associada a outras doenças cardiovasculares Considerada quando acontece em pacientes com estenose aórtica grave, hipertensão pulmonar, embolia pulmonar, dissecção aórtica ou mixoma atrial grande.
Entre pacientes com diagnóstico de doença cardíaca e com síncope, os fatores mais fidedignos de predição de síncope por causa cardíaca parecem ser desencadeados pelo decúbito ou esteja relacionada aos esforços, ou ainda síncope associada a convulsões. Entre pacientes sem doença cardíaca, a presença de palpitações parece correlacionar-se com maior possibilidade de síncope por causa cardíaca; em síncopes neuromediadas, a diferença de tempo, entre o 1º e
SÍNCOPE
5. Exames complementares - ECG: baixa sensibilidade, sendo exame diagnóstico em 5% dos casos e sugestivo em outros 5%. Ainda assim, é considerado obrigatório em todos os pacientes com síncope. Alterações sugestivas de isquemia e alterações do ritmo e da condição cardíaca como as já descritas sugerem causas cardíacas.
Na maioria dos doentes com ECG normal e sem doença cardíaca, a síncope neuralmente mediada é a principal hipótese diagnóstica. Um 1º episódio de síncope sem achados sugestivos de etiologia cardíaca ou neurológica não necessita de outros testes além do ECG. Por outro lado, testes diagnósticos são recomendados em casos recorrentes, episódios graves (que envolvem lesões ou acidentes) e doentes com ocupações de alto risco (ex.: pilotos de avião). A Tabela 4 sugere alterações de exame físico e história que podem sugerir a causa da síncope. Tabela 4 - Achados do exame físico que podem sugerir a causa da síncope Achados Hipotensão ortostática
Possibilidades Desidratação, uso de medicações de risco e outras causas de disfunção autonômica
Ictus desviado, sopro de regurBaixo débito cardíaco ou taquigitação mitral e B3, sugerindo cardias ventriculares disfunção ventricular Hipotensão e/ou assistolia Síndrome (hipersensibilidade) ventricular durante massagem do seio carotídeo do seio carotídeo Sopros de ejeção (estenose Obstrução ao fluxo de saída do aórtica e cardiomiopatia hiperventrículo esquerdo trófica obstrutiva) Tabela 5 - Achados do ECG que podem sugerir a causa da síncope Achados
Possibilidades
Intervalo QT longo
Taquicardia ventricular tipo torsades de pointes
Infarto do miocárdio prévio
Taquicardia ventricular
Atraso de condução e bloqueio Bradicardia de ramo ou de fascículo Bloqueio do ramo direito com elevação do segmento ST e inSíndrome de Brugada versão de onda T em derivações precordiais (V1 - V3)
Achados
Possibilidades Inespecífico: pode indicar substrato para arritmias
Ectopia atrial e ventricular
Síndrome de pré-excitação Wolff-Parkinson-White (onda delta)
Em pacientes com episódio único, a possibilidade de recorrência em 2 anos é pequena segundo a maioria dos estudos, mas em pacientes com mais de 1 episódio em tempo recente, predomina a necessidade de investigação. Em pacientes jovens e com provável síncope neurocardiogênica, o teste de escolha para avaliação é o tilt-table-test. O teste também pode ser útil em pacientes idosos, com síncope inexplicada. O tilt-test, também chamado de teste da inclinação, é um exame desenvolvido para identificar a síncope neurogênica que acomete pacientes de todas as idades, mas principalmente adultos jovens e adolescentes. Para realizar o exame, o paciente é colocado sobre uma mesa basculante especial que permite avaliá-lo em diversas inclinações (0, 80 e -30°). Simultaneamente, o paciente é monitorado eletrocardiograficamente e através da medida não invasiva da pressão arterial a cada 2 minutos. Na Tabela 6, descrevem-se as indicações para o teste, sugeridas pela European Society of Cardiology. Tabela 6 - Principais indicações do tilt-test Classe I 1 - Episódio sincopal único em doentes em situações de alto risco – ocorrência ou risco de lesão física ou ocupacional. 2 - Episódios recorrentes em pacientes: a) Sem evidência de doença estrutural cardiovascular. b) Doença cardiovascular presente, mas outras causas de síncope foram excluídas com testes diagnósticos. 3 - Situações em que seja importante demonstrar síncope neuromediada. Classe II 1 - Quando verificar o comportamento hemodinâmico na síncope, alteração de manejo. 2 - Diferenciação entre síncope e crises convulsivas. 3 - Avaliação de doentes (principalmente idosos) com “quedas” recorrentes inexplicáveis – investigar tonturas recorrentes ou pré-síncope. 4 - Avaliação de síncope inexplicada em situações como neuropatias periféricas ou disautonomias. Classe III 1 - Avaliação do tratamento.
Em pacientes sem doença cardíaca, um resultado positivo do teste (hipotensão ou bradicardia desencadeadas pelo teste) é considerado diagnóstico, mas, em pacientes com doença cardíaca estrutural, devem ser excluídas complicações dessas doenças.
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CARDIOLOGIA
o 2º episódio, de mais de 4 anos, desconforto abdominal precedendo as crises e náuseas e diaforese no período de recuperação são fatores sugestivos desse diagnóstico. A presença de fadiga após o episódio sincopal também foi associada, em estudos, à maior probabilidade de síncope vasovagal.
CARD I OLOG I A O ecocardiograma também pode ser utilizado para a avaliação do paciente com síncope. As recomendações da European Society of Cardiology sugerem realizar o exame sempre que há suspeita de causa cardíaca, mas apenas estenose aórtica severa, dissecção aórtica, tumores cardíacos obstrutivos, tamponamento pericárdico e anomalias congênitas das artérias coronárias podem ser diagnosticados como causa de síncope com certeza por meio desse exame. Estudos eletrofisiológicos podem ser realizados em pacientes selecionados, principalmente se apresentarem doença cardíaca estrutural. A European Society of Cardiology considera avaliar os pacientes em que arritmia é sugerida pela avaliação inicial, ou que apresentem doença cardíaca estrutural associada à história de palpitações ou antecedente familiar de morte súbita. Condições que possivelmente se beneficiam desses estudos são sugeridas na Tabela 7. O desenvolvimento da técnica e a disseminação do estudo eletrofisiológico tornaram esse exame cada vez mais presente no dia a dia. No entanto, as indicações formais para o seu uso no manejo da síncope são bem claras, como discriminado a seguir. Tabela 7 - Indicações para avaliação do eletrofisiologista (ESC 2009 guidelines for the diagnosis and management of syncope) - Arritmia sugerida pela avaliação inicial e pacientes com história de cardiopatia isquêmica; - Pacientes com bloqueio de ramo e falha dos testes não invasivos no diagnóstico; - Pacientes com palpitação precedendo a síncope e falha dos exames não invasivos no diagnóstico; - Pacientes com síndrome de Brugada, cardiomiopatia hipertrófica, displasia arritmogênica do ventrículo direito – podem ser feitos em casos selecionados; - Pacientes com altos riscos ocupacionais, pelos quais se devem realizar todos os esforços para excluir causa cardiovascular para a síncope; - Não recomendados a pacientes com ECG normal, ausência de doença estrutural e sem palpitações.
O peptídio natriurético cerebral foi avaliado em um estudo demonstrando capacidade para ajudar na diferenciação de síncopes cardiogênicas de não cardiogênicas, com sensibilidade e especificidade de 82 e 92%, respectivamente, mas ainda não faz parte do manejo habitual desses pacientes. Testes de esforço e de Holter também apontaram benefícios em alguns estudos e podem ser feitos em pacientes selecionados.
6. Diagnóstico diferencial Devem-se diferenciar episódios sincopais de tonturas, de vertigens ou de pré-síncope, os quais não cursam com perda do nível de consciência ou do tônus postural. A diferenciação entre síncope e crises convulsivas pode, ocasio-
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nalmente, ser difícil, mas, em episódios convulsivos, a recuperação da consciência tende a levar mais tempo. Quando ocorre atividade motora rítmica (clônica ou mioclônica), o diagnóstico mais provável é de crise convulsiva, porém a síncope pode ser acompanhada de rápidos movimentos similares. Eventualmente, observação em laboratórios especializados e eletroencefalograma serão necessários para a correta diferenciação das 2 patologias. Transtornos psiquiátricos podem levar a episódios de síncope de repetição. Os principais diagnósticos psiquiátricos, nesse caso, são transtorno da ansiedade generalizada e depressão maior.
A - Hipotensão ortostática A hipotensão ortostática representa a incapacidade do sistema nervoso autônomo de manter pressão arterial adequada quando em posição ortostática. Caracteriza-se por redução da Pressão Arterial Sistólica (PAS) ≥20mmHg ou da Pressão Arterial Diastólica (PAD) ≥10mmHg após 3 minutos em pé (após repouso de 5 minutos em posição supina). Quando ocorrem diminuições pressóricas menores associadas a quadro de sintomas semelhantes, também é provável o diagnóstico. A doença pode ser causada por hipovolemia, uso de medicações como diuréticos, neuropatias autonômicas primárias ou secundárias (diabetes, uremia, amiloidose etc.) e endocrinopatias como insuficiência adrenal e feocromocitoma (hipertensão associada a episódios de hipotensão postural). A maioria dos casos relaciona-se ao uso de medicações, e os pacientes, na maioria das vezes, têm idade superior a 60 anos. O tratamento inclui evitar situações de vasodilatação periférica ou que dificultam o retorno venoso, como banhos quentes, exercício isométrico, grandes refeições e permanecer em pé por grandes períodos. Assim, pequenas refeições com alta quantidade de carboidratos podem ser benéficas a esses doentes que recebem agentes pressóricos durante o dia. Uma opção seria cafeína durante a refeição, pois tem ação pressórica e bloqueia o receptor de adenosina. A elevação da cabeceira (decúbito) de 5 a 20° ativa o sistema renina-angiotensina-aldosterona e pode ser útil. Meias compressivas também são recomendadas, e pode haver uma eventual necessidade de expansão volêmica. Em pacientes com sintomas recorrentes, pode ser preciso instituir dieta rica em sal, e fluoridrocortisona em doses de 0,1 a 1mg ao dia, pois aliviam os sintomas. Outras opções farmacológicas incluem anti-inflamatórios não esteroidais e agonistas alfa-1-adrenérgicos como a midodrina. Há relatos do uso da fluoxetina para essa situação.
B - Hipersensibilidade e Síndrome do Seio Carotídeo (SSC) Considerada uma variante da síncope vasovagal. Em alguns pacientes, a massagem do seio carotídeo leva a grande
SÍNCOPE
O manejo dos pacientes consiste, principalmente, em evitar a compressão da região cervical por gravatas, colares ou outros. O tratamento envolve as mesmas táticas utilizadas para hipotensão ortostática ou síncope vasovagal, evitando medicações que podem causar bradicardia e hipotensão, bem como vasoconstritores como a midodrina ou inibidores da recaptação da serotonina, em pacientes com a forma vasodepressora. Aqueles com a forma cardioinibitória, caso apresentem episódios recorrentes, podem beneficiar-se com o uso de marca-passo.
C - Síncope vasovagal Em todas as estatísticas, a síncope vasovagal é a causa mais frequente de síncope. Apresenta curso em geral benigno, mas pode estar associada a injúrias devido às quedas. Caracteristicamente, os episódios ocorrem em posição ortostática, raramente com o paciente deitado, sentado ou em atividade física. Os pacientes habitualmente apresentam um pródromo de mal-estar abdominal. Os episódios são em geral desencadeados por situações de estresse emocional, a perda de consciência é de curta duração, e os pacientes apresentam uma fase de recuperação, que pode ser associada a náuseas e fadiga. O tratamento geralmente é realizado por especialistas. Diversas medicações foram utilizadas na tentativa de diminuir os episódios de síncope: - Pacientes com formas cardioinibitórias pareciam ter benefício com o uso de beta-bloqueadores, pois estes diminuem a pressão intracavitária cardíaca, de forma a suprimir o reflexo vasovagal; - Também foi descrito o uso da escopolamina que, provavelmente, tem ação central, com inibição das eferências vagais, parecendo eficaz nas síncopes com componente cardioinibidor importante. A fluoridrocortisona seria particularmente eficaz a pacientes com crises vasodepressoras;
- Inibidores da recaptação da serotonina, como a fluoxetina.
No entanto, nenhuma dessas medicações se mostrou superior em relação ao placebo nos estudos de seguimento em longo prazo. As únicas indicadas pela European Society of Cardiology são a etilefrina e a midodrina, 2 alfa-agonistas que parecem reduzir os eventos de síncope, sendo que esta última recebeu, no último guideline dessa sociedade, um grau de recomendação IIb para pacientes refratários às medidas não farmacológicas. Quanto a pacientes com resposta predominantemente cardioinibitória, deve-se considerar a possibilidade de implante de marca-passo, principalmente naqueles com mais de 40 anos e episódios sincopais frequentes.
D - Síncope cardíaca As síncopes de causa cardíaca são ocasionadas principalmente por arritmias e doenças cardíacas estruturais. Ambas podem cursar com redução do débito cardíaco. Embora bradiarritmias e taquiarritmias possam levar à síncope, não há um valor fixo abaixo ou acima do qual ela possa ocorrer. Os sintomas dependem da capacidade de compensação do sistema nervoso autônomo e do grau de doença aterosclerótica dos vasos do SNC. A maioria dos doentes com síncope cardíaca por arritmia não tem sintomas prodrômicos, e o quadro é súbito, o que pode ajudar a diferenciá-la da síncope vasovagal. Por outro lado, em doenças cardíacas estruturais, a síncope costuma ser desencadeada por esforço físico ou vasodilatação arterial (calor ou medicação). A estenose aórtica é muito mais frequente em idosos, e os pacientes podem apresentar a tríade de dispneia aos esforços, dor torácica anginosa e síncope aos esforços. Todas implicam pior prognóstico, e pacientes com dispneia aos esforços têm mortalidade de 50% em 2 anos, caso não seja realizada nenhuma intervenção. Pacientes com síncope isolada apresentam prognóstico melhor. A cardiomiopatia hipertrófica é mais comum em jovens, embora também seja possível em indivíduos com mais de 60 anos. Estes pacientes apresentam alto risco de morte súbita, com algumas séries demonstrando mortalidade de 40% em 1 ano após um episódio sincopal. Os pacientes com embolia pulmonar também podem, eventualmente, apresentar síncope. Em algumas séries, até 135 desses doentes apresentam tal complicação. Normalmente, ocorre em indivíduos com grandes êmbolos. O tratamento depende da causa da síncope, mas aqueles com síncope de causa cardíaca apresentam pior prognóstico, sendo esse o principal fator envolvido em eventos adversos, com possibilidade de IAM ou AVC e morte de 2 a 3 vezes maior em tais grupos.
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CARDIOLOGIA
queda da FC, que pode ou não ser associada a um declínio da pressão arterial. Essa reação é descrita como hipersensibilidade do seio carotídeo, e tal resposta exacerbada pode decorrer de 2 fatores, isoladamente ou em conjunto: a) Cardioinibitória: predomínio na queda da FC. b) Vasodepressora: declínio da pressão arterial na ausência de significativa bradicardia. Os critérios para o seu diagnóstico são: - Assistolia ventricular ≥3s (devido à parada sinusal e ao bloqueio atrioventricular); - Diminuição da PAS de 50mmHg ou mais; - Reprodução dos sintomas associado ao declínio de 30 a 40% na FC, assistolia maior que 2 segundos e/ou diminuição de 30mmHg na PA.
CARD I OLOG I A 7. Avaliação
Figura 1 - Avaliação da síncope
8. Resumo Quadro-resumo - Síncope é evento clínico comum; demanda maior atenção nos pacientes com insuficiência cardíaca, maiores de 45 anos, portadores de arritmia e ECG alterado; - As causas são multifatoriais, tendo maior relevância os eventos de causa neurocardiogênica; - A anamnese e o exame físico são importantes na identificação do mecanismo da síncope; - O diagnóstico diferencial envolve as crises convulsivas e causas psiquiátricas.
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CAPÍTULO
5
Eletrofisiologia José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado
1. Atividade elétrica cardíaca A atividade elétrica cardíaca é uma propriedade intrínseca às células miocárdicas, que são divididas em 2 tipos: 1 - Células de trabalho: responsáveis pela contratilidade cardíaca. 2 - Células do sistema elétrico: responsáveis pela geração e pela condução do estímulo elétrico cardíaco. As células de trabalho possuem a característica de contratilidade, podendo encurtar seu tamanho e voltar ao tamanho original. Para ocorrer a contração, é necessária uma despolarização da membrana celular do miócito, através do aumento da permeabilidade da membrana ao sódio e ao cálcio. Este último determina a ligação entre actina e miosina no sarcômero, gerando a contração celular. As células elétricas transmitem o impulso elétrico até as células de trabalho, permitindo que estas desempenhem sua função. Certas células do sistema elétrico têm a característica de gerar um estímulo elétrico (automaticidade) e são encontradas no Nó Sinusal (NS), nas fibras do sistema de condução atrial, no nó atrioventricular (nó AV), no feixe de Hiss e seus ramos e no sistema ventricular de Purkinje.
2. Eletrofisiologia Para ocorrer a função celular de contração ou condução do estímulo elétrico, é necessário que a célula esteja polarizada eletricamente. Há diferentes concentrações de K, Na e Ca no intracelular e no extracelular. Essa diferença de concentrações iônicas gera um gradiente elétrico de -80 a -90mV através da membrana. Quando a célula é estimulada, o gradiente se inverte até +35mV, determinando condução ou contração, dependendo da função da célula analisada. O processo de despolarização determina uma mudança transitória das propriedades físicas da membrana. Cátions
entram no intracelular por meio de canais iônicos da membrana, tornando seu interior positivo eletricamente. Existem 2 tipos de canais por onde passam os íons através das membranas: 1 - Canal rápido: é ativado quando os potenciais da membrana estão menores do que -60mV, permitindo a entrada rápida de Na. Esse é o canal normal para as células miocárdicas sem propriedade cronotrópica, ou seja, de marca-passo. 2 - Canal lento: funciona com potenciais de membrana maiores do que -50mV e determina o influxo de cálcio. A despolarização dos canais lentos e o fluxo de potássio são os responsáveis pela atividade de marca-passo do nó sinusal e do nó AV. Tais canais lentos também estão envolvidos na ativação de despolarizações anormais nas regiões periféricas em áreas isquêmicas miocárdicas, podendo gerar focos ectópicos por extravasamento de potássio das células lesadas regionais com redução do potencial de repouso da membrana celular (por exemplo, de -90 para -40mV). Na membrana celular de um miócito típico (célula de trabalho), o potencial de repouso (potencial transmembrana antes da despolarização) é de, aproximadamente, -90mV. O interior celular é eletricamente negativo em relação ao extracelular. O Na é encontrado em altas concentrações no extracelular e em baixas no intracelular, determinando uma tendência de entrada do elemento. Para manter o gradiente transmembrana, é necessário o transporte ativo de Na do intracelular para o extracelular, apesar de a membrana ser pouco permeável à substância na fase de repouso. O K encontra-se em grandes concentrações no intracelular e em baixas no extracelular, sendo a membrana permeável a pequenas quantidades de K na fase de repouso (fase 4). Assim, o potencial de repouso depende, basicamente, do gradiente de K através da membrana celular.
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CARD I OLOG I A A seguir, as fases dos potenciais de membrana das células miocárdicas durante um ciclo completo de despolarização e repolarização. - Fase 0: é a fase em que se inicia a despolarização. Nesse período, o canal rápido de Na é ativado, permitindo influxo rápido de Na para o intracelular. Com isso, há diminuição do gradiente elétrico transmembrana até valores positivos ao redor de +20mV, enquanto o extracelular permanece negativo; é nessa fase que surgem a onda P e o complexo QRS no eletrocardiograma (ECG), representando a despolarização da massa atrial e ventricular, respectivamente; - Fase 1: é a fase em que diminui a entrada de Na na célula cardíaca, determinando menor positividade intracelular. É o início da fase de repolarização; - Fase 2: é a fase em que o potencial de ação transmembrana é praticamente isoelétrico; a célula permanece despolarizada, e não há mais influxo de Na para o interior da célula. Os canais rápidos de Na estão fechados, enquanto há entrada de Ca para o intracelular pelos canais lentos. Nessa fase, ocorre o segmento ST no ECG; - Fase 3: é a fase em que ocorre a repolarização rápida, ou seja, o intracelular volta a ficar negativo, devido à saída de K do intracelular para o extracelular, com tendência de a membrana voltar ao potencial de repouso, o que acontece no final da fase 3. Surge a onda T no ECG; - Fase 4: a célula está com um potencial de membrana igual ao imediatamente anterior à despolarização, porém a composição iônica transmembrana é bastante diferente daquele momento. Há uma alta concentração de Na e uma baixa concentração de K no intracelular. Nessa fase, é ativada a bomba de sódio-potássio dependente de ATP, que proporciona gasto energético significativo para restabelecer a concentração iônica fisiológica. Caso ocorram nessa fase repetidas despolarizações, sem tempo para que as células retomem a concentração iônica fisiológica, poderá haver disfunção celular importante.
Figura 1 - Potencial de ação da célula do sistema cardíaco de condução elétrica: observar a comparação com o traçado eletrocardiográfico
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O nível de potencial de repouso da membrana celular (fase 4) no início da despolarização é um determinante da condutividade (capacidade de despolarizar a célula vizinha com rapidez) do impulso elétrico para outras células. Quanto menos negativo for esse potencial na fase 0, menor será a velocidade de subida dessa fase, o que representa diminuição da condutividade. O gradiente de K na fase 4 também determina a condutividade. Quanto menor tal gradiente, menor a condução. Isso explica a lentificação da condução elétrica na hipercalemia. O potencial de ação das células do sistema condutor difere, significativamente, das células de trabalho, pois as células de condução têm a capacidade de se despolarizarem sozinhas (automaticidade). Isso ocorre porque, na fase 4, o potencial de ação não permanece constante durante todo o tempo, devido à perda progressiva do potencial de repouso por entrada de pequenas quantidades de Ca e Na, o que torna o potencial de repouso na membrana menos negativo (despolarização diastólica espontânea). Quando o potencial de repouso da membrana alcança certa voltagem crítica (limiar), tem início a fase 0. Como o potencial é menos negativo, a velocidade de ascensão da fase zero é menor. As velocidades de ascensão lenta nas células do nó sinusal e do nó AV dependem da entrada rápida de Ca.
Figura 2 - Potencial de ação da célula de trabalho do miocárdio ventricular
A inclinação da fase 4 nas células de condução é importante para determinar a velocidade de formação do impulso. Quanto mais íngreme a curva, maior a velocidade de formação de impulsos e vice-versa. A ativação simpática do sistema nervoso autônomo torna essa curva mais íngreme, enquanto o sistema nervoso parassimpático determina efeito oposto. Segundo a classificação de Vaughan Williams, distinguem-se 4 classes de antiarrítmicos: - Classe I: fármacos que bloqueiam os canais de sódio (Na+); fazem parte deste grupo a flecainida, a propafenona, a quinidina, a lidocaína e a procainamida; - Classe II: antagonistas beta-adrenérgicos, como o propranolol, o pindolol, carvedilol e metoprolol; - Classe III: bloqueiam os canais de potássio (K+), prolongando o potencial de ação, como a amiodarona e o sotalol; - Classe IV: bloqueiam os canais de cálcio, como o verapamil e o diltiazem. A frequência de disparo das células do sistema de condução é diferente entre vários locais. No NS, é de 60 a
ELETROFISIOLOGIA
circuito seja longo o suficiente para o período refratário da célula de Purkinje mais próxima ao local de bloqueio não ser mais absoluto (e sim relativo). Geralmente, tais alterações de padrão na condução são determinadas por isquemias ou miocardiopatias.
4. Condução do impulso cardíaco O impulso cardíaco normal origina-se no NS, que está situado no átrio direito, em sua junção com a veia cava superior. A condução do NS até o nó AV se dá por 3 vias internodais (anterior, posterior e mediana). A velocidade de condução por essas fibras é de 1.000mm/s. O nó AV localiza-se inferiormente ao átrio direito e abaixo da válvula tricúspide. Caudalmente, tais fibras formam o feixe de Hiss, que originará os ramos ventriculares, sendo a velocidade de condução nesse ponto de 200mm/s. Os ramos direito e esquerdo distribuem o estímulo elétrico pela rede de fibras de Purkinje intraventricular, em cada um dos ventrículos, a uma velocidade de condução de 4.000mm/s.
3. Mecanismos de formação do impulso elétrico Há 2 mecanismos de geração de um estímulo elétrico no músculo cardíaco: automatismo e reentrada.
A - Automaticidade Fisiologicamente, o estímulo pode ser gerado de forma espontânea. Podem ocorrer outras formas patológicas de automatismo: - Pós-potencial: diminuição transitória do potencial de repouso que pode atingir o limiar, determinando despolarização; - Múltiplos pós-potenciais: também chamados de oscilações; - Diferenças no potencial entre células vizinhas: no infarto, as células periféricas da região isquêmica podem apresentar repolarização incompleta, enquanto ocorre a repolarização normal nas demais células. A corrente elétrica anômala pode fluir através desses grupos de células, causando despolarização das células normais; - Automaticidade em gatilho: indução de foco automático, dependente de batimento prematuro inicial que, por repolarização anormal, determina uma 2ª despolarização ou uma série de despolarizações.
B - Reentrada Este fenômeno pode acontecer no NS, no átrio, no nó AV ou no sistema de condução ventricular. Pode determinar batimentos isolados (extrassístoles) ou ritmos anormais (taquicardias). Os componentes do mecanismo de reentrada incluem 2 vias de condução: uma com bloqueio unidirecional (ou período refratário mais longo) e outra com condução muito lenta, que faz que o tempo de passagem pelo
Figura 3 - Sistema cardíaco de condução elétrica
5. Resumo Quadro-resumo - As células cardíacas de trabalho apresentam características de potencial elétrico diferentes das células do sistema de condução elétrica; - O principal determinante do potencial elétrico de repouso transmembrana é o potássio; - As arritmias cardíacas são geradas por mecanismos de automatismo ectópico ou mecanismo de reentrada.
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CARDIOLOGIA
100bpm, no nó AV, é de 40 a 60bpm, e no ventrículo (fibras de Purkinje), menor do que 40bpm. Assim, os marca-passos inferiores (nó AV e região juncional) não conseguem atingir o limiar antes de serem despolarizados pelo NS na fase 4. O marca-passo “superior” subordina os inferiores em termos de frequência de despolarização. Portanto, o nó AV e a região juncional somente geram estímulos elétricos quando há falha do marca-passo atrial. Há um momento no ciclo cardíaco em que o ventrículo se encontra refratário à condução de um novo estímulo elétrico. Esse período tem início na fase zero, acaba na fase 3 e pode ser dividido em absoluto e relativo. - Período refratário absoluto: a célula é incapaz de conduzir um novo potencial de ação; esse período se inicia no QRS e se estende até o pico da onda T; - Período refratário relativo: um estímulo intenso pode determinar a condução de um potencial de ação, porém de forma não normal. Estende-se pelo restante da onda T.
CARD I OLOG I A
CAPÍTULO
6
Arritmias cardíacas José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado
1. Introdução Para melhor compreensão do tema, é necessária uma revisão de conceitos importantes.
A - Sistema de condução elétrico intracardíaco O sistema de condução intracardíaco é composto pelas seguintes estruturas: nó sinusal, nó atrioventricular (AV), feixe juncional ou de His, ramos direito e esquerdo e fibras de Purkinje. Tais estruturas têm a característica intrínseca de se despolarizarem automaticamente numa frequência própria, sendo desnecessário algum estímulo externo para gerar essa despolarização. As estruturas mais superiores apresentam frequências de despolarizações automáticas mais elevadas que as estruturas mais inferiores (Figura 1). A estrutura que, fisiologicamente, tem a maior frequência de despolarização é o nó sinusal, de cerca de 80 despolarizações por minuto, fazendo que as estruturas abaixo desse nó sejam despolarizadas pelo estímulo elétrico gerado pelo próprio nó sinusal. Em determinadas condições (hipercalemia, degeneração do nó sinusal entre outras), o nó sinusal pode perder tal capacidade de despolarização automática, determinando, comumente, queda da frequência cardíaca. Isso ocorre porque, na ausência funcional do nó sinusal, a frequência cardíaca passa a ser determinada pela estrutura do sistema de condução que tem a maior frequência de despolarização autônoma, geralmente o nó AV. Caso este não esteja ativo, a região juncional determina o ritmo cardíaco e assim por diante. Ou seja, a frequência cardíaca será determinada pela região do sistema de condução que tiver a maior frequência
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de despolarização, exceto em situações em que focos elétricos ectópicos (fora do sistema de condução) apresentem frequências automáticas de despolarização mais elevadas do que a do sistema de condução elétrica miocárdica, como na taquicardia ventricular ou na taquicardia atrial.
Figura 1 - Estruturas do sistema de condução elétrica intracardíaca e suas frequências automáticas de despolarização
B - Onda P A onda P compreende o registro eletrocardiográfico da despolarização atrial, determinada, fisiologicamente, pela despolarização automática do nó sinusal. A onda elétrica da repolarização atrial não é visível ao ECG por ocorrer, justamente, no período em que o complexo QRS é registrado,
ARRITMIAS CARDÍACAS
CARDIOLOGIA
havendo sobreposição dos traçados. O intervalo compreendido entre o início da onda P e o início do QRS é chamado intervalo PR, o qual corresponde ao atraso fisiológico na condução da onda elétrica gerada na despolarização atrial dentro do nó AV. Tal atraso pode ter a duração máxima de 0,20ms (ou 5 quadrinhos do traçado eletrocardiográfico, sendo que cada um tem a duração de 0,04ms).
C - Complexo QRS O complexo QRS representa a despolarização elétrica dos ventrículos e tem a duração fisiológica máxima de 0,12ms. A despolarização ventricular normal acontece por progressão do estímulo elétrico através da região juncional, ramos direito e esquerdo e fibras de Purkinje, até chegar ao músculo cardíaco. Quando o QRS apresenta duração <0,12ms, é chamado de QRS estreito; quando ≥0,12ms, é chamado de QRS largo. A importância de definir o QRS como largo ou estreito está no fato de que, quando o estímulo de despolarização ventricular progride pelos ramos direito e esquerdo, a velocidade com que a onda elétrica determina a despolarização dos 2 ventrículos é elevada, determinando o QRS de menor duração. Quando, por algum motivo (alteração metabólica, isquemia, degeneração etc.), o estímulo elétrico progride apenas por 1 dos ramos ventriculares, o ventrículo oposto é despolarizado pela propagação da onda elétrica através do músculo cardíaco do ventrículo já despolarizado até chegar ao outro ventrículo. Essa condução intramuscular ocorre de forma mais lenta do que aquela no sistema de condução através dos ramos, determinando o QRS largo. Assim, de forma genérica, QRS largo indica o bloqueio de 1 dos ramos do sistema de condução. A exceção acontece quando há um foco elétrico ectópico ventricular, pois o estímulo elétrico nasce em um dos ventrículos propagando-se para o outro através da musculatura cardíaca, mesmo com a integridade do sistema de condução.
Figura 2 - Traçado eletrocardiográfico normal
Figura 3 - Papel milimetrado para traçado eletrocardiográfico
D - Onda T A onda T representa a repolarização elétrica ventricular. Vários fatores podem influenciar esse período, como distúrbios metabólicos e isquemia.
E - Onda U O significado da onda U ainda é incerto e, possivelmente, representa a repolarização mais tardia das fibras de His-Purkinje. Também se associa a situações de hipocalemia. Nas Figuras seguintes, estão descritas as ondas do traçado eletrocardiográfico normal.
Figura 4 - Eletrocardiograma normal
2. Arritmias A chave para a interpretação das arritmias é a análise da forma e das inter-relações da onda P, do intervalo PR e do complexo QRS. A avaliação do traçado envolve a análise da frequência, ritmo, origem mais constante do estímulo (marca-passo predominante) e configuração da onda P e do QRS (estreito ou largo). As arritmias cardíacas acontecem, de forma simplificada, por 3 mecanismos possíveis.
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CARD I OLOG I A A - Alteração do automatismo cardíaco Pode ocorrer por aceleração ou desaceleração das estruturas automáticas do coração, como o nó sinusal (taquicardia ou bradicardia sinusal), nó AV ou do próprio miocárdio. Batimentos (ou despolarizações ectópicas) podem surgir por distúrbios elétricos atriais, da junção AV ou dos ventrículos. É possível que também ocorram ritmos anormais, como taquicardia atrial ou ventricular.
B - Distúrbios de condução atrioventricular A condução pode ser acelerada, como na síndrome de Wolff-Parkinson-White, ou lenta, como no bloqueio AV.
C - Combinações de distúrbios de automatismo e de condução Extrassístole atrial com bloqueio AV ou taquicardia atrial com bloqueio AV 3:1 são exemplos destas combinações.
3. Identificando arritmias Serão interpretadas as arritmias pela análise de um traçado eletrocardiográfico (ECG) em derivação única. Há vários métodos de identificação das arritmias, porém o mais sistematizado se baseia na análise das respostas a estas 4 perguntas.
A - 1ª pergunta: o QRS tem aparência e tamanho normais? Quando não é possível a identificação de um complexo QRS no traçado eletrocardiográfico, restam apenas 2 diagnósticos: fibrilação ventricular ou assistolia, sendo condições que demandam intervenções imediatas. a) Fibrilação ventricular Ritmo de origem ventricular, desorganizado, representando a despolarização caótica dos ventrículos. Essa forma de despolarização não gera contração ventricular coordenada e efetiva, determinando parada cardíaca. O tratamento imediato é a desfibrilação cardíaca. - Critérios de diagnóstico ao ECG: • Não se identifica QRS; • Frequência: muito elevada e caótica; • Ritmo: desorganizado, não se identificando ondas P, complexo QRS, segmento ST ou onda T.
Figura 5 - Fibrilação ventricular
b) Assistolia Representa a ausência completa de atividade elétrica cardíaca, quando confirmada por meio da checagem do protocolo da linha plana (aumento do ganho, exclusão de
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artefato técnico, confirmação da correta colocação dos eletrodos assim como a ligação dos cabos e confirmação da assistolia em 2 derivações). O tratamento passa pelo uso de adrenalina, atropina, entre outras medidas. - Critérios de diagnóstico ao ECG: • Ausência completa de atividade elétrica ventricular; é possível a ocorrência de ondas P ou de batimentos de escape ventricular agônicos. No entanto, quando se identifica o QRS, é necessária a análise mais detalhada de sua duração, primeiramente pela caracterização desta em estreito ou largo. O QRS estreito (<0,12ms) demonstra o funcionamento correto do sistema de condução intraventricular, e o QRS alargado pode indicar ou não o funcionamento de 1 dos ramos do sistema de condução ou um complexo QRS determinado por batimento ectópico de origem ventricular. c) Taquicardia Ventricular (TV) É definida como 3 ou mais batimentos sucessivos de origem ventricular com frequência >120bpm, sendo que o QRS tem duração >0,12ms. Apesar de ter a mesma origem que a TV, o ritmo idioventricular acelerado difere desta por sua frequência menor (FC entre 100 e 120bpm). Na TV, o ritmo é regular, porém pode apresentar alguns períodos de irregularidade. A apresentação clínica é variável, podendo ser bem tolerada, assim como determinar instabilidade hemodinâmica e, até mesmo, parada cardiorrespiratória. Tal variação na apresentação clínica depende muito da presença ou não de disfunção miocárdica e da frequência cardíaca associada. Quando a morfologia do QRS é constante, trata-se de TV monomórfica; quando ocorrem várias morfologias do QRS, há a TV polimórfica. Pode haver a presença de ondas P relacionadas à despolarização sinusal, as quais são bloqueadas pela despolarização do nó AV determinada pela TV. Também pode ocorrer condução retrógrada, gerando a onda P retrógrada após o QRS. Tal condição é de difícil diferenciação da taquicardia supraventricular com condução retrógrada. O tratamento da TV depende da condição clínica do paciente. Nos pacientes com estabilidade hemodinâmica, há tempo para aplicação de antiarrítmicos, como amiodarona e lidocaína. Pacientes com QTc prévio normal devem receber amiodarona, enquanto aqueles com aumento do QTc devem receber lidocaína. Nas TVs com repercussão hemodinâmica (hipotensão, alteração de consciência, dor precordial e congestão pulmonar importante), a cardioversão elétrica imediata é o tratamento de escolha. A TV também é considerada sustentada quando a sua duração é >30 segundos ou, independentemente do seu tempo de duração, determinar sintomas clínicos; e é chamada de não sustentada quando a duração é <30 segundos. Uma característica que auxilia na localização do foco ectópico ventricular é a avaliação da morfologia dos complexos QRS nas derivações precordiais. Quando a TV apresenta morfologia de bloqueio de ramo direito (rsR’ em V1), o foco
ARRITMIAS CARDÍACAS
Um desafio clínico associado a essa arritmia é a diferenciação com a taquicardia supraventricular (TSV) associada a bloqueio de ramo, pois nessa condição o QRS também será alargado. Tal diferenciação tem impacto sobre qual tratamento será corretamente empregado. Os critérios de Brugada podem ser utilizados na tentativa de diferenciar uma TV de uma TSV. Quando não são encontrados esses critérios, a arritmia é, provavelmente, de origem supraventricular. 1º passo: Ausência de complexos RS nas derivações precordiais? - Sim: TV; - Não: ir para passo 2. 2º passo: O intervalo entre o início do R e o nadir do S é maior que 100ms (2,5mm)? - Sim: TV; - Não: ir para passo 3. 3º passo: Há dissociação AV? - Sim: taquicardia ventricular; - Não: ir para os critérios morfológicos (passo 4). 4º passo: É sugerida a etiologia ventricular de taquicardia associada a bloqueio do ramo direito (QRS predominantemente positivo em V1) quando: - QRS >0,14ms; - Desvio de eixo; - Onda QS predominante em V6; - QRS concordantes (positivos ou negativos) nas derivações precordiais; - Onda R simples ou bifásica em V1. É sugerida a etiologia ventricular de taquicardia associada a bloqueio do ramo esquerdo (QRS predominantemente negativo em V1) quando:
- Desvio de eixo; - QRS >0,16ms; - QS predominantemente negativo em V6; - QRS concordantes (positivos ou negativos) nas derivações precordiais;
- Complexo rS em V1. d) Torsades de pointes (torção da ponta) É uma forma de TV em que os complexos QRS aparentam estar, constantemente, mudando de eixo após cada 5 a 20 batimentos, lembrando uma forma de atividade elétrica de forma helicoidal torcida no seu eixo espacial (daí seu nome). Geralmente, é desencadeada por distúrbios metabólicos (hipomagnesemia ou hipocalemia), alargamento do intervalo QT (bradicardias) e efeito pró-arrítmico de certas drogas, como procainamida, quinidina e disopiramida, que podem alargar o intervalo QT que, quando normal (medido do início do QRS até o final da onda T), é entre 390 e 450ms nos homens e 460ms nas mulheres. Quando este está alargado, deve-se considerar a possibilidade de indução dessa arritmia com o uso dos antiarrítmicos citados. O tratamento da arritmia envolve o uso de sulfato de magnésio, procainamida (quando a droga não foi indutora da arritmia) e marca-passo em alta frequência.
Figura 6 - Taquicardia ventricular
Figura 7 - Torsades de pointes
e) Extrassístole ventricular (ESV) Alguns complexos QRS de aspecto anormal (QRS >0,12ms) podem ocorrer intercalados com complexos QRS normais em alguns pacientes. Denominados de extrassístoles ventriculares, surgem a partir de qualquer um dos ventrículos antes do próximo batimento sinusal, de forma prematura, podendo ser geradas por reentrada ou a partir de um foco automático ventricular. O intervalo entre o batimento normal prévio e a ESV, chamado de intervalo de conexão, é constante quando o mecanismo é de reentrada do mesmo foco (ESV uniformes). Quando o intervalo de conexão e a morfologia dos complexos QRS variam, geralmente as extrassístoles são originadas
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CARDIOLOGIA
ectópico está no ventrículo esquerdo. Similarmente, quando a morfologia em V1 é de BRE (qs), a origem da taquiarritmia é o ventrículo esquerdo. - Critérios diagnósticos ao ECG: • Frequência >100bpm; • Ritmo: geralmente regular; • Ondas P: normalmente não visíveis nas TVs com alta frequência, mas podem estar presentes e dissociadas do QRS; • QRS, segmento ST e onda T: morfologia do QRS serrilhada e bizarra, com duração >0,12ms; segmento ST e onda T geralmente opostos em polaridade com o QRS; • Quando a TV é polimórfica, o intervalo e a morfologia do QRS variam.
CARD I OLOG I A de vários focos (multifocais). Quando, de cada 2 batimentos, 1 é uma ESV, o ritmo é chamado de bigeminismo; quando, de cada 3 batimentos, o 3º é uma ESV, o ritmo é chamado de trigeminismo, e assim por diante. Quando uma ESV cai sobre o período vulnerável do ST, pode haver uma TV ou FV. As ESV são, geralmente, bem toleradas e raramente tratadas, exceto quando os sintomas de palpitação são importantes.
- Critérios diagnósticos ao ECG: • QRS com aparência aberrante (≥0,12ms); • Ritmo irregular; • Onda P geralmente oculta pela ESV, podendo determinar a pausa compensatória.
B - 2ª pergunta: existe onda P? Após a identificação do complexo de QRS, deve-se tentar identificar a onda P normal. A ausência desta ou a presença de ondas P atípicas permitem o diagnóstico de várias arritmias.
a) Fibrilação Atrial (FA) É a arritmia cardíaca mais frequente, responsável por 30% das internações por alteração do ritmo cardíaco. Apresenta incidência de 0,1% na população acima de 40 anos. A prevalência na população é alta, chegando a 8% da população acima de 80 anos (Figura 8). Os portadores de FA sem intervenção terapêutica têm até o dobro da mortalidade em relação aos não portadores. O prognóstico da arritmia relaciona-se aos eventos embólicos arteriais. Um em cada 6 acidentes vasculares cerebrais isquêmicos tem a FA como causa básica. Quando a FA é causada por valvulopatia reumática (geralmente, estenose mitral), a chance de evento embólico aumenta 17 vezes em relação à população sem FA e 5 vezes em relação à população com FA sem valvulopatia associada. O fenômeno tromboembólico decorre da formação de trombos atriais, principalmente na aurícula esquerda, que não é corretamente avaliada pelo ecocardiograma transtorácico. Com a persistência do ritmo de FA, os átrios sofrem processo de remodelação muscular, determinando a sua dilatação e favorecendo a persistência da arritmia.
Figura 8 - Prevalência de FA
Esta arritmia pode resultar de múltiplas áreas de reentradas dentro dos átrios ou de múltiplos focos ectópicos. É frequentemente desencadeada por síndrome do nó sinusal, hipóxia, pressão atrial aumentada, pericardites e outras condições menos frequentes, como a ingestão de álcool. Quando há doença isquêmica miocárdica, a causa mais comum é o aumento da pressão atrial esquerda decorrente da falência miocárdica. Usualmente, a atividade elétrica atrial é muito elevada (de 400 a 700 despolarizações por minuto) determinada pela despolarização de vários pequenos seguimentos atriais e não de todo o átrio. Isso gera contração atrial desordenada e estase sanguínea, favorecendo a formação dos trombos atriais.
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As ondas fibrilatórias têm frequência variável, e a passagem delas pelo nó AV ocorre de forma aleatória, determinando o ritmo ventricular irregular. Nem todos os estímulos que chegam ao nó AV passam para o ventrículo, podendo ser bloqueados no próprio nó. É o que determina a resposta da frequência ventricular menor do que o número de estímulos iniciados no átrio. A FA, geralmente, é secundária a alguma doença subjacente cardíaca, podendo ocorrer de forma crônica ou em paroxismos, sem outras evidências de doença cardíaca. O tratamento inicial envolve o controle da frequência cardíaca por meio de drogas que retardam a condução dentro do nó AV, determinando redução da resposta ventricular, como diltiazem, verapa-
ARRITMIAS CARDÍACAS
Figura 9 - Fibrilação atrial
A sintomatologia da FA é muito variada e pode ocorrer de forma assintomática, embora a maioria dos pacientes refira palpitação, tontura, dor torácica, fadiga, síncope e períodos de escurecimento visual. Em relação à apresentação, a FA pode ser classificada como: - FA inicial ou aguda: 1º episódio documentado com duração >30s;
- FA crônica: é definida quando se documenta a recorrência de FA após um episódio de FA inicial e pode ser classificada em paroxística, persistente e permanente;
- FA paroxística: resolução espontânea da arritmia com
duração geralmente <7 dias e frequentemente <24 horas; geralmente, não necessita de tratamento de manutenção, exceto anticoagulação conforme comorbidades associadas;
- FA persistente: demanda tratamento específico para a reversão ao ritmo sinusal, durando geralmente mais de 7 dias. É chamada de longa duração quando permanece por mais de 1 ano;
- FA permanente: aquela em que houve falha nas ten-
tativas de cardioversão química ou elétrica ou aquela em que se optou por não tentar a reversão da arritmia;
- FA recorrente: história de 2 ou mais episódios de FA;
se não houver sintomas incapacitantes, apenas a anticoagulação e o controle da FC serão necessários. Caso os sintomas sejam significativos, é necessária droga antiarrítmica para prevenção de recorrência ou ablação.
A FA também pode ser classificada como primária ou secundária. A FA primária não está associada a outras causas (como IAM, IC, pericardite e TEP), pois, nesses contextos, a FA tende a resolver-se quando há controle da causa de base. A FA secundária é tida como entidade diferente da primária, pois a recorrência/persistência não é esperada. A FA isolada é encontrada em indivíduos abaixo dos 60 anos, sem sinais clínicos ou ecocardiográficos de doença cardiopulmonar associada. No entanto, a maioria dos casos de FA associa-se a patologias cardiopulmonares. O manuseio da FA tem 2 objetivos principais: controles de sintomas e prevenção de eventos cardioembólicos. A terapêutica baseada nestes 2 princípios determina redução da mortalidade quando comparada a nenhum tratamento. Para isto, o tratamento da FA passa por 2 focos principais: reversão da arritmia e controle da resposta ventricular. A reversão do ritmo de FA para ritmo sinusal visa evitar eventos tromboembólicos e sintomatologia no paciente, além de impedir o remodelamento ventricular e a progressão para Insuficiência Cardíaca (IC) determinados pela arritmia. No entanto, os efeitos colaterais das drogas utilizadas para reversão do ritmo são maiores que os das drogas utilizadas para controle da frequência cardíaca em longo prazo, assim a melhor estratégia terapêutica na FA ainda não é definida: será a reversão da arritmia melhor do que a estratégia de controle da frequência cardíaca? Um estudo recente mostrou a melhor tolerância ao exercício nos pacientes mantidos em ritmo sinusal. Porém, a estratégia de controle da resposta ventricular na FA crônica associada à anticoagulação mostra os mesmos bene-
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CARDIOLOGIA
mil, beta-bloqueadores ou digoxina. A reversão da FA fica condicionada ao tempo de existência da arritmia, pois a perda da contração mecânica efetiva dos átrios permite a formação de trombos intra-atriais pela estase sanguínea subsequente. Quando há o retorno ao ritmo sinusal e a contração mecânica atrial é restabelecida, podem ocorrer fenômenos tromboembólicos agudos, principalmente arteriais. - Critérios ao ECG: • Frequência atrial: normalmente, não pode ser contada, enquanto a frequência ventricular pode chegar de 160 a 180bpm; • Ritmo: o ritmo ventricular é irregular, devido à presença de bloqueio atrioventricular (BAV) fisiológico que protege os ventrículos da imensa quantidade de impulsos atriais. Na fibrilação atrial, o BAV é sempre inconstante; • Ondas P: substituição das ondas P por outras denominadas de ondas F (fibrilação). Estas se apresentam muito diferentes umas das outras, na amplitude, na duração ou no formato, sem qualquer semelhança entre elas. Ocorre substituição da linha de base isoelétrica por ondulações ou serrilhado polimórfico; • Intervalo QRS: a condução ventricular é normal, exceto se há condução aberrante intraventricular.
CARD I OLOG I A fícios na ocorrência de complicações (IC, AVC, número de internações). A seguir, um algoritmo para tratamento de acordo com a classificação da FA.
Figura 11 - Conduta medicamentosa para controle de FA persistente/paroxística
Figura 10 - Estratégia terapêutica para tratamento da FA
A reversão para ritmo sinusal pode ser obtida por cardioversão farmacológica ou elétrica. O uso de antiarrítmicos é reservado a pacientes estáveis, sem grande repercussão clínica da arritmia, enquanto o uso da cardioversão elétrica é indicado aos instáveis, independente da duração da FA, e aos casos refratários ao uso de antiarrítmicos. O índice de reversão da FA por terapêutica farmacológica é menor que o obtido pela cardioversão elétrica que deve ser iniciada com 100 a 200J na onda monofásica ou entre 120 e 200J na onda bifásica; elevações de 100J na energia são adicionadas aos choques subsequentes até a reversão da arritmia e/ou a carga de 360J em onda monofásica e 200J em onda bifásica. A reversão para ritmo sinusal do 1º episódio de FA, principalmente em pacientes jovens deve ser considerada, primordialmente pelo baixo risco de recorrência, quando:
- Átrio esquerdo <4,5 a 5cm; - Causa reversível identificada
(hipertireoidismo, pericardite, cirurgia cardíaca, tromboembolismo pulmonar).
A escolha do fármaco para o tratamento da FA persistente depende da existência de doença cardíaca estrutural em vista dos efeitos colaterais das drogas utilizadas. A Figura 11 apresenta as opções terapêuticas.
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Em nosso meio, é frequente o uso de digoxina associada a quinidina para controle e reversão da FA. Porém, a última diretriz brasileira de FA contraindica o uso de digoxina com esse objetivo e classifica como IIb o uso de quinidina com essa indicação nos pacientes sem disfunção ventricular. Apesar de rara a associação de FA e Síndrome de Wolff-Parkinson-White (SWPW), alguns cuidados devem ser tomados no manuseio da FA nessa situação. Quando a FA se instala no portador da síndrome, em geral, ocorre alta resposta ventricular a arritmia. No entanto, há competição entre os estímulos conduzidos através do nó AV e pela via AV anômala responsável pela síndrome. Quando há o uso de drogas que determinam a redução seletiva na condução do nó AV (não atuam sobre a via anômala), há inibição da competição entre as 2 vias, causando o aumento do número de estímulos conduzidos efetivamente ao ventrículo, determinando aumento da resposta ventricular e evolução para FV, já que 300 a 400 estímulos passam por minuto pela via anômala “liberada” pelo bloqueio seletivo do nó AV. Por isso, para o controle da resposta ventricular na FA, devem-se utilizar drogas que bloqueiem tanto o nó AV como a via de condução AV anômala, como a amiodarona. Devem-se evitar beta-bloqueadores, bloqueadores de canais de cálcio e digoxina. Há modalidades terapêuticas além da farmacológica, no manuseio da FA. A ablação cirúrgica dos pontos de ectopia atrial é possível quando o paciente é submetido à revascularização miocárdica ou troca valvar. Na vigência de outras indicações de marca-passo, a aplicação de um eletrodo
ARRITMIAS CARDÍACAS
Outro ponto importante da estratégia terapêutica da FA é a terapia anticoagulante, cujo objetivo principal é reduzir a possibilidade de evento tromboembólico no manuseio da FA. Proteger o doente de eventos cardioembólicos deve ser considerado diante dos riscos de complicações hemorrágicas do tratamento. Por isso, a indicação terapêutica varia de acordo com o grau de risco do evento. A antiagregação plaquetária com aspirina e a anticoagulação oral são eficazes em reduzir o número de eventos cardioembólicos (redução de 22 e 64%, respectivamente). Nos pacientes com valvulopatia e FA associada, a anticoagulação é fortemente recomendada. Na população não valvulopata, a indicação de antiagregação/anticoagulação é discutida a seguir, assim como as orientações para antiagregação/anticoagulação dos pacientes que terão a FA revertida para ritmo sinusal (Tabela 1) e para aqueles com recorrência/persistência da arritmia (Figura 12). De forma geral, todo indivíduo com FA persistente deve ter proteção contra evento cardioembólico, cuja estratégia é definida a partir dos fatores de risco associados (CHADS – Congestive Heart failure/Hypertension/Age >75 anos/Diabetes/ Secundary prevention). A reavaliação contínua desses fatores ao longo da evolução do paciente com FA pode determinar mudança da estratégia protetora. A decisão de permanecer o paciente anticoagulado ou apenas antiagregado deve basear-se em alguns fatores. A Diretriz Brasileira de FA indica a seguinte classificação de risco a ser seguida. Tabela 1 - Classificação de risco indicada pela Diretriz Brasileira de FA Categoria de risco
Terapia recomendada
Sem fatores de risco
Aspirina 81 a 325mg
1 fator de risco moderado
Aspirina 81 a 325mg ou varfarina (RNI 2 a 3)
Categoria de risco Qualquer fator de risco elevado ou + de 1 fator de risco moderado
Terapia recomendada Varfarina (RNI 2 a 3) Fator de risco moderado
Fator de risco fraco
Fator de risco elevado
Sexo feminino
Idade >75 anos
AVEI/AIT
Idade: 65 a 74 anos
Hipertensão arterial
Embolia prévia
Doença coronariana
IC
Estenose mitral
Tireotoxicose
FE <35% Diabetes mellitus
Prótese valvar
A anticoagulação aplicada à reversão do ritmo de FA para sinusal deve ser cercada de alguns cuidados. Após a reversão para ritmo sinusal, o átrio permanece sem função contrátil por um período de até semanas, favorecendo a formação de trombos atriais. Quando ocorre a recuperação mecânica atrial, há o risco de o trombo formado ser ejetado e acontecer o fenômeno embólico. Quanto maior o período em FA, maior o tempo para a recuperação mecânica ocorrer. Isso explica porque a maioria dos eventos embólicos acontece até o 10º dia após a reversão da FA para ritmo sinusal. O INR alvo na anticoagulação da FA é de 2 a 3. Estima-se que a FA de início recente (<48 horas) apresenta pouco risco para a formação do trombo atrial, não necessitando de anticoagulação nos pacientes sem cardiopatia associada ou outros fatores de risco para evento tromboembólico. Para os pacientes com tempo de FA acima de 48 horas ou por tempo indeterminado, é recomendada a anticoagulação por 3 semanas previamente à reversão para o ritmo sinusal. Quando o ecocardiograma transesofágico está disponível, é possível identificar os pacientes que tenham trombos atriais (sensibilidade acima de 90%). Quando há trombo, é adequada a anticoagulação prévia por 3 a 4 semanas anteriormente à cardioversão, mantendo a anticoagulação por mais 4 semanas após a conversão para ritmo sinusal. Quanto aos pacientes que não tenham trombos ao ecocardiograma, deve-se iniciar heparinização plena, e pode-se proceder à cardioversão e manter a anticoagulação por mais 4 semanas. Portanto, o ecocardiograma apenas permite reduzir o tempo de anticoagulação. Tabela 2 - Anticoagulação e tempo de duração da FA - FA aguda (<48h): não anticoagular, proceder ao controle/reversão da FA; - FA crônica ou de duração indeterminada: proceder à anticoagulação e ao controle da FC; após 3 a 4 semanas com RNI entre 2 a 3, proceder à cardioversão e manter a anticoagulação por mais 3 a 4 semanas. Na vigência de ecocardiograma transesofágico negativo para trombo atrial, proceder à cardioversão e manter a anticoagulação por 3 a 4 semanas.
Nos pacientes com FA permanente, persistente ou paroxística, é necessária a proteção prolongada para eventos cardioembólicos. A intensidade dessa proteção é determi-
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atrial promove a despolarização atrial coordenada. Outra possibilidade é a ablação de FA através de cateter ou a colocação de marca-passo AV associado à ablação do nó AV nos pacientes refratários aos tratamentos farmacológicos. De forma resumida, podemos destacar as seguintes recomendações para manuseio da FA, segundo o Consenso Europeu de FA: - A estratégia de controle da frequência é preferida em pacientes mais idosos e pouco sintomáticos, em virtude dos efeitos pró-arrítmicos das drogas para reversão do ritmo e da prevalência elevada de FA permanente nesta faixa etária; - A estratégia de controle de ritmo é preferida em pacientes sintomáticos, a despeito da terapêutica de controle da frequência, mesmo naqueles pacientes com insuficiência cardíaca sintomática; - A estratégia de controle de ritmo é sugerida para pacientes jovens sintomáticos; - A estratégia de controle de ritmo é sugerida para pacientes com FA secundária determinada por causa já corrigida.
CARD I OLOG I A nada pela presença de fatores de risco que potencializam o risco do evento, que pode ser baixo, moderado ou alto, determinando o uso de AAS ou varfarina, conforme a Tabela 2. Nos pacientes com valvulopatia e FA associada, a anticoagulação é fortemente recomendada. Recentemente, um estudo demonstrou que o dabigatrana, um inibidor da trombina, pode ser utilizado na FA como terapêutica isolada de anticoagulação, com menor risco de sangramento, quando comparado com a varfarina. Nos pacientes com contraindicação formal ao uso de anticoagulantes, a associação de AAS e clopidogrel pode ser utilizada, apesar do efeito protetor para eventos embólicos desta associação ser menor do que aquele determinado pela warfarina.
blema. Há, ainda, a substituição das ondas P por outras denominadas de ondas F (Flutter), de aspecto pontiagudo, largas, interligadas umas às outras e apresentam aspecto semelhante; • Intervalo PR: geralmente, regular, mas pode variar; • Intervalo QRS: geralmente, normal.
b) Flutter atrial Trata-se de uma arritmia desencadeada por um circuito de reentrada intra-atrial. A despolarização atrial acontece de baixo para cima e é mais bem observada nas derivações inferiores (DII, DIII e aVF). O registro de ondas “em dente de serra” da atividade atrial caracteriza o flutter atrial. Em geral, a frequência dessa atividade varia de 220 a 350 despolarizações por minuto. No entanto, tais estímulos sofrem um bloqueio fisiológico no nó AV, caracterizando os ritmos de batimento atrial em relação ao ventricular 2:1, 3:1 e assim por diante. Algumas drogas, como beta-bloqueador, digital e verapamil podem determinar aumento do grau de bloqueio e, até mesmo, torná-lo variável. É uma arritmia que raramente acontece na ausência de patologia cardíaca e, em geral, associa-se à doença valvar mitral ou tricúspide, cor pulmonale crônico e agudo ou doença coronária. Também é raro ocorrer por intoxicação digitálica. O tratamento preferencial para o paciente instável é a cardioversão elétrica, iniciada em 50J. O indivíduo que tolera razoavelmente a arritmia pode ter sua frequência controlada com diltiazem, digital, verapamil ou beta-bloqueadores. A reversão da arritmia pode ser atingida com o uso de quinidina, procainamida ou amiodarona, apesar de o sucesso na estratégia farmacológica não ser frequente. Após a falha terapêutica farmacológica, deve-se cardioverter eletricamente o doente. Embora haja poucos dados a respeito, aconselha-se o seguimento das mesmas orientações de anticoagulação definidos para a FA no manuseio do flutter, apesar de a apresentação crônica de tal patologia ser incomum. - Critérios ao ECG: • Frequência atrial: geralmente, em torno de 300bpm;
Figura 12 - Flutter atrial
C - 3ª pergunta: existe relação entre a onda “P” e o QRS? Ao ECG normal, todo complexo QRS é precedido de uma onda P, e o intervalo PR normal é de, no máximo, 0,20ms. Os bloqueios cardíacos são ritmos causados pela condução alterada através do nó AV. À medida que a velocidade de condução pelo nó AV diminui, o intervalo PR aumenta. Quando o bloqueio é intenso, algumas ondas P não passam para o ventrículo, e, na pior situação, nenhuma onda P chega ao ventrículo. Há 3 graus possíveis de BAV: a) BAV de 1º grau Traduz, simplesmente, o retardo na passagem do impulso do átrio para os ventrículos, geralmente no nó AV, mas pode ser também infranodal. O intervalo é maior do que 0,20ms, e toda onda P determina um QRS. O tratamento, geralmente, é desnecessário quando não há sintomas. - Critérios ao ECG: • QRS normal; • Ritmo regular; • Onda P: onda normal, seguida de QRS; • Intervalo PR: maior do que 0,20ms; geralmente, permanece constante.
• Ritmo: é regular, mas pode ser irregular em caso de bloqueio AV variável; • Onda P: as ondas atriais lembram os dentes de uma serra e são mais bem identificadas nas derivações inferiores; em graus de bloqueio 1:1 ou 2:1, pode ser difícil identificar as ondas do flutter, mas o uso de manobra vagal ou de adenosina resolve tal pro-
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Figura 13 - BAV de 1º grau
b) BAV de 2º grau Alguns estímulos são bloqueados e outros conduzidos. Esse tipo de bloqueio é subdividido em:
- BAV de 2º grau Mobitz I: também conhecido como
fenômeno de Wenckebach, usualmente é causado por aumento do tônus simpático no nó AV ou ação de drogas (digital, verapamil), podendo ocorrer na região juncional; geralmente, é transitório e de bom prognóstico. Caracteriza-se pelo aumento progressivo do intervalo PR, até haver o bloqueio total de uma onda P, repetindo o mesmo padrão ao longo do tempo. O tratamento específico raramente é necessário, a menos que estejam presentes sinais e sintomas graves. • Critérios ao ECG: * QRS: normal; * Frequência: a atrial não é afetada, mas a ventricular se altera devido às ondas P bloqueadas. O intervalo da pausa elétrica é menor que o dobro do intervalo diastólico do ciclo sinusal precedente; * Ritmo: o ritmo atrial é regular, ao contrário do ventricular; * Onda P: aspecto normal, sucedida por QRS, exceto aquela bloqueada. Intervalos P-P progressivamente mais curtos, até a ocorrência da pausa.
• Critérios ao ECG: * QRS: normal, quando o bloqueio ocorre no feixe de His; quando abaixo desse nível, o QRS é alargado; * Frequência: a frequência atrial não é afetada, e a ventricular é menor que a atrial. Ausência de 1 ou mais ciclos elétricos completos P-QRS-T, traduzidos por uma pausa elétrica; * Ritmo: o ritmo atrial é regular, enquanto o bloqueio intermitente da onda P determina resposta ventricular irregular; * Ondas P: morfologia normal. Intervalos P-P constantes, nos ciclos de base; * Intervalo da pausa elétrica: o dobro do intervalo diastólico do ciclo sinusal; * Intervalo PR: pode ser normal ou alargado, porém é constante nas ondas P que são conduzidas; pode haver diminuição do PR após uma onda P bloqueada.
Figura 15 - BAV 2º de grau Mobitz II
c) BAV de 3º grau Figura 14 - BAV de 2º grau Mobitz I
- BAV de 2º grau Mobitz II: é mais comum no feixe de His
e em seus ramos. Geralmente, associa-se à lesão orgânica do sistema de condução, sendo raramente derivado do aumento do tônus parassimpático ou da ação de drogas. Tem maior probabilidade de evoluir para bloqueio AV total. A característica do BAV de 2º grau é de não haver alargamento do intervalo PR antes da onda P, e pode haver mais de 1 batimento não conduzido no momento do bloqueio. O tratamento depende da condição clínica do paciente. Quando há repercussão hemodinâmica da bradicardia, o tratamento imediato consiste em marca-passo transcutâneo; na ausência do dispositivo ou na falha da sua captura, podem-se utilizar drogas adrenérgicas, como a dopamina ou a adrenalina em infusão contínua, para melhora da frequência. O paciente assintomático deve receber marca-passo transcutâneo para teste de captura elétrica que deve ser mantido desligado (ligado novamente caso o paciente se torne instável). Tal medida é necessária em virtude do risco de o indivíduo piorar o ritmo da bradicardia e tornar-se sintomático. Tanto no paciente instável quanto no estável, é aceitável atropina para melhora da frequência cardíaca; essa medida é mais efetiva nos graus mais elevados de bloqueio AV.
Representa uma desconexão total entre átrios e ventrículos, podendo ocorrer no nível do nó AV, feixe de His ou nos seus ramos. No 1º caso, o ritmo que mantém a frequência ventricular é, geralmente, originado na região do nó juncional (ritmo de escape juncional), com frequência estável de 40 a 60bpm e QRS estreito. É associado a IAM inferior, efeito de drogas (beta-bloqueador) ou dano ao nó AV, sendo de bom prognóstico. Quando o BAV acontece em região infranodal, em geral é de 2 ramos, e é indicativo de lesão extensa do sistema de condução intracardíaca. O ritmo de escape desse bloqueio é em geralmente ventricular, com 30 a 40bpm, e o QRS, por ser originado no próprio ventrículo, é alargado, não sendo um marca-passo confiável, podendo evoluir para assistolia. - Critérios ao ECG: • QRS: geralmente normal, pode ser alargado, dependendo da origem do ritmo de escape; • Ondas P: normais; • Frequência: a atrial é normal, e a ventricular é menor que a atrial; • Ritmo: o ritmo atrial é regular, mas pode ser irregular; o ritmo ventricular é sempre regular; • Intervalo PR: é variável pela independência atrial e ventricular.
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CARDIOLOGIA
ARRITMIAS CARDÍACAS
CARD I OLOG I A
Figura 16 - BAVT
Figura 17 - Tratamento das bradicardias sintomáticas
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O manuseio das bradiarritmias deve seguir as orientações do fluxograma a seguir. Quando assintomática, a bradicardia deve ser tratada de forma conservadora, buscando a reversão das possíveis causas associadas. Quando determinada por ritmo de BAV de 2º grau Mobitz II ou BAV de 3º grau, recomenda-se marca-passo transcutâneo como dispositivo de segurança para estabilização do quadro, utilizado somente na ocorrência de desestabilização. Na bradicardia sintomática, independente da forma (bradicardia sinusal, bloqueio AV total etc.), devem-se utilizar as orientações descritas na Figura 17. Sintomas e sinais como hipotensão, choque, congestão pulmonar, tontura, dor torácica isquêmica, IC, fraqueza ou fadiga e alteração aguda da consciência, definem a situação de instabilidade da bradicardia.
ARRITMIAS CARDÍACAS
- Extrassístoles juncionais Trata-se de impulso elétrico com origem na junção AV e que acontece antes do próximo impulso sinusal fisiológico, determinando uma despolarização atrial retrógrada, com onda P negativa nas derivações inferiores. Essa onda pode coincidir com o complexo QRS, precedê-lo ou segui-lo por haver dependência do tempo de condução relativo entre o local de origem na junção e os átrios e ventrículos; quando o impulso é gerado em uma porção mais alta da junção AV, a onda P retrógrada geralmente antecede ou coincide com o QRS; porções mais baixas da junção podem determinar a onda P retrógrada após o QRS. Raramente, é necessário tratamento. - Critérios ao ECG: • QRS: normal; pode ocorrer QRS alargado, indicando bloqueio de ramo; • Ritmo: irregular; • Ondas P: geralmente negativas nas derivações inferiores (aVF, DII e DIII), determinadas pelas despolarizações retrógradas; pode coincidir com o QRS, precedê-lo ou vir depois dele; • Intervalo PR: geralmente menor do que 0,12ms. Pode ocorrer em BAV total.
- Escape juncional A junção AV pode funcionar como marca-passo cardíaco, gerando uma frequência de 40 a 60bpm. Em situações normais, o marca-passo sinusal predomina sobre a junção AV em virtude da frequência mais alta de despolarizações. Quando não há tal predomínio, ou seja, quando não há o estímulo do nó AV pela ordem sinusal em 1 a 1,5 segundo, o nó AV despolariza-se de forma autônoma, gerando o chamado complexo de escape juncional. Quando há uma série repetida de tais estímulos, estamos diante do ritmo de escape juncional. Trata-se de uma situação frequentemente associada à intoxicação digitálica.
Figura 18 - (A) Ondas P retrógradas antes do QRS e (B) após o QRS
- Critérios ao ECG:
• QRS: normal; • Frequência: o ritmo de escape juncional tem frequência de 40 a 60bpm; • Ritmo: a presença de alguns complexos de escape juncional pode causar ritmo irregular, no entanto o ritmo de escape juncional geralmente é regular; • Ondas P: pode haver a onda P retrógrada; • Intervalo PR: geralmente variável, porém menor do que o PR da onda sinusal; • Intervalo QRS: normal.
Figura 19 - Extrassístole juncional
D - 4ª pergunta: qual a frequência cardíaca? Um grupo final de ritmos deve ser identificado com base na análise da frequência: a bradicardia e a taquicardia sinusal e a taquicardia supraventricular. A frequência cardíaca do traçado eletrocardiográfico pode ser avaliada por várias formas. Uma mais trabalhosa é dividir o número 1.500 pelo número de quadrinhos existentes entre 2 ondas R de 2 complexos QRS consecutivos (passam pela fita do traçado 1.500 quadrinhos em 1 minuto); o resultado é a frequência cardíaca do traçado. Uma forma mais simples de determinar a frequência cardíaca é lembrar a regra numérica descrita na Figura 20. Ao avaliar o traçado, encontra-se uma onda R do QRS que incide sobre o início do intervalo de 200ms (5 quadrados menores). A partir desse ponto, contam-se quantos intervalos de 5 quadrinhos existem, aproximadamente, até a próxima onda R do QRS. Tal regra pré-calcula o número prévio de quadrinhos entre as ondas R de 2 QRS consecutivos, determinando a FC. Frequências >100bpm são consideradas taquicárdicas, e <60bpm, bradicárdicas.
Figura 20 - Forma rápida para cálculo da frequência cardíaca
53
CARDIOLOGIA
d) Complexos juncionais O tecido de condução próximo ao nó AV pode assumir a função de marca-passo do coração. Isso acontece em pacientes com frequências cardíacas baixas (de 40 a 60bpm) e complexos QRS invertidos, porém estreitos, e podem ser identificadas ondas P retrógradas nas derivações DII e DIII.
CARD I OLOG I A a) Taquicardia sinusal Definida pelo aumento da frequência de despolarizações atriais, compreende uma resposta fisiológica à necessidade de aumento do débito cardíaco. Pode ser determinada por febre, exercício, ansiedade, hipovolemia e dor, devendo ser tratada a causa que a determinou e não a própria taquicardia. - Critérios ao ECG: • QRS: normal; • Frequência: acima de 100bpm; • Ritmo: regular; • Ondas P: positivas em DII, DIII e aVF. b) Bradicardia sinusal Determinada pela lentidão do nó sinusal em despolarizar-se, podendo acontecer devido ao efeito de determinadas drogas (beta-bloqueador, digital e verapamil), doença do nó sinusal ou aumento do tônus parassimpático. - Critérios ao ECG: • QRS: normal; • Frequência: abaixo de 60bpm; • Ritmo: regular; • Ondas P: positivas em DII, DIII e aVF.
cuidado com pacientes com QRS alargado, pois pode tratar-se de taquicardia ventricular; - Flutter e fibrilação atrial: já discutidos; - Taquicardia atrial não paroxística: normalmente, é secundária a outros eventos, mais comumente à intoxicação digitálica. Seu mecanismo envolve o surgimento de um foco atrial ectópico com automatismo aumentado. É comum associar-se ao bloqueio AV variável. • Critérios ao ECG: * Frequência: a atrial, em geral, oscila entre 140 e 220bpm; * Ritmo: o ritmo atrial é normalmente regular; pode haver bloqueio AV o que determinará frequência ventricular menor; * Ondas P: de difícil identificação, geralmente com morfologia diferente da onda P sinusal; * Intervalo PR: normal ou prolongado; * Intervalo QRS: normal ou alargado.
4. Abordagem das taquiarritmias As taquiarritmias caracterizam-se por uma frequência cardíaca >100bpm e podem ser classificadas em instáveis (apresentam os mesmos critérios de instabilidade das bradicardias citados) ou estáveis: a) Taquicardias com QRS estreito (todas de origem supraventricular) Taquicardia sinusal, fibrilação atrial, flutter atrial, taquicardia atrial, taquicardia por reentrada nodal, taquicardia juncional e taquicardia AV (ortodrômica – envolvendo uma via acessória). Ainda podem ser diferenciadas entre as taquicardias com intervalo QRS irregular ou regular.
Figura 21 - (A) Taquicardia sinusal; (B) bradicardia sinusal e (C) ritmo sinusal
c) Taquicardias supraventriculares As taquicardias supraventriculares podem ser multifocais ou uniformes e englobam as seguintes arritmias: - Taquicardia paroxística supraventricular (TPSV): ocorre em episódios paroxísticos de taquicardia com início abrupto e duração breve (segundos) ou prolongada (horas) e pode ser abortada por manobras vagais. O mecanismo mais comumente associado é a reentrada, em geral envolvendo somente o nó AV ou este juntamente com uma via anômala acessória. Os complexos QRS são estreitos, porém podem ocorrer de forma alargada quando há bloqueio de ramo frequência-dependente, bloqueios preexistentes ou por condução anterógrada aos ventrículos por via anômala extranodal, como na SWPW (feixe de Kent). A despolarização atrial é retrógrada (onda P negativa). Tal arritmia é bem tolerada em jovens, e o tratamento envolve o uso de manobra vagal, adenosina, verapamil ou beta- bloqueador. Deve-se ter
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Figura 22 - Taquicardias com QRS estreito
b) Taquicardias com QRS largo (na maioria das vezes, de origem ventricular) Taquicardia ventricular, fibrilação ventricular e TSV com aberrância de condução intraventricular (com bloqueio de ramo antigo ou funcional).
CARDIOLOGIA
ARRITMIAS CARDÍACAS
Figura 23 - Taquicardias com QRS largo
c) Taquicardias pré-excitadas (de origem supraventricular) Taquicardia antidrômica (utiliza em sentido anterógrado uma via acessória e, em sentido retrógrado, o nó AV) e taquiarritmias atriais que são conduzidas através de uma via acessória. A seguir, os algoritmos para tratamento das taquiarritmias de complexo QRS largo e estreito com intervalo regular ou irregular do QRS.
Figura 24 - Tratamento das taquicardias com QRS estreito
55
CARD I OLO G I A
Figura 25 - Tratamento das taquicardias com intervalo QRS irregular
5. Resumo Quadro-resumo - A correta identificação do ritmo cardíaco é essencial na conduta terapêutica das arritmias; - As FV/TV sempre devem ser tratadas imediatamente com desfibrilação elétrica (choque não sincronizado); - A TV, TSV e a FA instáveis devem ser tratadas com cardioversão elétrica imediata; - A FA estável pode ter seu tratamento de 2 formas: controle do ritmo (reversão para sinusal) ou controle da FC (resposta ventricular); - Nas bradicardias sintomáticas, a aplicação do marca-passo transcutâneo está indicada; o uso de atropina pode ser empregado; - Na falha da atropina ou do marca-passo, epinefrina ou dopamina podem ser utilizadas para tratar a bradicardia sintomática.
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CAPÍTULO
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Angina estável Rodrigo Antônio Brandão Neto / José Paulo Ladeira / Fabrício Nogueira Furtado
1. Introdução e definições
2. Epidemiologia
A angina estável é a forma de apresentação de cerca de 50% dos casos de insuficiência coronariana crônica. É definida, segundo as Diretrizes Brasileiras de Angina Estável, como uma síndrome clínica caracterizada por dor ou desconforto em quaisquer das seguintes regiões: tórax, epigástrio, mandíbula, ombro, dorso ou membros superiores, sendo, tipicamente, desencadeada ou agravada por atividade física ou estresse emocional e atenuada com repouso, uso de nitroglicerina e derivados. Com base nessas características, a angina pode ser classificada como típica, atípica ou de origem não cardíaca, conforme a Tabela 1. A maioria dos pacientes apresenta estenose de ao menos 70% de uma das principais artérias coronarianas ao apresentar sintomas clínicos. Pode, entretanto, ocorrer em pacientes com doença cardíaca valvar, cardiomiopatia hipertrófica e hipertensão não controlada. Pacientes com coronárias normais podem, ainda, ter isquemia miocárdica relacionada a vasoespasmo ou disfunção endotelial, apresentando-se sob a forma de angina. A angina precordial acontece quando a demanda de oxigênio pelo miocárdio supera a oferta, e a dor é indicativa da presença de isquemia miocárdica transitória. O diagnóstico clínico de angina estável tem capacidade de predizer a presença de doença coronariana com 90% de acurácia. Do ponto de vista angiográfico, a doença arterial coronariana é considerada significativa quando ocorre estenose de, no mínimo, 70% do lúmen do vaso, ao menos em 1 segmento de 1 das artérias epicárdicas maiores, ou estenose maior que 50% do diâmetro do tronco da coronária esquerda. Apesar de lesões com menor grau de estenose também causarem angina, estas apresentam melhor prognóstico nessas situações.
Há dúvida quanto à real prevalência da doença coronariana, mas certamente são milhões de casos. Uma estatística americana mostra uma incidência em torno de 213:100.000, na população com idade acima de 30 anos. Segundo estimativas da American Heart Association (AHA), pelo menos 6.500.000 pacientes nos EUA apresentam dor precordial. Entretanto, também têm um prognóstico relativamente bom, em comparação àqueles com insuficiência coronariana, que evoluem para infarto agudo do miocárdio de 3 a 3,5% ao ano (pacientes que apresentam angina estável crônica). Portanto, pode-se estimar que, para cada paciente que necessita de internação por doença coronariana aguda, há um pouco mais de 30 pacientes com angina estável. De qualquer forma, a doença coronariana ainda é a maior causa de mortalidade no mundo, representando a causa de morte em 1 a cada 4,8 óbitos nos EUA.
3. Fisiopatologia A angina acontece quando há isquemia miocárdica regional, devido à perfusão coronariana inadequada, usualmente associada a situações em que o consumo de oxigênio aumenta, como estresse emocional e atividade física. Uma característica dessa situação é a reversibilidade dos sintomas após a interrupção do fator estressante e/ou o uso de nitratos (gera vasodilatação coronariana). A angina pectoris ocorre como consequência da evolução da arteriosclerose coronariana. Nesse processo, inicialmente aparecem estrias gordurosas, que são formações planas amareladas sem repercussão clínica; posteriormente, podem aparecer placas fibrolipídicas. Estas são formações elevadas na superfície da íntima que podem se associar a complicações como fissuras, trombose, roturas, calcifica-
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CARD I OLOG I A ção e necrose. As placas fibrolipídicas podem ser divididas em estáveis e instáveis. Quando ocorrem fissuras e roturas, pode haver instabilidade da placa, de forma que o paciente evolui com síndrome coronariana instável. Por sua vez, quando o indivíduo apresenta calcificação, com obstrução fixa ao fluxo coronariano, há evolução para angina estável.
4. Manifestações clínicas A - Anamnese Na história clínica, devem-se observar os caracteres propedêuticos da dor tipo anginosa, conforme descrito a seguir: - Caráter: em pressão, aperto, constrição ou peso; - Duração: alguns minutos (usual), pacientes com quadro de aparecimento repentino e duração fugaz, ou com várias horas de evolução, raramente apresentam angina; - Localização: subesternal, podendo ocorrer, ainda, em ombro, epigástrio, região cervical, hemitórax e dorso; - Irradiação: eventualmente, para membros superiores (direito, esquerdo ou ambos), ombro, mandíbula, pescoço, dorso e região epigástrica; - Intensidade: variada, pode levar o indivíduo à imobilidade por alguns minutos ou ser menos pronunciada, em especial em alguns grupos com neuropatia associada (diabéticos, por exemplo); - Fatores desencadeantes (e de piora): precipitação por esforço físico e estresse emocional; - Fatores de melhora: alívio característico com repouso ou uso de nitratos; - Sintomas associados: possibilidade de náuseas, vômitos e palidez mucocutânea.
B - Exame físico O exame físico é quase sempre normal, entretanto a presença de 3ª ou 4ª bulha cardíaca, sopro de regurgitação mitral e estertores pulmonares são sugestivos de doença coronariana no indivíduo com dor no momento do exame. O achado de aterosclerose em outros locais costuma ter boa correlação com a presença de doença coronariana, assim como a presença de múltiplos fatores de risco cardiovascular, como hipertensão arterial, tabagismo, dislipidemia e antecedente familiar de doença cardiovascular, os quais aumentam a probabilidade diagnóstica.
5. Classificação da dor torácica A dor torácica pode ser classificada, de acordo com suas características clínicas, em: - Angina típica: dor característica, provocada por esforço, com alívio por meio de nitrato ou repouso; - Angina atípica: 2 das características anteriores;
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- Dor torácica não cardíaca: 1 ou nenhuma das características anteriores.
Apesar de diferentes classificações terem sido criadas, esta é a que provavelmente melhor auxilia na realização do diagnóstico de doença coronariana. Tabela 1 - Classificação da dor torácica segundo as características clínicas - Angina típica; - Angina atípica; - Dor torácica não cardíaca.
Alguns autores dividem, ainda, a angina crônica estável em 2 padrões de dor: angina estável de limiar fixo, em que a dor é reproduzida pelo mesmo tipo de esforço físico, e angina crônica estável de limiar variável, em que diferentes esforços podem causar dor, ora apenas com esforços maiores, ora com esforços menores. Neste caso, os pacientes podem apresentar algum componente vasoespástico de base, e em tal situação alguns autores preconizam que poderia haver efeito benéfico com o uso de medicações vasodilatadoras (bloqueadores dos canais de cálcio, por exemplo). O que caracteriza a estabilidade ou a instabilidade da angina é o fato de ela manter ou não o mesmo padrão. Ou seja, angina instável é qualquer angina que tenha aumentado a frequência de ocorrência, a intensidade ou a duração, ou que esteja surgindo com limiares menores de esforço.
6. Diagnósticos diferenciais A dor tipo anginosa pode ser causada por outras doenças, e nesses casos é denominada angina funcional. Esta também se relaciona à isquemia miocárdica, mas na ausência de obstrução significativa ao fluxo coronariano. Pode ser causada, por exemplo, pelo aumento no consumo de oxigênio associado a hipertermia, hipertireoidismo e uso de cocaína. É interessante salientar que pacientes idosos podem não apresentar um quadro clínico típico de tireotoxicose (hipertireoidismo apático); desse modo, deve-se considerar tal hipótese principalmente nos indivíduos que apresentam aumento da frequência cardíaca. A intoxicação por cocaína ou agentes catecolaminérgicos (como os que existem nas fórmulas de emagrecer) pode levar à toxicidade simpaticomimética, aumentando o consumo de oxigênio e levando, eventualmente, ao aparecimento de espasmo coronariano. Pacientes com hipertensão não controlada podem, devido ao aumento da tensão da parede ventricular esquerda e diminuição da perfusão subendocárdica do miocárdio, apresentar sintomas anginosos. Episódios de taquiarritmias também podem aumentar o consumo de oxigênio. As causas cardíacas de dor anginosa como miocardiopatia hipertrófica e estenose aórtica também devem ser lembradas no diagnóstico diferencial desses pacientes. Indivíduos com dissecção de aorta apresentam-se com assimetria de pulsos e têm, como diagnóstico diferencial, a síndrome coronariana aguda.
ANGINA ESTÁVEL
7. Diagnóstico e exames complementares A - Diagnóstico A história e o exame físico apresentam ótima acurácia no diagnóstico de doença arterial coronariana. A probabilidade dessa doença também depende da idade e do sexo do paciente, além da presença de fatores de alto risco para doença coronariana (diabetes, tabagismo e dislipidemia). As Tabelas a seguir, adaptadas do Consenso Americano de Angina Estável, mostram a probabilidade do diagnóstico da doença (dados percentuais), segundo idade, sexo, características da dor e presença de fatores de alto risco. Tabela 2 - Pacientes sem fatores de alto risco Idade
Dor não anginosa
Angina atípica
Angina típica
Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher 30 a 39
4
2
34
12
76
26
40 a 49
13
3
51
22
87
55
50 a 59
20
7
65
31
93
73
60 a 69
27
14
72
51
94
86
Tabela 3 - Pacientes com fatores de alto risco Idade
Dor não anginosa
Angina atípica
Angina típica
Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher 35
3 a 35
1 a 19
8 a 59
2 a 39
30 a 88
10 a 78
45
9 a 47
2 a 22
21 a 70
5 a 43
51 a 92
20 a 79
55
23 a 59
4 a 25
45 a 79 10 a 47 80 a 95
38 a 82
65
49 a 69
9 a 29
71 a 86 20 a 51 93 a 97
56 a 84
A angina estável apresenta uma classificação clínica, da Sociedade Canadense de Cardiologia, adotada tanto pelo consenso da American Heart Association quanto pelas Diretrizes Brasileiras de Angina Instável (Tabela 4). Tabela 4 - Classificação clínica da angina estável I
Angina com esforço físico extremo.
II
Angina com atividades do cotidiano, como andar mais que 2 quarteirões.
III Angina com importante restrição na atividade física. IV
Inabilidade de realizar qualquer atividade física sem dor ou dor mesmo ao repouso.
B - Exames complementares Em pacientes com suspeita diagnóstica de angina estável, são necessários exames mínimos, segundo as recomendações da American Heart Association, os quais incluem hemoglobina, glicemia de jejum, perfil lipídico, raio x de tórax e ECG de repouso. a) Laboratório O hemograma, principalmente a dosagem de hemoglobina, ajudará a descartar a presença de anemia, enquanto glicemia de jejum e perfil lipídico objetivam avaliar os fatores de risco associados à doença coronariana. É importante também a avaliação da função tireoidiana, já que o hipertireoidismo pode ser um fator etiológico e agravante, assim como o hipotireoidismo pode contribuir para o surgimento de alterações metabólicas que predispõem à aterosclerose. b) Raio x de tórax A radiografia de tórax pode auxiliar na diferenciação com causas de dor torácica, como fraturas de costelas e pneumotórax, sendo de grande importância em pacientes com suspeita de doença coronariana e sinais/sintomas sugestivos de insuficiência cardíaca, além daqueles com possível doença pulmonar associada. c) Eletrocardiograma O eletrocardiograma (ECG) tem utilidade limitada para o diagnóstico de doença arterial crônica, pois alterações da repolarização, observadas em alguns anginosos, também podem ocorrer em outras situações, como sobrecarga ventricular esquerda secundária à hipertensão, distúrbios hidroeletrolíticos, entre outras. Deve-se acrescentar ainda que o ECG normal não exclui a presença de obstrução coronariana. Ainda assim, pode auxiliar no diagnóstico. Áreas inativas prévias, com ondas Q significativas, são bastante sugestivas do diagnóstico, principalmente se associadas a ondas T negativas. A presença de ondas T positivas, pontiagudas e simétricas também sugere isquemia. O exame é considerado pela AHA como classe I (fortemente indicado) nos pacientes com suspeita de dor torácica de causa cardíaca.
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CARDIOLOGIA
A anemia é uma situação em que se reduz a capacidade de transporte de oxigênio do sangue, podendo cursar com sintomas anginosos. O débito cardíaco aumenta com níveis de hemoglobina inferiores a 9g/dL, e alterações do segmento ST podem ocorrer quando o nível cai abaixo de 7g/dL. Situações em que a viscosidade sanguínea está aumentada, como policitemia, leucemia e trombocitose, entre outras situações, também podem levar à dor anginosa. O espasmo esofagiano pode reproduzir dor em região retroesternal em aperto, com duração de minutos e alívio com nitratos, de forma que pode ser um fator de confusão. A dor torácica pode, ainda, associar-se a afecções pulmonares como pleurite (mas, nesse caso, a dor costuma ter caráter ventilatório-dependente), tromboembolismo pulmonar, pneumotórax e outras condições que cursam com hipoxemia. Por fim, na avaliação do quadro de dor anginosa, também devem ser lembrados, como diagnósticos diferenciais, quadros de distúrbios ansiosos, depressivos e somatoformes.
CARD I OLOG I A d) Teste ergométrico O teste de esforço ou ergométrico é utilizado tanto para diagnóstico como para estratificação do risco de pacientes com doença coronariana, sendo o método não invasivo mais comumente empregado, tornando-se a abordagem mais custo-eficaz nessa população. Apresenta sensibilidade de 68% para o diagnóstico, com especificidade de 77%, além de ser considerado seguro, com complicações importantes como IAM e morte ocorrendo em menos de 1 a cada 2.500 procedimentos. O teste é, usualmente, considerado positivo quando ocorre depressão horizontal ou descendente do segmento ST maior que 1mm, 60 a 80ms após o final do QRS (ponto J). Tabela 5 - Indicações do teste de esforço para o diagnóstico da condição, segundo a American Heart Association e as Diretrizes Brasileiras de Angina Estável Classe I
- Pacientes com probabilidade intermediária de doença arterial coronariana.
Classe IIa
- Angina vasoespástica (indicação não discutida nas diretrizes brasileiras).
Classe IIb
- Pacientes com probabilidade baixa ou alta de doença arterial coronariana ou hipertrofia do ventrículo esquerdo com depressão de ST <1mm ou bloqueio completo do ramo esquerdo; - Paciente com infarto prévio.
Classe III (pacientes sem indicação do procedimento, e este, se realizado, pode ser potencialmente maléfico)
- Pacientes com alterações no ECG de repouso que impossibilitam a interpretação do teste de esforço e pacientes com doença arterial coronariana definida angiograficamente (classe IIb pela diretriz brasileira).
Caso os pacientes apresentem importante sobrecarga esquerda, com alterações de repolarização ventricular significativas, ou bloqueios de ramo, a interpretação do teste será prejudicada, e deve-se preferir outro método para avaliação. Assim, pelas indicações do teste citadas, observa-se uma dependência das indicações e do resultado na probabilidade pré-teste. A avaliação das indicações pode ser feita com base no julgamento clínico ou nas tabelas apresentadas no capítulo, mas pacientes com mais de 60 anos do sexo masculino, com dor típica, são, obviamente, de alta probabilidade e não necessitam de indicações adicionais. Por outro lado, uma mulher de 25 anos, com dor atípica e sem fatores de risco, é, logicamente, de baixa probabilidade. O TE não deve ser usado nesses cenários, pois um teste positivo em paciente com probabilidade pré-teste baixa de doença coronariana pode ser um falso positivo, assim como um teste negativo em paciente de alta probabilidade não exclui a doença, sendo que em ambos os casos será preciso continuar a investigação para a definição diagnóstica.
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O teste pode ser usado, ainda, para avaliar o prognóstico dos pacientes. Tabela 6 - Recomendações das diretrizes brasileiras sobre angina estável para o uso do TE na definição prognóstica do paciente Classe I
Todos os pacientes com probabilidade intermediária ou alta de DAC, após uma avaliação inicial ou que apresentem modificações dos sintomas.
Classe IIa
Pacientes revascularizados com sintomas sugerindo isquemia.
Pacientes portadores de pré-excitação, depressão do segmento ST >1mm no ECG de repouso, ritmo Classe IIb de marca-passo, bloqueio completo do ramo esquerdo (interpretação dificultada do teste).
Os resultados do teste de esforço apresentam implicação prognóstica e são considerados dados de alto risco para eventos cardiovasculares: baixa capacidade funcional (≤4mets) e depressão ou elevação do segmento ST em cargas baixas. Uma forma mais objetiva de avaliar a capacidade funcional é calculando o escore de Duke, obtido por meio da seguinte fórmula: Tempo de exercício (em minutos) - desvio máximo segmento ST (em mm) máximo - 4x angina de esforço (0 se sem, 1 se não limitante e 2 se limitante) Tabela 7 - Interpretação dos resultados ≥5
Baixo risco
-10 a 4
Moderado risco
≤-11
Alto risco
Sabe-se que os pacientes com doença coronariana crônica assintomáticos e sem alteração eletrocardiográfica que conseguem ultrapassar o 3º estágio do protocolo de Bruce têm taxa de mortalidade anual inferior a 1%. O teste de esforço será interrompido nas seguintes condições: - Paciente atingiu FC submáxima;
- Queda de 10mmHg na PAS com sinais de isquemia; - Angina moderada a severa; - Tontura ou ataxia; - TV sustentada; - Paciente deseja interromper o teste; - Sinais de má perfusão; - Supra ST maior que 1mm. e) Ecocardiografia
A ecocardiografia pode ajudar tanto no diagnóstico quanto na definição do prognóstico de pacientes com angina estável. O exame em repouso serve para avaliar função e viabilidade miocárdicas, sendo sua indicação classe I em pacientes com doença coronariana com IAM prévio, ondas Q patológicas, sintomas de ICC e arritmias ventriculares complexas.
ANGINA ESTÁVEL
f) Medicina nuclear Os métodos de medicina nuclear permitem avaliar o coração com enfoque nos aspectos de perfusão miocárdica, integridade celular, metabolismo e contratilidade miocárdicos, além da função ventricular global ou segmentar. Com a incorporação à cardiologia nuclear de equipamentos de última geração (detectores digitais duplos), novos radiofármacos e programas de computador mais sofisticados, tais avaliações poderão ser obtidas com um único exame. Os estudos de cintilografia de perfusão miocárdica com radioisótopos (são utilizados, principalmente, o tálio e o tecnécio), com estresse farmacológico (com dipiridamol ou adenosina, por exemplo) ou de esforço, apresentam excelentes resultados (sensibilidade e especificidade de 90 e 80%, respectivamente). A escolha entre os diferentes
radioisótopos leva em conta vantagens e desvantagens específicas; assim, o tálio é um isótopo mais validado pela literatura, enquanto o sestamibi (derivado do tecnécio) tem indicação especialmente em pacientes obesos. Tabela 8 - Indicações para realização de cintilografia segundo a American Heart Association Classe I - Pacientes com probabilidade intermediária de doença coronariana com síndrome de pré-excitação ou depressão do ST ao repouso maior que 1mm; - Pacientes com história de procedimento de revascularização miocárdica prévia; - Cintilografia com radionucleotídeos em pacientes com marca-passo e bloqueio de ramo esquerdo. Classe IIb - Mesmas condições anteriores, mas em paciente com baixa ou alta probabilidade de doença coronariana.
Deve-se preferir a cintilografia miocárdica com radionucleotídeos, e o ecocardiograma com estresse farmacológico ao teste de esforço no manejo de pacientes com angina estável nas seguintes situações: - BRE completo; - Ritmo ventricular com marca-passo; - Depressão maior que 1mm no ECG em repouso; - Inabilidade de realizar esforço físico; - Angina e história de revascularização. A realização de exames para estratificação prognóstica dos pacientes com angina estável permite classificar tais indivíduos em grupos de risco (Tabela 9). Tabela 9 - Estratificação prognóstica em grupos de risco nos pacientes com angina estável Alto risco (mortalidade >3% ao ano) - Disfunção VE <35%; - Escore de Duke no teste de esforço ≤-11; - Defeitos de perfusão importantes ou múltiplos defeitos na cintilografia; - Alterações de motilidade com ECO com dobutamina em pequenas doses ou com FC <120bpm em mais de 2 segmentos. Risco intermediário (mortalidade entre 1 a 35 ao ano) - Disfunção VE: de 35 a 49%; - Risco intermediário no escore de Duke: de -11 a +5; defeitos moderados em exame de imagem; - Alterações de motilidade em ECO com dobutamina em doses maiores em menos de 2 segmentos. Baixo risco (mortalidade menor que 1% ao ano) - Escore de Duke <5; - Exame de cintilografia ou ecocardiograma normais ou com pequenas alterações.
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CARDIOLOGIA
O ecocardiograma pode, ainda, avaliar a contratilidade segmentar. Nessa análise, o ventrículo esquerdo é dividido ecocardiograficamente em 16 segmentos, aos quais serão atribuídos valores de 1 a 4 (1 representa a normalidade da contratilidade, e déficits contráteis são gradativamente representados de 2 a 4); posteriormente, é possível fazer um escore de motilidade somando os valores segmentares e dividindo-os por 16. Valores entre 1 e 1,6 são considerados normais; entre 1,6 e 2, representam déficit discreto; e maiores que 2 representam comprometimento significativo da contratilidade miocárdica. É importante ressaltar que a alteração segmentar isoladamente não é sensível o suficiente para definir que a etiologia da cardiopatia seja isquêmica. No entanto, a sua presença sugere o diagnóstico de insuficiência coronariana, assim deve-se seguir a investigação de acordo com o risco e a probabilidade clínica de cada paciente. A ecocardiografia de estresse tem grande utilidade. Em regiões supridas por uma artéria com grau significativo de estenose, o estresse cardiovascular acarreta isquemia miocárdica, e esse fenômeno se manifesta por alteração transitória da contração segmentar. Os métodos disponíveis para a indução do estresse são esforço físico (esteira ou bicicleta ergométrica), estimulação atrial transesofágica, uso de drogas vasodilatadoras (dipiridamol e adenosina) ou de estimulantes adrenérgicos (dobutamina). A indução de isquemia miocárdica por esforço físico, dobutamina e marca-passo transesofágico baseiam-se no aumento do duplo produto cardíaco e, consequentemente, do consumo miocárdico de oxigênio. Por outro lado, os agentes vasodilatadores aumentam o fluxo sanguíneo coronariano e podem levar a uma perfusão miocárdica heterogênea devido ao roubo de fluxo que, em alguns pacientes, é suficiente para causar isquemia miocárdica. O ecocardiograma de estresse com dobutamina é considerado anormal quando se verificam anormalidades de mobilidade de parede ventricular. A sensibilidade do exame é de 76%, com especificidade de 88%, sendo a 1ª maior em pacientes com doença coronariana triarterial (superior a 90%).
CARD I OLOG I A g) Cateterismo cardíaco A cineangiocoronariografia (ou cateterismo cardíaco) é considerada padrão-ouro para o diagnóstico de doença coronariana. Porém, levando em conta a baixa mortalidade desses pacientes secundariamente à coronariopatia, o exame não é apropriado na grande maioria dos casos. Tabela 10 - Indicações para o diagnóstico de doença coronariana por cateterismo, segundo a American Heart Association Classe I - Pacientes sobreviventes de morte súbita; - Angina estável CCS III e IV; - Critério de alto risco em exame de imagem não invasivo. Classe IIa - Angina CCS III e IV que melhora com tratamento medicamentoso; - Diagnóstico incerto após testes não invasivos; - Contraindicações a testes não invasivos; - Pacientes que, por motivos ocupacionais, necessitam do diagnóstico; - Suspeita de causa não aterosclerótica. Classe IIb - Angina CCS I ou II e exame não invasivo com isquemia de baixo risco; - Paciente assintomático e exame não invasivo com isquemia de baixo risco; - História de IAM prévio, porém assintomático e exame não invasivo com isquemia de baixo risco; - Avaliação periódica pós TX cardíaco. Classe III - Calcificação coronariana presente em qualquer método na ausência das indicações anteriores; - Pós-revascularização na ausência de isquemia em testes não invasivos; - Pacientes com comorbidades importantes; - Pacientes querendo fazer o exame, mas com probabilidade extremamente baixa do diagnóstico.
Entretanto, situações em que o tratamento clínico demonstra resultados insatisfatórios ou que os pacientes apresentam fatores de mau prognóstico constituem a principal indicação de cateterismo. As principais indicações para o exame entre os pacientes com angina estável são: - Angina limitante, apesar da terapia; - Pacientes com contraindicações a testes não invasivos; - Sobreviventes de morte súbita e com arritmias ventriculares complexas; - Angina classes funcionais I e II, mas com disfunção ventricular. h) Novos exames A ressonância magnética cardíaca é uma técnica não invasiva de imagem cardíaca que vem apresentando desen-
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volvimento tecnológico intenso, com repercussão na sua aplicação clínica nos últimos anos. É útil na determinação tanto de isquemia miocárdica como na avaliação de viabilidade em pacientes com infarto prévio. A tomografia computadorizada de coronárias avalia a carga de placas de ateroma representada por calcificação, além de poder avaliar as obstruções coronarianas por meio da angiografia não invasiva. Uma meta-análise publicada recentemente mostrou o papel independente dos escores de cálcio coronariano na predição de eventos clínicos. O exame apresenta sensibilidade alta (cerca de 95%) para o diagnóstico de doença coronariana, com especificidade relativamente baixa (66%), e não é útil para pacientes com diagnóstico fechado de doença coronariana.
8. Tratamento A - Tratamento não farmacológico a) Redução dos fatores de risco O controle de fatores de risco é importante. Também são indicações universais o tratamento de diabetes, hipertensão e mudança de hábitos, como cessação do tabagismo. Exercícios físicos, com aumento progressivo da tolerância ao esforço, também são benéficos. b) Redução dos lípides séricos A terapia para dislipidemia está indicada aos pacientes com baixo risco cardiovascular, com o objetivo de manter o LDL-colesterol abaixo de 100mg/dL. Nos demais grupos, é necessário seguir as orientações pertinentes a cada comorbidade. c) Combate às situações que causam agravamento da isquemia Devem ser combatidos fatores de hipóxia, como tireotoxicose, anemia e doenças pulmonares. d) Abandono do tabagismo e) Atividade física Os pacientes com angina estável devem ser encorajados a realizar atividade física aeróbica por 30 a 60 minutos, 7 dias da semana (mínimo de 5 dias) – classe I. O teste ergométrico pode ajudar na prescrição do exercício. O treino de resistência pode ser incluído na programação da atividade física 2 vezes por semana (classe IIb).
B - Tratamento medicamentoso a) Aspirina O tratamento dos pacientes com angina estável implica terapia com antiagregante plaquetário. Segundo um estudo mundialmente reconhecido, a aspirina em dose de 75mg ao dia reduz cerca de 34% os eventos cardiovasculares primá-
ANGINA ESTÁVEL
rios e diminui em 32% a recorrência destes. Em pacientes com contraindicação ao uso de aspirina, deve-se considerar o uso de ticlopidina ou clopidogrel. A ação antiagregante da aspirina reduz a probabilidade de, na vigência de instabilização de uma placa aterosclerótica, ocorrer progressão significativa do trombo, levando à oclusão coronária.
tiazem, são eficazes em aliviar os sintomas e não aumentam a ocorrência de eventos cardíacos. As doses recomendadas do diltiazem são de 30 a 90mg, de 8/8 horas (VO), e do verapamil de 40 a 120mg, de 8/8 horas (VO). Seu principal efeito é de vasodilatação coronariana e controle de FC.
b) Beta-bloqueadores Os beta-bloqueadores são as drogas de 1ª linha na terapia antianginosa, em especial nos pacientes com angina após infarto. Quanto à angina estável, não há evidências concretas na literatura da diferença entre o uso de beta-bloqueadores e de bloqueadores dos canais de cálcio. Estudos comparando as 2 medicações, além de não mostrarem diferença na mortalidade em longo prazo, demonstram resultados similares quanto a desfechos (como tempo, após iniciar atividade física até manifestar dor e número de metros percorridos sem dor). Contudo, considerando o maior benefício com os beta-bloqueadores em pacientes com angina instável, essa classe se torna a 1ª linha para terapia antianginosa. A dose dos beta-bloqueadores deve ser ajustada para manter FC em torno de 60bpm. A Tabela 11 cita a posologia e a apresentação dos principais beta-bloqueadores. O efeito protetor do betabloqueador está associado à limitação da elevação da frequência cardíaca.
Os nitratos não estão associados à diminuição de mortalidade, mas podem ser associados a outras medicações no controle dos sintomas. Determinam vasodilatação coronariana. As 2 formas principais de apresentação dessas substâncias são: - Dinitrato de isossorbida em dose de 10 a 40mg (VO), de 8/8 horas, ou 5mg (sublingual) a cada 5 a 10 minutos até a dose máxima de 15mg ou alívio da dor; - Mononitrato de isossorbida em dose 10mg (VO) de 12/12 horas, até 40mg VO, de 8/8 horas.
Tabela 11 - Posologia e apresentação dos beta-bloqueadores Nome comercial ®
Apresentação
Posologia**
Propranolol
Inderal
10, 40 e 80mg
20 a 320mg (2 a 3x/dia)
Atenolol
Atenol
25, 50 e 100mg
25 a 200mg (1 a 2x/dia)
Metoprolol
Seloken, Lopressor e Selozok*
100mg (25, 50 e 100mg)
50 a 200mg (1 a 2x/dia)
Bisoprolol
Concor
1,25/2,5/5/10mg
2,5 a 10mg (1x/ dia)
Droga
Coreg, DiveCarvelol, Carvedilol 3,125/6,25/12,5/25mg dilol e Dilatrend
12,5 a 100mg (2x/dia)
Pindolol
5 a 60mg (2x/ dia)
Visken
5 e 10mg
* Seloken® e Lopressor® – tartarato de metoprolol (comprimidos de 100mg); Seloken Duriles® – comprimidos de 200mg; Selozok® – succinato de metoprolol (comprimidos de 25, 50 e 100mg). ** Dose diária (número de tomadas diárias).
c) Antagonistas dos canais de cálcio Os antagonistas dos canais de cálcio diidropiridínicos de curta ação devem ser evitados, uma vez que aumentam a ocorrência de eventos cardíacos em portadores de doença isquêmica do miocárdio. Em compensação, os de longa duração e os não diidropiridínicos, como o verapamil e o dil-
Alguns pacientes apresentam dor associada a vasoespasmo, sem obstrução fixa, denominada angina de Prinzmetal. Nesses casos, os beta-bloqueadores, além de ineficazes, podem piorar o vasoespasmo. Os nitratos, entretanto, podem ser benéficos devido à dilatação dos vasos epicárdicos, com ou sem aterosclerose. Contudo, os bloqueadores dos canais de cálcio são as drogas de escolha no manejo em longo prazo dessa condição. Uma das principais questões no manejo dos pacientes com angina de Prinzmetal é verificar a indicação de intervenção com angioplastia e revascularização do miocárdio. Pacientes com angina limitante podem beneficiar-se de angioplastia com stent, e aqueles com lesões triarteriais ou biarteriais e envolvimento da artéria descendente anterior, ou com disfunção ventricular esquerda, são candidatos à cirurgia de revascularização miocárdica. Em geral, as recomendações para intervenção são semelhantes às das síndromes coronarianas agudas, mas há pouca evidência de superioridade dessas terapias em relação ao tratamento clínico em pacientes com angina estável. Nas Diretrizes Brasileiras de Angina Estável, sugere-se que os pacientes de alto risco cardiovascular e com miocárdio viável (verificado em exame de medicina nuclear) poderiam beneficiar-se de procedimentos de revascularização miocárdica, seja a angioplastia, seja a cirurgia. e) Trimetazidina A trimetazidina faz parte de um grupo de agentes com ação no metabolismo, que também apresentam a capacidade de aumentar a tolerância ao exercício em pacientes com angina. É a 1ª de uma nova classe de agentes conhecidos como 3-KAT inibidores, que ajudam a otimizar a energia do metabolismo cardíaco e, secundariamente, inibem a oxidação beta dos ácidos graxos. A ação metabólica da trimetazidina não interfere no fluxo coronariano e não modifica parâmetros hemodinâmicos. Acredita-se que exista um potencial de benefício, particularmente nos idosos.
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CARDIOLOGIA
d) Nitratos
CARD I OLOG I A f) Vacinação Vacinação anual para influenza deve ser recomendada a pacientes com doença cardiovascular (classe I).
9. Resumo Quadro-resumo - A angina estável é decorrente do desbalanço entre a oferta e o consumo de oxigênio ao miocárdio, associada a uma lesão aterosclerótica estável da coronária; - A anamnese e o exame físico têm boa sensibilidade em identificar o quadro; - As provas e provocação de estresse metabólico miocárdico como o ecocardiograma com estresse ou o teste ergométrico são sensíveis em definir o diagnóstico quando o quadro clínico não é típico; - O tratamento dos fatores de risco como tabagismo, diabetes e dislipidemias é essencial para a prevenção da instabilização da progressão da lesão aterosclerótica; - A aspirina e o beta-bloqueador são essenciais na prevenção de síndrome coronariana aguda nos portadores de angina estável. Os bloqueadores de canais de cálcio e os nitratos melhoram os sintomas isquêmicos da angina, mas não alteram a ocorrência de instabilizações agudas.
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CAPÍTULO
8
Síndromes miocárdicas isquêmicas instáveis José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado
1. Introdução O reconhecimento precoce e o tratamento correto das Síndromes Coronarianas Agudas (SCA) determinam grande impacto na sua evolução. A sequência de fenômenos patológicos associados nas várias formas de apresentação dessa síndrome é semelhante: obstrução arterial transitória ou permanente de uma artéria coronária, determinando alterações no músculo cardíaco que variam de isquemia, lesão miocárdica até necrose do músculo. O espectro de apresentação clínica, seguindo a intensidade da lesão miocárdica em ordem crescente, varia da Angina Instável (AI), Infarto Agudo do Miocárdio Sem Supradesnivelamento do Segmento ST (IAMSSSST) e Infarto Agudo do Miocárdio Com Supradesnivelamento do Segmento ST (IAMCSSST).
2. Angina instável/IAM sem supradesnivelamento do segmento ST
Instável (AI) ou o Infarto Agudo do Miocárdio Sem Supradesnivelamento do Segmento ST (IAMSSSST). A diferença crucial entre estes últimos é que a AI ocorre sem determinar lesão muscular miocárdica (morte celular). Vale lembrar que, ao mesmo tempo em que os mecanismos de trombose são ativados pela instabilização da placa aterosclerótica, há ativação dos mecanismos de fibrinólise locais. A resultante do equilíbrio entre essas forças determina a progressão, a estabilização ou a regressão da obstrução coronariana. A isquemia que resulta da obstrução coronária pode provocar diferentes graus de lesão tecidual, dependendo da porção da artéria acometida (obstruções mais proximais tendem a provocar maior lesão), do tamanho e do calibre da artéria, da duração da obstrução (pode haver lise espontânea ou terapêutica do trombo) e da presença de circulação colateral. A essa variação na intensidade e duração da isquemia miocárdica, está associada maior ou menor mortalidade.
A - Introdução A expressão clínica da instabilização de uma placa aterosclerótica coronária é a síndrome coronariana aguda. A placa pode sofrer rotura, fissura ou ter o seu endotélio desnudado. Tais eventos costumam ser mais frequentes em placas jovens, com grande quantidade de lípides (sais de colesterol e células espumosas) e menor quantidade de colágeno, fibroblastos e cálcio. Após a instabilização da placa, principal mecanismo de descompensação da SCA, forma-se sobre ela o trombo, a partir da agregação plaquetária. Esse trombo pode ocluir de forma parcial ou completa a luz do vaso, o que limita a oferta de oxigênio para o tecido miocárdico e, dessa maneira, determina a síndrome clínica. Quando a obstrução é completa, a forma de apresentação clínica é o IAMCSSST; quando parcial, ocorre a Angina
Figura 1 - Artéria coronária com obstrução estável de 70% da luz do vaso por placa de ateroma
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CARD I OLOG I A Os sinais, sintomas e desfecho da evolução clínica do paciente dependem de vários fatores, como: - Extensão de músculo cardíaco perfundido pela artéria obstruída; - Gravidade e duração da isquemia miocárdica; - Instabilidade elétrica do miocárdio isquêmico; - Grau e duração da obstrução da artéria coronária; - Presença ou ausência de circulação colateral.
B - Avaliação inicial A queixa que os pacientes geralmente trazem ao pronto-socorro é dor torácica. Nesse grupo, encontram-se desde pacientes cuja origem da dor não é cardíaca até aqueles que estão em choque cardiogênico por infarto do miocárdio com poucas horas de evolução (Tabela 1). Assim, é necessária abordagem sistematizada dos pacientes com risco de evento coronariano agudo. Diante dessa queixa de dor torácica, há 3 possibilidades diagnósticas que são definidas a partir de 3 características básicas: Dor retroesternal/desencadeada pelo esforço/alivia com repouso ou nitrato. 1 - Dor torácica de etiologia não cardíaca: possui apenas 1 ou nenhuma das características citadas. 2 - Dor torácica de possível origem cardíaca: possui 2 das características citadas. 3 - Dor torácica de origem cardíaca definida: possui as 3 características citadas. O paciente com dor torácica de possível origem cardíaca deve ser observado no pronto-socorro e avaliado seriadamente, por algumas horas, com ECG/enzimas cardíacas e
Figura 3 - Diferenciais diagnósticos na síndrome de dor torácica aguda
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outros exames, como teste de esforço ou cintilografia miocárdica, para definir, com maior segurança, a existência ou não do 1º evento isquêmico. Mesmo que a pesquisa seja negativa, esse paciente deve ser seguido ambulatorialmente. Caso a pesquisa seja positiva em alguns dos exames, o indivíduo deve ser internado e deve aguardar o resultado de todos os exames para ser classificado em AI (enzimas seriadas normais) ou IAMSSSST. A dor de origem isquêmica miocárdica pode ter localização variada, porém segue um padrão clínico sugestivo do quadro, conforme mostra a Figura 2.
Figura 2 - Localização clínica da dor torácica de origem isquêmica
A seguir, um algoritmo das possibilidades diagnósticas da dor torácica.
SÍNDROMES MIOCÁRDICAS ISQUÊMICAS INSTÁVEIS
Tabela 1 - Doenças cardíacas e não cardíacas que se manifestam com dor torácica Diagnóstico diferencial de síndrome isquêmica aguda - Úlcera péptica;
Média - >70 anos; - Doença vascular não cardíaca; - Ondas Q patológicas;
- Espasmo esofágico;
- Alterações fixas no ECG (segmento ST ou onda T);
- Costocondrite;
- Enzimas normais;
- Embolia pulmonar;
CARDIOLOGIA
- Sexo masculino.
- Dissecção de aorta;
Baixa
- Pericardite;
- Dor reproduzida à compressão;
- Herpes-zóster;
- Onda T retificada;
- Colecistite.
- ECG normal;
A característica da dor torácica é o dado com maior valor preditivo da SCA, embora até 33% dos pacientes não apresentem dor torácica típica, em especial diabéticos, mulheres, idosos e pacientes psiquiátricos. A seguir, são descritas características típicas da dor associada à isquemia miocárdica (Tabela 2). Tabela 2 - Características da dor precordial de origem isquêmica - Dor em aperto, precordial ou retroesternal, com irradiação para a mandíbula ou o membro superior esquerdo; - Dor acompanhada de sudorese, palpitações e vômitos; - Dor desencadeada por esforço físico ou emoção;
- Enzimas normais.
As alterações eletrocardiográficas na AI e IAMSSSST podem variar da normalidade até a presença de isquemia miocárdica instalada. No entanto, algumas patologias podem simular essas alterações, determinando erro diagnóstico, como pericardite, aneurisma do ventrículo esquerdo, repolarização precoce, bloqueio do ramo esquerdo prévio, síndrome de Wolff-Parkinson-White e pancreatite. A seguir, estão representados o complexo QRS normal, o supradesnivelamento do segmento ST e o infradesnivelamento do segmento (Figura 4A, B e C).
- Duração prolongada (superior a 20 minutos no IAM); - Alívio com repouso ou nitrato.
Em algumas situações, a dor pode apresentar-se como epigástrica, associada ou não à eructação e sintomas gástricos, e é clinicamente interpretada como dispepsia quando, na verdade, trata-se de quadro coronariano. Deve-se considerar que a manifestação clínica de doença aterosclerótica prévia por acidentes vasculares cerebrais ou doença arterial periférica aumenta a chance de evento coronariano. Após caracterização da dor, exame físico e análise do ECG, é possível classificar a condição de probabilidade clínica de SCA conforme características descritas a seguir (Tabela 3). Tabela 3 - Probabilidade de síndrome coronariana aguda após avaliação clínica e ECG Alta - História de ICO; - Dor torácica ou MSE semelhante à crise prévia; - Hipotensão; - Congestão pulmonar; - Insuficiência mitral; - Alteração de ST transitória (≥0,05mV); - Elevação de enzimas troponina / CK-MB; - Dispneia. Média - Dor/pressão torácica ou MSE; - DM;
Figura 4 - (A) Complexo QRS normal e seus intervalos; (B) supradesnivelamento do ST e (C) infradesnivelamento do ST
Nos casos em que é definido o diagnóstico de IAMSSSST ou IAMCSSST, a conduta terapêutica está bem estabelecida. No entanto, em casos duvidosos, são necessários exames subsidiários que evidenciem a existência de isquemia miocárdica, pois há o risco de perda do diagnóstico, expondo o paciente ao risco de evolução para evento isquêmico grave. A partir da história clínica, do exame físico e dos dados do ECG e dos exames laboratoriais, é possível definir a probabilidade clínica de o evento de dor torácica estar relacionado a uma SCA (Tabela 4). Nos casos de baixa probabilidade de SCA (ECG normal, quadro clínico atípico, sem
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CARD I OLOG I A alteração enzimática), é possível avaliar o paciente de forma segura, conforme o algoritmo a seguir (Figura 5). Quanto aos pacientes que não podem caminhar ou possuem alteração eletrocardiográfica que não permita adequada avaliação do traçado, há a opção de avaliação por meio de ecocardiograma com estresse farmacológico (dobutamina ou dipiridamol) ou cintilografia miocárdica.
Tabela 4 - Classificação de risco da angina instável Alta - Angina em “crescendo” nas últimas 48 horas; - Dor em repouso (>20min); - Edema pulmonar ou congestão/galope com B3 /hipotensão/ sopro mitral novo ou piora/bradicardia ou taquicardia; - Idade >75 anos; - Alteração de ST transitórias (≥0,05mV); - TV sustentada; - Elevação enzimática (troponina I/T ou CK-MB). Média - IAM prévio/insuficiência vascular periférica ou cerebrovascular; - Revascularização prévia; - Uso de AAS; - Dor em repouso (>20 minutos) sem dor no momento; - Dor em repouso (<20 minutos) que melhora com nitrato; - Idade >70 anos; - Ondas Q patológicas; - Inversão de T >0,2mV; - Enzimas normais ou pouco elevadas. Baixa - Dor com ECG normal/sem alteração; - Enzimas normais.
A seguir, outra importante classificação da AI, analisando a mortalidade associada (Tabela 5). Tabela 5 - Classificação clínica da angina (Braunwald) Figura 5 - Avaliação de isquemia miocárdica para possível angina de baixo risco
Classificação de Braunwald para angina estável
C - Classificação da angina instável/IAMSSSST Pacientes que procuram atendimento médico por dor precordial podem apresentar diferentes graus de instabilização de uma placa aterosclerótica em diferentes porções das artérias coronárias. Além disso, pode haver lesões coronárias únicas ou múltiplas. Essas variáveis conferem maior ou menor risco na evolução do paciente com SCA, o que vai determinar a intensidade do tratamento a ser instituído. A AI pode ser classificada como de baixo, moderado ou alto risco de evolução para IAMCSSST, choque cardiogênico, morte súbita e revascularização de emergência, conforme descrito na Tabela a seguir. Há diversos marcadores clínicos de gravidade da AI e, quando presentes, tais achados refletem doença mais grave (lesões mais intensas, frequentemente envolvendo porções proximais da artéria coronária esquerda, com outras lesões concomitantes e, muitas vezes, com disfunção ventricular).
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Intensidade
Circunstâncias
Morte/ infarto em 1 ano
Classe I: angina de esforço de início recente ou acelerada; sem angina ao repouso;
7,3%
Classe II: angina de repouso no último mês, mas não nas últimas 48 horas;
10,3%
Classe III: angina de repouso nas últimas 48 horas.
10,8%
A: desencadeada por condições extracardíacas (secundárias);
14%
B: ocorre na ausência de condições extracardíacas;
8,5%
C: até 2 semanas após infarto do miocárdio.
18,5%
Segundo tal classificação, são considerados pacientes de risco para eventos graves (morte e infarto) aqueles com angina de repouso nas últimas 48 horas, principalmente em se tratando de angina pós-infarto. Outra forma de estratificação de risco, o TIMI Risk, foi desenvolvida por análise multivariada de um grande número de casos compilados em estudos multicêntricos, tendo
SÍNDROMES MIOCÁRDICAS ISQUÊMICAS INSTÁVEIS
- Eletrocardiograma com: Elevação de ST >0,5mm; Infradesnivelamento de ST >0,3mm; BRE; Marcadores cardíacos positivos (aumento de troponina T ou I); • Presença de trombo coronariano na angiografia coronária. • • • •
Seguem Tabelas com as características dos subtipos de risco da angina, associadas ao seu tratamento adequado. Tabela 6 - Caracterização da angina instável de baixo risco e tratamento - Dor: dor torácica não anginosa ou de possível origem cardíaca; - Duração: <20min; - ECG: normal ou inalterado durante dor; - Marcadores: normais (troponina I e CKMB); - Condutas: Tratamento na unidade de emergência; ECGs seriados, sendo o 1º realizado até 10 minutos após a admissão e repetido pelo menos 1 vez nas primeiras 6 horas; Colher CKMB-troponina na admissão e pelo menos mais 1 vez entre 6 e 9 horas da admissão – preferencialmente entre 9 e 12 horas do início dos sintomas; Investigação inicial com teste não invasivo – TE. Tabela 7 - Caracterização da angina de médio risco e tratamento - História: de 70 a 75 anos, IAM prévio, RM prévia, em uso de AAS; - Dor: duração >20min; alívio espontâneo ou com nitrato; - ECG: inversão de onda T >2mm/ondas Q patológicas; - Marcadores: normais ou discretamente elevados, porém sem curva típica de infarto;
Figura 6 - Artéria coronária com obstrução parcial por fratura e formação de trombo sobre placa instável
Há ainda outros marcadores, não necessariamente incluídos nestas escalas, que também indicam maior gravidade da doença:
- História: Idade >65 anos; Diabetes mellitus; Angina pós-infarto; Angiografia prévia positiva para doença arterial coronariana; • Uso de AAS; • Presença de doença vascular periférica. • • • •
- Apresentação clínica: • Insuficiência cardíaca; • Hipotensão.
- Conduta: · Antiplaquetário oral (AAS + clopidogrel); · Heparinização plena com HBPM ou HNF; · Nitrato, se dor persistir; · Beta-bloqueador via oral nas primeiras 24 horas; · Antagonista de canal de cálcio, se houver contraindicação ao beta-bloqueador; · Investigação não invasiva com exames de imagem (cintilografia miocárdica ou ecoestresse). Considerar exame invasivo baseado no tipo da dor e nos fatores de risco do paciente. Tabela 8 - Caracterização da angina de alto risco e tratamento - História: >75 anos ou diabetes; - Dor: duração >20min em repouso; sintomas nas últimas 48 horas: angina progressiva, congestão, B3, sopro mitral e alteração da FC; - ECG: infradesnivelamento do segmento ST >0,5mm/alteração dinâmica de ST/bloqueio de ramo novo ou supostamente novo/TVS;
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CARDIOLOGIA
sido identificados os seguintes fatores de risco independentes (a presença de zero, 1 ou 2 destes classifica o paciente em baixo risco, 3 ou 4 em moderado e 5 ou mais destes identificam os pacientes de alto risco em AI/IAMSSSST): - Idade superior a 65 anos; - Mais que 3 fatores de risco para doença coronária (diabetes, HAS, dislipidemia, tabagismo e história familiar); - Doença aterosclerótica coronária prévia; - Uso de aspirina nos últimos 7 dias; - Alteração de segmento ST (elevação transitória ou depressão persistente); - Marcadores de isquemia miocárdica positivos; - Mais que 2 episódios de angina nas últimas 24 horas.
CARD I OLOG I A - Marcadores: positivos com curva típica de isquemia miocárdica secundária a IAM; - Conduta: · AAS + clopidogrel – inibidor de glicoproteína IIb/IIIa: * Tirofibana se tratamento clínico, e abciximabe se planejado angioplastia. · Heparina – heparinização plena com HBPM ou HNF; · Avaliação invasiva com estudo hemodinâmico preferencialmente nas primeiras 48 horas. · Estudo hemodinâmico imediato – indicações: * Emergência (até 6 horas): se isquemia persistente ou instabilidade hemodinâmica ou elétrica; * Urgência (até 24 horas): isquemia recorrente ou extensa área em risco. TVS = Taquicardia Ventricular Sustentada.
O IAMSSSST, quando comparado à AI, já define condição de maior risco, não possuindo subtipos de classificação.
D - Diagnóstico O diagnóstico da SCA é obtido com base nos dados de história, exames laboratoriais e análise do eletrocardiograma. A presença de 2 desses 3 critérios define a síndrome. A dor torácica típica ocorre em região precordial, com característica de aperto ou compressão, irradiando-se para membro superior esquerdo, dorso ou mandíbula. Pode ser acompanhada de sudorese fria, náuseas e vômitos e ter início ao repouso, com duração, em geral, >20 e <40min. Pode haver modificações eletrocardiográficas com mudanças do segmento ST e da onda T, e dos marcadores cardíacos. As enzimas cardíacas utilizadas para definição de lesão muscular miocárdica são: - CPK: sua elevação ocorre de 4 a 8 horas após o infarto e se normaliza em 2 a 3 dias, com pico ao redor de 24 horas após o início do quadro. É sensível, mas muito pouco específica, podendo estar elevada em pacientes portadores de lesões musculares, intoxicação pelo álcool, diabetes mellitus, síndrome do desfiladeiro torácico e embolia pulmonar; - CKMB: uma das isoenzimas da CPK (além da CKBB e da CKMM). A CKMB é a isoenzima predominante no coração, enquanto a BB está presente no cérebro e nos rins, e a MM nos músculos. Pequenas quantidades de CKMB podem ser encontradas no intestino delgado, na língua, no útero e na próstata. Há 2 isoformas da CKMB: CKMB-1 e CKMB-2, esta última liberada mais rapidamente no sangue após o infarto. Aproveitando-se disso, autores têm proposto a dosagem de CKMB-2 (ou a relação entre CKMB-2/CKMB-1 no sangue) como maneira de tornar mais sensível o exame. A CKMB começa a elevar-se de 4 a 8 horas após o infarto, tem o pico com 24 horas e retorna aos níveis normais em 72 horas. Vale lembrar que outras formas de injúria miocárdica, que não a isquemia, podem elevar à CKMB,
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como miocardite, choque, cateterismo cardíaco, operação cardíaca e trauma; - Mioglobina: é uma proteína do grupo heme, que se eleva mais precocemente (de 1 a 4 horas) do que a CKMB. É muito pouco específica, porém extremamente sensível, sendo improvável a SCA quando seu resultado é negativo após 4 horas do início da dor; - Troponinas: são as mais específicas para o coração; apesar de existirem no tecido muscular, são codificadas por diferentes genes, tendo, portanto, diferentes sequências de aminoácidos. Não são detectadas no sangue em circunstâncias normais. As troponinas elevam-se no sangue dentro de 6 a 8 horas após o infarto, têm o pico com 24 horas e podem persistir elevadas por 10 a 14 dias; não são úteis, portanto, para o diagnóstico de reinfarto. Podem estar elevadas em insuficiência cardíaca descompensada, embolia pulmonar e choque séptico. Na vigência de resultados normais dos marcadores cardíacos, os pacientes com risco intermediário ou baixo podem ser submetidos a exames não invasivos para refinar a estratificação de risco. São exames úteis, em unidade de dor torácica, o teste ergométrico (para pacientes de risco clínico baixo ou intermediário com enzimas normais), a cintilografia miocárdica com esforço e o ecocardiograma com estresse farmacológico ou físico. Para a caracterização do IAMSSSST, são necessários os seguintes critérios: quadro clínico sugestivo com dor torácica sustentada por mais de 20 minutos, ECG sem supradesnivelamento do ST persistente e elevação de enzimas cardíacas (troponina e/ou CKMB com valores 2 vezes acima do seu valor normal). A AI, geralmente, apresenta quadro clínico sugestivo com dor torácica sustentada por menos de 20 minutos, ECG sem supradesnivelamento do ST e dosagem de enzimas cardíacas normais.
E - Tratamento Na sala de emergência, o paciente com dor torácica deve ser avaliado visando à rápida identificação da SCA. Definida a presença de AI/IAMSSSST, ele deve ser mantido em repouso e com monitorização cardíaca, recebendo oxigênio, AAS, nitrato e morfina para o controle da dor (MONA). Beta-bloqueador deve ser adicionado via oral nas primeiras 24 horas, além de clopidogrel, para maior bloqueio da agregação plaquetária. Com o objetivo de estabilizar o trombo que se desenvolveu sobre a placa aterosclerótica coronariana, todos os pacientes com AI ou IAMSSSST devem receber anticoagulação plena com HNF ou HBPM, devendo-se dar preferência à heparina de baixo peso molecular (enoxaparina), pois houve maior redução do risco de morte, infarto e necessidade de revascularização de emergência.
SÍNDROMES MIOCÁRDICAS ISQUÊMICAS INSTÁVEIS
F - Tratamento específico da angina instável ou IAM sem supradesnivelamento do segmento ST
- Oxigênio:
para todos os pacientes com congestão pulmonar ou saturação arterial de O2 abaixo de 90% (classe I). Para todas as outras formas de SCA, deve ser mantido por 6 horas do início do quadro (classe IIa); - AAS: uso obrigatório na dose de 160 até 325mg, pois reduz a mortalidade e apresenta efeito rápido antiagregante por bloqueio quase total da síntese de antitromboxane A2. Quando o paciente refere alergia ao AAS, iniciar a antiagregação apenas com clopidogrel; - Clopidogrel: dose de ataque de 300mg (4 comprimidos) a todos os pacientes com AI ou IAMSSSST, em que o tratamento clínico ou a abordagem precoce da lesão coronariana com angioplastia é planejada (classe I). Caso haja a possibilidade de intervenção cirúrgica precoce de revascularização miocárdica, o seu uso deve ser adiado até a conclusão de indicação cirúrgica. Atua por bloqueio irreversível do receptor plaquetário de ADP, via diferente do AAS (bloqueio da ciclo-oxigenase). Sua associação a AAS não aumentou significativamente o risco de sangramentos e reduziu o risco de reinfarto e angina pós-infarto. Seu uso deve ser suspenso de 5 a 7 dias antes da abordagem cirúrgica para revascularização do miocárdio pelo risco elevado de sangramento grave no pós-operatório; - Nitratos: proporcionam alívio da dor e melhora da congestão e da hipertensão. Não administrar a droga antes do ECG, pois o IAM do ventrículo direito é presente em 30% dos casos de IAM de parede inferior. Não promovem redução da mortalidade e devem ser evitados na hipotensão (PA sistólica <90mmHg), bradicardia abaixo de 60bpm ou em casos de uso de inibidores de fosfodiesterase para disfunção erétil há menos de 24 horas;
- Morfina: promove melhora da congestão e da dor e
é indicada quando esta persiste mesmo após nitrato. Não usar em caso de PA sistólica abaixo de 90mmHg. Pode determinar liberação histaminérgica, causando náuseas, vômitos e prurido; - Inibidores de glicoproteínas IIb/IIIa: fazem parte dessa classe o abciximabe, o eptifibatida e o tirofibana. Um deles deve ser utilizado conjuntamente com AAS, clopidogrel e heparina para todos os pacientes com AI de alto risco ou IAMSSSST, associado à abordagem precoce com angioplastia (classe I). Quando a abordagem precoce com angioplastia não é possível, o tirofibana e o eptifibatida são as drogas de escolha. O abciximabe só poderá ser oferecido se a abordagem precoce com angioplastia for efetivamente realizada. O uso dessas drogas no IAMCSSST é controverso, sem evidência de benefício até o momento; - Beta-bloqueador: uso inicial com metoprolol; indicado na angina de moderado e alto risco e na vigência de dor precordial isquêmica. É contraindicado aos pacientes com história de broncoespasmo, hipotensão, disfunção moderada a severa do ventrículo esquerdo, intervalo PR maior do que 0,24ms ou BAV de 2º ou 3º graus e bradicardia abaixo de 60bpm. O beta-bloqueador intravenosos deve ser prescrito apenas para o tratamento de situações específicas que não o IAM/ angina instável. Deve ser prescrito via oral nas primeiras 24 horas da internação; - Heparina: preferencialmente, a de baixo peso molecular (enoxaparina), pois dispensa controle laboratorial e determina menor incidência de plaquetopenia. Dose de 2mg/kg/dia por pelo menos 48 horas. Pode-se utilizar a heparina não fracionada por via intravenosa contínua, principalmente quando a abordagem cirúrgica precoce é possível. No entanto, a heparina fracionada é superior na proteção de reinfarto e angina pós-IAM. Após a angioplastia, não há mais indicação de manter heparinização plena; - Estatinas: é terapia adjuvante; recomendada se LDL acima de 100mg/dL em qualquer quadro de SCA comprovada (AI, IAMSSSST ou IAMCSSST); - IECA: não deve ser utilizado tão precocemente quanto o AAS, mas também tem impacto na sobrevida dos doentes com risco de evolução para dilatação ventricular. Quanto aos pacientes com IAMCSSST e HAS, DM, manutenção da hipertensão e sinais ou sintomas de disfunção do ventrículo esquerdo, o uso de IECA tem indicação formal. Pode ser iniciado em doses baixas, com 6 a 24 horas do evento, com rápida progressão da dose terapêutica de acordo com a tolerância do paciente; - Cateterismo: trata-se de um procedimento seguro (mortalidade de 0,1% e morbidade de 5%), indicado a pacientes candidatos à revascularização por falha de
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CARDIOLOGIA
Antes da administração de tais medicações, deve-se estar atento à presença de eventuais contraindicações: reação alérgica a salicilatos (usar clopidogrel), infarto do ventrículo direito (pode ocorrer hipotensão com nitrato) e, para o uso de beta-bloqueadores, descartar bloqueios atrioventriculares, broncoespasmo, hipotensão, insuficiência cardíaca descompensada ou bradicardia. Quanto aos pacientes considerados de alto risco, podem ser associados os inibidores de glicoproteína IIb/IIIa (tirofibana, abciximabe) como complemento à terapia antiagregante. Preferencialmente, esses pacientes devem ser encaminhados para cateterismo cardíaco dentro de 48 a 72 horas e mantidos com o inibidor de glicoproteína até 12 horas após o procedimento. O clopidogrel é contraindicado em associação à aspirina para pacientes a serem submetidos a tratamento cirúrgico.
CARD I OLOG I A controle clínico, pacientes já revascularizados, recidiva de sintomas instáveis ou pacientes com valvopatia que serão submetidos à correção cirúrgica. Na SCA, o exame deve ser feito quando a dosagem de troponina é positiva, quando ocorrem alterações dinâmicas de ST, na ICC, presença de B3, EAP (Edema Agudo de Pulmão), novo sopro ou piora de insuficiência mitral, instabilidade hemodinâmica, revascularização prévia, angioplastia há menos de 6 meses, TV sustentada, dor recorrente, FE abaixo de 40%, teste de isquemia miocárdica positivo ou sobreviventes de parada cardíaca súbita. Caso contrário, pode ser realizado mais tardiamente, como parte da estratificação/tratamento da doença coronária; - Controle glicêmico: na SCA, é aconselhável nas primeiras 48 horas do início do quadro, porém não há, ainda, uma diretriz específica sobre esse tema. Serve a orientação geral de evitar/tratar hiperglicemias acima de 180mg/dL.
Figura 7 - Tratamento de dor torácica sugestiva de isquemia
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SÍNDROMES MIOCÁRDICAS ISQUÊMICAS INSTÁVEIS
3. IAM com supradesnivelamento do segmento ST A - Introdução CARDIOLOGIA
Quando a ruptura da placa aterosclerótica da coronária determina a formação de trombo que a obstrui na sua máxima intensidade por tempo suficiente, ocorre o IAM com elevação do segmento ST (IAMCSSST). A história é semelhante à da angina instável, exceto pela duração da dor, que é mais prolongada (>20 a 30min). O diagnóstico é alcançado por meio de história, exame físico e ECG, preenchendo os seguintes critérios: elevação e queda gradual da troponina, elevação e queda rápida da CKMB, sintomas isquêmicos, aparecimento de ondas Q no ECG, elevação de ST ≥1mV em 2 derivações contíguas ao ECG ou intervenção em coronária com angioplastia que evolua com tais características. As alterações eletrocardiográficas evolutivas do IAM com supradesnivelamento estão descritas na Figura 8.
Figura 9 - Checklist para avaliação do risco de trombólise
A localização da parede isquêmica pode ser feita por meio da análise do ECG e permite estimar a artéria coronária acometida, conforme indica a Tabela 9. Tabela 9 - Caracterização do IAMCSSST e a relação parede/coronária acometida Localização da parede acometida no IAMCSSST com elevação ≥1mm em 2 derivações contíguas
Figura 8 - Padrão evolutivo do supradesnivelamento do segmento ST no infarto do miocárdio no ECG
Definida a condição clínica, o paciente deve ser levado até a sala de emergência e receber oxigenoterapia, AAS, clopidogrel, nitrato e morfina (classe I). Após a estabilização do doente, este deve ser avaliado quanto a sua elegibilidade para terapia trombolítica ou abertura mecânica da artéria por angioplastia. A seguir, algoritmo para avaliação de contraindicação de trombólise (Figura 9).
Anterior
D1, AVL, V3-6/artéria coronária descendente anterior.
Inferolateral
D2, D3, AVF/artéria coronária circunflexa ou direita.
Lateral
D1, AVL/artéria coronária circunflexa.
Direito
AVR; V1 e V2, V3R e V4R/artéria coronária direita.
PosteroinfeAVF, V5 e V6 em espelho/artéria coronária direita. rior
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CARD I OLOG I A tratamento de 1ª linha: oxigênio, AAS, nitroglicerina, beta-bloqueador e trombólise. Outras drogas são utilizadas em situações especiais, conforme mostram as Tabelas a seguir. O nível de recomendação da atitude terapêutica também está relacionado (Tabela 12). Tabela 12 - Níveis de recomendação para medidas terapêuticas Classe I
Nível de benefício comprovado por estudos clínicos.
Classe IIa
Nível de benefício provável demonstrado em estudos clínicos.
Classe IIb
Nível de benefício possível demonstrado por estudos clínicos.
Classe III
Malefício comprovado com uso da medida clínica.
Tabela 13 - Drogas indicadas em situações especiais Oxigênio Figura 10 - Artéria coronária com obstrução completa da sua luz por fratura e formação de trombo sobre a placa
Classe I
- Congestão pulmonar/saturação arterial de O2 <90%.
Classe IIa
- Todos os doentes com IAM não complicado (2 a 3 primeiras horas).
Classe IIb
- Todos os doentes com IAM não complicado (3 a 6 primeiras horas).
Com a avaliação clínica inicial, é possível estratificar os pacientes quanto à repercussão hemodinâmica do IAM e seu prognóstico, utilizando-se a classificação clínica de Killip-Kimball (Tabela 10). Outra forma de estratificação é a avaliação hemodinâmica invasiva, através do cateter de Swan-Ganz, utilizando-se a classificação de Forrester (Tabela 10).
Classe I
- AAS, de 160 a 325mg VO, no momento do diagnóstico; mantida indefinidamente.
Tabela 10 - Classificação clínica (Killip-Kimball) do IAMCSSST
Classe IIb
- Na alergia verdadeira ao AAS, substituir por clopidogrel, ticlopidina ou dipiridamol.
Classe
Clínica
I
Sem B3 ou crepitações pulmonares.
II
Estertores até 50% dos campos pulmonares, com ou sem B3.
III
Estertores >50% dos campos pulmonares (EAP).
IV
Choque cardiogênico.
Tabela 11 - Classificação hemodinâmica (Forrester) do IAMCSSST por meio de Swan-Ganz Classe
Perfil hemodinâmico
I
Normal PAOP <18mmHg IC >2,2L/min/m2
II
Congestão pulmonar PAOP >18mmHg IC >2,2L/min/m2
III
Má perfusão tecidual PAOP <18mmHg IC <2,2L/min/m2
IV
Má perfusão tecidual e congestão PAOP >18mmHg IC <2,2L/min/m2
PAOP = pressão de oclusão de artéria pulmonar. IC = Índice Cardíaco (débito cardíaco dividido pela superfície corpórea).
B - Tratamento O tratamento do IAM deve ser iniciado, de preferência, já no transporte do paciente ao hospital. Fazem parte do
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AAS (redução de mortalidade – 23%; quando associado a estreptoquinase, redução de 43% na mortalidade)
Nitroglicerina Classe I
- IAM e ICC, IAM anterior extenso, isquemia ou hipertensão persistente por 24 a 48 horas; - Congestão/isquemia persistente/recorrente >48h.
Classe IIb
- IAM sem hipotensão, bradicardia ou taquicardia >24 a 48h; - IAM complicado ou anterior extenso por >48h.
Classe III - Hipotensão (PASIST <90mmHg) bradicardia (<50bpm). Beta-bloqueador
Classe I
- Iniciar via oral nas primeiras 24 horas para pacientes sem sinais de insuficiência cardíaca, baixo débito, risco aumentado para choque cardiogênico ou outras contraindicações para beta-bloqueadores. Pacientes com contraindicação ao uso precoce do BB devem ser reavaliados quanto à indicação para prevenção secundária após estabilização.
- Pacientes hipertensos sem sinais de insuficiência cardíaca, baixo débito, risco aumentado para choque Classe IIa cardiogênico ou outras contraindicações para beta-bloqueadores. - Beta-bloqueador intravenoso para pacientes com insuficiência cardíaca, baixo débito, risco aumentaClasse III do para choque cardiogênico ou outras contraindicações para beta-bloqueadores.
Trombólise (redução de mortalidade de 18%) Maior benefício: t <3h, IAM anterior, DM, PASIST <100mmHg Menor benefício: IAM inferior (exceto com IAM do ventrículo direito) Classe I
- Supra ST >0,1mV em 2 derivações contíguas, há <12h e idade <75 anos; - BRE e história compatível com IAM.
Classe IIa
Classe IIb
Classe III
- Supra ST >0,1mV em 2 derivações contíguas, há <12h e idade >75 anos. - Supra ST >0,1mV em 2 derivações contíguas, há >12h e <24h; - PASIST >180mmHg e/ou diastólica >110mmHg com IAM de alto risco após controle pressórico.
relação ao uso de trombolíticos. No entanto, a maior crítica a tal procedimento são as dificuldades para obtê-lo e a necessidade de operadores experientes. O tempo porta-balão não deve exceder 90 minutos, e o tempo porta-agulha, para aqueles que serão submetidos à fibrinólise, deve ser de 30 minutos. A cirurgia cardíaca na fase aguda é reservada para situações como complicações na angioplastia, complicações mecânicas, dor persistente e/ou pacientes instáveis hemodinamicamente e com coronárias suscetíveis de sofrerem revascularização. Tabela 14 - Angioplastia primária
Classe I
- Alternativa à trombólise, em centros capacitados, com capacidade cirúrgica e pessoal treinado, IAM em evolução até 36 horas, que desenvolve choque cardiogênico, idade <75anos; realizada até 18 horas após início do choque.
Classe IIa
- Candidatos à reperfusão com contraindicação à trombólise.
Classe IIb
- IAM sem supra com TIMI <2 (critério angiográfico de baixo fluxo) há <12h do início do IAM.
- Supra ST há >24h, sem dor do tipo isquêmica; - Infra ST, apenas.
Independentemente do trombolítico utilizado, seu emprego é fundamental para a melhora da sobrevida do paciente, assim como prevenção da disfunção ventricular em longo prazo. O tempo hábil de trombólise é de até 12 horas, com maior benefício quando realizada no início desse período. A droga mais utilizada é a estreptoquinase, na dose de 1.500.000U em 30 minutos. A existência de qualquer contraindicação absoluta para trombólise exclui essa terapia para o paciente. Caso existam contraindicações relativas para o uso do trombolítico, a decisão de aplicar a droga deve ser definida caso a caso. Os efeitos colaterais mais frequentes são hipotensão arterial, reação alérgica cutânea e choque anafilático. A hipotensão é tratada com diminuição do volume e da velocidade de infusão da droga. As outras complicações determinam a suspensão da droga e o tratamento angiográfico de resgate, se disponível. A heparinização posterior não é necessária após o uso da estreptoquinase. Apesar de estudos demonstrarem benefício no seu uso associado à trombólise, ainda não é um consenso. Outro trombolítico utilizado é o rTPA, cujo efeito trombolítico permanece por 2 a 3 horas, sendo necessária a heparinização por 24 horas. Na vigência de complicações hemorrágicas após a trombólise, a estabilização do sangramento pode ser obtida com o uso de plasma fresco e crioprecipitado. Podem ser observados alguns sinais indiretos de reperfusão coronária: arritmias de reperfusão (ritmo idioventricular e extrassístoles ventriculares), melhora da dor, redução do supra em mais de 50% da sua intensidade após 90 minutos do início da trombólise e pico precoce de enzimas cardíacas. O critério mais importante e que deve ser considerado para indicação de angioplastia de resgate é a redução do supradesnível do segmento ST. A angioplastia primária é potencialmente superior à terapia trombolítica na restauração da patência miocárdica. Os pacientes apresentam menor isquemia recorrente e menores taxas de reintervenção e reinternação hospitalar em
- Angioplastia de artéria não relacionada ao infarto; - Início de sintomas >12h e ausência de sintomas; Classe III - Após trombólise sem evidências de isquemia; - Baixa capacidade do hospital em realizar o procedimento. Tabela 15 - Revascularização miocárdica de urgência/emergência - Angioplastia sem sucesso com dor ou instabilidade hemodinâmica e anatomia favorável; Classe I
- IAM + isquemia refratária/persistente em não candidatos à manipulação angiográfica com anatomia favorável; - Cirurgia concomitante para correção de defeito septal/insuficiência mitral pós-IAM.
Classe IIa - Choque cardiogênico com anatomia favorável. Classe IIb - Angioplastia sem sucesso em área pequena de infarto. Classe III
- Taxa de mortalidade cirúrgica ≥mortalidade do tratamento clínico.
Tabela 16 - Inibidor de Enzima de Conversão da Angiotensina (IECA) em <24h do IAM Classe I
IAM anterior ou ICC com PASIST >100mmHg e sem contraindicação conhecida.
Classe IIa
Todos os outros IAMs sem hipotensão ou outra contraindicação conhecida.
Classe IIb
Pós-IAM com ventrículo esquerdo normal ou disfunção leve.
C - IAM do ventrículo direito No IAM de parede inferior, deve-se dar atenção ao infarto do ventrículo direito que ocorre em até 30% dos infartos
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CARDIOLOGIA
SÍNDROMES MIOCÁRDICAS ISQUÊMICAS INSTÁVEIS
CARD I OLOG I A inferiores. Tal entidade clínica pode ser reconhecida ao ECG nas derivações direitas (V3R e V4R) até cerca de 3 horas do início do infarto. Após esse período, o supradesnível de ST comumente desaparece, e IAM do ventrículo direito é comumente identificado quando o paciente desenvolve choque até 12 horas do início do infarto inferior, sem congestão pulmonar. O tratamento dessa hipotensão é a reposição volêmica agressiva. Uma falha comum quando tal IAM não é reconhecido é a administração de venodilatadores (nitroglicerina, morfina), determinando choque intenso por perda da pré-carga do ventrículo direito. O ecocardiograma pode identificar a discinesia ou acinesia do ventrículo direito, auxiliando no diagnóstico tardio.
Figura 11 - IAM do ventrículo direito com supradesnivelamento em V4R e V5R
4. Resumo Quadro-resumo Medidas iniciais - Mastigar 300mg de AAS (de 160 a 325mg); - Monitorização cardíaca e oximetria, acesso venoso e oxigenoterapia (indispensável se SatO2 <90%); - Obter ECG de 12 derivações com menos de 10 minutos da chegada; - Radiografia de tórax; - Clopidogrel, 300mg, dose de ataque (atenção à possibilidade de procedimento cirúrgico de urgência); - Glicemia capilar e exames (eletrólitos, hemograma e enzimas cardíacas de base – CK e CKMB); - Enzimas cardíacas a cada 6h (CK, CKMB e troponinas). Tratamento - Anticoagulação para casos de angina instável/IAM com suprarreperfusão coronariana para casos de IAM com supra: Angioplastia primária (se disponível, em até 90 minutos); Trombólise: estreptoquinase, rTPA ou TNK em até 30 minutos; Beta-bloqueador: se não há contraindicação (PAS <90mmHg, BAV de 2º ou 3º grau ou história de broncoespasmo, DPOC); Nitrato: controle da dor e da hipertensão; Morfina: controle da dor.
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Critérios de reperfusão da trombólise - Alívio dos sintomas (melhora da dor); - Equilíbrio hemodinâmico e elétrico (ausência de arritmias); - Diminuição de 50% do supra de ST (cerca de 60 a 90 minutos após o início da trombólise). Trombólise não eficaz - Persistência de sintomas de isquemia; - Instabilidade hemodinâmica ou elétrica; - Não houve redução do supra de ST; - Conduta: angioplastia de resgate.
CAPÍTULO
9
Parada cardiorrespiratória José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado
1. Introdução Nenhuma situação clínica supera a prioridade de atendimento da parada cardiorrespiratória (PCR). A rapidez e a eficácia das intervenções adotadas são cruciais para o bom resultado do atendimento. Dados obtidos pelo DATASUS apontam que 35% das mortes no Brasil são de causas cardiovasculares, que perfazem 300.000 casos anuais. Nos Estados Unidos, estima-se que 250.000 mortes súbitas por ano ocorram por causa coronariana. A PCR é desencadeada, na sua grande maioria, por ocorrência de fibrilação ventricular associada a evento isquêmico miocárdico ou a distúrbio elétrico primário. O sucesso na ressuscitação cardiopulmonar depende da rapidez com que se ativa a nova cadeia de sobrevida (Figura 1), que consiste em acesso rápido ao sistema de emergência, ressuscitação cardiopulmonar, desfibrilação precoce, suporte avançado de vida eficaz e cuidados pós-PCR.
Figura 1 - Cadeia da sobrevida
Em 2010, foi publicado o novo consenso da American Heart Association, que determinou algumas mudanças significativas, descritas a seguir: - A RCP deve ser iniciada imediatamente se a vítima não responde e não respira. A avaliação do pulso não é mais recomendada; a RCP deve ser iniciada imediatamente com as compressões torácicas em vez de abrir as vias aéreas e iniciar a respiração artificial; todos os
socorristas, treinados ou não, devem fornecer as compressões torácicas às vítimas de parada cardíaca; - A ênfase no fornecimento de compressões torácicas de alta qualidade continua a ser essencial: os socorristas devem comprimir o tórax sobre superfície rígida determinando uma depressão de 5cm no esterno, a uma frequência mínima de 100 compressões por minuto, permitindo o retorno do tórax à posição de repouso; - Os resgatistas treinados devem fornecer ventilação assistida na relação de 2 ventilações intercaladas com 30 compressões torácicas; - Para os socorristas leigos, o serviço de emergência deve fornecer apenas instruções de compressões torácicas quando o auxílio é telefônico.
2. Manobras de suporte básico de vida O suporte básico de vida visa ao reconhecimento e ao atendimento de situações de emergência, como obstrução aguda de via aérea, infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral e PCR. A abordagem inicial através dessas manobras visa instituir as condições mínimas necessárias para manutenção ou recuperação da oxigenação e perfusão cerebral, já que é a viabilidade neurológica que define, em grande parte, o prognóstico da vítima de PCR. Disso depende o respeito às prioridades da abordagem inicial: ABC (Air way/Breathing/Cardiovascular). A seguir, enumeram-se e discutem-se os passos que constituem o suporte básico de vida.
A - Avaliar o nível de consciência (responsividade) A vítima de um evento agudo precisa ser abordada rapidamente. A checagem do nível de consciência fornece,
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CARD I OLOG I A em pouco tempo, informações valiosas. Se o paciente responde ao chamado, mesmo que a resposta seja incompreensível, isso demonstra que há fluxo sanguíneo cerebral suficiente para manter alguma atividade do sistema nervoso central, ou seja, a situação se afasta da condição de PCR (Figura 2). A checagem do nível de consciência deve ser feita por meio do chamado verbal e do contato físico com a vítima. Se não há resposta, assume-se que a função do SNC está prejudicada, por exemplo, por hipóxia (como na parada respiratória) ou baixo fluxo sanguíneo cerebral (como no choque hipovolêmico). A ausência de resposta da vítima demonstra maior probabilidade de condição crítica como a PCR.
Figura 2 - Checagem do nível de consciência da vítima
Em quaisquer das 2 condições (consciente ou inconsciente), o passo seguinte deve ser o desencadeamento do sistema de emergência, chamando por ajuda e pelo Desfibrilador Externo Automático (DEA). Essa orientação não é válida para atendimento de afogados e vítimas de obstrução testemunhada da via aérea, em que o resgatista deve aplicar 2 minutos de RCP antes de acionar o serviço de emergência (recomendação IIB).
B - Chamar por ajuda, pedindo o desfibrilador automático O chamado de emergência constitui passo crucial no atendimento, pois não se pode definir de imediato o que aconteceu com a vítima. O evento pode ter sido desencadeado por uma simples hipoglicemia até uma situação de extrema gravidade, como a PCR. Nessa situação, o suporte básico de vida é fundamental para manter as condições mínimas de perfusão e oxigenação tecidual cerebrais e miocárdicas da vítima. No entanto, a medida principal que permite a reversão da PCR é o acesso rápido ao desfibrilador elétrico (Figura 3).
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Figura 3 - Chamado de emergência e pedido de desfribilador
O DEA é um aparelho eletrônico portátil que desencadeia um choque elétrico com corrente contínua sobre o tórax da vítima, organizando o ritmo elétrico do coração, quando necessário. Tal aparelho deve estar facilmente disponível nos ambientes de alto risco de evento cardiovascular, como áreas hospitalares, aeroportos ou áreas de grande aglomeração de pessoas, pois o tempo de chegada do desfibrilador até o paciente determina a sua sobrevida. A necessidade do chamado precoce de ajuda e do desfibrilador justifica-se pelo fato de que cerca de 80% dos eventos de PCR extra-hospitalares são desencadeados por 2 formas de arritmias letais: a Fibrilação Ventricular (FV) e a Taquicardia Ventricular (TV). Tais ritmos estão presentes no início da maioria dos casos de PCR e apresentam bom índice de resposta à desfibrilação quando tratados em tempo hábil. No entanto, evoluem rapidamente para assistolia ou tornam-se progressivamente refratários ao choque se tratados tardiamente.
C - Posicionar a vítima para o resgate A posição correta da vítima durante o atendimento é o decúbito dorsal horizontal sobre superfície rígida, em virtude da possibilidade de massagem cardíaca. Durante o posicionamento da vítima, deve-se lembrar a necessidade de manter sua coluna cervical sempre alinhada com o restante do tronco durante a mobilização. A suspeita da lesão cervical deve ser sempre lembrada quando a perda de consciência da vítima não foi presenciada ou quando a vítima sofreu trauma de crânio ou cervical durante a queda.
D - Posicionar-se em relação à vítima O posicionamento correto do resgatista em relação à vítima é colocar-se à linha dos ombros do paciente, não importando o lado (direito ou esquerdo). Essa posição permite acesso rápido ao seguimento cefálico (via aérea) e ao tronco do indivíduo (massagem cardíaca). Em caso de 2 socorristas, ambos devem posicionar-se um de cada lado da vítima, à linha dos ombros.
E - Abrir vias aéreas e avaliar se o paciente respira Na avaliação da respiração recomendada anteriormente, era dedicado um tempo muito longo ao processo de abertura das vias aéreas e da avaliação da presença de ventilação espontânea (ver, ouvir, sentir), o que retardava o início da RCP. A recomendação atual orienta que, após a abertura das vias aéreas, deve ser realizada uma avaliação rápida e objetiva, através apenas de observação direta do paciente, para definir a ausência de movimentos respiratórios (Figura 4). A presença de gasping não caracteriza ventilação espontânea e deve ser interpretada como ritmo respiratório indicativo de PCR.
aplicação da abertura da via aérea ou da ventilação assistida não é possível, devem-se aplicar apenas as compressões torácicas. A localização correta do ponto de compressão torácica é muito importante para a boa eficiência da massagem cardíaca. O ponto de compressão torácica localiza-se na metade inferior do esterno (o centro do tórax) (Figura 5). Nesse ponto, coloca-se a região hipotenar da mão do braço mais forte, que servirá de base para a compressão cardíaca. A outra mão deve ser colocada paralelamente sobre a 1ª, mantendo os cotovelos estendidos. A compressão deve ser aplicada de forma rápida e forte, causando uma depressão de 5cm no tórax, formando um ângulo de 90° com o plano horizontal (Figura 6). A frequência de compressões torácicas deve manter o alvo de, ao menos, 100 compressões ou mais por minuto.
Figura 4 - Avaliação das vias aéreas
A avaliação do pulso não é mais recomendada para leigos, bastando a definição de perda de consciência e ausência de respiração para definir a situação de PCR no ambiente extra-hospitalar. Para profissionais de saúde, a pesquisa de pulso ainda é mandatória por até 10 segundos. Definida a ausência de pulso, deve-se iniciar a RCP imediatamente.
Figura 5 - Localização do ponto de compressão torácica
F - Iniciar a reanimação cardiopulmonar (C-A-B) Nas novas recomendações, indica-se que a massagem cardíaca seja iniciada antes das ventilações, após o reconhecimento da PCR (C-A-B, ao invés de A-B-C, como era orientado). Definida a PCR (paciente apneico e inconsciente), são iniciadas imediatamente as manobras de RCP, através das compressões torácicas alternadas com as ventilações assistidas: aplica-se a sequência de 30 compressões torácicas para 2 ventilações assistidas, iniciando-se com as compressões. Após a compressão, deve-se permitir o retorno do tórax à posição normal. As compressões só devem ser interrompidas na chegada do DEA, da equipe de suporte avançado, ou quando são detectados movimentos espontâneos da vítima. Para o leigo, orienta-se aplicar apenas as compressões torácicas, não sendo necessárias as ventilações assistidas; quando habilitado, o leigo pode aplicar ventilações assistidas. Para os profissionais da saúde, a aplicação da ventilação assistida ainda é necessária. Quando a
Figura 6 - Posicionamento correto e lado da vitima para início das compressões cardíacas
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CARDIOLOGIA
PARADA CARDIORRESPIRATÓRIA
CARD I OLOG I A G - Realizar a desfibrilação elétrica, se indicada Sabe-se que o ritmo mais frequente presente nos primeiros minutos da PCR extra-hospitalar é a FV. Quanto mais precoce a desfibrilação, melhores os resultados na sobrevida. Estudos demonstram que a desfibrilação precoce, quando empregada nos 3 a 4 primeiros minutos da PCR, determina a reversão do evento em até 75% dos casos. Portanto, a colocação das pás do desfibrilador sobre a vítima deve ser realizada assim que o aparelho está disponível, interrompendo as manobras de RCP para identificar o ritmo elétrico da PCR. O desfibrilador automático/semiautomático (Figura 7) possui um programa que lhe permite identificar e reconhecer os ritmos de FV e TV, indicando, então, o choque. Se o ritmo presente não for uma TV ou FV, o aparelho não indicará o choque, cabendo ao resgatista manter a massagem cardíaca e as ventilações até a chegada do suporte avançado, mantendo ciclos de 2 ventilações e 30 compressões torácicas, até que o DEA indique a necessidade de checar pulso.
o choque, quando se deve checar o pulso. Em caso de pulso presente, houve reversão da PCR, e deve-se manter suporte ventilatório até a chegada do sistema de emergência, checando o pulso a cada 2 minutos; se ausente, as manobras de RCP devem ser mantidas por mais 2 minutos até uma nova checagem de ritmo pelo desfibrilador. A PCR pode ser descrita em 3 fases distintas: 1 - Fase elétrica: é o início da PCR, quando a reversão da desorganização elétrica determina o retorno da circulação espontânea e não houve, ainda, grande comprometimento metabólico miocárdico e sistêmico. Tal fase se estende até o 4º ou 5º minuto da PCR. A desfibrilação nessa fase é o tratamento prioritário. 2 - Fase hemodinâmica: já ocorre comprometimento metabólico intenso do miocárdio, que se apresenta debilitado em manter a atividade elétrica inicial da PCR (FV ou TV). Quando a desfibrilação é feita nessa fase sem a aplicação prévia de RCP para reperfusão miocárdica, há maior incidência de reversão do ritmo inicial para ritmo elétrico não associado a pulso central (atividade elétrica sem pulso ou assistolia). Para aumentar a chance de sucesso do choque nessa fase, recomenda-se a aplicação de RCP por 2 minutos antes da desfibrilação nas vítimas que não receberam RCP até o 5º minuto da PCR. É uma tentativa de melhorar a resposta do miocárdio não perfundido ao choque (recomendação IIB). Nas vítimas que receberam RCP antes do 5º minuto da PCR, a desfibrilação imediata é indicada assim que a FV/ TV sem pulso é identificada. 3 - Fase metabólica: é a fase de evolução final do sofrimento celular, em que a viabilidade miocárdica é terminal. Predomina a acidose metabólica láctica. Com a aplicação do suporte básico de vida, pode-se retardar o tempo de instalação e evolução dessas fases.
Figura 7 - Desfibrilador externo automático
Quando indicado, o choque inicial é de 360J (monofásico) ou de 150 a 200J (na energia equivalente nos aparelhos bifásicos). O choque bifásico é preferível em relação ao monofásico para a reversão da PCR em FV. No momento do choque, o socorrista deve certificar-se de que ninguém está em contato com a vítima. Em vítimas atendidas após 4 a 5 minutos do evento e que não receberam suporte básico de vida e apresentam FV ou TV SM pulso, é aceitável a aplicação de 2 minutos de RCP antes da aplicação da desfibrilação. Imediatamente, após o choque, retoma-se a RCP por 2 minutos, quando o aparelho novamente reavalia a necessidade de novo choque. Se indicado, é aplicado na mesma energia empregada anteriormente, seguido de mais 2 minutos de RCP e assim por diante, até que o sistema de emergência se encarregue do atendimento ou ocorra mudança do ritmo. Quando esta ocorre, o aparelho não indica
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Figura 8 - Suporte básico de vida para adultos
3. Manobras de suporte avançado de vida Deve-se esclarecer que, por mais avançados que sejam os recursos disponíveis para o atendimento da PCR, o suporte básico de vida é fundamental à manutenção da perfusão e oxigenação cerebral e coronariana. O suporte avançado de vida implica a presença de profissional habilitado para a realização de procedimentos de risco, como a abordagem invasiva de via aérea, a aplicação de desfibrilação e o uso de medicações. Em nosso meio, tais procedimentos só podem ser realizados por médico habilitado. No suporte avançado, a identificação do ritmo cardíaco é feita por pás do monitor cardíaco, com o objetivo de poupar tempo durante o atendimento, permitindo a rápida desfibrilação, caso seja indicada. Por meio da identificação do ritmo cardíaco pelas pás, pode-se dividir a PCR em 2 modalidades: ritmo de FV/TV sem pulso (ritmo que merece choque imediato) ou em ritmo de assistolia/atividade elétrica sem pulso (ritmo que não merece ser chocado).
A - PCR em FV/TV sem pulso As formas mais frequentes de atividades elétricas iniciais na PCR extra-hospitalar são a FV (Figura 9) e a TV sem pulso (Figura 10), encontradas em cerca de 80% dos casos. São as formas de melhor prognóstico para reversão, desde que tratadas adequadamente e em tempo hábil.
QRS alargados (≥0,12ms), idênticos entre si, com frequência elevada e sem ondas P identificáveis ao traçado. Tal ritmo pode ou não gerar contração miocárdica efetiva (pulso). Na ausência de pulso, a TV deve ser tratada como FV. Identificada a FV/TV sem pulso, o tratamento inicial depende do tempo decorrido do início do evento até a identificação desse ritmo. Quando o paciente é atendido rapidamente e a FV/TV sem pulso é identificada até o 4º ou 5º minuto da PCR, a medida imediata é a desfibrilação elétrica com choque único de 360J monofásicos ou em energia equivalente de choque bifásico (geralmente, entre 150 e 200J, recomendando-se energia máxima do equipamento). Quando o mesmo ritmo é identificado após o 5º minuto de PCR, 2 minutos de RCP podem ser aplicados inicialmente para, posteriormente, aplicar a desfibrilação. Isso se deve ao fato de a chance de evolução da FV/TV sem pulso para assistolia ou atividade elétrica sem pulso ser grande, e ao fato de esse risco ser significativamente reduzido quando se aplica um período de RCP prévio ao choque, aumentando a chance de reversão da FV/TV sem pulso para ritmo organizado com pulso. Imediatamente, após o choque mais 2 minutos de RCP devem ser aplicados. Após tal período, avalia-se novamente o ritmo, aplicando-se o choque se necessário e assim por diante. A segurança durante a desfibrilação é de responsabilidade de quem manipula o aparelho. Durante a administração dos choques, alguns cuidados devem ser adotados, como o correto posicionamento das pás, a aplicação de força sobre elas e a utilização de gel condutor. Tais medidas contribuem para maior taxa de sucesso na desfibrilação (Figura 11).
Figura 9 - Fibrilação ventricular
Figura 11 - Posicionamento correto das pás mostrado na imagem à direita (corrente percorre maior massa de miocárdio possível) e posição errada à esquerda: corte transversal
Figura 10 - Taquicardia ventricular sem pulso
A FV caracteriza-se por uma atividade elétrica caótica e desorganizada do coração, com ritmo incapaz de gerar contração cardíaca eficiente. Daí a ausência de pulso central nesse ritmo elétrico. A TV difere da FV por tratar-se de ritmo elétrico organizado, caracterizado por complexos
No suporte avançado de vida da FV/TV sem pulso, a checagem do pulso central deve ser feita apenas quando há mudança do ritmo visando reduzir ao máximo as interrupções da RCP. Caso ainda persista a FV/TV sem pulso após o 1º choque, são necessárias medidas de suporte avançado, como drogas que melhorem a condição hemodinâmica da PCR e medidas de auxílio no tratamento da PCR. Neste momento, são necessárias a instalação de um acesso venoso periférico (IV) ou intraósseo (IO), a colocação de via aérea definitiva para melhor oxigenação (O2) e a monitorização cardíaca através de eletrodos. Ou seja, após o 1º choque, mantida a PCR, deve-se proceder à aplicação de Monitor, Oxigênio e acesso Venoso (MOV) (Figura 12).
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CARDIOLOGIA
PARADA CARDIORRESPIRATÓRIA
CARD I OLOG I A
Figura 12 - Aplicação do MOV na vítima
Após a intubação, procede-se à checagem primária da via aérea por meio da ausculta epigástrica e pulmonar (bases e ápices); a checagem secundária deve ser realizada através de equipamentos de confirmação (detector de CO2, capnógrafo ou pêra esofágica), com preferência ao capnógrafo. Caso o acesso venoso não esteja disponível, deve-se administrar a droga desejada por meio da via IO ou da cânula traqueal sem demora. Recentemente, essa via foi padronizada para uso na PCR em adultos, podendo ser utilizada para infusão das drogas. Na impossibilidade absoluta de estabelecer um acesso venoso periférico ou da via IO para administração das drogas, é aceitável colocar um cateter em posição central. Enquanto qualquer outro acesso para a aplicação de drogas não está disponível, deve ser utilizada a cânula traqueal para a administração das drogas. Algumas drogas podem ser utilizadas via cânula traqueal: vasopressina, atropina, naloxona (antagonista opioide), epinefrina e lidocaína (Vanel). Para que tais drogas administradas através da cânula tenham o mesmo efeito da droga IV, é necessário administrar de 2 a 2,5 vezes a dose IV (com exceção da vasopressina, aplicada na mesma dose). Para melhorar a absorção da droga, a dose via cânula deve ser seguida de um bolus de 10mL de soro fisiológico 0,9%. No entanto, com a possibilidade do uso da via IO para infusão de drogas, a prioridade na intubação foi reduzida, não sendo incorreto retardá-la no início da PCR para priorizar outras medidas terapêuticas, como a desfibrilação e a aplicação das drogas. O uso de um vasopressor durante o atendimento da parada é necessário, pois determina melhora do retorno venoso e da perfusão coronariana. As drogas a serem ad-
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ministradas inicialmente em qualquer modalidade de PCR são a epinefrina (1mg, a cada 3 a 5 minutos IV, ou na dose equivalente através da cânula endotraqueal – recomendação indeterminada) ou vasopressina em uma única dose de 40U. A vasopressina pode ser utilizada em substituição à 1ª ou à 2ª dose da adrenalina ou como droga inicial. A droga seguinte a ser utilizada é a amiodarona, na dose de 300mg IV em bolus, podendo ser repetida mais 1 dose de 150mg. A manutenção após retorno de ritmo com pulso é de 1mg/min por 6h e 0,5mg/min por mais 18h. Em um estudo recente, essa droga se mostrou superior à lidocaína na FV/TV refratária, em atendimento extra-hospitalar, quanto à sobrevida na admissão hospitalar. No entanto, a mortalidade intra-hospitalar não foi diferente nos 2 grupos. A lidocaína é aceita como antiarrítmico na dose de 1 a 1,5mg/kg de peso do paciente, na dose máxima de 3mg/kg. Pode-se usar o sulfato de magnésio para a reversão da arritmia quando hipomagnesemia for documentada ou na torsades de pointes; sua dose é de 1 a 2g IV em bolus. A procainamida não é mais utilizada na PCR para reversão de FV/TV sem pulso. Quando ocorre a reversão da arritmia, em qualquer momento durante a PCR, uma dose de manutenção do último antiarrítmico utilizado pode ser administrada por 12 a 24 horas para evitar a recidiva da arritmia. Caso não tenha sido administrado nenhum antiarrítmico, pode ser aplicada uma dose de ataque de lidocaína (1 a 1,5mg/kg), seguida da infusão da dose de manutenção (Tabela 1). Tabela 1 - Antiarrítmicos usados na FV/TV sem pulso Droga
Dose de ataque
Dose de manutenção
Amiodarona
300mg; 2ª dose de 150mg
1mg/min/6h e 0,5mg/ min por mais 18h
Lidocaína
1 a 1,5mg/kg; dose máxima de 3mg/kg
2 a 4mg/min
Sulfato de magnésio*
1 a 2g
1 a 2g/h
* Em caso de hipomagnesemia.
B - PCR em Atividade Elétrica Sem Pulso (AESP) ou assistolia Após a colocação das pás do desfibrilador no tórax da vítima, a identificação de qualquer atividade elétrica diferente das atividades de FV/TV sem pulso caracteriza uma PCR em ritmo não passível de choque (AESP ou assistolia). A AESP caracteriza-se por um ritmo elétrico que, usualmente, deveria estar associado a pulso central. São várias as atividades elétricas englobadas nessa definição (dissociação eletromecânica, pseudodissociação eletromecânica, ritmo idioventricular e outros), mas o tratamento é o mesmo para tais ritmos. Na verdade, o que ocorre é que existe um fator impedindo o acoplamento entre a atividade elétrica organizada do miocárdio e a contração muscular efetiva que deveria resultar dessa atividade elétrica. Há várias causas de AESP, discutidas a seguir.
Figura 13 - Ritmo sinusal bradicárdico progredindo para ritmo juncional, quando não associado a pulso central palpável, caracteriza a AESP
O tratamento da AESP nunca deve ser realizado por meio do choque, pois já existe uma atividade elétrica ventricular organizada potencialmente capaz de gerar pulso central. O choque poderia desorganizá-la, gerando mais um problema durante o atendimento. Como as pás do desfibrilador não são mais utilizadas após a identificação do ritmo, deve-se aplicar o suporte avançado de vida ao doente (RCP, monitor, intubação e acesso venoso). Uma atitude clínica importante em relação à AESP é a determinação da sua causa e a aplicação do tratamento específico. São 11 as causas reversíveis, e pode-se denominá-las de forma simples para memorização, como 6Hs e 5Ts. O tratamento das causas da AESP é o fator determinante da reversão do quadro. Caso não se encontre uma dessas causas durante o atendimento, as chances de reversão da PCR se tornam muito reduzidas. A principal e mais frequente causa de AESP é a hipovolemia, que deve ser tratada pela administração de volume IV; o tratamento de cada uma das causas é descrito a seguir (Tabela 2). Vale lembrar que a trombólise do infarto agudo do miocárdio e do tromboembolismo pulmonar durante a PCR é um procedimento de benefício duvidoso. No IAM, a angiografia pós-PCR está relacionada a um melhor prognóstico.
eletrodos (artefatos podem simular assistolia), aumentar o ganho do monitor cardíaco (a FV fina pode ser interpretada como assistolia num baixo ganho sobre o sinal do monitor) e, finalmente, checar o ritmo em 2 derivações. Todo cuidado na identificação desse ritmo é pouco, pois, em até 10% dos identificados como assistolia, através das pás, o ritmo de base verdadeiro é a FV. Isso pode acontecer em virtude de o eixo elétrico resultante da FV poder ser, naquele momento, perpendicular à derivação da monitorização através das pás, gerando um ritmo isoelétrico no monitor (assistolia), bem como por cabos ou eletrodos desconexos. As causas de assistolia são as mesmas da AESP, devendo-se iniciar infusão de volume e procurar tratamento adequado com base nas causas possíveis. O uso do marca-passo transcutâneo na assistolia não é mais indicado. A 1ª droga a ser administrada na AESP e na assistolia também é um vasopressor. Pode ser a epinefrina (1mg/dose, a cada 3 a 5 minutos) ou a vasopressina (40U, dose única); esta pode ser aplicada como 1ª droga ou em substituição à 1ª ou à 2ª dose da epinefrina. A atropina não é mais recomendada no tratamento da AESP/assistolia por não ter benefício comprovado.
Tabela 2 - Causas de AESP: 6Hs e 5Ts Causa
Tratamento
Hipovolemia
Volume
Hipóxia
Oxigênio (intubação endotraqueal)
Hipocalemia
Administração de KCl
Hipercalemia
Bicarbonato de sódio 1mEq/kg
H (acidose metabólica)
Bicarbonato de sódio 1mEq/kg
Hipoglicemia
Glicose hipertônica
+
Hipotermia
Reaquecimento
Tamponamento cardíaco
Punção pericárdica (Marfan)
Tromboembolismo pulmonar Volume + reversão da PCR* Trombose de coronária
Volume + reversão da PCR*
Pneumotórax hipertensivo
Punção torácica de alívio
Tóxicos
Antagonista específico
* Trombólise a critério clínico.
Na PCR, a assistolia é a forma de pior prognóstico e consiste na ausência de atividade elétrica no coração, porém algumas situações determinam o erro diagnóstico. Para o diagnóstico correto de assistolia, deve-se proceder ao protocolo da linha reta que consiste em checar a conexão dos
Figura 14 - Suporte avançado de vida em adultos Tabela 3 - Atendimento inicial ao paciente com parada cardiorrespiratória Qualidade da RCP - Comprimir com força >2pol (5cm) e rapidez (≥100/min) e aguardar o retorno total do tórax; - Minimizar interrupções nas compressões; - Evitar ventilação excessiva;
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CARDIOLOGIA
PARADA CARDIORRESPIRATÓRIA
CARD I OLOG I A Qualidade da RCP - Alternar a pessoa que aplica as compressões a cada 2 minutos; - Se saem via aérea avançada, relação compressão-ventilação de 30:2; - Capnografia quantitativa com forma de onda: · Se PETCO2 <10mmHg, tentar melhorar a qualidade da RCP. - Pressão intra-arterial: · Se pressão na fase de relaxamento (diastólica) <250mmHg, tentar melhorar a qualidade da RCP. Retorno da Circulação Espontânea (RCE) - Pulso e pressão arterial; - Aumento abrupto prolongado PETCO2 (normalmente, ≥40mmHg); - Variabilidade espontânea na pressão arterial com monitorização intra-arterial. Energia de choque
Bifásica
Recomendação do fabricante (120 a 200J); se desconhecida, usar máximo disponível. A 2ª carga e as subsequentes devem ser equivalentes, podendo ser equivalentes e consideradas cargas mais altas.
Monofásica
360J. Terapia medicamentosa
Dose IV/IO de epinefrina
1mg a cada 3 a 5 minutos.
Dose IV/IO de vasopressina
40 unidades podem substituir a 1ª ou a 2ª dose de epinefrina.
Dose IV/IO de amiodarona
1ª dose: bolus de 300mg; 2ª dose: 150mg. Via aérea avançada
- Via aérea avançada supraglótica ou intubação endotraqueal; - Captografia com forma de onda para confirmar e monitorar o posicionamento do tubo ET; - 8 a 10 ventilações por minuto, com compressões torácicas contínuas. Causas reversíveis - Hipovolemia; - Hipóxia; - Hidrogênio (acidose); - Hipo/hipercalemia; - Hipotermia; - Tensão do tórax por pneumotórax; - Tamponamento cardíaco; - Toxinas; - Trombose pulmonar; - Trombose coronária.
O término dos esforços deve ser considerado por meio da análise de diversos fatores (tempo de PCR até o 1º atendimento, prognóstico do paciente, idade da vítima, doença de base etc.).
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4. Cuidados após a reanimação Após a reversão da PCR, alguns cuidados são necessários para possibilitar a melhor condição para a sua recuperação. A reabordagem do ABC deve ser realizada periodicamente, principalmente ao menor sinal de deterioração clínica do doente. A checagem do correto posicionamento da cânula e da adequação das ventilações assegura a sua boa oxigenação. Após a reversão da PCR, o indivíduo pode ser colocado em ventilação mecânica, e a colocação de um oxímetro de pulso permite avaliar a adequação da sua oxigenação. A verificação do correto funcionamento do acesso venoso disponível e a checagem dos dados vitais através de um monitor de PA não invasiva, da monitorização da FC e do ritmo de base permitem avaliar e manipular a condição hemodinâmica do paciente por meio da infusão de volume, drogas vasoativas e antiarrítmicas quando necessários. Após a estabilização, pode-se providenciar o transporte para recursos mais adequados (UTI, sala de hemodinâmica etc.). Outra medida terapêutica recentemente aceita para aplicação clínica no período pós-PCR é a hipotermia induzida (temperatura central 32 a 34°C) por 12 a 24 horas de duração nos casos de encefalopatia anóxica grave. Quando iniciada até 6 horas após a reversão, a hipotermia determina melhor prognóstico neurológico, bem como de mortalidade. Por outro lado, a hipertermia deve ser evitada a todo custo, assim como a hiperventilação. Embora não haja estudo específico com pacientes no período pós-ressuscitação, a recomendação de controle glicêmico a eles parece razoável, pois são grandes as evidências do seu benefício entre indivíduos em estado crítico. Falta, ainda, definir os melhores valores de controle glicêmico.
5. Fatores prognósticos Não existe exame laboratorial ou diagnóstico que permita uma predição adequada da evolução do paciente após reversão da PCR, principalmente nos pacientes submetidos à hipotermia. No entanto, a presença de alguns sinais após 24 a 72 horas depois do evento está correlacionada a um pior prognóstico neurológico:
- Ausência de reflexo pupilar em 24 horas; - Ausência de reflexo corneano em 24 horas; - Ausência de reflexo de retirada do estímulo doloroso em 24 horas;
- Sem resposta motora em 24 horas; - Sem resposta motora em 72 horas.
PARADA CARDIORRESPIRATÓRIA
Tabela 4 - Principais componentes de SBV para adultos, crianças e bebês Recomendações Componente
Adultos
Crianças
Bebês*
Não responsivo (para todas as idades) Reconhecimento
Sem respiração ou com respiração anormal (isto é, apenas com gasping)
Sequência da RCP
C-A-B
Frequência de compreensão
No mínimo, 100/min
Profundidade da compreensão
No mínimo, 2 polegadas No máximo 1/3 diâmetro AP. No mínimo, 1/3 do diâmetro AP. (5cm) Cerca de 2 polegadas (5cm) Cerca de 1/1/4 polegada (4cm)
Retorno da parede torácica
Permitir retorno total entre as compreensões. Profissionais de saúde, alternar as pessoas que aplicam as compressões a cada 2 minutos
Interrupções nas compreensões
Minimizar interrupções nas compreensões torácicas. Tentar limitar as interrupções a menos de 10 segundos
Vias aéreas
Inclinação da cabeça-elevação do queixo (profissionais de saúde que suspeitarem de trauma: anteriorização da mandíbula)
Sem pulso palpado em 10 segundos, para todas as idades (apenas para profissionais de saúde)
Relação compreensão-ventilação (até 30:2. Um ou 2 socorristas a colocação da via aérea avançada)
30:2. Um socorrista. 15:2. Dois socorristas profissionais de saúde
Ventilações: quando socorrista não treinado e não proficiente
Apenas compreensões
Ventilações com via aérea avançada (profissionais de saúde)
1 ventilação a cada 6 a 8 segundos (8 a 10 ventilações/min). Assíncronas com compreensões torácicas. Cerca de 1 segundo por ventilação. Elevação visível do tórax
Desfibrilação
Colocar e usar o DEA/DAE assim que ele estiver disponível. Minimizar as interrupções nas compreensões torácicas antes e após o choque; reiniciar a RCP começando com compreensões imediatamente após cada choque
DEA/DAE: Desfibrilador Automático Externo; AP: anteroposterior; RCP: ressuscitação cardiopulmonar; PS: Profissional de Saúde. * Excluindo-se recém-nascidos, cuja etiopatologia da PCR é, quase sempre, asfixia. Fonte: Destaques das Diretrizes da American Heart Association 2010 para RCP e ACE.
6. Resumo Quadro-resumo - A RCP deve ser iniciada imediatamente se a vítima não responde e não respira. A avaliação do pulso não é mais recomendada; - A RCP deve ser iniciada imediatamente com as compressões torácicas em vez de abrir as vias aéreas e iniciar a respiração artificial; - Todos os socorristas, treinados ou não, devem fornecer as compressões torácicas às vítimas de parada cardíaca; - A ênfase no fornecimento de compressões torácicas de alta qualidade continua a ser essencial, a uma frequência mínima de 100 compressões/min; - Os resgatistas treinados devem fornecer ventilação assistida na relação de 2 ventilações intercaladas com 30 compressões torácicas; - Para os socorristas leigos, a aplicação de ventilações assistidas é dispensável. O serviço de emergência deve fornecer apenas instruções de compressões torácicas quando o auxílio for telefônico; - FV/TV devem ser revertidas com desfibrilação imediata; - A epinefrina ou a vasopressina são os vasopressores aplicados em todas as formas de PCR; - O benefício da atropina na assistolia ou na AESP é questionável; - A hipotermia terapêutica reduz a mortalidade nos sobreviventes de PCR.
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CARDIOLOGIA
Sem respiração ou apenas com gasping
CARD I OLOG I A
CAPÍTULO
10
Insuficiência cardíaca congestiva José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado
1. Introdução A Insuficiência Cardíaca (IC) é um grande problema de saúde pública, particularmente nos países desenvolvidos e em alguns países em desenvolvimento, como o Brasil, além de uma das principais causas de internação e óbito em todo o mundo. Nos últimos anos, tem havido um melhor entendimento de sua fisiopatologia, o que, associado à realização de diversos estudos randomizados com grande número de indivíduos, permitiu o desenvolvimento de novas opções terapêuticas. O termo ICC, referente à Insuficiência Cardíaca Congestiva, está sendo abandonado, pois nem todos os pacientes apresentam quadro de congestão. Nos Estados Unidos, a IC acomete cerca de 5 milhões de pessoas, e, a cada ano, são diagnosticados 500.000 novos casos. É a causa principal de 12 a 15 milhões de consultas, 6,5 milhões de diárias hospitalares e 300.000 óbitos ao ano. Acomete principalmente idosos, pois de 6 a 10% das pessoas acima de 65 anos têm IC, e 80% dos hospitalizados por IC têm mais de 65 anos. No Brasil, não existem estudos epidemiológicos, porém se estima que existam cerca de 6,4 milhões de portadores de IC. Em 2000, houve quase 400.000 internações e 26.000 óbitos por IC, sendo a principal causa de internação hospitalar na população acima dos 60 anos, números superiores ao das pneumonias domiciliares (DATASUS). Entre 2000 e 2007, houve redução no número de internações por IC, com manutenção da porcentagem de morte creditada à IC durante a internação – em torno de 6%. O prognóstico desses pacientes é reservado. Metade deles falece em 4 anos, e, em casos mais graves (classe funcional IV), metade falece no período de 1 ano. Apesar dos
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avanços no tratamento de tais casos, não tem sido observada melhora nas taxas de mortalidade no decorrer dos anos.
2. Definições A IC é uma síndrome complexa, caracterizada pela incapacidade do coração de suprir as necessidades metabólicas do organismo, e diferentes estruturas cardíacas podem estar acometidas e determiná-la. É possível, ainda, que ocorra não por mau funcionamento cardíaco, mas por excessiva demanda metabólica tecidual, como acontece na anemia, sepse, beribéri, doença de Paget e fístulas arteriovenosas, situações em que a IC é dita de alto débito. Por definição, para o estudo da IC, o grande marcador é a presença de baixo débito cardíaco por disfunção miocárdica ventricular, já que essa é a forma mais frequente de apresentação. Suas principais manifestações são dispneia e fadiga, além de intolerância aos esforços, retenção de fluidos com consequente congestão pulmonar e edema dos membros inferiores. A disfunção pode ser por predomínio de dificuldade para relaxamento miocárdico (IC diastólica) ou predomínio de déficit contrátil (IC sistólica). São exemplos de doenças que causam IC diastólica isquêmica miocárdica, miocardiopatia hipertensiva, miocardiopatia hipertrófica e as doenças infiltrativas do miocárdio (amiloidose, sarcoidose). A última Diretriz Brasileira de IC recomenda o uso dos termos IC com Fração de Ejeção (FE) preservada e IC com FE reduzida para a caracterização dos referidos tipos de IC. Já a dilatação ventricular e a consequente disfunção sistólica representam, em grande parte, a via final comum de diferentes miocardiopatias, como a miocardiopatia isquêmica, hipertensiva (fase dilatada), chagásica e miocardiopatia dilatada idiopática.
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA
Tabela 1 - Critérios de Framingham modificados Critérios maiores - Dispneia paroxística noturna; - Ortopneia; - Elevação da pressão venosa jugular; - Crepitações pulmonares; - 3ª bulha; - Cardiomegalia na radiografia de tórax; - Edema pulmonar na radiografia de tórax; - Perda ≥4,5kg em até 5 dias após início do tratamento para IC. Critérios menores - Edema de membros inferiores bilateral; - Tosse noturna; - Dispneia aos médios esforços; - Hepatomegalia; - Derrame pleural; - FC >120bpm.
Figura 1 - Insuficiência cardíaca de alto débito por beribéri
3. Fisiopatologia A partir de uma injúria ao coração, levando ao estado de baixo débito cardíaco, diversos mecanismos são ativados para compensarem a queda do débito cardíaco por aumento de inotropismo e cronotropismo, mantendo a pressão arterial à custa de vasoconstrição arterial periférica e de retenção de sódio e água. Esses mecanismos visam garantir as perfusões cerebral, cardíaca e renal. Os sistemas ativados foram desenvolvidos do ponto de vista filogenético para proteger o organismo de estados hipovolêmicos agudos (desidratação e hemorragia) e representam, no caso da disfunção ventricular, mecanismos desadaptativos, pois, quando mantidos em estimulação prolongada (semanas/meses), levam ao remodelamento ventricular, perpetuando e colaborando para a piora progressiva da IC. Mesmo procurando melhorar o débito cardíaco, esses mecanismos também podem ser deletérios. A persistência de um regime de pressão cronicamente elevado nas câmaras cardíacas acaba causando hipertrofia e dilatação miocárdica, além de elevação das pressões nos átrios e na circulação sistêmica e pulmonar. A taquicardia e o aumento da contratilidade podem desencadear isquemia do miocárdio, e o aumento da pré-carga agrava a congestão pulmonar. A vasoconstrição excessiva eleva demasiadamente a pós-carga, dificultando o esvaziamento cardíaco, além de prejudicar a perfusão dos demais órgãos. Há, também, elevação dos níveis de vasopressina, que é responsável pela absorção de água livre de sódio, podendo gerar hiponatremia. Várias são as alterações neuro-hormonais associadas à fisiopatologia da IC. Algumas promovem vasoconstrição e retenção de sódio e água, como a hiperatividade do sistema nervoso simpático, a estimulação do sistema renina-angiotensina-aldosterona e a liberação de arginina-vasopressina. Outros mecanismos compensatórios promovem vasodilatação, natriurese e diurese por meio da ação de peptídios natriuréticos (BNP), algumas prostaglandinas e da bradicinina. Embora interagindo continuamente, as ações vasoconstritoras e retentoras de sódio superam as ações vasodilatadoras e natriuréticas, resultando em aumento da resistência vascular periférica e retenção de sódio e água. Há tempos, é reconhecida a deficiência da vasodilatação periférica que se manifesta ao exercício nos pacientes com IC. Neles, foram demonstrados níveis de endotelina plasmática de 2 a 5 vezes mais elevados do que em pacientes normais, com significado expressivo de mau prognóstico. As endotelinas determinam ação vasoconstritora potente, retenção de sódio e água, ativação simpática e do sistema
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CARDIOLOGIA
O acometimento ventricular, muitas vezes, é heterogêneo, havendo maior prejuízo de 1 dos ventrículos, o que dá origem às denominações de IC direita ou esquerda. Na maior parte dos casos, há acometimento misto diastólico e sistólico, direito e esquerdo. Por ser quadro sindrômico, o diagnóstico não pode ser baseado em achado único de exame físico ou laboratorial. Para o diagnóstico clínico, são necessários ao menos 2 sinais maiores ou 1 sinal maior associado a 2 menores, conforme os critérios de Framingham modificados (Tabela 1) e quando estes sintomas/sinais não podem ser atribuídos a outras causas.
CARD I OLOG I A renina-angiotensina-aldosterona, além de estímulo proliferativo sobre os músculos lisos, miócitos cardíacos e fibroblastos. Tal conjunto de alterações caracteriza a disfunção endotelial da IC. Do ponto de vista macroscópico, o termo remodelação ventricular refere-se às modificações da forma e do tamanho do coração, que passa a aumentar de volume e de massa, e a adquirir forma esférica. Do ponto de vista tecidual, representa a morte de cardiomiócitos por necrose e apoptose, sendo substituídos por fibroblastos e tecido colágeno. Os miócitos restantes sofrem hipertrofia excêntrica. As citocinas compõem um grupo heterogêneo de proteínas com pequeno peso molecular, que se caracterizam por exercer seus efeitos localmente por ação autócrina ou parácrina. Duas classes de citocinas estão relacionadas na fisiopatologia da IC: citocinas vasoconstritoras e inotrópicas positivas (endotelinas) e citocinas pró-inflamatórias vasodepressoras (TNF-alfa, IL-6 e IL-1b).
4. História natural A IC é uma doença progressiva. O que perpetua o quadro é a contínua ativação dos sistemas citados, portanto tal progressão está diretamente relacionada à deterioração da função e estrutura cardíacas, que pode acontecer sem uma nova agressão ao coração. Com o tempo, os sintomas da doença e as suas consequências funcionais tornam-se progressivamente mais intensos, e os indivíduos podem manifestar sintomas aos mínimos esforços e mesmo ao repouso. São causas de descompensação da IC excesso de ingestão de líquidos e de sódio, interrupção do tratamento, embolia de pulmão, arritmias, isquemia coronária, infecções, trauma (acidental ou cirúrgico), anemia, hipotireoidismo ou hipertireoidismo, entre outras causas. A IC, nos seus casos mais graves, apresenta taxa de mortalidade superior à maior parte das neoplasias malignas. A morte pode acontecer por progressão da disfunção ventricular ou por eventos súbitos (taquicardia ventricular, fibrilação ventricular). São também causas de morte, desses doentes, infecções, embolia pulmonar e bradiarritmias.
5. Quadro clínico O diagnóstico de IC é clínico e baseia-se em achados de história e exame físico. Queixa de dispneia progressiva é relatada com mais frequência por esses pacientes, em geral notada, inicialmente, aos grandes esforços e progredindo para pequenos esforços ou mesmo ao repouso.
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O edema pulmonar manifesta-se, inicialmente, por meio de acúmulo de líquido no compartimento intersticial, progredindo para espaços alveolares e vias aéreas. O paciente passa a apresentar ortopneia, que aparece minutos após ele se deitar, tipicamente quando ainda está acordado. Embora seja característico, tal sintoma é inespecífico. O paciente, em evolução, pode apresentar tosse em virtude da congestão pulmonar, sendo seca e de predomínio noturno. Posteriormente, há dispneia paroxística noturna, que surge horas após o paciente se deitar. Trata-se de um sintoma com boa especificidade para o diagnóstico. A propedêutica pulmonar revela estertores crepitantes inspiratórios, e sibilos podem ocorrer por congestão peribrônquica. Em quadros de edema pulmonar mais avançado, o edema alveolar atinge brônquios de grande calibre, causando crepitações grosseiras inspiratórias e expiratórias. O edema em membros inferiores é outra queixa comum, ocorrendo, inicialmente, na região perimaleolar, depois ascendendo pela região pré-tibial chegando à raiz da coxa. Tal edema é, em geral, simétrico, depressível e mole, com predomínio à tarde e melhorando à noite. Isso acontece pela redistribuição do fluxo sanguíneo durante o sono em decúbito dorsal. Em pacientes acamados, o edema acontece, principalmente, na região sacral. Eventualmente, os pacientes podem apresentar ascite e derrame pleural. A fadiga é uma queixa frequente, mas não completamente explicável. A presença de galope com B3, ictus globoso e distensão venosa jugular aumenta a chance do diagnóstico em, respectivamente, 24, 16,5 e 8,5 vezes. A presença de quaisquer desses achados deixa a probabilidade do diagnóstico em 80%, e a presença dos 3 achados virtualmente define a IC. Palpitação, outra queixa comum, aparece, em especial, aos esforços e pode refletir tanto o estado de hiperatividade simpática que busca melhorar o débito cardíaco, como ser consequente de taquiarritmias ou bradiarritmias. Alguns outros sintomas estão listados na Tabela 2. Pacientes com IC (tanto diastólica quanto sistólica) podem apresentar sintomas de baixo débito (pele fria, pulsos finos, tempo de enchimento capilar prolongado, rebaixamento do nível de consciência, dor abdominal, oligúria) e congestivos (dispneia, ortopneia, edema de membros inferiores, hepatomegalia, ascite e aumento da pressão venosa central). A intensidade dos sintomas e alguns sinais (persistência de estase jugular e presença de 3ª bulha) está associada a pior prognóstico.
CARDIOLOGIA
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA
Figura 2 - Algoritmo sugerido para o diagnóstico
A última Diretriz Brasileira para o manejo de IC, publicada em 2009, sugere algumas características clínicas para a diferenciação entre IC sistólica e diastólica. Tabela 2 - Características da insuficiência cardíaca de FE reduzida em comparação à de FE normal
Tabela 3 - Classificação funcional da New York Heart Association (NYHA) para insuficiência cardíaca I
Ausência de dispneia aos esforços habituais
II
Dispneia aos esforços habituais
III
Dispneia aos pequenos esforços
IV
Dispneia ao repouso
Fração de ejeção normal
Fração de ejeção reduzida
Sexo feminino
+++
+
Idade >65 anos
+++
+
Dispneia
+++
+++
Angina
+++
+
Edema pulmonar agudo
+++
+
- Palidez;
3ª bulha
-
+++
- Cianose;
4ª bulha
+++
-
Sinais de hipervolemia
+++
++
Hipertensão arterial
+++
+
- Estase jugular;
Fibrilação atrial
+++
++
- Edema de parede;
Ecocardiograma FE <45 a 50%
-
+++
- Ascite;
>1.000pg/mL
+
+++
- Derrame pleural;
+++
+
Características Epidemiologia
Sintomas
BNP
400 a 1.000pg/mL
Tabela 4 - Possíveis achados clínicos nos pacientes com insuficiência cardíaca Geral - Emagrecimento; - Alteração da consciência; - Dispneia;
- Icterícia (congestão hepática); - Sudorese. Congestão sistêmica
- Hepatomegalia dolorosa;
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CARD I OLOG I A Congestão sistêmica - Edema de membros inferiores. Congestão pulmonar - Estertoração pulmonar fina; - Edema agudo. Alterações cardíacas - Taquicardia; - Bradicardia;
Do ponto de vista terapêutico, é de maior utilidade a classificação que avalia o estágio evolutivo da doença e a presença ou não de anormalidade estrutural do coração (pericárdica, miocárdica sistólica ou diastólica, ou valvular), pois o tratamento da IC varia de acordo com a sua evolução. Tabela 6 - Classificação e tratamento por estágios da insuficiência cardíaca Classe
- Arritmias;
Alteração Sintomas estrutural de IC
Tratamento Controlar/eliminar fatores de risco; introduzir IECA
- 3ª bulha;
A
Ausente
Ausentes
- 4ª bulha;
B
Presente
Ausentes Todas de A + beta-bloqueador
C
Presente
Todas de B + restrição de sal + Presentes diurético + digital se disfunção sistólica
D
Presente
Presentes Todas de C + medidas especiais
- Sopro de insuficiência mitral; - Outros sopros cardíacos (valvopatias).
Uma classificação muito utilizada é a do Consenso Brasileiro de IC e do Consenso Europeu, cujos estágios funcionais apresentam boa correlação com a classificação clínica do NYHA. Tabela 5 - Estágios da insuficiência cardíaca crônica do adulto Estágios da IC
Descrição
Fatores etiológicos (exemplos)
Pacientes com alto risco de desenvolverem IC pela presença de condições clínicas associadas ao desenvolvimento dessa enfermidade. Tais pacientes não apresentam nenhuma alteração funcional ou estrutural do pericárdio, miocárdio ou de valvas cardíacas e nunca apresentaram sinais ou sintomas de IC.
Hipertensão sistêmica, coronariopatia, diabetes mellitus, histórico de cardiotoxicidade, tratamento por droga ou abuso de álcool, histórico pessoal de febre reumática, histórico familiar de cardiomiopatia.
B (disfunção ventricular assintomática)
Pacientes que já desenvolveram cardiopatia estrutural sabidamente associada à IC, mas que nunca apresentaram sinais ou sintomas de IC.
Hipertrofia ventricular esquerda ou fibrose, dilatação ventricular esquerda ou hipocontratilidade, valvulopatia ou infarto agudo do miocárdio.
C (IC sintomática)
Pacientes com sintomas prévios ou presentes de IC associados à cardiopatia estrutural subjacente.
Dispneia ou fadiga por disfunção ventricular esquerda sistólica, pacientes assintomáticos sob tratamento para prevenção de IC.
Pacientes com cardiopatia estrutural e sintomas acentuados de IC em repouso, D apesar de terapia clínica (IC refratária) máxima, e que requerem intervenções especializadas.
Pacientes hospitalizados por IC ou que não podem receber alta, pacientes hospitalizados esperando por transplante, pacientes em casa sob tratamento de suporte IV ou sob circulação assistida, pacientes em unidade especial para manejo da IC.
A (paciente de alto risco)
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Na classe A, estão os pacientes com alto risco de desenvolverem IC (HAS, DM, ICo, alcoolismo, febre reumática), mas sem alteração estrutural cardíaca ou sintomas de IC. Na classe B, estão os pacientes com alteração estrutural cardíaca, mas sem sintomas de IC (hipertrofia ou dilatação ventricular esquerda). Na classe C, estão os pacientes com alteração estrutural e sintomas prévios ou recorrentes de IC. E, na classe D, encontram-se os pacientes com alteração estrutural cardíaca severa e sintomas intensos, a despeito da terapia clínica máxima.
6. Exames complementares A - Exames gerais Os exames subsidiários podem identificar fatores relacionados à IC ou à sua piora. Os exames iniciais na avaliação incluem hemograma completo, eletrólitos (incluindo cálcio e magnésio), perfil lipídico, função renal, glicemia, funções hepática e tireoidiana. Sorologia para Chagas deve ser solicitada quando há epidemiologia sugestiva. A radiografia de tórax pode revelar aumento da área cardíaca e da trama vascular pulmonar; na IC diastólica, a área cardíaca costuma ser normal. A presença de índice cardiotorácico maior do que 0,5 é sensível para o diagnóstico, mas, quando maior que 0,6, a especificidade diagnóstica é maior. Deve ser realizado na avaliação inicial de todos os pacientes. O eletrocardiograma pode trazer pistas tanto da etiologia da IC (áreas de necrose e isquemia sugerem miocardiopatia isquêmica; presença de BRD associado a BDAS – bloqueio divisional anterossuperior – sugere doença de Chagas) como da causa de descompensação (taquiarritmias, bradiarritmias, isquemia). Assim como a radiografia de tórax, faz parte da avaliação inicial de todos os pacientes.
B - Ecocardiograma Exame muito importante para a avaliação de pacientes com IC, o ecocardiograma pode determinar se há ou não
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA
A Diretriz Brasileira de 2009 recomenda a seguinte abordagem: - Classe I: coronariografia no paciente com IC e angina típica; - Classe IIa: coronariografia no paciente com IC sem angina, mas com fatores de risco para doença coronariana ou IAM prévio; - Avaliação não invasiva para isquemia em pacientes com IC sem angina típica, mas com fatores de risco para doença coronariana ou IAM prévio;
- Avaliação não invasiva para viabilidade em pacientes
com IC com doença coronariana e candidatos a revascularização; - Classe IIb: angioTC de coronárias em pacientes com IC sem angina, mas com fatores de risco para doença coronariana ou IAM prévio.
C - Medicina nuclear A medicina nuclear fornece medida acurada da função ventricular, principalmente do ventrículo esquerdo. Permite, também, a investigação de isquemia, que pode ser tanto a causa como um fator de piora da contratilidade miocárdica.
D - Ressonância nuclear magnética A ressonância nuclear magnética permite uma medida mais acurada e reprodutível dos volumes cardíacos, da espessura da parede e da função ventricular, além de detectar espessamento pericárdico e necrose miocárdica. A ressonância com espectroscopia possibilita, inclusive, a medida da reserva energética muscular. Está indicada aos pacientes com suspeita clínica de cardiomiopatias específicas (restritivas, infiltrativas, de depósito, miocardite, displasia do ventrículo direito e hemocromatose), e é útil na delimitação de áreas de infarto prévio com a técnica de realce tardio, além da possibilidade de avaliar a presença de isquemia.
E - Teste ergométrico O teste ergométrico é pouco útil para o diagnóstico da IC. No entanto, o resultado de exame normal, com carga máxima em indivíduo sem tratamento, torna improvável o diagnóstico de IC. Sua principal indicação é a avaliação da capacidade funcional do paciente, o que tem implicações prognósticas. Um pico de VO2 <10mL/kg/min identifica indivíduos de alto risco para má evolução da IC, enquanto valores superiores a 18mL/kg/min definem indivíduos com baixo risco.
F - Marcadores hormonais Em relação aos pacientes com dispneia aguda no pronto-socorro, o uso de marcadores hormonais tem demonstrado utilidade para a avaliação da etiologia da dispneia. A concentração de peptídio atrial natriurético e de peptídio natriurético cerebral (BNP – Brain Natriuretic Peptide) aumenta em formas mais avançadas ou crônicas de IC, e o uso em particular do BNP foi estudado para diferenciar quadros cardíacos de pulmonares em unidades de emergência. Valores de BNP superiores a 100pg/mL apresentam sensibilidade, especificidade e valor preditivo de, respectivamente, 90, 76 e 83% para a definição da IC descompensada como causa da dispneia. O BNP revelou-se a melhor variável isolada para o diagnóstico de IC em dados de história,
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CARDIOLOGIA
dilatação dos ventrículos, avaliar tanto a função sistólica quanto a diastólica, medir a espessura ventricular e oferecer informações sobre o pericárdio e o funcionamento valvar. Os achados ecocardiográficos não levam a diagnósticos de IC (o diagnóstico é clínico), mas oferecem informações valiosas para a caracterização da síndrome, definição etiológica, avaliação prognóstica e seguimento. A principal medida da função do ventrículo esquerdo é a FE; quando esta está abaixo de 45 a 50%, há prejuízo da função sistólica (alguns autores definem a disfunção quando a FE é menor do que 55%). Entretanto, a interpretação da FE apresenta uma baixa reprodutibilidade entre diferentes observadores, além de estar prejudicada após um episódio de IAM ou na presença de insuficiência mitral. A ecocardiografia com estresse com uso da dobutamina é útil na investigação de isquemia e na avaliação da viabilidade miocárdica. A detecção de um miocárdio hibernante (músculo miocárdico viável, porém não funcionante, geralmente por isquemia relativa da região) pode influenciar a terapia e tem implicações prognósticas. Há controvérsia na literatura quanto à necessidade da avaliação de isquemia em todos os pacientes com IC. Na maioria dos casos, não se recomenda avaliação sistemática da vitalidade miocárdica em todos os pacientes com IC. Nos Estados Unidos, onde a porcentagem dos casos de IC secundária à miocardiopatia isquêmica é extremamente elevada, tal avaliação é recomendada da seguinte forma: - Pacientes com Doença Arterial Coronariana (DAC) definida e angina: a quem a intervenção cirúrgica demonstra benefício de forma inequívoca, portanto se recomenda a estratificação invasiva com cineangiocoronariografia; - Pacientes com DAC sem angina: que podem ter benefício com a revascularização, mas a literatura não define a melhor estratégia de estratificação (cintilografia/ecocardiograma com estresse ou cateterismo cardíaco); - Pacientes com DAC jamais avaliada: caso apresentem dor torácica, mesmo atípica, a estratificação deve ser realizada com cineangiocoronariografia; quanto aos pacientes sem dor torácica, é recomendada a cineangiocoronariografia a jovens para avaliar anormalidades congênitas de coronárias; em outros grupos de pacientes, a abordagem é duvidosa.
CARD I OLOG I A exame físico e exames complementares. Quanto maiores os valores de BNP, maior a probabilidade do diagnóstico final de IC; quando maiores que 400pg/mL, têm grande valor preditivo positivo e, se menores que 100pg/mL, valor preditivo negativo. Um estudo europeu demonstrou que valores menores que 80pg/mL têm valor preditivo negativo de 98% para o diagnóstico de IC descompensada. Outros exames podem ser realizados para diagnóstico de dispneia aguda, como marcadores de isquemia aguda (troponina e CK-MB) e outros.
Figura 3 - Insuficiência cardíaca chagásica
São considerados marcadores clínicos de mau prognóstico na IC: hiponatremia (reflete hiperativação do sistema renina-angiotensina), hiperuricemia (reflete hiperativação do estresse oxidativo), hipoalbuminemia, hipocolesterolemia e linfopenia (marcadores de desnutrição), anemia (geralmente, com perfil de doença crônica), elevação de catecolaminas e, mais recentemente, elevação do BNP.
G - Biópsia endomiocárdica Não existe recomendação de biópsia endomiocárdica a todos os pacientes com diagnóstico de IC; deve ser considerada àqueles com doença de mais de 3 meses de evolução, dilatação ventricular e arritmias ventriculares novas, BAV de 2º e 3º graus, sem resposta ao tratamento usual. Também pode ser considerada àqueles com suspeita clínica de doenças infiltrativas, alérgicas ou restritivas de causa desconhecida.
7. Tratamento No tratamento da IC, os níveis de relevância das atitudes terapêuticas podem ser classificados de acordo com a qualidade dos trabalhos científicos e a concordância clínica que as sustentam. Assim, as atitudes terapêuticas se dividem de acordo com a classe evolutiva da doença e da relevância clínica no seu uso.
A - Medidas não farmacológicas
- Controle dos fatores de risco: toda patologia que pos-
sa contribuir, direta ou indiretamente, para a progres-
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são da cardiopatia ou para o agravamento dos sintomas, deve ser identificada e tratada. Incluem-se, aqui, hipertensão, diabetes e dislipidemias, todas as patologias relacionadas ao desenvolvimento de aterosclerose e, portanto, geradoras potenciais de isquemia e necrose miocárdica. A HAS e o DM podem, ainda, causar perda de função renal, piorando os sintomas de IC; - Dieta: todo paciente cardiopata necessita de aconselhamento dietético a fim de evitar tanto obesidade quanto caquexia. Nos casos de anorexia intensa, refeições pequenas e frequentes podem ajudar a ingerir o equivalente às suas necessidades calóricas, evitando a desnutrição. Uma dieta laxante contribui para a prevenção de obstipação intestinal e do consequente esforço para evacuar; - Ingestão de sal: uma dieta com 2 a 3g de sal é um objetivo atingível, desde que não comprometa a ingesta hídrica e os pacientes não estejam hiponatrêmicos. Esse nível de ingestão é facilmente atingido, evitando a adição de sal aos alimentos após o seu preparo e não utilizando alimentos habitualmente salgados. A redução estrita de sal (menos que 2g/dia) não é recomendada; - Ingestão de líquidos: na maioria dos casos, a ingestão de líquidos pode ser liberada de acordo com a vontade do paciente. Em pacientes sintomáticos com risco de hipervolemia, recomenda-se restrição hídrica de 1.000 a 1.500mL/dia; - Ingestão de álcool: o álcool deprime a contratilidade miocárdica e pode precipitar arritmias. Sua ingestão deve ser minimizada. Em pacientes com cardiomiopatia alcoólica, é necessária abstinência total; - Tabagismo: deve ser totalmente desestimulado. Os adesivos de nicotina podem ser utilizados com segurança, assim como a abordagem multidisciplinar para o abandono do cigarro; - Atividade física: diferentemente do que se acreditava no passado, um programa de exercícios planejado e adaptado a cada caso é de grande ajuda no controle dos sintomas e na melhora psicológica do paciente com IC; - Atividade sexual: a manutenção da atividade sexual contribui para aumentar a autoestima e a qualidade de vida. Pacientes com classes funcionais III e IV devem evitar o uso de sildenafila por 24 horas após a utilização de nitratos; - Vacinação: nos pacientes com IC, recomenda-se a vacinação contra gripe (anual) e pneumonia (a cada 5 anos e a cada 3 anos em pacientes com IC avançada).
B - Tratamento farmacológico a) Inibidores da ECA São inibidores específicos da Enzima Conversora da Angiotensina 1 (ECA), responsável pela conversão da angio-
tensina 1 em angiotensina 2. O mecanismo de ação ainda não é completamente elucidado; seu efeito benéfico na IC e HAS, aparentemente, resulta da supressão do sistema renina-angiotensina-aldosterona, embora não haja na literatura uma correlação consistente entre níveis de renina e resposta à droga. A ECA é idêntica à bradicininase, assim os IECAs podem aumentar os níveis séricos de bradicininas e prostaglandina E2, que podem ter, também, papel no tratamento da IC e HAS. O uso dos IECAs e seu nível de evidência são indicados a todos os pacientes com disfunção sistólica sintomática ou assintomática – classe I/NE:A. Tais medicamentos determinam melhora clínica, aliviam sintomas e reduzem a mortalidade e o número de hospitalizações. Não há evidência clínica da superioridade de uma droga do grupo dos IECAs sobre a outra. Devem ser preferidos quando comparados a antagonistas de receptores de angiotensina e vasodilatadores de ação direta (hidralazina e nitratos). Pacientes com reações severas à droga (angioedema, IRA anúrica), PA sistólica menor que 80mmHg, estenose bilateral de artéria renal e hipercalemia (K acima de 5,5mEq/dL) não devem fazer uso. A introdução deve ser feita em doses baixas, com aumento progressivo de acordo com a tolerância do doente, e a dose-alvo deve ser determinada pelos estudos clínicos em que ocorreu benefício terapêutico, como 150mg/dia para o captopril. Quando há intolerância por parte do doente, a dose atingida deve ser mantida, sem grande prejuízo da melhora em sobrevida e morbidade. Quando há tosse, podem ser substituídos por antagonistas de receptores de angiotensina. A opção para pacientes que desenvolvem disfunção renal é a associação de hidralazina a nitrato. A dose inicial de captopril para IC, em pacientes com PA arterial normal ou baixa (já em uso de doses apropriadas de diuréticos), é de 6,25 a 12,5mg, 3x/dia. Nos outros pacientes, o tratamento pode ser iniciado na dose de 25mg, 3x/dia. A dose-alvo é de 150mg/dia, atingida em alguns dias com monitorização cuidadosa de pressão arterial, sintomas e função renal. Eventualmente, alguns pacientes podem necessitar de doses maiores. A dose inicial de enalapril recomendada pela literatura é de 5mg/dia, e a dose-alvo, de 20 a 40mg/dia. Outros IECAs que podem ser usados para o tratamento da IC são o captopril, ramipril, lisinopril e enalapril. Tabela 7 - IECA e uso em insuficiência cardíaca Droga
Dose inicial
Dose máxima
Captopril
6,25mg, 3x/dia
50mg, 3x/dia
Enalapril
2,5mg, 2x/dia
20mg, 2x/dia
Lisinopril
2,5 a 5mg, 1x/dia
20 a 40mg, 1x/dia
Ramipril
1,25 a 2,5mg, 1x/dia
10mg, 1x/dia
Angioedema de face e ocasionalmente de glote são relatados em qualquer tempo da terapêutica. Na maioria das vezes, o envolvimento é restrito a face e lábios, porém o en-
volvimento de língua, glote e laringe pode causar obstrução de vias aéreas. Neutropenia e até agranulocitose são relatadas com o uso do captopril, ocorrendo cerca de 3 meses após o início de seu uso, contudo não parecem ser causadas por outros IECAs. A piora da função renal é descrita na literatura, principalmente em pacientes suscetíveis (alteração renal prévia e indivíduos hipovolêmicos), e reversível após a descontinuação da medicação. O uso dessa classe farmacológica em pacientes com creatinina >3,5mg/dL deve ser realizado com extremo cuidado. Cerca de 1% dos pacientes em estudos clínicos apresenta hipercalemia (K+ acima de 5,7mg/dL), efeito observado em 3,8% dos pacientes com IC. No entanto, na maioria dos casos, não é necessária a interrupção da medicação. Tosse é descrita com a medicação em 2,2 a 10% dos casos, presumivelmente, atribuída à degradação das bradicininas. Em geral, resolve-se com a descontinuação da medicação ou a troca do fármaco por outro da mesma classe. É o efeito colateral mais comum observado com o uso desta classe de medicamentos. b) Diuréticos Os diuréticos são o único grupo de medicações que controla, efetivamente, a retenção hídrica, determinando a melhora sintomática mais precocemente que as outras drogas. Deve-se utilizar, de preferência, o diurético de alça (furosemida), pois os tiazídicos têm ação diurética pouco potente, principalmente em pacientes com clearance de creatinina abaixo de 30mL/min. Não devem ser utilizados isoladamente para controle da IC; são associados ao uso de IECA, beta-bloqueadores e digoxina. Os efeitos adversos dos diuréticos incluem a perda de eletrólitos (magnésio e potássio), hipotensão e uremia. Estão indicados apenas aos pacientes sintomáticos com sinais e sintomas de congestão. A introdução em pacientes com disfunção ventricular, porém assintomáticos ou hipovolêmicos, está contraindicada (classe III). Tabela 8 - Principais diuréticos usados no tratamento da insuficiência cardíaca Droga
Dose inicial
Dose máxima
Furosemida
20 a 40mg, 1 a 2x/dia
Atingir peso seco (até 200mg/dia)
Bumetanida (comprimidos de 1mg)
0,5 a 1mg, 1 a 2x/dia
Atingir peso seco (até 10mg/dia)
c) Beta-bloqueadores A ativação simpática e os níveis plasmáticos elevados de noradrenalina desempenham papel primordial na progressão da disfunção ventricular e no prognóstico da IC. Há 3 beta-bloqueadores aprovados para o uso em IC: carvedilol, succinato de metoprolol e bisoprolol, medicações que devem ser prescritas a pacientes com IC estável com disfunção sistólica. A internação motivada por descompensação da IC não é o melhor momento para iniciar a prescrição dessa
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CARDIOLOGIA
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA
CARD I OLOG I A classe farmacológica. Entretanto, após a estabilização dos pacientes, tais medicações podem ser iniciadas em enfermaria, de forma segura e de fácil monitorização. Ao iniciar essas medicações, podem ser necessários o aumento da dose de diuréticos e o emprego de restrição hídrica, pois os pacientes podem apresentar piora clínica. São iniciadas em doses baixas, e, em ambiente ambulatorial, o aumento da dose é realizado a cada 2 semanas. Os efeitos colaterais e as interações de tais medicações são semelhantes às outras da classe. Essas medicações bloqueiam receptores beta-adrenérgicos, dependendo da droga utilizada. O uso de beta-bloqueador reduz a mortalidade e o risco de internação em pacientes com IC classes II, III e IV, melhorando os sintomas, tanto de portadores como de não portadores de IC. Devem ser utilizados em todos os indivíduos com IC por falência ventricular esquerda, exceto naqueles com contraindicação ou intolerância à droga. Para o início do tratamento, o paciente não deve apresentar retenção hídrica importante nem ter recebido inotrópicos positivos intravenosos recentemente. E pacientes com hiper-reatividade brônquica, bradicardia sintomática ou bloqueio atrioventricular avançado não devem receber a droga. Quanto aos assintomáticos, há evidência de benefício apenas naqueles com disfunção ventricular pós-infarto. A dose inicial do tratamento deve ser baixa, com aumento progressivo, conforme o paciente tolera a medicação. Seu peso deve ser acompanhado, pois o beta-bloqueador determina retenção hídrica, que deve ser tratada com diuréticos. A dose a ser atingida é a determinada pelos estudos clínicos de cada droga, com demora na resposta terapêutica em cerca de 8 a 12 semanas. O uso de beta-bloqueador pode determinar 4 tipos de complicações: retenção hídrica (geralmente assintomática), fadiga (geralmente, melhora em 4 a 6 semanas), bradicardia/bloqueio AV e hipotensão. Tabela 9 - Principais beta-bloqueadores em pacientes com insuficiência cardíaca Dose inicial
Dose máxima
Carvedilol
Medicação
3,125mg, 2x/dia
25mg, 2x/dia
Succinato de Metoprolol
6,25mg, 2x/dia
200mg, 1x/dia
Bisoprolol
1,25mg, 1x/dia
10mg, 1x/dia
d) Digitálicos A digoxina e a digitoxina, glicosídeos cardíacos com efeito inotrópico positivo, inibem a Na-K-ATPase, determinando aumento de sódio e cálcio intracelular. A medicação reduz a atividade simpática e estimula a ação vagal, diminuindo a frequência cardíaca e retardando a condução do estímulo elétrico no nó atrioventricular. Em pacientes com falência cardíaca leve a moderada, o uso da digoxina reduziu os sintomas e diminuiu a necessidade de hospitalização, sem, no entanto, causar qualquer impacto na sobrevida. Houve uma pequena diminuição no risco de morte por causa cardíaca,
94
mas, em compensação, também houve aumento no número de mortes por outras causas. As indicações do uso de digital em IC são pacientes com disfunção sistólica sintomática, atenuando sintomas, melhorando qualidade de vida e contribuindo para diminuir o número de internações (evidência nível II), e para controle de resposta ventricular em pacientes com fibrilação atrial, sendo droga de 1ª escolha no subgrupo de pacientes com IC. O uso parenteral deve ser limitado a situações em que é necessária uma rápida digitalização para o controle clínico do paciente, principalmente em arritmias supraventriculares agudas. A terapia para IC é iniciada na dose usual de 0,125 a 0,250mg/dia; pacientes com mais de 70 anos ou alteração de função renal podem utilizar menores doses. Raramente, são utilizadas doses maiores que 0,25mg/dia, e não há necessidade de dose de ataque para o tratamento da IC. Podem ser utilizados em associação a beta-bloqueadores e IECA para maior alívio de sintomas ou controle de resposta ventricular nos portadores de fibrilação atrial. A intoxicação digitálica pode manifestar-se com desorientação, confusão mental, alterações visuais, diarreia, náuseas, vômitos e arritmias cardíacas (ritmos ectópicos, reentrada e bloqueio AV), e o seu risco é maior em algumas situações clínicas (hipocalemia, hipomagnesemia e hipotireoidismo) e durante o uso de algumas medicações (quinidina, verapamil, espironolactona e amiodarona). Na sua presença, é importante descontinuar a medicação, e a correção de hipomagnesemia e de hipocalemia é de extrema importância. O anticorpo antidigoxina é indicado a pacientes com arritmias severas. Já outras medidas, como marca-passo temporário, são indicadas conforme cada caso. e) Antagonistas da aldosterona Além da retenção de sódio e água e perda de potássio e magnésio, a aldosterona estimula a produção de fibroblastos e aumenta a fibrose miocárdica e perivascular, provocando disfunção ventricular e diminuição da complacência arterial. Portanto, seu bloqueio apresenta efeitos hemodinâmicos favoráveis e interfere na progressão da lesão miocárdica. Estudos com espironolactona demonstraram que doses entre 12,5 e 50mg melhoram a sintomatologia e diminuem a taxa de mortalidade. É indicada a pacientes com IC avançada (NYHA III e IV), associada ao tratamento padrão com diurético, digital, IECA e beta-bloqueador. Os níveis séricos de potássio e creatinina devem ser controlados antes do tratamento e durante, devendo-se reduzir a dose em 50%, caso os níveis de potássio estejam entre 5 e 5,5mEq/L, e suspender a medicação, se superarem 5,5mEq/L. Não há estudos que revelem sua eficácia em pacientes assintomáticos. O uso da espironolactona é indicado para: - Tratamento do hiperaldosteronismo primário: como tratamento em curto prazo para preparação cirúrgica ou tratamento em longo prazo nos pacientes com hiperaldosteronismo idiopático – nível de evidência II;
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA
vel de evidência II; - Tratamento da hipertensão essencial em associações a outras medicações – nível de evidência II; - Tratamento da IC classe funcional 3 ou 4 ou com FE abaixo de 35% – nível de evidência II. f) Antagonistas do receptor da angiotensina II
Os antagonistas da angiotensina II (ATII) apresentam-se como alternativa ao uso de IECAs. Essas drogas realizam bloqueio do sistema renina-angiotensina-aldosterona, porém, sem inibição das cininases, o que lhe confere menores efeitos adversos. Quando comparados aos IECAs, os antagonistas da ATII são inferiores em relação aos benefícios no manuseio da IC. No entanto, podem ser utilizados como opção terapêutica na intolerância aos IECAs. As 2 drogas desse grupo estudadas para o tratamento da IC são o valsartana e losartana. O 1º, que apresenta melhores resultados, é iniciado na dose de 40mg, 2x/dia, e deve-se dar a maior dose possível tolerada, até a dose de 320mg/dia. Já a dose-alvo do losartana é de 50mg, 2x/dia. Não há benefícios adicionais ao acrescentar rotineiramente os inibidores da ATII a doses adequadas de IECA, sendo deletéria tal associação. E, apesar de os antagonistas Z da ATII não provocarem tosse, como os IECAs, a incidência de hipotensão, o prejuízo na função renal e a hipercalemia são semelhantes aos induzidos por esses últimos inibidores. Tal associação é aceitável apenas entre os pacientes que permanecem sintomáticos mesmo com terapia otimizada (classe IIa). Tabela 10 - Principais inibidores da ATII na insuficiência cardíaca Medicamento
Dose diária (mg)
Losartana
50 a 100
Valsartana
80 a 320
Candesartana
8 a 32
g) Nitratos e hidralazina O estudo V-HeFT demonstrou que a combinação de nitratos e hidralazina diminui a mortalidade, embora não diminua o número de hospitalizações. Tal combinação é indicada aos pacientes com contraindicações ao IECA e inibidores da ATII (classe I), e aos pacientes em CF III-IV em uso de terapia já otimizada (classe IIa), principalmente afrodescendentes (classe I). A dose-alvo de hidralazina é de 200 a 300mg/dia, em doses divididas em 3 a 4 doses ao longo do dia, e monocordil, 40mg, 4x/dia. Para os pacientes com descompensação aguda de IC, os nitratos parenterais são drogas sintomáticas importantes. Essas medicações diminuem a congestão pulmonar e melhoram a perfusão coronariana, sendo seu mecanismo principal a diminuição da pré-carga pelo seu efeito venodilatador. A nitroglicerina intravenosa é iniciada na dose de 5μg/min e pode ser titulada a cada 3 a 5 minutos até a resposta desejada. Pode-se diluir um frasco de nitroglicerina
de 50mg em 500mL de água destilada em frasco de vidro ou SF 5% em frasco especial, o que fornece uma solução de 100μg/mL. Pode-se iniciar com 3 a 6mL/h dessa solução em bomba de infusão. A meia-vida sérica da nitroglicerina é de, aproximadamente, 3 minutos. h) Antagonistas de cálcio Os antagonistas de cálcio não são recomendados ao tratamento da IC sistólica, especialmente o diltiazem e o verapamil, pois são depressores miocárdicos e aumentam a probabilidade de bloqueio cardíaco quando associados a beta-bloqueadores. Porém, alguns estudos demonstraram a segurança dos antagonistas de 3ª geração, como amlodipina e felodipino (nos pacientes), e podem ser considerados no tratamento de hipertensão e de angina associadas à IC. i) Antiarrítmicos Em geral, os antiarrítmicos não são recomendados ao tratamento da IC, e o uso crônico de sua maioria foi associado a aumento da mortalidade. Uma exceção é a amiodarona, que demonstrou um perfil de segurança adequado entre os portadores de IC. A dose de manutenção desse antiarrítmico varia entre 100 e 200mg/dia. A monitorização eletrocardiográfica contínua revela que 90% dos pacientes apresentam algum tipo de arritmia, sendo frequentes a extrassistolia ventricular multifocal e mesmo a taquicardia ventricular não sustentada. Contudo, os mecanismos predisponentes incluem a própria disfunção ventricular, a isquemia miocárdica, a hiperatividade simpática e os níveis elevados de catecolaminas, estando a melhora da arritmia condicionada ao controle da IC. Indica-se o uso de antiarrítmicos para a prevenção de choques recorrentes em pacientes portadores de CDI, aos pacientes com taquicardia supraventricular ou ventricular sustentada sintomática, e a medicação de escolha é a amiodarona. Quando associada aos beta-bloqueadores no manuseio da IC, seu benefício parece ser reduzido. Verapamil, quinidina, propafenona e sotalol estão contraindicados a pacientes com disfunção sistólica. j) Antitrombóticos Pacientes com IC têm risco aumentado de eventos tromboembólicos devido à estase venosa, dilatação cardíaca e, provavelmente, aumento da atividade pró-coagulante. Os poucos estudos existentes não mostraram que o uso de agentes antitrombóticos no tratamento crônico da IC diminuiu a incidência de complicações. Já nos pacientes agudamente descompensados, com necessidade de internação e restrição ao leito, estudos randomizados e controlados indicam que o uso de heparina reduz o risco de tromboembolismo venoso. k) Tratamento cirúrgico A cirurgia de troca valvar mitral pode ser considerada aos pacientes com insuficiência mitral grave secundária e refratária ao tratamento clínico otimizado. Outros procedimentos a considerar são a reconstrução do ventrículo es-
95
CARDIOLOGIA
- Estados edematosos associados à cirrose hepática – ní-
CARD I OLOG I A querdo na presença de grande área fibrótica durante cirurgia de revascularização miocárdica. A aneurismectomia do ventrículo esquerdo também está indicada aos pacientes sintomáticos com terapia otimizada, arritmia ventricular refratária ou tromboembolismo.
8. Insuficiência cardíaca diastólica Poucos assuntos na medicina são tão controversos como a IC diastólica. Muitos pacientes com IC sem alteração de FE ao ecocardiograma são rotulados como portadores de IC diastólica. No entanto, é frequente, ao longo da investigação clínica, encontrar outros diagnósticos que justifiquem a dispneia. Cerca de 20 a 40% dos pacientes com IC têm função ventricular preservada, sendo sua sintomatologia secundária ao comprometimento da função de relaxamento ventricular. Várias condições estão associadas à disfunção diastólica, incluindo as miocardiopatias restritiva, hipertrófica e infiltrativa. Entretanto, a maioria desses pacientes não apresenta uma doença miocárdica identificável. A IC associada à função sistólica preservada é uma doença mais frequente em mulheres idosas, a maioria delas com hipertensão arterial. O envelhecimento é associado à perda das propriedades elásticas do coração e dos grandes vasos, o que causa aumento da pressão sistólica e da rigidez miocárdica. Além disso, os idosos apresentam, habitualmente, doenças que podem comprometer a função diastólica de forma adicional, como coronariopatia, diabetes, estenose aórtica e FA.
A - Diagnóstico O ecocardiograma com Doppler é o método mais utilizado na avaliação do relaxamento ventricular. Todavia, diversas condições podem torná-la imprecisa, entre elas a volemia, a frequência cardíaca e a presença de regurgitação mitral. A avaliação da função diastólica ecocardiográfica requer um exame bem mais detalhado que o habitual. Na prática, o diagnóstico de IC diastólica é obtido quando o paciente apresenta sintomas e sinais típicos de IC e FE normal. O padrão-ouro para o diagnóstico seria por meio de estudo hemodinâmico, o qual não é possível realizar rotineiramente.
B - Tratamento Há muito pouca evidência sobre como tratar a disfunção diastólica, pois os pacientes foram excluídos de quase todos os grandes estudos de IC. Estudos anteriores sugeriam os beta-bloqueadores e os bloqueadores dos canais de cálcio como as drogas de escolha, mas a metodologia falha de tais estudos não permite conclusões. De modo geral, o tratamento baseia-se no controle da pressão arterial, da frequência cardíaca e da isquemia miocárdica. Um estudo recente sugere que o valsartana, um antagonista de ATII, apresenta benefício adicional nos pacientes. A Tabela 11 apresenta os fármacos mais utilizados nesta condição clínica.
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Tabela 11 - Tratamento farmacológico da insuficiência cardíaca diastólica Medicamento
Ação
Beta-bloqueador
Diminui a FC e aumenta o tempo de diástole.
IECA
Melhora o relaxamento e diminui hipertensão e hipertrofia ventricular.
Verapamil
Idem ao beta-bloqueador; possível melhora funcional em pacientes com hipertrofia miocárdica.
Diuréticos
Podem ser necessários em caso de retenção de fluidos, mas devem ser utilizados com cuidado.
9. Insuficiência cardíaca descompensada A avaliação do paciente que chega ao departamento de emergências com dispneia e suspeita de IC deve passar por história clínica e exame físico detalhados, além de alguns exames laboratoriais. A história clínica deve incluir: duração dos sintomas, tipo de dispneia, grau de limitação funcional, presença de ortopneia e dispneia paroxística noturna, sintomas associados (febre, tosse, expectoração, dor torácica pleurítica ou precordial, hemoptise, dor abdominal, sintomas urinários etc.), número de internações prévias, tempo de duração da doença, se já existe diagnóstico prévio de IC, comorbidades (DPOC, asma, HAS, câncer, doença cerebrovascular, insuficiência renal, cirrose, insuficiência coronariana, outras doenças cardíacas etc.), medicações em uso, medidas não farmacológicas, grau de adesão ao tratamento, tabagismo, etilismo, uso de drogas e fatores de risco para tromboembolismo pulmonar. O exame físico deve avaliar o grau de dispneia, cianose, palidez, perfusão periférica, PA e FC, presença de estase jugular, avaliação de estridor laríngeo, ausculta pulmonar cuidadosa (crepitações difusas ou localizadas, sibilos, roncos, derrame pleural, pneumotórax etc.), avaliação de ictus e frêmitos, ausculta cardíaca (sopros, atritos, abafamento de bulhas, B3 e B4 etc.), avaliação de congestão hepática, edema de membros inferiores ou sacral no caso de pacientes acamados e sinais de TVP. Na maioria dos casos, o diagnóstico de IC no serviço de emergência pode ser realizado apenas com história e exame físico. No entanto, alguns exames complementares são importantes tanto para o diagnóstico como para a avaliação da gravidade e do prognóstico. A radiografia de tórax pode mostrar área cardíaca aumentada, sinais de congestão pulmonar, derrame pleural, pneumotórax, condensações pulmonares localizadas e hiperinsuflação pulmonar. O ECG pode mostrar sinais de isquemia miocárdica, sobrecargas ventriculares, arritmias e sinais de pericardite. A oximetria de pulso e a gasometria arterial também são úteis. A avaliação da função renal, eletrólitos e hemograma podem identificar fontes de descom-
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA
Todos são secretados em resposta a estresse hemodinâmico, particularmente ao aumento da pressão intracardíaca e estiramento das fibras miocárdicas. O mais estudado e, provavelmente, mais útil no diagnóstico de IC é o BNP. Sua acurácia diagnóstica no principal estudo que o avaliou (valor de corte = 100pg/mL) foi de 81,2%, com sensibilidade de 90%, especificidade de 73%, valor preditivo positivo de 75% e valor preditivo negativo de 90%. A acurácia de uma abordagem diagnóstica incluindo a avaliação clínica ou BNP acima de 100pg/mL ou ambos foi de 81,5%. Dessa forma, a adição de um BNP positivo (maior que 100pg/mL) aumenta a acurácia diagnóstica de IC no pronto-socorro pelo julgamento clínico de 74 para 81,5%. O BNP aumenta tanto na IC por disfunção sistólica como na IC por disfunção diastólica, todavia não há como diferenciar esses 2 tipos com base no valor do BNP. O uso deste como diagnóstico já foi incorporado pelo Consenso Europeu de IC, contudo ainda não existe um consenso quanto ao seu uso para diagnóstico e prognóstico e como medida da resposta terapêutica. Além disso, sua disponibilidade ainda é restrita a poucos centros brasileiros.
A - Classificação de risco O prognóstico dos pacientes com IC descompensada pode ser avaliado por meio de alguns parâmetros. Recentemente, foi desenvolvido um modelo de predição clínica para pacientes com IC descompensada, o qual é de fácil uso e pode ser aplicado no pronto-socorro pelo médico-assistente. O escore de risco prediz mortalidade em 30 dias e 1
ano, e os preditores foram idade, pressão arterial sistólica, frequência respiratória, sódio sérico, hemoglobina (apenas para mortalidade em 1 ano), nitrogênio ureico, doença cerebrovascular associada, demência, DPOC, cirrose e câncer. O escore de risco desenvolvido a partir do estudo está descrito na Tabela 12. Tabela 12 - Escore de risco (mortalidade) para insuficiência cardíaca Número de pontos Variáveis Idade (anos)
Mortalidade em 30 dias
Mortalidade em 1 ano
+ Idade (nº de anos)
+ Idade (nº de anos)
FR (mínimo de 20, + Frequência (irpm) + Frequência (irpm) máximo de 45irpm)* Pressão sistólica (em mmHg)
-
-
≥180
- 60
- 50
160 a 179
- 55
- 45
140 a 159
- 50
- 40
120 a 139
- 45
- 35
100 a 119
- 40
- 30
90 a 99
- 35
- 25
<90
- 30
- 20
Ureia (máx. 60mg/ dL)*
+ Valor (mg/dL)
+ Valor (mg/dL)
Sódio <136mEq/L
+ 10
+ 10
Doença cerebrovascular
+ 10
+ 10
Demência
+2
+ 15
DPOC
+ 10
+ 10
Cirrose
+ 25
+ 35
Câncer
+ 15
+ 15
Não se aplica
+ 10
Hemoglobina <10g/ dL
* Deve-se considerar o limite superior ou inferior indicados, caso o valor obtido esteja acima ou abaixo desse limite.
O escore de risco para mortalidade em 30 dias é calculado somando todos os fatores (exceto hemoglobina, que só é adicionada para a avaliação do risco em 1 ano) e subtraindo os pontos atribuídos ao valor da PA sistólica (valores elevados são protetores). As categorias de risco foram divididas de acordo com aumentos de 30 pontos no escore, correspondendo a aumentos unitários no desvio-padrão, conforme ilustra a Tabela 13. Tabela 13 - Mortalidade de acordo com o escore de risco Categorias de risco
Escore
Mortalidade em 30 dias*
Mortalidade em 1 ano*
Muito baixo
≤60
0,64% (0,4)
2,7% (7,8)
61 a 90
4,2% (3,4)
14,4% (12,9)
Baixo
97
CARDIOLOGIA
pensação, como insuficiência renal, distúrbios hidroeletrolíticos, anemia e infecção. Marcadores de lesão miocárdica podem ser úteis se utilizados de acordo com a clínica. O D-dímero também pode ser utilizado para descartar TEP como causa de descompensação, apesar de poder apresentar resultado falso positivo nas classes avançadas de IC. Estase jugular e B3, embora tenham alta especificidade para identificar altas pressões de enchimento ventricular, apresentam sensibilidades de, respectivamente, apenas 30 e 24%, para o diagnóstico de IC no serviço de emergência. A combinação de crepitações pulmonares, edema de membros inferiores e estase jugular apresentou 100% de especificidade, mas somente 58% de sensibilidade para diagnosticar real congestão pulmonar identificada pela pressão encunhada de artéria pulmonar ≥22mmHg em 43 pacientes avaliados. Nos últimos anos, foi avaliado o papel dos peptídios natriuréticos no diagnóstico de IC. Alguns estudos mostraram a acurácia diagnóstica de tais peptídios em pacientes que chegam ao pronto-socorro com queixa de dispneia. Foram identificados 4 tipos desses peptídios: 1 - Peptídio natriurético atrial (ANP). 2 - Peptídio natriurético cerebral (ou tipo B – BNP). 3 - Peptídio natriurético tipo C (CNP). 4 - Peptídio natriurético tipo D.
CARD I OLOG I A Categorias de risco
O 1º passo no manejo desses pacientes é determinar o motivo da descompensação.
Escore
Mortalidade em 30 dias*
Mortalidade em 1 ano*
91 a 120
13,7% (12,2)
30,2% (32,5)
Alto
121 a 150
26,0% (32,7)
55,5% (59,3)
- Isquemia ou infarto;
Muito alto
>150
50% (59)
74,7% (78,8)
- Hipertensão não controlada;
Intermediário
Tabela 15 - Possíveis fatores para a descompensação Fatores cardiovasculares
* Os valores iniciais representam a mortalidade da coorte de validação, e os valores entre parênteses representam a mortalidade obtida da coorte de derivação.
Tal escore pode ser útil na decisão quanto à internação hospitalar em enfermaria ou UTI, observação no pronto-socorro, encaminhamento ambulatorial e alta do pronto-socorro. Entretanto, por tratar-se de estudo recente, ainda não há dados sobre sua utilização para esse fim. Outro estudo demonstrou que variáveis com PA <110x70mmHg e creatinina maior que 2mg/dL foram preditoras de evolução desfavorável. A Tabela 14 mostra algumas indicações de internação hospitalar sugeridas por Stevenson e Braunwald. Tabela 14 - Indicações sugeridas para internação de pacientes com insuficiência cardíaca descompensada
- Doença valvar primária não suspeitada; - Piora da insuficiência mitral secundária; - Fibrilação atrial aguda ou não controlada; - Arritmias (taquiarritmias ou bradiarritmias); - TEP. Fatores sistêmicos - Medicações impróprias; - Infecções; - Anemia; - Diabetes descompensado; - Disfunção tireoidiana; - Distúrbios hidroeletrolíticos; - Gravidez. Fatores relacionados ao paciente
- Arritmias assintomáticas;
- Não adesão ao tratamento farmacológico;
- Múltiplas descargas de desfibrilador implantável;
- Não adesão à dieta e a líquidos;
- Síncope;
- Consumo de álcool;
- Parada cardíaca;
- Abuso de drogas;
- Insuficiência coronariana aguda;
- Tabagismo.
- Rápida instalação de novos sintomas de IC;
Fatores relacionados ao sistema de saúde
- Descompensação de IC crônica;
- Falta de acesso à atenção primária;
- Necessidade de internação imediata: · Edema pulmonar e desconforto respiratório na posição sentada; · Saturação arterial <90% na ausência de hipoxemia conhecida; · FC >120bpm (exceto se em fibrilação atrial crônica); · Pressão arterial sistólica <75mmHg; · Alterações de consciência atribuíveis à hipoperfusão.
- Falta de acesso às medicações efetivas para ICC;
- Necessidade de internação urgente: · Evidência de congestão e hipoperfusão simultâneas; · Desenvolvimento de distensão hepática, ascite tensa ou anasarca; · Descompensação na presença de piora aguda de condições não cardíacas, como DPOC; · Insuficiência renal. - Considerar hospitalização: · Queda rápida no sódio sérico para <130mEq/L; · Aumento de creatinina, pelo menos, 2 vezes o basal ou >2,5mg/dL; · Sintomas persistentes de congestão em repouso, a despeito de repetidas visitas ambulatoriais.
A internação de pacientes com IC é necessária, muitas vezes, durante os episódios de descompensação desta. De modo geral, a IC descompensada pode apresentar-se de 3 formas: 1 - IC aguda. 2 - IC crônica agudizada. 3 - IC refratária.
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- Tratamento farmacológico inadequado (subdoses ou negligência em prescrever intervenções terapêuticas eficazes).
A abordagem inicial depende do grau e do tipo de descompensação da IC. De forma geral, podem-se classificar os pacientes que chegam ao pronto-socorro em 4 subgrupos distintos, de acordo com o grau de congestão e o de perfusão tecidual. A Tabela 16 especifica esses grupos e sugere a conduta. Tabela 16 - Proposta terapêutica de acordo com apresentação Perfil de paciente
Terapêutica proposta
Ajuste de medicações via oral Sem congestão e boa Grupara objetivos de redução de perfusão periférica – po 1 mortalidade e manutenção de “seco e quente” estado volêmico estável. Há necessidade de introdução ou aumento das doses de diuréticos, assumindo que já estejam usando IECA. Em casos mais compleCongestão, mas boa xos, associação de vasodilatadoGruperfusão periférica – res parenterais (nitroglicerina) e/ po 2 “úmido e quente” ou nesiritida. Inotrópicos não são geralmente necessários e podem ser deletérios. Observação curta no pronto-socorro ou internação em casos mais graves.
Perfil de paciente
Terapêutica proposta
Congestão e alteração Gruda perfusão periférica po 3 – “úmido e frio”
Geralmente, é necessária a suspensão de IECAs e beta-bloqueadores, particularmente naqueles com hipotensão sintomática. Muitas vezes, vasodilatadores parenterais são suficientes, devido à elevada resistência vascular periférica presente em tais pacientes. Inotrópicos parenterais podem ser necessários por curto período para estabilização, embora se associem a taquiarritmias, hipotensão, isquemia, até aumento da mortalidade em longo prazo.
Alteração da perfusão Gruperiférica sem congespo 4 tão – “seco e frio”
Este pequeno subgrupo de pacientes pode apresentar-se com poucos sintomas, e é possível o uso isolado de vasodilatadores ou a associação a inotrópicos parenterais. Reposição volêmica pode ser necessária.
A grande maioria dos pacientes que chegam ao pronto-socorro por descompensação da IC o faz por falta de adesão ao tratamento farmacológico ou às medidas dietéticas. Essas pessoas se apresentam, na maioria das vezes, com piora da congestão, mas mantendo uma boa PA e perfusão, e nem sempre apresentam dispneia em repouso. Geralmente, já apresentam o diagnóstico de IC e recebem algum tipo de tratamento ambulatorial. Nesses casos, muitas vezes um diurético de alça intravenoso associado a captopril via oral é medida suficiente para diminuir a congestão e melhorar a sintomatologia. Após período de observação e avaliação de outras causas potenciais de descompensação, devem receber orientações não farmacológicas adequadas, aumento da dose de diuréticos, reavaliação da prescrição com introdução ou ajuste de outras drogas (IECA, digoxina, bloqueadores da angiotensina, espironolactona, nitratos) e consulta ambulatorial precoce para acompanhamento. Entretanto, alguns pacientes se apresentam muito congestos, dispneicos em repouso e não respondem satisfatoriamente às medidas iniciais. Necessitam de internação em enfermaria e, algumas vezes, unidade de terapia intensiva. Neste caso, é indicado o uso de diuréticos parenterais e vasodilatadores, de preferência, de forma parenteral. Já os inotrópicos parenterais também podem ser úteis, levando à melhora sintomática, apesar de o uso prolongado de tais medicações se associar ao aumento de mortalidade em longo prazo. Os pacientes que chegam com edema agudo de pulmão necessitam de diuréticos, nitratos, morfina e, eventualmente, drogas vasoativas.
B - Drogas inotrópicas parenterais Os inotrópicos tradicionais atuam através do aumento do AMPc intramiocárdico, permitindo maior entrada de cál-
cio nas células e aumentando o acoplamento actina-miosina. Agem via ativação de receptores beta-adrenérgicos (dopamina e dobutamina) ou via inibição da fosfodiesterase cardíaco-específica tipo III (milrinona e anrinona) e são administrados parenteralmente. O uso de inibidores da fosfodiesterase em pacientes sem hipotensão e hipoperfusão tecidual foi associado ao aumento de complicações e à tendência a aumento de mortalidade. Mesmo a dobutamina está associada ao aumento da frequência cardíaca e de arritmias. Deve-se ressaltar, no entanto, que, embora os benefícios limitados das infusões de inotrópicos não justifiquem os riscos na maioria dos pacientes com IC descompensada, os inotrópicos podem salvar vidas de pessoas com choque cardiogênico, estando indicados àqueles com hipoperfusão periférica e adequado volume intravascular. A dobutamina é um agonista beta-seletivo e o agente de escolha para pacientes com PAS acima de 80mmHg, podendo, entretanto, exacerbar a hipotensão e provocar taquiarritmias. A taquicardia e o aumento da resistência vascular periférica, ocasionados pela dopamina, podem aumentar a isquemia miocárdica. Em algumas situações, a associação das 2 drogas pode ser benéfica. Em casos de hipotensão refratária, a norepinefrina pode ser necessária para manter a pressão de perfusão tecidual. A Tabela 17 cita as drogas mais usadas na IC descompensada. Tabela 17 - Doses das drogas mais usadas na insuficiência cardíaca descompensada Droga Furosemida Nitroglicerina Nitroprussiato Nesiritida
Dose - Bolus: 20 a 80mg (máximo 600mg/dia); - Infusão contínua: ataque de 0,1. - Inicial: 5 a 10μg/min. - Inicial: 0,3 a 0,5μg/kg/min; - Usual: 3 a 5 μg/kg/min. - Ataque: 2μg/kg; - Manutenção: 0,01μg/kg/min.
Dopamina
- 1 a 20μg/kg/min.
Dobutamina
- 1 a 20μg/kg/min.
Milrinona Noradrenalina Levosimendana
- Ataque: 50μg/kg/min; - Manutenção: 0,375 a 0,750μg/kg/min. - 1 a 30μg/min (recomendado pelo ACLS, mas se podem usar doses mais altas). - Ataque: 24μg/kg em 10 minutos; - Manutenção.
O levosimendana, uma medicação relativamente recente no manejo da IC aguda, apresenta vantagens em relação às outras drogas inotrópicas por permitir melhora do relaxamento diastólico, ao contrário dos inotrópicos, que agem por via adrenérgica, comprometendo o relaxamento diastólico. Causa, também, vasodilatação através da abertura
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CARDIOLOGIA
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA
CARD I OLOG I A de canais de potássio. Por essas ações inotrópicas e vasodilatadoras, a medicação aumenta o débito cardíaco sem aumentar o consumo miocárdico de oxigênio. Outro mecanismo associado a essa droga é o melhor aproveitamento no sarcômero do cálcio disponível para a contração miocárdica. O levosimendana mostrou-se superior à dobutamina em pacientes com IC grave descompensada e, ao contrário da dobutamina, principalmente, e do nesiritida em 2º lugar, parece não ter uma associação importante a aumento de mortalidade em médio e longo prazos. A dose de ataque recomendada é de 12 a 24mcg/ kg infundidos em 10 minutos, seguida por dose de manutenção de 0,1 a 0,2mcg/kg/min por 24 horas. Essa dose é titulada conforme resposta clínica e tolerabilidade.
C - Outras medidas para insuficiência cardíaca descompensada
- Balão intra-aórtico: modo de suporte circulatório mais
amplamente utilizado e pode aumentar o débito cardíaco em até 30%. É indicado no choque cardiogênico e no edema pulmonar que não respondem ao tratamento-padrão. Na IC associada à isquemia miocárdica, o balão atua como ponte até a realização de coronariografia diagnóstica e/ou terapêutica; - Bomba de fluxo contínuo: dispositivo de bombeamento sanguíneo que trabalha em paralelo ao ventrículo. É capaz de gerar, por um princípio centrífugo, débito independente do apresentado pelo paciente. Pode ser utilizado de forma isolada ou associada ao balão intra-aórtico; - Ventrículo artificial: utilizado, principalmente, como ponte para transplante, na síndrome pós-cardiotomia e, ocasionalmente, como alternativa ao transplante cardíaco; - Coração artificial: dispositivo implantável que tem sido utilizado como ponte para transplante. Observa-se melhora importante da função ventricular após período prolongado de circulação assistida, que permite, eventualmente, a remoção do sistema. - Tratamento cirúrgico: • Revascularização miocárdica: a revascularização do paciente com IC crônica pode ser útil no controle dos sintomas, desde que a disfunção do ventrículo esquerdo não seja irreversível. A identificação de miocárdio viável pode ser feita com cintilografia com tálio ou ecocardiografia de estresse, mas é necessário critério na escolha do paciente potencial, pois a mortalidade cirúrgica é alta, e não existem estudos mostrando que a cirurgia é melhor que o tratamento clínico otimizado; • Cirurgia para insuficiência mitral: a regurgitação mitral de grau variável no ventrículo dilatado pode ocorrer na IC. A plastia da valva mitral tem sido realizada com baixa mortalidade e potencial de melhorar sintomas, assim como as variáveis de função ventricular;
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• Transplante cardíaco: é a única abordagem cirúrgica efetiva no tratamento da IC refratária, embora beneficie poucas pessoas a cada ano. As indicações atuais de transplante baseiam-se na identificação de pacientes com grave prejuízo funcional, como indicado por um VO2 inferior a 10mL/kg (menos de 50% do esperado) ou pela dependência contínua de inotrópicos. Outras indicações menos comuns são angina e arritmias ventriculares graves, refratárias a outras opções terapêuticas.
10. Conclusões - A Insuficiência Cardíaca Congestiva (ICC) é uma sín-
drome complexa, caracterizada pela incapacidade do coração de suprir as necessidades metabólicas do organismo; - As principais manifestações são dispneia e fadiga, além da intolerância aos esforços, retenção de fluidos com consequente congestão pulmonar e edema de membros inferiores; - O ECG é quase invariavelmente alterado nos pacientes com IC; caso seja normal, devem ser considerados outros diagnósticos; - A principal medida da função do ventrículo esquerdo é a FE, considerando haver prejuízo da função sistólica quando a FE é inferior a 55%; - Os IECAs são indicados para tratamento da IC em qualquer estágio funcional; - Os diuréticos, único grupo de medicações que controla efetivamente a retenção hídrica, determinam a melhora sintomática mais precocemente que as outras drogas; - O uso de beta-bloqueador reduz a mortalidade e o risco de internação em pacientes com IC classes II, III e IV, melhorando os sintomas, tanto de portadores como de não portadores de ICC. Devem ser utilizados em todos os pacientes com IC por falência ventricular esquerda, exceto naqueles com contraindicação ou intolerância à droga; - As indicações do uso de digital em IC são tratamento sintomático da IC, atenuando sintomas, melhorando qualidade de vida e contribuindo para diminuir o número de internações, além de controle de resposta ventricular em pacientes com fibrilação atrial, sendo droga de 1ª escolha nesse subgrupo de pacientes com IC; - Os antagonistas da aldosterona são indicados a pacientes com IC avançada (NYHA III e IV), associada ao tratamento-padrão com diurético, digital, IECA e beta-bloqueador; - O uso das medicações inotrópicas parenterais deve ser limitado a IC grave, principalmente em caso de choque cardiogênico, pois elas se associam a aumento de mortalidade em médio e longo prazos.
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA
11. Resumo Quadro-resumo - A IC é uma síndrome caracterizada pela incapacidade do coração de suprir as necessidades metabólicas dos tecidos; - A IC pode ocorrer por déficit contrátil (IC sistólica) ou por déficit de relaxamento ventricular (IC diastólica); CARDIOLOGIA
- A partir de uma injúria (hipertensão, infarto do miocárdio etc.), uma série de mecanismos fisiopatológicos neuro-humorais é ativada, como na ativação do eixo renina-angiotensina-aldosterona; esses mecanismos determinam a progressão da disfunção ventricular; - O diagnóstico da IC é clínico e baseia-se na história e nos achados do exame físico; - O ecocardiograma não define o diagnóstico de IC, mas fornece informações significativas sobre a função ventricular e as possíveis causas da IC; - O tratamento depende da classe funcional do paciente; o controle ou eliminação dos fatores de risco são essenciais para evitar a progressão da IC; - O tratamento farmacológico utiliza IECA, beta-bloqueador, diuréticos, restrição de sódio e digital.
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C ARDI O LOG I A
CAPÍTULO
11
Edema agudo pulmonar José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado
1. Introdução
pulmonar, como na insuficiência cardíaca descompensada e na insuficiência mitral aguda no infarto do miocárdio.
A - Etiologia O Edema Agudo Pulmonar (EAP) é uma síndrome clínica que pode resultar de diferentes condições: - Distúrbios hemodinâmicos: insuficiência ventricular esquerda, obstrução em nível da valva mitral, arritmias cardíacas e hipervolemia; - Aumento da permeabilidade da membrana alveolocapilar: sepse, infecção pulmonar, afogamento, aspiração pulmonar, anafilaxia e síndrome do desconforto respiratório agudo; - Elevação da pressão negativa intrapleural (obstrução de via aérea); - Outras (após traumatismo cranioencefálico, exposição a grandes altitudes e embolia pulmonar).
B - Fisiopatologia Na gênese do edema pulmonar, é importante considerar a fisiopatologia presente, dependendo se de origem cardiogênica ou não cardiogênica. O edema pulmonar não cardiogênico é associado ao aumento da água intersticial pulmonar por alteração da permeabilidade do capilar pulmonar; são exemplos desta condição o edema pulmonar na síndrome do desconforto respiratório agudo e o edema pulmonar das grandes altitudes. Nestas condições, a pressão hidrostática do capilar pulmonar encontra-se normal (abaixo de 18mmHg). No edema pulmonar não cardiogênico, a pressão capilar pulmonar é normal. Não há hipertensão pulmonar. No edema pulmonar cardiogênico, o mecanismo principal fisiopatológico é a ação da pressão hidrostática capilar elevada (hipertensão pulmonar acima de 18mmHg), que determina o aumento do edema intersticial
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Figura 1 - Diferenças na fisiopatologia do edema pulmonar cardiogênico e não cardiogênico
Figura 2 - Edema “em asa de borboleta”, típico de edema agudo pulmonar
EDEMA AGUDO PULMONAR
Tabela 1 - Causas de EAP - Isquemia miocárdica; - Insuficiência aórtica aguda; - Insuficiência mitral aguda; - Estenose mitral; - Hipertensão arterial sistêmica; - Hipertensão renovascular; - Fibrilação atrial/taquiarritmias; - Anemia; - Febre; - Doença tireoidiana; - Neurogênico. Tabela 2 - Classificação do EAP segundo sua fisiopatologia Desbalanço das forças de Starling - Aumento da pressão capilar pulmonar: · Aumento da pressão venosa pulmonar, sem falência do VE (estenose mitral); · Aumento da pressão venosa pulmonar, com falência do VE. - Redução da pressão oncótica plasmática: hipoalbuminemia, por exemplo; - Aumento da negatividade da pressão intersticial: · Rápida correção de pneumotórax; · Obstrução respiratória aguda (asma).
Alteração da permeabilidade alveolocapilar (síndrome da angústia respiratória aguda) - Pneumonia; - Inalação de substâncias tóxicas; - Toxinas circulantes (bacterianas, venosos etc.); - Aspiração do conteúdo gástrico; - Pneumonite aguda por radiação;
CARDIOLOGIA
A causa mais comum de Edema Agudo de Pulmão (EAP) de origem cardiogênica é a disfunção diastólica do ventrículo esquerdo associada à etiologia isquêmica. Pode ocorrer por diferentes condições hemodinâmicas, como crise hipertensiva, isquemia miocárdica ou miocardiopatias hipertróficas. A disfunção diastólica representa a redução da capacidade ventricular esquerda de receber o volume de sangue que chega pelo átrio esquerdo e veias pulmonares (redução da complacência ventricular), o que provoca a elevação da pressão de enchimento do ventrículo esquerdo (pressão diastólica final), que se transmite para o átrio esquerdo, veias pulmonares e capilares pulmonares. O aumento da pressão hidrostática capilar pulmonar determina o extravasamento de líquido para o interstício pulmonar e, quando excedida a capacidade de drenagem do sistema linfático dos pulmões, também para os alvéolos. Como outras causas do EAP de origem cardiogênica, têm-se a obstrução ao fluxo pela valva mitral (estenose valvar, mixoma e trombo), insuficiência mitral aguda (disfunção de músculo papilar ou ruptura de cordoalha no infarto agudo do miocárdio e no prolapso, endocardite), insuficiência aórtica aguda (endocardite, dissecção de aorta, disfunção de prótese), arritmias cardíacas e hipervolemia; estas 2 últimas costumam ser causa de EAP em portadores de algum grau de disfunção cardíaca sistólica (miocardiopatias dilatadas) ou diastólica. A seguir, estão listadas algumas causas de EAP.
- Coagulação intravascular disseminada; - Imunológico (reações de hipersensibilidade); - Trauma não torácico; - Pancreatite hemorrágica aguda. Insuficiência linfática - Após transplante pulmonar; - Carcinomatose linfangítica; - Linfangite fibrosante (exemplo: silicose pulmonar). Etiologia desconhecida - Edema pulmonar das grandes altitudes; - Edema pulmonar neurogênico; - Embolia pulmonar; - Pós-anestesia e pós-cardioversão.
2. Quadro clínico O principal sintoma é intensa falta de ar (dispneia), geralmente súbita. Podendo haver ortopneia, taquipneia, tosse com expectoração rósea e dor torácica, mesmo na ausência de isquemia. O exame clínico, além dos sintomas já citados, revela sinais proeminentes de ativação simpática: taquicardia, palidez, sudorese fria, agitação psicomotora e ansiedade. No exame pulmonar, há crepitações inspiratórias e expiratórias em todo o tórax; podendo ocorrer sibilos, o que sugere edema da parede brônquica. Tal condição pode ser confundida com quadro de reatividade brônquica exacerbada, pois pode, muitas vezes, apresentar-se com quadro de sibilância semelhante ao broncoespasmo, por isso o nome de asma cardíaca. Podem estar presentes as tiragens intercostal e infraclavicular. O exame cardiovascular pode sugerir a etiologia quando, por exemplo, há presença de hipertensão arterial, presença de 4ª bulha (disfunção diastólica), presença de 3ª bulha (disfunção sistólica), sopros cardíacos ou arritmia.
3. Diagnóstico O diagnóstico deve ser obtido com base em dados da história e exame físico. O diagnóstico diferencial entre edema pulmonar cardiogênico e não cardiogênico é muitas vezes difícil e a radiografia de tórax é o exame complementar que pode ajudar a diferenciar estas 2 condições, conforme Tabela 3.
103
C ARDI O LOG I A Tabela 3 - Diagnóstico diferencial entre edema pulmonar cardiogênico e não cardiogênico Sinal Área cardíaca
Cardiogênico Normal ou aumentada
Não cardiogênico Normal
Distribuição vas- Balanceada ou invercular pulmonar no tida – cefalização de Balanceada raio x de tórax trama vascular Edema
Central
Periférico
Derrame pleural
Presente
Geralmente ausente
Linhas septais
Presente
Geralmente ausente
Broncograma aéreo
Geralmente ausente Geralmente presente
O eletrocardiograma, comumente, mostra taquicardia sinusal e pode contribuir para a definição da etiologia: presença de arritmias, sinais de isquemia ou sobrecarga ventricular. O ecocardiograma, se possível, deve ser realizado na sala de emergência, quando a causa do EAP não é rapidamente identificada. Quando necessária, a monitorização invasiva com cateter de artéria pulmonar revela elevação da pressão de oclusão de artéria pulmonar, auxiliando na diferenciação entre edema pulmonar cardiogênico (pressão do capilar pulmonar elevada) e não cardiogênico (pressão de capilar pulmonar normal). As enzimas cardíacas (CKMB e troponina) devem ser solicitadas já na sala de emergência e seriadas ao longo da evolução do paciente. A gasometria arterial pode evidenciar hipoxemia severa. Também devem ser avaliados Na+, K+, ureia e creatinina. Pode ser feita, ainda, a dosagem do peptídio natriurético cerebral, em inglês BNP, um hormônio fisiologicamente produzido pelo coração que, quando em situações de sobrecarga, eleva-se no sangue e, portanto, auxilia a diferenciar causas cardiogênicas de pulmonares em pacientes com insuficiência respiratória. Valores >500pg/mL sugerem a insuficiência cardíaca como etiologia do edema agudo de pulmão, enquanto valores menores que 100 tornam improvável o diagnóstico.
4. Tratamento O paciente deve permanecer sentado durante o tratamento (redução da pré-carga, melhora da relação ventilação/perfusão e redução do esforço respiratório) e com os membros inferiores pendentes. Como tratamentos farmacológicos, têm-se:
A - Oxigênio Deve ser administrado por máscara facial com fluxo de 5 a 10L/min a todos os pacientes para correção da hipoxemia; quando o método não é eficaz, pode-se associar ao uso de pressão positiva (CPAP de 5 a 10cmH2O ou BIPAP – pressão positiva em 2 níveis em via aérea). Essas 2 opções terapêu-
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ticas reduzem a necessidade de intubação, que fica reservada aos pacientes com fadiga muscular respiratória, acidose respiratória e hipoxemia refratária.
B - Vasodilatadores Promovem melhora clínica por redução da pré e da pós-carga. Inicialmente, pode ser usado nitrato sublingual 5mg, repetido a cada 5 a 10 minutos (máximo de 15mg, dividido em 3 doses), seguido ou não por nitratos parenterais. Há preferência pelas drogas parenterais tituláveis, de meia-vida curta e pico rápido de ação. Em casos de isquemia miocárdica, a melhor opção é a nitroglicerina, na dose de 5 a 200mcg/min, já que o nitroprussiato pode promover roubo de fluxo. No entanto, a nitroglicerina é menos eficaz que o nitroprussiato na redução dos níveis de PA e apresenta início de ação em 2 a 5 minutos e meia-vida de 5 a 10 minutos. Caso contrário, opta-se pelo nitroprussiato de sódio (que também pode ser usado nos casos de falha com a nitroglicerina, insuficiência mitral ou aórtica severa e hipertensão arterial sistêmica), na dose inicial de 0,3 a 0,5, que tem início de ação imediata e meia-vida de 1 a 2 minutos. Os efeitos colaterais mais comuns dessa droga são náuseas, vômitos e cefaleia; o mais grave é a intoxicação por cianeto e tiocianato com altas doses ou infusões prolongadas de nitroprussiato, principalmente em pacientes com insuficiência renal.
C - Diuréticos de alça (furosemida, 40 a 80mg IV) Promovem vasodilatação venosa, reduzindo a pré-carga (venodilatação em 5 minutos), antes de determinar diurese, que ocorre cerca de 20 a 30 minutos após a dose inicial. Uma 2ª dose de até 160mg pode ser usada, caso não haja melhora após 20 minutos da 1ª. Deve-se salientar que, frequentemente, pacientes com EAP apresentam volemia total normal quando procuram serviço médico, e a congestão pulmonar se deve, predominantemente, a distúrbios hemodinâmicos. Em tais pacientes, o uso excessivo de diuréticos pode levar à hipovolemia, que, após a resolução do quadro agudo, pode manifestar-se como hipotensão ou piora de função renal.
D - Morfina Deve ser administrada na dose de 1 a 3mg a cada 5 minutos, com o objetivo de reduzir a ansiedade determinada pelo aumento do esforço respiratório, a pré-carga por vasodilatação (em até 40%) e os reflexos pulmonares responsáveis pela dispneia; deve ser usada com cautela e em ambiente com condições para intubação traqueal, pois pode determinar a exacerbação do broncoespasmo pela liberação da histamina ou narcose por diminuição do estímulo respiratório (o antídoto específico é o naloxona, que pode ser administrado na dose de 0,4mg a cada 3 minutos). Náuseas e hipotensão podem ocorrer. A morfina, a furosemida e o nitrato são as drogas de 1ª escolha no tratamento do EAP. Essas medidas conseguem
EDEMA AGUDO PULMONAR
5. Resumo Quadro-resumo - O aumento da pressão hidrostática no território capilar pulmonar determina o extravasamento de líquido para o interstício pulmonar e para o alvéolo, resultando em hipóxia; - A perda aguda da função ventricular, o aumento da pós-carga e o aumento da pré-carga são as causas mais comuns de EAP; - O tratamento passa por vasodilatadores arteriolares e venosos, diuréticos e inotrópicos; - O emprego do CPAP está associado à redução do número de intubações e do tempo de internação hospitalar, além de determinar redução da mortalidade.
E - Outras terapêuticas
- Nesiritida
(BNP humano recombinante): ainda em estudo, sua infusão resulta em natriurese, diminuição das pressões de enchimento cardíaco e aumento do índice cardíaco. Porém, ainda não há dados confiáveis sobre a alteração de função renal e a mortalidade nos pacientes. O uso em classes funcionais avançadas de IC foi associado a uma melhora da sintomatologia do quadro, porém, a mortalidade aumentou.
A seguir, um algoritmo para o tratamento do EAP.
Figura 3 - Tratamento do EAP
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CARDIOLOGIA
tratar a maioria dos quadros da síndrome e, caso não haja sinais de baixo débito ou arritmias fatais que necessitem de cardioversão elétrica, a intubação orotraqueal para ventilação mecânica invasiva deve ser adiada. Máscaras de CPAP diminuem a necessidade de ventilação invasiva e podem ser utilizadas precocemente, sem prejuízo ao paciente, promovendo tendência de redução da mortalidade. Em pacientes com EAP e sinais de redução do débito cardíaco (hipoperfusão periférica, hipotensão, rebaixamento do nível de consciência), são indicados inotrópicos positivos como a dobutamina, além de monitorização hemodinâmica.
CARD I OLOG I A
CAPÍTULO
12
Hipertensão pulmonar José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado
1. Introdução A Hipertensão Pulmonar (HP) é um estado patológico em que a pressão sistólica pulmonar é elevada ao repouso (PAPm >25mmHg) ou ao exercício (PAPm >30mmHg). A elevação desses valores frequentemente é acompanhada do aumento da resistência vascular e da diminuição do débito cardíaco. Na essência, a HP é um resultado da redução do calibre dos vasos pulmonares e/ou do aumento do fluxo sanguíneo pulmonar. Os valores normais da pressão sistólica pulmonar são de 20 a 30mmHg, com pressões diastólicas de 12 a 16mmHg. A resistência vascular pulmonar reflete a área do diâmetro dos vasos pulmonares e da superfície pulmonar total. Vários processos de doença podem alterar o diâmetro dos vasos e determinar a HP.
2. Etiologia e fisiopatologia As etiologias específicas de HP estão descritas na Tabela 1, de acordo com a causa de base que as determina. Doenças intrínsecas pulmonares, como vasculites, constituem uma porção importante das causas de HP. Também nessa categoria, está a HP primária, que acomete o dobro de mulheres em relação aos homens, não tem causa definida e pode representar a via final comum de várias doenças. Tabela 1 - Classificação Hipertensão pulmonar arterial - Idiopática; - Familiar; - Associada à colagenose; - Hipertensão portal; - Infecção por HIV;
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Hipertensão pulmonar arterial - Drogas e toxinas; - Doença veno-oclusiva pulmonar; - Outras. HP associada à doença ventricular esquerda HP associada a doença pulmonar e/ou hipoxemia - DPOC; - Doença intersticial pulmonar; - Hipoventilação pulmonar; - Exposição crônica a altas altitudes. HP associada à doença pulmonar trombótica e/ou embólica - Tromboembolismo pulmonar de artérias proximais e/ou distais; - Embolia pulmonar não trombótica (tumor, parasitas, corpo estranho). Miscelânea - Sarcoidose, linfangiomatose pulmonar, compressão ganglionar dos vasos pulmonares, tumores, mediastinite fibrosante etc.
De forma simplificada, 3 mecanismos contribuem para o surgimento da HP: - Vasoconstrição hipóxica; - Diminuição da área da superfície do leito vascular pulmonar; - Sobrecarga de pressão/volume no ventrículo direito. No entanto, em muitos pacientes, há mecanismos sobrepostos. Um aspecto importante é a busca por causas tratáveis de HP, e vale lembrar que o diagnóstico de HP primária é sempre de exclusão. O grupo mais comum de patologias que determinam a HP é o que afeta, diretamente, o parênquima pulmonar, como a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) e as fibroses. Geralmente, os sintomas associados a tais doen-
HIPERTENSÃO PULMONAR
3. Diagnóstico Na história clínica, alguns dados auxiliam na elucidação etiológica. O uso de drogas anorexígenas, intravenosas, crack ou cocaína pode apontar a causa. A história de trombose venosa profunda ou história familiar de trombofilias aumenta o grau de suspeita para causa tromboembólica. O acometimento paralelo do fígado, pele ou articulações aponta para uma causa associada ao colágeno. São critérios essenciais para o diagnóstico: - Sobrecarga ventricular direita; - Aumento da intensidade do componente pulmonar da 2ª bulha cardíaca; - Onda A jugular elevada; - Evidência eletrocardiográfica de hipertrofia ventricular direita; - Pressões de artéria pulmonar elevadas ao ecocardiograma ou à cateterização cardíaca.
4. Quadro clínico A - Sinais e sintomas Um dos maiores problemas da HP, a demora no diagnóstico precoce, ocorre porque os sintomas podem ser inespecíficos e variam de indivíduo para indivíduo. Em geral, os sintomas só aparecem quando os valores pressóricos pulmonares estão 3 a 4 vezes maiores que o normal. Os sintomas mais comuns são dispneia aos esforços, síncope e dores torácicas inespecíficas (musculoesqueléticas, pleuríticas ou anginosas). Muitas vezes, a piora dos sintomas clínicos é atribuída à progressão da doença de base, como a DPOC, e não à progressão da HP, permitindo a progressão desta por meses ou anos. Sintomas mais tardios aparecem na falência ventricular direita com edema periférico, ascite e fadiga.
B - Exame físico Os achados de exame físico podem ser agudos ou indicar a causa da HP. Um aumento da intensidade do componente pulmonar da 2ª bulha não está sempre presente. Um estalido de abertura pode ser ouvido como consequência da interrupção da abertura da válvula pulmonar. Pode ocorrer, com frequência, um sopro mesossistólico pulmonar. Em situações extremas, pode-se palpar o batimento do ventrículo direito na borda esternal esquerda. Outros achados, como insuficiência tricúspide e pulmonar, pressão venosa jugular elevada, ascite, refluxo hepatojugular, hepatomegalia, fígado pulsátil e edema periférico, são variáveis, e a severidade deles se correlaciona com a gravidade da HP. Nem sempre é fácil ouvir o sopro da insuficiência tricúspide, mesmo em pacientes com insuficiência moderada ou severa. Além disso, com o aumento da pressão do átrio direito, a variação respiratória do sopro da insuficiência tricúspide pode estar ausente, falseando o diagnóstico de insuficiência mitral. Diferentemente do sopro da insuficiência mitral, o sopro da insuficiência tricúspide não é audível na axila. Achados do parênquima pulmonar ou de sopros diastólicos de estenose mitral facilitam a pesquisa etiológica por indicarem a provável causa da HP. Cianose e baqueteamento digital geralmente indicam cardiopatias congênitas, na ausência de patologia pulmonar. Um sopro sistólico ou contínuo nos campos pulmonares indica HP tromboembólica ou estenose congênita de artéria pulmonar. A artrite, rash cutâneo ou outras alterações de pele podem indicar doenças reumatológicas de base. Rigorosamente, o mecanismo do hipocratismo digital (baqueteamento) permanece desconhecido, porém, diversas teorias foram propostas para explicar sua patogenia. A presença de shunts intra ou extrapulmonares permitiria a liberação para a periferia de substâncias vasodilatadoras. A
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CARDIOLOGIA
ças são precoces e aparecem antes de HP grave, levando ao diagnóstico também precoce. A hipóxia e a hipercapnia decorrentes da alteração da relação ventilação/perfusão causadas por obstrução e perda dos elementos vasculares pulmonares são as principais consequências da HP e sustentam a piora progressiva desta. A hipoxemia determina vasoconstrição e menor resposta aos vasodilatadores endógenos. Mudanças crônicas na arquitetura tecidual, assim como a hiperviscosidade associada à poliglobulia, também contribuem para a HP. A DPOC é a causa mais importante de HP não reversível. As patologias do átrio esquerdo e do território venoso pulmonar, comumente, também resultam em HP. Lesões das válvulas aórtica ou mitral, cardiomiopatias e insuficiência coronariana podem determinar elevação das pressões em câmaras esquerdas. A hipertensão atrial esquerda é transmitida aos vasos pulmonares e às câmaras direitas, pois a pressão de artéria pulmonar deve elevar-se para permitir o fluxo sanguíneo anterógrado por meio da árvore vascular pulmonar. Doenças da caixa torácica, como cifoescoliose, doenças neuromusculares, apneia do sono e fibrose pleural representam uma pequena porção das causas de HP. A hipóxia crônica dessas condições clínicas associadas à hipoventilação determina a HP. Tromboembolismo pulmonar e anemia falciforme resultam, em último caso, em obstrução mecânica da luz dos vasos pulmonares, mas não em anormalidades intrínsecas per se. De forma genérica, as diferentes categorias determinam lesão vascular endotelial. Uma vez iniciadas, as alterações endoteliais geram reatividade vascular diminuída, ativação trombótica e proliferação de células musculares lisas, fibroblastos e perpetuação da inflamação. Ao longo do tempo, tais alterações se perpetuam, aumentando a pressão da artéria pulmonar por diminuição da vasodilatação regional e formação de trombos.
CARD I OLOG I A hipóxia tissular poderia explicar o hipocratismo digital em pacientes com doenças cardíacas cianóticas, porém, muitas doenças pulmonares cursam com acentuada hipoxemia, sem baqueteamento digital e, inversamente, este pode estar presente com PaO2 arterial preservada. Ações neurogênicas poderiam contribuir, sendo o melhor exemplo o alívio imediato do baqueteamento após vagotomia, em portadores de carcinoma brônquico, mesmo sem ressecção da lesão primária. Hipocratismo hereditário não é raro, o que levou à postulação de que fatores genéticos poderiam atuar em casos de aparecimento mais tardio. A teoria atualmente mais aceita para a patogenia do hipocratismo digital envolve a liberação de fatores de crescimento vascular, o que resulta em neoformação de capilares nas extremidades. A presença de hipoxemia e a estase de plaquetas potencializam sua liberação, bem como o aumento da perfusão periférica, o que poderia explicar a associação com diversos dos fatores descritos.
5. Exames diagnósticos A - Eletrocardiografia A eletrocardiografia (ECG) frequentemente aponta anormalidades que sugerem hipertrofia ventricular direita, como o aumento das forças elétricas nas derivações precordiais e inversão de onda T no precórdio. Os achados mais sugestivos de sobrecarga direita crônica são desvio do eixo para direita e relação R/S >1 em V1, bloqueio de ramo direito completo ou incompleto e onda P pulmonale. Os achados do ECG têm alta especificidade, porém, baixa sensibilidade, ainda menor em pacientes com hipertrofia biventricular. Não é incomum a interpretação errônea de isquemia anterior aguda. Geralmente, essas alterações ocorrem em casos avançados de HP, podendo ser o ECG normal em casos iniciais ou moderados, assim como a radiografia de tórax. As alterações ao ECG podem ser revertidas quando há melhora da HP.
Figura 1 - ECG demonstrando desvio do eixo elétrico para a direita, ondas P apiculadas, ondas R dominantes em V1, S profundas em V6 e inversão de onda T em DII, DIII, aVf, V1 a 3, demonstrando sinais de sobrecarga ventricular direita em mulher portadora de estenose mitral por febre reumática
B - Radiografia de tórax A radiografia de tórax pode auxiliar na suspeita diagnóstica de HP. Infelizmente, as alterações sugestivas da doença ocorrem tardiamente em seu curso. Isso é válido para sinais como a proeminência de vasos pulmonares proximais, assim como o preenchimento do espaço retroesternal pelo ventrículo direito na projeção lateral. Congestão venosa e aumento do átrio esquerdo e da área cardíaca dirigem a pesquisa etiológica para causas de câmaras esquerdas. Hiperinsuflação sugere DPOC, enquanto cifose ou escoliose podem indicar causas restritivas para HP. Vale lembrar que a radiografia normal não afasta a possibilidade de HP, mesmo em estágios avançados da doença.
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sente somente nesta última, a causa pode ser sobrecarga volêmica sem HP. A HP pura do ventrículo direito resulta em concavidade do septo interventricular direcionada ao ventrículo esquerdo. Este, em geral, é pequeno e com função sistólica preservada. Tais alterações são reversíveis com a melhora da HP, assim como a dilatação ventricular direita. O exame também é essencial para evidenciar ou excluir causas de câmaras esquerdas, como estenose mitral, insuficiência ventricular esquerda e causas congênitas. A análise do Doppler pode sugerir refluxo tricúspide importante, mesmo na ausência de sopro audível.
F - Arteriografia pulmonar e cateterismo cardíaco
Figura 2 - Raio x evidenciando aumento do tronco da artéria pulmonar em paciente com HP e cardiomegalia associada
C - Testes de função pulmonar Os testes de função pulmonar podem ser totalmente normais entre pacientes com doenças intrínsecas dos vasos pulmonares ou apresentar padrões característicos de doenças obstrutivas ou restritivas. O exame é necessário nas suspeitas de doença pulmonar parenquimatosa, obstrução de via aérea ou doença neuromuscular. A doença pulmonar intersticial severa causa HP, que pode gerar um distúrbio restritivo leve, confundindo o diagnóstico.
D - Cintilografia pulmonar O exame de ventilação/perfusão pode não apontar a causa de base. A fase de perfusão é diagnóstica no tromboembolismo pulmonar. Na HP primária, a cintilografia é normal ou mostra pequenas falhas de captação subsegmentar. Como o tratamento cirúrgico pode ser curativo nas causas tromboembólicas, a cintilografia deve fazer parte da pesquisa etiológica em todos os pacientes com HP de origem indefinida.
E - Ecocardiograma O exame bidimensional com Doppler, extremamente útil não só para o diagnóstico, mas também para o seguimento da HP, avalia a pressão da artéria pulmonar valendo-se da insuficiência tricúspide por meio da equação de Bernoulli. O valor da HP tem importância prognóstica, pois seu aumento se associa ao aumento da mortalidade. Pode demonstrar o achatamento do septo ventricular na sístole e na diástole (septo em forma de D); quando pre-
A cateterização das câmaras cardíacas direitas é o exame padrão-ouro para estabelecer o diagnóstico, quantificar e caracterizar a HP. É indicada quando o ecocardiograma não oferece informações significativas. A angiografia pulmonar confirma HP primária e diagnostica causa tromboembólica de grandes vasos pulmonares. As alterações podem evidenciar dilatação da árvore pulmonar e paradas abruptas do enchimento vascular por contraste. Outra utilidade do cateterismo é a avaliação da resposta vascular ao uso de vasodilatadores, como nitroprussiato de sódio, prostaciclina ou óxido nítrico. Quedas maiores de 20% do valor inicial da HP sugerem boa resposta clínica.
G - Tomografia computadorizada e ressonância nuclear magnética A Tomografia Computadorizada (TC) e a Ressonância Nuclear Magnética (RNM) do tórax podem fornecer informações úteis quanto a doenças do parênquima e de muitas outras condições que causam HP. A TC de mediastino indica alterações características na mediastinite fibrosante por histoplasmose, em que linfonodos calcificados podem comprimir veias e artérias pulmonares. Similarmente, a RNM pode evidenciar tumores de mediastino, alterações de fluxo sanguíneo e tumores intra-arteriais pulmonares. Pode, também, evidenciar o êmbolo na árvore pulmonar com precisão próxima à da angiografia.
H - Biópsia pulmonar A biópsia pulmonar não é frequentemente necessária para confirmar a causa da HP. No entanto, em algumas situações de etiologia obscura, pode evidenciar partículas impactadas de material pulverizado na árvore arterial pulmonar por uso de drogas intravenosas ou de outras doenças vasculares pulmonares. Quando há apenas hipertrofia da túnica muscular média dos vasos pulmonares, a HP é reversível; quando ocorrem arterite e áreas de necrose, é, usualmente, irreversível.
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CARDIOLOGIA
HIPERTENSÃO PULMONAR
CARD I OLOG I A 6. Tratamento da hipertensão pulmonar secundária
Figura 3 - Biópsia pulmonar mostrando arteríola com material embolizado no seu interior, em recanalização
I - Outros testes diagnósticos Como a etiologia da HP é variável, outros exames, como marcadores reumatológicos ou eletroforese de hemoglobina, podem ser necessários. Segue um algoritmo para investigação diagnóstica e etiológica da HP.
A HP cuja causa é identificada é mais bem tratada com o controle da doença subjacente. Em casos como a estenose mitral, a valvoplastia por balão ou o tratamento cirúrgico podem reverter completamente a doença. Em outras situações, seus efeitos crônicos podem ser irreversíveis, já que, mesmo após a correção da causa de base, pode haver HP residual. Em causas de cardiopatia congênita, o transplante duplo (coração-pulmão) pode tratar totalmente a HP. Aparentemente, a maior parte dos agentes utilizados para vasodilatação da artéria pulmonar na HP primária não tem surtido efeito satisfatório, provavelmente por falta de reatividade vascular, em especial quando a hipóxia é tratada com oxigênio. Tal medida parece ser a mais eficaz em reduzir a HP nesses casos. E, nas formas secundárias, tais medicações podem surtir efeito. Nas causas de origem torácica ou neuromuscular, a HP pode ser controlada completamente com administração de oxigênio a pressão positiva (CPAP ou BiPAP), assim como na apneia do sono (perda de peso tem efeito similar neste último). A correção cirúrgica de obstrução da via aérea também reverte a HP. A revascularização miocárdica e a correção valvar determinam reversão da HP por disfunção ventricular miocárdica ou valvar, assim como a pericardiectomia para a pericardite constritiva e a ressecção tumoral para os tumores intracardíacos. A mediastinite fibrosante, quase sempre associada à histoplasmose, normalmente é refratária a qualquer tratamento. A situação clínica em que o tratamento é bem definido é na doença tromboembólica. A tromboendarterectomia, para pacientes selecionados, reverte quase totalmente a HP, apesar de associada à alta mortalidade no pós-operatório. A reversão da HP é acompanhada da reversão do tamanho e da função ventricular ao ecocardiograma. Após 1 mês da cirurgia, há melhora da função ventricular esquerda e quase normalização das câmaras direitas. A normalização da HP acontece dentro de 1 ano.
7. Tratamento da hipertensão pulmonar primária A - Glicosídeos cardíacos O valor da digoxina na recuperação da função ventricular direita não é comprovado, embora a droga seja bastante utilizada. O risco de intoxicação sobrepõe-se ao seu benefício, principalmente em se tratando de pacientes hipoxêmicos e daqueles em uso de diuréticos, nos quais hipocalemia é frequente.
B - Oxigênio Figura 4 - Investigação de hipertensão pulmonar
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Entre os pacientes hipoxêmicos com HP primária ou secundária, a oxigenoterapia é mandatória, e, quanto àqueles
de etiologia indefinida, o benefício não é estabelecido. Porém, muitas vezes, durante o exercício, os pacientes apresentam hipoxemia, sendo necessária, de qualquer forma, a suplementação. E pessoas com insuficiência ventricular direita e hipóxia devem receber suplementação contínua.
C - Diuréticos O edema periférico e a congestão hepática podem acompanhar a HP e apresentam melhora com o uso de diuréticos, correndo o risco de redução intensa da pré-carga ventricular e disfunção cardíaca aguda; daí o uso criterioso dessa medicação. O controle bioquímico dos pacientes deve ser rigoroso pelo risco de potencialização de eventos fatais como a hipóxia.
D - Anticoagulação A anticoagulação por período prolongado é indicada aos pacientes com causa tromboembólica da HP e destinada aos demais casos quando o seu emprego se associa à redução de mortalidade. A HP primária predispõe a trombose in situ na árvore pulmonar, e os pacientes com HP severa, geralmente, são sedentários ou restritos ao leito, o que aumenta o risco de fenômenos trombóticos.
E - Vasodilatadores Os vasodilatadores mais efetivos são os bloqueadores de canais de cálcio. Nenhuma droga disponível tem ação seletiva na árvore pulmonar, e os efeitos sistêmicos podem levar à hipotensão severa. O objetivo do tratamento é reduzir a pós-carga ventricular direita e a HP, melhorando o débito cardíaco. Cerca de 25% dos pacientes têm resposta com nifedipina (de 30 a 240mg/dia) ou diltiazem (de 120 a 900mg/dia). Em alguns casos, a hipertrofia ventricular direita diminui; em outros, há melhora do débito cardíaco sem redução da HP. A classe funcional desses pacientes melhora, porém, é incerto o efeito na sobrevida. Testes com prostaciclinas intravenosas têm sido eficazes em identificar os pacientes que respondem ao tratamento oral com bloqueadores de canais de cálcio. Outros agentes, como acetilcolina, óxido nítrico inalatório e adenosina são agentes úteis de curta duração para determinar a reatividade vascular durante o cateterismo de câmaras direitas. Quando é definida a resposta do paciente a vasodilatadores que podem ser titulados, troca-se por agentes de mesma classe de longa duração. Devem ser introduzidos gradativamente e mantidos na dose máxima tolerada. Independente da droga utilizada, o uso deve ser feito de forma monitorizada, pois os efeitos colaterais do tratamento, como a hipotensão, podem ser fatais. Com frequência, a monitorização com cateter de Swan-Ganz é utilizada para ajuste fino das drogas.
F - Prostaciclina Pacientes com HP podem ser mais bem tratados com medicações de curta duração, como a prostaciclina intra-
venosa (PGI2 – epoprostenol), administrada durante a monitorização com o cateter de Swan-Ganz. Esse agente é útil devido à sua meia-vida curta (de 3 a 5 minutos), e sua infusão contínua tem tido resultados satisfatórios em pacientes com HP primária, como melhora na sobrevida e na classe funcional. Além disso, pode ser aplicada por via central em infusão contínua. A apresentação farmacológica para uso inalatório (iloprosta) ou subcutâneo já está disponível. Até o momento, compreende o tratamento mais efetivo na HP de origem vascular intrínseca.
G - Transplante Apesar de a experiência com transplante estar aumentando, algumas causas, como a HP associada a tromboembolismo, apresentam melhora após o tratamento cirúrgico da artéria pulmonar. Os resultados com transplante pulmonar também têm demonstrado benefício, com sobrevida de 95% dos casos em 1 ano e de 50% em 5 anos, e só se aplicam aos casos em que a causa secundária de HP não incida sobre o novo órgão transplantado.
H - Outras formas de tratamento Em pacientes com forame oval patente, a sobrevida na vigência de HP parece ser maior devido ao shunt direito-esquerdo. Assim, a septostomia atrial por cateter ou cirúrgica pode ser aplicada em alguns casos de alguns pacientes que aguardam transplante.
I - Antagonistas do receptor de endotelina Melhoram a tolerância ao exercício, o débito cardíaco e diminuem a Pressão Arterial Pulmonar (PAP) por bloquearem a ação vasoconstritora desta substância. São exemplos o bosentana e o sitaxentana.
J - Inibidores de fosfodiesterase O mais conhecido é o sildenafila, na dose de 20mg, de 8/8 horas. Melhora a oxigenação arterial, a capacidade ao exercício e diminui a resistência vascular pulmonar e a PAP.
8. Prognóstico A causa de base da HP é o principal determinante da evolução da doença. Quando o tratamento da causa é possível e efetivo, a HP apresenta melhora sensível na sobrevida. O prognóstico varia de indivíduo para indivíduo, dependendo do tempo de diagnóstico e da intensidade da doença. O grau de reatividade vascular presente também determina o prognóstico. A sobrevida entre pacientes com HP primária depende de vários fatores e é de difícil previsão. A causa mais frequente de morte é a insuficiência ventricular direita em 2/3 dos casos, seguida de morte súbita e pneumonia, e a sobrevida média é de 10 anos. Pacientes com pressão de artéria pulmonar média acima de 85mmHg têm sobrevida de 1 ano
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CARDIOLOGIA
HIPERTENSÃO PULMONAR
CARD I OLOG I A contra 4 anos entre pacientes com pressão de 50mmHg. Índice cardíaco e pressão de átrio direito também são preditores de mortalidade. As classes funcionais de ICC I e II têm sobrevida de 5 anos, enquanto classes funcionais III e IV apresentam sobrevida entre 6 e 30 meses.
9. Resumo Quadro-resumo - A elevação da pressão da artéria pulmonar determina a sobrecarga ventricular direita, geralmente por redução do calibre das arteríolas pulmonares e/ou aumento do fluxo sanguíneo pulmonar; - A HP é via final comum de várias patologias pulmonares primárias, assim como de doenças sistêmicas; - O quadro clínico não é específico, o que dificulta o diagnóstico no seu início; dor torácica, dispneia aos esforços e síncope. Nas fases mais tardias, ocorre IC direita; - O tratamento baseia-se em oxigenoterapia, diuréticos e vasodilatadores pulmonares como bloqueadores de canais de cálcio. Alternativas terapêuticas recentes são o sildenafila e o bosentana.
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CAPÍTULO
13
Valvulopatias José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado
1. Estenose aórtica As características principais da Estenose Aórtica (EA) são: - Angina; - Dispneia; - Síncope de esforço;
- Sopro sistólico de ejeção com irradiação para as carótidas;
- Pico de pulso carotídeo tardio e de amplitude reduzida; - Ecocardiograma com folhetos aórticos espessados e
imóveis, gradiente transvalvar aumentado e área valvar diminuída.
Figura 1 - Fonocardiograma da estenose aórtica
A - Introdução A EA decorre do estreitamento no orifício valvar causado pela falência dos folhetos valvares de se abrirem normalmente (Figura 2). A redução do orifício valvar produz uma perda de energia na impulsão do volume sistólico, e ocorre fluxo turbulento que determina aumento do trabalho cardíaco e da pós-carga ventricular. Como consequência, surge a hipertrofia ventricular esquerda, o principal mecanismo compensatório da estenose. O diagnóstico é confirmado por meio de história clínica e exame físico, de ecocardiograma e cateterismo cardíaco. As causas principais de EA são válvula bicúspide congênita, EA congênita, degeneração valvar com calcificação dos folhetos sem fusão das comissuras e febre reumática. Essas últimas 2 causas são responsáveis por cerca de 70% dos casos.
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CARD I OLOG I A
Figura 2 - Representação de válvula normal e com estenose aórtica
B - Quadro clínico a) Sinais e sintomas Os sinais e os sintomas clássicos da EA são angina, síncope de esforço e insuficiência cardíaca congestiva; sendo esta última, a forma mais frequente de apresentação clínica. O início desses sintomas é considerado um marco no seguimento do paciente, sendo a média de sobrevida pós-início dos sintomas de 2 a 3 anos com alto risco de morte súbita. A morte súbita entre pacientes com EA assintomática é rara, menos que 1% dos pacientes. - Angina: acontece em resposta à isquemia miocárdica que se desenvolve pelo aumento do consumo de oxigênio pelo miocárdio. Em geral, a angina associada à EA ocorre sem haver doença coronariana. A hipertrofia ventricular concêntrica que acontece como resposta compensatória ao aumento da pós-carga determina elevação da tensão transmural do miocárdio. Isso causa um aumento do consumo de oxigênio, nem sempre acompanhado do aumento da oferta, determinando a angina; - Síncope de esforço: durante o exercício físico, a resistência vascular sistêmica diminui. Pela existência da estenose, o débito cardíaco não consegue compensar a diminuição da resistência para manter a pressão arterial média constante, causando hipofluxo cerebral e síncope; - Insuficiência cardíaca congestiva: a falência ventricular sistólica e diastólica esquerda acontece na EA concomitantemente, determinando sintomas de dispneia aos esforços, assim como ortopneia e dispneia paroxística noturna. Em alguns doentes, podem ocorrer hipertensão pulmonar e insuficiência cardíaca direita. A insuficiência ventricular esquerda decorre da perda progressiva dos elementos contráteis causada pela hi-
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pertrofia concêntrica e pela isquemia miocárdica que acompanham o quadro. b) Exame físico - Sopro sistólico de ejeção: o sopro clássico da EA é um sopro sistólico rude de ejeção, mais bem percebido no foco aórtico e com irradiação para as carótidas. Constitui um sinal específico, porém pouco sensível para a determinação da gravidade da lesão. No começo da doença, o sopro acontece no início da sístole, tornando-se mais tardio com a evolução. Frêmito pode ser palpado na área aórtica. Em fases tardias da doença, o sopro perde força, com tendência a ocorrer no fim da sístole, e o frêmito pode desaparecer. Pode ocorrer o fenômeno de Gallavardin, que é a irradiação do sopro para a área mitral, por vezes sendo este o sopro predominante do paciente, simulando insuficiência mitral. Há ainda diminuição do sopro com a manobra de Valsalva e aumento com o agachamento; - Pulso carotídeo: na EA, o pulso carotídeo é tipicamente baixo e tem volume tardio quando atinge o pico de amplitude (pulso parvus et tardus). Seu achado tem relação com a gravidade da doença; - Segunda bulha cardíaca: o tempo de ejeção prolongado necessário para a progressão do volume sistólico através da válvula estenosada leva à ocorrência de 2ª bulha única. A presença de desdobramento fisiológico de B2 praticamente exclui a possibilidade de EA grave; - Batimento apical: na EA, o ventrículo esquerdo hipertrofiado concentricamente mantém o batimento de ápice cardíaco no mesmo local, porém com intensidade aumentada; - Outros achados: a 3ª bulha pode ser encontrada em casos avançados de insuficiência cardíaca.
VALVULOPATIAS
C - Exames diagnósticos
- Eletrocardiograma: com a hipertrofia ventricular concêntrica, ocorrem aumento da voltagem do QRS, sobrecarga atrial
CARDIOLOGIA
esquerda e alterações da onda T e do segmento ST. No entanto, nenhum achado é sensível ou específico no diagnóstico da EA;
Figura 3 - Bloqueio de ramo esquerdo em paciente com queixa de síncopes aos esforços e episódios de dor precordial; identificada estenose aórtica grave em exames subsidiários
- Radiografia de tórax: geralmente, a área cardíaca é normal ao exame. Pode haver abaulamento da borda cardíaca esquerda e dilatação pós-estenótica da aorta. Ocasionalmente, é possível ser visualizada calcificação da válvula aórtica na incidência lateral; - Ecocardiograma: normalmente, confirma o diagnóstico, além de quantificar a severidade. Achados de espessamento valvar, redução da mobilidade dos folhetos e hipertrofia ventricular concêntrica fecham o diagnóstico. A determinação do gradiente transvalvar e da área valvar permitem graduar melhor a severidade da doença; - Cateterismo cardíaco: necessário para identificar a presença de doença coronariana associada à EA, está indicado aos pacientes que serão submetidos à troca valvar e com fatores de risco para doença coronariana, e àqueles sintomáticos em que os exames não invasivos são inconclusivos ou quando o resultado deles é conflitante com a clínica do paciente; constitui, então, o método de escolha para determinação da real gravidade da lesão. Está contraindicado a pacientes assintomáticos e/ou que não serão submetidos a procedimento cirúrgico.
D - Tratamento O único tratamento efetivo para EA severa é o alívio mecânico da obstrução valvar. A sobrevida é excelente quando o tratamento é aplicado antes do surgimento dos sintomas clássicos. Após o surgimento dos sintomas clássicos, a mortalidade se eleva acentuadamente. O tratamento pode ser realizado por meio de troca valvar por prótese, valvulotomia cirúrgica ou balão.
a) Tratamento farmacológico Nos pacientes com EA reumática, a profilaxia para novos surtos de febre reumática é obrigatória. Diuréticos e/ou digitálicos podem controlar parcialmente os sintomas congestivos, porém a troca valvar continua necessária. Os IECA são contraindicados na EA severa por determinarem hipotensão algumas vezes severa e fatal, por não haver compensação pelo débito cardíaco aumentado quando ocorre a redução da resistência vascular sistêmica. Em casos leves e moderados, seu uso é bem tolerado para o controle dos sintomas da insuficiência cardíaca e hipertensão. Nitratos podem ser utilizados com cuidado na vigência de angina, até ser realizada a cirurgia. Beta-bloqueadores devem ser evitados, pois podem desencadear o agravamento da insuficiência ventricular. A profilaxia para endocardite é mandatória, independente da gravidade da lesão. Alguns estudos mostraram um benefício na prevenção de piora da lesão aórtica com uso de estatinas, porém esses resultados não conseguiram ser reproduzidos em estudos subsequentes. Atualmente, não se indica estatina exclusivamente para o tratamento da EA, mas para os pacientes com dislipidemia associada a essa valvulopatia. b) Valvuloplastia aórtica por balão Nos casos de estenose congênita, os resultados dos procedimentos são animadores. Todavia, nas situações em que a válvula está calcificada, os resultados são ruins. Seis meses após o procedimento, 50% dos pacientes perdem qualquer benefício alcançado (reestenose e piora clínica), sendo reservado, então, a casos em que a troca cirúrgica da válvula é contraindicada pelo risco cirúrgico. Em até 20% dos casos, há complicações como AVC, insuficiência aórtica e IAM. A valvuloplastia por balão é considerada classe IIb
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CARD I OLOG I A como ponte até a troca definitiva em pacientes hemodinamicamente instáveis, que são de alto risco cirúrgico. c) Troca valvar por angioaortografia Já existe disponível a técnica de troca valvar por via endovascular. Este procedimento é mais indicado para os pacientes com EA grave e alto risco da troca valvar cirúrgica.
E - Tratamento cirúrgico a) Troca de válvula aórtica A troca de válvula aórtica é indicada quando, na EA grave associada, há sintomas clássicos da doença, pois 50% dos pacientes morrem em 5 anos se não tratados com cirurgia. Quanto aos pacientes assintomáticos, a única indicação é para aqueles com estenose grave e disfunção ventricular (FE <50%). A nova válvula pode ser biológica ou mecânica. Os fatores mais relacionados a piores taxas de sobrevivência são ICC CF III e IV (NYHA) e FA no pré-operatório. b) Troca de válvula aórtica em doença avançada Geralmente, há recuperação marcante da fração de ejeção após a cirurgia. Ocorre, progressivamente, melhora da hipertrofia, da função contrátil e da fração de ejeção. c) Efeitos da idade Mesmo os pacientes mais idosos podem beneficiar-se da cirurgia. A troca valvar em pacientes acima de 65 anos
é uma das poucas condições da cirurgia cardíaca em que o procedimento cirúrgico iguala a mortalidade dos pacientes à da população em geral. Deve-se lembrar que não é a idade um fator que influencia os desfechos, mas a sintomatologia.
F - Prognóstico A história natural da EA é bem conhecida. Quando os sintomas surgem, a doença passa a ser fatal, com mortalidade de 75% em 3 anos. A sobrevida após o tratamento cirúrgico em 10 anos é de 75%, com maior benefício para os pacientes mais idosos.
2. Insuficiência aórtica As principais características da Insuficiência Aórtica (IA) são: - Após longo período sem sintomas, apresentação com insuficiência cardíaca ou angina; - Pressões sistólica elevada e diastólica reduzida, manifestando-se pelo aumento da pressão de pulso (PASIST – PADIAST); - Dilatação ventricular esquerda e hipertrofia com função preservada; - Diagnóstico e severidade avaliados por ecocardiograma ou angiografia.
Figura 4 - Fonocardiograma da insuficiência aórtica
A - Etiologia A IA pode ser causada por uma variedade de alterações que afetam as cúspides ou a via de saída aórtica (Tabela 1). A febre reumática continua a ser a principal causa da doença. Doenças que acometem a via de saída também são causas comuns de IA, como síndrome de Marfan, necrose cística da túnica média, dissecção de aorta e doenças inflamatórias. Mesmo na ausência de outra doença clínica, a Hipertensão Arterial Sistêmica grave (HAS) pode causar IA. Tabela 1 - Alterações que afetam a aorta ou a pós-carga Alterações da válvula aórtica - Endocardite, febre reumática; - Lúpus, artrite reumatoide; - Válvula mixedematosa, calcificação; - Trauma.
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Alterações da aorta - Sífilis, síndrome de Marfan; - Espondilite anquilosante; - Dissecção aórtica, trauma. Pós-carga aumentada - Hipertensão sistêmica; - EA supravalvar.
B - Fisiopatologia A apresentação clínica e os achados ao exame físico dos pacientes com IA dependem da severidade e da rapidez de instalação da lesão. Os efeitos hemodinâmicos do quadro agudo são completamente diferentes da apresentação crônica.
VALVULOPATIAS
Pela sobrecarga volêmica, acontece a dilatação ventricular esquerda progressiva, determinando hipertrofia que, temporariamente, mantém o débito cardíaco adequado. Com a lenta e progressiva piora da função diastólica e contrátil do ventrículo, há queda progressiva do débito cardíaco com o surgimento de insuficiência cardíaca. b) Insuficiência aórtica aguda Quando ocorre insuficiência valvar aguda, não há tempo para adaptação ventricular, determinando aumento da pressão hidrostática nas câmaras esquerdas, resultando em edema agudo de pulmão. A taquicardia e a vasoconstrição periférica reflexas determinam piora da IA.
C - Quadro clínico a) IA crônica Por um período prolongado, os portadores de IA crônica são assintomáticos. Palpitações são frequentes, e angina pode ocorrer por associação de doença coronariana. Quando acontece a insuficiência ventricular esquerda, surgem os sintomas de dispneia aos esforços e fadiga; nas fases mais avançadas, ortopneia e dispneia paroxística noturna. Ao exame físico, batimentos cardíacos visíveis são comuns, e o pulso apical está aumentado e desviado para baixo e para a esquerda. B4 pode ocorrer pela hipertrofia ventricular, e B3 pode ser identificada na insuficiência cardíaca. O sopro característico é leve, diastólico, decrescente, mais bem ouvido no 3º espaço intercostal ao longo da borda esternal esquerda, ao fim da expiração. Na presença de doença da via de saída da aorta, o sopro pode ser mais bem avaliado na borda direita esternal. Um sopro de ejeção pode estar presente na área aórtica, devido ao estado hiperdinâmico. Ocasionalmente, um sopro diastólico pode ser ouvido no ápice cardíaco, também chamado sopro de Austin-Flint. A pressão arterial sistólica está aumentada, em virtude do alto volume sistólico, e a diastólica, diminuída em razão do retorno de parte do volume sistólico injetado na aorta de volta para o ventrículo. Com a evolução da insuficiência cardíaca, estreitam-se as diferenças pressóricas. b) IA aguda A maior parte dos doentes é sintomática, e a apresentação clínica depende da causa de base da insuficiência. As causas mais frequentes são dissecção aórtica, endocardite infecciosa e trauma. Fraqueza, dispneia e ortopneia são comuns. O início dos sintomas é súbito, e o choque surge quando a IA não é tratada. Como não há tempo para adaptação do ventrículo esquerdo, os sinais periféricos de IA são ausentes. Estertores bilaterais são frequentes no exame pulmonar, e o pulso apical não está desviado. B3 pode estar presente, e o sopro diastólico típico é curto na duração e de difícil identificação, sendo habitual a não detecção.
D - Exames diagnósticos
- Eletrocardiograma: nenhum achado é específico; si-
nais de aumento do átrio esquerdo, hipertrofia ventricular esquerda e correntes de lesão (inversão da onda T e depressão do segmento ST) são encontrados nos quadros crônicos avançados. Arritmias, incluindo a taquicardia ventricular e extrassístoles ventriculares, podem ocorrer. Na apresentação aguda, taquicardia sinusal pode ser a única alteração. Nos casos de endocardite bacteriana, a inflamação ou a formação de abscesso pode acometer o nó atrioventricular, resultando em bloqueio progressivo atrioventricular; - Radiografia de tórax: os achados não são específicos e refletem o aumento da área cardíaca e da vascularização pulmonar. No quadro agudo, é frequente a congestão pulmonar, e pode haver alargamento da aorta ascendente na vigência de dissecção; - Ecocardiograma: é o método de escolha na avaliação da IA. Além de avaliar a gravidade, a técnica transesofágica pode identificar a etiologia. Ao Doppler, o fluxo anormal diastólico originado na válvula aórtica atribui alta sensibilidade e especificidade ao exame, mesmo na ausência de sopro audível. É de grande utilidade nos quadros agudos, em que a detecção clínica do sopro não é frequente. Alterações estruturais da válvula aórtica podem ser identificadas ao exame, como espessamento da válvula, calcificações, alterações congênitas, vegetações ou prolapso da válvula. Todas essas alterações podem ser vistas no exame transtorácico, porém a via transesofágica aumenta ainda mais a sensibilidade do exame em situações de difícil diagnóstico, como na endocardite ou na dissecção de aorta; - Cateterismo cardíaco: antes do ecocardiograma, era o exame de eleição para a avaliação da IA. Hoje, fica em plano secundário, principalmente para os casos com possibilidade de insuficiência coronariana associada. Também é útil no planejamento cirúrgico para correção de dissecção aórtica;
- Ressonância magnética: está indicada para avaliação
do refluxo e dos diâmetros cavitários nos casos em que o ecocardiograma é ineficiente; - Outros achados laboratoriais: podem auxiliar no diagnóstico da causa da IA. Leucocitose e VHS elevado sugerem causas inflamatórias, como endocardite ou aortite. Fator reumatoide positivo e anticorpos antinúcleo positivos sugerem doença reumatológica. A sorologia para sífilis também pode ser útil.
E - Tratamento O tratamento depende da causa de base, da função cardíaca e da presença ou não de sintomas. IA leve ou moderada geralmente não demanda tratamento específico, enquanto a IA aguda por dissecção da aorta é uma emergência médica.
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CARDIOLOGIA
a) Insuficiência aórtica crônica
CARD I OLOG I A a) Insuficiência aórtica aguda Quando não tratada, apresenta alta mortalidade. Geralmente, necessita de medidas agressivas de suporte, rápida abordagem da causa e aplicação de tratamento definitivo. Como o óbito por falência ventricular esquerda e choque é frequente entre esses pacientes, a despeito do tratamento intensivo, é indicada intervenção cirúrgica imediata. O nitroprussiato é a droga de escolha para determinar diminuição da pré-carga e da pós-carga. Agentes inotrópicos positivos, como a dobutamina, podem ser utilizados na vigência de baixo débito cardíaco e hipotensão. Quando há instabilidade hemodinâmica, o único tratamento definitivo é a cirurgia. O momento da cirurgia depende da causa e do grau de repercussão hemodinâmica. Na endocardite infecciosa com IA grave, prefere-se o uso por 7 a 10 dias de antibióticos previamente à troca valvar, quando a condição clínica do paciente permitir a espera. As indicações para a cirurgia de urgência, neste cenário, são insuficiência cardíaca classes III-IV, embolização sistêmica, bacteremia persistente, endocardite por fungos ou formação de abscesso perivalvar. b) Insuficiência aórtica crônica Nos quadros leves a moderados de IA em pacientes assintomáticos, o tratamento não é necessário. O seguimento clínico deve ser feito anualmente com o ecocardiograma. A profilaxia com antibióticos para endocardite deve ser aplicada a pacientes com anormalidades estruturais da válvula. Quando a febre reumática está associada, indica-se a profilaxia secundária. Qualquer evidência de hipertensão arterial deve ser prontamente tratada para não agravar o grau de insuficiência. Exercícios isométricos, esportes competitivos e esforço físico exacerbado devem ser evitados. Os quadros de IA moderada a severa sintomática com função ventricular normal devem ter a válvula substituída. Vasodilatadores, diuréticos e nitratos atenuam os sintomas enquanto se aguarda a cirurgia. É indicado o tratamento medicamentoso a pacientes assintomáticos para toda IA severa com dilatação de VE sem disfunção sistólica e IA de qualquer grau com hipertensão. Na IA sintomática moderada a severa com função ventricular diminuída, indica-se o tratamento cirúrgico, porém o risco cirúrgico é maior. Quanto aos casos para os quais a cirurgia é contraindicada por falta de condições clínicas, o tratamento medicamentoso deve ser mais agressivo.
As indicações para troca valvar na IA são:
- IA severa associada a quaisquer das situações a seguir: • Sintomas; • Disfunção ventricular (FE <50%); • Dilatação ventricular importante; • Paciente submetido a revascularização miocárdica cirúrgica/cirurgia de aorta/troca de outras valvas.
- IA moderada só deverá ser submetida a tratamento cirúrgico se o paciente já tiver indicação de outra cirurgia cardíaca ou de aorta proximal.
F - Prognóstico Pacientes assintomáticos com IA crônica têm evolução estável ao longo dos anos. Já os sintomáticos apresentam mortalidade acima de 10% ao ano. A taxa média de progressão para a cirurgia é de 4% ao ano, e o surgimento de sintomas é a maior indicação para o procedimento. A mortalidade associada a sintomas de dispneia aos esforços (classes II a IV de ICC) é de 20% ao ano. Quando ocorre a troca valvar, há redução da mortalidade com sobrevida em 5 anos de 85%.
3. Estenose Mitral (EM) A - Características
- Dispneia de esforço, dispneia paroxística noturna, ortopneia e cansaço em fase mais tardia;
- Estalido de abertura, B1 hiperfonética, sopro diastólico ruflante;
- ECG com aumento do átrio esquerdo ou FA; hipertrofia ventricular direita em estágios mais tardios;
- Radiografia de tórax com sinais de aumento do átrio esquerdo e ventrículo esquerdo normal;
- Ecocardiograma com válvulas com restrição de mobili-
dade, área orificial valvar reduzida demonstrada pelo ecocardiograma e gradiente transmitral elevado demonstrado pelo Doppler.
Figura 5 - Fonocardiograma da insuficiência mitral (SMD – sopro mesodiastólico)
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B - Introdução A válvula mitral permite a passagem de grande quantidade de sangue do átrio esquerdo para o ventrículo esquerdo. A área seccional da válvula é de 4 a 6cm2. Surge o gradiente de pressão transvalvar assim que a área valvar cai para menos de 2,5cm2, quando, então, a pressão atrial esquerda começa a elevar-se, determinando congestão pulmonar. A principal causa de EM é o acometimento da válvula por Febre Reumática (FR), com predomínio em mulheres (65% dos casos), apesar de 50% dos pacientes não apresentarem história prévia da doença. Outras causas são extremamente raras. Tabela 2 - Diagnósticos diferenciais de estenose mitral - Mixoma atrial; - Disfunção de prótese valvar; - Trombo; - Neoplasia; - Grande vegetação bacteriana ou fúngica.
A FR pode produzir, na fase aguda, uma pancardite. Corpos de Aschoff no pericárdio são muito específicos da FR. O acometimento da válvula mitral é a regra, podendo ocorrer, também, o espessamento das comissuras, cúspides e da cordoalha. A fibrose e a calcificação dos folhetos podem estender-se até o anel valvar. Com a progressão da estenose, surge o gradiente transvalvar através da válvula estenosada associada à contração atrial.
C - Quadro clínico a) Sinais e sintomas
truturais que predispõem à ocorrência de fibrilação atrial e, portanto, maior risco de eventos embólicos. Nos pacientes em ritmo sinusal, a idade, a presença de trombo atrial, a área valvar mitral e a presença de significativa IA são fatores que predizem maiores riscos de evento embólico. Os pacientes ainda têm risco aumentado para desenvolver endocardite infecciosa. Rouquidão, apesar de rara, pode ocorrer (sinal de Ortner) por compressão do nervo laríngeo recorrente pelo átrio esquerdo aumentado ou pela artéria pulmonar dilatada. Hemoptise pode acontecer por hipertensão venosa pulmonar, podendo surgir de forma súbita, e é possível que dor torácica decorra da hipertensão pulmonar e da hipertrofia do ventrículo direito. b) Exame físico O estado geral dos pacientes é frequentemente inalterado, no entanto, a insuficiência ventricular direita pode determinar pulso jugular elevado com ondas A e V proeminentes. O pulso apical é, em geral, normal ou diminuído por função ventricular esquerda preservada e baixa pressão de enchimento. Em decúbito lateral esquerdo, um murmúrio diastólico pode ser notado e exacerbado por expiração profunda, e sua intensidade tem relação com o gradiente transvalvar. A 1ª bulha é hiperfonética, com estalido de abertura e sopro diastólico perto do ápice cardíaco. No início da doença, apenas uma B1 hiperfonética pode ser percebida. Com a evolução da doença, a hiperfonese desaparece.
D - Exames diagnósticos
- Eletrocardiograma: na fase precoce da doença, tem pouca utilidade por ser usualmente normal. Na progressão da doença, surge o aumento da onda P (onda P larga e geralmente com entalhe no ápice – forma de M), e vários pacientes evoluem para FA. Com a piora da HP, ocorrem o desvio do eixo para a direita e onda R maior do que S em V1;
No início, os pacientes são, em geral, assintomáticos. É estimado que o prognóstico piore muito quando os sintomas se iniciam, pois a progressão de sintomas leves até a disfunção severa, em média, acontece apenas 7 a 9 anos depois. Em condições que aumentam o débito cardíaco, há aumento do gradiente transvalvar, com elevação da pressão do átrio esquerdo. A congestão pulmonar subsequente, desencadeada por exercício, hipertireoidismo, gravidez, fibrilação atrial e febre, determina a dispneia. Em virtude do aumento do retorno venoso na posição supina, podem ocorrer a pacientes com doença moderada: ortopneia e dispneia paroxística noturna. Com a progressão da doença, a pressão da artéria pulmonar aumenta, elevando, propor- Figura 6 - ECG demonstrando onda P ampla e achatada (sugerindo hipertrofia atrial esquerda) e extrassístoles ventriculares isoladas em mulher de 40 anos, com queixa cionalmente, a pressão capilar pulmonar. A inflamação reumática valvar pode também de palpitações e dispneia aos esforços; a ausência de sinais de sobrecarga ventricuestender-se aos átrios, causando alterações es- lar esquerda reduz a chance de IC sistólica, reforçando a possibilidade de EM
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CARDIOLOGIA
VALVULOPATIAS
CARD I OLOG I A - Radiografia
de tórax: o exame da silhueta cardíaca permite identificar o aumento do átrio esquerdo (Figura 7) por meio do sinal do duplo contorno na borda cardíaca esquerda associada à elevação do brônquio principal esquerdo e à compressão esofágica na incidência posterior. O aumento do ventrículo direito pode ocupar o espaço retroesternal.
Figura 8 - (A) Aumento do átrio esquerdo evidenciado por contraste e (B) calcificação da válvula mitral
- Ecocardiografia: é o principal exame na avaliação da
Figura 7 - Anatomia do coração com válvula mitral anormal, mostrando aumento de átrio esquerdo
A avaliação da árvore pulmonar pode evidenciar hipertensão pulmonar com proeminência das artérias pulmonares e cefalização do fluxo pulmonar. Linhas A e B de Kerley podem acontecer por transudação.
EM, por demonstrar alteração da movimentação dos folhetos valvares, alteração das comissuras valvares, avaliação da área valvar e avaliação da repercussão hemodinâmica. É utilizado para determinar o escore de Wilkins-Block que ajudará na decisão terapêutica entre valvoplastia por balão ou necessidade de cirurgia aberta; - Cateterização cardíaca: a avaliação indireta das pressões das câmaras esquerdas através do cateter de Swan-Ganz permite melhor julgamento da repercussão da EM. Está indicada apenas aos casos em que os exames não invasivos são inconclusivos ou quando há discrepância entre o resultado dos exames e a clínica apresentada pelo paciente.
E - Tratamento a) Tratamento clínico A profilaxia primária envolve o tratamento adequado das infecções por estreptococo do grupo A. O tratamento iniciado dentro de 7 a 9 dias após o evento infeccioso pode prevenir a FR. A profilaxia secundária de novas crises impede a progressão da EM e deve ser realizada, com penicilina G benzatina de 21/21 dias, de acordo com a Tabela 3: Tabela 3 - Recomendações para o tempo de prevenção secundária a FR segundo diretriz para manejo de FR da Sociedade Brasileira de Cardiologia de 2009 Categoria
Duração
Até 21 anos ou 5 anos após FR sem cardite prévia o último surto, valendo o que cobrir maior período
120
Nível de evidência I-C
VALVULOPATIAS
Duração
Nível de evidência
FR com cardite préAté 25 anos ou 10 anos após via; IM leve residual o último surto, valendo o ou resolução da leque cobrir maior período são valvar
I-C
Lesão valvar residual Até os 40 anos ou por toda moderada a severa a vida
I-C
Após cirurgia valvar
I-C
Por toda a vida
Pacientes com EM têm risco aumentado para endocardite bacteriana, sendo indicada profilaxia para certos procedimentos, como extração dentária. O manuseio clínico da EM entre os pacientes em ritmo sinusal é limitado. O uso de diuréticos e restrição sódica é indicado aos casos de congestão pulmonar. Digitálicos em pacientes com ritmo sinusal não agregam benefício, exceto na presença de disfunção ventricular. Beta-bloqueadores podem, significativamente, diminuir o débito cardíaco e a frequência, determinando queda do gradiente transvalvar. Apesar de lógica, a terapia com tal grupo de drogas aponta resultados conflitantes, ficando reservados para pacientes sintomáticos aos esforços. Anticoagulação é benéfica a casos com ritmo sinusal e evento embólico prévio ou portadores de átrios maiores que 55mm ao ecocardiograma (classe IIb). Quando há a associação de EM e FA, o tratamento oferece maiores benefícios por controlar o risco de eventos embólicos. A FA é mal tolerada nesses doentes por haver a perda do enchimento ventricular esquerdo com a sístole atrial e o aumento da frequência cardíaca. O controle da frequência pode ser atingido com o uso de beta-bloqueadores, digital ou bloqueadores de canais de cálcio. A cardioversão elétrica ou química deve ser aplicada com anticoagulação adequada. O uso de antiarrítmicos, como a amiodarona, após a reversão a ritmo sinusal, previne novo evento de FA em aproximadamente 70% dos pacientes por ano de reversão da arritmia. Aos pacientes que não mantêm ritmo sinusal, é indicada a anticoagulação. b) Valvulotomia mitral com balão Permite a separação e a fratura dos pontos de calcificação na válvula. Além disso, é recomendada aos pacientes sintomáticos ou assintomáticos com hipertensão pulmonar, estenose moderada a severa (área valvar <1,5cm2), anatomia adequada determinada pelo ecocardiograma (escore de Wilkins-Block ≤8), sem trombo atrial ou refluxo mitral moderado a importante (minoria dos pacientes). Antes de realizar a valvotomia por balão, deve-se assegurar que não exista trombo no átrio esquerdo, que é uma contraindicação ao procedimento pelo risco de embolização sistêmica. c) Tratamento cirúrgico Há 3 opções cirúrgicas terapêuticas para EM: comissurotomia fechada, aberta e troca por prótese valvar. A substituição valvar é indicada a pacientes muito sintomáticos e
área valvar <1,5cm2. Também se recomenda intervenção a assintomáticos com EM severa (área valvar <1,5cm2) com PAPs >50mmHg em repouso ou >60mmHg ao exercício.
F - Prognóstico A história natural da EM mudou em virtude das opções terapêuticas utilizadas. A FR ainda é motivo de preocupação, e os pacientes se tornam sintomáticos após 16 anos do início da doença. Entre eles, 84% morreram por causa cardíaca ocasionada por insuficiência ventricular direita, edema pulmonar refratário, fenômenos tromboembólicos, endocardite, infarto do miocárdio e morte súbita. Com a progressão dos sintomas moderados para severos, o prognóstico piora rapidamente. Com o tratamento clínico angiográfico e cirúrgico, é possível a melhor evolução da doença.
4. Insuficiência mitral As principais características da Insuficiência Mitral (IM) são: - Dispneia ou ortopneia; - Sopro sistólico apical; - Refluxo valvar mitral do ventrículo para o átrio ao ecocardiograma.
Figura 9 - Fonocardiograma da insuficiência mitral (SPS – sopro protossistólico)
A - Introdução Qualquer alteração que cause dilatação ventricular esquerda pode determinar o desalinhamento dos músculos papilares, prejudicando a sua função e dilatando o anel valvar, causando a IM. O infarto miocárdico envolvendo o músculo papilar ou a parede ventricular que o suporta pode determinar insuficiência pelo mesmo mecanismo. A ruptura da cordoalha valvar pode ocorrer, em especial, em pacientes com hipertensão ou prolapso valvar mitral. As doenças mais comuns que determinam a IM são a doença reumática cardíaca e a degeneração mixedematosa do prolapso valvar. A endocardite pode destruir os folhetos valvares, e a calcificação do anel valvar, prejudicar a contração sistólica do anel, causando IM. A dilatação atrial esquerda de qualquer causa também pode determinar a IM (Figura 10). Alguns casos apresentam vários desses fatores concomitantemente.
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CARDIOLOGIA
Categoria
CARD I OLOG I A A IM pode ser dividida em causas orgânicas ou funcionais, como mostra a Tabela 4. As causas orgânicas usualmente acometem a válvula diretamente, enquanto as causas funcionais têm origem atrial e deixam a válvula intacta.
Figura 10 - Representação da insuficiência mitral
Tabela 4 - Causas orgânicas e funcionais de IM Causas orgânicas de IM - Degeneração mixedematosa (Prolapso Mitral – PM); - Febre reumática; - Endocardite infecciosa; - Ruptura espontânea de corda tendínea; - Trauma cardíaco. Causas funcionais de IM - Insuficiência coronariana; - Cardiomiopatia hipertrófica ou dilatada; - Dilatação atrial esquerda.
Na IM crônica, a forma mais comum de apresentação, a IM piora progressivamente de acordo com a evolução da doença de base. Nessa situação, o miocárdio é apto a adaptar-se ao refluxo valvar, sendo que o aumento da pressão atrial esquerda determina dilatação atrial, acompanhada de hipertensão pulmonar subsequente. Como o volume de refluxo atrial retorna para o ventrículo na diástole conjuntamente com o volume sistólico normal atrial, há sobrecarga ventricular esquerda que evolui com miocardiopatia ventricular dilatada hipertrófica excêntrica. Inicialmente, não há impacto clínico, pois o ventrículo é capaz de compensar a sobrecarga. Com a progressão da IM, a dilatação ventricular sofre desadaptação, e a insuficiência cardíaca se manifesta. A apresentação clínica da IM aguda é diferente, pois não há tempo para a adaptação ventricular, geralmente ocorrendo congestão pulmonar aguda por aumento das pressões atriais e pulmonares. O ventrículo esquerdo também
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não se adapta ao regime de pré-carga elevada, entrando em falência. A descompensação aguda de IM crônica também é possível.
B - Quadro clínico a) Sintomas e sinais Na IM crônica, a história em geral sugere a causa, frequentemente FR, insuficiência coronariana ou miocardiopatia. O sintoma mais comum da IM crônica é a dispneia progressiva, inicialmente aos esforços, progredindo para dispneia paroxística noturna e ortopneia. Também pode ocorrer edema periférico, assim como fibrilação atrial, gerando queixa de palpitação ou outros distúrbios de ritmo. Pode haver, ainda, dor torácica atípica e até crises de pânico. A IM aguda geralmente é acompanhada de congestão pulmonar exacerbada e súbita, com dispneia acentuada. b) Exame físico
- IM crônica: nessa situação, a frequência cardíaca pode
estar aumentada por FA ou insuficiência cardíaca. O pulso carotídeo, em geral, é curto e de baixa amplitude. A avaliação da pressão arterial mostra a PA pinçada. Sinais de insuficiência cardíaca podem estar presentes (edema periférico, ritmo de galope, congestão pulmonar), e o aumento do ventrículo esquerdo pode gerar intensificação do pulso apical. A 1ª e a 2ª bulhas são normais na vigência de hipertensão pulmonar, e a 3ª bulha pode ser comumente observada devido à sobrecarga volêmica, mas não necessariamente ca-
racteriza insuficiência cardíaca. Já a 4ª bulha é rara. O sopro característico é holossistólico e mais bem observado no ápice cardíaco com irradiação para a axila. No PM, o sopro pode ser “em crescendo” e tardio na sístole, acompanhado de estalido mesossistólico de abertura; - IM aguda: os achados de exame físico são mais variados. Com o aumento agudo da pressão do átrio esquerdo, há equalização das pressões entre as câmaras, determinando queda do gradiente de pressão transvalvar. Surge, então, um sopro sistólico precoce e não mais holossistólico, característico da disfunção crônica da IM. A congestão pulmonar, invariavelmente, acompanha o quadro, podendo haver sinais de insuficiência cardíaca direita; - Doença valvar mista: pacientes com IM de etiologia reumática habitualmente podem apresentar um componente de insuficiência e estenose mitral (dupla lesão valvar) ou vir acompanhada de outra lesão valvar, como a IA. O curso clínico da dupla lesão valvar é semelhante ao curso da IM, e o tratamento é semelhante. A IA pode ocorrer tanto por dilatação ventricular como por acometimento direto da doença de base sobre a válvula. Nessa situação, há piora da sobrecarga ventricular, e a evolução para insuficiência cardíaca se acelera. c) Exames diagnósticos - Eletrocardiograma: a IM crônica pode vir acompanhada de sinais de sobrecarga ventricular esquerda, aumento do átrio esquerdo e, mais raramente, de sobrecarga ventricular direita. Pacientes com insuficiência coronariana podem apresentar isquemia miocárdica. O teste de esforço pode ser utilizado para definir a classe funcional do paciente, perdendo sensibilidade para diagnóstico de doença coronariana em virtude da sobrecarga ventricular já existente; - Radiografia de tórax: em casos de IM crônica, há o aumento do ventrículo e do átrio esquerdos. Nos quadros severos, podem-se identificar o aumento do ventrículo direito e hipertensão pulmonar. Além disso, podem ocorrer sinais de congestão pulmonar e derrame pleural. Já na IM aguda, há poucos sinais de sobrecarga ventricular; - Ecocardiograma: o Doppler permite a identificação do refluxo sistólico pela válvula mitral para o átrio esquerdo, confirmando o diagnóstico, além de poder graduar a severidade da lesão. Permite, também, a avaliação anatômica da válvula para definir onde ocorre o defeito que possibilita o refluxo. A avaliação do tamanho do átrio e do ventrículo esquerdos também possibilita estimar a gravidade da lesão. Curiosamente, a IM de intensidade leve ao ecocardiograma não está relacionada ao achado de sopro ao exame físico. Um
dado muito importante de estudos recentes mostra que mesmo pacientes assintomáticos sem tratamento devem realizar ecocardiograma. Nesses casos, um orifício valvar >40mm2 associa-se a maior mortalidade. - Medicina nuclear: a avaliação por cintilografia mostra a estimativa da fração de ejeção que reflui para o átrio esquerdo, permitindo avaliar o quanto do volume sistólico efetivo é atribuído ao volume que reflui para o átrio. Tal fração do volume sistólico está relacionada com o prognóstico. A avaliação de isquemia miocárdica por cintilografia também auxilia no manuseio da IM. No entanto, o exame angiográfico para a confirmação do diagnóstico de insuficiência coronariana é o indicado, também, para a definição desse diagnóstico; - Cateterismo cardíaco: raramente necessário, é mais utilizado para investigação de insuficiência coronariana e avaliação do risco cirúrgico envolvido na correção da IM. Também permite a avaliação das pressões do sistema, identificando hipertensão pulmonar.
C - Diagnóstico diferencial Como a manifestação clínica da IM é comum a outras patologias, o exame físico passa a ser de grande importância para o diagnóstico diferencial. O sopro da Insuficiência Tricúspide (IT), por exemplo, pode ser percebido no ápice cardíaco, em especial se há aumento do ventrículo direito. O diagnóstico diferencial inclui o achado de aumento do sopro com a inspiração, ondas V amplas no pulso jugular, desvio de ventrículo direito e fígado pulsátil. Ambos os sopros, da IT e da IM, podem coexistir se há hipertensão pulmonar associada à IM. Nesse caso, o sopro da IT é mais bem percebido nos bordos esternais direito e esquerdo, e o sopro mitral, da IM, no ápice cardíaco. O sopro da EA é frequentemente confundido com a IM, especialmente quando o sopro desta é atípico e se irradia para a região aórtica. O sopro da EA, em geral, irradia-se para a região cervical e é comumente acompanhado de B4, e não há mudança dinâmica do sopro com a inspiração. Outra forma de diferenciar os 2 sopros é a inalação de almitrina, potente vasodilatador, que potencializa o sopro aórtico e suaviza o sopro mitral. Um defeito no septo ventricular pode simular o sopro da IM. O paciente com esse defeito tem aumento do ventrículo direito, e frêmito pode ser palpado na caixa torácica. O sopro da Cardiomiopatia Hipertrófica (CH) pode ser confundido com o da IM, e o maior achado que diferencia tais sopros são a piora do sopro da CH na manobra de Valsalva e a diminuição do sopro da IM com essa mesma manobra. O sopro do PM pode ser de difícil diferenciação do sopro da CH, pois ambos se comportam da mesma forma nas manobras propedêuticas de diferenciação. No PM, em geral há estalido mesossistólico, enquanto é perceptível
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CARDIOLOGIA
VALVULOPATIAS
CARD I OLOG I A a hipertrofia ventricular esquerda na palpação do tórax e B4, na CH. O grande diagnóstico diferencial da IM aguda é o Defeito de Septo Ventricular (DSV) porque a maioria acontece na vigência do infarto do miocárdio. O frêmito palpável e o aumento do ventrículo direito são mais comuns. Outro sinal importante é que a dispneia no DSV é menor do que na IM.
D - Tratamento a) Tratamento farmacológico Os vasodilatadores são úteis na IM aguda (de preferência, os parenterais) para diminuir a pressão de aorta e a impedância, favorecendo o esvaziamento ventricular e reduzindo o volume de refluxo para o átrio. A diminuição do tamanho das câmaras dilatadas também favorece a melhora do débito cardíaco. Podem ser utilizados a hidralazina e o nitroprussiato de sódio. Quanto à IM crônica, o uso de medicações tem impacto duvidoso (a pós-carga não está aumentada nessas situações, e não há a necessidade de reduzi-la), e o grupo que parece ter benefício é o de pacientes com IM secundária à disfunção do ventrículo esquerdo. Em todo caso, terapia vasodilatadora está indicada a todo paciente sintomático ainda não candidato à cirurgia. Pacientes com disfunção valvar leve ou moderada não se beneficiam dessas medicações em termos de mortalidade, e, nos quadros graves, é melhor o tratamento cirúrgico. b) Digoxina É útil na FA para controle da frequência cardíaca, já o benefício dos pacientes com IM e ritmo sinusal é incerto. c) Anticoagulação oral É indicada a pacientes com FA e EM concomitante. Quanto aos indivíduos com disfunção valvar moderada a severa, aumento do ventrículo e átrio esquerdos e que estejam em ritmo sinusal com função ventricular normal, o benefício da anticoagulação é incerto. d) Profilaxia com antibióticos Todos os pacientes com IM necessitam de profilaxia para prevenir a endocardite bacteriana. A profilaxia secundária a pacientes com FR também está indicada. e) Tratamento cirúrgico Pessoas com disfunção aguda, severa ou descompensação da IM crônica severa necessitam de tratamento cirúrgico, caso as condições clínicas o permitam. Tais pacientes podem ser estabilizados com vasodilatadores e diuréticos. Na falha terapêutica das medicações, é indicado o balão intra-aórtico, pois determina redução da pressão sistólica do ventrículo esquerdo e reduz a pressão diastólica da aorta, melhorando a contratilidade ventricular. A maioria dos doentes torna-se estável com tais medidas, permitindo o tratamento cirúrgico.
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Eventualmente, os pacientes com IM aguda ou crônica moderadamente severa necessitam de cirurgia. O momento certo para indicação cirúrgica é fundamental, pois os pacientes que desenvolvem sintomatologia intensa, dilatação ventricular, disfunção ventricular (FE menor que 30%) e hipertensão pulmonar não apresentam grande melhora após a cirurgia. Por outro lado, caso sejam operados mais cedo, é bem provável a recuperação para um quadro assintomático. As indicações para troca de valva mitral são, em resumo:
- IM severa sintomática associada a um dos seguintes fatores:
• IM aguda; • IM crônica sem disfunção ventricular (FE >30%) ou dilatação ventricular; • Se FE <30%, considerar se o mecanismo da insuficiência é realmente valvar e não secundário a cardiopatia de base.
- IM severa assintomática associada a um dos seguintes fatores:
• FE entre 30 e 60%; • Função ventricular preservada e FA recente; • Hipertensão pulmonar. A cirurgia para correção isolada de refluxos leves a moderados não deve ser indicada (classe III). O início de sintomas de insuficiência cardíaca também deve ser considerado na decisão do tratamento cirúrgico. Alguns pacientes ficam sintomáticos antes de desenvolverem alterações hemodinâmicas da IM. Outros fatores devem ser considerados na decisão do momento e do tipo da cirurgia (reparo da válvula ou substituição por material biológico ou metálico). Pacientes com ruptura da cordoalha, PM ou ruptura de músculo papilar podem ter a válvula corrigida, enquanto indivíduos com fusão da cordoalha, deformidades valvares acentuadas e endocardite infecciosa em geral necessitam de substituição da válvula. O reparo valvar é preferível por não necessitar de anticoagulação perene após a cirurgia, além de estar associado a melhor recuperação da função ventricular. Quando é necessária a troca da válvula, a função ventricular pode ser preservada, deixando intacto o sistema de cordoalhas. A escolha do material da válvula também influencia o tempo de cirurgia. As válvulas metálicas apresentam maior durabilidade, porém necessitam de anticoagulação perene. Já as biológicas podem ser utilizadas quando a longevidade da prótese não é uma preocupação (duração de cerca de 10 a 15 anos) ou quando tem de ser evitada a anticoagulação.
VALVULOPATIAS
E - Prognóstico
CARDIOLOGIA
A IM crônica tem evolução semelhante à IA e EM crônicas. A causa da IM influencia, também, o prognóstico; pacientes com causa isquêmica associada têm prognóstico pior, e a degeneração valvar mixedematosa tem o melhor prognóstico. Já o da lesão associada à FR tem posição intermediária. A ocorrência de endocardite muda o prognóstico, assim como a descompensação aguda de uma IM crônica. E é pior o prognóstico na IM aguda com edema pulmonar e sintomas severos.
F - Prolapso de válvula mitral O PM é a valvulopatia mais frequente e ocorre entre 10 e 15% da população e é patologia associada a complicações como endocardite, fenômenos embólicos, IC e necessidade de reparo cirúrgico. Também é causa de IM. É definido como a projeção de 1 ou mais folhetos da válvula em direção ao átrio esquerdo durante a sístole. Manifesta-se por um click mesossistólico seguido de sopro sistólico tardio, melhor percebido em ápice cardíaco de abertura. O diagnóstico definitivo é controverso, já que não há consenso sobre os critérios ecocardiográficos no método bidimensional. O tratamento do paciente assintomático é o seguimento. Naqueles com fenômenos cardioembólicos, a anticoagulação deve ser considerada, assim como a profilaxia da febre reumática nos portadores de PM.
5. Estenose tricúspide e insuficiência tricúspide - São características da Estenose Tricúspide (ET):
• Onda A proeminente e onda Y reduzida no pulso venoso jugular; • Sopro diastólico na borda esternal esquerda que aumenta com a inspiração; • Achados característicos ao ecocardiograma.
- São características da Insuficiência Tricúspide (IT):
• Onda V proeminente no pulso venoso jugular; • Sopro sistólico na borda esternal esquerda que aumenta com a inspiração; • Achados característicos ao ecocardiograma.
A - Introdução A frequência do acometimento valvar tricúspide (Figura 11) tem aumentado ao longo do tempo por haver associação direta ao uso intravenoso de drogas, de cateteres de longa permanência, dispositivos cardíacos implantáveis e pacientes imunossuprimidos.
Figura 11 - Alterações em válvula tricúspide
B - Etiologia e fisiopatologia A válvula tricúspide é composta por 3 folhetos de tamanho desigual (anterior >septal >posterior), e os músculos papilares não são tão bem definidos quanto os das câmaras esquerdas. A alteração de qualquer um dos componentes valvares pode determinar disfunção.
C - Insuficiência tricúspide A IT, em geral, ocorre por dilatação do anel valvar ou disfunção da musculatura papilar, sendo comumente uma insuficiência funcional. Na maioria das vezes, é causada por doença ventricular esquerda (doença mitral), porém alterações da vasculatura pulmonar ou do ventrículo direito podem determinar a disfunção. Quando a causa é reumática, quase sempre ocorre o acometimento valvar mitral associado, e a disfunção tricúspide é leve. A endocardite da válvula em geral acontece entre usuários de drogas intravenosas, e o Staphylococcus aureus é o agente mais comum, seguido de subtipos de Pseudomonas e Candida sp. É importante lembrar-se de etiologia fúngica quando a vegetação é grande, podendo causar obstrução do anel valvar. A perfuração ou a ruptura da cordoalha podem determinar insuficiência valvar. Tumores carcinoides são causas das raras doenças valvares pulmonares e/ou tricúspides. O prolapso de válvula tricúspide é visto, quase exclusivamente, em pacientes com PM, além de ser um componente frequente da anomalia de Ebstein. A IT de intensidade moderada pode complicar-se em até 25% dos casos de lúpus eritematoso sistêmico por hipertensão pulmonar. A endocardite de Libman-Sacks envolvendo a válvula tricúspide é muito menos comum. A síndrome antifosfolípide pode cursar com acometimento da válvula. Também pode surgir a IT como complicação tardia da troca de válvula mitral.
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CARD I OLOG I A D - Estenose tricúspide A ET é uma lesão incomum e usualmente acompanha a estenose mitral, tendo como principal causa a reumática. O acometimento isolado da válvula é raro. Pode ter etiologia congênita e surgir após tratamento com metisergida.
E - Achados clínicos a) Sinais e sintomas O reconhecimento clínico da doença é difícil e, em geral, obscurecido pela doença associada. Os achados mais frequentes são sintomas não considerados de origem cardíaca: dor abdominal, icterícia, perda de peso e inanição. As queixas cardiológicas, usualmente, estão associadas a outras disfunções valvares. Já a história, normalmente, é pobre, e o exame físico fornece mais dados para o diagnóstico. b) Exame físico
- Pulso venoso jugular: a pressão atrial direita pode
ser estimada por meio do pulso venoso jugular. Há 3 ondas (A, C, V) ascendentes e 2 (X e Y) descendentes. A onda A e a 1ª descendente (X) são produzidas, respectivamente, por contração e relaxamento atrial. A onda X é interrompida pela onda C, que é causada pela contração isovolumétrica do ventrículo direito com projeção em direção ao átrio, devido ao fechamento da valva tricúspide (alguns autores acreditam que a onda C se relaciona à transmissão de pressão do pulso carotídeo na sístole ventricular). A onda V representa o enchimento atrial passivo, estando a valva tricúspide fechada; o cume dessa onda corresponde à abertura da valva tricúspide, que acontece no momento do fechamento da valva pulmonar (2ª bulha). A doença valvar tricúspide é, tipicamente, associada ao aumento da pressão venosa central, que pode ser identificado através da análise do pulso jugular. Na IT, ocorrem uma onda mesossistólica S e uma onda Y proeminente (passagem rápida de todo sangue proveniente do retorno venoso somado ao sangue que refluiu do ventrículo direito na sístole devido à incompetência da valva tricúspide, levando a queda rápida da pressão atrial). Na ET, a onda A torna-se muito proeminente, e a Y muito discreta (o sangue encontra dificuldade de passar do átrio para o ventrículo direito).
A seguir, a Figura 12 demonstra as ondas do pulso venoso jugular normais e sua relação com o complexo QRS e o fonocardiograma.
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Figura 12 - Registro da onda pressórica do pulso venoso jugular e suas relações com o complexo QRS e o fonocardiograma
- Ausculta cardíaca da IT: quando o ventrículo direito é
muito dilatado, a localização do sopro pode ser deslocada para a esquerda, sugerindo IM. O aumento inspiratório do sopro holossistólico em foco tricúspide é a marca dessa disfunção valvar. Quando a insuficiência ventricular direita é marcante, pode não ocorrer aumento do sopro com a inspiração. Geralmente, não se palpa o frêmito cardíaco; - Ausculta cardíaca da ET: um estalido de abertura da válvula tricúspide é de difícil diferenciação com relação ao estalido de abertura da válvula mitral. O sopro da ET aumenta com a inspiração, pode ser mais bem avaliado na borda esternal esquerda e, geralmente, é rude. Ambas as disfunções valvares podem determinar disfunção hepática pelo aumento da pressão venosa no território da cava inferior.
F - Exames diagnósticos a) Eletrocardiograma Ondas P características de aumento atrial direito sem evidência de sobrecarga ventricular direita sugerem ET, e a FA é frequente. b) Radiografia de tórax A cardiomegalia ocorre na ET com uma borda cardíaca direita proeminente em virtude do aumento do átrio direito e dilatação das veias cava superior e ázigo. Na IT, podem ocorrer derrame pleural e elevação do diafragma por ascite. c) Ecocardiograma Exame de escolha permite definir se existe associação entre outra doença, como o mixoma atrial, e a patologia primária da válvula. Na IT, o exame evidencia sobrecarga ventricular direita e movimentação paradoxal do septo, permitindo estimar o gradiente transvalvar. A válvula encontra-se espessada e com mobilidade diminuída na ET. d) Cateterismo cardíaco Na IT e na ET, é possível identificar ondas características que compõem o pulso venoso jugular.
VALVULOPATIAS
A IT é bem tolerada na ausência de hipertensão pulmonar; quando esta ocorre, surge a insuficiência ventricular direita. A restrição de sódio e o uso de diuréticos de alça diminuem a pressão do átrio direito. O tratamento da doença associada também é importante. A ET sintomática é tratada cirurgicamente com reparo ou troca da válvula por prótese biológica ou metálica. Já a correção cirúrgica da IT é de indicação mais difícil. Comumente, é indicada intervenção quando a valva mitral tem indicação de abordagem ou quando o paciente apresenta sintomas.
6. Insuficiência pulmonar e estenose pulmonar - São características da Insuficiência Pulmonar (IP):
• Sopro diastólico na borda superior esquerda esternal que aumenta com a inspiração; • Desdobramento de 2ª bulha, hiperfonética no foco pulmonar; • Achados ecocardiográficos característicos.
- São características da Estenose Pulmonar (EP) (Figura 13): • Sopro sistólico no 2º espaço intercostal esquerdo precedido de click sistólico; • Desdobramento de 2ª bulha, hipofonética em foco pulmonar; • Achados ecocardiográficos característicos.
repercussão clínica da IP é mínima, raramente necessitando de troca valvar. O acometimento reumático da válvula é raro. A EP é de origem congênita em 95% dos casos, e a forma adquirida da doença tem a doença cardíaca carcinoide como causa mais comum.
B - Sinais e sintomas Como na doença tricúspide, os sintomas da doença pulmonar podem ser súbitos e associados à doença de base. Pacientes com IP são frequentemente assintomáticos, exceto quando surge a HP, e indivíduos com EP também não apresentam sintomas; nestes casos, ocorrem dispneia, dor torácica e fadiga quando se eleva o gradiente transvalvar. Exame físico: - Pulso venoso jugular: onda venosa jugular – a presença de estenose pulmonar é sugerida por uma onda A proeminente na vigência de uma pressão venosa central normal; - Ausculta cardíaca: na IP, o componente pulmonar de B2 é usualmente hipofonético porque a maior parte dos doentes tem HP. Ritmo de galope e B3 podem ser encontrados na região paraesternal esquerda. Na ausência de HP, o sopro é de baixa frequência, diastólico, com padrão crescente-decrescente, mais bem avaliado no 3º ou no 4º espaço intercostal esquerdo. O sopro de Graham-Steel ocorre na região paraesternal esquerda entre o 2º e o 3º espaço intercostal, decrescente, indicando hipertensão pulmonar intensa. Na EP, a B2 se desdobra proporcionalmente ao grau de estenose. O sopro pode estar associado ao frêmito, e o pulso do ventrículo direito pode ser palpado.
C - Exames diagnósticos
- Eletrocardiograma: tanto a EP quanto a IP podem de-
Figura 13 - Representação de válvula pulmonar estenosada
A - Introdução A IP é frequente na vigência de hipertensão pulmonar, acontece por dilatação do anel valvar pulmonar e pode ser precipitada por qualquer causa de HP. Também são causas a dilatação idiopática do tronco pulmonar e a síndrome de Marfan. A endocardite bacteriana pode determinar IP por obstrução direta do anel valvar pela vegetação. Em geral, a
monstrar o aumento das câmaras cardíacas direitas. O bloqueio de ramo direito, o desvio do eixo para a direita e a hipertrofia ventricular direita são achados típicos. EP leve ou moderada habitualmente apresenta exame normal; - Radiografia de tórax: aumento não específico do ventrículo direito e das artérias pulmonares pode ser observado na EP; - Ecocardiograma: determina a natureza, o local e a severidade da estenose e da insuficiência. Além disso, identifica sinais de HP;
- Cateterismo cardíaco: desnecessário. D - Tratamento É raro que a IP necessite de tratamento específico; é melhorada com o tratamento de condições predisponen-
127
CARDIOLOGIA
G - Tratamento
CARD I OLOG I A tes, como a HP e a endocardite. A EP tem sido resolvida, com grande sucesso, por meio da valvoplastia por balão. O tratamento baseia-se na severidade da doença, e os pacientes com doença moderada e severa sintomática podem ser tratados por essa modalidade terapêutica.
E - Prognóstico Geralmente, é muito bom. Quanto a pacientes com IP, pode ser influenciado por fatores como a HP.
7. Resumo Quadro-resumo Estenose aórtica - Sintomas de angina, dispneia aos esforços, síncope de esforço, sopro sistólico ejetivo com irradiação para carótidas, pulso parvus e tardus; - Tratamento com diuréticos, digitálicos, e vasodilatadores, exceto IECA para EA grave e troca valvar ou valvoplastia por cateterismo. Insuficiência aórtica - Assintomático até palpitações e angina; evolução para IC com dispneia e ortopneia; PA diastólica mais baixa; - Sopro diastólico leve, decrescente no 3º EI; quando percebido no ápice cardíaco, é chamado sopro de Austin-Flint; - Segmento nos quadros leves e moderados; vasodilatadores, diuréticos e nitratos para controle dos sintomas, enquanto se aguarda a cirurgia para os casos mais sintomáticos. Estenose mitral - Dispneia ao esforço, ortopneia e dispneia paroxística noturna; - Estalido de abertura, B1 hiperfonética e sopro diastólico ruflante; - FA é frequente; - Diuréticos e restrição de sal na congestão; valvulotomia mitral com balão ou troca valvar. Insuficiência mitral - Dispneia progressiva, ortopneia, edema periférico; - Sopro sistólico apical; - Vasodilatadores, tratamento cirúrgico para descompensações de repetição.
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CAPÍTULO
14
Miocardites José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado
1. Critérios diagnósticos - Insuficiência cardíaca congestiva nova com história de
síndrome virótica antecedente; - Marcadores cardíacos alterados; - ECG com taquicardia sinusal, alterações não específicas de ST, arritmias atriais ou ventriculares ou alterações de condução; - Ecocardiograma com aumento de câmaras, discinesias de paredes ventriculares, deficiência sistólica ou diastólica ou trombo mural; - Biópsia de endomiocárdio com infiltrado inflamatório associado a dano de miócitos.
A - Definição
- Dano direto de miócitos pelo agente infeccioso; - Dano de miócito causado por uma toxina como a da
difteria pelo Corynebacterium; - Dano de miócito como resultado de reação imune induzida pela infecção. A hipótese de autoimunidade é a teoria mais amplamente aceita. Parece que a infecção viral determina uma resposta autoimune. São predispostos pacientes imunocomprometidos, como mulheres grávidas e pacientes com AIDS. A suscetibilidade para miocardite virótica também tem relação com idade mais avançada e história familiar. Tabela 1 - Causas de miocardites Causas infecciosas
A miocardite é definida como um processo inflamatório com necrose que envolve o miocárdio. Sua marca histológica é um infiltrado inflamatório localizado ou generalizado, com dano ao miócito adjacente. A inflamação pode não ser restrita ao miocárdio, mas pode envolver endocárdio adjacente, pericárdio e estruturas valvulares.
- Virais;
B - Etiologia
- Hepatite C;
Em geral, tem início com infecção viral (Tabela 1). Porém, o começo do processo patológico pode ser resultado de uma variedade de insultos, como drogas, toxinas, reações de hipersensibilidade, doenças vasculares do colágeno e reações autoimunes. O agente mais comum, associado à miocardite em indivíduos imunocompetentes, é o vírus coxsackie humano B. Outros vírus, bactérias, rickéttsias, espiroquetas, fungos, protozoários ou metazoários também podem levar a miocardite, todavia de forma rara. Foram propostos vários mecanismos de dano miocárdico:
- Coxsackie vírus B; - CMV; - Epstein-Barr; - Adenovírus; - HIV; - Rubéola; - Dengue; - Febre amarela; - Sarampo; - Varicela; - Bacterianas; - Sífilis; - Tuberculose; - Cocos Gram positivos;
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C ARD I OLOG I A Causas infecciosas - Hemófilo; - Clamídia; - Micoplasma; - Leptospirose; - Meningococo; - Micoses sistêmicas; - Protozoários; - Helmintíases; - Rickéttsias. Causas não infecciosas - Cardiotoxinas; - Catecolaminas; - Cocaína; - Metais pesados; - Álcool; - Arsênico; - Monóxido de carbono; - Antraciclinas; - Reações de hipersensibilidade; - Antibióticos; - Diuréticos; - Lítio; - Toxoide tetânico; - Clozapina; - Picada de insetos e cobras; - Doenças sistêmicas; - Colagenoses; - Sarcoidose; - Doença celíaca; - Doença de Kawasaki; - Hipereosinofilia; - Granulomatose de Wegener; - Tireotoxicose.
2. Sintomas e sinais A miocardite, em geral, é assintomática, sem evidência de deficiência orgânica ventricular esquerda. O envolvimento miocárdico pode ser obscurecido ou completamente mascarado pelos sintomas constitucionais da doença ou outra deficiência orgânica. Quando surgem os sintomas cardíacos, geralmente resultam da deficiência ventricular esquerda sistólica ou diastólica ou de taquiarritmias ou bradiarritmias. Dias ou semanas após uma doença febril aguda, particularmente uma síndrome influenza-like, surgem os sintomas de miocardite. No momento do diagnóstico, 60% dos pacientes com miocardite ativa descreveram uma síndrome virótica prévia. Sintomas constitucionais comuns incluíram febre,
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mal-estar, fadiga, artralgias, mialgias e erupção cutânea de pele. Desconforto torácico é um sintoma comum (35% dos casos) e tipicamente pericárdico em natureza; também pode haver dor isquêmica ou dor atípica. Ocasionalmente, os pacientes apresentam quadro compatível com infarto do miocárdio por dor torácica aguda, eletrocardiograma com alterações e isoenzimas cardíacas elevadas ou evidência de anormalidades de movimentos de paredes ventriculares esquerdas. Foram implicados arterite coronária virótica e vasoespasmo como as causas dessa síndrome; as artérias coronárias epicárdicas são, em geral, extensamente patentes. O início abrupto de sintomas de ICC em paciente jovem ou em paciente sem doença de artéria coronária conhecida frequentemente sugere o diagnóstico de miocardite. Podem estar presentes sintomas clássicos de IC, inclusive dispneia, cansaço e diminuição da tolerância ao exercício e palpitações. Tal constelação de sinais e sintomas pode ser indistinguível da miocardiopatia dilatada. Podem ocorrer morte súbita por arritmias ventriculares malignas ou bloqueio AV total e tromboembolismo pulmonar.
3. Exame físico Os resultados no exame físico variam bastante. As outras manifestações de uma doença viral dominam o quadro clínico, e o envolvimento miocárdico pode se tornar mais evidente no curso da doença. Doença cardíaca preexistente pode obscurecer os resultados de miocardite em exames. E taquicardia, hipotensão e febre são associadas à miocardite. A taquicardia pode ser desproporcional ao grau de febre. Raramente, é vista bradicardia, e uma pressão de pulso pinçada é encontrada ocasionalmente. Sopros de insuficiência mitral ou tricúspide são comuns, mas sopros diastólicos são raros; podem ser encontradas B3 e galopes de B4. Colapso circulatório e choque podem acontecer, mas raramente.
4. Exames diagnósticos A - Eletrocardiograma As mudanças são, com frequência, inespecíficas e aparecem, normalmente, nas primeiras 2 semanas da doença. A anormalidade mais comum é a taquicardia sinusal. Bloqueios de condução AV são possíveis, porém reversíveis, necessitando de marca-passo temporário. Extrassistolia ventricular pode ser o único sinal sugestivo.
B - Radiografia de tórax A radiografia de tórax pode ser normal ou apresentar cardiomegalia moderada com acometimento uni ou bicameral. A silhueta cardíaca também pode ser “em moringa” na presença do derrame pericárdico.
MIOCARDITES
Figura 1 - Derrame pericárdico na miocardite
C - Ecocardiografia A deficiência sistólica ventricular geralmente é vista em pacientes com IC. Anormalidades de movimento de paredes regionais que imitam um infarto miocárdico são surpreendentemente comuns, porém a hipocinesia global também pode acontecer. A cavidade ventricular esquerda pode ser normal em tamanho ou minimamente aumentada, mas pode estar notadamente aumentada na doença fulminante. Ecocardiografia também é útil em demonstrar anormalidades de enchimento diastólico. São obtidos ecocardiogramas geralmente seriados para avaliar o curso da doença. A insuficiência mitral ou tricúspide pode estar presente, e trombos murais acontecem em cerca de 15% dos casos.
D - Ventriculografia com radioisótopos Esta técnica oferece estimativas precisas de volumes de câmara, além de frações de ejeção esquerda e direita.
E - Imagem com gálio-67 Este é um método altamente sensível por identificar inflamação ativa do miocárdio e pericárdio. Infelizmente, sua utilidade técnica se encontra limitada, devido à sua falta de especificidade.
F - Cateterização cardíaca Não é executada habitualmente em todos os casos de miocardite, todavia pode auxiliar no diagnóstico diferencial quando a apresentação clínica sugere a síndrome coronariana aguda.
G - Biópsia endomiocárdica Padrão-ouro para o diagnóstico de miocardite, é um procedimento invasivo, embora envolva apenas morbidez mínima e desconforto. São obtidos de 4 a 6 fragmentos de tecido do lado direito do septo interventricular. Devido ao caráter focal e migratório das lesões, o exame apresenta sensibilidade de apenas 60%. Sua especificidade é de 80%.
A elevação do VHS está presente em por volta de 60% dos pacientes com miocardite ativa. Se elevado, o VHS pode ser útil monitorizando o curso da doença e a efetividade de terapia. A precisão desse teste pode ser afetada por congestão hepática coexistente ou hepatite; tais condições diminuem a síntese de fibrinogênio e reduzem o valor do VHS. Leucocitose moderada ocorre em, aproximadamente, 25% dos pacientes, juntamente com neutrofilia ou linfocitose e, ocasionalmente, eosinofilia, em especial em doenças parasitárias. A porcentagem de eosinófilos também pode aumentar na fase de recuperação de miocardite. A fração CPK-MB é elevada em quase 6% dos pacientes, nos quais o grau de elevação é proporcional aos danos dos miócitos. A troponina cardíaca é um marcador sensível e específico para dano de miócito na miocardite. A medida dos títulos de anticorpos de soro para vários vírus cardiotrópicos é útil para estabelecer exposição a tais agentes. Além disso, a recuperação viral só é normalmente possível durante a fase aguda da doença, quando está acontecendo a replicação ativa. Como essa fase não se associa ao dano virótico, é mínimo o rendimento diagnóstico de culturas de amostras miocárdicas obtido por biópsia de endomiocárdio. Sorologias para CMV, vírus Epstein-Barr e hepatite podem ajudar no diagnóstico. A técnica de PCR aplicada no material da biópsia pode ajudar a identificar um subgrupo de pacientes com miocardite linfocítica ativa que podem beneficiar-se do uso de imunossupressão com prednisona e azatioprina. A análise imuno-histoquímica na biópsia também pode fornecer tal informação, desde que se identifique um aumento na expressão do antígeno HLA.
I - Ressonância nuclear magnética Realizada com gadolínio, pode detectar edema no miocárdio e dano aos miócitos.
5. Tratamento Os pacientes com miocardite aguda suspeita devem ser hospitalizados e monitorizados de perto para evidência de piora da IC, arritmias, distúrbios de condução ou êmbolos. Repouso no leito é essencial, e devem ser interrompidas atividades que aumentam carga de trabalho cardíaco. Não há benefício comprovado de terapia antiviral nos casos específicos. Antipiréticos devem ser dados a pacientes febris, e analgésicos são úteis no controle da dor torácica e pleuropericárdica. O consumo de cigarros e álcool deve ser interrompido. Indivíduos com IC devem ser tratados com restrição de sódio e fluidos e administração de diuréticos, inibidores de conversão da angiotensina, beta-bloqueadores e espironolactona. Pessoas com doença fulminante que se manifesta como choque cardiogênico necessitam de vasodilatadores intravenosos e agentes inotrópicos, como dobutamina ou milrinona. Ocasionalmente, alguns casos podem ser refratários
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CARDIOLOGIA
H - Outros testes
C ARD I OLOG I A a medidas conservadoras e requerer balão intra-aórtico ou dispositivo de assistência ventricular esquerda. Como último recurso, o transplante cardíaco pode ser considerado a pacientes com miocardite aguda se todas as outras medidas falham e a sua condição piora rapidamente. Terapia de anticoagulação é indicada àqueles com êmbolos sistêmicos ou pulmonares ou trombos murais descobertos por ecocardiografia ou ventriculografia. Pacientes com miocardite ativa e até mesmo insuficiência ventricular esquerda moderada devem receber anticoagulação em virtude do aumento de eventos embólicos. Globulina hiperimune intravenosa foi sugerida como útil em alguns relatos, e a imunossupressão tem resultados desanimadores. O prognóstico da miocardite de células gigantes é muito ruim, e o imunossupressor pode ser útil. Outra situação para a qual a terapia imunossupressora pode ser indicada é a miocardite associada a doenças imunes subjacentes, como lúpus. Nas formas crônicas, bem como na miocardite por células gigantes idiopática, o tratamento definitivo é o transplante.
6. Prognóstico A maioria dos pacientes com miocardite tem doença autolimitada, assintomática e sem deficiência orgânica cardíaca residual. Pacientes sintomáticos têm um prognóstico ruim e podem recuperar-se espontaneamente a qualquer momento durante a doença, e o grau de disfunção ventricular pode estabilizar-se ou progredir para cardiomiopatia dilatada. Infelizmente, uma porcentagem significativa de tais indivíduos tem morte súbita. O prognóstico global é pobre, e a taxa de mortalidade cumulativa calculada em 5 anos, de cerca de 55%.
7. Resumo Quadro-resumo - IC de início recente associado a quadro viral prévio; - Marcadores de lesão miocárdica alterados; - ECG com alterações da condução AV, repolarização ventricular e arritmias atriais ou ventriculares; - Ecocardiograma com aumento de câmaras cardíacas e disfunção sistólica ou diastólica; - A lesão direta do miócito e a reação imunológica cruzada são explicações fisiopatológicas da miocardite; - A biópsia do miocárdio é o exame padrão-ouro para o diagnóstico; - Não há tratamento específico efetivo para a miocardite, ficando o tratamento da IC a estratégia mais adequada, enquanto se aguarda a resolução da miocardite.
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CAPÍTULO
15
Doenças do pericárdio José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado
1. Pericardites infecciosas A - Viral Provavelmente, a maior parte das pericardites idiopáticas tem como causa uma infecção viral não identificada. A possibilidade de etiologia viral é sugerida quando a pericardite acontece na ausência de outros fatores. Um quadro respiratório viral geralmente precede a pericardite, e os agentes virais mais comuns associados a ela incluem os vírus coxsackie B (o mais comum), coxsackie A e HIV. Apesar de vários vírus terem sido envolvidos na gênese da patologia, nenhum tratamento antiviral é recomendado.
B - Bacteriana A pericardite bacteriana pode ocorrer após uma cirurgia torácica ou como infecção por continuidade de focos mediastinais, pleurais, pulmonares, endocardite bacteriana ou bacteremia sistêmica. A extensão direta de uma pneumonia ou empiema por bactérias como Staphylococcus sp, pneumococo e Streptococcus é responsável pela maioria dos casos. A existência prévia de derrame pericárdico e de estados de imunossupressão são fatores predisponentes importantes. As manifestações clínicas mais comuns incluem febre, calafrios, suores noturnos, dispneia, dor pleurítica e atrito pericárdico. O desvio à esquerda no hemograma e o aumento da área cardíaca são achados frequentes. O eletrocardiograma, embora seja frequentemente normal, pode evidenciar alterações típicas da pericardite. Para o tratamento, é necessária drenagem pericárdica, apesar da concentração intrapericárdica de antibióticos ser efetiva. O tamponamento cardíaco pode ocorrer e evoluir
rapidamente com instabilidade hemodinâmica, podendo ainda determinar retardo diagnóstico por sobreposição do choque séptico. Devido a alta mortalidade (de 65 a 77%), a pericardite bacteriana deve ser vista como emergência médica.
C - Pericardite por tuberculose Nos pacientes imunossuprimidos, a tuberculose continua a ser uma causa de derrame pericárdico, principalmente quando há associação a infecção pelo HIV. Geralmente, ocorre sem quadro pulmonar evidente associado. Os sintomas podem ser não específicos ou insidiosos. Os achados são predominantemente sistêmicos, e o atrito pericárdico só é encontrado na minoria dos casos. Com frequência, ocorre o tamponamento, e há grande quantidade de líquido pericárdico. A restrição diastólica é complicação tardia por pericardite constritiva. A pesquisa direta do bacilo é positiva em apenas 1/3 dos casos, cujo diagnóstico acaba sendo firmado com base em reações cutâneas (PPD) e na história de exposição do portador ao bacilo. Níveis elevados de adenosina deaminase (ADA) no líquido pericárdico têm alta sensibilidade e especificidade diagnóstica. A cultura do líquido pericárdico e a identificação de granuloma em biópsia também confirmam o diagnóstico. Sem tratamento, a mortalidade ultrapassa 80% dos casos. O tratamento consiste no uso do esquema tríplice por, ao menos, 9 meses, associado a corticoides para diminuir a chance de pericardite constritiva. Um terço dos doentes necessita de pericardiectomia.
D - Síndrome da imunodeficiência adquirida A alteração pericárdica mais comum no portador do HIV é o derrame asséptico, que se resolve espontaneamente
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CARD I O LOG I A na maioria das vezes. O derrame pericárdico sintomático é comumente causado por uma variedade de agentes infecciosos oportunistas e neoplasias. Os mais comuns desses agentes são o Mycobacterium tuberculosis e o Mycobacterium avium intracellulare. Linfomas e sarcoma de Kaposi são neoplasias associadas.
2. Síndromes relacionadas a cirurgias A - Tamponamento cardíaco O tamponamento cardíaco é possível durante a recuperação pós-operatória, principalmente nas primeiras 24 horas. A parada súbita da drenagem deve chamar a atenção do cirurgião para a formação de coágulos. Na dúvida, o ecocardiograma é capaz de mensurar e avaliar a repercussão hemodinâmica do tamponamento.
B - Síndrome pós-pericardiotomia A síndrome pós-pericardiotomia ocorre em 30 a 40% dos pacientes, usualmente, durante as primeiras semanas de pós-operatório, cursando com febre, pleurite e pericardite. O diagnóstico é de exclusão, e o tratamento consiste na administração de Anti-Inflamatórios Não Hormonais (AINH).
C - Pericardite constritiva A pericardite constritiva ocorre raramente como uma complicação de cirurgia cardíaca, com incidência abaixo de 0,3%, podendo ser entre 3 semanas e 21 anos após a cirurgia. Pode ser abordada com corticoides e anti-inflamatórios, porém o tratamento definitivo é a pericardiectomia. - Pericardite actínica A intensidade da lesão é relacionada à dose, ao tempo de exposição e à intensidade de radiação aplicada. A lesão pode surgir ao longo da terapia ou um pouco mais tardiamente. O início dos sintomas pode ser tardio (até 1 ano após a exposição à radiação). A manifestação clínica varia desde o derrame pericárdico assintomático até o tamponamento cardíaco. Hoje, a radioterapia é uma causa importante de pericardite constritiva.
3. Outras causas de síndromes pericárdicas A - Trauma O derrame pericárdico hemorrágico traumático pode resultar de lesões penetrantes torácicas ou de uma variedade de ações iatrogênicas, como cateterização cardíaca, implantação de marca-passo e massagem cardíaca externa. A rapidez com que o líquido se acumula pode levar rapidamente à instabilidade hemodinâmica e determinar a morte do paciente.
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B - Doenças do tecido conectivo a) Artrite Reumatoide (AR) A pericardite tem sido encontrada em 50% das necrópsias de pacientes com AR. A manifestação clínica é bem mais rara, e pode haver o tamponamento em alguns casos, principalmente entre os pacientes com a forma nodular da doença. Em geral, a pericardite acompanha a pleurite e a artrite. b) Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) A pericardite é a complicação cardíaca mais comum no LES, geralmente na doença em atividade. Os achados clínicos e eletrocardiográficos são típicos do quadro de pericardite. Embora o tamponamento ocorra, a pericardite constritiva é rara. c) Esclerodermia O derrame pericárdico assintomático é encontrado em 40% dos pacientes. O prognóstico da pericardite é reservado, pois há pouca sintomatologia clínica até que o tamponamento cardíaco ocorra subitamente.
C - Infarto do miocárdio Evidências clínicas de pericardite podem ser encontradas em 7 a 20% dos pacientes na 1ª semana após o infarto, principalmente nos infartos transmurais. A anticoagulação no tratamento do infarto pode aumentar a chance de pericardite hemorrágica e tamponamento, enquanto a trombólise diminui o risco da pericardite. No entanto, quando esta é identificada, contraindica-se a trombólise. A síndrome de Dressler acontece após a 1ª e até a 6ª semana do IAM. O paciente pode apresentar febre, dor pleuropericárdica, fraqueza e evidência de derrame pericárdico. A síndrome contraindica a anticoagulação, pelo risco aumentado de pericardite hemorrágica, aumentando a chance de tamponamento. Parece haver sensibilização imune para as células miocárdicas durante a fase aguda do infarto, pois o anticorpo antimúsculo cardíaco já foi isolado na síndrome de Dressler.
D - Neoplasias Vários tumores malignos sólidos e hematológicos podem cursar com metástases pericárdicas. Geralmente, o diagnóstico oncológico já existe quando o paciente apresenta o quadro de derrame pericárdico maligno. Quando não há o diagnóstico etiológico do derrame, a apresentação com tamponamento, a ausência de resposta a AINH e o quadro clínico incessante ou recorrente aumentam a probabilidade de doença neoplásica. Raramente o tamponamento é a 1ª manifestação da neoplasia. O diagnóstico é definido pelo ecocardiograma e pelo exame citológico, que é positivo para células neoplásicas em 80% dos casos. A sobrevida dos pacientes depende do estadiamento da neoplasia associada, e o derrame pericár-
dico não tem muita influência sobre ela. O tratamento alivia a sintomatologia e previne a reincidência. A pericardiocentese promove alívio imediato dos sintomas. O tratamento com quimioterapia e radiação para tumores de mama, linfomas e leucemias pode ser usado para o controle do derrame. O uso de quimioterápicos intrapericárdicos também é efetivo, mas pode desencadear dor e febre. Por vezes, ainda é necessário tratamento cirúrgico com pericardiectomia.
E - Uremia Pacientes com insuficiência renal apresentam com frequência alterações pericárdicas, porém a incidência de pericardite urêmica tem diminuído com o passar do tempo. A pericardite urêmica ocorre dependendo do nível de creatinina e uremia e responde bem ao tratamento com diálise. O quadro clínico é bastante variável, e o paciente pode estar assintomático, apesar do grande volume do derrame. O atrito pericárdico também pode estar associar-se a essa condição.
F - Pericardite associada a drogas Várias medicações têm sido associadas à pericardite. Drogas que induzem à síndrome lúpus-like, como procainamida, hidralazina, difenil-hidantoína, reserpina, metildopa e isoniazida podem cursar com pericardite. A antraciclina pode determinar essa inflamação, e a metisergida, pericardite constritiva. Já o minoxidil se associa a pericardite e tamponamento.
G - Hipotireoidismo O derrame pericárdico, presente em cerca de 30% dos pacientes com mixedema, está relacionado à intensidade e à duração do hipotireoidismo, assim como ao aumento da pressão hidrostática e à diminuição da drenagem linfática. O acúmulo, geralmente, é lento, e o tamponamento, raro. O líquido pericárdico usualmente é amarelado e contém grande quantidade de colesterol.
4. Pericardite aguda A - Critérios diagnósticos
- Dor torácica central agravada por tosse, decúbito ou inspiração;
- Atrito pericárdico; - Alterações sugestivas ao ECG; - Derrame pericárdico; - São necessários, pelo menos, 2 desses achados para o diagnóstico.
B - Etiologia Com a estratégia diagnóstica padronizada, 80 a 90% das pericardites agudas têm como diagnóstico final etiologia
viral ou idiopática. Em alguns centros, a porcentagem de pacientes em que não se consegue definir uma etiologia específica pode chegar a 30 a 50%. Uma série de casos utilizando todo arsenal diagnóstico disponível para a definição etiológica da pericardite teve as seguintes etiologias como mais comuns: neoplásica (35%), autoimune (23%), viral (21%), bacteriana (6%), urêmica (6%), tuberculosa (4%) e idiopática (6%). No entanto, é importante ressaltar que esse é um estudo isolado conduzido em um país com perfil distinto do Brasil, o que influencia enormemente a prevalência das etiologias da pericardite.
C - Sintomas e sinais O sintoma primário da pericardite aguda é a dor torácica cuja localização, duração e intensidade são variáveis. A dor pode ser descrita como aguda ou difusa, localizada no precórdio ou na região do trapézio (sinal quase patognomônico da doença). Há aumento da dor com tosse, inspiração ou decúbito e alívio com a posição ortostática e com a projeção do tórax para frente (em “prece maometana”). Embora geralmente aconteça em 1 a 2 horas, a dor pode ser súbita. Sintomas virais prodrômicos são frequentes. É necessário separar os pacientes de alto risco, que precisam de internação imediata (eventualmente, em UTI), daqueles que podem ser acompanhados em ambulatório. São características de pacientes com alto risco de má evolução: - Início subagudo; - Febre e leucocitose; - Evidência de tamponamento; - Derrame pericárdico >2cm que não diminui após tratamento com AINH; - Imunodeprimidos; - Uso de anticoagulantes orais; - Trauma agudo; - Falência de resposta após 7 dias de AINH.
D - Exame físico Febre e taquicardia são comuns, assim como o atrito pericárdico (presente em até 85% dos casos na ausência de derrame). Como a posição pode alterar o atrito, o paciente deve ser examinado em várias posições.
E - Exames diagnósticos
- Eletrocardiograma: podem ser identificados 4 estágios
de alterações ao ECG (Tabela 1). No estágio I, as mudanças acompanham a dor torácica, e ocorre elevação difusa do segmento ST que se apresenta com concavidade para cima (diferentemente da isquemia miocárdica). A elevação é presente em todos os segmentos, exceto em aVR e V1, em que a depressão do ST está presente. As ondas T ficam apiculadas onde há elevação do ST. Nesta fase, é difícil a diferenciação entre
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CARDIOLOGIA
DOENÇAS DO PERICÁRDIO
CARD I O LOG I A pericardite e repolarização precoce. No estágio II que se segue normalmente após alguns dias, há normalização do segmento ST e achatamento das ondas T. No estágio III, as ondas T se invertem, e o segmento ST se normaliza, alterações que podem ser perenes. No estágio IV, após semanas ou meses, as ondas T se normalizam. Em cerca de 50% dos pacientes, é possível a identificação de todos os estágios; Tabela 1 - Alterações do ECG na pericardite aguda Estágio I
Alteração - Elevação de ST (concavidade para cima); - Ondas T apiculadas;
Duração Horas/dias
- Infradesnível de PR. II
- Normalização do ST; - Achatamento de T.
Dias
III
- Inversão de T.
Semanas
IV
- Normalização de T.
Meses
F - Tratamento O tratamento está associado à causa de base. Nos casos de pericardite idiopática, o tratamento com AINH normalmente elimina os sintomas em 24 horas, constituindo a droga de escolha. São recomendados os regimes com aspirina ou ibuprofeno por 3 a 4 semanas, com os quais os pacientes apresentam bom resultado em 87% dos casos. O uso associado de colchicina por até 3 meses aponta benefício ao reduzir, significativamente, a chance de recorrência do quadro e deve ser associado ao tratamento de pacientes com recidiva. Quando há falha terapêutica ou doença autoimune identificada, corticoides podem ser iniciados em altas doses (prednisona, 60mg/dia) por 1 ou 2 semanas, e a dose deve ser diminuída quando há redução dos sintomas. Quando utilizado como 1ª droga, está associado a maior risco de recorrência. Na maioria dos casos, o tratamento com AINH resolve o quadro sem sequelas; na minoria, a recorrência é possível dentro de semanas ou meses após o 1º episódio. As recidivas podem ser tratadas com novo curso de AINH, e, nos casos refratários, é útil a terapia imunossupressora. Em casos raros de refratariedade sustentada, a pericardiectomia tem sido indicada, embora seja habitualmente ineficaz.
5. Derrame pericárdico A - Critérios diagnósticos
Figura 1 - Alterações eletrocardiográficas na pericardite
- Outros testes: nos quadros virais ou idiopáticos, sinais
indiretos de inflamação como VHS elevado e hemograma alterado são comuns. Embora a radiografia de tórax não revele frequentemente nenhuma anormalidade em pericardite não complicada, pode revelar a evidência de derrame pericárdico.
Apesar de a ecocardiografia poder revelar um derrame pericárdico, sua ausência não exclui o diagnóstico. A cintilografia com gálio pode ser positiva. Ocorrem pequenas elevações de CKMB e troponina; esta última pode aparecer positiva na ausência de elevação da CKMB. A elevação da troponina relaciona-se à extensão de acometimento do miocárdio (miopericardite) e ao surgimento de alterações do segmento ST. Em geral, esses pacientes são jovens, do sexo masculino, com história recente de infecção e apresentam derrame pericárdico.
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Evidência de Derrame Pericárdico (DP) ao ecocardiograma. Esse tipo de derrame pode desenvolver-se como resultado de pericardite ou de qualquer agressão ao pericárdio parietal. Além disso, pode ser encontrado na ausência de pericardite em muitas situações clínicas, como uremia, trauma cardíaco ou ruptura de câmara, malignidade, AIDS e hipotireoidismo.
B - Achados clínicos a) Sintomas e sinais As manifestações clínicas de DP são relacionadas diretamente ao volume absoluto do derrame e à velocidade do seu acúmulo. Derrames pequenos raramente causam sintomas ou complicações. Quando o DP se desenvolve lentamente, mesmo grandes volumes de líquido (1 a 2L) não causam manifestações clínicas. Eventualmente, esses grandes derrames se manifestam com compressão de estruturas adjacentes, determinando tosse, dispneia, soluço, rouquidão, náusea ou sensação de plenitude gástrica. O acúmulo rápido, mesmo de pequenos volumes, pode determinar grande repercussão hemodinâmica. b) Exame físico Não há sinais e sintomas clínicos perceptíveis para DP de pequeno volume sem pressão pericárdica elevada. Aba-
famento das bulhas e som maciço à percussão torácica podem ser observados (líquido entre o pulmão e a caixa torácica – sinal de Ewart).
C - Estudos diagnósticos a) Eletrocardiograma O ECG pode ser completamente normal, e o DP de grande volume, determinar voltagem reduzida e alternância elétrica (voltagem de QRS alternante como resultado de um movimento oscilante do coração em relação ao plano frontal do ECG).
to das câmaras cardíacas, determinando queda do débito cardíaco. Pequenos volumes, como no trauma, podem determinar o TC pela rápida elevação da pressão intrapericárdica, assim como grandes volumes podem acumular-se no pericárdio com pressões normais, como no mixedema. O TC pode ser dividido em agudo (decorrente de trauma, rotura cardíaca ou de aorta ou complicação de intervenção terapêutica ou diagnóstica), subagudo (neoplásico, urêmico ou pericardite idiopática), regional (em geral, hematoma pós-pericardiotomia ou IAM) e variante de baixa pressão (habitualmente, ocorre em pacientes hipovolêmicos) (Figura 2).
b) Radiografia de tórax A radiografia de tórax pode demonstrar aumento na silhueta cardíaca combinada com áreas de oligoemia dos campos pulmonares. Acúmulos rapidamente progressivos podem determinar pequenas alterações ao exame. No acúmulo lento, ocorre a dilatação pericárdica definindo a imagem característica de “moringa” ao coração. O diagnóstico diferencial entre DP e aumento de área cardíaca pode não ser possível somente por meio do raio x. c) Ecocardiograma O ecocardiograma é o exame mais sensível e preciso no diagnóstico de DP. A efusão aparece como um espaço eco-livre entre o epicárdio em movimento e o pericárdio estacionário. A ecocardiografia pode identificar coleções tão pequenas quanto 20mL e demonstrar a distribuição homogênea ou loculada do DP. A quantificação do volume do derrame através de ecocardiografia não é totalmente precisa. DP de pequeno volume tende a ser visível apenas em regiões posteriores.
D - Tratamento O manejo do DP é determinado por seu tamanho, pela presença ou ausência de pressão intrapericárdica elevada e sua repercussão hemodinâmica e pela natureza da doença de base. Na maioria dos casos, o DP pequeno ou incidental não demanda nenhuma intervenção específica.
6. Tamponamento cardíaco A - Critérios diagnósticos
- Pressão venosa jugular aumentada com onda Y dimi-
nuída; - Pulso paradoxal; - Ecocardiograma mostrando colabamento atrial e ventricular; - Pressões diastólicas iguais em todas as 4 câmaras cardíacas. O Tamponamento Cardíaco (TC) acontece quando o aumento da pressão intrapericárdica impede o enchimen-
Figura 2 - Anatomia cardíaca normal e após tamponamento cardíaco
B - Quadro clínico a) Sintomas e sinais Pacientes com TC podem queixar-se de dispneia e desconforto torácico. Em casos mais severos, pode haver rebaixamento da consciência e sinais de débito cardíaco reduzido; o choque também pode estar presente. A pressão arterial sistêmica é tipicamente baixa, embora possa estar surpreendentemente normal. A pressão de pulso normalmente é diminuída. O paciente com TC é tipicamente taqui-
137
CARDIOLOGIA
DOENÇAS DO PERICÁRDIO
CARD I O LOG I A cárdico e taquipneico, embora a bradicardia seja possível em fases terminais de colapso hemodinâmico. b) Pulso paradoxal O termo representa certo exagero porque o pulso paradoxal compreende um excesso do declínio normal da pressão arterial sistólica que acontece durante a inspiração. Presente na maioria dos casos, é detectado pela avaliação cuidadosa dos sons de Korotkoff, através da liberação lenta da pressão no manguito do aparelho de pressão. É, também, definido como diferença de pressão entre os batimentos sistólicos ouvidos ao longo do ciclo respiratório do paciente (maior do que 10mmHg). O extremo da manifestação do pulso paradoxal é a ausência de pulso arterial palpável durante a inspiração do paciente. O pulso paradoxal não é essencial para o diagnóstico do TC. Além disso, pode estar presente em situações de aumento de pressão intratorácica, como em DPOC. Nos pacientes em ventilação mecânica com pressão positiva, pode ser observado o pulso paradoxal invertido.
b) Radiografia de tórax Nenhum sinal específico é identificado, e a área cardíaca pode ser normal. Os campos pulmonares com frequência apresentam oligoemia. Ocasionalmente, a imagem pode oferecer pistas de condições coexistentes importantes, como dissecção aórtica ou neoplasia. c) Ecocardiograma Trata-se do exame de eleição a todo paciente com suspeita de doença pericárdica. Confirma a presença de fluido pericárdico e pode evidenciar a presença de pressão intrapericárdica elevada. O sinal mais útil é o colapso diastólico do átrio e do ventrículo direito. Qualquer colapso das câmaras apresenta sensibilidade de 90% e especificidade de 65%. O exame é extremamente útil como guia na pericardiocentese. Quanto aos pacientes sem sinais de tamponamento no 1º exame, é recomendado um novo exame, conforme a evolução clínica.
c) Pressão venosa central A Pressão Venosa Central (PVC), ou pressão venosa jugular, é notadamente elevada, e o exame da onda de pulso venoso jugular revela amortecimento da queda da onda Y normal. Em pacientes com tamponamento de baixa pressão, a pressão venosa pode ser, na verdade, normal, ou apenas ligeiramente elevada.
C - Exames diagnósticos a) Eletrocardiograma Ocorrem as anormalidades de ECG descritas para TC e DP. O desenvolvimento de alternância do eixo elétrico quase sempre indica um DP com repercussão hemodinâmica.
Figura 4 - Derrame pericárdico determinando colapso parcial de átrio direito
d) Cateterização cardíaca No paciente com TC, a cateterização cardíaca revela um débito cardíaco reduzido e pressões de enchimento das câmaras cardíacas com valores de PVC, POAP e PAPd equalizados. O exame da forma de onda de pressão atrial revela a perda da descida da onda Y normal. A apresentação inicial hemodinâmica do tamponamento pode ser alterada por um estado concomitante de depleção de volume intravascular, situação chamada de TC de baixa pressão. Geralmente, a reposição volêmica determina o padrão hemodinâmico compatível com TC.
D - Tratamento
Figura 3 - Alternância de eixo elétrico ao ECG em paciente com derrame pericárdico volumoso
138
A drenagem do líquido pericárdico é a principal terapia, e o esvaziamento de pequenas quantidades (100 a 200mL) determina grande melhora clínica. A drenagem, em geral, é realizada por meio de pericardiocentese percutânea ou subxifoidiana. Esse procedimento é considerado de excelência quando guiado por ecocardiograma por ser barato, indicar o melhor local para esvaziamento e permitir a ava-
DOENÇAS DO PERICÁRDIO
é o espessamento fibrótico com calcificação do pericárdio, criando um envelope inelástico que impede o enchimento diastólico do pericárdio, sendo causa de insuficiência cardíaca com função sistólica preservada.
B - Achados clínicos a) Sintomas e sinais Muitos sintomas de PC são inespecíficos e estão relacionados à elevação das pressões de enchimento ventricular, determinando congestão venosa, manifestada por insuficiência cardíaca direita. Sintomas de insuficiência ventricular esquerda são muito menos frequentes. b) Exame físico O paciente pode ter uma distribuição corporal anormal, com aumento marcante do volume abdominal, ascite, hepatomegalia com pulsações hepáticas proeminentes, e outros sinais de insuficiência hepática são comuns. Pacientes com PC podem apresentar a ausência do sinal de Kussmaul (diminuição da pressão venosa jugular durante a inspiração). A pressão de pulso arterial pode ser diminuída ou normal, e o pulso paradoxal, presente em 1/3 dos casos. E a avaliação cardíaca pode revelar um som diastólico precoce (batimento pericárdico) que acontece ligeiramente mais cedo na diástole que a B3.
C - Exames diagnósticos a) Eletrocardiograma As alterações frequentes são baixa voltagem, inversão da onda T e onda P mitral. Pode ocorrer fibrilação atrial. b) Radiografia de tórax Figura 5 - Pericardiocentese
7. Pericardite constritiva
A área cardíaca pode ser pequena, normal ou aumentada. A presença de calcificação pericárdica é útil, confirmando o diagnóstico e sugerindo a tuberculose como causa.
A - Critérios diagnósticos
- Pressão venosa jugular com onda X acentuada e depressão de Y notadamente elevadas e sinal de Kussmaul;
- Batimento pericárdico; - Espessamento pericárdico em exame de imagem.
A Pericardite Constritiva (PC) pode desenvolver-se como o resultado de qualquer dano ou inflamação pericárdica. Entre as principais causas, as idiopáticas ou virais respondem por 42 a 49% dos casos, o pós-operatório de cirurgia cardíaca, por 11 a 37%, e a radioterapia, por 9 a 31%. A constrição tuberculosa é causa rara na maioria dos casos no mundo industrializado, mas permanece significativa em países subdesenvolvidos. Pode haver um período muito longo entre a agressão pericárdica e o surgimento da constrição com repercussão clínica. A base histopatológica da doença
Figura 6 - Raio x de pericardite constritiva
139
CARDIOLOGIA
liação das características do líquido pericárdico. Embora seja efetivo e seguro, pode haver complicações. A mais grave e comum é a perfuração cardíaca, tipicamente do ventrículo direito, em que o ecocardiograma pode diminuir esse risco. A presença de, pelo menos, 1cm de espaço eco-livre na região anterior ao coração foi recomendada como uma diretriz para o volume mínimo de fluido que deveria estar presente antes de realizar a pericardiocentese percutânea. A elevação do tronco do paciente também diminui o risco de acidente. Podem ser administrados fluidos intravenosos e vasopressores como medida transitória até que o procedimento possa ser executado. Em alguns casos, uma só pericardiocentese alivia o DP completamente, mas, na maioria, deve-se considerar a ideia de deixar um cateter pericárdico. A repetição do DP pode requerer remoção cirúrgica do pericárdio ou a criação de uma abertura entre o pericárdio e pleura de esquerda (janela pericárdica ou pericardiostomia).
CARD I O LOG I A a distinção entre tais causas. A cardiomiopatia restritiva é uma condição em geral causada por doenças que infiltram o miocárdio, como amiloidose, sarcoidose e hemocromatose. Ambas as situações clínicas se associam a enchimento diastólico diminuído, porém a fase diastólica alterada é diferente nas 2 condições. Ao contrário da PC, em que o enchimento diastólico é abruptamente interrompido de forma precoce na diástole, a miocardiopatia restritiva determina alteração do enchimento durante toda a diástole. O diagnóstico diferencial é de grande importância, pois a PC é tratável. Na persistência de dúvida diagnóstica, é necessária a toracoscopia para avaliação do pericárdio.
E - Tratamento Figura 7 - Tomografia de pericardite constritiva
c) Ecocardiograma O ecocardiograma pode demonstrar espessamento pericárdico, porém não descarta o diagnóstico quando não ocorre o achado. Pode ser útil elevando a suspeita de PC em paciente com insuficiência cardíaca esquerda com função sistólica ventricular preservada e tamanhos de câmaras cardíacas normais. d) Cateterização cardíaca A cateterização cardíaca pode ajudar a estabelecer o diagnóstico correto e confirmar a pressão diastólica elevada e igual em ambos os ventrículos. e) Biópsia endomiocárdica A biópsia endomiocárdica é útil no diagnóstico diferencial, porém deve ser realizada apenas em casos selecionados de dúvida em que há disfunção diastólica do tipo restritiva e o diagnóstico de PC permanece incerto. Pode revelar doença infiltrativa endomiocárdica. O achado de amiloidose, sarcoidose ou hemocromatose impede a necessidade de investigação adicional, porém o achado de miocardite demanda maior investigação. f) Ventriculografia com radioisótopos Curvas de tempo-atividade podem demonstrar o enchimento normal na diástole em PC precocemente. A Tomografia Computadorizada (TC) e a imagem de Ressonância Nuclear Magnética (RNM) são mais precisas que a ecocardiografia para imagem direta do pericárdio, pois permitem medidas precisas do pericárdio com diferenciação de miocardiopatias restritivas.
D - Diagnóstico diferencial O principal ponto do diagnóstico diferencial é distinguir PC de miocardiopatia restritiva. Com o uso combinado de ecocardiografia, RNM ou TC para imagem do pericárdio, estudo hemodinâmico cuidadoso e biópsia de endomiocárdio, deveria ser possível, na grande maioria dos casos,
140
Embora o tratamento clínico possa controlar os sintomas, o controle é temporário, pois a doença progride na maioria dos casos. Pericardiectomia é o tratamento definitivo para a PC. Na maioria dos casos, o procedimento é possível, e a taxa de mortalidade cirúrgica em recentes séries, de até 10%. Porém, ocasionalmente, a fibrose é muito densa, e a calcificação pode estender-se ao epicárdio, tornando impossível a ressecção. O miocárdio pode sofrer atrofia como resultado da compressão existente há muito tempo, e um estado de baixo débito pode persistir depois de pericardiectomia. A maioria dos casos apresenta melhora dramática e contínua, embora a recuperação seja possível somente após vários meses.
8. Resumo Quadro-resumo Pericardites - Causa viral (mais frequente), bacteriana, inflamatória ou traumática (cirurgia); - Dor torácica que piora com tosse, inspiração ou decúbito e melhora com ortostase e “posição maometana”; - Atrito pericárdico, derrame e alterações da repolarização difusas e redução de amplitude do QRS; - Ecocardiograma pode evidenciar o derrame pleural, mas não exclui o diagnóstico; - Tratamento com anti-inflamatórios (AAS/Ibuprofeno) por 3 a 4 semanas. Nas causas autoimunes, é indicado corticoide. Derrame pericárdico - Depende da velocidade de instalação; tosse, dispneia, soluço, náuseas; abafamento de bulhas; ECG com redução da amplitude dos complexos QRS; - Raio x com aumento de área cardíaca e oligoemia pulmonar; diagnóstico pelo ecocardiograma. Tamponamento cardíaco - PVC elevada, pulso paradoxal e ecocardiograma com colapso atrial e/ou ventricular; - Dispneia e desconforto torácico; pode haver choque; - A pericardiocentese é o tratamento de eleição.
CAPÍTULO
16
Avaliação e abordagem perioperatória José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado
1. Introdução A avaliação pré-operatória engloba vários fatores, como risco de sangramento, desenvolvimento de trombose e complicações metabólicas. Contudo, provavelmente o principal tópico envolve a avaliação do risco de eventos cardiovasculares. Existem várias classificações de risco pré-operatório cardiovascular, desde a classificação simplificada adotada pela Associação Americana de Anestesiologia (ASA), tradicionalmente usada no passado e ainda cobrada em provas de Residência, até os algoritmos atuais, como o da American Heart Association (AHA) e os utilizados pelo American College of Physicians (ACP). O risco cirúrgico depende de fatores inerentes à própria cirurgia, à idade e às comorbidades apresentadas pelo paciente. Deve-se salientar que todo procedimento cirúrgico implica certo risco, sendo necessário pesá-lo em relação ao benefício com o procedimento cirúrgico.
2. Risco cardiovascular inerente ao procedimento O risco cirúrgico inerente ao procedimento depende do porte da cirurgia e de ela ser ou não realizada em situação de emergência. Provavelmente, a principal variável é a cirurgia realizada em situação de emergência, em que tanto os trabalhos de Goldman como o de Detski encontraram associação importante a aumento de eventos cardiovasculares, com risco equivalente, por exemplo, a um IAM relativamente recente. A Tabela 1 sumariza o risco cirúrgico em relação ao procedimento a que o paciente é submetido.
Tabela 1 - Risco cirúrgico conforme o procedimento Risco cirúrgico
Tipo de cirurgia
% de eventos cardiovasculares
- Cirurgia de emergência, principalmente em paciente idoso; Alto
- Cirurgias arteriais de aorta e ramos; - Cirurgia de revascularização periférica;
>5%
- Cirurgias com grande potencial de perda de sangue. - Endarterectomia de carótidas; - Cirurgias: de cabeça e pescoço, otorrinolaringológicas, ortopédicas e uroInterme- lógicas; diário - Cirurgia neurológica;
<5%
- Cirurgia intraperitoneal e cirurgia intratorácica. Baixo
- Procedimentos endoscópicos; - Procedimentos superficiais.
<1%
3. Risco cardiovascular inerente ao paciente O algoritmo da AHA leva muito em conta o estado funcional do paciente, pois ele apresenta associação a eventos cardiovasculares no pós-operatório. Embora a maioria dos estudos utilize testes com ergometria ou ergoespirométricos, a AHA usa a unidade de equivalente metabólico, descrita como a quantidade de oxigênio consumida por um homem de 40 anos, 70 kg e em repouso, cujo valor é de 3,5mL/kg. A esta unidade de medida dá-se o nome de 1 equivalente metabólico (1MET). Em relação ao seu equi-
141
CARD I OLOG I A valente metabólico, os pacientes podem ser classificados quanto a capacidade de realizar atividades com diferentes intensidades e consequentes consumos de oxigênio como: - Excelente: maior do que 10METs (nível de atividade de atletas); - Bom: 7 a 10METs; indivíduo pratica atividade física, como natação; - Moderado: 4 a 7METs; indivíduo tolera atividades como caminhadas curtas com até 6,4km/h; - Pobre: menor que 4METs; indivíduo tolera caminhadas curtas com menos de 2 quarteirões.
A realização de testes não invasivos para doença coronariana é recomendada aos pacientes de alto risco, mas duvidosa quanto aos de risco intermediário e não indicada aos de baixo risco.
Apresentadas essas variáveis, podem-se considerar os diversos algoritmos de avaliação do risco cardiovascular.
1 - Avalia-se o risco cardiovascular segundo as seguintes variáveis: - IAM <6 meses (10 pontos); - IAM >6 meses (5 pontos); - Angina classe III (10 pontos); - Angina classe IV (20 pontos); - EAP na última semana (10 pontos); - EAP alguma vez na vida (5 pontos); - Suspeita de estenose aórtica crítica (20 pontos); - Ritmo não sinusal ou RS c/ ESSV ou >5 ESV no ECG (5 pontos); - PO2 <60mmHg, PCO2 >50mmHg, K+ <3mEq/L, ureia >50mg/dL, creatinina >3mg/dL ou restrição ao leito (5 pontos); - Idade >70 anos (5 pontos); - Cirurgia de emergência (10 pontos).
A - Classificação da ASA A seguir, a classificação da ASA (American Society of Anesthesiology), embora sua importância hoje seja mais histórica: - I: indivíduo saudável, <70 anos; - II: doença sistêmica leve, sem limitação funcional ou >70 anos; - III: doença sistêmica grave, com limitação funcional definida; - IV: doença sistêmica incapacitante, que constitui ameaça à sobrevivência; - V: paciente gravíssimo – sem expectativa de sobreviver por mais de 24h com ou sem a cirurgia. Essa classificação, não utilizada atualmente para avaliação pré-operatória, não é citada nas Diretrizes Brasileiras de Avaliação Pré-Operatória.
B - Índice de risco cardíaco de Goldman O índice de risco cardíaco de Goldman (Tabela 2) foi o 1º modelo validado na literatura para predizer complicações cardíacas. Devido à sua simplicidade, alguns ainda consideram o melhor índice de avaliação pré-operatória, mas ele parece falhar ao avaliar pacientes de risco intermediário. Além disso, a classificação não considera pacientes com angina. Tabela 2 - Índice de risco cardíaco de Goldman Variáveis: 1 - Cirurgia de alto risco. 2 - História de doença coronariana. 3 - História de insuficiência cardíaca. 4 - História de doença cerebrovascular. 5 - DM que requeira tratamento com insulina. 6 - Creatinina sérica no pré-operatório >2mg/dL. Considerando o número de variáveis encontradas, pode-se classificar o risco cardiovascular do paciente em: - Baixo risco (0,4 a 0,5%): nenhuma variável; - Risco intermediário: 1 ou 2 variáveis; - Alto risco (9 a 11%): 3 ou mais variáveis.
142
C - Índice de Detski O índice de Detski (Tabela 3), bastante semelhante ao de Goldman, é utilizado pelo ACP desde 1986 e foi adotado pelas Diretrizes Brasileiras de Avaliação Pré-Operatória. Tabela 3 - Índice de Detski
2 - Somam-se os pontos. Os pacientes são classificados em: - Classe I: 0 a 15 pontos; - Classe II: 20 a 30 pontos; - Classe III: >30 pontos.
D - Riscos complementares de Eagle e Vanzeto Em se tratando dos pacientes da classe I de Detski que serão submetidos à cirurgia vascular, devem-se considerar as variáveis de risco complementares de Eagle e Vanzeto:
- Idade >70 anos; - História de angina; - Diabetes; - História de IAM; - História de ICC; - Ectopia ventricular; - Ondas Q no ECG; - Anormalidades isquêmicas do segmento ST no ECG de repouso;
- HAS com hipertrofia ventricular grave. E - Avaliação do ACP O algoritmo de avaliação do ACP (Figura 1), recomendado pelas Diretrizes Brasileiras de Avaliação Pré-Operatória, usa a classificação de Detski e as variáveis de risco de Eagle e Vanzeto.
AVALIAÇÃO E ABORDAGEM PERIOPERATÓRIA
Tabela 4 - Preditores Maiores - ICC descompensada; - Arritmias significativas; - Doença valvar grave. Intermediários CARDIOLOGIA
- Angina estável; - IAM prévio; - ICC compensada; - DM; - IR crônica. Menores - Idade avançada; - ECG anormal ou ritmo não sinusal; - Capacidade funcional reduzida; Figura 1 - Avaliação do ACP
A AHA, por sua vez, não usa índices de risco cardíaco específicos, mas preditores de risco para definir o risco cirúrgico quanto a complicações cardiovasculares.
- História de AVC; - HAS não controlada.
Considerando tais preditores, o algoritmo da Figura 2 é utilizado para a avaliação dos pacientes.
Figura 2 - Avaliação ACC (American College of Cardiology)/AHA para pacientes submetidos a cirurgia não cardíaca
143
CARD I OLOG I A
Figura 3 - Avaliação do ACC/AHA
Os pacientes em ambos os grupos em que existe indicação de teste não invasivo para avaliação de isquemia podem fazê-lo por meio de cintilografia miocárdica ou ecocardiograma de estresse com dobutamina. Não é necessário teste não invasivo em pacientes já submetidos a esse teste em menos de 2 anos, desde que os fatores de risco para doença cardiovascular estejam controlados, e o paciente, assintomático. O teste também não é necessário em revascularizados há menos de 5 anos ou assintomáticos e com cateterismo negativo e fatores de risco controlados. As diretrizes brasileiras consideram as seguintes indicações para a realização de exames não invasivos para avaliação pré-operatória:
- Grau de recomendação I: • Pacientes com preditores clínicos intermediários de risco e que serão submetidos a intervenções vasculares. - Grau de recomendação IIa: • Na presença de 2 dos 3 fatores a seguir: * Presença de angina classe funcional I ou II, história prévia de infarto do miocárdio ou onda Q patológica, insuficiência cardíaca prévia ou compensada, diabetes mellitus ou insuficiência renal; * Baixa capacidade funcional: menos de 4METs; * Procedimento cirúrgico de alto risco: cirurgias vasculares periféricas ou de aorta, procedimentos cirúrgicos prolongados com grandes perdas sanguíneas ou de shifts de fluidos.
144
- Grau de recomendação IIb:
• Pacientes sem avaliação funcional nos últimos 2 anos e sabidamente coronariopatas ou com, no mínimo, 2 fatores de risco para doença arterial coronariana (HAS, tabagismo, dislipidemia, DM, história familiar positiva).
- Grau de recomendação III:
• Pacientes não candidatos a revascularização miocárdica, sem possibilidade de modificação do plano cirúrgico não cardíaco de acordo com o resultado da prova funcional.
4. Uso de drogas para diminuição do risco cardiovascular A - Beta-bloqueadores Uma medida potencial para a diminuição do risco cardiovascular é o uso dos beta-bloqueadores. Estudos tanto com atenolol quanto com bisoprolol apontaram diminuição de eventos cardiovasculares, e essas medicações são indicadas a pacientes com risco alto ou intermediário, sempre que é indicado o procedimento cirúrgico. Recomenda-se a droga, pelo menos, 1 semana antes do procedimento (os estudos que mostraram maior benefício utilizaram a medicação de 1 a 4 semanas antes da cirurgia), mas se pode introduzi-la a qualquer momento. Procura-se manter a FC em torno de 60bpm. Nos usuários desta droga que irão se submeter à cirurgia, a manutenção durante todo o período perioperatório é recomendada.
AVALIAÇÃO E ABORDAGEM PERIOPERATÓRIA
Há estudos promissores com uso de estatinas, as quais devem ser consideradas em todos os pacientes com doença arterial coronariana submetidos a procedimentos cirúrgicos.
C - Angiografia da coronária Há grande discussão sobre quando realizar angiografia da coronária antes de procedimentos cirúrgicos não cardíacos, pois esse teste é invasivo e tem taxas de morbidade e mortalidade que variam, respectivamente, entre 0,01 e 0,5% e 0,03 e 0,25%. A AHA sugere que o exame seja realizado nas seguintes situações: - Pacientes de alto risco em testes não invasivos; - Angina não responsiva ao tratamento; - Pacientes com angina instável; - Testes não invasivos inconclusivos para isquemia, em pacientes de alto risco e que serão submetidos à cirurgia também de alto risco.
5. Exames laboratoriais no pré-operatório
- Grau de recomendação IIA: • Assintomáticos obesos.
- Grau de recomendação III: • Rotina em indivíduos assintomáticos que serão submetidos a procedimentos cirúrgicos de baixo risco.
B - Radiografia de tórax
- Grau
de recomendação I: pacientes com anormalidades, relacionadas ao tórax, na história e no exame físico.
C - Hemograma completo
- Grau de recomendação I: • Idosos (>65 anos); • Suspeita clínica de anemia ao exame físico ou presença de doenças crônicas associadas à anemia; • Intervenções de médio e grande porte, com previsão de necessidade de transfusão.
A solicitação de exames complementares na avaliação pré-operatória objetiva reduzir a morbidade e a mortalidade perioperatórias. Ainda continuam a ser de maior importância a anamnese e o exame físico. Exames laboratoriais devem ser solicitados quando podem apresentar benefício, demonstrando riscos e realizando diagnósticos que possam fazer diferença no manejo dos pacientes. Pessoas com menos de 40 anos, assintomáticas e sem fatores de risco para doenças não apresentam indicação de exames adicionais, exceto quando apresentam indicações específicas com base na cirurgia a que serão submetidas. Em cirurgias neurológicas, por exemplo, a realização de coagulograma é necessária, independente da idade do paciente. Para pacientes entre 40 e 60 anos sem outros fatores de risco, o ACP indica exames de creatinina, glicemia e eletrocardiograma; em indivíduos acima de 60 anos, acrescentam-se hemograma e radiografia de tórax. A seguir, estão apresentadas as indicações de exames laboratoriais conforme as indicações das Diretrizes Brasileiras de Avaliação Perioperatória.
D - Hemostasia e testes da coagulação
A - ECG
A história de sangramento é o melhor preditor de sangramento no intraoperatório. Na grande maioria dos procedimentos cirúrgicos, não são necessários exames para avaliação da hemostasia, desde que o paciente não apresente história de sangramentos prévios nem fatores de risco associados a aumento da possibilidade de sangramentos. Presença de achados, como petéquias, equimose, icterícia, entre outros, sugere a possibilidade de sangramento em pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos. De acordo com o procedimento cirúrgico, devem ser solicitados outros exames, especificados na Tabela 5.
- Grau de recomendação I:
• Todos os pacientes com idade superior a 40 anos, ou, independente da idade, pacientes com história e/ou anormalidades ao exame físico sugestivas de doença cardiovascular; • Pacientes com episódio recente de dor torácica isquêmica, ou considerados de alto risco no algoritmo ou pelo médico assistente; • Pacientes com diabetes mellitus.
- Grau de recomendação I: • • • •
Pacientes anticoagulados; Pacientes com insuficiência hepática; Portadores de distúrbios de coagulação; Intervenções de médio e grande porte.
E - Dosagem da creatinina sérica
- Grau de recomendação I: • Pacientes com idade superior a 40 anos; • Portadores de nefropatia, diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica, insuficiência hepática, insuficiência cardíaca (se não tiver um resultado desse exame nos últimos 12 meses); • Intervenções de médio e grande porte.
6. Avaliação do risco de sangramento
145
CARDIOLOGIA
B - Estatinas
CARD I OLOG I A Tabela 5 - Avaliação do risco de sangramento de acordo com o procedimento cirúrgico Métodos e Cirurexames para gia avaliação geral
Grandes cirurgias
Cirurgia prostática, cardíaca ou neurológica
História clínica + para sangramento
História
+
+
+
+
Exame físico
+
+
+
+
Número de plaquetas
+
+
+
TTPA
+
+
+
TP
+
+
TT
+
+
TS
+
+
Nível de fibrinogênio
+
+
Fator XIII
+
Outros fatores de coagulação
+
Teste de agregação plaquetária
+
TTPA: Tempo de Tromboplastina Parcialmente Ativada; TP: Tempo de Protrombina; TT: Tempo de Trombina e TS: Tempo de Sangramento.
7. Hipertensão arterial sistêmica no pré-operatório A hipertensão arterial sistêmica apresenta aumento do risco cardiovascular cronicamente, mas não é um dos grandes fatores associados a eventos agudos no perioperatório. Pacientes com hipertensão estadios I e II não precisam de ajuste de pressão arterial antes de procedimento eletivo. Intervenções nesses indivíduos, a menos de 2 semanas para cirurgia eletiva, podem aumentar o risco de insuficiência renal e de outras complicações no pós-operatório. Os pacientes com hipertensão estadio III, por sua vez, devem ter a PA controlada, em níveis menores que 170mmHg de pressão arterial sistólica e 110mmHg de pressão diastólica. São recomendações das Diretrizes Brasileiras de Avaliação Perioperatória (grau de recomendação I): - Se a pressão arterial não está controlada e há tempo hábil para o controle (cirurgia eletiva a realizar em período maior que 2 semanas), deve-se otimizar a terapêutica para reduzir os níveis de pressão; - As medicações anti-hipertensivas (incluindo IECA) devem ser mantidas no pré-operatório, inclusive no dia da operação; - Se o paciente está com a pressão elevada e não existe tempo para controlá-la, deve-se utilizar bloqueador adrenérgico de curta ação (esmolol) para evitar a
146
elevação da pressão no ato da intubação; quanto aos pacientes em que o bloqueador está contraindicado, a clonidina por via oral pode ser usada; - A hipocalemia, se presente, deve ser corrigida antes da cirurgia; - Reiniciar os anti-hipertensivos no pós-operatório, de preferência com os mesmos medicamentos que o paciente utilizava antes da cirurgia; - A otimização da volemia deve ser realizada durante todo o perioperatório.
8. Controle glicêmico no perioperatório O diabetes está associado a complicações micro e macrovasculares. Alguns estudos atestaram que também há associação a maior risco de eventos cardiovasculares. O controle estrito de glicemia foi associado à diminuição de eventos adversos em pacientes com infarto agudo do miocárdio e em pacientes com choque séptico. O controle glicêmico durante cirurgias eletivas é importante, e glicemia maior que 250mg/dL não contraindica procedimento eletivo. Se os valores de glicemia são maiores que 250mg/dL e o paciente é submetido a procedimento de urgência, este pode ser realizado com controle glicêmico durante a cirurgia. Quanto a pacientes submetidos a cirurgias eletivas, deve-se considerar um período de compensação do diabetes antes da cirurgia. O Consenso Brasileiro de Avaliação Perioperatória sugere que valores acima de 220mg/dL indicam que se considere o adiamento de cirurgia eletiva. A literatura sugere as seguintes medidas para controle glicêmico durante perioperatório:
A - Cirurgia de curta duração (pela manhã cedo) Não administrar hipoglicemiante ou insulina no dia da cirurgia. Logo após a operação, pode-se reintroduzir a dieta e retomar o esquema habitual do paciente.
B - Cirurgia de curta duração (ao final da manhã)
- Pacientes que usam hipoglicemiantes orais: não ad-
ministrar no dia da cirurgia; - Pacientes que usam dose única de insulina de duração intermediária: administrar 2/3 da dose total diária no dia da cirurgia; - Pacientes que usam 2 a 3 doses de insulina de duração intermediária: administrar 1/2 da dose total na manhã da cirurgia; - Pacientes que usam múltiplas doses de insulina de duração curta: administrar 1/3 da dose total diária no dia da cirurgia; - Pacientes que usam bomba de insulina: manter a taxa de infusão basal no dia da cirurgia.
C - Cirurgia de curta duração (à tarde)
- Pacientes que usam hipoglicemiantes orais: não administrar no dia da cirurgia;
- Pacientes que usam dose única de insulina de duração intermediária: administrar 1/2 da dose total diária no dia da cirurgia; - Pacientes que usam 2 a 3 doses de insulina de duração intermediária: administrar 1/3 da dose total na manhã da cirurgia; - Pacientes que usam múltiplas doses de insulina de duração curta: administrar 1/3 da dose pela manhã e antes do almoço; - Pacientes que usam bomba de insulina: manter a taxa de infusão basal no dia da cirurgia.
D - Procedimento de grande duração e complexidade
- Pacientes que usam hipoglicemiantes orais: não administrar no dia da cirurgia;
- Pacientes que usam insulina de duração intermediária: • Manter insulina no intraoperatório e no pós-operatório, conforme a glicemia capilar. Por meio de insulina intravenosa, manter a glicemia entre 150 e 200mg/dL para proteger contra hipoglicemia. Em caso de paciente em uso de bomba de insulina, pode-se tentar controle mais estrito, com glicemia entre 100 e 150mg/dL; • Monitorizar glicemia capilar no início da cirurgia e a cada hora ou a cada 2h; • Pode ser necessária a infusão de 5 a 10g de glicose/h para evitar hipoglicemia e cetose.
- Pacientes
submetidos a procedimentos complexos, cirurgias de emergência, diabetes tipo 1 descompensado e gestantes diabéticas tipo I: • Em caso de valores glicêmicos acima de 200mg/dL, utilizar insulina regular IV conforme glicemia capilar, ou insulina IV contínua na taxa de infusão de 0,5 a 5U/h, para manter a glicemia menor que 200mg/dL; • Realizar controle glicêmico a cada hora.
9. Cuidados perioperatórios no paciente nefropata Os pacientes com insuficiência renal apresentam maior chance de apresentar complicações no perioperatório. O principal fator para elas é o nível de creatinina que, quando maior que 1,5mg/dL, e, principalmente, se maior que 2mg/ dL, implica risco maior de eventos cardiovasculares e de piora da função renal durante a cirurgia. A Insuficiência Renal Aguda (IRA) ocorre em 5% das admissões hospitalares e em 1 a 30% dos pacientes submetidos aos procedimentos cirúrgicos, dependendo das séries estudadas, com mortali-
dade próxima a 50%. Nenhuma medida pré-operatória demonstrou benefício nesses pacientes. Cirurgias cardíacas ou que envolvem a aorta apresentam maior risco de desenvolver insuficiência renal. Outras condições que aumentam esse risco são presença de icterícia, diabetes e idade avançada. São considerações importantes em se tratando desses pacientes: - Manter o volume plasmático adequado, evitando hipovolemia; - Evitar agentes nefrotóxicos e corrigir doses de antibióticos e outros medicamentos adequadamente, conforme a função renal; - Evitar hipotensão e diminuição do débito cardíaco; - Em procedimentos endovasculares ou radiointervenção, hidratação e n-acetilcisteína devem ser realizadas apropriadamente (pacientes com diabetes ou insuficiência renal crônica). Recomenda-se solução salina a 0,45% (100mL/h, 12h antes e 12h depois do procedimento), associada a n-acetilcisteína (600mg, de 12/12h), 24h antes e depois do procedimento. Um estudo recente demonstrou que o emprego de solução de hidratação 154mEq/L de bicarbonato de sódio diluído em solução de dextrose a 5%, em total de 1L de solução, infundida a 3mL/kg em 1h antes do procedimento e 1mL/kg durante o procedimento e 6h depois, apresenta resultados superiores à infusão convencional de solução salina. Trata-se, portanto, de uma opção válida para prevenção da IRA pelo contraste. Pacientes com insuficiência renal dialítica devem realizar diálise de 12 a 24h antes da cirurgia para minimizar as complicações. Medidas apropriadas para hipercalemia, acidose e outras complicações da insuficiência renal crônica devem ser realizadas conforme a necessidade dos pacientes e as recomendações da literatura para outras situações que não cirurgias.
10. Complicações cirúrgicas no paciente hepatopata O paciente hepatopata apresenta grande número de alterações que implicam maior risco de complicações cirúrgicas. A doença hepática leva a alterações na síntese proteica e no metabolismo de drogas e nutrientes, além de alterar a excreção e a eliminação de toxinas. O paciente com hepatopatia leve, como o apresentando cirrose com Child A, não apresenta risco cirúrgico muito diferente de outros indivíduos. Entretanto, paciente com disfunção importante, como o que apresenta Child C, apresenta risco aumentado de complicações perioperatórias. Hepatites agudas, virais ou alcoólicas, são contraindicações absolutas para procedimentos eletivos, com taxas de mortalidade variando de 10 a até 50%. Pacientes com hepa-
147
CARDIOLOGIA
AVALIAÇÃO E ABORDAGEM PERIOPERATÓRIA
CARD I OLOG I A topatia crônica e cirrose com Child C, em geral, apresentam contraindicação a procedimentos eletivos. Pacientes com Child A normalmente não apresentam contraindicação a procedimentos cirúrgicos. Maiores considerações devem ser feitas quanto a pacientes com Child B, em que o benefício do procedimento deve ser contrabalançado com o maior risco de cirurgias. A presença de coagulopatia deve ser corrigida antes do procedimento. Distúrbios hidroeletrolíticos também devem ser corrigidos. É importante a reposição de vitamina K. A presença de ascite aumenta a incidência de deiscência de ferida cirúrgica. Contudo, seu manejo com diuréticos e paracenteses deve ser cauteloso, pois pode ocasionar insuficiência renal aguda e encefalopatia hepática. A reposição de albumina, juntamente com paracentese em pacientes com ascite, parece ser a medida mais apropriada para evitar complicações.
11. Paciente com pneumopatia As complicações pulmonares cirúrgicas implicam aumento de morbidade, mas com aumento de mortalidade muito menor que as complicações cardíacas. A incidência estimada de complicações pulmonares varia de 17 a 25% nas diferentes séries de casos. O risco de tais complicações é, em particular, maior em pacientes com obesidade; apresentam risco de apresentar hipoxemia. O tabagismo é associado ao risco de aparecimento de complicações pulmonares aumentado em cerca de 4 vezes, mas a sua cessação aumenta secreções pulmonares nas primeiras semanas, aumentando o risco de complicações. Tal risco desaparece após 8 semanas de abstinência. A asma é um fator de risco independente para complicações pulmonares, mas, não é particularmente aumentado naqueles fora de exacerbação e compensados clinicamente. Já pacientes com Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) apresentam risco até 4,7 vezes maior de desenvolver essas complicações. Assim, é absolutamente necessário compensá-los antes de procedimentos cirúrgicos. Indivíduos com redução da Capacidade Vital Forçada (CVF) e Volume Expiratório Forçado em 1º segundo (VEF1) menor do que 70% apresentam maior taxa de complicações pulmonares associadas à cirurgia. Tais complicações estão aumentadas em pacientes com índice de Tiffeneau (VEF1/ CVF) menor do que 65%. O risco de complicações pulmonares é, particularmente, maior em pacientes com alterações gasométricas, sendo que PaO2 <50mmHg e PaCO2 >50mmHg se associam a eventos cardíacos no perioperatório. Um estudo demonstrou que níveis de PaCO2 >45mmHg estavam associados a uma maior taxa de complicações pulmonares em submetidos a cirurgias cardíacas, o que é compreensível, visto que esses níveis indicam pacientes com comprometimento ventilatório importante e apresentam correlação com hipoxemia e outros fatores que aumentam morbidades perioperatórias. Cirurgias com duração maior que 3h, uso de pancurônio
148
e anestesia geral também são associados a uma taxa maior de complicações pulmonares. A prova de função pulmonar pode ajudar no manejo de pacientes em relação às complicações pulmonares. São indicações para tal: - Pacientes submetidos a cirurgia torácica e abdominal alta, com sintomas de tosse ou dispneia ou que apresentem intolerância ao exercício de causa incerta; - Pacientes com DPOC; - Pacientes que serão submetidos a cirurgia de ressecção pulmonar; - Pré-operatório de pacientes com dispneia de causa incerta; - Pacientes submetidos à cirurgia de revascularização do miocárdio. A avaliação de risco pulmonar pode ser orientada pela escala de Torrington-Henderson, que classifica os pacientes em baixo, moderado e alto risco de complicações pulmonares, utilizando vários fatores independentes de complicações pulmonares. A classificação, apesar de importante, não deve ser usada para contra indicar procedimentos cirúrgicos, mas para indicar a necessidade de medidas preventivas para as complicações. A Tabela 6 sumariza a classificação de Torrington. Tabela 6 - Classificação de Torrington Variáveis
Pontuação
1 - Espirometria a) CVF <50% do previsto
1
b) VEF1/CVF - 65 a 75%
1
c) VEF1/CVF - 50 a 64%
2
d) VEF1/CVF - <50%
3
2 - Idade >65 anos
1
3 - Peso acima de 150% do ideal
1
4 - Cirurgia abdominal alta ou torácica
2
5 - Outras cirurgias
1
6 - Tabagismo
1
7 - Sintomas pulmonares (tosse, dispneia, catarro)
1
8 - História de doença pulmonar
1
Classificação de risco
Pontos
Taxa de complicações
% de mortalidade
Baixo
0a3
6%
2%
Moderado
4a6
23%
6%
>7
35%
12%
Alto
Algumas medidas podem auxiliar a diminuir o risco cirúrgico, como cessação do tabagismo, pelo menos, 8 semanas antes do procedimento. A compensação de doenças pulmonares, como asma e DPOC, também é importante. Pacientes com infecções respiratórias precisam ser adequa-
damente tratados, e educação e manobras de expansão pulmonar podem auxiliar, em particular, pacientes obesos. Quando possível, deve-se limitar a duração de procedimentos cirúrgicos, evitar o uso de bloqueadores neuromusculares, entre outras medidas. Exercícios com estímulo de respiração profunda, fisioterapia, uso de CPAP ou outras formas de pressão positiva e controle rigoroso da dor podem ajudar, enquanto a corticoterapia em pacientes com asma e DPOC pode ser importante.
- Pacientes de alto risco para tromboembolismo (grau
12. Pacientes em uso de anticoagulantes
- Pacientes com risco intermediário de tromboembo-
Pacientes em uso de anticoagulantes podem estar anticoagulados por diferentes razões, o que aumenta o risco de sangramento, enquanto a interrupção da anticoagulação pode aumentar o risco de trombose. Alguns procedimentos não se associam a aumento do risco de sangramento, mesmo em submetidos a anticoagulação, como cirurgias de catarata, vitreorretinal, procedimentos protéticos e dentários. As Diretrizes Brasileiras de Avaliação Perioperatória dividem os pacientes de acordo com o risco de ocorrer eventos tromboembólicos: - Pacientes de alto risco: tromboembolismo venoso há menos de 3 meses; próteses valvares mecânicas; fibrilação atrial com Acidente Vascular Cerebral (AVC) prévio ou com múltiplos fatores de risco para AVC ou associada a valvopatias; estados de hipercoagulabilidade (fator V de Leiden, deficiências de proteína C e S) com trombose recorrente ou recente;
- Pacientes de risco intermediário: fibrilação atrial sem
AVC prévio e com apenas 1 fator de risco para AVC (idade >65 anos, diabetes mellitus, HAS, ICC);
- Pacientes de baixo risco: tromboembolismo venoso
há mais de 3 meses, fibrilação atrial sem fatores de risco para AVC, estados de hipercoagulabilidade sem complicação trombótica recente, história de trombose recorrente.
As recomendações das diretrizes brasileiras em relação à anticoagulação são:
- Pacientes de baixo risco para tromboembolismo (grau de recomendação IIA):
• Interromper varfarina 4 dias antes da operação, aguardar INR retornar a valores quase normais (<1,5); • No pré-operatório, se indicado, pode ser usada heparina profilática não fracionada (HNF) ou de baixo peso (HBPM); • No pós-operatório, usar HNF ou HBPM profilática (se indicado pelo tipo de procedimento) e reiniciar a varfarina simultaneamente.
de recomendação IIA): • Interromper a varfarina 4 dias antes da operação, aguardar INR normalizar; • Iniciar HNF ou HBPM dose plena quando INR <2; • Suspender HNF intravenosa 5h antes do procedimento e HBPM ou HNF SC de 12 a 24h antes; • No pós-operatório, reiniciar HNF ou HBPM em dose plena e varfarina simultaneamente, até o INR estar dentro da faixa terapêutica. lismo (grau de recomendação IIA): • Depende da avaliação individual de cada paciente; podem ser seguidas as orientações tanto para o alto como para o baixo risco, a critério do médico assistente.
- Procedimentos de baixo risco de sangramento (grau de recomendação I): • Realizar o procedimento com INR ao redor de 2; não é necessária suspensão do anticoagulante; • Se INR >3, descontinuar o anticoagulante por 1 a 2 dias antes da cirurgia e reiniciar na noite após a cirurgia.
- Procedimentos de urgência: • Vitamina K e plasma fresco podem ser usados para reversão da anticoagulação, evitando altas doses de vitamina K, que podem dificultar anticoagulação posterior. Quanto a pacientes em uso de heparina não fracionada venosa, esta deve ser descontinuada 2 horas antes da cirurgia. E heparina não fracionada SC ou HBPM devem ser descontinuadas 12h antes da cirurgia.
13. Abordagem para diminuir o risco de trombose venosa profunda Procedimentos cirúrgicos são importantes fatores de risco para o desenvolvimento de eventos tromboembólicos. Outros fatores incluem trombofilias, fraturas de fêmur, entre outras condições. As Diretrizes Brasileiras de Avaliação Perioperatória recomendam:
- Risco baixo (grau de recomendação I): • Mobilização precoce.
- Risco moderado (grau de recomendação I):
• Heparina: 5.000UI SC, a cada 12h, iniciando 1 a 2h antes da operação; • Enoxaparina: 20mg SC, 1 a 2h antes da cirurgia e 1x/dia no pós-operatório; • Meia elástica: início imediatamente antes da cirurgia, até o acompanhamento ambulatorial;
149
CARDIOLOGIA
AVALIAÇÃO E ABORDAGEM PERIOPERATÓRIA
CARD I OLOG I A • Compressão Pneumática Intermitente (CPI): início imediatamente antes da cirurgia até a alta hospitalar.
- Risco alto (grau de recomendação I): • Heparina: 5.000UI SC, a cada 8h, iniciando 1 a 2h antes da cirurgia; • Enoxaparina: 40mg SC, 1 a 2h antes da cirurgia e 1x/dia no pós-operatório; • CPI: início imediatamente antes da cirurgia até a alta hospitalar.
- Risco muito alto (grau de recomendação I): • Enoxaparina: 40mg SC, 1 a 2h antes da cirurgia e 1x/dia no pós-operatório combinado com CPI/meia elástica; • Heparina: 5.000U UI SC, a cada 8h, iniciando 1 a 2h antes de cirurgia combinado com CPI/meia elástica; • Varfarina em pacientes selecionados: início com 5mg/ dia ou no dia após a cirurgia, ajustando a dose para manter um INR de 2 a 3 (grau de recomendação IIA).
- Artroplastia de quadril eletiva (grau de recomendação I):
• Enoxaparina: 40mg SC, 12h antes ou 12 a 24h depois da cirurgia, ou 20mg SC 4 a 6h depois da cirurgia mantendo 40mg/dia nos dias subsequentes; • Varfarina: com ajuste da dose para manter o INR entre 2 e 3 iniciando no pré-operatório ou imediatamente após a cirurgia; • Heparina: SC, a cada 8h, dose inicial de 3.500U ajustando 500U por dose para manter TTPA nos níveis superiores da normalidade (grau de recomendação IIA); • Associação das medidas de profilaxia com CPI ou meia elástica (grau de recomendação IIa); • Duração da profilaxia por, pelo menos, 7 dias.
- Artroplastia de joelho eletiva (grau de recomendação I):
• Enoxaparina: 40mg SC, 12h antes ou 12 a 24h depois da cirurgia, ou 20mg SC, 4 a 6h depois da cirurgia mantendo 40mg/dia nos dias subsequentes; • Varfarina: com ajuste da dose para manter o INR entre 2 e 3 iniciando no pré-operatório ou imediatamente após a cirurgia; • CPI: início imediatamente antes da cirurgia até a alta hospitalar; • Duração da profilaxia por, pelo menos, 7 a 10 dias.
- Cirurgia de fratura de quadril (grau de recomendação I):
• Enoxaparina: 40mg SC 12h, antes ou 12 a 24h depois da cirurgia, ou 20mg SC, 4 a 6h depois da cirurgia mantendo 40mg/dia nos dias subsequentes;
150
• Varfarina: com ajuste da dose para manter o INR entre 2 e 3 no pré-operatório ou imediatamente após a cirurgia; • Heparina: 5.000U SC, a cada 8h, 1 a 2h antes (grau de recomendação IIA).
- Neurocirurgia (grau de recomendação I): • CPI: com ou sem meia elástica; • Heparina: 5.000U SC, a cada 8h, 1 a 2h antes (grau de recomendação IIA); • Enoxaparina: 40mg SC/dia no pós-operatório (grau de recomendação IIA); • Associação de meia elástica/CPI e enoxaparina/heparina profilática.
- Trauma (grau de recomendação I): • Enoxaparina: 30mg SC, a cada 12h, iniciando 12 a 36h após o trauma ser hemodinamicamente estável; • CPI/meia elástica: em caso de contraindicação ao uso de enoxaparina pelo risco de sangramento; • Filtro de veia cava inferior: em caso de TVP demonstrada e contraindicação ao uso de anticoagulantes.
- Lesão aguda da medula espinhal (grau de recomendação I): • Enoxaparina: 30mg SC, a cada 12h; • CPI e meia elástica: em associação a enoxaparina ou heparina profilática, ou se anticoagulantes são contraindicados logo após a lesão (grau de recomendação IIA); • Na fase de reabilitação, continuar terapia com enoxaparina ou passar para anticoagulação plena com varfarina (INR entre 2 e 3).
- Cirurgias ginecológicas (grau de recomendação I): • Pequenas em doenças benignas: * Mobilização precoce. • De grande porte em doença benigna sem fatores de risco: * Heparina: 5.000U SC, a cada 12h; * Enoxaparina: 40mg SC, a cada 24h, ou CPI antes da cirurgia e, no mínimo, vários dias do pós-operatório. • Extensas por câncer: * Heparina: 5.000U SC, a cada 8h; * Heparina: 5.000U SC, a cada 8h, associada a CPI ou meia elástica na tentativa de promover uma proteção adicional.
- Cirurgias urológicas (grau de recomendação I): • Baixo risco ou transuretrais: mobilização precoce. • Grande porte ou com abertura de cavidade: * Heparina: 5.000U SC, a cada 8h, 1 a 2h antes; * Enoxaparina: 40mg SC, 1 a 2h antes e 1x/dia no pós-operatório;
AVALIAÇÃO E ABORDAGEM PERIOPERATÓRIA
A Tabela 7 sumariza as recomendações das diretrizes brasileiras. Tabela 7 - Recomendação para manejo da anticoagulação pré e pós-operatória para pacientes em uso de anticoagulação oral por história de TEV prévio Indicação TEV agudo mês 1
Antes da cirurgia Heparina IV (suspender 6h antes)
Após a cirurgia Heparina IV (reiniciar 12h após operações de grande porte ou mais tarde, caso haja risco de sangramento)
TEV - meses 2 e 3 Sem alteração
Heparina IV (até atingir INR de 2 com uso de varfarina)
TEV - após 3 meses
Sem alteração
HBPM SC
TEV recorrente
Sem alteração
HBPM SC
14. Pacientes com tireoidopatia Os pacientes com doença de tireoide apresentam risco aumentado de eventos mórbidos e mortalidade no perioperatório. O hipotireoidismo, por exemplo, é extremamente prevalente entre as mulheres, as quais podem apresentar complicações. As recomendações das Diretrizes Brasileiras de Avaliação Perioperatória são (grau de recomendação I, nível de evidência D): - Não valorizar hipotireoidismo subclínico em caso de valor de TSH <10mU/dL; - O procedimento eletivo só deve ser realizado quando o paciente estiver eutireóideo; - Pacientes com idade <45 anos devem receber a dose plena, que costuma ser de 1,6 a 2,2mcg/kg de L-tiroxina ou 100 a 200mcg ao dia. Os níveis de TSH só se normalizam após 4 a 6 semanas do início da dose adequada; - Pacientes com mais de 45 anos devem iniciar com 25 a 50mcg/dia, e a dose é aumentada a cada 2 semanas; - Pacientes coronarianos devem receber 15mcg/dia, e a dose deve ser aumentada a cada semana, até que se chegue a TSH normal; - Não adiar procedimento em pacientes com quadro de hipotireoidismo leve, porém iniciar reposição hormonal oral; - Em procedimentos cirúrgicos na vigência de hipotireoidismo, devem-se realizar profilaxia de hipotermia e monitorização cardiovascular e administrar hidro-
cortisona, 100mg, a cada 8h em 24h, pela chance de insuficiência adrenal. Os pacientes com hipertireoidismo apresentam risco de crise tireotóxica em procedimentos cirúrgicos e devem ser submetidos a procedimentos cirúrgicos eletivos só em caso de eutireoidismo. Tempestade tireoidiana já foi uma complicação relatada com relativa frequência entre pessoas com hipertireoidismo submetidas a cirurgia. Por isso, devem ser pontuados alguns princípios do manejo delas: - Doses de PTU, 200 a 250mcg, 4/4h, e de tapazol, 20mcg, 4/4h são apropriadas a esses pacientes; - PTU é a 1ª escolha pela ação na inibição da conversão periférica de T4 em T3; - Ácido iopanoico é o agente iodado de escolha (Telepaque) - 1g, de 8/8h no 1º dia e após, 500mg, de 12/12h; na falta deste, usar iodeto de potássio, 4 a 8 gotas, de 6/6 ou 8/8h; - Tionamidas devem ser oferecidas antes do iodo (2 a 3h); - A dose de lítio é de 300mg 6/6h; usada quando não se podem utilizar tionamidas (há poucos estudos com seu uso); - Hemodiálise e hemoperfusão não devem ser usadas como terapia de 1ª linha; - Os beta-bloqueadores são importantes para inibir efeitos periféricos dos hormônios tireoidianos; a dose de propranolol é de 60 a 120mg, de 6/6h; - A reposição de corticosteroides é indicada, pois são pacientes de risco para insuficiência adrenal; a dose de hidrocortisona recomendada é de 100mg, de 8/8h.
15. Reposição de corticosteroides em cirurgias A insuficiência adrenal pode ser precipitada por procedimentos cirúrgicos em virtude do estresse causado pelo dano tecidual. Na vigência do bloqueio do eixo adrenal pelo uso crônico de corticosteroides, existe o risco de falência adrenal no perioperatório. O aumento dos níveis de cortisol sérico é uma importante resposta ao estresse cirúrgico e representa resposta protetora do organismo, necessária no processo adaptativo. Cirurgias, portanto, representam estresse fisiológico e resultam em ativação do eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal, provocando aumento do ACTH e da secreção de cortisol. Pacientes em uso de glicocorticoide exógeno podem não produzir ACTH e cortisol suficiente para situações de estresse, como cirurgias, e podem evoluir para insuficiência adrenal com hipotensão e choque, embora a evidência de que isso ocorra seja anedótica. Doses menores que 5mg de prednisona, únicas pela manhã, não parecem causar qualquer espécie de supressão no eixo. O mesmo acontece com corticoide de curta duração
151
CARDIOLOGIA
* CPI: imediatamente antes e até a alta hospitalar; * Meia elástica: início imediatamente antes da cirurgia até o acompanhamento ambulatorial. • Pacientes de alto risco: Associação de CPI/meia elástica com enoxaparina/ heparina profilática.
CARD I OLOG I A em dias alternados, ou qualquer dose de corticoide usada por menos de 3 semanas. Porém, provavelmente, apresentam essa supressão pacientes que usaram dose de 20mg ou mais de prednisona por período de tempo superior a 3 semanas, que pareçam clinicamente cushingoides ou em uso de dose de 7,5mg ou mais por período de 1 mês ou mais. A duração da supressão do eixo é discutível, mas pode ser de até 1 ano após a interrupção do uso de glicocorticoides. Tais pacientes podem ter o eixo testado previamente à cirurgia, com teste da cortisona de baixa dose. Não é feito o teste convencional, pois representa dose suprafisiológica. Caso não seja prático testar o eixo desses indivíduos, deve-se introduzir regime de suplementação de glicocorticoides previamente à cirurgia. Caso o procedimento a que o paciente será submetido seja simples ou com anestesia local, pode-se usar apenas dose usual de reposição de glicocorticoide, como 5mg de prednisona ou 20 a 25mg de acetato de cortisona. Em procedimentos de estresse cirúrgico moderado, recomenda-se dose suplementar de 50mg IV de hidrocortisona antes da cirurgia e 25mg, a cada 8h, por 24 a 48h, podendo retornar a dose suplementar de glicocorticoide ou descontinuá-lo. Em estresses cirúrgicos considerados maiores, a literatura recomenda repor hidrocortisona em dose de 100mg antes da indução anestésica, mantendo 50mg IV, a cada 8h, por 48 a 72h, antes de descontinuar ou retornar ao esquema de reposição usual.
16. Resumo Quadro-resumo - O risco cirúrgico depende dos riscos da própria cirurgia, da idade do paciente e das suas comorbidades; - As cirurgias de emergência/urgência apresentam maior risco; - O risco cardiovascular nas cirurgias eletivas pode ser avaliado por teste de esforço; - A classificação ASA é pouco sensível em classificar adequadamente o risco perioperatório; - A avaliação de Goldman e Detski são mais sensíveis na avaliação do risco cardiovascular; - A utilização de beta-bloqueadores no perioperatório para pacientes de risco cardiovascular está associada à redução de eventos no perioperatório; - A avaliação laboratorial pré-operatória deve ser individualizada, de acordo com as morbidades de cada paciente.
152
CAPÍTULO
17
Diagnóstico diferencial da dor torácica Rodrigo Antônio Brandão Neto / José Paulo Ladeira
1. Introdução
Causa
A dor torácica, principalmente no contexto de pacientes na sala de emergência, pode ser de diagnóstico problemático, pois, embora na maioria dos casos apresente etiologias benignas, pode estar associada a patologias graves potencialmente fatais e de rápida evolução. O diagnóstico diferencial das patologias, que podem evoluir com dor torácica, é vasto, e torna-se quase impossível realizar a investigação complementar a todas essas possibilidades. Assim, a avaliação inicial a partir da história e do exame físico é importante para a triagem dos pacientes potencialmente graves. De forma mais específica, também é importante descartar as síndromes coronarianas agudas, o tromboembolismo pulmonar e a dissecção da aorta. As síndromes coronarianas representam cerca de 20% dos pacientes com dor torácica que procuram os serviços de emergência. Embora a minoria se apresente na forma de síndromes instáveis, esses indivíduos são os que apresentam a maior dificuldade na diferenciação de outras causas benignas.
2. Epidemiologia Um estudo relativamente recente, com cerca de 400 pacientes, descreveu as causas de dor torácica em diferentes serviços de emergência. Os resultados estão especificados na Tabela 1. Tabela 1 - Resultados do estudo que descreve as causas de dor torácica em diferentes serviços de emergência Causa Dor osteomuscular
Prevalência 36%
Prevalência
Gastrintestinal
19%
Causas cardíacas
16%
Angina estável
10,5%
Angina instável ou IAM
1,5%
Outras causas cardíacas
3,8%
Causas psiquiátricas
8%
Causas pulmonares
5%
Outras causas
16%
A dor por causa musculoesquelética é o principal motivo de procura por dor torácica em serviços de emergência, representando 36% das causas, em que a osteocondrite é responsável por 13% dos casos. Cerca de 60% dos casos de dor torácica não têm doença pulmonar, cardíaca ou mesmo gastrintestinal como causa básica. Considerando as causas gastrintestinais de dor torácica, menos de 20% dos pacientes com dor torácica apresentam uma causa que pode ter evolução potencialmente desfavorável. A prevalência de doença cardíaca é relativa à idade; em pacientes com menos de 35 anos, apenas 7% têm causas cardíacas como motivo da dor. Porém, em pacientes com mais de 40 anos e em especial aqueles acima de 50 anos, as causas cardíacas podem ter prevalência de até 50%. A Tabela 2 descreve as principais causas de dor torácica. Tabela 2 - Causas de dor torácica Dor óssea e neuromuscular - Lesões costais (fraturas/trauma/neurites); - Osteocondrite (síndrome de Tietze); - Neurite intercostal (herpes-zóster); - Outras causas de dor osteomuscular.
153
C ARDI O LOG I A Doenças gastroesofágicas - Refluxo gastroesofágico; - Espasmo esofágico; - Úlcera péptica e dispepsia; - Ruptura de esôfago. Transtornos psiquiátricos - Transtorno do pânico e outros distúrbios de ansiedade; - Transtornos somatoformes; - Quadros depressivos. Causas cardiovasculares - Síndromes coronarianas; - Pericardite; - Dissecção de aorta. Causas pulmonares - Pneumotórax; - Tromboembolismo pulmonar;
A dor torácica pode ser classificada em 3 subtipos: 1 - Angina típica: dor característica, provocada por esforço, aliviada com nitrato ou repouso. 2 - Angina atípica: 2 das características citadas na angina típica. 3 - Dor torácica não cardíaca: 1 ou nenhuma das características citadas. Outros fatores que sugerem a possibilidade do diagnóstico são a idade e a presença de fatores de risco para doença coronariana, como diabetes, tabagismo, dislipidemia e hipertensão arterial. As Tabelas 3 e 4 descrevem a possibilidade, em porcentagem, do diagnóstico de angina estável em pacientes com e sem fatores de alto risco de doença cardiovascular. Tabela 3 - Pacientes sem fatores de alto risco Dor não anginosa Idade
Outras causas - Cólica biliar; - Abscesso subfrênico.
3. Quadro clínico Pacientes que se apresentam no serviço de emergência com quadro de dor torácica, que potencialmente podem representar causa fatal, devem ser levados imediatamente para a sala de emergência, com o desfibrilador à disposição para uso eventual. As medidas iniciais para a estabilização incluem monitorização cardíaca, obtenção de acesso venoso e oxigênio suplementar. Durante o exame físico e a tomada da história, deve ser realizado um eletrocardiograma de 12 derivações com resultado em no máximo de 10 minutos da entrada no PS.
A - Dor torácica cardíaca por isquemia A história e o exame físico são bons recursos para o diagnóstico das síndromes coronarianas. As características da dor anginosa são dor em pressão, aperto, constritiva ou em peso, com duração usual de alguns minutos, e a localização é usualmente retroesternal, podendo ocorrer, ainda, em ombro, epigástrio, região cervical e dorso. A dor pode irradiar-se eventualmente para membros superiores (direito, esquerdo ou ambos), ombro, mandíbula, pescoço, dorso ou região epigástrica. Os fatores desencadeantes mais frequentes são o esforço físico e o estresse emocional. É aliviada, caracteristicamente, com o repouso ou uso de nitratos. Vale salientar que cerca de 1/3 dos pacientes com síndrome coronariana aguda não apresenta dor anginosa típica, particularmente em idosos ou diabéticos. Em algumas situações, podem acontecer os chamados sintomas equivalentes de isquemia, como desconforto torácico, dispneia, broncoespasmo e diaforese.
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Angina típica
Mulher
Homem
Mulher
Homem
Mulher
4
2
34
12
76
26
13
3
51
22
87
55
20
7
65
31
93
73
27
14
72
51
94
86
30 a 39 40 a 49 50 a 59 60 a 69
- Pneumonia e outras causas de pleurite. - Pancreatite;
Angina atípica
Homem
Tabela 4 - Pacientes com fatores de alto risco Dor não anginosa
Angina atípica
Angina típica
Mulher
Homem
Homem
3 a 35
1 a 19
8 a 59
45
9 a 47
2 a 22
21 a 70 5 a 43 51 a 92 20 a 79
55
23 a 59
4 a 25
45 a 79 10 a 47 80 a 95 38 a 82
65
49 a 69
9 a 29
71 a 86 20 a 51 93 a 97 56 a 84
Idade
Homem
35
Mulher
Mulher
2 a 39 30 a 88 10 a 78
A dor anginosa pode ser reproduzida também pela estenose aórtica, que apresenta a tríade de síncope, angina e dispneia ou sintomas de insuficiência cardíaca. Os pacientes podem apresentar, nas 2 situações, sopro sistólico no foco aórtico e sobrecarga ventricular esquerda. O diagnóstico é confirmado por ecocardiograma.
B - Pericardite Os pacientes apresentam-se com dor de característica pleurítica no hemitórax esquerdo, com piora durante a respiração, ao deitar ou deglutir. Há melhora quando o paciente se senta ou se inclina para frente. A apresentação típica engloba dor torácica respiratório-dependente, alterações ao ECG como supradesnivelamento do segmento ST ou infradesnivelamento de PR em várias derivações e presença de derrame pericárdico. Os pacientes podem, ainda, apresentar febre, e o quadro frequentemente é precedido por um quadro gripal. A dor é, em geral, mais aguda que a da angina e tem caráter
contínuo. Indivíduos com miocardite podem apresentar, ao ECG, aumento da duração do intervalo QRS e sintomas de insuficiência cardíaca.
C - Dissecção aguda de aorta A dissecção aguda de aorta é relativamente rara, embora apresente alto potencial de letalidade. A dissecção da aorta sempre deve ser considerada possibilidade em pacientes com dor torácica no serviço de emergência. Surge como dor torácica abrupta e de forte intensidade em 73% dos casos, com característica principalmente de pontadas agudas. Pode ser acompanhada por insuficiência cardíaca, principalmente secundária à insuficiência aórtica aguda ou por sangramento para o saco pericárdico com tamponamento e choque. Dependendo da extensão da dissecção, pode ocorrer oclusão arterial aguda de membros ou renal e mesentérica. Os pacientes costumam estar agitados, e é descrita a migração da dor seguindo o trajeto da aorta. Podem apresentar assimetria de pulsos e hipertensão arterial significativa, valorizando-se diferenças acima de 15mmHg entre cada membro. Cerca de 90% dos pacientes apresentam histórico de hipertensão arterial, doenças do tecido conectivo, como a síndrome de Marfan e Ehler-Danlos ou sífilis. Sintomas autonômicos, como diaforese e palidez cutânea, também são comuns. A confirmação do diagnóstico deve ser realizada com tomografia de tórax, e, na sala de emergência, pode ser utilizado o ecocardiograma transesofágico.
D - Tromboembolismo pulmonar Os pacientes apresentam-se tipicamente (2/3 dos casos) com dor, que pode ser pleurítica e costuma ser súbita. Dispneia e taquicardia são sintomas comuns e podem acompanhar o quadro. O uso de escores clínicos como o de Wells e Geneva ajuda na definição de risco de doença tromboembólica e facilita a investigação desses pacientes. Os critérios de Wells estão citados na Tabela 5: Tabela 5 - Probabilidade de TEP (critérios de Wells) Achado clínico
Pontos
Sintomas clínicos de doença tromboembólica
3
Outro diagnóstico menos provável que TEP
3
FC >100bpm
1,5
Imobilização ou cirurgia nas últimas 4 semanas
1,5
TEP ou TVP prévios
1,5
Hemoptise
1,5
Malignidade
1,5
- Alta probabilidade: escore >6; - Moderada probabilidade: escore de 2 a 6; - Baixa probabilidade: escore <2. Outras causas de dor torácica pulmonares incluem o pneumotórax espontâneo, que se apresenta com dor torá-
cica localizada no dorso ou ombros e é acompanhada de dispneia. Pode ter evolução para pneumotórax hipertensivo, em que os pacientes apresentam insuficiência respiratória e colapso cardiovascular. A percussão torácica se encontra timpânica, o murmúrio vesicular está abolido do lado do pneumotórax, a traqueia pode estar desviada, e ainda há a hipótese de estase jugular. A pneumonia e outras doenças parenquimatosas, principalmente as que se apresentam com envolvimento pleural, cursam com dor que geralmente tem piora ventilatória. O diagnóstico diferencial principal, nesses casos, passa pelas dores osteomusculares e neurites intercostais, que também apresentam tais características.
E - Dor esofágica e dispepsia Pacientes com refluxo gastroesofágico podem apresentar desconforto torácico, comumente em queimação, algumas vezes como uma sensação opressiva, retroesternal ou subesternal, podendo irradiar-se para pescoço, braços, dorso. Frequentemente, associa-se à regurgitação alimentar. O espasmo esofágico pode apresentar melhora com o uso de nitratos, causando dificuldade na diferenciação com síndromes coronarianas. Pacientes com úlcera péptica apresentam dor localizada em região epigástrica ou no andar superior do abdome, mas, algumas vezes, pode ser referida na região subesternal ou retroesternal. Habitualmente, ocorre após uma refeição, melhorando com o uso de antiácidos. A ruptura de esôfago acontece após trauma local ou vômitos intensos, principalmente após ingestão alcoólica aguda. A dor é intensa, retroesternal ou no andar superior do abdome, geralmente acompanhada de um componente pleurítico à esquerda. O diagnóstico pode ser sugerido pela presença de pneumomediastino, e em torno de 1/3 dos pacientes apresenta enfisema subcutâneo.
F - Dor osteomuscular e psicogênica Conforme já discutido, a dor osteomuscular, em geral, apresenta características pleuríticas por serem desencadeadas ou exacerbadas pelos movimentos dos músculos e/ou articulações que participam da respiração. A palpação cuidadosa das articulações ou dos músculos envolvidos quase sempre reproduz ou desencadeia a dor referida. Geralmente, a dor é contínua e com duração de horas a semanas. Frequentemente, tem uma localização em área específica, o que facilita a diferenciação com outros quadros. As dores por causas psicogênicas são comuns nos serviços de emergência e podem apresentar qualquer padrão, mas costumam ser difusas, de localização imprecisa, podendo estar associadas a utilização abusiva de analgésicos sem melhora sintomática e representam cerca de 30% dos casos de dor torácica em serviços de emergência, portanto, significativamente mais frequentes que as causas cardíacas.
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CARDIOLOGIA
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DA DOR TORÁCICA
C ARDI O LOG I A 4. Exames complementares Dependem da hipótese diagnóstica do paciente. Em geral, a abordagem visa excluir doença coronariana, sendo absolutamente fundamental a realização de eletrocardiograma no máximo em até 10 minutos, contados da chegada do paciente. O ECG será normal na maioria dos pacientes com dor torácica. Ainda assim, cerca de 5% dos pacientes com eletrocardiograma normal apresentam síndrome coronariana aguda. Por isso, outros dados de história são necessários para a exclusão precisa deste diagnóstico. A sensibilidade do ECG para o diagnóstico de IAM é de pouco mais de 50%. Assim, a necessidade de exames seriados e de observação com monitoração é imperiosa em pacientes com essa suspeita. Recomenda-se realizar um 2º ECG com intervalo de, no máximo, 3 horas após o 1º ou a qualquer momento, em caso de recorrência da dor torácica ou de surgimento de instabilidade clínica. Os pacientes com dor torácica suspeita de doença cardíaca podem ser subdivididos nos seguintes grupos: a) Infarto agudo do miocárdio. b) Provável isquemia aguda. c) Possível isquemia aguda. d) Provavelmente não isquêmica. e) Definitivamente não isquêmica. a) Infarto agudo do miocárdio: pacientes em que o ECG demonstra supradesnivelamento de ST ou aparecimento de bloqueio de ramo esquerdo novo. b) Isquemia aguda provável: pacientes com alta probabilidade de apresentar eventos adversos; devem apresentar pelo menos 1 dos critérios a seguir: - Instabilidade clínica: definida pela presença de hipotensão, arritmia ou edema pulmonar; - Dor torácica anginosa típica ocorrendo em repouso e com alterações isquêmicas no ECG; - Enzimas cardíacas elevadas. c) Isquemia aguda possível: pacientes com probabilidade média de apresentar eventos adversos e dor anginosa típica com pelo menos 1 das seguintes características: - Dor que se iniciou em repouso, mas sem dor no momento; - Dor em esforço de início recente; - Dor torácica com esforço “em crescendo”. d) Dor provavelmente não isquêmica: paciente com dor sem características de isquemia coronariana; tanto a história clínica como o ECG e os marcadores cardíacos não sugerem doença coronariana. e) Dor definitivamente não isquêmica:
- Paciente com forte evidência de outra etiologia para a dor;
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- O uso de nitrato sublingual e a observação da resposta
da dor a esta manobra não são suficientes para confirmar nem excluir a hipótese de doença coronariana. Ainda assim, alguns autores valorizam o seu uso, pois a resposta da dor torácica ao uso do nitrato sublingual aumenta a chance de doença coronariana, mas não apresenta acurácia suficiente para confirmar nem para descartar o diagnóstico, o que torna opcional esta manobra.
Em pacientes com suspeita diagnóstica de doença coronariana, os marcadores laboratoriais são importantes; os marcadores mais sensíveis e específicos são as troponinas (incluindo troponina T e I) que apresentam sensibilidade acima de 95% e especificidade em torno de 94% para o diagnóstico de IAM. Outra vantagem desse exame é que alguns estudos demonstraram correlação prognóstica entre sua elevação e mortalidade por IAM. Sua coleta deve ser realizada já na admissão e após 6 e 12 horas do início da dor. A troponina começa a elevar-se em 4 horas, com pico em 12 a 48 horas e permanece aumentada por 10 a 14 dias. Portanto, tal marcador perde sensibilidade para o diagnóstico de reinfarto, mas permite a identificação de infarto ocorrido anteriormente dentro do prazo descrito (7 a 10 dias). Deve-se ressaltar que a especificidade das troponinas diminui em pacientes com insuficiência renal, miocardite e tromboembolismo pulmonar. A mioglobina, por sua vez, é o marcador mais precoce disponível: altera-se em 2 a 3 horas após o infarto, com pico entre 6 e 12 horas e normalização em 24 horas. Sua maior utilidade é descartar precocemente necrose miocárdica, com valor preditivo negativo, em 4 horas após o início da dor, de quase 100%. Entretanto, o exame é inespecífico e necessita de confirmação com dosagem de troponinas e/ ou CK-MB. A CK-MB é sensível para o diagnóstico de IAM e deve ser utilizada para a definição de infarto quando a troponina não está disponível. Além disso, auxilia o diagnóstico de reinfarto, pois a troponina permanece elevada por longos períodos. Os exames de imagem, como radiografia e tomografia de tórax, são úteis para o diagnóstico de pneumonia, pneumotórax, entre outras condições cardiopulmonares. A tomografia de tórax apresenta boa sensibilidade para doenças pleurais, do parênquima e da vasculatura pulmonar. Apresenta grande utilidade para o diagnóstico de embolia pulmonar, com estudos recentes com sensibilidade próxima a 95% e para dissecção de aorta. Em alguns pacientes, em quem a suspeita de doença coronariana ainda persiste, pode-se lançar mão de testes não invasivos, como o teste de esforço, ecocardiograma com estresse farmacológico ou cintilografia miocárdica. O teste de esforço apresenta sensibilidade de 68% para o diagnóstico,
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DA DOR TORÁCICA
- Quanto ao local • Dissecção proximal: caso acometa a aorta ascendente (tipos I e II de DeBakey e tipo A de Stanford). Cerca de 65% dos doentes têm dissecção da aorta ascendente; • Dissecção distal: não acomete a aorta ascendente (tipo III de DeBakey e tipo B de Stanford). A dissecção da aorta descendente ocorre em 20% dos doentes.
- Quanto à evolução • Aguda: menos de 2 semanas do início dos sintomas (2/3 dos doentes); • Crônica: mais de 2 semanas do início dos sintomas (1/3 dos doentes). Tabela 6 - Métodos complementares para o diagnóstico da dissecção aguda de aorta Ecocardiograma transtorácico Sensibilidade de 63 a 96% e especificidade de 59 a 85%. Melhor acurácia para as dissecções proximais. Ecocardiograma transesofágico Sensibilidade de 98 a 99%; apresenta baixa especificidade, mas é o método de eleição em pacientes graves na sala de emergência. Tomografia helicoidal Sensibilidade de 83 a 100% e especificidade de 87 a 100%. Identifica a laceração intimal e complicações como derrame pleural e pericárdico, entre outras. Ressonância magnética Acurácia diagnóstica de quase 100%, mas de pouca disponibilidade no Brasil.
Essa classificação da dissecção de aorta é importante em relação ao tratamento dos pacientes, pois a dissecção proximal necessita de intervenção cirúrgica imediata, enquanto indivíduos com dissecção de aorta abdominal são manejados clinicamente, exceto nas seguintes condições: - Dor recorrente ou persistente, apesar do tratamento; - Expansão precoce; - Complicações isquêmicas periféricas; - Ruptura. Todos os pacientes devem ter pressão arterial controlada com beta-bloqueador e vasodilatador, de preferência nitroprussiato. Pacientes com dor torácica potencialmente associada a doença grave devem ser tratados com prioridade nos serviços de emergência. A instituição de unidades específicas nos serviços de emergência para o manejo tem demonstrado melhora da sobrevida, pois essas unidades permitem estabelecer protocolos para o manejo e acionar rapidamente intervenções necessárias, como trombólise e angioplastia para pacientes com supradesnivelamento do segmento ST e exames subsidiários de emergência para pacientes com dissecção de aorta, entre outras medidas.
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CARDIOLOGIA
com especificidade de 77%. É, usualmente, considerado positivo quando ocorre depressão do segmento ST maior que 1mm 60 a 80ms após o final do QRS (ponto J). Todavia, não é útil quando o ECG de repouso apresenta alterações que dificultem a sua interpretação, como bloqueios de ramo e sobrecarga ventricular esquerda severa. Os exames de cintilografia miocárdica apresentam sensibilidade e especificidade maiores que o teste de esforço, sendo indicados, principalmente, a situações que dificultem a interpretação do teste de esforço, como valvulopatia aórtica ou bloqueio de ramo esquerdo. O ecocardiograma de estresse físico ou com dobutamina ou dipiridamol também é útil para o diagnóstico de pacientes com suspeita de doença coronariana, com desempenho diagnóstico semelhante ao dos exames de cintilografia miocárdica. Ainda permite o diagnóstico de pericardite, tromboembolismo pulmonar e dissecção de aorta principalmente na sala de emergência. A tomografia computadorizada de coronárias avalia a carga de placas de ateroma, que é representada pela calcificação coronariana e também pode avaliar as obstruções coronarianas por meio da angiografia não invasiva. Uma meta-análise publicada recentemente mostrou o papel independente dos escores de cálcio coronariano na predição de eventos clínicos. O exame apresenta sensibilidade alta para o diagnóstico de doença coronariana próxima de 95%, mas sua especificidade é relativamente baixa – corresponde a apenas 66%. Não é útil para pacientes já com diagnóstico de doença coronariana. Recentemente, o uso de tomografia com multidetectores, que pode, com menor quantidade de contraste, avaliar a vascularização pulmonar, coronária e aórtica, tem sido advogado em serviços de emergência, mas ainda é discutível. Os pacientes com dissecção de aorta representam um desafio diagnóstico importante. A radiografia pode mostrar aumento do mediastino, sinal do cálcio (separação da calcificação da íntima de mais de 1cm da borda do arco aórtico) e derrame pleural (em geral, à esquerda), mas, em cerca de 15% dos pacientes, não há qualquer alteração radiográfica. O ECG também apenas apresenta sinais inespecíficos com hipertrofia do ventrículo esquerdo. O diagnóstico deve ser confirmado em pacientes graves e que não possam ser removidos da sala de emergência com ecocardiograma transesofágico. Nos casos em que podem ser removidos, o exame de escolha é a tomografia helicoidal ou a ressonância magnética. Em alguns raros casos, pode ser necessária a realização de aortografia, principalmente quando existem vísceras mal-perfundidas ou a necessidade de intervenção percutânea. A dissecção de aorta pode ser classificada em relação ao local e ao tempo de evolução:
C ARDI O LOG I A
Figura 1 - Atendimento do doente com dor torácica, sugerido pelo American College of Emergency Physicians
5. Resumo Quadro-resumo - Dor torácica na sala de emergência é uma entidade clínica que exige cuidado no seu manejo, pois existem causas potencialmente fatais que podem ser confundidas com outras de evolução benigna; - A dissecção de aorta, o tromboembolismo pulmonar e a síndrome coronariana aguda são as patologias que cursam com dor torácica e maior risco de mortalidade; - A causa mais frequente é a dor musculoesquelética; - Idealmente, os pacientes com causa de dor torácica aguda de origem não definida devem ser avaliados em unidades de dor torácica para esclarecimento efetivo da causa, conforme protocolos institucionais.
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