Gilberto Bercovici
Desigualdades Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. São Paulo: Max Limonad, 2003. O positivismo jurídico buscou, a partir do final do século XIX, a depuração metodológica dos elementos políticos, socias, históricos e filosóficos da Teoria do Estado. Inspirados pela pandectística, os positivistas como os alemães Carls Friedrich von Gerber e Paul Laband e o italiano Vittorio Emanuele Orlando, viam no Direito Privado o exemplo a ser seguido, buscando a adoção de uma metodologia “exclusivamente jurídica”. “exclusivamente jurídica”. Fundamentado sua argumentação em construções meramente
conceituais, os teóricos positivstas retiraram a possibilidade de conhecimento do Estado concreto. (44) O ponto culminante do positivismo jurídico foi representado por Hans Kelsen, com sua Teoria Geral do Estado ( Algemeine Algemeine Staatslehre), Staatslehre), de 1925, que pautou boa parte do debate juspubliista dos anos da República de Weimar (1918-1933). Esta debate, travado tr avado entre figuras como Hans Kelsen, Carl Schmitt, Rudolf Semnd e Hermann Heller, é, até os dias de hoje, de crucial importância para o estudo das concepções do Estado e Constituição. Ao normativismo positivsta de Kelen, opuseram-se várias doutrinas e concepções, cujo ponto comum era o desejo de introduzir o político na análise (45) da ordem normativa concernente ao Estado, tentando se aproximar a realidade constitucional e política. (46) Kelsen afirma que a conceituação de Estado e direito como enetes distintos gera, como consequência, a distinção entre uma teoria sociológica e uma teoria jurídica do Estado, conforme Jellinek havia proposto. Isto tornaria a Teoria Geral do Estado contraditória, pois o Estado seria objeto de duas ciência toalmente distintas, com dualidade de métodos e diversidade de finaldiades e questionamentos. Para solucionar esta problemática, Kelsen destaca como específico do Estado, do ponto de vista jurídico, o fato de este ser um sistema de normas. Assim, a existência objetiva do Estado seria a própria validade objetiva objetiva das normas normas que constituem a ordem estatal. Para Kelsen, o Estado é um sistema de normas, assim, não pode ser mais do que o ordenamento jurídico. As relações entre o Estado e o direito significam, para Kelsen, identidade entre ambos, ao identificar o Estado como o ordenamento jurídico positivo.
Sendo o Estado o próprio ordenaemnto jurídico, a Teoria do Estado passa a ser possível enquanto disciplina jurídica, coincidindo com a Teoria do Direito. (46) Dentro da sua teoria, Kelsen isola o Estado (=ordenamento) da política, pois a política é a doutrina do Estado justo, ideal, distinguindo-se da Teoria do Estado, que é a doutrina do Estado possível, concreto e real, que é o direito positivo. E este ém talvez, o grande problema da teoria kelseniana: a sua dedicação em despolitizar a Teoria do Estado, tendo em vista a impossibiliadde da emancipação do conhecimento científico da realidade histórico-social. (47) - Nota 46 – Podemos, ainda, afirmar que a separação proposta por Kelsen entre direito e política não tem como prosperar no âmbito do Direito Constitucional. A Constituição preserve os princípios fundamentais que conforma o ordenamento jurídico, a forma e a estrutura do Estado e do governo, estabelece as competências e atribuições dos órgãos de direção política e se tomam as decisões dos órgãos político-constitucionais. (47). Na opinião de Troper, o mérito da teoria kelseniana foi a de destacar o Estado como conceito jurídico. Nã é mais possível, depois de Kelsen, existir alguma concepção de Estado que não pressuponha um conceito jurídico. (47) Além da crítica à despolitização do Estado, que, para Paulo Bonvides, dissolveu a legitimidade na legalidade, a Teoria Geral do Estado de Kelsen também pode ser questionada pelo seu reducionismo. O Estado não pode ser reduzido apenas a um dos seus elementos, seja o orndeamento jurídico, o território, ou qualquer outro. A função de uma Teoria do Estado é tornar compreesnível o conjunto ou a totalidade do Estado concreto, sob pena de este perder sua legitimidade. Combatendo os postulados kelsenianos, Rudolf Semnd desenvovou em seu livro constituião e Direito Constitucional , de 1928, a “Teoria da Integração. (...) De acordo com Smend, o objeto da Teoria do Estado é o Estado enquanto parte da realidae espiritual, que se caracteriza por um processo de atualização funcional, por um contínuo processo de confiugração social. Esse processo de renovação constante, que é o núcleo substancial da dinâmica do Estado é a integração. O Estado existe unicamente por causa e na medida em que se faz imerso neste processo de auto-integração. Entretanto, od ireito não está, segundo Smend, entre os fatores da integração estatal. E esta é a grande c´ritica à teoria de Rudolf Semnd: a de ter subestimado o elemento normativo da realidade estatal, excluindo o direito de sua apreciação. Não é possível compreender o
Estado sem consideração de sua dimensão (48) normativa, do mesmo modo que não podemos limitá-lo à esfera jurídica. (49) Para Hermann Heller, todo conhecimento sobre o Estado deve partir do pressuposto de que a vida estatal inclui sempre aquele que a investiga, que pertence a ela de um modo existencial e nunca pode abandoná-la. O Estaod nunca é um objeto estranho àquele que o estuda. Um dos grandes equívocos dos autores positivistas (Gerber, Laband, Jellinek e Kelsen) foi o de ignorar a problemática política de seu tempo, acreditando ser possível uma total emancipação do conhecimento científico sobre o Estado da realidade histórico-social. (49) A proposta de Heller, que adotamos neste estudo, é a Teoria do Estado como ciência da realidade. O objeto de investigação para a ser a função do Estaod dentro da realidade social concreta, rejeitando-se a ideia de que o Estado é inveria´vel, constante ao longo do tempo. Não se pode construir uma Teoria do Estado com critério de universlaidade para todos os tempos e situações. O Estado devfe ser entendido historicamente, vinculado às relações político-ideológicas e de poder, que o conformam. (No mesmo sentido Bonavides, do Estado Liberla ao Estado Social, pp. 124-126) (49) .. O Estado Social A transição do Estado Liberal ao Estado Social se dá aos poucos, com o Estado liberal, ao longo do tempo, emendando-se, contradizendo-se, mudando seus parâmetros. O direito trambém se modifica, enunciando prestações positivas, o que reforça suas ligações com a política. O Estado deixa de ser apenas o poder soberano para, também, tornar-se o principal responsável pelo direito À vida, concretizado por meio de direitos sociais. (50) Com o advento do Estado Social, governar passou a não ser mais a gerência de fatos conjunturais, mas também, e sobretudo, o planejamento do futuro, com o estabelecimento de políticas a médio e longo prazo. Com o Estado Social, o government by policies vai além do mero government by law do liberalismo. A execução de políticas públicas, tarefa primordial do Estado social, com a consequente exigência de
racionalização técnica para a consecução dessas mesmas políticas, acaba por se revelar muitas vezes incompatível com as instituições clássicas do Estado Liberal. A suposta antinomia entre Estado de Direito e Estado Social tem um caráter ideológico de que a reestrutação democrático-social não pode ser feita pelo Estado de Direito, refeltindo a ideia de que a Constituição representa apenas uma limitação do poer estrutural. Dessa forma, os fins políticos-sociais devem ser relegados para a administração, sendo o Estado Social, consequentemente, contrário às libedades individuais. A conclusão deste raciocínio é a incompatibilidade entre o Estado de Direito e o Estado Social no plano de uma mesma constituição. Esta falsa dicotomia entre Estado de Direito e Estado Social ignora a origem da própria expressão “Estado Social de Direito” ( sozialer
Rechtsstaat ), elaborada em 1929, por
Hermann Heller. Na sua concepção, a maneira de se evitar o fascismo era desenvolver o Estado de Direito até as últimas cosnequências, garantindo um mínimo de solidariedade. A ampliação (51) da democraica era contraposta à alternativa, cada vez mais defendida por determinados setores, de implantação de uma ditadura fascista na Alemanha. Para Heller, o Estado Social de Direito superaria o positivismo e rematerializaria, ou seja, aproximaria da realidade, o Estado. O Estado Social serial, também, um passo a mais na democratização do Estado. Com a democracia social, amplia-se a esfera democrática para regulação dos setores econômicos, com a ordem econômica e social colocada à disposição da vontade popular, democraticamente manfiestada (...) Com as novas tarefas do Estado, o livre desenvolvimento é fundado nas próprias prestações estatais. Ou seja, confia-se à instância estatal toalizante o poder de decidir, em nome de todos, o que é o bem de cada um, por meio de direitos sociais. Isto só pode ocorrer efetivamente quando o pressuposto do Estado Social é a democracia. Desta maneira, o arbítrio dos poderes públicos é evitado meidante a reserva da lei e o princípio democrático, característicos do Estado de Direito. (52) O objetivo primorida do Estado Social, assim, torna-se a busca da igualdade, com a garantia da liberdade. O Estado não se limita mais a promovar a igualdade formal, a igualdade jurídica. A igualdade procurada é a igualdade material, mas não perante a lei, mas através da lei. A igualdade não se limita a liberdade. O que o Estaod busca garantir é a igualdade de (52) oportunidades, o que implica na liberdade, justificando a intervenção estatal. (53) ..
O Estado Social fundamenta e consolida a unidade política materialmente, tornando-se o locus da luta de classes. Sua função, geralmente, é de mediador, tantando buscar a integração social, com base em um mínimo de valores comuns. Não há, portanto, o desaparecimento da luta de classes, mas a criação de meios que garantam que ela não irá, necessariamente, se degenerar em um confonto aberto. (53) Em nenhum lugar do mundo, o Estado Social é uma realidade acabada, mas está em constante realização. A concretização do Estado Social está ligada à ideia de transformação global da sociedade, que constitui, segundo José Reinaldo de Lima Lopes, uma das características do Estado do século XX, consubstanciada na crença de que o direito pode ser utilizado, pleo Estado, para promover mudanças na sociedade. A possibiliadde (53) da transformação social faz com que, embora tenha se desenvolvido nos países industrializados, o Estado Social inspiire inúmeros países subdesenvolvidos, do memso modo, e, na maioria dos casos, com as mesmas frustrações, que as instituições democrático-liberais do século XIX. (54) O Estado Social europeu, com suas possibilidades de transformação, influenciou a estruturação e atuação do Estado desenvolvimentista latino-americano. Não existe uma única configuração de Estado Social, mas inúmeras, cada uma com seu desenvolvimento ligado às diferentes forças históricas que moldaram sua tragetória. Não podemos classificar um Estado como Estado Social simplesmente porque ele se auto-denomina assim, nem por meio da mera compração de gastos nos setores. O elemento essencial a ser analisado é a estrutura do Estado. Há dúvidas se podemos considerar um Estado desenvolvimentista com o o brasileiro, um Estado Social. Para tentarmos solucionar esta questão, precisamos diferenciar a concepção de Estado Social em Estado Social em sentido estrito e Estado Social em sentido amplo. O Estado Social em sentido estrito é o Estado de bem-estar ( Welfare State, État Providence), caracterizado pelo amplo sistema de seguridade e assistência social. Já o Estado Social em sentido amplo é o Estado intervencionaista. Desta maneira, se nos limitarmos à concepção de Estado Social em sentido estrito, o Estado (54) desenvolvimentista brasileiro não é um Estado Social. Na melhor das hipóteses, pela Constituição de 1988, é um Estado Social em construção. (55) ... A autonomia do Estado brasileiro nunca foi plena, dependendo das inúmeras forças políticas heterogêneas e contraditórias que os sustentam. No entanto, segundo Sônia
Draibe, é justamente esta heterogeneidade que permitiu ao Estado uma certa liberdade para exercer o papel de árbitro e regulador das relações sociais, legitimando-se por meio do caráter geral e universal atribuído à sua atuação. Embora seja uma autonomia limitada a um espaço político determinado, a direçaõ do Estado brasileiro, é impulsionada não pela burocracia, mas pela Presidência da República, particularmente após a Revoluçaõ de 1930. O setnido da ação estatal dá-se pela hierarquização dos interesses sociais, definidos e articulados em suas políticas ou omissões. Não é uma direção auto-determinada, mas também não se reduz ao jogo das forças políticas, levandos-e em consideração que a autaçaõ do Estado altera constantemente as mesmas correlações de força que constituem sua base material. E foi precisamente esta direção do Estado, no contexto de uma esfeera de atuação autônoma limitada, que propiciou, apesar das restrições, a realização de um projeto de desenvolvimento fundado na industriaçização e na tentativa de autonomia nacional (60) – A etapa decisiva de Constituição do Estado brasileiro ocorre a partir da Revoluçao de 1930. As tarefas a serem enfrentadas eram inúmeras: a centralização e unificação do poder estatal, a “estatização das relações sociais”, quando os vários segmentos da
sociedade passsaram a buscar o Estado como locus privilegiado para garantir ou ampliar seus interesses, a intervenção econômica minimamente planejada, a construção de um aparelho burocrático-administrativo, etc. ... O Estado brasileiro constituído após a Revolução de 1930, é, portanto, um Estado estruturalmente hterogêno e contraditório. É um Estado Social sem nunca ter conseguido instaurar uma sociedade de bem-estar: moderno e avançado em determinadpos setores da economia, mas tradicional e repressor em boa parte das questões sociais. Apesar de ser considerado um Estado forte e intervencionista é, paradoxalmente, impotente perante fortes interesses privados e corporativos dos setores mais privilegiados. (61)
Em uma democracia, não pode existir uma Teoria od Estado à mergem da Constituição. O Estado Constitucional só existe e permanece por meiod e um processo político constitucionalmente regulado. Estado e Constituição são objetos de estudo indissoluvelmente vinculados. (271)
Elaborar ou adotar uma Teoria da Constituição não signifcia a possibilidade de utilização de qualquer concepção de Constituição. Se pudesse ser escolhido qualquer modelo constitucional, a Constituição não passaria de um texto formal que admite interpretações totalemten diversas, inclusive contra seus dispositivos. O que se necessita é de uma Teoria da Constituição vinculante, que não seja fruto de interpretaçoes meramente subjetivas ou de condições políticas conjunturias. Deste modo, só será possível como Teoria da Constituição aquela que está implícita ou explicitamente contida na Constituição positiva, orientada pelo seu caráter geral e finalidade normativas, que pode ser conehcida através de métodos racionais. (272) (...) A definição de uma Teoria da Constituição deve ser obtida a partir de sua inserção e função na realidade hsitórica, cujo ponto de partida é a própria Constituição, suas decisões e princípios fundamentais. (272 – Nota 771 – Nas palavr as de Friedrich Müller, “as noções de Estado e as concepções constitucionais fundametnam e preparam certos tipos de pré-compreensão. Elas especificam, enqunato são consequentes, o horizonte de interpretação que surge, consciente ou inconsciente das questões concretas. ( juristicsche Methodik , pp. 282-283) Os enunciados da Teoria do Estado e da Teoria da Constiutição têm importância ufndamental como elementos de concretizçaão do Direito e da Constituição e nas posições adoatdas pelo pensamento jurídico. Constituem, assim, uma fonte decisiva para os resultados da realização da Constituição, reforçado sua normatividade. (273) As teorias processuais da Constituição As teorias processuais, em sua quase totalidade, consideram a Constituição um simples instrumento de governo, definidor de competências e regulador de procedimentos. Geroges Burdeau alega que, apenas com a fixação de procedimentos para as forças políticas, consegue-se evitar a relativização das normas constitucionais. (...) A Constituição não é uma ordem estática realtiva à filosifa de um regime é, também, cheia de elementos diversos e contraditórios. A Constituição não é uma ordem para o futuro, mas uma ordem de equilíbrio, essencialmente estática. (274) Desta maneira, para estas teorias, a Constituição deve ser entendida apenas como uma norma jurídica superior, abstraindo-se dos problemas de legitimação e domínio da sociedade. A Constituição como instrumento formal de garantia não possui qualquer conteúdo social ou econômico, sob a justificativa de perda de juridicdade do texto. As
leis constitucionais só servem, então, para garantir o status quo. A Constituiçao estabelece competências, preocupando-se com o procedimento, não propriamente com o conteúdo das decisões, com o objetivo de criar uma ordem estável dentro da complexidade da sociedade contemporânea. (275) Debate Tribe e Ely A Constituição norte-americana, segundo Laurece Tribe e Cass Sunstein, é composta por inúmeros dispostivos substantivos, não havendo qualquer justificativa em considerá-la predominantemente como um processo. A ideia de democracia não é, exclusivamente, procedimental, mas substantiva também. Além disto, os próprios dispostivios procedimentais não podem ser adequadamente, compreendidos e aplicados sem uma teroia dos direitos fundametnais, que deriva, precisamente, do tipo de controvérsia que os procedimentalsitas querem tirar da Constituição e deixar, exclusivamente, no campo da política. (277) – No mesmo sentido, nota 792 – Cass R. Sunstein, The partial Constitution, p. 104. O que podemos depreender da disputa constitucional norte-americana é, de um lado, que nenhuma fundamentaçaõ de valores pode ignorar o texto constitucional, buscando eleemntos sem qualquer ligação com a Constituição. Por outro lado, a abertura dos valores constitucionais não significa que não tenham significado jurídico, passíveis de ser ignorados pelo legislador ou pelo intérprete. (278) A Constituição, ao contrário do que defendem as teorias procedimentais, não fixa apenas os meios, sem se comprometer com os fins. A Constituição fixa também os fins, como o desenvolvimento e a superação das desigualdades regionais, previstos no artigo 3º. da nossa Constituição (281) ... As teorias materiais da Constituição de Rudolf Semnd e Hermann Heller, denominadas de concepção “dialético-cultural” da Constituição, por Marcelo Neves, são as que mais influenciaram o atual entendimento de teoria material da Constituição (284) Em sua Teoria da Integração, Smend tentou tornar a Constituição o ponto de referência da Teoria do Estado. Do conceito de Constituição elaborado por Semnd, podemos perceber que o aspecto relevante, para ele, não é o da normatividade da Constituição,
mas sua realidade integradora, permanente e contínua. A Constituição é uma ordem integradora, graças aos seus valores materiais próprios. Além disso, ao se constituir como um estímulo, ou limitação, da dinâmica constitucional, estrutura o Estado como poder de dominação formal. Para a compreensõa da Constituição, é necessária a inclusão, no texto escrito, das forças sociais. A Constituição deve levar em cotna todas as motivações sociais da dinâmica política, integrando-as progressivamente. Para Semnd, o dinamismo político-social não poder ser abarcado, na sua totalidad,e pelso dispostivos constitucionais, mas pela elasticidade e capacidade transformadora e supletiva de sua interpretação. E, nesta interpretação, os princípios constitucionais são fundamentais, pois definem o Estado como ente concreto, fixando suas características territorias e políticas. De acordo com a teoria de Hermann Heller, toda Constituição estatal, a Constituição política total, tem dois conteúdos parciais: a Constituição não normada e a normada e, dentro desta, a normada juridicamente e a extra-juridicamente. Segundo Heller, não podem ser completamente separados o dinâmico e o estático, a normaliadde e a normatividade, o ser e o dever ser no conceito de Constituição. A Constituição não normada é apenas um conteúdo parcial da Constituição total. A normalidade tem sempre que ser reforçada e completada pela normativiadde. Sobre a infra-estrutura da (285) Constituição não normada, e influenciada, essencialmente, por esta infraestrutura, ergue-se a Constituição normada. (286) Para Heller, seguindo Lassalle, existe a Constituição real, que todo Estado possui a qualquer tempo, composta pelas relações reais de poder que se dão em um país. A Constituição juridicamente normada, todavia, também é expressão das relações de poder, não uma mera formação normativa de sentido, separada da realidade social. Para Heller, compete à Teroai do Estado demonstrar como a Constituição real do Estado moderno tornou particamente necessária uma Constituição jurídica objetivada. A Constituição jurídica objetivada, distinta da Constituição política total do Estado, é, na realidade, a normação do processo de renovação contínua da Constituição política total, por isso, ela é constantemente atualizada pelos homens. A unidade da organização esttal é condicionada pela estrutura sistemática de sua ordenação, tanto real como normativa. Todos os habitantes estão submetidos, mediata ou imediatamente, à unidade fundamental de decisão e devem contribuir para a unidade de ação central. Deste modo, o Estado precisa de uma Constituição normativa,
entendida com a ordenação consciente da realiadde social segundo um plano, ideia consagrada pelas revoluções liberais. A Constituição do Estado moderno, para Heller, caracteriza-se pela normatividade. Desta maneira, deve enfrentar o problema de harmonizar a permanência das normas constitucionais com a mudança constante da realidade social. Os preceitos jurídicosconstitucionais só podem ser concebidos, de modo pleno, partindo-se da totalidade da Constituição política. Segundo Heller, os preceitos constitucionais adquirem sentido quando relacioandos com os princípios jurídicos, expressão da realidade social. A normalidade social se expressa, assim, em princípios jurídicos, permitindo a continuidade da norma com a mudança social: o texto constitucional permanece, mas seu sentido pode ser modificado. Os princípios jurídicos, para Heller, são os meiso pelso quais a realidade social penetra na normatividade estatal. (286) Com toda esta exposição sobre várias teorias da Constituição, pretendemos evidenciar a necessidade de uma teoria material da Constituiçaõ que nos permita compreender, a partir do conjunto total de suas condições jurídicas, políticas e sociais, o Estado Constitucional Democrático. Teoria material da Constituição, e não teoria processual, por ser o nosso objetivo entender a Constituição em sua conexão com a realidade social. E a concepção material de Constituiçaõ é voltada pra o conteúdo e matéria dos dispositivos constitucionais, não, exclusivamente, sua forma. A teoria material da Constituição tem que se preocupar, também, com o setnido, fins, princípios políticos e ideologia que conforma a Constituição, a realidade social da qual faz parte, sua dimensão histórica e sua pretensão de transformação. (287) A Constituição não pode ser entendida isoladamente, sem ligações com a teoria social, a história, a economia e, especialmente, a política. Por outro lado, a juridicidade da Constituição é essencial para a teoria material da Constituição aqui proposta. A Constituição real e a Constituição normativa estão em constante contato, em relação de coordenação. Condiciona-se, mas não dependem, pura e simplesmente, uma da outra. A Constituição não é apenas uma “folha de papel”, não está desvinculada da realidade
histórica concreta, mas, também, não é simplesemnte condicionada por ela. Em faca da Constituição real, a Constituição possui significado próprio. As funções da Constituição podem ser sintetizadas, para Hans Peter Schneider, em três dimensões: a dimensão democrática (formação da unidade política), a dimensão liberal
(coordenação e limitação do poder estatal) e a dimensão social (configuração social das condições de vida). . Todas estas função são inteligadas, condicionando-se mutuamente. (...) Fundamentalmente, a Constituição, como afirmou Hans Peter Schneider, é direito político: do, osbre e para o povo. (288) – Hans Peter Schneider, La Constitución – Función y Estructura, pp. 39-43. A Constituição de 1988, ao exercer esta função diretiva, fixando fins e objetivos para o Estado e para a sociedade, é classificada como uma “Constituição dirigente”. Mas, também, é uma Constituição “aberta”: a abertura das normas constitucionais significa
que a Constituição não se fecha em si própria. Este é um instrumento conscientemente utilizado, para não retirar das forças políticas a margem de manobra necessária para atuarem, possibilitando a discussão em torno de principais alternativas da ativiadde política. Favorece-se, assim, uma compreensão dinâmica da Constituição. Esta marge, no entanto, não é ilimiatda, pois a Constituição, especialmente por meio dos seus princípios fundamentais, estabelece, de modo vinculante, o que não deve permanecer aberto. Além disto, a Constituição outorga às instituições as competências e procedimentos pelos quais deverão ser decididas as questões em aberto. Ou seja, embora “aberta”, as suas características essenciais não são modificáveis: admite várias interpretações, mas não qualquer interpretação. (289) A principal crítica às Constituições que contém programas de atuação, chamadas de “Constituição dirigente”, como a nossa, é a acusação de (289) que elas “prendem” os
sucessivos governos à realização de seus objetivos, não respeitando o ideal de alternância política dos governos. A discricionariedade das políticas de governo é larga, mas não absoluta. Discricionariedade não significa plena liberdade, nem arbitrariedade, afinal, os governos constitucionais devem atuar de acordo com a Constituição. Do mesmo modo, a política não pode ser conduzida simplesmente por juízos de oportunidade, mas também está vinculada a padrões e parâmetros jurídicos, especialmente constitucionais. Ao contrário do que alegam seus críticos, a Constituição não substitui a política. Do mesmo modo, a Constituição é base para a legislação, mas a legislação não é simples execução da Constituição. O legislador tem margem de atuação política própria, embora possa ser limitada pelas diretrizes constitucionais. A Constituição, portanto, não é neutra, pos contém um programa de atuação que se impõe para o Estado e a sociedade. Isto também não quer dizer que o texto constitucional tira a liberdade de opções políticas dos cidadãos. Este programa é, nas
palavras de Díaz Revorío, “suficientemente abierto”, garantindo o pluralismo político. E é, também, este programa o principal conteúdo, ao lado dos direitos fundaemtnais e da democracia, do texto constitucional, incluído no caso da Constituição de 1988, entre os princípiso fundamentais, no seu artigo 3º: (290) “Artigo 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I –
construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preonceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outra s formas de discriminação”. O artigo 3º da Constituição de 1988 faz parte dos princípios constitucionais fundamentais. A característica teleológica destes princípios (291) lhes confere relevância e função de princípios gerais de toda ordem jurídica, definindo e caracterizando a coletividade política e o Estado ao enumerar as principais opções político-constitucionais. (292) Um dos principais críticos da teoria dos valroes foi Carl Schmitt. Para Schmitt, o perigo da jurisprudência dos valores ecnontra-se na não-superação da teoria subjetiva dos valroes, ou seja, não é possível a obtençaõ de valores objetivos. Deste modo, par que se atinja o “valor supremo”, tudo é possível: os valores valem “para” alguém, mas, também, sempre “contra” alguém. Com a hierarquização dos valores, há, na realidade, a “tirania dos valores”, fundada na própria ação de valorizar (292).
Os princípios constitucionais fundamentais também têm a funçãod e identificação do regime constitucional vigente, ou seja, fazem parate da fórmula política do Estado. A fórmula política individualiza o Estado, pois diz respeito ao tipo de Estado, regime político, valores inspiradores do ordenamento, fins do Estado, etc. Também define e delimita a identidade da Constituição perante seus cidadãos e a comunidade internacional. (293) ... O artigo 3º da Constituição de 1988, além de integrar a fórmula política, também é, na expressão de Pablo Lucas Verdú, a “cláusula transformadora” da Constituição. A ideia de “cláusula transformadora” está ligada ao artigo 3º da Constituição italiana, de 1947 e ao artigo 9º, 2 da Constituição espanhola de 1978. Em ambos os casos, a “cláusula
transformadora” explicita o contraste entre a realidade social injusta e a necessidade de
eliminá-la. Deste modo, impedem que a Constituição consideraasse realizado o que ainda está por se realizar, implicando na obrigaçaõ do Estado em promover a transofrmação da estrutura econômico-social. Os dois dispositivos constitucionais buscam a igualdade material através da lei, vinculando o Estado a promover meios para garantir a existência digna para todos. A eficácia jurídica destes artigos, assim como a do nosso artigo 3º, não é incompatível com o fato de que, por seu conteúdo, a realização destes preceitos tenha caráter progressivo e dinâmico e, de certo modo, sempre inacabado. Sua concretização não significa a imediata exigência de prestação estatal concreta, mas uma atitude positiva, constante e diligente do Estado. Do mesmo modo que os dispositivos italiano e espanhol mencioandos, o artigo 3º da Constituição de 1988 está voltado para a transformação (294) da realidade brasileira: é a c”cláusula transformadora” que objetiva a superação do subdesenvolvimetno. (295)
Resta, ainda, esclarecermos que, embora fixe um programa de atuação para o Estado e a sociedade barsileiros, o artigo 3º da Constituição não é uma norma programática. Sua eficácia, como princípio fundamental, é imediata. Portanto, não há nenhum fundametno na proposta esdrúxula de regulamentar o artigo 3º, III da Constituição de 1988. (295) A fixação constitucional dos objetivos da república brasileira no artigo 3º da Constituição de 1988 remete-nos a um dos problemas fundamentais da Teoria do Estado, a questão dos fins do Estado. O Estado, (295) como toda instituição humana, tem uma função objetiva que nem sempre está de acordo com os fins subjetivos de cada um dos homens que o formam. (296) (...) A determinação do sentido do Estado é de crucial importância para a sua compreensão. Sem uma referência ao sentido do Estado, os conceitos da Teoria do Estado seriam vazios de significado, não sendo possível diferenciá-lo, inclusive, de outras organizações sociais. A observação dos fins do Estado é uma forma de controlar sua atividade política, pois os fins não afirmam tanto o que acontecerá, mas o que não deve ser feito. A atribuição de fins ao Estado significa, praticamente, sua justificação, que, para Hermann Heller, equivale à sua própria existência: o poder estatal vive de sua justificação. (296)
Os princípios constitucionais fundamentais, como o artigo 3º, possuem caráter obrigatório, com vinculação imperativa para todos os poderes públicos, ou seja, conformam a legislação, a prática judicial e a atuação dos órgãos estatais, que devem agir no sentido de concretizá-los. São marcos do desenvolvimento do orndenamento, paontando objetivos e proibindo o retrocesso, funcionando como parâmetro essencial para a interpretação e concretização da Constituição. (298) Enquanto instrumento de transformaçaõ social, a ideologia constitucional não é neutra, é política e vincula o intérprete. Os princípios constitucionais fundamentais, como o artigo 3º da Constituição de 1988, são a expressão das opções ideológicas essenciais sobre as finalidades sociais e econômicas do Estado, cuja realização é obrigatória para os órgãos e agentes estatais e para a sociedade ou, ao menos, os detentores de poder econômico ou social fora da esfera estatal. (299) Consituti o artgio 3º da Constituição de 1988 um verdadeiro programa de ação e de legislação, devendo todas as ativiaddes do Estado brasileiro, inclusive as políticas públicas, medidas administrativas e decisões jurídicas, conformarem-se formal e materialmente, ao programa inscrito no texto constitucional. Qualquer norma infranconstitucional deve ser interpretada com referência aos princípios fundamentais. (299) Toda interpretação está vinculada ao fim expresso na Constituição, pois os princípios constitucionais fundamentais são instrumento essencial para dar coerência material a todo o orndemento jurídico. Além disto, há a vinculação negativa dos poderes públicos: todos os atos que contrariem os princípios constitucionais fundamentais, formal e materialmente, são inconstitucionais. .... Para que a Consituiçaõ seja dotada de força normativa, devemos entender a interpretação constitucional como concretização. A concretização da Constituição não pode ser confundida com a noção tradicional de mera subsunção do fato à norma (“aplicação do direito”). O conceitod e concretização, aqui adotado, exposto por
Friedrich Müller, não parte do pressuposto de que a norma existe previamente ao caso particular, para cuja resolução seria, então, individualizada. No nosso caso, a concretização trata da construção da própria norma a partir do texto (regra de direito, texto oficial), este sim pré existente. (300)
O limite intransponível de toda e qualquer interpretação é o texto constitucional. Esta é uma das maneiras de se evitar arbitrariedades do Poder Judiciário, (308) obrigando-o a respeitar também a democracia. (309) (...) Este princípio básico do Estado Democrático de Direito não é respeitado pelo órgõa de controle de constitucionalidade brasileiro. O que ocorre no Brasil é, na expressãode Marcelo
Neves,
a
“concretização
“desconstitucionalização fática” ),
desconstitucionalizante”
(ou
ou seja, a deturpação do texto constitucional no
processo de concretização. A concretização normativo-jurídica do texto constitucional é bloqueada de modo permanente e generalizado por fatores econômicos ou políticos, não havendo qualquer relação consistente entre texto e a concretização. Como resultado, a Constituição não se torna uma referência válida para os cidadãos, em geral, e para os agentes públicos, em particular, cuja a atividade se desenvolve apesar dela e até contra os sesu dispostiivos. (309) Não bata ter constituição, segundo Pablo Lucas Verdú, é preciso estar em Constituição, ou seja, é preciso concretizá-la. Este é o grande dilema da Constituição de 1988: a sua concretização (312)