GINECOLOGIA / OBSTETRÍCIA Aula 07 – 04.OUT.2007
FISIOLOGIA DO TRABALHO DE PARTO - PARTOGRAMA DOCENTE que leccionou: Dr. Nuno Clode DISCENTE que realizou: Diana Bernardes FISCALIZADOR: Rita Isabel Roussado José Jotta de Oliveira BIBLIOGRAFIA extra (para além da recomendada para a disciplina. Notas aconselhadas)
1. Anatomia do Canal de Parto 1.1 - Pelve A
pelve
é
constituída
pelas partes moles e por quatro ossos: o sacro, o cóccix e o par de ossos ilíacos formados pela fusão do íleon, do ísquion e do púbis. Os ossos ilíacos (Fig. 1) ligam-se firmemente ao sacro através das sincondroses sacroilíacas e entre si através da sínfise
púbica.
Na
descrição
desta estrutura consideram-se quatro
planos
estreito
superior,
imaginários: escavação
pélvica, estreito inferior e plano Figura 1: Pelve da mulher; vista anterior.
das maiores dimensões pélvicas.
1.1.1 - Estreito Superior É limitado posteriormente pelo promontório e pelas asas do sacro, lateralmente pelas linhas íleo-pectíneas e anteriormente pelos ramos horizontais dos ossos púbicos e pela sínfise púbica. Neste plano descrevem-se quatro diâmetros (Fig. 2), sendo que, do ponto de vista obstétrico, o mais importante é o diâmetro ântero-posterior que corresponde à menor distância entre o promontório e a sínfise púbica, designado conjugado obstétricoB.
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Figura 2: Diâmetros ântero-posteriores do estreito superior. A – Conjugado verdadeiro B – Conjugado obstétrico C – Conjugado diagonal Diâmetro ântero-posterior da escavação pélvica – D P – Promontório S – Sínfise púbica
1.1.2 - Escavação Pélvica Trata-se de um canal em forma de J, com a face posterior formada pela concavidade do sacro e com cerca do dobro do comprimento da face anterior, a qual é constituída pela face posterior do púbis. Este canal sofre um estreitamento devido à protusão das espinhas ciáticas, ao nível das quais se situa o menor diâmetro pélvico (diâmetro interespinhoso). 1.1.3 - Estreito Inferior Corresponde ao orifício de saída da bacia. Tem o formato de dois triângulos isósceles, em que a base
é
comum
a
ambos
e
corresponde à linha que une as tuberosidades
isquiáticas
(diâmetro bi-isquiático); o vértice do triângulo posterior situa-se na extremidade inferior do sacro e os lados
são
formados
pelos
ligamentos sacro-isquiáticos e as tuberosidades
isquiáticas;
o
Figura 3: Pelve da mulher; vista inferior.
triângulo anterior é delimitado pela arcada púbica, tendo o vértice no extremo inferior da sínfise. Neste plano descrevem-se três diâmetros, mas o mais importante, em termos obstétricos, é o diâmetro sagital posterior, o qual mede a distância na perpendicular entre a extremidade do sacro e a linha intertuberositária. Em casos de estreitamento da porção média da pelve ou do estreito inferior, um diâmetro sagital posterior superior a 7,5cm aumenta a possibilidade de parto por via vaginal.
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1.1.4 - Plano das Maiores Dimensões Pélvicas Não tem importância obstétrica. Situa-se entre a parte média da face posterior da sínfise púbica e o disco entre as segunda e terceira vértebras sagradas; lateralmente estende-se até ao acetábulo, através do ísquion. 1.2 – Canal de Parto O canal de parto é formado pela estrutura óssea da pequena bacia e por vários tecidos que, em conjunto, formam o pavimento pélvico. Estes últimos são, de dentro para fora: peritoneu; tecido conjuntivo subperitoneal; fascia pélvica interna; músculos coccígeo e levantador do ânus; fascia pélvica externa; fascia e músculos superficiais; tecido celular subcutâneo; pele. As estruturas mais importantes são os músculos levantadores do ânus e as fascias que os cobrem interna e externamente. Os músculos superficiais – bulbocavernoso, ísquio-cavernoso e músculos transversos do períneo – não têm importância obstétrica, excepto nas lesões perineais em que sejam lesados.
2. Estática Fetal As relações do móvel fetal com os eixos uterinos e os pontos de referência do canal de parto são extremamente importantes na avaliação obstétrica: 2.1 – Atitude É a postura assumida pelo feto no final da gravidez que se caracteriza por flexão generalizada de todo o corpo, o qual adopta uma forma ovóide que se adapta à configuração da cavidade uterina. 2.2 – Situação Relação entre os maiores eixos materno e fetal: situações longitudinal, transversal e oblíqua (Fig. 4). 2.3 – Apresentação A parte fetal acessível ao toque através do colo uterino durante o exame vaginal: apresentação cefálica – de vértice (vertex), de fronte ou de face apresentação pélvica apresentação de espádua (situação transversa).
Figura 4: Situação fetal.
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2.4 – Posição Relação do ponto de referência da apresentação com os lados esquerdo ou direito do canal de parto: posições esquerda e direita. 2.5 – Variedade Relação do ponto de referência da apresentação com as regiões anterior, posterior ou transversal do canal de parto: variedades anterior, posterior e transversa.
3. Fisiologia do Trabalho de Parto O Trabalho de Parto (TP) compreende o conjunto de fenómenos fisiológicos que conduz à dilatação do colo uterino, à progressão do móvel fetal através do canal de parto e à sua expulsão para o exterior. A progressão e o terminus do TP dependem de três factores: passagem – pelve óssea e tecidos moles maternos; passageiro – feto; e motor – contracções uterinas e força expulsiva materna. 3.1 – Contracções Uterinas As contracções uterinas são essenciais para o TP, pois levam à descida da apresentação e ao apagamento e dilatação do colo. Têm como características o facto de serem: involuntárias; coordenadas; e progressivamente mais intensas e frequentes. A onda contráctil apresenta um triplo gradiente descendente: 1. Intensidade – são mais intensas no fundo uterino (dominância fúndica); 2. Duração – são mais duradouras no fundo; 3. Propagação – propagam-se de cima para baixo (propagação descendente). Inicia-se junto aos cornos uterinos (esquerdo ou direito), difundindo-se com uma velocidade de 2cm/s e atinge todo o útero ao fim de 15s. A actividade das diferentes porções do útero é tão bem coordenada que o máximo da contracção é, praticamente, simultâneo em todos os locais. Quanto mais a onda se afasta do corno uterino, mais curta é a duração da fase de contracção. A intensidade também diminui de cima para baixo, devido à redução da espessura do miométrio e da concentração de actino-miosina. A fase de contracção é mais rápida, sendo a fase de relaxamento mais demorada. Quando a contracção atinge uma certa intensidade, torna-se perceptível à palpação abdominal e provoca dor, a qual é sentida de diferentes formas de mulher para mulher. O 4 de 40
mecanismo da dor não está plenamente esclarecido, tendo sido colocadas várias hipóteses: Hipóxia miometrial provocada pela compressão dos vasos que o irrigam, tal como sucede no angor; Compressão das terminações nervosas do colo e segmento inferior pela contracção dos feixes musculares, apoiada pelo facto de a dor poder ser aliviada pela injecção de um anestésico local na região paracervical; Estiramento do colo durante a dilatação; Estiramento do peritoneu adjacente. O estiramento do colo aumenta a actividade uterina – Reflexo de Ferguson –, mas o mecanismo implicado não é conhecido. Sabe-se que a manipulação do colo causa um rápido e importante aumento dos metabolitos da prostaglandina F2α na circulação da grávida e, simultaneamente, poderá existir libertação de ocitocina. A intensidade das contracções é, habitualmente, maior nas nulíparas que nas multíparas. O intervalo entre as contracções diminui gradualmente desde cerca de 10 minutos, no início do TP, para cerca de 1 minuto durante a expulsão. Contudo, os períodos de relaxamento do miométrio entre as contracções são fundamentais para a normal evolução do TP, assim como para o bem-estar do feto, pois contracções muito frequentes ou prolongadas interferem com o fluxo sanguíneo útero-placentário, diminuindo a oxigenação fetal. Durante o TP, o útero sofre modificações estruturais importantes que lhe conferem uma arquitectura anatómica formada por duas partes distintas: Segmento superior – aqui concentra-se a maior parte das fibras musculares, contraindo-se activamente durante o parto. Aumenta de espessura à medida que o TP avança. Porção inferior – formada pelo segmento inferior e pelo colo. é relativamente passiva e sofre um adelgaçamento progressivo que facilita a passagem do feto. Desenvolve-se gradualmente durante a gravidez e diminui acentuadamente de espessura no TP. A palpação abdominal durante uma contracção permite diferenciar os dois segmentos: o segmento superior, contráctil, tem uma consistência aumentada, firme; o segmento inferior está distendido e é pouco consistente. Fisiologicamente, estes dois segmentos também se distinguem: o segmento superior contrai, retrai e expele o móvel fetal; o segmento inferior e o colo dilatam, formando um canal fibromuscular através do qual se torna possível a passagem do feto. As fibras do miométrio do segmento superior não regridem até ao tamanho inicial após cada contracção, o que conduz ao aumento progressivo das fibras musculares, tornando o segmento superior mais espesso ao longo do TP e extremamente espessado após a expulsão do feto, devido à retracção consequente à súbita diminuição do 5 de 40
conteúdo uterino. O progressivo alongamento das fibras miometriais do segmento inferior é acompanhado por adelgaçamento. A zona de transição deste com o segmento superior é marcada por um ressalto na superfície interna do útero denominada anel de retracção fisiológica. Quando o adelgaçamento do segmento inferior é muito intenso, o que pode ocorrer em TP muito arrastados, o anel torna-se muito proeminente e denomina-se por anel de retracção patológica ou anel de Bandl. Figura 5: Sequência do desenvolvimento dos segmentos uterinos na gravidez de termo e durante o TP. OI – Orifício interno do colo; OE – Orifício externo do colo; ARF – Anel de retracção fisiológica; SA – Segmento activo; SP – segmento passivo; ARP – Anel de retracção patológica ou anel de Bandl
3.2 – Outras Forças que actuam durante o TP 3.2.1 – Pressão Intra-abdominal Após a dilatação cervical completa, a força de expulsão do feto mais importante é a produzida pelo aumento da intensidade da pressão abdominal. Este aumento deve-se, por um lado, à contracção simultânea dos músculos abdominais e, por outro, aos esforços voluntários da parturiente produzidos após inspiração forçada e com a glote encerrada (correspondendo a uma manobra de Valsalva de grande intensidade). Esta manobra constitui um importante auxiliar das contracções uterinas durante a expulsão do feto, não devendo ser executada durante o período de dilatação. 3.2.2 – Resistência à passagem do Móvel Fetal A resistência às forças conjugadas das contracções uterinas e dos músculos abdominais é exercida pelo colo, quando não completamente dilatado, pelo próprio canal de parto e pelos músculos pélvicos. Durante a gravidez os músculos levantadores do ânus hipertrofiam-se e a sua contracção provoca o desvio anterior e superior (no sentido da sínfise púbica) do recto e da vagina, provocando o encerramento desta. À medida que o colo, durante a dilatação, é distendido pela bolsa de águas ou pela apresentação fetal, a alteração mais significativa consiste no estiramento das fibras dos levantadores do ânus e no adelgaçamento do núcleo central do períneo – complexo fibromuscular espesso com cerca de 5 cm – que se transforma numa estrutura membranosa com menos de 1 cm de espessura.
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3.3 – Modificações Cervicais No decurso do TP, as contracções uterinas provocam um aumento da pressão hidrostática intraamniótica, a qual se transmite ao colo e segmento inferior, enquanto as membranas permanecerem intactas. Após a rotura de membranas, é a apresentação fetal que exerce directamente pressão sobre estas estruturas.
Figura 6: A - Sequência dos fenómenos de apagamento e dilatação do colo nas nulíparas. B - Sequência dos fenómenos de apagamento e dilatação do colo nas multíparas
3.3.1 – Mecanismo do Apagamento Cervical O aumento progressivo da actividade contráctil do miométrio durante as últimas semanas da gravidez resulta num encurtamento significativo do colo, fenómeno designado de apagamento. Este facilita a expulsão do rolhão mucoso que oclui o canal cervical durante a maior parte da gravidez Este apagamento cervical consiste na substituição de um canal cervical, com cerca de 3 cm de comprimento, por um simples orifício circular limitado por uma estrutura cervical delgada. Este processo deve-se ao facto das fibras musculares do extremo proximal do colo serem estiradas superiormente durante o TP, passando a integrar o segmento inferior do útero; o orifício externo do colo não sofre modificações apreciáveis nas etapas iniciais do processo do parto. 3.3.2 – Mecanismo da Dilatação Cervical Considera-se que a dilatação cervical está completa quando deixa de ser possível tocar tecido do colo adiante da apresentação, o que ocorre quando o diâmetro do canal atingiu os 10 cm. Comparados com o corpo uterino, o segmento inferior e o colo são zonas de menor resistência; como tal, durante as contracções, estas estruturas distendem-se por acção da pressão das membranas ou da apresentação. Mais frequentemente, a rotura das membranas dá-se durante a fase activa do TP, mas por vezes permanecem íntegras até ao momento do parto. 7 de 40
3.4 – Progressão da Apresentação O maior ritmo de progressão do móvel fetal no canal de parto ocorre durante a fase de desaceleração1, prosseguindo após a dilatação completa do colo. Nas nulíparas, o encravamento do pólo cefálico do feto dá-se, quase sempre, antes do início do TP, verificando-se a sua descida só numa fase avançada do TP. Nas multíparas, e num pequeno número de nulíparas, a apresentação permanece móvel até ao início da TP, só se verificando o seu encravamento durante as fases latente e activa do parto. 3.5 – Dequitadura Processo que leva à expulsão da placenta após o nascimento. Depois da expulsão fetal, o útero contrai espontaneamente. A diminuição súbita das dimensões uterinas é inevitavelmente acompanhada por uma redução da área de implantação da placenta, com espessamento e pregueamento desta; a tensão resultante provoca uma clivagem ao nível da camada esponjosa, geralmente acompanhada pela formação de um hematoma retro-placentário, o que acelera o processo de separação da placenta do seu local de inserção. Normalmente, a separação da placenta ocorre alguns minutos após o parto; por vezes, pode iniciar-se antes da expulsão do feto, o que explica alguns casos de sofrimento fetal agudo durante o período expulsivo. Existem duas modalidades de dequitadura: Schultze – caracterizada por a separação da placenta se iniciar na sua zona mais central, formando um hematoma que só é expulso após a exteriorização da placenta; Duncan – o descolamento da placenta inicia-se perifericamente, pelo que a hemorragia resultante, separando as membranas da parede uterina, se exterioriza antes da placenta ser visível. Uma vez descolada a placenta, a pressão exercida pelo útero contraído provoca o seu deslizamento para a parte superior da vagina e a sua expulsão para o exterior. A sua exteriorização é facilitada conjugando uma moderada pressão suprapúbica com uma suave tracção do cordão umbilical, segundo o eixo da vagina. 3.6 – Análise Gráfica do TP Friedman estabeleceu que é possível representar graficamente o TP através do registo da progressão temporal da dilatação do colo e da descida da apresentação fetal. A este registo gráfico do TP dá-se o nome de Partograma.
1
Referido adiante na anotada.
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O padrão de dilatação cervical, num TP normal, é representado por uma curva sigmóide onde se podem definir duas fases: a fase latente e a fase activa. A fase activa pode, ainda, ser subdividida em três segmentos designados por fase de aceleração, fase de declive máximo e fase de desaceleração. A fase latente corresponde à parte inicial da curva, durante a qual a progressão da dilatação cervical é lenta. O segmento da curva em que se observa uma rápida progressão da dilatação corresponde às fases de aceleração e de declive máximo; a fase de desaceleração da fase activa, durante a qual se observa um novo Figura 7: Curvas de Friedman. A – Dilatação cervical; B – Descida da apresentação.
período de ralentamento da dilatação do colo até esta ser completa, corresponde à porção final da sigmóide.
O padrão de descida da apresentação fetal é representado por uma curva hiperbólica com alterações pouco significativas na sua porção inicial, seguida de uma progressão rápida durante a fase de desaceleração e após a dilatação completa do colo. Geralmente, a mais rápida progressão da descida da apresentação verifica-se nestas etapas do parto, mantendo-se até a apresentação fetal assomar à vulva.
4. Divisão Clínica do TP Nas semanas que precedem o início do TP, o abdómen da grávida sofre alterações na sua forma, verificando-se uma diminuição da distância sínfise-fundo. Este fenómeno deve-se ao desenvolvimento do segmento inferior, à descida da apresentação fetal e a uma progressiva diminuição do volume amniótico (a partir das 37-38 semanas, o volume de líquido amniótico diminui, em média, 125 ml por semana). Por outro lado ocorrem contracções uterinas que se caracterizam pela sua irregularidade e breve duração; em geral, são responsáveis pelas queixas de desconforto a nível dos quadrantes inferiores do abdómen, mas não provocam dilatação do colo. A actividade uterina é caracterizada pela amplitude, duração, frequência, configuração e ritmo das contracções uterinas e pelo tónus basal.
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Amplitude – é medida (em mmHg) pelo aumento de pressão que produz na cavidade amniótica e é definida pela diferença entre o tónus basal
e
o
vértice
da
contracção.
A
sua
representação gráfica assemelha-se a um sino, com um ramo ascendente, um ápice (ou vértice) e um ramo descendente. No decurso da fase latente do TP, ou nas contracções de Braxton-Hicks2, a amplitude raramente ultrapassa os 30 mmHg; na fase activa, não estimulada farmacologicamente, atinge os 50-75 mmHg e, caso se efectue estimulação com ocitocina, pode atingir os 80-100 mmHg. No entanto, os valores apontados para a amplitude das contracções não estimuladas são
Figura 8: Esquema da contracção uterina
habitualmente suficientes para proporcionar a
normal no decurso da fase activa do TP.
progressiva dilatação do colo a ritmo satisfatório. Duração – na fase activa do TP, cada contracção demora, em média 45 a 90 segundos. Se a duração é <45s, poderá associar-se a um progresso lento do TP; se é >90s, associa-se, muitas vezes, a hipoxia fetal devido à prolongada constrição das artérias espiraladas e consequente diminuição da perfusão do espaço intervilositário. Frequência – no TP activo, a frequência normal é de 3-4 contracções em cada 10 minutos, habitualmente aparecendo 4 a 5 contracções, no mesmo intervalo de tempo, durante o período expulsivo. Configuração – a contracção uterina normal desenha-se com a forma aproximada de um sino, como já mencionado anteriormente, sendo o seu ramo descendente um pouco mais inclinado, na sua porção terminal, do que no início do ramo ascendente. Por vezes, quando a amplitude da contracção é muito grande, o seu vértice apresenta-se afilado, ao invés de arredondado, como é habitual. Durante o período expulsivo, os esforços da musculatura abdominal vêm sobrepor-se no desenho da contracção, projectando-se para cima como estreitos rectângulos na zona de maior intensidade da contracção, dando-lhe o singular aspecto de “palissada”. 2
Contracções de Braxton-Hicks: são as contracções do falso TP. Durante s gravidez existe uma actividade
uterina mínima, em que as contracções são pouco intensas e circunscritas a áreas localizadas do útero; as contracções de Braxton-Hicks são mais intensas e estendem-se por uma maior área.
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Ritmo – para que o TP decorra dentro da normalidade é necessário, não só, que as contracções tenham uma amplitude e uma frequência determinadas, mas também que ocorram com um padrão rítmico. Assim, quando as contracções aparecem em grupos (duplicadas, triplicadas, etc.), muitas vezes separadas por um intervalo intercontráctil anormal (ou muito longo, tipo pausa compensadora, ou muito curto, conduzindo à hipertonia uterina), a progressão da dilatação cervical e a perfusão do espaço intervilositário são sempre afectadas. A duplicação das contracções uterinas é muito comum nos partos induzidos com prostaglandina E2 oral ou vaginal. Tónus basal – define-se como sendo a pressão, em mmHg, presente no interior da cavidade amniótica durante o intervalo entre as contracções. No TP, o tónus basal é de 5-10 mmHg, podendo atingir os 15 mmHg quando se procede à estimulação ocitócica. Acima de 20 mmHg deve considerar-se o tónus basal anormalmente aumentado. Clinicamente, considera-se que o TP tem início quando se instalam contracções uterinas dolorosas ao mesmo tempo que o colo se apaga e inicia a dilatação. No entanto, esta combinação de eventos nem sempre é bem identificada pela grávida, pelo que, na prática, considera-se que o TP está estabelecido quando esta refere contractilidade dolorosa e regular em frequência e intensidade. Muitas vezes o início do apagamento e dilatação cervicais dá-se antes do estabelecimento da contractilidade regular, sendo frequente a concomitante expulsão do “rolhão mucoso”, o qual oblitera o canal cervical durante a gestação. A dilatação do colo começa mais cedo nas multíparas do que nas nulíparas; pelo contrário, nestas últimas o apagamento inicia-se precocemente e é mais evidente antes do início do TP do que nas multíparas. Convencionou-se dividir o TP em três estadios: 1º estadio ou dilatação – decorre desde o início das contracções uterinas regulares até a dilatação do colo estar completa; 2º estadio ou período expulsivo – começa com dilatação completa do colo e termina com a expulsão do feto; 3º estadio ou dequitadura – desde a expulsão fetal à expulsão da placenta e membranas fetais.
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DIVISÃO CLÍNICA DO TRABALHO DE PARTO
Apagamento e Dilatação do Colo 1º Estadio
Início – Instalação de contracções uterinas regulares Fim – Dilatação completa do colo Período Expulsivo
2º Estadio
Início – Dilatação completa do colo Fim – Após a expulsão do feto Dequitadura
3º Estadio
Início – Após a expulsão do feto Fim – Após a expulsão da placenta e das membranas Quadro 1
4.1 – 1º Estadio ou Apagamento e Dilatação Cervicais Os objectivos do obstetra nesta fase são: Detecção de hipoxia fetal (sofrimento fetal) – possível através de Cardiotocografia, ECG fetal ou avaliação do estado ácido-base do feto (esta última é utilizada menos frequentemente); Analgesia materna – com opiáceos IM ou EV, ou loco-regional por Epidural; Detecção precoce de distócia e sua correcção Avaliação da contractilidade uterina – através da tocografia Avaliação da dilatação do colo Avaliação da descida da apresentação
Toque vaginal – 2/2h ou 1/1h
Figura 9: Divisão do 1º Estadio do TP: Fase latente e Fase activa. Divisão da Fase activa: 1.Período de aceleração 2. Período de declive máximo 3. Período de desaceleração
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Friedman dividiu o 1º estadio em duas fases principais: a latente e a activa. A fase latente vai desde o início das contracções regulares até ao momento em que o colo está completamente apagado e com cerca de 3 cm de dilatação; aqui inicia-se a fase activa, durante a qual o colo se dilata a um ritmo mais rápido até ser atingida a dilatação completa. A duração da fase latente é muito variável e pode ser influenciada por factores externos, tais como: a sedação da parturiente, que a prolonga, ou a estimulação da contractilidade uterina por ocitócicos, que a podem encurtar. Geralmente, tem a duração de várias horas, durante as quais o colo vai diminuindo progressivamente de consistência e de comprimento, dando início à dilatação. Esta fase de modificação cervical é caracterizada dinamicamente por contracções uterinas de intensidade moderada, de curta duração e de frequência variável. Pelo contrário, a fase activa tem um ritmo e duração mais previsíveis, sendo as suas características que permitem prever o desfecho de um dado TP. A dilatação do colo processa-se a um ritmo mais rápido, cerca de 1 a 2 cm/h, iniciando-se concomitantemente a descida da apresentação fetal no canal de parto, a qual progride lentamente até se atingir a dilatação completa. De acordo com o padrão de dilatação do colo, a fase activa pode ser dividida em três períodos: 1. Período de aceleração 2. Período de declive máximo 3. Período de desaceleração Friedman considera que o período de declive máximo reflecte, com algum rigor, a eficácia da contractilidade uterina, enquanto que o período de desaceleração fornece melhores informações acerca da relação feto-pélvica. 4.2 – 2º Estadio ou Período Expulsivo Nesta fase os objectivos são iguais aos do 1º Estadio, sendo que a monitorização fetal se deve manter até ao final do período expulsivo e a analgesia materna se pode fazer por bloqueio dos nervos pudendos, quando a epidural não resulta. Os procedimentos passam por: 1. Desinfecção do períneo 2. Bloqueio dos nervos pudendos 3. Esvaziamento vesical 4. Verificação de posição e variedade 5. Episiotomia 4.3 – 3º Estadio ou Dequitadura Os procedimentos nesta fase são: 1. Verificação de integridade da placenta e membranas
Figura 10: Dequitadura – verificação do estado de desprendimento da placenta.
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2. Verificação da morfologia da placenta e do cordão 3. Episiorrafia 4. Verificação do canal de parto e reparação de lacerações do colo ou períneo 5. Verificação da formação de globo de segurança PADRÕES EVOLUTIVOS NORMAIS DO PARTO Nulípara
Multípara
Duração da fase latente
Até 20 h
Até 14 h
Dilatação na fase activa
> 1,2 cm/h
> 1,5 cm/h
Até 3 h
Até 1 h
> 1 cm/h
> 2 cm/h
Até 45-60 min
Até 15-20 min
Até 30 min
Até 30 min
1º Estadio
Duração da fase de desceleração Descida da apresentação 2º Estadio Duração normal 3º Estadio Duração normal Quadro 2
As lacerações cervicais associam-se, principalmente, com o parto precipitado, com a utilização de fórceps e com tentativas de dilatação manual do colo. As lacerações da porção superior da vagina estão quase sempre associadas a partos instrumentais. As lacerações perineais resultam, geralmente, da extensão da incisão de episiotomia. De seguida apresenta-se a classificação das lacerações perineais: Grau I – envolvem apenas a mucosa vaginal. Grau II – envolvem a fascia e plano muscular. Grau III – envolvem o esfíncter anal. Grau IV – alcançam a mucosa rectal.
Figura 11: Lacerações perineais
I Grau – mucosa
II Grau – fascia, plano muscular
III Grau – esfíncter rectal
IV Grau – mucosa rectal
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5. Admissão – Procedimentos na urgência 5.1 – Colheita de História Clínica Idade, gesta, para, 5.2 – Determinação da Idade Gestacional É fundamental saber se o parto é de termo ou pré-termo, pois as atitudes clínicas perante um e outro são diferentes. 5.3 – Antecedentes Obstétricos É de extrema importância, pois os acontecimentos obstétricos têm tendência a repetir-se. Assim, se a mãe numa gravidez anterior teve de fazer cesariana, provavelmente necessitará de fazer nova cesariana na gravidez actual3; ou então, se teve uma grande hemorragia pós-parto, existe uma grande probabilidade deste evento se repetir. 5.4 – Avaliação de estudos analíticos pré-natais Aqui é importante determinar se a mãe fez todas as serologias durante a gravidez, quais os seus resultados e, caso esta informação não exista, tentar obtê-la o mais rapidamente possível. Saber se a mãe está infectada com VIH ou Hepatite B, entre muitas outras, condiciona a atitude clínica durante o parto, assim como perante o recémnascido. 5.5 – Determinação da Pressão Arterial Para excluir possíveis estados hipertensivos da gravidez (p.e., pré-eclâmpsia). 5.6 – Manobras de Leopold Permitem avaliar a situação, apresentação e encravamento fetal, através da palpação abdominal.
3
Isto foi o referido pelo Dr. Nuno Clode na aula, no entanto, o livro apresenta informação contraditória.
Estudos comprovam que 60 a 70% das mulheres submetidas a cesariana podem vir a ter o próximo filho por via vaginal, mesmo que a causa tenha sido um diagnóstico de incompatibilidade feto-pélvica. O American College of Obstetricians and Gynecologists recomenda que “o conceito de repetir por rotina a cesariana deve ser substituído por uma indicação específica e, na ausência de contra-indicação, uma grávida com cesariana segmentar prévia deve ser aconselhada a submeter-se a uma prova de trabalho de parto”.
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A
B
C
Figura 12: Manobras de Leopold. A – Avaliação da situação; B – Avaliação da apresentação; C – Avaliação do encravamento
5.7 – Determinação da frequência cardíaca fetal (FCF) A cardiotocografia (CTG) anteparto é o método mais difundido de avaliação da capacidade de transferência de oxigénio da unidade feto-placentária. Como já referido, o fluxo sanguíneo útero-placentário diminui acentuadamente, ou mesmo cessa, durante as contracções uterinas, diminuindo o fornecimento de oxigénio. No feto normalmente oxigenado, estas reduções transitórias são suportadas sem perturbações significativas e este recupera facilmente a sua pO2 durante os intervalos entre as contracções; contudo, no feto hipoxémico, isto não acontece e este é intensamente afectado por essa privação, revelando a sua incapacidade de adaptação através de modificações da FCF, geralmente sob a forma de desacelerações tardias. 5.8 – Confirmação de Rotura de Membranas Faz-se através do exame vaginal com espéculo, observando a presença de líquido amniótico no fundo de saco posterior e a saída do mesmo pelo orifício externo do colo uterino. 5.9 – Toque Vaginal NUNCA se realiza quando há rotura de membranas sem contractilidade regular!! Isto porque ao executar o toque vaginal um inoculo de bactérias pode penetrar na cavidade amniótica, caso já tenha ocorrido rotura de membranas. Quanto maior for o
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período de tempo entre a rotura de membranas e o início da contractilidade regular, mais elevado será o rico de infecção no RN. O toque vaginal tem como objectivo avaliar: a dilatação cervical (cm) o apagamento do colo (cm ou %) – grau de encurtamento do colo (Ver Fig. 6) o estadio da apresentação (-5, 0, +5) – relação entre o plano das espinhas ciáticas (que corresponde ao 0) e a apresentação, medido em cm (Fig. 12). Figura 13
a apresentação, a posição e a variedade – muito importante na aplicação de instrumentos, como fórceps ou ventosa, pois estes devem aplicar-se na região parietal.
Grande Fontanela Pequena Fontanela ou Occiput Figura 14: Cabeça fetal – Fontanelas.
5.9.1 – Apresentação cefálica - a mais frequente (cerca de 96%) Vertex
- cabeça flectida, ou seja, queixo junto ao peito - o ponto de referência é a pequena fontanela (parieto-occipital) - é possível palpar as fontanelas e a sutura sagital (inter-parietal) - denomina-se Occipito-Ilíaca (OI), podendo ser esquerda (E) ou direita (D) e anterior (A), posterior (P) ou transversa (T): OIEA, OIEP, OIET, OIDA, OIDP e OIDT (ver Fig. 15)
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OIDA
OIDT
OIDP
Figura 15: Apresentação cefálica de vértice.
Figura 16: Apresentação, posição, situação e variedade..
Fronte
OIEA
OIET
OIEP
- cabeça indiferente - o ponto de referência é a glabela - é possível palpar a raiz do nariz e as arcadas supraciliares - é incompatível com o parto por via vaginal, a não ser que haja conversão para uma apresentação de vértice, ou de face, o que ocorre em cerca de ⅔ dos casos
Figura 17: Apresentação cefálica de fronte.
Figura 18: Apresentação cefálica de fronte.
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- cabeça desflectida Face
- o ponto de referência é o mento - é possível palpar o mento, a boca e as eminências malares (o mento e as eminências malares formam um triângulo com a boca no centro deste) - é denominada Mento-Ilíaca (MI), podendo ser esquerda (E) ou direita (D) e anterior (A), posterior (P) ou transversa (T): MIDA, MIDP, MIDT, MIEA, MIEP e MIET - as variedades posteriores são incompatíveis com o parto por via vaginal
5.9.2 – Na apresentação pélvica o ponto de referência é o sacro e é possível palparse o sacro, o ânus e o ísquion (aqui o sacro e as tuberosidades isquiáticas estão em linha, com o ânus localizado ligeiramente à frente, o que permite distinguir da apresentação cefálica de face). A apresentação pélvica não tem variedades, podendo distinguir-se as seguintes modalidades: Completo – feto completamente sentado, ou seja, nádegas e pés no mesmo plano inferior. Incompleto modo de pés – à apresentação encontram-se os pés modo de nádegas – apresentação de nádegas com os pés junto à cabeça
A
B
C
Figura 19: Apresentação pélvica. A – Modalidade completa. Modalidade incompleta: B – Modo de pés; C – Modo de nádegas.
Quer na modalidade completa, quer na incompleta, existe um elevado risco de prolapso do cordão umbilical e retenção do polo cefálico pelo colo não dilatado completamente. Assim, as situações de apresentação pélvica completa e incompleta em modo de pés têm sempre indicação para parto por cesariana. Apesar de ser possível um parto por via vaginal na apresentação pélvica incompleta em modo de nádegas, este 19 de 40
requer muita prática por parte do obstetra que vai assistir o parto, pelo que normalmente se opta pela via abdominal. 5.10 – Outros Exames 5.10.1 – Rx simples do abdómen Permite uma melhor caracterização da apresentação pélvica, nomeadamente quando realizado em decúbito dorsal. Facilita a determinação da modalidade de apresentação, da flexão ou não da cabeça do feto e a relação da coluna deste com a da mãe. 5.10.2 – Ecografia 5.10.3 – Estudo analítico 5.11 – Tricotomia 5.12 – Clister É importante limpar a ampola rectal antes do parto, de modo a diminuir o risco de conspurcação do períneo e episiotomia no período expulsivo. 5.13 – Repouso no leito 5.14 – Proibição de ingestão de sólidos Na eventualidade de ser necessário recorrer a uma cesariana com anestesia geral. 5.15 – Colocação de uma via endovenosa com Dextrose a 5% +/- 100ml/h 5.16 – Encaminhamento para a sala de partos.
6. Mecanismo Geral do Parto Será apresentado o mecanismo geral do parto em apresentação de vértice, pois em, aproximadamente, 96% das gestações de termo o feto encontra-se em apresentação de vértice (a pequena fontanela, ou occiput, é o ponto de referência obstétrico), isto é, está em situação longitudinal e em apresentação cefálica, estando o polo cefálico na sua máxima flexão. Este fenómeno é explicado pela acomodação do móvel fetal ao formato
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piriforme do útero, a qual é condicionada pela diminuição do volume amniótico e por o polo pélvico do feto de termo ser mais volumoso que o polo cefálico (lei de Pajot). A apresentação e a variedade podem ser diagnosticadas clinicamente por palpação abdominal (manobras de Leopold), pelo exame vaginal e pela auscultação do foco fetal; ou através de meios complementares de diagnóstico, como sendo a ecografia e, em certos casos, a radiologia. 6.1 – O parto em apresentação de vértice Para simplificar considera-se que os movimentos cardinais do parto em apresentação de vértice ocorrem separada e independentemente, mas, na realidade, a mecânica do parto consiste numa combinação de movimentos que se conjugam harmoniosamente. Estes movimentos cardinais do parto são: 6.1.1 – Encravamento Corresponde à passagem do maior diâmetro transverso da apresentação fetal (diâmetro biparietal nas apresentações de vértice) através do estreito superior. Pode ocorrer no decurso das últimas semanas de gravidez, sobretudo nas nulíparas, mas também pode dar-se apenas durante o TP. Habitualmente, o polo cefálico encrava fazendo coincidir o diâmetro sagital com um dos diâmetros oblíquos (direito ou esquerdo) do canal de parto. No momento do encravamento, a sutura sagital do polo cefálico do feto está, em geral, deflectida: posteriormente, no sentido do promontório, ou anteriormente, no sentido da sínfise púbica. Esta deflexão lateral do polo cefálico denomina-se assinclitismo (assinclitismo posterior no primeiro caso e assinclitismo anterior no segundo); graus moderados de assinclitismo são a regra no TP normal, mas se forem demasiado acentuados podem ser causa de incompatibilidade céfalo-pélvica.
Figura 20: Sinclitismo e assinclitismo do polo cefálico do feto.
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6.1.2 – Descida É o primeiro requisito para a progressão do TP. Resulta da acção de várias forças: pressão do líquido amniótico, enquanto as membranas permanecerem intactas; pressão directa do fundo uterino sobre a pelve fetal; contracção dos músculos abdominais maternos; e fenómenos de moldagem fetal. Nas nulíparas, como já referido, o encravamento pode ocorrer antes do início do TP, verificando-se a descida só em fases tardias deste; nas multíparas, a descida iniciase com o encravamento. 6.1.3 – Flexão A flexão do polo cefálico fetal dá-se quando este encontra resistência, seja esta oferecida pelo colo do útero, ou pelo canal de parto. Neste movimento, o mento aproxima-se da face anterior do tórax, de modo a oferecer o menor diâmetro possível (o diâmetro occipito-frontal, com cerca de 12,5 cm, é substituído através da flexão pelo diâmetro suboccipito-bregmático que mede cerca de 9,5 cm).
Figura 21: Flexão do polo cefálico: o diâmetro occiito-frontal (12,5 cm)é substituído pelo diâmetro suboccipito-bregmático
6.1.4 – Rotação Interna Este movimento é essencial para que o TP evolua, excepto quando o feto é muito pequeno. Em geral, só se dá quando o polo cefálico atinge o plano das espinhas ciáticas, isto é, quando o diâmetro biparietal já ultrapassou o estreito superior, estando, portanto, a apresentação encravada. A rotação interna conduz à deslocação do occiput no sentido da sínfise púbica (movimento de 45º nas variedades anteriores e de 90º nas variedades transversas), colocando-se o diâmetro sagital da apresentação coincidente com o diâmetro ântero-posterior do canal de parto. 6.1.5 – Extensão Quando o polo cefálico fetal, flectido, atinge o plano da vulva, inicia-se um movimento contrário à flexão, o qual leva a base do oociput ao contacto directo com o bordo inferior da sínfise púbica. A extensão resulta do efeito combinado de duas forças: a exercida pela contracção uterina, actuando mais posteriormente;
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e a resistência oferecida pela sínfise púbica e pelo pavimento pélvico, actuando mais anteriormente. O polo cefálico do feto é exteriorizado por extensão progressiva: occiput bregma fronte nariz boca mento passam pela margem anterior do períneo.
Figura 22: Sequência dos movimentos do polo cefálico do feto durante o parto em OIEA.
6.1.6 – Rotação Externa Após se ter exteriorizado, o polo cefálico retoma a sua atitude anterior à rotação interna, isto é, se o occiput estava numa posição esquerda, roda novamente no sentido da tuberosidade isquiática esquerda e vice-versa. O regresso do polo cefálico à posição em que se deu a descida designa-se restituição, a qual é seguida por uma continuação da rotação externa até que o diâmetro sagital da cabeça fetal se coloca numa posição transversa. O tronco do feto acompanha este movimento, levando o diâmetro bi-acromial a colocar-se no diâmetro ântero-posterior do estreito inferior, o que facilita a expulsão do móvel fetal. 6.1.7 – Expulsão Quase imediatamente após a rotação externa, o ombro anterior aparece sob a sínfise púbica e o ombro posterior distende o períneo posterior. Após a saída dos ombros, o resto do corpo fetal é rapidamente expulso. 6.2 – O parto em variedades posteriores Na maior parte dos casos em que a variedade é posterior, isto é, em que o occiput se encontra no extremo posterior dos diâmetros oblíquos (direito ou esquerdo) da pelve, o mecanismo do parto é idêntico ao observado nas variedades anteriores, excepto no facto de o occiput sofrer uma rotação de 135º em direcção à sínfise púbica. Quando as contracções são eficientes, o tamanho do feto não é excessivo e a cabeça está adequadamente flectida, a maior parte das variedades posteriores roda no sentido anterior ao alcançar o pavimento pélvico. Em 5 a 10% dos casos, este movimento 23 de 40
não se dá: por vezes, verifica-se uma rotação incompleta (variedade transversa) e, noutros, não existe mesmo a rotação interna (variedade posterior persistente).
Figura 23: Mecanismo do parto em occipito-ilíaca direita posterior (OIDP), com rotação anterior de 135º.
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7. Anomalias do Trabalho de Parto - Distócia São vários os mecanismos responsáveis pela distócia, podendo dividir-se dois grandes grupos: mecanismos de natureza dinâmica; mecanismos de natureza mecânica. 7.1 – Distócia Dinâmica MECANISMOS DA DISTÓCIA DINÂMICA
Disfunção contráctil uterina a. Tipos: - Disfunção hipotónica - Disfunção hipertónica b. Anomalias do TP: - Fase latente prolongada - Fase activa prolongada - Fase de desaceleração prolongada - Paragem secundária de dilatação - Progressão da apresentação prolongada - Ausência de progressão da apresentação Forças expulsivas voluntárias inadequadas Quadro 3
7.1.1 – Disfunção contráctil uterina A disfunção contráctil uterina, em qualquer das fases do TP, caracteriza-se pela ausência de progressão do ritmo contráctil normal, podendo estar associada a um aumento da morbilidade materno-fetal.
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a. Tipos de disfunção contráctil Disfunção contráctil hipotónica No TP normal, a preparação da onda contráctil é iniciada no fundo do útero e dirigida progressivamente para baixo em direcção ao segmento inferior. No TP hipotónico, a representação gráfica da contracção uterina é equivalente à do TP normal – padrão síncrono e sem hipertonia basal –, mas a sua amplitude é baixa (< 50 mmHg), a sua duração é inferior a 45 segundos e o intervalo entre as contracções encontra-se alargado (< 2 contracções/10 min). Assim, o discreto aumento da pressão intra-uterina que se verifica durante as contracções é insuficiente para dilatar o colo a um ritmo satisfatório. Ocorre, geralmente, durante a fase activa do TP quando a dilatação cervical já atingiu os 4 cm. O seu diagnóstico precoce e subsequente correcção terapêutica evita o prolongamento de uma situação de ineficácia contráctil. Etiologia Em cerca de metade dos casos, a causa da disfunção contráctil hipotónica é desconhecida. A contracção pélvica e a existência de apresentações anómalas, assim como um feto de tamanho exagerado, são causas frequentes; em alguns casos de incompatibilidade feto-pélvica (IFP), após uma fase de contractilidade espontânea intensa e continuada, como mecanismo de defesa a uma eventual rotura uterina, o miométrio pode responder estabelecendo uma disfunção hipotónica. Outros factores etiológicos possíveis são a hiperdistensão uterina (gravidez multi-fetal, hidrâmnios) e a rigidez cervical. Terapêutica Antes de qualquer plano terapêutico, é fundamental determinar se a parturiente realmente se encontra em fase activa do TP e se não estamos perante um caso de IFP. Se existe actividade uterina rítmica e dolorosa e o colo apresenta modificações e dilatação igual, ou superior, a 4 cm, então a parturiente encontra-se na fase activa do TP, apesar de esta ser anómala. O diagnóstico de IFP é importante, pois, tal como já foi referido, a diminuição, ou mesmo cessação, das contracções uterinas é frequentemente um mecanismo de defesa nestas situações. Na maior parte dos casos, sendo estabelecido o diagnóstico de fase activa do TP com disfunção contráctil do tipo hipotónico e encontrando-se o polo cefálico fixo na escavação pélvica, quando as membranas permanecem intactas, procede-se à sua rotura artificial (RAM) e colocação na apresentação de um eléctrodo para monitorização directa da FCF. Normalmente, a contractilidade uterina melhora, tanto quantitativa, como 26 de 40
qualitativamente, nos 30 a 60 min após a RAM. Depois, tendo em conta os dados da observação relativos à apreciação do móvel fetal, às dimensões da bacia materna e aos elementos do estado fetal, nomeadamente do traçado cardiotocográfico, decide-se a necessidade de estimular a contractilidade com uma perfusão de ocitocina, ou de se efectuar uma cesariana. Estimulação com ocitocina É fundamental excluir o diagnóstico de IFP. Os seguintes sinais, quando presentes, são indicadores de boa compatibilidade feto-pélvica: - conjugado diagonal normal (> 12 cm); - paredes da bacia quase paralelas; - espinhas ciáticas não proeminentes; - curvatura do sacro não aplanada; - ângulo subpúbico > 90º; - apresentação de vértice; - polo cefálico encravado ou
descendo na escavação pélvica quando se pressiona
manualmente o fundo uterino (manobra de Hillis-Muller).
Figura 24: Avaliação da pelve.
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Quando estes sinais não se verificam, mas o diagnóstico de IFP não é seguro, deve proceder-se a uma “Prova de Trabalho de Parto”, a qual se executa da seguinte forma: sob monitorização cardiotocográfica contínua, inicia-se perfusão de ocitocina em ritmo progressivo até se obter contractilidade regular, mantendo, a partir deste momento, o ritmo de perfusão atingido; a prova deve ser interrompida se surgirem sinais de “sofrimento fetal”, ou se, perante uma dinâmica uterina suficiente, não se verificarem modificações do colo ou progressão da apresentação. Quando o diagnóstico de IFP é confirmado, o parto por cesariana é a conduta apropriada. A administração de ocitocina deve ser feita por via endovenosa e a solução habitualmente utilizada é a obtida pela dissolução de 10 unidades (UI) de ocitocina em 1000 ml de dextrose a 5%, o que perfaz uma concentração de 10 miliunidades (mUI) por mililitro. Em geral, inicia-se a perfusão ao ritmo de 1 mUI/min, aumentando progressivamente a cada 30 min até um máximo de 10 mUI/min. No HSM, o protocolo para a administração de ocitocina indica que a perfusão, em diluição idêntica à acima descrita, deve ser iniciada ao ritmo de 15 ml/h (2,5 mUI/min), aumentando-se 15 ml/h a cada 30 minutos até se verificar contractilidade regular, ou surgirem sinais cardiotocográficos não tranquilizadores. Geralmente, a disfunção contráctil hipotónica é corrigida com esta terapêutica. A FCF e a contractilidade uterina devem estar sempre sob monitorização contínua durante a administração de ocitocina. A perfusão deve ser interrompida, ou o seu ritmo diminuído, se as contracções excederem os 60 segundos, ou se ocorrerem desacelerações da FCF. Após a interrupção da perfusão de ocitocina, as concentrações desta no plasma materno diminuem rapidamente, uma vez que a semi-vida da ocitocina é de aproximadamente 5 minutos. Devem ser tomadas algumas precauções quando se usa a ocitocina na terapêutica do TP hipotónico: A grávida deve estar em TP efectivo, o que se evidencia pelo progressivo apagamento e dilatação do colo; Não deve existir um obstáculo mecânico à progressão do móvel fetal; O uso de ocitocina deve ser parcimonioso no caso de apresentações fetais anómalas, ou de hiperdistensão uterina (gravidez multifetal, hidrâmnios, macrossomia fetal); O uso de ocitocina deve ser evitado, ou muito rigorosamente vigiado, nas situações de maior risco de rotura uterina (grandes multíparas – paridade > 5 –, cesariana segmentar nos antecedentes);
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Antes de iniciar a perfusão de ocitocina, os dados cardiotocográficos não devem mostrar sinais sugestivos de hipoxia fetal; a monitorização manter-se-à durante todo o TP; Deve evitar-se a hiperestimulação uterina: a frequência, intensidade e duração das contracções, assim como o tónus basal intercontráctil não devem exceder os valores normais do TP espontâneo. A administração de ocitocina tem alguns riscos, nomeadamente a retenção hídrica – “intoxicação aquosa” – que é devida à manifestação clínica do seu efeito antidiurético quando é perfundida a ritmos superiores a 20 mUI/min juntamente com a administração não controlada de fluidos. O fracasso do tratamento da disfunção contráctil hipotónica expõe a parturiente à exaustão, à infecção intraparto e ao parto por via abdominal. Se decorridas 2 a 3 horas, após o início da terapêutica com ocitocina, o colo não se modifica apreciavelmente, deverá ponderar-se a decisão do parto por cesariana. Prostaglandinas (PG) As PG, nomeadamente, a PGE2 e um análogo da PGE1, o misoprostol4, são usadas essencialmente na indução do TP e não como tratamento do TP hipotónico. As PG, quando administradas por via oral, vaginal ou intracervical, são eficazes como indutoras do “amadurecimento” e apagamento dos colos uterinos desfavoráveis, criando as condições necessárias à acção da ocitocina. Sempre que se utilizam PG na indução do parto, devido à sua potência uterotónica, a contractilidade uterina e a FCF devem estar permanentemente monitorizadas. Disfunção contráctil hipertónica Consiste numa descoordenação da contractilidade uterina por ausência da dominância fúndica do estímulo contráctil. Ou seja, existem múltiplos focos ectópicos desencadeadores de contracções miometriais e/ou assincronismo completo dos impulsos originados em cada corno uterino, o que resulta numa anarquia dos estímulos contrácteis dirigidos ao segmento inferior. Graficamente, o TP hipertónico é representado por ondas contrácteis de diferentes formas e amplitudes, com intervalos intercontrácteis curtos e irregulares, ou por traçados normais em que os ramos ascendente e descendente são interceptados por irregularidades que lhe dão um aspecto em “degraus”. (figura)
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“Apesar dos resultados parecerem muito encorajadores, não está ainda comprovada a inocuidade do misoprostol” (pág. 449 do livro Medicina Materno-Fetal – 3ª edição).
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Ocorre, sobretudo, na fase latente do TP e é destituído de eficácia para fazer progredir a dilatação cervical, embora seja muito doloroso para a parturiente. Terapêutica O objectivo da terapêutica será aliviar a dor materna e diminuir a actividade uterina anárquica, permitindo que o TP prossiga normalmente. Se o feto não estiver em “sofrimento”, a sedação da parturiente com derivados da morfina (meperidina, petidina) é habitualmente eficaz. Quando a disfunção contráctil surge espontaneamente, a perfusão de ocitocina poderá ter um efeito paradoxal e converter a contractilidade anómala em contractilidade fisiológica; no entanto, esta medida só é aplicada em casos seleccionados e devem ser tomadas todas as precauções, incluindo a disponibilidade técnica para a execução de uma cesariana de emergência. É necessário impedir que a situação hipertónica se prolongue excessivamente, devido ao risco de hipoxia fetal.
Figura 25: Disfunção contráctil hipertónica. A – Contractilidade no TP hipertónico; B – Hipertonia uterina; C – Taquissistolia uterina.
No TP hipertónico surgem, por vezes, padrões contrácteis bem definidos: A hipertonia uterina é definida pelo aumento patológico da actividade miometrial, incluindo um ou mais parâmetros da contractilidade – maiores amplitude, duração e frequência das contracções, assim como aumento do tónus basal. Graficamente, traduzse por um aumento significativo do tónus de base (> 12 mmHg) sobre o qual se enxertam múltiplos “picos” de contracções uterinas. A maior parte é de causa iatrogénica provocada pelo uso não controlado de ocitocina, mas também pode ter outras causas, como o descolamento prematuro da placenta normalmente inserida (DPPNI); por diminuir significativamente a perfusão útero-placentária associa-se, em geral, a hipoxia fetal.
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A taquissistolia uterina caracteriza-se pelo aparecimento de 5 ou mais contracções de características normais num período de 10 min, sem elevação significativa do tónus basal, apesar de este se encontrar sempre ligeiramente aumentado devido aos curtos intervalos intercontrácteis, os quais não permitem o regresso à linha de base. O marcado aumento da frequência contráctil resulta numa deficiente progressão do TP e pode conduzir a hipoxia fetal devido a uma deficiente perfusão nos intervalos intercontrácteis. Terapêutica A atitude terapêutica destas duas últimas situações assenta na abolição imediata de útero-estimulantes em curso, na administração de fluidos, no posicionamento da parturiente em decúbito lateral esquerdo para melhorar a perfusão útero-placentária e na oxigenoterapia, a qual deve ser intermitente para evitar a vasoconstrição uterina reactiva. Frequentemente, se surge na ausência de estimulação com ocitocina ou não melhora após a sua suspensão, é necessária a administração de fármacos com acção tocolítica em perfusão. Entre os agentes útero-relaxantes mais utilizados estão: β-miméticos (Ritodrine, Terbutalina, Salbutamol): promovem a saída de cálcio das células do miométrio; Sais de magnésio (Sulfato de Magnésio): provocam a deslocação do cálcio intracelular; Antagonistas competitivos da ocitocina (Atosiban). O ritodrine (Pré-par®) era o fármaco de 1ª linha na abolição da contractilidade exagerada até ser suspensa a sua comercialização em Portugal, em 2002. A terbutalina (Bricanyl®), em Portugal, só é comercializada na forma de comprimidos e como inalador, não sendo, portanto, utilizada na abolição da contractilidade exagerada. O salbutamol (Ventilan®), apesar de não existir indicação do fabricante para a sua utilização como tocolítico, é o fármaco utilizado como alternativa ao Ritodrine. A sua administração é endovenosa e o protocolo mais utilizado é: solução de uma ampola de 5 mg de salbutamol em 500 ml de Dextrose a 5%, iniciando o ritmo de perfusão a 30 ml/h; o aumento do ritmo é progressivo até cessar a contractilidade, vigiando sempre o pulso materno (não > 120 ppm), os sinais de intolerância e não ultrapassando a dose de 90 ml/h. O sulfato de magnésio está indicado nas gestantes com contra-indicação para os β-miméticos, nomeadamente nas grávidas com patologia cardíaca ou diabetes. A sua administração é endovenosa e inicia-se com uma dose de 4 a 6 gramas de sulfato de magnésio diluídos em 100 ml de Dextrose a 5% que devem ser administrados durante 20 a 30 minutos. 31 de 40
O atosiban (Tractocile®) é um análogo da ocitocina que se liga competitivamente aos receptores desta e que demonstrou ser eficaz na inibição da contractilidade. Deve ser administrado por via endovenosa, com um bolus inicial de 6,75 mg seguido de uma perfusão ao ritmo de 300 µg/min. Caso a contractilidade anómala não reverta com estas medidas deve realizar-se cesariana; recorrendo-se à mesma na presença de sinais de hipoxia fetal, ou IFP. Resumindo, o tratamento destas situações deve ser balanceado entre a atitude médica e a cirúrgica, devendo a primeira preceder sempre a realização da cesariana, pois permite que o feto recupere níveis aceitáveis de oxigenação e compense minimamente a acidose. b. Anomalias do TP A representação gráfica do TP permitiu identificar um largo espectro de anomalias da dilatação cervical e da descida da apresentação fetal no canal de parto, as quais se podem agrupar em 6 principais padrões já indicados no Quadro 4. PADRÕES ANÓMALOS DO TP E CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS Padrão de TP
Critérios de Diagnóstico Nulípara
Multípara
Fase latente prolongada
> 20 h
> 14 h
Fase activa prolongada
< 1,2 cm/h
< 1,5 cm/h
Fase de desaceleração prolongada
>3h
>1h
Paragem secundária da dilatação
>2h
>2h
< 1 cm/h
< 2 cm/h
Progressão da apresentação prolongada
Ausência de descida da apresentação no
Ausência de progressão
2º estadio durante 1 h.
Dequitadura prolongada
> 30 min Quadro 4
O seu diagnóstico é fácil e precoce através do rigoroso registo do partograma; no entanto, a sua etiologia só pode ser estabelecida pela avaliação quantitativa da actividade uterina associada ao exame clínico da parturiente, de forma a determinar: - a situação, posição e apresentação do feto; - o estadio do canal de parto em que se encontra o maior declive da apresentação; - e a apreciação clínica sumária dos dados pelvimétricos da grávida.
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Fase latente prolongada – > 20 h nas nulíparas e >14 h nas multíparas O seu diagnóstico, em geral, é estabelecido retrospectivamente e baseia-se na excessiva demora em atingir os 3-4 cm de dilatação cervical. A distinção entre este padrão anómalo e um falso TP é muitas vezes difícil.
Figura 26: Fase latente prolongada.
As causas mais frequentes são: - administração precoce e excessiva de narcóticos e/ou analgésicos; - o recurso à analgesia epidural antes do TP bem estabelecido; - a disfunção uterina hipotónica. Assim, a atitude terapêutica consiste, habitualmente, em suspender a administração desses fármacos e aguardar que os metabolitos em circulação sejam totalmente eliminados. Se entretanto ocorrer rotura de membranas, ou surgir algum risco materno ou fetal, que não permitam uma atitude expectante, pode iniciar-se a administração de ocitocina em perfusão, a qual corrige a situação em cerca de 85% dos casos. Nas situações em que não houve administração de fármacos e o estado maternofetal não exija urgência no parto, a parturiente deve ser sedada com derivados de morfina (p.e., 50 mg de meperidina por via IM) e 6 a 7 horas depois, caso se trate, realmente, de uma fase latente prolongada, o TP terá evoluído; se estivermos na presença de um falso TP, não ocorrerá evolução deste, pelo que a grávida pode ter alta da sala de partos. Fase activa prolongada e Prolongamento da progressão da apresentação Estes padrões anómalos estão geralmente associados. O diagnóstico do primeiro estabelece-se quando o colo uterino não se dilata ao ritmo de, pelo menos, 1,2 cm/h nas nulíparas e de 1,5 cm/h nas multíparas; o segundo é feito quando a apresentação não desce 1 cm/h ou 2 cm/h nas nulíparas e multíparas, respectivamente. 33 de 40
Figura 27: Fase activa normal a cheio e fase activa prolongada a tracejado.
Figura 28: Progressão da apresentação normal a cheio e prolongamento da progressão da apresentação a tracejado.
A causa destas anomalias do TP é desconhecida, embora possam existir factores causais, tais como: - as apresentações de vértice nas variedades posteriores e transversas; - a disfunção contráctil hipotónica; - a analgesia epidural administrada antes do TP bem estabelecido. A atitude terapêutica nestes casos passa por medidas de suporte, como a hidratação e o apoio psicológico, as quais se acompanham por terapêutica especifica consoante a etiologia: - administração de ocitocina em perfusão, se disfunção contráctil hipotónica; - RAM e sedação da parturiente, se contractilidade espontânea adequada. Em cerca de 1/3 dos casos verifica-se uma IFP, sendo nestes casos indicada a cesariana. Fase de desaceleração prolongada – > 3 h nas nulíparas e > 1 h nas multíparas As causas mais frequentes são: - apresentações de vértice nas variedades posterior ou transversa; - IFP. A atitude terapêutica nesta situação depende da descida da apresentação: - a estimulação com ocitocina e o parto instrumental aplicam-se quando a descida é adequada, encontrando-se a apresentação abaixo das espinhas ciáticas, e o parto vaginal tem bom prognóstico; - opta-se pelo parto por cesariana quando a apresentação se encontra acima das espinhas ciáticas, o que indica uma provável IFP.
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Figura 29: A – Fase de desaceleração prolongada; B – Paragem secundária de dilatação; C – Paragem de progressão da apresentação
Paragem secundária da dilatação Trata-se do padrão anómalo mais comum durante a fase activa, ocorrendo em cerca de 12% das nulíparas e 5% das multíparas. O diagnóstico é feito quando não se verifica progressão da dilatação em duas observações, com 2 horas de intervalo; isto, quer em nulíparas, quer em multíparas. Como factores etiológicos destacam-se os seguintes, sendo comum a associação de 2 ou mais: - IFP (20 a 50% dos casos); - o TP hipotónico; - as apresentações cefálicas anómalas (ex: face, fronte); - a sedação excessiva; - a analgesia epidural mal conduzida. Na abordagem terapêutica é fundamental pesquisar a existência de IFP, sendo a cesariana indicada nestes casos. Nas situações de actividade uterina escassa, deve ponderar-se a administração de ocitocina; se ao fim de 3 horas de contractilidade adequada não se registar evolução, deve realizar-se o parto por cesariana. Quando a paragem ocorre nas etapas finais da fase activa, existe uma maior probabilidade de correcção da anomalia e de o parto se dar por via vaginal. Ausência de progressão da apresentação Pode ocorrer, tanto na fase activa, como no decurso do período expulsivo e o diagnóstico faz-se pela ausência de descida da apresentação em duas observações, com 1 hora de intervalo, quer em nulíparas, quer em multíparas. Associa-se, geralmente, 35 de 40
a outras alterações, nomeadamente à paragem secundária da dilatação, e a abordagem terapêutica é sobreponível à preconizada para esta. Também, neste padrão, é frequente a existência de IFP. Quando a ausência de progressão ocorre com o ponto de maior declive da apresentação abaixo do plano das espinhas ciáticas, a aplicação de fórceps, ou de ventosa, está indicada. 7.1.2 – Esforços expulsivos voluntários inadequados Após a dilatação completa, a maioria das parturientes refere a necessidade imperiosa de “fazer força” durante as contracções uterinas; tipicamente, a grávida inspira profundamente, encerra a glote (manobra de Valsalva) e contrai a musculatura abdominal de forma repetida e vigorosa, de forma a aumentar a pressão intra-abdominal. A força combinada da musculatura abdominal e das contracções uterinas promove a descida do feto no canal de parto até à sua expulsão. Por vezes, a colaboração da parturiente neste esforço voluntário é insuficiente, ou inadequada, sendo causas, para tal, as seguintes: Analgesia epidural ou raquidiana – a parturiente deixa de sentir a necessidade de “fazer força”, pelo que a contracção voluntária dos músculos abdominais é fugaz e pouco intensa; esta situação é prevenida indicando à grávida quando esta deve proceder ao esforço máximo e ensinando-a a reconhecer o início da contracção, como por exemplo através do registo cardiotocográfico. Anestesia geral; Sedação exagerada; Dor muito intensa causada pela distensão do períneo – nestes casos deve procederse à anestesia dos pudendos quando não existe outro tipo de analgesia; Paralisia da musculatura abdominal – por exemplo, sequelas de poliomielite, miastenia gravis, paraplegia. A parturiente deve ser orientada e encorajada quanto aos esforços coordenados a realizar, durante o período expulsivo, de modo a retirar o máximo proveito do seu esforço. 7.1.3 – Outras situações de distócia dinâmica Anomalias localizadas da contractilidade uterina – o tipo mais comum é o anel de Bandl5. TP e Parto precipitados
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Ver Fig. 5 na página 6 desta anotada.
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O TP precipitado é aquele que decorre a um ritmo excessivamente rápido – dilatação cervical ≥ 5 cm/h na nulípara e ≥ 10 cm/h na multípara. Podem ser causas as seguintes: - baixa resistência das partes moles do canal de parto; - contracções uterinas muito intensas e frequentes; - estimulação com ocitocina excessiva; - a parturiente não tem a percepção de dor com as contracções uterinas (rara). Riscos maternos do TP precipitado: - rotura uterina; - lacerações do canal de parto; - hemorragia pós-parto por hipotonia uterina, resultante da excessiva contractilidade. A morbilidade e mortalidade perinatais estão aumentadas devido a uma possível hipóxia fetal por: - diminuição do fluxo útero-placentário; - hemorragia intracraniana; - parto não assistido, dada a sua rapidez. Eventuais medidas terapêuticas são: - interromper a perfusão de ocitocina, eventualmente, em curso; - sedar a parturiente; - instituir terapêutica tocolítica (mais raramente). 7.2 – Distócia Mecânica Além das anomalias da configuração e das dimensões da bacia materna, está muitas vezes associada a desproporção entre os diâmetros fetais e as dimensões do canal de parto, constituindo um obstáculo ao encravamento ou à progressão fetal. Na presença de distócia mecânica é necessário avaliar a compatibilidade entre o feto e a pelve e avaliar o tipo de apresentação6.
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Avaliação da compatibilidade feto-pélvica referida na pág. 27 e apresentação na pág. 16.
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PARTO DISTÓCICO: IMPLICAÇÕES MECÂNICAS
Anomalias da apresentação, posição e dimensões do feto - Apresentações pélvica, de face e de fronte - Situação transversa - Apresentação composta - Apresentações de vértice occipito-posteriores e occipito-transversas persistentes - Macrossomia fetal - Distócia de ombros - Hidrocefalia - Distensão do abdómen fetal - Gémeos siameses Anomalias da bacia materna – contracção pélvica - Estreitamento do estreito superior - Estreitamento da escavação pélvica - Estreitamento do estreito inferior - Estreitamento generalizado da pelve Anomalias dos tecidos moles do canal de parto - Anomalias vulvares, vaginais e cervicais - Descolamentos uterinos - Miomas uterinos - Tumores dos anexos - Massas pélvicas não ginecológicas Quadro 5
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8. Indução do Trabalho de Parto Apesar de estar associada a um aumento da morbilidade materna e fetal, a indução do TP é indicada nos seguintes casos: Gravidez prolongada; Diabetes mellitus; Hipertensão arterial induzida pela gravidez; Rotura prematura de membranas; Atraso de crescimento intra-uterino; Suspeita de “sofrimento fetal” anteparto. Contudo, existem contra-indicações à indução do TP, nomeadamente: Contra-indicações absolutas
IFP Placenta prévia
Contra-indicações relativas
Apresentação pélvica Gravidez gemelar Existência de cicatriz uterina
A escolha do método de indução do TP vai depender da avaliação do Índice de Bishop (Quadro 5), o qual pode variar entre 3 e 9. esta pontuação fundamenta-se nas características do colo uterino (dilatação, apagamento, consistência e posição) e na altura da apresentação. ÍNDICE DE BISHOP 1
2
3
Dilatação do colo (cm)
1-2
3-4
>4
Apagamento (%)
< 50
60 - 70
> 70
Estadio da apresentação
<0
0
>0
Consistência do colo
Rijo
Mole
Posterior
Anterior
Posição do colo
Quadro 6
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Índice de Bishop > 5 – Colo uterino favorável A indução é feita utilizando, apenas, uma perfusão endovenosa de ocitocina com base no seguinte protocolo: sob monitorização cardiotocográfica contínua e através de uma bomba infusora, inicia-se a administração ao ritmo de 2 mUI/min, duplicando a velocidade da perfusão a cada 20 minutos até atingir 3 contracções por minuto. O ritmo da perfusão necessário à obtenção desta dinâmica uterina é mantido, ou diminuído, caso a contractilidade se torne exagerada. O efeito da indução é potenciado pela amniotomia, ou seja, pela rotura artificial de membranas, assim que se atinge a dinâmica uterina indicada. Índice de Bishop ≤ 5 – Colo uterino desfavorável Neste caso deve aplicar-se, em primeiro lugar, PG para auxiliar o amadurecimento do colo uterino e, mais tarde, associar uma perfusão de ocitocina idêntica à acima referida. São utilizadas as PGE2, ou dinoprostone, as quais estão disponíveis sob a forma de gel pré-preparado nas concentrações de 0,5, 1 e 2 mg por 3 g de gel (Prepidil®); comprimidos doseados a 0,5 mg (Prostin E2®) e uma fita impregnada com 10 mg de PGE2 (Cervidil®). Os protocolos mais correntes para amadurecimento do colo/indução do TP com colo desfavorável são: - administração intracervical de 0,5 mg de dinoprostone em gel; - deposição de 1 a 2 mg de dinoprostone em gel no fundo de saco posterior da vagina; - colocação de 3 a 6 comprimidos (1,5 a 3 mg) no fundo de saco posterior da vagina; - aplicação da fita impregnada à volta do colo uterino, a qual vai libertando PGE2, progressivamente e a um ritmo constante de 0,3 mg/h. Este último método tem a vantagem de permitir uma absorção lenta e contínua da substância activa e de poder ser retirado sempre que se verifique hiperestimulação uterina ou anomalias da FCF; no entanto, não se deve administrar ocitocina enquanto o dispositivo estiver colocado.
Acabou…. Finalmente!!! Diana Bernardes
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