DO CANTAROLÁ DAS ÁGUAS AO LEGADO DOS FESTEJOS: As Lavadeiras de Areias seu Cotidiano, Trabalhos e festejes entre 1940 A 1945*
Joel Bastos de Moura** Prof. MS. Augusto Neves Silva (Orientador)***
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo entender as especificidades e a pluralidade das Lavadeiras do bairro de Areias, na cidade do Recife. O recorte temporal da narrativa aqui em tela é de 1940 a 1945, período em que imperavam os ditames do Estado Novo e estes eram representados pelo interventor Agamenon Magalhães. Para desenvolver a metodologia de pesquisa iniciamos um diálogo com a historiografia sobre o tema, utilizamos, além disso, como fontes ** Artigo apresentado para conclusão do curso de graduação da Faculdade Joaquim Nabuco em São Lourenço daMata/PE.
**** Graduando do curso Licenciatura Plena em História pela Faculdade Joaquim Nabuco em São Lourenço. Endereço Eletrônico:
[email protected] ****** Professor Titular da Faculdade Joaquim Nabuco Mestre em História do Brasil pela UFPE e doutorando pela Universidade Fluminense do Rio de Janeiro..
de pesquisa, matérias produzidas nos anos mencionados pelos jornais: Folha da Manhã, Diário da Manhã e Acervo da Casa do Carnaval. Fizemos também pesquisa literária bibliográfica, utilizando como referencial teórico as pesquisas de Michel Certeau, onde se discute o cotidiano e as táticas de sobrevivência das comunidades ordinárias anônimas, também analisar como as Lavadeiras, ao ter suas liberdades individuais e coletivas controladas pelo regime, conseguiu, juntamente com pessoas de sua rede de atividades, fundar a troça carnavalesca Lavadeiras de Areias. Levaremos em consideração nestes estudos toda a trajetória da criação do bloco e da Vila Popular das Lavadeiras, até os resultados recebidos pelos moradores da localidade.
Palavras- Chaves: Lavadeiras. Cotidiano. Festejos
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ABSTRAT
This study aims to understand the specifics and the plurality of
Lavadeiras Sands
neighborhood in the city of Recife. The time frame of the narrative here in screen from 1940 to 1945, during which prevailed the dictates of the new state and these were represented by the intervenor Agamenon. To develop the research methodology initiated a dialogue with the historiography on the subject, used also as research sources, materials produced in the yea mentioned in the newspapers: Folha da Manhã, Jonal da Manhã and Collection of Casa do Carnaval We also literature literary research, using as theoretical referecial research of Michel Certeau, which discusses the daily life and the survival tactics of anonymous ordinary communities also analyze how Lavadeiras, while having their individual and collective liberties controlled by the regime, could -ram along with people in your network activity, found the fun of carnival Lavadei-ras Sands. We will take into consideration these studies the entire trajectory of the block creation and Popular Village of Lavadeiras until the results received by local residents.
Kaywords: Washerwomen. Daily. celebrations
INTRODUÇÃO
O presente trabalho foi inspirado numa leitura de parte do texto de John Charles Charteen, da disciplina História da América III, do curso de Licenciatura em História, da Faculdade Joaquim Nabuco – No referido fragmento do texto o autor afirma a seguinte expressão: “As mulheres também pegavam roupa suja dos “superiores” sociais para lavar,
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engomar e passar a ferro; bandos de lavadeiras podiam serrem vista esfregando roupas sobre as rochas e estendendo-as para secar no gramado nas margens de certos rios”1. Parte desse texto abordava as atividades do cotidiano 2 das lavadeiras. Então, me lembrei das atividades da minha mãe, no qual me ajudou na escolha do tema. Em função da viabilidade e familiaridade da temática, haja vista que às práticas das lavadeiras fazia parte das memórias3 de minha infância. Esse trabalho tem como objetivo investigar analisar e compreender as estratégias e sociabilidades das Lavadeiras de Areias entre 1940 a 1945. Período de “emergências” de vários governos de regimes autoritários ao redor do mundo, que se apropriaram do aparelho do estado para estabelecer seus intentos políticos e ampliarem seus poderes construindo alianças com outros regimes, que partilhavam os mesmos ideais totalitários – como, por exemplo, a Alemanha com Adolf Hitler, a Itália com Benito Mussolini, Portugal com Francisco Salazar, o Brasil com Getúlio Vargas e Agamenon Magalhães em Pernambuco dentre outros. Investigar, a marcha das lavadeiras de Areias até chegar ao período de fundação da “Troça Carnavalesca Lavadeiras de Areias” e os processos de consolidação e definição dos desfiles do Clube nas principais avenidas do Recife. Processo esse que se deu com iniciativas de várias mulheres lavadeiras e de alguns homens de coragem. Esses são sem duvida o viés que nos conduzirá sob a narrativa desta pesquisa.
1 CHASTEEN, John, Charles, América Latina, Uma história de sangue e fogo. Rio de Janeiro, 3º ed. Campus, 2001. 2 Os estudos sobre o cotidiano vêm possibilitando além da descoberta de temporalidades anteriormente abstraídas, a focalização de outros espaços, contribuindo para redefinir e ampliar noções tradicionais do público e do privado e permitindo o questionamento da polarização entre tempo e espaço, enfocando-os como uma totalidade constitutiva da trama histórica e presente na memória coletiva. C.f. em MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e cultura: história, cidade e trabalho. Bauru, SP: EDUSC., 2002. p. 30. 3 MATOS, Maria Izilda Santos de, Op. Cit. p. 31.
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A segunda oposição básica requer uma maior explicação. O carnaval não se opunha a apenas a Quaresma, mas também a vida cotidiana, não só aos quarenta dias que começavam na Quarta-Feira de Cinzas, mas também ao resto do ano. O Carnaval era uma representação do “mundo virado de cabeça para baixo”, tema favorito na cultura popular dos inícios da Europa moderna. [...] O “mundo de ponta- cabeça” [...].4
Segundo Burke, no período carnavalesco as sociedades esquecem seus lugares sociais, existe, sobretudo, uma permissividade as inversões de valores, um momento onde os estratos sociais inferiores satirizam das hierarquias coisa que só o carnaval tem esse poder de inverter o sentido da “lógica”, a magia dos festejos dita as suas regras não sistematizadas não dogmatizadas. O rei, o clero, a nobreza, são substituídos por representações dos populares 5 dos festejos.
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AGAMENON MAGALHÃES E O ESTADO NOVO EM PERNAMBUCO
O Estado Novo começou com um regime ditatorial que, na mesma noite em que foi anunciado à nação pelas emissoras de rádio, já dispunha de nova Constituição. Isso demonstra o fato de que vinha sendo articulado há algum tempo. A nova Constituinte foi preparada pelo jurista mineiro Francisco Campos (1891 – 1968), apelidado de Chico Ciência e que, mais tarde, redigiu o Ato Institucional nº 1, no alvorecer da ditadura militar (1964 – 1985). No estado Novo não houve eleições e a duração do mandato presidencial deveria ser definida por um plebiscito, o que nunca aconteceu. Na pratica houve uma desvalorização do Poder Executivo, que legislava através de decreto-lei. Os partidos políticos foram declarados 4 BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 212. 5
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extintos, montou-se um Estado fortemente centralizado e autoritário, sendo suprimida a autonomia dos estados, para os quais a presidência nomeou interventores. Na oportunidade houve uma cerimônia pública em que foram queimados os símbolos da autonomia dos estados: as bandeiras e os escudos. O novo regime tinha apoio de amplos setores das Forças Armadas, da burguesia rural porque tinha consciência de que não haveria mudanças nas estruturas agrárias, fundamentadas na grande propriedade. Contava ainda o respaldo da burguesia industrial amplamente beneficiada pelas diretrizes econômicas do governo, além da adesão de amplo segmento das classes médias atraídas pela propaganda e pela possibilidade de ascensão social. Com o apoio da crescente classe trabalhadora seduzidos pelas garantias asseguradas pelas leis trabalhistas (CLT). A 3 de dezembro de 1937, tomou posse como interventor Agamenon Sérgio de Godoy Magalhães (1893 – 1952), até então ocupando o ministério do Trabalho. Apelidado de China Gordo6, Agamenon fora um artífices da implantação do Estado Novo e era por suas antidemocráticas. Não é de se espantar que tenha realizado uma administração autoritária e repressiva. Para ajuda-lo a montar a maquina administrativa contou com pessoas comprometida com o regime o recém-implantado. Visando a doutrinação polico-ideologica da sociedade pernambucana fundou os jornais Folha da Manhã e Folha da Tarde, em que dispunha de uma coluna permanente, em programa de rádio diário na Radio Clube de Pernambuco 7. Contudo o Estado Novo não perdeu tempo, tratou logo de arregimentar os meios de comunicação sometendo-os a regulação do governo, numa tentativa bem sucedida de controle das veiculações das noticias, ou seja, filtra e assegurar que estará sob comando do estado.
6 O filho me convidou para o jantar, a que também compareceu Manuel Bandeira. Foi lá que o conheci. E aí começou nossa amizade. Era um encontro pernambucano com certeza. E, sendo assim, o China Gordo, falecido sete anos antes, veio naturalmente à cena. Perguntei a Bandeira como lhe viera o poema e qual a razão do apelido. – “Ele tinha a China por fora e por dentro”, disse-me enigmático, o poeta. C.f. em FILHO LIMA, Andrade, China Gordo (Agamenon e sua Época): Recife, Ed. Universitária, 1976. p. 27. 7AQUINO, Rubim Santos Leão de, Pernambuco em Chamas: revoltas e revoluções em Pernambuco ROBERVAL, Francisco; BOUCINHAS, Dutra André – Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2014. p. 272, 274.
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A propaganda política é a estratégica para o exercício do poder mais de qualquer regime, mais naqueles de tendências totalitárias ela adquire força muito maior por que o Estado, graças ao monopólio dos meios de comunicação exerce rigorosa censura sob o conjunto das informações e as manipula. O poder político nesses casos conjuga poder da força física e da força simbólica. Tenta suprimir dos imaginários sociais toda a representação do passado, presente futuro coletivo que sejam distintos daqueles que atestam sua legitimidade e cauciona seu controle sobre o conjunto da vida coletiva. Os organizadores da propaganda varguistas atentos observadores da política de propaganda nazi-fascista procuram adotar os métodos de controle dos meios de comunicação e persuasão usada na Alemanha e na Itália adaptando-as a realidade brasileira8.
É quase impossível encontrarmos uma manifestação de grande proporção durante a interventora sem a marcante presença marcante do CEOs (Centro Social Urbano). Com o conflito mundial já em curso fazia tempo, o ministro da guerra Eurico Gaspar Dutra, vem ao Recife fazer uma visita. São organizadas as manifestações de costumes, os desfiles, as faixas, os estandartes. Pois a instituição que mais contribuía com o governo em aglomeração de pessoas eram os centros sociais urbanos, que por sua vez estava vinculado a prefeitura do Recife9. Quando observamos as noticias com atenção, vemos brotar contradições, como caracóis que saem da terra numa noite chuvosa. A propaganda oficial afirma com veemência que é o operário, espontâneo e solidariamente, de caso pensado que decide sair às ruas e celebrar com o regime, proclamando sua confiança. Alguns dias antes dessas noticias, contudo encontramos os primeiros preparativos para as comemorações da primeira semana do trabalho do Estado Novo, em 1938 e observamos que toda essa “espontaneidade” não passava de mais uma estratégia, uma inverdade da interventoria. Ao invés dos grupos espontâneos de trabalhadores livremente determinados em macha pelo Estado Novo que se viu foi uma explicita campanha
8 PANDOLFI, Dulce (org.) Repensando o Estado Novo: In:. CAPELATO, Maria Helena: Propaganda Política e Controle dos meios de Comunicação. Rio de Janeiro. Ed. Fundação Getulio Vargas, 1999. p. 167. 9SOUZA NETO, José Maria Gomes de, Sonhos de Nabucodonosor: Aspectos da propaganda do estado Novo no estado de Pernambuco, (1937 – 1942), (tese doutorado), UFPE, CFCH, Historia 2005. p.81
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maciça em radio difusora chamada de “propaganda cultural” levado aos principais colaboradores como sindicatos, imprensa e centro social operário.10 Quando irrompe o conflito da Segunda Guerra Mundial em 02 de setembro de 1939, o Brasil opta pela neutralidade decretada em 20 de outubro. Nesse sentido O governo varguista desenvolveu um trabalho de vigilância através da polícia de ordem política e social
10 Jornal Folha da Manhã, Recife 25/04/1938. A Semana do Trabalho.
A propaganda política é a estratégica para o exercício do poder mais de qualquer regime, mais naqueles de tendências totalitárias ela adquire força muito maior por que o Estado, graças ao monopólio dos meios de comunicação exerce rigorosa censura sob o conjunto das informações e as manipula. O poder político nesses casos conjuga poder da força física e da força simbólica. Tenta suprimir dos imaginários sociais toda a representação do passado, presente futuro coletivo que sejam distintos daqueles que atestam sua legitimidade e cauciona seu controle sobre o conjunto da vida coletiva. Os organizadores da propaganda varguistas atentos observadores da política de propaganda nazi-fascista procuram adotar os métodos de controle dos meios de comunicação e persuasão usada na Alemanha e na Itália adaptando-as a realidade brasileira11.
É quase impossível encontrarmos uma manifestação de grande proporção durante a interventoria sem a marcante presença marcante do CEOs (Centro Social Urbano). Com o conflito mundial já em curso fazia tempo, o ministro da guerra Eurico Gaspar Dutra, vem ao Recife fazer uma visita. São organizadas as manifestações de costumes, os desfiles, as faixas, os estandartes. Pois a instituição que mais contribuía com o governo em aglomeração de pessoas eram os centros sociais urbanos, que por sua vez estava vinculado a prefeitura do Recife12. Quando observamos as noticias com atenção, vemos brotar contradições, como caracóis que saem da terra numa noite chuvosa. A propaganda oficial afirma com veemência que é o operário, espontâneo e solidariamente, de caso pensado que decide sair às ruas e celebrar com o regime, proclamando sua confiança. Alguns dias antes dessas noticias, contudo encontramos os primeiros preparativos para as comemorações da primeira semana do trabalho do Estado Novo, em 1938 e observamos que toda essa “espontaneidade” não passava de mais uma estratégia, uma inverdade da interventoria. Ao invés dos grupos espontâneos de trabalhadores livremente determinados em macha pelo Estado Novo que se viu foi uma explicita campanha
11 PANDOLFI, Dulce (org.) Repensando o Estado Novo: In:. CAPELATO, Maria Helena: Propaganda Política e Controle dos meios de Comunicação. Rio de Janeiro. Ed. Fundação Getulio Vargas, 1999. p. 167. 12SOUZA NETO, José Maria Gomes de, Sonhos de Nabucodonosor: Aspectos da propaganda do estado Novo no estado de Pernambuco, (1937 – 1942), (tese doutorado), UFPE, CFCH, Historia 2005. p.81
maciça em radio difusora chamada de “propaganda cultural” levado aos principais colaboradores como sindicatos, imprensa e centro social operário.13 Quando irrompe o conflito da Segunda Guerra Mundial em 02 de setembro de 1939, o Brasil opta pela neutralidade decretada em 20 de outubro. Nesse sentido O governo varguista desenvolveu um trabalho de vigilância através da polícia de ordem política e social (DOPS) 14, também com repressão aos considerado “quinta coluna” 15 tanto que as propagandas praticadas em seu governo eram um modelo dos ditadores europeus e ideias fixas de manipulação das massas, sob a égide de construção de uma identidade nacional com discurso tendencioso. Na Folha da Manhã, em 1943, Agamenon irá conclamar a população em aumentar a 13 Jornal Folha da Manhã, Recife 25/04/1938. A Semana do Trabalho. 14Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), vinculado a Secretaria de Segurança Pública (SSP) criado em 30 de Dezembro de 1924, foi o órgão do governo brasileiro, utilizado principalmente durante o Estado Novo e mais tarde no Regime Militar de 1964, cujo objetivo era controlar e reprimir movimentos políticos e sociais contrários ao regime no poder. O órgão, que tinha a função de assegurar e disciplinar a ordem militar no país foi instituído em 17 de abril de 1928 pela lei nº 2304 que tratava de reorganizar a polícia política do Estado. Nos registros do acervo do DOPS aparece a forma como era feito esse trabalho, traduzido como sendo uma “atividade fim do órgão (investigativo, censura e repressão), onde havia hierarquias diferenciadas e com qualificações distintas dentro da rede. Os agentes que lidam com informações, principalmente os de caráter confidencial e sigiloso, são os investigadores, que aparecem sempre identificados por um nº”. Além do corpo policial, temos os chamados “oficiais de informação”, que não são identificados, pois seu trabalho de coleta, seleção, analise, difusão de informações diz respeito a uma área secreta ou confidencial. Cf. em SILVA, Marcilia Gama da, Informação, repressão e memória: a construção do estado de exceção no Brasil na perspectiva do DOPS-PE, (1964-1985), (Tese de Doutoramento), Recife: Editora UFPE, 2014. p. 96. 15 LEITE, Juliana Ferreira Campos. Op.Cit. (p.1). O termo quinta-coluna surgiu na Espanha à época da Revolução Espanhola para referir-se a existência de um quinto exército formado por nacionais que estariam na retaguarda lutando a favor de Franco através de atos de sabotagem, boatos, ou espionagem. Essa denominação também passou a ser usada no Brasil contra os brasileiros que foram acusados de ter simpatias pelos eixistas. Nesse sentido, o quinta-coluna passa a ser mais um inimigo incorporado à lista de traidores da pátria. Também C.f. em CORDEIRO, Philonila Maria Nogueira. Guerra de Palavras: A construção do inimigo “Quinta Coluna” pela imprensa pernambucana durante a Segunda Guerra Mundial, janeiro/fevereiro/março. vol. 6 ano VII nº 1 2009. Disponível em: www.revistafenix.pro.br. Acesso em 26/05/2016.
desconfiança com os “louros”, afirmando que estes, os alemães, eram perigosos e estavam ligados a espionagens a favor da sua nação de origem, a Alemanha. Vargas, não podendo mais manter-se no estado de neutralidade, inclina-se em apoio a Roosevelt, presidente norte americano, rompendo com o eixo, após ter alguns navios brasileiros torpedeados pela Alemanha16 nazista. O Recife nesse período encontra-se numa posição geograficamente privilegiada e estratégica, para os estadunidenses, como também toda a região do Nordeste brasileiro, que era vital para a instalação das bases militares dos EUA, em apoio às tropas dos aliados no Continente Africano. 17 Um dos principais instrumentos para noticiar os desdobramentos da guerra foi o jornal folha da manhã18 de propriedade de Agamenon, enquanto as verdades dos acontecimentos eram negadas a população. Como bem pontua a historiadora Dulce Pandolfi, que avalia o alto grau de controle e ditames de Agamenon sobre a população pernambucana principalmente a recifense, alterando arbitrariamente seu cotidiano, através de uma política doutrinadora:
Do estudo feito observa-se que em um período tumultuado da vida brasileira, em que os revolucionários que tomaram o poder e destruíram a Republica Velha em 1930, não tinham programas ou seguiam várias direções políticas, desde o comunismo até o fascismo, Agamenon se posicionou ideologicamente; revelou-se um político que rompeu com o liberalismo e o Estado gerdarme, para defender a intervenção do Estado na economia e na organização das classes trabalhadoras em sindicatos por ele controlados e ligados ao patronato. Pensava assim em aplicar os princípios do corporativismo, organizando instituições que integrassem de forma vertical as várias classes sociais, tentando anular a luta de classes e os sindicatos com poder de pressão sobre as empresas. Com espírito dominador, organizou um secretariado de jovens que obedeciam cegamente às suas determinações, e procurou
16 Folha da Manhã. Torpedeado e Afundado O Tamandaré, 31/08/1942. p. 1 Ed. Matutina. 17 RIVAS, Leda Maria. R. C. O Diário de Pernambuco e a II Guerra Mundial. O conflito Visto por Jornal de Província. Dissertação de (Mestrado em História). Recife: UFPE/CFCH, 1998. 18 Em 21 de novembro de 1937, é criado o jornal Folha da Manhã, de propriedade de Agamenon Magalhães, que surge com o propósito de fazer o diferencial na imprensa pernambucana, e aumentar a possibilidade de adestramento da sociedade à nova ordem pública. C.F em PANDOLFI, Dulce Chaves. Pernambuco de Agamenon Magalhães; consolidação e crise de uma elite política – Recife/PE. Fundação Joaquim Nabuco – Editora Massangana, 1984. p. 52
utilizar a igreja, então muito conservadora, como agente de influencia junto ao operariado, através dos chamados Centros Educativos Operários, que também mobilizavam estudantes. Através das chamadas Ligas Sociais Contra Mocambo procura influencia o pensamento do operariado, acenando com melhores dias e proporcionando a alguns o acesso à casa própria.19
A cidade do Recife não teve sua rotina alterada mesmo por força do confronto mundial. Recife, cidade dos mercadores aberta ao oceano, contemplou em posição privilegiada um dos mais ativos fronts da guerra: a Batalha do Atlântico20, que durou de 1939 até 1945, com a derrota final do Reich e o avanço dos Aliados na Europa. As ruas do Recife não foram obstruídas por bombardeios, combates ou torres de suas igrejas seculares destruídas, com tudo é importante que se reconheça a presença da capital pernambucana na vitória dos Aliados cedendo seu espaço físico-geográfico, reafirmando sua participação indireta no front, em uma das guerras mais longa e sangrenta de todos os tempos.
2. O PROGRAMA SOCIAL CONTRA MOCAMBO EM 1940: CONSTRUÇÃO DAS CASAS POPULARES - VILA DAS LAVADEIRAS
O Estado de Pernambuco foi assumido pelo interventor Agamenon Magalhães, um fiel discípulo de Vargas na defesa do Estado Novo, no qual lança um programa social habitacional, onde pretendia atingir toda a extensão territorial do estado: litoral, agreste zona da Mata e Sertão. Não pretendia com essas ideias construir obras faraônicas, mais sim com a finalidade de contemplar setores produtivos da economia e a doutrinação da população. Após
19 PANDOLFI, Dulce Chaves. Op. Cit. p.10 20 Ficou conhecida como Batalha do Atlântico a mais longa campanha da II Guerra Mundial, ocorrida no Atlântico Norte onde a Alemanha Nazista e as forças aliadas (Estados Unidos e Reino Unido) se enfrentaram pela supremacia nos mares. Iniciada a 3 de setembro de 1939 e concluída a 7 de maio de 1945 com a vitória aliada, a Batalha do Atlântico resultou no naufrágio de 3500 navios cargueiros aliados, 175 navios de guerra aliados e 783 submarinos alemães. Disponível em
. Acesso em 26/05/2016.
os anos 40 o problema da habitação para a população de baixa renda passa a ser uma prioridade da pasta do governo.
[...] o problema habitacional para as classes médias e baixa renda passa a integrar a agenda das decisões do setor público. Assim, a intervenção nesta arena só vai ocorrer, de forma mais abrangente, em inícios de 1946, após a posse do presidente da república Eurico Gaspar Dutra. Através do Decreto-Lei no. 9.218, o governo federal cria a Fundação da Casa Popular, cujo objetivo era tornar possível a compra ou a construção de habitações para os setores menos favorecidos, tanto nas zonas urbanas quanto nas rurais21.
A questão da desordem socioeconômica e a proliferação dos mocambos na cidade do Recife era um problema antigo, O fluxo migratório, fuga da seca, vindo das diversas partes da região Nordeste para o Recife. Não era apenas um problema exclusivo da capital pernambucana, mais de todas as Metrópoles do Brasil no século XIX. O grande processo de modernização que estava sendo implantado no Recife tinha seu referencial na Europa à moda francesa, que ditava o tom das vestes nos locais ditos “civilizados”. O crescimento populacional não correspondia a um baixo desenvolvimento socioeconômico. Outra agravante do problema foi os efeitos nefastos da II Guerra, gerando crise econômica no setor rural brasileiro. O campo já não era um atrativo substancial, os engenhos haviam se modernizado transformando-se em usinas, acabando de vez com parte da mão-de-obra
temporária
decorrente
dos
cortes
de
cana-de-açúcar
que
ocorriam
semestralmente, somadas mais a dura realidade, como desemprego, fome, desilusão. Não restando outra opção, para a população rural, se não migrar para os grandes centros suburbanos em busca de melhores oportunidades e/ou apenas lutar pela sobrevivência da família. Recife foi uma cidade que não foi pensada nem planejada politicamente, não estava preparada geograficamente para suportar uma explosão demográfica de grande proporção, volumoso fluxos de pessoas iam chegando e se amontoando em cortiço, favelas e mocambos, esse quadro caótico de desordem social, fez a capital de Pernambuco amargar 1938, como a
21 PANDOLFI, Dulce Chaves. Op. Cit. p.60.
terceira capital em superpopulação e a primeira em densidade demográfica. Em comparação a outras cidades do Brasil no mesmo período do ano, como São Paulo e Rio de Janeiro. É importante observar que a valorização da categoria profissional perpassava todo o projeto em pauta. Ou seja, afinado, com a visão corporativa presente na proposta do Estado Novo, o governo estimulava que as unidades habitacionais construídas fossem ocupadas segundo o critério profissional. Não é por acaso que os primeiros conjuntos habitacionais criados no período recebem o nome das respectivas categorias; Vila dos Pescadores, Vila das Costureiras, Vila das Cozinheiras e Vila das Lavadeiras. É importante ressaltar que a construção das casas populares, através da Liga Social Contra o Mocambo não foi uma solução definitiva para os dilemas das famílias carentes, pois restou uma parcela significativa da população que não foram assistidas pelo o programa social. O Estado, em decorrência da grande necessidade de investimento em programas habitacionais e infraestruturas, não dispunham de tantas soma de dinheiro capaz de abarcar de forma generalizada as multidões de necessitados, que se amontoavam nos cortiços, favelas e palafitas na Região Metropolitana. Essa parcela excluída do processo continuou amontoados em cortiços, às margens de manguezais, rios, córregos e rios que se tornaram um grande problema no período das chuvas intensas, ocasionando não raro enchentes e em muitos casos acompanhado de fatalidades por afogamento. A política da casa própria é um programa de governo de Agamenon Magalhães, que para isso cria em 12 de julho de 1939, a Liga Social Contra o Mocambo 22, que define como objetivo principal a construção de casas para a população menos favorecida do Estado. Teve início a construção da Vila das lavadeiras em Areia, que é o nosso objeto de pesquisa e onde praticamente se inicia o nosso recorte temporal e espacial. O programa passa a tratar o problema das moradias como prioridade de governo. A empresa responsável pela execução do projeto é a Constructora de Casas Populares S. A., que havia construída 23 casas no Cordeiro e estava em fase de acabamento, devendo construir no referido ano mais de 200 casas; Fábrica 22 “O Mocambo tem paredes de taipa, madeira usada, zinco e flandes, capim ou palha”. O seu piso é de terra e a sua coberta de palha ou de folhas de lata. Tem uma sala e um quarto. Quarto sem luz direta e de 4 a 5 metros quando a área mínima deveria ser de 8 metros quadrados. Neste espaço sem luz sem piso, vivem uma média de 4 a 5 pessoas. Os despejos dos mocambos são feitos nos braços das marés, em buracos abertos diariamente para este fim, ou flor à flor da terra.” Descrição dos Mocambos, feita pela Comissão Censitária – Folha da Manhã, (RE) 23/06/1939.
Yolanda com construção de 65 casas para seus operários; Tecelagem de Seda e Algodão de Pernambuco vai construir mais 12 casas do tipo de oitocentos contos de réis, na sua Vila no Pombal; Moinho do Recife dará inicio a 65 casas, localizada na Encruzilhada; a Fábrica Pirapama, segundo comunicação do Sr. Dias Lins está construindo na escada um grupo de 91 casas, das quais 32 já se acha em fase de conclusão.
Com relação à atividade do poder publico o interventor Agamenon Magalhães passou a enumerar as seguintes iniciativas: a) o governo do Estado inaugurará até o dia 15 de fevereiro de 1940, o primeiro grupo de 100 casas da Villa das Lavadeiras em Areias, dando inicio também a construção de uma Villa em Santo Amaro, e outra para as cozinheiras, na Torre; b) de acordo com a solicitação do presidente do Conselho da Caixa Econômica Federal de Pernambuco, Sr. Pedro Allain, serão aplicados no corrente ano 5.000 contos de réis na construção de casas populares.23
Essas medidas, adotadas pelo governo Agamenon tentava atender a uma exigência que foi imposta pelo modelo europeu em construir uma cidade “civilizada” aos moldes das principais cidades desenvolvidas da França. O programa era excludente, enquanto se trabalhava em propagandas enganosas como se os problemas com habitações populares haviam sido resolvidos. As categorias ocupantes das habitações populares eram pessoas mal remuneradas e sem emprego definido. Contudo trazer esse contingente de pessoas para um único espaço alimentava um sentimento ideológico e doutrinador das liberdades individuais e coletivas, protagonizada por Agamenon, que era uma das marcas do regime do estadonovista. Nas primeiras décadas do século XX, o estigma da escravidão ainda compunha a rotina das categorias trabalhadoras e necessitadas da sociedade pernambucana. Lembrando Chalhoub 24, essas esses grupos sociais eram vistas como as “classes ameaçadoras”.
3. AS LAVADEIRAS DE AREIAS; CODIANO, TRABALHO E FADIGA 23 Jornal Folha da Manhã, 9/1/1940. p. 2 O Programa da Liga Social Contra o Mocambo. 24 CHARLHOUB, Sidney. Trabalho, Lar e Botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da Belle époque . 2ª Ed. São Paulo: Editora da UNICAMP, 2001.
“Roupa suja se lava em casa”
Maria lavava, José estendia, E o menino chorava Do frio que fazia. Não chores filhinho, Não chores meu amor, Não chores filhinho, Não chores minha flor.25
No Brasil, o preconceito racial adquire contornos ideológicos, impondo obstáculos sutis, mas eficazes, aos que sonhavam com a mobilidade social sofregamente experimentada por algumas famílias de descendentes de africanos no período imediatamente anterior. Para as mulheres de origem africana que viveram como escravas nas grandes propriedades rurais do Brasil, sobreviver já era uma vitória. Distantes de suas redes familiares originais elas constituíam minorias no universo masculino no Brasil. Essas mulheres foram obrigadas a trabalhar em condições sub-humanas além submeter-se a duplas jornadas de trabalho. Como se não bastasse todo esse fardo de exploração teria que se contentar com um misero ordenado e uma alimentação paupérrima em nutrientes que não atendia as suas necessidades básicas. Seguir em ambiente tão hostil exigiu dessas bravas mulheres esforço e inteligência e capacidade de adaptação, características de sobras herdado das senzalas em tempos difíceis. Além de reinventar, estratégias de sobrevivência, enquanto serviam aos seus senhores. As 25 Cantiga popular, BOSI, Cléa Memória E Sociedade: lembranças de velho. São Paulo. T. A. Queiroz: Edusp, 1987.
práticas da maldade sobre essas categorias era uma rotina, a tortura era uma forma perversa de lhes fazer lembrar quem mandava. Ainda que os negros fossem uma mercadoria valiosa não hesitavam em puni-los mesmo sem motivo aparente. Tanto Nos engenho de açúcar quanto nas lavouras de cafés as escravas grávidas não se livravam dos castigos violentos – como os pontapés na barriga aplicados pelos capatazes, que muitas vezes, eram responsáveis pela morte dos bebês ainda na barriga das mães, além do mais os proprietários não davam tréguas às grávidas sujeitando-as ao serviço pesado nas lavouras, algumas chegam a dá a luz em pleno labor 26. É difícil imaginar uma vida em família estável, quando as mulheres não eram donas de seus próprios corpos as tarefas diárias eram tão intensas e fatídicas, que nem mesmo conseguiam coabitar com seus cônjuges. Permitiamse apenas algumas horas esporádicas de encontros íntimos, geralmente à noite quando encerrava todo labor diário. Também é importante ressaltar que como os escravos representava uma mercadoria valiosa, geralmente os casais afetivos eram separados por negociações a contragosto das vitimas separando-os muitas vezes definitivamente os parentes27. Uma das facetas mais cruéis e visíveis da exclusão se deu no mercado de trabalho. Alimentada pelo preconceito racial dos postos de trabalhos abertos na indústria, no comércio ou no serviço público, a população negra/mulheres numa sociedade patriarcal encontrou poucas alternativas foram dos trabalhos subalternos de pequenas atividades ambulantes, de baixa remuneração. Em vários pontos do país, a seletividade racial era tão escandalosa e perversa que não conseguia disfarçar seu intento, até nas ocupações mais insignificantes, se fez conhecer. O critério racial de seleção dos empregados se inspirava nos ideais de “branqueamento” europeu, bancado pela elite brasileira. Essas eram histórias que não aconteciam isoladamente no cenário nacional mais também eram práticas regionais como aconteceu na cidade do Recife a partir do século XIX. O desejo das patroas brasileiras de introduzir em suas residências serviçais peles ”claras”, no entanto, esbarravam no baixo número de estrangeiras 26 ALISSON, Eugênio, “Reflexões Médicas sobre as condições de saúde da população escrava no Brasil do século XIX,” em Afro-Ásia, Salvador, 42. 2010, p. 125-156. 27 SANDRA, Lauderdale Graham, Caetana diz não: historia de mulheres da sociedade escravista brasileira, São Paulo, Companhia das Letras, 2005.
dispostas a se sujeitar às condições impostas pelas famílias contratantes, que implicam, quase sempre, extensas jornadas de trabalhos, ausências de direitos baixa remuneração, humilhação e abusos sexuais. Assim, apesar da discriminação a presença de mulheres negras no serviço domésticos continuou predominante. O fato é que, nas primeiras décadas do século XIX, essas mulheres valeram-se dos trabalhos ligados à cozinha, à venda de salgados e doces nas ruas e à lavagem de roupas. Serviam também como empregadas domésticas. Buscavam a alternativa do trabalho em grupo como pequenas empreendedoras independentes, produzindo e vendendo suas mercadorias. Ou ainda se dedicando a atividades artísticas, ocupando palcos baratos de teatros de revista, 28 e cabarés. A partir do final da I Grande Guerra nota-se nítida intensificação da dinâmica das atividades capitalistas. A guerra de certa forma bloqueou o fluxo migratório, diminuindo drasticamente a oferta de mão-de-obra,29 e com ela a alta rotatividade dos operários. Isto favoreceu a organização dos movimentos de trabalhadores, que, com salários baixos e espremidos pelas vicissitudes da cidade, vivenciaram um quadro de greves, repressões, demissões, enfrentamentos com patrões e autoridades.
[...] “As mulheres encarregadas pelo abastecimento do lar, vivenciaram mais diretamente essas dificuldades. Enquadradas ou não em organizações, protagonizaram as tensões e conflitos de uma luta cotidiana pela sobrevivência na cidade e descobriram novas brechas, ampliando sua participação nas atividades de trabalho apesar de fortuitas”.30
28 PINSKY, Carla Bassanezi (org.), PEDRO, Joana Maria. Nova História das Mulheres no Brasil. – 1° Ed., 1ª reimpressão. – São Paulo: Contexto, 2013. (pp.385-386). In: NEPOMUCENO, Bebel. 29 A política emigrantista em massa e subvencionada pelo governo gerava uma rápida e contínua oferta de braços para a lavoura, e nas cidades o excesso de trabalhadores aumentava a competição e achatava os salários. MATOS, Maria Izilda Santos de, Cotidiano e Cultura: história, cidade e trabalho. Bauru – SP. EDUSC. 2002. p. 84 30 MATOS, Maria Izilda Santos de, Op. Cit. p. 52.
Diante da carestia dos aluguéis não restavam outra alternativa a não ser de ter de dividir o espaço com outras famílias nos sobrados e cortiços. Difícil mesmo era evitar as contendas cotidianas, não foram poucas entre os usuários daquele ambiente e também fora deles, as querelas e disse-que-disse envolvendo as lavadeiras: briga com seus companheiros reivindicações contra aumentos de taxas do serviço de água aluguéis, alimentos e outros conflitos no espaço público31. Essas mulheres viviam em uma sociedade masculinizada, e nem sempre conseguiam medir com os homens que representava a maioria dominante, por vezes alguma lavadeira acabava espancada pelo companheiro ou por algum estranho32. Porém mesmo agredida de todas as formas e maneiras, as mulheres que trabalhavam para sustentar seus lares, como as lavadeiras estabeleceram juntos com homens relações de poderes, sobretudo nas formas por elas encontradas de burlas as normas de condutas sociais, e inventando estratégias de enfrentamentos na ocasião que se fazia necessário.33 Geralmente quando se juntavam próximo às fontes de água como chafarizes, diques, lavadouro, aconteciam conflitos ferrenhos por conta da delimitação de espaços, principalmente quando as mulheres representava a maioria da população brasileira, esse dado se refletiu nas ocupações domesticas. As lavadeiras eram mulheres de variadas idades, até porque as praticas de lavadeira foi passada de mãe à filha, cedo elas já começavam na atividade, inclusive dividindo com a mãe a quantidade de roupas a serem lavadas, ou em outros casos assumindo sozinhas os trabalhos. Eram poucas as lavadeiras que, trabalhavam nos lugares onde moravam haja vista que poucas dispunham de água encanada era um trabalho árduo que se iniciava com a busca das pesadas trouxas de roupas quando sempre os filhos/as estavam envolvidos no labor da catação e nas casas das freguesas, o serviço tinha pressa, pois na maioria dos casos teriam que entregar as roupas no mesmo dia: 31OLIVEIRA, Josenildo Pires. de, Pelas Ruas da Bahia: criminalidade e poder no universo dos capoeiras na Salvador Republicana (1912-1937), Salvador - BA, FFCH/UFBA, 2004 (Dissertação de Mestrado). 32NETO, Francisco Antônio Nunes. A Condição Social das Lavadeiras em Salvador: quando a história e a literatura se encontram (1930-1939), (Dissertação de Mestrado), UFBA, 2005. p. 81. 33 FOUCAULT, Michel, A Microfisica do Poder, 21ª ed., São Paulo: Graal, 2005.
“Dos Reis virou a cabeça e a trouxa de roupa caiu no chão”. Sentou-se no caixão de gás estirou as pernas cansadas e desamarrou o nodo lençol que enrolava que enrola ao outras peças (...). Começou separar a roupa freguês por freguês conferindo cada rol para que depois não fosse, obrigada a pagar camiseta de seda e toalhas de banho. O marido se buliu no outro quarto chamou: - Dos Reis! Dos Reis! - O que é ? - Você já chegou? - Ainda não... - respondeu rindo. - Você guentou com esse peso todo“34
Grande levas de mulheres, além da lavagem de roupa também mantinha afinidade com a costura, moda em valia na época. Os centros sociais urbanos também ofereciam cursos para as interessadas as mulheres somavam vários ofícios juntos, lavadeiras, costureiras, engomadeiras/ou passadeiras, cozinhas, domésticas e quando não raro ama de leite. Naquele tempo ainda não havia água encanada nas residências populares não estavam difundidas em algumas cidades no inicio do século XIX. Ainda em 1910 encontravam-se referências aos vendedores de água em tonéis, uma vez que persistiam as dificuldades com o
34 AMADO, Jorge. Sour Romance, ed.41ª Ed. Record, Rio de Janeiro, 1983. p. 101.
abastecimento35. Assim, poucas eram as lavadeiras que tinham um local privado para lavar roupa.36
A várzea do Carmo (hoje parque D. Pedro II) era alagadiça no tempo das chuvas. Na seca, entre o Gasômetro e o Carmo, dois braços do Tamanduateí formavam uma ilha. Um desses é o leito atual e o outro corria paralelo a Rua 25 de março, até juntar-se ao primeiro, ali pela a altura do atual mercado. Da Rua Glicério e de toda a encosta da colina central da cidade, desciam lavadeiras de tamancos, trazendo trouxas e tábuas de bater roupa. À beira d’água, juntavam a parte trazeira à dianteira da saia, por um nó apanhado da saia, a qual tomava aspecto de bombacha. Sugavam-na pela parte superior, amarram-na à cintura com barbante, de modo a encontrá-la até os joelhos ou pouco acima, tomando agora o aspecto de calção estofado. Deixavam os tamanhos os tamancos e entravam na água debruçando-se sobre o rio, sem perigo de serem vistas pelas costas. Terminada a lavagem recompunham o vestuário, calçavam os tamancos e subiam a encosta. Isso durou até que o poder público resolveu aterrar e ajardinar a Várzea do Carmo37.
O trabalho junto ao rio possibilitava o relacionamento também Canoeiro, pescadores e carroceiros, que se encontrava com o cantarolar de lavadeiras 38. Costume bastante difundido, as cantorias davam ritmos ao trabalho de lavar, esfregar, torcer e bater, que realizado em 35 “O serviço de abastecimento de água à população, prestado pelo chafariz do Rosário, foi dos mais deficientes”.(...) “os moradores das Ruas de S. Bento, Boa Vista e Imperatriz queixam-se da falta de água que há neste chafariz, vendo-os obrigados a mandar buscá-la longe ou comprarem aos carroceiros...”GASPAR, Byron. Fontes e chafarizes de São Paulo. São Paulo: Conselho Estadual de cultura 1967. p. 77. “Ainda bem que as vendia água nas ruas, em pipas puxadas por pacientes burrinhos, mas era água, além de pouca, e má vendida a 40 réis o barril – coisa caríssima”. MARQUES, Gabriel. Ruas e Tradição de São Paulo Estadual de Cultura, [19--] p.57.
36 Repartição de águas e esgotos mantinha na cidade três grandes reservatórios de distribuição de águas, perfeitamente ajardinados e nas melhores condições de higiene: o antigo reservatório de Cantareira (1877), o da Avenida e o da Consolação. GASPAR, Byron. Op. cit. 37 AMERICANO, Jorge. São Paulo Naquele Tempo (1895-1915). São Paulo: Saraiva, 1957. p. 145.
grupo possibilitava às mulheres de trocar experiências do dia-dia. Num contexto de fofocas e sociabilidade afetiva, informava-se sobre os problemas da vizinhança, perpassavam e mantinham os costumes de geração a geração, como receitas, remédios, histórias, rezas. Assim, o trabalho coletivo revigorava vínculo de vizinhança que significavam lazer, solidariedade material, e afetiva, mas também controle e adequação aos modelos de comportamentos condutas. A preparação e o ritmo do labor de lavagem, em geral ao ar livre, sofriam interferências das condições climáticas: o envelhecimento precoce 39dado à exposição solar40 o frio, a chuva e a famosa garoa de São Paulo dificultavam a execução do trabalho e da secagem, além de provocar atrasos nas entregas. D. Alice se recorda dessas dificuldades: “Até hoje me lembro, água de nossa tina estava uma pedra de gelo. Como podia lavar roupa no gelo? Tirar água naquele frio era difícil também. Fiquei indecisa, mas acabei quebrando o gelo da tina e puxando água do poço”41. O desenvolvimento urbano ampliou as dificuldades habitacionais e sanitárias em vária cidades do Brasil, que passaram a ser atingidas por graves problemas epidêmicos. O setor médico, aliado aos poderes públicos, desde do final do século XIX, procurava encaminhar providencias para sanar essa dificuldades. Entre as medidas tomadas, procurou-se a distribuição e generalização da água encanada, não sem a resistência da população.
Para forçar os moradores de certos bairros a terem água em suas casas, a Cantareira mandou então demolir, além do chafariz que entregara ao público onze anos antes, aqueles que havia no largo do Carmo e no Rosário (1893). Quando derrubaram este ultimo, moradores do lugar e outros populares se opuseram com violência, resistindo até a força policial entrose em ação. Nesse mesmo ano, como se avolumassem as manifestações de desagrado da população ao serviço de águas da Cantareira, o
38 MOURA, Paulo Cursino de. São Paulo de outrora. São Paulo: Edusp; Belo Horizonte: Itatiaia, 1980. p. 152 e 241. 39 AMADO, Jorge. Op. Cit., p. 104. 40MATOS Maria Izilda Santos de, Op. Cit. p.185. 41 Lembrança de D. Risoleta. In: BOSI, Eclea, Op. Cit. p. 321-2.
governo do Estado chamou a si o encargo, criando-se então a Repartição de Águas e esgotos...42
As trabalhadoras externas (lavadeiras, engomadeiras,) enfrentavam, alem da faina cotidiana do seu trabalho doméstico, as obrigações com a freguesia, os prazos para entrega das encomendas, percorrendo grande distancia (já que era proibido utilizar bonde com pacote de roupas sujas) com pesada e volumosa trouxas de roupas sujas ou limpa. Os carroceiros foi o grupo que mais sofreu acidentes seguidos a dos criados, que muitas vezes chegavam a ficar incapacitados. As lavadeiras eram atingidas principalmente por ferimentos nas mãos, particularmente cortes e penetração de corpos estranhos, mas havia também afogamentos nos rios tanques e poços.43 As que exerciam a função de passar eram frequentemente atingidas por queimadura de ferro. Além disso, registravam-se cortes com faca e machado (utilizado para rachar a lenha) e queimaduras no fogão, e em espiriteiras e lampião álcool cuja explosão atingia o rosto, tórax e braços. Também sofriam quedas dentro dos lares, além de tropeçarem em caminho nas ruas no trajeto do cotidiano.44 O sacrifício para trazer à família recursos monetários, vitais em caso de crise, sempre sobrecarregou a atividade feminina, levando as mulheres a produzir no limite da exaustão física desenvolvidas nos ambientes domésticos, como lavar, passar engomar, que passaram a constituir para as mulheres pertencentes às classes sociais menos favorecida numa ocupação mal remunerada, impondo-lhes uma jornada de trabalho ampla numa extensão de seu trabalho domestico. Essas mulheres conheciam a experiência e práticas de sua ocupação, estratégias para branquear, engomar e passar a roupa, além delas próprias, produzirem os produtos para limpeza das roupas. Além de serem conhecidas como mulheres dispostas para o trabalho – executando suas funções como mães e esposas e realizando a tarefa de lavagem como, “[...]tática de
42 BRUNO, Ernani Silva. História e tradições da cidade de São Paulo. São Paulo: Hucitec, 1983. p.127. 43 MATOS, Maria Izilda Santos de, Op. Cit. p. 163. 44.MATOS, Maria Izilda Santos de, Op. Cit. p. 163.
sobrevivência, engenhosidades do fraco para tirar partido do forte” [...]. 45 Em momento da trajetória de vida feminina, no eventual impedimento de realizar atividades ao lar que dificultassem a rotina domestica, as mulheres tinham na roupa de lavar e passar uma oportunidade de ganho para sustentar os filhos ou completar a renda da familiar. Assim, procurando harmonizar o exercício da maternidade com atividades outras que lhe permitisse garantir a subsistência, as mulheres recorriam a esta estratégias como lembra D, Risoleta: “Ganhava o sustento no tanque e no fogão. E no engomava blusa, vestidinho, terno, Vinha pra lavar, passar, engomar e fazer tiotê nas rendas. E tudo da mesma família Penteado: roupa de Dona Duarda. Roupa de Dona cotinha, ela morreu com a roupa que eu engomei”.46
4. AS LAVADEIRAS DE AREIAS, PRÁTICAS CULTURAIS E FESTEJOS: QUE DESÁGUARAM NAS RUAS DO RECIFE
Segundo Bakhtin, as manifestações populares dos festejos podem ser divida sistematicamente em três: 1. As formas dos ritos e espetáculos (festejos carnavalescos, obras cômicas representadas nas praças públicas, etc.); 2. Obras cômicas verbais (inclusive as paródias) de diversa natureza; orais e escritas, em latim ou em língua vulgar; 3. Diversas formas e gêneros do vocábulo familiar e grosseiro (insulto, juramento, blasões populares, etc.).47 Segundo o autor Leslie A. White 48, assegura que a base da cultura é o Símbolo; “Por definição, portanto a cultura é realizada pela simbologização”. Ela é a capacidade de compreender, e atribuir significados e valores a objetos tanto animado como inanimado, por 45 CERTEAU, Michel de, A Invenção do Cotidiano, 1. Arte de Fazer, ed. 17ª. Petrópolis, RJ: editora. Vozes. 2011. p. 44. 46 Lembranças de D. Risoleta. In: BOSI, Eclea. Op. Cit. p. 321-2. 47 BAHKTIN, Mikhail, A cultura popular na idade média e no Renascimento: o contexto François Rebelais – São Paulo: Hucitec, 2013 p. 4 48 WHITE, Leslie A., O conceito de cultura, [com], Beth Dillingham, (trad.), Tereza Dias Carneiro – Rio de Janeiro; Contraponto, 2009. p. 23.
exemplo: uma pedra pode ter varias representações ou significados, para comunidade indígena pode representar e/ou significar o sagrado, enquanto para os arqueólogos pode ter uma representação meramente cientifico. A água é um bem necessário à manutenção dos seres vivos, mas pode ter suas representações, significados diferentes, nos valores que lhes são atribuídos, pode representar água benta e/ou para saciar a sede, assegurando seu papel de manutenção e equilíbrio na bioesfera do universo. A diminuição da zona de fronteiras entre o “erudito” e o “popular” o cruzamento desses encontros e desencontros, como deixa claro o autor, pensa as classes subalternas e elites partes conflitantes do processo da construção da cultura popular, uma briga entre gato e rato. Diante dessa perspectiva, que nos faz pensar e sentir a cidade como palco das manifestações populares, as ruas parecem constituir objetos de história, cenários múltiplos, cuja paisagem representa uma produção material, dos simbólicos da vida dos que nelas residem; seus caminhos e seus trânsitos falam das mais diversas atividades que no seu interior se produzem. É nesse complexo de jogo de criações, no qual os moradores estabelecem relações entre si e com a paisagem na qual vivem a parte das invenções do carnaval de rua. Uma ação manifesta que incorpora, na sua constituição, numa conjuntura de diferentes manifestações artísticas e espaço de sociabilidades entre os quais se destacam: a dança, a
música, o teatro e as procissões desdobradas nos desfiles das agremiações carnavalescas49; as fantasias a decoração das ruas, as sedes e os centros da cidade; os diferentes cheiros que invadem os ares, entre outras dimensões simbólicas e sociais que dominam os espaços urbanos no período da festa de Momo. Dentro desse universo de criações que compõem do carnaval, percebemos as agremiações como espaços de sociabilidade, onde invenções humanas são pensadas no sentido de encontrar caminhos decifrem a vida e os seus desdobramentos. O folião, tomado pela subjetividade e pela cultura de seu tempo, inventa, a fim de tentar compreender, por meio das suas criações, a festa e a sua sociedade, afirmando-se com um sujeito em processo e que se coloca em lugares sociais frequentemente redefinidos. Como atores da vida urbana, os moradores-foliões modelam seu território cotidianamente, velam histórias e grupos anônimos que se movem no seu interior, de perto, a riqueza das suas partes assim fissuras da sua estrutura. Essas ações possibilitam compreender o espaço urbano como um tecido muito variado nas formas e nas suas cores50, motivo que nos leva a concordar com Raimundo Arrais51, quando afirma que “um espaço que não tem uma natureza cristalizada, seus
49 As agremiações carnavalescas são organizadas civis inventadas na segunda metade do século XIX, no Bairro do Recife. Seu núcleo inicial é decorrente de reuniões entre grupos de trabalhadores (geralmente da mesma profissão), que ganham a denominação primeira de clubes pedestres. A designação faz alusão à forma como se apresentam em público: em cortejo processional, no qual os sócios dos cordões percorrem, a pé, as ruas e os becos das freguesias do Recife. O termo expressa ainda, uma distinção social, diferenciando-os aristocráticos clubes de alegorias e critica que se exibem com fantasias de luxo, trazendo em seu corpo pomposos carros alegóricos. Entre os primeiros clubes pedestres do recife, destacam-se: Caiadores, Cana Verde, Vassourinhas, Pás, Lenhadores, Vasculhadores, Espanadores, Ciscadores, Espalhadores do Feitosa, Siuneiros da Matinha, ferreiros, Engomadeiras, entre outros, cujos nomes indicam o universo social do qual provêm, além de revelar a condição de trabalhador manual da maioria dos integrantes. Nesse estudo, entre as seis modalidades identificadas de agremiações carnavalescas que circulam pelas ruas da cidade entre as décadas de 1930 e 1940, iremos nos deter, mais detalhadamente aos clubes de frevo, as troam e os blocos de pau e corda; condição esta, que não impede que façamos referencia às outras modalidades existentes no período como os maracatus de baque virado, os caboclinhos e as escolas de sambas. SANTOS, Mario Ribeiro de, Trombones, Tambores, Repiques e Ganzás: A festa das agremiações carnavalescas nas ruas do Recife (1930-1945). (Dissertação de Mestrado),UFRPE, 2010. p. 43. 50 Idem. pp. 43-44.
significados derivam dos investimentos simbólicos feitos sobre ele, por meio de rituais promovidos pelo Estado ou certos grupos sociais”. Nessa cidade, na qual se configura um cenário de percursos carnavalescos, a partir dos anos 1930, caracteriza pela forte atuação do Estado, o qual aparece como um importante promotor da festa, utilizando diversos mecanismos de censura para assegurar a ordem e o bem estar da sociedade. Assim, entre as primeiras medidas preventivas, destacamos a atuação da Secretaria de Segurança Pública (SSP/PE), no tocante às ações de controle do uso do espaço do carnaval, com horários estabelecidos, itinerários, entre outras atribuições que visam enquadrar o Recife, “em regime da folia”. 52 Entre as medidas de ordem divulgadas aproximadamente quinze dias ante do período oficial das comemorações de Momo, destacamos a preocupação do Estado em preservar a imagem de uma cidade “moderna”, contraria a bandos de bêbados caídos pelas ruas, a grupos de desordeiros que abalem a moral e os bons costumes, entre outras restrições:
1 – Fica proibido: a) A exibição de quaisquer licenciados pela policia;
conjuntos carnavalescos não
b) A o emprego de líquidos ou pós; c) O uso de símbolos da Cruz Vermelha ou de qualquer instituição pública e da bandeira nacional; d) A venda de bebida alcoólica (brancas); e) A execução do hino nacional de qualquer país; f) Os ultrajes a qualquer crença religiosa e aos seus símbolos; g)As canções ofensivas ou alusivas às corporações militares e religiosas; h) o encontro de quaisquer conjuntos carnavalescos;
51 ARRAIS, Raimundo. O pântano e o riacho: a formação do espaço público no recife dos séculos XIX, São Paulo: Humanitas /FFLCHU/USP, 2004. p. 15. 52 Folha da Manhã. Recife 3 fev. 1940. p. 6 “RECIFE CARNAVAL DE RUA”. APEJE.
i) O uso de fantasias que, pelo seu feitio, se assemelhe ao fardamento ao fardamento dos oficiais sub-oficiais e inferiores das corporações militares;
II – É permitido o uso de mascar na via pública, até às 16 horas, e de meias mascaras nos clubes. III – Fica estabelecido para facilidade do transito, mãos e contra mãos, nos passeios laterais da Ponte da Boa Vasta. IV – Cumpre às autoridades encarregadas do policiamento: a)
Revisar a saída das sedes, os componentes dos conjuntos carnavalescos, apreendendo as armas que forem encontradas e detendo os seus portadores;
b) Cassar incontinenti, a licença de qualquer conjunto carnavalesco que tente perturbar a ordem pública, detendo os responsáveis; c)
Deter e apresentar ao delegado de plantão nesta secretaria, as pessoas que transgredirem as presentes instruções bem como as que provocarem túmulos desrespeitarem as famílias, estiverem indecentemente vestidas, alcoolizadas ou aspirando éter.53
Como exemplo dessa rede de sociabilidades estabelecida entre o público e o privado, podemos citar as comissões de carnaval organizadas pelos moradores das ruas do recife. Essas comissões, composta por na maioria por pessoas da mesma família ou grupos de moradores da mesma rua, nascem o desejo dos habitantes de se reunir, de congregar os amigos, os familiares, os vizinhos, de atrair agremiações dos subúrbios para o centro da cidade, de colocar em cena as aptidões de cada pessoa, de promover a interação entre os grupos e de desenvolver a rua e o bairro onde moram trabalham os momentos de lirismo e alegria das agremiações carnavalescas. Nesse sentido, o papel dessas comissões que, atuam entre o espaço da casa e o da rua, despertas na sociedade múltiplas formas de participação.54
53 Idem. p. 6 54 SANTOS, Mário Ribeiro dos, Op. Cit. p. 85.
A história da fundação da troça55 carnavalesca Lavadeiras de Areias, data do dia 3 de dezembro de 1941, por um grupo de moradores da Vila das Lavadeiras, do Bairro de Areias. Na sua formação social predomina o gênero feminino56, mulheres como; Amara Maria dos Santos, Aidê Helena de Albuquerque, Severina Luiza de França, Eunice Carneiro Machado e Emilia Bezerra, que foram as principais, mas que também são mencionados homens como: Juviniano de Albuquerque e Ademário Conceição dos Santos. Desbravadores, que romperam os paradigmas e cimentaram suas aspirações populares no intuito representar bem as respectivas categorias subalternas. Sua primeira exibição foi nos arrabaldes do Recife no ano de 1942. Que na ocasião registrou-se um incidente, que faz parte da história do clube. Saindo para desfilar sem ter previa licença da Polícia, todos os componentes das Lavadeiras de Areias, foram presos e conduzidos à Secretaria de Segurança Pública(SSP/PE). O próprio Agamenon Magalhães, governador do Estado, informado do episódio interferiu pessoalmente, mandando libertar os foliões e autorizando a brincadeira. E fez mais, foi para a rua com as Lavadeiras de Areias, prestigiando sua exibição57. “Recife perdendo o Carnaval de Rua Todos os Clubes Muito movimentados povo ordeiro e policiamento Bom”, foi à manchete principal estampada na pagina do Jornal Diário 55 Troça S.f. o que se diz ou se realiza no propósito de causar risos; o que pode ser utilizado para zomba de alguém; ação ou comportamento muito engraçado, que está repleto de graças, divertimentos ou brincadeira. Ex: De acordo com o presidente do Clube do Homem da Meia – Noite, Adolfo Alves da Silva, o personagem nasceu no dia 2 de fevereiro de 1932, de uma dissidência da troça Cariri de Olinda, que abria, até então, o carnaval na cidade de Olinda/Recife/-PE, no começo da manhã do domingo. Disponível em . Acesso em: 20/04/2016. 56 A história deste campo não requer apenas uma narrativa linear, mais um relato mais completo, que leve em conta ao mesmo tempo, a posição variável das mulheres na história, o movimento feminista e a disciplina da história. Embora a histórias das mulheres esteja certamente associada à emergência do feminismo, esta não desapareceu, seja como uma presença na academia ou na sociedade em geral, ainda que os termos de sua organização e de existência tenham mudado. Muitos daqueles que usam o termo gênero, na verdade se denomina Historiadores feministas. Isto não é somente uma submissão política, mais também uma perspectiva teórica que os leva a encarar o sexo como um modo melhor de conceituar política. BURKE, Peter (Org.). A escrita da história: novas perspectivas Editora Unesp.- São Paulo. 2011. (p. 67-68). 57 VARELA, Marcelo (acervo 391 81 PE, Vz, 93h 12/05), Centro de Formação Pesquisa e Memória Cultural Pátio de São Pedro. Recife/PE.
da Manhã do dia 23 de fev. de 1966. O enunciado do referido Jornal reproduz o discurso e política doutrinaria da época, como também registra os momentos em que o clube carnavalesco Lavadeiras de Areias foi campeã. Nessa mesma data aconteceu o campeonato das agremiações, promovida por entidades comerciais locais. O palanque do desfile estava armado na Av. Guararapes, por onde as agremiações desfilavam, estava à comissão julgadora que escolheria mediante critério a que havia melhor se destacado no cortejo. Após o julgamento a classificação ficou da seguinte forma; Clubes; 1º lugar, Lavadeiras de Areias; 2º lugar, Vassourinhas. Blocos; 1º lugar Inocentes de Rosários; 2º lugar, Rebeldes Imperial. Escolas de Sambas; 1º lugar, Estudantes de São José; 2º lugar, Gigantes do Samba. Troças; 1º lugar, Abanadores do Arruda. 2º lugar. Pão Duro. Segunda Categoria; 1º lugar, coqueirinhos de Beberibe; 2º lugar Reis dos Ciganos; Caboclinhos, 1º lugar, Canindés; 2º lugar, Tabajaras.58 Foi campeã dos carnavais de 1940,1960, 1966 e vicecampeã em 1961, 1964, 196759 e 1968, como troça. A partir de 1966 60, passou a categoria de clube. Sua sede permanece no mesmo local desde a fundação: Rua pesqueira, 19 Vila das Lavadeiras em Areias Recife PE. O clube recebe anualmente o patrocínio de uma indústria de sabões e óleo vegetal do Recife- PE. Suas músicas principais são as marchas; Pretinho de alma branca (de autoria de Adalberto Soares, Segura ele a formiguinha, de Eufrásio da Silva). 61Até o sábado 23 de janeiro de 1982, o Clube Carnavalesco Lavadeiras de Areias ainda desfilava no pátio de São Pedro62. Mesmo com o período intenso da consolidação do Estado Novo, no controle das liberdades individuais e coletivas as lavadeiras mantinham suas rotinas inalteradas, lavando, 58 Jornal Diário da Manhã, 23/02/1966. “Recife Perdendo o Carnaval de Rua Todos os Clubes Muito Movimentos Povo Ordeiro e policiamento Bom” (tema da manchete) . 59 Jornal Diário da Manhã, 23/02/1966. 60 Jornal Diário da Manhã, 23/02/1966. 61 VARELA, Marcelo (acervo 391 81 PE, Vz, 93h 12/05), Centro de Formação Pesquisa e Memória Cultural Pátio de São Pedro. Recife/PE. 62 Jornal Diário da Manhã, 23/01/1982.
passando/engomando, essas mulheres continuavam coletando roupas nas casas das freguesas indo aos tanques coletivos, rios riachos. Após a construção das casas populares Vila das Lavadeiras pelo Programa Liga Social Contra o Mocambo foi quando se deu a organização social desse grupo e consequentemente a inauguração da Troça Carnavalesca Lavadeiras de Areias. Momento áureo das suas respectivas representações popular, que acabou desaguando nas principais alamedas da Região do Grande Recife. Participa efetivamente dos desfiles e campeonatos de agremiações do Recife, no qual em muitos carnavais foi campeã na qualidade de Troça e Clube. O referido artigo, não esgota a temática, mas permanece aberto as sugestões a aprofundamento da matéria.
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