CULTURA: UM PRODUTO ECONOMICAMENTE HOMOGENEIZADO PALOMA ABDALLAH* (
[email protected] [email protected])) GABRIELA AMORIM* (
[email protected] [email protected])) RODRIGO GARCIA* (
[email protected] [email protected])) Resumo: Transformada pela economia pós-nacional p ós-nacional,, a cultura é esvaziada de sentido e torna-se um simulacro de si mesma, a fim de apresentá-la como um produto vendável aos olhos do mercado transnacional. Esse simulacro, criado a partir dos pontos mais universais das culturas locais, é difundido pelos meios de comunicação de massa a todos os recantos do mundo onde os MCM são capazes de chegar gerando assim um sentimento de proximidade universal não problematizado. Vale lembrar que, nesse caso, os elementos prevalecentes serão os das culturas hegemônicas, ou seja, das culturas que têm maior capacidade econômica de difundir-se através dos media. Embora em escala muito reduzida, alguns aspectos da cultura local influenciam o fenômeno global a fim de que ele possa ser mais facilmente aceito. Desta forma, criou-se a interdependência entre capitalismo, comunicação e cultura. Uma vez que a economia pós-nacional é gestada pela Globalização, necessita da comunicação constante entre os vários pontos do planeta. Para tanto, é imprescindível a presença dessa cultura homogeneizada capaz de ser facilmente entendida em qualquer lugar. Entretanto, podem-se estabelecer críticas a essa globalização que foi incapaz de promover a tão propalada aldeia global. Afinal, até que ponto ela conseguiu unir as mais diferentes culturas do mundo. O trabalho, então, propõe-se a discutir como a Globalização tem se concretizado num movimento de integração apenas dos espaços de criação, produção e comercialização através das redes de informação. Sendo, em contrapartida, espaço de exclusão daqueles que não são capazes de se alinhar ao capitalismo, dos que não podem competir no mercado globalizado e, principalmente, dos que não são grandes consumidores. Além disso, será discutida como essa nova configuração da economia tem homogeneizado a cultura. E o quanto este processo é importante para a manutenção manutenção do ciclo capitalista. Palavras-chaves : cultura, comunicação, globalização, homogeneização e segmentação.
INTRODUÇÃO Globalização, transnacionalização, aldeia global, homogeneização cultural, identidade nacional, cultura global, economia pós-nacional. Conceitos nascidos ou transformados entre fins do século passado e início deste, usados à exaustão diariamente e muitas vezes entendidos apenas superficialmente. Todos esses são termos inquietantes, suscitadores de dúvidas cruciais. Não obstante, talvez ainda não existam respostas satisfatórias para todas elas. Esta, porém, não deve ser uma desculpa confortável para a aceitação tácita de tantos novos fenômenos sem uma profunda reflexão sobre suas implicações. O mundo e suas relações comerciais começam a vivenciar profundas alterações com a chegada da terceira fase do capitalismo, interferindo crucialmente também nas relações sociais e culturais. O acirramento de suas características concorrencial e monopolista conduziu a economia capitalista para uma nova etapa marcada pelo caráter global de sua expansão, atuação e efeitos. Para dar conta desses processos, foram cunhados vários termos-conceitos, como os citados inicialmente. Dentre estes, quiçá o mais usado seja o de globalização. Tendo em vista a existência de várias definições para este termo, adotaremos, no âmbito deste trabalho, aquela elaborada por Giddens para quem globalização pode ser entendida como a “intensificação das relações sociais em escala mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorridos a muitas milhas de distância e vice-versa” (1991, p. 69). Com as novas possibilidades abertas pela globalização, as empresas não produzem mais para o agora restrito mercado interno, de modo que sua atuação ultrapassa as fronteiras nacionais. Uma mesma companhia dispõe de pólos de produção nos mais diferentes países, no entanto, costuma manter sua sede financeira em países centrais. Um exemplo claro são as empresas automobilísticas, com suas montadoras incrustadas em nações periféricas e sedes na Europa e Estados Unidos. Uma boa forma encontrada pela empresa capitalista de aumentar o lucro e diminuir custos. Os mercados alargam-se e a produção torna-se mais barata, uma vez que as empresas recebem grandes isenções financeiras para sua instalação e dispõem de vasta mão-de-obra barata. Para que ocorresse essa transnacionalização foi (e é) imprescindível o papel das novas tecnologias da informação e da comunicação (TICs). Com o avanço tecnológico foi
possível interligar fábricas nos mais diversos pontos do planeta. Talvez, mais importante do que isso, tornou-se realidade a interligação das bolsas de valores e dos mercados financeiros. As novas TICs possibilitaram o surgimento de um mercado financeiro fluído e dotado de humores quase humanos. A integração, pois, torna-se imprescindível nessa nova ordem econômica mundial. E, para tanto, a comunicação constante é indispensável. O alargamento dos mercados produtor e consumidor traz em seu bojo interferências cruciais na cultura. Esta palavra de tantos significados, usada ao longo dos séculos para diferenciar humanos (capazes de produzir formas simbólicas e interpretá-las dentro de um contexto sócio-histórico específico) de animais, é uma poderosa arma do capitalismo globalizado que busca atingir o maior número possível de pessoas, onde quer que elas estejam. Para isso, através dos meios de comunicação, ele procura criar uma cultura feita de formas simbólicas compreensíveis para o maior número possível de povos, ou seja, busca forjar universais culturais. Assim, chegamos a um sentimento de proximidade universal não problematizado. A tentativa de construir uma cultura de fácil assimilação passa pela homogeneização desta, um processo iniciado com o próprio surgimento dos meios de comunicação de massa. Mattelart (2002) aponta o final do século XIX como o início da estandardização da cultura. Não por coincidência foi neste mesmo fim de século que surgiram a indústria fonográfica, a indústria cinematográfica e as histórias em quadrinhos. Aliados também à incipiente imprensa de massa, são os primeiros vetores de massificação cultural. Desde então, até hoje, a indústria cultural vem se alimentando da cultura popular, ou antes, de recortes desta, a fim de construir uma pasta cultural facilmente assimilável. Os folhetins usados para aumentar as vendas dos primeiros jornais europeus ou latinos traziam estórias de paixões açucaradas e forças maniqueístas a se enfrentarem, tanto quanto as telenovelas tão populares atualmente. Essas duas imagens tão popularizadas foram arrancadas da tradição oral das culturas populares. Ou seja, a indústria cultural, desde seu início, tem se encarregado de construir um simulacro formado de recortes de formas simbólicas locais e regionais. Mesmo as manifestações culturais que não são produzidas com intenção mercadológica são logo apropriadas por esse jogo. A capoeira, luta africana reinventada na Bahia, nunca desejou
chegar ao cinema hollywoodiano, no entanto, foi levada para lá pela sumidade dos blockbusters de Jean-Claude van Dame.
É preciso ressaltar, contudo, que em cada época e local, essa indústria assume um papel diferente dentro da sociedade. Para a América Latina do início do século XX, de um modo geral, a indústria cultural teve um importante papel na diminuição do “descompasso existente entre Estado e Nação” (BARBERO, 2003, p.240). Segundo Barbero, esta indústria ajudou os Estados latinos a introjetarem em seus cidadãos o sentimento de povo, unidos por um elã social, e, a partir disso, ajudaram também a construir o sentimento de Nação mediante o compartilhamento de uma mesma cultura e de um mesmo objetivo. Já na terceira fase do capitalismo, a indústria cultural tenta resolver a tensão que se instaura entre a cultura e o mercado locais e o caráter global de atuação. Isto porque, como já foi dito, os mercados produtor e consumidor extrapolaram as fronteiras nacionais. Desta forma, para que o Mcdonalds possa se instalar tanto na Índia quanto no Brasil, ele precisa tanto construir uma cultura transnacional da comida rápida e barata, quanto precisa adaptar seu cardápio aos costumes gastronômicos locais. Assim, o McDonalds indiano não oferece em seu cardápio hambúrgueres de carne bovina, e o brasileiro prioriza as receitas com frango. Desta forma, convivem lado a lado na modernidade a busca de uma padronização cultural e a segmentação da mesma numa situação contraditória, ou, como prefere Mattelart (2002), dialética. Tanto uma quanto a outra alicerçam-se nos avanços alcançados pelas TICs. Ainda que se tente vender a todos a mesma cultura estandardizada, todos os povos estão a procura de sua própria identidade em meio a essa homogeneização. O sonho do capitalismo globalizado é, pois, chegar ao que Mattelart bem definiu como “mercado comum de imagens”. Este seria um amontoado de formas simbólicas entendidas e aceitas por todos os povos da mesma forma, sem a necessidade dispendiosa de adaptação local. A homogeneização cultural não é, senão, a tentativa insistente de se chegar a esse mercado comum. Essa intensa movimentação transnacional de idéias, tecnologias e produtos midiáticos é chamada de fluxos pelo teórico indiano Arjun Appadurai. Estes seriam os promotores da disjunção da economia cultural global. Segundo Appadurai (1999), além dos fluxos tecnológicos, financeiros e midiáticos, a modernidade conta ainda com os fluxos de
idéias e fluxos étnicos. Os primeiros representam as imagens políticas ligadas a ideologias e contra-ideologias de Estado que acabam também passando de um país a outro, às vezes sem uma tradução correta dos conceitos encerrados em palavras. Já os fluxos étnicos referem-se a turistas, refugiados de guerra, imigrantes, trabalhadores estrangeiros que além da própria roupa levam em suas malas uma cultura diferente, com comportamentos, valores, hábitos diferentes, com um outro jeito de decodificar as formas simbólicas que se lhes apresentam. Ainda assim, a globalização ainda não conseguiu modernizar todo o mundo (e talvez nem o queira). Muitos teóricos, como Canclini (2000), têm ressaltado a problemática de uma modernidade sem modernização, principalmente quando se referem aos países da América do Sul. Com isso, eles pretendem chamar a atenção para a situação dos países de semi-periferia e periferia que, a despeito de não terem conseguido resolver seus problemas de desigualdade e má distribuição de renda, são compelidos a reproduzir e incorporar, por exemplo, os padrões de desenvolvimento tecnológico e de consumo dos países centrais. Como falar de modernidade, por exemplo, num país como o Brasil? Neste, consegue-se colocar lado a lado a tecnologia de ponta na construção de aviões comerciais e 40 milhões de pessoas sobrevivendo com renda diária igual ou inferior a um dólar. Enquanto segmentos sociais avançam a passos largos para a modernidade, outros ainda clamam por avanços pré-modernos (CANCLINI, 2000).
GLOBALIZAÇÃO E SUAS CONSEQÜÊNCIAS Com o desenvolvimento da globalização o mundo parece ter ficado menor. Para tanto, contribuiu significativamente o desenvolvimento dos sistemas de comunicação. Os meios de comunicação passaram a ser um elo entre as instituições da modernidade e a sociedade. Segundo Mattelart (2002), o primeiro ator do fenômeno globalização é o capital. A economia chega a uma nova fase juntamente com o surgimento de uma nova organização social. Seu principal objetivo agora é abocanhar a maior fatia do mercado internacional. É nesta terceira fase do capitalismo que a comunicação está mais intrinsecamente ligada à economia. Embora ela tenha nascido e crescido com o capitalismo, nunca ambos estiveram tão ligados. Brittos (2002) explica que na primeira fase a comunicação, ocorrida durante o précapitalismo e o capitalismo concorrencial, tinha como principal função a difusão de ideologias. Em um segundo momento, a comunicação irá acumular funções: continua a
difundir a ideologia dominante ao mesmo tempo em que faz diferenciação da produção. Essa idéia é complementada por Barbero (2003), quando ele salienta que, na América Latina, durante a primeira fase da comunicação, que foi 1930 a 1960, os fatores ideológicos coexistiam com os políticos. Era preciso para o Estado que as massas vivessem e sentissem cotidianamente a Nação, até então, uma idéia abstrata. Isto porque o Estado estava em busca de coesão, ou seja, queria tornar-se verdadeiramente um Estado-Nação. Já a terceira fase, como falamos, é caracterizada pelo atrelamento intrínseco entre comunicação e capitalismo. Isso ocorre porque com a globalização as empresas se desterritorializaram, tanto para baratear a produção – indo para as periferias mundiais –, como para expandir o mercado consumidor. Dessa forma, se fez necessário que o fluxo de informações ganhasse rapidez e se internacionalizasse a fim de que se pudesse criar as redes mundiais de comunicação. Assim, como ressalta Mattelart (2002), cada pequena parte da empresa está apta a servir ao todo. Ou ainda, nas palavras de Miège, “as redes são ao mesmo tempo vetor e a ocasião do reforço da industrialização” (apud BOLAÑO, 1999, p. 23) O problema é quando as empresas transnacionais chegam a localidades que não passaram pelo mesmo processo de modernização dos seus lugares de origem. A idéia mencionada por Canclini (2000) de modernismo sem modernização ganha novas dimensões e conotações em outros autores, a exemplo de Giddens (2002) em seu conceito de desencaixe; de Mattelart (2002) ao abordar a problemática da deslocalização/relocalização e Martim-Barbero (2003) com a noção de descontinuidade simultânea. O desencaixe, como preferimos chamar, é uma característica bastante evidente na globalização e, talvez, um de seus maiores problemas. Com a globalização, fenômenos locais passam a ser atingidos por fenômenos distantes. Quando esses fenômenos chegam a uma localidade diferente da que se desenvolveu, ele modifica a realidade do espaço atingido sem que ele tenha passado pelos mesmos processos do local de origem do fenômeno. A globalização, porém, tem muitas outras arestas a serem estudadas. Giddens (2002) salienta duas perspectivas teóricas que explicam a globalização: a literatura das relações internacionais e a teoria do “sistema mundial”. Aquela diz que o desenvolvimento dos Estados-Nações se deu primeiramente na Europa, onde eles tentavam consolidar seu poder administrativo inicialmente dentro dos territórios para depois atuar na esfera
internacional. Para essa literatura, com o desenvolvimento das relações entre os EstadosNações, caminha-se para a geração de organizações intergovernamentais. Com isso, os Estados passam a não mais deter o mesmo poder. Segundo Giddens (Ibidem), há pelo menos duas falhas na literatura das relações internacionais. A primeira é que ela dá conta de apenas uma dimensão da globalização – a coordenação internacional dos Estados. A outra se refere ao modo como se constituiu o sistema de estados-nações, ou seja, diz respeito ao fato de que estados modernos só ganharam autonomia porque outros estados os reconheceram como tal. A teoria do “sistema internacional” tem como principal representante Immanuel Wallerstein que vê o capitalismo como sendo uma ordem globalizante. Este autor divide o mundo em centro, semiperiferia e periferia. É com o capitalismo que o poder econômico passa a se sobrepor ao político, deixando de ser um assunto que interessa apenas aos estados-nação e passa a ser do interesse de todo o mundo. Para Wallerstein, as relações de poder não somam zero, ou seja, existem países mais poderosos do que outros. Giddens também vê falhas nessa perspectiva, já que concentra no capitalismo a responsabilidade de todas as transformações ocorridas. Para ele, a opinião sobre a globalização diverge, principalmente, em duas vertentes. Esta primeira vertente seria constituída por aqueles que ele denomina de céticos. Esses, que fazem parte geralmente da esquerda política, acreditam que independente das modificações que a sociedade vem sofrendo, a economia global não difere em muito daquelas existentes em períodos anteriores. Essa corrente defende que o que há é uma relação econômica entre regiões e não tanto em escala mundial, como é o caso da União Européia. Já a outra vertente, a dos radicais, acredita que a globalização está em todo o mundo e suas conseqüências podem ser realmente percebidas. Os radicais acham que os políticos não possuem mais o poder de influência em suas nações como o que já detiveram no passado. Já para os céticos, essa idéia não condiz com a verdade na medida em que esse conceito é difundido para a ascensão do livre mercado e a diminuição das despesas do Estado. Giddens acredita que a globalização é revolucionária, mas acha que tanto os céticos quanto os radicais limitaram esse fenômeno à esfera econômica. Segundo ele, a globalização transcende à economia, isto porque ela é política, tecnológica e cultural, na mesma medida em que é econômica. Ele critica a visão dos sociólogos que entendem a
sociedade como um sistema fechado. A sociedade deve ser compreendida de maneira a se entender como ela se comporta no tempo e no espaço. É preciso atentar para as relações pautadas nos envolvimentos locais (aquilo que Thompson (2001) chamou de interações face a face) e as interações entre indivíduos espacialmente distantes (as chamadas interações tecnicamente mediadas). São principalmente esses dois aspectos que foram afetados na sociedade moderna globalizante. Contudo, é preciso atentar para os problemas que desencadeados pela atuação dos meios de comunicação nos processos de interação. O fluxo da informação é, na maioria das vezes, unidirecional e as redes de comunicação são controladas por um número muito restrito de empresas. Isso tem contribuído para a conformação das mentalidades ou decréscimo da diversidade cultural. Apesar de seu caráter mutável, dado, sobretudo, por sua condição de invenção social, Giddens (2002) entende que o advento dos sistemas globais de comunicação tem afetado as tradições, já que estas passam, agora, a se modificar de maneira mais rápida e intensa. Um exemplo de que a comunicação eletrônica modifica a sociedade é a familiarização com o rosto de George W. Bush, que pode nos ser mais familiar do que a imagem de nossos vizinhos. A globalização atinge o cotidiano das pessoas também quando os sitcoms norte-americanos passam a ser consumidos no Brasil. Esses seriados já fazem parte do imaginário brasileiro. Assim, como defende MatimBarbero (2003), a indústria cultural multinacionalizada vai se tornar mais “próxima” de nós do que a cultura popular de nosso próprio país. A decodificação dessa imagem tem que exigir o mínimo de esforço e falar ao maior número possível de pessoas. Para isso, precisa conter as “universais culturais”. Por este conceito, entendam-se elementos culturais presentes na maioria das culturas. A isso, Mattelart vai chamar de “a busca pelo mercado único de imagens”. Ou seja, a busca pela criação de um texto-imagem que comunique com o mínimo de ruído possível a mensagem que as empresas transnacionais querem enviar. E para que os países em desenvolvimento não se sintam afrontados com tanta intromissão, essa indústria cultural global coopta as suas manifestações populares mais idiossincráticas, pasteuriza-as e, como salienta Martim-Barbero (Ibidem), faz a mediação entre ela e a cultura, também já pasteurizada, dos países hegemônicos. Essa ação pode ser percebida quando o reggae jamaicano é retirado de seu país de origem, graças à aparição de
uma figura pop como Bob Marley, e “lançado” nas demais culturas pela indústria fonográfica americana. Ou mesmo, quando o Ministro da Cultura brasileiro leva à Suíça uma “cantora” de “funk” como Tati Quebra-Barraco a fim de representar a cultura nacional brasileira. O substrato de formação dessa cultura global será o mercado comum de imagens, de que tratamos anteriormente. E ainda que ela, através da cultura de massas, tente pasteurizar ao máximo todas as culturas, a indústria cultural global não é capaz de reduzir as peculiaridades de cada país a uma única cultura pasteurizada. Os freios culturais têm conseguido barrar a influência dessa pasteurização nas culturas locais, criando a necessidade de certas adaptações dessas imagens a cada país. Indo para o âmbito global, nos deparamos com mais uma das situações dialéticas tão abundantes nas comunicações de massa: a tentativa de homogeneização do discurso global, da qual acabamos de falar; e o processo de segmentação das mídias por que vem passando o mercado comunicacional. Tal segmentação é facilitada pelas novas tecnologias midíaticas e podem ser encontradas nas TVs por assinatura, na Internet e, futuramente, na TV digital. A lógica aqui está em atingir vários grupos sociais e obter o maior lucro possível, naquilo que Brittos (2002) e Miège (apud BOLAÑO, 1999) chamam de “economia de contadores”. Este novo sistema consiste na cobrança direta ao usuário pelo produto cultural adquirido, por exemplo, o pay-per-veiw dos canais a cabo. Wolton (2003) salienta ainda que a segmentação da mídia é uma forma de manter as divisões de classe. Em meio a essa contradição, as empresas de comunicação já adotam modelos administrativos que tenham como fim último a maximização dos lucros, onde não mais comunicólogos gestam as mídias, mas sim executivos. Isso compromete tanto a qualidade da informação quanto o entretenimento. Essas empresas de comunicação defendem a desregulamentação das estruturas comunicacionais nacionais feitas pelo Estado. Para eles, a regulamentação deve ser feita sob as leis mercadológicas da livre concorrência, sendo o consumidor autônomo para escolher o que ele quer consumir. Tanto Wolton (Ibidem) quanto Mattelart (2002) desmistificam essa visão, já que para ambos a liberdade de escolha não está na recepção e sim na produção. No Brasil, por exemplo, a liberdade de escolha se torna extremamente restrita em diversos segmentos. As Organizações Globo dominam boa fatia do mercado: tv generalista (chegando a picos de 65% da audiência e abocanhado mais
de 80% do mercado publicitário), tv segmentada, editora, indústria fonográfica, internet, telefonia móvel, sistema de satélite e produção de cinema. Além de apontar as quatro dimensões da modernidade, Giddens (2002) também aponta as dimensões da globalização: economia capitalista mundial, sistema de estadonação, ordem militar e divisão internacional do trabalho. A primeira dimensão tem como representante a maioria dos países e as mais importantes potências. Suas políticas econômicas legitimam o capitalismo, mas sempre mantendo a separação do político e do econômico. Apesar disso, as grandes empresas conseguem influenciar a política dos seus países. Mesmo tendo um poderio econômico tão forte, elas não chegam a disputar com os Estados, pois dependem deles em alguns aspectos, por exemplo, no poder militar. A racionalização da ação se dá com a adequação entre os meios e os fins. Essa racionalização vai se materializar com a democracia na forma de burocratização e esta só se desenvolve com o advento dos Estados-Nações. Vale ressaltar que a autonomia desse Estado só é efetuada quando reconhecida por outros Estados. Giddens (2002) chama a atenção para o caráter dialético da globalização nesse aspecto. Ao mesmo tempo em que esse novo fenômeno diminui o poder individual dos Estados, ele aumenta a sua influência no todo. A ordem militar também está entre as dimensões da globalização. Giddens (Ibidem) afirma que as alianças dessa ordem causam o mesmo efeito dialético do que na dimensão anterior. Quando alianças são feitas, os países abrem mão de traçar suas próprias estratégias militares, para seguir a estratégia do grupo. Todos os estados-nação possuem um aparato militar muito maior que os estados pré-modernos. Para o autor “não há ‘Terceiro Mundo’ no que diz respeito ao armamento, mas apenas um ‘Primeiro Mundo’” (GIDDENS, 1991, p. 79). Por fim, a divisão internacional do trabalho é apresentada como dimensão da globalização. Após a Segunda Guerra Mundial, a interdependência global aumentou significativamente não só em termos de especialização de trabalhos, mas, sobretudo, de especializações de áreas. Depois da guerra, as indústrias se dispersaram pelo globo, fazendo com que as periferias se especializassem na produção de bens de consumo enquanto que os países desenvolvidos do norte ficaram com a tecnologia de ponta.
TICS E GLOBALIZAÇÃO
Assim, temos a Globalização acompanhando, de forma intrínseca, embora não imprescindível, a modernização das sociedades contemporâneas. Este movimento de intensificação das relações sociais em escala mundial tem se concretizado como ideal de uma sociedade moderna, preocupada com os acontecimentos que afligem as vidas dos cidadãos da “Aldeia Global”. Entretanto, tal preocupação tem resultado em mera passividade informativa por parte desses cidadãos, que mediados tecnologicamente por interesses privados viram suas necessidades serem transformadas em demanda para o estabelecimento contínuo das redes de interação mundial, pelas transnacionais da comunicação. Além disso, como já foi dito, o distanciamento entre as redes internacionais de comunicação e os locais de recepção acarreta a compreensão parcial dos problemas que afligem as sociedades contemporâneas. Ao contrário do que pregava Marshall McLuhan (MATTELART, 2001; COHN, 1978), “o meio não tem sido a mensagem” e o mundo não se transformou em um grande vilarejo ecumênico articulado pelos meios de comunicação, ao menos nos moldes em que ele previu. À velocidade do instante a audiência se transforma em ator, e os espectadores se tornam participantes. Sobre a nave Terra ou no teatro global, a audiência e a tripulação se tornam atores e produtores, em vez de consumidores (MCLUHAN, apud MATTELART, 2001, p.144).
Em sua teoria McLuhan rejeitou uma análise dos gerenciadores comerciais dos meios de comunicação, e talvez por isso ele tenha agradado tanto aos intelectuais do mass media e da propaganda. De acordo com Gabriel Cohn (1978), “o ecumenismo de McLuhan,
anunciado na sua antecipação de um mundo tornado comunitário pela ação instantânea e onipresente dos meios de comunicação eletrônicos, tem o seu fascínio último no fato de ser controlável” (COHN, 1978, p.368). Não há dúvida de que novas TICs trazem em seu bojo um movimento transnacional amplo, e por isso ela é inerente à globalização, mas não se pode negligenciar que ela depende da ação dos Estados dominantes e das grandes empresas transnacionais, que a utilizam para a distribuição de seus produtos em escala mundial. Talvez seja esse o motivo pelo qual Bernard Miège (1999) afirma que a comunicação não cumpriu o que prometeu (mais trocas, um acesso mais eqüitativo à cultura e à informação, a divisão dos produtos da
modernidade) e permanece a funcionar numa ambigüidade fundamental, anunciando sempre muito mais do que ela pode fazer. Entretanto, Miège (Ibidem) também salienta que não há certeza de que ela tenha acarretado o que alguns filósofos pessimistas têm anunciado, como a perda dos valores através de uma exposição excessiva às mídias, ou a anomia social e a baixa participação cívica. As visões catastrofistas da comunicação são tão pouco pertinentes quanto aquelas, sempre prontas a se manifestar assim que uma nova técnica emerge, que acentuam os ‘trunfos’ (a transparência, a imediatez, a ubiqüidade, etc.) que a cada vez temos dificuldades de observar (MIÈGE, 1999, p.15).
Não há dúvida de que as novas TICs levam a novas formas de exclusão e dominação, e de que elas são um dos componentes essenciais na reestruturação do capitalismo. Contudo, para além de chegar a uma conclusão catastrófica ou redentora, o presente trabalho tenta fazer uma reflexão sobre o seu impacto nos diversos contextos sócio-culturais. Historicamente, comunicação e cultura sempre se fizeram presentes na consolidação dos planos capitalistas. Principalmente, após a década de 70 do século anterior, com a reestruturação do capitalismo, a generalização dos ideais neoliberais e o surgimento de empresas transnacionais, que irão modificar o papel do Estado. Esse processo de desregulamentação do mercado, ou como prefere Valério Brittos (2002) re-regulamentação, cede espaço à iniciativa privada que, paralelamente a reorganização da sociedade – agora vivenciada à distância – passa a avançar duramente sobre as tecnologias da informação e da comunicação também emergentes. Desta forma, já que a globalização tem como objetivo primordial à expansão do capital monopolista, a indústria cultural torna-se a porta de entrada para uma cultura capitalista global. Conseqüentemente, e através deste processo, a cultura global penetra e perpassa as realidades nacionais, influenciando e, por que não, concretizando-se no imaginário de muitos, alterando as relações entre os indivíduos, classes e grupos, ao passo que os constitui como sujeitos históricos, mesmo que estes se encontrem alheios a esta condição e às contradições a ela inerentes. Dentro desta ação expansionista, a comunicação e a cultura assumem papéis semelhantes nas diversas nações. Sendo, pois, utilizadas pelas transnacionais que buscam o
mercado da cultura mundial para ampliarem suas ações e se desenvolverem economicamente. Assim esta corrida econômica tem comandado a produção informacional e cultural. Para aumentar seus ganhos, as empresas da indústria cultural incentivam os indivíduos a manifestarem suas preferências aos mercados, mediados pelas redes de difusão. Os desejos dos consumidores são atendidos à medida, evidentemente, que estes possam pagar pelos produtos/serviços, podendo até chegar ao limite da individualização. Impõe-se pouco a pouco o que se aparenta a uma ‘economia dos contadores’, até o momento, sobretudo, implantada nos serviços urbanos: água, gás, eletricidade, parques, estacionamento, etc. O processo não fica limitado às premissas, ele está agora bem engajado e, se concerne certamente só a uma parte dos consumidores individuais, e de modo muito diferenciado às organizações industriais e administrativas, ele já atinge alvos comercialmente importantes. (MIÈGE, 1999, p.23)
Os consumidores ávidos pelo fetiche das novas tecnologias fazem aumentar a oferta de produtos e repetem suas práticas tradicionais de consumo, não sendo incomodados pelas inovações. Desta maneira, Brittos (2002) defende que as tecnologias da terceira fase da comunicação não representam avanço social. Ao contrário dos radicais da globalização citados por Giddens (2002), Brittos percebe que as novas TICs não conseguiram rearranjar os estratos sociais existentes há séculos. Entretanto, ele ressalta que a técnica pode ser refuncionalizada para os interesses sociais. Isto, porém, parece ainda estar muito distante da realidade na conjuntura atual. Deve-se destacar que dentro deste processo amplo de segmentação dos produtos info-culturais, estão em jogo os interesses entre o global e o local. Como mais uma tática de maior difusão dos seus produtos as empresas adotaram a estratégia da “glocalização”, termo que funde palavras de caracteres opostos, local e global. Esta tática busca mesclar características do global e do local, no qual está situada, afinal a busca das “raízes” tem se tornado uma característica do homem moderno, que perdido na panacéia de uma cultura desterritorializada dá preferência aos produtos culturais que estão inseridos nos contextos locais. Assim o global torna-se um lugar de sobreposição das culturas, gerando nos consumidores/usuários um fascínio pela alteridade e pelo consumo da diferença, o que, conseqüentemente, aumenta a industrialização de produtos eminentemente populares. Mas estes produtos, ao serem submetidos à produção em massa perdem seu caráter intrínseco, a
ligação com a cultura de um povo, ou, como diria Benjamin (1980), sua aura, muitas vezes superficialmente conhecida. Embora, Brittos discorde “de visões unicamente negativas da cultura midiática, pois esta não é só imposição, já que a classe dominante necessita abrir brechas de assimilação do popular, local ou alternativo, para efetivar a construção da hegemonia” (2002, p.38). Mesmo dentro desta perspectiva, pode-se verificar que qualquer abertura e valorização do alternativo, e até uma possível produção em série mais reduzida, facilitada pelas novas tecnologias, acompanham uma lógica de expansão econômica mercantilista, sempre submetendo os produtos culturais aos interesses financeiros das transnacionais. Conseqüentemente, a cultura, transformada pela economia global, é esvaziada de sentido e torna-se um simulacro de si mesma. Interessando apenas a sua fácil penetração no mercado. Um outro ponto, é que esta absorção dos aspectos locais na composição dos produtos culturais não obedece a uma lógica eqüitativa. Primeiramente, por serem produzidos através de processos eminentemente capitalistas, advindos das nações hegemônicas como EUA, Japão e alguns países da Europa, através de práticas desvinculadas dos locais de consumo. Além disso, os produtos das nações de capital avançado ocupam maior espaço na disposição do mercado mundial, afinal as novas tecnologias são resultantes do trabalho das transnacionais, que têm nesses países o seu berço. A submissão da produção cultural à lógica capitalista não é em absoluto ideologicamente neutra, mas está marcada por contradições de toda ordem, opondo capital e Estado, capital e trabalho, ou, em especial, formas capitalistas e não capitalistas daquela produção. Este último tipo de oposição tem uma importância significativa, inclusive na determinação das formas de luta entre capital e trabalho no interior da indústria cultural” (BOLAÑO, 1999, p. 85).
Tal fator acarreta uma colonização da Industria Cultural mundial por partes destes países. Embora teóricos como César Bolaño, e principalmente o indiano Arjun Appadurai, reconheçam ser uma visão simplista reduzir esta problemática apenas ao binômio colonizador/colonizado ou centro/periferia. Appadurai (1999) afirma que a nova economia cultural global deve ser analisada como uma ordem disjuntiva, superposta e complexa, onde diversos fatores imprevisíveis estão envolvidos. Assim a cultura global deverá ser compreendida através das disjunções, cada vez mais crescentes, do fluxo dos cinco
panoramas essenciais que a constituem, a saber: etnopanoramas, midiapanoramas, tecnopanoramas, finançopanoramas e os ideopanoramas. Para ele, a problemática central das interações globais é a tensão entre a homogeneização cultural e a heterogeneização cultural. O autor explica que há uma tendência da esquerda, baseada em uma vasta gama de fatos empíricos, que tende a defender a homogeneização pautada pela americanização, ou o que ele chama de “commoditização”. Mas Appadurai observa que não se pode negligenciar que existem várias metrópoles mundiais que exercem influência em outras localidades menores, constituindo assim novas associações indigenizadas, como por exemplo o povo de Irian Jaya, que sente muito mais a “índonesianização” do que a americanização (...) para uma política de menor escala, há sempre um receio de absorção cultural da parte da política de maior escala, especialmente das que se encontram na vizinhança. A comunidade idealizada por um homem (ANDERSON, 1983) é uma prisão política de um outro homem (APPADURAI, 1999, p. 311).
Embora não aceite a globalização da cultura como sendo homogênea, o autor indiano salienta que ela utiliza instrumentos de homogeneização (técnicas de propaganda, linguagem única, estereótipos, etc.) que acabam absorvidos pela cultura local, e posteriormente repatriados através uma combinação heterogênea. Então, o ponto fucral da cultura global contemporânea é a sua estratégia de enfatizar paralelamente o igual e o diferente, “no sentido de se devorarem mutuamente e assim proclamar o assalto bem sucedido das idéias gêmeas do Iluminismo do universal que triunfa e do particular que se recupera” (Ibidem, p. 324). Neste sentido, Octavio Ianni concorda que em vez de ser uma “pedra” à globalização, a regionalização constitui-se um processo através do qual a globalização recria a nação, de modo a conformá-la à dinâmica da economia transnacional. E ressalta também o papel essencial que as transnacionais exercem na constituição dos sistemas econômicos regionais. A difusão das redes internacionais de comunicação no cerne do processo ascendente de globalização tem gerado um sentimento muito forte de proximidade universal. Cada vez mais, percebe-se que diferentes povos têm sido mobilizados por questões internacionais, como o Tsunami, na Ásia, ou os furacões Katrina e Rita, nos EUA, tão difundidos pela mídia internacional, muitas vezes até relegando problemas locais a um segundo plano. No
bojo dessa discussão, tem-se visto argumentos como “não há mais fronteiras nem distância entre as nações”, “o mundo está totalmente integrado”, ou ainda “o mundo tornou-se um espaço vazio”.
ALGUMAS CONCLUSÕES Desde o surgimento da humanidade, as noções de espaço e tempo fazem parte da organização da vida humana. Estas categorias são “lentes” através das quais os indivíduos percebem o mundo. Assim, afirmar que o espaço esvaziou-se vai de encontro à história do homem, entretanto, adotar uma visão conservadora de que nada foi modificado nas relações mundiais também seria um grande contra-senso. À revelia de alguns autores, o espaço-tempo ainda continua inerente ao ambiente social, mas assim como tem feito com todos os seus obstáculos, a globalização conseguiu reformar essas noções dentro da sua cartilha de expansão do capitalismo. A criação do sentimento de espaço-tempo global driblou o espaço-tempo local, sem uma ruptura total dessas dimensões. As transnacionais criaram as metrópoles globais, ou como prefere Renato Ortiz (1999), citando Saskia Sassen, as cidades globais, que administram todo o sistema, criando assim uma hierarquia na administração global, sobrepondo-se, inclusive, aos Estados nacionais, que inúmeras vezes têm seus interesses contrariados por essa nova “superestrutura” econômica transnacional. Assim, uma cidade só é global se interagir com o sistema capitalista mundial. Entretanto, seguindo o pensamento de Ortiz, percebe-se que a globalidade não pode ser entendida apenas por determinantes econômicas, mas também materiais e culturais. Até porque há um grande elo entre essas duas dimensões, a indústria cultural. Nesse sentido, o movimento de desterritorialização se aplica às cidades globais, como as definia Sassen, à produção automobilística, como querem os economistas, mas também a criação de lugares particulares (shopping centers, aeroportos, grandes avenidas, etc.), às identidades planetárias (movimento ecológico ou étnico), a uma memória ‘internacional-popular’ (constituída pelas imagens-gesto veiculadas mundialmente pela mídia. (ORTIZ, 1999, p.58)
Então estaria a cultura totalmente homogeneizada? Acreditamos que não. Como salientamos no início desse artigo, a busca das “raízes” tem sido uma constante do homem moderno, que desterritorializado no global e, porém, apaixonado pelas novas tecnologias da
comunicação, tenta uma reaproximação com o local. Conhecendo esta predisposição, as transnacionais estabelecem seus mercados através destas conjunções e disjunções dos espaços, disponibilizando o local através do global. A globalidade tem se estabelecido através de uma lógica transversal, ou seja, em duas direções, uma voltada para homogeneidade e outra para heterogeneidade. Conseqüentemente, a cultura “viaja” livremente pelas redes de comunicação internacionais. Contudo, para ser compreendida ela precisa ser re-territorializada, isto é, toda desterritorialização é seguida de uma re-territorialização, como movimento único. “A desterritorialização tem a virtude de afastar o espaço do meio físico que o aprisionava, a reterritorialização o atualiza como uma dimensão social. Ela o ‘localiza’. Estamos pois distante da idéia de ‘fim’do território” (ORTIZ, 1999, p.65). Em contrapartida a essa argumentação, Ianni (1999) lembra que atualmente as forças sociais presentes em uma sociedade nacional não são necessariamente identificadas com a nação, segundo ele existem também forças que se identificam em outros países, e até em corporações transnacionais. Embora haja diversas abordagens, o que não se pode prescindir é que a desterritorialização só está no cerne da globalização porque gera novos mercados para as transnacionais, que lucram com a necessidade da população que busca um elo com o noção de origem. Há ainda um último questionamento que merece uma profunda reflexão: Globalização gera interação ou exclusão? Aqui, vale a pena repetir o que já foi dito: a globalização foi gestada pelo projeto de expansão do capitalismo como um modelo de administração de empresas que visa maximizar os lucros. Daí a dificuldade de, a despeito de suas potencialidades, pensá-la como um modelo para a mudança social, sobretudo quando atentamos para o fato de a globalização estar, na verdade, contribuindo para a construção de novas formas de exclusão e dominação. O modernismo sem modernização citado por Canclini (2000) não é mais que um sintoma disso. A globalização sem dúvida tem interligado países, empresas, promovido avanços em todas as áreas das ciências e até criado novas áreas. Contudo, da forma como vem sendo gerida, é incapaz de diminuir as diferenças sociais, de acabar com a exclusão. Schwarz (2001) chega a definir a modernidade na América Latina como uma “idéia fora do lugar”.
Os países latinos foram colonizados por países da contra-reforma religiosa, por conta disso, só após a independência, passaram a ter ondas de modernização. Tais ondas, porém, não atingem todas as camadas sociais uniformemente. No Brasil pós-independência, por exemplo, a imprensa de massa não cumpre o mesmo papel de massificação cultural que cumpriu na Europa. Isto porque o país era formado quase em sua maioria por analfabetos. A democratização e a modernização vêm, pois, para as elites, que usam sua suposta superioridade cultural como explicação para manterem o status quo. É preciso lembrar também que a modernização não chega à América Latina por iniciativa do Estado, mas sim por desejo das empresas privadas, que precisam dela para se manterem produzindo e competindo no mercado internacional. Assim, chegamos ao auge do paroxismo latino por volta da década de 60, quando o continente vivia uma era de desenvolvimento tecnológico e de regresso político, com a presença das ditaduras militares. Na maioria dos países latino-americanos, os anos 1960 viram um considerável crescimento e diversificação do mercado interno. Viram também, contudo, desde logo, o surgimento de contradições insolúveis. Contradições que, para a esquerda, tornavam mais clara a incompatibilidade entre acumulação capitalista e mudança social, enquanto que, para a direita tratava-se da incompatibilidade, nesses países, entre crescimento econômico e democracia. (BARBERO, 2003, p. 259-260)
Na América Latina chega-se a contradições absurdas como a co-existência em um mesmo espaço urbano de patamares europeus de modernidade e patamares feudais de exclusão social. É o caso de São Paulo, que consegue unir lado a lado o cosmopolitismo das cidades globais e a pobreza extrema do pré-moderno. O resultado dessa soma insólita é uma guerra civil travestida em violência urbana. Em 2004, no Brasil, 39.325 pessoas morreram vitimadas por armas de fogo segundo a Unesco. Com isto, não estamos tentando “demonizar” a globalização, ou colocá-la como responsável pela estratificação social que a América Latina sempre enfrentou. Desejamos apenas mostrar que, longe do que previam os radicais da globalização, esse novo fenômeno não foi capaz de promover uma revolução social. Promovendo, ao contrário, um aprofundamento do fosso social já existente. A globalização, através da comunicação e da cultura transnacionais, tem conseguido transformar a tudo e a todos em mercadorias. As empresas capitalistas transnacionais, por sua vez, tornam esse processo irresistível e até mesmo ubíquo. Elas têm conseguido até
mesmo transformar os direitos humanos internacionais em meros direitos de consumidores. Afinal de contas, é assim que somos encarados pelo mercado internacional: consumidores.
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