Guia Compacto do Process Proce sso o Penal conforme a Teoria dos Jogos
Guia Compacto do Process Proce sso o Penal conforme a Teoria dos Jogos
www.lumenjuris.com.br Editores
João de Almeida João Luiz da Silva Almeida Consel ho Editorial Editorial
Adriano Adriano P ilatti Marcellus Polastri Lima Helena Elias Pinto Alexandre Morais da Rosa Marco Aurélio Bezerra de Melo Jean Carlos Fernandes Cezar Roberto Bitencourt Marcos Chut João Carlos Souto Diego Araujo Campos Nilo Batista João Marcelo de Lima Assafim Emerson Garcia Ricardo Lodi Ribeiro Lúcio Antônio Chamon Junior Firly Nascimento Filho Rodrigo Klippel Luigi Bonizzato Frederico Price Grechi Grechi Salo de Carvalho Luis Carlos Alcoforado Geraldo L. M. Prado Sérgio André Rocha Manoel Messias Peixinho Gustavo Sénéchal de Goffredo Sidney Guerra
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Folha de Rosto
Alexandre Morais da Rosa Doutor em Direito (UFPR); Professor de Processo Penal da UFSC; Juiz de Direito (TJSC). dos programas de Mestrado e Doutorado, em Direito, da UFSC e UNIVALI.
Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos
Editora Lumen Juris
Rio de Janeiro 2013
Créditos
Copyright © 2013 by Alexandre Morais da Rosa Produção Editorial Livraria e Editora Lumen Juris Ltda. Produção de ebook S2 Books A LIVRARIA E EDITORA LUMEN JURIS LTDA. não se responsabiliza pela originalidade desta obra nem pelas opiniões nela manifestadas por seu Autor. É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às características gráficas e/ou editoriais. A violação de direitos autorais constitui crime (Código Penal, art. 184 e §§, e Lei no 6.895, de 17/12/1980), sujeitando-se a busca e apreensão e indenizações diversas (Lei no 9.610/98). Todos os direitos desta edição reservados à Livraria e Editora Lumen Juris Ltda. Dados internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) Ros788
Rosa, Alexandre Morais da. Guia compacto do processo penal conforme a teoria dos jogos / Alexandre Morais da Rosa. — 1. Ed. – Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2013. ISBN 978-85-375-2235-6 (broch.) 1. Processo Penal – Brasil. 2. Teoria dos jogos. I. Título. CDD 345.8105
Agradecimentos Dedico este Guia aos parceiros de caminhada, em especial aos alunos da UFSC. Valeu “Morcegada”, UNIVALI, ao pessoal da 4a Vara Criminal de Florianópolis e da Turma de Recursos. Aos amigos Jacinto Coutinho, Aldacy Coutinho, Lenio Streck, Aury Lopes Jr, Diogo Malan, Júlio Marcellino Jr, Juliano Keller, Rodrigo Mioto, Jonas Ramos, Marli Modesti, Deise Krantz, Gláucio Vincentin, Eugênio Pacelli, Rosivaldo Toscano, André Karam Trindade, Rafael Tomaz de Oliveira, Clarisse Tessinari, Clara Roman Borges, Marco Marrafon, Sylvio Lourenco da Silveira Filho, Juarez Tavares, Geraldo Prado, Rubens Casara, Leonardo Costa de Paula, Márcio Staffen, Fernanda Becker, Izaura Hack, Aline Gostinski, Ana Cláudia Pinho, Gabriel Divan, Alexandre Matzbacher, Ilidia Oliveira, Alexandre Bizzoto, Elmir Duclerc, Maria Claudia Antunes de Souza, Jaqueline Quintero, Paulo Ferrarezi, Alexandre Simas Santos, Juliano Bogo, Alceu de Oliveira Pinto, Paulo Cruz, Jorge Andrade, Sérgio Cademartori, Sérgio Graziano, Nereu Giacomolli, Aramis Nassif, Alice Biachini, Rosberg Crozara, Leonardo de Bem, José Antônio Torres Marques, Maurício Zanóide, Ruth e Gabriel Gauer, Álvaro Oxley Rocha, Marcelo Carlin, Felipe Amorim Machado, Flaviane Barros, Cristiano Mabilia, Gustavo Noronha Àvila, Thiago Fabres de Carvalho, Ilton Robl, Chico Monteiro Rocha, Felippe Borring Rocha, Guilherme Merolli, Salo de Carvalho, Marcelo Pertille, Marcelo Pizolati, Guilherme Boes, Giovani Saavedra, Rui Cunha Martins, Aroso LInhares, Adriano Lima, Márcio Rosa, Leandro Gornick, Maurício Salvadori, Ivan Caval azzi, Ana Carolina Ceritotti. Não fiquem bravos. No próximo coloco mais gente!!! Silvia Espósito está correta ao dizer: “Em pleno 2013 ainda vivemos na Lei de Segurança Nacional.” Em especial para Ana Luisa por me mostrar que se pode amar!
Em fevereiro de 2013. Alexandre Morais da Rosa
Instruções de Uso 1. O Guia Compacto de Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos pretende aproximar a teoria do processo penal ao que se passa no mundo real. Não se trata de construção transcendente e imaginária, desvinculada do que acontece nos foros. Daí que sua estrutura diferencia-se da manualística em geral. Não é resumido, nem esquematizado. Muito menos simplificado. É compacto. Indicam-se online[1] as referências bibliográficas que devem necessariamente ser consultadas para se ter a dimensão do que se passa. Fornece, assim, elementos para releitura do processo penal brasileiro a partir da noção de guerra e da teoria dos jogos. 2. Este Guia Compacto não pretende expor teorias mirabolantes e que se desfazem na primeira ida ao Fórum, nem aos repositórios de julgados. Também não pretende ser realista , ou seja, simplesmente acomodar as diversas decisões dos tribunais, em especial do STF e STJ, fazendo parecer algo harmônico. Esse universo em que os manuais se apresentam, a saber, expondo os princípios (diversos) e depois repetindo o que se construiu no século passado acerca das noções de Jurisdição, Ação e Processo, já foi feito. Alguns muito bem e outros nem tanto. A pretensão desse livro compacto é o de apresentar uma visão em paralaxe[2] da questão do processo penal a partir da noção de guerra e da teoria dos jogos. 3. Alguns mais apressados dirão que não é novidade. Sim, há textos que trabalham a questão, inclusive renomados. Entretanto, na lógica que se pretende estabelecer para o ensino e prática do processo penal[3] , as noções trazidas serão de conteúdo variado (Rui Cunha Martins), longe de conceitos eclipsados no imaginário, desprovidos de serventia. Alguns poderão dizer que se pretende reinventar a roda (processo). É sempre uma possibilidade de crítica. O tempo dirá! 4. Importante : as questões relativas ao processo penal serão apenas referenciadas. Deve-se complementar, necessariamente , mediante a leitura de um dos Manuais a seguir: a) Aury Lopes Jr – Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2013; b) Eugênio Pacelli de Oliveira. Curso de Direito Processual. São Paulo: Atlas, 2013; c) Paulo Rangel. Direito Processual Penal. São Paulo: Atlas, 2012; d) Gustavo Badaró. Processo Penal. São Paulo: Elsevier Campus, 2012; e) Elmir Duclerc. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011; f) NICOLITT, André. Manual de Proceso Penal. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. Dentre outras, poucas...
Sumário
Capa olha de Rosto Créditos gradecimentos nstruções de Uso releção ntrodução Capítulo 1° Para entender o Processo Penal a partir da Teoria dos Jogos e da Guerra
1. O processo como jogo 2. Teoria dos Jogos 3. O Jogo de Guerra Processual 4. A teoria de processo como jogo processual
Capítulo 2° Por uma leitura garantista do Sistema de Controle Social
1. Para introduzir o Garantismo Penal 2. Garantismo não é Religião: é limitação do Poder Estatal 3. Garantismo Penal e Direito Penal Mínimo
Capí tulo 3° Sistemas e Devido Processo Legal Substancial
1. Para uma noção de Princípio 2. Princípio Acusatório versus Inquisitório: o falso dilema 3. Devido processo legal substancial 4. A Presunção de Inocência
Capítulo 4° Para um Processo Penal Democrático
1. Nova leitura do Processo Penal: o discurso da eficiência 2. Jurisdição revisitada: o lugar do julgador 3. Ação: nova leitura 4. Processo como procedimento em contraditório
Capítulo 5° Subjogos Pré-Processuais e Incidentais (Cautelares, Prisão e Liberdade, nquérito Policial, Flagrante) 1. Aspectos Preliminares (Denúncia Anônima, Testemunha Protegida, Investigação e Legalidade)
2. Inquérito Policial (CPP, art. 4° – 23) 3. Prisão em Flagrante 4. Prisão Cautelar como Tática (de Guerra) no Jogo Processual 5. Medidas Cautelares Assecuratórias 6. Busca e Apreensão 7. Interceptação Telefônica 8. Quebra de Sigilo Fiscal e Bancário Capítulo 6° O Jogo Processual: Lugar, Procedimentos e Nulidades 1. Lugar do Jogo: Competência 2. Regras da Partida: Procedimentos (ordinário, sumário, sumaríssimo, júri, especiais) 3. Subjogo de Nulidades Capítulo 7° Prova e Decisão: o Resultado do Jogo 1. Subjogo Probatório 2. Decisão Penal como bricolage
Capítulo 8° Prorrogação: Recursos e Ações de Impugnação autônomas 1. Recursos 2. Ações Impugnativas Autônomas
Preleção É costume começar prefácios com orgulhosas exibições de modéstia – com perdão do paradoxo (“perdão”? paradoxos não são pecados carentes de perdão). Para não fugir à tradição, tampouco ao contexto deste livro, declaro solenemente que me sinto como um gandula de várzea convidado a comentar um gol de Messi. O resultado de uma experiência dessas tem tudo para ser jocoso. Bem, como jocoso ( jocosus) vem de jogo ( jocus), parece apropriado. Ora, o que dizer? Que Alexandre Morais da Rosa marcou um golaço! Só que isso é o “óbvio ululante”. Considerando que “só os profetas enxergam o óbvio” (Nelson Rodrigues), preciso urgentemente dizer algo a mais, nem que seja errado. Até para não correr o risco de ter seguidores. Então, vamos lá. No princípio, era o ego. Assim como na guerra e no jogo, no processo cada um busca egoisticamente a vitória (desequilíbrio), não a “justiça” (equilíbrio) – Huizinga. A Teoria dos Jogos diz que esse comportamento egoístico produz um resultado pior para o conjunto de jogadores. O detalhe é que há jogadores que não se limitam às suas partidas. É o “populismo penal” citado neste livro: mídia, políticos, crime organizado, pressões corporativas e atores forenses. Em defesa de seus interesses (egoísticos, estamentais, de classe etc.), querem criar condições para que os resultados do conjunto de jogos de seu interesse, inclusive os alheios, sejam praticamente determináveis ex ante. (Ou não, pois normalmente tiram proveito profissional do cenário que criticam. Não obstante, levantam essa bandeira. E é assim que atuam na esfera pública.) Se isso até pode ser defensável no processo civil sumulado, não o é tão facilmente no processo penal. Porque o espetáculo da punição (Nietzsche), potencializado pela sociedade do espetáculo (Debord), faz do processo penal o palco perfeito para o populismo penal: sua interferência desequilibra ainda mais o jogo, pois tende a temperálo com pânico, como bem observa Alexandre Morais da Rosa, no presente livro. Ou seja, a demanda populista por segurança alimenta justamente a insegurança. Não à toa, esse círculo vicioso costuma ser o germe de tendências autoritárias. Há exemplos para todos os gostos, de Patriot Act a Star Wars. Insuflada pelo clima de pânico, a turba que cerca o patíbulo forense pede uma palmatória maior, mas quem garante que ela será usada com “justiça”? Considerando as “cicatrizes” que ela traz desde sua própria invenção, justificação e produção (Castoriadis), talvez o próprio tamanho dela seja um fator a considerar. Se uma palmatória pequena como uma agulha é inócua, como manejar com precisão outra com o comprimento de um poste? Como aplicar um “corretivo” com isso, sem errar o alvo? Ou sem esmagar a mão punida? É necessário – novamente – equilíbrio, que gera segurança,
mas não predeterminação do resultado , que chamaremos aqui de “certeza”. Explico. Por incrível que pareça, a falta de predeterminação (i.e., a “incerteza”) faz parte do equilíbrio. Tomemos por exemplo um jogo muito mais constrangido pelos limites espaciais, temporais e de regras: o xadrez. O primeiro lance das brancas pode resultar em 20 posições distintas: 16 com o movimento de um peão, 4 com o de um cavalo. A mesma diversidade de posições se repete com o primeiro lance das pretas. Isso significa que, após esses dois primeiros lances, nada menos que 400 posições diferentes são possíveis. Com o segundo movimento das brancas, são possíveis 5.362 posições distintas (cf. Bonsdorff et alii ). E assim por diante. Como adivinhar qual delas será jogada? Eis a incerteza. Num jogo estruturalmente equilibrado como o xadrez, não se tem certeza da vitória, mas a segurança de que ela não se dará por um lance ilegal ou por injunções externas – nem sequer essa segurança oferece o jogo processual. Muito pelo contrário. Claro que, dessas 5.362 posições, boa parte delas não costuma aparecer nos tabuleiros, porque resultariam de péssimas jogadas (p.ex., 1.P3TR). Ou seja, razões de ordem estratégica (escolha do tipo de abertura e de defesa) e tática (combinações) criam padrões de jogo que restringem, na prática, a enorme diversidade de posições previstas na teoria – ordem no caos? Mesmo assim, continua sendo impossível adivinhar, com 100% de certeza, qual será a posição intermediária (subjogo). Que dirá a posição final. Daí que cada jogo é único. Bem assim cada processo (como nota Alexandre) – e com maior razão, dada sua maior complexidade. É claro que há momentos na partida em que um jogador se vê encurralado, obrigado não pela busca da melhor estratégia, mas pela posição desfavorável e pelas próprias regras do jogo, a fazer apenas um movimento forçado (p.ex., após um xeque bem aplicado). Ou impedido de fazer qualquer novo movimento (xeque-mate; trânsito em julgado). Porém, um afunilamento de opções como esse reflete um desequilíbrio posicional (estratégico) em favor do seu oponente. Permanece viva, portanto, a hipótese lançada: maior desequilíbrio, maior certeza. E quando há desnível técnico entre os jogadores? Quanto maior ele for, maior é a possibilidade de adivinhar não a posição final, que continua insondável, mas o resultado da partida, que é o que importa. Creio ser desnecessário explicitar o paralelo disso com o jogo processual. Em resumo, o jogo é equilibrado na justa medida em que seu resultado não é predeterminável. Isso me faz crer que as demandas populistas por um processo penal que assegure um resultado predeterminado, seja ele condenatório ou absolutório, não conseguem disfarçar o fato de que são demandas de desequilíbrio, i.e., que precisam deste para impor sua pauta, sua agenda. Essas forças políticas, muitas vezes antagônicas, não fazem seus lances no varejo. Elas jogam um meta-jogo, muito mais complexo. Enquanto isso, deixam-nos brincar no tabuleiro processual. Servimos de cobaias, presas à ilusão – mimicry – do círculo mágico do jogo (Caillois). Como ratos de laboratório procurando a saída do labirinto – e o sistema kaiano exige essa metáfora. Quem se contenta com um fio de Ariadne para encontrar o pedacinho de queijo com que quer ser recompensado ao final do trajeto (malgrado o risco de topar com o Minotauro), faça um
favor a si mesmo: feche este livro, vá buscar um manual de auto-ajuda processual e seja feliz. Mas quem quiser olhar acima das paredes do labirinto, procurar o que está realmente “em jogo” neste laboratório (garantismo ou populismo, democracia ou eficiência, etc.), parabéns pela escolha: este é seu Guia . L.A. Becker Mestre em direito pela UFPR, árbitro de xadrez pela Uniandrade e gandula ad hoc de futebol-de-botão.
Introdução 1. Perguntaram a um louco que havia perdido a sua chave na floresta, por que estava a procurando sob a luz do poste da rua, no que ele respondeu: aqui tem mais luz. Procurar flexibilizar as garantias constitucionais na perspectiva de resolver os problemas de Segurança Pública é procurar, como o louco, a chave no mesmo lugar. Lugar caolho, a saber, dos neoliberais. 2. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho há muito denuncia a maneira pela qual o discurso da eficiência , inclusive Princípio Constitucional (CR, art. 37), para os incautos de plantão, embrenhou-se pelo processo penal em busca da sumarização dos procedimentos, da redução do direito de defesa, dos recursos, enfim, ao preço da democracia (Júlio Marcellino). A razão eficiente que busca a condenação “fast-food” implicou nos últimos anos na “McDonaldização ” do Direito Processual Penal: Sentenças que são proladas no estilo “peça pelo número”. A “standartização” da acusação, da instrução e da decisão. Tudo em nome de uma “McPena-Feliz”. Nada mais cínico e fácil de ser acolhido pelos atores jurídico, de regra, “analfabetos funcionais.” 3. A primeira questão, com efeito, a ser enfrentada é a do “ator jurídico analfabeto funcional”, ou seja, ele sabe ler, escrever e fazer conta; vai até à feira sozinho, mas é incapaz de realizar uma leitura compreensiva. Defasado filosófica e hermeneuticamente, consegue ler os códigos, mas precisa que alguém – do lugar do Mestre – lhe indique o que é o certo. Sua biblioteca é composta, de regra, pela “Coleção de Resumos”, um livro ultrapassado de Introdução ao Estudo de Direito – desses usados na maioria das graduações do país –, acompanhado da lamúria eterna de que o Direito é complexo, por isso é seduzido por Paulo Coelho. Quem sabe, com alguns comprimidos de “prozac” ou algo do gênero, para, imaginariamente, dar conta. Complementa o “kit nefelibata” – dos juristas que andam nas nuvens – com um CD de Jurisprudência ou acesso aos “sites” de pesquisa jurisprudencial, negando-se compulsivamente a pensar. O resultado disto, por básico, é o que se vê: um deserto teórico no campo jurídico, em que cerca de 60% – sendo otimista – dos atores jurídicos são incapazes de compreender o que fazem. Para além da “opacidade do direito” (Carcova) e sua atmosférica mito-lógica (Warat), existe uma geléia de “atores jurídicos analfabetos funcionais”. Esses, por certo, não sabem compreender hermeneuticamente, porque para isso precisariam saber pelo menos do giro linguístico (Rorty), isto é, deveriam superar a Filosofia da Consciência em favor da Filosofia da Linguagem. Seria pedir muito? Talvez. Mas é preciso entender que o sentido da norma jurídica (norma: regra + princípio) demanda um círculo hermenêutico (Heidegger e Gadamer), incompatível com os essencialismos ainda ensinados na graduação: vontade da norma e vontade do legislador, tão bem criticados por Lenio Streck. 4. No campo Direito e Processo Penal, a situação é patológica. É que as gerações antecedentes, a saber, os atuais atores jurídicos (professor, juiz, promotor, procurador,
advogado, delegado, etc), em grande parte, não sabem também compreender. São, na maioria, “juristas analfabetos funcionais” que pensam que pensam juridicamente e, não raro, ocupam as cátedras de ensino, incapazes, porque não dominam, de repassar uma cultura democrática. Estes, portanto, muitos de boa-fé – reconheço –, acreditam que ensinam Direito, quando na verdade ensinam o estudante de Direito a fazer a “feira da jurisprudência”. Esse processo de fazer a “feira da jurisprudência” significa encontrar uma decisão consolidada, remansosa – como gosta de dizer o “senso comum teórico dos juristas” (Warat). É facilitada atualmente pela adoção de posturas totalitárias, como a do Supremo Tribunal Federal ao editar no seu “site” a Constituição da República interpretada pelos Ministros! Aplaudida pelos incautos de sempre, este documento é fascista, porque sob a fachada de informação, esconde interesses inconfessáveis de “normatização”, de uma “Constituição do Conforto Hermenêutico”. Não foi à toa que a Emenda Constitucional n. 45 consagrou a Súmula Vinculante, a qual deve ter resistência constitucional, como quer Lenio Streck, redundando no que aponta como a “baixa constitucionalização do Direito”. 5. Cabe destacar, também, no campo penal, que com a queda do Muro de Berlim e o fim da guerra fria, para justificação da opressão, precisou-se de um novo inimigo , não mais externo , mas interno. Nesse contexto, o discurso de almanaque tornou, por razoável tempo, a droga o grande bode expiatório dos males mundiais, justificando, assim, a intervenção dos “Guardiães Mundiais”, os Estados Unidos da América – EUA – na preservação do “bem mundial” (Rosa del Omo). Entretanto, com os ataques de 11 de setembro, o foco modificou-se para os “terroristas” (Walter Russel Mead). Essa figura oculta, de difícil compreensão, desde uma intolerância ocidental, num mundo globalizado (Beck), autoriza, pela “necessidade” a suspensão do Estado Democrático de Direito (Agamben). O desconhecido, o estrangeiro (Julia Kristeva, com base na psicanálise, sabe que ele atua justamente em nós), o mito, o demônio com nova roupagem, materializado pelo “terrorista” que funciona como um estereótipo de tudo o que atrapalha a “paz” da nova “ordem mercadológica neoliberal mundial”. 6. Agamben aponta que o poder encontra-se na “exceção”, a saber, na possibilidade de que se exclua a regra de aplicação geral e se promova, para o caso, uma outra decisão, apartada dos Princípios da Legalidade e da Igualdade. Esse poder encontra-se indicado pela estrutura, segundo a qual existe um lugar autorizado a escolher, que se encontra, ao mesmo tempo, dentro e fora de uma estrutura jurídica, conforme o pensamento de Carl Schmi, na interseção entre o jurídico e político. Esta distinção, todavia, entre jurídico e político precisa ser problematizada, não se podendo colocar, em absoluto, incomunicáveis, apesar de ocuparem lugares diversos (Zizek e Werneck Vianna). Neste pensar, segundo Agamben, “ o estado de exceção apresenta-se como a forma legal daquilo que não pode ter forma legal.” Desta maneira, rompendo com uma concepção platônica de Verdade e Justiça, bem assim de que a linguagem não é o meio de adequação da realidade (Heidegger e Streck), o processo ganha um lugar de limite (Fazzalari e Catoni). U m limite que cerca, mas não consegue segurar o “poder de exceção”, até porque se mantido o discurso da salvação, em nome da “bondade dos bons” (Agostinho Ramalho
Marques Neto), vale tudo. 7. Evidentemente que esta afirmação precisa ser adubada com muita empulhação ideológica – Direito Penal do Inimigo de Günter Jakobs, ou Teoria das Janelas Quebradas – importada do aplaudido primeiro mundo. Essa postura Pangloss (Voltaire) serve, muito bem, aos interesses ideológicos que manipulam os atores jurídicos. Com estes ingredientes, facilmente instaura-se o processo penal de exceção , cujo fundamento de conter as mazelas sociais e brindar os privilegiados consumidores com segurança, encontra antecedente histórico nas ditaduras . Plenos poderes, apreensões de averiguação, prisão provisória de regra, tortura (psicológica, física e química), tudo passa a ser justificado em nome de um argumento cínico maior: o “bem comum”, consistente na segurança de todos, inclusive de quem está sendo apreendido e, eventualmente, excluído. O Direito de Exceção , em nome do bem dos acusados, e antes da Sociedade, suspende as garantias processuais, previstas na Constituição da República e nos Tratados de Direitos Humanos, por entender que elas são um entrave à redenção moral do infrator e à Segurança Coletiva. Assim é que, seguindo Agamben, é necessário se buscar parar esta máquina, para que os acusados não se transformem – mais ainda – na figura do “musulmán” de Auschwitz retratada por Agamben. Embalados pela necessidade de conter a (criada) escalada de atos criminal, ou seja, a estrutura cria a exclusão e depois sorri propondo a exclusão novamente, via sistema penal, e os excelentes funcionários públicos nefelibatas – tal qual Eichmann –, na melhor expressão Kantiana, cumprem suas funções, sem limites. Existe uma co-responsabilidade social (Zafaroni-Pierangeli), da qual somente se pode tangenciar – como de costume – cinicamente. Para esses, no interesse do acusado, a necessidade derruba qualquer barreira processual, pois, sabe-se com Agamben, que a necessidade não tem lei , isto é, não reconhece qualquer limitação, criando sua própria lei. A construção fomentada e artificial de um estado de risco, adubada pelo terrorismo, faz com o que o discurso se autorize, em face das ditas necessidades, a suspender o Estado Democrático de Direito, promovendo uma incisão de emergência e total. 8. Em nome da claridade surge a explosão do controle total, lembrando George Orwell, em seu “1984”. Entretanto, a obscena pretensão de transparência total, em nome do (dito) interesse público, bem demonstrada na tese de doutorado de Túlio Lima Vianna, esconde interesses ideológicos obliterados da discussão manifesta. É no latente, no que marca o “sublime objeto da ideologia”, para usar uma expressão de Zizek, que desponta o que tocaia. Por isto que estas considerações procuram estabelecer um diálogo a partir da Economia. A eficiência do controle é compartilhada pela questão dos custos. A Análise Econômica do Direito Penal – “AEDP” – defendida por muitos, dentre eles Posner, inclusive uns que se alastram no Brasil, defende que o “crime” precisa, ainda e necessariamente, atender o critério de custos. O cárcere é caro, custa muito. O RDD – Regime Disciplinar Diferenciado – é simbolicamente importante para o discurso totalitário (e inconstitucional), mas não justifica sua universalização por aumentar despesa. Logo, a pretensão de muitos é o estabelecimento de controles em liberdade, de toda a sociedade, tornando-se esta num “panóptico digital”. Perceba-se que com isto se
controla, via um simples GPS ou um fone NEXTEL, a localização, por rua, do assujeitado, por Monitoramento Eletrônico ou mesmo via cartão de crédito e telefone celular, por suas antenas. Além disso, controla-se onde se esteve e se impede, pensam, as re-uniões criminosas. Daí é que em nome da eficiência do controle, invoca-se “Tim Maia” e “vale tudo”. O Direito que procura fazer obstáculo é tornado, em nome da segurança de todos, reflexivo. Puro embuste. 9. De qualquer forma, isto é evidente, existe um inescondível condicionante econômico para que a realidade, entendida como os limites simbólicos, seja manipulada na ambivalência “medo-segurança”, que toca no mais íntimo e estranho do sujeito (Freud) . Monitorar, registrar e reconhecer , diz Túlio Vianna, para o seu próprio bem, implica, necessariamente numa versão de Estado Totalitário. A banalização ideológica, em nome do discurso único do capital, apresenta sob a flâmula sedutora da Liberdade toda sorte de justificativas para o fenecimento da solidariedade. Com o egoísmo, os meios, tudo passa a se justificar. As pretensões éticas (bem) e morais (bom) devem se adaptar às necessidades de um Mercado sem lei, sem limite, cujo muro se avizinha . Sem limite, por básico, não há desejo. A questão parece ser que a destruição da ficção Estado abre espaço para a Liberdade representada pelo Mercado. Nessa ironia de defender a iberdade de todos mediante o agigantamento do controle, parece-me, num giro de linguagem, aplicável plenamente ao discurso neoliberal e suas teorias (Justiça, Direito Penal do Inimigo, etc..). O Direito Penal, no projeto Neoliberal , possui papel fundamental na manutenção do sistema, eis que mediante a (dita) legitimação do uso da coerção, impõe a exclusão do mundo da vida com sujeitos engajados no projeto social-jurídico naturalizado, sem que se dêem conta de seus verdadeiros papéis sociais. Acredita-se que se é um excepcional funcionário público, tal qual Eichmann (em Jerusalém), ou seja, um sujeito cuja normalidade indicava a “Normalpatia” apontada por L.F. Barros, isto é, no seu excesso patológico. Esta a submissão alienada é vivenciada dramaticamente pelos metidos no processo penal. 10. O discurso do ‘determinismo positivista’ é realimentado em face das condicionantes sociais, reeditando a necessidade de ‘tutelar’ os desviantes – consumidores falhos, “lixo humano”, como se refere Bauman – mediante prevenção , repressão e terapia . O Estado Intervencionista da ‘Nova Escola Penal’ está de volta na sua missão de defender os cidadãos ‘bons e sadios’ dos ‘maus e doentes’, desenterrando o discurso etiológico, perfeitamente conveniente para mídia e para classe dominante. Sob o mote de curar ao mal , tendo a sociedade como um organismo vivo, na perspectiva de uma vida social sadia, a violência oficial se mostra mais do que justificada: é necessária à sobrevivência social, ainda mais contra o “terrorista social”. 11. Agamben deixa evidenciado que o poder soberano se apropria do poder de dizer o direito, podendo o Princípio da Legalidade cercar, sem nunca segurar, por básico, o sentido que advém de um processo constante de compreensão. Entre texto (fato gráfico) e norma (produto da interpretação), diz Cordero, existem opções múltiplas que somente os iludidos de sempre conseguem acreditar, em sua fé inabalável, em sentidos unívocos, ou seja, em segurança jurídica. O Princípio da Legalidade e a Segurança Jurídica, assim,
são dois presentes trazidos por “Papai Noel” aos felizes “atores jurídicos analfabetos funcionais” em Direito e que se esgueiram, todos os dias, nos foros deste imenso país. A sensação que se apresenta, em cada processo penal, é a de que se vive numa fantasia paranóica, a saber, imaginária: uma farsa. Algo que foi nomeado (por mim) como sendo Complexo de Truman . Muitos acreditam que o processo é a realidade, perfeitamente construída para apaziguar a falta nossa de cada dia. Uma fraude para manter os atores jurídicos artificialmente felizes. Não há mundo além do processo, do semblante construído por significantes. É a posição nefelibata. No filme foi preciso arrombar a porta para se dar conta de que existe mais. Enfim, que existe um mundo para além do construído artificialmente. Este é o desafio. Zizek, Warat e Mellman falam do homem sem gravidade , de baixa calorias, que vive por viver, vai – talvez embalado por uma destas teorias orientais da moda – sem eira nem beira. Mas existem vítimas! Que se danem – dizem –, não sou eu. Essa lógica “do meu umbigo” move, de regra, os enleados no processo penal. Uma fraude encenada em que se mantém a pose de democrata, com muita maquilagem cínica e a vítima, o Homo-Sacer de Agamben, não tem pena, se aplica pena. 12. As vidas que se escondem nos processos penais, na sua grande maioria, são irreais para os promotores, advogados e juízes que assistem como se fosse mais um filme de mau-gosto, protagonizado por artistas que não merecem o papel. Deveriam ser retirados de cena. E são!. É preciso retornar ao que Zizek aponta como o “Deserto do Real”, saindo do semblante do universo processual artificial construído para que possamos, como jogadores do processo, esquecer que existem pessoas morrendo. Gente. Como qualquer um intervenientes do processo. Mas como não se consegue ter a dimensão do que acontece, dado que o semblante da ficção e suas verdades, para alguns Real, ocupa o lugar do que se passa. Esse discernimento entre o real e o ficcional é o desafio num mundo sem perspectivas que não o “Shopping Center”. 13. Acrescente-se a isto tudo um vagaroso e eficaz processo de cooptação ideológica , na linha de Gramsci, dos atores jurídicos, pretensamente participantes da classe média e do consumo. Sedentos por segurança querem excluir, prender, matar simbolicamente, os de sempre: o diferente. A perspectiva de que querem acabar com a nossa paz social – nunca obtidade ou mesmo existente – que transforma o “furtador” – de xampu a carteiras – no “terrorista” responsável por nossa toda a infelicidade coletiva. Então, cadeia neles!. Penas mais altas. Exclusão! Mas como não funciona, porque não dá conta, mesmo, surge a compulsão por mais condenações, prisões, execuções, ideías loucas de castração, coleiras, Sex offender , apitos.... 14. Esses dias, um amigo – o Zé –, pessoa do povo, perguntou-me porque quem é preso em flagrante não vai direto cumprir pena? Por que o processo? Respondi que estamos, ainda, numa democracia em que o processo como procedimento em contraditório (Fazzalari) é o mecanismo democrático para se apurar a responsabilidade de alguém. Ele me respondeu que não precisa. Entendi a posição dele, até porque um homem pragmático. No Brasil, essa posição de execução antecipada, embora vedada pela Constituição, continua sendo a prática. Basta perceber que se homologa flagrante
formalmente em diversas comarcas, nega-se a soltura de meros conduzidos com as justificativas mais loucas, tudo em nome da paz da sociedade, como Bush fez para atacar o mundo, bem sabem os Iraquianos. Isto bem demonstra a estrutura Inquisitória do Sistema Processual Penal brasileiro que mantém a pose democrática, mas exerce a mais violenta forma de sequestro preliminar da liberdade . Todavia, quem respira um pouco de oxigênio democrático, sabe que somente o processo pode fazer ceder, via decisão transitada em julgado, a muralha da presunção de inocência , justamente porque é a urisdição a única que pode assim proceder. Ferrajoli bem sabe da impossibilidade de se extinguir as prisões cautelares (Leandro Goernick). Entretanto, mostra-se intolerável que as pessoas fiquem presas sem culpa, sem processo, presas pelo que são e não pelo que fizeram, em processos decorrentes de “furtos de moinhos de ventos”. O processo precisa de tempo, e tempo é dinheiro. No mundo da eficiência, todavia, quer-se condenações no melhor estilo dos Tribunais Nazistas. Imediatamente. Sem direito de defesa e transmitidas ao vivo, com patrocinadores a peso de ouro e muita audiência: plim-plim. A fórmula é a de sempre: Juvenal dizia: Pão e Circo. E quando acontecem prisões/condenações como a de Zé Dirceu e/ou Paulo Maluf a coisa fica pior, porque a Esquerda Punitiva é caolha, bem sabe Maria Lúcia Karam, não se dá conta de que relegitima o sistema penal, indica Juarez Cirino dos Santos. “ Agora até o fulano vai preso”. E se Ele vai preso, com mais razão o “ladrãozinho” de frango de Televisão de Cachorro também. Então, quando se fala, na EC/45 de prazo razoável para os processos, muitos aplaudem a novidade, não fosse ela já uma velha disposição Constitucional, aderida ao corpo dos direitos fundamentais por força do art. 5o, § 2o, da CR/88. Para saber disso, contudo, seria preciso conhecer os Direitos Humanos, coisa que poucos conhecem... Daí que a barbárie se instaura e dá no que dá! Mediante um giro de sentido, os nazistas de plantão passaram a dizer que o a Sociedade (e não o acusado) precisa da decisão num prazo razoável e por isso a sumarização do processo, com a restrição da defesa. As alquimias, como fala Aury Lopes Jr, começaram. Inverte-se a lógica em nome do Bem, do Justo, lugar sempre empulhador. 15. Demora-se muito para julgar porque fora a esculhambação que são os Juizados Especiais Criminais , onde vale tudo e se dá um tratamento rápido e inconstitucional a questões sociais, a saber, dificilmente um Termo Circunstanciado é crime: pode ser briga entre parentes, vizinhos, xingamentos, latido de cachorro, direito de vizinhança. Mas como não se têm acesso ao Judiciário no Cível, resta a “queixa” na Delegacia. Um programa de auditório de mau-gosto, onde os pobres entram com sua ficha de antecedentes e, até, com o corpo. No juízo comum, denuncia-se falta de pagamento de imposto, furto de sabonete, calcinha e coisas do gênero. Não sobra tempo, de fato, para o que importa numa sociedade em que o Direito Penal deveria ser mínimo (Ferrajoli e Salo de Carvalho). Se for mínimo, contudo, não faz o que é sua função oculta (Baraa): criminalizar a pobreza, os consumidores falhos, mantendo a “hi-Society” nas suas coberturas sociais. 16. Alguma coisa anda fora da ordem, dizia Caetano há um tempo. Hoje as coisas já estão dentro da nova ordem neoliberal mundial, inclusive o processo penal: Sumário,
eficiente. De outro lado, o Conselho Nacional da Justiça, órgão criado para ser o Grande Irmão de Orwell. Diretamente de 1984 para 2013, começa a fazer seus estragos, apesar de seu possível papel democrático. Um “denuncismo” sem precedentes, onde não raro surgem as vaidades afloradas, os narcisismos das pequenas diferenças, diria Freud. Números, eficiência, empulhação... Para que direito de defesa se tenho que baixar o meu mapa? Para que ouvida de testemunhas se o processo vai ficar no mapa? O Juiz Astrólogo: só quer saber de mapa . Ainda mais quando depende da produtividade para conseguir promoção! A pretensão de transparência e eficiência do Judiciário tornou a situação extremamente ambígua. Por outro lado, defende-se a formação permanente dos magistrados via Escolas da Magistratura, as quais escondem o efeito de normatização dos juristas analfabetos funcionais e, por outro, não se quer pensamento crítico, mas cumprimento das decisões do STF e STJ. Eficiência, facilidade, cursos “rápidos de como fazer uma decisão” para aprender a posição dominante, controlar as idéias e do acesso à carreira, bem sabia Lyra Filho. Enfim, a docilização, normatização indicada por Foucault. 17. O Processo Penal Democrático , assim, parafraseando Dworkin, precisa ser levado a sério. O problema fundamental reside no fato de que a justificativa para a exceção encontra-se encoberta ideologicamente. Acredita-se, muito de boa-fé, a maioria, de que se está realizando o bem. Salvando a Sociedade de um “Terrorista Social”. Esqueceu-se de que para o uso do poder existem pelo menos dois limites: o processo e o ético (Dussel). Exercer uma parcela do poder em face dos acusados é muito mais tranquilo para os kantianos de sempre, fiéis cumpridores das normas jurídicas, sejam elas quais forem. Os “acusados-terroristas-sociais” passam a ser uma das faces da vida nua, isto é, “homo sacer”, a que é matável, mas não sacrificável. Assim, os rostos do poder encontram-se maleáveis, mutantes, em torno de um lugar pensado para não pensar, mas para cumprir acriticamente. Os soldados juízes estão aí para aplicar a regra, numa Filosofia de “Cruz Vermelha” (Cyro Marcos da Silva), rumo a salvação eficiente das almas destes pobres de espírito. Até quando viverão felizes para sempre? Rever e compreender a mirada é o desafio, sempre. A tarefa, percebe-se, não é singela, mormente porque é necessário abjurar o que se acreditou com tanta fé, além de se expor à crítica virulenta dos iludidos de sempre, cujo véu moral cega qualquer pretensão democrática, já que acreditam – o Imaginário deslizando – estar comprando um lugar no céu, na Ilha dos bençoados. Não se pode ter medo de resistir . É preciso resgatar a Constituição Originária, na linha de Paulo Bonavides, exercitar o controle de constitucionalidade difuso e deixar de fazer como todo mundo faz. Porque assistir de camarote o que se passa com as vítimas do sistema penal não exclui nossa responsabilidade ética com as mortes: somos co-autores, do nosso lugar, por omissão. Por isso que ao se defender garantias constitucionais, hoje, o sujeito pode ser preso em flagrante, sem liberdade provisória diante dos “maus antecedentes”... 18. Quando Georg Lukács foi preso, o policial perguntou se estava armado, tendo este lhe entregue calmamente a caneta. É preciso que as canetas pesem democraticamente, mediante processo penal garantista (Ferrajoli) a partir da teoria dos jogos. É preciso correr-se riscos, porque preferível perecer pelas extremos do que pelas
extremidades, como aponta Baudrillard.
Capítulo 1°
Para entender o Processo Penal a partir da Teoria dos Jogos e da Guerra
1. O processo como jogo 1.1. Em texto clássico – O processo como jogo[4] – Calamandrei afirmava que decorar as regras de xadrez não torna o sujeito um grande enxadrista[5] , bem como saber as regras processuais não o capacita, por si, como grande jogador processual. É claro que entender de dogmática (crítica) se constitui como pressuposto de atuação adequada. Isso porque o jogo processual se estrutura em 3 (três) níveis: (a) o das normas processuais; (b) do discurso lançado processualmente e seus condicionantes internos/externos e, (c) da singularidade do processo (seu julgador e seus jogadores). Ao mesmo tempo em que a estrutura é universal (pelo menos normativamente, ainda que se possa discutir a aplicabilidade de algumas disposições em face da CR), a singularidade do caso demanda, no campo penal, a especialidade: cada decisão é uma decisão, não se podendo julgar em “bloco” no crime. 1. 2. As normas processuais ainda que possam buscar a estabilização das expectativas de comportamento processual , na sua dinâmica temporal e singular, acabam ganhando sentidos muitas vezes impensados ou mesmo condicionados a fatores externos. Esses elementos podem ser vistos desde uma postura estruturalmente (a) estática e (b) dinâmica, com informação (a) completa ou (b) incompleta . Daí que a compreensão idealizada do processo penal não se sustenta porque desconsidera as contingências de cada jogo processual e a complexidade da questão hermenêutica[6]. É preciso ir adiante e entender o processo penal como jogo dinâmico e de informação incompleta. Para além do cumprimento das normas processuais deve existir tática vinculada à estratégia de conteúdo variado[7] , a saber, por mais que durante a instrução processual a tese acusatória ou defensiva esteja antecedentemente posta, no decorrer, diante dos significantes probatórios envolvidos, do contexto processual, dos jogadores, do acusado, do julgador, cabem novos desígnios [8]. Enfim, as normas processuais aparentemente apresentam elementos de universalidade, embora se saiba que as contingências podem alterar os sentidos por diversos fatores (internos e externos)[9]. A imaginação enleada pela trama processual penal é de fundamental importância. O Fair lay (jogo democraticamente limpo) decorre da batalha de habilidades entrecortada nos
autos, não sendo permitido, assim, trapacear[10]. 1. 3. Estratégia não é apenas o nível operacional do jogo processual. É mais. Cada ato do jogo processual existe no contexto de um processo singular no qual existem diversas táticas (meios de produzir provas, selecionar perguntas, temas, etc.). A sucessão de êxitos pode terminar na próxima batalha (subjogo), dado que a cada momento a partida pode se reequilibrar. Há movimento no jogo processual e a batalha não está ganha até o final: dinamicidade. Assim é que as táticas (o que os jogadores fazem no decorrer da partida) e a estratégia (o uso dos resultados no objetivo do jogo) fornecem dupla articulação , comunicando-se a todo o tempo.
2. Teoria dos Jogos 2.1. A teoria dos jogos apresenta nova dinâmica de compreensão do processo penal[11]. O pressuposto é que o sujeito racional toma (sempre) decisões que lhe são mais favoráveis, egoísticas, ou seja, as que lhe indicam maiores benefícios. Entretanto, nem sempre as decisões aparentemente melhores individualmente o são no contexto de jogos interdependentes , como acontece no Processo Penal, sendo o Dilema do Prisioneiro o exemplo teórico de tal modelo. Para se entender a proposta é preciso estabelecer os lugares do jogo : a) julgador (juiz, desembargadores, ministros; b) jogadores (acusação, assistente de acusação, defensor e acusado); c) a estratégia de cada jogador (uso do resultado), d) tática das jogadas (movimentos de cada subjogo) e; e) os ayoffs (ganhos ou retornos) de cada jogador com a estratégia e tática. 2.2. Com efeito, a Microeconomia[12] busca indicar as expectativas de comportamento dos sujeitos (escolha racional na busca de maximização de utilidade) a partir da relação entre fins (alternativos entre si) e meios (de recursos escassos) [13]. Cooter e Ulen afirmam: “O direito frequentemente se defronta com situações em que há poucos tomadores de decisões e em que a ação ótima a ser executada por uma pessoa depende do que outro agente econômico escolher. Essas situações são como os jogos, pois as pessoas precisam decidir por uma estratégia. Uma estratégia é um plano de ação que responde às reações de outras essoas. A teoria dos jogos lida com qualquer situação em que a estratégia seja mportante.”[14] No caso no processo Penal pode ser utilizado para fundamentar tanto estratégia processual como tática específica . Aceitar ou não a suspensão condicional do processo, transação penal, enfim, cotejar as informações e propiciar a tomada de decisões de maneira a mais informada possível. 2.3. O Dilema do Prisioneiro foi criado por Merrill Flood e Melvin Dresher, em 1950, com repercussões em diversos campos do conhecimento, também no direito processual. É apresentado por Robert Nozik da seguinte forma: “ Um delegado oferece a dois prisioneiros que aguardam julgamento as seguintes opões. (A situação é simétrica para os prisioneiros; eles não podem se comunicar para coordenar as ações em resposta à proposta do delegado ou, se puderem, ele não tem nenhum meio para forçar qualquer acordo que possam desejar). Se um prisioneiro confessar e outro não, o primeiro é l iberado e o segundo recebe uma pena de 12 anos de prisão; se ambos confessarem, cada um recebe uma pena de 10 anos de prisão; se nenhum
confessar, cada um recebe uma sentença de 2 anos .” Pimentel explica: “Qualquer que seja a ação do outro, cada prisioneiro obtém um resultado melhor para si se confessar, isto é, se não cooperar com seu parceiro. Imaginemos que o prisioneiro A confesse. O prisioneiro B pode confessar e ambos pegam 10 anos de prisão, ou não confessar e pegar 12 anos de prisão: o melhor é confessar. Se A não confessar, B pode confessar e ficar livre, ou não confessar e pegar 2 anos de prisão. Mais uma vez, o melhor é confessar. O que quer que A faça, o melhor resultado individual para B é confessar, isto é, não cooperar e entregar o companheiro. O mesmo raciocínio vale para A. O que há de paradoxal nesta situação no entanto é que ao buscar o maior benefício individual, ambos chegam a um resultado pior do que aquele que teriam obtido se tivessem cooperado.
e fato, se ambos confessarem, ambos terão uma pena de 10 anos, e se nenhum dos dois o fizer, terão uma pena de 2 anos. Há um conflito entre o cálculo do benefício individual e o melhor resultado coeltivo: se julgarmos que a decisão racional é aquela que leva o maior benefício individual, dois agentes que tomassem suas decisões seguindo um cálculo racional não conseguiriam o melhor resultado. Dito de outro modo, se ambos os jogadores confessarem, cada um irá piorar o resultado obtido do que aquele obtido se não confessar, mas é possível atingir uma solução melhor para ambos se ambos desistirem de confessar. ”[15] 2.4. A não cooperação entre os agentes leva a um resultado pior individualmente do que se houvesse a cooperação, isto é, a estratégia dominante é prejudicial. Daí que não se pode começar ou permanecer numa guerra/jogo por meio de julgamentos aparentemente racionais, desprovidos de avaliações contingentes das consequências das consequências. O Dilema do Prisioneiro demonstra que o resultado coletivo não decorre necessariamente de escolhas individuais egoístas, mas de contingências e interações inerentes ao jogo processual.[16] 2.5.. A teoria dos jogos para fins desse escrito será utilizada exclusivamente a partir da noção de “Jogos dinâmicos e de informação incompleta” . Dentre as diversas classificações, acolhe-se a que se dá em 4 (quatro) modelos: a - jogos estáticos e de informação completa: analisada todas as possibilidades e informações, a decisão se dará pelo equilíbrio de Nash, uma vez que jogadores racionais fariam a melhor opção pessoal. Entretanto, tal situação é confrontada pelo Dilema do Prisioneiro, já que não seria um ótimo de Pareto, a saber, a melhor racionalidade individual significa resultado prejudicial para todos; b – jogos dinâmicos e de informação completa : ao contrário de uma jogada, a sucessão de estágios faz com que etapa – subjogo – exija constante avaliação das possibilidades e antecipações de sentido, mas acabam, em cada subjogo, reiterando a opção individual do equilíbrio de Nash, ou seja estratégias não-cooperativas; c – jogos estáticos de informação incompleta ; ainda que apenas um estágio de jogo, não se sabe a avaliação dos demais jogadores, por exemplo, como acontece nos leilões em que não sabe o valor que os demais jogadores darão ao bem leiloado. Prevalece a lógica de Thomas Bayes, a saber, depende da crença nas probabilidades pessoais e morais, então subjetivas, não exclusivamente racionais/objetivas, e; d – jogos dinâmicos de informação incompleta: é o modelo que se pretende aplicar ao processo penal, pelo qual se precisa entender que tipo de jogador se está enfrentando e qual o julgador a quem se dirige a informação do jogo. Na fusão de horizontes de informação representando pelo processo
penal, é importante (saber) antecipar as motivações (objetivas, subjetivas e inconscientes) dos jogadores e julgador, especialmente no tipo de informação apresentada e nas surpresas (trunfos) ainda não informados. O resultado depende da sucessão de subjogos e da informação-prova validamente trazida ao contexto do jogo.
3. O Jogo de Guerra Processual 3.1. Se o processo é uma guerra autorizada pelo Estado em que o mais forte não necessariamente ganha, mesmo assim, os fundamentos da Teoria da Guerra[17] podem ser invocados para se buscar entender a lógica do processo penal desde que vinculadas à teoria dos jogos[18] , até porque o fundamento da guerra e da pena é o mesmo (teoria agnóstica da pena[19]). A guerra processual busca o confronto e a vitória , muitas vezes sem levar em conta os custos e os recursos necessários e disponíveis, especialmente diante da escassez[20]. Daí que a existência de uma tática bem sucedida pode gerar espaço para negociação no iter processual. No decorrer da instrução, diante das sucessivas jogadas (subjogos), não raro, surge realinhamento dos objetivos possíveis. 3.2. A dinâmica do jogo processual entendido pela metáfora da guerra sustenta algo e m desequilíbrio . A questão é bem complexa e nessa versão compacta cabe sublinhar que no processo penal se instaura modalidade de competição (jogo), na qual se pode invocar o Equilíbio de Nash e entender o motivo da dificuldade de cooperação. No jogo processual, de regra, o julgador e os jogadores[21] tomam decisões egoístas a partir da análise de custos e benefícios individuais (payoffs) e não levam em consideração as consequências das consequências , a saber, as externalidades[22] e prejuízos individuais (dos demais jogadores) e à coletividade[23]. 3.3. A incerteza e opacidade[24] do campo de batalha processual podem ser chamados de atritos , como queria Clausewitz, ao exigirem a tomada de posição estratégica e tática , antecipando os movimentos do jogador. A transformação do processo em jogo de guerra possibilita entender a pressão externa de personagens, especialmente do populismo penal[25]: a) mídia – vende o produto crime; b) políticos – que usam o medo como plataforma política; c) máfia, crime organizado , - lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e pessoas, os quais podem intervir na prova (coação); d) polícia – para valorizar seu status; e) magistrados, Ministério Público, defensores . Esses novos jogos penais viciados pelo populismo não servem para estabilizar, mas para renovar o estado de medo e pânico. Se sabe que a pena não resolve, nem encaminha a questão. A crença no aumento de punições e processos penais céleres, sem garantias processuais, fomenta a sensação de segurança, tão imaginária quanto as histórias infantis, ainda que vendidas pela mídia delivery e manejadas politicamente. Vende-se o crime como o sintoma do mal a ser extirpado[26]. É preciso entender a relação entre jogo processual e política. Sem isso a leitura do processo penal e dos movimentos de recrudescimento é ingênua. O processo pode cooperar com o controle social. Não pode ser um aliado de trincheira. Se assim se postar perde a dimensão coletiva de garantia que a razão exige. É necessária certa autonomia do processo penal. Não se pode condenar
ninguém, em Democracia, em nome de fins políticos ou midiáticos. Daí a função contramajoritária do processo penal: deve ser o jogo democrático pelo qual se pode, ao final, se e somente se, cumpridas as normas, aplicar-se uma sanção estatal (Cap. 3o). Do contrário a trapaça prevalecerá[27]. 3.4. Daí que o domínio das normas processuais, ainda que importante para compreensão do fenômeno processual, depende, ainda, das noções teóricas (penais, processuais e criminológicas) do julgador e dos jogadores envolvidos, não só formalmente, mas sim materialmente[28]. Poderão ser movidos pela vitória a qualquer custo – mesmo de provas ilícitas – em nome de um “bem” (dito) maior, por exemplo, a diminuição da criminalidade, ou pelo acolhimento de função de garantia (defesa dos direitos individuais). Talvez a assunção alienada da noção de guerra seja verificável quando o jogador, em nome do resultado, aceita mitigar os princípios da própria guerra, uma vez que a necessidade de vitória exclui a legalidade impeditiva do êxito. Ainda que haja vitória, tal qual na trapaça, há mácula democrática. Se o resultado condenar sempre é o leitmov , pouco resta para impedir a fraude e a ilegalidade[29]. Essa tensão entre segurança coletiva e direitos individuais não é novidade [30]. De qualquer sorte, dependerá de escolhas antecedentes a maneira pela qual o julgador e os jogadores se postarão diante da informação probatória trazida. 3.5. O processo judicial possui a tendência de ficar intenso e o momento de produção probatória encontra seu ápice[31]. O atrito como a forma de dificuldades de informação faz com que a prova seja sempre uma exceção e, como tal, inserida numa lógica singular, sem universalismos. Deve-se, pois, (i) dominar a teoria processual e de direito penal; (ii) ter-se experiência de jogo (de combate) ou treinamento e (iii) entender o caráter cambiante do jogo e das sucessivas rodadas (subjogos). 3.6. Parece inevitável que se possa compreender a ação do julgador e dos jogadores no processo penal como o resultado de uma fusão temporal de horizontes (decisão judicial) e perspectivas sobre o(s) mesmo(s) acontecimentos do mundo da vida (imputação). A racionalidade pública pela qual se apurará a responsabilidade penal do agente (culpabilidade) é o processo penal[32] , pelo qual os jogadores (acusador e defensor) lançarão a estratégia (pretensões de validade) nos subjogos , mediados pelas normas processuais (regulação da informação-prova), com o fim de obter a vitória (decisão favorável do julgador ).
4. A teoria de processo como jogo processual 4.1. O processo penal, assim, é um jogo assimétrico de informação. Os jogadores não possuem, ex ante , todas as informações que comporão o acervo processual ao final da instrução e há necessidade constante de reavaliações das táticas utilizadas. No jogo simétrico os jogadores sabem de antemão o conteúdo das informações existentes. Aqui, diferentemente, as informações são antevistas, mas somente acontecem na cena processual, a saber, no decorrer dos subjogos. É certo que as provas periciais e documentais são elaboradas de forma paralela e/ou antecedente. Mesmo assim, a
valoração – atribuição de sentido – será debatida e consolidada somente no momento da decisão judicial. 4.2. Nas situações estratégicas, nas quais o jogo não é cooperativo, a situação fica mais complexa, pois o resultado depende das decisões dos demais jogadores e o resultado é de conteúdo variável. Assim é que o enfrentamento do processo penal brasileiro depende de posições antecedentes em relação a noções de Direito, Tipo Penal[33], Constituição, Princípios, Regras, Norma Jurídica, etc., não se podendo falar em processo penal idealizado. Embora se tenha regras processuais disposta na CR e no CPP, em cada processo individualizado, com seu julgador e seus seus jogadores , acontecerá jogo único. As diversas compreensões comporão o fenômeno processual numa verdadeira fusão de horizontes, naquilo que se chamou de bricolage de significantes[34] (Cap. 7o). 4.3. No caso do processo penal o jogador-acusador possui o dever legal de antecipar às informações que pretende trazer ao jogo, enquanto o jogador-defensor organiza a estratégia e táticas a partir dos movimentos do jogador-acusador . Diante de uma ação da parte, no campo do discurso, abrem-se 3 (três) movimentos táticos[35]: a) silêncio/inação; b) contra-ataque; c) tangenciar/derivação. Essa dinâmica se divide em diversos momentos probatórios e processuais, vinculadas à finalidade. No ponto de partida da ação penal sabe-se que o jogador-acusador quer a vitória (expectativa de decisão favorável: condenação), enquanto o jogador-defensor pretende também a vitória (expectativa de decisão favorável: absolvição). Diante da presunção de inocência, pressuposto do processo penal democrático, a saber, o acusado larga absolvido, a função do jogador-defesa é evitar a tomada do “forte”, como nos jogos de guerra, ou seja, impedir a tomada dos domínios da presunção de inocência. Daí que ao longo da corrida procesual os subjogos vão se sucedendo e é preciso antecipar os movimentos processuais[36] , prevendo, ex ante , táticas críveis[37]. A quantidade e a qualidade das informações antes de cada rodada processual (subjogo) implicam em constantes alterações táticas[38] e de estratégia[39]. Buscar a Verdade Real “do” e “no” processo penal é uma forma ingênua e absurda de atuação. O desvelar subjetivo do jogo processual[40] apresenta o processo penal dentro do contexto dinâmico e sujeito às contingências do mundo da vida[41]. 4.4. No estabelecimento da dinâmica ataque-defesa a informação é assimétrica . A acusação como primeiro ataque deve esperar a contra-ofensiva. Nas palavras de guerra a “tomada do forte” do jogador oponente é a meta. Nesse objetivo, não raro, precisa-se analisar as possibilidades, adiar a ofensiva, alterar os meios probatórios, cotejando a todo o momento as melhores oportunidades. Não se trata de um check-list , nem de protocolo linear. A instabilidade de cada rodada do jogo processual exige jogadores atentos ao lance do oponente, bem assim a antecipação da antecipação das possíveis jogadas. A incerteza aqui é inerente ao jogo processual e os cálculos permanentes. A informação é sempre parcial e vindoura. Depende das rodadas (subjogos). Ao final haverá a oportunidade de alegações finais, claro, mas isso não impede a existência de surpresas. Aliás, a surpresa , o benefício do terreno (conhecer o lugar e o julgador onde a partida se
desenrola) e o ataque convergente (focado nos tipos penais objeto da ação penal) se constituem como elementos necessários à compreensão do fenômeno processual. Antecipam, por assim dizer, as jogadas possíveis com o objetivo de vitória e a capacidade de compreensão do julgador. Esse desenrolar se dará pela “informação” incluída no jogo processual. 4.5. O controle da prova, dos jogadores, das cartas probatórias (informação), do conteúdo da audiência, da credibilidade, do boato, enfim, dos fatores cambiantes (significantes) da partida (guerra). A diferença no processo penal é que a acusação larga na ofensiva, mostrando as cartas que pretende usar no jogo processual, enquanto a defesa se posta na espera. A acusação procura antecipar os movimentos da defesa, mitigando eventual álibi, mas mesmo assim a postura é pro-ativa. No decorrer da batalha probatória, eventual sucesso parcial não necessariamente conduz à vitória, justamente porque o impacto pode ser revertido pelas jogadas posteriores. Daí que a manutenção das vitórias parciais (subjogos) deve se dar a todo o momento, transformando a atitude de ataque em atitude defensiva. Dito de outra forma, obtidos significantes suficientes para condenação, a juízo do acusador, a postura passa a de defender o universo probatório já alcançado. A reciprocidade de lugares (ataque e defesa) variam no decorrer do processo. Ainda que a defesa nada tenha que provar, a assunção de postura passiva ignora a lógica da guerra. Não se trata de aceitar a carga probatória da defesa na busca da comprovação da inocência, a qual é pressuposta – o acusado larga absolvido –, dado que é a acusação que deve provar, no tempo processual, a culpa. A defesa [42] deve adotar táticas de resistência e atacar em dois campos: (i) coerência e (ii) completude . A coerência e a completude das jogadas em face da acusação formalizada (imputação), ou seja, devem no seu todo guardar pertinência narrativa[43] e não deixar lacunas suscetíveis de inserir a dúvida ( favor rei ). A inserção de atrito na narrativa, instaurando lacunas, omissões, contradições, dúvidas, obscuridades, parece ser uma das táticas defensivas, as quais não jogam com a qualidade isolada das jogadas, mas justamente apontam as contradições de seu conjunto (CPP, art. 386, VII). 4.6. Estratégia , para acusação , é o uso do processo para objetivo da pena, enquanto para defesa é o uso do processo para objetivo da absolvição. As estratégias são simetricamente opostas. Superada a visão da verdade real, o processo como jogo e inspirado pela guerra acolhe pretensões menos idealizadas e mais próximas da realidade. O processo penal é o uso do confronto em contraditório para garantia da Democracia . É o palco onde acontece a guerra de informações , estratégias e táticas com o fim de vencer o jogo processual. Esperar pelo momento de ação e não sofrer pela ânsia do golpe final. Ao mesmo tempo que cada jogo processual é singular (único), está inserido na dinâmica de processos repetitivos. Daí a formação de padrões táticos que podem não funcionar pela ausência de cuidado com as informações preliminares e as possibilidades probatórias. É o meio pelo qual o Estado sustenta o monopólio da força e justifica a aplicação de pena. Significa a estratégia para se evitar os combates reais, substituídos pela metáfora de guerra: jogo processual, no qual as táticas de cada batalha (subjogos) se apresentam.
4.7. A dinâmica caótica do processo impede a linearidade . A fusão de horizontes apresentada no processo judicial implica no reconhecimento de versão inventada e corroborada. Jamais o certificado de acontecimento definitivamente comprovado. A distinção entre Verdade Formal e Material demanda reconhecer em Kant[44] sua origem. A distinção entre duas formas de verdade forjou o mal entendido. A verdade formal vinculava proposições a leis do pensamento, falseando a realidade, enquanto a segunda fundia essas percepções. A teoria da história mostra que fatos tidos como verdadeiros são controvertidos e que a versão oficial pode se distanciar no que de fato ocorreu, embora nunca se possa colocar-se uma última e definitiva versão. É claro que o processo ao ser aparentemente retrospectivo[45] implica na escolha dos elementos mais interessantes, os quais restam sublinhados. Sempre, contudo, são parciais e representam interesses não ditos. É nos jogos de linguagem[46] que o significante probatório ganhará sentido no contexto em que é invocado. 4.8. O domínio da informação nos jogos dinâmicos implica na possibilidade de se tomar decisões terminativas do processo, ou seja, sem análise do mérito. Reside justamente na avaliação da prova possível (informação) a aceitação de benefícios processuais (conciliação, transação penal, suspensão condicional do processo, delação premiada[47] , leniência, etc..). Com a informação até então apurada e as expectativas dos subjogos no horizonte, o jogador pode avaliar quais as implicações de se jogar ou não[48]. Dependendo do quantum da pena e da quantidade de processos em tramitação, bem assim da gestão da Unidade Jurisdicional, pode-se optar pelo processo e se buscar uma prescrição, como aliás, é a tónica nos processos dos Juizados Especiais Criminais.[49] Na estratégia manejada no caso de jogos repetitivos pode acontecer que com a interação continuada os jogadores possam antecipar os sentidos já dados e observar novas estratégias ou concessões. Podem transformar, com isso, o jogo em mais cooperativo ou não. 4.9. Dito de outra forma, o processo penal é um jogo mediado pelo Estado Juiz em que a fortaleza da inocência, ponto de partida do jogo, é atacada pelo jogador acusador e defendida pelo jogador defensor, sendo que no decorrer as posturas (ativa e passiva) se alternam reciprocamente, devido ao caráter dinâmico do processo, a cada rodada probatória (subjogos) e em face das variáveis cambiantes. O jogador-acusador pretende romper com a fortaleza da inocência, enquanto a defesa sustenta as muralhas. Rompido ou antevisto ou rompimento, bem assim a impossibilidade, por que não negociar? Constitui-se num jogo de táticas processuais no decorrer do jogo processual guiado por estratégia dos efeitos pretendidos (pena). 4.10. Em resumo: O processo penal se estrutura como uma modalidade de jogo processual no qual há (a) conjunto de normas jurídicas; (b) que estabelecem expectativas de ganho/perda em momentos específicos (recebimento/rejeição da denúncia; absolvição sumária; produção probatória (informação), condenação/absolvição – em diversas instâncias), (c) mediante jogadas temporalmente indicadas (denúncia/queixa, defesa preliminar, alegações finais, recursos, similares), (d) para os quais o Estado Juiz emite comandos (despachos, interlocutórias, decisões, acórdãos, similares) de vitória/derrota
(total ou parcial) .
Capítulo 2°
Por uma leitura garantista do Sistema de Controle Social
1. Para introduzir o Garantismo Penal 1.1. Embora tenha sido editada uma nova Constituição em 1988 há inescondível déficit hermenêutico nos campos do Direito e Processo Penal no Brasil. A compreensão do Direito Penal e Processual válido precisa de realinhamento constitucional do sentido democrático, uma vez que tanto o Código Penal como o Código de Processo Penal são documentos editados, na matriz , sob outra ordem constitucional e ideológica, bem assim porque houve significativa modificação do desenho político criminal contemporâneo[50]. Ademais, a Constituição acolheu os Direitos Humanos em patamar capaz de dar eficácia imediata no campo de Controle Social[51]. De sorte que há a necessidade de adequação da própria noção do papel e função do Direito e do Processo Penal diante da redemocratização do país. E, esse trabalho ainda está sendo realizado, basicamente por força da (i) baixa constitucionalidade, entendida como a ausência de cultura democrática no Direito; (ii) necessária superação do aparente dilema entre sistemas acusatório versus inquisitório; (iii) herança equivocada de uma imaginária e nefasta “Teoria Geral do Processo”, quando, na verdade, os fundamentos do processo penal democrático assumem viés individual e não coletivo, a saber, não cabe “instrumentalidade processual penal pro societate ”[52]; (iv) difusão de modelo coletivo de “Segurança Pública” que fomenta uma certa “Cultura do Medo”; (v) expansionismo do Direito Penal e recrudescimento dos meios de controle social, a partir da lógica de diminuição dos custos estatais; (vi) prevalência de teorias totalitárias, como Direito Penal do Inimigo, atreladas ao discurso da Lei e da Ordem[53]. 1.2. Nesse contexto, parece que se mostra necessário repensar as coordenadas simbólicas do campo do Direito e Processo Penal adotada perspectiva crítica, mas sem se descolar da realidadae, ou seja, da possibilidade de diálogo entre o saber produzido no campo da Universidade e o que acontece no plano da prática forense, não na perspectiva unitária, mas sim de um diálogo proveitoso, em que o ponto de partida seja a realização do Estado Democrático de Direito[54]. Ainda assim, deve-se superar a noção idealizada de Jurisdição, Ação e Processo (Cap. 4o), partindo-se da teoria dos jogos (Cap. 1o).
2. Garantismo não é Religião: é limitação do Poder Estatal
2.1. Para o fim de entender a intervenção Estatal se recorrerá ao balizamento apresentando pelo “Garantismo Penal” de Luigi Ferrajoli[55] , sem que ele se transforme em Religião[56] , pois é passível de muitas criticas[57]. Partindo de sólida Teoria do Direito[58], Ferrajoli apresenta quatro frentes para compreensão de sua proposta[59]: (i) revisão da teoria da validade , diferenciando validade/material e vigência/formal das normas jurídicas; (ii) distinção entre as dimensões da Democracia entre formal e substancial, tendo os Direitos Fundamentais como índice; (iii) ratificação do lugar de garante do magistrado numa democracia mediante a sujeição do juiz à lei, não mais pela mera legalidade, mas da estrita legalidade, na qual a validade da norma (princípio e regra) devem guardar pertinência material e formal com a Constituição da República; e (iv) revisão do papel critico da ciência jurídica não mais com a missão exclusivamente descritiva, mas acrescentando contornos críticos e de projeção ao futuro. Supera, assim, a noção meramente técnica, a saber, reconhece a responsabilidade do ator jurídico e não de singelo aplicador da norma. 2.2. Essa perspectiva teórica encontra esteio na Constituição da República dado que baseada na dignidade da pessoa humana[60] e nos Direitos Fundamentais[61] , os quais devem ser respeitados, efetivados e garantidos, sob pena da deslegitimação democrática da ação. Em face da supremacia Constitucional dos direitos indicados no corpo de Constituições rígidas ou nela referidos (CR, art. 5º, § 2º), como a brasileira de 1988, e do princípio da legalidade , a que todos os poderes estão submetidos, emerge a necessidade de garantir esses direitos a todos os sujeitos, principalmente os processados criminalmente, pela peculiar situação que ocupam. Há filiação à tradição de defesa dos Direitos Individuais em face do Estado, na linha Iluminista, sem se descurar das contingências históricas[62]. 2.3. Nesse pensar, Ferrajoli aponta quatro classes de direitos : (i) Direitos Humanos, os quais são os direitos primários das pessoas e concernem indistintamente a todos os seres humanos; (ii) Direitos públicos , que são os direitos primários reconhecidos somente aos cidadãos; (iii) Direitos civis , os quais são direitos secundários adstritos a todas as pessoas humanas capazes de agir, tais como a liberdade de contratar, de negociar, de escolher e trocar de trabalho, vinculados à autonomia privada, na matriz capitalista de Mercado; e (iv) Direitos políticos , os quais são direitos secundários reservados exclusivamente aos cidadãos, no qual se baseia a representação e a democracia política[63]. 2.4. A partir desta matriz e aprofundando a proposta, Ferrajoli propõe quatro teses em relação aos Direitos Fundamentais : (i) A diferença de estrutura entre Direitos Fundamentais e Direitos Patrimoniais, dado que os primeiros são vinculados a todos ou a uma classe de sujeitos, sem exclusão dos demais, enquanto os direitos patrimoniais, pela sua formulação, excluem todos os demais que não são titulares. Por certo o acordo semântico de Direito Subjetivo tem sido utilizado pelo Direito para ocultar as caraterísticas antagônicas que subjazem a esta classificação aparentemente homogênea, mas que esconde uma enorme heterogeneidade. Para comprovar tal assertiva, basta indicar: direitos inclusivos/exclusivos, universais/singulares,
indisponíveis/disponíveis [64]; (ii) O respeito e implementação dos Direitos Fundamentais representam interesses e expectativas de todos e formam, assim, o parâmetro da igualdade jurídica, capaz de justificar a aferição da democracia material . Essa dimensão não é outra coisa senão o conjunto de garantias asseguradas pelo Estado Democrático de ireito; (iii) A pretensão supranacional de grande parte dos Direitos Fundamentais, uma vez que com as declarações internacionais, além do direito interno, uma ordem externa impõe limites externos aos poderes públicos; (iv) A relação entre direitos e garantias. Os Direitos Fundamentais se constituem em expectativas negativas ou positivas, as quais correspondem obrigações de prestação ou proibição de lesão – garantias primárias. A reparação ou sancionamento judicial constituem em garantias secundárias, decorrentes da violação das garantias primárias. A inexistência de garantias para efetivação dos direitos, em suma, leva a uma lacuna que torna os direitos declarados inobservados [65]. 2.5. Esse retorno à Teoria Geral do Direito se mostra absolutamente importante desde que acolhidas as quatro teses, eis que implica revisão da estrutura do Direito Positivo, com reflexos inafastáveis no Direito Penal e Processual Penal. Revisitada, portanto, a formulação dos Direitos Fundamentais, restam fixadas as diferenças marcantes, consistente a primeira na circunstância de que os Direitos Fundamentais são universais, enquanto os Direitos Patrimoniais são singulares, excludentes dos demais. Aqui existe um titular determinado; nos Direitos Fundamentais todos o são. Não se diferencia Direitos Fundamentais pela qualidade ou quantidade, como se procede nos Direitos Patrimoniais. Os Direitos Fundamentais são inclusivos e formam a base da igualdade jurídica, enquanto os Direitos Patrimoniais são exclusivos (se eu sou proprietário da casa, o outro não é). A segunda diferença é, talvez, a mais relevante. Os Direitos Fundamentais são indisponíveis, inalienáveis, imprescritíveis, invioláveis, intransigíveis e personalíssimos. Ao contrário, os Direitos Patrimoniais são disponíveis por sua natureza, negociáveis e alienáveis. Estes se acumulam e aqueles permanecem invariáveis. Os bens se adquirem, trocam se e se vendem. As liberdades não se trocam nem se acumulam. O fato de serem indisponíveis impede que interesses políticos e/ou econômicos violem os Direitos Fundamentais; não se pode vender ou trocar sua liberdade. O ser humano os possui como tal, sem que lhe seja acrescido. Resultado disso é que se não pode alienar a vida, a liberdade pessoal ou o direito ao devido processo legal, por exemplo, mesmo que se queira. Em processo penal não é admitida a confissão desprovida de outros elementos, como era na Inquisição. A terceira diferença, consequência da segunda, é que os Direitos Patrimoniais são disponíveis, podendo ser modificados, extintos, por atos jurídicos. Os Direitos Fundamentais, ao revés, são reconhecidos ex vi legis , por normas gerais, normalmente de status constitucional. Em suma, enquanto os Direitos Fundamentais são normas, os Direitos Patrimoniais são regulados por normas. A quarta diferença consiste em que os Direitos Patrimoniais são horizontais, os Direitos Fundamentais são verticais, em um duplo sentido. Enquanto umas são civilistas, privadas, decorrentes de relações intersubjetivas da esfera privada, as de Direitos Fundamentais são publicistas, do indivíduo para com o Estado. Ademais, há que se considerar que os Direitos Patrimoniais são disposições de não lesão entre os particulares; já no caso de Direitos Fundamentais, sua violação repercute na invalidade
de leis e decisões estatais[66]. 2.6. A Teoria Garantista representa ao mesmo tempo o resgate e a valorização da Constituição como documento constituinte da sociedade. Esse resgate Constitucional decorre justamente da necessidade da existência de um núcleo jurídico irredutível/fundamental capaz de estruturar a sociedade, fixando a forma e a unidade política das tarefas estatais, os procedimentos para resolução de conflitos emergentes, elencando os limites materiais do Estado, as garantias e direitos fundamentais e, ainda, disciplinando o processo de formação político-jurídico do Estado, aberto ao devir. A Constituição é uma disposição fundante da convivência e fonte da legitimidade estatal, não sendo vazio[67] , mas uma coalizão de vontades com conteúdo, materializados pelos ireitos Fundamentais. A história do constitucionalismo é a progressiva ampliação da esfera pública de direitos, de conquistas e rupturas . Em outras palavras, a Constituição, nesta concepção garantista, deixa de ser meramente normativa (formal), buscando resgatar o seu próprio conteúdo formador, indicativo do modelo de sociedade que se pretende e de cujas linhas as práticas jurídicas não podem se afastar, inclusive no âmbito do Direito e do Processo Penal . Como primeira emanação normativa do Estado, aponta os limites e obrigações, sem se perder de vista que é no processo de atribuição de sentido (concretização) que se realiza. 2.7. Assim é que a Constituição da República é a norma maior, sendo o fundamento de validade material e formal do sistema. Advem disto o fato de que todos os dispositivos e interpretações possíveis, inclusive o de transformar substantivo em adjetivo – exclusivamente –, como acontece com o art. 144, § 4o, da CR, por exemplo, devem perpassar pelo seu controle formal e material, não podendo ser infringida ou modificada ao talante dos governantes públicos, mesmo em nome da maioria – esfera do indecidível –, dado que as Constituições rígidas, como a brasileira de 1988, devem sofrer processo específico para reforma, ciente, ainda, da existência de cláusulas pétreas. Na prática, a aplicação de qualquer norma jurídica precisa sofrer a preliminar oxigenação constitucional[68] de viés garantista , para aferição da constitucionalidade material e formal da norma jurídica. É somente assim se dá a devida força normativa à Constituição[69].
3. Garantismo Penal e Direito Penal Mínimo 3.1. No campo do Direito Penal o manejo do poder no Estado Democrático de Direito deve se dar de maneira controlada, evitando-se a arbitrariedade dos eventuais investidos no exercício do poder Estatal. Desta forma, para que as sanções possam se legitimar democraticamente precisam respeitar os Direitos Fundamentais, apoiando-se numa cultura igualitária e sujeita à verificação de suas motivações, porque o poder estatal deve ser limitado, a saber, somente pode fazer algo – por seus agentes – quando expressamente autorizado.[70] 3.2. Assim é que no modelo ideal de Ferrajoli são indicados onze princípios necessários e sucessivos de legitimidade do sistema penal e, desta forma, da sanção [71]. São eles: pena, delito, lei, necessidade, ofensa, ação, culpabilidade, jurisdição, acusação,
rova e defesa. A ausência de um deles torna a resposta estatal, lida a partir do Garantismo, ilegítima, constituindo, cada um (dos princípios), condição da esponsabilidade penal.
São, assim, prescritivas de regras processuais ideais ao modelo garantista sem que o seu preenchimento in totum obrigue uma sanção; mas o contrário, pois somente com o preenchimento (de to)das implicações deônticas do modelo é que o sistema está autorizado a emitir um juízo condenatório[72]. 3.3. A classificação divide-se em: a) garantias penais: “delito”, “lei”, “necessidade”, “ofensa”, “ação” e “culpabilidade”; e b) garantias processuais: “jurisdição”, “acusação”, “prova” e “defesa”. Em sendo a “pena” excluída do rol de garantias, por ser apenas uma possibilidade ao cabo do processo, o modelo ideal full é composto por dez axiomas, vertidos em latim: A1 Nulla poena sine crimine/ A2 Nullum crimen sine lege/ A3 Nulla lex (poenalis) sine necessitate/ A4 Nulla necessitas sine injuria/ A5 Nulla injuria sine actione/ A6 Nulla actio sine culpa/ A7 Nulla culpa sine judicio/ A8 Nullum judicium sine accusatione/ A9 Nulla accusatio sine probatione/ A10 Nulla probatio sine defensione.
Esses princípios garantistas podem ser vertidos em axiomas, respectivamente: 1) princípio da retributividade ou da consequencialidade da pena em relação ao delito; 2) princípio da legalidade , no sentido lato ou no sentido estrito ; 3) princípio da necessidade ou da economia do direito penal; 4) princípio da lesividade ou da ofensividade do evento; 5) princípio da materialidade ou da exterioridade da ação; 6) princípio da culpabilidade ou da responsabilidade pessoal; 7) princípio da jurisdicionaridade, também no sentido lato e no sentido estrito ; 8) princípio acusatório ou da separação entre juiz e acusação; 9) princípio do ônus da prova ou da verificação; 10) princípio do contraditório ou da defesa, ou da falseabilidade. 3.4. A par disto, cada sistema concreto poderá ser avaliado como de uma tendência ao ’direito penal mínimo’ ou ao ‘direito penal máximo’ , conforme satisfaça as condições antes indicadas, investindo-o de racionalidade e certeza , na melhor tradição liberal. Garantismo e racionalidade encontram-se, pois, imbricados na pretensão de construir a legitimidade do sistema punitivo, mediante o estabelecimento de uma tecnologia apta e democraticamente sustentada pelos Direitos Fundamentais. Essa certeza/racionalidade buscada pelos Sistemas, divide-se, consoante cada modelo – máximo ou mínimo –, na seguinte opção segundo Ferrajoli: enquanto para o modelo máximo, a certeza deve impedir que “nenhum culpado fique impune, à custa da incerteza de que também algum inocente possa ser punido”[73]; no caso do direito penal mínimo, a atuação se dá no sentido de que “ nenhum inocente seja punido à custa da incerteza de que também algum culpado possa car impune. ”[74] Para o modelo penal mínimo , apesar da previsão em lei do tipo penal, somente se comprovada processualmente a conduta é que poderá se impor uma sanção, levando a sério a ‘presunção de inocência.’ De outra face, o modelo penal máximo golpeia esta garantia, na ilusão de colher nas malhas do direito penal todos os culpados[75]. 3.5. Acrescente-se que o Poder Legislativo encontra, ainda, a barreira material dos
Direitos Fundamentais em duplo sentido. Partindo-se do Direito Penal como última ratio (princípios da lesividade, necessidade e materialidade), a regulamentação de condutas deve se ater à realização dos Princípios Constitucionais do Estado Democrático de Direito, construindo-se, dessa forma, modelo minimalista de atuação estatal que promova, de um lado, a realização destes Princípios e, de outro, impeça suas violações, como de fato ocorre com a explosão legislativa penal contemporânea, quer pelas motivações de manutenção do status quo , como pela ‘Esquerda Punitiva’[76]. Discute-se, no contexto, a necessidade de teoria fundamentadora/justificadora da sanção [77]. Entretanto, a pena, longe de uma fundamentação jurídica, possui somente uma justificação política, de ato de força estatal . É afastada qualquer justificação, retributiva ou preventiva , da medida, conforme explicita o Garantismo Jurídico, na pena tupiniquim de Carvalho[78]. Relegada a discussão abolicionista (Foucault, Mathiesen, Christie e Hulsman)[79] , assume-se a postura garantista-jurídico-penal, informada pelo Princípio da Secularização e da Laicização[80] do Estado, da Teoria Agnóstica da Pena . Essa teoria, percebendo a imposição como ato de poder, tal qual a guerra[81] , imputa ao direito penal a finalidade de redução das violências praticadas pelo Estado[82]. Existiria, portanto, uma dupla funcionalidade da sanção. Primeiro impedindo a vingança privada (abusiva e espúria), eis que quem é juiz em causa própria se vinga desmesuradamente – baluarte Iluminista e constante no pensamento do contratualista Locke[83]. Em segundo lugar restringindo a manifestação do poder político estatal (pena) se dê sem limites, violando os Direitos Fundamentais, nos exatos limites da estrita legalidade. Nada, absolutamente nada de retribuição ou prevenção (geral ou especial), consoante afirma Ferrajoli: “ O paradigma do direito penal mínimo assume como única justificação do direito penal o seu papel de lei do mais fraco em contrapartida à lei do mais forte, que vigoraria na sua ausência; portanto, não genericamente a defesa social, mas sim a defesa do mais fraco, que no momento do delito é a parte ofendida, no momento do processo é o acusado e, por fim, no momento da execução, é o réu.”[84] 3.6. Para o atendimento desta pretensão necessária a releitura efetuada do ‘Princípio da Legalidade’ não mais somente verificável pela edição formal da norma jurídica (mera legalidade, vigência), mas principalmente pelo preenchimento dos dez axiomas garantistas (estrita legalidade, validade). O ‘Princípio da Legalidade’ precisa, então, ser relido, não bastando mais a simples previsão legal do tipo penal, dado que essa legalidade formal é fonte, em alguns casos, de um direito penal substancialista. Assim é que o Direito Penal secularizado precisa indicar tipos penais regulamentares, isto é, que se vinculem ao mundo da vida, impedindo, assim, que o processo sirva de mero simulacro. Dito de outra forma, as adjetivações ou perseguições tópicas, como no caso de ‘bruxas’, ‘subversivos’, ‘hereges’, ‘inimigos do povo’[85] (ainda presentes formalmente, por exemplo, na Lei de Contravenções Penais [86]), dentre outros, estão expungidas do Direito Penal Garantista por não se vincularem a condutas possíveis, mas a elementos constitutivos do sujeito[87]. É preciso que o tipo penal prescreva uma proibição, modalidade deôntica, sob pena de deslegitimação epistemológica do próprio tipo penal. Esses elementos decorrem da secularização do Estado (e do Direito Penal) contemporâneo, o qual deixa de lado os aspectos ditos ‘intrínsecos’ da conduta,
adjetivada de imoral , anormal ou abjeta , para se resumir, no Estado Democrático de Direito, à expressa previsão legal do tipo penal, ou seja: “ é aquele formalmente indicado pela lei como pressuposto necessário para a aplicação de uma pena, segundo a clássica fórmula nulla poena et nullum crimen sine lege.”[88] Agrega-se ao primeiro a impossibilidade de se analisar o interior (subjetividade do agente) – sempre arbitrária – nem o julgar por seus antecedentes ou conduta social, como fazia o ‘direito penal do autor’, restringindo se democraticamente o objeto para “ figuras empíricas e objetivas de comportamento, segundo a outra máxima clássica: nulla poena sine crimine et sine culpa .”[89] No tipo penal do autor inexiste conduta ‘regulativa’ a ser comprovada, senão situações ‘constitutivas’ da personalidade do acusado, independentemente da existência de ‘ação’ e ‘ofensividade’, sendo, pois, substancialista[90]. 3.7. Partindo-se do Direito Penal como última ratio , ou seja, como o último recurso democrático diante da vergonhosa história das penas[91] , brevemente indicadas como de morte , privativa de liberdade e patrimonial , excluída a primeira pois desprovida de qualquer fim ou respeito ao acusado, as demais se constituem em técnicas de privação de bens, em tese, proporcional à gravidade da conduta em relação ao bem jurídico tutelado, segundo critérios estabelecidos pelo Poder Legislativo, na perspectiva de conferir caráter abstrato e igualitário ao Direito Penal. Ferrajoli sublinha: “ A história das penas é, sem dúvida, mais horrenda e infamante para a humanidade do que a própria história dos delitos: porque mais cruéis e talvez mais numerosas do que as violências produzidas pelos delitos têm sido as produzidas pelas penas e porque, enquanto o delito costuma ser uma violência ocasional e às vezes impulsiva e necessária, a violência imposta por meio da pena é sempre programada, consciente, organizada por muitos contra um. Frente à artificial função de defesa social, não é arriscado afirmar que o conjunto das penas cominadas na história tem produzido ao gênero humano um custo de sangue, de vidas e de padecimentos incomparavelmente superior ao produzido pela soma de todos os delitos.”[92] Na sua proposta, Ferrajoli aponta para a construção de um ‘direito penal mínimo’, entregando para outros mecanismos de resolução de conflito – leia-se extra-penais – cuja necessidade de intervenção, via aparelho repressor penal não esteja devidamente justificada. Este critério utilitarista reformado e humanitário procura garantir, também, que o sujeito não seja submetido às imposições totalitárias de índole moralizante, uma vez que o discurso da reeducação é anti-democrático[93]. Assim é que somente nos casos em que os ‘efeitos lesivos’ das condutas praticadas possam justificar os custos das penas e proibições, as sanções estariam autorizadas. 3.8. Consequência direta desse princípio é a redução do número de tipos penais, a diminuição do tempo das sanções, as quais por serem longas demais, excluem o sujeito da sociedade e são desumanas, mormente nas condições em que são executadas, bem como a deslegitimidade das sanções pecuniárias e dos ‘crimes de bagatela’, que não justificam nem mesmo a instauração do processo[94] , além dos de cunho moralizante. Por isto que: “ Se o direito penal responde somente ao objetivo de tutelar os cidadãos e de minimizar a violência, as únicas proibições penais justificadas por sua ‘absoluta necessidade’ são, por sua vez, as proibições mínimas necessárias, isto é, as estabelecidas para impedir condutas
lesivas que, acrescentadas à reação informal que comportam, suporiam uma maior violência e uma mais grave lesão de direitos do que as geradas institucionalmente pelo direito penal. ”[95] A aplicação de uma sanção exige a lesividade mensurável do resultado da ação , lida a partir dos seus efeitos. Essa é a carga do princípio da ‘lesividade’. Isto porque as palavras ‘dano’, ‘lesão’ e ‘bem jurídico’ demandam uma atribuição de sentido, um preenchimento semântico, vinculado aos fundamentos do direito de punir, ou seja, “ com os benefícios que com ela se pretendem alcançar.”[96] Resumindo a discussão sobre os equívocos da evolução do conceito de ‘bem jurídico’, o qual deixou de ter como referencial o ponto de vista externo, na direção contrária do pensamento ‘Iluminista’, passando a tutelar situações de ordem interna e autoritárias[97]. 3.9. Com efeito, resta arredada a possibilidade da fixação, pelo Estado, de modelo único de comportamente interno, de pensamento, enfim, totalitário, abrindo-se espaço para a construção da alteridade , dos direitos do cidadão a partir do ‘ princípio da tolerância’ , possibilitando o direito de pensar – liberdade de consciência – conforme as próprias convicções morais e éticas[98] , e tendo como parâmetro de atuação penal somente os efeitos da ação e jamais as potencialidades hipotéticas. Resta tutelada a liberdade da construção da singularidade da personalidade (ser perverso, mau, imoral, perigoso), até porque essas ilações jamais poderiam ser objeto de um processo garantista, devido à impossibilidade de reconstrução da conduta, ademais, inexistente. Não é sem motivo que Ferrajoli anota: “Fica, pois, claro que o princípio da materialidade da ação é o coração do arantismo penal, que dá valor político e consistência lógica e jurídica a grande parte das demais arantias.”[99] Embora seja fundamental a existência material da ação, desde o século XIX duas teorias solaparam esta garantia. A primeira fomentadora de um ‘delinqüente natural’ e de uma ‘Defesa Social’, construída sobre a nefasta e insustentável noção de ‘periculosidade’, a qual é aquilatada (!?) por critérios pseudo-científicos e absolutamente insustentáveis epistemológica e democraticamente, cujos herdeiros saudosistas ainda frequentam, diariamente, os foros. De outro lado, o ‘tipo de autor’, no qual a ação é reduzida ao analisar a personalidade do agente, livre de qualquer ação, com claros propósitos ideológicos[100]. 3.10. Atrelado à concepção de racionalidade e consciência , próprio da Modernidade , o ‘princípio da culpabilidade’ é entendido como a decisão preliminar e consciente acerca da vontade de agir, de intencionalmente compreender e proceder – elemento subjetivo – em face de uma regra regulativa. Essa decisão consciente contrapõe-se aos modelos que aceitam a responsabilidade penal sem culpa ou intenção: responsabilidade objetiva. Aponta como fundamentos políticos externos a ação material, seu caráter intimidatório, a possibilidade de previsão do agir social conforme as regras e as únicas (condutas) que podem ser logicamente proibidas. Suas modalidades são o dolo e a culpa , com as diversas classificações doutrinárias possíveis. O importante é que deva ser imputável a causa à ação decorrente de ato de vontade[101] , dado que há uma necessária diferença entre ‘culpabilidade’ e ‘responsabilidade’, dado que esta é a sujeição à sanção como conseqüência da conduta. O dilema metafísico do ‘determinismo’ e do ‘livre-arbítrio’ resta superado, contudo, pelo Sistema Garantista (SG). Para os ‘deterministas’ a pessoa
não poderia ter agido de outra forma , já que sua ação está condicionada a outros elementos que independem de sua vontade; o agente é objetificado. De outra face, os partidários do ‘livre-arbítrio’ entendem que se não há um elemento externo capaz de abalar a capacidade psíquica do agente, este poderia ter agido de forma diferente . Ambas concepções desconsideram o caráter material da ação, abrindo ensejo para práticas antigarantistas. Ferrajoli sublinha que “a consequência é que no primeiro caso temos um resultado sem culpa e, no segundo, uma culpa sem resultado, destituída da mediação, e, em qualquer dos casos, da ação culpável.”[102] Corolário do ‘determinismo’ é a objetificação do sujeito e a preparação do Estado na ‘Defesa Social’ das personalidades desviadas e a construção do conceito de ‘periculosidade’, o qual vem de encontro à construção histórica da culpabilidade. Já o ‘livre-arbítrio’ deixa espaço para julgamento subjetivo do agente, como se fazia no ‘direito penal do autor’, isto é, da culpa do homem e não de sua ação[103]. 3.11. Para o ‘princípio da culpabilidade’ propugnado por Ferrajoli, são necessários dois requisitos: a) que o proibido decorra de uma comissão/omissão verificável numa ação regulativa e não da subjetividade do agente; e b) que ex ante haja possibilidade desta comissão/omissão. Esta opção deixa de ser vista desde uma percepção ontológica, passando a ser deontológica de ‘eleição’ entre possibilidades de ‘ação’ e não de ‘ser’ [104]. Arredada, pois, a ideia de se imiscuir na personalidade do agente, perdem sentido as construções sobre a ‘capacidade criminal’, ‘reincidência’, ‘tendência para delinqüir’ e outras preciosidades totalitárias e anti-democráticas construídas com base nas concepções criticadas e marcantemente substancialistas e discricionárias, como se verifica nos crimes de associação , por exemplo. 3.12. Nesse contexto garantista é que se pode analisar o panorama do estado da arte no Brasil, tarefa, todavia, para se continuar no cotidiano das violações diárias, palco dos dilemas de infetividade constitucional, desvelando, por um lado, a necessidade de teoria sustentadora da praxis e, de outro, que a noção de processo precisa ser lida pela teoria dos jogos.
Capí tulo 3°
Sistemas e Devido Processo Legal Substancial
1. Para uma noção de Princípio 1.1. A leitura (da maioria) dos Manuais de Graduação apresenta um conjunto de princípios que poderiam, em tese, fazer funcionar o processo penal. O contato com processos penais reais deixa evidenciado que: (a) ou quem opera não sabe da existência dos princípios , os quais são invocados ad hoc, ou (b), de outra face, sabia-se que não era assim, isto é, o elenco de princípios é insuficiente, mas mesmo assim se ensina errado. Os princípios, assim postos, serve(ria)m para enganar . Pode parecer forte a afirmação. Contudo, a sensação é a de que são meras justificações retóricas para o decisionismo [105] e sua faceta de ativismo[106] punitivista, parecem evidentes. Daí que é preciso ir além das aparências. Talvez falte uma nova maneira de perceber os princípios. 1.2. Logo, o primeiro tema a se enfrentar é a própria noção de princípio [107]. Necessário superar-se a noção diferenciadora e simplista da distinçaõ da norma jurídica entre princípios e princípios para se demonstrar que os princípios devem fechar as regras do jogo processual, ainda que se fundamentem, todos, no “devido processo legal substancial”[108]. 1.3. De qualquer forma, os princípios surgem da impossibilidade de dizer o todo[109]. Miranda Coutinho resgata a visão de princípio (do latim, principium ) como sendo o início, origem, causa, gênese, entendido como motivo conceitual sobre o qual se funda, por metonímia, a cadeia de significantes.[110] Ainda que este momento primevo seja impossível, porque a verdade é muito – no início era o Verbo –, tal regresso se mostra absolutamente necessário, mesmo que seja um mito; mito necessário para o mundo da vida[111]. E o mito , uma vez instalado, reproduz efeito alienante por parte dos atores jurídicos, caso não se o desvele como tal, isto é, como uma não-realidade que sustenta a realidade. Por outras palavras, não é a causa do princípio que está ausente, mas sua explicação que se encontra permeada pela falta , pelo inexplicável onticamente[112]. Daí em diante se estabelece uma cadeia de conceitos.
2. Princípio Acusatório versus Inquisitório: o falso dilema 2.1. Assim é que o Processo Penal estaria situado numa estrutura que possui características diversas e se divide, historicamente[113] , nos sistemas[114] Inquisitório e Acusatório , surgindo contemporaneamente modelos que guardam características de
ambos sem que, todavia, possam ser indicados, no que se refere à estrutura, como sistemas mistos[115]. São mistos ou sincréticos por acolherem características de ambos os sistemas, sendo incongruência lógica eventual denominação de terceiro gênero[116]. Isto porque a compreensão de sistema decorre da existência de um princípio unificador , capaz de derivar a cadeia de significantes dele decorrentes, não se podendo admitir a coexistência de princípios (no plural) na origem do sistema kantiano. Assim é que no Sistema Inquisitório o Princípio Inquisitivo marca a cadeia de significantes, enquanto no Acusatório é o Princípio Dispositivo que lhe informa. E o critério identificador é, por sua vez, o da gestão da prova . Sendo o Processo Penal atividade marcadamente recognitiva, de acertamento de significantes , a fixação de quem exercerá a gestão da prova e com que poderes se mostra indispensável, no que já se denominou “bricolage de significantes”[117]. No Inquisitório o juiz congrega, em relação à gestão da prova, poderes de iniciativa e de produção, enquanto no Acusatório essa responsabilidade é das partes, sem que possa promover sua produção. De outra face, no Inquisitório a liberdade do condutor do feito na sua produção é praticamente absoluta, no tempo em que no Acusatório a regulamentação é precisa, evitando que o juiz se arvore num papel que não é seu[118]. 2.2. Cordero[119] demonstra os motivos pelos quais o modelo Inquisitório se desenvolveu, atendendo aos interesses da Igreja e de quem comandava a sociedade, em face da expansão econômica, exigindo que o poder repressivo fosse centralizado, com atuação ex officio , indepentendemente da manifestação do lesionado. O juiz passa de espectador para o papel de protagonista da atividade de resgatar subjetivamente a verdade do investigado (objeto), desprovido de contraditório, publicidade, com marcas indeléveis (cartas marcadas) no resultado, previamente colonizado .[120] Assume, para tanto, uma ‘postura paranóica’ na gestão da prova, longe do fair play.[121] 2.3. Barreiros deixa evidenciada as características de cada um dos sistemas. No modelo Inquisitório: a) o julgador é permanente; b) não há igualdade de partes, já que o juiz investiga, dirige, acusa e julga, em franca situação de superioridade sobre o acusado; c) a acusação é de ofício, admitindo a acusação secreta; d) é escrito, secreto e não contraditório; e) a prova é legalmente tarifada; f) a sentença não faz coisa julgada; e g) a prisão preventiva é a regra. Já no modelo Acusatório: a) o julgador é uma assembléia ou corpo de jurados; b) há igualdade das partes, sendo o juiz um árbitro sem iniciativa investigatória; c) nos delitos públicos, a ação é popular e nos privados, de iniciativa dos ofendidos; d) o processo é oral, público e contraditório; e) a análise da prova se dá com base na livre convicção; f) a sentença faz coisa julgada; e g) a liberdade do acusado é a regra[122]. 2.4. Dentro dessa diferenciação e considerando a indeclinibilidade da Jurisdição, decorrência do ‘princípio da legalidade’, compete ao Estado organizar a maneira pela qual o Processo Penal tendente à aplicação – ou não – de alguma sanção. A separação das funções do juiz em relação às partes se mostra como exigida pelo ‘princípio da acusação’, não podendo se confundir as figuras, sob pena de violação da garantia da igualdade de partes e armas. Deve haver paridade entre defesa e acusação, violentada flagrantemente
pela aceitação dessa confusão entre acusação e órgão jurisdicional, a saber, é vedada qualquer iniciativa probatória do julgador .[123] Entendida nesse sentido, a garantia da separação representa, de um lado, uma condição essencial do distanciamento do juiz em relação às partes que é a primeira das garantias orgânicas que definem a figura do juiz, e, de outro, pressuposto da função da contestação e da prova atribuídos à acusação, que são as primeiras garantias procedimentais da Jurisdição. A assunção do modelo eminentemente acusatório, segundo Binder[124] , não depende do texto constitucional – que o acolhe, em tese, no caso brasileiro, apesar de a prática o negar –, mas sim de uma “auténtica motivación” e um “compromiso interno y personal ” em (re)construir a estrutura processual sobre alicerces democráticos, nos quais o juiz rejeita a iniciativa probatória[125] e promove o processo entre partes (acusação e defesa)[126]. 2.5. Em resumo: como sistemas históricos, atualmente os ordenamentos nacionais guardam, por contingências diversas, características de ambos os sistemas, ou seja, inexiste sistema puro. Daí que se fala equivocadamente de sistemas mistos. Entretanto, falar-se de sistemas mistos não pode se dar na modalidade sistemática por ausência de um significante. Com essa dupla face instaure-se uma dupla legalidade e verdadeira confusão sob aparência de sistema. É impossível um sistema misto[127]. 2.6. Se é impossível um sistema misto, qual o sentido em se continuar insistindo no dilema acusatório versus inquistório? Nenhum. Trata-se de fantasia a ser desvelada. A confluência de diversos fatores implica na compreensão de conteúdo variável[128] da própria noção de sistema processual. Daí que Aroca[129] está correto ao afirmar que não há sentido em se invocar conceitos do passado para dar sentido ao presente, no contexto dos sistemas processuais penais, justamente porque a estrutura de pensar se modificou em face do monopólio jurisdicional e constitucional . Isso implica, assim, na necessidade de realinhar a noção a partir da leitura dos documentos de Direitos Humanos (Declarações e Pactos Internacionais) e a Constituição da República. Manter-se a noção histórica somente ajuda a obscurecer, confundir e impedir a leitura constitucionalmente adequada dos lugares e funções do e no processo penal , especialmente quando adotada a teoria dos jogos . 2.7. A própria noção de Constituição precisa ser revisitada. Não se trata de documento coeso e produto de um sujeito (coletivo) pensante. A Constituição da República de 1988 foi o resultado possível da confluência de fatores políticos, econômicos e sociais marcado no tempo[130]. Buscar pela leitura isolada dos dispositivos a definição de qual sistema (acusatório ou inquisitório) teria sido acolhido é irrelevante – ainda que possa ser útil para quem não supera o falso dilema. Há características de ambos os sistemas. O que se deve buscar, assim, é a diretriz global , cotejando os documentos internacionais, a jurisprudência das cortes internacionais[131]. Para tanto se deve buscar guarida e pertinência formal e substancial no processo civilizatório democrático advindo das conquistas históricas, em especial com o devido processo legal substancial[132]. 2.8. A Constituição da República embora se apresente como um documento único, apresenta-se como fusão de horizontes diversos. É o resultado histórico. Na Constituição estão representados os direitos reciprocamente reconhecidos e os procedimentos eleitos
para justificar a intervenção na esfera privada por imposição pública. Assim é que a função do Direito de estabilizar expectativas de comportamento somente acontece mediante o devido processo legal substancial[133]. Pode-se falar em tesão entre o texto constitucional idealizado e a realidade a partir de Habermas[134] mediante o abandono da teoria do dois mundos (metafísica) e mediado pela linguagem, a qual irá operar, nesse escrito, a partir da teoria dos jogos e da noção de guerra.
3. Devido processo legal substancial 3.1. “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (art. 5o, LIV, da CR/88). Essa disposição, ausente nas Constituições anteriores, trouxe o significante para o contexto brasileiro. Entretanto, longe de se buscar a vontade da norma ou a vontade do legislador (discussão para quem desconhece hermenêutica[135]), cabe sublinhar que a história do significante é secular e já presente no art. XI, nº1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem[136]. 3.2. Discute-se sobre o conteúdo do “devido processo legal” , pelo menos, desde a nglaterra de João Sem Terra (1215)[137]. Mais: Não se trata de significante desprovido de história e tradição . Logo, parece abusivo e até ingênuo, como fazem, de regra, os manuais de direito constitucional e processo penal, ao apontar simplesmente que o “devido processo legal é o procedimento estatal para restrição de direitos”. Essa leitura desconsidera toda a discussão histórica e por ela, quem sabe, possa se buscar uma chave de interpretação para o processo penal brasileiro[138]. 3.3. É verdade que não se trata apenas trazer seus postulados. Precisa-se “tropicalizar” o instituto. Não para se adotar a mesma razão abstrata , nem muito menos para termos a construção havida na Inglaterra medieval, depois transposta o atlântico, e desenvolvida nos Estados Unidos da América. Contudo, há evidente diálogo entre tradições e o Direito Continental não pode ser alheio ao que se passou no Direito Anglosaxão, até porque influencia o direito brasileiro [139]. É preciso certa tolerância para que se perceba a dimensão da cláusula do devido processo legal , especialmente o qualificado d e substantivo , construída em mais de 800 anos (substantive due process of law) . Há trajetória de coerência na sua construção, não sendo fórmula desprovida de conteúdo democrático, nem muito menos mera formalidade procedimental. Hoje em dia em face dos ativismos discutidos, bem como as novas formas de controle de constitucionalidade, parece alienado desconsiderar essa contribuição[140]. 3.4. Ainda que rapidamente, cabe dizer que a imposição de cartas aos Reis na Inglaterra – mesmo não se confundindo com a noção moderna de lei – foi o nascedouro do reconhecimento de que os direitos do soberado não eram mais absolutos, a saber, o Rei também se submetia ao regime universal e seu poder não era mais plenopotenciário. A Terceira Carta Confirmatória de Henrique III preconizou: “Nenhum homem livre será detido ou aprisionado ou despojado de seus meios de vida, de suas liberdades, nem de suas usanças livres, nem banido ou exilado, nem de modo algum molestado, e nós também não o atacaremos nem mandaremos alguém atacá-lo, exceto pelo lícito julgamento de seus pares ou
pelo direito da terra.”[141] No ano de 1610, durante o reinado de Jaime I, Sir Edward Coke já indicava a importância, na linha de Locke[142] e sua tríade, ou seja, da garantia da vida, propriedade e liberdade . Aliás, o pensamento contratualista de Locke será fundamental para se compreender que o contrato social não significou a alienação dos direitos inerentes ao sujeito, mas o contrário[143]. Há um resto de liberdade pressuposto da intervenção estatal, a qual não foi, nem pode, ser alienada. É justamente a partir dessa tríade – vida, propriedade e liberdade – que se deve buscar a matriz do significante. [144] A doutrina de Coke foi revigorada com a subscrição da Petition od Right , em 1628, por Carlos I, não se podendo mais: (a) aprisionar sem dizer-se as causas (Decorrente do caso dos Five Knights), b) vedar Habeas Corpus contra atos reais; c) aplicação da lei marcial e aquartelamento em propriedades privadas. Faltavam, entretanto, instrumentos para sua efetivação. 3.5. É incerta na doutrina a recepção do devido processo legal nos EUA. De qualquer sorte a supremacia da Constituição é noção que fundamenta a possibilidade de controle de constitucionalidade. A Constituição de 1791 estabeleceu na 5a Emenda: “Nenhuma pessoa pode ser obrigada a responder por um crime capital ou infamante, salvo por denúncia ou pronúncia de um Grande Júri, exceto em casos que surjam nas forças terrestres ou navais, ou na milícia, quando em serviço ou em tempo de guerra ou de perigo público. Nem se pode sujeitar qualquer pessoa, pelo mesmo crime, a ser submetida duas vezes a julgamento que lhe possa causar a perda da vida ou dano físico; nem será obrigada de forma alguma a depor contra im mesma, nem será privada de sua vida, liberdade ou propriedade, sem o devido processo legal ; nem pode uma propriedade privada ser tomada para uso público sem justa compensação.”
3.6. Apressando o passo – para os fins desse Guia Compacto – cabe apontar que o trajeto não foi o de acolhimento do mérito do produto legislativo. A noção de lei foi revisitada pelo reconhecimento do direito dos Tribunais em controlar a razoabilidade dos atos do poder público (legislativo e executivo) quando violadores dos direitos de vida, propriedade e liberdade[145] , com a extensão da 5a Emenda aos Estados Membros, pela 14a Emenda: “Seção 1. Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos, e sujeitas à sua jurisdição, são cidadãos dos Estados Unidos e do Estado no qual residem. Nenhum stado deve editar ou executar qualquer lei que possa violar os privilégios e imunidades dos cidadãos dos Estados Unidos. Nem pode qualquer Estado privar nenhum pessoa da vida, liberdade ou propriedade sem o devido processo legal; nem recusar a qualquer pessoa na ua jurisdição a igual proteção perante a lei. (...) Seção 5. O Congresso deve ter poderes para
reforçar, por legislação apropriada, as provisões deste artigo.” Abriu-se, com isso, a possibilidade de intervenção do Judiciário Federal nas legislações Estaduais. Em 1803 no julgamento, já nos EUA, MARBURY v. MADISON, sabe-se, o Juiz Marshall apontou a necessidade de contenção do poder Legislativo, a saber, a possibilidade democrática do udicial Rewiew. Muito se poderia discorrer sobre o devido processo legal substancial. Entretanto, o que cabe marcar para os fins desse Guia Compacto é que a tradição expôs diversos momentos, todos fundados na discussão da garantia da vida, propriedade e liberdade contra as ingerências do Poder Público[146]. 3.7. Nesse contexto não se pode depois de 05.10.1988 permanecer-se alheio ao devido
processo legal substancial, até porque há disposição expressa para seu manejo, consoante desponta, por exemplo, do art. 282 do CPP. Na grande maioria dos Manuais e Foros a cláusula é ignorada, como se fosse mero procedimento (aspecto formal). Cuida-se da ampliação da tutela da vida, propriedade e liberdade modulados a partir do Garantismo (Lição 2) e vinculados à tradição t radição democrática[147] democrática[147].. 3.8. O Supremo Tribunal Federal manifestou-se sobre sua aplicabilidade ao campo penal: “O exame da cláusula referente ao “due process of law” permite nela identificar alguns elementos essenciais à sua configuração como expressiva garantia de ordem constitucional, destacando-se, dentre eles, por sua inquestionável importância, as seguintes prerrogativas: (a) direito ao processo (garantia de acesso ao Poder Judiciário); (b) direito à citação e ao conhecimento prévio do teor da acusação ; (c) direito a um julgamento público e célere, sem dilações dilações indevidas ; (d) direito ao contraditório e à plenitude de defesa (direito à autodefesa e à defesa técnica); (e) direito de não ser processado e julgado com base em leis “ex post facto” ; (f) direito à igualdade entre as partes ; (g) direito de não ser processado com undamento em provas revestidas de ilicitude ; (h) direito ao benefício da gratuidade ; (i) direito à observância do princípio do juiz natural ; (j) direito ao silêncio (privilégio contra a auto-incriminação); (l) direito à prova ; e (m) direito de presença e de “participação ativa” os atos de interrogatório judicial dos demais litisconsortes penais passivos, quando existentes.[148]
3.9. A ampliação das garantias contra o arbítrio do Estado [149] [149] é decorrência da compreensão autêntica do devido processo legal substancial[150] substancial [150].. Dialeticamente se analisa, caso a caso, as consequências da ação Estatal a partir dos efeitos sobre a vida , material [151].. propriedade e liberdade do sujeito, tanto na perspectiva formal como material[151] 3.10. Para operacionalizar o devido processo legal substancial se recorre ao princípio s empree ser aquilatado em face da da proporcionalid pr oporcionalidade ade (razoabilidade)[152] , , o qual deve sempr ampliação das esferas individuais da vida, propriedade e liberdade, ou seja, não se pode invocar a proporcionalidade contra o sujeito em nome do coletivo, das intervenções desnecessárias e/ou excessivas. No processo penal, diante do princípio da legalidade, a aplicação deve deve ser s er favoráv favorável el ao acusado e jamais j amais em e m nome nom e da coletividade, coletividade, especialmente especialmen te em matéria probatória e de restrição de direitos fundamentais. 3.11. Não se pode, todavia, cair-se na armadilha da ponderação de princípios , dado que se trata de mero recurso retórico, consoante afirma Daniel Sarmento: “ E a outra face da moeda [do uso desmesurado dos princípios] é o lado do decisiocismo e do ‘oba-oba’. Acontece que muitos juízes, deslumbrados diante dos princípios e da possibilidade de, atráves deles, buscarem justiça – ou o que entendem por justiça -, passaram a negligenciar do seu dever de undamentar a racionalmente os seus julgamentos. Esta ‘euforia’ com os princípios abriu um espaço muito maios para o decesionismo judicial. Um decisionismo travetido sob as vestes do politi pol iticca mente correto, orret o, orgul or gulhh oso de seus jargões ja rgões grandil gra ndiloque oquentes ntes e com a sua retórica retór ica inflama infla mada da,, mas sempre um decisionismo. Os princípios constitucionais, neste quadro, convertem-se em verdaderias ‘varinhas de condão’: com eles, o julgador consegue fazer quase tudo o que quiser.”[153] .”[153] Assim é que a utilização da proporcionalidade, na via do devido processo legal substancial, não pode acontecer contra o sujeito[154] sujeito[154]..
3.12. De qualquer maneira, para aplicação do princípio da proporcionalidade exigese: necessidade , adequação e proporcionalidade ( em sentido estrito). Por necessidade , a partir da intervenção mínima do Estado na esfera privada, proibindo o excesso e privilegiando a alternativa menos gravosa, a qual menos violará os Direitos Fundamentais do afetado (especialmente liberdade[155] liberdade [155] e intimidade[156] intimidade[156])) e poderá gerar efeitos equivalentes[157] equivalentes [157].. Já adequação significa a relação positiva (apta) entre o sej a, o meio empregado empre gado deve deve facilitar facili tar a ob obten tenção ção do fim meio e o fim da medida , ou seja, almejado. Não há sentido em se manter alguém preso cautelarmente se a pena a ser aplicada, ao final, não significar a privação da liberdade: o meio não se relaciona com o fim. E, proporcionalidade em sentido estrito implica em juízo acerca do custo-benefício da medida imposta, isto é, quais os princípios em jogo. Não se trata, como já visto, de mera ponderação. A prevalência dos Direitos Fundamenais, no campo do processo e direito penal, impede juízos em favor da coletividade, dado que invertem a lógica do Estado Democrático de Direito. Dire ito. Assim, não se pode em nome da dita Segurança Coletiva, Coletiva, flexionar flexionar de forma excessiva excessiva e desproporcional, os Direitos D ireitos Fundamentais. Fundament ais. 3.13. Aqui também deve-se invocar, desde outra tradição, a dupla face dos Direitos Fundamentais, ou seja, a possibilidade de se analisar, no contexto do devido processo legal substancial, tanto o excesso de proibição , como a proteção deficiente deficiente.[158]
4. A Presunção de d e Inocência 4.1. Santo Agostinho narra, em suas “Confissões” [159] , , algo que pode situar sit uar o Alí pio, pois, passea pa sseava va diante dia nte do tribunal tribuna l , diálogo a partir das desventuras de Alípio: “ Alípio, sozinho, com as tábuas e o estilete, quando um jovem estudante, o verdadeiro ladrão, levando escondido um machado, sem que Alípio o percebesse, entrou pelas grades que rodeiam a rua dos banqueiros, e se pôs a cortar o seu chumbo. Ao ruído dos golpes, os banqueiros que estavam embaixo alvoraçaram-se, e chamaram gente para prender o ladrão, fosse quem fosse. Mas este, ouvindo o vozerio, fugiu depressa, abandonando o machado para não ser preso com ele. Ora, lípio, que não o vira entrar, viu sair e fugir precipitadamente. Curioso, porém, saber a causa, entrou no no lugar l ugar.. Encontrou Encontrou o macha machado do e se pôs, admirado, admira do, a examiná-l exa miná-lo. o. Bem nessa hora h ora chegam os guardas dos banqueiros, e o surpreendem sozinho, empunhando o machado, a cujos golpes, alarmados, haviam acudido. Prendem-no, levam-no, e gloriam-se diante dos inquilinos do fato por ter a panha pa nhado do o l a drão drã o em e m fla fl a grante, gra nte, e já j á o ia i a m entregar entrega r aos a os rigores rigore s da justiç justi ça .” Onde fica a presunção de inocência na prisão em flagrante? Existe, de fato, processo penal nesses casos? Tudo não passa de um jogo de cena? Enfim, até que ponto a “Inocência” pode ser levada? Como isto funciona depois de mais de 20 anos de Constituição? Articular a resposta parece ser o desafio[160] desafio [160].. 4.2. Presumir a inocência, no n o registro do Código Código de Processo Penal em vigor, igor, é tarefa t arefa hercúlea, talvez impossível, justamente pela manutenção da mentalidade inquisitória. A “Presunção de Inocência”, embora com alguns antecedentes históricos, encontrou reconhecimento na Declaração dos Direitos do Homem, em 1789, seu marco ocidental, segundo o qual se presume a inocência do acusado até prova em contrário reconhecida
em sentença condenatória definitiva [161]. Nesse sentido a Constituição da Republica – inguém será considerado onsiderado culpa culpado do até o trânsito trâ nsito em CR, em seu art. 5o, inciso LVII, dispôs: “ N inguém ulgado de sentença penal condenatória. ” Mesmo que se possa exclusivamente discutir a compatibilidade deste dispositivo com a prisão cautelar, no caso, pretende-se seguir outro caminho não excludente: o de entender qual o motivo porque, desde a matriz, o pensamento está condicionado pelo modelo de pensar inquisitório, incompatível com a Constituição, lendo sua aplicabilidade via teoria dos jogos . 4.3. No que interessa para esse Guia Compacto , cab cabee relev rele var que o processo proces so penal, penal , como garantia, precisa ser levado a sério, sob pena de se continuar a tratar a “Inocência” como figura decorativo-retórica de uma democracia em constante construção e que aplica, ainda, processo penal do medievo, cujos efeitos nefastos se mostram todos os dias[162] dias[162].. Por isso é necessário mudar as coordenadas em que se analisa a lógica do processo, o papel do julgador e de cada julgador, especialmente no que toca à prisão cautelar, via teoria dos jogos . 4.4. Dito isso, de se relembrar que o direito ao devido processo legal substancial é a única garantia à defesa efetiva. E, conforme a nova sistemática processual determina, a prisão cautelar apenas se mantém em caso de extrema necessidade (CPP, art. 282, § 6º, CPP), de que se pode inferir a própria exigência do “periculum libertatis”. Nesse sentido vale destacar: “Trata-se de habeas corpus contra decisão proferida pelo tribunal a quo que proveu o recurso do MP, MP, revogando revoga ndo o rel re l a xamento xa mento da prisão prisã o cautela cautel a r por entender que a a usência de advogado na lavratura do auto de prisão em flagrante não enseja nulidade do ato. Alegam os impetrantes não haver h aver justificativa justificativa para a mantença mantença do paciente paciente sob custód custódia, ia, uma vez que, após efetuada a prisão, foi-lhe negado o direito de comunicar-se com seu advogado, o que geraria sim nulidade na lavratura do auto de prisão. Além disso, sustentam inexistirem os pressupostos autorizadores da prisão preventiva. A Turma, ao prosseguir o julgamento, concedeu parcialmente a ordem pelos fundamentos, entre outros, de que a jurisprudência do STF, bem como a do STJ, é reiterada no sentido de que , que , sem que se caracterize situação de real necessidade, não se legitima legitima a privação pr ivação cautelar da liberdade individua individuall do indiciado indiciado ou do réu r éu . Ausentes razões
de necessidade, revela-se incabível, ante a sua excepcionalidade, a decretação ou a subsistência da prisão prisã o ca utela utel a r. Ressal Ressa l tou-se que a privaç priva çã o ca utela utel a r da l iberdade iberda de individua indivi duall reveste-se revest e-se de caráter excepcional, sendo, portanto, inadmissível que a finalidade da custódia provisória, independentemente de qual a sua modalidade, seja deturpada a ponto de configurar antecipação do cumprimento da pena . Com efeito, o princípio constitucional da presunção de inocência se, por um lado, não foi violado diante da previsão no nosso ordenamento jurídico das prisões prisõ es ca utela utel a res, por outro não nã o permite permi te que o Estado Esta do trate tra te como culpa ul pado do a quel e que não nã o sofreu sofr eu condenação penal transitada em julgado. Dessa forma, a privação cautelar do direito de locomoção deve-se basear em fundamento concreto que justifique sua real necessidade. Desse modo, não obstante o tribunal de origem ter agido com acerto ao declarar a legalidade da prisão em flagrante, assim não procedeu ao manter a custódia do paciente sem apresentar qualquer motivação sobre a presença dos requisitos ensejadores da prisão preventiva, mormente quando suas condições pessoais o favorecem, pois é primário e possui ocupação lícita. Precedentes citados do STF: HC 98.821-CE, DJe 16/4/2010; do STJ: HC 22.626-SP, DJ 3/2/2003.” (STJ, HC 155.665,
rela. Min. Laurita Vaz,). 4.5. Conta Warat que se todos acreditassem, piamente, em Papai Noel, na noite de 24 de dezembro não haveria presentes a se distribuir. Há necessidade de que pelo menos um saiba do embuste, do mito, da farsa, para que ele possa fazer sentido. Todos menos um precisa saber que há um furo na totalidade natalina. Para além do velho Noel algo rateia. Na presunção de inocência inautêntica do Sistema Inquisitório também. Não se pode ficar como os mocinhos dos filmes, um segundo antes do tiro fatal, sob pena de se manter, por exemplo, a prisão cautelar do curioso Alípio, cuja versão em seu interrogatório, por certo, seria considerada fantasiosa. A pergunta inocente é: fantasia de quem? 4.6. Daí que a presunção de inocência deve ser colocada como o significante primeiro, pelo qual, independemente de prisão em flagrante, o acusado inicia o jogo absolvido. A derrubada da muralha da inocência é função do jogador acusador. Aqui descabem presunções[163] de culpabilidade. O processo, como jogo, deverá apontar pelas informações obtidas no seu decorrer, a comprovação da hipótese acusatória, obtida por decisão judicial fundamentada.
Capítulo 4°
Para um Processo Penal Democrático
1. Nova leitura do Processo Penal: o discurso da eficiência 1.1. O modo de produção capitalista foi o pano de fundo da Criminologia Crítica do final do século passado e precisa, talvez, de uma atualização decorrente da mudança de paradigma econômico, a saber, depois da proeminência do Neoliberalismo é necessário (re)pensar as coordenadas de um saber que não pode responder mais aos sistemas binários em que Estado versus indivíduo aparecem em posições antagônicas. Nos dois extremos encontravam-se o projeto liberal de extensão de direitos e garantais individuais e, de outro, uma perspectiva coletiva em que a compreensão é coletivizada, flexionada, tudo em nome do interesse coletivo. Logo, em ambos pólos há uma tensão entre a efetivação dos direitos e garantias individuais . A novidade é o surgimento do discurso da eficiência , manipulado pelo critério do custo benefício, articulado pelo discurso da Análise Econômica do Direito. Nesse contexto, convida-se para cena um novo e sedutor protagonista: o Mercado[164] e sua aparente autonomia ideologicamente provida de um “pensamento único”[165]. Dito de outra forma: como a estrutura econômica promove um giro na compreensão do Direito e Processo Penal, não mais situado na tensão SujeitoEstado, mas garantidor da estabilidade econômica e da possível previsibilidade do Sistema. O crime como componente da realidade passa a ser um mero elemento contábil do “custo país”, sem que os dilemas modernos tenham mais a relevância de antes[166]. A eficiência , agora, é medida por meio de resultados economicamente mais vantajosos. 1.2. Desta forma, há uma tendência rumo ao Direito Penal do Inimigo[167] , baseado no fomento de um “perigosismo generalizado” impregnado no imaginário coletivo que demanda, assim, por segurança. Abre-se caminho para que Jakobs, fundamentado retoricamente no contrato social possa defender que o ‘inimigo’ seria aquele que rompeu com as regras contraídas, justificando a visão de não-membro e, por via de consequência, a intervenção penal busca evitar os perigos que ele representa, podendo, assim, o Estado restringir para o ‘inimigo’ as normas – garantias – conferidas ao cidadão. A Defesa Social e o direito penal do autor retornam, sob nova fachada. Estabelecida a distinção entre entre “cidadão” e “inimigo”, para estes, na defesa dos bons cidadãos, deve-se, para Jakobs, restringir as garantias penais e processuais, por isso ‘Direito Penal do Inimigo’. Qualquer aproximação, pois, com os discursos da ‘Lei e Ordem’ não é mera coincidência, dado que reeditam a necessidade de Defesa Social redefinindo os tipos penais para difusos bens coletivos, cuja densidade se mostra epistemologicamente impossível[168] , embora sejam eficientes do ponto de vista da Análise Econômica do Direito . A distinção
entre inimigo e cidadão, contudo, é dada a priori e, como tal, não se sustenta, pois categoriza, por qualidades etiquetadas socialmente, o grau que o sujeito pode usufruir na sociedade. Apresenta-se como uma tarifação da cidadania, a qual exclui, de antemão, todos os que se apresentam, de alguma maneira, envolvidos pelo sistema de controle social. Desde o batizado no sistema, com novos sentidos da velha “periculosidade” da Escola Positiva, surgem tarifações onde a dignidade da pessoa humana não tolera [169]. Enfim, não se mostra possível dentro de uma perspectiva democrática a adoção de discurso que module a cidadania ou mesmo promova restrições aos Direitos Fundamentais (pois Direito Penal e Processo Penal são Direitos Fundamentais) [170]. 1.3. Segue-se, assim, um movimento que se pode chamar de “NeoPenalismo”. Isto porque o estabelecimento da Criminologia como campo de estudo do sujeito humano guarda vinculação direta com o paradigma da Modernidade e do modelo de sujeito que lhe informa. De um lado se construiu uma análise baseada nas características internas do sujeito - paradigma etiológico -, no qual as causas intrínsecas eram vasculhadas e poderiam ser verificadas e tratadas, via pena. Por outro lado, diante das observações sociológicas, principalmente da denominada Criminologia Crítica, as condições do meio em que o sujeito se encontrava passaram a ganhar força. Surgiu, assim, a compreensão da incidência de criminalizações (primária e secundária), pelas quais o sujeito-foco do Sistema Penal é selecionado e etiquetado. Tudo isto até a última década do século passado guardava muito sentido. Atualmente o foco modificou-se justamente porque o modelo de sujeito e de seu vínculo social restaram alterados, fundamentalmente, pelo giro econômico operado pelo Neoliberalismo. Não se trata aqui de reiterar o que foi dito pela Criminologia Radical, nem de demonstrar que a existência de classes opera selecionando os “criminosos”. A pretensão é a de apontar a superação dessas distinções no mundo globalizado, de risco, em que o discurso único do Mercado transforma os sujeitos (ricos e pobres) em sujeitos descartáveis. Sujeitos Mercado-De(sa)gradáveis, simples mercadorias de consumo do Processo Penal do Espetáculo. Parece, assim, que a aplicação das categorias da Criminologia Crítica, embora possa explicar parcela significativa da criminalização dos tipos penais e, principalmente, como o Sistema opera na proteção da propriedade privada e do contrato, com a sofisticação do discurso Neoliberal, pode procurar nova forma de compreensão. 1.4. O Proprietário do Século XXI é difuso, ou seja, não é uma categoria estabelecida por uma classe social específica, basicamente porque (i) o “crime” passou a ser um produto e, (ii) a propriedade que interessa não é mais de um sujeito, mas de estrututuras econômicas. A fusão de horizontes destes condicionantes gera, no seu cúmulo, um curtocircuito nas categorias criminológicas. Ainda que se possa falar em sujeito criminoso, em processo de criminalização, no eterno dilema das causas, no paradigma Neoliberal, justamente pelo câmbio epistemológico operado (da relação causa-efeito para a ação eficiente), a intervenção penal se situa na contenção dos efeitos das ações individuais ao menor custo. Não se trata de “recuperar”, nem de “punir”. A intervenção busca manter as regras do jogo formal do Mercado, pouco importando o que se passa com os sujeitos. Eles são convocados a fazer a máquina funcionar... Por isto pode ser dito que houve uma
superação das categorias da Criminologia. Para se entender o que se passa, atualmente, não basta conhecer o que as Escolas preconizam; é preciso entender que o Estado, entendido desde Weber como o titular indelegável do poder de punir, passou uma procuração aos entes privados, ou seja, foi vendido no mercado de ilusões. A prisão virou mercadoria, trocada, claro, por seu valor de face, com direito a ações na Bolsa de Valores. Ferrajoli é preciso ao dizer que: “ Infelizmente, a ilusão panjudicialista ressurgiu em nossos tempos por meio da concepção do direito e do processo penal como remédios ao mesmo tempo exclusivos e exaustivos para toda infração da ordem social, desde a grande criminalidade ligada a degenerações endêmicas e estruturais do tecido civil e do sistema político até as transgressões mais minúsculas das inumeráveis leis que são cada vez mais frequentemente sancionadas penalmente, por causa da conhecida inefetividade dos controles e das sanções não penais. Resulta disso um papel de suplência geral da função judicial em relação a todas as outras funções do stado – das funções política e de governo às administrativas e disciplinares – e um aumento completamente anormal da quantidade dos assuntos penais .”[171] 1.5. Ao mesmo tempo em que houve recrudescimento do Sistema de Controle Social pelo agigantamento do Sistema Penal[172] , percebeu-se que haveria avalanche de processos, cujos custos eram inviáveis. Assim é que a flexibilização do processo, mediante “informalização” e “eficiência”, com a imediata redução dos custos, pode ser verificada nos Juizados Especiais que são equipados com para-juízes , ou seja, muita gente de boa vontade, mas que não responde ao mínimo de garantias que o sujeito processado faz jus, democraticamente. Guardadas as devidas proporções, houve a introdução da lógica anglo-saxã do plea guilty/ not guilty , pelo acolhimento imediato da sanção, Contudo, no modelo americano, sem verdade substancializada, negocia-se sobre o enquadramento jurídico da conduta, sobre o período da prisão, bem assim sobre os custos do julgamento[173]. Assim, tendo por fundamento lógica diversa, abre-se espaço de transação para além da pena, por envolver a própria definição jurídica dos fatos. E a introdução disto se deu com a transação penal no âmbito dos Juizados Especiais Criminais[174]. 1.6. Não se trata de reconhecer que a tradição Continental é melhor ou pior, dado que esta discussão é inoperante. O que importa é que as tradições implicam em práticas e modos de pensar diferenciados. Ainda que não dito, muitas das reformas recentes no ordenamento se deram pela fusão equivocada e irrefletida de tradições jurídicas, trazendo-se, não raro, institutos estranhos ao Direito Continental. Esse comércio de institutos do direito anglo-saxão, todavia, não acontece sem o estabelecimento de uma tensão decorrente da diferença de tradições filosóficas, isto é, de matriz causa-efeito, parte-se, sem muita aproximação, ao panorama pragmático, no qual a eficiência prepondera. Nessa perspectiva de diálogo entre tradições diversas é que surgem possíveis justificações teóricas para, dentre outras reformas [175] , a (i) sumarização e aceleração[176] de procedimentos; (ii) mitigação da obrigatoriedade da ação penal; (iii) possibilidade de negociação monetária (conciliação) e inclusão equivocada da vítima no processo penal[177]; (iv) suspensão condicional do processo; (v) aplicação de discursos consequencialistas no campo do direito e processo penal; (vi) discussão sobre os custos
do processo e da pena; (vii) restrição recursal. 1.7. O que se precisa superar, de alguma forma, é a compreensão de que o Sistema de Controle Social dará conta dos problemas gerados pela alteração do modo de produção, bem como do discurso expansionista do Direito Penal e de flexibilização das garantias processuais. É necessário superar o que se pode chamar de “Processo Penal do Espetáculo”, movido pela junção equivocada e iludida de esforços. De um lado a Esquerda Punitiva (Karam) e de outro a Direita de sempre, defendendo cinicamente os valores da sociedade. O resultado disto é a evidência de uma vontade de punir que precisa, sempre, de novos protagonistas. O produto crime interessa, ainda mais quando um “graúdo” passa a ser o acusado, pois relegitima todo o Sistema. A discussão da segurança pública no contexto democrático precisa rever alguns conceitos que não passaram pela oxigenação democrática advinda da Constituição da República de 1988 e que continuam fazendo vítimas. Não se trata, como querem alguns, de enjeitar todo o Direito Penal, cuja importância simbólica de limite precisa ser reiterada, nem de o endeusar como a salvação das mazelas sociais. Cuida-se, sim, de responder adequadamente ao conclame democrático de um direito penal que respeite os Direitos Fundamentais, a partir da tão falada e pouco compreendida “dignidade da pessoa humana”. Somente assim pode-se buscar reconstruir a cidadania brasileira, nesta luta de mais de vinte anos de Constituição. 1.8. A compreensão do Direito em disciplinas com fronteiras bem definidas não se sustenta no contexto atual. Não há mais sentido em que estudar a Criminologia dissociada do que se passa no Direito Penal, bem assim com os influxos que isto apresenta no Processo Penal e do modo de produção Neoliberal. É preciso, assim, que o enfrentamento da questão genericamente englobada no campo penal possa se dar aberta para um diálogo que não se superponha, mas não se acredite desprovido de vínculos com os demais saberes. Essa ausência de diálogo entre os saberes compostos de disciplinas implica hoje na ausência de coerência entre os temas debatidos nos respectivos locais. Não significa, claro, que se deva buscar a uniformização do ensino jurídico penal. O que se deve ter em consideração é que o conteúdo ministrado em Criminologia pode facilitar/complicar a compreensão do Direito e do Processo Penal e vice-versa. 1.9. Até porque a representação Simbólica compartilhada da noção de Estado perdeu seu caráter de Referência, ou seja, não se trata mais de um centro, sob o qual giram as demais instituições[178] e pessoas, pois o centro – Estado – foi deslocado e não substituído pelo Mercado, justamente porque suas características, fundadas na liberdade extremada, sem regras, impede qualquer autoridade central[179]. Sem ela, já se sabe, não há limite. E sem limites, não há ilícito, nem ética que se sustente no espaço público. Por isto Boaventura de Souza Santos dirá: “ A erosão da soberania do Estado acarreta consigo, nas áreas em que ocorre, a erosão do protagonismo do poder judicial na garantia do controle da legalidade. ”[180] Acrescente-se, de outro vértice, que a fusão “forçada” de tradições jurídicas incrementa esta perda de referentes. A doutrina e jurisprudência de países estrangeiros, acompanhada dos órgãos internacionais, passam a influenciar, cada vez mais, a hermenêutica interna. Os protagonistas do processo decisório se valem de
argumentos expendidos noutras tradições para decidir temas internos. A internet e as facilidades de pesquisa atuais, acrescidas da difusão acadêmica de algumas teorias, fornecem os meios para que sejam convocadas construções de outras tradições para compor o sentido interno. De um lado há atitude complementar e, por outro, subversão da ordem posta pela inserção de pressupostos filosóficos distintos, como é o caso da Law and Economics. Assim é que nesse espaço paradoxal, pois, resta apontar para o limite, darse conta do que se passa e, de alguma forma, resistir. 1.10. O que se pode fazer diante deste quadro, desde o ensino jurídico? Não se possui, nem se pode, apresentar receituário pronto. O espaço da sala de aula precisa ser problematizado com os diversos matizes ideológicos, justamente para propiciar uma escolha por parte do acadêmico e não mera adesão irrefletida a posição dada. Um dos dilemas atuais do ensino do Direito é relegitimar a característica do sujeito , isto é, a capacidade de analisar, refletir e escolher, com a responsabilidade daí advinda . Especialmente no contexto atual em que houve significativa mutação em que resta pouco lugar à reflexão e, principalmente, pela assunção de responsabilidades. Há sempre um sujeito implicado nas escolhas e não se pode mais aceitar puro normativismo de aplicação neutra[181] da norma jurídica, como se a aplicação aparentemente legal desresponsabilizasse o sujeito por sua compreensão (autêntica ou não). Esse dilema contemporâneo implica em sublinhar a necessidade de que o sujeito ao enunciar uma proposição - se há enunciação e não mero despejar de enunciados - possa lembrar-se de sua categoria de sujeito e não de mero aplicador universal da norma. Esse é o desafio de um ensino jurídico que ao mesmo tempo que dialogue com a crítica não perca de vista o caráter operacional do discurso jurídico. Enfim, a construção de uma dogmática crítica e não alienada parece ser o pressuposto da visão unitária do Direito Penal. Nesta visão, pois, os saberes de intercruzam, relacionam-se, inexistindo feudos teóricos. De qualquer forma, para o Processo Penal Eficiente desprovido de garantias, deve-se dizer: não, obrigado. 1.10. Se a Constituição , de fato, possui este papel de protagonismo , o desenho do Direito e do Processo Penal deveria guiar-se por suas disposições. Entretanto, o senso comum teórico[182] permaneceu, no pós 88, manietado pelo discurso dos Código Penal e Processual Penal editados anterioremente, a saber: leu-se a Constituição pelo Código Penal e Processual Penal, quando, na verdade deveria ser justamente o contrário. Apegados à legalidade mal-entendida, ou seja, a um legalismo pedestre, estes campos do Direito não fizeram a devida oxigenação constitucional . Cabe dizer, também, que a Constituição, como documento histórico e fruto de um acirrado processo legislativo, apresenta em seu corpo forte conteúdo punitivo[183]. Isto não pode ser desconsiderado, tanto que ela criou a denominação de crimes hediondos, restringindo direitos e garantias, mas nem por isto aceitou o Direito Penal do Inimigo. É da leitura da Constituição como unidade (contraditória) e seus reflexos no discurso infraconstitucional que se pode aquilatar o baixo grau de eficácia dos Direitos Fundamentais, desde que entendida na tradição do devido processo legal substantivo e da teoria dos jogos. Não se pretende reconstruir as discussões sobre Jurisdição, Ação e Processo. A ideia
deste momento é reiterar noções absolutamente necessárias ao encadeamento da compreensão de processo como tarefa democrática inafastável. Essa compreensão, por sua vez, não se aproxima, em nada, da rançosa visão explicada a partir de uma impossível Teoria Geral do Processo . É preciso, pelo menos, superar Dinamarco em favor de Fazzalari, lido pela teoria dos jogos . 1.11. O lugar e a função do processo no Brasil ainda se encontra escorada em concepção ultrapassada, solo fértil para a aceitação acrítica dos modelos totalizadores do Direito e do Processo Penal. Talvez possa o Processo Penal Democrático se constituir como verdadeiro limite democrático. Buscando-se dialogar com a obra de Fazzalari serão trazidos aportes de outros discursos justamente na pretensão de tornar o processo penal brasileiro a tarefa democrática inafastável. Rompendo-se com os “escopos” hegemônicos, aponta-se para uma nova maneira de o entender, no qual o contraditório passa a ser a pedra de toque. As reflexões que seguem, pois, estão por aí, abertas ao diálogo daqueles que se encontram, de certa forma, incomodados pela maneira exclusivamente metodológica – com fundamento ideológico – do processo. O processo penal, entendido como jogo democrático, é o único lugar para verificação das condutas penais [184]. Por isso há necessidade de informações adequadas para que a decisão possa acontecer, até porque superada a Verdade Real. 1.12. A denominada Verdade Real é mito sedutor, conveniente e ilusório . É a fraude pela qual os envolvidos acreditam que, mediante alguns depoimentos e provas (informações), podem reconstruir os fatos tal como se deram. O acontecimento do passado é trazido ao presente com a força de um replay. Entretanto, nem o replay consegue mostrar o acontecimento por vários ângulos. Ainda que se tenham várias câmeras de televisão, por exemplo, em um jogo de futebol, algo escapa. Mas a verdade real engana e funciona como mecanismo retórico para que se aceitem práticas inquisitórias e autoritárias . Além disso, faz com que o julgador possa dormir o “sono dos justos”, não fosse esse o sono do iludido. Inexistem condições de se reconstruir o passado. O que há, no processo penal, no momento da decisão, é acertamento temporal de discursos (fusão de horizontes), nos quais deverão ser fundados na tradição democrática e serão sempre da ordem do parcial , do contingente.
2. Jurisdição revisitada: o lugar do julgador 2.1. As discussões sobre o conceito de Jurisdição são ainda vivas[185]. Roman Borges faz o histórico das querelas envolvendo o conceito, lembrando com Chiovenda que a Jurisdição “é o poder de aplicar a lei aos casos concretos de forma vinculante e cogente ”[186] , materializada pela coisa julgada[187]. A Jurisdição , assim, está ligada indissociavelmente ao poder[188]. De qualquer forma, na perspectiva de se construir a alteridade (Dussel), a urisdição precisa se aproximar de La Boétie e sua proposta de amizade. Lido a partir da psicanálise , o submetimento à Jurisdição decorre do desejo de onipotência, de tirania, que aviva em cada sujeito[189]. Roman Borges sustenta que se “ pode concluir com La Boétie que o poder de um só sobre os outros foi dado ao tirano por nosso desejo de sermos tiranos também.
lém disso, o autor acrescenta que esse desejo de ser tirano vem do desejo de ser proprietário, de ter bens e riquezas e, portanto, do desprezo que temos pela liberdade. ”[190] Então, o argumento de La Boétie de que não existe fundamento em se submeter incondicionalmente a um senhor, sem garantias de que será bom ou mau [191] , por não possuir limites, pode ser explicado. Não se trata de encantamento ou de feitiço, mas de desejo de ser igual (onipotente), esperando que, no futuro, detenha-se (todo) o poder [192] (Pai da Horda). Sua perplexidade diante da ‘servidão voluntária’, naturalizada – introjetada – e perseguida pela população, na lógica do poder e do senhor, impõe uma postura diversa frente ao poder da opressão, rompendo com a base de servidão[193] , ou seja: “Nos reconheçamos uns aos outros como companheiros, ou antes, como irmãos. (...) Para que cada qual pudesse mirar-se e como que reconhecer-se um no outro .”[194] Miranda Coutinho lembra que: “Etienne de La Boétie tinha razão: obedecemos a vontade de um porque queremos ser que nem ele, ou seja, tiranos. Rei morto, rei posto: e viva o Rei! Bastaria, contudo, diz o próprio La Boétie, não dar o que ele quer para a casa vir abaixo, ou seja, não dar a ele nossa razão (que é só imagens) e nossa liberdade, isto é, nosso desejo de posse e poder. ”[195] A partir deste reconhecimento entre iguais, a ‘servidão voluntária’ deixaria de ter fundamento, já que ela foi construída. Ao invés de ser naturalizada[196] , deve-se resgatar o fundamento de liberdade e a obrigação de a defender, precisando-se, de qualquer maneira, desalienar os sujeitos, porque “do gosto da liberdade, de como é doce, nada sabes .”[197] Roman Borges conclui: “ Com isso, La Boétie quis dizer que a única forma de se derrubar a tirania é não consentir com a servidão, não dar o tirano mais do que lhe é devido. ”[198] Esse conteúdo da Jurisdição com amizade (La Boétie), portanto, constitui-se como condição de possibilidade da instrumentalização da factibilizçaão do fair play no processo penal entendido como jogo . 2.2. Além disso, pode-se dizer que a noção contratualista e civilista de Jurisdição como substituição da vontade privada, no campo do direito penal, não se sustenta. O monopólio penal é do Estado e não pode ser delegado. Daí que não há sentido em se invocar a noção contratualista, apontando Roman Borges que a Jurisdição no processo penal “tem como finalidade o acertamento irrevogável dos chamados casos penais, isto é, das situações de dúvida quanto à aplicação ou não da sanção penal.”[199] Em face do monopólio do Estado na imposição de penas, somente o Estado Juiz pode reconhecer responsabilidade penal, impor sanções, analisar as questões, sem possibilidade de sua reabertura eterna, mediante a fixação da coisa julgada. Vale dizer: julgado o caso penal, salvo na hipótese de retomada pela defesa em Revisão Criminal, a porta da acusação resta fechada. 2.3.. Em resumo: A intervenção e fundamento da Juridição Penal é o mesmo da guerra, a saber, exclusivamente político, com o fim de sustentar o controle social e suas práticas (des)nomalizadoras, acertando discursivamente, por decisão judicial, as condutas criminalizadas[200]. 2.4. Pode-se indicar, com Miranda Coutinho [201] , que os princípios da Jurisdição – mesmo que genericamente – são: (a) Princípio da Imparcialidade : o Juiz ignora os fatos, mas não é neutro , já que possui suas conotações políticas, religiosas, ideológicas, etc.., mas deve ser imparcial:
afastamento subjetivo dos jogadores e do objeto da ação penal. Os jogadores poderão impugnar o julgador por exceção de suspeição/impedimento (CPP, art. 95 e sgts). Para garantir a imparcialidade (objetiva e subjetiva), o CPP indica que o julgador e o Ministério Público (CPP, art. 258, STJ, Súmula n. 234) não podem ser impedidos (CPP, art. 252-253) e/ou suspeitos (CPP, art. 254). Anote-se que a intervenção de um impedido exclui a dos demais. Por exemplo, se o defensor atuou no APF ou no IP, ele exclui o Julgador e vice-versa. Entretanto, ainda que um dos envolvidos no processo (jogadores ou acusado) injurie ou promova qualquer ato com a finalidade de criar a suspeição, tal jogada será considerada ilegal, não excluindo o julgador (CPP, art. 256). Estendem-se as hipóteses de impedimento e suspeição aos servidores e auxiliares da Justiça (CPP, art. 274). Difunde-se que a autoridade policial (Delegado de Polícia), por exercer atividade meramente administrativa, não sofreria as limitações previstas no CPP. Contudo, pensar assim é desconhecer que no devido processo legal substancial a intervenção do Estado não pode se dar de maneira pessoal por força dos princípios da administração pública (CR, art. 37), em especial o da impessoalidade. Há, pois, extensão das causas de impedimento, por analogia, à fase pré-processual. (b) Princípio do Juiz Natural: Conquista democrática, o Juiz Natural busca evitar o Juiz de ocasião. Ferrajoli atribui ao princípio do juiz natural três significados distintos, embora correlatos: (i) juiz pré-constituído pela lei e não concebido após o fato; (ii) impossibilidade de derrogação e indisponibilidade de competência; e, (iii) proibição de juízes extraordinários e especiais. Assim é que não se podem criar juízos de ocasião, devendo-se analisar a competência em face dos juízos existentes no momento da imputação. Na tradição constitucional brasileira (CR, art. 5º, LIII), o princípio do juiz natural emprega dupla finalidade, proibindo tribunais de exceção e não consentindo com a transferência da competência para outro tribunal (avocação)[202]. É aquele previsto por Lei em sentido estrito, antes do fato imputado, não se podendo o alterar posteriormente. Por fim, cabe sublinhar que o Princípio da Identidade Física do Juiz foi reconhecido no CPP, a saber, o que presidir a audiência de instrução e julgamento deverá proferir a decisão (CPP, art. 399, §2º). (c) Princípio da Indeclinibilidade : Não pode o julgador, depois de fixada a sua competência, determinar a prorrogação e/ou a delegação da competência. O Estado Julgador não pode declinar aos particulares o acertamento do caso penal. Isto é, a decisão de mérito, absolutória (CPP, art. 386) ou condenatória (CPP, art. 387), não pode ser delegada a terceiro[203]. (d) Princípio da Inércia da Jurisdição : Se no jogo não houver juiz, os lugares são indistintos. Não se pode confundir o papel do julgador com o dos jogadores. As decisões do julgador estão vinculadas às jogadas. Não pode ele, assim, tomar um lugar que não é seu, cabendo-lhe garantir o fair play , isto é, o jogo limpo (CPP, art. 251). A Constituição da República desenha Instituições (Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria e Advocacia) com atribuições específicas. Assumir a função processual que não é sua vicia o jogo. Na condução da partida processual deve o julgador evitar procrastinações e jogadas ilegais, advertindo os jogadores e declarando nulas as jogadas ilegais . Enfim,
cabe-lhe garantir direitos processuais, sem participação na gestão da prova ou em nome da ilusória Verdade Real . Diversas disposições do CPP não foram recepcionadas pela CR/88 e disposições das reformas parciais são inconstitucionais. Exemplificativamente indicam-se: a impossibilidade de (i) iniciar a ação penal de ofício; (ii) promover diligências não requeridas pelas partes; (iii) formular perguntas às testemunhas/informantes (CPP, art. 212); (iv) condenar sem requerimento (CPP, art. 385); (v) modificar a imputação penal de ofício, salvo no limite da leitura conforme a Constituição (CPP, arts. 383-384); (vi) não aceitar o arquivamento (CPP, art. 28), (vii) decretar prisão sem requerimento do jogador acusador (CPP, art. 310); (viii) recorrer de ofício (CPP, art. 574), dentre outros dispositivos.
3. Ação: nova leitura 3.1. É impossível, aqui, retomar-se o questionamento sobre a ação[204] , bem como adentrar-se no exame de sua autonomia em face do direito (dito) objetivo. Reconhece-se, contudo, sua densidade[205]. A polêmica sobre a actio (Windsheid e Muther), sobre a caráter abstrato ou concreto do direito de ação no campo penal, diante do princípio da legalidade , perdeu grande parte da importância teórica. Isso porque o exercício da ação penal depende da (a) denúncia/queixa apta; (b) pressupostos e condições da ação – legitimidade e interesse -, e (c) análise de sua justa causa[206] e sua tipicidade aparente . 3.2. Para o recebimento da ação penal é necessária a existência de tipicidade aparente , a saber, a conduta descrita na denúncia deve corresponder, pelo menos em tese, ao tipo penal indicado. Isso porque não se pode acolher no campo do processo penal o excesso de acusação , bem assim a instauração de ação penal – mesmo para fins de suspensão condicional do processo – com base em provas inservíveis constitucionalmente. Miranda Coutinho[207] já apontava a necessidade de se evitar o abuso de acusação via controle jurisdicional, por oportunidade do recebimento da denúncia. Nunes da Silveira[208] produziu monografia na mesma linha: “A tipicidade penal, em relação ao meritum causae, deve ser vista através da diferenciação entre a tipicidade aparente (condição da ação) e a tipicidade (matéria de mérito), ou seja, a primeira, condição da ação penal, refere-se à demonstração, pelo autor, de que os fatos imputados gozam, aparentemente , de credibilidade tal, a ponto de serem considerados típicos, e a segunda (a tipicidade), em qualquer momento que seja perquirida – no recebimento da inicial, ou ao final da instrução processual -, ensejará uma decisão de mérito, com análise profunda do material probatório.” A razão disso se mostra evidenciada: evitar a instauração de ação penal em face de condutas que embora possam ser reprováveis do ponto de vista coletivo, no campo penal carecem de tipicidade ou possuem excesso de capitulação. Silva Jardim[209] sustenta que “na verdade, não são elas condições para a existência do direito de ação, que, por ser abstrato, existirá sempre, mas sim condições para o seu regular exercício. A falta de uma destas condições nos remete à teoria do abuso do direito de ação e não poderá, logicamente, admitir a sua existência.“ Desta maneira, no momento do recebimento da ação penal é necessária a verificação da parametricidade entre a imputação da denúncia e a descrição fática analisada em face
dos elementos probatórios justificadores da ocorrência de justa causa. Não se pode falar genericamente no direito ilimitado de acusar, dado que isso significaria abuso de direito[210] , especialmente no mundo de escassez de recursos , no qual se deve verificar o trade-off da ação proposta. Dito de outra forma: o Direito de Ação abstrato do Estado não se confunde com as condições para o exercício . Pretende-se deslocar a teoria vigente da ação para se demonstrar que o exercício da ação deve levar em conta o cenário e o contexto em que a ação é proposta, tanto em relação ao direito penal quanto à capacidade de assimilação da unidade jurisdicional, especialmente porque se pensa a partir da teoria dos jogos. 3.3. Como a Jurisdição não pode atuar de ofício, o jogador-acusador é o único que pode começar uma guerra , via ação penal. E para isso ele deve saber necessariamente o que pretende e qual a estratégia processual para obter êxito. O processo penal é atividade direcionada a um fim ! Não pode ser apenas uma lógica de reprodução de denúncias/queixas porque atenderiam ao tipo penal. Esse juízo deve levar em consideração a dimensão do crime, o contexto probatório, a capacidade de assimilação da unidade, enfim, não se trata de receber os documentos, Inquéritos Policiais e Autos de Prisão em Fragrante, iniciando uma guerra processual. É algo muito mais sério e não considerado na maioria dos foros. Cada processo é uma guerra distinta e quando se age em muitas batalhas a possibilidade de se perder uma importante é maior . Guerra é algo de timming , a saber, precisa ser imediata e a extinção da punibilidade (prescrição, por exemplo – CP, art. 107 c/c art. 109) é uma possibilidade que desfaz a possibilidade quer de vitória, que de derrota. Assim, longe de se defender a impunidade (embora esse escrito seja manifestamente minimalista) as contingências singulares do ambiente forense devem ser consideradas pelos jogadores, sob pena de se instaurar a ineficácia jurisdicional. 3.4. Nesse pensar, embora exista a Súmula n. 438 do STJ [211] , sem caráter vinculante, não faz sentido continuar com o processo. É necessária a aplicação da Prescrição Antecipada/Hipotética por ausência de trade-off . Verificando-se, à evidência, que a pena a se aplicar será atingida pela prescrição torna-se inviável e inócuo que se prossiga até sentença final, a qual, mesmo sendo condenatória, nenhum efeito concreto produziria, porque já caracterizada a prescrição, da qual resultará a extinção da punibilidade[212]. Assim, até mesmo por uma questão de política criminal, evita-se o prosseguimento de ação inútil e com custo exorbitante, além de estigmatizante. Combater o crime genericamente é afirmação ingênua. Há estreita relação entre a dimensão política e a persecução penal. É preciso reconhecer que os objetivos devem ser claros e a força estatal é limitada. Não se trata de mitigar a indisponibilidade da ação penal, como alguns apressados podem invocar. Trata-se de se demonstrar racionalmente que o exercício da ação penal, seus custos e resultados no caso de ganho da batalha, serão inservíveis ao fim político. A vitória aqui seria de Pirro , a saber, inútil. Cumpre, assim, reconhecer, por antecipação, a prescrição da pretensão punitiva do Estado, com base na pena hipotética em concreto. 3.5. A punição da bagatela precisa ser vista na perspectiva das guerras já declaradas
(ações penais em andamento e as batalhas que se avizinham). Com escassez de recursos (juizes, ministério público, dinheiro, pautas, etc) a decisão sobre iniciar mais uma guerra processual ou se focar nas mais relevantes depende do domínio das trocas compensatórias, ou seja, trade-off , entendido como a escolha por um das alternativas incompatíveis de se obter[213]. As condições de efetivação das alternativas são inviáveis. Daí que no ambiente forense os cenários de cada unidade devem ser levados em consideração. Receber o IP e oferecer denúncia sem analisar o cenário é próprio de jogadores-acusadores que não entendem a dimensão da sua função e depois reclamam que as ações demoram. 3.6. Pode-se indicar, com Miranda Coutinho [214] , que os princípios da Ação – mesmo que genericamente – são: (a) Princípio da Oficialidade : Embora a tutela penal seja monopólio do Estado, o exercício do direito de ação vincula-se ao bem jurídico tutelado, o qual pode ser público, semi-público ou privado. No primeiro caso tendo ciência da ocorrência da possível infração e com os demais elementos necessários, o Estado deve promover a ação penal. No segundo caso depende de manifestação expressa da vítima (e/ou seu representante), no prazo legal – de regra o prazo de decadência (perda do direito de ação) é de seis meses (CPP, art. 38 c/c art. 10 do CP, incluindo o dia do conhecimento do fato, diferente do prazo processual). Na terceira hipótese – ação privada – a legitimidade para ação é do ofendido ou de quem tenha qualidade de o representar (CPP, art. 30). Entende-se que a representação não exige formalidades e deve conter a manifestação inequívoca da vontade em prosseguir na ação penal (CPP, art. 39). Cabe ainda sublinhar que o Ministério Público ao receber elementos para análise da ação penal possui prazo (5 dias para preso e 15 dias para solto – CPP, art. 46). Não formulando a ação penal no prazo legal, nem requerendo diligências, declinando da competência ou determinando o arquivamento, surge a possibilidade da legitimação extraordinária da vítima/representante legal (CPP, art. 37), na modalidade de ação privada subsidiária da pública (CR, art. 5º, LIX e CPP, art. 29)[215]. Ocorrendo morte o direito se transfere ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão (CPP, art. 31 e 36). Sendo o ofendido menor de 18 anos, portador de necessidades especiais, não tiver representante ou os interesses se colidirem, será nomeado curador especial (CPP, art. 33). (b) Princípio da Obrigatoriedade – Legalidade : Preenchidos os requisitos legais para o exercício da ação penal não pode o jogador-autor negar-se a iniciar a partida por questões privadas. Decorrência do devido processo legal substancial é descabido o tratamento não isonômico, inexistindo disponibilidade sobre o conteúdo da ação penal. Claro que nesse juízo deve ser ponderada a existência das suas condições, dentre elas a justa causa , a qual enbloga a tipicidade aparente. Abrir-se mais uma guerra processual depende do cotejo da condições de possibilidade do jogo. (c) Princípio da Indivisibilidade : Embora previsto somente nos casos de ação penal
privada (CPP, art. 48), entende-se que não pode – como decorrência do princípio da obrigatoriedade/legalidade – o Ministério Público escolher dentre os possíveis autores da infração somente alguns para figurar no processo. Pode manifestar-se pelo arquivamente em relação a alguns dos investigados e denunciar os demais. O que é vedado é imotivadamente deixar de promover a ação penal por critérios outros que não decorrentes da investigação preliminar. Havendo condições da ação o processo deverá ser proposto contra todos os envolvidos.
4. Processo como procedimento em contraditório 4.1. A função do jogo denominado processo é a de acertamento do ‘caso penal’ [216]: cometida a conduta imputada, a pena somente será executada a partir de uma decisão jurisdicional, presa ao pressuposto: a reconstituição significante da conduta imputada no presente, acolhida por decisão fundamentada, a partir de uma visão de verdade processual decorrente de processo em contraditório e com julgador sem função de jogador. 4.2. Apesar de o Direito Penal ainda trabalhar, na sua visão hegemônica, sob a denominação de processo como algo mais que procedimento , grosso modo, a maneira pela qual o processo caminha , na linha do legado de Liebman, esse escrito desloca a compreensão para a proposta de Fazzalari e, ao depois, conjuga, em certa medida, a teoria do discurso de Habermas para, então, situando o local democrático do juiz no Processo Penal, longe de qualquer função probatória, própria dos jogadores. A concepção de processo manejada pelo senso comum teórico dos juristas é a de entender o processo como conjunto de atos preordenados a um fim, ou seja, a atividade exercida pelo juiz no exercício da Jurisdição , sendo o procedimento seu aspecto puramente formal, o rito a ser impresso. O processo, assim, acaba se burocratizando em formas, modelos e ritos, muitas vezes tido como acessório do Direito Penal, redundando em flagrantes equívocos. Dizer que o Processo Penal possui papel acessório, de fazer acontecer a lei, na lição de Binder[217] , é insuficiente e superficial, dado que o que se denomina “tipo” possui reflexos inexoráveis na compreensão da norma processual, não se podendo falar em plena autonomia, havendo, ao contrário, uma ‘ estrecha relación’ entre o “tipo” e o Processual Penal, até porque a atribuição de sentido é realizada num ambiente hermenêutico desprovido de metalinguagem salvadora (Lenio Streck). Apesar de o conhecimento das formas processuais ser importante, o isolamento formal faz desaparecer a estrutura democrática – diferenciando julgador e jogador – do Processo Penal. É preciso mais, invertendo-se, por primeiro, a própria compreensão de processo. 4.3. A visão prevalecente, a la Dinamarco, demonstra o desconhecimento da atual compreensão de processo , já apontada por Cordero[218] , dado que o processo na contemporânea configuração da relação jurídica , segundo Fazzalari[219] , é o procedimento em contraditório. Até porque existem outros procedimentos, como o tributário, administrativo, nem sempre em contraditório. O contraditório é, pois, a característica que diferencia o processo do procedimento[220]. A legitimidade na imposição de atos cogentes,
decorrentes do poder de império, com consequências no âmbito dos jurisdicionados e, no caso do Processo Penal, dos acusados, precisa atender aos princípios e regras previstos no ordenamento jurídico de forma taxativa. As regras do jogo democrático devem ser garantidas de maneira crítica[221] e constitucionalizada , até porque com Direito Fundamental (e as normas processuais o são), não se transige, não se negocia, defendese. Dito de outra forma, as regras do jogo devem ser constantemente interpretadas a partir da matriz de validade Garantista[222] , não se podendo aplicar cegamente as normas do Código de Processo Penal, sem que se proceda antes e necessariamente, oxigenação constitucional[223]. Nesse caminhar procedimental, preparatório ao ato de império, a existência efetiva de contraditório consiste em sua característica fundamental[224]. Assim é que a teoria do processo precisa ser revista, a partir do contraditório , implicando na modificação da compreensão de diversos institutos processuais vigorantes na prática processual brasileira. 4.4. Em relação ao direito subjetivo , Fazzalari propõe que este seja entendido a partir da relação entre o sujeito e o objeto do comportamento indicado pela norma jurídica, o qual o coloca numa posição de vantagem pelo exercício de uma faculdade ou de um poder[225]. Não se trata mais de poder sobre a conduta da parte adversa ou mesmo de prestação, senão sobre os efeitos processuais da norma[226] , da jogada processual válida. Os atos processuais lícitos (jogadas) se mostram como poderes decorrentes do exercício da vontade, regulados por normas processuais, perante as quais o sujeito possui o poder de agir (confissão judicial), a faculdade (arrolar testemunhas) e o ônus , (no caso da imposição de consequências pelo descumprimento da norma). A faculdade e o poder podem, também, gerar circunstâncias desfavoráveis ao sujeito caso não exercidas a tempo e modo. O procedimento – jogo processual – desenvolve-se a partir de atos jurídicos lícitos, componentes do desenrolar procedimental até a decisão final, mas não numa compreensão de oposição aos atos ilícitos[227]. Destarte, até a decisão final, o procedimento, apesar de guardar unidade, deve ser visto como uma sucessão de atos jurídicos – subjogos – determinados por normas processuais que regulamentam a maneira pela qual se dará a sequência de atos e posições jurídicas: “ O procedimento não é atividade que se esgota no cumprimento de um único ato, mas requer toda uma série de atos e uma série de normas que os disciplinam, em conexão entre elas, regendo a sequência de seu desenvolvimento. Por isso se fala em procedimento como sequência de normas, de atos e de posições subjetivas.”[228]. É a perfeita vinculação das etapas antecedentes que legitima o procedimento[229] como condição preparatória ao provimento final[230] , consoante aponta Cordero: “El antecedente inválido contamina a los siguientes.”[231] A posição subjetiva é o vínculo do sujeito para com a norma , a qual lhe valora suas manifestações de vontade como lícitas, facultadas ou devidas, com as consequências daí advindas[232] , verificandose a ocorrência de preclusão das decisões interlocutórias, salvo nulidade, passível de ser discutida, inclusive em sede de Habeas Corpus. Desta feita, a legitimidade do provimento judicial dependerá do desenrolar correto dos atos e posições subjetivas previstos em lei, do fair play. E a perfeita observância dos atos e posições subjetivas dos atos antecedentes é condição de possibilidade à validade dos subsequentes. Logo, a mácula procedimental ocorrida no início do processo – subjogo – contamina os demais, os quais para sua
validade precisam guardar referência com os anteriores[233]. O ato praticado em desconformidade com a estrutura do procedimento é inservível à finalidade a que se destina[234]. A decisão final, preparada pelo procedimento, também se constitui como parte deste, ou melhor, sua parte final, o resultado.[235] 4.5. Então, invertendo-se a lógica do senso comum teórico dos juristas, o processo é rocedimento realizado por meio do contraditório e, especificamente no Processo Penal , entre os jogadores Ministério Público[236] e/ou querelante, e efetiva presença do acusado com defesa técnica, mediados pelo julgador . Por isso a necessidade de se entender o exercício da Jurisdição a partir da estrutura do processo como procedimento em contraditório , com significativas modificações na maneira pela qual ele se instaura e se desenrola, especialmente no tocante ao princípio do contraditório e o papel do juiz na condução do feito[237]. Nesse pensar, o contraditório precisa ser revisitado, uma vez que não significa apenas ouvir as alegações das partes, mas a efetiva participação, com paridade de armas, sem a existência de privilégios, estabelecendo-se comunicação entre os jogadores, mediada pelo Estado julgador[238]. Rompe-se, outrossim, com a visão de que a simples participação dos sujeitos (juiz, auxiliares, ministério público, acusado, defensor) do processo possa conferir ao ato o status de contraditório. É preciso mais. É preciso a efetiva participação daqueles que sofrerão os efeitos do provimento final, apurando-se o melhor argumento em face do Direito e do ‘caso penal’, na via intersubjetiva. 4.6. A figura do juiz, desde o ponto de vista de sujeito do processo entendido como jogo, demonstra que sua participação não é de mero autômato, mas está vinculada às decisões proferidas no curso do procedimento (subjogos) e no seu final, no exercício de sua função jurisdicional[239] , sem olvidar os princípios informadores de sua atuação. Assim é que apesar dessa participação – sujeito do processo –, não se pode confundir a função do julgador com a dos jogadores, eis que não assume a condição de contraditorogador , a qual é exercida pelos interessados , mas de terceiro-julgador , responsável, todavia, pela sua regularidade na produção dos significantes probatórios. Sua função é também a de expedir, em nome do Estado, o provimento com força imperativa, atendido o devido processo legal substancial, levando em consideração os argumentos construídos no procedimento, em decisão motivada, mesmo[240]. 4.7. A exteriorização do princípio do contraditório, na proposta de Fazzalari , se dá em dois momentos. Primeiro com a informazione , consistente no dever de informação para que possam ser exercidas as posições jurídicas em face das normas processuais e, num segundo momento, a reazione , manifestada pela possibilidade de movimento processual, sem que se constitua, todavia, em obrigação[241]. Logo, no caso do Processo Penal, o contraditório precisa guardar igualdade de oportunidades, exigindo, assim, a revisão de diversas regras do Código de Processo Penal brasileiro, mormente no tocante à gestão da prova e ao (dito) objeto do processo, deixando-se evidenciada qual a conduta a ser verificada, via denúncia/queixa apta, os meios para sua configuração e as posições processuais de cada envolvido, no que a epistemologia garantista se associa. 4.8. Acrescente-se, de outro lado, que o senso comum teórico dos juristas pretende a
adequação do processo às finalidades do Estado do Bem Estar Social . Para tanto, Dinamarco revisita a teoria processual para a adaptar aos resultados exigidos pela população, mediante a otimização do sistema rumo à efetividade do processo[242]. Partindo da autonomia do Direito Processual, Dinamarco indica a necessidade de, pela razão, terse a consciência da instrumentalidade do processo em face da conjuntura social e política do seu tempo, demandando um “ aspecto ético do processo, sua conotação deontológica. ”[243] Esse chamado exige que o juiz tenha os predicados de homem do seu tempo, imbuído em reduzir as desigualdades sociais e cumprir os postulados processuais constitucionais, vinculando-se aos valores constitucionais , em especial o valor Justiça . A proposta está baseada nas modificações do Estado Liberal rumo ao Estado Social[244] , mas vinculada à posição especial do juiz no contexto democrático, dando-lhe poderes sobrehumanos[245] , na linha de realização dos ‘escopos processuais’ , com forte influência da superada Filosofia da Consciência , deslizando no Imaginário e facilitando o surgimento de uízes Justiceiros da Sociedade. Entretanto, este paradigma, informado pelo modelo do em-Estar Social e da jurisprudência de valores não mais se sustenta, como bem afirma Cattoni[246] , mormente em face do paradigma habermasiano , acolhido de forma parcial neste escrito. Não se trata mais de realizar os valores sociais , quer via escopos (Dinamarco) ou essencialismos dicotômicos, que em certa medida concedem um conforto Metafísico , mas acolher no campo das práticas jurídicas a viragem linguística , cujos efeitos retiram qualquer carga axiológica do processo. O processo precisa de nova postura. A pretensão de Dinamarco de que o juiz deve aspirar os anseios sociais ou mesmo o espírito das leis, tendo em vista uma vinculação axiológica, moralizante do jurídico, com o objetivo de realizar o sentimento de justiça do seu tempo, não mais pode ser acolhida democraticamente[247] , sob pena de se abrir espaço para julgamentos sem provas, atendendo anseios de linchamento e/ou midiáticos. 4.9. Advirta-se, por fim, que a atuação do juiz, no procedimento, não pode ser a de realizar os anseios sociais, devendo se postar de maneira imparcial, garantindo o equilíbrio contraditório, ou seja, a verdadeira democracia processual[248]. Todavia, no ato decisório , a pretensão habermasiana não pode ser acolhida como se mostra. Evidente que os argumentos formulados pelas partes devem ser levados em consideração no momento da decisão, fundamentando-se as pretensões de validade, mas não se pode negar, pela construção até aqui realizada, que o um-julgador esteja informado por fatores externos, condicionantes ideológicos , criminológicos , midiáticos , inconscientes , enfim, subjetivos que sempre são co-produtores da decisão, mesmo que obliterados retoricamente. O importante é que sua atuação do juiz no decorrer do processo como procedimento em contraditório não deve pender para a realização antecipada de suas opções ideológicas , criminológicas , sob pena de macular a legitimidade de sua decisão. É somente na decisão que elas devem aparecer de maneira fundamentada. 4.10. No recorte desse escrito, a imensa obra de Habermas é acolhida de maneira pontual, especificamente no tocante ao discurso a ser instado intra-processualmente. Como já se afirmou anteriormente, o Direito Processual possui balizas democráticas, não se podendo mais aceitar a decisão isolada e sem fundamentação do Juiz, devendo este,
necessariamente, considerar as pretensões de validade enunciadas pelas partes no discurso comunicativo instaurado. Neste paradigma não há espaço para discricionariedade judicial (Hart[249]), como a interpretação não atende a uma moldura de possibilidades (Kelsen[250]). Pelo contrário, a decisão judicial, naquilo que Habermas evidencia como tensão entre faticidade e validade[251] , exige uma nova postura dos atores jurídicos embrenhados no processo (sempre) constitucional e intersubjetivo de atribuição de sentido[252]. A autonomia do Direito Processual não pode significar o estabelecimento de feudos decisórios dos magistrados[253] , inseridos desde sempre no campo comunicacional e regulados, no caso do Processo Penal, pelas respectivas normas. 4.11. Consequência disso é a assunção de nova postura por parte do juiz (julgador e não jogador), ganhando relevo, por conseguinte, a teoria da decisão judicial. Para tanto, o ponto de partida deve se constituir na crítica à maneira pela qual o senso comum teórico a vende e a massa histérica pelo gozo dos atores jurídicos compra a verdade fundante prometida apocalipticamente, e entregue sob a tutela de uma nova dinastia, ou ‘ Monastério de Sábios’ – Warat –, os guardiães das promessas da modernidade – Garapon[254] –, em especial a figura do Juiz, do Super-Juiz , sujeito cheio de predicados (serenidade, sabedoria, sapiência, moralidade, hombridade, etc), um Juiz Hércules , como diria Dworkin. A discussão, portanto, sobre o instituto da decisão judicial é fundamental. Conquanto não se acolha o procedimentalismo habermansiano no que se refere à postura do Poder Judiciário[255] , a razão comunicativa mostra-se, no âmbito processual, importante. Para Habermas, o poder da razão se fundamenta no processo de reflexão, ao revés da ciência positivista e a postura cognitivista , sendo necessário o abandono da objetividade do pensamento monológico. Essa teoria implica redefinição do caráter universal da verdade. Assim é que Habermas pretende que a teoria crítica cumpra os objetivos de uma sociedade, consistente no fim da coerção e da injustiça pelo estabelecimento de autonomia através da razão e harmonia consensual de interesses por uma administração racional da Justiça . Partindo da Teoria da Opinião Pública de Habermas, a linguagem é concebida como a garantia da democracia , tendente a conseguir acordos consensuais das decisões coletivas. Com efeito, o Estado Democrático de Direito, na visão procedimentalista, seria um projeto constante de acordos sobre os melhores argumentos, historicamente escolhidos pelos concernidos, em situação ideal da fala [256]. Destaca Leal que: “Nesse ponto, a teoria do processo como procedimento em contraditório (Fazzalari) é que nos habilitou saltar de uma subjetividade apofântica milenar para uma concepção processual expressa numa relação espácio-temporal internormativa como estruturante urídica do agir em simétrica paridade e instaladora do juízo discursivo preparatório do provimento (decisão).”[257] 4.12. A Teoria da Ação Comunicativa parte da estrutura de que quem argumenta presume que ela pode ser justificada em quatro níveis: (a) o que é dito é inteligível, por regras semânticas compartilhadas; (b) o conteúdo do que é dito é verdadeiro; (c) o emissor justifica-se por certos direitos sociais ou normas que são invocadas no uso do idioma; (d) o emissor é sincero no que diz, não tentando enganar o receptor. Em suma, não pode ser uma comunicação distorcida. O princípio ‘D’ confere à proposta
habermasiana a possibilidade de verificação da validade dos argumentos , desde que sejam suscetíveis de serem justificados e obtenham o livre assentimento de todos os concernidos na condição de participantes – atuais ou potenciais – de discurso público real, desenvolvido conforme as normas de uma comunidade ideal de comunicação ou situação ideal da fala , entendido este último como princípio ‘U’[258]. Na teoria da democracia habermasiana não se trata da escolha promovida pelo juiz[259] , em seu feudo soberano, alheio e descomprometido com o debate processual argumentativo efetuado em contraditório, com ampla defesa e isonomia, mas o contrário, acolhendo, ademais, o ‘giro linguístico’, ou seja, é pós-metafísica. As metodologias, pois, não concedem mais a certeza de antes. Com isto, as rançosas percepções da ‘ Filosofia da Consciência’ (do sujeito uno) são expungidas do campo processual, abrindo-se espaço para a democracia processual discursiva, abjurando-se, dentre outras, a legitimidade formal kelseniana do juiz. 4.13. Com efeito, esse processo democrático precisa garantir a isonomia , publicidade , ampla defesa e contraditório , princípios fundamentais sem os quais a sua deslegitimidade aflora e macula a decisão. No decorrer do processo os Direitos Fundamentais serão invocados e debatidos argumentativamente (discurso proposicional e não autoritário). O processo é quem mediará, pelo discurso, a decisão, não mais solitária do juiz[260] , mas co-produzida democraticamente. Enfim, diante das pretensões de validade trazidas pelas partes no procedimento em contraditório, que o um-juiz se legitima a emitir o provimento estatal, fundamentando tanto no acolhimento quanto na rejeição das alegações, não podendo buscar a legitimação apenas por sua condição formal de emissor reconhecido. As partes possuem o direito de enunciar seus argumentos, produzirem provas e os verem devidamente analisados pelo Estadouiz[261]. 4.14. Quanto ao Processo Penal, relativamente aos direitos dos acusados, a postura a ser adotada é aquela professada pelos mais ferrenhos legalistas: respeito às regras do jogo de maneira transparente[262]. Nada mais do que isso. Todavia, quando as regras do jogo passam a ser o entrave para a turba sedenta pelo gozo sádico – mormente em tempos neoliberais de encarceramento total da pobreza –, os argumentos jurídicos transcendentes da condenação em nome da paz social , da segurança jurídica , do interesse social em formatar o apenado subvertem a lógica de garantias e se constituem no fundamento retórico e deslegitimado da condenação[263]. Não se trata, assim, de aplicar uma pena no interesse do apenado, consoante o senso de Justiça[264] do julgador, porque esta visão é totalitária. As regras do jogo são esquecidas por discurso empolado, bonito, valorativo, emitido pelos imaginariamente ‘bons’, por aqueles que sabem o que é melhor para a sociedade e acusados[265] , afinal, exercem as funções de juízes na sociedade em nome da limpeza social. O princípio da legalidade é desterrado e as concepções criminológicas e infracionais arraigadas no inconsciente do um-julgador afloram. O problema é que, como diz Miranda Coutinho: “O enunciado da ‘bondade da escolha’ provoca arrepios em qualquer operador do direito que frequenta o foro e convive com as decisões. Afinal, com uma base de sustentação tão débil, é sintomático prevalecer a ‘bondade’ do órgão julgador. O problema é saber, simplesmente,
qual é o seu critério, ou seja, o que é a ‘bondade’ para ele. Um nazista tinha por decisão boa ordenar a morte de inocentes; e neste diapasão os exemplos multiplicam-se. Em um lugar tão vago, por outro lado, aparecem facilmente os conhecidos ‘justiceiros’, sempre lotados de ‘bondade’, em geral querendo o ‘bem’ dos condenados e, antes, o da sociedade. Em realidade, há aí puro narcisismo; gente lutando contra seus próprios fantasmas. Nada garante, então, que a ‘sua bondade’ responda à exigência de legitimidade que deva fluir do interesse da maioria. Neste momento, por elementar, é possível indagar, também aqui, dependendo da hipótese, ‘quem nos salva da bondade dos bons?’, na feliz conclusão, algures, de Agostinho Ramalho Marque eto.[266] Ocupam, em uma palavra, o lugar do impostor. 4.15. Não obstante as críticas que se possa fazer ao paradigma procedimentalista – cuja proposta é inviável ser realizada na prática, abaixo do Equador, mormente numa realidade de exclusão[267] , e, também, por desconsiderar que o inconsciente opera –, sua acolhida pode ocorrer de forma mitigada, sem o universalismo que pretende. No caminho aqui defendido, a razão comunicativa pode ser situada para se fixar o lugar do juiz no processo em contraditório (Fazzalari) como sendo aquele que no decorrer dele irá garantir as regras do jogo[268] , sem prejuízo de seu papel específico no ato decisório, o qual deve se fundamentar no critério material proposto por Dussel. 4.16. O devido processo democrático proposto por Habermas, entretanto, é paradoxal. Ao mesmo tempo em que rejeita o solipsismo do julgador, agora envolvido pelo medium linguístico, considera que o discurso consciente é seu fundamento. Para ele, a legitimidade do Direito e da decisão estariam jungidas à aceitação pelos concernidos das normas e das decisões, como se isso pudesse ocorrer no plano consciente do sujeito único. A crítica poderia ser formulada a partir de Heidegger ou mesmo de Dussel, como já se pontuou, mas para o fim deste escrito, contudo, é Lacan que será trazido à baila. Para além do assentimento sincero, existem mecanismos inconscientes que roubam a cena, conforme deixa evidenciada a psicanálise . Por isso procedem as críticas de Prado Jr. acerca do projeto habermasiano , no sentido de que a leitura da psicanálise a partir da psicologia do eu efetuada por Habermas, renegou o silêncio e o inconsciente na formulação do consenso intersubjetivo[269]. De maneira que o inasfastável buraco é de ser apontado com Marques Neto: “Há essa dimensão que ultrapassa tudo aquilo que o sujeito pode pôr de intencionalidade no seu discurso. O inconsciente é uma referência a esse ultrapassamento, a isso que está para além do discurso. Toda a fala é acompanhada de um cortejo de silêncios, que tem uma enorme eloquência. O que não se diz é frequentemente mais significativo do que o que se diz. ”[270] Dews[271] , contrapondo a ‘verdade do sujeito’ em Lacan e Habermas, afirma que para Lacan a cadeia de significantes impede o encontro definitivo com o Real , por ser impossível, sendo que, rompendo com as concepções racionalistas , a (possível) representação pelo significante não é a coisa; o que há é linguagem sem metalinguagem.[272] A crítica formulada por Lacan, portanto, detona com a pretensão de que o ‘entendimento semântico’ possa ocorrer de forma plena, fraturando, de vez, com o ‘Círculo de Viena’ – não obstante a parcial importância deste –, impedindo, de outra face, a identidade do sujeito consciente, entre suas asserções conscientes e o inconsciente[273]. De sorte que a ‘rede de significantes’ reage historicamente e não é possível manter a
universalidade das pretensões de validade do discurso habermasiano diante da ‘verdade do sujeito’ imbricada com o inconsciente , e garantidas pelo Outro[274]. Repita-se que a proposta habermasiana , principalmente no âmbito processual, é acolhida no contexto deste escrito, especialmente nas quatro pressuposições mais importantes, destacadas por Habermas, consistentes no: “a) carácter público e inclusión: no puede excluirse a nadie que, en relación con la pretensión de validez controvertida, pueda hacer una aportación relevante; b) igualdad en el ejercício de las faculdades de comunicación: a todos se les conceden las mismas oportunidades para expresarse sobre la materia; c) exclusión del engaño y la ilusión: los participantes deben creer lo que dicen; y d) carencia de coacciones: l a comunicación debe estar libre de restricciones, ya que éstas evitan que el mejor argumento pueda salir a la luz y predeterminan el resultado de la discusión.”[275] E, ademais, não se perca de vista, que o ‘sujeito’ da psicanálise , por ser clivado e construído pelos significantes que se inscreveram durante o tempo, passa sua vida questionando o sentido de sua própria existência[276]. 4.17. Portanto, conquanto sua proposta de democracia processual – no qual as pretensões de validade são acolhidas ‘ in the long run’ , por mecanismos de consenso discursivo – , possa representar uma tentativa de continuidade do projeto do sujeito da Modernidade , sua perspectiva de destranscendelizar o sujeito navega sem a dimensão do desejo, ao arrepio da fenomenologia heideggeriana e a barra imposta pelo sujeito clivado da psicanálise (Lacan), deixando à descoberto os mecanismos de ligação da proposta ao sujeito, dado que: “Lacan não nega, evidentemente, que esse questionamento será formulado em função do repertório simbólico de uma cultura determinada, mas suas formulações deixam implícito que o que está em jogo – ao menos em parte – é a relação entre o sujeito e qualquer repositório simbólico em geral, e portanto o problema da finitude de sua realização de si enquanto sujeito .”[277] Por isto, neste escrito, o acolhimento da proposta habermasiana é contingente, como horizonte possível de assentimento dos concernidos, sem que, todavia, constitua-se em algo plenamente factível diante dos obstáculos apontados. Sem dúvida que os pressupostos do discurso indicados por Habermas podem e devem nortear a atuação processual num Estado Democrático de Direito , desde que ciente de que a racionalidade proposta é suscetível de críticas intransponíveis. Possui, ademais, o mérito de rejeitar o solipsismo do julgador decisionista , o qual não se sustenta mais democraticamente. No entanto, nem por isso o processo como eixo democrático pode tamponar o que salta do insconsciente das partes nas suas argumentações e do ser-aíulgador[278]. De qualquer forma, aproveita-se sua proposta para o encadeamento procedimental necessário à legitimidade da decisão a ser proferida, eis que antecedentemente já se agregou ao projeto em construção a ‘viragem linguística’, com a consequente rejeição da Filosofia da Consciência . De outra parte, é impossível que a proposta seja ultimada consoante Habermas pretende por desconsiderar fatores intervenientes na prolação da decisão e nos próprios argumentos lançados no processo intersubjetivo[279]. É que a pretensão de sinceridade consciente dos argumentos é vazada pelo inconsciente que atravessa no Simbólico. Enfim, a psicanálise , com o desvelar do inconsciente deixa à céu aberto a sinceridade pressuposta por Habermas. A sinceridade , então, no máximo pode ser vista como objetivo a ser alcançado na corrida, e cuja verificabilidade se mostra impossível de ser aferida, ou seja, é pressuposta a sinceridade ,
mas impossível de a controlar. Esses obstáculos tornam o discurso habermasiano , na sua versão ideal, irrealizável no plano fático, onde o inconsciente – repita-se mais uma vez – surge. Por isso a necessidade do reconhecimento parcial do paradigma habermasiano, com Fazzalari, na construção da proposta do processo como tarefa democrática inafastável , justificando-se o aproximar deste juiz (in)consciente , ou do inconsciente do um-juiz. 4.18. Resta evidente, portanto, que o processo penal possui destacado lugar e função na democracia, a saber, é o espaço de diálogo em que o contraditório deve ser garantido. É a partir do contraditório que se estabelece a legitimidade do provimento judicial . Claro que o conteúdo da decisão estará vinculado a outros fatores, dado que inexiste decisão neutra. Há sempre a aderência – mesmo alienada – a um modelo ideológico. O que importa é (re)estabelecer um espaço democrático no processo penal brasileiro, superando a visão prevalecente, na qual o ritual e a postura inquisitória ceifam qualquer possibilidade de democracia processual, no que Fazzalari pode ser um sendero [280]. Por isto a importância de seu estudo, acompanhado de reflexões sobre a linguagem e a opção ética que subjaz a decisão judicial, quer consciente ou inconscientemente.
Capítulo 5°
Subjogos Pré-Processuais e Incidentais (Cautelares, Prisão e Liberdade, Inquérito Policial, Flagrante)
1. Aspectos Preliminares (Denúncia Anônima, Testemunha Protegida, Investigação e Legalidade) 1.1. No pré-jogo processual podem ser realizadas jogadas táticas importantes, vinculadas à estratégia. Nesse Guia Compacto se irá demonstrar o lugar (pré-jogo processual) e a função (elementos de materialidade e autoria) do Inquérito Policial em face da normatividade brasileira, bem assim das questões preliminares. Depois, também na fase pré-jogo, será indicada a função do Auto de Prisão em Flagrante, da prisão preventiva, e das medidas cautelares, especificando a Busca e Apreensão, a Interceptação Telefônica e a Quebra de Sigilo. 1.2. Não há poder geral de cautela no CPP . A função do Poder Judiciário é o de garantir os Direitos Fundamentais do sujeito em face do Estado, a saber, as intervenções na esfera privada somente se justificam se houver relevância coletiva e, no caso de investigações criminais, os fundamentos precisam ser firmes nos exatos limites normativos. Assim é que, vigorando o princípio da legalidade, não pode o juiz invocar o poder geral de cautela e inventar novas modalidades. O poder geral de cautela é estranho ao processo penal , até porque coloca o juiz no lugar de jogador. Os limites da intervenção cautelar são as previstas no CPP e na legislação extravagante, lendo-as a partir da noção de devido processo legal substancial e da teoria dos jogos. 1.3. Necessário Inquérito Policial instaurado : Não existe investigação no “ar”. A Autoridade Policial, ao tomar conhecimento de um fato criminoso, nos termos dos arts. 5º e 6º do Código de Processo Penal, deve instaurar o Inquérito Policial. Sempre. Não há exceção. Constitui-se em prática reprovável e ilegal a investigação sem formalização dos atos. É requisito obrigatório à análise dos pedidos cautelares a formalização do procedimento administrativo – Inquérito Policial, não mero Boletim de Ocorrência -, com o indiciamento, se possível. Isso é da democracia. É indispensável a prévia instauração da investigação. 1.4. Denúncia anônima: Para se investigar alguém, numa democracia, não se pode iniciar com o “denuncismo anônimo” contemporâneo em que a polícia recebe a denúncia anônima e se dá por satisfeita. Tanto assim que agora se fomentam programas ilegais como o do “Informante Cidadão”[281]. É preciso que as investigações aconteçam no
limite da legalidade. O processo da Inquisição acontecia com testemunhas sem rosto, sem face, sem nome, num denuncismo sem limites. Para isso a Constituição da República, em vigor há mais de vinte anos , estabeleceu claramente no art. 5º, IV: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.” Paulo Rangel, sem aceitar investigar a qualquer preço, pontua: “Pensamos que autoridade que determinar a instauração do procedimento criminal ou administrativo, tendo como base a denúncia anônima, ficaria sujeita, em tese, à responsabilidade criminal, nos exatos limites do art. 339 do CP. O denunciante anônimo se esconde atrás das vestes da impunidade, pois, se sua denúncia for falsa, ele não será responsabilizado. (...) O ‘denunciado’ tem o direito de demonstrar os motivos pelos quais quem o denuncia o faz: vingança, perseguição política, inveja, despeito, falta do que fazer etc. Sendo anônima a denúncia, não há como reagir contra o denunciante. Ele fica refém.” [282] Tourinho Filho sustenta: “se o nosso CP erigiu à categoria de crime a conduta de todo aquele que dá causa à instauração de investigação policial ou de processo judicial contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente, como poderiam os ‘denunciados’ chamar à responsabilidade o autor da delatio criminis, se esta pudesse ser anônima? A vingar entendimento diverso, será muito cômodo para os salteadores da honra alheia vomitarem, na calada da noite, à porta das elegacias, seus informes pérfidos e ignominiosos, de maneira atrevida, seguros, absolutamente seguros da impunidade. Se se admitisse a delatio anônima, à semelhança do que ocorria em Veneza, ao tempo da inquisitio extraordinem , quando se permitia ao povo jogasse nas famosas ‘Bocas dos Leões’ suas denúncias anônimas, seus escritos apócrifos, a sociedade viveria em constante sobressalto, uma vez que qualquer do povo poderia sofrer o vexame de uma injusta, absurda e inverídica delação, por mero capricho, ódio, vingança ou qualquer outro sentimento subalterno.”[283] Assim é que a denúncia anônima não pode ser tida, a priori , como fundamento suficiente, nem justifica qualquer medida direta pela autoridade policial que não a investigação preliminar e o requerimento ao Judiciário das medidas cautelares que se fizerem necessárias, apresentando as investigações realizadas[284]. 1.5. Um dos grandes desafios é o de se garantir o processo como procedimento em contraditório, no qual as restrições ao direito ao confronto , materializador do devido processo legal substantivo , seja baseada em fundamentos legais e compatíveis com a Constituição. Especificamente sobre o “Direito ao Confronto” Rudge Malan é explícito: “é direito fundamental indissociável de qualquer noção civilizada de devido processo penal, motivo pelo qual ele deve ser levado a sério pelo Estado.” [285] E isto não impede que, em situações específicas, como no caso de temor, violência, desde que justificadamente motivada, possa o acusado ser retirado da sala de audiências. Entretanto, no exercício de seu pleno direito de defesa, especialmente o de impugnar a validade do testemunho, não se pode impedir que tenha conhecimento de quem é a testemunha, até para poder a contraditar, aponta Antônio Scarance Fernandes: “A presença do acusado no momento da produção da prova testemunhal é essencial, sendo exigência decorrente do princípio constitucional da ampla defesa. Estando na audiência, pode ele auxiliar o advogado nas reperguntas a serem dirigidas à testemunha ouvida.”[286]. Exceção há no caso de testemunha sob a égide da Lei. nº. 9.807/99, situação diversa da produção normtiva ilegal produzida pelos Tribunais, sob o nome genérico de “testemunha protegida”. Para que a vítima e/ou testemunha seja colocada sob o pálio da
proteção é necessário que o Conselho Deliberativo (art. 4º) tenha aceito o pleito (art. 5º), com as medidas previstas no art. 7º, dentre elas “IV – preservação da identidade, imagem e dados pessoais.” No caso, a testemunha “X” não se encontra sob o regime de proteção preconizado legalmente! De qualquer sorte, mesmo nessa hipótese, a Lei de Proteção a Testemunhas não estabelece o procedimento específico para a testemunha com reserva de identidade prestar depoimento em Juízo, lacuna legislativa essa que, como bem aponta Rudge Malan, impede tal produção probatória, à míngua de procedimento tipificado em lei. Lembre-se mais uma vez que em processo penal incide o princípio da legalidade. Para preencher esta lacuna legislativa, entretanto, os Tribunais, sem autorização constitucional para tanto, uma vez que a competência legislativa para disciplinar atos processuais penais é da União (CR, art. 22, I), produziram atos normativos. Não podem os Tribunais, por Regimento ou mesmo Provimento, modificar, completar, regulamentar, lacunas legislativas, por violação ao Devido Processo Legislativo[287]. Assim, inconstitucionais todos os depoimentos tomados com testemunhas sem nome, rosto ou identificação. Por fim, ainda com Diogo Rudge Malan deve ser marcado que: “Prepondera nos paises da família jurídica do common law tendência no sentido de se repudiar a admissão do anonimato testemunhal em juízo, à luz do right of confrontation . Por exemplo, a Suprema Corte norte-americana tem jurisprudência consolidada nesse sentido, desde a década de 1930 (v.G. Casos Alford v. United States e Smith v Ilinois).”[288] Ainda que válido, como acontece na legislação Colombiana, com expressa disposição legal para sua realização, não pode ser o único elemento probatório, como bem aponta Choukr “Sensível a tal entendimento, a Corte Constitucional colombiana, ao analisar a validade dos depoimentos dessas testemunhas, decidiu que: Admitir que se pueda condena com fundamento únicamente com testimonios de personas de identidad reservada, seria desconocer la Constitución Política, cuyo artículo 29 reconoce el derecho fundamental de toda persona a um debido proceso, tanto em las actuaciones administrativas como judiciales. Se vulneraria el debido proceso, toda vez que, se desconocería el derecho de toda persona a controvertir las pruebas que se presenten em su contra, em atención a que sin conocer al declarante que lo inculpa y consecuencialmente las circunstancias de tiempo, modo y lugar em que percibió los hechos, no puede contradecir la respectiva declaración. Los testimonios secretos no constituyen fundamento único com base em el cual se pueda dictar sentencia condenatória, sino que esta modalidad de la llamada por algunos justicia secreta, es simplesmente, um instrumento o guia técnica para adelantar la investigación criminal y para proteger la vida e integridad de los testigos dentro del proceso penal. Las normas sobre reserva de la identidad de los intervinientes em el proceso penal, son expresiones normativas fundadas em la idea de rodear de garantias y seguridades a los jueces, funcionarios empleados de la rama judicial, familiares, miembros de la fuerza pública que colaboran en el ejercicio de lãs funciones de policía judicial, ,testigos y colaboradores eficaces de la administración de justicia (Corte Constitucional, Sala Plena de Constitucionalidad, C-275-93, Barrera Carbonell Antonio, Processo de 16/7/1993).”[289]
2. Inquérito Policial (CPP, art. 4o – 23) 2.1. A partir da notícia de possível crime, o Estado precisa realizar a apuração preliminar com o fim de levantar elementos mínimos de materialidade e indícios de autoria. Do contrário, corre-se o risco de se iniciar a ação penal sem elementos mínimos. Não se irá aqui discorrer sobre as diversas modalidades de investigação existentes no mundo, ou seja, se quem deve investigar é o Ministério Público, o Magistrado ou a Polícia[290]. Nesse Guia Compacto se irá demonstrar o lugar (pré-jogo processual) e a função (elementos de materialidade e autoria) do Inquérito Policial em face da normatividade brasileira. 2.2. A função do IP é levantar elementos de materialidade e autoria da conduta criminosa (meios probatórios, informantes, testemunhas, perícias, documentos, etc), justificando democraticamente a instauração de ação penal (CPP, art. 12), ou seja, para que o jogo processual possa ser iniciado a partir da autorização do Estado-Juiz (recebimento motivado da denúncia e/ou queixa crime)[291]. Para instauração de ação penal é necessária a existência de justa causa (elementos de materialidade e autoria) a ser aferida por investigação e/ou documentos preliminares. De regra, realiza-se por Inquérito Policial (CPP, art. 4o, sgts.), o qual é procedimento administrativo, não jurisdicional, a cargo da Polícia Judiciária – Estadual ou Federal (art. 144, § 4º, CR), submetido aos princípios da administração pública (legalidade, publicidade, impessoalidade, moralidade e eficiência – CR, art. 37 [292]). Evita-se que a ação penal possa ser instaurada como aventura processual, dado que o simples fato de ser acusado já “etiqueta”[293] o sujeito para todo o sempre, mesmo que absolvido ao final. De sorte que é necessário o controle, por parte do Judiciário, dos requisitos para o exercício da ação penal. 2.3. O Ministério Público (não) pode investigar . Controversa é a possibilidade de o Ministério Público investigar, dado que não previsto na Constituição. Há posições de ambos os lados. Os argumentos que defendem a possibilidade de investição não se sustentam por um princípio básico: o Ministério Público não pode escolher em que casos irá investigar , dada a existência dos princípios da impessoalidade e da legalidade (CR, art. 37), até porque o art. 129, VI e VII, da CR, art. 8º, LC 75/93 e art. 26 da Lei 8.625/93, indicam ao Ministério Público o lugar de jogador titular da ação penal e não da investigação . Não se pode transformar substantivo em adjetivo – exclusivamente –, como acontece com o art. 144, § 4o, da CR, por exemplo[294]. O lugar do Ministério Público é de jogador da partida processual penal. A fase pré-jogo não lhe compete. 2.4. A Polícia Militar é órgão da segurança pública e compete a polícia ostensiva e preservação da ordem pública, sem qualquer competência para instaurar ou conduzir investigações policiais, salvo nos crimes militares, mesmo no âmbito dos Juizados Especiais (CR, art. 144, § 5º). Assim também a Polícia Rodoviária Federal (CR, art. 144, § 2º) e a Polícia Ferroviária Federal (CR, art. 144, § 3º). Decorre disto que não podem requerer medidas cautelares (interceptação telefônica, mandado de busca e apreensão, etc...).
2.5. A Guarda Municipal é órgão criado para o fim de proteção dos bens, serviços e instalações dos Municípios e não como substituto da Polícia Militar ou Civil (CR, art. 144, § 8º). Não pode realizar atos próprios de investigação, nem de policiamento ostensivo, nem apurar denúncias anônimas ou perseguir para investigação. Como qualquer do povo, pode prender em flagrante delito posto, não pressuposto. Toda atuação em desconformidade com a sua competência levará à ilicitude da prova (CR, art. 5º, LVI). 2.6. A instauração do Inquérito Policial se dá por Portaria lavrada pela autoridade policial , de ofício ou a requerimento da parte interessada (CPP, art. 5o, II e art. 27, não tendo sido recepcionado o art. 26 do CPP). Para tanto deve existir “tipicidade aparente”, isto é, as informações devem indicar a violação de tipo penal, sob pena de arquivamento, do qual cabe recurso (CPP, art. 5º, § 2º). A presidência do IP não se confunde com arbitrariedade. A autoridade policial pode eleger as linhas de investigação. Deve, todavia, estar vinculado ao disposto no art. 6o (comunicação do crime, preservação de local de crime, oitiva de pessoas, requisição de perícias, realização de acareação, reconstituição, identificação criminal, indiciamento e interrogatório), bem assim impedido de realizar medidas restritivas de direitos fundamentais (prisão preventiva ou temporária, interceptação telefônica, quebra de sigilo fiscal/bancário, busca e apreensão, sequestro, etc...), dada a reserva de Jurisdição. Podem ser requeridas diligências e produção de elementos preliminares tanto pela vítima , como pelo indiciado , suspeito e pelo Ministério Público, mas o Delegado tem a prerrogativa de não as acatar (CPP, art. 14) desde que motivadamente.. Pode inclusive ser sigiloso , se a autoridade policial justificar a necessidade (art. 20), mas vinculada ao interesse público, não se podendo excluir os advogados dos indiciados (EOAB, art. 7º, XIV), conforme a Súmula Vinculante n. 14: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”. A exposição dos conduzidos à imprensa, longe de ser forma de publicidade , sem o prévio consentimento expresso do agente, configura abuso de autoridade da autoridade policial responsável (Lei n. 4.898/65, art. 4o, “b” – submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei”). A imagem e intimidade são atributos do sujeito conduzido e somente podem ser flexibilizadas na hipótese declarada por escrito e nos autos, nos termos do art. 20 do Código Civil (Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.). A exposição do preso como se fosse “caça” ou produto comercial é abusivo e ilegal. A justificativa democrática para que seja exposto se dá no âmbito da investigação criminal, ou seja, se a imagem ou dados pessoais forem necessárias para elucidação do crime ou de outros fatos criminosos. A vítima também pode requerer ao juiz a garantia dos seus direitos fundamentais (CPP, art. 201, § 6o)[295]. O direito à informação é o de saber que alguém foi preso por tal fato sem precisar dos dados pessoais. A exposição de seus dados, sem justificativas, é
perversão democrática e crime. 2.7. O suspeito ou indiciado possui o direito de não produzir prova contra si mesmo[296]. Logo, não poderá ser obrigado a participar de reconstituição, fornecer padrões vocais (STF, HC 83.096), padrões gráficos de próprio punho (STF, HC 77.135), sangue, esperma, etc... Essa negativa não impede que a autoridade policial possa investigar por outros meios lícitos (p.ex. o lixo do investigado, requisição de documentos em repartições públicas, colégios, etc..). Além disso o conduzido deve ser necessariamente advertido do direito ao silêncio . A famosa advertência de Miranda foi reconhecida pela Corte Suprema dos Estados Unidos, em 1966, no caso Miranda x Arizona, reconheceu que é pressuposto à validade das declarações que o acusado tenha a possibilidade anterior de se consultar com um defensor (daí a inconstitucionalidade do art. 21 do CPP) e tenha sido advertido do seu direito de não se autoincriminar.[297] 2.8. O indiciamento é ato formal pelo qual o sujeito passa a ocupar o lugar de indicado, isto é, a declaração pelo Estado de que há indicativos convergentes sobre sua responsabilidade penal, com os ônus daí decorrentes. A presunção de inocência veda o indiciamento arbitrário. Não pode ser considerado como mero ato automático. Pressupõe a apuração da materialidade da infração e informação suficiente de autoria. Diferencia-se o averiguado/suspeito do indiciado. Diante da legalidade, havendo indicativos, o indiciamento é obrigatório e traz como consequência o interrogatório, pregressamento, identificação criminal, acesso às informações já coletadas, via defesa técnica, dando-lhe um lugar na investigação preliminar[298]. A nomeação de curador (CPP, art. 15) perdeu o sentido em face da maioridade civil (Código Civil, art. 5o). 2.9. O prazo para encerramento das investigações regido pelo CPP é o de 10 (dez) dias se estiver o investigado preso e 30 (trinta) dias se estiver solto, podendo ser prorrogado, desde que justificada a necessidade. Diante da duração razoável da intervenção estatal, mesmo na hipótese de investigação por fato de difícil elucidação (CPP, art. 10, § 3o), não é possível estender-se por diversos anos (STJ, HC 96.666). A Polícia Federal , por sua vez, possui o prazo de 15 (quinze) dias, prorrogável por igual prazo (Lei n. 5.010/66, art. 66). Nos crimes da Lei de Drogas , o prazo é de 30 (trinta) dias para preso e 90 (noventa) para solto (Lei n. 11.343/06, art. 51). A demora na finalização do auto de prisão não pode se dar por ausência de condições materiais, mas sim e exclusivamente pela pendência justificada de alguma diligência policial. 2.10. Não pode a autoridade policial arquivar o inquérito por si mesma (CPP, art. 17). Os autos serão remetidos ao titular da ação penal para que este se manifeste (CPP, art. 19). O MP poderá determinar a devolução dos autos à autoridade policial para realização de diligências extras, se imprescindíveis (CPP, art. 16). Se assim não ocorrer, ou após cumpridas as diligências requeridas, deverá decidir o MP pelo oferecimento de denúncia ou pelo arquivamento , que não fará coisa julgada , podendo ser reaberto o procedimento se apurados novos elementos (art. 18). O desarquivamento pressupõe prova materialmente nova , isto é, a não existente nos autos (STF, Súmula n. 524). A prova já existente nos autos e não considerada é formalmente nova e impede a reabertura. Também impede a nova compreensão dos fatos por outro órgão do Ministério Público.
2.11. Ao julgador descabe contrariar a jogada do acusador , isto é, se requerido motivamente o arquivamento, a postergação do jogo diante das informações que possui, descabe qualquer função do juiz. Adotada postura antidemocrática, poderá o julgador se valer da regra do art. 28 do CPP para o fim de recorrer ao Chefe do Ministério Público. 2.12. Em relação à validade dos elementos colhidos no Inquérito Policial , diante de suas peculiaridades (sem garantia da Jurisdição, do Contraditório, da Ampla Defesa, da Motivação dos Atos), cabe distinção: a) em relação às provas periciais o contraditório será diferido , a saber, no decorrer da instrução processual as partes poderão impugnar os laudos, pareceres, perícias, inclusive requerendo esclarecimentos e sua renovação; b) no tocante aos depoimentos testemunhais a renovação é obrigatória . Cuida-se de mero ato de investigação[299] , sem que o indiciado tenha participado da produção das informações, nem mesmo controlada pelo Estado Juiz. A validade, portanto, é somente para análise da justa causa e cautelares pré-jogo, como explica Lopes Jr: “O inquérito policial somente pode gerar o que anteriormente classificamos como atos de investigação e essa limitação de eficácia está justificada pela forma mediante a qual são praticados, em uma estrutura tipicamente inquisitiva, representada pelo segredo, a forma escrita e a ausência ou excessiva limitação do contraditório. Destarte, por não observar os incisos LIII, LIV, LV e LVI do art. 5o e o inciso IX do art. 93, da nossa Constituição, bem como o art. 8o da CADH, o inquérito policial jamais poderá gerar elementos de convicção valoráveis na sentença para justificar uma condenação. ”[300]. Anote-se, por fim, que a não realização de provas periciais por deficiência do aparato de investigação não é culpa do indiciado. Nos crimes que deixam vestígios (CPP, art. 158), é indispensável. Ausente, não pode ser suprida por prova indireta (STJ, HC 131.655).
3. Prisão em Flagrante 3.1. A prisão em flagrante é a exceção à necessidade de ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária (CR, art. 5º, LXI , CPP, art. 283). Pode ser realizada por qualquer do povo (facultativa) e por autoridade policial e seus agentes (obrigatória), nos termos do art. 301 do CPP. É prisão realizada antes do inicio da partida processual e não prende por si, demandando controle jurisdicional. Logo, vinculada expressamente às hipóteses legais. Com fundamento em Carnelluti, Lopes Jr. invoca a metáfora da fogueira para que se possa entender o flagrante: “Essa chama, que denota com certeza a existência de uma combustão, coincide com a possibilidade para uma pessoa de comprová-lo de mediante a prova direta. Como sintetiza o mestre italiano: a flagrância não é outra coisa que a visibilidade do delito.”[301] 3.2. Nos termos do art. 302 do CPP, considera-se em flagrante delito quem: a) está cometendo a infração penal; b) acaba de cometê-la; c) é perseguido (CPP, art. 290, § 1º), logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração. Se a perseguição (sem interrupção, mesmo perdendo de vista ou por informações aptas) transpassar os limites territoriais da comarca, efetivada a prisão, deve ser o conduzido apresentado à autoridade policial do local da prisão (CPP,
art. 290 e § 1º); d) é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração. Embora seja controversa a classificação da doutrina, pode-se distinguir flagrante; a) próprio (incisos I e II); b) impróprio (incisos III) e, c) presumido (inciso IV). A Lei n. 9.034/95 (Lei das Organizações Criminosas), no seu art. 2º, II, bem assim o art. 53, II, da Lei n. 11.343/06, estipulam o denominado flagrante postergado (diferido, prorrogado), o qual somente poderá ser realizado no âmbito de organizações criminosas ou tráfico, mediante prévia autorização, sob a justificativa de que auxiliará na obtenção de provas sobre a organização criminosa. Constitui-se em prática ilegal a iniciativa isolada da autoridade policial na postergação do flagrante sem a respectiva autorização legal, especialmente quando ausente sequer referência à organização criminosa, via IP instaurado. 3.3. O flagrante preparado ou provocado é o induzido/instigado pela autoridade policial, portanto, ilícito. (STF, Súmula n. 145: Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação.) Diferencia-se do esperado pelo qual a autoridade possui informações de que o crime pode acontecer e o aguarda, sendo lícito. Já no forjado a situação é criada pelos agentes realizadores da prisão, assim, ilícita. 3.4. Nos crimes permanentes há confusão lógica na interpretação prevalente. De fato, o art. 303 do CPP, autoriza a prisão em flagrante nos crimes permanentes enquanto não cessar a permanência. Entretanto, a permanência deve ser anterior à violação de direitos. Dito diretamente: deve ser posta e não pressuposta/imaginada . Não basta, por exemplo, que o agente estatal afirme ter recebido uma ligação anônima, sem que indique quem fez a denúncia, nem mesmo o número de telefone, dizendo que havia chegado droga, na casa “x”, bem como que “acharam” que havia droga porque era um traficante conhecido, muito menos que pelo comportamento do agente “parecia” que havia droga. É preciso que hajam evidências ex ante. Assim é que a atuação policial será abusiva e inconstitucional por violação do domicílio do agente quando movida pelo imaginário. Embora seja uma prática rotineira a violação da casa de pessoas pobres, porque a polícia não entra assim em moradores das classes ditas altas, não se pode continuar tolerando a arbitrariedade. Desde há muito se sabe – e os policiais não podem desconhecer a lei – que não se pode entrar na casa de ninguém (CPP, art. 293) – pobre ou rico – sem mandado judicial, salvo na hipótese de flagrante próprio, o qual não existe com denúncia anônima. Nem se diga que depois se verificou o flagrante porque quando ele se deu já havia contaminação pela entrada inconstitucional no domicílio. Castanho de Carvalho aponta: “Em conclusão, só é possível o ingresso em domicílio alheio nas circunstâncias seguintes: à noite ou de dia, sem mandado judicial, em caso de flagrante próprio (CPP, art. 302, I e II), desastre ou prestação de socorro; e durante o dia, com mandado judicial , em todas as outras hipóteses de flagrante (CPP, art. 302, III e IV). Reconheço que a falta de estrutura do sistema investigatório brasileiro, tornando inviável o contato próximo e a tempo com a autoridade judiciária, possa fazer com que o entendimento exposto se transforme em mais um entrave burocrático à persecução penal. Não é essa a intenção, mas não se pode aceitar que a doutrina fique à mercê da boa-vontade dos governantes
para dotarem a polícia dos recursos técnicos e humanos necessários para o desempenho da função.”[302] Assim é que não se pode tolerar violações de Direitos Fundamentais em nome do resultado , pois pelo mesmo argumento seria legítima a “tortura”, a qual, no fundo não é tão diferente da ação iniciada exclusivamente por “denúncia anônima”, à margem da legalidade e com franca violação dos Direitos Fundamentais. Claro que o argumento seguinte é: mas o proprietário autorizou a entrada! Será que alguém acredita mesmo que o conduzido autorizou? Não há verossimilhança, ainda mais com a constante acolhimento jurisdicional dessa prática, mormente em se tratando de crime permanente, como de tráfico. A prevalecer essa lógica, a garantia do cidadão resta fenecida. Tôrres sustenta: “Ora, sabendo que alguém tem em depósito drogas, vende droga, ou outras situações de permanência é que pode, conforme a Constituição, penetrar em domicílio sem o consentimento do morador. Sabe, logo tem indícios que permitam solicitar ao juiz o mandado, imprescindível contra o abuso. Não basta a mera desconfiança, pois corre o risco de responder por descumprimento da lei, logo, impossível considerar válida a apreensão nesses casos, sem ordem judicial. Seria, como o é de fato, fazer vista grossa aos abusos policiais (..) Como entender urgente o que se protrai no tempo? É possível, graças à presença diuturna do judiciário guardião da lei, requerer e ser atendido em pouco tempo, o direito constitucionalmente previsto de entrar em domicílio. A facilidade do arguir-se urgência é forma espúria de desconhecer direitos, é subterfúgio para o exercício de força, é descumprimento do dever de acatar as diretrizes políticas assumidas pelo Estado. Impossível legalizar o ilícito. Deve, nestes crimes chamados permanentes, especificamente por durarem, não se reconhecer a urgência do flagrante próprio, pois nem se evita sua consumação, nem se impede maiores consequências, e, sobretudo, arrisca-se sequer determinar a autoria, interesse maior nesses casos. O argumento de urgência deve fundamentar pedido à autoridade judiciária, inclusive, modos legais de realização. Nada impede o respeito à intimidade nessa hipótese. (...) No caso do flagrante em crime permanente, vê-se com muita frequência não só o descumprimento da lei, mais que isto, um caminho perigoso a permitir retornem as más autoridade o modelo inquisitorial, buscando provar a qualquer custo, não se preocupando com mais nada, senão com a punição pela punição.”[303] Cabe destacar julgado relatado pelo Des. Geraldo Prado, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (Apelação Criminal n. 2009.050.07372, verdadeira aula de como se deve proceder na garantia de Direitos Fundamentais:“APELAÇÃO. PENAL, PROCESSO PENAL E CONSTITUCIONAL. ARTIGOS 171, § 2.º, INCISO V, NA FORMA DO ARTIGO 14, INCISO II, 299 E 340, TODOS DO CÓDIGO PENAL. CONDENAÇÃO. PROVA ILÍCITA. INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO, INTIMIDADE, VIDA PRIVADA E DIREITO AO SILÊNCIO. CONSEQUENTE ABSOLVIÇÃO. Apelantes condenadas pela prática dos crimes definidos nos artigos 171, § 2.º, inciso V, na forma do artigo 14, inciso II, 299 e 340, todos do Código Penal. Prova ilícita. Ingresso indevido no quarto de hospedagem das acusadas. Inviolabilidade de domicílio, da intimidade e da vida privada (artigo 5.º, incisos X e XI, da Constituição da República). Rés que não foram informadas de seu direito ao silêncio (artigo 5.º, inciso LXIII, da Constituição da República). Apreensão dos bens falsamente furtados, portanto, ilícita. Prova oral que, decorrente exclusivamente dessa
apreensão, também se revela ilícita. Desaparecimento da materialidade do crime. Absolvição.” Consta do voto: “O ingresso não pode decorrer de um estado de ânimo do agente estatal no exercício do poder de polícia. Ao revés, é necessário que fique demonstrada a fundada – e não simplesmente íntima – suspeita de que um crime esteja sendo praticado no interior da casa em que se pretende ingressar e que o ingresso tenha justamente o propósito de evitar que esse crime se consume. Se assim não fosse, seria permitido ingressar nas casas alheias, de forma aleatória, até encontrar substrato fático, consistente em flagrante delito, capaz de ensejar a formal instauração de procedimento investigatório criminal. Mais que isso, seria incentivar que a autoridade policial assim fizesse e, com a intenção de se livrar de uma eventual imputação de abuso de autoridade, “encontrasse” à força o estado de flagrância no domicílio indevidamente violado.” Por tais razões, diante das condições em que a materialidade continua sendo apreendida neste país, em franca violação dos direitos fundamentais, a prova deve ser declarada ilícita, especialmente nos casos de ilegal denúncia anônima, bem assim quando a atuação dos policiais acontece sem mandado judicial, implicando, pois, na ilegalidade da apreensão da droga e, por via de consequência, da ausência de materialidade. Agora não se pode é se acovardar em nome do resultado. A função do Judiciário é de garantia! 3.5. Nos Juizados Especiais Criminais não será imposto flagrante, mas encaminhamento para audiência (Lei nº. 9099/95, art. 69), especialmente pelo montante das penas a se aplicar. 3.6. O uso da força (CPP, art. 284) deve ser a necessária para manutenção do ato (resistência à prisão ou receio justificado de fuga), inclusive contra terceiros (CPP, art. 292), salvo se precisar adentrar em residência, diante da inviolabilidade (CR, art. 5º, XI), atendido o disposto no art. 293 do CPP. O excesso é punível. A utilização de algemas é restrito, nos termos da Súmula Vinculante n. 11 : “Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.” 3.7. No aspecto formal o Auto de Prisão em Flagrante, deve ser escrito, com a oitiva do condutor, das testemunhas e do conduzido, verificação da hipótese de prisão em flagrante (CPP, art. 302 ou 303), lavratura do auto, com deliberação sobre a prisão ou a soltura (CPP, art. 309). Deverá avaliar a possibilidade de fiança, a qual recolhida, implica na liberação do conduzido. Anote-se que diante das condições pessoais do conduzido, o CPP estipula prisão especial (CPP, art. 295 e 296). Os presos cautelares , ademais, devem ficar separados dos definitivos (CPP, art. 300). 3.8. Lavrado o APF, nos termos do art. 306, do CPP, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas , deverá ser comunicado o juiz competente, o Ministério Público, a família do conduzido (CR, art. 5º, LXII), seu advogado e, na falta desse, da Defensoria Pública (CPP, art. 306, § 1º), bem assim entregue nota de culpa . Diante da função de julgador e não de jogador, descabe a prisão de ofício, ou seja, o juiz não pode se antecipar na jogada que
compete ao acusador, até porque o art. 311 do CPP impede a prisão – para aqueles que entendem ser possível de ofício – na fase de investigação, mas somente na ação penal, inexistente, por óbvio. Assim é que no prazo de 24 horas deverá ser requerida, pelo acusador (Ministério Público/querelante) as razões da decretação da prisão preventiva ou da aplicação de alguma medida cautelar (CPP, arts. 312 c/c art. 319), analisando-se a liberdade provisória, com ou sem fiança (CPP, art. 321 e sgts.) ou medidas cautelares (CPP, art. 319 E sgts).
4. Prisão Cautelar como Tática (de Guerra) no Jogo Processual 4.1. A partir da teoria dos jogos as medidas cautelares podem se configurar como mecanismos de pressão cooperativa e/ou táticas de aniquilamento (simbólico e real, dadas as condições em que são executadas). A mais violenta é a prisão cautelar . A prisão do indiciado/acusado é modalidade de guerra com “tática de aniquilação”, uma vez que os movimentos da defesa estarão vinculados à soltura. Clausewitz deixou herdeiros no processo penal ao apontar que a pressão pela liberdade ou por finalizar o processo ajuda na estratégia, uma vez que atua no centro de gravidade: a liberdade. Além disso, a facilidade probatória (testemunhas e informantes com memória mais próxima da conduta, mídia acompanhando, etc..) e redução da condição do acusado a objeto (subjugação psicológica do acusado, defensor, familiares etc...)[304] podem ser úteis à acusação, como já apontava o Manual dos Inquisidores[305]. 4.2. Isso porque a tradição ‘Inquisitória’ herdada solapa a Presunção de Inocência, partindo da prévia contenção do agente que é ainda mero investigado/acusado, na melhor perspectiva da ‘Criminologia Positiva’, segundo a qual o desviante, dada sua periculosidade , deve ser objeto de atenção estatal, para evitar hipotética violação (imaginária) da sociedade, tudo em nome da ‘Defesa Social’. Apesar da impossibilidade fática da extinção das ‘prisões cautelares’[306] , é possível se defender que para sua decretação ou manutenção devem concorrer os requisitos legais para tanto, não sendo bastante a mera referência à capitulação, em tese, da conduta, havendo necessidade inafastável da demonstração, fundamentada, de sua excepcionalidade, a partir da noção d e devido processo legal substancial , ou seja, necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito. Não serve, portanto, a mera transcrição dos termos legais, devendo-se comprovar argumentativamente as condições fáticas de tal medida, sendo imprestáveis, também a mera gravidade da infração imputada[307] , o clamor público[308] e os antecedentes[309]. A garantia da ‘presunção de inocência’ precisa ser levada a sério , evitando-se prisões anteriores ao julgamento definitivo, sob pena de se transformar – diz Ferrajoli – a “ presunção de inocência a um inútil engodo, demonstrando que o uso deste instituto, antes ainda de um abuso, é radicalmente ilegítimo e além disso apto a provocar, como a experiência ensina, o esvaecimento de todas as outras garantias penais e processuais. ”[310] 4.3. A tentação ‘criminológica’ de ‘Defesa Social’ [311] , ou seja, de julgar o acusado e não a hipotética conduta, escorrega – via (in)consciente – na cadeia de significantes
previstos na lei, até poque a legislação utiliza-se de termos claramente ‘vagos’ e ‘ambíguos’ para acomodar matreiramente em seu universo semântico qualquer um, articulando-se singelos requisitos retóricos, valendo, por todos, a anemia semântica do art. 312 do CPP: ordem pública, ordem econômica, conveniência da instrução criminal, assegurar a aplicação da lei penal. De fato, àquele que conhece um pouquinho da estrutura linguística pode construir artificialmente tais pseudo requisitos, cuja falsificação – pressuposto –, diante da contenção, será inverificável. Em outras palavras, se deferida a prisão, os argumentos se desfazem. Afinal, o acusado estará preso e não se poderão verificar os ditos motivos da prisão[312]. De outro lado, as ‘prisões obrigatórias’, ‘nos termos da lei’[313] , violam expressamente a garantia da ‘presunção de inocência’[314]. Anote-se que se o magistrado assume a postura de julgador e não jogador , jamais poderá decretar a prisão de ofício. Somente assim há respeito ao processo penal democrático, nos termos propugnados pela Constituição da República, dado que foram delineados lugares próprios, como visto: a) julgador: magistrado; b) jogador-acusador: Ministério Público ou querelante e assistente de acusação; c) Jogador-defensor: acusado (defesa direta) e Defensor (defesa indireta). 4.4. Até a edição da Lei n. 12.043/11, o julgador possuía apenas duas opções: prisão ou liberdade provisória . Salvo no regime da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/06), a qual dispunha de medidas cautelares específicas [315] , por ausência de previsão legal e impossibilidade de aplicação de cautelares atípicas (isto é, não previstas expressamente em lei), não havia modulação: ou preso ou solto[316]. Prado demonstra a importância das decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos, por seu Informe n. 35/2007, pelo qual, pelo menos desde o julgamento López Álvarez x Honduras, destacou: “... no item 59 da citada sentença, que há obrigação do Estado membro consistente em não restringir a liberdade do preso mais além dos limites necessários para assegurar que, em liberdade, o imputado não prejudicará a colheita da prova ou embaraçará a ação da Justiça. E a Corte concluiu que esta mesma obrigação exclui a possibilidade de se considerar suficientes, para a decretação da prisão, as características pessoais do imputado e a gravidade, em tese, do crime que se lhe atribui. Reafirma a Corte que ‘la prisión preventiva es una medida cautelar y no punitiva’.[317] Por decorrência do Informe 35/2007 e, diante da consequência da política criminal de recrudescimento das penas, isto é, Sistema Penal lotado, sem capacidade de assimilação, cultura inquisitória[318] , o projeto de lei das cautelares foi resgatado e aprovado. Como bem apontam Barros e Machado[319] , o projeto sofreu emendas e perdeu sua (possível) organicidade. Há paradoxos intransponíveis no projeto, como por exemplo, ao determinar no art. 282 (As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas, observando-se: I – necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais ), deixar a redação do art. 312 inalterada. Assim é que a redação proposta do art. 312 do CPP (A prisão preventiva poderá ser decretada quando verificados a existência de crime e indicíos suficientes de autora e ocorrerem fundadas razões de que o indiciado ou acusado venha a crias obstáculos à instrução do proceso ou à execução de sentença ou venha a praticar infrações penais relativas ao crime organizado, à probidade administrativa ou à ordem
econômica ou financeira consideradas graves, ou mediante violência ou grave ameaça à pessoa) foi vetada e se manteve redação atual. Ausente lei que explicite as imputações que ensejam a prisão cautelar por ordem pública, mostra-se ilegal qualquer prisão nela fundamentada. Mesmo assim, com muito contorcionismo[320] , baseados em compreensões que simplemente ignoram o disposto no art. 282, I, do CPP e o art. 5o da CR/88, continua-se decretando prisão cautelar pela ordem pública. Somente se pode prender cautelarmente para garantia da instrução criminal e aplicação da lei penal . Anote-se que a prisão cautelar deverá ser justificada também na decisão judicial, dado que a presença dos requisitos para condenação em nada se vinculam à antecipação da pena. 4.5. Por isto a importância da manifestação do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do HC 91.232. relator Ministro Eros Grau, no qual, até que enfim, deu-se sentido democrático ao processo penal e à presunção de inocência: “HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA “EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA”. ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O art. 637 do CPP estabelece que “[o] recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença”. A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. 2. Daí a conclusão de que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP. 3. Disso resulta que a prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar. 4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. 5. A antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magistrados --- não do processo penal. A prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais [leia-se STJ e STF] serão inundados por recursos especiais e extraordinários, e subseqüentes agravos e embargos, além do que “ninguém mais será preso” . Eis o que poderia ser apontado como incitação à “jurisprudência defensiva”, que, no extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento do STF não pode ser lograda a esse preço. 6. Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade. É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual Ordem concedida. ” Pode-se discorrer sobre muita coisa deste voto, o qual, fala
por si mesmo. Cabe relevar que o processo penal, como garantia, precisa ser levado a sério, sob pena de se continuar a tratar a “Inocência” como figura decorativo-retórica de uma democracia em constante construção e que aplica, ainda, processo penal do medievo, cujos efeitos nefastos se mostram todos os dias[321]. Por isto a necessária superação da farsa da mentalidade inquisitória! 4.6. Nesse sentido, Lopes Jr. Indica: “A conversão da prisão em flagrante em preventiva não é automática e tampouco despida de fundamentação. E mais, a fundamentação deverá apontar – além do fumus commissi delicti e o periculum libertatis – os motivos pelos quais o juiz entendeu inadequadas e insuficientes as medidas cautelares diversas do art. 319, cuja aplicação poder ser isolada ou cumulativa (...) Qualquer que seja o fundamento da prisão, é imprescindível a existência de prova razoável do alegado periculum libertatis, ou seja, não bastam presunções ou ilações para a decretação da prisão preventiva. O perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado deve ser real, com um suporte fático e probatório suficiente para legitimar tão gravosa medida. Sem periculum libertatis, a prisão não poderá ser decretada (ainda que se tenha a fumaça do crime). Mas, mesmo que se tenha situação de perigo a ser cautelarmente tutelada, é imprescindível que o juiz a analise à luz dos princípios da necessidade, excepcionalidade e proporcionalidade, anteriormente explicados, se não existe medida cautelar diversa, que aplicada de forma isolada ou cumulativa, se revele adequada e suficiente para tutelar a situação de perigo. não se trata de crime cometido com violência ou grave ameaça e o deve ser levado em conta o estado constitucional de inocência.”[322] A previsão do artigo 282, § 6º, dispõe expressamente que a prisão preventiva será determinada quando não cabível sua substituição por outra medida cautelar. (TJSC, Habeas Corpus n. 2012.073724-5, da Capital, rel. Des. Roberto Lucas Pacheco; STJ, HC 155.665). Demonstrado, pois, que, a despeito de haver indícios de autoria e prova da materialidade, o periculum libertatis não está configurado, deve ser concedida liberdade, com ou sem medidas cautelares ou fiança[323]. Lembre-se da hipótese em que houver dúvida fundada sobre a identificação criminal do acusado (CPP, art. 313, parágrafo único c/c Leis n. 12.037/09 e 12.654/12). 4.7. Reconheça-se, a questão aqui é ideológica! Parcela majoritária da magistratura entende que a prisão cautelar torna as cidades seguras, o acusado deve permanecer preso antecipadamente, quem sabe cumprir toda a pena, até que se confirme a decisão. Pensam conforme a matriz inquistória. Uma outra parcela compreende que a presunção de inocência prepondera, o acusado deve aguardar a definição de sua culpa até o trânsito em julgado para somente depois iniciar-se o cumprimento da pena (STF, Habeas Corpus nº 100.430, Min. Celso de Mello). Imputações sem violência nem grave ameaça, frases feitas de medo, terror, pânico, escalada de criminalidade não deveriam seduzir. A pertinência de cada prisão deve ser demonstrada argumentativamente na hipótese singular. Também não serve, pois, a vedação genérica da liberdade provisória, como na lei de drogas ou de armas, pois isto é flagrantemente inconstitucional. A lei não pode restringir o acesso à justiça, ou seja, o art. 5º, XXXV, da CR, preconiza que o pedido de liberdade, pressuposto da democracia, deve ser analisado. Sempre. A restrição genérica vincula-se a uma
compreensão inquisitória de processo, da qual se deve passar longe[324]. 4.8. O fato de ser imputada, eventualmente, conduta apenada com reclusão, por si, não pode ser óbice para o deferimento do pedido, em nome de uma difusa ordem pública, até porque, como bem aponta Lopes Jr: “Muitas vezes a prisão preventiva vem fundada na cláusula genérica ‘garantia da ordem pública’, mas tendo como recheio uma argumentação sobre a necessidade de segregação para o ‘reestabelecimento da credibilidade das instituições’. É uma falácia. Nem as instituições são tão frágeis a ponto de se verem ameaçadas por um delito, nem a prisão é um instrumento apto para esse fim, em caso de eventual necessidade de proteção. (...) Noutra dimensão, é preocupante – sob o ponto de vista das conquistas democráticas obtidas – que a crença nas instituições jurídicas dependa da prisão de pessoas. Quando os poderes públicos precisam lançar mão da prisão para legitimar-se, a doença é grave, e anuncia um grave retrocesso para o estado policialesco e autoritário, incompatível com o nível de civilidade alcançado. Na mais das vezes, esse discurso é sintoma de que estamos diante de um juiz ‘comprometido com a verdade’, ou seja, alguém que, julgando-se do bem (e não se discutem as boas intenções), emprega uma cruzada contra os hereges, abandonado o que há de mais digno da magistratura, que é o papel de garantidor dos direitos fundamentais do imputado. Como muito bem destacou o Min. Eros Grau (HC 95.009-4) ‘o combate à criminalidade é missão típica e privativa da Administração (não do Judiciário). (...) No que tange à prisão preventiva para em nome da ordem pública sob o argumento de risco de reiteração de delitos, está se atendendo não ao processo penal, mas sim a uma função de polícia do Estado, completamente alheia ao objeto e fundamento do processo penal. Além de ser um diagnóstico absolutamente impossível de ser feito (salvo para os casos de vidência e bola de cristal), é flagrantemente inconstitucional, pois a única presunção que a Constituição permite é a de inocência e ela permanece intacta em relação a fatos futuros. (...) A prisão para garantia da ordem pública sob o argumento de ‘perigo de reiteração’ bem reflete o anseio mítico por um direito penal do futuro, que nos proteja do que pode (ou não) vir a ocorrer. Nem o direito penal, menos ainda o processo, está legitimado à pseudotutela do futuro (que é aberto, indeterminado, imprevisível). Além de inexistir um periculosômetro (tomando emprestada a expressão de ZAFFARONI), é um argumento inquisitório, pois irrefutável. Como provar que amanhã, se permancer solto, não cometerei um crime? Uma prova impossível de ser feita, tão impossível como a afirmação de que amanhã eu o praticarei. Trata-se de recusar o papel de juízes videntes, pois ainda não equiparam os foros brasileiros com bolas de cristal...”[325] 4.9. Anote-se, no contexto, que a comprovação de ocupação lícita é herança totalitária, a saber, quando o CPP foi editado, na sua versão original, era vedada a concessão de liberdade provisória para o acusado considerado “vadio”, exigindo-se, para tanto, o então denominado atestado de ocupação lícita. Entretanto, sendo o trabalho direito e não dever (CR, art. 7º), tal exigência é incompatível com a democracia, sem contar que, diante da quantidade de pessoas desempregadas, estes seriam penalizados por não terem emprego![326] 4.10. A imposição de medidas cautelares (CPP, art. 319), vincula-se ao resultado do
processo, não sendo aplicação antecipada da pena. Para Pacelli, a prisão preventiva busca sua justificativa e fundamentação “na tutela da persecução penal, objetivando impedir que eventuais condutas praticadas pelo alegado autor e/ou por terceiros possam colocar em risco a efetividade do processo”.[327] A presunção de inocência (o forte a ser tomado pela acusação) milita em favor da defesa. Daí que a jogador acusador pode utilizar a jogada da prisão cautelar como mecanismo de pressão e também, embora não devesse ser possível, como pena antecipada. Parece que ninguém aceitaria reconhecer que diante da Constituição da República há prisão sem trânsito em julgado. Entretanto, com os mais variados fundamentos, as pessoas continuam presas cautelarmente no Brasil sem análise do devido processo legal substantivo[328]. 4.11. Cabe sublinhar, também, que as medidas cautelares (CPP, art. 319 comparecimento periódico em juízo; proibição de acesso ou frequência a determinados lugares; proibição de matner contato com pessoa determinada; proibição de ausentar-se da comarca; recolhimento domiciliar; suspensão do exercício de função pública ou atividade econômica ou financeira; internação provisória; fiança e monitoramento eletrônico[329]) e a prisão domiciliar (CPP, art. 320), devem guardar pertinência com a imputação formalizada, isto é, descabe a aplicação genérica como prevenção geral. 4.12. Embora o Brasil não tenha adotado o prazo máximo de duração do processo, diante da cláusula do julgamento sem demoras (prazo razoável), antes da reforma de 2008, apontava-se o prazo máximo de 81 (oitenta e um) dias o limite da prisão cautelar. O STJ editou as Súmulas n° 52 (Encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento por excesso de prazo.) e n° 64 (Não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução, provocado pela defesa.), rejeitando o excesso de prazo depois de finalizada a instrução ou por ação defensiva. Entretanto, com a nova conformação dos procedimentos (CPP, art. 394, §§ 2º e 5º, art. 400 c/c art. 403), mediante audiência única e julgamento oral no próprio ato, a Súmula n. 52 perdeu o sentido (se é que um dia teve). Computando os prazos do novo procedimento, o Conselho Nacional de ustiça editou o Plano de Gestão para o Funcionamento de Varas Criminais e de Execução Penal e, depois, o Manual Prático de Rotinas das Varas Criminais e de Execução Penal , pelos quais, “ultrapassado o prazo estimado para a duração razoável do processo”, fixado em 105 (cento e cinco) dias[330] , prorrogados por mais 26 dias, no caso de aplicação do § 3º do art. 403, do CPP , desde que justificada a necessidade[331] , cotejadas com as cláusulas indicadas pela Corte Européia dos Direitos do Homem, analisáveis no caso de demora - a) complexidade do assunto; b) comportamento da acusação e da defesa; e c) a atuação do órgão jurisdicional[332] – diz o CNJ “a prisão preventiva, em tese, passa a ser considerada ilegal, devendo ser providenciado o seu relaxamento.” Os critérios devem ser justificados , não bastando a alegação, dado que, diz Choukr: “conseguir um limite claro a partir do qual não há mais como se falar em razoabilidade da dilação”[333] , passa a ser elemento do devido processo legal substancial[334]. Lopes Jr. e Badaró, parafraseando Daniel Pastor, sustentam que “se, inteligentemente, não confiamos nos juízes a ponto de delegar-lhes o poder de determinar o conteúdo das condutas puníveis, nem o tipo de pena a aplicar, ou sua
duração sem limites mínimos e máximos, nem as regras de natureza procedimental, não há motivo algum para confiar a eles a determinação do prazo máximo razoável de duração do processo penal.” [335] 4.13. A prisão temporária , convertida que foi da Medida Provisória nº 111/89, regulada pela Lei nº7.960/89, é manifestamente inconstitucional. O Supremo Tribunal Federal analisando (ou melhor, tergiversando) a questão, entendeu (Medida Cautelar nº 162, julg. 14.12.89) que a prisão não era obrigatória, devendo, de qualquer sorte, ser fundamentada. Entende-se diversamente, dado que nem no período do Regime Militar tamanha petulância ocorreu, uma vez que o Decreto Lei não podia suplantar a competência legislativa originária. Não há lavagem-da-legalidade depois por ter sido validada pelo processo legislativo, pois há vício de origem. Dito de outra forma: nem se diga que pela catarse da conversão em lei estaria legitimando a Medida Provisória. O processo legislativo está viciado por sua origem. Por isso remanesce a irresignação. Fauzi Hassan Choukr afirma, com razão: “No julgamento anunciado, a Corte Suprema tangenciou os temas fundamentais da matéria, e corroborou uma vez mais a inequívoca vocação legislativa do Poder Executivo, desta vez acobertando-a com o manto da não obrigatoriedade da aplicação da medida pelo magistrado no caso concreto, que apenas tomaria a medida com a devida fundamentação. Verdadeiramente não é este o ponto central do descumprimento da cláusula constitucional que determina ser a medida provisória empregada apenas em casos de extrema urgência e relevância.” [336] Aury Lopes Jr indica que: “nasce logo após a promulgação da Constituição de 1988, atendendo a imensa pressão da polícia judiciária brasileira, que teria ficado ‘enfraquecida’ no novo contexto constitucional diante da perda de alguns importantes poderes, entre eles o de prender para ‘averiguações’ ou ‘identificação’ dos supeitos. Há que se considerar que a cultura policial vigente naquele momento, onde prisões policiais e até a busca e apreensão eram feitas sem a intervenção jurisdicional, não concebia uma investigação policial sem que o suspeito estivesse complemente à disposição da polícia. (...) Então não se pode perder de vista que se trata de uma prisão cautelar para satisfazer o interesse da polícia, pois, sob o manto da ‘imprescindibilidade para as investigações do inquérito’, o que se faz é permitir que a polícia disponha, como bem entender, do imputado. (...) A prisão temporária cria todas as condições necessárias para se transformar em uma prisão para tortura psicológica, pois o preso fica à disposição do inquisidor. A prisão temporária é um importantíssimo instrumento na cultura inquisitória que ainda norteia a atividade policial, em que a confissão e a ‘colaboração’ são incessantemente buscadas. Não se pode esquecer que a ‘verdade’ esconde-se na alma do herege, sendo ele o principal ‘objeto’ da investigação.”[337] Nesse contexto, até porque se assume postura democrática, deve-se declarar inconstitucional a Lei (sic) n. 7.960/89, deixando-se bem claro que se elementos para preventiva se fizerem presentes, que se a requeira. Temporária não se decreto . Isto porque a mentalidade inquisitória da prisão para averiguações, para esclarecimentos, não se compadece com o processo democrático. Deveria ter acabado o tempo em que as pessoas eram presas para se investigar, embora, reconheça-se, seja a mentalidade de muita gente que opera no direito penal, em regra, porque foram formados – ou seduzidos – pelos discursos fáceis da lei-e-da-ordem, para os quais a tolerância deve ser zero!
5. Medidas Cautelares Assecuratórias 5.1. No subjogo das medidas cautelares assecuratórias , as quais servirão para incidentalmente garantir o efeito útil do processo em relação às provas, interesse econômico da vítima e do Estado, a confusão de finalidades é evidente. Anote-se que a Busca e Apreensão é regulada em local diverso, no campo das provas (CPP, art. 240). Acolhendo-se a divisão do CPP pode-se indicar: a) sequestro de bens móveis e/ou imóveis; b) hipoteca legal de bens imóveis, e; c) arresto prévio de bens móveis e/ou imóveis. 5.2. Somente podem ser deferidas pelo magistrado (reserva de Jurisdição), diferenciando-se das cautelares do âmbito do Processo Civil. Não podem ser nominadas como ações cautelares, dada a diferença marcante entre crime e cível, constituindo-se em medidas cautelares[338]. Equivocada a compreensão de que é a mesma cautelar cível (condições e requisitos) a ser julgada pelo juiz criminal. É necessária, no campo penal, a concorrência de elementos relativos à autoria , materialidade e urgência no tocante ao efeito útil do processo. Não basta a mera acusação para que se defira as medidas assecuratórias, nem deslizar no imaginário, dada a presunção de inocência. Demanda-se, também, a comprovação de que os demais meios são inaplicáveis, como por exemplo, ações cautelares em improbidade (Lei n. 8.429/92). Logo, devem ser excepcionais , provisórias e atender ao comando da proporcionalidade (adequação, necessidade, proporcionalidade em sentido estrito). 5.3. A partir da teoria dos jogos as medidas de indisponibilidade servem na estratégia de aniquilamento midiático e patrimonial[339]. Desestabilizam a possibilidade de defesa direta mediante o massacre nos meios de comunicação e, por outro lado, bloqueiam o patrimônio do acusado o qual resta imobilizado na sua disposição patrimonial, inclusive com o eventual defensor. Daí que devem sempre de exceção, devendo-se demonstrar os requisitos legais, partindo da presunção de inocência, conforme Aury Lopes Jr: “ Incumbe ao acusador demonstrarm efetivamente, o risco de dilapidação do patrimônio do imputado, com a intenção de fraudar o pagamento da indenização decorrente de eventual sentença condenatória”[340]. O procedimento é o previsto nos arts. 125-144.
6. Busca e Apreensão 6.1. A busca e apreensão (CPP, art. 240) é restrição à direito fundamental (inviolabilidade do domicílio, dignidade da pessoa humana, intimidade e a vida privada, incolumidade física e moral do sujeito) e, como tal, deve ser deferida somente no limite de sua autorização legal, a saber, em que os requisitos legais estejam cumpridamente demonstrados[341]. Embora denominada de Busca e Apreensão conjuntamente, diferencia-se a busca da apreensão. A busca possui a função de obter a prova mediante a localização de pessoas ou coisas, enquanto a apreensão tenciona garantir a prova ou restituição do patrimônio. Pode ser deferida tanto na fase pré-processual como na
processual, exigindo, todavia, a instauração de Investigação Criminal. Para sua concessão devem concorrer elementos de urgência e necessidade, vinculados ao devido processo legal substancial, não bastando mera suspeita ou ilações desprovidas de elementos probatórios, mesmo que preliminares. 6.2. Pitombo aponta que: “O direito fundamental só pode sofrer diminuição dentro da estrita legalidade. A hipótese de restrição há que estar prevista, modelada, em lei ordinária, consoante a Constituição; ainda, ter fins legítimos e possuir justificativa socialmente relevante. Devem ser considerados, também, os concretos meios, colocados à disposição, da justiça pública, para se atingir o fim desejado.” [342] Luciano Dutra sustenta: “A autoridade judicial quando determinar a realização de busca domiciliar deve, efetivamente, motivar a imprescindível necessidade da diligência, demonstrando de forma cabal os motivos justificadores que autorizam a violação daquilo que a própria Constituição Federal chama de ‘asilo inviolável’”[343]. Em cada hipótese deverá ser demonstrada a necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito das medidas requeridas. 6.3. Em relação ao controvertido conceito de casa, pode-se indicar que abrange a) habitação definitiva (própria ou alugada); b) moradia ou ocupação de caráter provisório (de temporada, hotel, motel, hostel, barraca de camping e similares – STF, RHC 90.376-RJ); c) dependências da casa; d) estabelecimentos comerciais, industriais e condomònios de acesso restrito ao público; e) meios de transporte providos ou transformados em “casa”, ou seja, quando parados - barco, trailer, cabine de caminhão. 6.4. No caso de Busca Domiciliar o consentimento fornecido por morador somente poderá ser válido quando se der pelo responsável pela casa, desprovido de pressão policial, observado o disposto no art. 293, do CPP. Assim, estando os policiais fardados, fortemente armados, acreditar-se em consentimento é cinismo, como também do acusado já preso, lembrando Lopes Jr a decisão do Tribunal Supremo da Espanha, datada de 1992: “O problema radica em saber se um detido ou preso, está em condições de expressar sua vontade favoravelmente a busca e apreensão, em razão precisamente da privaão de liberdade a que está submetido, o que conduziria a afirmar que se trata de de uma vontade viciada por uma intimidação sui generis... e dizesos sui generis porque o temor racional e fundando de sofrer um mal iminente e grave em sua pessoa e bens, ou pessoa e bens de seu cônjuge, descententes ou ascententes, não nasce de um comportamento de quem formula o convite ou pedido de autorização para realizar a busca com o consentimento do agente, senão da situação mesma de preso, isto é, de uma intimidação ambiental.” Logo, salvo em hipoteses de ausência de pressão, exceção, cabe reconhecer a regularidade da ação. Aliás, em crimes permanentes, consoante se viu anteriormente, segue-se o mesmo raciocínio.
7. Interceptação Telefônica 7.1. A função do Poder Judiciário é o de garantir Direitos Fundamentais do sujeito em face do Estado, a saber, as intervenções na esfera privada somente se justificam se
houver relevância coletiva e, no caso de investigações criminais, os fundamentos precisam ser firmes. A restrição a direitos fundamentais, avivada pela interceptação telefônica[344] , demanda o preenchimento dos requisitos do art. 2º da Lei n. 9.296/96[345] , demonstrando-se, minudentemente, a necessidade , adequação e proporcionalidade em sentido estrito.[346] A Constituição da República, precisamente em seu art. 5º, XII, assegura a todos a inviolabilidade do “sigilo da correspondência e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. Estabeleceu, pois, com tal previsão, o sigilo das comunicações telefônicas como direito fundamental, compreendido na cláusula de inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas , sob pena de indenização material ou moral decorrente de sua violação. Por evidente, tal inviolabilidade comporta excepcional intervenção, segundo a própria previsão literal da CRFB, para fins de instrução processual penal ou investigação criminal. A Lei nº 9.296/96, que regula o inciso XII, parte final, do artigo 5º, da CR, trata da “interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça”, e vem permitir, em casos como estes, a quebra do sigilo das comunicações telefônicas. 7.2. Para demonstração da necessidade, imprescindível Inquérito Policial, não bastando mero Boletim de Ocorrência. Isso porque o deferimento da interceptação depende da comprovação da inexistência de outros meios de investigação. Se ela não está instaurada, como se pode a justificar? O Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução n. 59, complementada pela Resolução n. 84, exigindo o seu deferimento em procedimento policial regular, a saber, Inquérito Policial, inexistente na espécie. É preciso acabar-se com a investigação sem IP ou no semblant de “procedimento administrativo”. Sem Inquérito Policial é inviável sequer analisar-se o pleito. 7.3. Do apurado deve-se apontar o liame lógico entre os terminaris que se quer interceptar , seus titulares – os quais devem necessariamente ser indicados no pedido (CNJ, Res. 59, art. 10) -, bem como de onde surgiram. Dito diretamente: é necessário o esclarecimento, por elementos probatórios, das condições em que os indigitados agentes estariam vinculados. 7.4. Ainda que exista controvérsia, o prazo para deferimento é o de 15 dias, prorrogáveis, justificadamente, por mais 15 dias (STJ, HC n. 76.686). Não cabe o deferimento de 30 dias. Qualquer restrição feita em desconformidade é ilegal. Cabe lembrar que para garantia do contraditório diferido , as interceptações devem ser juntada pelas partes aos autos, na via em apenso e em sigilo , nos termos do art. 8o, da Lei n. 9.296/96. Podem ser transcritas (STF, AP n. 508). No caso de arquivamento sem instauração de ação penal, deve-se dar ciência aos que tiveram o direito restringido. No caso de compartilhamento , modalidade de prova emprestada , via encontro fortuito , necessária a verificação do liame probatório e da posssibilidade excepcional de sua validação democrática, quase sempre impossível.
8. Quebra de Sigilo Fiscal e Bancário 8.1. O direito a intimidade é garantia constitucional prevista no art. 5º, inciso X, da Constituição da República. Sua desobediência representa severo ilícito contra garantia constitucional, constituindo-se, portanto, em uma impossibilidade. Entretanto, a LC n. 105/2001 dispõe sobre as hipóteses em que a quebra de sigilo bancário pode ser decretada, mais especificamente no caput do § 4º, de seu art. 1º, que assim dispõe: “§ 4º A quebra de sigilo poderá ser decretada, quando necessária para apuração de ocorrência de qualquer ilícito , em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial, e especialmente nos seguintes crimes: I – de terrorismo; II – de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins; III – de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado a sua produção; IV – de extorsão mediante seqüestro; V – contra o sistema financeiro nacional; VI – contra a Administração Pública; VII – contra a ordem tributária e a previdência social; VIII – lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e valores; IX – praticado por organização criminosa.” 8.2. Belloque[347] acerca dos limites da medida correspondente à quebra de sigilo bancário: “Consubstancia-se a quebra de sigilo financeiro em medida de coação porque importa em restrição a direito fundamental. Como todas as medidas desta natureza, será lícita – e, então processualmente admissível e valorável – quando a sua realização obedecer aos pressupostos e requisitos exigidos pela Constituição e pela lei. De outra forma, representará ilícito penal, civil, e, eventualmente, administrativo – sendo absolutamente imprestável à persecução penal, por força do comando constitucional inserto no art. 5.°, LVI, irredutível quando se tratar de prova para fundamentar uma condenação.” Entretanto, para o seu deferimento, deve-se demonstrar a imprescindibilidade da produção, especialmente a ausência de outros meios[348].
Capítulo 6°
O Jogo Processual: Lugar, Procedimentos e Nulidades
i. Lugar do Jogo: Competência 1.1. A Jurisdição será exercida por Tribunal ou Juiz com competência, ex ante à conduta imputada, ou seja, em atendimento ao Juiz Natural. Uma vez fixado o Juiz Natural descabe manipulação de competência. O que se garante não é a pessoa física do julgador, mas do órgão. Assim, eventual transferência, opção, aposentadoria, promoção, do magistrado, não impede o julgamento pelo substituto. O que importa é a fixação por lei do procedimento para se chegar ao Juiz Natural. Dito de outra forma, distingue-se, equivocadamente , a competência absoluta (pessoa e matéria) da relativa (lugar). Adotase abusivamente modelo civil de fixação de competência, próprio de direito disponíveis, no campo do processo penal (indisponível). Se o Juiz Natural é garantia do devido processo legal substancial, não podem os jogadores eleger outro, nem mesmo a desídia ou má-fé de algum destes, implicar na alteração/manutenção do julgador. Normalmente se fala em convalidação ou mesmo prorrogação pela ausência de invocação oportuna de exceção de incompetência. Entretanto, essa compreensão desconsidera o processo como direito fundamental. Os jogadores não podem ter disponibilidade quanto ao órgão julgador . 1.2. A partir da leitura do devido processo legal substancial descabe a manutenção, no pós CR/88 (arts. 102, 105, 109, 118, 121 e 125), da distinção entre competência absoluta e relativa. A competência será sempre absoluta e deve ser declarada de ofício ou mediante exceção (CPP, art. 95, II c/c art. 113 e segts). A fixação da competência se dará em face da (i) pessoa; (ii) matéria , e; (iii) lugar. As possíveis Justiças Competentes são: (a) Justiça Militar (Federal e Estadual); (b) Justiça Eleitoral; (c) Justiça Comum - Federal ou Estadual; (d) Juizados Especiais Criminais – Federal ou Estadual. 1.3. A competência será fixada em face do lugar, domicílio ou residência do acusado, natureza da infração, distribuição, conexão ou continência, prevenção ou prerrogativa da função (CPP, art. 69). Ainda que não haja hierarquia, conforme Lopes Jr [349] , pode-se fazer 3 (três) perguntas em série: a) Qual é a Justiça e o órgão competente? a1) Justiças Especiais: Militar (Federal ou Estadual) ou Eleitoral; a2) Justiça Comuns: Federal ou Estadual. b) Qual é o foro competente? (CPP, arts. 70, 71, 88 a 90); c) Qual é a Vara ou uízo? (nas hipóteses de mais de um juiz compentente, normalmente por prevenção ou distribuição). Diante da imputação apresentada cabe perfilhar o seguinte trajeto: a) É crime militar? Se sim: a1) Federal ou Estadual? Se sim: a2) Qual órgão competente? (STM,
Tribunais Militares ou Auditorias Militares). Se não: b) É crime Eleitoral? Se sim: b1) Qual o órgão competente? (TSE, TRE ou Zona Eleitoral). Se não: c) Justiça Comum: c1) Justiça Federal (TRF, Júri, Vara ou Juizado Especial); c2) Justiça Estadual (TRF, Júri, Vara ou Juizado Especial)[350]. 1.4. As controvérsias são grandes e para o fim desse Guia Compacto , o que importa é superar a visão exclusivamente civilista, isto é, superar-se a disponibilidade do Juiz Natural.
2. Regras da Partida: Procedimentos (ordinário, sumário, sumaríssimo, júri, especiais) 2.1. O devido processo legal substancial se manifesta pelos procedimentos específicos, atendido o processo como procedimento em contraditório. A partida se inicia com o movimento do jogador acusador (denúncia ou queixa[351]), pelo qual o jogador defensor é convocado (citação – CPP, art. 351-369 [352]), para que a partida probatória (significantes), mediante subjogos , possa se estabelecer a partir do contraditório e do fair play, tendentes à decisão final. 2.2. A lógica dos procedimentos é da superação dos subjogos em etapas. Daí que a mácula ocorrida num subjogo contamina os posteriores. Desde 2008, com a reforma no art. 394 do CPP, a distinção se dará entre procedimento: a) comum (ordinário, sumário e sumaríssimo), ou b) especial (júri, honra, propriedade imaterial, falimentares, lavagem de dinheiro, eleitorais, competência originária, drogas). A competência em decorrência da pessoa acusada pode alterar o rito (Lei n. 8.038). No caso do procedimento comum, a fixação do rito entre ordinário, sumário ou sumaríssimo, decorre do quantum da pena a ser imposta, conforme a denúncia/queixa (CPP, art. 394, § 1o). Será ordinário se a sanção máxima for igual ou superior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade (CPP, arts. 395-405), sumário quanto inferior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade (CPP, arts. 531-538) e sumaríssimo nas infrações de menor potencial ofensivo (Lei n. 9.099/95). No regime do CPP, o Júri possui procedimento específico (CPP, arts. 406-497), assim como o crime contra honra (CPP, arts. 519-523), servidor público (CPP, arts. 513-518) e propriedade imaterial (CPP, arts. 524-530). 2.3. Por força do art. 394, §§ 2º, 4º e 5º, do CPP, as disposições do procedimento ordinário são aplicáveis em todos os processos , salvo disposição em contrário, compatibilizando com as regras dos arts. 395-398, do CPP, de observância cogente, servindo supletivamente aos procedimentos sumário e sumaríssimo. Dai que o procedimento comum ordinário será descrito em maior extensão. Anote-se, desde já, que a reforma parcial é sempre problemática, tanto assim que determina a aplicação universal dos art. 395-398, mas esse último foi revogado pela própria lei! Enfim, com as emendas parlamentares, a confusão chegou ao ponto de indicar dois momentos para o recebimento da denúncia (CPP, art. 395 e 399). Isso porque no projeto orignário foi previsto o estabelecimento de contraditório preliminar ao recebimento da denúncia, superado pela alteração parlamentar havida. Manteve-se, pois, o recebimento da
denúncia e posterior contraditório. 2.4. O procedimento ordinário inicia-se com: (a) apresentação de denúncia ou queixa apta (CPP, art. 41), podendo-se arrolar, no máximo, 8 (oito) testemunhas (CPP, art. 401), já que os informantes não entram no cômputo, baseado no Inquérito Policial, Auto de Prisão em Flagrante ou documentos respectivos; (b). uma vez reconhecida como apta, a acusação é recebida ou rejeitada (total ou parcialmente) por decisão do julgador, fixando os limites da acusação[353] , determinando-se, ainda, a citação do acusado para que apresente resposta, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias (CPP, art. 396); (c) no prazo de resposta o acusado poderá apresentar as exceções (CPP, art. 95), as quais serão processadas em apartado), bem assim terá a oportunidade de articular a tática defensiva, momento em que poderá suscitar preliminares, arrolar testemunhas (máximo de oito), juntar documentos, requerer perícias, etc.... A defesa preliminar é ato obrigatório , sob pena de nulidade. É a manifestação da tática defensiva, sem que se possa exigir antecipação da respectiva estratégia. Daí que, por ser obrigatória, se o acusado citado não apresentar resposta, o juiz nomeará defensor. (d) Apresentada a defesa preliminar, em decisão fundamentada, o julgador poderá finalizar o jogo pelo reconhecimento de causa excludente da ilicitude, existência manifesta de causa de excludente de culpabilidade, salvo inimputabilidade, atipicidade e extinção da punibilidade (CPP, art. 397). Não reconhecida a absolvição sumária, o julgador designará audiência de instrução e julgamento , no prazo de 60 (sessenta) dias, ocasião em que será coletada a prova oral (CPP, art. 400), na seguinte ordem, se houver: 1) ofendido; 2) testemunhas/informantes acusação; 3) testemunhas/informantes defesa; 4) esclarecimento dos peritos (CPP, art. 400, § 2o e art. 159, § 5º, I); 5) interrogatório. Lembre-se que as testemunhas/informantes, se residentes fora da comarca, serão ouvidas por carta precatória (CPP, art. 222) ou rogatória (CPP, art. 223), não se suspendendo o processo, salvo se disponível sistema de vídeo-conferência. (CPP, art. 222, § 3º); (e) encerrada a produção de informações probatórias, é possível que os jogadores requeiram diligências, as quais devem se vincular ao que se produziu em audiência (CPP, art. 402), não se prestando a reabrir possibilidades probatórias que poderiam ser requeridas anteriormente[354]; (f) seguemse alegações finais orais ou por memorais (CPP, art. 403); (g) proferindo-se sentença. 2.5. O procedimento sumário (CPP, art. 531-538) diferencia-se do ordinário basicamente pelo prazo da audiência, 30 dias; bem assim o número menor de testemunhas a se ouvir: 5 (cinco). 2.6. No sumaríssimo , no âmbito dos Juizados Especiais Criminais (crime com a pena máxima de dois anos; STF, Súmula n. 723 e STJ, Súmula n. 243), o procedimento, regulado pela Lei n. 9.099/95, inicia-se pela audiência de conciliação , com a posibilidade de composição dos danos civis (arts. 74 e 75), seguida, se for o caso, de transação penal (art. 76) e suspensão condicional do processo (art. 89, STF, Súmula n. 723 e STJ, Súmula n. 243). Necessária a instrução, será ofertada denúncia (art. 77), sendo o autor citado (art. 78), desgignando-se audiência de instrução e julgamento, na qual sera oferecida defesa preliminar que, rejeitada, implica na efetivação da instrução (oitiva da vitima, testemunhas de acusação, defesa e interrogatório.) O número de testemunhas será o de 5
(cinco) , na forma do art. 394, §§ 2o, 4o e 5º, do CPP[355]. 2.7. O procedimento do Júri (crimes dolosos contra a vida, CPP, art. 74) se orienta pelos princípios previstos no art. 5o, XXXVII, da CR ( plenitude de defesa, sigilo das votações e soberania dos veredictos ). A regulamentação normativa (CPP, art. 406-497) se dá por duas fases ( instrução preliminar e julgamento em plenário). Na primeira fase , da competência do juiz de direito, será apresentada denúncia, citação, defesa preliminar, vista ao Ministério Público, audiência e decisão (pronúncia, impronúncia, absolvição sumária ou desclassificação). Sem recurso pendente, abre-se a possibilidade de se arrolar testemunhas ao plenário, no máximo 5 ( cinco), ocasião em que acontece o julgamento pelo corpo de 7 (sete) jurados, presidido pelo julgador. 2.8. No caso de crimes contra a honra (calúnia, injúria ou difamação, CP, art. 138140), salvo se aplicável o procedimento sumaríssimo, deverá ser designada audiência prévia de conciliação (CPP, art. 520). Nos crimes contra servidores públicos , embora a previsão do art. 514, do CPP, bem assim da Súmula n. 330, do STJ, diante da redação do art. 394, § 4º, do CPP, desnecessária a providência. No procedimento da lei de drogas (Lei n. 11.343/06), há fase de defesa preliminar, via notificação (art. 55)[356].
3. Subjogo de Nulidades 3.1. A legitimidade do provimento judicial dependerá do desenrolar correto dos atos e posições subjetivas previstos em lei, do fair play. E a perfeita observância dos atos e posições subjetivas dos atos antecedentes ( subjogos) é condição de possibilidade à validade dos subsequentes. Logo, a mácula procedimental ocorrida no início do processo – partida – contamina os demais, os quais para sua validade precisam guardar referência com os anteriores[357]. O ato praticado em desconformidade com a estrutura do procedimento é inservível à finalidade a que se destina[358]. A decisão final, preparada pelo procedimento, também se constitui como parte desse, ou melhor, sua parte final, o corolário.[359] 3.2. A doutrina diferencia a mera irregularidade (sem violação do conteúdo do ato), d a inexistência (por ausência de requisito de sua validade – alegações finais por não advogado ou sentença por não juiz), nulidade relativa e nulidade absoluta . Em relação a essa distinção, também com Lopes Jr, pode-se afirmar a insuficiência das categorias e, a partir do processo como procedimento em contraditório, bem assim da reserva de jurisdição, só há nulidade por decisão judicial. Entretanto, o regime de nulidades do CPP (arts. 563-573), além de ultrapassado, é confuso[360]. Adota a compreensão da verdade substancial (CPP, art. 566), possui dispositivos revogados noutros locais do próprio CPP (art. 564, III, “a”, “b”, “c”, III), bem como indica compreensão civilista, incompatível com o devido processo legal substancial, da ausêcia de prejuízo – pas nullité sans grief (CPP, art. 563)[361]. Assim é que, superada a distinção arbitrária e sem sentido, todas as hipóteses de violação ao devido processo legal substancial , serão declaradas nulas. 3.3. Nesse Guia Compacto , para fins exemplificativo, ainda que o art. 212 do CPP exclua o juiz da gestão da prova, ou seja, descabe o papel de jogador [362] (art. 212. As
perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida. Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.), parte significativa dos julgadores permanece atrelada ao modelo presidencialista e inquisidor . A atual redação não deixa dúvida acerca do papel do juiz no desenrolar da colheita da prova testemunhal, colocando-o no papel de mero espectador , sendo atribuída aos jogadores a formulação direta das perguntas à testemunha (nos moldes do cross-examination[363] norteamericano ou do esame incrociato[364] italiano). Tal mudança, pois, é decorrente da busca de adequação da norma processual penal à Constituição da República[365] , eis que, ao abandonar o modelo presidencialista de condução da colheita da prova testemunhal, situa o magistrado no lugar de garantidor da forma da informação oral[366]. Na estratégia processual a tática das perguntas é dos jogadores, inclusive quando se pretende inserir a dúvida[367]. Daí que não há sentido sequer na alegada produção da prova em favor da defesa, uma vez que o esclarecimento só acontece no caso de dúvida e, por evidente, a dúvida absolve (CPP, art. 386, VII). De sorte que evidenciada a mácula ao devido processo legal substancial , é de se reconhecer a nulidade pretendida pela defesa. Até mesmo porque, não obstante a Teoria do Prejuízo ( pas nullitè sans grief e encampada pelo CPP, art. 563), como hoje posta, encontra-se ultrapassada (neste sentido também Lopes Jr., Tovo Loureiro [368] , Jacinto Nelson de Miranda Coutinho[369] , dentre outros), e a desconsideração do lugar de julgador é a manifestação inequívoca de dano à parte, porquanto a condução do processo por juiz imparcial e equidistante restou atingida.
Capítulo 7°
Prova e Decisão: o Resultado do Jogo
1. Subjogo Probatório 1.1. A produção das informações relevantes, para efeito da decisão, é função dos jogadores , descabendo qualquer atribuição ao julgador. O regime da prova, desta forma, não pode ser lido conforme as disposições equivocadas do CPP (art. 155 e segts), dado que precisa de leitura constitucionalizada. O processo precisa ser entendido como o mecanismo apto à inserção da informação no campo da decisão judicial . É o regime pelo qual o Estado estipula quais as modalidades e a forma de produção da informação. 1.2. O resultado da produção válida de significantes será composta pela decisão judicial , a qual não se assemelha, nem de longe, ao mito ultrapassado da verdade real. A verdade real é empulhação ideológica que serve para “acalmar” a consciência de acusadores e julgadores. A ilusão da informação perfeita no processo penal recebe o nome de Verdade Real . Para que se possa tomar a melhor decisão no processo penal deveria ser possível obter-se toda a informação da conduta imputada. Entretanto, de regra, os jogadores (Ministério Público, Querelante e Defensores), além do julgador que, por definição, é ignorante em relação à conduta – imparcialidade objetiva –, possuem tempo e normas processuais para obtenção da informação. Daí que a informação no campo do processo penal adentra por meio da prova , cujo regime possui quatro momentos (requerimento , deferimento , produção e valoração). Em todos esses momentos há possibilidade de perda ( gaps). A testemunha pode não comparecer, morrer, a filmagem não funcionar, o laudo não ter sido feito, etc..., enfim, toda as possibilidades processuais atinentes à prova, por definição, impedem a informação perfeita[370]. Além disso o processo penal trabalha com a prova testemunhal a qual é extremamentente falível e sugestionável[371]. Contudo, para o fim ideológico de manutenção da crença na melhor qualidade na decisão penal, por herança do modelo inquisitório, ao julgador se atribui a função de gestor da prova em nome da Verdade Verdadeira. Para além do grau imaginário de se acreditar que processo penal possa por suas testemunhas, laudos, material probatório, reproduzir o passado (a conduta sempre se deu ontem...), o discurso filosófico e hermenêutico superou as verdades fundantes na metade do século passado. Sublinhe-se, também, a aposta ultraracional na prova processual, a qual desconsidera o que Martins denomina de ponto cego: “Diz-se evidente o que dispensa a prova. Simulacro de auto-referencialidade, pretensão de uma justificação centrada em si mesmo, a evidência corresponde a uma satisfação demasiado rápida perante indicadores de mera plausibilidade. De alguma maneira, a evidência
instara um desamor do contraditório.”[372] 1.3. Há contingência inerente ao jogo processual dinâmico e de informação incompleta , o qual, mesmo ao final, não consegue promover a inserção de todas as informações[373]. Em cada subjogo probatório as coordenadas estratégicas precisam de revisão, até porque as finalidades probatórias estarão mais ou menos próximas da comprovação do julgador[374]. Mas o paradoxo é que o jogador não deveria saber de antemão, até o final do jogo, se o julgador está ou não convencido da comprovação. Para tanto, como se mostrou, há intrincada antecipação de sentido e apuração antecedente dos sentidos já dados pelos julgadores. É preciso saber qual a tradição em que o julgador se insere, quais suas opções ideológicas e trajetória individual[375]. Continuar acreditando em decisões universais é se abraçar com seres mitológicos e conceber que todos os julgadores decidiriam igualmente em qualquer situação. O julgamento em colegiado bem demonstra que diante de cada acervo probatório os resultados são diversos[376]. A vitória no jogo processual depende da manifestação do Estado Juiz. Embora a teoria da decisão judicial aparentemente se guie pela aplicação da lógica, sabe-se que essa compreensão é ingênua. Cardozo, Juiz da Corte Suprema Americana, em escrito de 1960, já alertava que: “O trabalho de decidir causas se faz diariamente em centenas de tribunas de todo o planeta. Seria de imaginar que qualquer juiz descrevesse com facilidade procedimentos que á aplicou mais de milheres de vezes. Nada poderia ser mais longe da verdade .”[377]. 1.4. Destaque-se, por básico, que a pseudo-prova produzida no “Inquérito Policial” somente pode servir para análise da condição da ação[378] , ou seja, dos elementos necessários para o juízo de admissibilidade positivo da ação penal. No mais, não há qualquer possibilidade de valoração democrática, no Processo Penal constitucionalizado, por ser ela desprovida das garantias processuais. A recente reforma do Código de Processo Penal, dando nova redação ao art. 155, do CPP, ao indicar a possibilidade de seu uso, é flagrantemente inconstitucional[379]. É que quando de sua produção ainda não existia acusação formalizada, despreza o defensor – além de alguns ainda negarem a publicidade dos atos, embora sumulada a situação – e, ademais, viola a garantia de que seja produzida em face de juiz imparcial, sob contraditório [380]. Decorrência direta do princípio da publicidade é a conclusão de somente as provas produzidas ( informações) em face do contraditório é que podem ser levadas em consideração nos debates e também na decisão judicial. Os elementos indiciários não devem adentrar validamente no debate porque, por evidente, não havia acusação quando colhida, violando, dentre outros, o princípio da publicidade. Logo, as declarações prestadas naquele momento são – para se utilizar o estatuto probatório italiano, perfeitamente aplicável ao brasileiro –, absolutamente inutilizáveis , conforme lição de Paolo Tonini [381]: “O termo inutilizabilidade descreve dois aspectos do mesmo fenômeno. Por um lado, indica o ‘vício’ que pode conter um ato ou um documento; por outro lado, ilustra o ‘regime jurídico’ ao qual o ato viciado é submetido, ou seja, a não possibilidade de ser utilizado como fundamento de uma decisão do juiz. A inutilizabilidade é um tipo de invalidade que tem a característica de atingir não o ato em si mas o seu ‘valor probatório’. O ato pode ser válido do ponto de vista formal (por exemplo, não é eivado de nulidade), mas é atingido em seu aspecto substancial, pois a
inutilizabilidade o impede de produzir o seu efeito principal, qual seja, servir de fundamento para a decisão do juiz”. No Processo Penal democrático, o conteúdo do Inquérito Policial está maculado pela ausência de contraditório, sendo utilizável exclusivamente para análise das questões prévias (condições da ação e pressupostos processuais aplicáveis [382]). Enfim, é absolutamente antidemocrática a utilização dos elementos do Inquérito Policial para efeito de condenar o acusado, salvo as irrepetíveis, cujo contraditório será diferido. 1.5. A proibição de prova ilícita decorre do devido processo legal substancial . Distingue-se: a) Ilegítima a que viola norma processual (p.ex. CPP, arts. 207; 210, 212); e b) Ilícita a que viola a norma material (p. ex. Interceptação Telefônica ilegal). Entretanto, a distinção não deve operar para salvar a prova, dado que a nulidade contamina a informação , nos termos do Art. 5º, LVI, da CR: são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos . O CPP indica como ilícitas as derivadas, ressalvando as sem nexo de causalidade ou de fonte independente (art. 157). 1.6. Existem diversas classificações da prova (direta x indireta; plena x indiciária; real x pessoal; etc.), de duvidosa serventia. De qualquer forma, pode-se indicar a existência de provas: testemunhal (CPP, art. 202 e sgtes); (ii) documental (CPP, arts. 231 e segts), e (iii) material (CPP, art. 158 e sgts). O interrogatório possui regime especial (CPP, art. 185 e segts.), bem como o estatuto do ofendido (CPP, art. 201), o reconhecimento de pessoas/coisas (CPP, art. 226) e a acareação (CPP, art. 229 e segts). Para sua produção e valoração democrática devem ser atendidos os requisitos legais (STJ, HCn. 191.378). 1.7. Exemplificativamente, há exigência expressa de laudo nos casos de furto (Código de Processo Penal, art. 171), sendo que o exame, de regra, não é juntando por ausência de condições de produção, isto é, não há polícia técnica. Logo, culpa do Estado. Choukr assevera: “Deve ficar claro que a impossibilidade de realização do exame há de ser compreendida apenas pela inexistência de base material para a realização direta, a dizer, quando o exame não é realizado no momento oportuno pela desídia do Estado, ou sua realização é imprestável pela alta de aptidão técnica dos operadores encarregados de fazê-lo, não há que onerar o réu com uma prova indireta em vez daquel a que poderia ter sido imediatamente realizada”[383]. Busca-se comprovação indireta (CPP, art. 167) não porque inexiste base material, mas simplesmente porque a carga probatória da acusação não foi cumprida. Nesse casos, diz Lopes Jr: “Sem que se efetive a respectiva perícia no lugar do crime para comprovação da qualificadora, não poderá o réu ser condenado por esta figura típica, mas apenas pelo tipo simples, previsto no caput do art. 155 (considerando que o crime foi furto) ”[384]. Se o Estado estipula as regras dde processo e a descumpre, a culpa não pode ser do acusado. Acolher-se a condenação é modalidade de “jeitinho” no processo penal.
2. Decisão Penal como bricolage 2.1. A decisão no processo penal não é ato de conhecimento, mas sim de compreensão, em que os jogadores da partida, no evento semântico denominado sentença, realizam uma fusão de horizontes (Gadamer). Nesse contexto, diante da apresentação de uma hipótese fático-descritiva pelo jogador-acusador, procede-se a
debate em contraditório, entre partes, nos quais as cargas probatórias são compartilhadas em processo como procedimento em contraditório (Fazzalari). O que existe é a produção de significantes – informações – e uma decisão no tempo e espaço . As únicas garantias existentes são: a) o processo como procedimento em contraditório, munido de garantias legais; b) jogo processual dos jogadores, mediados pelo julgador (sem atividade probatória); c) decisão fundamentada por parte dos órgãos julgadores. A legitimidade dessa decisão decorre, também e fundamentalmente, da sua conformidade com a Constituição da República. 2.2. A verdade processual, pois, não é espelho da realidade e a atividade recognitiva avivada no Processo é um mecanismo de “bricolage singular”, entendido, como em francês, como fazer o possível, mesmo que o resultado não seja perfeito. E nunca o é, por impossível. A dita verdade processual trata de outra coisa, possui estrutura de ficção. E como o julgador precisa dar uma resposta, acertar os fatos, com os instrumentos que se lhe apresentam, vertido inexoravelmente na e pela linguagem , desprovido da verdade verdadeira. Uma instrução processual, por seus significantes, sempre autoriza diversas compreensões. É do encadeamento de significantes, ou seja, da forma como serão dispostos os significantes que se poderá verificar a legitimidade (democrática) da decisão. Alterando-se a disposição, a relação, os sentidos migram (Barthes). O princípio escolhido para o estabelecimento da cadeia de significantes altera o resultado. A decisão “man made” sempre terá a pitada pessoal, ainda que vinculada às pretensões de validade, já que “o bricoler sempre coloca nela alguma coisa de si.” (Strauss) Permutando significantes e julgando com aquilo que se apresenta, o um-juiz pode articular decisões mais democráticas porque demonstra sua concepção ideológica (mesmo que para aderir a o status quo), sem chicanas, a qual certamente influencia no ato decisório mesmo quando se acredita ilusoriamente neutro (Jacinto Coutinho). Um significante desliza em relação a outro e assim se constrói a decisão, podendo, nessa trama, colocar em evidência determinadas partes, relegando outras, mas fundamentando sua decisão, ao contrário do que se verifica, de regra, na prática contemporânea. 2.3. Os protagonistas/jogadores do processo de bricolage jurídico, por certo, são as partes, que lançarão as pretensões de validade no decorrer processual, bem como o julgador que proferirá a decisão. Mas esses não são mais os sujeitos conscientes da epistemologia da modernidade. Pode-se dizer que a união, reunião, desfazimento, ordenação dos significantes se dá pelo processo de ligação destes sem que o controle semântico possa conferir a segurança ilusoriamente prometida, mas somente uma trama com coerência discursiva. O “coágulo de verdade” deve levar em conta o velamento/desvelamento (Heidegger) do discurso jurídico, a recusa e a dissimulação da atividade decisória. Destruído o mundo das essências, uma nova maneira de ver as coisas se descortina, não mais fechada na lógica formal, mas somente deslizamentos fundados na linguagem (Marrafon). 2.4. Um novo plano para análise da construção de decisões jurídicas demanda perceber as condições extra-discursivas que co-determinam o discurso jurídico, como efeitos da política, ideologia e pré-conceitos pessoais (in)conscientes, ou seja, os
determinantes conotativos que estão na origem semântica, colmatadas a partir do senso comum teórico em cotejo com a singularidade do um-julgador. Desse jogo processual dados surge a decisão. A decisão equipara-se ao que Veyne indica como um “evento semântico”, um acontecer no tempo, espaço e lugar, no qual ocorre um acertamento de significantes, sendo preciso uma certa congruência narrativa (José Calvo), movida por condicionantes (in)conscientes materializados no ato decisório, seu limite temporal. Submete-se a um descortínio literário em que as narrativas rivais, em face do material significante heterogênos, com sentidos contraditórios apontados pelos litigantes, precisa de organização coerente da trama discursiva (Aroso Linhares). Ainda que existam caminhos narrativos diversos, cabe ao julgador a compreensão adequada (Streck), na sua função catalisadora de tradutor jurídico, sem que possa organizar a trama discursiva de maneira não aderente. 2.5. Essa atividade artística interpretativa pressupõe a possibilidade de estilo e produção de “efeitos mágicos”, desde e na linguagem. A língua é uma das facetas do poder espraiado pelo espaço social, servindo tanto a discursos revolucionários quanto à reprodução de discursos totalitários, deslocando-se ao gosto dos atores jurídicos sabedores de sua maleabilidade e limites. Sub-repticiamente faz aparecer significações suspensas, internas, pessoais, detonadas com o devido estímulo linguístico. Essa possibilidade/recurso é uma poderosa ferramenta de poder. Esses instrumentos de dominação/emancipação astutamente explorados constróem e naturalizam o discurso e, no caso das classes dominantes, servem para escamotear a sociedade díspar/desigual, sob o pálio de discursos de igualdade perante a lei (Hayek), sem discutir o que significa a lei em si. A lei é a forma de tudo o que é (in)justo. Perdem-se os referenciais reais no grau zero da linguagem (Barthes). Dito de outra forma, só através da visão literária (Carcova, José Calvo, André Karam Trindade, Lenio Streck) é possível enganar a língua, readequando os significantes, trabalho típico de “bricoler”, e, aliando, por assim dizer, dramaticamente, o saber a um certo sabor, encontrar a realização do critério ético material (Dussel): vida. Esse desvio se faz pelo jogo de palavras em que a língua é o teatro, exercitando-se, com saber e sabor, o trabalho de deslocamento de significantes; de suspensão de significância, de deslizamentos, isto é, bricolagem. Portanto, não é assim tão importante, na busca da realidade com estrutura de ficção engendrada pela decisão judicial, a exatidão: pois realidade (pluridimensional) e linguagem (unidimensional) são corpos que jamais se encontram. Lacan já deixou evidenciado que o Real não é representável, somente demonstrável: é o indizível, o inefável, da ordem do não-todo. E é justamente através da busca desse alvo impossível que a literatura, irredutível, acaba encontrando sua vocação e, no uso de seus subterfúgios, irradia um saber mais livre (em que a própria ciência é jogada num discurso menos a serviço de uma estrutura e mais a serviço do homem), e se aproxima, num bordado de correlações não-impositivas, via bricolagem de significantes, de alguma forma de verdade não ontológica (metafísica), como quer a Filosofia da Linguagem[385]. 2.6. Do ponto de vista formal, todavia, a decisão deve guardar congruência entre a acusação e a decisão[386]. Embora entenda-se possível uma leitura conforme à
Constituição do art. 383 do Código de Processo Penal, sua amplitude não pode se dar na extensão de alterar as elementares do tipo imputado, a qual exigiriam a providência do art 384 do CPP. Logo, se as elementares do tipo forem diversas, não se pode afirmar-se a equivalência de condutas em face de denúncia por verbo diverso. Lopes Jr . explica:” A costumeiramente tratada como ‘mera correção da tipificação legal’ não é tão inofensiva assim, pois modifica o fato penal e, por conseguinte, o fato processual. (...) O processo penal brasileiro não pode mais tolerar a aplicação acrítica do reducionismo contido nos axiomas jura novit curia e narra factum dabo tibi ius , pois o fato processual proces sual ab abrange range a qualificação jurídica e o réu não se defende apenas dos fatos, mas também da tipificação atribuída pelo acusador. A garantia do contraditório, art. 5º, LV, da Constituição, impõe a vedação da surpresa, pois incompatível com o direito a informação clara e determinada do caso penal em julgamento. No que tange ao reducionista argumento de que se trata de ‘mera ‘me ra correção da tipificação’, adverte adverte GERALDO GERALDO PRADO que supor que o Ministério Público não saiba saib a qualificar qualificar juridicamente os fatos apurados apurados na investigação preliminar é estar em rota de colisão com a realidade. Ora, não se está lidando com um mero burocrata, b urocrata, tecnólogo tecn ólogo de ensino ens ino médio. Todo o oposto. opost o. Ou então ent ão teremos tere mos de afirmar que ali estão profissionais incompetentes para a função, o que, obviamente, não é o caso. Eventuais pontos de vista (desde uma perspectiva fática e/ou jurídica) diferentes são inevitáveis, inevitáveis, mas m as para isso, is so, deverá deverá o j uiz alterar a qualificação qualificação jurídica, j urídica, ouvidos ouvidos o acusador e o réu.” [387] [387]Com Com efeito, a conduta descrita na acusação baliza os limites do caso penal[388] penal[388] , , cab cabendo endo a cada um dos j ogadores a carga probatória prob atória da comprovação, em decorrência do processo acusatório[389] acusatório [389].. 2.7. Do ponto de vista formal, a decisão deve conter relatório , fundamentação e dispositivo (CPP, art. 381 e 387), mantida a correlação (CPP, arts. 383 e 384) entre a acusação e o dispositiv disposit ivo. o. Anote-se que o art. 385 do CPP não é compatível compatível com o processo entre jogadores. Logo, se o jogador acusador requerer a absolvição, não pode o julgador condenar. Em caso de absolvição, deve-se indicar o inciso da absolvição (CPP, art. 386), dadas as repercussões civis (CPP, art. 63 e segts). Com o trânsito em julgado aos jogadores j ogadores,, opera-se a coisa julgada. 2.8. Com o equivocado movimento de aproximação da vítima ao processo penal, houve a inserção do art. 387, IV, CPP, pelo qual o juiz ao proferir a sentença condenatória deverá fixar o valor mínimo da indenização. Há nítida inserção de questão civil no âmbito das informações necessárias à decisão, ou seja, para que seja garantido o devido processo legal, o acusado poderá arrolar testemunhas e requerer perícia sobre o valor a extensão dos danos e valores a se indenizar? in denizar? Evidenteme Evidentemente nte que a vítima deve deve ser se r resgatada, tanto assim que se defende a Justiça Restaurativa. Colocar-se um montante surpresa, sem pedido, nem contraditório, fere o devido processo legal. De qualquer forma, caso haja pedido expresso na denúncia/queixa, produção probatória, contraditório, a decisão poderia analisar tal questão. Sem pedido na inicial, nem produção probatória, nem contraditório, é vedado vedado ao juiz j uiz arbitrar o valor, por ausente devido devido processo legal. le gal. 2.9. A eficácia civil da decisão penal é tema tormentoso justamente porque parte da premissa de que a qualidade da decisão proferida no processo penal é melhor do que a
do civil. civil. Sem prejuízo prej uízo dessa crítica, até porque porque não se s e fala em Verdade Verdade Real nesse Guia: a) reconhecida a responsabilidade penal; b) a sentença penal condenatória poderá ser executada no civel pelo legitimado (ofendido, representante legal e herdeiros); c) apurando-se o valor da obrigação e se executa. (CPP, arts. 63-67 e CPC, art. 475-N). Anotese que somente o acusado poderá figurar no pólo passivo da execução e não eventual responsável civil, civil, ou seja, sej a, se o acusado for condenado por acidente de trânsito, trâns ito, a empresa empres a proprietária do automotor não poderá ser executada, exigindo ação de conhecimento contra si para apuração de sua responsabilidade. O Ministério Público somente poderia propor a execução execução (CPP, (CPP, art. 68) nos Estados onde não n ão existisse Defensoria Defen soria Público (STF, (STF, AI 48.2332). Com a instalação das Defensorias, o artigo não foi recepcionado. Houve a não repecção decrescente.
Capítulo 8°
Prorrogação: Recursos e Ações de Impugnação autônomas
1. Recursos 1.1. Ao final da partida é proferida uma decisão (condenatória, extintiva ou absolutória). Dessa decisão, de regra, cabe recurso ao órgão com competência de segundo grau, em atenção ao princípio do duplo grau de jurisdição .[390] [390] (Juízo (Juízo Comum: Tribunais; Juizad J uizados os Especiais: Turma Turma Recursal. Processo com competência com petência Originária nos Tribunais regime diferenciado)[391] diferenciado) [391].. O pleito recursal pode buscar o reconhecimento de nulidade ou a reforma (parcial ou total) da decisão. É o meio para se buscar, noutra instância, instân cia, a reavaliação reavaliação das informações informações probatórias e/ou o reconhecimento de nulidades. Além do recurso em sentido estrito (CPP, art. 581) e da apelação (CPP, art. 593), também podem ser manejados recursos aos Tribunais Superiores (STJ – Recurso Epecial , , CR/88, art. 105 - e STF – Recurso Extraordinário poss uem amplitude amplit ude e Extraordinário , CR/88, art. 102), os quais possuem requisitos de admissibilidade reduzidos. Pode também buscar a complementação do julgado, j ulgado, na via dos Embargos de Declaração (CPP, art. 382 e 619-620). Há, também, recurso exclusivo da defesa, como os Embargos Infringentes (CPP, art. 609, parágrafo único), cabíveis quando a decisão de segundo grau for por maioria (não cabe em favor da da acusação). 1.2. A extensão do recurso deverá constar em suas razões. No regime do CPP as fases recursais se dividem em: a) interposição, e; b) razões. No primeiro momento apresenta-se manifestação no sentido do interesse recursal. Recebida a manifestação, abre-se oportunidade para apresentação das razões. Não há nulidade de apresentação conjunta de recurso com razões. Pode acontecer que manejado o recurso, não sejam apresentadas as razões. No caso do Ministério Público não deve o recurso ser conhecido. Já J á na n a hipóte h ipótese se defensiva, defen siva, mesm me smoo sem s em as razões, razões , os Tribunais, rib unais, em nome nom e da amplitude ampl itude da defesa, devem devem conhecer conhe cer toda a matéria (a extensão é ampla).
2. Ações Impugnativas Autônomas 2.1. Mandado de Segurança : Com o sistema recursal caótico e ausente hipótese de cabimento expresso, não raro, surge a necessidade de utilização “atravessada” do Mandado de Segurança (CR, art. 5o, LXIX e Lei n. 12.016/09). A configuração do direito be m assim ass im a ilegalidade ilegali dade ou abuso abus o de poder do ato impugnado não são líquido e certo , bem
uniformes. Utiliza-se, por exemplo, no caso de negativa de acesso dos autos (IP, APF, Investigações) por parte da autoridade policial[392]. 2.2. O Habeas Corpus (CR, art. 5o, LXVIII) vincula-se à liberdade de locomoção (ir, vir e ficar), tendo alargada sua hipótese recursal diante do caótico e demorado sistema recursal (CPP, art. 654). As hipóteses de cabimento de recurso em sentido estrito, ainda processado em primeiro grau, demoram a ascender aos Tribunais. Daí que se foi ampliando as hipóteses de cabimento. De qualquer maneira, o CPP, no art. 648, estabelece aas hipóteses : quando não houver justa causa; prisão além do prazo legal (sendo que as Súmulas n. 21 e 52, do STJ, perderam o efeito depois da reforma de 2008); autoridade sem competência, cessado o motivo da coação, cabimento fiança, processo manifestamente nulo e extinta a punibilidade. Entretanto, diante da quantidade de HCs interpostos nos Tribunais Superiores, nos últimos tempos, como mecanismo atuarial de sobrevivência, os Ministros do STJ (especialmente) e do STF, apontaram para restrição das hipóteses de cabimento do HC, exclusivamente aos casos em que houver ameaça ou restrição à liberdade[393] , impondo, ainda, requisitos à sua admissibilidade. Embora possa ser interposto por qualquer um do povo, inclusive o Ministério Público, normalmente é o defensor (impetrante) em nome do acusado (paciente) em face da autoridade coatora (juiz ou colegiado). O Órgão Julgador será o que possui competência recursal (STF, Súmula 690 – Juizados Especiais Criminais). O julgador poderá, também, conceder HC de ofício (CPP, art. 654). É jogada processual arriscada e depende de cuidadosa análise dos custos e benefícios da medida. Isso porque alguns juízes soltam ao final da instrução e, de qualquer forma, finalizada essa, pelo menos o motivo da garantia da instrução processual (CPP, art. 312), desfaz-se. Como previne a Câmara para julgamento dos recursos posteriores, pode ser mecanismo para, com essa informação e as perspectivas do processo, estabelecer as táticas. Preventa câmara mais progressita a atuação deverá ser diferenciada de uma mais conservadora. Daí que a interposição de HC, mesmo para se desistir, pode ser interessante do ponto de vista do jogo processual. Pode ser preventivo (sem restrição realizada) ou liberatório (com restrição já realizada). No primeiro se busca impedir e no segundo reparar o ato ilegal ou abusivo. 2.3.A Revisão criminal (CPP, art. 621 e seguintes) cabe somente no caso de condenação em favor do condenado. Não cabe reabrir-se o caso na hipótese de absolvição (por qualquer dos fundamentos do art. 386). Pode ser requerida a qualquer tempo, mesmo depois de extinta a punibilidade ou morto o condenado. Deve fundar-se na (i) contrariedade ao texto expresso da lei ou à evidência dos autos; (ii) falsidade de depoimentos, exames e/ou documentos, e (iii) descoberta posterior de novas provas em favor da inocência ou redução da pena. Das hipóteses de cabimento, a discussão sobre erro na interpretação dos fatos e adequação legal, é a mais controversa e demanda tática argumentativa sofisticada. Não adianta ficar transcrevendo doutrina e jurisprudência. É preciso ir direto ao fato e demonstrar o erro de modo direto e com poucas citações, embora qualificadas. Invocar-se um julgado isolado e Tribunal não reconhecido pouco ajuda. Por outro lado, não há dilação probatória, devendo o autor produzir, se for o caso, mediante Justificação Judicial, a nulidade ou a prova substancialmente nova. Anote-se
que o pedido para aplicação retroativa de lei mais benigna é da competência do Juiz da Execução Penal (LEP, art. 66 e STF, Súmula 611). Cabível também na hipótese de absolvição imprópria, na qual é aplicada medida de segurança. O condenado foragido pode entrar sem recolhimento preliminar à prisão (STF, Súmula n. 393). O Tribunal profere julgamento em dois tempos: a) reconhece o cabimento, e; b) renova ou anula o julgamento. No caso de anulação pode determinar seja novamente julgado pelo juiz de instância inferior. Entretanto, vigora o princípio da reformatio in pejus (direta e indireta)[394]. O Pós jogo da Revisão Criminal possui o condão de reabrir a partida e modificar o resultado. Como não possui prazo para propositura, deve ser bem estudada e aparelhada com provas pré-constituídas. Se for necessária prova testemunhal, deverá ser produzida antecipadamente, mediante contraditório. Como não se pode renovar pelo mesmo fundamento, trata-se de jogada arriscada e que deve estudar a composição dos órgãos julgadores (perfil ideológico) para antecipar possível resultado (des)favorável.
[1] http://guiacompactodoprocessopenal.blogspot.com/ e http://guiacompactodoprocessopenal.wordpress.com [2] ZIZEK, Slavoj. Visión de paralaje. Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 2006. [3] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Direito e Processo Penal juntos? (Des)caminhos do ensino jurídico. In: RODRIGUES, Horácio Wanderlei; ARRUDA JUNIOR, Edmundo Lima (orgs.). Florianópolis: FUNJAB, 2011.; 231-251. [4] CALAMANDREI, Piero. “O processo como jogo”. Trad. Roberto Del Claro, Revista de direito processual civil. Curitiba: Gênesis, 2002, vol. 23, p. 192. [5] Esse capítulo se deve aos diálogos travados com Laércio A. Becker. BECKER, L.A. Qual é o jogo do processo? Porto Alegre: Sérgio Fabris, 2012. [6] STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência?. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010; STRECK, Lenio Luiz; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. O que é isto – as garantas processuais penais? Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012; STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. São Paulo: Saraiva, 2011; MARRAFON, Marco Aurélio. O caráter complexo da decisão em matéria constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. [7] MARTINS, Rui Cunha. O paradoxo da demarcação emancipatória. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 59, fev. 2001, p. 37-63. A reinvenção da idéia de fronteira é fundamental para que a crítica possa ser realizada na fronteira e sua mobilidade constitutiva, isto é, como uma questão de heteronímia posicional . Conferir: MARTINS, Rui Cunha. O Método da Fronteira. Coimbra: Almedina, 2008. [8] CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo... p. 197: “Por outra parte, saber interpretar o movimento do adversário, não pelo seu efeito jurídico imediato, mas, outrossim, pelos remotos desenvolvimentos táticos que tal movimento permite supor. Sobre este terreno, os artigos são necessariamente mudos; o legislador inocente não tem calculado a quais sutis virtuosismos possa prestar-se caso a caso, na tática dos litigantes, o emprego indireto de certos institutos.” [9] Por exemplo: a qualidade da prova-informação da acusação pode implicar em tática defensiva de cooperação para o fim de reduzir a pena (delação premiada, leniência, confissão, etc.). Da mesma forma a qualidade da provainformação da defesa pode ensejar negociação entre os jogadores. Ainda: a prisão cautelar pode servir de instrumento de coação para cooperação defensiva (delação premiada, p.ex.). O jogo está no processo. [10] CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo... p. 196: “O processo não é unicamente ciência do direito processual, não é unicamente técnica de sua aplicação prática, é também leal observância das regras do jogo, isto é, fidelidade àqueles cânones não escritos de correção profissional, que demarcam os confins entre a elegante e valiosa maestria do astuto esgrimista e as desajeitadas armadilhas do trapaceiro.” [11] BECKER, L.A. Qual o jogo do processo?...; PLETSCH, Natalie Ribeiro. Formação da Prova no Jogo Processual Penal. São Paulo: IBCCRIM, 2007; CARNEIRO, Maria Francisca. Direito, estética e arte de julgar. Porto Alegre: Núria Fabris, 2008. HUIZINGA, Johan. Homo ludens. São Paulo: Perspectiva, 2004. p. 9-10, 13. BEZERRA, Márcia Fernandes. Paralelos entre a arte e o direito. Monografia (Pós-Graduação em Fundamentos Estéticos para ArteEducação). Faculdade de Artes do Paraná, 2000; OST, François. Contar a lei. Trad. Paulo Neves. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2005; KARAM TRINDADE, André; GUBERT, Roberta Magalhães; COPETTI NETO, Alfredo (orgs). Direito & Literatura. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. [12] ARAÚJO, Fernando. Introdução à economia. Coimbra: Almedina, 2006; VARIAN, Hal. R. Microeconomia: uma abordagem moderna. São Paulo: Elsevier-Campus, 2012. [13] COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito & Economia. Trad. Luisa Marcos Sander, Francisco Araújo da Costa. Porto Alegre: Bookman, 2010. [14] COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito & Economia..., p. 56. [15] PIMENTEL, Elson. L. A. Dilema do Prisioneiro: da teoria dos jogos à ética. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2007, p. 12. [16] COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito & Economia..., p. 58: “A solução para este jogo, a confissão por parte de ambos os suspeitos, é um equilíbrio: não há razão para qualquer um dos dois jogadores mudar sua estratégia. Há um conceito famoso na teoria dos jogos que caracteriza esse equilíbio – um equilíbio de Nash. Nesse tipo de quilíbrio, nenhum jogador individualmente pode se sair melhor mudando seu comportamento desde que os outros joadores não mudem o deles. (...) Mas você deveria observar que essa não é uma solução Pareto-eficiente para o jogo do ponto de vista dos acusados. Quando ambos os suspeitos confessam, cada um deles passará 5 anos na prisão. É possível para ambos os jogadores se saírem melhor. Isso aconteceria se ambos ficassem calados. (...) Está claro que essa solução é impossível porque os suspeitos não podem assumir compromissos vinculantes de não confessar.” [17] CLAUSEWITZ, Carl von. Da Guerra. Trad. Teresa Barros P. Barroso. São Paulo: Martins Fontes, 1979. A obra de Clausewitz foi se modificando com o tempo e não é acabada, nem coerente. Não pode ser lido dogmaticamente. Serve para entender a dinâmica de um modelo que se apresenta, como metáfora, para o processo judicial, desde que mitigado pela teoria dos jogos, no que se chama, aqui, de Jogos de Guerra. Cabe lembrar que o universo clausewitiziano se dá pelas diretrizes de aniquilação: a) agir de forma simultânea e com as forças concentradas; b) com rapidez e ações diretas; c) de forma ininterrupta.
[18] BECKER, L.A. Qual é o jogo do processo? Porto Alegre: Sérgio Fabris, 2012. [19] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. Trad. Ana Paula Zomer et alii. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 33: “Disso resulta excluída, ademais, toda função ética ou pedagógica da pena, concebida como aflição taxativa e abstratamente preestabelecida pela lei, que não pode ser alterada com tratamentos diferenciados do tipo terapêutico ou correcional.” Conferir: CARVALHO, Salo de. Teoria agnóstica da pena: O modelo garantista de limitação do poder punitivo. In: CARVALHO, Salo de. Crítica à Execução Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 3-43. [20] MORAIS DA ROSA, Alexandre; AROSO LINHARES, José Manuel. Diálogos com a Law & Economics. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. [21] CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, ... p. 206: “São por isto maus psicólogos (e portanto maus jogadores da partida judiciária) aqueles advogados os quais, não sabendo renunciar o gosto de colocar em operação o seu exasperante virtuosismo profissional ou de ostentar em audiência a sua superioridade professoral, não se apercebem que deste modo prestam um mau serviço ao seu cliente, porque indispõem o juiz e o colocam, sem que ele mesmo se dê conta, a considerar sobre má luz todas as razões, mesmo que sérias e fundadas, que vêm daquela parte (por isto, os cliente, quando escolhessem um defensor para si, fariam bem em ter cuidado não somente com aqueles muito ardiloso, mas também com aqueles muito valorosos!).” [22] Embora a noção de externalidade se vincule aos ganhos econômicos, pode-se adotar a compreensão dos efeitos (negativos ou positivos) do jogo processual em relação a terceiros não envolvidos diretamente no processo penal. [23] PATRÍCIO, Miguel Carlos Teixeira. Análise económica da litigância . Coimbra: Almedina, 2005. p. 46. [24] CÁRCOVA, Carlos Maria. La opacidad del derecho. Madrid: Troa, 1998, p. 18: “Existe, pues, una opacidade de lo jurídico. El derecho, que actúa como una lógica de la vida social, con un libreto, como una partitura, pardójicamente, no es conocido o no es comprendido por los actores en escena. Ellos cumplen ciertos rituales, imitam algunas conductas, reproducen ciertos gestos, con escasa o nula percepción de sus significados y alcances.” [25] LACLAU, Ernesto. La razón populista. Trad. Soledad Laclau. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2011: BATISTA, Nilo. Punidos e mal pagos. Rio de Janeiro: Revan, 1990. [26] PASTANA, Débora Regina. Cultura do medo : reflexões sobre a violência criminal, controle social e cidadania no Brasil. São Paulo: Método, 2003; SILVA, Denival Francisco da (org.) . Sistema Punitivo: o neoliberalismo e a cultura do medo. Goiânia: Kelps, 2012. [27] O processo que pretende fazer justiça com condenação sem limites se vale do pragmatismo punitivista , o qual aceita, muitas vezes, jogadas trapaceadas, com base em elementos ilícitos, voltados ao fim maior: condenar. Em alguns casos o regozijo beira à obtenção da felicidade da missão cumprida. Esse texto busca lançar luzes sobre o modo obscuro em que o processo judicial se instaura e segue. [28] Daí que o PL 156 do novo CPP falar em “Investigação Criminal Defensiva”. Conferir: MACHADO, André Augusto Mendes. Investigação Criminal Defensiva. São Paulo: RT, 2010. Os jogadores podem ser aparentemente iguais, como aliás, parece a noção idealizada de parte. Ninguém duvida que num jogo de futebol entre dois times com onze (11) jogadores, como bem aponta Becker, o Real Madrid seja melhor que o Ibis. No processo penal jogar com duas partes, uma com o Ministério Público e a outra com um defensor sem estrutura para lhe fazer frente é materialmente desigual. [29] Esperar equilíbrio moral no jogo processual é aceitar o processo como elemento de divertimento ou passa tempo. Os jogadores querem ganhar. Os limites morais podem funcionar, no limite, em cada jogador singularmente, mas não operam de maneira universal. Muitas vezes os acusadores e julgadores (sic) se valem de jargões como: “se não paga por esse, por certo, paga por outro.” [30] LOPES, Edson. Política e Segurança Pública: uma vontade de sujeição. Rio de Janeiro: Contraponto, 2009. [31] PLETSCH, Natalie Ribeiro. Formação da Prova no Jogo Processual Penal. São Paulo: IBCCRIM, 2007, p. 45: “Quando uma parte realiza um movimento qualquer, a outra assume, em decorrência de seu ato, uma situaão jurídica distinta daquela em que se encontrava. Não pode, contudo, ignorá-la, pois, se não há reação, a própria inércia poderá ser prejudicial. A situação comporta, no entanto, várias formas de se comportar diante do fato, podendo-se eleger dentre as distintas possibilidades que o ato proporciona. Cada movimento da parte contrária cria para o adversário uma série de possiblidades, inclusive, a de obter uma vantagem; contrariamente ao que seu antagonista supunha.” [32] Partir-se da noção do acusado como agente racional é a simplificação que se vale a teoria do delito para autorizar a aplicação de sanção. [33] Por exemplo: para compreender uma acusação sobre imputação objetiva o julgador precisa conhecer a teoria e não pode se satisfazer com coleção resumos. Aliás, julgar no campo dos delitos de trânsito desconhecendo o tema é vergonhoso. Conferir: BEM, Leonardo Schmi de. Direito Penal de Trânsito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010: GRECO, Luís. Modernização do Direito Penal: Bens jurídicos coletivos e crimes de perigo abstrato. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Direito Penal – Parte Geral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. TAVARES, Juarez. Direito Penal da Negligência. Rio de Janeiro; Lumen Juris, 2003; MEROLLI; Guilherme.
Fundametos críticos de Direito Penal. Rio de Janeiro, 2010; QUEIROZ, Paulo. Direito Penal – Parte Geral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010; ALBRECHT, Peter-Alexis. Criminologia: uma fundamentação para o Direito Penal. Trad. Juarez Cirino dos Santos e Helena Schiessl Cardoso. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. [34] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Decisão Penal: a bricolage de significantes. Rio de Janeiro; Lumen Juris, 2005, [35] CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, ... p. 194: “Nisto consiste a tática processual, confiada à sagacidade e ao senso de responsabilidade de qualquer litigante, aqui é onde está a habilidade do jogo. Qualquer competidor, antes de dar um passo, deve procurar prever, mediante um atento estudo, não só a situação jurídica, mas outrossim a psicológica, tanto do adversário quanto do juiz, e com quais razões o antagonista responderá ao seu movimento.” [36] BERALDO, Maria Carolina Silveira. O Comportamento dos Sujeitos Processuais como Obstáculo à duração razoável do processo. São Paulo: Saraiva, 2013. [37] Por exemplo: sabe-se que a prova testemunhal pode ser antecipada. Normalmente será produzida no momento da audiência de instrução e julgamento. Entretanto, pode acontecer que sua qualidade fique prejudicada com o tempo. Daí a importância da tática. [38] Exemplo interessante pode se dar na confissão espontânea. Embora o art. 65, III, “d”, do CP, a Súmula nº 231, do STJ, impede a redução da pena ao mínimo legal. O acusado que sem justificativa para se beneficiar da sua tática (confessar ou não confessar não lhe atenua a pena) não deve, do ponto de vista dos benefícios, cooperar. Sua cooperação terá o nome do prejuízo do otário ( sucker). A recompensa por sua estratégia é nula. Entretanto, como no crime existem elementos subjetivos decorrentes da confissão (empatia com o julgador, acusador, etc.., bem assim na liberação psíquica da confissão no caso de acusados e de assunção de responsabilidades, não raro o sujeito confessa. O confessar na tradição cristã liberta. A tentação individual de não cooperar é atravessada pela recompensa subjetiva e pode se dar pelo desejo de condenação do próprio acusado. Conferir: MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. Sentimento Inconsciente de Culpa e Necessidade Insconciente de Punição – Uma questão para o direito penal. IN: PINHO, Ana Claudia Bastos de; GOMES, Marcus Alan de Melo (orgs). Ciências Criminais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 1-11. [39] Na teoria dos jogos fala-se em estratégias tit-for-tat – olho por olho, dente por dente – em que a tática depende da rodada anterior e traz consigo a possibilidade de grandes diferenças nos resultados. [40] CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo, ... p. 208: “Processo e jogo, cartas marcadas e cartas do jogo... É necessário que advogados e juízes façam de tudo para que isto não seja: e para que o processo verazmente sirva à justiça. Entretanto não há razão para se ignorar que bem outra é a realidade psicológica, tão sombria, mesmo quando parece sorridente, que enche de mutáveis e turvas inquietudes humanas as formas geometricamente perfeitas do direito processual, cujo estudo é estéril abstração, se não for também o estudo do homem vivo.” [41] CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo,... p. 194: “O processo é uma série de atos que se entrecruzam e se correspondem, como os movimentos de um jogo: de perguntas e respostas, de réplicas e tréplicas, de ações que provocam reações, suscitando a cada rodada contra-reações.” [42] CALAMANDREI, Piero. O processo como jogo,... p. 206: “Assim, compreende-se como pode acontecer que em certas contingências ou litigantes ou os imputados prefiram, ao defensor sério e experiente, o advogado da moda, que em virtude do partido em que milita ou da seita a que pertence, seja mais bem-sucedido, em exercer, por simpatia, uma certa ‘influência’ sobre os juízes. E seria cegueira negar a importância em que todas as causas pode exercer a simpatia que as partes, ou mesmo os defensores, podem suscitar em torno de si.” [43] CALVO GONZÀLEZ, José. El discurso de los hechos. Madrid; Tecnos, 1998. [44] KANT, Emmanuel. Crítica da razão pura . Trad. J. Rodrigues de Merege. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000. [45] CASARA, Rubens R.R.. Interpretação Retrospectiva: sociedade brasileira e processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. [46] WITTGENSTEIN. Ludwig. Investigações filosóficas. Trad. José Carlos Bruni. São Paulo: Nova Cultural, 1999,.., p. 53: “Mas então o emprego da palavra não está regulamentado; o ‘jogo’ que jogamos com ela não está regulamentado. Ele não está inteiramente limitado por regras; mas também não há nenhuma regra no tênis que prescreva até que altura é permitido lançar a bola nem com quanta força; mas o tênis é um jogo e também tem regras.” [47] VALLE, Juliano Keller do. Crítica à delação premiada. Florianópolis: Conceito2012. [48] O processo penal sem plea barga ning e/ou Justiça Restaurativa é um modelo alheio aos custos estatais e desprovido de sentido real, ainda que imaginariamente movimente os que acreditam que prender o mundo resolve. Sofrem de Complexo de Dr. Bacamarte (MACHADO, Jânio de Souza. Doutor bacamarte ainda vive. Revista da Esmesc - Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina Florianópolis, Escola Superior da Magistratura do Estado de SC, v.10, jul. 2001, p. 35-46). A recorrente análise dialética das possibilidades é atitude necessária para não se perder em idealismos. O fluxo probatório implica em reavaliações. Posturas totalitárias exigem processos totalitários em que o sucesso desconsidera as garantias do devido processo legal substancial. O grande mérito do plea barga ning é propicia a reavaliação no decorrer do processo dos fatores informativos das (im)possibilidades probatórias, do custo das jogadas, da escassez de recursos (capacidade de assimilação), das condições do outro jogador e dos objetivos a
serem alcançados. [49 49]] MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson. Manifesto contra os juizados especiais criminais: (uma leitura de certa ‘efetivação’ constitucional. In: SCAFF, Fernando Facury (org.). Constitucionalizando direitos: 15 anos de constituição brasileira brasileira de de 1988. 198 8. Rio de Janeiro: Renovar, Renovar, 2003, 200 3, p. 347 347-358 -358.. [50 50]] PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. Rio de Janeiro; Lumen Juris, 2005; PRADO, Geraldo. Em torno da jurisdição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. [51 51]] Embora difundida a existência da máxima “in dubio pro societate” no recebimento da denúncia e na decisão de pronûncia, inexiste disposição legal para tal fundamento. É prática autoritária deprovida de sustentação democrática. [52 52]] MORAIS M ORAIS DA D A ROSA, ROS A, Alexandre Alexandre.. S ILVEIRA ILVEIRA FILHO, FILHO, S ylvio ylvio Lourenço. Para um processo proc esso penal democrático: democrático: Crítica à metástase metástase do sistema sistema de controle cont role social. social. Rio de Janeiro: Janeiro: Lumen Juris, 2009, 2009 , p. 63-97. 63-9 7. [53 53]] Consultar: FRANÇA, Leandro Ayres. Inimigo ou a inconveniência de existiir. Rio de Janeiro; Lumen Juris, 2012. [54 54]] PEDRA, Adriano Adriano S ant’ana. ant’ana. A Constituiçã Con stituiçãoo viva. viva. Rio de Janeiro: Lumen Lum en Juris, 2012; 20 12; OMMATI OMM ATI,José ,José EMÍLIO M edauar; edauar; Teoria Teoria da Constituição. Constituição. Rio de Janeiro: Lumen Lum en Juris, 2013. 20 13. [55 55]] FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón. Madrid: Trotta, 2002., p. 29-680. [56 56]] PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: A conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. XXI: “O garantismo não é uma religião e seus defensores não são profetas ou pregadores utópicos. Trata-se de um sistema incompleto e nem sempre harmônico, mas sua principal virtude consiste em reivindicar uma renovada racionalidade, baseada em procedimentos que têm em vista o objetivo de conter os abusos do poder.” [57 57]] PINHO, Ana Cláudia Bastos de. Para além do Garantismo. Uma proposta hermenêutica de controle da decisão penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012; GIANFORMAGGIO, Letizia (org.) Le ragioni del garantismo: discutendo com Luigi Ferrajoli. Torino: G. Giappichelli Editore, 1993; QUEIROZ, Paulo. A justificação do direito de punir na obra de Luigi Ferrajoli: algumas considerações críticas. In: SANTOS, Rogério Dultra dos. Introdução crítica ao estudo do sistema penal. Florianópolis: Diploma Legal, 2001, p. 117-127; CARBONELL, Miguel; SALAZAR, Pedro. Garantismo: estudios sobre el pensamiento jurídico de Luigi Ferrajoli. Madrid; Troa, 2005; FERRAJOLI, Luigi; STRECK, Lenio Luiz. (orgs). Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. [58 58]] FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris. Vols. I e II. Bari: Laterza, 2007. Embora essa obra seja posterior ao Direito e Razão, reitera as posições de garantia do processo em face do sujeito. No mesmo sentido; FERRAJOLI, Luigi. Garantismo: uma disusi´n disusi´n sobre derecho y democracia. Madrid: Trotta, 2006. 2006 . [59 59]] FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías..., p. 20. Ressalta-se que não se deve confundir essa introdução com os três significados de “garantismo” indicados no capítulo 13 de FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 683-686. [60 60]] SARLET, Ingo. W. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. [61 61]] FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías..., p. 23-4: “Los derechos fundamentales se configuran como otros tantos vínculos sustanciales impuestos a la democracia política: vínculos negativos, generados por los derechos de libertad que ninguna mayoria puede violar; vínculos positivos, generados por los derechos sociales que ninguna mayorí puede dejar de satisfacer.” [62 62]] CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade: uma abordagem garantista. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 161. [63 63]] FERRAJOLI, FERRAJOLI, Luigi. Los fundament fundamentos os de los derechos derechos fundamentales. Madrid: Madrid: Trotta, 2001, 20 01, p. 22 22-23. -23. [64 64]] FERRAJOLI, FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos fundamentales..., p. 25. [65 65]] FERRAJOLI, FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos fundamentales..., p. 24-26. 24-2 6. [66 66]] FERRAJOLI, FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos fundamentales..., p. 30-34. 30-3 4. [67 67]] ESPÍNDOLA ES PÍNDOLA,, Ruy Samuel. S amuel. Conceito Conc eito de princípios princípios constitucionais. constitucionais. São S ão Paulo: Paulo: Revista Revista dos Tribunais, Tribunais, 1998, 199 8, p. 95 95.. [68 68]] MORAIS DA ROSA, Alexandre. O que é garantismo jurídico. Florianópolis: Habitus, 2003, p. 38. [69 69]] HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1991, p. 25. [70 70]] BINDER, Alberto M. Iniciación al Proceso Penal Acusatorio. Campomanes: Buenos Aires, 2000, p. 70: “El poder es sumamente intenso y, por lo tanto, debe ser cuidadosamente limitado. Si la sociedad ha tomado la decisión de dotar a algunos funcionarios (los jueces) del poder de encerrar a otros seres humanos en ‘jaulas’ (las cárceles) esse poder no puede quedar librado a la arbitrariedad y la falta de control.”. [71 71]] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 88: “Aqui bastará precisar que por ‘pena’ se deve entender qualquer medida aflitiva imposta juridicamente por meio do processo penal; por ‘delito’, qualquer fenômeno legalmente previsto como pressuposto de uma pena; por ‘lei’, qualquer norma emanada do legislador; por ‘necessidade’, a função de tutela de bens fundamentais que justifica as proibições e as penas; por ‘ofensa’, a lesão de um ou de vários de tais bens; por ‘ação’, ‘ação’, um comportamento comportam ento humano hum ano exterior, exterior, material ou empiricamente manifestável, manifestável, tanto comissivo
quanto omissivo; por ‘culpabilidade’, o nexo de imputação de um delito a seu autor, consistente na consciência e vontade deste para com aquele; por ‘juridição’, o procedimento mediante o qual se verifica ou refuta a hipótese da comissão de um delito; por ‘acusação’, a formulação de tal hipótese por parte de um órgão separado dos julgadores; por ‘prova’, a verificação do fato tomado como hipótese pela acusação e qualificado como delito pela lei; por ‘defesa’, o exercício do direito de contraditar e refutar a acusação.” [72 72]] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 74: “Cada uma das implicações deônticas – ou princípios – de que se compõe todo modelo de direito penal enuncia, portanto, uma condição sine qua non, isto é, uma garantia jurídica para a afirmação da responsabilidade penal e para a aplicação da pena. Tenha-se em conta de que aqui não se trata de uma condição suficiente, na presença da qual esteja permitido ou obrigatório punir, mas sim de uma condição necessária, na ausência da qual não está permitido ou está proibido punir.” [73 73]] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 84. [74 74]] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 85. [75 75]] FERRAJOLI, FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., Razão..., p. 441. 4 41. [76 76]] KARAM, Maria Lúcia. A esquerda punitiva. In: Discursos Sediciosos, Rio de Janeiro, n. 1, p. 79-92, 1996; CHIES, Luiz Antônio Bogo. É possível se ter o Abolicionismo como meta, admitindo-se o Garantismo como estratégia? In: CARVALHO, Salo de; WUNDERLICH, Alexandre (Orgs.). Diálogos Sobre a Justiça Dialogal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 2002 , p. 1161-2 61-219. 19. [77 77]] Evidentemente que muitas críticas podem ser elaboradas de diversos lugares teóricos e práticos, desde o abolicionismo até o Movimento da Lei e Ordem, para ficar somente em extremos, ambos na defesa de suas ideias, justificando-se justificando-se a consulta de trabalhos críticos críticos sobre o tema, alguns referidos referidos no corpo do trabalho. trabalho. [78 78]] CARVALHO, Salo de. Teoria agnóstica da pena: O modelo garantista de limitação do poder punitivo. In: CARVALHO, CARVALHO, Salo S alo de. de. Crítica à Execução Penal. Rio de Janeiro: Janeiro: Lumen Juris, 2002. 200 2. p. 3-43. 3-43 . [79 79]] ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão da segurança jurídica: do controle da violência à violência do controle penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997; BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal. Trad. Juarez Cirino dos Santos. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999. [80 80]] CATROGA, Fernando. Secularização, Laicidade e Religião Civil. Coimbra: Almedina, 2006; MARRAMAO, Giacomo. Poder e Secularização: as categorias do tempo. Trad. Guilherme Alberto Gomes de Andrade. São Paulo: UNESP, 1995. [81 81]] CARVALHO, Salo de. Teoria agnóstica da pena..., p. 36: “Entendida como fenômeno da política, a pena, assim como a guerra, não encontra sustentação no direito, pelo contrário, simboliza a própria negação do jurídico. Ambas (pena e guerra) se constituem através da potencialização da violência e da imposição incontrolada de dor e sofrimento.” [82 82]] CARVALHO, Salo de. Teoria agnóstica da pena..., p. 32-33: “Ao representar o modelo minimalista de redução das penas, [o garantismo] rompe com a tradição da doutrina penal em direcionar todo o escopo da sanção à prevenção de novos delitos, tanto pela via individual (prevenção especial positiva) como pela coletiva (prevenção geral negativa). Ao contrário dos modelos defensistas que demonizam o autor do ilícito penal, utilizando a pena como forma de tutela social, o modelo garantista recupera a funcionalidade da pena na restrição e imposição de limites ao arbítrio sancionatório judicial e administrativo.” [83 83]] CARVALHO, Salo de. Pena e Garantias..., p. 42: “O raciocínio de Locke se desenvolve desta forma em quatro assertivas: as leis naturais podem ser violadas; as violações das leis naturais devem ser punidas e os danos reparados; o poder de punir e de exigir reparação cabe, no estado de natureza, à própria pessoa vitimada; quem é juiz em causa própria habitualmente não é imparcial e tende a vingar-se em vez de punir.” [84 84]] FERRAJOLI, Luigi. A pena em uma sociedade democrática. Trad. Carlos Arthur Hawker Costa. In: Discursos Sediciosos, Rio de Janeiro, n. 12, p. 31-39, 2002, p. 32. [85 85]] DAL RI JÚNIOR, Arno. O Estado e Seus Inimigos: a repressão política na história do Direito Penal. Rio de Janeiro: Revan, 2006. [86 86]] COPETTI, André. Direito Penal e Estado Democrático de Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 185186. [87 87]] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 31: “Com caráter ‘constitutivo’ e não ‘regulamentar’ daquilo que é punível: como as normas que, em terríveis ordenamentos passados, perseguiam as bruxas, os hereges, os judeus, os subversivos e os inimigos do povo; como as que ainda existem em nosso ordenamento, que perseguem os ‘desocupados’ e os ‘vagabundos’, os ‘propensos a delinqüir’, os ‘dedicados a tráficos ilícitos’, os ‘socialmente perigosos’ e outros semelhantes.” [88 88]] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 30. [89 89]] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 30. [90 90]] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 80. “Substancialismo e subjetivismo, além disso, alcançam as formas mais perversas no esquema penal do chamado tipo de autor, onde a hipótese normativa de desvio é simultaneamente ‘sem ação’ e ‘sem fato ofensivo’.”
[91 91]] FOUCAULT, Michael. Resumo dos cursos do Collège de France. Trad. Andrea Daher. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997, p. 11-44; FOUCAULT, Michael. Vigiar e punir. Trad. Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 2000. Com Foucault pode-se também ter uma dimensão das atrocidades praticadas em nome da aplicação de sanções, basicamente de quatro formas: a) exílio/banimento; exílio/banimento; b) compensação/conversão compensação/conversão em pecúnia; c) marca física física ou exposição vexatória; e d) enclausuramento. [92 92]] FERRAJOLI, FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., Razão..., p. 310. 3 10. [93 93]] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 319: “Que não reeduque, mas também que não deseduque, que não tenha uma função corretiva, mas tampouco uma função corruptora; que não pretenda fazer o réu melhor, mas que tampouco o torne pior. Mas para tal fim não há necessidade de atividades específicas diferenciadas e personalizadas.” [94 94]] GOMES, Luiz Flávio. Princípio da Ofensividade no Direito Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002; BUENO DE CARVALHO, Amilton. Garantismo Penal aplicado. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003; ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 225-230; BIANCHINI, Alice. Pressupostos materiais mínimos da tutela penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002; PASCHOAL, Janaina Conceição. Constituição, criminali crim inaliza zação ção e Direito Penal mínimo. mínim o. São S ão Paulo: Paulo: Revista dos dos Tribunais, 2003.. 200 3.. [95 95]] FERRAJOLI, FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., Razão..., p. 373. 3 73. [96 96]] FERRAJOLI, FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., Razão..., p. 374. 3 74. [97 97]] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 376 [98 98]] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 385. “Observado em sentido negativo, como limite à intervenção penal do Estado, este princípio marca o nascimento da moderna figura do cidadão, como sujeito suscetível de vínculos em seu atuar visível, mas imune, em seu ser, a limites e controles; e equivale, em razão disso, à tutela da sua liberdade interior como pressuposto não somente da sua vida moral mas, também, da sua liberdade exterior para realizar tudo o que não esteja proibido. Observado em sentido positivo, traduz-se no respeito à pessoa humana enquanto tal e na tutela da sua identidade, inclusive desviada, ao abrigo de práticas constritivas, inquisitoriais ou corretivas dirigidas a violentá-la ou, o que é pior, a transformá-la; e equivale, por isso, à legitimidade da dissidência e, inclusive, da hostilidade diante do Estado; à tolerância para com o diferente, ao qual se reconhece sua dignidade pessoal; à igualdade dos cidadãos, diferenciáveis apenas por seus atos, não por suas ideias, por suas opiniões ou por sua específica diversidade diversidade pessoal.” [99 99]] FERRAJOLI, FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., Razão..., p. 387. 3 87. [100 100]] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 389: “Em ambos os casos, as vias do substancialismo coincidem, como sempre, com as do subjetivismo: por um lado, deliquente nato e tipo criminológico; por outro, personalidade inimiga ou desleal e tipo normativo do autor. A crise da ação como garantia marca uma desvalorização da pessoa humana, degradada à categoria animal, em um caso, e sublimada e negada, no outro, por meio de sua identificação com o Estado. Trata-se da restauração de um substancialismo laico, que substitui o substancialismo jusnaturalista pré-moderno, mas que volta a descobrir o malum in se na pessoa desviada: e isso não como oferenda à velha moral religiosa e ultraterrena, senão às leis da evolução e seleção do organismo social ou, pior ainda, à ética ou à mística do Estado.”. [101 101]] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 392: “Sem adentrarmos na discussão das inumeráveis opiniões e construções sobre a matéria, parece-me que esta noção – que corresponde à alemã de Schuld e à anglo-saxã de mens rea – pode ser decomposta em três elementos, que q ue constituem outras tantas tantas condições subjetiva subj etivass de responsabilida responsabilidade de no modelo penal garantista: a) a personalidade (ou ‘suitá’ da ação), que designa a susceptibilidade de adstrição material do delito à pessoa do seu autor, isto é, a relação de causalidade que vincula reciprocamente decisão do réu, ação e resultado do delito; b) a imputabilidade ou capacidade penal, que designa uma condição psicofísica do réu, consistente em sua capacidade, em abstrato, de entender e de querer; c) a intencionalidade ou culpabilidade em sentido estrito, que designa a consciência e a vontade do delito concreto e que, por sua vez, pode assumir a forma de dolo ou de culpa, segundo a intenção esteja referida à ação e ao resultado ou somente à ação e não ao resultado, não querido nem previsto, previsto, embora em bora previsível.” previsível.” [102 102]] FERRAJOLI, FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., Razão..., p. 395. 3 95. [103 103]] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 397: “A força sedutora dessa duas orientações provém do fato de que seus efeitos antigarantistas – ademais de ser reflexo, como todos os esquemas substancialistas, do obscuro lugar-comum do delinqüente como ‘diferente’ (‘doente’ ou ‘inimigo’), ao qual se tem de enfrentar enquanto tal – parecem estritamente coerentes com as duas hipóteses filosóficas que lhes dão impulso e que se beneficiam, por sua vez, do aparentemente óbvio: o determinismo e a não liberdade de querer que fazem com que sintamos injusta a culpabilização subjetiva do agente por ações independentes de sua vontade e que sugerem seu tratamento como se fosse um doente ou um animal perigoso; perigoso; o livre-arbítrio livre-arbítrio não n ão condicionado, condicionado, que q ue torna paralelamente paralelamente injusto inj usto limitar o objeto da pena às manifestações contingentes e casuais do autor, em lugar de estendê-lo à sua personalidade perversa, investigando-a e castigando-a por sua forma geral de ser.” [104 104]] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 399-400: O livre-arbítrio (...), como pressuposto normativo da
culpabilidade, corresponde, em definitivo, ao atuar – ou, caso se prefira, ao querer –, mas não ao ser do agente. Isso não impede, obviamente, que se use a palavra ‘culpável’ para referir-se a uma pessoa, ainda que se não o faça para designar uma ‘propriedade’ (Tício é, em si, culpável), senão somente sua relação com uma conduta (Tício é culpável de uma ação). [105] STRECK, Lenio Luiz; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. O que é isto – as garantias processuais penais? Porto Alegre: Livraria do Advogado, p. 10-11: “É preciso ter presente, desde já, que no contexto do Constitucionalismo Contemporâneo os princípios assumem uma dimensão normativa de base. Vale dizer: não podem ser tidos como meros instrumentos para solucionar um problema derivado de uma lacuna na lei ou do ordenamento jurídico. Na verdade, em nosso contexto atual, os princípios constitucionais apresentam-se como constituidores da normatividade que emerge na concretude dos casos que devem ser resolvidos pelo Judiciário. (...) Tudo isso, ao fim e ao cabo, quer dizer o seguinte: toda e qualquer decisão jurídica só será correta (ou, na expressão utilizada em Verdade e Consenso, adequada à Constituição) na medida em que dela seja possível extrair um princípio. Vale dizer, uma decisão judicial – hermeneuticamente correta – se sustenta em uma comunidade de princípios.” [106] TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e Ativismo Judicial: limites da atuaçaõ do Judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. [107] OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Decisão Judicial e o Conceito de Princípio. Porto Alegre; Livraria do Advogado, 2008: Aponta que há confusão na compreensão adequada da noção de princípio, não se percebendo a existência de três significados históricos possíveis, a saber: a) Princípios Gerais do Direito; b) Princípios jurídico-epistemológicos; c) princípios pragmático-problemáticos. A partir da fenomenologia hermenêutica (Heidegger, Gadamer, Stein e S treck) aponta para representação dos princípios constitucinais. Em suas palavras: “Os princípios representam a introdução do mundo prático no direito. Neles se manifesta o caráter da transcendentalidade. Em toda caso compreendido e interpretado já sempre aconteceram os princípios – e não o princípio; toda decisão deve sempre ser justificada na comum-unidade dos princípios, como nos mostra Dworkin. Não há regras sem princípios, do mesmo modo que não há princípios sem regras. Há entre eles uma diferença, mas seu acontecimento sempre se dá numa unidade que é a antecipação de sentido. (...) Entre nós, contudo, a situação é outra. Simplesmente porque, com a Constituição de 1988 se deu a constitucionalização de toda uma principiologia que, podemos afirmar sem medo de errar, torna desnecessária qualquer tipo de “leitura moral”. A própria Constituição é, em última análise “moralizante”. Desse modo, reconhecemos novamente razão à Lenio Streck quando ressalta a necessidade de respostas “adequadamente” corretas; nem a única, nem a melhor, mas adequadas. [108] FERRAJLI, Luigi. Garantismo: Una discusión sobre Derecho y Democracia. Madrid: Trotta, 2006. [109] MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. Sobre os fundamentos da ética: da filosofia à psicanálise. In: Céfiso – Revista do Centro de Estudos Freudianos de Recife, Recife, n. 14, p. 95, 1999: “Aquela suposição básica, aquele fundamento primeiro, aquele primeiro princípio não pode, todavia, ser ele próprio objeto de conhecimento racional, pois não pode ser demonstrado.” [110] MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Introdução aos princípios gerais do processo penal brasileiro. In: Revista da Faculdade de Direito da UFPR, Curitiba, n. 30, p. 164: ““ Por evidente, falar de motivo conceitual, na aparência, é não dizer nada, dada a ausência de um referencial semântico perceptível aos sentidos. Mas quem disse que se necessita, sempre, pelos significantes, dar conta dos significados? Ora, nessa impossibilidade é que se aninha a nossa humanidade, não raro despedaçada pela arrogância, sempre imaginária, de ser o homem o senhor absoluto do circundante; e sua razão o summum do seu ser. Ledo engano!; embora não seja, definitivamente, o caso de desistir-se de seguir lutando pa ra tentar da r conta, o que, se não servisse pa ra nada , serviria pa ra justificar o motivo de seguir vivendo, o que não é pouco, diga -se en passant.” . [111] MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Introdução aos princípios gerais do processo penal brasileiro..., p. 164165: “De qualquer sorte, não se deve desconhecer que dizer motivo conceitual, aqui, é dizer mito, ou seja, no mínimo abrir um campo de discussão que não pode ser olvidado mas que, agora, não há como desvendar, na estreiteza desta singela investigação. Não obstante, sempre se teve presente que há algo que as palavras não expressam; não conseguem dizer, isto é, há sempre um antes do primeiro momento; um lugar que é, mas do qual nada se sabe, a não ser depois, quando a linguagem começa a fazer sentido. (...) Daí o big-bang à física moderna; Deus à teologia; o pai primevo a Freud e à psicanálise; a Grundnorm a Kelsen e um mundo de juristas, só para ter-se alguns exemplos. O importante, sem embargo, é que, seja na ciência, seja na teoria, no principium está um mito; sempre! Só isso, por sinal, já seria suficiente para retirar, dos impertinentes legalistas, a muleta com a qual querem, em geral, sustentar, a qualquer preço, a segurança jurídica, só possível no imaginário, por elementar o lugar do logro, do engano, como disse Lacan; e aí está o direito. Para espaços mal-resolvidos nas pessoas – e veja-se que o individual está aqui e, portanto, todos –, o melhor continua sendo a terapia, que se há de preferir às investidas marotas que, usando por desculpa o jurídico, investem contra uma, algumas, dezenas, milhares, milhões de pessoas. Por outro lado – e para nós isso é fundamental –, depois do mito há que se pensar, necessariamente, no rito. Já se passa para outra dimensão, de vital importância, mormente quando em jogo estão questão referentes ao Direito Processual e,
em especial, aquele Processual Penal.” [112] PESSOA, Fernando. Poesias. Trad. Fernando Antonio Nogueira Pessoa. Porto Alegre: L&PM, 1996, p. 8: “O mito é o nada que é tudo.” [113] CORDERO, Franco. Guida alla procedura penale. Torino: UTET, 1986, p. 17-18. [114] MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Crítica à Teoria Geral do Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 16-17: “Tenho a noção de sistema a partir da versão usual, calcada na noção etimológica grega (systema-atos), como um conjunto de temas jurídicos que, colocados em relação por um princípio unificador, formam um todo orgânico que se destina a um fim. É fundamental, como parece óbvio, ser o conjunto orquestrado pelo princípio unificador e voltado para o fim ao qual se destina.” [115] DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Processual Penal. Coimbra: Coimbra Editora, 2004; PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005; THUMS, Gilberto. Sistema processuais penais: tempo, tecnologia, dromologia, garantismo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. [116] MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Crítica à Teoria Geral do Direito Processual Penal..., p. 17-18: “Salvo os menos avisados, todos sustentam que não temos, hoje, sistemas puros, na forma clássica como foram estruturados. Se assim o é, vigoram sempre sistemas mistos, dos quais, não poucas vezes, tem-se uma visão equivocada (ou deturpada), justo porque, na sua inteireza, acaba recepcionado como um terceiro sistema, o que não é verdadeiro. O dito sistema misto, reformado ou napoleônico é a conjugação dos outros dois, mas não tem um princípio unificador próprio (...). Por isto, só formalmente podemos considerá-lo como um terceiro sistema, mantendo viva, sempre, a noção referente a seu princípio unificador, até porque está aqui, quiçá, o ponto de partida da alienação que se verifica no operador do direito, mormente o processual, descompromissando-o diante de um atuar que o sistema está a exigir ou, pior, não o imunizando contra os vícios gerados por ele.” [117] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Decisão Penal: a bricolage de significantes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. [118] TONINI, Paolo. A prova no processo penal italiano. Trad. Alexandra Martins. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 15-16: [119] CORDERO, Franco. Procedimento Penal. Trad. Jorge Guerrero. Santa Fé de Bogotá: Temis, 2000, v. 1, p. 16-90. [120] TEDESCO, Ignacio F. El acusado en el ritual judicial. Ficción e imagen cultural. Buenos Aires; Del Porto, 2007. [121] CORDERO, Franco. Procedimento Penal..., v. 1, p. 90: “ Los inquisitores adelantan afanosamente luchas contra el diablo.”. [122] BARREIROS, José Antônio. Processo Penal. Coimbra: Almedina, 1981, p. 11-14. [123] Fala-se na produção de provas em favor da defesa. Mas se a dúvida é um dos fundamentos da absolvição, constituise em paradoxo lógico a produção de provas para defesa. Se até o momento da decisão de produzir provas há dúvida, absolvição é a resposta correta (CPP, art. 386, VII) [124] BINDER, Alberto M. Iniciación al Proceso Penal Acusatorio. Campomanes: Buenos Aires, 2000, p. 7. [125] LOPES JR, Aury. Processo Penal e sua conformidade constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012; PRADO, Geraldo. Limite às interceptações telefônicas e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. [126] MORAIS DA ROSA, Alexandre; SILVEIRA FILHO, Sylvio Lourenço. Para um Processo penal democrático: Crítica à metástase do sistema de controle penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. [127] QUEIROZ, Felipe Vaz de. Atividade (ana) Crônica do Juiz no Processo Penal Brasileiro. Porto Alegre; PUC-RS (Ciências Criminais), 2009. [128] MARTINS, Rui Cunha. O Ponto Cego do Direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 93, fala em “democraticidade”, ao mesmo tempo contrário ao inquisitório e do misto, para além do acusatório. [129] MONTERO AROCA, Juan. Principios del proceso penal – una explicación basada em la razón. Valencia: Tirante lo Blanch, 1997, p. 28. [130] PILATTI, Adriano. A Constituinte de 1987-1988. Progressistas, Conservadores, Ordem Econômica e Regras do Jogo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. [131] ALLARD, Julie; GARAPON, Antoine. Os juízes na Mundialização: a nova revolução do Direito. Trad. Rogério Alves. Lisboa: Instituto Piaget, 2006, p. 07 [132] Consultar: ARMENTA DEU, Teresa. Sistemas procesales penales. Madrid: Marcial Pons, 2012; KHALED JR, Salah Hassan. O sistema processual penal brasileiro – acusatório, misto ou inquisitório? Revista Civitas, Porto Alegre, v. 10, n. 2, p. 293, 2010; LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2012; COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Sistema acusatório: cada parte no lugar constitucionalmente demarcado. In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda; CARVALHO, Luis Gustavo Grandinei Castanho de. O novo processo penal à luz da Constituição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010; BADARÓ, Gustavo. Direito processual penal. Tomo I. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008; THUMS, Gilberto. Sistemas processuais penais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. [133] CATTONI, Marcelo. Direito Constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 51.
[134] HABERMAS, Jurgen. Direito e Faticidade... vol . II, p. 50-51 [135] Claro que essa articulação passa pela noção de que o direito não possui um sentido imanente, mas dialoga no tempo e espaço com o contexto de aplicação, ou seja, a hermenêutica não é platônica. Vincula-se aos mecanismos reais de poder, inseridos numa sociedade complexa, via Hermenêutica Filosófica. [136] “Todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”. [137] Foi um pacto estamental, realizado entre a Burguesia (os Barões Ingleses) e aquele que pela morte de seu irmão Ricardo I, à época rei da Inglaterra, viria a sucedê-lo na coroa britânica. O novo Rei John de Anjou, chamado de Rei João “Sem Terra”, teria recebido esse nome pelo fato de não ter herdado terras quando da morte de seu pai, Henrique II. Sendo, então, um Rei sem posses e desprestigiado, se viu pressionado pela burguesia a ceder alguns Direitos como condição necessária para permanecer no trono. [138] Precioso o trabalho de: MARTEL, Letícia de Campos Velho. Devido Processo Legal Substantivo: razão abstrata, Função e Características de Aplicabilidade : a linha decisória da Suprema Corte Estadunidense. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. No mesmo sentido: PARIZ, ângelo Aurélio Gonçalves. O Princípio do Devido Processo Legal: Direito Fundamental do Cidadão. Coimbra: Almedina, 2009. [139] DELMAS-MARTY, Mireille. A imprecisão do Direito: do Código Penal aos Direitos Humanos. Trad. Denise R. Vieira. Barueri: Manole, 2005; MORAIS DA ROSA, Alexandre; CARVALHO, Thiago Fabres de. Processo Penal Eficiente e Ética da Vingança. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. [140] BONATO, Gilson. Devido Processo Legal e Garantias Processuais Penais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. [141] MARTEL, Letícia de Campos Velho. Devido Processo Legal Substantivo..., p. 6. [142] LOCKE, John. Ensaio acerca do entendimento humano. Trad. Anoar Aiex. São Paulo: Abril, 1973. [143] Conferir: STRECK, Lenio Luiz; BOLZAN DE MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política e Teoria do Estado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. CRUZ, Paulo Márcio. Polílica, Poder, Ideologia & Estado Contemporâneo. Curitiba: Juruá, 2002. [144] MARTEL, Letícia de Campos Velho. Devido Processo Legal Substantivo..., p. 24: O “Bonham case” foi marcado pelo reconhecimento da nulidade do ato que aplicou a multa e prisão em face do exercício ilegal da medicina em Londres sem autorização da Academia Real de Medicina. “ Os censores não pode ser juízes, ministros e partes; juízes para proferir sentença e julga r; ministros pa ra fa zer notificações ou intimações e pa rte pa ra terem meta de da s multa s, quia aliquis non debet esse judex in propria causa, imo iniquun este alequem suas rei esse judicem; e ninguém pode ser juiz e advogado para qualquer das partes... e consta dos nossos livros que, em muitos casos, o direito comum controlará aos do parlamento, e, às vezes, julgá-los-á absolutamente nulos, pois quando um ato do parlamento vai de encontro ao direito comum e à razão, ou é inaceitável ou impossível de executar, o direito comum irá controlá-lo e julgá-lo como nulo.” .
[145] MARTEL, Letícia de Campos Velho. Devido Processo Legal Substantivo..., p. 63. Sobre o “Stamp Act”, o juiz Edmundo Pendlton, de Virgínia, afirmou: “Tendo feito o juramento de julgar de acordo com a LEI, jamais poderei considerar esta lei como tal, por carência de poder no Parlamento para aprová-la.” [146] ORTH, John V. Due process of law: a brief history. Kansas: University Press of Kansas, 2003. [147] MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. São Paulo: Saraiva, 2004; CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. O devido Processo Legal e a Razoabilidade das Leis na Nova Constituição do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1989. [148] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 94.016-SP. Relator: Ministro Celso de Mello. [149] SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 95: “Enfim, percebe-se que, a partir sobretudo do advento da Constituição de 1988, o STF vem reconhecendo o princípio da proporcionalidade/razoabilidade no direito brasileiro, localizando a sua sede na cláusula do devido processo legal, albergada no art. 5º, LIV, do texto fundamenta [150] CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. O devido Processo Legal e a Razoabilidade das Leis na Nova Constituição do Brasil...., p. 10: “Como Princípio condicionante do processo criminal, a cláusula do due processo of law enfeixava garantias “explícitas” e “implícitas” no sistema de liberdades protegido pela Constituição. Dentre as garantias adotadas expressamente no estatuto constitucional norte-americano, menciona-se a proibição de edição de Bill o attainder (ato legislativo que importa em considerar alguém culpado pela prática de crime sem a precedência de um processo e julgamento regular em que seja assegurada ampla defesa), leis retroativas, de ser julgado duas vezes pelo mesmo fato e a vedação a auto-incriminação forçada. Adjunta-se, ainda, as garantias ditadas pela 6ª Emenda, a saber, o direito a um julgamento rápido rápido e público ( speedy and public Trial), por júri imparcial e com competência territorial predeterminada, bem como o direito a ser informado acerca da natureza e causa da acusação ( fa ir notice), além do direito de defesa e contraditório, consistente na possibilidade de confrontar as testemunhas de acusação, de produzir prova, inclusive de obter compulsoriamente o depoimento de testemunhas de defesa, como de resto o
direito à assistência de advogado”. [151] Sabe-se que a distinção entre direito formal e material é controversa no campo da Filosofia da Linguagem. Aqui se reitera apenas para se facilitar a compreensão. [152] BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo; Saraiva, 2011, p. 29: indica a existência de relação de fungibilidade entre o o princípio da proporcionalidade e o da razoabilidade. Conferir: BARROS, Suzana de Toledo. O Princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000. [153] SARMENTO, Daniel. Livres e Iguais: Estudo de direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 199200. [154] STRECK, Lenio. O que é isso – decido conforme minha consciência... p. 50-52: “Por isso, merecem especial cuidado as decisões que lançam mão especialmente da “razoabilidade” (com ou sem ponderação de valores), argumentação que se transformou em autêntica “pedra filosofal da hermenêutica” a partir desse caráter performativo. Excetuando os casos em que, teleologicamente, decisões calcadas na ponderação de valores podem ser consideradas corretas ou adequadas à Constituição (o que por si só já é um problema, porque a interpretação não pode depender dessa “loteria” de caráter finalístico), a maior parte das sentenças e acórdãos acaba utilizando tais argumentos para o exercício da mais ampla discricionariedade (para não dizer o menos) e o livre cometimento de ativismos.” (...) “Na verdade a ponderação é um procedimento que serve para resolver uma colisão em abstrato de princípios constitucionais. Dessa operação resulta uma regra – regra de direito fundamental adscripta – essa sim, segundo Alexy, apta a resolução da demanda da qual se originou o conflito de princípios. E um registro: essa aplicação da regra de ponderação se fará por subsunção (por mais paradoxal que isso possa parecer).” [155] O art. 282 do CPP, no inciso II ( adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncas do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado) e seus parágrafos 3o (contraditório preliminar à decisão de prisão cautelar) e 6o (A prisão preventiva será determinada quando não for cabível sua substituição por outra medida cautelar – art. 319), indicam a acolhida da proporcionalidade como critério das medidas cautelares. [156] No regime da interceptação telefônica, nos termos do art. 2º, inc.II, da Lei nº 9.296/96, deve ser demonstrado, no pedido e na decisão, a impossibilidade de produção da prova por outros meios, a saber, se houver outro meio menos gravoso, necessariamente, deve prevalecer. A interceptação é excepcional por violar a intimidade (Direito Fundamental). [157] BERNAL PULIDO, Carlos. El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudos Políticos y Constitucionales, 2003, p. 734. [158] GRIMM, Dieter. Constitucionalismo y derechos fundamentales. Trad. Raúl Sanz Burgos e José Luiz Muñoz de Baena Simón. Madrid: Troa, 2006; STRECK, Lenio Luiz. Bem jurídico e Constituição: da proibição de excesso (übermassverbot) à proibição de proteção deficiente (untermassverbot) ou de como não há blindagem contra normas penais inconstitucionais. Disponível em hp://leniostreck.com.br/index.php? option=com_docman&Itemid=40. Acesso em 25 mar 2011; RDOLFO, Fernanda Mambrini. A Dupla Face dos Direitos Fundamentais. Petrópolis: KBR, 2012; SARLET, Ingo Wolfgan. A eficácai dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010; STRECK, Maria Luiza Schäfer. A face oculta da proteção dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. [159] SANTO AGOSTINHO. Confissões. Trad. J. Oliveira Santos. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 130-131. [160] MORAES, Maurício Zanoide de. Presunção de Inocência no Processo Penal Brasileiro: análise de sua estrutura normativa para a elaboração legislativa e para a decisão judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. [161] FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón. Teoría del garantismo penal. Trad. Perfecto Andrés Ibáñez et. all. Madrid: Troa, 2001, p. 549-551; STEINER, Sylvia Helena de Figueiredo. A Convenção americana sobre direitos humanos e sua integração ao processo penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tibunais, 2000; GRANDINETTI, Luis Gustavo; CARVALHO, Castanho de. Processo penal e (em face da) constituição: princípios constitucionais do processo penal.. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. [162] ANDRADE, Lédio Rosa de. Violência, psicanálise, direito e cultura. Campinas: Millenium Editora, 2007; MISSE, Michel. Crime e violência no brasil contemporâneo: estudos de sociologia do crime e da violência urbana. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006; BECKER, L.A.; SILVA SANTOS, E.L.. Elementos para uma teoria crítica do processo. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabri Editor, 2002; CARVALHO, Salo de. As presunções no direito processual penal (estudo preliminar do ‘estado de flagrância’ na legislação brasileira). in: BONATO, Gilson (Org.) . Processo penal: leituras constitucionais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003; GERBER, Daniel. Prisão em flagrante: uma abordagem garantista. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003; SILVEIRA, Marco Aurélio Nunes da. A tipicidade e o juízo de admissibilidade da acusação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. [163] D’IVANENKO, Gregorio Camargo Brevíssimo estudo sobre a inversão do ônus da prova e sua (in)compatibilidade com a Constituição Federal: “Não. Decisões que consagram a inversão do ônus probatório em um sistema que tem como direito fundamental positivado no texto constitucional a presunção de inocência, carecem de
constitucionalidade. A inversão do ônus da prova, por diversas vezes, é a única coisa que sustenta o édito condenatório. Não é difícil encontrar nos julgados a tese de que, por exemplo, no caso de furto, se a coisa furtada for encontrada no poder dos acusados, cabe a eles a comprovação da origem lícita dos objetos, o que viola, frontalmente, a inocência inerente a todos as pessoas. A inversão do ônus da prova no processo penal é, na verdade, uma flexibilização da presunção de inocência, ou seja, flexibilização de preceito constitucional em face de política criminal.”In: http://alexandremoraisdarosa.blogspot.com.br/2010/09/inversao-da-prova-no-processo-penal.html [164] DUFOUR, Dany-Robert. O divino mercado: a revolução cultural liberal. Trad. Procóprio Abreu. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2008. [165] CHOMSKY, Noam; RAMONET, Ignacio. Como nos venden la moto. Barcelona: Icaria, 2008. [166] POSNER, Richard. A. El análisis económico del derecho. Trad. Eduardo Suaréz. México : FCE, 2007. [167] JAKOBS, Günther; CANCIO MELIÁ, Manuel. Derecho penal del enemigo. Madrid: Civitas, 2003, p. 47: “Quien no presta una seguridad cognitiva suficiente de un comportamiento personal, no sólo no puede esperar ser tratado aún como persona, sino que el Estado no debe tratarlo ya como persona, ya que de lo contrario vulneraría el derecho a l seguridad de las demás personas. (...) “Quien por principio se conduce de modo desviado no ofrece garantia de un comportamiento personal; por ello, no puede ser tratado como ciudadano, sino debe ser combatido como enemigo. Esta guerra tiene lugar con un legítimo derecho de los ciudadanos, en su derecho a la seguridad; pero a diferencia de la pena, no es derecho tambíen respecto del que es penado; por el contrario, el enemigo es excluído.” [168] BECK, Francis Rafael. Perspectivas de controle ao crime organizado e crítica à flexibilização das garantias. São Paulo: IBCCRIM, 2004. [169] ZAFFARONI, Eugênio Raul. O Inimigo no Direito Penal. Rio de Janeiro; Revan, 2007. [170] MEIER, Julio. Estado Democrático de Derecho, Derecho Penal y procedimiento penal. In: Revista Ibero-Americana de Ciências Penais, Porto Alegre, ano 8, n. 16, jul/dez/2008, p. 11-39: “La división de estatutos, uno para el ciudadano y outro para el enemigo, parte de la base de la posibilidad de reconocerlos o diferencialos a priori, de distinguir con certeza a ambas categorias de seres humanos, esto ES, algo así como por El uniforme, como si se tratara de una guerra convencional y antigua, o por la camiseta, tal como sucede en un partido de fútbol. Pero la realidad muestra que esta línea divisória tajante resulta irreal e imposible no sólo empíricamente, sino también conceptualmente.” [171] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 451. [172] MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Manifesto contra os juizados especiais criminais: (uma leitura de certa “efetivação” constitucional. In: SCAFF, Fernando Facury (Org.). Constitucionalizando direitos: 15 anos de constituição brasileira de 1988. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 350-352: Com os Juizados Especiais Criminais “ressucitou-se um mundo de infrações bagatelares praticamente esquecidas e, quiça, prontas para mudar de ramo. (...) Por outro lado, é preciso ter consciência (talvez fosse o caso de dizer: vergonha) suficiente para reconhecer que a lei, da forma como em vigência, responde a uma ideologia de tolerância zero, ligada – ou pelo menos muito próxima – aos postulados do modelo neoliberal que se implantou no país, o qual vai fazendo estrada, também no Direito, pela ignorância de uns e assepsia de outros.” [173] SÈROUSSI, Roland. Introdução ao direito inglês e norte-americano. Tradução de Renata Maria Parreira Cordeiro. São Paulo: Landy Editora, 2001; MAIEROVITCH, Wallter Fanganiello. Apontamentos sobre Política Criminal e a “Plea Bargaining”. Revista de Processo, ano 16, n. 62, abr./jun. 1991; BLACK, Henry Campbell. Black`s Law Dictionary. [S.l.]: West Publishing Co., 1996. p. 1.152; GIACOMOLLI, Nereu José. Legalidade, Oportunidade e Consenso no Processo Penal na perspectiva das garantias constitucionais: Alemanha, Espanha, Itália, Portugal, Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006; RAMOS, João Gualberto Garcez. Curso de processo penal norteamericano. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. [174] PRADO, Geraldo. Elementos para uma análise crítica da transação penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003; GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais Criminais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. [175] BARROS, Flaviane de Magalhães. (Re)Forma do Processo Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2008; GIACOMOLLI, Nereu José. Reformas (?) do Processo Penal: considerações criticas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. [176] VIRILIO, Paul. El cibermundo, la política de lo peor. Trad. Mónica Poole. Madrid: Catedra, 1999; El procedimiento silencio. Trad. Jorge Fondebrides. Buenos Aires: Paidós, 2005; Ciudad pánico: el afuera comienza aquí. Trad. Iair Kon. Buenos Aires: Libros del Zorzal, 2006; La bomba informática. Trad. Mónica Poole. Madrid: Catedra, 1999; Velocidad y Política. Trad. Víctor Goldstein. Buenos Aires: La Marca, 2006. [177] BARROS, Flaviane de Magalhães. A participação da vitima no processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007. [178] BADIOU, Alain. De um desastre oscuro: sobre el fin de la verdad de Estado. Buenos Aires: Amorrortu, 2006. [179] CASTEX, Paulo Henrique. Os blocos econômicos como sociedade transnacional: a questão da Soberania. IN: BORBA, Paulo Casella. MERCOSUL: Integração Regional e Globalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 291: “relações que não transitam necessariamente pelos canais diplomáticos do Estado, mas que influem nas sociedades e revelam que nenhum Estado é uma totalidade auto-suficiente.”
[180] SANTOS, Boaventura de Souza. Os Tribunais nas Sociedades Contemporâneas. O caso Português. Porto: Afrontamento, 1996, p. 29. [181] CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Direito Penal: Parte Geral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. vi-vii: “Absolver ou condenar acusados criminais não são decisões neutras, regidas pela dogmática como critério de racionalidade, mas exercício de poder seletivo orientado pela ideologia penal, quase sempre ativada por estereótipos, preconceitos e outras idiossincrasias pessoais, por sua vez desencadeados por indicadores sociais negativos de pobreza, desemprego, marginalização etc. Conhecer as premissas ideológicas do poder punitivo é condição para reduzir a repressão seletiva do Direito Penal, mediante prática judicial comprometida com o valor superior da democracia.” [182] WARAT, Luis Alberto. Introdução Geral ao Direito: a epistemologia jurídica da modernidade. Trad. José Luís Bolzan de Morais. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1995, p. 15: “Os juristas contam com um emaranhado de costumes intelectuais que são aceitos como verdades de princípios para ocultar o componente político da investigação de verdades. Por conseguinte se canonizam-se certas imagens e crenças, para preservar o segredo que esconde as verdades. O senso comum teórico dos juristas é o lugar do secreto. As representações que o integram pulverizam nossa compreensão do fato de que a história das verdades jurídicas é inseparável (até o momento) da história do poder.” [183] CARVALHO, Salo. Antimanual de Criminologia. Rio de Janeiro; Lumen Juris, 2008, p. 89-90: “Percebe-se, pois, que a Constituição de 1988, para além de reproduzir os tradicionais princípios de direito penal e processo penal, (a) aderiu ao projeto expansionista no que tange à tutela de direitos sociais e transindividuais – v.g. a minimização de garantias processuais em relação aos delitos de discriminação racial; a tutela penal do consumidor; a responsabilidade penal nos atos praticados contra ordem econômica, financeira e contra a economia popular; a tutela penal do meio ambiente entre outoros; e (b) recepcionou políticas de recrudescimento penal operados por movimentos autotoritários, notadamente os denominados Movimentos da Lei e de Ordem – v.g. o dirigismo constitucional no que tange à Lei dos Crimes Hediondos. Desde esta perspectiva punitiva, pode-se afirmar, diferentemente do que ocorre em relação aos direitos econômicos, sociais e culturais (DESCs), a plena efetivação da Constituição, instrumentalizando, em termos políticos, Estado penal.” [184] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Decisão Penal: a bricolage de significantes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006; DUSSEL, Enrique. Ética da Libertação: na idade da globalização e da exclusão. Trad. Epharaim Ferreira Alves, Jaime A. Clasen e Lúcia M. E. Orth. Petrópolis: Vozes, 2002. [185] TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do Direito Processual Penal, p. 20; MARTINS, Nelson Juliano Schaefer. Poderes do juiz no processo civil, p. 19-87. FAZZALARI, Elio. Il cammino della sentenza e della cosa guidicata. In: Rivista di Diritto processuale. Padova: Cedam, 1988, v. XLIII, n. 5, (II série), p. 589-597. [186] ROMAN BORGES, Clara Maria. Jurisdição e amizade, um resgate do pensamento de Etienne La Boétie. In: MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Crítica à teoria geral do direito processual penal, p. 73-108. [187] CHIOVENDA. Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Trad. J. Guimarães Menegale. São Paulo: Saraiva, 1965. v. 2. [188] BINDER, Alberto M. Introducción ao Derecho Penal, p. 17-32. [189] LA BOÉTIE, Étiene de. Discurso sobre a servidão voluntária, p. 29: “Os audaciosos, para adquirir o bem que desejam, não temem o perigo; os prudentes não recusam o sacrifício; os covardes e entorpecidos não sabem nem suportar o mal, nem recobrar o bem: limitam-se a desejá-lo e a virtude de pretendê-lo lhes é tirada pela covardia; o desejo de obtê-lo lhes é de natureza. Este desejo, esta vontade é comum aos sensatos e aos irrefletidos, aos corajosos e aos covardes, de querer todas as coisas que, uma vez adquiridas, os tornariam felizes e contentes.” [190] ROMAN BORGES, Clara Maria. Jurisdição e amizade, um resgate do pensamento de Etienne La Boétie. In: MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Crítica à teoria geral do direito processual penal, p. 101. [191] LA BOÉTIE, Étiene de. Discurso sobre a servidão voluntária, p. 25: “Mas falando em sã consciência, é extrema infelicidade estar sujeito a um senhor, do qual jamais se sabe se pode assegurar se é bom, pois está sempre em seu poder ser mau, quando o quiser.” [192] LA BOÉTIE, Étiene de. Discurso sobre a servidão voluntária, p. 26: “Mas é de lamentar a servidão, ou então, não se surpreender, nem se lamentar, m as suportar o mal pacientemente e esperar melhor sorte no futuro.” [193] LA BOÉTIE, Étiene de. Discurso sobre a servidão voluntária, p. 30: “Semeais vossos frutos, para que deles faça estrago; mobiliais e supris vossas casas, para fornecer-lhe as pilhagens; alimentais vossas filhas, para que ele tenha com que saciar sua luxúria; alimentais vossas crianças, para que façam o melhor que souberem fazer, que é levá-las às guerras, que as conduza à carnificina, que as faça ministros de sua cobiça e executoras de suas vinganças; sacrificais vossas pessoas, para que ele possa desfrutar de suas delícias e chafurdar nos prazeres sujos e vis; enfraqueceis-vos, para torná-lo mais forte e rígido ao encurtar-vos as rédeas; e tantas indignidades, que os próprios animais ou não as sentiriam ou não as suportariam, podeis livrar-vos, se o tentardes, não de livrar-vos, mas apenas de desejar fazê-lo. Sede resolutos em não servir mais e eis-vos livres. Não quero que o empurreis ou abaleis, mas apenas que não o sustenteis mais e o vereis, qual grande colosso a quem se tirou a base, desfazer-se debaixo do próprio peso
e romper-se”. [194] LA BOÉTIE, Étiene de. Discurso sobre a servidão voluntária, p. 31. [195] MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Ensino do Direito na UFPR: Voto à Esperança. In: Revista da Faculdade de Direito da UFPR, n. 36, p. 143. [196] LA BOÉTIE, Étiene de. Discurso sobre a servidão voluntária, p. 37: “Digamos, portanto, que ao homem todas as coisas parecem naturais, nas quais é criado e nas quais se habitua, mas isso só o torna ingênuo, naquilo que a natureza simples inalterada o chama; assim, a primeira razão da servidão voluntária é o costume.” [197] LA BOÉTIE, Étiene de. Discurso sobre a servidão voluntária, p. 36. [198] ROMAN BORGES, Clara Maria. Jurisdição e amizade, um resgate do pensamento de Etienne La Boétie. In: MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Crítica à teoria geral do direito processual penal, p. 102. [199] ROMAN BORGES, Clara. Jurisdição penal e normalização. Florianópolis: Conceito, 2010, p. 189 [200] ROMAN BORGES, Clara. Jurisdição penal e normalização..., p. 189, 192-193: “ Assim, devem restar para trás os conceitos carneluiano, chiovendiano e tnatos outros, que, embora importantes e até inovadores em seu tempo , não conseguem expressar essa nova jurisdição que se abre a uma postura crítica e se interpela ousadamente para transformar suas práticas. (...) Além disso, o presente trabalho evidencia que o atuar jurisdicional na esfera penal não é substitutivo, como ressaltava a noção chiovendiana elaborada para o processo civil. Isso porque, nos termos da tese contratualistaa, adotada inclusive por Giuseppe Chiovenda, o poder de aplicar penas é inerente ao Estado desde o seu nascimento e jamais foi exercido pelos cidadãos para que ele apenas os substituísse quando da celebração do pacto que lhe deu origem. (...) vê-se como imprescindível abandonar essa definição en [201] http://alexandremoraisdarosa.blogspot.com.br/2010/08/ufsc-2010-texto-introducao-aos.html [202] MARCON, Adelino. O Princípio do Juiz Natural no Processo Penall. Curitiba: Juruá, 2004. [203] Fala-se muito sobre Justiça Restaurativa e Mediação Penal, modalidades que aceitam a composição diretamente. Há movimento consistente nesse sentido, com acolhimento em diversos países, mas sem previsão legal expressa no Brasil. Conferir: FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Acordos sobre a sentença em processo penal: o “fim” do Estado de Direito ou um novo “princípio”?. Porto: Conselho Distrital do Porto, 2011; SALIBA, Marcelo Gonçalves. Justiça Restaurativa e Efeito Punitivo. Curitiba :Juruá, 2009. [204] TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do direito processual penal, p. 57-156; LAMY, Eduardo de Avelar; RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Curso de Processo Civil – Teoria Geral do Processo. Florianópolis: Conceito, 2010. [205] CAMARGO, Acir Bueno de. Windscheid e o rompimento com a fórmula de Celso. In: MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson. Crítica à teoria geral do direito processual penal , p. 111-144. [206] CARVALHO, Luis Gustavo Grrandinei Castanho de (org). Justa causa penal constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004 [207] MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. A lide e o conteúdo do processo penal. Curitiba: Juruá, 1998. [208] NUNES DA SILVEIRA, Marco Aurélio. A Tipicidade e o Juízo de Admissibilidade da Acusação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 111-113. [209] SILVA JARDIM, Afrânio. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 91. [210] SOUZA, Alexander Araújo de. O abuso do direito processual penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 76-109. [211] “É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal.” [212] TJRS. Recurso em Sentido Estrito n. 70042837559, de Torres. Relator Des. João Batista Marques Tovo. [213] MACPHERSON, Crawford Brough. Ascensão e queda da justiça econômica . Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. p. 66. [214] http://alexandremoraisdarosa.blogspot.com.br/2010/08/ufsc-2010-texto-introducao-aos.html [215] Nessa hipótese o Ministério Público intervém de maneira obrigatória, podendo: (i) requerer e acompanhar a produção de provas; (ii) repudiar ou aditar a queixa substitutiva, nos casos de inépcia; (iii) atuar no processo, inclusive interpondo recursos; (iv) retomar a legitimidade no caso de negligência do querelante. [216] MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. A lide e o conteúdo do processo penal, p. 137. [217] BINDER, Alberto M. Iniciación al proceso penal acusatorio, p. 11. [218] CORDERO, Franco. Procedimento Penal, p. 328-337. [219] FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale, p. 85-86. [220] Neste sentido: GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo, p. 102-132; CATTONI, Marcelo. Direito constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002; LEAL, André Cordeiro. O contraditório e a fundamentação das decisões. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002; LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. São Paulo: Landy, 2002. [221] MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Crítica à teoria geral do direito processual penal, p. 6-9: “A crítica honesta, sabem todos por ser primário, só pode ser reconhecida quando partida de alguém que está inserido no contexto. Daí a necessidade de verificar o papel do juiz no processo penal dentro da doutrina clássica.” [222] ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo jurídico e controle de constitucionalidade material. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2006. [223] CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: RT, 1995; SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem constitucional. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1999. [224] GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual, p. 115: “Há processo sempre onde houver o procedimento realizando-se em contraditório entre os interessados, e a essência deste está na ‘simétrica paridade’ da participação, nos atos que preparam o provimento, daqueles que nele são interessados porque, como seus destinatários, sofrerão seus efeitos.” [225] FAZZALARI, Elio. Istituzioni di dirio processuale, p. 51: “Delle posizioni soggeive primarie (facoltà, potere, dovere) abbiamo fao cenno. Mediante un altro passaggio logico, cioè collegando l’oggeto del comportamento descrio dalla norma al soggeo al quale essa, con la propria valutazione, assicura una posizione di preminenza (in ordine a quell’oggeto, appunto), si perviene ad un’altra posizione fondamentale, di secondo grado: il dirio soggeivo. Così, la norma che concede al soggeo una facoltà, o un potere, constituisce in capo a lui una posizione di preminenza (così, il potere può indicarsi e viene indicato anche come dirio potestativo. Non altrimenti, la norma che impone ad un soggeto il dovere di prestare alcunché ad un altro soggeto conferisce a quest’ultimo una posizione di preminenza sull’oggeto della prestazione, dunque un dirio soggetivo (si pensi al dirio di credito: la posizione di chi è destinatario dell’altri obbligo di prestare). Del dirio soggeivo che – a differenza di quello costituito dal dovere di uno (o più) soggeti: perciò indicato come relativo – è realizzato daí doveri di tuii i consociati (excluso il titolare del diritto) ed è detto perciò assoluto, nonchè del diritto soggetivo reale.” [226] GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual, p. 106: “Se da norma decorre uma faculdade ou um poder, para o sujeito, sua posição de vantagem incide sobre o objeto daquela faculdade ou daquele poder que a norma lhe conferiu.” [227] GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual, p. 107. [228] GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual, p. 108. [229] FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale, p. 77-78. [230] BREDA, Antonio Acir. Efeitos da declaração de nulidade no processo penal. In: Revista do Ministério Público do Estado do Paraná, n. 9, p. 184: “É que a declaração de nulidade exige a regressão do procedimento ao momento processual em que foi o ato nulo praticado. Daí por diante, todos os demais atos processuais são atingidos pela nulidade.” [231] CORDERO, Franco. Procedimento Penal, p. 328. [232] GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual, p. 109: “Posição subjetiva é a posição de sujeitos perante a norma, que valora suas condutas como lícitas, facultadas ou devidas.” [233] BINDER, Alberto M. O descumprimento das formas processuais: elementos para uma crítica da teoria unitária das nulidades no processo penal. Trad. Angela Nogueira Pessoa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. [234] GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual, p. 111: “O ato praticado fora dessa estrutura, sem a observância de seu pressuposto, não pode ser por ela acolhido validamente, porque não pode ser nela inserido.” [235] FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale, p. 85. [236] LOPES JR, Aury. Prefácio. In: COSTA, Ana Paula Moa. As garantias processuais e o direito penal juvenil como limite na aplicação da medida socioeducativa de internação., p. 18: “Basta recordar as lições de Guarnieri: acreditar na imparcialidade do Ministério Público é incidir no erro de confiar al lobo la mejor defensa del cordero.” [237] GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual, p. 126. [238] GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual, p. 120: “A conotação citada como uma aproximação do conceito atual de contraditório explica-se, pois ele exige mais do que a audiência da parte, mais do que o direito das partes de se fazerem ouvir. Hoje, seu conceito evoluiu para o de garantia de participação das partes, no sentido em que já falava VON JHERING, em simétrica paridade de armas, no sentido de justiça interna no processo, de justiça no processo, quando as mesmas oportunidades são distribuídas com igualdade às partes.” [239] FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale, p. 85-86. [240] GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual, p. 121-122: “O juiz, perante os interesses em jogo, é terceiro, e deve ter essa posição para poder comparecer como sujeito de atos de um determinado processo e como autor do provimento. Essa é uma garantia das partes, que se expressa tanto pelo princípio do juízo natural, e não pósconstituído, tanto pelas normas que controlam a competência do juiz. Investido dos deveres da jurisdição, o juiz não entra no jogo do dizer-e-contra-dizer, não se faz contraditor. Seus atos passam pelo controle das partes, na medida em que a lei lhes possibilita insurgir-se contra eles.” [241] GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual, p. 126-127. [242] DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo, p. 13: “É preciso, em outras palavras, retornar à dogmática processual, agora com o espírito esclarecido pela visão dos objetivos a conquistar.” [243] DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo, p. 22-26. [244] DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo, p. 34-35.
[245] DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo, p. 48: “Imbuído dos valores dominantes, o juiz é um intérprete qualificado e legitimado a buscar um deles, a descobrir-lhes o significado e a julgar os casos concretos na conformidade dos resultados dessa busca e interpretação (...) Cada direito, em concreto (ou cada situação em que a existência de direito é negada), é sempre resultante da acomodação de uma concreta situação de fato nas hipóteses oferecidas pelo ordenamento jurídico: mediante esse enquadramento e o trabalho de investigação do significado dos preceitos abstratos segundo os valores que, no tempo presente, legitimam a disposição, chega-se à ‘vontade concreta da lei’, ou seja, ao concreto preceito que o ordenamento dirige ao caso em exame. Por isso é que, quando os tribunais interpretam a Constituição ou a lei, eles somente canalizam a vontade dominante, ou seja, a síntese das opções axiológicas da nação. O comando concreto que emitem constitui mera revelação do preexistente, sem nada acrescer ao mundo jurídico além da certeza.” [246] CATTONI, Marcelo. Direito processual constitucional, p. 12. [247] LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual, p. 68-69: “Quando Cândido Dinamarco proclama, ao se contrapor a Fazzalari, que a diferença entre ambos ‘é que o professor de Roma põe o Processo ao centro do sistema’ enquanto a proposta é que ‘ali se ponha a jurisdição’, conclui-se facilmente que o insigne professor paulista e seus inúmeros discípulos, em todo o Brasil e no mundo, ainda não fizeram opção pelo estudo do direito democrático, pensando ser ainda ser o plano da DECISÃO exclusivo do decididor (juiz) e não um espaço procedimental de argumentos e fundamentos processualmente assegurados até mesmo para discutir a legitimidade da força do direito e dos critérios jurídicos de sua produção, aplicação e recriação.” [248] RAMOS, João Gualberto Garcez. Audiência processual penal, p. 19 [249] HART, Herbert L.A. O conceito de direito p. 137-168. [250] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, p. 363-371. [251] HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. v. 1 e 2. [252] CATTONI, Marcelo (org.). Constitucionalismo e História do Direito. Belo Horizonte: Pergamum, 2011. [253] STRECK, Lenio Luiz. O que é isso – decido conforme minha consciência?... [254] GARAPON, Antoine. O juiz e a democracia: o guardião das promessas. Trad. Maria Luiza de Carvalho. Rio de Janeiro: Revan, 2001. [255] STRECK, Lenio Luiz. A concretização de direitos e a validade da tese da Constituição Dirigente em países de modernidade tardia. In: NUNES, Antônio José Avelãs; MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de (orgs.). Diálogos constitucionais Brasil/Portugal. p. 301-371. MORAIS DA ROSA, Alexandre. Garantismo jurídico e controle de constitucionalidade material, p. 81-91; [256] HABERMAS, Jürgen. Acción comunicativa y razón sin trascendencia, p. 47. [257] LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual, p. 15. [258] LUDWIG, Celso. Razão comunicativa e direito em Habermas. In: A Escola de Frankfurt no Direito, p. 117. [259] LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual, p. 27: “Com Fazzalari, foi possível um salto epistemológico que retirou a decisão da esfera individualista, prescritiva e instrumental da razão prática do decisor.” [260] LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual, p.. 112: “A técnica do silogismo pelo jogo de premissas, com supressão do processo como estrutura encaminhadora da decisão, poderá premiar o decididor pela coerência dos juízos elaborativos do provimento. Entretanto, ainda que primorosa a decisão assim obtida, é negativa do devido processo legal, porque, no direito democrático, o acerto da decisão não se autojustifica ante a ausência de procedimento processualizado, que é o elemento teorizador de legitimidade do sistema jurídico constitucionalmente acolhido. Isto é: no direito democrático, só a institucionalização constitucional do processo como eixo de decisão das situações jurídicas asseguradas no ordenamento jurídico (as chamadas relações de direito material ou formal) é que tornam legítimas a dirimência dos conflitos normativos e a definição de direitos alegados ou exercidos.” [261] CATTONI, Marcelo. Direito processual constitucional, p. 60. [262] CATTONI, Marcelo. Direito processual constitucional, p. 78-79. [263] CORDERO, Franco. Procedimiento penal, p. 264: “Amorfismo. Era característico del método inquisitorio, pues en el proceso reducido a sondeo introspectivo, las formas constituyen un dato secundario o simplemente sin importancia, pues solo cuenta el resultado, no importa cómo sea obtenido.” [264] LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual, p. 107-108: “Porque, para eles, em qualquer hipótese, as decisões serão produzidas por um senso de justiça que lhes é comum pelo resultado de manter a ordem e a segurança jurídica, social, moral ou ética, sem se perguntarem sobre as origens teórico-processuais da ordem jurídica, social, moral ou ética que estão a preservar.” [265] MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. O Poder Judiciário na perspectiva da sociedade democrática: O Juiz Cidadão. In: Revista ANAMATRA, n. 21, p. 50: “Uma vez perguntei: quem nos protege da bondade dos bons? Do ponto de vista do cidadão comum, nada nos garante, ‘a priori’, que nas mãos do Juiz estamos em boas mãos, mesmo que essas mãos sejam boas.”
[266] MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Glosas ao ‘Verdade, Dúvida e Certeza’, de Francesco Carnelui, para os operadores do Direito. In: Anuário Ibero-Americano de Direitos Humanos (2001-2002), p. 188. [267] DUSSEL, Enrique. Ética da Libertação, p. 198-202. MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. O papel da jurisdição constitucional na realização do Estado Social, p. 54: “Daí ser incompreensível e inaceitável a posição de alguns dos nossos teóricos, mordidos pela mosca azul da nobreza do pensamento europeu e europeizante. Por isso que cansa o discurso; por isso que cansa o gueriguéri, cansa o blá-blá-blá. É como se ressoasse pelo país: e daí, meu amigo, eu quero comer!” [268] CATTONI, Marcelo. Direito processual constitucional, p. 15: “Assim é que os juízes, não devem comporta-se, embora tantos se comportem, como donos da verdade e guardiões das virtudes.” [269] PRADO JR, Bento. Alguns ensaios, p. 25: “É pelo menos curioso que alguém, que busca a verdade de Freud no que ele não disse, negue a ideia do inconsciente como discurso mudo, ou como um campo prévio que (tornando possível a linguagem) é de natureza análoga àquilo que torna possível, sem ser propriamente linguagem.” [270] MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. O Poder Judiciário na perspectiva da sociedade democrática: O Juiz Cidadão. In: Revista ANAMATRA, n. 21, p. 48. [271] DEWS, Peter. A verdade do sujeito: linguagem, validade e transcendência em Lacan e Habermas. In: SAFATLE, Vladimir (Org.) Um limite tenso: Lacan entre a Filosofia e a Psicanálise, p. 75-105. [272] LACAN, Jacques. Escritos, p. 501: “Por essa via, as coisas não podem fazer mais que demonstrar que nenhuma significação se sustenta a não ser pela remissão a uma outra significação: o que toca, em última instância, na observação de que não há língua existente à qual se coloque a questão de sua insuficiência para abranger o campo do significado, posto que atender a todas as necessidades é um efeito de sua existência como língua. Se formos discernir na linguagem a constituição do objeto, só poderemos constatar que ela se encontra apenas no nível do conceito, bem diferente de qualquer nominativo, e que a coisa, evidentemente ao se reduzir ao nome, cinde-se no duplo raio divergente: o da causa em que ela encontrou abrigo em nossa língua e o do nada ao que ela abandonou sua veste latina (rem). Essas considerações, por mais existentes que sejam para o filósofo, desviam-nos do lugar de onde a linguagem nos interroga sobre a natureza. E fracassaremos em sustentar sua questão enquanto não nos tivermos livrado da ilusão de que o significante atende à função de representar o significado, ou, melhor dizendo: de que o significante tem que responder por sua existência a título de uma significação qualquer. Pois, mesmo ao se reduzir a esta última fórmula, a heresia é a mesma. É ela que conduz o positivismo lógico à busca do sentido do sentido, do meaning of meaning, tal como se denomina, na língua em que se agitam seus devotos, o objetivo. Donde se constata que o texto mais carregado de sentido desfaz-se, nessa análise, em bagatelas insignificantes, só resistindo a ela os algoritmos matemáticos, os quais, como seria de se esperar, são sem sentido algum.” [273] DEWS, Peter. A verdade do sujeito: linguagem, validade e transcendência em Lacan e Habermas. In: SAFATLE, Vladimir (Org.) Um limite tenso: Lacan entre a Filosofia e a Psicanálise, p. 91. [274] LACAN, Jacques. Escritos, p. 529: “Se eu disse que o inconsciente é o discurso do Outro com maiúscula, foi para apontar o para-além em que se ata o reconhecimento do desejo ao desejo de reconhecimento. (...) Pois, se posso fazer meu adversário cair no engodo com um movimento contrário ao meu plano de batalha, esse movimento só exerce seu efeito enganador justamente na medida em que eu o produza na realidade, e para meu adversário. Mas, nas proposições através das quais iniciou com ele uma negociação de paz, é num lugar terceiro, que não é nem minha fala nem meu interlocutor, que o que ela lhe propõe se situa. Esse lugar não é senão o da convenção significante, tal como se desrevela no cômico desta queixa dolorosa do judeu a seu amigo: ‘Por que me dizes que vias a Cracóvia para que eu ache que vais a Lemberg, quando na verdade estás indo a Cracóvia?” [275] HABERMAS, Jürgen. Acción comunicativa y razón sin trascendencia, p. 56. [276] LACAN, Jacques. Escritos, p. 556: “Pois, certamente, os sulcos que o significante cava no mundo real vão buscar, para alargá-las, as hiâncias que ele lhe oferece como ente, a ponto de poder persistir uma ambiguidade quanto a apreender se o significante não segue ali a lei do significado. Mas, o mesmo não acontece no nível do questionamento, não do lugar do sujeito no mundo, porém de sua existência como sujeito, questionamento este que, a partir dele, vai estender-se à sua relação intramundana com os objetos e à existência do mundo, na medida em que ela também pode ser questionada para-além de sua ordem.” [277] DEWS, Peter. A verdade do sujeito: linguagem, validade e transcendência em Lacan e Habermas. In: SAFATLE, Vladimir (Org.) Um limite tenso: Lacan entre a Filosofia e a Psicanálise, p. 102. [278] ZAFFARONI, Raúl. E. La cultura del riesgo. In: DOBÓN, Juan; BEIRAS, Iñaki Rivera (orgs). La cultura del riesgo, p. 3: “El encuentro entre el derecho y el psicoanálisis nunca fue pacífico, ya desde que Freíd golpeara uno de los pilare en los que se pretenden asentar casi todos los discursos que nutren el campo jurídico: la pretendida racionalidad del ser humano.” [279] MUÑOZ CONDE. Francisco. La búsqueda de la verdad en el proceso penal, p. 106: “Como advierte Habermas, las búsqueda de la verdad en el discurso institucional tiene unas particularidades que la distinguen de la búsqueda de la verdad en el discurso libre de dominio, en el que precisamente por serlo, todas las partes están en un plano de
igualdad y tienen el mismo interés en encontrar la verdad.” [280] BARROS, Flaviane de Magalhães. O processo, a jurisdição e a ação sob a ótica de Elio Fazzalari. Virtuajus, a. 2, n. 1, agosto 2003. [281] http://diogobianchifazolo.blogspot.com/2009/08/o-programa-informante-cidadao-e-mais.Html [282] RANGEL, Paulo. A Linguagem pelo Avesso: a Denúncia Anônima como causa (i)legitimadora da Instauração de Investigação Criminal: Inconstitucionalidade e Irracionalidade. In: PRADO, Geraldo; MALAN, Diogo (orgs). Processo Penal e Democracia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 477-494) [283] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal . v. 1. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 218. [284] STJ, HC 64.096-PR, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 27/5/2008: “INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. DENÚNCIA ANÔNIMA.: Trata-se de habeas corpus em que se busca o trancamento de inquérito policial instaurado contra o paciente, visto que tal procedimento iniciou-se com a interceptação telefônica fundada exclusivamente em denúncia anônima. A Turma, por maioria, entendeu que, embora apta para justificar a instauração do inquérito policial, a denúncia anônima não é suficiente a ensejar a quebra de sigilo telefônico (art. 2º, I, da Lei n. 9.296/1996). A delação apócrifa não constitui elemento de prova sobre a autoria delitiva, ainda que indiciária; é mera notícia vinda de pessoa sem nenhum compromisso com a veracidade do conteúdo de suas informações, haja vista que a falta de identificação inviabiliza, inclusive, a sua responsabilização pela prática de denunciação caluniosa (art. 339 do CP). Assim, as gravações levadas a efeito contra o paciente, por terem sido produzidas mediante interceptação telefônica autorizada em desconformidade com os requisitos legais, bem como todas as demais provas delas decorrentes, abrangidas em razão da teoria dos frutos da árvore envenenada, adotada pelo STF, são ilícitas e, conforme o disposto no art. 5º, LVI, da CF/1988, inadmissíveis para embasar eventual juízo de condenação. Contudo, entendeu-se que é temerário fulminar o inquérito policial tão-somente em virtude da ilicitude da primeira diligência realizada. Isso porque, no transcurso do inquérito, é possível que tenha ocorrido a coleta de alguma prova nova e independente levada por pessoa estranha, ou seja, sem conhecimento do teor das escutas telefônicas. Realizar a correlação das provas posteriormente produzidas com aquela que constitui a raiz viciada implica dilação probatória inviável em sede de habeas corpus e a autoridade policial pode recomeçar as averiguações por outra linha de investigação, independente da que motivou a instauração do inquérito, ou seja, a denúncia anônima, tendo em vista que o procedimento ainda não foi encerrado, quer por indiciamento quer por arquivamento. Com esses fundamentos, concedeu-se parcialmente a ordem de habeas corpus. Precedentes citados do STF: Pet-AgR 2.805-DF, DJ 13/11/2002; RHC 90.376-RJ, DJ 18/05/2007; do STJ: HC 44.649-SP, DJ 8/10/2007; HC 38.093-AM, DJ 17/12/2004, e HC 67.433-RJ, DJ 7/5/2007.” [285] RUDGE MALAN, Diogo. Direito ao Confronto no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 206. [286] FERNANDES, Antônio Scarance. Processo Penal Constitucional. São Paulo: RT, 2002, p. 77. [287] CATTONI, Marcelo. Devido Processo Legislativo. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000. [288] RUDGE MALAN, Diogo. Direito ao Confronto no Processo Penal..., p. 142. [289] CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo Penal de Emergência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 124-125. [290] LOPES, Jr. Aury. Investigação Preliminar no Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2013; CHOUKR, Fauzi Hassan. Garantias Constitucionais na Investigação Criminal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. [291] Permanece no senso comum teórico a noção de que para o recebimento da ação penal desnecessária motivação. Entretanto, a decisão do Estado em aceitar – dizer: há ação penal; inicie-se o jogo – não pode ser implícita. Mesmo que não se possa aprofundar na valoração da prova, a indicação das condições, pressupostos e justa causa deveriam ser fundamentadas. O acusado precisa saber, motivadamente, no que consiste as justificativas para que tenha processo penal contra si. Até para poder impetrar Habeas Corpus. [292] STF, ED.Caut. MS 25.617-6/DF, rel. Min. Celso de Mello: “... a unilateralidade desse procedimento investigatório não confere ao Estado o poder de agir arbitrariamente em relação ao indiciado e às testemunhas, negando-lhes, abusivamente, determinados direitos e certas garantias – como a prerrogativa contra a auto-incriminação – que derivam do texto constitucional ou de preceitos inscritos em diplomas legais: (...) O indiciado é sujeito de direitos e dispõe de garantias, legais e constitucionais, cuja inobservância, pelos agentes do Estado, além de eventualmente induzir-lhes a responsabilidade penal por abuso de poder, pode gerar a absoluta desvalia das provas ilicitamente obtidas no curso da investigação policial.” [293] BACILA, Carlos Roberto. Estigmas: um estudo sobre os preconceitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. [294] VIEIRA, Luís Guilherme. O Ministério Público e a Investigação Criminal . Rio de Janeiro: Rabaço, 2004. [295] “O juiz tomará as providências necessárias à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem do “ofendido, podendo, inclusive, determinar o segredo de justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação.” [296] FIORI, Ariane Trevisan. A prova e a intervenção corporal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. [297] STF, HC 78.708, rel. Min. Sepúlveda Pertence: “O direito à informação da faculdade de manter-se silente ganhou dignidade constitucional, porque instrumento insubstituível da eficácia real da vetusta garantia contra auto-
incriminação que a persistência planetária dos abusos policiais não deixa perder a atualidade. Em princípio, em vez de constituir desprezível irregularidade, a omissão do dever de informação ao preso dos seus direitos, no momento adequado, gera efetivamente a nulidade e impõe a desconsideração de todas as informações incriminatórias dele anteriormente obtidas, assim como das provas dela derivadas.” [298] QUEIJO, Maria Elizabeth. Estudos em Processo Penal. São Paulo: Siciliano Jurídico, 2004, p. 8: “O averiguado ou suspeito é aquele em relação ao qual existem apenas ‘frágeis indícios’ ou ‘outro meio de prova esgarçado’. Já o indiciado é o provável autor da infração penal. Não existem apenas conjecturas, mas elementos probatórios positivos, convergentes, que o apontam como provável autor do delito em apuração.” [299] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal..., 2012, p. 331-332. [300] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal..., 2012, p. 333.. [301] LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal..., 2012, p. 796. [302] CASTANHO DE CARVALHO, Luis Gustavo Grandinei. Processo Penal e Constituição – Princípios Constitucionais do Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 92. [303] TÔRRES, Ana Maria Campos. A busca e apreensão e o devido processo. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 153-154 [304] DANTAS, Luziana Barata. A Prisão Preventiva e o Paradigma da Pós-Modernidade em Bauman. Porto Alegre: Núria Fabris Editora, 2013. [305] EYMERICH, Nicolau. Manual dos Inquisidores. Trad. Maria José Lopes da Silva. Rio de Janeiro: Rosa dos Ventos, 1993. [306] FERRAJOLI, Luigi. A pena em uma sociedade democrática. Trad. Carlos Arthur Hawker Costa. In: Discursos Sediciosos, Rio de Janeiro, n. 12, p. 31-39, 2002. [307] SUANNES, Adauto. Os fundamentos éticos do devido processo legal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 232: “Nada justifica que alguém, simplesmente pela hediondez do fato que se lhe imputa, deixe de merecer o tratamento que sua dignidade de pessoa humana exige.” [308] SANGUINÉ. Odone. A inconstitucionalidade do clamor público como fundamento da prisão preventiva. In: SHECAIRA, Sérgio Salomão (org.). Estudos Criminais em Homenagem a Evandro Lins e Silva. São Paulo: Método, 2001, p. 257-295. [309] BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Acórdão em apelação criminal n. 70006140693. Relator Desembargador Amilton Bueno de Carvalho. Porto Alegre, 12 de março de 2003: “O ‘clamor público’, a “intranqüilidade social” e o “aumento da criminalidade” não são suficientes à configuração do periculum in mora: são dados genéricos, sem qualquer conexão com o fato delituoso praticado pelo réu, logo não podem atingir as garantias processuais deste. Outrossim, o aumento da criminalidade e o clamor público são frutos da estrutura social vigente, que se encarrega de os multiplicar nas suas próprias excrescências. Assim, não é razoável que tais elementos – genéricos o suficiente para levar qualquer cidadão à cadeia – sejam valorados para determinar o encarceramento prematuro. – A gravidade do delito, por si-só, também não justifica a imposição da segregação cautelar, seja porque a lei penal não prevê prisão provisória automática para nenhuma espécie delitiva (e nem o poderia porque a Constituição não permite), seja porque não desobriga o atendimento dos requisitos legais em caso algum. À unanimidade, concederam a ordem.” [310] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. Trad. Ana Paula Zomer et alii. São Paulo: RT, 2002, p. 445. [311] RAUTER, Cristina. Criminologia e subjetividade no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 2002; NEPOMOCENO, Alessandro. Além da lei: a face obscura da sentença penal. Rio de Janeiro: Revan, 2004; ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão da segurança jurídica: do controle da violência à violência do controle penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. [312] PINHO, Ana Cláudia Bastos de. Prisão Provisória: cautelaridade ou banalidade. In: Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre, n. 03, p. 84-90, 2001. [313] O art. 44 da Lei de Drogas foi declarado inconstitucional. (STF, HC 104339/SP) Claro! A prisão é cautelar e não por resultado de uma mera imputação. O sujeito é somente acusado e não condenado. E por militar em seu favor a presunção de inocência, mera disposição legal, por si, não pode justificar a prisão. Os requisitos legais deveriam ser demonstrados. As disposições do Estatuto do Desarmamento (Lei n. 10.826/03) também: STF, ADIN n. 3.112-1. [314] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 446: A pergunta que devemos tornar a levantar é então se a custódia preventiva é realmente uma injustiça necessária , como pensava Carrara, ou se, ao invés, é apenas o produto de uma concepção inquisitória de processo que deseja ver o acusado em condição de inferioridade em relação à acusação, imediatamente sujeito à pena exemplar e, acima de tudo, não obstante as virtuosas proclamações em contrário, presumido culpado. (...) Quais são então, se elas existem, as necessidades e não as meras conveniências satisfeitas pela prisão sem juízo? Já falei sobre a manifesta incompatibilidade, reconhecida pela doutrina mais atenta, entre o princípio da presunção de inocência (ou ainda só o de não culpabilidade) e a finalidade de prevenção e de defesa social, que inclusive depois da entrada em vigor da constituição uma vasta fileira de
processualistas continuou associando à custódia do acusado enquanto presumido perigoso. Restam as outras duas finalidades: a do perigo de deterioração das provas e a do perigo de fuga do acusado, já indicadas por Beccaria e reconhecidas como únicas justificações da doutrina e da jurisprudência mais avançadas. Certamente ambos esses argumentos atribuem ao instituto finalidades estritamente cautelares e processuais. Mas é isso bastante para considerá-los justificados? São as duas finalidades processuais, em outras palavras, realmente legítimas e, ainda, não desproporcionais ao sacrifício imposto pelo meio de as atingir? Ou, ao contrário, não existem meios do mesmo modo pertinentes mas menos gravosos tornando desnecessário o recurso à prisão sem processo? [315] DIAS, Maria Berenice. A lei mara da penha na Justiça. São Paulo: RT, 2007. [316] MINAGÉ, Thiago. Da prisão, das medidas cautelares e da liberdade provisória. São Paulo: Edipro, 2011; CROZARA, Rosberg S ouza. Prisão e Liberdade: qual o real sentido da presunção de inocência?..., p. 271-287 [317] PRADO, Geraldo. Excepcionalidade da Prisão Provisória. In: FERNANDES, Og (org.). Medidas Cautelares no Processo Penal: prisões e suas alternativas. São Paulo: RT, 2011, p. 106. [318] Ata e Certidão de Julgamento da 77ª Sessão Ordinária, de 27 de janeiro de 2009, do Conselho Nacional de Justiça, na qual foi aprovada a Resolução n. 66: “Os levantamentos feitos pelos trabalhos do Conselho indicam que nós temos um número elevadíssimo de prisões provisórias. Em alguns Estados elas chegam a atingir, (é o caso, por exemplo, do Maranhão), elas chegam a atingir 74,33% dos presos. Um número extremamente alto e que mostra que está havendo abuso na prisão preventiva. Na Bahia 73,73%, no Espírito Santo 64,74%, no Amazonas 67,50%.A maioria dos Estados fica acima dos 50% de presos provisórios, em relação àqueles que já tiveram alguma condenação, de modo que precisamos realmente aprovar esta medida que é extremamente importante para que o Conselho possa supervisionar uma área muito sensível para o tema dos direitos humanos.” Disponível em:
[319] BARROS, Flaviane de Magalhães; MACHADO, Felipe Daniel Amorim. Prisão e Medidas Cautelares. Belo Horizonte: Del Rey, 2011, p. [320] BARROS, Flaviane de Magalhães; MACHADO, Felipe Daniel Amorim. Prisão e Medidas Cautelares...., p. 5: “Em verdade, a ausência de um referencial semântico para ‘ordem pública’ e ‘ordem econômica’, como já criticado por Lopes Jr (2009), permite que a decisão que decreta a prisão preventiva seja utilizada, a fim de preservar a credibilidade do Estado e do Poder Judiciário, confundindo assim a função de segurança pública com a função jurisdicional própria do processo penal. Portanto, desviando das próprias características da cautelaridade, a prisão preventiva ganha contornos de uma pena antecipada, contrária, assim, ao princípio da presunção de inocência.” [321] ANDRADE, Lédio Rosa de. Violência, psicanálise, direito e cultura. Campinas: Millenium Editora, 2007; MISSE, Michel. Crime e violência no brasil contemporâneo: estudos de sociologia do crime e da violência urbana. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006; BECKER, L.A.; SILVA SANTOS, E.L.. Elementos para uma teoria crítica do processo. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabri Editor, 2002; CARVALHO, Salo de. As presunções no direito processual penal (estudo preliminar do ‘estado de flagrância’ na legislação brasileira). In: BONATO, Gilson (Org.) . Processo penal: leituras constitucionais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003; GERBER, Daniel. Prisão em flagrante: uma abordagem garantista. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. [322] LOPES JR, Aury. O novo regime jurídico da prisão processual, liberdade provisória e medidas cautelares diversas – Lei 12.403/2010... p. 54. [323] BARRETO, Fabiana Costa Oliveira. Flagrante e Prisão Provisória em Casos de Furto: da presunção de inocência à antecipação da pena. São Paulo: IBBCRIM, 2007; LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. vol. II. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 49-50, aponta: “O risco no processo penal decorre da situação de liberdade do sujeito passivo. Basta afastar a conceituação puramente civilista para ver que o periculum in mora no processo penal assume o caráter de perigo ao normal desenvolvimento do processo (perigo de fuga, destruição da prova) em virtude do estado de liberdade do sujeito passivo. Logo, o fundamento é um periculum libertatis, enquanto perigo que decorre do estado de liberdade do imputado”. [324] MORAIS DA ROSA, Alexandre. O Fim da Farsa da Presunção de Inocência no Sistema (ainda) Inquisitório? STF, HC 91.232/PE, Min. Eros Grau. In: PRADO, Geraldo; MALAN, Diogo. (orgs.). Processo Penal e Democracia: Estudos em homenagem aos 20 anos da Constituição da República de 1988. 1 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, v. , p. 113. [325] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional, v. II. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 110-111. [326] ANJOS, Fernando Vernice dos. Exigências para obtenção de liberdade provisória. Boletim do IBCCRIM, n. 184, março/2008, p. 2. [327] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 449 [328] PRADO, Geraldo. Excepcionalidade da Prisão Provisória...., p. 106: “Assim é que a presunção de inocência opera no processo penal em geral e com maior rigor no âmbito das medidas de privação de liberdade, como princípio guarda-
chuva, a determinar a orientação prevalente a propósito dos demais princípios processuais constitucionais e a dar forma mais precisa à própria noção de devido processo legal. Dito de outra maneira: o devido processo legal somente o será na media em que estiver em conformidade com a presunção de inocência.” [329] MORAIS DA ROSA, Alexandre; PRUDENTE, Neemias Morei. Monitoramento Eletrônico em Debate. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011; WEIS, Carlos Eduardo. Estudo sobre o monitoramento de pessoas processadas ou condenadas criminalmente. In Monitoramento eletrônico: uma alternativa à prisão? Experiências internacionais e perspectiva no Brasil. Brasília: Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Ministério da Justiça, 2008; NUNES, Leandro Gornicki. Alternativas para a prisão preventiva e o monitoramento eletrônico: avanço ou retrocesso em termos de garantia à liberdade? Revista Eletrônica OAB Joinville, Joinville, 1. ed, vol. 1, Jul./Dez. 2010. Disponível em: . Acesso em 27, nov. 2012; OLIVEIRA, Maria Angélica; ARAÚJO, Glauco; STOCHERO, Tahiane. Tornozeleira para presos vira alternativa em lei, mas para poucos. 2011. Disponível em: < hp://g1.globo.com/brasil/noticia/2011/07/tornozeleira-para-presos-vira-alternativa-em-lei-mas-parapoucos.html>. Acesso em 30.nov.201.; JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano e MACEDO, Celina Maria. O Brasil e o Monitoramento Eletrônico. In Monitoramento Eletrônico: uma alternativa à prisão? Experiências Internacionais e Perspectivas no Brasil. Brasília: Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Ministério da Justiça, 2008; KARAM, Maria Lúcia. Monitoramento eletrônico: a sociedade do controle. In Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCRIM. São Paulo, ano 14, n. 170, jan. 2007, p. 4/5; LEAL, César Barros. Vigilância eletrônica à distância: instrumento de controle e alternativa à prisão na América Latina. Curitiba: Juruá, 2011. [330]Disponível em: . a) 10 (dez) dias para a conclusão do inquérito (art. 10 do CPP); b) distribuição imediata (art. 93, XV da CF); c) 2 (dois) dias (art. 799 do CPP) – ato de secretaria/escrivania (remessa para o Ministério Público); d) 5 (cinco) dias para a denúncia (art. 46, caput, 1ª parte, do CPP); e) 2 (dois) dias (art. 799 do CPP) – atos de secretaria (para conclusão ao juiz); f) 5 (cinco) dias – decisão interlocutória simples de admissibilidade da ação penal (art. 800, II, do CPP); g) 2 (dois) dias (art. 799 do CPP) – atos de secretaria/escrivania (expedição do mandado de citação); h) 2 (dois) dias (art. 799 do CPP – interpretação extensiva) - cumprimento do mandado de citação pelo oficial de justiça; i) 10 (dez) dias para o acusado apresentar a resposta (art. 396, caput, do CPP); j) 2 (dois) dias (art. 799 do CPP) – ato de secretaria (conclusão ao juiz); k) 5 (cinco) dias – decisão judicial (art. 399 e 800, II, do CPP); e l) 60 (sessenta) dias para a realização da audiência de instrução e julgamento (art. 400, caput, do CPP). Serão acrescidos àqueles prazos mais 10 dias se o réu não tiver constituído defensor e for assistido por defensor público ou dativo (artigo 396-A, § 2º, do CPP). O rito ordinário será ampliado em mais de 7 dias, sendo 2 para atos de secretaria (abertura de vista ao Ministério Público) e 5 dias para manifestação, na hipótese em que, com a resposta da defesa, sejam apresentados documentos, ou, ainda, arguidas preliminares. [331] Será acrescido aos mencionados prazos, mais um período necessário/razoável ao cumprimento da diligência considerada imprescindível ao término da audiência, se for o caso, e, mais 26 dias, dois para a secretaria/cartório, por ato ordinatório, abrir vista para o Ministério Público, mais 5 para as razões finais, mais 2 para a secretaria/cartório abrir vista para o advogado, mais 5 para as razões finais da defesa, mais 2 dias para a secretaria/cartório fazer a conclusão dos autos e, enfim, mais 10 para o juiz sentenciar, em se tratando de instrução complexa ou de pluralidade excessiva de réus (artigo 403, § 3º, do CPP). [332] TJRS, Habeas Corpus Nº 70021266473, rel. Marco Antônio Ribeiro de Oliveira: “Segundo ensina a Corte Européia de Direitos Humanos , instituição que há muito tempo trabalha com o princípio da razoável duração do processo, aqui erigido à garantia constitucional apenas após a Emenda 45, devemos observar quatro parâmetros para a configuração do excesso de prazo: (1) estrutura do órgão jurisdicional, (2) complexidade da causa, (3) comportamento das partes e (4) comportamento do juiz. Na hipótese, não há nada de anormal no que se refere ao comportamento das partes e do juiz, nem à estrutura do órgão jurisdicional. Assim, a demora na conclusão da instrução, aparentemente, foi ocasionada apenas pela complexidade do feito, onde figuram oito réus, há dez fatos delituosos, sendo arroladas doze testemunhas pela acusação, algumas residentes em outras comarcas, não se sabendo, ainda, quantas foram arroladas pelas defesas. Ademais, é consabido que o prazo criado pela jurisprudência para a conclusão do processo não é estanque, podendo ser dilatado, de forma razoável, em razão da complexidade do feito. Ordem denegada.” [333] CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de Processo Penal: Comentários consolidados e crítica jurisprudencial. São Paulo: Lumen Juris, 2009, p. 541-542 [334] DANTAS, Luziana Barata. A Prisão Preventiva e o Paradigma da Pós-Modernidade em Bauman. Porto Alegre: Núria Fabris Editora, 2013. [335] LOPES JR, Aury; BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 161. [336] CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo Penal à luz da Constituição. São Paulo: EDIPRO, 1999, p. 87.
[337] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 145-146 [338] BARROS, Flaviane de Magalhães; MACHADO, Felipe Daniel Amorim. Prisão e Cautelares. Belo Horizonte: Del Rey, 2011, p. 13. [339] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 905-906: “Hoje, a pirotecnia das megaoperações policiais, com seus nomes marcantes (uma interessante estratégia do marketing policial), para além das sirenes e algemas, conta com esse importante argumento: indisponibilidade patrimonial. Mais do que prender, engessar o patrimônio dos suspeitos passou a ser uma grande notícia, até porque, esteticamente, é embriagante ver no telejornal “as mansões cinematográficas e os caríssimos carros importados que serão sequestrados”. Assim, as medidas assecuratórias estão despertando do repouso dogmático para serem instrumentos de uso e abuso diário.” [340] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 919. [341] DUTRA, Luciano. Busca e Apreensão Penal. Da legalidade às ilegalidades cotidianas. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007. [342] PITOMBO, Cleunice Bastos. Da busca e da apreensão no processo penal. São Paulo: RT, 2005, p. 91. [343] DUTRA, Luciano. Busca e apreensão penal: da legalidade às ilegalidades cotidianas. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007, p. 91 [344] Em julgado recente, o STJ, HC 161.053, Rel. Min. Jorge Mussi, diferenciou : “DIREITO PROCESSUAL PENAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. VÍCIO INSANÁVEL. Não é válida a interceptação telefônica realizada sem prévia autorização judicial, ainda que haja posterior consentimento de um dos interlocutores para ser tratada como escuta telefônica e utilizada como prova em processo penal. A interceptação telefônica é a captação de conversa feita por um terceiro, sem o conhecimento dos interlocutores, que depende de ordem judicial, nos termos do inciso XII do artigo 5º da CF, regulamentado pela Lei n. 9.296/1996 . A ausência de autorização judicial para captação da conversa macula a validade do material como prova para processo penal. A escuta telefônica é a captação de conversa feita por um terceiro, com o conhecimento de apenas um dos interlocutores. A gravação telefônica é feita por um dos interlocutores do diálogo, sem o consentimento ou a ciência do outro. A escuta e a gravação telefônicas, por não constituírem interceptação telefônica em sentido estrito, não estão sujeitas à Lei 9.296/1996, podendo ser utilizadas, a depender do caso concreto, como prova no processo. O fato de um dos interlocutores dos diálogos gravados de forma clandestina ter consentido posteriormente com a divulgação dos seus conteúdos não tem o condão de legitimar o ato, pois no momento da gravação não tinha ciência do artifício que foi implementado pelo responsável pela interceptação, não se podendo afirmar, portanto, que, caso soubesse, manteria tais conversas pelo telefone interceptado. Não existindo prévia autorização judicial, tampouco configurada a hipótese de gravação de comunicação telefônica, já que nenhum dos interlocutores tinha ciência de tal artifício no momento dos diálogos interceptados, se faz imperiosa a declaração de nulidade da prova, para que não surta efeitos na ação penal. Precedente citado: EDcl no HC 130.429-CE, DJe 17/5/2010.” [345] PRADO, Geraldo. Limites às interceptações telefônicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. [346] STRECK, Lenio Luiz. As interceptações telefônicas e os Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, p. 45-46. [347] BELLOQUE, Juliana Garcia. Sigilo bancário : análise crítica da LC 105/2001. São Paulo: RT, 2003, p. 86. [348] BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Sigilo Bancário e Privacidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado2005. [349] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal..., 2012 p. 453-504. [350] KARAM, Maria Lúcia. Competência no processo penal. São Paulo: RT, 2005. [351] OVO, Paulo Claudio; TOVO, João Batista Marques. Apontamentos e Guia Prático sobre a denúncia no Processo Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008; SILVÉRIO JUNIOR, João Porto; Opinio Delicti. Curitiba: Juruá, 2005. Vale destacar ser incabível a denúncia alternativa . Diz Lopes Jr: “Mas, se a denúncia genérica pode(ria) ser admitida em casos complexos e excepcionais, a denúncia alternativa deve ser plenamente vedada, pois ela inequivocamente impossibilita a plenitude de defesa. Não há como se defender sem saber claramente do que. Constituiria ela numa imputação alternativa, do estilo, requer-se a condenação pelo delito “x”, ou, em não sendo provido, seja condenado então pelo delito “y” (só falta dizer: ou por qualquer outra coisa, o que importa é condenar...). (...) Para encerrar a questão em torno da denúncia alternativa, verdadeira metástase inquisitorial, concordamos com DUCLERC, quando sintetiza que: “acima das exigências do princípio da obrigatoriedade, está, sem dúvida, o princípio da ampla defesa, a impedir, segundo pensamos, que qualquer pessoa seja acusada senão por fatos certos, determinados e descritos de forma clara e objetiva pelo acusador. [...] Daí por que a queixa tem de ser sempre certa e determinada, não se admitindo a acusação privada de cunho genérico ou alternativo.” [352] As modalidades são por mandado, na comarca ou via precatória, por hora certa (CPP, art. 362 c/c CPC 228 e 229) ou edital, com a suspensão do processo (CPP, art. 366). O militar será feita ao chefe do serviço (CPP, art. 358). [353] Embora o senso comum teórico continue afirmando que o acusado se defende dos fatos e não da capitulação, o argumento não se sustenta. A imputação fixa competência, altera rito, além do que o jogador-acusador se pressupõe
capaz. Eventual incapacidade do jogador-acusador (capitulação errada, faltando circunstanciadora, etc.) é situação que não pode afetar o fair play. Se a acusação foi menor ou maior, existem mecanismos processuais para alteração (CPP, art. 383 e 384), sendo inviável a modificação de ofício pelo julgador, nem a surpresa. Configura-se, no fundo, soberba covardia a condenação em qualificação jurídica diversa da constante na denúncia, salvo nos crimes complexos (por exemplo: denunciado em roubo, a condenação pode se dar por furto; o inverso não cabe). O devido processo legal substancial rejeita a possibilidade da surpresa por parte do jogador-acusador ou do julgador. Deve existir congruência entre a imputação e a decisão judicial. [354] Prática odiosa é o requerimento de atualização de antecedentes criminais, dado que é carga probatória da parte, descabendo essa providência ao julgador. [355] CASTALHO DE CARVALHO, Luis Gustavo Grandineti; PRADO, Geraldo. Lei dos Juizados Especais Criminais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006; GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais Criminais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. [356] BACILA, Carlos Roberto. Comentários Penais e Processuais à Lei de Drogas. Rio de Janeiro: Luen Juris, 2007; BIZZOTO, Alexandre; RODRIGUES, Andreia de Brito; QUEIROZ, Paulo.. Nova lei de Drogas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. [357] BINDER, Alberto M. O descumprimento das formas processuais: elementos para uma crítica da teoria unitária das nulidades no processo penal. Trad. Angela Nogueira Pessoa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. [358] GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual, p. 111: “O ato praticado fora dessa estrutura, sem a observância de seu pressuposto, não pode ser por ela acolhido validamente, porque não pode ser nela inserido.” [359] FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale, p. 85. [360] PAULA, Leonardo Costa. As nulidades no processo penal. Curitiba: Juruá, 2013; BINDER, Alberto M. O descumprimento das formas processuais: elementos para uma crítica da teoria unitária das nulidades no processo penal. Trad. Angela Nogueira Pessoa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003; LOUREIRO, Antonio Tovo. Nulidades & Limitaçaõ do Poder de Punir. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.. [361] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal, ...2012, p. 1129: “Além da imprecisão em todo do que seja prejuízo, há um agravamento no trato da questão no momento em que se exige que a parte prejudicada (geralmente a defesa, por evidente) faça prova dele. Como se faz essa prova? Ou ainda o que se entende por prejuízo? Somente a paritr disso é que passamos para a dimensão mais problemática: como demonstrá-lo? Não é necessário maior esforço para compreender que a nulidade somente será absoluta se o julgador (juiz ou tribunal) quiser... e esse tipo de incerteza é absolutamente incompatível com o processo penal contemporâneo.” [362] BUSATO, Paulo César. De Magistrados, Inquisidores, Promotores de Justiça e Samabaias: um estudo sobre os Sujeitos no processo em um Sistema Acusatório..., p. 103-124. [363] A Lei nº 11.690, de 09/08/2008, alterou a redação do art. 212 do Código de Processo Penal, passando-se a adotar o procedimento do Direito Norte-Americano, chamado cross-examination, no qual as vítimas, as testemunhas e o acusado são questionadas diretamente pela parte que as arrolou, facultada à parte contrária, na sequência, sua inquirição (exame direto e cruzado), possibilitando ao magistrado complementar a inquirição se entender necessários esclarecimentos remanescentes e o poder de fiscalização (TJRS. Apelação Criminal n. 70035125046. Relator Des. Odono Sanguiné. Julgado em 14/10/2010). [364] TONINI, Paolo. Lineamenti di Diritto Processuale Penale. Milano: Giuffrè, 2008. p. 133. [365] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 370: “A Lei 11.690⁄08 trouxe importante alteração no procedimento de inquirição de testemunhas. Ali se prevê que as perguntas das partes serão feitas diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem a repetição de outra já respondida (art. 212, CPP). E, mais ainda, prevê que o juiz poderá complementar a inquirição, sobre pontos eventualmente não esclarecidos (art. 212, parágrafo único, CPP). Observa-se, então, que a medida encontra-se alinhada a um modelo acusatório de processo penal, no qual o juiz deve assumir posição de maior neutralidade na produção da prova, evitando-se o risco, aqui já apontado, de tornar-se o magistrado um substituto do órgão de acusação. Assim, as partes iniciam a inquirição, e o juiz a encerra.” [366] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal e Sua Conformidade Constitucional. Vol. I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 643-644: Neste novo modelo, o juiz abre a audiência, compromissando (ou não, conforme o caso) a testemunha e passa a palavra para a parte que a arrolou (MP ou defesa). Caberá à parte interessada na produção da prova, efetivamente produzi-la, sendo o juiz – neste momento – fiscalizador do ato, filtrando as perguntas ofensivas, sem relação com o caso penal, indutivas ou que já tenham sido respondidas pela testemunha. Após, caberá a outra parte fazer suas perguntas. O juiz, como regra, questionará ao final, perguntando apenas sobre os pontos relevantes não esclarecidos. É, claramente, uma função completiva e não mais de protagonismo. (...) O juiz preside o ato, controlando a atuação das partes para que a prova seja produzida nos limites legais e do caso penal. Ademais, poderá fazer perguntas sim, para complementar os pontos não esclarecidos.). [367] OLIVEIRA, Francisco da Costa. O Interrogatório de testemunhas. Coimbra: Almedina 2007.
[368] LOUREIRO, Antonio Tovo. Nulidades & Limitaçaõ do Poder de Punir...., p. 93-100: “Ainda que se aceite a distinção entre nulidades relativas e absolutas na qual se apóiam os autores e da qual não se compartilha, cumpre apontar uma vulnerabilidade deste entendimento. Os autores realizam uma abertura conceitual excessiva no limite entre os casos em que é necessário demonstrar o prejuízo, pois apenas atrela-se a necessidade demonstração do prejuízo ao fato de constituir a hipótese uma nulidade rela tiva . A falha deste raciocínio é que não há previsão explícita de quais atributos a violação deve possuir para que seja digna de nulidade absoluta.” [369] MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson. Introdução aos Princípios Gerais do Processo Penal Brasileiro in Revista de Estudos Criminais. Porto Alegre: Nota Dez Editora, n. 01, 2001. p. 44. [370] GAGNEBIN, Jeanne Marie. História e Narração em Walter Benjamin. São Paulo: Perspectiva, 2009, p. 14: “Não existem, portanto, reencontros imediatos com o passado, como se este pudesse votlar no seu frescor primeiro, como se a lembrança pudesse agarrar uma substância, mas há um processo meditativo e reflexivo, um cuidado de fidelidade teológica e/ou política a uma promessa de realização sempre ameaçada, pois passada no duplo sentido da vergangen (passado/desaparecido).” [371] DIGESU, Cristina. Prova Penal e Falsas Memórias. Rio de Janeiro; Lumen Juris, 2009; STEIN, Lílian M., et al. Falsas Memórias: fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas. Porto Alegre: Artmed, 2010; PISA, Osnilda. Psicologia do testemunho: os riscos na inquirição de crianças. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Mestrado em Psicologia Social e da Personalidade, PUCRS, Orientadora Lílian M. Stein. Porto Alegre, julho de 2006. [372] MARTINS, Rui Cunha. O ponto cego do direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 3. [373] Pode-se dizer que num caso banal de furto, por exemplo, em que o acusado tenha sido encontrado com a coisa furtada, avistado pela vítima e policiais, além de filmado, não se teria dúvidas sobre a materialidade e autoria. Contudo, tal certeza (paranóica) já foi desfeita teoricamente desde Santo Agostinho. Quando se tem tanta certeza de algo pode ser justamente nesse momento que o sujeito esteja sendo enganado. A fraude somente acontece no momento em que a vítima é enganada pelo ardil. Daí que cuidado com as aparências, como aliás, é o discurso do flagrante. [374] PLETSCH, Natalie Ribeiro. Formação da Prova no Jogo Processual Penal. São Paulo: IBCCRIM, 2007, p. 34: “Se memória é movimento, e o crime é memória, não se pode pensar em processo sem movimento.” [375] MELCHIOR, Antônio Pedro. O juiz e a prova: o shintoma político do processo penal. Curitiba: Juruá, 2013; AZEVÊDO, Bernardo Montalvão Varjão. O Ato de Decisão Judicial: uma irrracionalidade disfarçada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011; KHALED JR, Salh H. Ambição de verdade no processo penal: desconstrução hermenêutia do mito da verdade real. Salvador: Podivm, 2009; DIVAN, Gabriel Antinolfi. Decisão Judicial nos Crimes Sexuais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. [376] Basta ver o julgamento realizado pelo STF no caso da A.P. n. 470, conhecida como “mensalão”, uma vez que sobre o mesmo acervo probatório alguns diziam haver crime e outros não. Alguém estava mentindo? De má-fé? Afastadas essas possibilidades, o sentido do subjogo probatório migra conforme a compreensão de cada um dos sujeitos. [377] CARDOZO, Benjamin. N. A natureza do processo judicial. Trad. Silvana Vieira. São Paulo: Martins Fontes, 2004,. p. 1-3: Continua: “O que é que faço quando decido uma causa? A que fontes de informação recorro em busca de orientação? Até que ponto permito que contribuam para o resultado? Até que ponto devem contribuir? (...) Com frequência, é graças a essas forças subconscientes que os juízes mantêm a coerência consigo mesmos e a incoerência entre si. Numa notável passagem de suas preleções sobre o pragmatismo, William James nos lembra que cada um de nós mesmo os que desconhecem ou execram os nomes e as idéias da filosofia, tem, na verdade, uma filosofia de vida subjacente. Há, em cada um de nós, uma corrente de tendências – que dá coerência e direção ao pensamento e à ação. Os juízes, como todos os mortais, não podem escapar a essa corrente. Ao longo de suas vidas, são levados por forças que não conseguem reconhecer nem identificar – instintos herdados, crenças tradicionais, convicções adquiridas; o resultado é uma perspectiva de vida, uma concepção das necessidades sociais, um sentido. (...) Nessa configuração mental, cada problema encontra seu contexto. Podemos tentar ver as coisas com o máximo de objetividade. Mesmo assim, jamais poderemos vê-las com outros olhos que não os nossos.” [378] GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice. Justa Causa no Processo Penal: Conceito e Natureza Jurídica. In: BONATO, Gilson (Org.). Garantias Constitucionais e Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 199-200. [379] MORAIS DA ROSA, Alexandre; SILVEIRA FILHO, Sylvio Lourenço da. Para um Processo Penal Democrático. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 83-97; BARROS, Flaviane de Magalhães. (RE)Forma do Processo Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 23-27; GIACOMOLLI, Nereu José. Reformas (?) Do Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 23-36. [380] PIZA, Evandro. Dançando no escuro: apontamentos sobre a obra de Alessandro Baraa, o sistema penal e a justiça. In: ANDRADE, Vera Regina Pereira de (Org.). Verso e reverso do controle penal: (des) aprisionando a sociedade da cultura punitiva. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002, p. 106-108. [381] TONINI, Paolo. A prova no processo penal italiano. Trad. Alexandra Martins. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002, p. 76. [382] MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. A natureza cautelar da decisão de arquivamento do Inquérito Policial. In: Revista de Processo , São Paulo, n. 70, p. 49-58, 1993. [383] CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de Processo Penal - Comentários Consolidados. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 306. [384] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. Volume I. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 570. [385] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Decisão Penal: a bricolage de significantes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. [386] NASSIF, Aramis. Sentença Penal.: o desvendar de Themis. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. [387] LOPES JR, Aury. Direito Processual Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 384-392. [388] Nos autos da Apelação Criminal n. 196, de Joinville - SC (5ª Turma de Recursos), que fui relator, constou da ementa: “O processo penal possui a função de acertamento do ‘caso penal’, consoante assevera Miranda Coutinho: Cometido o crime, a sanção só será executada a partir da decisão jurisdicional, presa a um pressuposto: a reconstituição de um fato pretérito, o crime, na medida de uma verdade processualmente válida. Essa verdade processual (deflacionada, Rorty) será construída nos limites da acusação em face do “Princípio da Congruência”. Sustenta Binder que: Se debe tener en cuenta que detrás de este principio de ‘congruencia’ no se halla nínguna cuestión de simetría sino la preservación del derecho de defensa: el imputado debe saber de qué y sobre qué há de defenderse. Garante a certeza acerca do ‘caso penal’, evitando surpresas anti-democráticas, dado que o Juiz fica vinculado aos termos e limites da acusação. É verdade que poderá ocorrer a ampliação da acusação, todavia, sempre a cargo do órgão com competência para tanto - acusador -, descabendo ao Juiz esta função, dado que o Sistema Processual Brasileiro é eminentemente acusatório. Em síntese, a acusação preliminar fixa os limites inquebrantáveis da acusação, descabendo a condenação por conduta não descrita na exordial acusatória.” [389] MALAN, Diogo Rudge. A sentença incongruente no processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. [390] BAHIA, Alexandre. Recursos Extraordinários no STF e no STJ. Curitiba: Juruá, 2009; ROCHA JR, Francisco de Assis do Rêgo Monteiro. Recurso Especial e Recurso Extraordinários Criminais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. [391] STJ: Julgamento por colegiado composto por juízes convocados viola o devido processo legal (STJ, HC 105.413/GO). [392] Se o impetrante for o Ministério Público o acusado deve ser citado como litisconsorte passsivo necessário (STF, Súmula n. 701). [393] STF, Súmula n. 693: “Não cabe HC contra decisão condenatória à pena de multa, ou relativo a processo em curso por infração penal a que a pena pecuniária seja a única cominada.” STF, Súmula 694: “Não cabe HC contra a imposição da pena de exclusão de militar ou de perda de patente ou de função pública.” [394] Pacto de San Jose da Costa Rica (Dec. 678/92) internalizou suas disposições e pelo contido no art. 8o, 4, restou proibido que alguém seja julgado, mais de uma vez, por decisão transitada em julgado, mesmo que errada ou por julgador incompetente. O mesmo raciocínio deve prevalecer para os casos de anulação do processo sem recurso Ministerial, no qual deve prevalecer a reformatio in pejus indireta. Trata-se de decorrência da cláusula do devido processo legal substancial.