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C O L E C Ç Ã O

S T V D I V M

S T V D I V M TEMAS FILOSÓFICOS, JURÍDICOS E SOCIAIS

GIORGIO DEL VECCHIO

GIORGIO DEL VECCHIO

da Universidade de Roma

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LIÇÕES DE FILOSOFIA DO DIREITO 5.“ Edição

TRADUÇÃO DE ANTÓNIO JOSÉ BRANDÃO

REVISTA E PREFACIADA POR L. CABRAL DE MONCADA

E ACTUALIZADA POR ANSELMO DE CASTRO

A R M Ê N I O

A M A D O Editor - Sucessor

ARMÉNIO AM ADO — EDITOR, SUCESSOR-COIMBRA

LIÇÕES DE

FILOSOFIA DO DIREITO

C O L E C Ç Ã O

S T V D I V M

TEMAS FILOSÓFICOS, JURÍDICOS B SOCIAIS

GIORGIO DEL VECCHIO

Professor da Universidade de Roma

LIÇÕES DE

FILOSOFIA DO DIREITO TRADUÇÃO DE ANTÓNIO JOSÉ BRANDÃO

J.a EDIÇÃO CORRECTA E ACTUALIZADA SEGUNDO A IO.a E ÚLTIMA EDIÇÃO ITALIANA REVISTA E PREFACIADA POR L. CABRAL DE MONCADA

E ACTUALIZADA POR ANSELMO DE CASTRO

ARMÉNIO AMADO-EDITOR, SUCESSOR-COIMBRA-1979

Titulo original: «Leziooi dl Filosofia dei Dtrltto» Autor: Giorgio Del Vecchio

Direitos exclusivos em língua portuguesa de Arménio Amado — Editor, Sucessor Ceira — Coimbra — Portugal —1979 Colecção Studium, n.01 58 e 59

PREFÁCIO

A Filosofia do direito hoje mais em voga, é de data rela tivamente recente. A sua história não vai muito além de uma geração, remontando a pomo mais de sessenta anos. Se tomarmos como ponto de referência, para marcar o início dessa modernidade, o momento da renovação da filosofia de Kant no século transacto, poderíamos dizer que tal filosofia se subdivide fundamentalmente em dois períodos separados um do outro pela primeira guerra mundial: o do Neokantismo e o da reacção contra ele. Devemos, sem dúvida, ao primeiro o des pertar da reflexão filosófica no campo jurídico, depois do largo período positivista que acompanhou quase toda a segunda metade do século xix. Já, porém, lhe não devemos o estado mais actual da nossa consciência filosófica em nenhuma das grandes directrizes em que esta se afirma. Ao grito de Liebmann, «zuriick zu Kant» (voltemos a Kant), de 1865, sucedeu um estado de espírito que se poderia talvez exprimir melhor pelo grito precisamente oposto: fujamos de Kant. Ê preciso reconhecer isto: a mais moderna filosofia ultrapassou Kant numa larga frente, e foge dele. E contudo, facto não menos notável: a influência e a sombra de Kant continuam a persegui-la. Hoje, como escreveu Oktega, as portas da «prisão kantiana» parecem abrir-se de par em par. Os presos evadem-se de lá um a um! E contudo esses presos evadidos conservam ainda cá fora, já na liberdade, muitos dos hábitos contraídos na prisão.

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Ao subjectivismo da Crítica kantiana sucedeu o óbjectivismo de um conhecimento de novo voltado para o ser. Toma ram a reatar-se neste ponto, em determinados sectores do pen samento filosófico contemporâneo, as melhores tradições da Philosophia perennis. 0 ser, a realidade, e a Ontologia que os estuda, protendem a retomar o seu antigo lugar no centro da especulação filosófica, submetendo a si novamente, embora seguindo outras vias, como nos melhores tempos da Grécia e da Idade Média, o estudo do sujeito, da lógica e da Teoria do conhecimento. A «revolução copemiciana», a que aludia o símile de Kant, insiste em produzir-se, mas desta vez no sentido inverso do imaginado pelo filósofo de Konigsberg. Os termos da pro blemática gnoseológica são, uma vez mais, invertidos ou, pelo menos, profundamente modificados nas sum relações. No centro do sistema solar do conhecimento fica, outra vez, o objecto. E gravitando em volta dele, como a Terra em volta do soi, está outra vez o sujeito. Mais do que isso: Constituindo como que o fundo longínquo, mas não já julgado de todo inacessível ao nosso órgão visual filosófico —espécie de esfera celeste sobre a qual este novo-velho sistema planetário das relações entre o sujeito e o objecto se desenha— eis outra vez retomada a Metafísica, que Kant prudentemente tentara afastar, que os neokantianos quiseram radicalmente eliminar, e dentro da qual voltam a perfilar-se todas as inquietações e anseios de infinito que agitam a alma contemporânea. Mas, facto não menos curioso: este estremecimento ê o de uma alma muito mais rica na consciência de si mesma, e isso precisamente devido, em grande parte, às profundidades da própria reflexão kantiana. Esta, nos seus grandes traços, a situação do presente. A moderna Filosofia do direito, hoje mais em voga, nasceu pois sob o signo do Neokantismo, e foi um rebento da grande árvore da filosofia kantiana. E se hoje, passados cerca de trinta anos, vemos aquela enveredar, em larga medida, por outros caminhos em demanda de outros horizontes, como por exemplo, os de um novo idealismo objectivo ou os de um novo Direito natural,

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em que o melhor da Escolástica ressurge renovado, a primeira pergunta a fazer aos representantes destas diversas correntes, é e será sempre a mesma: — como forçaram eles as portas da prisão? Por onde saíram dela? Que elementos conservaram da lição de Kant? Ponhamos justamente estas perguntas a respeito do ilustre filósofo-jurista italiano, Giorgio del Vecchio, cujas Lezioni saem hoje em tradução portuguesa, à qwal estas despretenciosas linhas pretendem servir de prefácio. Qual o seu sistema de ideias? Em que relação se acha com Kant e o Neokantismo? Em que medida os ultrapassa? • A construção de ideias de del Vecchio nasceu em 1902, depois de largos estudos feitos na Alemanha, com o seu primeiro trabalho, intitulado II sentimento giairidico. Aí encontramos já em germe todo o seu ulterior sistema de ideias filosóficats, como este veio a desenvolver-se. Nasceu tal sistema sob o signo do Neokantismo, então em plena ascensão. A influência de Marburgo e as afinidades com o pensamento de Stammler são nele inegáveis. Tal qual este, del Vecchio atribui também à Filo sofia do direito, como objecto próprio das suas investigações, estes dois temas capitais: a determinação do conceito de direito, e a determinação do ideal jurídico. Que é direito, e como deve ser o direito? Eis aí também as duas preocupações máximas iniciais do filósofo italiano. A primeira chama-se uma questão lógico-gnoseológica; à segunda uma questão ético-axiológica. A primeira refere-se ao conhecer e ao conhecimento; a segunda ao dver ser e ao obrar. S certo que del Vecchio lhes acres centou uma terceira, empírico-fenomenológica, relativa ao ser histórico-social do direito, afastando-se neste ponto da sua ins piração kantiana de origem. Mas esta terceira parte ou capítulo da sua temática, diga-se de passagem, é hoje considerada uma espécie de corpo estranho e menos filosófico no sistema das

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suas ideias, devendo ver-se nela antes o resíduo das correntes do sociologismo naturalista do século xix, ou seja, do positivismo e historicismo, que ainda se reflectem na formação do seu espírito. Mais importante, porém, é notar as posições fundamentais a que o ilustre professor italiano se soube elevar no segundo dos temas capitais, a que acabamos de nos referir, dado que no primeiro ele pode ser considerado um neókantiano da Escola de Marburgo. Ê, com efeito, na parte referente à determinação do ideal jurídico que del Vecchio sobretudo ultrapassa o kantismo, fundando uma nova metafísica. Já se tem chamado ao sistema de ideias delvecchiano um «idealismo crítico». Isto, sem dúvida, em atenção ao subjecti vismo transcendental do seu ponto de partida: a Oiítica da Razão paira. Tal designação contudo está longe de ser justa, se sem reservas a quisermos aplicar ao todo desse sistema. Se conservarmos à palavra «crítico» o seu significado rigorosa mente filosófico, a designação só poderá aplicar-se à primeira parte das suas investigações. De «idealismo crítico» só há na sua obra a atitude inicial; digamos: o primado por ele atribuído ao problema do conhecimento, a maneira como procura deter minar a priori o conceito de direito; e ainda a sua maneira de conceber as relações entre o direito e a moral. Mas este «idea lismo crítico» já do mesmo modo se não revela, com a mesma pureza e intensidade, na segunda parte da temática do filósofo, onde ele é menos fiel à primeira orientação, para se deixar atrair na órbita de outros mundos de ideias. A determinação do ideal jurídico, ou seja, do direito justo, é aquela parte da Filosofia jurídica, a que quase exclusivamente se consagram os filósofos juristas de todos os tempos, e a que mais usualmente se dá o nome de Direito natural. E sabe-se que o Neokantismo, com Stammler e del Vecchio, reagindo contra o positivismo e o naturalismo do século xix, e apesar da raiz kantiana do seu pensamento, foi neste século, fora da Escolástica, o verdadeiro restaurador da ideia dum Direito natu-

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rol. Isto é inegável. Como procurou, porém, del Vecchio assen tar e fundamentar a sua concepção de um Direito natural? Diremos só duas palavras a este respeito, por estar aí o punctum saliens da sua emancipação do kantismo. Kant der ar nos, como é geralmente sabido, o derradeiro termo na linha de evolução das ideias jusnaturalistas do século xvm. Também ele foi, sem dúvida, jusnaturalista. Mas o seu Direito natural, pelo total esvaziamento da Razão (Vernunft) dos seus conteúdos empíricos, ficara reduzido a uma forma vácua e pobre, espécie de moldura sem quadro, tabela sem números, ou ainda a uma figura abstracta à qual fora rou bada toda a vida. Além disso, esse direito deixou de se impor do exterior ao homem, passando a impor-se-lhe do interior. Deixem de estar necessariamente ancorado num ser transcen dente ou numa natureza repleta de momentos empíricos, para ser considerado uma simples lei da Razão. Os seus preceitos ideais, universais, não iam além disto: «obra por maneira que possas sempre tratar a vontade livre e racional, isto é, a huma nidade, em ti e nos outros, como um fim e não como um meio». Ou ainda: «obra por forma que a tua liberdade (não o mesmo que o arbítrio) possa sempre harmonizar-se com a liberdade dos outros, segundo uma lei geral de liberdade para todos». Tudo o que de concreto podia extrair-se do conceito de direito para Kant, como direito natural, consistia nisto. Com Kant o jusnaturalismo mirrara-se num absoluto e total jusracionalismo, convertida a Razão numa forma pura e sem conteúdos. Esta orientação foi também ainda a seguida por Stammler. Stammler, porém, já lhe não foi inteiramente fiel. O formar lismo criticista deste filósofo já não foi tão rígido como o de Kant. Assim, quando ele tratou de definir o seu conceito de Direito natural, aliás englobado na ideia formal de justiça, vol taram a aparecer dentro dele, inopinadamente, certas ideias, como a de personalidade livre e a de comunidade humana ou Estado, que, embora ele o não pensasse, tinham muito mais de empírico que de puramente racional e estavam longe de cor

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responder a puras formas lógicas. Por outro lado, a preocupa ção teleológica ou finalista, embora sem projecção metafísica, que Kant arredara, voltava também a desempenhar na cons trução de Stammler um importante papel. Ora importa notar que este afastamento, a princípio quase insensível, do pensamento kantiano, e sobretudo este abraçar de preocupações teleológicas, vêm a produzir-se em del Vecchio num grau muito maior do que em Stammler, conduzindo-o a edificar, por último, na base do seu neokantismo, um verda deiro e novo sistema metafísico de ideias. E este é o ponto decisivo. A natureza humana à qual del Vecchio vai buscar o cri tério para definir o ideal jurídico, o direito justo, com efeito, nem é uma realidade puramente empírica, como era para muitos dos jusnaturalistas clássicos, nem mera ideia racional e a/penas formal, como era para Kant. Ê antes uma realidade espiritual orientada por fins e fazendo parte de um universo também teo logicamente estruturado. «A natureza humana é, neste sentido — diz ele — um princípio vivo que anima o universo e se exprime na infinita variedade do seu desenvolvimento. S aquela substância que reconhecemos imune da angústia da causalidade: a razão anterior que dá normas a todas as coisas e lhes assina a sua própria tendência'». E uma tal visualização teológica — note-se desde já — não é, como era para Kant e os neókantianos, um simples princípio regulativo, heurístico, da nossa compreensão de certas coisas, ou um certo ângulo de visão ou ponto de vista não essencial, só aplicáveis à esfera do humano. Ê mais. Ê uma estrutura da realidade que abarca o universo e o homem. Trata-se de uma teleologia não regvlativa, mas cons titutiva e carregada de momentos ontológicos. Ê, porém, evi dente que uma tal concepção da natureza humana, como a da natureza em geral, está já muito para além do kantismo, e constituü uma nova metafísica. E o mesmo se diga do conceito de personalidade humana que está na base destas ideias. Che gado a este ponto, dir-se-ia que é aí que o nosso filósofo dban-

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dona definitivamente a lição de Kant, sem poder permanecer por mais tempo dentro do ergástulo kantiano. Foi por aí que del Vecchio se evadiu dele: pela porta das concessões —que aliás o Neokantismo, com Stammler, já começara a fazer — às visualizações teleológicas da realidade, através das quais vol tavam a descortinar-se, cá fora, em vasta perspectiva, as sedu toras paragens metafísicas. O ilustre mestre italiano alargou ainda mais esse buraco, já aberto nas grades da dita prisão, pelo teleólogismo stammleriano. E contudo, conforme já atrás notámos, também neste caso o evadido de tal prisão não pode esquecer-se dela, e continuou a conservar vivo o hábito das for mulações gnoseológicas de nítido sabor kantiano. Ao dar-nos o preceito supremo do seu Direito natural, o formalismo kantiano ergue-se de novo. Assim é dele esta fórmula: «obra por maneira que sejas, não simples meio ou veíoulo das forças da natureza, mas um ser autónomo com a dignidade de princípio e fim; não como indivíduo empírico {homo phaenomenon), mas como ser racional (homo noumenon»). Não parece estar-se a ouvir ainda a voz do mesmo Kant? E poderemos nós depois disto continuar a chamar ainda Idealismo ao sistema de ideias de del Vecchio? Se por Idealismo entendermos o Idealismo crítico, subjec tivo e transcendental, que reduz todo o mundo das nossas repre sentações a um jogo de formas criadas por uma «consciência em si mesma*, uma Bewusstsein überhaupt, não necessária e ontólogicamente ancorada num ser transsuibjectivo, absorvida toda a filosofia numa Teoria do conhecimento, como já disse mos acima, é evidente que não. Aquilo que ele conserva de Kant não é o bastante para o incluir sob a rubrica desse .. .ismo. Neste sentido, del Vecchio não é kantiano nem idealista. O seu Idealismo não é um Idealismo epistemológico nem critico. Mas se por Idealismo entendermos toda a outra concepção do uni verso caracterizada péla afirmação de uma realidade metafísica das ideias, quer em sentido platónico, como transcendência, quer aristotélico, como imanência, então poderemos tranquilamente

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continuar a chamar a del Vecchio um idealista. Simplesmente: o seu idealismo será então um Idealismo metafísico. O Idealismo de del Vecchio é, além disso, uma forma de Idealismo parecida em vários aspectos com muitas outras que pulularam na história da filosofia do século xix e do actual, em que, como já foi notado por Recasens (*), tomam a aparecer muitos momentos derivados de todas as grandes correntes do Idealismo alemão post-kantiano. Fichte com a sua concepção do Eu, principio absoluto e autónomo, do qual toda a realidade do não-eu não passa de ser uma função; Schelling com o seu organicismo teleológico e metafísico, inspirador do sistema de Krause; Hegel com o seu panlogismo também metafísico, de uma Razão universal que acaba por se fazer natureza, cons ciência e espirito, a si mesmo se contemplando como pensamento absoluto, etc., todos estes momentos, com efeito, surgem aqui e além, como ingredientes de rápida fulguração que logo se diluem, absorvidos na síntese do pensamento delvecchiano. Nele, poderia dizer-se, estão em germe todas as formas conhecidas do Idealismo ocidental. Poderíamos também chamar-lhe por essa razão um Idealismo ecléctico. Recentemente, del Vecchio converteu-se ao Catolicismo. Este facto tem levado alguns escritores a darem ao sistema das suas ideias uma nova interpretação, tendente a desligá-lo de certos dos seus momentos kantianos, principalmente do que no kantismo há de formalismo ético e jurídico, bem como de muitos dos seus ingredientes hegelianos e scheTlinguianos, para o aproximarem de outras concepções e pontos de vista mais consentâneos com um jusnaturalismo escolástico de pura base tomista. Pretendeu-se descobrir aí como que o balbuciar duma verdade eterna e absoluta, em profunda concordância com as verdades fundamentais do Cristianismo.

(') Direcciones contemporâneas dei pensamiento jurídico, pág. 107.

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Conquanto, na sua generalidade, nos pareça inteiramente justificada esta última pretensão, não julgamos, porém, viável nenhuma tentativa de interpretação das ideias de del Vecchio em conjunto sobre a base de uma amputação de tal natureza de quaisquer dos momentos que elas contêm. Uma amputação destas equivaleria a uma violência praticada contra a realidade histórica do sistema que elas constituem, como esse sistema foi vivido e pensado pelo seu autor. Se o sistema pode em si mesmo ser considerado como contendo algo de contraditório, é preciso reconhecer que tal contradição está sobretudo na época e na situação histórica mental, de que ele emerge. Há contradi ções orgânicas no íntimo de muitos sistemas de ideias, cuja tentar tiva de eliminação, longe de os purificar, os torna simplesmente incompreensíveis como dado existencial de um pensamento vivido.

Por isso, concluímos: O sistema de ideias do ilustre autor destas Lezioni pertence historicamente, de uma maneira definitiva, ao quadro da filo sofia idealista dos fins do século xix e mergulha as suas raízes no terreno das mais autênticas tradições do Idealismo alemão kantiano, post-kantiano e neo-kantiano. Ê a tentativa de uma síntese dessas três formas de Idealismo, reflectindo osque todas elas aliás têm de inacabado e de contraditório entre si. Nenhum desses elementos contudo assume nele a consistência de uma orientação ou directriz assaz forte, para lhe poder ser atri buída a nacionalidade de uma qualquer dessas três formas de Idealismo como única e exclusiva. Nem tão pouco os seus mo mentos metafísicos e jusnaturálísticos estão suficientemente libertos de preocupações «críticas», para se supor que na con tinuação da linha lógica do sistema possa vir a encontrar-se, ao fim e ao cabo, a pura escolástica tomista. A obra deste insigne filósofo-jurista pode, numa palavra, caracterizar-se, na sua suprema intenção filosófica —e nisto

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vai a melhor homenagem que lhe podemos e devemos prestar — como mais um grande esforço por conciliar entre si as duas grandes correntes deste século, principalmente a partir da pri meira guerra mundial: a das exigências do espirito critico, aplicado a todo o conhecimento, de que foi paradigma a lição de Kant, e a das novas exigências de um mais puro idealismo ético. Por outras palavras: entre o que de eterno há em Kant, e as aspirações de uma nova Êtica de valores materiais, não simplesmente formais —no sentido de Max Scheler— superadora de todo o logicismo, a acenar para uma nova metafísica em que volta a ver-se ao longe o clarão das grandes verdades do Cristianismo. A solução pessoal religiosa que o nosso ilustre amigo deu ao problema dessa conciliação, não é uma solução lógica do sistema, como já contida nele, mas uma solução do «homo religiosus», para além de todo o filosofar, que é del Vecchio. Cabral

de

Moncada

DUAS PALAVRAS DO TRADUTOR

Costuma-se dizer que os livros também possuem um destino. Se fosse necessário ilustrar com um exemplo o adágio, nenhum outro melhor podia ser encontrado que o das Lições de Filosofia do Direito do ilustre Reitor da Universidade de Roma, o Pro fessor Giorgio del Vecchio. Editadas pela vez primeira em 1980, dois anos depois, em 1982, tomava-se necessária outra edição, já esgotada em 1986, ano em que se publica a terceira. A guerra impediu que saísse nova edição em 1989; esta é publicada em 1944; mas, logo no ano seguinte, houve necessi dade de imprimir a 5.° — a mesma que nestes dois volumes se apresenta ao mundo da cultura lusíada na versão portuguesa. Entretanto, o livro havia feito carreira fora da Itália. Tror duzido para espanhol, francês, alemão, turco e japonês, correra mundo, por toda a parte recebendo o prémio devido ao autor pelo notabilíssimo esforço precursor de que as lições são o coroar mento e a síntese. Com o brilho e a proficiência habituais, fez o meu querido Mestre e Amigo, Professor Cabral de Moncada, a biografia espiritual do Professor del Vecchio. Seja-me permitido, no entanto, acrescentar o seguinte: o êxito destas Lições deve-se ao facto de nelas o seu autor ter sabido, com arte consumada, tomar a Filosofia do Direito acessível a todos os juristas, mesmo àqueles destituídos de formação especializada. Todas as ques tões que ao jurista como tal interessam foram pelo Professor del Vecchio filosoficamente enfocadas e tratadas. Td-

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DUAS PALAVRAS DO TRADUTOR

Muitas vezes se repreende a Filosofia do Direito -por andar longe do mundo e da luta dos humanos interesses; e os seus cultores, por se alhearem das preocupações correntes do homem de leis, para nada os ajudando no momento em que melhor ou mais fundamente desejam meditar o Direito. Pois bem: o reparo não pode ser dirigido a estas Lições, onde se mantém contacto estreito com os dados da vida jurídica, sem todavia se cair na redundância inútil de repetir em termos filosóficos o já dito pela ciência dogmática do Direito. Eis a razão pela qucU elas têm actuado, por toda a parte, como despertador eficaz da vocação filosófica dos juristas. Oxalá continuem a cumprir em Portugal tão afortunado como benéfico destino. António José Brandão

PREFÁCIO DO AUTOR Â 7A EDIÇÃO ITALIANA (1950)

A revisão a que foi submetida a presente edição não intro duziu na obra nenhuma modificação substancial. Breves foram os acrescentamentos sofridos pela parte histórica (por exemplo, quanto à Filosofia do Direito na Alemanha) e o mesmo se diga dos sofl idos pela parte sistemática (por exemplo, os relativos ao Tribunal constitucional, aos direitos potestativos, ao matriar cado, à ideia de progresso e à luta pelo justiça). Fizeram-se também alguns retoques com o fim de introduzir na exposição maior clareza e precisão. Por último, em ordem a atingir o mesmo fim, introduziu-se igualmente leve alteração na ordem das matérias, no tocante às normas técnicas e aos destinatários das normas jurídicas. Possam os desvelos consagrados a esta nova edição e os melhoramentos nela introduzidos testemunhar, ao menos, a gra tidão do autor pelo constante e cada vez maior favor com que a obra tem sido acolhida pelos estudiosos. Roma, 1950

PREFÁCIO DA 8A EDIÇÃO

A presente edição foi também objecto de uma nova revisão do autor, apesar do reduzido tempo decorrido sobre a prece dente. Nela se introduziram numerosos retoques e alguns adita mentos, como sejam, quanto a estes, as mais completas refe rências, na Parte Histórica, a Gioberti, Mazzini e a outros autores italianos e estrangeiros, com o que se preencheram várias lacimas; e, na Parte Sistemática, a reelaboração e melhor esclarecimento de alguns pontos, por exemplo, dos factos e actos jurídicos, o Estado e a sociedade dos Estados, etc. Sem nada prejudicarem a índole originária da obra, de manual escolar, os desenvolvimentos que vêm sendo introdu zidos, progressivamente, nas várias edições, não deixarão tam bém de ser de algum modo úteis aos estudiosos em geral das doutrinas jurídicas. Roma, 1951

PREFÁCIO DA PRESENTE ÍOA EDIÇÁO

A presente 10.a edição, ao contrário da 9.a edição, quase idêntica à precedente, contém várias alterações e aditamentos de certa importância, tanto na Parte Histórica como na Siste mática. Aditou-se também a esta edição um índice analítico, de acordo com os votos expressos por alguns estudiosos. Rama, Dezembro de 1957

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PARTE HISTÓRICA

HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO Considerações preliminares

De cada ciência é vantajoso conhecer a história. Mas a importância de tal conhecimento faz-se sentir de modo particular a respeito das disciplinas filosóficas: em estas, o presente, sem o passado, carece de sentido; e o passado revive no presente. Os problemas filosóficos que hoje discutimos são fundamen talmente os mesmos que aos filósofos antigos se mostraram, ainda que de modo germinal ou embrionário. O exame dos sis temas filosóficos, por outro lado, proporciona-nos uma série de experiências lógicas. Ao efectuá-las, aprendemos a ver a que conclusões se chega quando se parte de certas premissas e, assim, a tirar partido da aprendizagem, com o intuito de nos avizinharmos de sistema mais perfeito, que seja produto de mais intensa maturidade, capaz de evitar os erros já entretanto cometidos e de aproveitar os progressos já entretanto atingidos. A História da Filosofia é, por conseguinte, meio de estudo e de investigação, e, como tal, poderosa ajuda para o nosso trabalho: oferece-nos repositório de observações, de raciocínios, de distinções, que a um homem só, no decurso da vida, seria impossível ocorrer. Acontece-nos o mesmo que a qualquer artí fice actual que, agora, seria incapaz de ser o inventor de todos os instrumentos da sua arte. No caso particular da Filosofia do Direito, a história dela mostra-nos sobretudo que em todas as épocas se meditou sobre o problema do Direito e da Justiça. Logo: o facto denuncia

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LIÇÕES DE FILOSOFIA DO DIREITO

que tal problema não é uma invenção artificiosa mas corres ponde à necessidade natural e constante do espírito humano. A Filosofia do Direito, porém, não se nos depara, nas suas origens, como disciplina autónoma mas mesclada com a Teo logia, a Moral e a Política; só pouco a pouco se operou a sua autonomia. Nos primeiros tempos, a confusão foi completa e, no Oriente, temos o seu melhor exemplo, pois, aí, os livros sagrados apresentam-se simultaneamente como tratados de Cos mogonia, de Moral, e contêm elementos de outras ciências, assim teóricas como práticas. Nestes escritos predomina o espí rito dogmático. Neles é o direito concebido à maneira de pres crição divina, superior ao poder humano, e, por isso, não como objecto de discussão e ciências, mas tão só de fé. As leis positivas são também consideradas indiscutíveis; e não se julga susceptível de fiscalização e limite o poder existente, expressão da divindade. Em esta fase, própria dos povos orientais, ainda o espírito crítico não se tinha manifestado. Contudo, injusto seria olvidar que muitos destes povos, sobretudo os hebreus, os chineses e os indianos deram notável impulso aos estudos filosóficos, sobretudo no respeitante à Moral.

A Filosofia Grega Primórdios

É a Grécia a pátria por excelência da Filosofia, que nela atinge desenvolvimento autónomo 0). Em os primeiros tempos, a mente grega não se vira para os problemas éticos, nem tão pouco para os jurídicos, pois preocupa-se exclusivamente com a natureza física. Assim, a Escola Jónica, a mais antiga (vi séc. A. C.), tentou explicar os fenómenos do mundo sensível me diante a sua redução a certo tipo único deles. Mas esta escola, à qual, entre outros, pertenceram Tales, Anaximandro, Ana ximenes, Heraclito e Empédocles (que formulou a teoria dos

HISTORIA DA FILOSOFIA DO DIREITO

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quatro elementos: água, ar, fogo e terra), não tem importância para o nosso estudo. Outra escola, quase contemporânea da jónica, a Eleática, tentou responder ao mesmo problema pela boca dos seus repre sentantes — Xenófanes, Parménides, Zenão de Eleia, Melisso de Samos— mas de modo bem mais profundo e reflectido. Erguendo-se até um conceito metafísico, sustentou que o ser é uno, imutável, eterno. Por outro lado, aceita uma única dis tinção: entre aquilo que é e aquilo que não é, Daqui a negação do conceito de devir e de movimento: ambos correspondem apenas a ilusão dos sentidos. Não é de admitir o nascimento e a morte, o trânsito entre ambos. Relacionam-se com as doutrinas das Escolas Jónica e Eleá tica as doutrinas de outros filósofos, como Eraclito, que sustenta, ao contrário dos Eleáticos, o conceito do devir; Empédocles, que formulou a teoria dos quatro elementos: o fogo, o ar, a água, a terra; Anaxágoras, Demócrito, etc., que consideram também não o problema ético-jurídico, mas o cosmológico ou o do ser em geral; embora encontremos já uma outra referência àquele problema em Heráclito e Demócrito. Mais forte conexão com a nossa disciplina apresenta outra escola desta época: a Pitagórica. Pouco se conhece de Pitágoras, quer quanto à vida, quer quanto à doutrina. Nascido em Samos, no ano de 582 A. C., emigrou para a Itália meridional, para Orotone onde fundou uma sociedade, com adeptos escolhidos da sua doutrina. Esta corporação aristocrática, de carácter religioso e moral, vincu lando seus membros por forte disciplina, não se manteve muito tempo. Com efeito, surgiram desconfianças políticas, e Pitá goras teve de refugiar-se em Metaponte, onde morreu no ano de 500 A. C. Segundo parece, era oral o ensino de Pitágoras e, por isso, não se encontra traço de seus escritos: das suas teorias chegaram até nós apenas fragmentos recolhidos em aponta mentos de discípulos e as referências de Aristóteles, que as F D-3

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contestou. Particularmente importante é o estudo do continuador de Pitágoras, Filolau, contemporâneo de Sócrates, com o seu escrito Da Natureza ( uepl
Os Sofistas

A escola que, em primeira mão, enfrentou os problemas do espírito humano, do conhecimento, e da ética, foi a dos Sofistas, no século v A. C. Eram os Sofistas naturais da Grécia e da Grande Grécia (Itália meridional, Sicília) e constituíam um grupo de pen sadores e oradores que, muito embora professando doutrinas diferentes, se aparentavam entre si por traços comuns. Os prin cipais de entre eles foram Protágoras, Górgias, Hípias, Gallicle, Trasímaco, Pródigo e outros. Só conhecemos as ideias deles através dos escritos dos seus adversários (a principal fonte delas são para nós os diálogos platónicos em que Sócra tes muitas vezes polemiza com os sofistas). Homens de grande vigor dialético e de robusta eloquência, percorriam várias cidades sustentando nos seus discursos as teses mais dispares; tinham o gosto de se oporem às ten dências dominantes; frequentemente provocavam escândalo no numeroso auditório com os seus paradoxos.

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historia da filosofia do direito

É de sobremodo notável o facto de então se começar a discutir e a criticar o princípio da autoridade, a minar a fé tradicional e a despertar a atenção do povo; e isto está em relação com o período de discórdias internas em que se encon trava a Grécia. A obra dos Sofistas relaciona-se com esta situação. Os Sofistas eram individualistas e subjectivistas. Ensina vam que cada homem possui seu modo próprio de ver e de conhecer as coisas. Daqui a tese, segundo a qual não é pos sível urna ciência autêntica, de carácter objectivo e universal mente válida, mas tão só opiniões individuais. Ficou célebre o dito de Protágoras: o homem é a medida de todas as coisas (tcocvtov XpT)[idcTcov fiéxpov ív&pwfioç ): ou seja: cada homem pos sui a sua visão própria da realidade. Em sentido bem diverso foi sustentado, mais tarde, por Kant, por exemplo, que a mente humana é a medida de todas as coisas. Kant, com efeito, considerava a mente humana como sendo necessariamente idêntica em todos os indivíduos e, por isso, ao afirmar que ela é a medida de todas as coisas, não destruía a validez uni versal da ciência. As formas subjectivas, dentro da doutrina kantiana, são aptas a apreender, pela maneira inerente à sua própria estrutura, a realidade sensível — e de tal sorte que toda a experiência dela leva já o seu ounho. Mas estas formas são igualmente próprias e comuns a todos os sujeitos ,pensantes. Ora, para os Sofistas, apenas existem as opiniões mutáveis de cada indivíduo e, portanto, uma verdadeira ciência não é pos sível. Negando os Sofistas a possibilidade de uma verdade objec tiva, negam também que exista uma justiça absoluta; também o direito, para eles, é algo de relativo, opinião mutável, expres são do arbítrio e da força: justo é «aquilo que favorece ao mais forte». Assim, Trasímaco pergunta se a justiça é um bem ou um mal, e responde: «A justiça é na realidade um bem de outrem; é uma vantagem para quem manda, é um dano para quem obedece».

*

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Como pelo exposto se dá conta, os Sofistas eram cépticos em moral, mais negadores e destruidores do que construtivos e afirmativos. Não Obstante, grande mérito foi o seu por terem atraído a atenção dos homens sobre dados e problemas relativos ao homem, ao pensamento humano; e a perturbação trazida pela sua actividade à consciência pública foi ainda benéfica e fecunda, pois aguçou o espírito crítico para muitos temas que até então a ninguém preocupavam. Enquanto os filósofos da escOla Jónica se haviam entregue ã exclusiva meditação do mundo externo, os Sofistas deram o seu interesse a proble mas psicológicos, morais e sociais. A eles se deve, por exem plo, a colocação rigorosa do problema de saber se a justiça tem um fundamento natural; se aquilo que é justo por lei — ou, como nós dizemos, o direito positivo— é também justo por natureza (a antítese entre o vó^w Styaiov e o
Viveu em Atenas, de 469 a 399 A. C., o grande adver sário dos Sofistas, Sócrates, mais sábio da vida do que propria mente filósofo. Também perante as doutrinas socráticas estamos em situa ção igual à que se nos oferece quanto às doutrinas sofistas;


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ou seja: não temos escritos autênticos; conhecemo-los só através dos relatos de outros. Neste caso, temos os dos admiradores e discípulos, ao passo que dos Sofistas só temos os dos adver sários e críticos. Queremo-nos referir aos Diálogos de Platão e aos Memoráveis de Xenofonte. De longe, porém, são os pri meiros a fonte mais importante, embora aí o pensamento socrá tico, por vezes, seja de tal modo identificado com o do seu genial discípulo que difícil se torna destrinçar um do ouitro. Assim se verifica sobretudo nos últimos diálogos; os primeiros, nomeadamente a Apologia, Eutifrón e Criton, mantiveram-se mais fiéis à palavra de Sócrates, que Platão recolhe da sua boca. Discutia Sócrates de modo peculiar, multiplicando as per guntas e a elas dando respostas de maravilhosa e concludente simplicidade. Ao contrário dos Sofistas, que tudo afirmavam saber, declarava ele nada saber. Molestava-os com a sua iro nia, e confundia-os, interrogando-os (ironia — pergunta, inter rogação) sobre questões aparentemente simples, mas, no fundo, muito difíceis. Deste modo, constrangia-os, indirectamente, a darem-lhe razão. Por certo aspecto, Sócrates avizinhou-se dos Sofistas; também orientou a sua meditação para o estudo do homem. Como é sabido, tinha por mote a inscrição délfica: «Conhece-te a ti mesmo» (yvw&í aeauTÓv). Ninguém como ele insistiu tanto na necessidade do auto-conhecimento. Mas neste estudo chegou a conclusões opostas às dos Sofistas: mos tirou que é preciso distinguir entre aquilo que é impressão dos sentidos, em que predomina a variedade e o arbítrio individual, a instabili dade e a acidentalidade subjectiva, e aquilo que é produto da razão, onde encontramos conhecimentos necessariamente iguais para todos os homens. Portanto, é preciso erguer-se dos sen tidos à unidade conceituai, racional. Sócrates ensinava a pro curar o princípio da verdade. Saber e operar para ele são como ciência e virtude, uma só e mesma coisa, pois esta não é mais do que uma aplicação daquela.

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O que nos afirmou do saber em geral vale também para o saber jurídico. Para além das coisas singulares devemos apren der a ver a universalidade. Aqueles que apenas conseguem ver a variedade das coisas justas, as simples teses ou normas jurídicas, mais não a Justiça em si, não merecem o nome de filó sofos (91X600901). São antes amantes de opiniões (91X086^01). Acima das contradições do mundo empírico, objecto da opinião, existe o mundo inteligível, objecto da ciência. Filosofia é, preci samente, amor da ciência. Sócrates, deste modo, lançou as primeiras pedras para um sistema filosófico idealista, mas não construiu o edifício, que foi obra de Platão. Ensinou o método do filosofar, sobre tudo no respeitante à Ética, reagindo contra o cepticismo prá tico dos sofistas na procura do Bem. Ensinou a respeitar as leis (que os Sofistas haviam ensi nado a desprezar), e não só as leis escritas, mas também as que, embora não escritas, valem igualmente em todos os luga res, e são impostas pelos deuses aos homens. Sócrates afirmou assim a sua fé em uma Justiça superior, para a validez da qual não é preciso sanção positiva, nem formulação escrita. A obediência às leis do Estado é, no entanto, para Sócrates, um dever que deve cumprir-se em todos os casos. O bom cidadão deve obedecer mesmo às leis más, para não estimular com a sua atitude os maus cidadãos a violar as 'boas. O próprio Sócrates exemplificou em vida este prin cípio, pois, acusado injustamente de ter introduzido novos deu ses e corrompido a juventude, foi condenado à morte por este pretenso delito, enfrentando serenamente a execução da sentensa em vez de aproveitar a fuga que amigos aflitos lhe haviam preparado. A acusação de ter introduzido novos deuses, já feita por Aristóteles na Rane, foi possível só porque Sócrates se dizia inspirado por uma divindade (Sa[[A«v), que não era outra senão a sua consciência; e esta atitude, que parecia contrária à religião dominante, serviu de pretexto aos seus inimigos. A ma neira sublime e serena como encarou a morte toma ainda mais


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admirável a sua figura e faz dele um precursor de outros már tires do pensamento. Pelo seu ensino, dedicado à investigação dos princípios racionais da actividade humana, Sócrates merece ser considerado um dos principais (se não absolutamente, o primeiro) dos fundadores da Ética. Platão

As obras do grande discípulo de Sócrates, Platão (427-347 A. C.), escritas em forma de diálogo, figuram o Mestre na ocasião de discutir com discípulos e com Sofistas, seus adver sários, de sorte que o sistema platónico parece vir de Sócrates. Não foi este, porém, o edificador: Sócrates abriu caminho à especulação filosófica, mas não nos legou sistema completo. O Sócrates platónico não coincide com o Sócrates histórico, mas, em grande parte, é o próprio Platão. Das doutrinas deste só nos ocupamos na medida em que interessam especialmente à nossa doutrina. Mencionaremos dois dos seus diálogos, a República, ou rcoXixeía (que melhor se tra duziria por «Estado») e as Leis, ou Nófxou A estes, acrescen taremos outro, que fica entre os dois primeiros, intitulado o Político — 7roXmx0£. De todos, o mais importante é o primeiro, em que Platão nos apresenta, como todo o rigor, a sua concepção do Estado. Ele pretende encarar o problema da Justiça no Estado, pois, como ele diz, ali ela pode ser lida mais claramente, porque está escrita em caracteres grandes, ao passo que, em cada homem, está escrita com letras pequenas. Para Platão, o Estado é o homem em grande, ou seja: um organismo completo, em que se encontra reproduzida a mais perfeita unidade. Constituído por indivíduos, solidamente estruturado, semelha um corpo formado por vários órgãos, cujo conjunto lhe toma possível a vida. No indivíduo, corno no Estado, deve reinar aquela harmonia que se obtém pela virtude. A Justiça é a virtude por excelência, pois consiste em uma

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relação harmoniosa entre as várias partes de um corpo. Ela exige que cada qual faça o que lhe cumpre fazer (xá êau-rou 7tp

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helénico. Assim, para os gregos, a principal função do Estado é a educadora (roxiSeta). No diálogo da República encontramos largas dissertações sobre o tema. Para Platão, os meios de educar são, sobretudo, a Música (na qual entra também a primeira instrução literá ria) e a Ginástica. A Música, em seu entender, cria predis posição favorável à recepção do bem e do belo. Dá, a seguir, um lugar à Matemática (na qual inclui a Astronomia). Final mente, para os mais capazes, reserva o ensino científico e filo sófico. Platão dedica particular interesse à formação dos homens para a vida pública. Os melhores indivíduos deverão atingir os lugares de governo mediante selecção gradual e adequada educação, mas nunca antes dos cinquenta anos, dedi cando-se exclusivamente ao desempenho desta função, pois nenhuma outra actividade do cidadão é mais alta do que esta. Nesta concepção, o elemento individual é totalmente sacri ficado ao social e político. Não se descobre aqui traços da ideia de que o indivíduo seja titular de direitos originários. O Estado domina de modo absoluto. E Platão vai até ao ponto de suprimir, com vista a mais intensa e eficaz coesão política, as entidades sociais intermédias, que podem existir entre o Estado e o indivíduo. Ohega mesmo a sustentar a tese da supressão da propriedade e da familia; ou seja, por outras palavras: propõe a comunidade dos patrimónios e das mulhe res, por julgar que, deste modo, se obteria uma família única, capaz de assegurar a completa e perfeita unidade orgânica e harmonia do Estado. Mas as teses eram válidas apenas para as duas classes superiores (ou seja para aqueles que mais directamente participavam na vida pública, os magistrados e os guerreiros). Com elas, portanto, estamos bem longe das modernas doutrinas comunistas. A personalidade humana, de nenhuma maneira é adequadamente reconhecida por Platão. Debalde se procura em seus escritos a condenação da escra vidão. Os servos estão excluídos das três classes em que divide os homens no Estado, às quais confiava o desempenho de fun

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ções estaduais. Por aqui se verifica quão erroneamente inter pretam a teoria platónica aqueles que teimam em ver nela a precursora do socialismo hodierno. Platão foi conduzido à sua concepção do Estado ideal, não por considerações económicas mas por preocupações éticas e políticas.

Ficam assim resumidamente expostos os conceitos formu lados por Platão no diálogo da República. O diálogo acerca das Leis, composto mais tarde, quando Platão ultrapassava os setenta anos, apresenta já carácter diferente. Aqui, em vez de nos dar a descrição de um puro ideal, considera antes a realidade histórica nos seus aspectos contingentes e permite-nos avaliar o seu admirável senso prático. No diálogo da República, Platão tinha formulado a máxima de que os sábios deverão governar segundo a sabedoria; e, se admitirmos que a sabe doria domina o mundo as leis serão supérfluas (neste sentido, leia-se ainda o Político, 294 a 299); mas se considerarmos a prática, e a natureza humana concretamente, constatamos a necessidade das mesmas. O diálogo das leis exprime precisa mente a passagem entre aquilo que idealmente devia ser e aquilo que a vida impõe, e trata longamente o problema da legislação. E isto sem afectar os princípios fundamentais expos tos na República. Platão reserva para o Estado uma função educadora. Por isso quer as leis acompanhadas de exortações e dissertações que expliquem os seus fins. Ãs leis penais atmbui fim essencialmente terapêutico. Platão considera os delin quentes como enfermos (posto que, segundo o ensinamento socrático, nenhum homem é voluntariamente injusto): a lei é o meio para curá-los, a pena é o remédio para os mesmos. No entanto, não se recusa a tirar as últimas consequências da sua atitude. Pelo delito, nem só o delinquente revela estar enfermo, pois também o Estado se ressente da sua enfermidade. Quando a saúde do Estado o exige, —isto é: quando esta se acha permanentemente ameaçada por um delinquente incorri gível —, impõe-se a supressão do delinquente para salvaguarda do bem comum. A este propósito convém notar a diferença


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entre a concepção de Platão e a da moderna Escola de Antro pologia criminal. Esta considera a delinquência como um pro duto da degenerescência física, ao passo que, para Platão, o delinquente é intelectualmente deficiente, a sua enfermidade é aberração, ignorância da verdade, ou seja: da virtude que é conhecimento da verdade. No diálogo das Leis, Platão mostra um maior respeito da personalidade individual (muito embora os escravos fiquem sem pre excluídos). A família e a propriedade são conservadas e já não sacrificadas a uma espécie de estadualismo, como na Repú blica. No entanto, à autoridade do Estado concede ainda impor tância sobrepujante. A ele compete fixar a repartição da pro priedade (e daí a divisão dos indivíduos por classes), intervir nos matrimónios e vigiar a vida conjugal (sujeita sempre a uma rigorosíssima vigilância), dirigir a actividade musical e poética (também esta regulada para fins educativos), superin tender na religião, no culto, etc.... Quanto à forma política, critica Platão tanto a monarquia como a democracia, em que uma parte dos cidadãos manda enquanto a outra obedece, pro pondo uma espécie de síntese de ambas, cujo modelo é sobre tudo o regime de Esparta (onde ao lado de dois reis, havia o Senado e os Eforos). Como dissemos, neste diálogo encontra-se notável base his tórica ; por exemplo: há nele um maravilhoso tratado da génese do direito. Transparece aí, igualmente, um conhecimento mais completo e rigoroso da realidade empírica do que aquele à luz do qual foi concebido e escrito o diálogo da República. Mas, ainda neste, onde o Estado se nos depara como pura concepção ideal, não falta um enxerto histórico, o qual deriva da 7tóXiç grega: esta apresenta-se aí nos seus traços essenciais e, simulta neamente, idealisada. Platão queria reagir contra o cepticismo dos sofistas e as tendências demagógicas do seu tempo, afir mando que só os melhores deviam governar, e desejava também impedir a dissolução da coisa pública. Desta sorte, deve-se reconhecer que a sua teoria política teve também um intuito

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prático e contém numerosas referências às condições históricas da época.


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provavelmente, é um trabalho de Eudeme, seu discípulo, e a Grande Moral um extracto das duas versões primeiras. Tam bém a Política (7roXiTtxà), em oito livros, não nos chegou com

Aristóteles

Aristóteles (384-322 A. C.), nascido em Estagira, foi, durante vinte anos, discípulo de Platão e, mais tarde, preceptor de Alexandre Magno. Quando este subiu ao trono, fundou Aristóteles a sua escola em Atenas, no Ginásio liceu (dedi cado a Apoio Auxeioç). Dedicou-se a todos os ramos de conhe cimento e pode dizer-se que, com ele, iniciaram-se muitas das nossas ciências. Porém, tendo-se perdido grande cópia dos escri tos anteriores ao seu laJbor, não se pode hoje ajuizar até que ponto (beneficiou das investigações dos antecessores. O carác ter do seu génio é diferente do de Platão: este, por índole, é mais especulativo, Aristóteles mais inclinado à observação dos factos. Nas questões cardeais de Filosofia, contudo, não se afasta muito do Mestre; é, por isso, errado apresentá-lo, como vulgarmente acontece, na qualidade de seu adversário e antagonista. ® verdade que Aristóteles expressamente refuta algumas teorias de Platão. Amiúde se faz referência às discór dias pessoais que teriam oposto o mestre ao discípulo. Mas pro vavelmente exagerou-se a este respeito e formaram-se lendas em tomo das relações entre os dois grandes filósofos. Deve-se reconhecer, em todo o caso, que também Aristóteles foi essen cialmente metafísico e idealista.

Na exposição do pensamento deste filósofo também nos limitaremos ao exame das doutrinas que mais directamente interessam à Filosofia do Direito. Para este propósito, as obras a considerar, pela importância directa, são a Política e a Ética. Desta última, chegaram até aos nossos dias três redacções: Ética Nicomaqueia, Ética Eudemia e a chamada Grande Moral ou Magna Moralia, cujos capítulos, em muitos dos seus passos, coincidem. Só a primeira, a Nicomaqueia, não oferece dúvidas que é obra de Aristóteles; quanto às outras duas, a Eudemia,

pleta. Outro escrito dele, sobre as constituições (rcoXiTeiai), con tendo a descrição de 158 constituições, perdeu-se quase total mente e só há pouco se descobriu fragmento importante dele: a Constituição dos Atenienses. Para Aristóteles, assim como para Platão, o sumo bem é a Felicidade, fruto da virtude. O Estado é uma necessidade: não é apenas simples auôr/íoc (aliança), simples associação momentânea para atingir fim particular, mas perfeita união orgânica, tendo por fim a virtude e a felicidade universal; é a comunhão necessária ao serviço da .perfeição da vida. O ho mem é £tõov toXitíxov (animal político) pois à vida política é levado pela próipria natureza. E o Estado, logicamente, prima aos indivíduos, tal como o organismo prima as suas partes. Assim como não é possível conceber uma mão viva separada do corpo, assim também, não se pode conceber o indivíduo sem o Estado. O Estado regula a vida dos cidadãos mediante leis. Estas dominam inteiramente a vida, porque os indivíduos não pertencem a si mesmos, mas ao Estado. Conteúdo das leis é a justiça. Desta, Aristóteles nos deixou uma profunda aná lise. O princípio da justiça é a igualdade, a qual é aplicada de várias maneiras. Aristóteles distingue, portanto, a justiça em muitas espécies. A primeira de entre elas é a chamada justiça

distribuitiva (tò Síxouov èv Taiç, tò Siavs[i.yjTixóv), que preside à distribuição das honras e dos bens e tem por fim obter que cada um receba daquelas e destes porção adequada ao seu mérito (xax’ áÇíav). Se — explicava Aristóteles — as pessoas são desiguais em mérito, tão-pouco as recompensas deverão ser iguais. Com isto, mais não se fez, como é manifesto, senão confirmar o princípio da igualdade: pois este seria violado, na sua aplicação específica, se fosse dado tratamento igual a méritos desiguais. A Justiça distributiva consiste, portanto,

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LIÇOES DE FILOSOFIA DO DIREITO

em uma relação proporcional que Aristóteles, não sem algum artifício, define como uma proporção geométrica ( yewfAeTpixfl ávaXoyía). A segunda espécie de justiça é a justiça correctiva ou equi paradora, a que tamlbém se podia chamar rectificadora ou sinalagmática, por presidir às relações da troca (tó év rolç

ouvXX«Y(i-«°i Siop&wTixSv). Ainda neste domínio se explica o princípio da igualdade, emlbora de forma diversa, pois, neste caso, trata-se apenas de medir impessoalmente os ganhos e as perdas; — ou seja: as coisas e as acções consideradas em seu valor objectivo, supondo-se iguais os termos pessoais. Tal medida, segundo Aristóteles, encontra o seu tipo próprio na proporção aritmética (api^Yixixf) ávaXoíya). Esta espécie de justiça procura lograr que as duas partes, que se encontram em relação, venham a achar-se, uma relati vamente à outra, em condições de paridade; e de tal sorte, que nenhuma receba ou dê demais ou de menos. Daqui segue-se a definição desta espécie de justiça como ponto intermédio ou meio termo entre o dano e a vantagem. No entanto, estes ter mos compreendidos em sentido amplo aplicam-se não só às relações voluntárias ou contratuais, mas também às que Aris tóteles chama involuntárias (<£xoú
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caso, apresenta-se como justiça comutativa e no segundo como justiça judicial. Quanto aos delitos, a justiça correctiva é sem pre necessariamente exercida na forma imediata da justiça judicial, visto que, aqui, se trata precisamente de reparar con tra a vontade de uma das partes um dano injustamente ocorrido. Em matéria de trocas ou contratos a justiça correctiva for nece normas, sobretudo aos próprios contraentes, e a obra rectificadora do juiz pode também não ser necessária. Preocupou-se Aristóteles com a dificuldade da aplicação da lei abstracta aos casos concretos e sugeriu um correctivo da rigidez da Justiça: a equidade, critério de aplicação das leis, o qual permite adaptá-las a cada caso particular e tempe rar-lhes o rigor com a adequação. A fim de aclarar este con ceito, comparou a equidade a certa medida (regra lésbia), feita de uma substância flexível, capaz de se adaptar à sinuo sidade dos objectos a medir. Ora, dizia, as leis são formais, abstractas, esquemáticas; a justa aplicação delas exige uma adaptação, e esta adaptação é indicada pela equidade — a qual, segundo Aristóteles, pode ir ao ponto de se manifestar mesmo nas situações ainda não disciplinadas pelo legislador e sugerir novas normas jurídicas. No campo das relações entre o Estado e o indivíduo, Aris por muitos aspectos, afasta-se de Platão. Este pre tendia destruir os graus intermédios entre o Estado e o indi víduo. Aristóteles, porém, se concebe o Estado à maneira de síntese mais alta da convivência humana, apta pela sua con servação. A síntese estadual, para ele, não deve sacrificar as sínteses menores, os agregados menos numerosos, a família, as tribos ou aldeias (xwâi). Do primeiro agregado — a famí lia— transita-se para o segundo —a tribo— e a reunião dos xwjjiai dá lugar à 7tóXtç, ou seja: o Estado grego. Não se esqueça que a cidade grega correspondia a unidade política de muito menor dimensão que o Estado moderno. tóteles,

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A consideração que a Aristóteles mereceram os graus intermédios de convivência, demonstra, da sua parte, concep ção histórica superior à de Platão. Aqueles agregados cons tituem as diversas etapas para se chegar ao Estado. A abolição da família e da propriedade, concebida por Platão, acha no discípulo viva oposição e crítica. Neste con traste revela-se a diversidade de temperamento dos dois filó sofos : ao idealismo absoluto, puramente especulativo de Platão, opõe-se o espírito observador de Aristóteles, que nos próprios factos indaga a sua razão relativa e o grau do seu desenvol vimento sucessivo. A família tem por elementos o homem, a mulher, os filhos e os criados; é sociedade estabelecida perpetuamente pela natu reza. Da união de várias famílias resulta a aldeia ou a vila (xtí>|x>]); da reunião de várias vilas, o Estado — que é único, e, portanto, goza de plena autarquia. Ele constitui o fim das outras formas de convivência e é dado pela natureza. Para prescindir do Estado o indivíduo teria de ser mais ou menos do que homem: um deus ou um bruto. Aristóteles observa o fenómeno da escravatura e tenta justificá-lo, demonstrando como aqueles homens incapazes de se governarem, devem ser dominados. Alguns homens nasce ram para serem livres, outros para serem escravos. Além destas razões, apresenta outras de ordem prática para provar a utili dade da escravidão. 0 Estado, conforme a concepção aristotélica, necessita de uma classe de homens que se dediquem às ocupações materiais, que sirvam as outras classes de condição privilegiada, de sorte que estas fiquem aptas a dedicarem-se às formas superiores da actividade, especialmente à vida pública. Convém lembrar que, naquele tempo, a escravatura era considerada, em geral, como necessária para a vida do Estado. É notório que também o Estado romano tinha nesta instituição uma das suas bases. Pense-se, por exemplo, nas grandiosas obras públicas construídas pelos escravos; pense-se também na possibilidade de os cidadãos participarem livremente na


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vida pública e de se dedicarem às letras e às ciências, eviden temente devido, em parte, à existência da escravidão. Esta era um efeito, tido por legítimo, da conquista militar. Muitos dos escravos mais cultos, especialmente gregos, exercitavam nobres funções, servindo de grande proveito à formação cultural dos seus proprietários. Em Roma, muitos escravos eram amanuen ses e professores muito estimados; e muitos outros faziam ser viço nas numerosas bibliotecas, especialmente nas da época do Império. Talvez os factos que acabam de ser recordados ajudem a compreender melhor agora, pelo menos até certo ponto, o motivo pelo qual Aristóteles aceitava como necessária a escra vatura: esta, dizia ele, podia abolir-se se a lançadeira e a agulha corressem sem auxílio de alguém sobre o tear. Tais palavras indicam que ele estava dominado pela ideia da função económica desempenhada pela escravatura no seu tempo. Pois, para a abolição desta contribuíram, em épocas sucessivas, além de outras causas, o progresso da indústria, a invenção das máquinas, etc.... Ê de admitir, portanto, com respeito a certas fases da história, a relativa necessidade da escravatura — e, neste sentido, são apreciáveis as observações de Aristóteles. Mas, por outro lado, é inadmissível a sua tese, se lhe for atri buído o alcance de uma justificação absoluta, uma vez que a escravatura, em si mesma considerada, vai contra o direito que qualquer homem naturalmente tem à autonomia. E de nenhuma maneira se pode afirmar que, por natureza, exista uma espécie de homens destinados à servidão. Enquanto Platão escorçou o perfil ideal do Estado, Aris tóteles, por sua vez, dedicou-se à observação das constituições dos Estados existentes mediante finas análises. Da sua colec ção de constituições políticas perdeu-se infelizmente a maior parte, e apenas se aohou o fragmento sobre a constituição ateniense (traduzida para o italiano por Ferrini). E embora a Política contenha também considerações de carácter geral, o nosso autor preocupou-se, de preferência, com as conexões

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entre as instituições e as condições históricas e naturais. Quer dizer: preocupou-se, não com o óptimo absoluto, mas com o óptimo relativo. O seu exame recai sobre os governos mais adequados às várias situações de facto. Foi Aristóteles quem, antes de qualquer outro, fez a dis tinção dos vários poderes do Estado — o legislativo, o executivo e o judiciário. A constituição política é o ordenamento dos três referidos poderes. E segundo o poder supremo é exercido por uma, por algumas ou por todas as pessoas, distingue três tipos de constituição: monarquia, aristocracia e 'política. A estes três tipos, considera-os igualmente bons, sempre que o poder supremo seja exercitado para o bem de todos (xoivòv ou|x
Recordaremos ainda duas escolas posteriores a Aristóteles, e de notável importância: A Estóica e a Epicúrea. A primeira deriva de uma sua antecedente, a dos Cínicos, representada sobretudo por Antístenes, o qual, entre os seus adeptos, contou o famoso Diógenes. Antístenes foi discípulo de Górgias e, mais tarde, de Sócrates; isso não o impediu de manter antagonismo aberto relativamente aos outros discí pulos deste, sobretudo Platão. Para os cínicos, a virtude é o único bem e consiste na modéstia, na continência, no saber contentar-se com pouco. O sábio não deve ter necessidades e despreza o que o comum dos homens apetece: segue apenas as leis da virtude e não atende às restantes leis (positivas). Deste modo, em parte alguma se sente estrangeiro e é cosmo polita (cidadão do mundo). Segundo estas ideias, os cínicos desprezam todos os costumes e todas as leis vigentes, adoptam


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atitude negativa em face do Estado e tratam de influir os cidadãos no sentido de os levar a quebrar os vínculos que os ligam ao Estado e a volver à simplicidade primitiva do estado de natureza. A Escola estóica aparenta-se com esta, mas caracteriza-se por ser sublimação da ideia fundamental dos cínicos. Teve por fundador Zenão de Cipro, o qual iniciou o seu ensino em Atenas no ano 308 A. C. Foi ele quem do pórtico de Atenas tomou o nome para a escola:
ty)

Este conceito da lei universal acarreta consigo a conse quência de que devem cessar as barreiras políticas e os homens ser considerados cosmopolitas, ou cidadãos do mundo, embora em um sentido mais elevado do que aquele que os cínicos davam à expressão. Assim como Platão, em homenagem à* 7tóXiç, suprimia a família e a .propriedade, suprime a escola estóica o Estado em homenagem ao Estado universal. Até então dominara um ideal predominantemente político, cujo fim supremo era, em substância, a pertença do indivíduo

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ao Estado. Mas com a filosofia estóica anuncia-se e prepara-se moral mais ampla e humana. O Estoicismo afirma a existência de uma liberdade que nenhuma opressão poderá destruir: a liberdade que resulta da superação das paixões. O homem é livre se segue a sua verdadeira natureza, se aprende a vencer as suas paixões, tomando-se independente delas. Neste sentido, nenhuma diferença há entre livres e escravos. Há uma Sociedade do género humano para lá dos limites traçados pelos Estados políticos, baseada na identidade da natureza humana e das leis racionais que lhe correspondem. É por si mesmo significativo que entre os mais insignes cultores desta filosofia, se encontrem um escravo como Epicteto e um imperador como Marco Aurélio. A Filosofia Estóica, de certo modo, preludia o Cristianismo. A Escola Epicúrea

À escola estóica opõe-se a epicúrea, a qual, por sua vez, foi antecedida pela escola cirenaica ou hedonística, fundada por Aristipo de Cirene. Para esta escola, o único bem é o prazer; e o prazer é igualmente o único fundamento das obri gações. Epicuro, que fundou a sua escola em Atenas no ano de 306 A. C. e a manteve até à morte (270 A. C.), parte do con ceito fundamental dos cirenaicos, mas teve o mérito de ter dado à doutrina hedonista um mais amplo e racional desen volvimento. Para Epicuro, a virtude já não é, como era para os estóicos, o fim supremo da vida, mas meio de atingir a feli cidade. Assim se anuncia o princípio utilitário ou hedonístico, contrário ao da Moral estóica, e pode afirmar-se que as escolas éticas posteriores se dividiram, segundo estas duas diversas concepções, em um contínuo contraste. Foi Epicuro homem sábio e prudente, que recomendava a temperança como virtude primeira para assegurar o prazer. Segundo a sua doutrina, não se trata de procurar quaJlquer


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prazer, nem de fugir a toda a dor, mas conduzir-se em um modo que a soma final represente um máximo possível de prazer e o mínimo possível de sofrimento. Tal conduta envolve um certo cálculo e uma medida utilitária. A intemperança, especialmente, prejudica o organismo, abrevia a vida e, por tanto, diminui a faculdade de gozar. Neste sentido, a Epicuro foi dado apontar preceitos de natureza ética. Por outro lado, a Escola Epicúrea contém, embora em germe, uma teoria sobre a distinção qualitativa ou graduação dos prazeres. Ao invés da Escola Cirenaica, que considerava sobre tudo as sensações físicas, Epicuro atribui maior peso aos pra zeres e ás dores espirituais, assaz mais duradouros. Assim para ele, a amizade é tida na conta de prazer maior. Isto mostra como a sua doutrina não é exclusivamente materialista. Mas nesta graduação dos prazeres tem origem a crítica do utilitarismo; visto que se admitem prazeres superiores e inferiores, faz-se mister um critério de escolha, uma regra quali tativa, de harmonia com a qual o sumo bem pode ser inclusi vamente a satisfação da consciência, ainda que a troco de uma dor física. Supera-se, deste modo, a simples doutrina hedonista que, sem distinções, quer o prazer pelo prazer. Merece ainda atenção a doutrina de Epicuro respeitante ao Estado. Ainda neste campo, domina o utilitarismo. Nega o nosso filósofo que o homem seja por natureza sociável. Na origem, esteve em luta permanente com o seu semelhante. Mas tal luta, sendo causa de sofrimento, foi suprimida pelo Estado. Ã luz desta concepção, o direito é um pacto ditado pela utili dade e o Estado o efeito daí resultante. Por isso, os homens poderão sempre romper com tal pacto, quando da sua manu tenção deixe de resultar a utilidade em função da qual adveio a sua celebração. O Estado epicurista, como se vê, corresponde à situação de anarquia potencial. Depara^se-nos aqui (pres cindindo de uma ou outra alusão dos Sofistas) a primeira formulação histórica da doutrina do contrato social, que, nesta sua primeira forma rudimentar e tosca, se contrapõe à doutrina

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platónica ou aristotélica que dava ao Estado por fundamento a própria natureza humana. Teremos ocasião de nos referir às diversas formas que a doutrina contratual assumiu depois, na Idade Média e na Idade Moderna. Os Juristas Romanos

Não teve Roma filosofia original; mas assim como no Oriente o supremo tema da actividade espiritual foi a Religião e na Grécia a Filosofia, em Roma foi o Direito. Neste domínio, Roma deu a medida da sua capacidade criadora e o seu saber mostrou-se excelso. Sem dúvida, também lá se manifestaram várias correntes do pensamento filosófico, mas vieram da Grécia. Pode dizer-se que todas as escolas gregas tiveram represen tantes em Roma: o epicurismo foi exiposto por Lucrécio Caro no célebre poema De rerum natura; o estoicismo, por Séneca, Marco Aurélio, etc.... Coube a Cícero (106-43 A. C.), no entanto, o mérito de haver tomado a Filosofia popular em Roma, de ter servido de agente intermediário entre o pensamento grego e o pensamento latino. As suas obras, a que deu grande esplendor formal e eloquência, têm um conteúdo quase inteiramente grego. Ele próprio disse das suas obras: «<*7tóX poupa sunt»; e acrescentou: «verba tantum affero, quibus abundo». Para a Filosofia do Direito, interessam-nos sobretudo as seguintes obras de Cícero: De Republica, De Legibus, De officiis, De finibus bonorum et maZorum, Tusculanarum disputationum Libri quinque, etc.... Da De Republica só possuímos hoje cerca de uma terça parte, descoberta, em Maio de 1891, em um palimpsesto do Vaticano. O De Legibus também não está completo, mas talvez fosse deixado assim pelo autor. Cícero não pertence propriamente a escola alguma, antes foi por muitas delas influenciado, a começar pela estóica, a que pertencia Possidónio, seu Mestre. Ele foi um ecléctico. O título e a forma de algumas das suas obras (De Republica,


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De Legibus) são platónicos, ao passo que o conteúdo é aristotélico e estóico. Encontram-se nelas reunidos e expostos em forma elegante e clara, de modo a tomá-los acessíveis ao povo romano, os conceitos fundamentais da melhor filosofia grega. Cícero recorre amiúde ao bom senso natural, às comuns per suasões dos homens, e ao seu discurso imprime tom popular. A sua tese principal é a de que o direito não resulta do arbítrio, mas é dado pela natureza: «Naturis iuris ab hominis repetenda est natura». Segundo ele, há, como ensinaram os estóicos, uma lei eterna, expressão da razão universal. Combate, porém, os cépticos, os quais, afirmando a impossibilidade do conhecimento e a mutabilidade e a relatividade de todas as coisas, deduzem a impossibilidade de uma justiça absoluta (esta era, em especial, a posição de Carnéades, que havia provocado em Roma grandes perturbações com a sua pregação céptica, abalando as convic ções comuns e afirmando que o critério do justo não se funda na natureza). Opôs-se Cícero a esta argumentação, e observou que nem tudo o que como direito é estabelecido, é justo, pois, de contrá rio, até as leis do tirano seriam direito. O direito não se baseia na opinião arbitrária. Há um justo natural, imutável, necessá rio, do qual dá testemunho a própria consciência do homem. Com grande eloquência desenvolve Cícero este conceito: «Est

quidem vera lex recta ratio, naturae congruens, diffusa in omnes, constans, sempiterna... neque est quaerendus explanator, aut interpres eius alius. Nec erit alia lex Romae, alia Athenis, alia nunca, alia posthac, sed et omnes gentes et omni tempore una lex et sempiterna, et immutabilis conti nebit... cui qui non parebi, ipse se fugiet, ac naturam hominis aspematus hoc ipso luet maximas poenas, etiamsi cetera supplica, quae putantur, effugerit». Além do ius naturale, e em relação imediata com ele, existe um ius gentium, observado por todos os povos, a cujas rela ções mútuas serve de base, porque assenta nas suas comuns necessidades, embora com as modificações impostas pelas diver-

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sas circunstâncias. Por último, há o ius civile, que é o que vigora para certo povo em particular. Entre os termos desta trieotomia —ius naturale, ius gentium, ius civile— não exis tem contradições necessárias, pois cada um deles corresponde a determinações graduais do mesmo princípio. Também o Estado, para Cícero, é um produto da natureza: um instinto natural impele o homem para a convivência e, precisamente, para a convivência política. Assim se renova a doutrina aristotélica. Os juristas romanos, em geral, possuíam cultura filosófica. Mas em Roma, de entre todos os sistemas da filosofia grega, foi o estoicismo aquele que teve mais fortuna, pois era o que melhor correspondia à índole austera, ao carácter forte mente rígido do cidadão romano. Também o ideal cosmopolítico dos estóicos encontrava certa verificação positiva no crescente domínio de Roma. O conceito de uma lei natural, comum a todos os homens, tomou-se familiar aos juristas romanos, quase uma crença implícita e subentendida na sua própria noção de direito positivo. O fundamento deste é a naturalis ratio, a qual não corresponde à mera razão subjectiva, individual, mias à racionalidade ínsita na ordem das coisas. Como tal, é superior ao arbítrio humano. Há pois, urna lei natural, imutável, preexis tente, que não deve o ser a uma elaboração artificial: lei uni forme, não sujeita a mudanças por obra dos homens («ius naturale est id quod semper bonum et aequum est»). O conceito do ius naturale relaciona-se com o conceito da aequitas. Aequitas significa propriamente equiparação, isto é: um tratamento igual dado a coisas ou relações iguais. B um critério que obriga a reconhecer aquilo que é idêntico no substracto das coisas, para além do vário e do acidental. As ideias de lei natural e de equidade actuam como facto res de progresso no campo do Direito. O direito positivo é modificação do direito natural, feita com elementos arbitrá rios e acidentais. As condições de tempo e de lugar mudam, a «utilitas» sugere normas particulares — e isto é amplamente


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reconhecido pelos juristas romanos. Não obstante, perseveraram sempre no estudo do direito com o intuito de o reconduzirem às suas razões mais profundas, de confrontarem a norma com o seu natural fundamento, suprimindo desarmonias e desigual dades, equiparando e equilibrando, de modo a expurgar tudo quanto seja iníquo ou irracional. O simples reconhecimento de que o Direito positivo é con trário ao Direito natural não basta de per si para o abolir, mas determina uma tendência para a sua reforma ou modificação, também no momento da aplicação judicial da lei mediante a aequitas. Advirta-se que o magistrado romano detinha um poder assaz mais vasto do que o magistrado moderno; tanto que, ao entrar no desempenho do cargo, o pretor anunciava as máximas que informariam a sua jurisdição (edictum). O Direito natural permanece, assim, como se acabou de ver, o mais alto critério teórico. Dele se deduzem as máximas mais gerais, como esta, por exemplo: todos os homens são iguais e livres (segundo os ensi namentos da filosofia estóica). Os juristas romanos, ao enun ciá-la, reconheciam expressamente, portanto, que a escravatura contrariava o direito natural; mas justificavam-na em nome do ius gentium, pois era costume vigente em todos os povos (em consequência da guerra). Outro princípio do direito natural é o enunciado pela fórmula: «adversus periculum naturalis ratio permittit se defenderei. Ê o princípio da legítima defesa (vim vi repellere licet). A Ulpiano se deve uma definição de direito natural dife rente da que nas obras de outros escritores se lê: o direito natural —escreve — é «quod natura animalia docuit». Com esta definição, a validez do Direito natural abrange também os animais em geral; mas, substancialmente, limitou-se a formu lar de outro modo o que era para todos um firme princípio, ou seja: o fundamento do Direito está na própria natureza das coisas — naqueles motivos que, embora no homem se desen

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volvam mais amplamente, todavia já se encontram em germe nos animais inferiores. Questão importante em tomo das ideias jurídicas dos roma nos, é a respeitante ao ius gentium. Esta designação era usada em diversos sentidos, que convém distinguir rigorosamente. Em uma primeira acepção, por ius gentium nomeia-se o complexo de normas que no Estado romano se aplicam aos estrangeiros. Isto é: entre estrangeiros e estrangeiros, e entre estrangeiros e romanos, muito embora aqueles fossem excluídos do ius civile. Em regra, para estas relações internacionais estabelecia-se um direito simples, despido das formalidades solenes de que se revestia o direito próprio do povo romano. O ius gentium é o modo simples e suficiente de regular as relações a que são admitidos também os estrangeiros. À segunda acepção, que depois foi dada à fórmula, deve-se ter chegado assim: em uma primeira fase, os romanos não conceberam o ius gentium como superior ao ius civile, mas como inferior, à maneira de um direito rudimentar, tosco; em uma segunda fase, debaixo da influência da Filosofia grega, reconheceram nessa mesma simplicidade de relações a marca da natureza, o reflexo da lei natural; portanto, viu-se nele um elemento de superioridade. O ius gentium considerou-se como expressão das exigências primordiais e comuns de todos os povos, como a revelação mais directa da razão universal. Então entendeu-se por jus gentium o Direito positivo comum a todos os povos (quasi quo jure omnes gentes wtuntur). Assim, um facto da experiência assumiu, a pouco e pouco, significado filosófico, chegando-se à tricotomia: direito natural (universal, idêntico, perpétuo); direito das gentes (elementos comuns que se encontram nos vários direitos positivos); direito civil (com as suas particularidades que são determinações ulte riores das precedentes). Mas amiúde o ius gentium aparece confundido com o ius naturale. Aquele, porém, é conceito essencialmente romano, saído da experiência histórica dos romanos; este, conceito próprio da


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Filosofia grega. Isto não exclui que os romanos possam ter tido alguma intuição em tal sentido, antes ainda do influxo da filosofia grega. Os dois conceitos protendem a encontrar-se e, por vezes, dir-se-ia que coincidem. Todavia, diferente e não raro oposto é o sentido de cada um deles, de sorte que não se pode aceitar a tese, segundo a qual estes tenham constituído realmente uma só cousa. Já citámos o facto de os juristas roma nos — para quem a escravatura à face dos jus naturale (diante do qual todos os homens nascem livres) era ilícita — a consi derarem à face do jus gentium justificável. Isto bastaria para mostrar a diversidade dos dois conceitos. Aliás, os juristas romanos não foram grandes pelas abstrac ções teóricas nem pelas ideias puramente filosóficas, mas na transposição destas para a prática do Direito positivo, nas suas aplicações. Souberam satisfazer as exigências lógicas e as neces sidades mutáveis da realidade. Embora os juristas romanos guardassem o maior respeito pelas formas históricas e tradi cionais das instituições, não forçando ou impedindo a sua evo lução contínua, nunca perderam de vista a vida concreta e a natureza das coisas. Souberam contribuir permanentemente para o progresso jurídico, segundo o conteúdo das novas exi gências, com uma perfeita técnica formal. Nisto está a sua glória máxima. A nossa disciplina tem por fontes clássicas a filosofia grega e a jurisprudência romana. O Cristianismo e a filosofia do direito na Idade Média

A sublime doutrina religiosa e moral que, nascida na Pales tina, se difundiu em poucos séculos em grande parte do mundo civilizado, provocou profunda transformação nas concepções do Direito e do Estado. Originariamente, porém, a doutrina cristã não tinha significado jurídico ou político, mas tão só moral. O princípio cristão da caridade, do amor, da fraterni dade, não se propôs obter reformas políticas e sociais, mas sim, reformar as consciências. A liberdade e a igualdade de todos

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os homens, a unidade da grande família humana, constituem, sem dúvida, corolário da pregação evangélica. Estas ideias, con tudo, não foram directamente dirigidas contra a ordem polí tica existente. A própria escravatura não foi combatida, mas respeitada como instituição humana, muito embora se afir masse a igualdade dos homens perante a lei divina. Os Padres da Igreja chegaram a considerá-la como condição propícia aos servos e aos senhores: aos primeiros, para se exercitarem na paciência e obediência devida aos segundos; a estes, na doçura e benevolência devida àqueles. Não se sustenta, em suma, a neces sidade de abolir a escravatura, embora se aconselhasse a conve niência de se mitigar a mesma com os princípios cristãos do amor e da caridade. A doutrina de Cristo foi essencialmente apólítica. Todos os seus ensinamentos, ainda mesmo aqueles que depois foram usados para justificar o domínio temporal, tiveram originária e exclusivamente um significado espiritual. Jesus disse: «Não vim para ser servido, mas para servir. — O meu Reino não ê deste mundo. — Dai a César o que é de César, a Deus o que é de Deus». Os tributos devem ser pagos ao Estado, não à Igreja, pois esta, ao contrário daquele não se ocupa, nem deve ocupar-se de assuntos mundanos. A doutrina cristã, todavia, produziu efeitos e ganhou in fluências notáveis sobre a Política e as ciências que se lhe refe rem. Um primeiro efeito, de natureza metodológica, consistiu na aproximação do Direito da Teologia. Se o Mundo é gover nado por um Deus pessoal, logo se vem a considerar o Direito como emanado de uma ordem divina e o Estado como instituição divina. Por sua vez, a vontade divina conhece-se, não pelo racio cínio, mas pela Revelação: antes de ser demonstrada, deve ser acreditada ou aceite pela fé. Só na época do Renascimento, na qual se verificou, de certo modo, um ressurgimento da Filosofia e da cultura greco-latina, a doutrina clássica recebeu reconfir mação e voltou a dizer-se que o Direito é independente da Teologia e deriva da natureza humana.

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Outro efeito do Cristianismo —ou, melhor, da forma his tórica do Cristianismo— está patente na nova concepção do Estado e da posição deste em face da Igreja. Na antiguidade clássica, acima do indivíduo, só o Estado existia como per feita unidade; o indivíduo tinha a suprema missão de ser bom cidadão, de ao Estado se dar inteiramente. O homem era, acima de tudo e essencialmente cidadão, e, para ele, nada existia para lá do Estado. Com o Cristianismo, outro fim é proposto ao indivíduo: um fim religioso, ultramundano. A meta final já não é a vida civil, mas a felicidade eterna, a beatitude celeste, cuja obtenção se consegue mediante a subordinação à vontade divina, representada pela Igreja. A religião do Estado clássico era uma magistratura que lhe estava sujeita; na Idade Média, a Igreja tende a sobrepor-se ao Estado, visto que, enquanto este se ocupa das coisas terrenas, aquela ocupa-se das coisas eternas. Daí a pretensão de usar do Estado como meio de atingir fim religioso. A Igreja vem assim a afirmar-se como autoridade autónoma, superior ao Estado. E, desta sorte, as relações polí ticas adquirem dois aspectos e complicam-se: aos dois termos iniciais — cidadão e Estado — junta-se um terceiro — a Igreja. O princípio fundamental do Cristianismo, o seu ideal — a fraternidade dos homens em Deus — é mais elevado e amplo do que o princípio fundamental da Grécia clássica. Por via de regra, o grego confinava-se ao Estado, não via algo para além da 7VÓXlÇ.

O cosmopolitismo foi apenas tese formulada pelos estóicos, a qual, de certo modo, preludia o Cristianismo. O ideal cristão, porém, na medida em que actua como factor histórico e como princípio da organização social, assume algumas das caracte rísticas próprias dos sistemas políticos; como força social, nem sempre teve o carácter de efectiva universalidade, mas operou como termo antitético de outras forças. A Igreja, politicamente, afirmou-se sempre, de certo modo, como o partido guelfo em relação ao partido gibelino, como Estado perante outros Estados. fi muito importante notar que os Padres da Igreja, se bem

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que extraíssem do Decálogo e do Evangelho os princípios do direito natural, acolheram também em grande parte, as dou trinas dos juristas romanos sobre esse ponto, os quais, sob a influência dos filósofos gregos, especialmente dos estóicos, haviam admitido, semelhantemente, a existência de uma lei natural, como pressuposto das leis positivas. Esta concepção jusnaturalística transmitida depois aos canonistas e a todos os estudiosos da Idade Média, recebeu desenvolvimento ade quado na Filosofia escolástica, como se vê sobretudo no sis tema de S. Tomás. Desempenhou, por isso, na civilização posterior uma função reguladora. Pode dizer-se que os elementos essenciais do pensa mento clássico não se perderam inteiramente, não óbstanite a transformação operada pelo Cristianismo, mas antes deve ram a este uma nova vida. A influência da doutrina Cristã fez-se sentir geralmente no sentido de uma mitigação e humanização gradual de nume rosos institutos jurídicos, designadamente numa maior consi deração pela boa fé; na proibição do abuso do direito de pro priedade ; num maior favor pelas manumissões e institutos pios em proveito, sobretudo, dos pobres, e no combate ao divórcio, o concubinato e contra as atrocidades das penas e das liutas de gladiadores. Surta na idade antiga e desenvolvida na Idade Média em que especialmente veio a obter predomínio, a Filosofia Onstã divide-se em dois períodos principais: a Patrística e a Escolás tica. Naquela fixam-se os dogmas, os artigos da fé por acção dos Padres da Igreja, de que lhe advém o nome, nesta dá-se a elaboração dos dogmas, graças, especialmente, aos elementos proporcionados pela Filosofia Grega. A Patrística

A Patrística vai das origens do Cristianismo até Carlos Magno (800), e subdivide-se em dois períodos, separados pelo


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concílio de Niceia (325). Entre os Padres da Igreja, depois dos Apóstolos, recordaremos: Tertuliano, Clemente Alexan drino, Orígenes, Lactâncio, Santo Ambrósio, etc.... O mais importante de todos é, contudo, Santo Agostinho (354-430), que escreveu numerosas obras. Nascido em Tagaste, na Numídia (Argélia), veio a falecer em Hipona como bispo. É sobre tudo na obra em vinte e dois livros intitulada De civitate Dei que desenvolve a sua teoria da história do género humano, sobre o problema do bem e do mal, sobre o destino ultraterreno do homem, sobre a Justiça e sobre o Estado. Em nenhuma outra obra se poderá observar melhor a diferença entre o conceito helénico e o conceito cristão de Estado. Ao passo que os gregos tinham exaltado o Estado como sendo o fim supremo do homem, Santo Agostinho exalta sobretudo a Igreja e a comunhão das almas em Deus. A Civitas terrena — a qual não corresponde precisamente a um Estado concreto, mas, em geral, ao reino da impiedade (societas impiorum) — resulta do pecado original, sem o qual não existiriam senhorios políticos, juizes e penas. Os Estados têm até, delitos por origem (Caim e Rómulo, por exemplo, foram fratricidas) e o próprio Império romano surge aos olhos de Santo Agostinho profundamente corrupto e viciado pelo paganismo. A Civitas terrena é, portanto, caduca, e aspira a ser substi tuída pela Civitas Dei (ou civitas coélestis), que existe já na terra, embora parcialmente, e, por último, chegará a reinar só. Por Civitas Dei entende Santo Agostinho a comunhão dos fiéis, a qual como que figura uma cidade divina, pois os fiéis estão predestinados a participar da vida e da beatitude eternas. O Estado terreno possui finalidade louvável, e deriva tam bém da vontade divina e da natureza enquanto se propõe man ter a paz temporal entre os homens; mas é sempre subordinado à cidade celeste, isto é, praticamente à Igreja, a qual procura obter a paz eterna. A sua justificação, de valor relativo, reside sobretudo na sua aptidão a servir de instrumento por meio do qual a Igreja atinge os seus próprios fins (deve, por isso, repri-

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mir as heresias). O Estado terreno desaparecerá uma dia, a fim de dar lugar ao estabelecimento do reino de Deus. Esta concepção grandiosamente catastrófica das coisas humanas explica-se, pelo menos em parte, por experiências polí ticas do tempo de Santo Agostinho, que assistiu à invasão do Império pelos bárbaros. Ao nosso Santo se deve, por outro lado, a elaboração das partes mais severas da doutrina cristã: pre destinação, condenação eterna da maior parte dos homens, etc. A Filosofia política de Santo Agostinho representa o triunfo da ascética. Nesta concepção, que tende a depreciar o Estado, as aspirações ultramundanas são exaltadas à custa dos valores da vida terrena. Notamos ainda que a obra Civitas Dei pode considerar-se o primeiro ensaio da Filosofia da histó ria, sob ponto de vista cristão. Santo Agostinho vê na histó ria a realização dos desígnios da Providência divina. Ele indica, por exemplo, a conquista de Roma pelos bárbaros como um preâmbulo do juízo universal. A Escolástica

Com a Filosofia Escolástica verifica-se parcial regresso à Filosofia Clássica. Na segunda metade da Idade Média, diver sas obras, especialmente de Filosofia Grega, que no obscuro período anterior tinham sido perdidas ou ignoradas, foram nova mente descobertas e postas em lugar de honra. Todavia foram estudadas com método dogmático e no intuito particular de as conciliar com os dogmas religiosos. Ê este o carácter funda mental da Filosofia Escolástica. Com ela, Aristóteles toma-se o Doutor por excelência. No entanto, estudado e interpretado com tais premissas, nem sempre foi exposto com autenticidade. Aconteceu, por isso, que, ao reagir contra a Escolástica, a Filosofia do Renascimento (por exemplo, Telésio e Bacon) se declarou anti-aristotélioa. Aristóteles fora, com efeito, des figurado e dogmatizado pela Escolástica. Os escolásticos fize

HISTORIA. DA FILOSOFIA DO DIREITO

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ram milagre de engenho na elaboração dos dogmas e no esforço de harmonizá-los com a Filosofia Clássica. Não foram ainda superadas a agudeza e a habilidade dialéctica dos escolásticos para fazer distinções. Mesmo conservando o carácter dogmá tico, a Filosofia Escolástica tentou desenvolver os dogmas reli giosos mediante análises racionais, na medida em que estas eram consentidas pelos limites impostos pela fé. Ainda neste intento ficou visível e foi fecundo o influxo do pensamento clássico. Assim se verifica com particular evidência nas doutrinas de S. Tomás de Aquino (1225-1274), o principal representante da Escolástica. A sua obra mais importante e conhecida, a Summa Theologiae, compêndio sistemático do saber do seu tempo, deu-lhe a fama e a qualidade de Mestre e de Chefe dou trinal do Catolicismo. Mas, além desta, escreveu outras obras, de que citaremos um tratado, De regimine principum, cujo pri meiro livro, apenas, segundo parece, é da sua autoria, perten cendo os restantes livros a um seu discípulo, Ptolomeu da Luca (Ptolemaeus Lucencis).

A S. Tomás se deve a sistematização mais orgânica do pensamento cristão. Só assinalaremos aqui os passos de maior interesse para a nossa disciplina. O fundamento da doutrina jurídica e política tomista é a admissão de três categorias de leis: Lex cetema, Lex naturalis e Lex humana. A primeira é a própria razão divina, governadora do mundo — ratio divince sapientice — de ninguém conhecida inteiramente em si, mas da qual o homem pode obter conhecimento parcial através das suas manifestações (legem cetemam nuUus potest cognoscere, secundum quod in se ipsa est, nisi Deus, et beati, qui Deum per essentiam vident. — S. T. 1. 2ae. q. 93, art. 2.°). A lex naturalis, porém, já é directamente cognoscível pelos homens por meio da razão, pois consiste em uma participação da cria tura racional na lei eterna, de harmonia com a própria capa cidade: lex naturalis nihil aliud est quam participatio legis aetemce in ratianali creatura, secundum proportionem capad-

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tatis humance naturce (ib. q. 91, arts. 2.° e 4.°) A lex humana é, por último, invenção do homem, mediante a qual, utili zando-se os princípios da lei natural, se efectuam aplicações particulares dela (ib. q. 91, art. 3.°; q. 95, art. 2.°). Mas a lei humana pode derivar da natural de duas maneiras: per modum conclusionum e per modum determinationis. No primeiro caso, representa conclusões silogísticas deduzidas de premissas for necidas pela lei naturail; no segundo, uma mais completa espe cificação do preceituado genericamente pela lei natural. Desta tríade surgem alguns problemas práticos. Por exem plo: será devida obediência à lex humana no caso de ela con trariar a lex naturális ou a lex aetema? Ou, se antes se pre ferir: até que ponto deve o cidadão obediência às leis promul gadas pelo Estado? Segundo a doutrina tomista, a lei humana deverá ser obedecida, ainda mesmo no caso de contrariar o bem comum —isto é: mesmo quando provoque um dano, a fim de que a ordem seja mantida (propter vitandum scandalum vel turbationem) —; não deverá ser obedecida, porém, se impli car violação da lex divina (contra Dei mandatum). Tal seria o caso de uma lei que impusesse um culto falso. O influxo de Aristóteles patenteia-se ainda mais clara mente na doutrina tomista do Estado, e também é evidente a diferença entre a teoria tomista e a de Santo Agostinho. Para S. Tomás o Estado é um produto natural e necessário à satisfação das necessidades humanas. Ele deriva da natureza social do homem e existiria independentemente do pecado. O Estado tem por fim garantir a segurança dos co-associados e promover o bem comum. O Estado é uma imagem do reino de Deus. iS. Tomás, deste modo contrastando com Santo Agostinho, reabilita o Estado e o seu conceito. No entanto, por outro aspecto, mantém-se fiel à lição agostiniana quando mantém a doutrina da subordinação do Estado à Igreja, à qual deve obe decer sempre, ajuidando-a assim a atingir os fins dela. Estado que se oponha à Igreja não é legítimo. O Papa, representante


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do Poder divino, tem direito de punir os soberanos e pode dis pensar os súbditos do dever de obediência, desligando-os do juramento de fidelidade. Esta maneira de pensar teve enorme importância na história política da Idade Média. Eis em resumo a teoria tomista, que contém preciosos ele mentos deduzidos, em parte, das doutrinas gregas e romanas. Nela, sob certo aspecto, pode notar-se como um defeito o atri buir à Autoridade preponderância sobre a Liberdade. O homem, embora livre, é considerado regularmente numa situação passiva ante a autoridade pública, quer seja civil, quer estadual. Ele não ocupa o lugar central. Não é o autor das leis, deve tão só estar-lhes sujeito. A sua autonomia não lhe é plenamente reconhecida na ordem teórica (como sujeito de conhecimento), nem na ordem prática (como sujeito de acções). A heteronomia domina. Isto, é certo, não exclui conceito elevado da persona lidade humana, participe de uma substância e de uma lei abso lutas. S. Tomás diz que as substâncias racionais, ou seja, as pessoas, «hábent dominium sui actus; et non sólum aguntwr, sicut alia, sed per se agunt» (S. T., l.ft q. 29, art. 1.°). Por outro lado é de observar que no sistema tomístico a autoridade não é concebida como completamente arbitrária, mas sim limitada pelos preceitos da ordem natural. No âmbito da própria Filosofia Escolástica há que referir a divergência parcial representada pelo franciscano Duns Scotus, cognominado Doctor subtilis (1270-1308, aproximadamente). Seguindo as doutrinas de Santo Agostinho, especialmente, propugna ele o primado da vontade sobre o intelecto, quer no ser divino quer no humano, dando, portanto, à liberdade e à individualidade um relevo maior do que tiveram no sistema de S. Tomás. Segundo Duns Scotus o primeiro princípio prático reside no amor de Deus (summum bonum). Contudo, mais do que por razões de ordem doutrinal, por motivos políticos concretos surgiram objeoções à teoria tomista. De facto, é evidente que ela queria fazer da Igreja o único poder

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da Igreja. A soberania estadual foi sustentada especialmente por Dante Alighieri (1285-1321) no tratado Monarquia (redi gido provavelmente aí por volta de 1310; ignora-se a data pre cisa). Dante trabalhou também com argumentos escolásticos, por alegorias, por símbolos, por subtilíssimas distinções, refu tando argumentos que aparentemente não mereciam a pena da confutação. No primeiro livro, sustenta a necessidade da unidade do estatuto político para todo o género humano, e isto por razões metafísicas, pela excelência que a seus olhos representa a unidade em geral, e ainda pela utilidade prática (segurança da paz). No segundo livro, demonstrou como o povo romano foi por Deus escolhido para dirigir o mundo. Assim como o Imperador é o herdeiro do povo romano, assim também ele é, de pleno direito, soberano universal. No terceiro livro, encara as relações entre a Igreja e o Estado e sustenta a autonomia do Imperador ante aquela na ordem temporal. Todas estas teses são apoiadas com argumentos abstractos, muito distantes da

absoluto, sacrificando-lhe todas as restantes autoridades, e, de modo especial, prejudicando a soberania do Estado. Já antes de S. Tomás, e no mesmo período da Escolástica, o inglês João Salisbury (1118-1180) reconhecera no seu livro Polycraticus (1159), em que discutiu as relações entire a autoridade eclesiástica e a civil, a primazia à primeira. Era natural, pois, uma reacção, um movimento de defesa, inspirado pelo desejo de reafirmar a independência do Estado contra as pretensões intromissoras da Igreja, tanto mais que ainda era muito viva a tradição do Estado romano, formalmente ainda existente no Império. Roma representava (na mentalidade medieval) o Es tado universal, o Estado por excelência. Tinham-se assim como que dois pontos cardiais, sObre os quais assentava a vida polí tica da Idade Média: o Papado e o Império. Sobre as relações entre estas duas supremas autoridades frequentemente se dis cutia também em termos simbólicos, recorrendo aos textos sagrados, por exemplo, onde se fala nas «duas espadas» (ver sobre isto particularmente as distinções de Dante, Monarquia, m, 9). Dois poderes foram instituídos por Deus sobre a huma nidade: um temporal, outro espiritual, Semelhante dualismo era admitido por ambas as teorias, correspondendo, respecti vamente, aos partidos guelfo e gibelino. A primeira (susten tada, entre outros, por Egídio Romano, Agostinho Trionfo, G. de Viterbo, etc....) afirmava que, mesmo derivando os dois poderes da divindade, apenas a Igreja era a intérprete ime diata dos desejos do Oéu. O Estado derivava tão só mediata mente da divindade. Desta sorte, o Papa teria também o direito de punir o Imperador. A segunda teoria, por sua vez, afirmava que o poder civil era paralelo e portanto independente do poder religioso, dependendo só e directamente de Deus. Os Escritores Gibelinos e a Doutrina Contratualista

A doutrina Gibelina, inspirada, como se viu, no ideal do Império romano, subtraía o Estado e a sua soberania ao domínio

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realidade e de valor apenas alegórico.

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Ele discute, assim, os argumentos do sol (que para os guelfos representava o poder da Igreja) e da lua (que repre senta o Império, recebendo a luz do sol), e mostra como não pode deduzir-se daí a submissão do Imperador, pois a lua não recebe do sol o ser e o movimento, mas apenas socorro. Do mesmo modo, o Imperador recebe da Igreja o lume da graça, sem isto lhe destruir a independência. Discute ainda os argumentos históricos acerca da preten dida doação de Constantino (historicamente inconsistente); Dante, não a põe em dúvida, mas demonstra que Constantino não tinha o direito de por meio dela cindir o Império. A doação era, portanto, ilegítima e os direitos do Império não podiam ser por ela diminuídos. No propugnar o elevado ideal da unidade política do género humano, Dante não examina particular mente as relações que deveriam estabelecer-se entre o Império universal e os Estados singulares. Em linha de máxima, parece pensar que todos os Estados existentes (excepto o domínio

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temporal da Igreja) deveriam ser conservados nas suas então actuais estruturas, subordinados à autoridade do Imperador. Não é, pois, exacta a opinião segundo a qual Dante teria vati cinado a formação de um Estado italiano unitário por meio da supressão dos diversos regimes então reinantes na Península. Pode dizer-se, todavia, que um tal vaticínio sempre estaria, de certo modo, implícito na sua crença de a Itália possuir natu ralmente uma certa unidade, fundada ou nos seus caracteres geográficos, ou na fundamental homogeneidade das suas tradi ções e da sua linguagem. No mesmo tempo de Dante, mais ou menos, outros escri tores de tendências análogas, no que diz respeito às relações entre o Estado e a Igreja, são Marcílio de Pádua (Marsilius Patavinus, 1278-1342), e o inglês Guilherme de Ockham (ou Occam, 1800-1849). O primeiro tem particular importância. Teve uma vida agitada e aventurosa (em 1312 foi professor e também reitor da Universidade de Paris). Gibelino, por excelência, enér gico defensor dos direitos do Estado, participou activamente nas lutas políticas do seu tempo, tomando partido por Luís de Baviera contra o Papa JoÃo XXII. Na sua obra Defensor

pads (1824), Marcílio quis restabelecer a paz, assente na solução de sujeitar a Igreja ao Estado. Parte do conceito segundo o qual o povo é a fonte do poder político; deste emana o governo, e, por conseguinte, o Príncipe, sendo no Estado «secundaria, quasi instrumentalis seu executiva pars», deve governar iuxta sübditorum suorum vóluntatem et consensum. Ao príncipe, por dever para com o seu povo, cumpre a observância das leis, podendo, por isso, ser punido no caso de as transgredir. A maior causa de perturbação entre os homens é, no pensar de Marcílio, o Papado, cujo domínio como potestade temporal resultou de uma série de usurpações. Ele sustenta que o Papa, o clero, de um modo geral, não goza de qualquer jurisdição coercitiva, nem tão pouco do direito de coactivamente impor o respeito da lei divina. Só aos tribunais civis compete a aplicação de penas contra os heréticos.


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Desta sorte, com Marcílio de Pádua robustece-se o con ceito clássico de soberania civil, segundo o qual não só o Prín cipe se mantém independente do Sacerdócio, mas também pos sui legítima jurisdição sobre tudo quanto ocorrer adentro do território do Estado, incluindo as funções culturais e as práticas religiosas. Assim, em Roma, a religião era uma magistratura e não poder estranho ao Estado. Outro título de notoriedade da obra de Marcílio reside no facto de aí se encontrar já o delineamento da teoria do contrato social, que já assomara nos escritos dos Sofistas e com maior relevo em Epicuro, mas que a partir deste momento ocupará um lugar importante na história da Filosofia do Direito. Esta teoria dominará até fins do século xvm, concebida e posta de maneiras diversas por diferentes escritores, de modo a consen tir as mais variadas conseqüências e aplicações práticas. A todas dá unidade, no entanto, a hipótese fundamental de que o Estado tem por origem um contrato. Discute-se acerca do valor do suposto pacto ou das suas cláusulas; mas não se põe em dúvida a existência do mesmo (pelo menos, até ao fim do século xvm). A estrutura desta teoria pode resumidamente descrever-se assim: admite-se, pura e simplesmente, ter decorrido um período da vida da humanidade antes do aparecimento do Estado; durante essa fase, os homens, abandonados a si mesmos, viveram sem leis, sem governo, abandonados inteiramente às suas pró prias forças. Este Estado extra ou prelegal é chamado status naturae, e é descrito muito diversamente: para alguns escritores este teria sido uma era de paz e de beatitude, como um paraíso (relaciona-se com os vários mitos da Idade de Ouro, de Saturno, etc.... isto é, como uma primeira idade feliz da humanidade) (2); para outros, pelo contrário, teria sido um período infelicíssimo, cheio de perigos, desconhecedor de qualquer freio para o egoísmo, de qualquer garantia e tutela da liberdade. Seja como for, todos os autores, independentemente das suas diversas concepções, afirmam que em certo momento este estado de natureza cessou, quer em consequência do pecado original que tirou ao homem

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aquela inocência e beatitude primitivas, quer em resultado das paixões humanas e dos perigos e danos inerentes àquele estado. As diversas doutrinas concordam, porém, em afirmar que o estado de natureza em um certo momento termina e os homens convencionam abandoná-lo para se unirem em sociedade. Passa-se assim do status naturae ao status societatis, e esta passagem realiza-se por meio de um contrato, por força do qual os homens se obrigam a respeitarem-se mutuamente e a conviverem paci ficamente (pactum unionis). No mesmo acto ou em momento posterior, a multidão que o pactum unionis transformara em Povo, submete-se a um governo por ela escolhido. Esse outro acto recebe também a forma de contrato — ou pactum subiectionis. Este pode, contudo, ser simultâneo ou posterior ao pactum unionis. O significado essencial da doutrina do contrato social con siste em mostrar como o poder político emana do povo, em reivindicar para este o direito soberano. Se for admitido isto, será fácil admitir também que o povo goza do poder de revogar o mandato conferido, sempre que lhe convenha, mas, sobretudo, todas as vezes que o governo viole as obrigações assumidas no suposto contrato. Por outro lado, igualmente pode dizer-se (e já foi por alguns dito) que, devido ao contrato social, perde o povo a liberdade e a soberania irrevogavelmente, pois a cede ao governo. O contrato social torna-se então um meio ou um argumento para fundar o poder absoluto. A doutrina contratualista pôde assim ser aceita por escri tores de tendências muito diversas: no século xv, por exemplo, pelo grande filósofo Nicolau da Cusa ou Cusano (1401-1463), autor da obra De concordancia catholica (llfSS), em cujas dou trinas se inspirou depois Giordano Bruno. Na medida em que tendia a enfraquecer o poder do Príncipe, a doutrina do contrato social pode corresponder, em determinados momentos históricos, aos fins da Igreja, que dela se utilizou como arma de combate contra o poder civil. Diversos escritores jesuítas defenderam neste sentido a autoridade do povo (entre o século xvi e xvn,


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Belarmino, Molina, Mariana, Suarez). Também autores pro testantes, embora animados de outros intuitos, utilizaram a doutrina para dar combate ao absolutismo. Procuraram mostrar que, sendo limitado o poder dos príncipes pelo contrato, ilegítima era a ingerência deles em certas matérias, e que especialmente a liberdade religiosa é inviolávd. Entre estes autores —os Monarcomachi (adversários dos monarcas) — contam-se Jorge Buchaman, autor da obra De iure regni apud Scotos (1579); o huguenote francês Languet, o qual com o pseudónimo de Junius Brutus deu à estampa o livro Vindicias contra tyranos (1579), por alguns atribuído a Mornay ('); e João Althusio (Althusius), alemão, cuja Politica methodice digesta data de 1603 (4). Na qualidade de precursor dos autores nomeados, é, porém, digno de menção o italiano Coluccio Salutati, de Stignano, Vai di Nievole (1331-1406), que escreveu, no ano de 1400, um curto tratado De Tyranno (reeditado só recente mente em 1913-1914). Neste sentido, Salutati, depois de ter efectuado a distinção entre as várias espécies de tirania (por vício do título e por injustiça nos actos governativos), sustenta o direito do povo de resistir ao tirano, e também, em certas hipóteses, de suprimi-lo. Oom a doutrina contratualista pretendeu-se, em primeiro lugar, afirmar, de um modo geral, a soberania do povo como poder absoluto indeterminado. Procurou-se também fixar as conseqüências jurídicas e as cláusulas do hipotético contrato, passando-se a averiguar que direitos o povo teria reservado para si e em que caso e com que modalidades os poderia exer cer. Inicia-se deste modo a formulação dos direitos individuais, tendo em vista conservar no status societatis aqueles direitos de que se afirmava a existência já no status natures (liberdade e igualdade, etc.). Por outro lado, manifestava-se assim tam bém a tendência para assegurar, mesmo na forma do contrato social, a necessária autoridade e estabilidade do Estado. Che gou-se mesmo, gradualmente (como veremos), por essa via, ao conceito do Estado de Direito, já antes anunciado pelos bilis

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of rights e pelas declarations des droits, ou seja, pelos princí pios das revoluções inglesa, americana e francesa, as quais aspi ravam a garantir os direitos individuais dentro dos limites da soberania do Estado. O Renascimento

Com alguns dos escritores que acabamos de citar, deixamos já de estar na Idade Média. O aparecimento das doutrinas contratualistas é já um fenómeno da Renascença, um efeito daquela vasta transformação que deu uma nova direcção ao espírito humano em todas as actividades. Iniciado, em parte, no sé culo xiv (Petrarca), manifesta-se propriamente no século xv e prossegue no século xvi. A Renascença representa essencial mente a libertação do espírito crítico, longo tempo sufocado e deprimido pelos excessos do dogmatismo. Na Idade Média, o homem considerava-se subordinado a leis extrínsecas, das quais não se reconhecia autor, antes se julgando apenas sujeito passivo delas. Mesmo nas obras cientí ficas não se admitia a livre investigação. Os homens atinham-se rigorosamente aos textos, às autoridades estabelecidas (o ipse dixit referido a Aristóteles). Prevalecia, em síntese, um com portamento heteronómico do espírito. No Renascimento desperta outra vez a sua autonomia. Causas várias, algumas delas ocasionais,- outras mais pro fundas, determinaram esta grande reviravolta, a qual por certos aspectos e em certo sentido constitui um regresso à concepção clássica da vida. Entre as causas ocasionais, recordaremos que já no século xiv, e depois no seguinte, quando Constantinopla foi tomada pelos turcos de Mahomet n (1453), ruído o Império Romano do Oriente, muitos gregos doutos emigraram para o Ocidente, sobretudo para a Itália. Tendo estes conservado, em parte, os tesouros do saber antigo, contribuíram para reavivar o espírito da cultura clássica determinando o aparecimento de um novo humanismo, em oposição ao espírito ascético dominante


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na Idade Média. Outro facto extrínseco, tiambém de grande importância, foi a invenção da imprensa. Esta permitiu a rápida difusão e propaganda das ideias. São de recordar ainda as grandes descobertas geográficas, por esse tempo realizadas e especialmente a descoberta da América, que abriu novas vias à actividade humana, promovendo grandes transformações na economia. Causa mais profunda de renovação espiritual foi a nova concepção científica do Universo, ou seja, o prevalecimento do sistema copemicano, em substituição do ptolomaico. Segundo este último, a terra era o centro do mundo. Este progresso científico teve grandes consequências, pois induziu a abandonar algumas crenças antropomórficas que tinham imperado durante a Idade Média. Demonstrado que a terra não é, como se acre ditava, o centro do mundo, mas grãozito infinitesimal, abriu-se a porta a novas concepções da natureza e também a novas for mas de panteísmo. Não se olvidaram, porém, nem podiam ser olvidadas, aquelas verdades fundamentais de carácter ético, já postas em evidência e que, rectamente entendidas, jamais de pendem da sorte das doutrinas físicas. Outra manifestação do Renascimento foi a Reforma reli giosa, que se produziu especialmente nos países angio-saxões. Também aqui se manifesta o mesmo espírito crítico. Mesmo no campo da fé a consciência procura tomar-se independente. £1 de notar que os reformadores, em geral, eram homens religiosos, mas desejosos de se subtraírem à autoridade da Igreja por se sentirem capazes de adorar a divindade sem intermediários. A consciência individual até neste campo procura afirmar a sua autonomia em face das tradicionais imposições dogmáticas, embora dando lugar frequentemente a novos dogmatismos. Um facto de singular importância que deve considerar-se, se se deseja compreender o grandioso fenómeno do Renasci mento, é a modificação que então se opera também nas con dições políticas. A este evento importantíssimo se liga o apa

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recimento de novas doutrinas .políticas. Durante a Idade Média, tinham existido multidões de pequenos Estados, de pequenas organizações políticas, as quais, mais ou menos directamente, através de uma escala hierárquica de poderes e privilégios (característica do Feudalismo) se subordinavam às duas auto ridades supremas: o Papado e o Império. A pouco e pouco, este estado de coisas muda: Papado e Império perdem a efec tiva preponderância na política mundial. Em lugar das peque nas potências, obrigadas a apoiarem-se sempre em alguma das maiores e a tomarem partido por Guelfos ou Gibelinos, surgem os grandes Estados, as grandes monarquias, com territórios determinados mas independentes da hegemonia do Papado ou do Império, e verdadeiramente soberanos. Também no campo teórico se põe em novas bases o problema jurídico e político. Procura-se, em primeiro lugar, saber quais devem ser as rela ções entre o indivíduo e a sociedade política, entre governantes e governados dentro do Estado, e não como na Idade Média entre a Igreja e o Império (as teorias escolásticas, como por exemplo, a das duas espadas, perdem todo o sentido). Duas tendências se manifestam e concorrem entre si: uma, absolu tista, tende a rigidamente afirmar a soberania do Estado, ainda que a expensas da liberdade popular; a outra, democrática e liberal, tende a reivindicar os direitos populares, ainda que a expensas da estabilidade e da segurança do Estado. Entretanto, o direito deixa de estudar-se com base na teologia; estuda-se sobre fundamentos humanos e racionais. Hugo Grócio é considerado o iniciador desta nova orientação, embora tenha numerosos precursores — que nas suas obras revelam os traços característicos do Renascimento. Recordare mos, de entre os escritores anteriores a Grócio, dois que, embora não tenham encarado os problemas fundamentais da Filosofia do Direito, são importantes pela matéria política que trataram e pelo método que seguiram. Referimo-nos a Machiavelli e Bodin.

história da filosofia do direito

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A Filosofia do Direito na Idade Moderna Machiavelli e Bodin

Mais político que filósofo, Nicoló Machia velli (1469-1527), foi um dos primeiros escritores a meditar os problemas da ciência política corn o espírito dos novos tempos, baseando-se na observação histórica e psicológica, sem qualquer preocupação dogmática. Foi principalmente um homem de acção. Só quando se retirou dos negócios do Estado para a vida privada, compôs as suas principais obras, como II Principe (1513) e os Discorsi sopra la prima Deca de Tito Livio. Pergunta Machia velli, antes de tudo mais, quais são as causas que asseguram a estabilidade de um governo, e na resposta procura tirar proveito da história antiga, analisando os critérios governativos dos romanos, estu dados nas narrações de Tito Livio. Machiavelli encara os homens tais quais são, com as suas paixões e os seus vícios; dum modo geral, estuda as condições de facto e só a estas se refere. Mas tendo ante os olhos o quadro desolador da Itália, retalhada por vários dominadores, é levado a conceber o ideal da unidade da pátria. Ele segue todavia sempre o método indu tivo e da observação histórica. As condições reais da sua época são levadas em conta, mesmo naquilo que de mais triste tinham. Corajosamente as examina, a fim de tentar descobrir como delas se pode tirar partido e atingir o objectivo da formação de um Estado italiano independente. Sem nenhuma preocupação moral, indica os meios que considera idóneos e mais eficazes para atingir o fim visado. Em certos casos, não hesita em acon selhar a fraude, em outros a violência, ao príncipe que queria assegurar-se do domínio da Itália. Tais meios eram então vul garmente usados. Mas o facto de têjlos aconselhado, embora moralmente reprováveis, lançou uma sombra sobre o seu nome e sobre a sua obra. Maquiavelismo, em política, é palavra de triste significado, que se contém por inteiro na fórmula: o fim justifica os meios. Alguns, como Alberico Gentili, Rosseau,

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etc., supuseram que Machiavelli apenas tivesse tido a intenção de dar ironicamente conselhos imorais ao príncipe, conferindo assim publicidade aos meios usados em política para pôr de sobreaviso os povos contra as malas-artes dos gover nantes. Mas esta interpretação não resiste à crítica. A verdade é que Machiavelli tem de ser julgado e apreciado segundo as condições do seu tempo. A sua justificação, embora rela tiva, está no seguinte: ele tinha um ideal político e calculava quais as forças aptas a praticamente o realizar naquela circuns tância. Eis porque é preciso julgar a sua obra historicamente e em relação com um determinado problema político; não como um tratado de moral, que ele nunca pretendeu escrever. Ele queria apenas ensinar como seria possível, naquele momento histórico, a formação de um Estado nacional italiano (analo gamente ao que acontecera em França e na Inglaterra), e de modo especial exortar o príncipe, a quem dirigia as suas pala vras, a tomar uma iniciativa visando o referido fim. O Príncipe não é, portanto, como se tem acreditado, uma sátira à tirania, mas um programa de redução da Itália a Estado unitário. Convém igualmente advertir, que, mesmo debaixo do ponto de vista político e prático, Machiavelli não soube estimar ade quadamente a eficácia do facto moral. Apenas considerou os mais baixos motivos da natureza humana e, com esses, não se fundam nem regeneram nações. Os próprios factos mos tram como a Itália permaneceu durante três séculos dividida e em grande parte escrava, apesar dos expedientes sugeridos por Machiavelli. Por outro lado, a unidade política, sabe-se, veio a verificar-se mais tarde com um outro programa moral, ensinado por pensadores e mártires do século xvm e da pri meira metade do século xix.

Foscolo,

Outro escritor deste período de transição, digno de ser mencionado, é o francês JoÃo Bodin (1530-1596), autor da famosa obra em seis livros, De la République (1577, depois tra


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duzida pelo próprio autor para latim em 1586). Bodin trata da organização do Estado com método racional, não dogmático. Neste aspecto, é um dos precursores da moderna ciência política. Não obstante algumas diferenças, pode ser comparado a Machiavelli, por diversas razões. Também ele se baseia na observação dos factos e se propõe fins concretos, imediatos; também ele, como Machiavelli, é absolutista. A sua obra cor responde ao momento em que se consolida a monarquia em França. A parte mais importante é a que trata da soberania. Na Idade Média, este conceito mantivera-se indefinido, flutuante, associado a elementos estranhos, especialmente teoorâticos (con siderava-se o soberano como representante da divindade e, durante o Feudalismo, confundia-se a soberania política com o direito privado de propriedade). Bodin afirma que em cada Estado deve existir um poder supremo, uno e indivisível (para ' ele não há Estado sem poder soberano). Conforme Bodin, os caracteres essenciais da soberania são o absolutismo e perpe tuidade. A soberania compreende, em primeiro lugar, o direito de fazer leis. Mas, segundo Bodin, quem faz leis, não lhes pode estar sujeito, é-lhes superior; o soberano encontra-se tão só submetido às leis divinas e naturais, cujo império Bodin rea firma. Na ordem jurídica positiva, a soberania é absoluta, pois o seu titular é superior à lei, e com referência ao soberano existem deveres mas não direitos. Donde se segue que não há direito algum à rebelião contra o tirano (como sustentavam algumas escolas) nem direitos do cidadão contra o Estado. Notaremos que esta concepção de Bodin é imperfeita, por que, posto sublinhe o carácter de independência extrínseca do poder soberano, em cantra-partida não encara a possibilidade de uma limitação intrínseca do mesmo, de modo a dar margem à tutela jurídica da liberdade. Mas a solução deste problema mais alto, de que depende o aparecimento do Estado constitu cional, estava reservada a uma época ulterior.

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Segundo Bodin ainda, a soberania, dotada de todas as carac terísticas próprias, tanto pode pertencer a um monarca, como a um corpo de nobres, como ao povo. Ê claro que, deste modo, Bodin confunde soberania com governo — ao contrário do que Rousseau fez, explicando a distinção entre ambos. Bodin aceita três formas de soberania ou governo: monarquia, aristocracia e democracia. Enquanto alguns (Aristóteles, Políbio, Cícero, Machiavelli) aceitavam ainda uma forma mista de governo, Bodin refuta semelhante teoria, que a seu ver contrasta com a nota específica da soberania: a indivisibilidade. Eis porque entende que, em cada caso, se deve examinar a quem cabe fazer leis — primeiro atributo da soberania. Quando na fun ção legislativa toma predominantemente parte o povo, por exem plo, o governo é democrático. Bodin examina a posse, as vanta gens de cada uma dessas formas, e conclui pela excelência do governo monárquico (como existia então na França). Na mo narquia, a soberania, por natureza una, encontra, para Bodin, a sua expressão mais natural. Como Machiavelli, Bodin é, antes de mais nada, um polí tico. Nos seus tratados tem sempre em vista a prática. Ele encara com particular cuidado as causas provocadoras das mudanças de governo e investiga as melhores condições do desenvolvimento da acção do Estado. Além disso, afirma a necessidade de adaptar as leis às condições naturais (insis tindo, por exemplo, na relação entre o clima e as leis). Nesse passo da sua obra Bodin foi inspirador de Montesquieu. A obra de Bodin é, por outro lado, repositório de tratados especiais; assim, .por exemplo, analisa o problema dos impostos, e é considerado, a justo título, um dos primeiros camaralistas (ou seja: cultor daquela ciência cameral que hoje corresponde à moderna ciência das finanças). Bodin defendeu também a tolerância religiosa, atitude notável em época que estava vivendo a luta feroz entre católicos e protestantes. Por este traço, e por outras notas, depara-se-nos como um dos iniciadores da Idade Moderna, sem prejuízo de conservar por outros aspectos tam


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bém qualquer coisa do espírito medieval (por exemplo, o que escreveu sobre a influência do demónio, dos astros, etc....).

Grócio e outros escritores do seu tempo Gentili, Suarez, Selden, etc.

A renovação que, também no campo da Filosofia teorética, se verificou durante o Renascimento e na época que imediata mente lhe sucede, está representada principalmente por Telésio, Bruno, Campanela e sobretudo por dois pensadores em cujas obras se anuncia, nas suas características programáticas e sis temáticas, a Filosofia modema: Francisco Bacon (1561-1636) e Renato Descartes (1596-1650). Aparentemente, os métodos seguidos por cada um deles são opostos: o primeiro deseja ins taurar a ciência, com a observação dos fenómenos naturais, substituindo o processo dedutivo pelo indutivo, os silogismos pelas experiências. Antes dele, com excepção de alguns isolados precursores, a Física era estudada em Aristóteles, cuja auto ridade indiscutível prevalecia em detrimento dos progressos da investigação científica. O método experimental, empírico e posi tivo, que tanto êxito viria a ter mais tarde, é instaurado por Bacon, cuja obra se pode aproximar da do seu contemporâneo Galileu Galilei (1564-1642), realizada com análogas intenções e fecunda em maravilhosas descobertas. Descartes, ao invés, parte da consciência individual; quer libertar-se de todas as opiniões recebidas, emancipando-se, em um primeiro momento, da autoridade dos dogmas, e submetendo metodicamente todo o dado, todo o conhecimento, à dúvida; ele estabelece, portanto, como certeza inicial apenas a existência do seu pensamento dubitativo (cogito, ergum sum — sou, porque penso, sum cogitans — penso, porque duvido). Descartes coloca em primeiro plano o problema gnoseológico e trata de lhe encon trar solução, procurando na consciência o princípio da certeza. F D-6

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Desta afirmação metodológica resultaram as direcções racionalista, idealista e crítica do pensamento moderno. Porém, se se considera atentamente, notar-se-á que a direc triz metodológica de Bacon e Galileu também implica a afir mação dos poderes cognoscitivos da razão humana, isto é, pres supõe que esta está em condições de interrogar de per si os fenómenos e descobrir a verdade. Importância mais directa para a Filosofia do Direito tem o holandês Hugo Grócio (Uig de Groot, 1583-1645), autor da obra em três livros De Jure belli ac pads, aparecida em 1625. Grócio é notável porque, diferentemente dos autores nomeados que trataram de problemas políticos particulares, ele investiga e sistematiza os princípios gerais da Política, sendo por isso considerado o fundador da moderna Filosofia do Direito. O título escolhido para o tratado denuncia que Grócio tinha claramente em mente o direito internacional, ou seja: procurava determinar as relações jurídicas entre os vários Estados, quer em tempo de paz, quer em tempo de guerra. Ensaios deste género, sobretudo devidos aos italianos e espa nhóis, já haviam aparecido. Recordemos a JoÃo de Leguano, professor de Bolonha (f. 1383), com a obra De bello (1350); o espanhol Francisco Arias de Valderas, aluno do colégio bolonhês de S. Clemente, o qual nos deixou Líbellus de belli iustitia iniustitiave, de 1533; Francisco Vitoria, outro espa nhol importante, ao qual voltaremos mais adiante, com as obras De indis, De iure belli, etc., de cerca de 1537-1539, com l.a edição póstuma em 1557; Pedro Belli de Alba, no Piemonte (1502-1575), com a obra De re müitari et bello, de 1563, fale cido em 1584, e que escreveu o De iure et offidis bellids et disdplina militari (1582); e, sobretudo, Alberico Gentili, nas cido em S. Genésio (na província de Ancona nas Marcas em Itália) no ano de 1552 e falecido em Londres em 1608, depois de ter exercido por mais de vinte anos a função de professor em Oxford. No seu tratado De Jure belli (1508) e nas suas outras obras, Gentili revelou-se uim dos maiores teóricos do


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Direito internacional, um daqueles que aspirou a imprimir, não apenas às relações pacíficas entre os Estados, mas sobretudo às práticas guerreiras, um verdadeiro e autêntico regulamento jurídico. A obra de Gentili esteve por longo tempo esquecida; Grócio, que mal a cita, dela se utiliza, porém, copiosamente. Em nossos dias o jurista inglês T. E. Holland republicou o De Jure belli e escreveu uma monografia sobre o nosso autor. Em Itália, a Aurélio Saffi se ficou a dever uma série de con ferências que disse e publicou em 1818 sobre Gentili. Outros, além deste, como Giorgi Speranza, Fiorini, ocupam-se também dele; o último traduziu para italiano a obra capital sobre o Direito de guerra, publicando-a em 1877. Gentili, como jurista, não é certamente inferior a Grócio. Mas, confrontado com ele ou ainda com outros escritores, Grócio tern o mérito de ter querido e sabido ascender dos problemas particulares do Direito Internacional aos princípios filosóficos gerais. Ele não foi só jurista, mas também filósofo, e, embora sem grande origina lidade, soube levar a bom termo uma obra sistemática. Deve também notar-se que neste seu intento ele teve no entanto precursores, como os três protestantes alemães: João Oldendorp, Nicolau Hemming e Benedito Winkler, cujas obras de direito natural foram publicadas entre 1539 e 1615. A mais notável dessas obras é o tratado de Winkler, Prindpiorum iwris libri quinque, editado em 1615. (Sobre os autores referidos cfr. Kaltenborg, Die Vorlüufer des Hugo Grotius, 1848). Outro autor, imediatamente anterior a Grócio, a que im porta fazer aqui menção especial, antes de nos referirmos às doutrinas do holandês, é o jesuíta espanhol Francisco Suarez (1548-1617). A sua obra, Tractatus de legibus ac Deo legislatore (1612), que constitui uma das mais amplas elaborações sistemáticas da filosofia do direito é, como resulta do próprio título, de fundamento teológico; com vigor e largueza notáveis, porém, Suarez partindo dos dogmas aplica o seu raciocínio e dialéctica. Distinguindo conforme a tripartição tomística, que

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mantém, a lei em eterna ou divina e natural e humana, em cada uma dessas formas, e nas suas relações, vai desenvolvendo uma série de penetrantes pormenores, que iluminam toda uma série de questões, ainda hoje de viva actualidade na ciência e na Filosofia do Direito, sobre a interpretação das leis, o costume, etc. Entre outras é digna de nota a perfeita demons tração que faz da diferença entre jus naturale e jus gentium. Para Suarez, o poder político tem como todas as outras coisas a sua fonte primeira em Deus. Deriva, porém, imediata mente da vontade e consenso do povo. Deus opera também neste campo por «causas segundas» ou seja por meio da vontade livre dos homens. A nenhum homem individualmente conside rado pertence domínio político sobre os outros, donde se segue que esse domínio não pode ter outro fundamento que não seja o consenso comum, através do qual a multidão se reúne em um só «corpus politicum», a que Suarez dá também o nome de «corpus mysticum» (De lege, L. m, C. n, 4; C. iv,2). Pode a autoridade governativa ou política ser transferida para um chefe, e ser determinada por diversos modos, mas em caso nenhum será lícito deduzir-se de um presumido consenso a validez de leis iníquas ou tirânicas, em si absolutamente nulas (v. L. in, C. x, 6). Por outro lado, Suarez atribui ao género humano, posto não constitua politicamente um todo único e se divida em Estados diversos, uma certa unidade («aliquam unitatem») resultante dos vínculos morais e jurídicos que o ligam, e que encontram expressão no jus gentium. Na sua outra obra, Defensio fidei catthólicce et apostolicce (1618) trata Suarez especialmente do problema das relações da Igreja com o Estado, impugnando em particular a política anti-católica e anti-papal do rei de Inglaterra, Jaime i. Suarez sustenta, como já o haviam feito outros autores da mesma época (v. g. Bellarmino, De potestate summi Pontificis in rebus temporalibus (1616), não só a independência, mas também a supre macia da Igreja em relação ao Estado porquanto é instituição divina de fins eminentemente espirituais, enquanto que a esfera


de competência própria do Estado, posto que irrevogável, é limitada pela lei natural e o consenso dos súbditos. Indirecta mente os poderes directivos do pontífice estendem-se também à ordem temporal, na medida em que, segundo Suarez, pode exigir dos soberanos o cumprimento ou a revogação de actos determinados, e em casos extremos a sua deposição do trono. Merece finalmente ser ainda recordada a obra de Suarez, De justitia qua Deus reddit meritis et poenas pro peccatis (1599), obra em que examina, com insuperada penetração, a aplicabilidade dos esquemas aristotélicos da justiça à ideia da justiça divina. Notaremos, por último, que Suarez, depois de Gentili mas precedentemente a Grócio, se ocupou também dos problemas do direito internacional, principalmente do direito de guerra (5), merecendo por isso, ser contado, também a este título, entre os precursores de Grócio (6). A obra de Grócio distingue-se, nos seus conceitos funda mentais, quer dos tratados de simples direito positivo, quer dos que se apoiam em pressupostos dogmáticos. Grócio foi levado a imprimir à sua obra esse carácter que era ou queria que fosse puramente racional, por considerações de ordem prática. Verificou que um sistema de Direito internacional devia fundar-se sobre bases diversas daquelas que são próprias dos sistemas jurídicos positivos dos Estados particulares, assim como das que são próprias das crenças religiosas. Na éP°ca antecedente à sua, e durante a Idade Média, duas grandes auto ridades — o Papa e o Imperador— tinham exercido (como mostramos) uma espécie de hegemonia e, de algum modo, tinham regulado as relações políticas internacionais. No tempo de Grócio ambas as autoridades haviam perdido a importância política: caducara o sonho de um Império e de uma Igreja mundiais, como poderes políticos. Era assim necessário encon trar outra base para as relações políticas e jurídicas entre

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Estados soberanos, autónomos, apenas limitados pelos respec tivos territórios, e juridicamente iguais entre si. Grócio esta belece os princípios requeridos pela nova situação, mas socorrendo-se das fontes clássicas, nomeadamente de Aristóteles. Deste aceita a ideia fundamental de que o homem é por natu reza social e destinado a viver em certa forma de sociedade (política): «Inter haec enim autem, quce homini sunt propria, est «appetitus sodetatis», id est communitatis, non qualiscumque, sed tranquiloe et pro sui intelectus modo ordinatce». (De iure belli ac pads, Proleg., § 6.°). O direito, portanto — demons tra-se racionalmente (não se mostra por revelação) — para tornar possível a vida em comum, é aquilo que a recta razão demonstra ser conforme à natureza social do homem. «Ius natu rale est dictatum rectce rationis, indicans actui alicui, ex eius convenientia aut disconvenientia cum ipsa natura rationali ac sodali, inesse moralem twrpitudinem, aut necessitatem moralem» (Liv. i, cap. i, § 10.°; cfr. § 12.°). Assim logra substancial independência o Direito da Teo logia, e Grócio põe em destaque explicitamente tal indepen dência. O direito natural subsistiria, disse ele, mesmo que Deus não existisse, ou ainda que Deus não cuidasse das coisas huma nas: «Et haec quidem, quce iam diximus, locum aliquem haberente, etiamsi dar emus, quod sine summo scelere dari nequit, non esse Deum, aut non curari ab eo negotia humana. (Proleg., § 11.°) (r). Como se conhece o Direito natural? Grócio indica dois métodos: um, a priori, mais subtil e filosófico; o outro, a poste riori, acessível a todos, mais popular. Conhece-se a priori quando se descobre a conformidade ou desconformidade em que uma coisa se encontra com a sua natureza racional ou social; conhece-se a posteriori quando se verifica que uma coisa é tida por justa por todos os povos mais civilizados. Grócio admite a imperfeição deste segundo método e o seu valor apenas indiciário ou de probabilidade. A sua aplicação exigiria, antes de mais nada, conhecimento do direito positivo de todos os povos;


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no mais (e esta é a ideia principal) o Direito natural deve valer por si mesmo, ainda se desconhecido ou violado. Entre as condições de sociabilidade que constituem o Direito, Grócio destaca principalmente uma: a inviolabilidade dos pactos. Se admitimos ser lícito não cumprir os pactos, a sociedade não é possível. «Deinde vero com iuris naturce sit stare pactis, ab hoc ipso fonte iura dvilia fluxerunt.» ('Proleg., § 15.°). Partindo deste princípio, Grócio deduz analogamente dele a legitimidade dos governos e a inviolabilidade dos tratados internacionais. Supõe, de facto, que o Estado, a organização política, é constituída com base em um pacto; é pois também ele um contratualista; isto é, segue a doutrina do contrato social, mas num sentido que podemos designar empírico. Outros escritores, antes e depois de Grócio, tentaram estabelecer o tipo ideal de contrato; haviam mais ou menos explicitamente compreendido que o contrato era uma ideia, uma hipótese, um princípio regulador, mas não um facto histórico. O reconhe cimento disto caracteriza o progressivo desenvolvimento da doutrina. Mas, para Grócio, o contrato social é algo que efec tivamente aconteceu, ou seja: representa uma verdade histórica. Por conseguinte, não existe um único contrato social, mas exis tem tantos e tão diferentes contratos sociais quantas as cons tituições políticas existentes. Para Grócio, cada constituição política foi precedida de um contrato correspondente; isto é: tal contrato legitimaria igualmente todas as instituições e todos os governos. «Sicut autem multa sunt vivendi genera, alterum altero praestantius, et cuique liberum est ex tot generibus id eligere, quod ipsi placet, ita et «populus éligere potest qualem vult gubemationis formam», neque ex praestantia huius, aut illius formce, qua re diversa diversorum sunt iudida, sed ex voluntate ius metiendum est* (Liv. I, cap. in, § 8.°). Assim concebia Grócio o contrato social à maneira de um acto externo, cuja manifestação derivava da opinião e de qualquer oportu nidade momentânea, e não já da natureza própria do homem.

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Desta provem apenas o impulso social; quanto à forma a assumir pela sociedade, abandonava-a ao mero arbítrio humano. Mas Grócio empenhou-se no combate a certa opinião que os Monarcómanos, entre os quais Althusio, defendiam, segundo a qual os povos jamais perderam o direito a recuperar a sobe rania originária. «Atque hoc loco primum rejicienda est eorum opinio, qui ubique, et sine exceptions summam potestatem esse vólunt popiãi, ita ut ei reges, quoties suo império maio utuntur, et coercere et punire liceat» (loc. cit.). Por isso, a seguir, declara, a modo de postulado, que iuris natures stare pactis. A ideia de contrato social é utilizada por ele somente para demonstrar que existe no povo a obrigação perpétua de obedecer ao sobe rano. De sorte que o contrato social é quase uma praesumptio iuris et de iure pela qual a Obra dos governantes se supõe con sentida pelos governados. Entendida com semelhante sentido empírico e racional, a doutrina contratualista merece as várias críticas que lhe têm sido feitas. Estas, por outro lado, deixam de ter valor contra os sistemas nos quais o contrato social é entendido, não como facto empírico, mas como princípio racional regulador. No entanto, à tese de Grócio podem opôr-se testemunhos histó ricos, provando que a sociedade e o Estado não tiveram origem em um contrato, mas são factos naturais, produzidos indepen dentemente da reflexão e de vontade deliberada. O carácter consensual prevalece só na medida em que a vida da sociedade progride e enquanto o exercício e o reconhecimento jurídico da autonomia dos indivíduos sucede gradualmente à primitiva soli dariedade impessoal dos grupos. Também poderia inquirir-se de Grócio por que razão, uma vez aceites o facto e a ideia do pacto inicial, este obrigaria, sem mais, as gerações sobrevindas, corn dispensa de contrair ex-novo o vínculo contratual. Além disso, não seria de mais assegurar o livre consentimento e de examinar a licitude do conteúdo do contrato. Diz-nos a razão ser obrigatório o con trato apenas quando foi negociado e concluído por deliberação


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espontânea, ou, pelo menos, sem violência imediata sobre os outorgantes. Se um povo, derrotado em guerra pelo contendor, in pericidum vitae adductus, ou inopia pressus (como Grócio escreve) assim mesmo se oferece incondicionalmente a outro povo como escravo, ou uni homini praepotenti, entre as duas par tes pode constituir-se uma relação de facto, mas não de direito. Por último, é de advertir que, em certos casos, pode o conteúdo do pretenso contrato ser tal que exclua de per si que o consenti mento tenha sido livre, e portanto válido. Então, se se nos apresentar como conteúdo dum contrato a alienação total, por parte de um dos contraentes, de tudo que ele é ou possuir, sem qualquer correspondência da outra parte — poderemos asseverar, a priori, e sem receio de errar, que semelhante con trato, mesmo se se concluir, será nulo à face do direito. Grócio, no entanto, preocupado apenas com o estabelecimento da obri gação dos súbditos, atribuiu valor absoluto ao pretenso facto do contrato social (que, como tal, é inexistente). À hipótese contratualista falta, portanto, no seu sistema, todo o valor racional; ela representa apenas o papel de um expediente ou de uma forma fictícia para sanar ou ratificar o que já se encon tra realizado. Já mais fecunda se mostra a teoria de Grócio quando apli cada aos tratados internacionais. Empenha-se em introduzir a ideia de Direito nas relações inter-estaduais e em mostrar a validez jurídica dos tratados concluídos, os quais são obri gatórios por direito natural. Desenvolvendo este conceito, Gró cio contribuiu eficazmente para o desenvolimento do Direito internacional em um momento em que a sociedade dos Estados se encontrava apenas em formação, depois da decadência das potestades medievais. Discute amplamente os vários problemas relativos à guerra e à paz, sustentando que mesmo na guerra devem observar-se certos limites e certas leis. Funda-se porém, para isso, menos nos princípios racionais que ensinou no seu tratado, dos que nos precedentes históricos, quer dizer nas práticas dos antigos

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beligerantes e conquistadores. Confere a esses precedentes o valor de jus gentium, considerando, por isso, como licitas prá ticas crudelíssimas (morte de todos os que se achem em ter ritório inimigo, redução à escravidão dos prisioneiros de guerra, e seus descendentes, etc.). Admite contudo que nas guerras entre cristãos se usavam certas mitigações (v. g. sobre o des tino dos prisioneiros), aconselhando especialmente no fim da sua obra, algumas atenuações por considerações de misericórdia, e assim por ex.: que se poupassem as mulheres e crianças, e os massacres das multidões, posto os reconheça como permitidos pelo summum jus. Daqui se verifica que o direito natural ou racional, que perfilha no exórdio da sua obra, não desempenha na realidade quase nenhuma função na estrutura do seu sistema, o que se deve, mais uma vez, à ausência de uma distinção exacta entre moral e direito. A tendência moderna é de não reconhecer a Grócio grande valor especulativo; mas é indubitável que, na época em que escreveu, a sua obra influiu eficazmente — e tanto que foi pro clamado fundador do Direito Internacional, muito embora esse título melhor caiba a Vitória e Gentili, isto para não remon tarmos a escritores mais antigos (8). Durante muito tempo a obra de Grócio constituiu texto para os estudiosos e alguma vez também para os governos. Vico chamou-o «Jurisconsulto do género humano». Entre as numerosas elaborações e discussões da obra de Grócio, lem bramos o trabalho do alemão Henrique Cocceji (1644-1719), Grotius ilustratus, que foi ultimado e publicado (com notáveis emendas e acréscimos) pelo filho do mesmo, Samuel Cocceji (1679-1755). Pode também lembrar-se a tradução francesa do De Jure belli ac pads, de J. Barbeyrac (1674-1747); nascido na França, professor em Universidades suíças, que também traduziu e comentou a obra de Pufendorf. Não faltaram a Grócio, ainda em vida, críticas e oposições. A propósito da liberdade dos mares nasceu célebre polémica


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com Grócio, que a tinha defendido (em vista dos interesses holandeses) na monografia intitulada Mare liberum (1609). Note-se que a mesma opinião tinha sido expressa antes dele pelo espanhol Fernando Vasquez de Menchaca na obra Controversiorum illustrium Libri tres (1563) e por Alberico Gentili no Tratado De Jure belli (1588, L. i, C. xix). A tese de Grócio encontrou numerosos opositores. Entre os mais notáveis, recor daremos o frade português, professor em Valladolid, Frei SeraFim de Freitas, De iusto império Lusitanorum asiatico adversus Grotii mare liberum (1625) e o inglês João Selden (1584-1654), Mare clausum seu de dominio maris (16S5). Com esta monografia, que ficou, como a de Grócio, famosa, Selden propôs-se demonstrar que, por Direito natural, o mar não é comum a todos os humanos, podendo assim ser objecto de domínio privado e político. Com estes argumentos defendia o direito do Rei de Inglaterra aos mares que circundavam o Império Britânico (8). Mas, mais do que por esta sua disser tação, merece Selden especial referência pela obra De iure naturdli et gentium iuxta disciplina Ebraeorum (161^0), a qual é singular tentativa de construir um sistema de direito natural sobre a base dos preceitos divinos revelados aos hebreus e por intermédio deles destinados a serem difundidos entre as nações (interdição da idolatria, da blasfémia, do homicídio, do adul tério, do incesto, do furto, etc.). A obra de Selden foi pro fundamente estudada e meditada por Vico, juntamente com as de Grócio e Pufendorf, sendo precisamente estes os autores que ele considera «os três príncipes do Direito natural e das gentes». Hobbes

Um pensador de carácter filosófico mais preciso e dotado de mente mais aguda que Grócio, é o inglês Thomas Hobbes (1588-1679), um dos mais importantes escritores da Filosofia do Direito. Eis as suas principais obras: De eive (1642) e

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Leviathan (1651). Viveu em Inglaterra durante uma época tur bulenta, agitada por lutas intestinas. Convém ter isto presente, se se quiser entender a doutrina de Hobbes o qual só via a salvação do Estado em um poder tal que fosse capaz de dominar com ampla autoridade todas as lutas e paixões individuais. Ele é, por isso, um teórico do absolutismo, e sob esse aspecto a sua obra aparenta-se à de Bodin e Machiavelli. As obras destes três autores representam um esforço, nem sempre feliz, para consolidar ou formar as monarquias dos seus respectivos países. São as seguintes as premissas filosóficas de que Hobbes deduz as suas doutrinas políticas: o homem não é sociável por natureza — Homo( ad societatem non natura, sed disciplina aptus factum est. O homem é naturalmente egoísta, procura só o próprio bem, insensível ao bem dos outros; e se fosse gover nado atendendo apenas aos pendores da sua natureza, seria inevitável uma guerra permanente entre todos os indivíduos, pois cada qual trataria de obter só vantagens em detrimento dos restantes (homo homini lupus) (10). A condição do homem, antes de instituídos os governos, ou no caso de estes cessarem de existir, é, pois, a da guerra de todos contra todos — beilum omnium contra omnes. Neste estado de natureza o direito indi vidual não tem limites, e há, por isso, urn ius omnium in omnia. Porém, Hobbes afirma a conveniência de abandonar este estado de natureza, tão mísero e odioso pelos perigos que a guerra consigo sempre arrasta. Tal abandono só é possível mercê de um contrato, cujo conteúdo seja a renúncia de cada homem à sua liberdade ilimitada, própria do estado de natureza — re núncia que deverá ser inteira, incondicionada, pois, de contrário, recair-se-ia na primitiva anarquia, no torvelinho do egoísmo desenfreado. Por conseguinte, todos os homens deverão des pojar-se voluntariamente do seu direito originário, e conferi-lo a um soberano que imponha a lei e decrete o justo e o injusto, o lícito e o ilícito.


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O Estado, para Hobbes, é, pois, criação artificial, uma máquina omnipotente, investida de poder ilimitado sobre os indivíduos; ante ele nenhum cidadão pode invocar direitos. O Estado com autoridade absoluta é necessário para impedir a guerra entre os indivíduos. Hobbes também sublinha o poder do Estado relativamente à Igreja, não admitindo que esta se possa opor com as suas leis às leis estaduais, nem que a paz pública possa ser perturbada por causas religiosas. Para Hobbes, como para Grócio, o contrato social é expe diente imposto pela necessidade de prover ao pacífico ordena mento da vida em comum. Uma diferença os separa contudo: Hobbes atribui ao contrato conteúdo determinado, e fixo, afir mando que este conteúdo só poderá ser formado pela subor dinação incondicional dos indivíduos a uma autoridade que os represente e em si concentre todos os seus poderes; Grócio concebe o contrato social como estabelecido pelo arbítrio, e por tanto, indefinidamente variado, conforme os casos. Para Gró cio, pois, a renúncia total dos direitos é apenas uma das espé cies possíveis do contrato social; para Hobbes aquela absoluta renúncia é consequência de uma razão objectiva, que faz da mesma o pressuposto fundamental e necessário de qualquer constituição política. Segundo Hobbes, pois, a ilimitada submissão dos indivíduos ao poder público, que é objecto do contrato social, permanece como vínculo indissolúvel, independente da maneira como aquele poder público manifestar posteriormente a sua actividade; isto é: ainda quando ele ofenda, em lugar de proteger, a segurança e a paz dos súbditos. Mostra-se assim Hobbes um representante típico do absolutismo. O erro de Hobbes encontra-se na própria raiz da sua dou trina e consiste em limitar arbitrariamente ao egoísmo a natu reza humana. Os estudos modernos, vieram, entretanto, mos trar como o altruísmo é pelo menos tão natural como o egoísmo. Cada vez com maior clareza tem sido provado que, além do instinto de auto-conservação, em cada ser vivo enraíza igual

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mente o instinto da conservação da espécie e da compaixão pelo semelhante: que a vida social, com todas as exigências, com todas as limitações que ao indivíduo impõe, é a primeira con dição necessária para o homem poder existir. O instinto sociâl é conatural ao homem; mesmo nas épocas primitivas, ou ainda entre os povos selvagens, nunca encontramos um Estado de guerra entre o indivíduo e indivíduo (como pensava Hobbes), mas dominam sempre, pelo menos em certa esfera, os senti mentos sociais (a guerra verifica-se só entre grupos). Até os animais têm instintos sociais, como Darwin observou. Sem estes, as espécies extinguir-se-iam. No campo jurídico e político, a objecção fundamental que pode ser formulada contra o sistema de Hobbes está em ele sacrificar a liberdade à exigência da ordem e da paz. Nós, pela nossa parte, damos mais o valor à tranquilidade, porque ela nos permite dentro de certos limites a espontânea manifestação da liberdade. Rousseau observava com argúcia que também se vive tranquilo nas prisões (on vit tranquille aussi dans les cachots). O temor da libertinagem e da anarquia leva Hobbes à total supressão da liberdade. Seria lícito comparar o seu sistema a um contrato de seguro cujo prémio tivesse maior preço de que a coisa segurada. As doutrinas de Hobbes, especialmente no campo da moral, foram combatidas na própria Inglaterra, não só por Locke, do qual falaremos adiante, mas também por R. Cumberland (1631-1718), De legibus naturce; por A. Shaftesbury (1671-1703), Inquiry concerning virtue, e outros. Spinoza

Um pensador muito afim de Hobbes é Benedito Spinoza, holandês (1632-1677). As suas obras que concernem a Filosofia do Direito são o Tractatus theólogico-póliticus (1670) e a Ethica. O Tractatus politicus ficou incompleto. No entanto, a importância de Spinoza é maior para a Filosofia geral do que


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para a Filosofia do Direito. Funda-se o seu sistema no conceito de um monismo absoluto. Por este aspecto, teve funda influên cia em Schelling e em Hegel. Ele sustentava que só existia uma substância, a que chamava Deus sive natura. Tudo quanto acontece no mundo é expressão dessa substância e, como tal, absolutamente perfeito. Dentro de semelhante concepção nenhum lugar há, por conseguinte, para as diferenças de valor e de esti mativa. Aquilo que nos parece imperfeito, está, não Obstante, determinado ex necessitate divince naturae, e como tal, na ordem da natureza é perfeito. Coerente com estas premissas, Spinoza foi levado a identificar o Direito com o poder físico; e, nesse particular, avizinha-se de Hobbes. Nada de absolutamente injusto pode existir no mundo; na ordem natural, tudo quanto se pode e quer é também justo (sub solo naturce império inju ria non potest concipi). Fácil é de observar que identificado o Direito natural com o poder e a necessidade física, semelhante identificação equivale à pura e simples negação daquele direito. Esta supressão total dos valores jurídicos, a ausência de qualquer critério e de qual quer regra de acção são uma consequência da redução do ser humano ao conceito de uma universal necessidade. Spinoza, a fim de reencontrar o princípio duma estimativa jurídica, teve de supor que, em certo momento, cessou o status naturce por acordo recíproco entre os homens, que resolveram doravante agir ex solo dictamine. Mas semelhante trânsito de um estado a outro, deve ter-se dado em obediência a impulso fundamental do ser humano, ou seja, o da conservação de si mesmo (conatus proprium esse conservandi). Para evitar o perigo do uso ilimitado da força por cada indivíduo, os homens convieram em viver exclusivamente segundo a razão, guardando mútuo respeito, e dando assim origem ao Estado: um poder unitário, árbitro dos direitos de todos.

Mas pode perguntar-se: qual será o valor de semelhante acordo? Como poderá o mesmo ser fonte de obrigação, se os

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homens se encontram compelidos pela natureza a actuar como acbuam, e sempre segundo a sua maior vantagem? A dificul dade foi pressentida por Spinoza que julgou poder superá-la subordinando o valor do pacto hipotético à vantagem que, ao observá-lo, cada qual dele tiraria; admitindo, portanto, explici tamente, o direito de cada um se desligar do vínculo contratual sempre que se lhe afigurasse útil ou conveniente. Semelhante reserva, se pode salvar a lógica do sistema, priva contudo de qualquer consistência o suposto acordo, tomando-o algo que, mais do que caduco, é irrisório. Eliminada a validez objectiva do pacto, cai por terra o edifício jurídico que sobre o mesmo se devia erguer e o direito fica reduzido a relações de mero facto, a disposições arbitrárias, limitadas só pela potência de cada indivíduo. Spinoza, fiel às suas premissas, sustenta ainda que o Estado domina o cidadão por ser o mais forte e que a sua auto ridade só é legítima enquanto detém a força para se impor.

Daqui Spinoza deduz uma importante consequência: o Estado não pode impor limites à consciência, ao pensamento, e isto não por impossibilidade racional ou jurídica mas material, porque o pensamento é por natureza incoercível; portanto só se tem liberdade, por ser impossível violá-la. Esta fundamentação da liberdade de pensamento é insuficiente (não obstante a sua im portância histórica como tentativa). Com efeito, basta observar que se fosse naturalmente inviolável a liberdade de pensamento, a sua reivindicação contra seculares opressões teria sido supér flua. Se o pensamento não é susceptível de ser violentado em si mesmo, pode contudo ser violentado nas suas manifestações, no seu substracto de natureza física e na própria vida do sujeito que pensa. Spinoza, sem embargo, tem o mérito de ter insis tido sobre os limites naturais do poder do Estado, preparando assim a distinção entre Moral e Direito, a qual, pouco tempo depois, deveria ser formulada por Tomásio.


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Pufendorf e outros jusnaturalktas

Abandonemos agora os sistemas em que Direito e força se identificam num mesmo conceito. Entre os que mantiveram firmemente, contra Hobbes e Spinoza, o princípio da natural sociabilidade do homem, conta-se Pufendorf, alemão de nasci mento (1632-1694), professor da Universidade de Heidelberg desde 1661 (onde para ele foi criada a primeira cátedra de Direito natural e das gentes), e, mais tarde (1670) na Univer sidade sueca de Lund. Ê um dos mais célebres escritores da Escola do direito natural. Todavia não se pode dizer que lhe tenha dado um contributo de grande originalidade. As suas obras são: Elementa Jurisprudentice universalis (1660), De iure

naturae et gentium (1672), De officio hominis et civis (167S). A primeira é uma introdução; a segunda, um sistema completo; a terceira, um compêndio da segunda. Não modificam os prin cípios que, antes de Pufendorf, tinham sido estabelecidos. No entanto, representam em certa medida, uma fusão de Grócio com Hobbes. O homem, levado pelo vínculo social, tende a associar-se (analogia com Grócio) ; mas este instinto é enten dido como um derivado do interesse (analogia com Hobbes). Fim do Estado é a pax et securitas communis. Pufendorf desenvolve longamente a teoria do estado de natureza (isto é, anterior à convivência política) no qual todos os homens eram livres e iguais, mas, por falta de garantias dos seus direitos, expostos a todos os vexames e enganos. Por isso tiveram de se submeter a um soberano, criando o Estado.

Também nos escritos deste autor se nota a mesma confusão no conceito de «estado de natureza». Entende-se aí por isto: o) uma sociedade de facto, um período histórico anterior àquele em que existe o Estado; b) uma ideia do que seria a condição do homem sem o Estado. No primeiro sentido, temos uma narrativa histórica insustentável; no segundo, um princípio hipotético, racional. Nesse segundo sentido a ideia do estado de natureza pode apenas admitir-se como expediente dialéctico, pois permite

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esclarecer as razões, que, era certo momento, tomam neces sário o ordenamento social. Mas todos estes escritores jusnaturailistas (entre os quais Pufendorf) oscilam entre os dois diversos significados, e isto toma as suas doutrinas defeituosas e facilmente refutáveis, não obstante a parcela de verdade que em si abrigam. Os jusnaturalistas seguem um método ambíguo e, por conseguinte, imper feito: dão forma de narrativa histórica a postulados de natureza ideal e não ousam afirmar estes sem procurar qualquer confir mação histórica. Comportam-se assim como semi-idealistas e também, podemos acrescentar, como pseudonhistoriadores. A Escola do Direito natural, com Pufendorf, apresenta-se com forma típica e esta é um dos mais elaborados e completos sistemas. O nosso autor, antes de mais nada, abordou o problema da distinção entre Direito e Teologia. Além disso, distinguiu o direito natural do direito positivo, estabelecendo nítida antí tese entre ambos. Ao primeiro concedeu a primazia: é anterior ao Estado, mantém sempre o seu império, e subordina a si o direito positivo. Ao direito natural cabe fornecer as normas ' directivas da legislação. Pufendorf distingue ainda, coerentemente, os direitos ina tos dos direitos adquiridos: os primeiros são os direitos próprios do homem isolado, antes de ter adquirido a qualidade do «sócio» — ou seja: antes de pertencer a qualquer forma de convivência; os segundos são os direitos que ao homem pertencem na sua qualidade de membro de uma sociedade (da família ou do Estado). Característica desta concepção é o primado atribuído aos direitos sobre os deveres; esta característica é comum a toda a Escola do Direito natural (até fins do século xvm). Como dissemos, no seu sistema Pufendorf não evidencia grande originalidade, e Leibniz chamou-lhe severamente: vir parum jurisconsidtus et minime phüosophus. Ele é, no entanto, olaro e amplo nas suas deduções. Por virtude do seu ecletismo foi muito lido e dominou por muito tempo nas escolas. Nas suas obras acham-se, de certo modo, compreendidas quase todas


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as doutrinas que constituem o património comum da Escola do Direito natural. •

Os mais profundos juristas do direito positivo, dos sécu los xvii e xvm, aceitaram, na sua quase totalidade, os prin cípios do direito natural como premissas das suas obras pelo que também pertencem à philosophia perennis. Merece destacar-se, entre eles o francês João Domat (16251696). Na obra: Les lois civiles dans leur ordre naturél (16891694), a que se seguiu Le droit public (publicação póstuma de 1697), fez ele a primeira grande exposição sistemática do direito vigente em França nas suas íntimas relações com o direito romano. Como introdução à primeira dessas obras, escre veu Domat o Traité des lois, em que indaga o fundamento de todo o direito, vendo-o no fim por Deus assinado ao homem: o amor do sumo bem, e portanto, a obrigação dos homens de se amarem mutuamente como ensina a religião cristã. Desses princípios propõe-se Domat extrair todas as leis que regulam ou devem regular a vida das sociedades humanas, e que logo ameaçam arruinar-se quando deles se afastam. Por ele são explicados os diversos tipos de vínculos sociais e jurídicos como simples aplicações ou consequências desse (princípio. Tentou também estabelecer a distinção entre leis «imutáveis» e leis arbitrárias mas, em boa verdade, sem lograr tomá-la clara, e adoptando na sua demonstração critérios que se apresentam como bastante incertos. Domat tem, ainda, importância quer como precursor de Montesquieu —vejam-se, v. g., as conside rações que faz em tomo de «quel est 1’esprit de toutes les lois», Cap. xi, § 23 — quer pelo que respeita ao direito civil, pois a sistematização a que procedeu de toda a matéria muito apro veitou, sem dúvida, para a elaboração científica posterior, que veio a receber, ulteriormente, a sua consagração formal no Código de Napoleão.

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Mantiveram-se fiéis, mais ou menos estritamente às dou trinas de Grócio e Pufendorf, numerosos jusnaturalistas, como Barbeyarc — que já tivemos ocasião de mencionar; o alemão Heineccius e Burlamaqui. Ao primeiro (1681-1741) deve-se-lhe entre outras obras o breve tratado Elementa iuris naturale et gentium (1737, 5.a ed., 1768), que obteve grande difusão na sua época, e de que foram publicadas várias edições em ita liano. J. Burlamaqui (natural de Genebra, em 1694 e falecido em 1748), de família oriunda de Itália (Burlamachi ou Burlamacchi, de L/uca), emigrada em consequência de lutas reli giosas, escreveu obras notáveis, senão pela originalidade, pela sua concisão e clareza (Príncipes de droit naturél, 17^7 ; Prín cipes de droit politique, 1751, etc.), obras com numerosas edi ções, quase todas póstumas, em italiano e outras línguas. Locke e outros escritores ingleses (Hooker, Sidney, Hume, etc)

Na Inglaterra, especialmente a partir de fins do século xvi e durante o século seguinte, a problemática política atrai os pensadores. No entanto, em vez de puramente especulativas, estas manifestações do pensamento político são solicitadas pela situação política da época e visam alguns dos aspectos desta com o intento de os esclarecer. O Tratado de Ricardo Hoocker (1554-1600) traz a marca das controvérsias teológicas: Of the laws of ecclesiastical polity. Compreendia vários livros, os pri meiros dos quais foram publicados em 1594. Hoocker pretendeu definir as relações entre o Estado e a Igreja, atribuindo ao rei de Inglaterra o poder supremo em matéria eclesiástica. Para chegar a esta conclusão, parte de uma análise das leis em geral, segundo o método escolástico, mas onde surgem já, aqui e além, indícios do pensamento moderno. Assim, Hoocker afirma que, por lei natural, conforme à divina vontade, o poder político se baseia no consenso da sociedade inteira; por natureza, homem algum tem o poder de mandar numa multidão de homens. Se o


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consenso geral faltar, é o poder ilegítimo. Esta nota contratualista foi mais tarde retomada e desenvolvida por Locke. Como se sabe no século xvii verifica-se a grande Revo lução inglesa (1688), pela qual Povo e Parlamento afirmam os seus direitos perante a Coroa. À custa de muitas lutas, vai-se formando aquela constituição política que depois serviu de modelo à Europa continental. As obras dos autores ingleses durante este período aparecem geralmente ligadas com o mo mento histórico e, umas vezes, inspiradas nele, outras, inspiradoras das soluções a dar-lhe. Hobbes, de quem já falamos, representa a tendência absolutista e assim também Roberto Filmer (1610-1688), autor do Patriarcha (1680). Milton, Sidney e Locke são os porta-vozes da orientação liberal. João Milton (1608-1674), escritor político, além de poeta notável, é o autor do traJbalho Pro populo anglicano defensio (1651). Trata-se de uma resposta ao humanista francês Cláu dio Saumaise, que defendera, em opúsculo — Defensio regia pro Carolo I — o Rei Carlos I da Inglaterra, decapitado em 1649, depois de longas lutas com o Parlamento. Milton defende a liberdade de consciência e a liberdade da imprensa, e justifica a decapitação do tirano. A polémica entre os dois escritores desenvolveu-se ainda através de sucessivas réplicas. Algernon Sidney (1621-1683) foi o autor dos Discursos sobre o Governo, aparecidos em 1698, um ano depois de ter morrido no patíbulo. Reivindicador da soberania popular, refutador de Filmer, que no seu Patriarcha defendeu a tese de ser Adão a fonte originária do poder político —o que equivalia a derivá-lo do poder paterno e a admitir a sua transmissão por hereditariedade — merece ser recordado, não só como pen sador, mas também como mártir das ideias e um dos inspira dores de Rousseau. As teses por ele sustentadas mereceram as críticas de Locke e de Rousseau. Este último refere-se-lhe ironicamente logo no começo do Contrat social.

Mas o mais importante escritor deste período é, sem dúvida, John Locke (1632-1704), que foi quem imprimiu à doutrina

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do estado de natureza e do contrato social o carácter mais racional. Por outro lado, ele representa também, de modo cons pícuo, a tendência democrática e liberal em face da tendência de Hobbes. De Hobbes contudo afasta-se pelo espírito e pelas conclusões. Onde aquele se valeu do estado de natureza e do contrato social para fundamentar o poder aJbsoluto do príncipe, Locke serviu-se das mesmas hipóteses para demonstrar a exis tência de limites jurídicos ao poder soberano com os seus Dois tratados sobre o governo (1690). Locke resume a revolução inglesa, tal como Rousseau, mais tarde, com os seus análogos escritos anuncia e prepara a Revolução francesa. Locke tem ainda grande importância na Filosofia geral, especialmente para a teoria do conhecimento, de que foi um dos primeiros a tratar. No seu «Ensaio sobre o intelecto humano» (Essay concerning human understanding, 1690), sustentou que o conhecimento provém da sensação e da reflexão (elaboração dos dados sensoriais). Estes são os dois poderes cognoscitivos (Nihil est m intelectu quod prius non fuenrit in sensu). A teoria de Locke opõe-se especialmente à doutrina das ideias inatas. Nas suas obras políticas, Locke dá justificação teórica dos sucessos então registados no país. Contra o ensino de Hobbes, sustenta sobretudo que o homem é naturalmente sociá vel e afirma ser impossível o estado de natureza sem sociedade. Para o homem o estado de natureza é já estado de sociedade. Quanto ao beUum omnium contra omnes, fantasiado par Hobbes, contradiz ele a realidade. No estado de natureza, como é conce bido por Locke, o homem tem já certos direitos, como, por exemplo, o direito à liberdade pessoal, o direito ao trabalho, o direito de propriedade (que, para Locke, se funda no trabalho). Aquilo que falta é a autoridade capaz de garantir esses direitos. Para assegurar semelhante garantia, ou melhor, para se orga nizarem politicamente, os indivíduos devem renunciar a uma parte dos seus direitos naturais, consentindo certas limitações. E o que se verifica por meio de um contrato social. No entanto, quem ficar investido na pública autoridade, não poderá nunca


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valer-se dela a seu arbítrio, porque a mesma foi-lhe conferida para tutelar os direitos individuais. Se abusar dela, violará o contrato e o povo reconquistará, ipso facto, a soberania origi nária. O vínculo de obediência dos súbditos é, em suma, subor dinado à observância do contrato social pelos governantes. O Espírito da doutrina contratualista de Locke —como, mais tarde, o de Rousseau— reside inteiramente neste conceito de reciprocidade ou bilateralidade da obrigação política. O Estado, para Locke, não nega, antes reafirma, embora dentro de certos limites, a liberdade natural, que nele encontra a sua garantia. Os indivíduos sacrificam aquele quantum de direitos e de liberdade que toma possível a formação do Estado como órgão superior da tutela da convivência. Assim, muito embora Locke apresente ainda o contrato social como um facto ou evento histórico, este, contudo, é por ele, diga-se assim, racionalizado. Aparentemente, o método não difere do método utilizado por Grócio e Hobbes. Para demonstrar que a activi dade estadual deve ser informada por determinados princípios, não se limita a fundá-los na pura Razão, mas coloca-se na própria origem do Estado e apresenta-os como sendo a conse quência dela. O problema da formação histórica do Estado confunde-se assim com o problema do Ideal que o Estado deve actualizar. A concepção que em Locke tem um dos seus melhores representantes, e que já há muito (como vimos) come çara a prevalecer manifesta-se tipicamente no esforço para elevar o facto até à dignidade de princípio, ou mais propria mente, para dar forma de acontecimento empírico àquilo que é um postulado da razão. O contrato social é descrito por Locke, sem dúvida, como um facto, mas como o mais racional dos factos. Não se reúnem os homens debaixo de um regime político por a isso serem induzidos por uma qualquer necessi dade exterior que os coaja, nem os perigos e as desvantagens do estado de natureza se supõem tais que os privem de qual quer possibilidade de ditar condições ou de fixar limites à


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autoridade a que se submetem. A submissão ao poder público não é, pois, incondicional; e as suas condições são representadas por aquelas exigências fundamentais para cuja satisfação cada indivíduo, por hipótese, entrou no regime da convivência polí tica. As referidas exigências mantêm-se porém, como pontos cardeais irremovíveis do referido regime. Referir o consentimento dos cidadãos à constituição do poder público abre a porta, desde logo, à tese segundo a qual a vontade popular, que institui a autoridade política, conserva sobre esta um predomínio, de sorte a poder, a todo o momento, revogá-la ou modificá-la. Afirml-se assim a vontade popular como soberana; e a legitimidade de um governo mede-se pelo consentimento popular. Por outro lado, a hipótese de que os indivíduos fundaram o Estado mediante acto voluntário, para atingir, por meio do mesmo, fins determinados, serve de argumento para sustentar que o poder público está vinculado ao cumprimento destes fins e não se pode exercitar além ou contra os mesmos. Assim, a hipótese do contrato social assume o carácter de norma ideal; o Estado é sobretudo mera expressão de poder e arbítrio, mas deve necessariamente, pela sua natureza, ser destinado a garan tir os dreitos individuais. Locke tem o mérito de ter determinado em todos os porme

nores a sua doutrina. Isto é: construiu um verdadeiro sistema constitucional. Traça a teoria da divisão dos poderes, mais tarde reelaborada por Montesquieu; expõe os direitos do povo como unidade e os direitos dos cidadãos como particulares. E o maior precursor de Rousseau, o qual declarou expressa mente ter Locke tratado o contrato social «conforme os seus próprios princípios». A direcção iniciada com Marcílio de Pádua e com os monarc&macos, e com respeito à qual a dou trina de Hobbes e dos outros absolutistas representa em parte um desvio, encontra a sua síntese e explicação racional em Locke.


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Lembremos ainda que Locke foi propugnador da tole rância religiosa, derivando-a do conceito da separação da Igreja do Estado (u). De menor importância para a Filosofia do Direito é a Obra, por outros aspectos meritória, de David Hume (1711-1776), que teve, como veremos, um certo influxo sobre o pensamento de Kant. Entre os seus livros recordemos: A treatise on human nature (1739-1740); o terceiro livro desta obra foi elaborado mais tarde com o título Enquiry concerning the principles of morals (1751), e Essays moral political and literary (1741-1742). As teorias de Hume mostram uma certa inclinação ao cepticismo, sem, no entanto, cair nos extremos desta doutrina, e distinguem-se pela finura de muitas análises. No seu enten der, a justiça não deriva de um sentimento originário, mas da reflexão e do cálculo utilitário. Todavia não aceita as teorias de Hobbes, e admite que a sociedade tern no espírito humano o seu fundamento natural. As doutrinas de Hume opuseram-se, especialmente, à cha mada Escola escocesa, chefiada por Tomaz Reid (1710-1796), Inquiry into the human mind on the principles of common sense (1764), etc. Advirta-se que Hume era também escocês. Esta escola sustenta o valor das verdades atestadas pela consciência comum («principies of common sense»), tanto no campo teorético como no campo ético. Pode observar-se que esta posição corresponde em linlbas gerais, à de Cícero contra os cépticos do seu tempo. A Escola escocesa, no entanto, teve florações de notável grandeza também por obra de outros pensadores, como J. Mackintosh, D. Steward, etc. (12). Leibniz, Tomásio, Wolf

Cam Godofredo Guilherme Leibniz (1646-1716), pode dizer-se que começa o florescimento da Filosofia alemã. Leibniz foi um pensador poderoso que aplicou a sua vasta inteligência

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a todos os problemas da Filosofia. No tocante à teoria do conhe cimento, foi antagonista de Locke, e contra ele escreveu, em francês, os Nouveaux essais sur Ventendement humain (1704). Tinha Locke tomado posição contra as ideias inatas, como dissemos. E afirmara que o conhecimento existe só por meio das sensações — e, portanto, só na experiência se pode basear. Leibniz rejeita o princípio nihü est in inteUectu, quod prius non fuerit in sensu, e contra o sensualismo defende a existên cia de atitudes e de disposições originais do intelecto. À fór mula citada, acrescenta, portanto: Excipe: nisi ipse intellecttcs (excepto o próprio intelecto) que possui formas suas, donde emanam certas ideias (verdades necessárias), as quais nunca poderão derivar da experiência. Na sua obra principal, a Monadologia, Leibniz tenta uma explicação cosmológica e afirma a harmonia preestabelecida do universo. Tudo quanto neste existe tem uma razão de ser e tudo é bom (o mundo existente *é o melhor dos mundos possíveis»). A isto já um pessimista, porém, observava: o que não prova que seja bom! Propôs-se igualmente resolver determinados problemas à luz dos seus princípios filosóficos. Na Teodiceia, por exemplo, examina como será possível conciliar a presença de um ser divino, omnipotente, benéfico, com os males e as dores da vida. Tenta, pois, uma justificação da divindade. Mas nós, tramsourando este asrpecto da sua obra aliás muito notável, que pertence à Filosofia geral, reportar-nos-ernos aqui só à parte dela que mais directamente interessa à nossa disciplina. Foi Leibniz jurista, e de assuntos jurídicos tratou quando era ainda muito jovem, escrevendo o opúsculo, cujo intuito era o de alargar o campo à jurisprudência e melhorar-lhe o método de trabalho: Nova methodus discendce docendaeque iurisprudentice, 1677. Nesta obra, Leibniz propõe-se, entre outras coisas, intensificar as investigações de Direito comparado, fazendo uma colecção das leis de todos os povos da terra. Também pro curou efectuar a divisão dos ramos da Filosofia prática (ver o prefácio do Codex juris gentium diplomaticus, 1693), ou seja


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uma classificação das normas do operar, na qual se propende mais a alargar o âmbito próprio do Direito que a restringi-lo. A Moral é considerada quase uma espécie de Direito mais lato. Leibniz distingue na verdade três graus do bem consoante

respeita a Deus, à humanidade ou ao Estado. O primeiro grau é constituído pela probitas ou pietas; a segunda, pela aequitas, a terceira, pelo ius ou ius strictum. Socorrendo-se de conceitos aristotélicos, Leibniz designa as três divisões do mundo ético por iustitia universalis, iustitia distributiva e iustitia commutativa. A elas deveriam ainda corresponder os três preceitos capitais da jurisprudência romana; Honeste vivere, suum cuique tribuere, e neminem laedere. Em toda esta grandiosa doutrina debalde se busca uma nítida distinção entre Moral e Teologia, mas, de certo modo, renova-se entre estes termos uma confusão que já outros auto res (por exemplo, Pufendorf, contra quern Leibniz polemiza) haviam procurado superar. Leibniz define o dever como neces sitas moralis, em contraposição ao direito, definido como potentia moralis. Mas é de notar que Leibniz reconhece ser o Direito (em sentido estricto) coercível, anunciando assim um conceito que, mais tarde, assumiria grande importância. •

O mérito de ter tentado o problema da distinção entre o Direito e a Moral com propósito sistemático, cabe a Cristiano Tomásio (1665-1729). Muito embora os elementos da sua dou trina se possam encontrar já nas obras de autores antecedentes, nomeadamente de Marcílio de Pádua, e mesmo até, em parte, na de Aristóteles, tem lugar notável na história da cultura como representante do chamado Iluminismo (Aufklãrung) — ou seja: daquele movimento que visava a divulgação da ciência, para que o povo se ilustrasse, e da libertação dos preconceitos

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tirasse vantagem a sociedade. Tomásio, fiel ao espírito da «Aufklãrung», orientou a Filosofia para fins práticos. Em seus escritos e lições (nos quais substituiu a língua latina, até então predominante, pela língua alemã), combate o método escolás tico e silogístico, esforça-se por separar a ciência da Teologia e defende a liberdade do pensamento científico com tamanho ardor, que sobre si atrai inimizades e perseguições, a ponto de ter de abandonar a sua cidade natal e refugir-se em Halle, onde veio a colaborar na fundação da respectiva Universidade, na qual foi mestre. Na sua primeira obra, Institutiones iurisprudentice divince, 1688, seguiu na esteira de Pufendorf. Em 1705, publicou outra obra: Fundamenta iuris natures et gentium, em que directamente enfrentou e meditou o problema da dis tinção do Direito da Moral com rigoroso critério científico. Mas o seu propósito era particularmente político: propunha-se traçar os limites da autoridade legítima do Estado, reivindi cando a liberdade da consciência individual arbitrariamente violada pela coação jurídica. Tomásio combateu a tortura, os processos contra bruxas e herejes; propugnou a liberdade reli giosa e de consciência, e a este objectivo se dirigem também as suas doutrinas, tendo querido dar uma demonstração científica dos ideais pelos quais praticamente lutava; isto é: mostrar que existem campos nos quais a ingerência do Estado não pode ter lugar. Tomásio distingue as normas de conduta e as ciências correspondentes em três espécies: Etica, Política e Jurispru dência. Mas, embora distintas, estas três disciplinas possuem o mesmo fim: a felicidade («fadenda esse quce vitam hominum reddunt et maxime diutirnam et felidssimam, et evitanda quce vitam reddunt infelicem et mortem accelerant»). Por aqui se vê que Tomásio não tinha ideias muito elevadas nem muito originais.

Mais importante é, por outro lado, a classificação por ele feita das normas dirigidas àquele único fim. Tem a Etica por


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princípio o honestum, a Política o decorum e o Direito o iustum. O preceito fundamental do honesto e, portanto, da Etica, enun cia-se assim: Quod vis, ut alü tibi fadant, tu ipsis fades (faz a ti mesmo o que desejarias que os outros a ti fizessem). Por tanto devemos querer não como indivíduos, mas como qualquer outro homem; é processo de purificação e de generalização da vontade (quase uma forma antecipada e um pouco grosseira do kantiano imperativo categórico). O preceito do decoro é quod vis ut alii tibi fadant, tu ipsis fades (faz aos outros o que desejas que os outros te façam). Trata-se de um preceito prático de conveniência e de utilidade. Por fim, o justo exprime-se pela máxima, já enunciada nos textos bíblicos e também por Confúcio: Quod tibi non vis fieri, aiteris ne feceris — Aos outros não faças o que não desejas que te façam. Conceito negativo; enquanto a Moral e a Política pretendem que se actue positivamente, o Direito prescreve só não ofender os outros. Não obstante a tricotomia, a principal antítese é a estabe lecida entre a Ética (ou Moral) e o Direito. Em substância, Tomásio pensa assim: a Etica refere-se exclusivamente à cons ciência do sujeito, tende a encontrar a paz interna, ao passo que o Direito regula as relações com os outros, estabelece o regime da coexistência, e tem como princípio fundamental a obrigação de não ofender os outros. Tira daqui Tomásio a con sequência de que os deveres morais se referem exclusivamente à intenção, ao foro interno, enquanto os deveres jurídicos se referem só à exterioridade das acções, ao foro externo visando impedir os conflitos que podem nascer da convivência. E daqui se segue, na opinião de Tomásio, que os deveres jurídicos são susceptíveis de imposição pela força. Mas tudo quanto se passa no âmbito da consciência individual é, por natureza, incoercível; ninguém, com efeito, pode exercer violência sobre si mesmo. Não existem, pois, deveres jurídicos para consigo, nem com respeito às acções internas; neste campo domina só a legislação

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moral. O Estado, órgão do Direito, não pode penetrar no recinto das consciências, nem impor crenças determinadas. Os deveres jurídicos, pelo contrário, são coercíveis, porque a coerção é pos sível com respeito a outros, quando se trata de acções externas. Tomásio chama a estes deveres perfeitos e aos morais deveres imperfeitos, porque não são passíveis de coerção. Dão-nos estes elementos quase todas as notas diferenciais entre o Direito e Moral, tal como foram entendidas por outros escritores (Kant não fez substancialmente senão repeti-los). Isto não significa que os princípios indicados, como foram for mulados por Tomásio, sejam inteiramente correctos. Não acha mos aceitável, antes de tudo, a distinção absoluta entre acções internas e externas, porque todas as acções são, simultanea mente, internas e externas, isto é: possuem um elemento psí quico e outro físico. Por isso, é inadmissível que as acções internas sejam apenas reguladas pela Moral e as externas apenas pelo Direito. Verdade é que Moral e Direito corres pondem a normas universais que abrangem todas as espécies de acções. A própria Moral, se começa por atender ao lado interno das acções, acaba sempre por não desprezar o lado externo delas. Por sua vez, o Direito se considera, antes de mais nada, o aspecto externo ou físico das acções, logo a seguir cuida da intenção, do momento interno ou psíquico, o qual tem também grande importância no campo jurídico (o Direito não é um ordenamento puramente mecânico das acções). Verda deiro é o princíjSio da coercibilidade do Direito. Mas este deduz-se seguindo outra via: partindo do conceito da bilaterdlidade, que é elemento essencial ao Direito. Tão pouco se nos afigura exacto chamar imperfeitos aos deveres morais só porque insusceptíveis de coacção. A coerci bilidade é apenas uma forma de sanção específica do Direito; mas também os deveres morais têm uma sanção, a da cons ciência e da opinião pública; são por conseguinte, por si mesmos, perfeitos.

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Cristiano Wolff (Wolff, Wolf fim, 1679-1754) é o mais célebre dos discípulos de Leibniz. Escreveu numerosos volumes

de carácter enciclopédico, desenvolvendo e vulgarizando a Filo sofia do mestre, a qual predominou na Alemanha até ao apare cimento da crítica de Kant, que iniciou uma nova era. Wolff escreveu uma Obra em oito volumes: Ius naturce methodo scientifica pertractatum (1740 a 1748), que é um dos mais vastos e completos sistemas de Filosofia do Direito. Mas nesta obra predomina um caráter escolástico e dogmático contra o qual viria a dirigir-se a crítica kantiana. Para Wolff, o princípio fundamental da Filosofia prática (isto é, da Moral e do Direito), é a ideia de aperfeiçoamento; o homem tem o dever de aperfeiçoar-se e de promover o aper feiçoamento dos outros; este dever é, simultaneamente, um direito. Leibniz definira o direito como «potentia moralis» e o dever como «necessitas moralis». Retomando estas ideias, Wolff, por sua vez, define o Direito como a faculdade de cumprir o próprio dever. No entanto, acrescentava: o Direito permite, a Moral ordena; o primeiro é lex permissiva, a segunda lex praeceptiva. Esta doutrina, contudo, oferece o flanco à crítica, porque tende a confundir o dever moral com o dever jurídico; muitas coisas o Direito permite que a Moral proíbe ou reprova. Não se pode fazer coincidir o lícito jurídico com a obrigação moral. Por outra parte, a natureza do Direito não é apenas per missiva: também é imperativa. A verdadeira distinção entre Direito e Moral foi por Wolff falhada, como já o fora por Leibniz.

Mas, quanto ao resto, no seu vasto tratado segue Wolff a tradicional doutrina da Filosofia do Direito: a sociabilidade do homem, o contrato social, etc. Distingue também entre direi tos inatos (do estado de natureza) e direitos adquiridos (do

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LIÇOES DE FILOSOFIA DO DIREITO %

estado social). Os direitos inatos correspondem aos deveres universais que o homem tem, devido à sua própria natureza. Característico de Wolff é o abuso da dialéctica e do método racional; com este método «continuo ratiocinationis filo*, presume Wolff dediuzir a priori tudo, até os dados empí ricos, ou seja: os conhecimentos que se -podem recolher mediante a observação dos factos da experiência. Adveio, portanto, pouco mais tarde, uma reacção contra o racionalismo, a qual mais justamente se deveria dirigir contra os abusos e deficiências do mesmo. Vico • Montesquieu

Os escritores de que nos ocupámos até aqui discutem prin cipalmente, como vimos, o problema do fundamento racional do Direito. Descuraram, porém, o problema histórico, genético; não se ocuparam do Direito como fenómeno histórico e positivo, mas só como ideia e princípio especulativo; consideraram aquilo que o Direito deve ser, de preferência àquilo que o Direito é. 0 problema histórico toma-se dominante só no início do século xix, e esta mudança de rumo é acompanhada por uma consequente mudança de direcção em todas as doutrinas da Filosofia do Direito. No entanto, desde o século xvm, alguns escritores, dois sobretudo, antecipam de certo modo a visão deste problema: Vico e Montesquieu. G. B. Vico, napolitano (1668-1744), escreveu várias obras, das quais destacaremos: um tratado latino, De universi iuris uno principio et fine uno (1720) e Principii di una Scienza nuova intomo alia comune natura, dette nazioni. Desta última obra, de importância capital foram publicadas ainda duas edi ções respectivamente em 1730 e 1744: esta última só foi publi cada alguns meses depois da morte do autor. A mente de Vico é vasta e genial, mas a sua exposição é frequentemente confusa. A par de tesouros de doutrina, de grandes e profun das verdades, existem também aí muitos erros, derivados em


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parte dos escassos conhecimentos históricos do seu tempo. O intuito fundamental de Vico é a conciliação da Filosofia com a Filologia. (Esta palavra usa-a ele em um sentido especial, não como doutrina meramente literária, mas como ciência dos factos humanos, que compreende todos os produtos históricos, todos os documentos da cultura de qualquer género). A Filologia é a ciência do facto; a Filosofia é a ciência da verdade, do eterno, do racional, daquilo que não muda, que não é contin gente. Entre estas duas direcções do pensamento, Vico quer demonstrar que existe uma necessária correlação; ele censura aos seus predecessores o ter cultivado a Filosofia e transcurado a Filologia, isto é: ter-se ocupado mais do abstracto que do concreto, mais da ideia que do facto (assim, nos escritores do Direito natural lastima a falta de sentido histórico). Para Vico a conciliação dos dois termos («verum et factum convertuntur») é possível porque a mente humana está na raiz destas duas actividades, ou seja: produz a teoria, tende à verdade filosófica, enquanto produz também a verdade histórica (o Direito natural —diz ele— é uma ideia humana; e é também um facto humano). Na base da sua Scienza nuova coloca o seguinte princípio ou «degnitá» (axioma): «Este mundo civil foi certamente feito pelos homens, e por isso os seus princípios devem encontrar-se na nossa própria mente humana». A nossa mente é um reflexo da inteligência transcendente e, ao mesmo tempo, imanente no mundo, à qual Vico chama «Providência». O desenvolvimento das vicissitudes humanas tem, pois, um carácter necessário, predeterminado, e um signi ficado ideal além daquele real. As verdades eternas, que a razão pouco a pouco vai descobrindo, são actuadas necessa riamente pela humanidade no curso da história. Daqui segue-se, para Vico que não há contraste radical entre Direito natural e Direito positivo pois estas designações exprimem dois aspec tos de uma mesma realidade. No Direito, Vico distingue dois elementos: o verdadeiro e o certo; o verdadeiro é o elemento

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racional, o certo o elemento positivo que corresponde à auto ridade. Segundo Vico, a natureza do homem compreende três facul dades: nosse (conhecer), veüe (querer) e posse (poder). O ho mem é um nosse, um vétte e um posse finito que tende para o infinito. Assim como há uma mente individual, assim também há uma mente comum das Nações. Vico encontra paralelismo cons tante entre o desenvolvimento da mente humana e as vicissi tudes comuns das nações. É seu desejo compor uma história psicológica da humanidade, recolhendo, para o efeito, em uma síntese extraordinariamente vasta, posto que não raro confusa, todos os elementos relativos à vida dos diversos povos, nas lin guagens, nas leis, nas religiões, nas artes, nos comércios; quer compor uma história psicológica da humanidade, e com tal intuito lança o seu olhar para todos os lugares e todos os tem pos, embora frequentemente de forma fugaz e sem ordem rigo rosa ; descobre ou julga descobrir leis históricas com segurança, fiado em intuições frequentemente maravilhosas, mas algumas vezes falazes. Prejudica-o o excessivo sistematismo, isto é: o intento de constranger os factos dentro dum sistema rígido de leis fixas. São de acolher com prudente reserva, por isso, as suas interpretações dos documentos históricos. A preocupação constante de conciliar a história com a ideia, o facto com a razão, condu-lo frequentemente a sínteses inexactas à força de rigidez. Por exemplo: nega o facto da transmissibilidade histórica do direito em homenagem ao princípio da uniformi dade do espírito humano. No seu entender, semelhante prin cípio deverá bastar à explicação da semelhança entre as leis e os costumes dos vários países. Exclui, portanto, o facto da recepção jurídica e nega, entre outros, o facto de as leis das Doze Tábuas terem sido inspiradas aos romanos pelos gregos. Neste ponto teve provavelmente razão, pelo menos em parte, pois o influxo grego sobre as leis das Doze Tábuas embora não sendo mera lenda, foi certamente muito limitado (1S). Abs *


traindo, porém, desta questão particular, observaremos que a transmissibilidade histórica do direito se verificou sempre den tro de certos limites. Não perde com isto valor o princípio da uniformidade do espírito humano, antes é reforçado: o próprio facto da transmissibilidade pressupõe necessariamente uma certa igualdade fundamental desse espírito. Se esta faltasse, já os institutos jurídicos de um povo não poderiam valer fora dele, nem aplicar-se a outro povo. Considerando a história como desenvolvimento cíclico, que se efectua em um sentido uniforme, Vico chegou a conceber a teoria dos corsi e ricorsi da humanidade, a qual tamanha celebridade depois conheceu. Três são as idades, segundo esta teoria: divina, heróica e humana. A elas correspondem três formas políticas: teocracia, aristocracia e democracia. As três fases repetem-se periodicamente e necessário é que a humani dade passe sucessivamente por elas. Vico defende esta sua concepção com uma farta cópia de analogias e de confrontos históricos. Aproxima toda a história moderna da antiga, des cobre na fase inicial da Idade Média uma idade divina, no feuda lismo uma nova idade heróica (a vassalagem, por exemplo, cor responde à clientela romana), etc. Claro está que a teoria dos corsi e ricorsi concilia-se mal com a ideia do progresso e ins pira-se numa espécie de fatalismo, que não satisfaz nem as exigências da razão prática (segundo as quais cada povo como cada homem forja a própria sorte) nem os dados da observação histórica, conduzida com objectividade. Apesar destes aspectos, a obra de Vico tem grande valor, pelo esboço que nos oferece de uma grandiosa Filosofia da his tória humana sobre bases principalmente psicológicas. A obra de Vico contém ainda numerosas antecipações de modernas doutrinas. Os sociólogos indicam, com frequência, Vico como um precursor e pretendem que a sociologia seja a scienza nuova por ele anunciada. Mas em verdade é dar excessiva honra à moderna sociologia empírica o considerar Vico entre os seus precursores. Vico foi sobretudo um filósofo do espírito.

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• Um escritor comparável, sob certo aspecto, ao nosso Vico, posto que também represente uma antecipação do método his tórico, em oposição ao método dedutivo, então dominante, é Carlos de Montesquieu (1698-1755). A sua obra De Vesprit des lois (1784) ganhou subitamente grande nomeada, maior até da que bafejou a Scienza Nuova, muito embora não se lhe avantage em mérito. Entre Montesquieu e Vico há, todavia, notá vel diferença: o primeiro, mais exacto nos pormenores, mais elegante na exposição, é nos princípios menos profundo do que o segundo. Montesquieu é mais analítico, Vico mais sintético. A obra de Montesquieu é quase fragmentária e falta-lhe um vasto desígnio orgânico. Parte Montesquieu do conceito de que as leis são «as rela ções necessárias que derivam da natureza das coisas», mas geralmente não se ocupa destas relações, muito embora se entregue ao exame de leis e instituições particulares, movido pelo desejo de encontrar uma explicação baseada em factos e circunstâncias determinadas. Ele estuda as instituições jurí dicas dos vários povos como produtos históricos, e dedica-se a uma série de análises relativa às leis, aos costumes, aos orde namentos políticos e sociais para demonstrar os motivos e as razões que os determinaram: passa assim em revista os dife rentes povos (incluindo os orientais, como, por exemplo, o povo chinês), os vários campos da legislação, fazendo observações de muita finura e atribuindo grande importância aos factores naturais na génese do direito, especialmente ao clima. Procura descobrir a formação natural do direito, explicar o modo como o mesmo surge na vida social e como deve adaptar-se às con dições ambienciais. O mérito mais saliente da sua obra reside no largo uso do método histórico. Mas a grande fama da mesma provém da parte relativa às doutrinas políticas. Montesquieu distingue três formas de governo: República, Monarquia e Despotismo (esta classificação não corresponde, *


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como se vê, à de Aristóteles; o despotismo, como forma dege nerada, segundo o conceito aristotélico, devia ser posto à parte). A cada uma destas três formas de governos faz Montesquieu corresponder um princípio particular, o qual, para ele é quase como que a sua força motora: virtude, honra, medo. Tem a República por pressuposto a devoção dos cidadãos ao bem público, ou seja: a virtude. Distingue-se por outro lado, em aristocracia ou democracia, consoante o poder soberano é detido por uma parte do povo ou pela totalidade deste. A Monarquia tem por fundamento, ou como propulsor psi cológico, o amor dos privilégios e das distinções. A este amor chama Montesquieu «honra». O Despotismo funda-se na força e, por conseguinte, tem por sustentáculo o medo que a mesma incute. Apesar de bastante artificiosa, esta classificação pareceu admirável e provocou discussões tão numerosas como inúteis. A grande celebridade do Esprit des Lois derivou da teoria da divisão dos poderes. Ao tratar da constituição inglesa, Mon tesquieu teve ocasião de observar que na Inglaterra existia um autêntico regime de liberdade política (que era o ideal das nações, especialmente da França, então em vésperas da Revo lução). Montesquieu propôs-se o problema de saber as condi ções de que dependia a referida liberdade e julgou ter desco berto tal segredo no princípio da divisão dos poderes. E por tanto enuncia a máxima: «para que se não possa abusar do poder urge que o poder detenha o poder*. Por outras pallavras: é necessário que os poderes do Estado sejam de tal sorte orga nizados que mutuamente se travem (sistema de pesos e de con trapesos) , se limite automaticamente o seu campo de actuação. Montesquieu distingue três poderes do Estado: o legislativo, o executivo e o judicial. E sustenta que estes poderes devem ser divididos, independentes uns dos outros e confiados a pes soas diferentes; precisamente como acontecia na constituição inglesa, considerada como modelo.

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33 de notar porém, que esta análise da constituição inglesa não é inteiramente exaota. Ainda menos exacta é a maneira como Montesquieu entende a divisão dos poderes. Antes do mais, impossível é uma divisão nítida, inconciliável com a natureza unitária da soberania. Para falar com propriedade, não se trata de diversos poderes mas de diversos órgãos, que devem ser distintos segundo as respectivas funções, e mesmo assim não na maneira absoluta preconizada por Montesquieu. Nem sempre se verifica que um órgão determinado tenha de cumprir uma só das três funções. O princípio impropriamente chamado da separação dos poderes é, em si, uma verdade, aliás já antiga (Locke e até Aristóteles já a tinham assinalado). Nós devemos entender a teoria neste sentido: das três funções em que se manifesta a vontade do Estado (legislativa, executiva e judiciária), as duas últimas deverão subordinar-se à primeira, em virtude da sua maior importância como expressão directa da soberania. No entanto, deve ser instituída uma tal distribuição das fun ções, que tome possível fazer valer a lei por meio dos órgãos judiciários, ainda contra os actos eventualmente ilegítimos do govemo que exercita a função executiva ou administrativa. O princípio da «divisão dos poderes» tende sobretudo a evitar que o órgão legislativo tenha conjuntamente o cargo de a aplicar ou de a fazer cumprir: isto poria em perigo a liberdade dos cidadãos. Não obstante as suas inexactidões, teve a doutrina de o merecimento de chamar a atenção para um princípio que depois se tomou fundamental para as modernas constituições. Montesquieu traçou o quadro completo da mo narquia constitucional e muito contribuiu para divulgar no con tinente europeu as ideias inglesas sdbre a matéria. Mereceu assim o cognome de «pai do Constitucionalismo». Segundo o exemplo inglês, Montesquieu sustenta que o poder legislativo deverá ser confiado a representantes do povo e a uma assemMontesquieu

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bleia de nobres; quanto ao poder executivo, competirá a um Monarca inviolável, rodeado de ministros responsáveis.

Rousseau e outros escritores da mesma época. A declaração dos direitos do homem e do cidadão

Se Montesquieu tem notável importância na história do pensamento político do século xvm, por ter sido o veículo das ideias inglesas no continente, maior influência exerceu ainda João Jacques Rousseau, de Genebra (1712-1778). Foi ele quem deu clara e racional forma a quanto confusamente se agitava na consciência política do século. O temperamento e o engenho fizeram dele o representante típico da sua época. Conseguiu ser, como nenhum outro, o intérprete das necessidades do seu tempo. Sensibilidade profunda, constante entusiasmo pelo ideai da Justiça (um ódio soberano à injustiça, como ele escreveu) e, de um modo geral, uma vivíssima consciência do dissídio entre ser e dever ser, uma espécie de nostalgia daquilo que o homem devia ser e não é — eis os traços característicos da sua personalidade. Em todos os seus escritos, a que imprimiu estilo apaixonado, lateja o anelo vigoroso pelo estado de natu reza perdido. Ele tem uma inextinguível aspiração a um des tino superior da humanidade, o quail não corresponde aos factos. A sua obra tem portanto o carácter dum apostolado. A actividade de Rousseau desenvolveu-se em diversos cam pos. Assim, por exemplo, na Pedagogia com o Émile (uma das suas maiores obras, que tende a reformar os sistemas da educação das crianças em harmonia com a ideia do regresso à natureza, do abandono de tudo quanto é falso e fictício, etc....). Nós restringiremos o âmbito do nosso estudo às obras com algum interesse para a nossa disciplina e referir-nos-emos ao Discours sur Vorigine et les fondements de Vinégalité parmi les homines (1753) e ao Contrat Social (1762), obras aliás entre si conexas e que se integram.

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0 primeiro dos trabalhos citados pretende ser uma história

(em parte conjectural) do género humano e desenvolve a tese de que os homens eram originariamente livres e iguais, vivendo com extrema simplicidade pelos bosques e seguindo apenas os ditames da natureza (no assim chamado «estado de natureza»). Nesta primeira época, o homem desconhecia ainda a corrupção provocada pela degenerescência a que a civilização sempre conduz. Era o homem então bom — pois o homem nasce bom como tudo quanto sai da Natureza; e era feliz. Oomo se perdeu seme lhante estado feliz? Rousseau procede aqui por hipóteses: trata de explicar a origem da civilização, a qual, para ele, é um des vio, iima corrupção do estado de natureza. Alguns homens mais fortes impuseram-se aos restantes; e o primeiro que, pondo o pé num campo, exclamou: isto é meu! foi a causa primeira da infelicidade humana. A propriedade privada juntou-se a pro priedade política; e assim, pelo facto de certas paixões terem prevalecido, um regime artificial de desigualdades colocou os homens em uma relação de mútua dependência contrária aos princípios naturais do seu modo de ser. Em suma, surgiu uma antinomia profunda entre a constituição nativa do homem e a sua condição social. O «Discurso» termina com a viva pintura dos males e das injustiças que afligem os homens — e fáJlo com particular vista às condições políticas da época. O contrato social, que começa no ponto onde o «Discurso sobre a desigualdade» acaba, continua a mesma ordem de ideias. Se o «Discurso» fora sobretudo uma evocação melancólica do estado de natureza, o «Contrato» propôs-se, antes, a resolução prática do problema. Rousseau reconhece que um regresso puro e simples ao estado de natureza, depois de se ter chegado ao estado de civilização, é impossível, como «não é possível a um velho regressar à mocidade». A sociedade política deve acei tar-se como facto irrevogável. Rousseau, portanto, não propõe um simples regresso ao estado de natureza, mas procura uma coisa equivalente, um sucedâneo de tal regresso. Em substân t

HISTORIA DA FILOSOFIA DO* DIREITO

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cia —observa— aquilo que constituía a felicidade primitiva era o gozo da liberdade e da igualdade. Importa agora achar o meáo de restituir ao homem civilizado o gozo destes direitos naturais, e forjar com base neles a constituição política. Para realizar este intuito, recorre ele à ideia do contrato social, geralmente seguida naquela época. Este deve, precisamente, oferecer a solução daquele problema, cujos termos são assim formulados por Rousseau: Trover une forme d’association, qui défende et protège de toute la force commune la persone et les biens de chaque associé, et par laquette chacun, s’unisant à tous, n'obeisse pourtant qu'à lui même et reste aussi libre qu’auparavant. Segundo Rousseau, o contrato social representa aquela forma ideal de associação em que o pertencer a um corpo político não destrói a liberdade de cada um. O conteúdo do contrato é, pois, determinado a priori; não é qualquer coisa de contingente (como, por exemplo, em Grócio) mas significa, única e necessariamente, a consagração política dos direitos de liberdade e de igualdade próprios do homem no estado de natureza. O contrato, portanto, não se refere à génese histórica do Estado nem pretende representar a estrutura real dos Estados existentes. Não era essa, aliás, a finalidade da obra. Se assim não fosse, deixaria de fazer o que realmente fez; pôr em con traste a realidade e o ideal. Sabia Rousseau perfeitamente que nunca existira um contrato social como o descrito por ele e que os factos observados estavam totalmente em contradição com este; mas por isso mesmo é que escreveu o «Contrato social». Deste modo, sublinhava categoricamente uma necessidade racio nal: indicava como se deveria constituir o ordenamento jurídico, a fim de se conservarem socialmente íntegros os direitos que o homem por natureza já possui. Para Rousseau, pois, o con trato social correspondia, em suma, a um postulado da razão, a uma verdade que, em vez de histórica, era normativa ou reguladora. A sua mente estava longe de abrigar o erro tantas vezes cometido pelos escritores precedentes, os quais falavam

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do contrato social como de um evento realmente verificado. Rousseau pretendeu ditar as leis justas («foederis aequas leges», lema do Contrato social), depois de ter explicitamente declarado que as leis vigentes (positivas) eram injustas. Não se pode cometer maior erro que interpretar o «Contrato social» como um relato histórico ou criticá-lo como se o fosse. Ponto de partida e base da construção política de Rousseau é o direito natural da liberdade e da igualdade. Só quando actua este princípio, é que o Estado tem razão de ser. Só quando o seu ordenamento se conformar com o referido princípio é que o Estado é um verdadeiro Estado — um Estado natu ral e racionalmente legítimo. Que a liberdade e a igualdade devem ser reconhecidas no Estado, já não resulta do facto de o Estado nascer de um contrato; pelo contrário deverá considerar-se o Estado como se tivesse sido originado por um contrato, a fim de os direitos fundamentais serem reconhe cidos. 0 ponto de vista empírico é, assim, superado: o contrato social, em vez de ser um facto, em vez de depender do arbí trio, é a consequência necessária de certos termos dados objec tivamente e fornecidos pela própria natureza das coisas, — a interferência ideal dos direitos conaturais dos indivíduos. Assim, para o nosso autor, o contrato tem significado eminentemente regulativo — ou seja, deontológico: é o tipo universal de cons tituição política, cuja conformidade à essência do homem a razão revela; e serve, portanto, como critério apreciativo das constituições existentes. Para Rousseau o contrato social deve conceber-se do seguinte modo: é necessário que os indivíduos por um instante confiram ao Estado os seus direitos, o qual, depois, os devol verá a todos mas com o nome substituído (não serão já direitos naturais mas direitos oivis). Desta sorte, uma vez que o acto de devolução é realizado por todos, nenhum ficará privilegiado ou prejudicado. A igualdade ficará assegurada. Simultanea mente, cada qual conservará a sua liberdade, porque o indi víduo toma-se súbdito apenas em relação ao Estado, síntese das 9


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liberdades individuais. Graças a esta espécie de novação ou de transformação dos direitos naturais em civis, os cidadãos vêem assegurados pelo Estado aqueles direitos que já possuíam por natureza. Rousseau não entende contudo que pelo contrato social se verifique uma alienação efectiva da liberdade individual. Essa liberdade, di-lo expressamente, é inalienável, pois constitui a própria natureza humana, e o homem não pode renunciar à sua própria natureza (um contrato pelo qual o homem se pri vasse da liberdade seria nulo). O contrato social representa apenas o procedimento dialéctico pelo qual os direitos indivi duais convergem para o Estado e do Estado novamente ema nam para os indivíduos, por assim dizer, como que reforçados e consagrados. O resultado é precisamente que todos os homens permanecem livres e iguais como no estado de natureza, mas os seus direitos adquirem uma garantia tutelar, antes inexis tente. Os indivíduos são apenas súbditos da vontade geral, para cuja formação concorrem. A lei, para Rousseau, não passa da expressão da vontade geral — e, por conseguinte, não é acto de comando arbitrário. Nenhuma ordem possui legiti midade se não se basear na lei — isto é, na vontade geral. Nesta vontade geral consiste a verdadeira soberania que não pertence a um indivíduo, ou a uma corporação particular, mas sempre, e necessariamente, ao povo, enquanto este constitui um Estado. Posto este princípio da soberania popular, Rousseau foi tão longe no seu rigorismo que não admitia sequer a representação do povo, mas queria o exercício directo da soberania (con cepção que apresenta certa analogia com o que hoje na Suíça, pátria de Rousseau, se pratica por meio do referendum). A soberania é inalienável, imprescritível e indivisível, e embora o Governo ou poder executivo seja confiado a determi nados órgãos ou indivíduos, a Soberania conserva a sua sede no povo que, a todo o tempo, poderá avocá-la a si. Sobre estes princípios se baseou o programa da Revolução francesa, muito embora sobre a mesma também alguma influên

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cia tivessem tido as doutrinas de Montesquieu e de outros autores. A maior eficácia coube, no entanto, às ideias de Rous seau, pois, naquda época, tudo conspirava para valorizar as doutrinas do direito natural, de que ele foi o último e mais eloquente intérprete. Embora não tenham tratado especificamente os problemas da Filosofia do Direito, limitando-se a tocar tão somente pro blemas sociais e políticos, podem aqui recordar-se os escri tores que colaboraram na grande Enciclopédie fundada por Diderot e DAlembert e publicada de 1751 a 1772 (com suple mentos e índices 1776-1780). Conhecidos, por essa razão, gene ricamente pelo nome de Enciclopedistas, são os representantes mais típicos do iluminismo e racionalismo francês. E em larga medida promoveram o vasto movimento de ideias que culminou na revolução. Além de Diderot (1713-1784) e D’Alembert (1711-1783), entram no mesmo grupo o grande escritor Vol taire (1694-1778), que por várias vezes se fez campeão dos direitos humanos, e da liberdade de pensamento; Quesnajt (1694-1774), fundador da escola econômica dos fisiocráticos, e autor de um breve opúsculo sobre direito natural; Helvetius (1715-1771) e D’Holbach (1723-1789), defensores de um ex tremo materialismo (14); Turgot (1727-1781) economista, e conhecido também como prapugnador da ideia do progresso e outros mais, nomeadamente Rousseau, mas já com uma cola boração de matiz mais variado, e mais nominal e indirecta. Rousseau, por exemplo, escreveu alguns artigos para a Encyclopêdie, v. g. o artigo «Economie politique», mas depressa se afastou dela e dos seus principais inspiradores com quem, depois, manteve agrestes discordâncias. São notáveis, entre os que nesse mesmo período ventilaram os princípios da legislação, propondo audaciosas reformas do regime então vigente, Morelly autor do Code de la nature (1775) em que se desenha já uma espécie de comunismo; Mably

(1709-1785), Entretiens de Phocion sur le rapport de la morale


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avec la politique (1763), De la legislation ou príncipe des lois (1776), etc., com uma crítica semelhante à propriedade pri vada, o combate dos abusos do poder público e a afirmação dos direitos dos cidadãos a insurgirem-se contra a tirania; CONDORCET (1743-1794), autor de um projecto de constituição ten dente à garantia da liberdade, e que amplamente desenvolveu também a teoria do progresso; Siéyes (1748-1836), que faz o ataque aos privilégios da nobreza e do clero, e a reivindicação para o chamado «terceiro Estado», do direito de participar no exercício da soberania em ampla medida. E finalmente, pode ainda mencionar-se Babeuf (1764-1797) que tentou após a Revolução, pela pena e conjura política, derrubar a nova ordem estabelecida, com a instauração de um regime comunista dos bens, e que levado a julgamento foi condenado ao patíbulo. As ideias de alguns pensadores, que acabam de citar-se, e como dissemos, muito principalmente, as de Rousseau toma ram forma jurídica positiva com a Déclaration des droits de Vhomme et du citoyen, a qual aprovada pela Assembleia Cons tituinte de 26 de Agosto de 1789, constituiu o prefácio da constituição francesa de 1791, e com algumas modificações, das restantes Constituições francesas que se lhe seguiram (15). Em parte, os princípios da «Declaração» foram acolhidos no Estatuto do Reino de Sardenha de 1848 (que teve por fontes próximas as cartas constitucionais francesas e belgas, em que os mesmos com certas alterações, tinham sido recebidos) e também pela nova Constituição da República italiana. A esses princípios há, pois, que remontar para achar a filiação histórica das constituições modernas. Recorde-se agora que não era nova a ideia da declaração dos direitos. Quando a França a fez sua, tinha já antecedentes em Inglaterra, sobretudo no bill of rights de 1868, mediante o qual se estabeleceram as bases das garantias constitucionais ante o poder da Coroa. Também nas colónias inglesas da Amé rica setentrional (a partir de 1744), cam os biUs of rígths, se

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reivindicaram os direitos das mesmas em face da mãe pátria, para se proclamarem independentes. Estes antecedentes legis lativos, como é hoje fora de dúvida, exerceram funda influência na declaração dos direitos em França. De facto, as lutas da América pela independência eram bem conhecidas e nelas tinham participado franceses na companhia de La Fayette. Por outro lado, os membros da Constituição conheciam o biU of rigths. No entanto, isto não apouca a importância da Declaração fran cesa, pois nela, mais que nos bilis de tipo inglês, consignaram-se formas gerais, aplicáveis não apenas a certo povo mas à huma nidade inteira. Em última análise, tanto os bilis ingleses e americanos como as Declarações francesas têm uma fonte comum: as doutrinas da Escola de direito natural. São seu reflexo. Quanto à Declaração francesa, pode considerar-se derivada, extrinsecamente, dos bilis americanos, e, intrinsecamente das teorias de Rousseau. Note-se que Rousseau antecede também os bilis americanos (1774) com o Contrat social, que data de 1772, e teve na formação daqueles alguma influência, pelo menos indirecta, juntamente com Locke e outros escritores da Escola do Direito natural. Kant

Emanuel Kant (1724-1804) realizou, na ordem especula tiva, tarefa equivalente à realizada par Rousseau na ordem política. O sujeito, reconhecido já como princípio na ordem política é agora reconhecido também como princípio na ordem do conhecimento. Kant representa precisamente, como agora veremos, tal conquista especulativa. Na Filosofia do Direito, Kant não foi um grande inovador; apenas corrigiu e esclareceu com método rigoroso o antigo procedimento da Escola de Direito natural. Na verdade, esta escola continha em si um princípio certo, a saber: o homem é a base do Direito. Aparentemente, pelo menos, dera sigmifi*


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cado histórico ao que não passava de um princípio racionai; considerara processo empírico o que era tão só processo ideo lógico. A Escola do Direito natural gerou assim quase uma mitologia, que ofereceu depois matéria a fácil irrisão. Mas, na realidade, a ideia de partir do homem para chegar ao Estado, entendendo este como síntese dos direitos fundados na natureza humana, tem uma profunda razão, a qual nunca foi rebatida por aqueles que julgam demolir com argumentos históricos o contrato social. A Kant no campo da Filosofia do Direito cabe o mérito de ter afirmado o valor puramente racional ( regulador) dos princípios do Direito natural, e, por conseguinte, de ter acabado com a confusão entre o histórico e o racional. Sem dúvida, já em Locke e em Rousseau, embora em uma forma que lembra o antigo equívoco, está latente esta concepção. Mas Kant afirma explicitamente e concebe o con trato social, não já como facto histórico realmente verificado, senão como pura ideia que exprime o fundamento jurídico do Estado: o seu arquétipo. É costume designar estas correcções metodológicas di zendo: com Kant, acaba a Escola do Direito natural (Naturrecht) e começa a Escola do Direito racional (Vemunftrecht). O direito natural passa a direito da razão. Desnecessário é recordar, porém, que Kant mais não fez do que ultimar um processo de correcção metodológica, iniciada há muito e quase concluído já na obra de Rousseau. Kant, se não pode ser considerado o fundador da Filosofia moderna — a qual se inicia com Descartes e Bacon —, merece, pelo menos, ser tido como renovador da mesma. A Filosofia, com ele, conhece nova fase. Para ele convergem diversas cor rentes filosóficas, pois o idealismo, o empirismo ou o positi vismo julgaram, e ainda julgam, encontrar na obra do filósofo de Koemisgsberg as premissas e os gérmenes do seu próprio desenvolvimento. Ele é, sem dúvida, o grande filósofo da nossa idade e, talvez, de todos os tempos. Toda a sua vida, que decor reu sempre na cidade natural de Koenisgsberg, se norteou por

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rígida disciplina. Dedicado exclusivamente à meditação e à Filosofia, comipôs um sistema vastíssimo e profundo, em que tratou dos mais difíceis problemas. A sua importância, escu sado seria notá-lo, excede largamente os limites da nossa disci plina. Como já deixamos dito, Kant foi mais inovador no campo da Filosofia teorética, especialmente no campo da gnoseologia, que no campo da Filosofia do Direito. Eis as suas obras fundamentais: Crítica da Razão pura (1781); Fundamen tação da Metafísica dos costumes (1785); Crítica da Razão prá tica (1788); Crítica do Juízo (1790); e, além destas, as obras menores, embora particularmente importantes para a nossa disciplina: Sobre a Paz perpétua (1795) e Princípios metafísicos da doutrina do direito (1797). Kant, em Filosofia teorética, representa uma nova direc ção, que tanto se distingue do dogmatismo como do cepticismo, pois a ambos supera: o criticismo. Formara-se Kant no am biente da escola racionalista de Wolff: isto é, no ambiente de uma Filosofia dogmática, a qual, professando uma fé cega nas possibilidades da razão, cuidava que, por via dedutiva e mediante a reflexão —continuo ratiocinationis filo— tudo dela podia tirar. Semelhante nacionalismo dogmático presumia ambicio samente conhecer de tudo, e, desatendendo os limites da razão humana, raciocinava acerca da alma, do mundo, de Deus. E enun ciava as suas afirmações: «a alma é imortal», o «mundo é infi nito», etc.; afirmações não demonstradas, mas, apesar disso, aceites como tais. Kant, depois de seguir esta Filosofia durante algum tempo, sentiu vacilar a sua confiança nela sob a influên cia da orientação empírica que aparecera na Inglaterra e na Escócia, sobretudo representada pela corrente empírico-céptica de David Hume. Levantara este sérias dúvidas acerca do valor das nossas ideias racionais, e, nomeadamente, sobre o valor do princípio da causalidade, fundamental para a ciência. Tem semelhante princípio um valor objectivo? Permite o exame dos factos afirmá-lo com certeza? Na realidade, a observação externa oferece-nos tão somente uma sucessão de factos e não


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um liame necessário; mostra-nos que acontece algo, mas não exclui a possibilidade de que poderia acontecer diversamente. A necessidade portanto, não pode ser induzida dos faotos, ou seja, da experiência. Daqui o cepticismo de Hume, que sacudiu Kant (como ele próprio o confessou) do seu «sono dogmático» e o estimulou a fazer investigações e a elaborar um sistema, cujo objectivo era a superação crítica do dogmatismo tradicáanal e do empirismo céptico. Propôs-se Kant indagar as condições e limites do nosso conhecimento, as possibilidades e o valor do mesmo. Mas nem parte de uma fé cega na razão humana, nem do preconceito de que a mente humana seja passiva ante a experiência e incapaz de chegar à universalidade. Antes de mais nada, distingue no conhecimento um ele mento subjectivo e um elemento objectivo: todo o conhecimento implica uma relação entre um dado objectivo e um sujeito (qualquer experiência pressupõe um experimentador, alguém que experimente). Não se pode afirmar que a realidade passe para o nosso espírito, para a nossa mente, sem mais nem menos, sem sofrer modificação alguma. A realidade, enquanto por nós é conhecida, sofre as modificações impostas pelas leis da nossa mente. A realidade por nós apreendida apresenta-se-nos nas formas da nossa apreensão. O modo de apreensão imprime o seu cunho ao objecto conhecido, tal como a mão à neve que agarra. Partindo da premissa de que o conhecimento implica a referida relação, Kant conclui não ser admissível falar de uma realidade conhecida em si mesma, fora das formas subjectivas pelas quais é conhecida. Dito por outras palavras: a «coisa em si», o absoluto ou «noumeno», é incognoscável. Nós conhe cemos o ser, só enquanto nos aparece, isto é, enquanto fenómeno (que significa precisamente a aparição). Distingue Kant as formas (subjectivas) da matéria do conhecimento. Entre as formas distingue aquelas que tomam possível as percepções dos sentidos (formas da intuição) e aque-

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las que tomam possível as operações lógicas, os juízos (formas do intelecto). As formas que tomam possível a intuição sensí vel são o espaço e o tempo, que não são objectos existentes fora de nós, mas apenas condições do pensamento. Todos os dados do mundo sensível são finitos, o espaço e o tempo são, no entanto, infinitos; estes não derivam da experiência, mas são pressupostos da experiência. Fossem eles objectos, devería mos sentinlos e conhecê-los, colocando-os em outro espaço e tempo, o que é absurdo. Além das formas da intuição sensível, existem as formas do intelecto ou as categorias. Kant elaborou urna tábua destas categorias, reduzindo-as a quatro espécies (quantidade, quali dade, modo e relação); cada espécie abrange três categorias; o total destas é de doze. A principal é a da causalidade que, segundo o grande filósofo Schopenhauer, é mesmo a única ver dadeira. Estas categorias tomam possível a ciência da natureza. Sem dúvida, a experiência, só de per si, não nos fornece o prin cípio da causalidade; isso, porém, não impede que ele seja um modo funcional de apreender, de colocar e de coordenar os dados da experiência. Deste modo superou Kant o cepticismo de Hume. Kant distingue, além disso, duas espécies de juízos: ana líticos e sintéticos. Analíticos são aqueles em que o predicado pertence ao sujeito como implicitamente contido no seu con ceito; o predicado, portanto, nada acrescenta de novo, apenas aclarando a noção já dada. Exemplo: todo o corpo é extenso. Este juízo é analítico, pois o predicado «extenso» está já com preendido pela noção do sujeito — o «corpo». Nos juízos sintéticos, pelo contrário, o predicado está fora do conceito do sujeito, embora no juízo esteja ligado com este. Por exemplo: todo o corpo é pesado. «Pesado», enquanto atri buto, algo acrescenta, que não se encontra subentendido na noção do sujeito — «o corpo». Kant distingue ainda os juízas, segundo se formam inde pendentemente da experiência, mediante o puro pensamento


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(a priori), ou por meio da experiência (a posteriori). Os juízos a posteriori são sempre sintéticos; isto é: por meio da expe riência, ensinam algo de novo que não está implícito no sujeito. Os juízos analíticos são sempre a priori (para reconhecer o que já se encontra compreendido em um dado conceito, desneces sária é a experiência). Ohegado aqui, Kant interroga-se (e este é o seu problema capital): poderão dar-se juízos sintéticos a priori? Por outras palavras: pode o intelecto, por si só, dispensando a experiência, dar-nos novos conhecimentos ? Kant responde afirmativamente, mas restringe o alcance da resposta às noções formais. Assim, a Matemática e a Geometria, sendo ciências a priori, além dos juízos analíticos, servem-se dos sintéticos. As ciências naturais compreendem noções a priori — ou seja: verdades universais e necessárias. Os elementos subjectivos formais, que não derivam da experiência, mas que a precedem e tomam possível, têm o carácter de necessidade e de universalidade; quanto aos elemen tos materiais do conhecimento, que derivam da experiência, têm o carácter da particularidade e da acidentalidade. Porém, como dissemos, esta é a conclusão mais importante da Crítica da razão pura: os elementos formais valem só enquanto se referem a uma experiência possível; o absoluto ou, como diz Kant, o noumeno, não pode ser Objecto do conhecimento. É absurdo pretender conhecer a coisa em si, pois o conhecimento implica sempre uma relação. Donde se segue que os nossos juízos são inválidos, se transcendem os limites da experiência possível. Kant admite, no entanto, além das formas da intuição sensível e das categorias do intelecto, os princípios da razão. Ou seja: a ideia de alma, de mundo, de Deus. Mas estas ideias, embora desempenhem no campo do conhecimento certa função unificadora, não atingem o seu objecto, que permanece para além de qualquer experiência possível: correspondem, segundo a terminologia kantiana, a princípios regulativos e não a prin

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cípios constitutivos. Desta sorte, em sede teorética ou cientí fica, não estamos na posição de poder resolver questões como as seguintes: É a alma imortal? Terá o mundo princípio e fim no tempo? Haverá uma vontade livre? Existirá uma divindade? A todas estas perguntas tanto se pode responder afirmativa mente como negativamente. E isto porque, a respeito de seme lhantes ideias metafísicas, não é possível a experiência. Kant apresta-se, na verdade, a demonstrar para cada um destes problemas e corn igual razão, tanto a tese, como a antí tese. (Por exemplo: o mundo tem princípio no tempo e limite no espaço; o mundo é infinito no tempo e no espaço). Daqui conclui não haver ciência das coisas em si, mas apenas dos fenómenos. Só a estes se aplicam as categorias do intelecto. 0 conhecimento é, pois, relativo. De modo nenhum se deve considerar céptica esta afirmação, pois Kant sustenta que, dentro dos limites próprios, o conhecimento é necessariamente uniforme e perfeitamente válido para todos os seres pensantes. Também para Kant, como se acaba de verificar, é o homem a medida de todas as coisas, — mas o homem entendido como sujeito de conhecimento, como homem universal. Nisto se dis tingue do sofista Protágoras, que afirmava que qualquer homem (indivíduo) era a medida de todas as coisas — o que equivalia a negar directamente a possibilidade da ciência, pondo no lugar dela a mutável e arbitrária opinião individual. Vejamos agora a parte prática, a Ética em geral, no sis tema de Kant. Os homens não possuem apenas a faculdade cognoscitiva, mas também, a activa. Ao passo que é impossível o conhecimento teorético do absoluto, em contrapartida, no campo da prática, o ser subjectivo já se encontra em melho res condições e tem aí uma certeza absoluta que o conhecimento teórico não lhe poderia dar. No mundo prático somos como que iluminados; temos a consciência de um dado a priori, que, para nós, possui valor inconcusso: um princípio que é uma revelação mais que um conhecimento, e que não cabe dentro do conheci mento propriamente científico; é quase um vislumbre de tuna


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verdade transcendente que nos ensina imperiosamente o que devemos e o que não devemos fazer. Este princípio é a lei do dever. Assim Kant afirma o primado da razão prática sobre a teorética. O homem como ser activo está em contacto com o absoluto, mais que como ser cognoscitivo. Não se devem entender mal os títulos, diversamente abreviados, das obras de Kant. Os títulos completos são: «Crítica da razão teorética pura» e «Crítica da razão prática pura». A razão pura, inde pendente da experiência, existe, segundo Kant, tanto teórica como praticamente. Na Critica da razão prática, Kant refuta, antes de tudo mais, os sistemas de moral fundados sobre a utilidade (eudemonismo). Nega que a tendência para a felicidade seja a regra suprema da conduta, pois é elemento variável. A moral distin gue-se radicalmente do útil e do prazer. Se se actuou com mira na utilidade, a acção perde logo o carácter moral. A moral é independente e superior à utilidade. Ella comanda em nós de modo absoluto; é como uma voz sublime que impõe o respeito, que nos admoesta invencivelmente, mesmo quando desejaría mos caiá-la e não a escutar. A moral quer que os nossos actos tenham carácter universal. A isto se reduz a lei moral que Kant designa por «imperativo categórico» e que formula assim: «actua de tal modo que a máxima de teus actos possa valer como principio de uma legislação universal». As nossas acções, portanto, não devem ser movidas por impulsos particulares; não deve existir contradição entre as nossas acções individuais e o que deve ser possível a todos. Meramente formal é este princípio. Não fornece preceitos de Ética material, não diz o que se deve fazer, mas como e com que intenção se deve actuar. De harmonia com ele, deve-se agir com a consciência do dever e pela consciência do dever, de molde a ser possível uma legislação universal conforme à acção par ticular. Por exemplo: o furto é, logicamente considerado, uma contradição, parque tende a admitir a propriedade ao mesmo

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tempo que a nega; portanto, não podendo converter-se em prin cípio universal, é contrário à lei moral. Advirta-se, agora, que, em substância, Kant não nos anun ciou algo de verdadeiramente novo: a lei moral formulada por ele não diverge, no fundo, daquela que já fora anunciada por pensadores antigas, e, em especial, pela doutrina cristã (não fazer aos outros, etc....»); é no entanto mais abstracta e desen volvida na sua expressão. O próprio Kant, quando lihe foi observado que pouco de novo havia no seu conceito de lei morai, mostrou-se satisfeito com tal observação, pois lhe parecia estra nho que dele se esperasse a invenção de uma nova moral, como se esta não tivesse sido sempre a mesma, sentida de modo igual por todos e em todos os tempos. A originalidade de Kant está no modo de conceber o valor

do imperativo categórico. «Duas coisas —escreveu ele— me entíhem sempre de novo a alma de admiração e reverência: o céu estrelado sobre mim e a lei moral dentro de mim». Esta lei, o dever, é a maior certeza que nós temos; de tudo podemos duvidar, menos dela. Os moralistas anteriores a Kant, de modo geral, tinham anteposto o conceito de liberdade (psicológica) ao conceito de dever, ou seja, da lei moral, que impõe certo uso da liberdade. Também alguns moralistas tinham partido do pos tulado da existência de Deus, a fim de sobre ele basearem a lei moral. Kant inVerte tudo isto e parte do imperativo cate górico como da primeira certeza. A liberdade não precede o dever, mas é uma consequência do mesmo. Certamente, sem liberdade resultaria absurdo o imperativo categórico; devemos, portanto, admiti-la só como corolário do imperativo categórico. Liberdade é noção metafísica, da quai não se pode dar uma demonstração teórica (que exigiria o conhecimento do abso luto). Porém, nós, na ordem prática, devemos julgarmo-nos livres: a não ser assim, ficaria inexplicável a consciência do dever. Desta sorte, a liberdade, que a crítica da razão teorética pura tinha deixado em suspenso, é reafirmada na ordem prática como exigência da nossa consciência moral.


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Analogamente, como corolários do imperativo, Kant chega a admitir a existência de Deus e a imortalidade da alma, por a razão exigir necessariamente o prémio ou a pena que correspondem às acções. Ora, sem Deus, sem vida uitra-terrena, não seriam possíveis tais recompensas ou sanções. Mas o fun damento do sistema continua a ser sempre o imperativo cate górico, que é como que um sinal vivo do absoluto na nossa alma, incomparavelmente superior a qualquer conhecimento dos fenó menos. Expostos os caracteres gerais da Ética kantiana, vamos agora indicar as suias subdivisões. Kant estabelece uma nítida antítese entre a Moral e o Direito, fundando-se, para tanto, em uma diferença entre os motivos do agir (a que chama acções «internas») e o aspecto físico da acção (a que chama «acções externas»). Para a Moral, o importante é só o motivo da acção; o aspecto físico énlhe indiferente. Uma acção é boa quando é realizada com intenção moral, ou seja: quando tem por motivo o respeito à lei moral. O essencial, portanto, consiste em actuar com perfeita cons ciência do dever (princípio formal). A mesma acção, feita em obediência a outro motivo, é reprovável. Agir por paixão, por impulso, por um sentimento, é imoral. A doutrina kantiana, corno facilmente se nota, tem, pelo menos aparentemente, qualquer coisa de duro; não faz distinção alguma entre princípios superiores, altruístas e egoístas, nobres e ignóbeis. Por exemplo: o sentimento da compaixão pode determinar-nos a realizar acções que nem por isso devemos considerar imorais; tão pouco a afeição pelos amigos, enquanto nos leva a beneficiájlos, poderá ser considerado sentimento puramente egoísta ou baixo; e contudo, segundo Kant, estes vários motivos da acção seriam igualmente reprováveis. Isto porque Kant repele qualquer forma de paixão que tenda a arvorar-se em directora do agir. A moral exige a superação de todas as afeições sensíveis; exige a pura autonomia — ou seja: a determinação em harmonia com a lei universal do dever.

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A este característico aspecto dia moral kantiana não foram poupadas as críticas. Recordaremos só o famoso epigrama do poeta Schiller (que tamlbém era em Filosofia um sequaz de Kant) : «De boa vontade sirvo os amigos, mas, por desgraça, obedeço aos meus afectos, motivo pelo qual me atormenta o remorso de não ser virtuoso». Seria contudo fácil responder a esta ironia com a observação de que os afectos são um guia falaz; a amizade deve subordinar-se à Justiça, e nem sempre se devem favorecer os amigos só por serem amigos. A máxima do dever eleva-se acima de qualquer motivo particular. Kant, porém, atingiu o extremo rigorismo. Renovando um dos carac teres da moral estóica, estabeleceu uma separação absoluta entre o que é dever e o que não é dever, ou seja, entre o Bem e o Mal, sem levar em conta os graus intermediários. Contudo, embora reconhecendo-se a supremacia da lei moral, como prin cípio formal, deve ser possível distinguir as paixões segundo forem mais ou menos egoístas, e portanto, conforme ao seu diverso valor moral (isto o demonstraram J. Stuart Mill e outros filósofos ingleses). O outro ramo da Ética é o Direito. Segundo Kant, este

tem por objecto só o aspecto físico do agir, a acção externa; isto é, considera apenas se uma acção se realizou ou não e prescinde dos motivos que a determinaram. Tal concepção mecâ nica do Direito, aliás nada inovadora, se recordarmos as teo rias de Tomásio, é insustentável, pois o Direito tão pouco prescinde dos motivos. Se Kant tivesse sido jurista, teria com preendido a importância e o alcance do animus em todos os ramos do direito, e, por conseguinte, abster-se-ia de basear sobre estas premissas a distinção entre a Moral e o Direito. Muito embora o direito admita certa latitude no tocante aos motivos, isto não significa que desatenda em absoluto o elemento psí quico. Impossível seria a estimativa jurídica de qualquer acto sem lihe investigar a intenção. A verdade é só que a Moral parte da consideração dos motivos para chegar à consideração do aspecto físico ou externo, ao passo que o direito adopta o


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procedimento inverso; em ambos os casos, porém, trata-se ape nas de uma precedência ou preponderância na respectiva consi deração, mas nunca de um exclusivismo. Neste sentido, cremos ser de rectificar a doutrina kantiana. Tendo estabelecido que o direito se ocupa apenas do mundo físico, ou seja, do efeito extrínseco do operar, Kant afirma que o direito, ao contrário da Moral, é essencialmente coerdvel, já que sobre as intenções não pode exercer-se violência, e a consciência é algo de inacessível. Livre, é, por natureza, o pensar, enquanto que direito e possibilidade de coagir são uma e a mesma coisa. Nós aceitamos estas conclusões, mas chegamos a elas por meio de outras considerações que se referem essencialmente ao carácter bilateral do direito (o direito é uma relação que contrapõe, pelo menos, dois sujeitos, limitando-lhes respecti vamente a actividade; por isso as determinações jurídicas envol vem sempre a possibilidade de se fazerem valer contra alguém). O direito, pois, segundo Kant, reduz-se a disciplinar as acções externas dos homens e a tomar possível a sua coexis tência. Define-o assim: O Direito é o conjunto das condições segundo as quais o arbítrio de cada um pode coexistir com o arbítrio dos restantes, de harmonia com uma lei universal de liberdade. Nesta definição ou máxima da coexistência, reafirma-se o conceito de liberdade como valor ético supremo. O homem deve ser resipeitado na sua liberdade; isto é: não deve ser consi derado ou tratado como «coisa», mas como fim em si mesmo (Selbstzweck). A liberdade é um direito natural inato (Kant aceitou a distinção feita pelos escritores antecedentes entre direitos naturais e adquiridos). Mas, segundo ele, todos os direi tos naturais se acham compendiados no de liberdade. Com efeito, a liberdade é o valor supremo que coloca o homem acima do mundo fenoménico. Se o homem fosse apenas fenómeno, seria determinado como tudo quanto à natureza pertence. Ora o homem pelo seu lado inferior, pertence à natureza e portanto

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é determinado, demonstrando-se que toda a acção, como fenó meno, resulta necessariamente de certas causas (neste sentido, com razão, Kant é determinista). Mas, por outro lado, o homem possui em si um modo de se determinar superior ao da causa lidade animal. A deliberação, enquanto promana do ser autó nomo do sujeito, tem um significado que transcende o mundo fenoménico. O homem é livre, só enquanto se determina segundo a lei moral, princípio absoluto implícito no seu próprio ser. Realizada que seja a acção, pertence, porém, ao mundo feno ménico, e, como tal, surge, como este, necessariamente deter minada. Desta sorte se conciliam liberdade e determinismo. Na sua apreciação do direito de liberdade, Kant sofreu a influência de Rousseau, como se deduz do seu sistema filo sófico, e ainda de uma explícita confisisão («tempo houve em que acreditei ser a inteligência o valor máximo e o conhecimento o fim supremo da vida. Rousseau levou-me a corrigir esta convicção e a persuadir-me de que há qualquer coisa superior a ela: a Liberdade e a Moralidade»). Filia-se nesta atitude a doutrina kantiana do primado da Razão prática sobre a Razão teorética. Também na concepção kantiana do Estado a influência de Rousseau é evidente. A doutrina do contrato social é expressa mente aceita por Kant. Este define o Estado como «a reunião de uma multidão de homens debaixo de leis jurídicas». Mas esta multidão deve conceber-se como associada por virtude do con trato, por vontade de todos. Neste sentido, o contrato é um princípio regulador, ou seja, não é um facto histórico, mas um critério para avaliar da legitimidade de qualquer Estado. Nenhuma dúvida pode, pois, existir acerca do sentido dado por Rousseau à sua teoria. Rousseau, porém, não foi um técnico em Filosofia, mas por assim dizer, um amador romântico da mesma, e, no seu desprezo pelas suibtilezas escolásticas e pelo tecnicismo dos filósofos profissionais, falou mais pelo sentimento que por siste mática reflexão. Por isto, de vez em quando, cai em aparentes


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contradições e não formula com exactidão a sua doutrina. A Kant cabe o mérito desta formulação mais precisa. Lendo Rousseau, pode ter-se a impressão de que se está lendo um relato mitológico. A verdade, porém, é que os homens nunca se uniram por contrato, e a sociedade (especialmente nas suas origens) é independente das deliberações humanas. Mas Rous seau pretendeu efectivamente apenas exprimir um princípio estimativo, a saber: para cada Estado, deve pressupor-se o con senso e o acordo livre dos seus componentes. Suprimindo todos os equívocos possíveis, Kant aclarou este pensamento, afir mando: «O Estado deve ser (e não foi) constituído de harmonia com a ideia do contrato social. O contrato é o fundamento jurídico, o pressuposto ideal do Estado, e este deve organi zar-se como se fosse baseado no reconhecimento dos direitos da pessoa, ou seja, como síntese da liberdade humana. Kant aceita ainda a doutrina dos filósofos constitucionalistas (Locke, Montesquieu, Rousseau) sobre a divisão dos pode res. 0 poder legislativo não deverá confundir-se com o poder executivo. O poder legislativo compete ao povo (soberania popular); o poder executivo poderá ser delegado em órgãos governativos. Só com a divisão dos poderes e com a atribuição do poder legislativo ao povo a constituição é legítima ou para usar a expressão kantiana, «republicana» (com esta expressão, Kant não entende, porém, designar uma forma particular de governo). Fim do Estado, segundo Kant, é tão só a tutela do direito. O Estado deverá assegurar aos cidadãos o gozo dos seus direi tos, mas não deve ingerir-se nas actividades nem cuidar dos interesses individuais. A sua função acha-se cumprida quando a todos assegurou a liberdade; nesse sentido, deverá ser Estado de Direito (fómula esta que mais tarde assumiu significado muito diverso do kantiano). A respeito da pena, Kant é con trário às doutrinas endomonistas que justificam a pena pelo seu fim utilitário (a defesa da sociedade ou a educação dos delinquentes). Para ele, a pena é um bem em si mesmo, pois

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é uma reafirmação eticamente necessária da lei do dever violada (teoria absoluta da pena em oposição às teorias relativas). É também importante o breve tratado, publicado em 1795, sobre a paz perpétua, que concerne aos princípios filosóficos do Direito Internacional. Kant sustenta que há na humanidade a vocação para formar um Estado único; o momento em que os homens realizarão isto, está ainda longe; mas nem por isso se poderá negar que se verificam tendências nesse sentido, não podendo duvidar-se de que esse fim seja um dia atingido. Mas, ainda neste caso, trata-se de um princípio regulador, isto é, de critério racional que serve de ponto de referência para a interpretação da realidade. Kant observa que a formação do direito internacional é de certo modo análoga à do direito interno do Estado. O Estado actual é o efeito de uma síntese de elementos outrora discordantes: os indivíduos combateram entre si durante longo tempo (e, com maior exactidão histórica, diremos que não os indivíduos mas os grupos humanos, as gentes, os dãs), até que chegou o dia em que foi possível a instauração de um poder unitário sobre os elementos isolados e em luta. Kant, adaptando a terminologia da sua época, diz que assim como o estado de natureza já foi ultrapassado pelos indivíduos, obrigados pelo imperativo categórico a associarem-se num regime de convivência civil, assim também acontecerá aos Estados, igualmente sujeitos ao referido imperativo. Tal evento marcará o fim das guerras, pois também o advento do Estado assinalou o fim das lutas desenfreadas entre os indi víduos. Os Estados, em suma, devem superar o estado de natu reza (estado quase pré-jurídico no qual actualmente se acham) para seguirem o imperativo categórico: «não deve haver guerra», e constituírem um Estado cosmopolita. Não se limitou Kant, porém, a indicar esse ideal longín quo da unificação jurídica da humanidade, mas desejou ainda indicar os meios que poderiam apressar a satisfação do mesmo. Para tanto, enunciou os artigos de uma espécie de tratado internacional que deveria garantir à humanidade a paz perpé


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tua. Além dos «artigos definitivos», igualmente apontou os «artigos preliminares» ou provisórios, ou seja: uma série de máximas destinadas a servir o escapo de evitar contendas inter nacionais e, quando isso fosse possível, a imprimir às mesmas um certo carácter jurídico. Por este aspecto, Kant relaciona-se com as tradições da Filosofia do Direito, nomeadamente com a obra de Grócio, trazendo também ele um notável impulso aos progressos positivos do Direito das 'gentes. Substancialmente, Kant afirma que ainda no estado de guerra deve ser mantida a possibilidade da paz e o respeito pela boa fé. Por conseguinte, os tratados deverão ser respei tados (por exemplo, os armistícios); não poderão ser usados meios de guerra que diminuam a recíproca estima dos beli gerantes, tais como a traição, o assassinato de chefes inimigos por meio de sicários, a propagação de moléstias infecciosas, os envenenamentos, o inquinamento da água, etc.... Nas rela ções entre os Estados deverão sempre valer certos princípios jurídicos como, por exemplo, estes: o Estado já não pode ser considerado uma propriedade; portanto, não pode ser adquirido por hereditariedade, por venda ou permuta; a nenhum Estado é permitido intrometer-se pela violência na vida de outro Estado (princípios da não intervenção). Estes princípios, hoje em dia, encantram-se quase universalmente reconhecidos (16). Isto nos demonstra não serem as doutrinas desta espécie meros exer cícios dialécticos, mas factores históricos que acompanham e regulam o progresso real. Teve Kant fé no progresso da humanidade, em uma época na qual outros (por exemplo, M. Mendelsohn) sustentavam o contrário, pois admitiam que só o indivíduo, e não o género humano, pode progredir. A semelhante opinião opõe Kant um característico raciocínio. Se nós —diz ele— temos o dever de colaborar para o maior bem da humanidade, devemos ter fé em que os nossos esforços não serão vãos. Desta sorte, à guisa de corolário do nosso dever, temos de aceitar também a crença na perfectibilidade do género humano. E, na verdade,

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careceria de sentido estar ligado a um dever, se não se acredi tasse na eficácia, ainda que remota, do seu cumprimento. Fichte e a Escola de Direito Racional

Teve Kant um discípulo directo em JoÃo Amadeu Fichte, o qual, todavia, com o sucessivo desenvolvimento das suas ideias, acabou por se afastar notavelmente das doutrinas do mestre construindo um sistema próprio. A sua existência decorreu de 1762 a 1814. Kant deixara subsistir um grave dualismo na Teoria do conhecimento; aliás toda a sua filosofia é dualista. Para Kant, frente a frente estão o sujeito e o objecto: o conhecimento é uma relação entre algo de subjectivo —a mente— e algo de objectivo, independente do sujeito — a coisa em si. Semelhante dualismo é rejeitado por Fichte. Este admite uma única reali dade: a do eu, a da mente subjectiva. Precisamente por isso, o sistema de Fichte mereceu a designação de idealismo subjec tivo, por oposição ao sistema de Schelling e de Hegel, que se baseia no outro extremo da antítese e é conhecido por idea lismo objectivo. Para Fichte a única realidade é a do eu, a do ser consciente; fora desta região, coisa alguma pode existir. Observou ele que, se nós partirmos, como Spinoza, por exem plo, do conceito do ser, ficamos impossibilitados de chegar ao conceito do pensamento, pois entre estes dois termos há um abismo. Mas se, pelo contrário, partirmos do conceito de cons ciência, ou do ser consciente, teremos aí logo implícito o con ceito do ser. Daqui se deduz que a noção primária é a noção do eu. Antes de mais, o eu estabelece-se a si mesmo; e, por isso, pelo mesmo acto, simultaneamente estabelece um não-eu, isto é: contrapõe algo a si mesmo. Tal relação de contraposição é sempre, contudo, engendrada pelo eu do qual é uma projecção. Elm suma, o eu estabelece uma relação entre ele e aquilo que é diferente dele; ou seja: limita-se a si mesmo nas suas relações


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com o não-eu. E isto acontece num duplo aspecto: o eu pode a si mesmo considerar-se como determinado pelo mundo externo — e, nesse caso, dá-se como ser cognoscente; ou, então, o eu pode a si mesmo considerar-se como determinante do inundo externo — e, nesse caso, dá-se como ser operante, como sujeito, já não de conhecimento mas de acção. Baseia-se nesta distinção a divisão fichteana da Filosofia em teorética e prática. Mas na filosofia de Fichte é sua característica privativa o esforço para deduzir todas as formas de actividade espiritual dum único princípio: a auto-consciência. Este rasgo separa-o de Kant, que se contentou com descrever as referidas formas, como se o enumerá-las fosse a sua única tarefa. Por outras palavras: ao passo que Kant distinguiu o conhecimento, a vontade, etc., como se se tratasse de coisas sepa radas, não referidas a um único princípio, Fichte ambicionou dotar o sistema kantiano com uma base unitária e referiu-o àquilo que, em seu entender, constituía o tácito pressuposto dele. Eis porque da filosofia do seu mestre afirmou: compreen de-se melhor se a assentarmos sobre aquele princípio funda mental. Ao mesmo tempo, acrescentou que, só por erro, pôde Kant admitir a existência de algo radicalmente diverso do eu. A coisa em si, para Fichte, não é incognoscível, pois iden tifica-se com o próprio eu; a natureza corresponde ao limite que a si mesmo o eu se dá; não passa de um mero produto, de um campo que para si o eu cria, a fim de nele poder dar desenvolvimento à sua actividade. Tal concepção representa o momento culminante do Idealismo, na sua dimensão subjectiva. Se nada mais existe além do eu, este é livre (apenas depende de si mesmo). Qualquer limitação aparente da liberdade é efeito da própria subjectividade, é uma auto-limitação. As nossas acções deparam-se-nos como determinadas por causas e por motivos — logo, como não livres. Daqui nasce o temor de que o livre arbítrio seja sacrificado. Mas a lei de determinação da causa e efeito é uma lei puramente intelectiva, que o homem se dá a si mesmo e que, como tal, não destrói nem diminui de

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modo algum a liberdade. Eis portanto a liberdade defendida cam a metafísica e, além disso, conciliada cam o determinismo. Não será inoportuno neste momento observarmos que o carácter geral da filosofia de Fichte perfeitamente se harmo niza com o carácter pessoal do autor. Fichte foi uma natureza entusiasta, apaixonada pela liberdade; a sua Filosofia, espécie de pragmatismo absoluto, foi uma Filosofia da acção, e toda a sua obra uma espécie de apostolado, de reivindicação da liber dade em todas as esferas. Entre os primeiros escritos de Fichte, destacaremos o publicado em 1793: Contribióição à rectificação dos juízos do público sobre a Revolução francesa. Cheio de entusiasmo por aquela Revolução, considerava-a a proclamação histórica dos direitos naturais do indivíduo. A Revodução fran cesa, inicialmente saudada com aplauso por todos os espíritos liberais da Alemanha e da Europa em geral, perdeu muitas simpatias ao degenerar em exageros cruentos, especialmente em 1793 (ano do Terror). Surgiram então severas críticas que tiveram eco duradouro. Fichte escreveu contra elas, susten tando a legitimidade da Revolução francesa, e, em geral, da revolução, pois cada povo tem, no seu entender, o direito de a si mesmo se dar o governo que corresponda às suas aspirações, podendo recorrer à violência se de outro modo lhe for vedado satisfazê-las. Portanto, olhado por este aspecto, continuou na esteira de Rousseau, cuja doutrina do contrato social inter pretou rigorosamente, pois nela via, não o relato de um acon tecimento histórico, mas um princípio jurídico ou deontoló gico e um critério de legitimidade dos governos. Eis ainda outras obras de Fichte: Fundamento da doutrina da ciência (1794) e Fundamento do direito natural (1796). Esta é importante para a nossa disciplina, pois trata-se de uma expo sição sistemática da teoria do Direito natural segundo os prin cípios e os precedentes indicados até aqui. Nesta última obra é manifesta a influência de Kant. Para Fichte, o supremo impe rativo jurídico formula-se assim: o eu deve limitar a sum liber-

HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO

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dade individual mediante o conceito da possibilidade da liber dade alheia, com a condição de os outros fazerem o mesmo. Eu não posso reconhecer a minha liberdade sem reconhecer a liberdade dos outros. Desta sorte, também para Fhchte o fundamento do direito encontra-se no principio da coexistên cia das liberdades. Ainda nesta obra encontramos uma exposição do carácter diferencial do Direito e da Moral dentro da orientação kan tiana. Todavia, acentua-se a antítese entre ambos (1T). Nos restantes pontos fundamentais —noção de Estado, de direitos individuais, etc. — mantém-se a influência de Kant. Porém, nas fases seguintes o pensamento de Fichte afasta-se progressivamente do seu mestre. Os primeiros indí cios importantes desta evolução aparecem no livro sobre o Estado comercial fechado (1800). Aí o conceito de Estado como emanação dos direitos individuais, tendo por único fim garan tir estes, é posto de banda; ao Estado, além desta, é atribuída uma função económica. O Estado deve representar a vida per feita, bastar-se a si mesmo, ter em si todos os elementos neces sários e suficientes (é o conceito platónico e aristotélico da autarquia que renasce); deve tornar-se organizador e distri buidor do trabalho, regulador das trocas, constituindo uma barreira ante o estrangeiro, até ao ponto de proibir as trocas internacionais. O Estado deve ser não só juridicamente mas também economicamente fechado; deve assegurar a cada um a possibilidade de viver com o próprio trabalho. Fichte, por esta sua obra, foi colocado entre os precursores do socialismo de Estado. Nos escritos posteriores Fichte atribui ao Estado, além das funções jurídicas e económicas, a função de promotor e moralizador da cultura. Com estes rasgos, distancia-se, porém, já bastante da doutrina kantiana. Notemos agora que o pensamento de Fichte, para as con dições históricas do momento em que se manifestou, teve grande importância. Concorreu para levantar o espírito germânico, P D-io

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deprimido pela conquista de Napoleão, especialmente cofli os seus Discursos à nação alemã (1808), nos quais o exagerado amor à pátria levou o filósofo, de quando em vez, a expres sões do mais cru e estreito nacionalismo. O ensinamento de Fichte tem paralelo nas obras de outros pensadores e patrio tas, tais como, por exemplo, entre os italianos, Gioberti. Con tudo, outros, como Romagnosi e sobretudo Mazzini, serviram o seu apostolado com critérios mais amplos e universais, pro pugnando simultaneamente a ressurreição e a liberdade da própria pátria e de todas as outras. A Escola do Direito natural que, como dissemos, sobre tudo devido a Kant, se transformou numa escola do Direito racional, atinge com Fichte, principalmente durante a primeira fase do seu pensamento, o mais alto fastígio. Entre os numerosos sequazes desta escola, são de lembrar, pela eficácia e difusão obtidas pelas suas respectivas obras V. v. Zeiller (1751-1828), professor em Viena, onde foi discí pulo do trentino C. A. Martini, sequaz de Wolff, e autor, ele também, de notáveis escritos de Filosofia do Direito. O Direito privado natural de Zeiller foi publicado também muitas vezes em italiano; J. F. Fries (1773-1843) que, mesmo divergindo em parte de Kant, lhe aceitou, substancialmente, os princípios;

P. J. A. Feurbach (1775-1833), mais conhecido como penalista, mas importante também pelas suas doutrinas filosófico-jurídi cas; K. Gros, K. Zachariae, A. Bauer, W. Krug. C. Droste Hulshoff, e C. v. Rotteck, a quem devemos um dos melho res trabalhos elaborados da matéria (1775-1840), Lehrbuch des Vemunftrechts und der Staatsunssenschaften (1829-1835), etc. Ã mesma escola pertencem alguns italianos, como P.Baroli (1797-1878), professor em Pavia — Direito natural privado e

publico, 6 vols., 1837; G. P. Tolomei (1814-1893), professor em Pádua, Curso elementar de Direito natural racional, 1854 (2.a ed., 1855 e outras edições sucessivas), etc., cujas obras merecem ainda ser estudadas. Com esta escola se relacionam


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ainda os escritos de pensadores notáveis, como Rosmini e Taparelli (dos quais falaremos adiante), muito embora estes tenham dado às suas doutrinas um fundamento predominante mente teológico. O princípio comum a todos estes autores é o de que existe um direito ideal anterior ao direito positivo; o conceito do justo e do injusto é anterior ao Estado, o qual, por isso, não lhes pode fixar arbitrariamente os confins mas deve reconhecer e garantir os direitos individuais, pré-construídos pela natureza e demonstrados pela razão. Resulta daqui uma esipécie de lógico esquematismo e um traço dominante de individualismo, talvez excessivamente rígido, no tratamento dos problemas sociais. Só o Fichte da «segunda maneira» altera esta atitude a qual, sem embargo, pode considerar-se aliás a nota distintiva da Escola do Direito racional propriamente dito. Teve esta escola também o mérito de colocar em toda a luz as verdades essenciais relativas ao direito, recolhendo e aperfei çoando os frutos das investigações anteriores, e, por outro lado, evitando os erros metodológicos de Grócio e dos pri meiros jusnaturalistas. Assim, abandonou a mitologia do estado de natureza e evocou, de vez em quando, a velha forma, utili zando-a como mera hipótese de trabalho ou instrumento de demonstração. Também devemos inscrever no activo da mesma escola o estudo que os seus filiados dedicaram, não só à ideia do Direito in genere, mas também aos institutos do direito parti cular e público, para cada um destes tentando descobrir, à luz da razão, o seu fundamento intrínseco, assinalando os defeitos das legislações positivas e promovendo reformas oportunas. A obra realizada por esta escola não foi inútil e contribuiu efectivamente para os progressos legislativos, nomeadamente para a preparação dos códigos dos diversos Estados. E mais poderia ter feito se a ela não se tivesse oposto a Escola do his toricismo nas suas várias formas.

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O Historicismo

A Escola do direito racional foi objecto de críticas muito enérgicas por parte de uma outra tendência do pensamento, que se divide em diversos ramos, mas que tem de fundamental a atitude de oposição ao raciocínio puro e abstracto. Na ver dade, os pensadores da escola do direito racional adoptavam prevalentemente o método dedutivo e procediam, segundo a fórmula de Tomásio, ex ratiocinatione animi transqwüli. Este raciocinar tranquilo era, não raro, acompanhado por um certo desprezo pelo material histórico ou por insuficiente exame dos factos. Daí a reacção que se anuncia em nome do respeito devido à História. Historicismo designa portanto as várias reacções sur gidas contra as doutrinas atrás expostas, qualificadas de Racionalismo. Todavia a denominação comum não nos deve impedir de distinguir no historicismo três correntes diversas: o histo ricismo filosófico de Schelling e Hegel, o historicismo poli tico dos teóricos, da Restauração, e finalmente o historicismo jurídico ou Escola histórica dos juristas alemães. Historicismo Político ou Filosofia da Restauração Esta espécie de historicismo, a que podemos chamar polí tico, nasceu de circunstâncias e contingências particulares, isto é, de uma reacção contra a teoria e a prática da Revolução francesa. Fora esta inspirada, no seu programa, pela Escola de Direito natural, que, admitindo uma antítese entre o Direito natural e o direito positivo, estimulara o gosto pela crítica às instituições vigentes e pelas reivindicações políticas em sentido liberal. Mas já na fase inicial da Revolução se tinham mani festado oposições ao seu programa, tal como fora redigido na solene Declaração dos direitos do Homem e do cidadão. Assim se verificou por parte do inglês Bukke, de quem nos ocuparemos mais adiante. Mas os trágicos acontecimentos então registados, sobretudo a decapitação do rei Luís xvi suscitaram vasta e


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violenta polémica contra a chamada «metafísica revolucionária», e às doutrinas jusnaturalistas foram imputadas as mais baixas paixões e as mais excessivas efervescências. Este movimento de reacção teve sobretudo em mira restaurar as monarquias absolutas, minadas ou abatidas pelo grande cataclismo revo lucionário. A «Santa Aliança», que os soberanos da Áustria, Rússia e Alemanha celebraram em 1815, para defesa dos seus tronos ameaçados, é a manifestação concreta e mais caracterís tica desta tendência. Ao mesmo tempo, no campo especulativo floresceram os escritos em que se exalta a autoridade do poder estabelecido e consagrado pelos séculos contra as pretensões inovadoras da razão individual. A esta forma de historicismo foi, por isso, dado o nome de Filosofia da Restauração. Segundo as doutrinas desta escola, o direito não é qual quer coisa de abstracto, susceptível de ser dedutivamente des coberto, isto é, susceptível de ser excogitado pelo pensar de qualquer homem; é, antes, facto histórico que pressupõe uma longa elaboração e, por isso, transmitido de geração em geração. Por este motivo, as constituições políticas deverão igualmente ter uma base segura na tradição; não deverão ser formadas ou reformadas ex novo pela intervenção de pensadores singu lares ou de um grupo de doutrinários. Esta última tese refere-se particularmente aos factos da época, pois, precisamente no período da Revolução francesa surgiu (não só na França mas também na Itália) uma série numerosíssima de projectos de constituições políticas; tanto que foram promovidos concursos com tal objectivo e quase todos os cidadãos se julgaram capazes de propor um sistema de governo para substituir o existente. Ê óbvio, por outro lado, que notar o excesso não significa provar a verdade da tese oposta, que pretendia negar o valor e o uso da razão. O historicismo político assumiu carácter predominante mente teocrâtico e chegou ao ponto de convalidar a autoridade da tradição com o dogma da investidura divina. Regressa-se assim às formas próprias do pensamento medieval para sub

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trair os regimes políticos à crítica dos povos e dos filósofos. Esta escola tem, pois, qualquer coisa de retrógrado e anacrónico, o que se revela, sobretudo, na hostilidade acérrima às ideias libe rais, embora estas representassem uma aquisição e um pro gresso irrepudiável para a consciência dos novos tempos. Isto não obstou a que se manifestassem também dotes ele vados de pensamento e até de eloquência entre os sequazes desta escola. Citaremos, dos mais notáveis, os seguintes: L. De Bonald (1754-1840), autor da Theorie du pouvoir pólitique et religieux dam la sociétê civile (1796); da Législation primitive (1802); do Essai ardytique sur les lois naturéUes de Vordre social (1817), etc. Bonald era tão convicto professo do abso lutismo que à constituição inglesa preferia a egípcia. José de Maistre (1753-1821), nascido na Sabóia, quaindo esta região ainda fazia parte do Reino da Sardenha, fez os seus estudos na Universidade de Turim, cidade onde morreu, depois de ter sido ministro de Vítor Manuel I na Rússia. Eis as suas principais obras: Considerations sur la France, 1796; Essai sur le principe générateur des constitutions politiques, 1810; Du Pape, 1819; Les soirées de Saint Pétersbourg, 1821. De Maistre foi terrível adversário do racionalismo e do contratualismo e partidário entusiasta da teocracia e da Idade Média. C. L. Haller (1768-1854), autor de uma obra digna de menção pelo seu carácter sistemático e que se intitulava Res tauração da Ciência política (6 vols., 1816-1825), dirigida prin cipalmente contra as ideias revolucionárias e os princípios do liberalismo em geral. Por último, nomearemos ainda os alemães F. v. Gentz (1764-1832); J. Gorres (1776-1848), A. Muller (1779-1829), e K. Jaruke (1801-1852), cujo pensamento, especialmente o dos dois primeiros, teve diferentes fases. E, em último lugar, o italiano Clemente Solaro della Margarita (1792-1869), que, de 1835-1847, foi ministro do rei Carlos Alberto e debalde procurou evitar a promulgação do Estatuto. Inflexi velmente sustentou também nos seus escritos os princípios do


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absolutismo e do legitimismo tradicionais: Memorandum his tórico e político (1851-1852); Políticos (1853); O homem de Estado destinado ao governo da coisa pública (1863-1864). Historicismo filosófico ou idealismo objectivo

(SCHELLING e HEGEL) O idealismo Objectivo é representado pelos sistemas de Schelling e de Hegel, muito afins entre si. Pode dizer-se que a Schelling corresponde a ideia fundamental, mas genérica; a Hegel, o mérito de a ter desenvolvido e aperfeiçoado em um sistema rigoroso no que respeita à nossa disciplina: ao passo que Schelling tratou escassamente dos assuntos filosóficos- jurídicos, Hegel dedicou-lhes uma das suas obras mais impor tantes. Frederico Schelling (1775-1854) iniciou, muito jovem ainda, a sua actividade filosófica. No ano de 1795, publicou um breve escrito de Filosofia do Direito, intitulado Nova dedução do Direito natural que, mais do que outro qualquer, é um reflexo da doutrina de Fichte. No ano de 1800, publicou o Sistema do Idealismo transcendental e, trinta anos depois, as Lições sobre o método do estudo académico. Esta última obra merece destaque, porque nos elucida sobre as ideias políticas do autor. Traçaremos rapidamente, seguindo apenas as linhas gerais, a sua posição especulativa. Até Schelling, o espírito fora con siderado algo de subjectivo. Tanto a mente como o eu de Kant e Fichte eram fundamentalmente qualquer coisa de pessoal. Mas, em Schelling, o espírito toma-se objectivo e a sua pri meira revelação é a própria natureza. A natureza, por sua vez, deixa de ser conhecida como algo de morto, como um limite — Fichte concebia-a deste modo— mas como um princípio activo, um todo animado, um espírito que devêm; e a evolução da natureza afigura-se-lhe ser uma série incessante de tentativas para produzir o eu. O homem é a meta da Natureza, o olho

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pelo qual a Natureza a si mesma se contempla. Schelling distingue assim a Natureza como sujeito e a Natureza como objecto. Recorde-se, todavia, que tanto os Escolásticos como Spinoza haviam feito a mesma distinção, embora, como é natu ral, a designassem com a sua terminologia própria. Estes, de facto, já falavam da natura naturans e da natura naturata — natureza enquanto produz e natureza enquanto é produzida. A natureza, como sujeito considerada, é produtividade infinita, recebendo de Schelling a designação de «Weltseele», alma do mundo; ele vê-a extrinsecando-se, primeiro, no mundo físico (vegetal e animal), depois, no mundo do espírito. Assim como há uma alma do mundo, assim também há urna alma do povo, uma Volkseéle, primeiro inconsciente ou subconsciente. E é esta alma que determina a constituição social e política. Como se vê, é pela vez primeira afirmado por Schelling o conceito do espírito popular ou colectivo, o qual teria, mais tarde, notajbilíssima importância, sobretudo na Escola histórica dos jiiristas para a teoria do costume. Dissemos que este con ceito fora apenas descoberto. E, na verdade, só com Hegel recebeu total desenvolvimento. Para ambos estes pensadores, o Estado é a mais perfeita criação do espírito. Quer a filosofia de Schelling, quer a de Hegel, ressentem-se de uma certa adoração do Estado e, de uma maneira mais geral, do facto estabelecido. Assim, em seus escritos podemos ler fórmulas do seguinte teor, tão imprecisas como dogmáticas: «0 Estado é a união do ideai com o real». «0 Estado é a união da liber dade e da necessidade». Ao lado do Estado há outro organismo: a Igreja. O Estado tem mais de real, a Igreja mais de ideal. Mas ambas estas organizações possuem os dois elementos. Por este caminho, Schelling aproxima o Estado da Igreja, dando ao primeiro carácter teológico. E isto, considerado do ponto de vista crí tico, não pode julgar-se um progresso, pois, equivale a regressar a uma confusão de domínios e competências, já superada e corrigida pela Filosofia política anterior.


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J. Frederico Guilherme Hegel viveu de 1770 a 1831. Menos precoce que Schelling, publicou as suas obras mais

tarde do que este. Data de 1807 a sua Fenomenologia do Espí rito, e de 1821, a sua Filosofia do Direito. O pensamento funda mental de Hegel é o idealismo absoluto em sentido objectivo. Ele nega dogmaticamente qualquer limite ao conhecimento: o próprio absoluto é cognoscível. Para Kant, semelhante ideia era absurda e contraditória, pois uma vez conhecido, deixaria o absoluto de ser tal, para se tomar relativo. Da obra analítica, sagaz e prudente de Kant para buscar os limites do conheci mento, Hegel não fez caso; sente por ela um certo desdém. O Dogmatismo é, assim, a primeira nota distintiva da filosofia hegeliana. Outra nota que a distingue consiste na identificação do pensamento com o ser — identificação que pode designar-se por intelectualismo ou, ainda, panlogismo. Tudo é pensamento; nada existe fora do pensamento. Coisas, são as coisas pensa das; as formas subjectivas do pensamento são também formas objectivas da realidade. Assim, por exemplo, as leis astronó micas são, conjuntamente, leis do pensamento (matemáticas); isto é: são «razão objectivada». Tudo quanto acontece corres ponde ao movimento da Ideia, ou, o que o mesmo é, à Ideia que se move. Em passo célebre da Filosofia do Direito, Hegel escreveu: «Tudo o que é real é racional, tudo o que é racional é real». Segundo tal fórmula, não há a possibilidade de uma discordân cia entre o ser e o dever ser. Lembremo-nos agora que a cons ciência do contraste entre ambos fora o tormento dos pensa dores antecedentes e, ao mesmo tempo, a grandeza deles; graças a ela, nobres esforços se fizeram pelo melhoramento das coisas humanas. Para Hegel, o facto é divino, é digno de ser adorado, por que se identifica com a Ideia. Daí o significado político da sua filosofia; significado nitidamente optimista, pois, falando dum modo absoluto, nenhuma violação do direito é possível. Se pelo

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carácter e orientação dogmática se contrapõe a Kant e a Fichte, igualmente deles se afasta pelo optimismo, pois os idealistas críticos (entre os quais colocamos Schopenhauer) são propensos ao pessimismo. Outra característica da filosofia de Hegel é o evolutio

nismo. «Nada é, tudo devém»; a luta é a lei de todas as coisas. Este pensamento fora já expresso por Heraclito na antigui dade grega: «tudo flui» (itávTa (kl); «a guerra é a mãe e a rainha de todas as coisas» (7íóXe[xoç ttocvtojv jxèv toxtyjp ecrxl). Para Hegel, o absoluto, isto é, a Ideia, devém através de contradições, de contrastes, de vicissitudes, de lutas. O abso luto só é cognoscível mediante um sistema de conceitos, e não mediante um único conceito, que necessariamente é unilateral e parcial. Assim como a realidade, essencialmente, é desen volvimento, movimento, assim também o sistema de conceitos deve ser móvel, composto de pensamentos em movimento. Eis o método dialéctico, característico de Hegel: da tese procede a antítese; donde a necessidade de novo conceito, que em si funde os dois precedentes, superando-os e, do mesmo passo, eliminando a contradição (síntese). Mas este novo conceito supe rior provoca, por sua vez, o seu contrário; donde nova série de teses, antíteses e sínteses. E assim sucessivamente. Hegel desejou aplicar este método dialéctico a toda a realidade procedendo sempre por via de contradição e de supe ração da contradição. O conceito posterior é sempre mais rico que o anterior, pois o contem em si; o grau superior é a «ver dade» do inferior. O primeiro conceito é o mais vazio, o mais abstracto; é o conceito do puro ser. O último conceito é o mais rico, o mais completo; é a Ideia que se pensa a si ou ainda o .pensamento do absoluto. Expostas assim as características gerais da especulação hegeliana, convém observar mais de perto a estrutura do sis tema. O sujeito do processo mundial chama-se Ideia. Esta pala vra, na terminologia muito pessoal de Hegel, tem sentido par ticular. Em primeiro lugar, representa um reino de verdades


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abstractas, a Ideia é em si; em um segundo momento, fora de si, exterioriza-se na forma do espaço e do tempo (como natu reza) ; em um terceiro momento, em si e por si, regressa a si mesma e toma-se espírito. Com o espírito, porém, inicia-se novo processo. Hegel dis tingue neste três formas: espírito subjectivo, espírito objectivo, espírito absoluto. Cada uma destas três formas, por sua vez, subdivide-se em três outras formas ou graus. Ao espírito sub jectivo corresponde a alma, a consciência e a razão; ao objec tivo o direito, a moralidade e o costume (tamíbém estes termos têm, como agora veremos, um significado especial); ao abso luto, a Arte, a Religião e a Filosofia. Nestas últimas três for mas, pelas quais o espírito regressa a si mesmo, existe uma perfeita identidade entre sujeito e objecto. Arte e Religião, por conseguinte, apenas representam os pródromos da Filosofia, são algo em transe de se transformar em Filosofia; e, entre as três, verifica-se relação análoga à relação entre intuição, representação e conceito. Teremos agora de procurar esclarecer aquela parte do sistema hegeliano directamente respeitante à nossa disciplina: o espírito objectivo. Este, em primeiro lugar, manifesta-se pelo Direito, o qual no dizer de Hegel, é a existência do livre querer (tese). Por outras palavras: é a própria liberdade considerada na sua existência externa, a liberdade que se estabelece no exterior. O querer do homem é essencialmente livre: é livre enquanto é querer. Deste modo, o problema da liberdade do querer, que tanto afligia os filósofos anteriores, é por Hegel eliminado ou afastado mediante simples identificação. Mas — acrescenta Hegel — a liberdade externa, que se realiza pelas formas exteriores do Direito, é defeituosa. Eis porque a liberdade regressa a si mesma e se faz moralidade (consciência moral); ou seja: o momento subjectivo do dever. Este todavia é também incerto e insuficiente. Seguindo sem pre o método dialéctico, a esta contradição deve seguir-se a síntese, e eis portanto o costume, o Ethos objectivo. Este eigni-

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fica, na linguagem hegeliana, a vida ética efectiva, concreta, como síntese das categorias abstractas do Direito e da Moral. Ao costume pertencem três formas de organização: família, sociedade civil e Estado. Ninguém, antes de Hegel, distinguira com semelhante nitidez o Estado da Sociedade: mas ele caracte rizou esta como forma de organização espontânea e aquele como específica forma de organização jurídica. No entanto, Hegel atribuiu erradamente à sociedade alguns caracteres jurídicos. Como Schelling, foi Hegel um panegirista do Estado. É o Estado, para ele, o grau mais alto do espírito objectivo. É o espírito desperto, ao invés da natureza, que é espírito ador mecido. E a suprema manifestação da liberdade. Acima do Estado, nada mais há, além do Absoluto. Daqui resulta a impor tante consequência da paridade de condições entre todos os Estados e de não se admitir, acima deles, jurisdição humana. Assim encontra a guerra a sua justificação sistemática. Se os conflitos entre os Estados não podem ser evitados ou decididos por uma jurisdição superior, em última análise, só a guerra os pode solucionar. A guerra é, desta sorte, uma espécie de juízo divino. A este propósito, Hegel faz sua (talvez exagerando-lhe o sentido) certa máxima do poeta Schiller: «a História do Mundo é o Tribunal do Mundo» (Wéltgeschichte ist Weltgericht). O que significa: da História recebem os povos a sua justa sentença. Não admite Hegel, pois, a possibilidade de uma injusta invasão ou de uma conquista ilícita: vence na guerra quem deve vencer — e cada povo tem a sorte e o governo que merece. O espírito do mundo — Weltgeist — é superior ao espírito dos diversos Estados e pronuncia irrevogavelmente a sua sentença sobre eles. Desenrola-se o espírito do mundo, porém, mediante os diversos Estados e ora escolhe um povo, ora outro, para seu representante qualificado. Aquele Estado que, em certo momento, representa o espírito do mundo é o Estado que domina a época. Hegel indica quatro tipos de Estado; os quais, no seu entender, correspondem a outros tantos graus no devir pro

HISTÓRLA. DA FILOSOFIA DO DIREITO

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gressivo do espírito mundial: o Estado oriental, o Estado grego, o Estado romano e o Estado germânico (prussiano). Para ele, pois, o ideal derradeiro de Estado encontrava a sua concreti zação no Estado germânico, ou, mais especialmente, na monar quia prussiana. Em contrapartida, não reconhece qualquer mis são histórica universal à Itália, à Inglaterra ou à França. O carácter optimista, e, portanto, conservador, da filosofia hegeliana conciliou-lhe muitas simpatias. Durante um certo tempo foi a filosofia oficial do Estado prussiano. O filósofo, depois de muitas vicissitudes, obteve uma cátedra na Univer sidade de Berlim e aí pontificou, arvorado em supremo árbitro da Filosofia, objecto de admiração quase geral, até 1831, ano da sua morte. Mas o carácter oficial da sua Filosofia, momen taneamente factor de sucesso, trouxe-lhe mais tarde, não sem razão, um certo descrédito (especialmente depois de 1848, ano de revoluções e de crises políticas gerais). Notemos, por fim, que o sistema hegeliano se apresenta como uma forma de idealismo, sem dúvida; todavia, uma vez que nele real e ideal são identificados, é também uma forma de realismo. Não admira assim que do seio da filosofia hege liana tenham brotado sistemas materialistas, como o Marxismo, por exemplo, em que o conceito de necessidade histórica se con verte, uma vez sujeito a interpretação restritiva), em determi nismo económico (materialismo histórico). Historicismo jurídico ou Escola histórica do Direito Diversamente das escolas atrás mencionadas, não tem a terceira espécie de historicismo, que podemos chamar jurídico (mais geralmente chamado Escola histórica do Direito), ne nhuma intenção filosófica ou política. Esta é, ou quer ser, estri tamente científica. Tal facto, porém, não impede que as suas doutrinas se vinculem também a certas premissas filosóficas e a certo programa de restauração política. Isto nota-se já na origem da escola, que não diversamente da Filosofia da Restau

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ração, foi também, em parte, determinada pela reacção contra a Revolução francesa. E de facto, um dos inspiradores da Escola histórica do direito foi Edmundo Burke (1729-1797) com a sua obra Reflexões sobre a Revolução francesa (1790). Este, opon do-se resolutamente às teorias jusnaturalistas (nomeadamente às de Rousseau) que tinham inspirado a obra legislativa da Constituinte, sustenta o princípio da continuidade histórica. No seu entender, as instituições políticas baseiam-se na histó ria e na tradição dos povos. É assim grave erro querer subita mente mudá-las com a ajuda de raciocínios abstractos e de carácter universal. Por isso, critica a Declaração dos direitos do homem e do cidadão, qualificando-a de digesto da anarquia. A Burke respondeu Th. Paine (1737-1809) defendendo os princípios da Revolução francesa (Rights of man, 1791-1792), como já tinha defendido os princípios análogos da revolução americana (Common sense, 1776). Th. Paine, inglês, desen volveu a sua actividade política na América e na França através de vicissitudes várias. Ideias semelhantes às de Burke foram sustentadas, pouco depois, também por pensadores italianos, especialmente por Vincenzo Cuoco, no seu Ensaio histórico sobre a revolução de Nápoles (1801). Se Burke é quase um precursor ou inspirador da Escola histórica do direito, os seus fundadores e chefes autênticos foram, porém, três grandes jurisconsultos alemães: Hugo, Savigny e Puchta. Ê também na Alemanha que esta Escola sobretudo floresceu. O primeiro, Gustavo Hugo (1764-1844), definiu alguns pontos fundamentais do programa em um seu escrito de 1790, embora só incidentemente; contudo o seu pensamento desenvolveu-se também por outras vias, chegando a uma concepção própria do Direito natural, que aqui é supérfluo examinar. A formulação completa e sistemática do programa da Escola histórica foi obra de Frederico Carlos v. Savigny (1779-1861) num célebre opúsculo, publicado em 1814, com fins polémicos contra António Thibaut. Este último (professor como Savigny


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em Heidelberg) tinha publicado em 1814 um pequeno livro intitulado: Da necessidade de um direito civil geral para a Alemanha. Nesta obra sustentava que deviam reunir-se todas as leis vigentes, nos diversos Estados alemães, em um Código único. Não era nova a ideia da codificação e a seu favor fizera-se já a experiência em alguns Estados italianos, na Prússia, na Áustria, e na França, cujo Código civil, preparado durante a Revolução, teve o selo de Napoleão. A tendência para a unificação legislativa era, aliás, conseqüência lógica da orientação racionalista. Com efeito, não foi por acaso que os homens da Revolução f rancesa, depois de proclamados os direi tos do homem e do cidadão (1789), começaram a preocupar-se com a elaboração das normas do direito privado, para as reco lherem na umidade sistemática daquele Código que, aprovado em 1804, ainda hoje vigora em França. Desta tendência racio nalista se fez Thibaut representante na Alemanha, aduzindo a favor da codificação argumentos baseados sobretudo na prá tica. Assim, chamou a atenção para os inconvenientes produ zidos pela disparidade das leis e dos costumes, e apontou o significado racional que a unificação do direito privado poderia vir a alcançar nas relações entre os vários Estados alemães. A Thibaut respondeu Savigny com o opúsculo célebre: Da vocação da nossa época para a legislação e jurisprudência, aparecido em 1814. Savigny dedara-se contrário, não só à codi ficação em geral, mas também, até certo ponto, à legislação — pois as leis (e a fortiori os códigos) são fossilizações do direito, constituem algo de morto que impede o desenvolvi mento ulterior. O direito, sustenta Savigny, vive na vida prá tica e nos costumes, como expressão directa da consciência jurídica popular. A «Consciência Jurídica Popular» é um conceito típico que a Escola histórica do direito tirou do historicismo filosófico de Schelling e Hegel, a ponto de se poder dizer que ela não é senão uma aplicação particular das doutrinas daqueles filó sofos no campo do direito.

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Segundo a Escola histórica, cada povo tem um espírito, uma alma sua, que se manifesta em uma numerosa série de produtos. Moral, Direito, Arte, Linguagem, tudo são produtos deste espírito popular (Wolksgeist). A este propósito, é notá vel especialmente o confronto entre Direito e Linguagem. Assim como o idioma surge e se desenvolve espontaneamente, sem a intervenção dos gramáticos, os quais só mais tarde lhe fixam os princípios e as regras, induzindo-os dos próprios factos, assim também o direito não é criação do legislador, mas pro dução instintiva e quase inconsciente, que directamente se mani festa nos factos jurídicos, depois estudados e submetidos à elaboração reflexiva pelos técnicos ou jurisconsultos. Ao tra balho dos jurisconsultos segue-se a legislação. Esta baseia-se nos costumes preexistentes. Savigny reconhece à lei papel secundário. As leis apenas fixam —senão imobilizam ou cris talizam— os princípios elaborados pela consciência jurídica popular. Esta é a única fonte autêntica e genuína do direito. Daí a aversão de Savigny (e em geral da Escola histórica que o acompanha nesta aversão) pela codificação; os códigos, sín teses sistemáticas de leis, têm maior estabilidade, é certo, mas podem impedir largamente a evolução espontânea do direito. Segundo Saivgny, as condições da ciência e da prática do direito não eram então, especialmente nos países alemães, propícias à elaboração dum código. Savigny imprimiu também uma transformação profunda no campo da ciência jurídica com a sua História do Direito Romano na Idade Média (1815-1831) e com o seu Sistema do Direito Romano actual (1840-1851; tradução italiana de V. Scialoja). Corn a sua obra prende-se a de Jorge Puchta (1798-1846), do qual citaremos o tratado sobre o Direito Costumeiro (1828-1837). Notável importância tiveram também as obras de B. G. Niebuhr (1776-1831) e de K. F. Eichhorn (1781-1854).


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Esta tendência doutrinária procurava fazer convergir todas as atenções sobre o estudo da consciência popular e das suas criações imediatas, renunciando a toda a inovação legislativa. Foi benéfica na medida em que promoveu a investigação do aspecto histórico do direito e levou a considerar a sua génese e o seu desenvolvimento em conexão com as condições parti culares de cada povo e cam outros fenómenos da vida social. Neste sentido, representa um progresso relativamente às con cepções antecedentes, que descuidavam o lado positivo do direito. Todavia padece também de bastantes defeitos que o progresso ulterior da ciência não tardou em pôr em evidência. É evidente que o estudo do direito positivo, tão acertadamente defendido, por esta escola, não deve excluir a especulação ideal sobre a Justiça. Ora, segundo a doutrina aqui exposta, deveria adoptar-se atitude quase passiva em face de todos os produtos históricos. Mas semelhante adoração do facto consu mado contradiz a exigência crítica da nossa consciência e é a negação de todo o progresso jurídico. Se identificarmos siste maticamente o real com o ideal, excluiremos a possibilidade do progresso. Eis aí portanto o ponto onde surgem patentes os erros da Escola histórica e a superioridade das escolas clás sicas racionalistas. Ê de todo o ponto insuficiente a simples observação dos factos propugnada pelo historicismo. Os factos não nos podem dar a noção do direito. O exame dos factos pres supõe uma intuição ideal, porque a escolha e recolha destes, a sua qualificação como fenómenos jurídicos, só é possível à custa dum critério prévio que nos permita distinguir o jurídico do não jurídico. A teoria exposta mostra-se também defeituosa no tocante ao costume e às «fontes de direito* em geral, pois concentra a sua atenção apenas na fase inicial da evolução jurídica, e acha-se em contradição com as fases mais progredidas. Se é verdade que o direito surge através do costume, não o é menos que este é depois absorvido pela lei; se é verdade que o costume p D-n

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equivale à forma primitiva, rudimentar, bruta do direito, não o é menos que a elaboração legislativa é uma forma suiperior, porquanto admite e exige uma crítica, urna discussão e uma consciência já totalmente desenvolvida. Mas se, de início, a lei se limita a ter a eficácia de fixar e estabilizar as criações costumeiras, ela não tarda em tomar-se fonte autónoma, afir mando-se inovadora mesmo com referência ao costume. A teoria da Escola histórica do direito, em suma, tem o defeito de ter dogmatizado a fase inferior da evolução jurídica. Dela pode afirmar-se, por conseguinte, que foi tanto mais desmentida pelos factos quanto mais foi avançando a civilização. O pró prio confronto do Direito com a Linguagem só em parte é justo (no estádio inferior). Entendido de modo absoluto, con duz a desconhecer, nos graus superiores da evolução jurídica, a eficácia da livre e consciente discussão das leis a promulgar ou a reformar. Outro defeito da Escola histórica é a concepção romântica do desenvolvimento do direito: todo aquele nebuloso, aquele fantástico e, digamos mesmo, aquele idílico espírito que a domina. A consciência popular, a fazermos fé por esta dou trina, seria qualquer coisa de misterioso e infalível. Mas trata-se apenas de uma expressão mítica, sem correspondência na reali dade; é mitologia, romantismo. A verdade é que a consciência e a vontade de um povo mais não são do que a síntese das consciências e das vontades individuais. Não sem razão, Jhering contrapunha à concepção romântica da Escola histórica a con cepção realista da «luta pelo direito», entendida como uma das formas da luta pela vida. E, com efeito, quando se tenta esta belecer uma norma jurídica, nunca se verifica concordância nem inspiração uniforme, mas discussão e divergência. A norma jurídica positiva corresponde tão só à resultante das várias opiniões e tendências, ou seja, exprime a vontade social que em dado momento prepondera.


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Também não foi menos característico da Escola histórica o culto excessivo do Direito romano — culto, este, que não raro a fez cair em contradições. Quase todos os juristas seus partidários foram romanistas e encararam o Direito romano como o protótipo de todos os direitos, como, de certo modo, válido para todos os povos. Mas isto contrastava com a máxima basilar da Escola, segundo a qual cada povo tinha o direito correspondente à sua alma ou espírito. Talvez devido ao seu culto unilateral pelo direito romano, ela não levou a investi gação histórica do direito a progredir tanto como era lícito esperar do seu programa. Só em nossos dias este resultado foi obtido pela escola etnográfica e comparativista, que, sem pre juízos restritivos, entende verdadeiramente dever estudar o direito de todos os povos. Já houve quem justamente obser vasse que, sob certo aspecto, o Direito romano foi para a Escola histórica um sucedâneo do Direito natural, que ela tanto com bateu. No entanto, a teoria da Escola histórica, salvas certas rectificações e o abandono de certos termos e caracteres extrín secos (perdidos à medida que a doutrina se difundia) foi e é ainda aceita pela maior parte dos juristas, de modo que pode considerar-se ainda dominante, com todas as suas virtudes e os seus defeitos. São geralmente admitidos os dois princípios da historicidade e da relatividade do direito. A opinião preva lece ainda de que só se deve dar atenção ao direito positivo e não ao Direito natural. Esta tese, que conduziria a restringir o campo da Filosofia do Direito, excluindo-lhe a investigação pura da justiça, constitui, porém, um erro muito pernicioso: erro muito característico de uma fase do pensamento que no entanto, como se deduz de múltiplos indícios, está prestes a ser superado. Terminaremos esta breve exposição, referindo-nos agora aos escritores da idade mais recente, sobretudo aos escritores italianos, e depois aos das outras nações.

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Resumo da modema Filosofia do Direito na Itália De Vico ati cerca de 1780 (“) (Filongieri Romognosi, Rosmini, etc)

Tem a Itália lugar glorioso na história da Filosofia do Direito, embora atravessasse também, por vezes, várias fases de depressão intelectual. Vico, que representa aqui quase uma luminosa excepção, ao lado de poucas outras num destes obs curos períodos, não foi, talvez por isso, plenamente compreen dido pelos seus contemporâneos. Mas a ciência italiana, que nunca perdeu as suas virtudes e, por outro lado, soube sempre tirar um estímulo criador das influências estrangeiras, saiu pouco a pouco desta depressão e por meados do século xvm participa galhardamente naquele movimento de ideias e de pensamento, chamado Iluminismo, que depois se desenvolveu na Alemanha e em França com os Enci clopedistas. Surge nessa altura, em Itália, uma série de escri tores que procuraram, com efeito, elevar o nível cultural da nação e melhorar a ordem política. Mais do que puros filósofos, são estes escritores publicistas, economistas, e até juristas. Com eles prossegue a obra de libertação da Itália do espírito dogmático que nela reinara durante vários séculos. Com larga doutrinação ocupou-se dos problemas filosóficos e políticos, e propôs reformas importantes o genovês Paulo Mattia Dória (1662-1746), que desfrutou da estima e amizade de Vico, e viveu muito tempo em Nápoles. Das suas obras é de lembrar principalmente, La vita civile, com un tratato de

educaaione dei príncipe (1716, 4.a ed., 1740). Contemporâneo de Vico, foi Ludovico António Muratori, de Vignola na província de Modena (1672-1750), o qual, além de imprimir notável impulso aos estudos históricos, escreveu várias obras sobre temas morais e políticos: Da caridade cristã (1728), Filosofia Moral (1785), Da felicidade pública (1749), etc. Não muito original, mas inspirado par vivo amor do bem, é o seu ensaio Dos defeitos da jurisprudência (1742), com o


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qual se propôs simplificar as leis e promover a sua recolha em códigos para a sua recta aplicação. Este livro exerceu uma notável influência sobre os escri tores italianos e estrangeiros (por exemplo, sobre o português L. A. Verney), e ainda sobre as primeiras tentativas de codi ficação levadas a cabo em vários Estados italianos na segunda metade do mesmo século. Dois outros grandes contemporâneos de Vico, dedicados sobretudo à história, foram JoÃo Vicente Gravina, de Roggiano na Calábria (1664-1718; Origines juris civilis, 1701-1718), e Pedro Giannone, de Ischitella, na Apuiia (1676-1748 História Civil do Reino de Nápoles, 1728); ambos tentaram, por vias diversas, partir dos factos particulares a fim de se elevarem até aos princípios mais gerais da vida do direito e do Estado. Gravina fez uma obra de mera erudição; a Giannone moveram-no intentos fortemente polémicos, sustentando com vigor apaixonado a tese da supremacia do Estado em relação à Igreja. Entre os escritores políticos desta época, devemos ainda lembrar Cipião Maffei, de Verona (1675-1755), cuja obra Conselho político, escrita em 1736 e publicada postumamente em 1797, contém matéria análoga à de Montesquieu, sobre tudo no respeitante à Constituição inglesa. Mas é bastante duvidoso que possa ser considerado precursor de Montesquieu. A obra L’esprit des lois, acabada só no ano de 1748, fora todavia iniciada vinte anos antes, e, por outro lado, a estadia de Montesquieu em Inglaterra verificou-se de 1729 a 1731, ao passo que a de Maffei teve lugar só em 1736. Sob alguns aspectos, o título de percursor cabe, além de Vico, também a Gravina.

Em Vico se inspirou Jacob Stellini, de Cividale de Friuli (1699-1770), o qual, no livro De ortu et progressu morurn (1740) e nas lições de Êtica, feitas na Universidade de Pádua e publi

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cadas depois da sua morte (1778-1779), de certo modo com binou, sem aliás os aprofundar, os princípios vichianos com os aristotélicos e tentou deduzir a diversidade dos costumes das faculdades anímicas, vendo no equilíbrio destas a virtude. Influenciado também por Vico foi Emanuel Duni, de Matera (1714-1781), que nas suas obras Ensaio sobre a juris

prudência universal (1160), Origem e progresso do cidadão e do governo civil de Roma (1768) e na Ciência do costume, ou seja, sistema do direito universal (1775), seguiu um pouco à letra a doutrina do genial napolitano, mas sem lhe surpreender o seu mais profundo alcance. Contra Vico e Duni, escreveu o jesuíta João Francisco Finetti (1705-1782) a obra De principiis iuris naturce et gentium (1764). Aí os acusou de impie dade por terem desmentido a Sagrada Escritura corn a doutrina do estado de guerra em que vivera o homem primitivo (í0). Duni deu-lhe réplica com uma longa obra, de 1765 (ob. comp., 1865, vol. m). Com o pseudónimo de Filandro Misotério, Finetti tornou a atacá-lo na Apologia do género humano,

acusado de ter passado pela situação de animal, 1768 (ai). Continuou ainda a polémica entre ambos, como se vê do estudo Ciências dos costumes e da segunda edição da obra principal de Finetti. Importância muito maior tem, porém, António Genovese, de Castiglione de Salermo (1712-1769), professor da Universidade de Nápoles, onde ensinou Ética e, pela pri meira vez na Europa, Economia política (1754). A sua obra

Diceosina, ou seja, a Filosofia do justo e do honesto (1767), inspira-se em tendências de algum modo eclécticas, e em par ticular nas doutrinas de Wolff. Miuito notáveis são os seus estudos sobre o comércio, que ficaram clássicos. Inspirado em Wolff foi ainda o tratado de JoÃo Maria Lampredi, de Rovezzano, perto de Florença (1732-1793): Iuris

publici Universalis, sive iuris naturce et gentium theoremata (1776-1778). Esta obra, que D. Sacchi traduziu para italiano em 1817, serviu ao autor de texto às prelecções feitas na Universidade de Pisa até 1791. JoÃo Carmignani, o célebre


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penalista, foi um dos seus discípulos e dedicou-lhe largo exame crítico na sua História da origem e do progresso da Filosofia do Direito, aparecida .postumamente em 1851 (veja-se o vol. m, págs. 175 e seg.). Escritor de notável influência social foi também César Beccaria, de Milão (1737-1794). fi dele o célebre opúsculo Dos delitos e das penas, aparecido em 1764. Traduzido em muitas línguas, trouxe ao autor fama talvez superior aos seus méritos. Beccaria, no entanto, era mais um filantropo que um espe culativo. Genuíno representante do Huminismo, embora não tentasse alcançar os princípios mais elevados da Filosofia, limitou-se a actuar como promotor de uma reforma humani tária do Direito penal. Parte do conceito de que as penas deve rão ser as mais leves possíveis, reduzidas ao indispensável e necessário, pois que, aceitando a doutrina do contrato social, opina que por tal contrato os homens renunciaram só a um mínimo da sua liberdade. Daqui a regra de que a pena é tanto mais justa quanto menos exceder os limites da pura necessi dade. Prosseguindo no exame das penas, Beccaria demonstra não ser necessário, e, por conseguinte, ser injusta, em tese geral, a pena de morte. Combate também a tortura, ao tempo prati cada em toda a Europa, observando que, com ela, só se con seguem condenar os «inocentes fracos» e absolver os «celerados robustos». Mas cabe-lhe o mérito de ter claramente fixado alguns dos princípios directivos do moderno direito penal. Por exemplo: o princípio de que nenhum facto deverá ser punido antes de ter sido pela lei considerado crime (nullum crimen sine lege). Igualmente a ele se deve o reconhecimento da neces sidade de excluir a interpretação extensiva da lei penal e a impossibilidade de, nesta matéria, se raciocinar por analogia. À sua insistência se ficou a dever que as leis passassem a con templar os crimes mediante categorias genéricas e não por meio da particular indicação de casos. Foi muito discutido o opúscuilo de Beccaria. Se uns o aplau diram, outros o atacaram. Kant reprovou-lhe o seu sentimental

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humanitarismo. Entende-se facilmente o contraste entre ambos: Beccaria assinala à pena um fim utilitário, redu-la ao estrita mente necessário para a preservação da sociedade (ne peccetur); Kant, esse, segue o conceito da penalidade fundada sobre a justiça absoluta (quia peccatum est), ou seja: considera a pena uma necessária expiação para compensar o dano moral produzido pelo delito. Pedro Verri (1728-1799), cultor de várias ciências, bem como seu irmão mais novo, Alexandre Verri (1741-1816), foram concidadãos e amigos de Beccaria, ao qual deram estí mulo e matéria para a sua obra que depois defenderam contra as críticas por ela suscitadas. Os dois irmãos Verri, com Bec caria e João Reinaldo Carli, de Capodistria (1720-1795) e outros, todos inspirados pelos ideais de liberdade e progresso civil, colaboraram no periódico O Café, que, dirigido por Pedro Verri, saiu por dois anos (1764-1766) em Milão e foi o órgão do novo movimento intelectual. Entre as obras de Pedro Verri, lembraremos as Meditações sobre a Economia Política (1771) e as Observações sobre a tortura (1777), na qual, ele também como Beccaria, combateu essa cruel e inveterada prática. Pode também citar-se o nome, outrora célebre e hoje igno rado, do Abade Pedro Taburini, de Brescia (1737-1827), que foi professor na Universidade de Pavia e que nas suas Li ções de Filosofia Moral e de Direito Natural e Social (1803, nova ed. 1833) tratou com visão ampla e com espírito humani tário numerosas questões de fitica aplicada às matérias sociais e políticas. Em outras Obras (especialmente nas Cartas teólógicas-pólíticas sobre a presente situação das coisas eclesiás ticas, 1794), sustentou as razões do poder civil em relação ao poder eclesiástico, o que lhe causou não poucos conflitos. Francisco Mário Pagano, nascido em Brienza na Lucânia (1748-1799), nobilíssimo espírito de patriota e homem de ciên cia, associou, como amiúde acontece nos períodos de fundas reviravoltas políticas, as actividades teóricas com as práticas. Pela parte que tomou no movimento revolucionário, que pro

HISTÕRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO

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duziu a República Partenopea, foi decapitado quando esta caiu. Pagano tem lugar notável na história do pensamento italiano por um estudo sobre o processo criminal, em que formulou princípios justos e humanos dentro da orientação de Beccaria, e, especialmente, .pelos seus Ensaios políticos, dados à estampa em 1783. Neste seu escrito, pode considerar-se discípulo de Vico, ao qual expressamente se refere cam frequência. Propôs-se traçar o quadro das origens da sociedade, seu progresso e decadência, ou seja, uma Filosofia da História segundo a grande concepção de Vico. Igualmente como Vico, distingue três períodos na história humana; também ensina que a huma nidade saiu da barbárie, e admite a especial importância que os fenómenos naturais tiveram na mentalidade primitiva. Para ele, a origem dos mitos e das religiões está relacionada com os cataclismos e sobretudo com os terramotos. Para prova da sua teoria, expõe os efeitos do terramoto de 1783, na Calábria, um dos mais ruinosos de que há memória. Mas Pagano distin gue-se de Vico pela propensão ao materialismo. Foi sobre ele muito forte o influxo da filosofia sensualista, importada então de França. Pagano aceitou o conceito mecanicista da vida e concebeu o homem como uma máquina sujeita a leis invariá veis. Ora, para Vico, a utilidade e a necessidade eram tão só motivos ocasionais que induzem o homem a «celebrar a sua vera natura» (bona occasio est utilitas) — ao passo que para Pagano todas as acções e factos históricos apenas são expli cáveis em função das necessidades, dos impulsos, dando às razões ideais apenas uma importância subordinada ou secun dária. Por este aspecto, pode dizer-se que a sua vida foi mais nobre que a sua doutrina.

Ao lado do nome de Pagano, não ficará mal o de Vicente Russo, nascido em Palma na Campania, perto de Nápoles, em 1770, e também decapitado em 1799, vítima da reacção bourbónica, pelas ideias arrojadamente inovadoras que professava. Na sua obra Pensamentos políticos, propôs audaciosas refor mas de carácter social.

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Espírito nobilíssimo foi também Caetano Filangieri (1752-1788), falecido prematuramente, pelo que deixou inaca bada a sua grande obra sobre a Ciência da Legislação, que deve ria compreender sete livros dos quais só quatro foram publi cados, de 1780 a 1785 e parte do 5.°, já depois da sua morte. Mas, apesar de incompleta, foi esta uma das obras mais notá veis da Filosofia civil e política. Filangieri inspirou-se sobre tudo nos escritores franceses da sua época, e na sua já citada obra a influência de Montesquieu e de Rousseau é notória. Em certo sentido, esta obra é semelhante ao Esprit des Lois, mas ao passo que Montesquieu foi marcadamente um filósofo analítico, com o fim de explicar os factos existentes, Filangieri pretendeu sobretudo ser um reformador. Nos seus escritos, os projectos de futuro prevalecem sobre as representações do passado. As suas ideias são liberais. Fixa o princípio da inalienabilidade da liberdade. O Estado deve, em primeiro lugar, garantir essa liberdade. Assim, defende a liberdade de imprensa, por deverem todos contribuir, na medida do possível, para o bem da sociedade a que pertencem, e terem, por isso, o direito de manifestar à sociedade as suas ideias. Mas, não obstante pen sar assim, deseja ver alargadas as funções do Estado, para que se consiga, com a sua autoridade, maior bem social. Além de estudos gerais sobre o governo, fez ainda profundas conside rações sobre vários temas legislativos e administrativos, pro pondo reformas racionais do processo e das leis penais, do regime da propriedade — combatendo os privilégios das pro genituras, os fideicomissos, e todos os demais resíduos do feu dalismo, em ordem a uma mais justa repartição da riqueza. Ocupou-se também das funções do Estado na agricultura e no comércio, e em geral em todas as formas da vida civil.

Ainda hoje estes estudos, verdadeiramente maravilhosos pela clareza e modernismo das ideias, deveriam ser estudados e meditados. Filangieri ocupou-se igualmente das funções do Estado, não só no tocante ao comércio mas também a todas as reformas da vida civil.


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O siciliano Nicolau Spedalieri (1740-1795), autor do livro Dos direitos do homem (1791), é uma figura característica que pode parecer também ambígua. Foi abade e ao mesmo tempo defensor entusiasta dos princípios da Revolução fran cesa. Desejou conciliar a liberdade com a teocracia, a doutrina do racionalismo democrático com os dogmas da Igreja. Daí a incompatibilidade entre muitas das suas ideias. Nos primeiros capítulos da citada obra, sustenta a doutrina contratualista e reivindica os direitos naturais do homem ( contudo, sem muita originalidade, pois é evidente a sua derivação de Rousseau e de outros escritores, sobretudo franceses). Nos outros capítulos, pretende demonstrar que a melhor guardiã dos referidos direitos é a Igreja, e, seguindo esta via, chega a anular, em parte, as doutrinas liberais inicialmente sustentadas. De facto, Speda lieri defende a intolerância religiosa, legitima a censura epis copal e outros institutos semelhantes, contra os quais tinham sido elaboradas as doutrinas da liberdade. Do conjunto da sua obra depreende-se que ele concebera vasta reforma da política eclesiástica e desejaria imprimir4he sentido liberal. O dissídio latente entre as ideias que pretendeu conciliar, explica as inter pretações variadas, as discussões apaixonadas que a sua obra produziu e se mantiveram até tempos recentes. Dela se pode dizer que foi combatida por todos: pelos conservadores orto doxos, devido aos princípios revolucionários contidos na pri meira parte; pelos democráticos liberais, devido às conclusões teocráticas e ao reconhecimento do poder ilimitado da Igreja. Este fenómeno psicológico conhece, aliás, precedentes na his tória do pensamento. Já dissemos que muitos monarcómacos foram jesuítas que pretenderam favorecer a Igreja, dando com bate aos Reis absolutos, o que os levou a fazerem-se partidá rios das doutrinas democráticas e revolucionárias. Spedalieri representa algo de parecido. Por isso, não sem pertinência, mereceu o cognome de «monarcómaco retardatário». Por outro lado, pensando que ainda em nossos dias não faltam tentativas deste género ambicionando introduzir na Igreja um espírito

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inovador na acção política e social da Igreja, sem prejuízo da pureza dos dogmas, podemos também considerar Spedalieri um precursor. Outros notáveis pensadores meridionais são Vicente Cuoco, Civitacampomarano no Molise (1770-1823), autor entre outras obras, de um Ensaio histórico sobre a revolução de Nápoles, publicado em 1801; e Cataldo Jannelli, de Brienza na Lucania (1781-1899), que em 1817 publicou um ensaio Sobre a natureza e a necessidade da ciência das ooisas e da história humana. Ambos estes autores se inspiraram principalmente em Vico. Cuoco revela notável e profundo senso histórico, que o arvora em crítico, talvez excessivo, das doutrinas 'revolucionárias. A sua atitude lembra a de Burke. O seu pensamento opõe-se ao dos gloriosos mártires Pagano e Russo, dos quais era amigo. Quanto a Jannelli, alheiando-se das questões políticas, meditou, com intuitos exclusivamente teóricos, o grande piano da Ciência nova de Vico, e tentou aperfeiçoá-lo, traçando os lineamentos progra máticos de uma historiosofia e de uma ciência das coisas huma nas, cujo objectivo era obter o «rigoroso conhecimento do nexo e da subordinação que entre si relacionam as coisas humanas*. Fácil é descortinar aqui urna antecipação do pensamento funda mental de Comte. João Domenico Romagnosi, de Salsomaggiore na Emilia (1761-1833), foi educado na escola sensualista muito difundida em Itália, especialmente na região Emiliana, porque um dos chefes daquela escola, o filósofo francês Condillac, esteve em Parma, como educador do príncipe herdeiro da corte bourbónica, durante os anos de 1758 a 1768. Do colégio Alberoni de Piacenza, que Romagnosi frequentou, saiu também outro pensador de certa importância: Melchior Giola (1767-1828). Em uma obra de juventude (sobre o tema: Qual dos governos livres melhor convém à felicidade da Itália, 1797), Giola sus tentou, com espírito liberal, a ideia da unidade da Itália contra a tendência federalista. Em outras obras tratou de questões sociais e morais e ainda económicas, como também de Esta


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tística, então uma ciência em formação (Novo prospecto das ciências económicas, 1815-1819; Do mérito e das recompensas, 1818; Filosofia da Estatística, 1826). Romagnosi, intelecto ainda mais vasto, dedicou a sua acti vidade a várias ciências e a todos os ramos filosóficos. O seu pensamento conservou sempre um carácter naturalístico, devido ao qual se pode dizer ter sido um precursor do moderno posi tivismo. Das suas numerosas obras recordaremos: Génese do Direito penal 1791, Introdução ao Estudo do Direito público Universal, 1805; Da constituição de wma monarquia nacional representativa, 1815, primeira parte; A ciência das constituições da Filosofia civil, ou seja, de jurisprudência teorética, 1825, ed. póstuma, 1839. Estes títulos mostram bem como Romag nosi não só se dedicou a temas filosóficos, mas também aplicou o seu robusto talento ao cultivo de várias ciências, e, entre estas, as jurídicas. A terminologia por ele adoptada é por vezes ambígua e obscura. Não raro se encontram em seus escri tos termos metafísicos empregados pela escala wolffiana. Mas isto não deve induzir-nos em erro sobre a verdadeira tendência do seu pensamento. De facto, ele pretendeu excluir a noção de absoluto, tanto no aspecto prático como teorético, dando um significado relativo mesmo às ideias do bem e do dever. Teve Romagnosi o grande mérito de aprofundar o conceito de sociedade. A esta concebeu como um organismo que surge, se desenvolve e perece em obediência a leis próprias. Spencer, mais tarde, sustentaria concepção parecida. Importante é, por isso, o confronto entre Romagnosi e Spencer, dado que nas doutrinas destes dois autores se encontram muitos pontos de contacto, que favorecem o primeiro, visto ter precedido o segundo mais de meio século. A característica geral e dominante da filosofia de Romagnosi pode compendiar-se em duas sim ples palavras: naturalismo e determinismo. Tal orientação manifesta-se até no campo do direito penal, como se poderá veri ficar na primeira parte da sua obra atrás citada. Romagnosi quis fundamentar o Direito penal dispensando a ideia do livre

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arbítrio. A pena foi por ele considerada um acto defensivo da sociedade. Partindo do conceito da motivação psicológica, afirma a existência de impulsos ou de motivos que levam o homem ao crime; contra estes motivos deve haver o motivo mais forte da pena. À força impulsiva do delito deverá replicar a força repulsiva da pena: ao choque o contrachoque. Uma outra parte importante do sistema de Romagnosi é a sua doutrina do Estado constitucional, fundada sobre o princípio da nacionalidade ou «etnicarcMa»; deste princípio foi ele, senão o primeiro, um dos primeiros fautores. Ao sensualismo francês, e ainda ao italiano, opôs-se o grande filósofo Pascoal Gallupi, de Tropa, na Calábria (1770-1846), cujas obras principais são: Ensaio filosófico sobre a crítica do conhecimento, e Filosofia da Von tade (18S2, 1840). Gallupi deixou-se influenciar por Kant, embora não aceitasse todas as ideias dele. Em certo sentido, é o Kant italiano. Coloca como princípio fundamental o facto originário do «eu» que do «não eu» se apercebe. Se não se partir da consideração inicial do sujeito, nunca se chegará à consi deração do objecto. Gallupi distingue dois poderes primor diais do espírito humano: análise e síntese. Recorrendo a eles, pretende explicar completamente o processo cognitivo. Em Filo sofia prática, aproxima-se ainda mais de Kant, pois, como este, combate a moral endemonista ou utilitária e sustenta o abso lutismo das leis do dever e do princípio do bem. O direito é definido por ele como «a potência moral de fazer aquilo que a lei não proíbe». Enquanto que Gallupi se manteve isento de preocupações políticas (só num opúsculo se revelou um liberal moderado), já o mesmo não aconteceu a outros pensadores italianos, de entre os quais se destacam Rosmini e Gioberti. Não obstante terem polemizado um com o outro —e ainda hoje acontece isso com os seus discípulos— as duas figuras, quando submetidas a exame objectivamente histórico —estão bastante próximas uma da outra. Foram ambos sacerdotes; ambos diligenciaram conciliar a Filosofia com a Religião, a


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Igreja com o Estado; e a ambos, devido às suas tendências liberais, a autoridade eclesiástica admoestou algumas vezes, chegando mesmo a proibir algumas das suas obras e a perseguir os seus partidários, sobretudo os de Rosmini. Referir-nos-emos rapidamente às suas doutrinas. Nasceu António Rosmini Sebarti em Rovereto (Trentino) no ano de 1797, e faleceu no de 1855. Das suas obras prin cipais, recordaremos: Novos ensaios sobre a origem das ideias, 1830; Princípios da ciência Moral, 1831; Filosofia da Política, 1839; Filosofia do Direito, 1841, 1843; A constituição segundo a Justiça social, 1848; O comunismo e o socialismo (1849), mais tarde publicada com o título Ensaio sobre o comunismo e o socialismo, em apêndice à segunda edição da Filosofia da Política, 1858. Rosmini é idealista. Ele afirma que em nós há uma ideia a priori. É este um ponto de vista análogo ao kantiano. Mas ao passo que Kant procurara formular o elenco das ideias a priori, fíosMiNi redu-las a uma só: a ideia do ser — ou melhor, do ser possível e indeterminadíssimo. Em nós, tal ideia não pode ser dada pela experiência, pois esta pressupõe, desde logo, a ideia do ser. A Filosofia prática de Rosmini é análoga à sua Filosofia teorética. Princípio fundamental da Ética é, para ele, o da «conformação das próprias acções com o grau de entidade dos objectos»; ou seja: o do reconhecimento prático do ser na sua ordem. Em primeiro lugar, por isso — e eis aqui temos uma aplicação característica— devemos observar o mais absoluto respeito pela personalidade, visto que na personalidade se manifesta o ser na sua forma mais elevada. Rosmini esforça-se por conciliar as doutrinas filosó ficas com os dogmas religiosos, e põe ainda especial cuidado na conciliação da Moral com o Direito. Assim, define este como sendo «a faculdade de fazer aquilo que agrada, protegida pela lei moral, que ordena a cada um o respeito pelos outros». Rosmini distingue três espécies de sociedade: a teocrática, a doméstica e a civil. De cada uma delas procurou indicar as características diferenciais.

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A sociedade teocrática existente de per si, como sociedade de direito, independentemente da obra do homem, e tendo por fim a perfeição alcançável pelo homem quando se une a Deus; a sociedade doméstica, tendo por fim o desenvolvimento da vida humana mediante a união conjugal; e a sociedade civil, união de várias famílias provendo à sua pacífica convivência e regulando e assegurando o exercício harmónico dos seus direi tos, com a condição de nunca prejudicar a teocrática, nem a doméstica; e antes as servir. A sociedade civil corresponde ao Estado, mas não se iden tifica com ele, pois que o elemento puramente social que lhe é peculiar, apresenta-se no Estado confundido com o elemento signorüe, ou seja o poder, organizado, de facto, dos mais diver sos modos. Embora porém, tenha dedicado larguíssima expo sição a esses conceitos, não pode dizer-se que Rosmini não tenha deixado margem a incertezas, principalmente no que concerne à distinção da sociedade civil e do Estado. No escrito, La Società e ü suo fine (capítulo da Filosofia da Política) Rosmini ensina que a sociedade supõe a liberdade; indistintamente todos os associados devem manter o fim a que se destina, e nenhum deles pode ser considerado como simples meio do bem dos outros, ponto em que a doutrina rosmimiana está em manifesta coincidência com a doutrina kantiana. Todo o associado deverá cooperar no bem comum. Para Rosmini a política é a arte de conduzir a sociedade no sentido do seu fim, ou seja o verdadeiro bem humano, mas só o deverá fazer subordinadamente à justiça, que em boa coerência é o princípio condutor do progresso humano. Depende da justiça a conse cução do equilíbrio necessário e fundamental à perfeita cons tituição da sociedade civil: o facto deverá ser equiüibrado com o direito. Porém, além deste, outros equilíbrios se tornam neces sários à boa construção da sociedade, entre as diversas espé cies de bens; como sejam: população, riqueza, força material (militar), ciência e virtude (41)

HISTORIA. DA FILOSOFIA DO DIREITO

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Ensinou também que a Política é a arte de conduzir a socie dade civil ao seu próprio fim; mas essa tarefa só pode ser realizada pela Política na submissão ao direito, ou seja, à Jus tiça. Ao traçar um projecto de constituição segundo a Justiça social, declara que, muito embora o haja concebido para uma Monarquia, pode também aplicar-se a uma República, pois nesse caso, em vez de rei, há um presidente; mas põe como princípio fundamental o de que «os direitos naturais e racionais são invio láveis». As fórmulas propostas por Rosmini, que as fez acom panhar de raciocínios explicativos, coincidiam, em parte, com o Estatuto italiano de 1848, mas, em parte também, afasta vam-se dele (por exemplo, quando previam duas câmaras legis lativas, ambas electivas). Advirta-se agora que os escritos de Rosmini, muito embora hajam sido publicados em 1848, datam de 1827; ele tinha em mente, sem dúvida, o exemplo de outras Cartas constitucionais. As preocupações políticas, ainda que em detrimento da actividade filosófica, tiveram grande lugar também na vida de Vicente Gioberti, nascido em Turim (1801-1852). Foi um dos apóstolos do risorgimento italiano sofrendo prisões e longos anos de exílio por causas políticas. Recebeu, finalmente, porém o acolhimento e a homenagem da pátria, e por várias vezes foi ministro do reino da Sardenha, onde, contudo, não deixou de deparar com viva oposição. A posição de Gioberti no geral não difere muito da de Rosmini, mas um e outro não deixaram de registar bem os seus pontos de discordância. Ambos são, pode dizer-se, idealistas. Mas ao invés de Rosmini não parte do facto da consciência, parte da revelação do ser Absoluto e Divino. Este ser é a causa criadora de todas as coisas. Gioberti resume a sua filosofia na seguinte fórmula «O ser cria o existente». As doutrinas filosóficas de Gioberti foram expostas sobretudo na Teoria do sobrenatural, 18S8, na Introdução à Filosofia, 1840, na Protólogia, editada postumamente, em 1857. É notável ainda, posto que pouco estudado, o livro Del btumo, 184$, com uma exposição F D -12

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geral da ética mas não referida ao direito. Para Gioberti, a lei moral é necessária, absoluta e imutável, identificando-se com a própria divindade. O homem tem por missão cooperar nos desígnios da Providência e secundá-los com todas as suas forças. São de conteúdo político outras obras importantes de Gio berti. Propôs-se levantar o espírito italiano; ao serviço desse escopo publicou o livro intitulado Do 'primado moral e civil dos italianos (1843), redigido em estilo um pouco retórico e empo lado mas não inteiramente destituído de eloquência e de eficá cia. Este livro suscitou grande entusiasmo; quis-se ver nele um bom augúrio para a sorte da pátria num futuro próximo. Tanto mais amargas foram, por isso, as desilusões trazidas pelos acontecimentos de 1848 e 1849. Delas dá testemunho outra obra de Gioberti: Da renovação Civü da Itália, publicada em 1851. O ideal político de Gioberti tanto quanto se apreende do «Primado», foi «guelfo», ou melhor, «neo-guelfo». Delineou a unificação dos Estados italianos sob a forma federativa, debaixo de hegemonia do Papa. Este ideal foi então partilhado por muitos. Os factos, contudo, não lhe corresponderam. As preocupações políticas e também a 'brevidade da vida, impediram que o engenho filosófico de Gioberti, que era certamente de primeiríssima ordem, desse todos os seus frutos. Teve muitos sequazes, embora em número menor que Rosmini. Ao lado de Gioberti pode citar-se o historiador e político César Balbo (1789-1853), que desenvolveu uma actividade notável ao serviço da causa da independência nacional. Era sua opinião que esse ideal deveria realizar-se mediante uma confe deração dos Estados italianos, logo que a Áustria abandonasse os seus domínios na Itália e voltasse os seus propósitos expansionistas para os Balcãs. O programa de Balbo, semelhante ao de Gioberti, pode definir-se como neo-guelfo, por outras pala vras, como um liberalismo católico. Daquele se afasta somente em pontos relativamente secundários, como seja na sua adesão à ideia da entrega ao Papa da presidência da futura confede

história da filosofia do direito

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ração italiana, ideia unuito provavelmente pouco do agrado do próprio Pontífice. Das obras de Balbo, adquiriu particular renome a «Esperança da Itália», de 1843, mas merecem tam bém citação as publicações póstumas, Pensamentos e exemplos, A Política na civilização presente, As Revoluções, em que se elevou a considerações de carácter universal. Engenho portentoso, que à especulação filosófica podia ter dado notabiiíssimo contributo, se o não tivessem impedido as lutas pela unidade e liberdade nacionais, foi o do genovês Giusepe Mazzini (1805-1872). Os seus Scritti editi e inediti foram reunidos primeiro em 18 volumes, (1805-1872), e pos teriormente em edição nacional de 100 volumes, que contém também o seu epistolário, 1906-1943. Mazzini concebia a vida como uma missão assinada tanto aos indivíduos em si como às nações, por Deus, no sentido de todos cooperarem no pro gresso moral humano. Na sua doutrina o dever dos homens de pensar, operar e combater pelo triunfo do bem sobre o mal, reveste-se de um significado caracteristicamente religioso. Essa lei deve dominar em absoluto na teoria e na prática. A essa «santa, inexorável, dominadora ideia do dever, norma única da vida», deve também, segundo Mazzini, subordinar-se a ideia do direito, a que chama, por isso, «secundária», e que, diz, «não pode ser senão o fruto de um dever que se cumpriu». Os escritos de Mazzini são maravilhosos pela nobreza e pela elevação do pensamento (recordemos, por exemplo, Inte resses e princípios, 1835; Fé e futuro idem Vol. 5.° da primeira das citadas colecções, Os Sistemas e a democracia, 1849, Vol. 7.°; Deveres do homem, 1860, Vol. 18.°; Aos Italianos, 1871, Vol. 16.°), mas as mais das vezes têm carácter político e polémico relacionando-se com questões e contingências parti culares e ocasionais. Por isso, estas obras contêm referências filosóficas indirectas ou sumárias devidas mais ao sentimento e à intuição que à análise e ao raciocínio sistemático. Pro funda e quase mística é a sua crença nos ideais humanitários e no progresso.

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Estas ideias não valem somente para a Itália, mas para todas as outras nações. A liberdade de «um povo», escreve, não vencerá nem durará, a não ser com a fé do direito de todos à liberdade. Adoro a minha Pátria, porque adoro o Pátria; a nossa liberdade porque creio no liberdade; os nossos direitos porque creio no Direito. A fraternidade entre todos os povos é princípio essencial da doutrina de Mazzini, como a liberdade de todas as pátrias. «A humanidade, diz, é um só corpo, que deve ser governado por uma só lei». Tais princípios são axiomas apoditicamente afirmados por ele; o seu sentido e valor são, porém, bem demonstrados pela ardente e inflexível defesa e afirmação deles ante toda a sorte de objecções, e obstáculos. Cabe, finalmente, destacar ao lado do ardor e eficiência que dedica ao postulado da unidade da pátria, a defesa da neces sidade da educação moral do povo, e da colaboração a instituir entre as várias classes sociais, expressa na exortação aos ope rários italianos para «nacionalmente se associarem» (cit. edição. Vol. 5.°, págs. 248-264, etc.). Logicamente combateu, por isso, com energia todas as formas de intemacionalismo materialista, que já então outros sustentavam em nome dos interesses de classe meramente particulares. Podemos classificar de eclético Terêncio Mamiani (1799-1881), pois sucessivamente acusou a influência de Gallupi, de Rosmini e de Gioberti. Intentou a renovação do idealismo platónico. Nas seguintes obras tratou de temas filosóficos- jurídicos: De um novo direito europeu, Teoria da Religião e do Estado, 1868; Das questões sociais e, particularmente, dos proletários e do capital, 1882. Digna de menção é a discussão que teve com P. S. Mancini (de Castelbaronia, perto de Avellino — 1817-1889), acerca da Filosofia do Direito e, em espe cial, do direito de punir (1841). Mamiani defende a orientação dogmática idealista e, dentro dela, concebe a pena como exi gência absoluta; Mancini, inclinado ao positivismo, concebe a pena em sentido relativo. De Mancini devemos recordar ainda


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sobretudo o discurso Da nacionalidade como fonte do Direito das gentes, 1851, que veio a ser o programa da escola italiana de direito internacional, cuja função já Romagnosi previra. Outro escritor de notável importância é Carlos Cattaneo (180.1-1867), discípulo de Romagnosi e, como o mestre, incli nado ao naturalismo e ao positivismo. Concebeu vasta obra sobre a Psicologia das mentes associadas, tema que então ofe recia vivíssimo interesse. Sobre ele deu algumas palestras no Instituto Lombardo (1859-1863). Digno de menção, embora ficasse incompleto, é o seu ensaio Do Direito e da Moral, apa recido em 1862 e, postumamente, em 1892. Em política sustenta a ideia de uma república federal, achando-se assim em certa oposição à tendência monárquica e ao programa unitário de Mazzini. De Romagnosi deriva igualmente Giuseppe Ferrari, de Milão (1811-1876), no activo do qual temos de colocar os esfor ços para que as doutrinas de Vico fossem estudadas e apre ciadas (ele fez publicar uma edição da obra de Vico, em seis volumes, que anotou e fez anteceder de notável ensaio). Tam bém escreveu com vigoroso engenho, muito embora nem sempre com método rigoroso, uma Filosofia da Revolução, 1851, e um Curso sobre os escritores políticos da Itália, 1862. Como Cat taneo, foi tenaz defensor do federalismo. Mas a sua fama de filósofo da história teve a sua origem na Teoria dos períodos políticos, segundo a qual a evolução social se realiza sem pre em quatro períodos, cada um deles correspondendo à duração de uma geração (cerca de trinta anos). Ferrari designa assim estes períodos: o dos precursores, o dos revolucionários, o dos reaccionários e o dos solucionadores. São estes últimos os que organizam as coisas segundo uma ordem estável. Mas, nesse mesmo momento, iniciam os precursores novo ciclo evolutivo. Semelhante esquematização filosófica da história, como aliás todas as outras, encerra uma parte de verdade e uma parte de erro, pois a história acaba sempre por refutar os esquemas rígidos.

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(1810-1870) merece também ser citado pela sua obra Crítica da ciência de legislação comparada, 1857, na qual continua — dando-lhe, por vezes, novos desenvolvimen tos e modificando-o em parte — o pensamento de Vico no campo da Filosofia da história, e, em especial do direito, parti cularmente no que toca ao direito comparado. São ainda de recordar, na história do pensamento italiano, alguns partidários do hegelianismo: Augusto Vera, de Amelia na Umbria (1813-1885), representante do hegelianismo orto doxo e intransigente; Bertrando Spaventa, de Bomba, perto de Chieti (1817-1889), eficaz promotor do estudo da Filosofia alemã e que se mostra influído também ,por Kant. O seu hege lianismo de certo modo combina-se com o kantismo. Nos Estu dos sobre a Ética de Hegel (1869), evidenciou-se um notável reelaborador, não de todo privado de originalidade, das dou trinas hegelianas também no campo da Filosofia do Direito. Emérico

Amari

Apreciáveis contribuições à escola do Direito racional foram dadas neste período por diversos autores italianos, além de Baroli e Tolomei, já atrás mencionados. As obras destes auto res não se distinguiram pela originalidade, mas continuam uma alta tradição de pensamento e não merecem por isso o olvido em que caíram. Lembraremos entre outros: C. Bon Compagni, autor da Introdução à ciência do Direito para uso dos italianos (1848); B. d’AcQUiSTO, Curso de Direito natural ou de Filosofia do Direito (1852); L. Pizzarelli, Curso Elementar do Direito da justiça natural entre privados (1860); A. Catara-Lettieri, Introdução à Filosofia Moral e ao Direito racional (1862, 2.® ed., 1872); P. Fiorentino, Programa de um novo Direito Filo sófico ou os princípios racionais do Direito segundo a ordem lógica (1859); Vicente Pagano, Novos elementos de Direito racional ou universal (1863) ; F. A. de Luca, Filosofia do Direito — ou Instituições completas de Direito natural e Direito público (186S-1861f). Não é inoportuno recordar que o ensaio de B. Crisafulli Zappalá, Autoridade dos Italianos na ciência do Direito


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(1862), utiliza as mesmas ideias na apreciação dos que contri buíram para o progresso da Filosofia do Direito na Itália. Também não devemos esquecer alguns escritores que, embora não .pertençam directamente àquela escola, lhe segui ram em grande parte os princípios e métodos: João Carmignani (1768-1847), o qual além da citada obra histórica (História da origem e do progresso da Filosofia do Direito), escreveu uma Teoria das leis de segurança social e uma mono grafia inédita, Juris philosophies lineamenta (22). Com A Teo ria das leis pretendeu sobretudo assentar o direito penal sobre bases filosóficas. Nesta matéria, foi seu discípulo o grande jurisconsulto F. Carrara, P. L. Albini (1807-1863); escreveu o Ensaio analítico sobre o Direito e sobre a ciência e a instnir ção política-legal (1839); o iivro Do princípio siopremo do Direito (185If); e os Princípios da Filosofia do Direito (1857). Nesta última obra, aproximando-se de outros autores, em espe cial de Rosmini, diligenciou efectuar a distinção entre «direito filosófico», «direito da razão» e «direito positivo». B. Poli (1795-1883) foi ecléctico. Afirma a existência de um Direito natural «filho da razão» (v. especialmente o ensaio Da reforma da juris prudência como ciência, no volume Ensaios de ciência político-legal, 18^1). F. Del Rosso, no seu livro Dever e Direito ou Ensaio de Filosofia moral (18^5-18^7), analiza o conceito de dever, o qual é por ele deduzido do Direito. L. Ambrosoli, na sua Introdução à jurisprudência filosófica (18^6), seguiu, em parte, o caminho aberto por Romagnosi, mas tentou conciliar a Escola histórica com a escola racional. Também o mesmo intuito foi seguido por Alexandre De Giorgi, conhecido sobre tudo pela cuidada edição que nos deu das obras de Romagnosi; a estas estudou-as com pertinaz, embora infrutífero esforço, procurando interpretá-las e corrigi-las à sua feição, e conciliálas com o espiritualismo. Não admira assim que a influência de Romagnosi surja mesclada com outras influências bastante heterogéneas no Ensaio sobre os princípios fundamentais do Direito filosófico e, em particular, sobre a teoria do direito penal

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(1852). A De Giorgi se deve também longa e severa critica, feita do ponto de vista católico, ao sistema de Ahrens: Exame do curso de direito natural do Prof. H. Ahrens (1853), e um ensaio sobre A Filosofia do Direito e a Escola histórica (1863). Com a tradição romagnosiana, largamente entendida (que se manteve particularmente viva na Universidade de Pavia) pren dem-se também as Prólusioni de Alexandre Nova (A Filoso fia a Filosofia do Direito, 1862). Notáveis manifestações de actividade deu tamlbém a Escola católica do Direito natural, de que fizeram parte alguns dos autores já mencionados, como, por exemplo, com brilho de ori ginalidade, Rosmini. Entre os principais representantes dela, neste período, além de Rosmini, devemos citar: Luís Taparelli, de Turim (1793-1862), a quem se ficou a dever o tratado filosófico mais amplo e reflectido sobre o direito em geral e os seus vários ramos — Ensaio Teorético de Direito natural apoiado sobre os factos (1840-1843), além de um resumo do mesmo tratado: Curso elementar de Direito natural para uso das escolas (1845). Escreveu ainda uma obra que pode consi derar-se um apêndice ao comentário da primeira, intitulada Exame crítico das ordens representativas na sociedade moderna (1854). Mateus Liberatori deixou^nos uns Ethicce et Iuris naturce élementa (1846) e Guilherme Audisio o Iuris naturce et gentium privati et publici fundamenta (1852). Segundo os mesmos princípios, mas com singular vivacidade e clareza de ideias, P. Gioachino Ventura (1792-1861) discutiu também os problemas fundamentais de direito público em Le powooir public chrétien (1858J e n o Essai sur le pouvoir public ou expo sition des lois naturéües de Vordre social (1859), de que apa receram edições italianas em 1860. Partidários de Rosmini foram Francisco Melillo que nos legou umas Instituições do direito natural e das gentes (1846, 2.a ed. em 1856) e um Manual de Filosofia do Direito para uso da juventude italiana (1869); e Ugolino Fasolis, com os Ele mentos da Filosofia e da História do Direito (1867). Quanto


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a Luís Rossi, com o livro Da Filosofia do Direito (1853), e ao abade Felice Toscano, com o seu notável Curso elementar de Filosofia do Direito (1860, 3.a ed. 1869), foram escritores mais presos das influências de Gioberti. Convém contudo advertir que não só os autores que acaba mos de citar, como também os outros já antes citados, e os que indicaremos a seguir, acolheram implícita ou explicitamente nas suas doutrinas os princípios fundamentais da Ética cristã, quer aceitando-os a priori, quer chegando a eles por diversas vias. Estes princípios, juntamente com a tradição clássica greco-romana, foram, por isso, não sem razão, considerados outros tantos elementos da Philosophia perenis. A escola do direito racional está estreitamente ligada à escola católica, e não é exagero afirmar que em muitas das suas partes os res pectivos programas coincidem. Este facto é de fácil verifi cação se se cotejarem as respectivas obras. De 1870 o nossos dias (Ardigò, Vonni, Petrone, etc.)

Os estudos de Filosofia do Direito na Itália desenvolve ram-se ainda muito mais em épocas mais recentes. Realizada a unidade da pátria, Roma ficou sendo a capital, alvo de esfor ços e trabalhos seculares, a que não foram estranhos os do pensamento. A mente dos melhores italianos deixou de ser desviada, ou, pelo menos, passou a ser menos desviada do labor científico e filosófico pelas lutas políticas. Por outro lado, esse mesmo labor, até aquele momento também disperso por vários centros de cultura com tão escassas comunicações, passa a tender -para a unificação, isto é, para uma melhor coordenação de esforços, sem prejuízo, claro está, da variedade das opiniões e das escolas. Ao mesmo tempo, também o pensamento italiano passou a ter contactos mais frequentes e activos com o pensamento de outras nações. Na época anterior, muito embora esse pensa mento tivesse encontrado notáveis e, por vezes, grandes enge

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nhos representativos manteve-se isolado. Desta sorte, a influên cia italiana sobre o pensamento europeu, para cá da Renas cença, não chegou a ser tão forte como o devia ter sido. Só em época próxima da nossa se começou a melhor relacionar a filosofia italiana com a filosofia europeia. Foram sobretudo dois autores, B. Spaventa e L. Ferri, o primeiro já recordado por nós, o segundo (1826-1895), professor em Roma, desde 1871, os que se esforçaram por tomar melhor conhecidos em Itália os grandes sistemas filosóficos estrangeiros, e no estran geiro os melhores pensadores italianos. A este propósito, é de citar o livro de Ferri, Essai sur Vhistoire de la Philosophic en Italic au dix-neuvième siècle, 2.° vol., Paris, 1869. A crítica kantiana, tão fundamental para o desenvolvimento da Filosofia moderna, foi divulgada por Carlos Cantoni (1840-1923) Felice Tosco (1845-1911), Filippo Masci (1844-1923), Pedro Martinetti (1872-1943) e outros. As doutrinas evolucionistas de Spencer, por outros propagadas, conheceram ainda maior difu são. E o mesmo se pode dizer de outras doutrinas, tanto no campo da Filosofia geral como no campo especial da Filosofia do Direito. Indiquemos agora sumariamente os autores italianos que de 1870 até hoje deram qualquer contribuição à Filosofia do Direito. Procuraremos agrupá-los, por comodidade de expo sição, tanto quanto possível, segundo as respectivas afinidades, não sem advertirmos, porém, que uma rigorosa classificação é impossível, visto cada pensador ter caracteres próprios, nem sempre definidos e nem sempre redutíveis a um único deno minador. Não obstante subsistirem nesta época todas as escolas da época antecedente, uma delas recebeu poderoso incremento e pode ser considerada como sendo a expressão típica do pensa mento moderno; a Escola positivista. De facto, foi esta a escola que, do final do século xix até aos primeiros lustros do século presente, dominou as restantes. Se nos lembrarmos


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de Galileu, quanto ao passado italiano mais remoto, de Roma gnosi e de Cattaneo, quanto ao passado mais recente, verifi caremos que esta escola não deixava também de ter anteceden tes em Itália. Porém, o maior impulso recebeu-o das influências provindas de Comte, Darwin e Spencer, cujas obras foram largamente divulgadas e acolhidas com o maior fervor, não só devido ao próprio mérito, como também por fornecerem novos argumentos contra as doutrinas tradicionais. O principal repre sentante do positivismo italiano foi Roberto Ardigò, de Casteldidone perto de Gremona (1828-1920), que nos legou um sis tema completo, não destituído de originalidade. A sua activi dade conquistou-lhe numerosos discípulos, dos quais mencio naremos aqui: G. Tarozzi, G. Machesini, E. Ferri e A. Gropalli. Das suas numerosas obras, recolhidas em onze volumes, recordaremos uma: A moral dos positivistas (1878-1879) a qual na primeira edição abrangia também a Sociologia, publicada mais tarde, depois de reelaborada, em volume separado. Tanto a Moral como o Direito são por Ardigò encarados pelo lado empírico ou fenoménico, ou seja: como factos. Estes são por ele estudados, segundo o critério preferido, na sua «formação natural», através da passagem do «indistinto para o distinto». No entanto, admite, além do direito positivo —que identifica com o «facto de poder» — um «direito natural». Com esta fórmula designa, porém, Ardigò uma simples idealidade ou actualidade psicológica que prepara o direito do futuro, desti nado a desterrar o direito do passado. «O ideal absoluto do Direito — escreve Ardigò — não existe verdadeiramente». Afir mação exacta, sem dúvida, se reduzirmos a realidade ao rela tivo. Mas é digno de nota que, apesar de tudo Ardigò reconhe ceu, tanto quanto lhe permitiam a posição assumida e os prin cípios adoptados, a idealidade da Justiça, por ele definida como «a força específica do organismo social». Abster-nos-emos de nos referir a outros positivistas, cuja importância para a nossa disciplina é muito menor que a de Ardigò. Haja em vista Andrea Angiulli (1837-1890), autor

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de um livro notável sobre a Füosofia e a Escola (1888). Aqui ocupar-nos-emos apenas dos partidários do positivismo no campo especial da Filosofia do Direito. De todos o que gozou de maior autoridade foi sem dúvida, Icílio Vanni (1855-1903) que dedicou alguns dos seus escritos — todos aliás bastante meditados— a problemas metodoló gicos. Assim por ex.: Primeiras linhas de um 'programa crítico de Sociologia (1888); O 'problema da Filosofia, na ciência e na vida do nosso tempo (1890); A função prática da Filo sofia do Direito considerada em si e em relação ao sociologismo contemporâneo (1894); O Direito na totalidade das suas rela ções e a investigação objectiva (1900); A teoria do conheci mento com introdução sociológica e a exigência crítica do posi tivismo (1902). Ao seu fino espírito científico não podiam, porém, escapar as fraquezas, na verdade irreparáveis, do pro grama positivista, a que aderira completamente. Por exemplo, não lhe podia escapar a dificuldade que consistia em querer retirar da experiência os critérios que a tomariam possível; ou em querer basear nos factos, cuja estimativa se pretende efectuar, os próprios valores éticos ou deontológicos, sem os quais essa estimativa seria impossível. Por isso, arvorou-se em defensor de um positivismo crítico, ou, por outras palavras, de um «conúbio do positivismo com a crítica» — conúbio de ante mão condenado à esterilidade, ou, pelo menos, a escassa fecun didade, devido ao carácter profundamente heterogéneo dos seus termos. Os escritos de Vanni —e acrescentemos aqui aos já indicados a monografia intitulada Os estudos de H. S. Maine e as doutrinas da Filosofia do Direito (1892) (2S) e as Lições de Füosofia do Direito, dadas à estampa em 1904, depois da morte prematura do autor— têm contudo grande valor pelo alto grau de consciência que acompanhou as investigações, a excelente informação e a lucidez da forma. Devido a estes seus dotes, Vanni foi óptimo mestre, e na sua escola se formaram alguns dos professores que ensinaram esta matéria e que,


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mesmo quando se afastaram das suas doutrinas, sempre se confessaram gratos ao seu ensino. O positivismo mais rigoroso e intransigente, concebido à maneira de uma investigação genético-evolutiva do direito, de uma fenomenologia do direito, teve em Salvatore Fragapane (1868-1909) de Licodia Eubea, próximo de Catania, um repre sentante vigoroso. Fragapane sustentou com Vanni uma polé mica viva e ampla, pois acusava-o de ecléctico. A sua obra vasta constitui o testemunho do seu vigoroso engenho, embora não tivesse dado todos os frutos que dela se esperavam, pois foi cortada, como já aconteceu à de Vanni, por uma morte prematura: Contratualismo e Sociologia contemporânea (1892). As suas obras — O problema das origens do Direito (1896); Da Filosofia do Direito na actucil organização dos estudos (1899); Objecto e limites da Filosofia do Direito; Os critérios da limitação positiva da Filosofia do Direito (vol. i, 1897); As relações gnoseológicas e práticas da Filosofia do Direito (vol. ii, 1899); Escorço de uma fenomenologia pura do Direito entendida como Filosofia (vol. hi que ficou incompleto) — ates tam um vigoroso engenho, capaz de produzir outros frutos, se a morte prematura o não levasse, como já o fizera a Vanni e a Petrone. Pertencem igualmente à escola positivista os seguintes auto res (21): R. Schiattarella, Os pressupostos do direito cientí fico e questões afins de Filosofia contemporânea (1881, 2.a ed., 1885); G. Vadalá Papale, Moral e Direito na vida (1881); Darwinismo natural e Darwinismo social (1882); V. Wautrain Cavagnari, O ideal do Direito (1883); As leis da orga nização social (1890); P. Cogliolo, Filosofia do Direito privado (1888, 3.* ed., 1936); G. d’Aguanno, A génese e a evolução do Direito civil segundo o resultado das ciências antropológicas e histórico-sociais (1890); A. Majorana, Teoria sociológica da constituição política (2.* ed., 1894); M. A. Vaccaro, As bases do Direito e do Estado (1893); e V. Miceli, Estudos de Psico logia do Direito (1902), As fontes do Direito no ponto de vista

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psíquico-social (1905), A norma jurídica (1906), Princípios de Filosofia do Direito (1914, 2.a ed., 1928) — obras em que consi derou sempre o Direito pelo aspecto psicológico, como fenó meno de convicção colectiva. Além destes, citemos ainda: G. Dallaei, D os novos fundamentos da Filosofia do Direito (1896), A necessidade do positivismo crítico para o estudo da Filosofia do Direito (1896), A necessidade do positivismo crí tico para o estudo da Filosofia do Direito (1903); O novo contratualismo na Filosofia social e jurídica (1911); A Groppali, Os caracteres diferenciais da Moral e do Direito segundo a escola positiva inglesa (1901); LÀções de Sociologia (1902); 0 problema do fundamento intrínseco do Direito no positivismo moderno (1901t); Filosofia do Direito (1906, 2.a ed. reelaborada, 1944); F. Puglia, A função do Direito na dinâmica social (1903); A luta pelo Direito e pela evolução social (1903); Unhas gerais de um sistema de Filosofia do Direito (1907); T. Labbiola, Imperativo jurídico e adesão espontârúea (1905); Razão, funções e desenvolvimento da Filosofia do Direito (1906); Da ideia de justiça (1906); A. Falchi, A s exigências metafísicas da Filosofia cio Direito e o valor do apriori (1910); A teoria do Direito no sistema da Filosofia jurídica (1926); Nesta última obra pretendeu Falchi refutar as Objecções diri gidas ao positivismo jurídico. E ainda: Alexandre Levi, Para um programa de Filosofia do Direito (1905); Contribuição para uma teoria filosófica do ordenamento jurídico (1913); Filo sofia do Direito e tecnicismo jurídico (1920); Ensaios de teoria do Direito (192Jf) — obras em que, ultrapassando a esfera dos dados empíricos, dedica particular atenção à natureza lógica do Direito e oferece notáveis observações. E finalmente: G. Nardi-Greco, Sociologia jurídica (1907); F. Cosentini, A reforma da legislação civil (1911), Sociologia (1912) e Filosofia do Direito (1914); G. Mazzarella, A unidade elemen tar dos sistemas jurídicos (1922) em que particularmente se atende à etnologia jurídica, e R. Vacca O Direito experimental (1913), que, embora mantendo-se fiel nas suas investigações


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tão originais ao método rigorosamente indutivo, deixou imprejudicadas as perspectivas que permitem diversa consideração filosófica do direito. Outros autores, se não directamente, pelo menos como parte da fenomenologia social, tal como esta era entendida pelo posi tivismo, trataram do Direito nas suas obras de sociólogos ou economistas. Estão neste caso: V. Pareto (1848-1923), Tratado de Sociologia Geral, 1916, 2.a ed., 1923; A. Loria (1857-1943); A teoria económica da constituição política (1886), obra que ampliou e republicou com o título de As bases económicas da constituição social (4.a ed., 1913); A sociologia, sua tarefa e suas escolas (1901); e 'bem assim A. Asturaro, A sociologia, os seus métodos e as suas descobertas (1896, 2.a ed., 1907); O Materialismo histórico e a Sociologia geral, (1901f); Socio logia política (1911); E. de Marinis, Sistema geral, (190Jf); Sistema de sociologia (1901); Sociologia política (1911); F. Squillace, As doutrinas sociológicas (1902); etc. Muitos estudos sobre este argumento e sobre o Direito foram também publicados na Revista italiana de Sociologia (1897-1920). Os fenómenos da vida social na sua conexão com a criminalidade foram amplamente tratados pela Escola positiva do Direito penal, fundada por César Lombroso (1835-1909): O homem delinquente (5.a ed., 1896-97), O delito político e as revoluções (1890), e por E. Ferri, cuja Sociologia criminal (5.a ed., 1929) resultou da ampliação de uma outra obra, publicada em 1881, Os novos horizontes do Direito e do processo penal. R. Garofalo e S. Sighele pertenceram igualmente a esta escola que foi, sem dúvida, uma das mais vigorosas e eficazes manifes tações do positivismo italiano, acordando em muitas partes do mundo tantos aplausos como discordâmcias. Pode contudo notar-se que algumas das suas conclusões práticas, bem como a reforma racional dos institutos penais e dos meios de pre venção e de defesa contra os delinquentes, poderiam igualmente derivar-se, e acaso melhor, de premissas filosóficas muito diferentes.

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Afim da orientação positivista, na medida em que atende só ao estudo dos factos, mas distinta dela na atitude que adopta na consideração dos mesmos factos, é a orientação da escola histórica ou neo-histórica representada sobretudo por Carle. Semelhante orientação tem a sua origem em Vico e na tradição por ele iniciada e, desde então, sempre viva em Itália. A ela se agregaram alguns elementos desgarrados do sistema de Romagnosi e, principalmente, as contribuições rece bidas da Escola histórica do Direito. Indirectamente, pelo menos, também nela influiu o idealismo objectivo de Schelling e Hegel. Mais que uma verdadeira escola, trata-se de uma orien tação, de uma tendência, da qual se acham vestígios também em pensadores de carácter ecléctico ou em adeptos de outras escolas. Para o elemento histórico, considerado necessário na ciência filosófica do Direito como «princípio essencial» apelou também, por exemplo, em várias obras, A. Cavagnari, Orien tação moderna da Filosofia do Direito (1870); Ensaio de Filo sofia jurídica segundo os cânones da escola histórica (1865); Elementos naturais, históricos e filosóficos do sistema do Direito (1876); Curso moderno de Filosofia do Direito (vol. i, 1882, vol. n, 1892, vol. m, 1907), publicado com o título Prin cípios críticos da ciência política do Estado. Estas obras encer ram fórmulas e conceitos assaz heterogéneos que o autor não chegou a reunir em sistema. Não imune de certo eclectismo, mas muito mais vigoroso e coerente nas suas afirmações, foi Giuseppe Carle, de Chiusa di Pezio, no Piemonte (1845-1917) com os seus Programas do Ensino da Filosofia do Direito (187k), Ensaios de Filosofia social (1875), A vida do Direito nas suas relações com a vida social (1880, 2.a ed. 1890) e A Filosofia do Direito no Estado moderno (vol. i, 1903). Ficou incompleta a última obra citada. O autor, porém, foi um benemérito dos estudos da Filosofia do Direito, não só pela importância dos seus trabalhos como também pelo ensino a que, na Universidade de Turim, larga e devotadamente se entregou. Em obras de amplas perspectivas,


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inspirando-se sobretudo nas tradições do pensamento jurídico e filosófico italiano (particularmente no Direito romano, em Vico e em Romagnosi) e procurando desenvolvê-las em har monia com o pensamento europeu do seu tempo, Carle estudou a génese e o desenvolvimento histórico das doutrinas jurídicas positivas e das instituições sociais e políticas. Nestas investi gações mostrou-se possuído de um espírito mais sintético que analítico, mais construtivo e assimilador do que dialéctico e crítico. Dele não pode afirmar-se que meditasse o significado mais profundo da crítica kantiana. Seguiu, em parte, as dou trinas de Comte e Spencer, mas tentou evitar-lhes a unilateralidade e superá-las com uma visão integral dos vários elementos, especialmente psicológicos, que no seu entender determinam a vida da sociedade e do direito. A obra de Carle foi dignamente continuada, quer na cátedra quer no livro, pelo seu discípulo Giole Solari, que dedicou à obra do mestre, aos seus precedentes e às suas conexões, uma monografia preciosa: A vida e o pensamento civil de G. Carie (1928). Mais profunda e directamente informado que o seu mestre sobre os grandes sistemas de Filosofia moderna, nomeadamente do hegeliano, Solari ressente-se dessa influência na sua orientação, sempre no sentido do historicismo. Numero sas e notáveis foram contudo as suas contribuições para a história da Filosofia do Direito, pois as suas investigações eruditas foram sempre acompanhadas de crítica severa. Cita remos as seguintes obras: A escola do direito natural nas dou trinas ético jurídicas dos séculos XVII e XVIII (190b); A. ideia individual e a ideia social no direito privado (P. i, 1911, P. n, 1940, com o título Historicismo e direito privado); Estudos históricos de Füosofia do Direito (19}9). A escola hegeliana propriamente dita, que se manteve sobretudo na Itália meridional, teve como representantes prin cipais, além dos já citados Vera e Spaventa, A. C. de Meis (1817-1891), discípulo do segundo e autor de alguns ensaios P D-I3

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de Filosofia política (como: O Soberano (1868), nova edição devida a Croce (1928); O Estado (1869); os dois ensaios foram reeditados por F. Battaglia, no vol.: Os problemas do Estado Moderno; P. D’ercole (1831-1917), A pena de morte e a sua abolição (1875); R. Mariano (1840-1912), A libèrdade de cons ciência (1875); O indivíduo e o Estado nas relações económico-sociais (1876). A melhor parte da actividade destes escritores e de outros da mesma escola foi contudo dedicada à Filosofia teorética e a certos problemas da Filosofia moral e jurídica. Mas Hegel teve influência mais eficaz, embora não exclu siva, na formação intelectuail de alguns jurisconsultos e filó sofos do direito, dos quais devemos recordar agora Filomusi Guelfi e Miraglia. Francisco Filomusi Guelfi (1842-1922), discípulo de B. Spaventa, acusa ainda a influência do irmão deste, o patriota e estadista Sílvio Spa venta (1822-1883), sobretudo no tocante à concepção do Estado. Deteve por muito tempo, com suma dignidade e elevação de pensamento, a cátedra de Direito civil e de Filosofia do Direito na Universidade de Roma. Encontra mos, aí, juntamente com elementos hegeüanos, elementos vichianos e kantianos nas suas doutrinas fundamentais, expostas na parte introdutiva da sua excelente Enciclopédia Jurídica (1873, 7.a ed. 1917) e nas suas Lições de Filosofia do Direito publicadas apenas recentemente (1949). Notaremos entre os seus outros escritos, todos breves, mas todos profundamente meditados e notáveis pela clássica nitidez do estilo: A doutrina do Estado na antiguidade grega considerada nas suas relações com a Êtica (1873); Do conceito do Direito natural e do Direito posi tivo na história da Filosofia do Direito (1874); Do conceito de Enciclopédia jurídica (1876); A codificação civil e as ideias modernas quie se lhe referem (1887). O direito é por ele con cebido como princípio de organização e desenvolvimento, que determina a coexistência da liberdade. A ideia suprema do direito é universal e absoluta, e realiza-se de forma concreta e histórica como direito positivo, no qual sempre se encontra junto a um carácter de relatividade um elemento ideal. Da ideia


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do direito deriva um sistema de exigências racionais que devem encontrar satisfação no próprio direito positivo. O Estado, segundo Filomusi Guelfi, é um organismo ético e, simultanea mente, um «organismo jurídico». Nestas teses são facilmente identificáveis as influências assinaladas. Semelhantes a estas, mas acusando mais forte inclinação para o historicismo, são as doutrinas de Luís Miraglia, de Reggio na Calábria (1846-1903), que leccionou durante muitos anos Filosofia do Direito na Universidade de Nápoles. A ele ficamos a dever amplo e douto tratado, a sua Filosofia do Direito (1885, 3.a ed., 1903), que todavia, nunca passou do primeiro volume. Neste volume publicou ele a refundição dos seus escri tos menores, como, por exemplo, o ensaio sobre os Princípios fundamentais dos diversos sistemas de Filosofia do Direito e da Doutrina ético-jurídica de O. O. Hegel (1873). Particular mente notáveis nesta obra são as considerações filosóficas sobre os institutos de direito privado. Na sua parte mais geral, ins pirada sempre pelo intuito de conciliar o elemento ideal ou racional com o elemento positivo do direito, é notório o esforço dispendido para harmonizar os sistemas mais opostos, reco lhendo de cada um a sua parte de verdade; — esforço que aliás não ajudou, antes prejudicou, o efectivo aprofundamento espe culativo. Temos de reservar aqui um lugar a JoÃo Bovio, de Trani (1821-1903), pensador singularíssimo que nos deixou: O novo verbo, Sistema de Filosofia universal (186b); Ensaio crítico de direito penal (1872); Curso de ciêrwia de Direito (1877), publicado com o título de Filosofia do Direito (1885, 2.a ed. 1894); Sumário de História do Direito em Itália, desde a origem, em Roma, até nossos dias (1883, 2.a ed., com o título: Escorço de uma História, 1895). Foi sua ambição constituir um sistema, a que deu o nome de «naturalismo matemático». Com este sistema julgava-se apto a superar o hegelianismo, permanecendo aliás num certo sentido positivista. Mas, na realidade, estava Bovio muito longe do positivismo e, pela

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sua tendência abstracta e logicista, muito mais próximo daquilo de que se queria afastar: o racionalismo dogmático de Hegel. Ele próprio, em 1864, escreveu: «Se a filosofia de Hegel não é verdadeira, nenhuma outra a ultrapassa em verdade, nenhuma se lhe compara em coerência». Ê assim que sustenta a ideia de evolução, embora mais como sistema dialéctico do que como resultado da experiência. A natureza faz-se pensamento, o pen samento faz-se história. Nas suas obras dedicadas ao direito abundam as formas conceituosas e, por assim dizer, lapidares, embora não raro paradoxais. Eis um exemplo: «O Estado é um meio geométrico proporcional entre a Igreja e o Ateneu». Mas falta-lhe a análise e a elaboração científica. Por isso, apesar de ter tido numerosos admiradores e da sua exemplar rectidão, nunca teve nem podia ter tido continuadores. Posteriormente inspiraram-se também em Hegel dois dos mais insignes pensadores italianos contemporâneos: Benedeto Croce, nascido em 1866, em Pescasseroli, na Itália Meridional, e JoÃo Gentile, de Castelvetrano, na Sicília, (1875-1944), ambos grandes beneméritos pelo impulso que deram aos estudos his tóricos e filosóficos. Contudo não aprofundaram as investiga ções acerca do direito nem lhe penetraram a natureza. Croce — Redução da Füosofia do Direito à Filosofia da Economia (1907, 2.tt ed., 1926); Filosofia da prática; Economia e Btica, (5.a ed., 1945); Elementos de política (1925)— desconhece inteiramente a índole ética e normativa do direito na sua tenta tiva de o reduzir à Economia. Fácil foi mostrar-lhe o erro de semelhante concepção. (Vejam-se as nossas observações na Revista Internacional de Füosofia do Direito, xv, 1935 págs. 617, 622, xvi, 1936, págs. 567, 569). E, na verdade, singular que Croce, profundo estudioso da obra de Vico, não tenha desco berto que o direito é manifestação própria e distinta da mente humana, isto é, uma autêntica categoria. E isto exactamente como a Moral, com a qual compartilha o carácter da universa lidade. Considerando fundamento único do Direito a conve niência económica, Croce refuta e combate a ideia do Direito


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natural; nega, portanto, que os homens tenham direitos inatos, naturais e inalienáveis; afirma a «amoralidade da política» e a «anterioridade da política à moral»; sustenta que o Estado deve conceber-se «como potência e não como justiça», e que deve considerar-se «morta a inócua ideia dum Direito internacional como legislação moral da humanidade». Estas suas doutrinas que importam, manifestamente, o repúdio dos mais elevados ideais humanos, não o impediram contudo de se classificar a si mesmo como liberal e de ser por muitos reputado como um símbolo do liberalismo. Gentile nos seus Os fundamentos da Füosofia do Direito (1916, 3.a ed., 1937) —cfr. a obra póstuma Génese e estrutura da sociedade (1946)— define o direito como um querer já querido, considerando-o antítese da Moral: «vontade em acto». Seria fácil opor a esta concepção que o direito não é apenas conformidade a uma norma já dada. mas, acima de tudo, cria ção dessa mesma norma, na sua figura específica, ou seja determinação daquele critério fundamental graças ao qual o lícito se distingue do ilícito nas relações entre vários sujeitos. Esta doutrina, por outro lado, desconhece ainda o carácter originário e sui generis do próprio direito, considerado como produto necessário do espírito humano. Estes defeitos tão patentes e estranhos fazem recordar o famoso dito ciceroneano «Nihil tam absurde did potest, quod non dioatur ab aliquo philosophic, mas não impediram que as doutrinas citadas lograssem certo eco e exercessem certo influxo sobre diversos cultores da Filosofia do Direito — influxo por ventura devido à fama conquistada pelo autor em outros cam pos do saber. Mas por amor da verdade deve acrescentar-se que nenhum deles as aceitou sem reservas, correcções ou interro gações. Mesmo dedicando àquelas doutrinas uma atenção, em nosso entender imerecida, souberam desenvolver o próprio pen samento em trabalhos dignos de nota: Giuseppe Maggiore, A unidade do mundo no sistema do pensamento (1913); O Di reito e o seu processo ideal (1916); Füosofia do Dirdto (1921);

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A equidade e o seu valor no Direito (1923); W. Cesarini Sforza, 0 conceito do Direito e a jurisprudência integral (1913); «Ius» e «directum» (1930); Objectividade e abstracção na experiência jurídica (1934); Guia para o estudo da Filosofia do Direito (1945); A. E. Cammarata, Contribuição para uma crítica gnoseológica da jurisprudência — o problema do Direito em rela ção com o problema do Estado (1925); O conceito do Direito e a «pluralidade dos ordenamentos jurídicos* (1926); O signi ficado e a função do «facto* na experiência jurídica (1929); Limites entre o formalismo e a dogmática nas figuras de quali ficação jurídica (1936). •

Mantendo uma tradição constante, continua também, du rante este período, desenvolvendo-se progressivamente, o tra balho da escola católica de Filosofia do Direito. Esta, sem se desnortear com a expressão de opostas doutrinas, inflexivel mente sustenta a grande ideia do Direito natural. Este, segundo a mesma escola (que neste pensamento clássico é una), é o fundamento do Direito positivo. Por outro lado, a lei natural funda-se na vontade e sabedoria divinas. Representantes desta escola são, logo a seguir aos que já deixamos indicados atrás, os seguintes: Giuseppe Prisco (1836-1923), arcebispo de Nápoles, Metafísica da Moral, ou seja Ética geral (1865); Princípios da Filosofia do Direito, baseados na Ética (1872); 0 Estado segundo o Direito e segundo os ensi namentos de Leão XIII (1886); Júlio Costa Rossetti (1841-1900), Philosophia moralis seu Institutiones Ethicce et iuris naturalis (1886, 2.» ed., 1892); e Félix Cavagnis (1841-1906), Noções de direito publico natural eclesiástico (1886), também publicado em várias edições latinas. A estes outros se segui ram, os quais, fundando-se nos mesmos princípios, às suas obras imprimiram carácter menos dogmático, quer por toma rem em consideração as doutrinas de escolas diferentes, quer


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por atenderem aos problemas levantados pela vida moderna. Nesta tendência se integrou o abade Vicente Lilli (1837-1905), contemporâneo dos autores citados, professor em Messina desde 1886, e que nos deixou as seguintes obras: Teorias fundamentais da Filosofia do Direito (1877); Filosofia do Direito (1880); Crítica da teoria ético jurídica de J. S. Mill (1889), Manual de Filosofia do Direito (1903). Merecem igualmente ficar aqui consignados os nomes de A. Burri, As teorias políticas de S. Tomás e o moderno direito público (1884); V. Rivalta, A renovação da jurisprudência filosófica segundo a escolástica (1888); Direito natural e positivo, — ensaio histórico (1898); G. B. Biavaschi, Origem da força obrigatória das normas jurí dicas (1907); O problema da autoridade civil no direito público vigente (1910); A crise na Filosofia do Direito (1913, 2.» ed., 1922); A concepção filosófica do Estado moderno (1918, 3.a ed., 1918), com o título, A moderna concepção filosófica do Estado (1924); O direito natural no moderno pensamento filosófico- jurídico (1953); F. Aquilanti, Filosofia do Direito, vol. i, Pres supostos, — História, vol. n, Teoria (1916); M. Cordovani, O di reito natural na moderna cultura italiana (1924) reeditada no vol., Catolicismo e idealismo (1928); Lineamentos tomistas de uma Filosofia do Direito (1934); O cidadão e o Estado na Filosofia de S. Tomás de Aquino (1944); F. Olgiati, O renascimento do direito natural em Itália (1930); A redução do conceito filosó fico do Direito ao conceito da Justiça (1932); O conceito de Juridicidade e S. Tomás de Aquino (1943); O conceito de juridicidade na moderna ciência do Direito (1943); L. Sturzo, A comunidade Internacional e o direito de guerra; G. Gonella Classificação dos conceitos de natureza na Filosofia do Direito (1933); A pes soa na Filosofia do Direito (1938); A crise do contratuálismo (1938); A noção do bem comum (1938); Pressupostos de uma ordem internacional (1942); Princípios de uma ordem social (1944); V. Viglietti, Corporativismo e Cristianismo (1934); Ideia e conceito do Direito (1935); A lição de um Mestre (1934)'> Premissas metafísicas da doutrina, etc. (1938); S. Romani,

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As bases da Moral e do Direito (1935); De norma iuris (1987); A. Brucculeri, As doutrinas sociais do catolicismo; A justiça social; A função social da propriedade; O Estado e o indiví duo; A ordem internacional, etc., (1936-1942); A. Messineo, Justiça e expansão colonial (1937); O direito internacional na doutrina católica (1942, 2.a ed., 1944); G. Della Rocca, O Es tado ético (1938); G. Graneris, Phüosophia juris (1943); Gnoseologia no pensamento de Vico (1945); Contribuições tomistas à Filosofia do Direito (1949); A. Oddone, A resistência às leis injustas segundo a doutrina católica (1944-1945) iin «Civ. Cattólica», Quad., 2262 e 2270; S. Lener, A certeza do Direito e o Direito natural (1950). Estes escritos, e não poucos outros, embora designais em importância, testemunham, com efeito, a actividade do pen samento católico italiano no campo da Filosofia do Direito. Relembre-se, por outro lado, quanto dissemos a propósito da efectiva adesão de escritores de diferentes escolas aos mesmos princípios e sobretudo às mesmas conclusões. Supérfluo é recordar, pois é universalmente conhecido, que as máximas fundamentais do Cristianismo no tocante ao direito, ao Estado e à sociedade receberam também ultimamente uma autorizada e rigorosa expressão, para as circunstâncias pre sentes, nas mensagens do Pontífice Pio xii. A estas se referem particularmente, com amplos comentários, as duas obras de Gonella que citamos. Se as escolas e orientações assinaladas tiveram na Itália, durante o último quartel do século xix e início do actual, pre domínio quase excslusivo, nem por isso fica tudo dito, pois temos ainda de nos referir aos escritores que, sem pertencerem a qualquer delas, trataram contudo de assuntos da Filosofia do Direito. As suas obras possuem carácter ecléctico e relacio nam-se de várias maneiras com as doutrinas da época prece dente.


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Assim, motivos rosminianos, não desacompanhados de crí ticas dirigidas ao próprio Rosmini, encontram-se na obra assaz notável de Luís Mattirolo, Princípios de Filosofia do Direito privado e público (1871). Este autor tentou, por exemplo, con ciliar a escola racional, ou jurídico-filosófica, com a Escola histórica. Já com Augusto Conti se nos separa um seco e vão dogmatismo ideológico, que dir-se-ia ignorar os problemas levan tados ao pensamento moderno pela crítica kantiana: O bem no verdadeiro ou Moral e Direito natural (1813, 2.a ed., 1884). Por sua vez Luís Lucchini, Filosofia do Direito e da Prática sobre a base da evolução cósmica (1874) que se ligou às doutrinas da escola racionalista, e a um vago evolucionismo naturalístico, escreveu sobre a nossa disciplina, quando jovem, e tomou-se depois célebre penalista. Às tradições filosófico-jurídicas se mantém também fiel, refreando o evolucionismo nascente, G. S. Tempia, De alguns lineamentos da ideia de lei jurídica (1880), obra republicada na edição póstuma dos seus Vários escritos sociológicos e jurídicos, com prefácio de C. F. Gabba (1891), cuja vida tão curta (1855-1889) o impediu de dar ao seu pen samento mais amplos e rigorosos desenvolvimentos. Pobre de conteúdo filosófico e, além disso, mesclada, é a obra de D. Lioy, Da Filosofia do Direito (2.° vol., 3.a ed., 1887-1888, 4.a ed., 1907), vertida para várias línguas estrangeiras mas que pouco deve ter concorrido para acreditar o pensamento italiano. Não são melhores os escritos de G. Abate Longo: Introdução ao Estudo da Filosofia do Direito (1880), Princípios da Filosofia do Direito (1881), Füosofia do Direito considerada nas sum modernas orientações (1885), e A lei do Direito (1888), em que aparecem fórmulas de doutrinas opostas, com aparente incli nação para o positivismo, mas sem mostras de real aprofunda mento da matéria. Já mais dignos de atenção se nos deparam os estudos de Francesco Fisichella, o qual, se não nos legou tratado completo de Filosofia do Direito, agudamente discutiu, porém, muitos dos seus problemas, a que aplicou critério racio nal: Sobre o funda/mento do Direito de propriedade (1883),

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Das relações entre a Moral e o Direito (1886), A teoria dos contratos na Filosofia do Direito (1890), Das obrigações natu rais (1889), etc. Recordemos também as monografias de carác ter prevalentemente histórico, mas em que se encontram ele mentos filosóficos, de F. Cazzaninga: A igualdade estudada na história e na ciência (1885); Ambiente, (1886); A equidade e as suas aplicações (1888), G. Cimbali, com numerosos ensaios de carácter muitas vezes polémico (A vontade humana em relação ao organismo natural, social e jurídico (2.a ed., 1898). A moral e o direito nas exigências teóricas e na realidade prática (1898); Ensaio de filosofia social e jurídica (1903); Razão e liberdade (1912), etc., em que reafirma sem aprofundar a ideia do direito natural. Mas uma verdadeira renovação dos estudos filosóficos jurí dicos, em Itália, foi a iniciada por um pensador que, pela qua lidade e importância, de longe ultrapassa não só os escritores que acabam de ser nomeados, como todos ou quase todos os outros: Igino Petrone (1870-1913). Dotado de finíssimo esipírito crítico e de genial intuição especulativa, viu e assinalou com admirável clareza os defeitos do positivismo jurídico rei nante. A sua palavra ardente, nem sempre isenta de tonalidades enfáticas, propugnou a necessidade de uma concepção mais elevada, capaz de penetrar, para além do facto nu, a natureza eminentemente espiritual e ética do direito: concepção a que chamou Idealismo crítico. Entre os seus escritos, todos notáveis, destacaremos os mais importantes: A fase recentíssima da Filosofia do Direito na Alemanha (1895); A Filosofia do Direito à Iva do idealismo crítico (1896); O valor e os limites de uma psico-génese da Moral (1896);. Este e o ensaio precedente foram reeditados, com outros, no volume intitulado: Problemas do mundo moral meditados por um idealista (1905); Contribuição à análise dos caracteres diferenciais do Direito (1897); A história interna e o problema presente da Filosofia do Direito (1898); Limites do determinismo científico (1900, 2.* ed., 1903); O Direito no


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mundo do espírito (1910). As suas Lições de Filosofia do Direito, todas dadas na Universidade de Modena, nos anos 1898-1900, foram publicadas em edição póstuma, em 1950. Especialmente na obra O Direito no mundo do espírito, Petrone, não se limi tando a dedicar às doutrinas alheias críticas perspicazes, tentou ainda delinear, embora sumariamente, o seu próprio sistema. Neste reconduz o direito à sua génese ideal, isto é, surpreendendo-o no momento em que brota da actividade produtiva do espírito. Tal princípio dialéctico consiste, no seu entender, na limitação correlativa do ego e do alter pela ideia geral e comum de socius. Escusado parece sublinharmos os preceden tes e o alcance desta doutrina, pois nela está bem patente o influxo de Fichte e o dos resultados das investigações psico lógicas de Baldwin sobre o desenvolvimento da consciência pessoal. Nas teses de carácter sistemático —por exemplo, a res peito da admissibilidade do Direito natural — mostrou Petrone, é verdade, algumas oscilações e incertezas. Por outro lado, a sua orientação especulativa nem sempre foi exactamente a mesma, pois atravessou fases diversas. Alguns lhe censuram isto. Toda via é justo reconhecer que os intuitos fundamentais do seu pensamento permaneceram sempre os mesmos, pois teve como preocupação constante reivindicar, criticamente, os supremos ideais éticos e jurídicos, em tempos que não eram certamente muito favoráveis a um semelhante programa. Daí ser tanto maior o seu mérito. A singularidade do seu temperamento filosófico derivava do facto de que Petrone era conjuntamente um hipercrítico e um místico. Nelo se conjugavam as subti lezas da Escolástica e da gnoseologia moderna. Mas, ao mesmo tempo, abrigava em si o profundo anelo de comunicar com o Absoluto. Tinha uma aspiração afanosa e quase patética de atingir aquilo que o intelecto não pode compreender e a palavra não sabe dizer. Daí ainda o especial carácter dos seus escritos, em que não raro se sobrepõe à rigorosa demonstração um lírico e apologético incitamento.

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Foi uma desgTaça, e não leve, para os estudos italianos, o facto de grave doença, terminada por morte prematura, vir perturbar e interromper a actividade de um pensador de eleição como este. Ele merece um lugar conspícuo na história da moderna Filosofia do Direito. Julgamos que a resenha até aqui feita mostrou já larga mente qual era a situação da Filosofia do Direito ao iniciar-se o século xx. Pode bem dizer-se que nesse momento ela atingiu um ponto crítico: enquanto perduravam as correntes tradicio nais, de natureza prevalentemente dogmática, erguiam-se e pre dominavam contra elas as tendências positivistas. Vivaz se mantinha ainda a corrente hegeliana, na sua direcção empírica e, por conseguinte, afim do positivismo quanto à substância. Igualmente ambígua, a corrente historicista, se, por um lado evocava Vico e utilizava as suas fórmulas, por outro rejeitava-lhe, ou não lhe aceitava francamente a metafísica, avizi nhando-se assim da posição do relativismo positivista. Do contraste entre estas correntes opostas resultou, como era inevitável, um estímulo para a solução crítica dos problemas da Filosofia do Direito. Assim nasceu a orientação que preten deu conciliar as legítimas exigências da investigação histórica e positiva com as não menos legítimas exigências da pura espe culação, ou seja, da consciência do absoluto valor da Justiça. Este programa implicava, antes de tudo mais, uma revisão das premissas gnoseológicas da matéria — revisão que não podia dispensar a crítica kantiana, embora a utilizasse sem servilismo, antes procurando na medida do possível integrá-la e superá-la. Foi ao serviço deste objectivo que foi concebida e realizada a nossa modesta obra nos ensaios sobre o Sentimento jurídico (1902), os Pressupostos filosóficos da noção do Direito (1905) e os outros, mais recentes, sobre a Justiça (2.* ed., 1944), Ver dade na moral e no direito, etc. Mas sobre estes estudos — que


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só por necessidade registamos aqui — a outros, que não a nós, compete ajuizar. E que esta fosse a mais alta exigência da nova época, parece confirmá-lo o grande número de escritores que nos primeiros decénios do nosso século se prepararam para a realização deste programa ou de outros semelhantes, como o das investigações e análises críticas sobre o conceito do Direito, os seus funda mentos e suas conexões. Pode, portanto, falar-se hoje de uma escola crítica ou neo-crítica da Filosofia do Direito, embora semelhante designação, que melhor se aplica ao método do que aos princípios e teses fundamentais, peque por excessivamente genérica. Talvez possa aceitar-se também a fórmula «idealismo crítico», já introduzida por Petrone. Ê óbvio que as denominações, as classificações e os agrupamentos, nesta matéria, só podem ter valor relativo, aproximativo, pois cada sistema deverá ser apreciado em si mesmo. Mas não há dúvida que a referida exigência crítica teve, por vezes eco e repercussões também no seio das mais diversas escolas, como já tivemos ocasião de notar, e serve sobretudo para pôr em relevo a intenção especulativa de certo número de escritores. De entre estes faremos agora menção dos principais, mas sem nos preocuparmos com distinções e apreciações particu lares, impossíveis nesta sumária resenha. Tais distinções ficarão reservadas para outro momento e lugar: reserva que aliás ple namente se justifica, dada a complexidade de certos autores, em cuja formação se encontram elementos e influxos das mais diversas origens, a respeito dos quais difícil é dar em poucas linhas definição precisa. Acresce, por outro lado, quanto aos autores vivos ou ainda jovens, que o seu pensamento está ainda em vias de evoluir. Citamos pois aqui também para cada autor somente algumas das obras mais significativas: Assim: F. Masci, A sociedade, o Direito, o Estado (19061908, ed. póstuma em 1925); — A. Pagano (1847-1930), As

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questões prejudiciais da Filosofia do Direito (1901); A função prática da Filosofia do Direito e o Direito natural (1906); Introdução à Filosofia do Direito (1908); O indivíduo na Ética e no Direito (1912-1913) — A. Bartolomei, Lineamentos de uma teoria do justo e do Direito (1901); As razões da jurisprudên cia pura (1912); Lições de Filosofia do Direito (7.tt ed., 1942) — F. B. Cicala, Relação jurídica, direito subjectivo e pretensão (1909, 2.a ed., 1935); Füosofia e Direito, os Sumários (1924-1927) — A. Ravá, Para uma doutrina geral do Direito (1911); O Direito como norma técnica; O Estado como organismo ético (1914) — Estes dois últimos em nova publicação com o título, Direito e Estado na Moral idealista (1950) — G. de Montemayor (1874-1939), Primeiros esboços de uma teoria Jurídica, Dos bens iguais de cada um (1914) — A. Orestano (1873-1945), Füosofia do Direito — M. Baillari, Direito e Füosofia (1910-1912); O ideal e o real do Direito (1916, 2.a ed., 1932) — E. di Carlo, Teoria pura e empírica do Direito, (1912); Sobre algu mas questões da Füosofia do Direito (1914); O Direito natural na fase actual do pensamento italiano (1932); Filosofia do Direito (1940, 2.a ed., 1946) — B. Donati, O elemento formal na noção de Direito (1907); O respeito da lei perante o princípio de autoridade (1919); Fundação da ciência do Direito (1919); O princípio do Direito (1933); — A. Bonucci (1883-1925), A orientação psicológica da Ética e da Füosofia do Direito (1907); Os fins do Estado (1915) — S. Panunzio (1886-1944), O Direito e a Autoridade (1912); Direito, força e violência (1921) — G. Capograssi, Reflexões sobre a Autoridade e a sua crise (1921); Análise da experiência comum (1930); O pro blema da ciência do Direito, (1937) — C. Perticone, Linea mentos de Füosofia do Direito (1935); A concepção especulativa da actividade jurídica (1932); Regime político e ordem jurídica (1934-1935); — G. Folchieri (1881-1939); Escritos diversos do direito e filosofia, ed. póstuma, 1952; — P. Gentile, O essencial da Füosofia do Direito (1919); — F. Costa, Ensaio sobre a natureza do Direito (1919); Ainda sobre o problema central


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da Filosofia do Direito (1926); Tratado de Füosofia do Direito (1947); — C. Gray, O Direito no Evangelho e a influência do Cristianismo sobre o direito romano (1922); O Direito como ideia-força, (1924); Para uma filosofia do direito positivo (1938); Realidade e transcendência no progresso do direito (1943); — C. Goretti (1866—1952); O carácter formal da füo sofia jurídica kantiana (1922); Os fundamentos do direito (1930); A normatividade jurídica; — M. Ascoli, A interpre tação das leis (1928); A justiça (1930) — A. Tilgher (1887-1941), Ensaios de Ética e de Filosofia do Direito (1928) — F. Battaglia, A crise do Direito Natural (1929); Escritos sobre a teoria do Estado (1939); Novos escritos (1955); Curso de Füosofia do Direito, 3 vols. (1943-1947);, nova ed. (1947-1950); Moral e história na perspectiva espiritualista — A. Poggi, Filosofia e Direito (1930); — O. Condorelli, Direito e Autoridade (1930); Equidade e Direito (1934) — D. A. Cardone, O Direito e o Estado segundo a nova Füosofia da vida (1930-1934) — L. Caboara, Considerações sobre o pro blema da justiça (1930) — A. Pekelis, O Direito como vontade constante (1931) — C. Esposito, Lineamentos de uma doutrina de Direito (1923) — E. Paresce, Direito, norma, ordinamento (1933-1935); A génese ideal do Direito (1938) — R. Treves, O Direito como relação (1934); O problema da experiência jurídica (1938); Direito e Cultura (1947) — N. Bobbio, A orien tação fenomenológica na filosofia social e jurídica (1934); Ciência e Técnica do Direito (1934); Analogia na lógica do Direito (1938); O costume como facto normativo (1942); Teoria da ciência jurídica (1950); Estudos sobre a teoria geral do direito (1955) — L. Perego, O Direito na consciência contem porânea e o Estado de equidade (1934); Filosofia do Direito (1946) — A. Banfi, Ensaio sobre o Direito e o Estado (1935) G. Giacomazzi (1891-1941) Problemas fundamentais do Direito (1935); Para a consciência do Direito (1938) — T. A. Castigila, A experiência jurídica e o conceito de Estado (1935); A expe riência jurídica e as regras da vida (1938)—V. Crisafulli,

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Sobre a teoria da norma jurídica (1935) — G. Marchello, O pro blema crítico do Direito natural (1936); A metafísica do sujeito e o princípio especulativo do direito (1939); O problema da uni dade social e o Direito (1946); — L. Secco Ensaio sobre o proble ma da interpretação das leis (1937); Dos métodos de interpreta ção da lei (1939) — G. Garilli, O conceito da sanção (1938) — F. Lopez de On ate (1912-1944), Estudos filosóficos sobre a ciência do Direito (1939); A certeza do Direito, (1942, 2.a ed., 1950); Compêndio de Filosofia do Direito (1942)—B. Leoni O problema da ciência jurídica (1940); Para uma teoria irracio nal no direito; G. Quadri, O problema da autoridade (1940-1947); Consciência Jurídica e ideal de justiça (1952); Homem e pessoa (1953) — F. D’António, Sobre alguns conceitos fun damentais da doutrina do Direito (1940) — L. Bagolini, O pro blema do Direito (1941); Direito e ciência jurídica na critica do concreto (1942); O significado da pessoa na experiência jurídica e social (1946); Polazzolo, Considerações sobre a natu reza da acção e sobre o carácter da experiência jurídica (1941); Contribuição para o estudo das relações entre a economia e o direito (1953) — A. Attisani, «Decorum» e «iustum» — con tribuição para a teoria das relações entre Moral e Direito (1945) — G. Calogero, Stica, Jurídica, Política (1946) — E. Opoches, O Estado e o problema da verdade (1948) — D. Guidi, A lei injusta (1948) — D. Del Bo, A igualdade no Estado con temporâneo e outros ensaios (1950) — A. Guzzo, A moralidade (1950), P. II — P. Piovani, Normatividade e sociedade (1949); O significado do princípio da efectividade (1953) — E. Vidal, Considerações sobre o fundamento de uma história filosófica do homem (1950); Sobre o tema direito e economia (1951) — G. Fassó, A história como experiência jurídica (1953) — G. Ambrosetti Racionalidade e historicidade do direito ( 1953) — P. L. Zampetti, O problema do conhecimento jurídico (1953) — A. PiGLiARi, Pessoa humana e ordenamento jurídico (1953) — L. Caiani, Os Juízos de valor na interpretação jurídica (1954) — R- de Stefano. O problema do direito não natural


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(1955) — V. Giorgiani, Neopositivismo e ciência do direito (1956) — R. O. Rechia, A lei injusta e outros ensaios (1957). A tendência céptica teve o seu principal representante em Giuseppe Rensi (1871-1941), Lineamentos de Filosofia céptica (1919, 2.a ed., 1921); A Filosofia da Autoridade (1920). O mesmo autor, em fases anteriores do seu pensamento, defen dera vigorosamente uma espécie de espiritualismo absoluto em que admitia a ideia do direito natural: O fundamento filosófico do Direito (1922); O gênio ético e outros ensaios (1912). Alguns dos mencionados autores forneceram também con tribuições interessantes para a história das doutrinas filosóficas do Direito e do Estado. Assim o fizeram, por ex., G. Carmignani,

G. Ferrari, F. Filomusi-Guelfi, G. Carle, G. Solari,

etc. Numerosas são, com efeito, as monografias dedicadas a este assunto, sobretudo nos últimos tempos; mas deve obser var-se que (também por uma defeituosa reforma pedagógica) a história das doutrinas políticas tem sido mais cultivada que a história das doutrinas jurídicas, muito embora estas devessem ter a primazia. Acrescentemos à lista das obras já referidas algumas des tas monografias — desnecessário nos parecendo advertir que, além delas, trataram também do mesmo tema as obras siste máticas de Filosofia do Direito, que lhe dedicaram capítulos não menos notáveis pelo conteúdo. Assim: F. Ferri, Da Filo sofia do Direito segundo Aristóteles (1855); P. L. Albini, Da doutrina filosófica de A. Genovesi sobre o Direito (1859); F. Cavalli, A ciência política em Itália, 4 vols. (1865, 1881); C. Cantoni, G. B. Vico — Estudos críticos e comparativos (1867); G. Levi, As doutrinas do Estado de G. Hegel e as outras doutrinas em tomo do mesmo argumento (1880-1884); L. Ra VA, Celso Mancini — Ensaio sobre as doutrinas políticas italianas (1888); G. Cimballi Nicola Spedalieri (1888); L. Rossi, Os escritores políticos bdlonhenses (1888); Dos escritos F D-14

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jurídioo-políticos inéditos de João de Legnano (1898); G. LaviosA, A Filosofia científica do Direito em Inglaterra (1897); G. Daguano, Compêndio histórico da Filosofia moral e jurídica no Oriente e na Grécia (1900); G. D. Romagnosi, Filósofo e jurisconsulto (1902-1906); F. E. Restivo, A Filosofia do direito natural (1900); F. Ruffini, A liberdade religiosa, História da ideia (1901); V. Pareto, Os sistemas socialistas (1902); A. BoNucci, A lei comum no pensamento grego (1908) e A revogabilidade do direito natural na escolástica (1906); A. Levi, Delito e pena no pensamento grego (1903); A Filosofia política de G. Mazzini (1917); O positivismo político de C. Cattaneo (1928); F. P. Fulci, A Filosofia científica do Direito conside rada no seu desenvolvimento histórico, (1906); A. Ravá, O so cialismo de Fichte e as suas bases filosófico-jurídicas (1907); Zoccoli, Anarquia (1907); A. Falchi, As modernas doutrinas teocráticas (1908); L. Luzzatti, A liberdade de consciência e de ciência (1909); R. Mondolfo, Entre o direito natural e o comunismo (1909); Rousseau na formação da consciência moderna (1912); O materialismo histórico em F. Engels (1912); G. de Montemayor, História do Direito natural (1911); B. DoNATi, Doutrina pitagórica e aristotélica da justiça (1911); A crítica de Muratori à jurisprudência (1934); Novos estudos sobre a Filosofia civil de G. B. Vico (1936); T. Pérsico, Os es critores políticos napolitanos de 1400 a 1700 (1912); M. Barillari, A doutrina de Leibniz sobre o Direito (1918); E. Di Carlo, Contribuições para as críticas das recentes concepções filosófico-jurídicas (1918); A Filosofia jurídioa e política de S. Tomás de Aquino (1945); A. C. Jemolo, Estado e Igreja nos escritores italianos seiscentistas e setecentistas (1914); M. Del Giudice, A escola histórica italiana do Direito e os sevos fundadores (1918); G. Maggiore, Fichte (1921); A Solmi, O pensamento político de Dante (1922); G. de Ruggiero, O pensamento polí tico meridional nos séculos XVII e XIX (1922); História do liberalismo europeu (1925, 3.a ed., 1945); F. Battaglia, A obra de Vicente Cuoco e a formação do espírito nacional em Itália


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(1925); Marcílio de Pádua e a Filosofia política da Idade-Média (1928); Tomásio filósofo e jurista (1935); Lineamentos da his tória das doutrinas políticas (1936); F. Ercolle A política de MachiaveTli (1926); O pensamento político de Dante (1927-1928); Bartólo e Althusio (1932); U. Mariani, Escritores polí ticos agostinianos do século XIV (1927 — nova edição, ampliada, com o título Igreja e Estado nos teólogos agostinianos do século XIV) (1957); F. De Mattei, A política de Campanella (1927); A história das doutrinas políticas (1938); A. Gerbi, A política setecentista (1928); F. Costa, Delito e pena na his tória do pensamento humano (1928); A. Passerin d’Entrèves, A teoria do Direito e da política em Inglaterra no início da Idade Moderna (1929); R. Hooker (1932); E. Brundy, A ideia do Direito nas novas correntes da Filosofia jurídica em Itália (1929); L. Caboara, A Filosofia do Direito de G. D. Romagnosi (1930); A Filosofia política de Romagnosi (1936); F. d’Antó nio, A Füosofia jurídica post-kantiana na Alemanha (1930); A Filosofia política tudesca (1938); U. Redanó, História das doutrinas políticas (1931); V. Beonio-Brocchieri, Ensaios crí ticos de história das doutrinas políticas (1931); G. Mosca, Lições de história das instituAções e das doutrinas políticas (1932); C. Curcio, A política italiana no século XV (1932); Do renascimento à contra-reforma (1984)', Os mitos da política (I94O); Nação, Europa e Humanidade (1950); Maquiavel no Ressurgimento (1958); A. POGGi, O conceito de Direito e de Estado na Filosofia jurídica italiana contemporânea (1933); G. Gonella, A Füosofia do Direito segundo Rosmini (1934); A. Beccari, A fundação das doutrinas políticas na Grécia (1935); O pensamento político clássico (1949); L. Salvatorelli, O pensamento político italiano de 1700 a 1870 (1935; 2.a ed., 1940); P. M. Arcari, O pensamento político de F. Patriai da Cherso (1935); História das doutrinas políticas italianas (vol. I, 1943, vol. n, 1946); V. Mazzei, A filosofia política de Hegel (1935); O socialismo nacional de C. Pisacane — P. 1, (1943); G. Perticone, Teoria do Direito e do Estado (1937);

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— nova edição, com o título O Direito e o Estado no ‘pensa mento italiano contemporâneo (1950); História do socialismo (1945); B. Brunello A política da caridade em L. A. Muratori (1938); 0 pensamento político italiano do século XVII (191$); O pensamento político italiano de Romagnosi a Croce (1949); J. Santonastaso. 0 pensamento político de Egídio romano (1939); Estudos do pensamento político (1949); As doutrinas políticas de Lutero a Suarez (1949); B. Magnino, História da sociologia (1939); Nas origens da crise contemporânea — lluminismo e Revolução (1946); G. A. Belloni, Ensaios sobre Romagnosi (1940); L. Firpo, Introdução aos aforismos polí ticos de T. CampaneUa (1941); Investigações Campanelianas (1947); N. Bobbio, A Filosofia do Direito em Itália na segunda metade do século XIX (1942); O direito natural do século XVIII (1947); Caristia, O pensamento político de N. Machiéüi, 2.a ed., (1951); P. Gianone jurisconsulto e político (1947); L. Bagolini, Humanidade do Estado em Aristóteles (1942); A experiên cia política no pensamento de David Hume (1947); A simpatia na moral e no direito — Aspectos do pensamento de A. Smith (1952); B. Barillari, João Vicente Cravina precursor de Vico (1942); D. del Bo, Montesquieu — As doutrinas jurídicas e políticas (1943); E. Opocher, G. A.: Fichte e o problema da individualidade (1944),' G. Ambrosetti, A Filosofia da lei em Suiarez (1948); O direito natural da Reforma católica (1951); T. Bozza, Escritores políticos italianos de 1550 a 1650 (1949); E. Vidal, Ensaio sobre Montesquieu (1950); O pensamento civil do P. M. Doria nos escritos inéditos (1953); Bruni Roccia, A doutrina do direito natural na América (1950); A razão puritana — Direito e Estado na consciência anglossaxónica (1952); G. Tricerri ; O sistema filosófico-jurídico de J. S. MUI (1950); M. Curcio, A declaração dos direitos das Nações Uni das (1950); P. PiovANi, Momentos da filosofia jiurídico-positiva italiana (1951); A teodiceia social de Rosmini (1957); F. Sartorelli, O pessimismo de A. Schopenhauer, com referência especialmente à doutrina do direito e do Estado (1951);


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A. Droetto, P. S. Mancini e a escola italiana do direito interna cional (1954); M. D’Addio, A ideia do contrato social desde os sofistas à Reforma (1954)>' L. Bello fiore, A doutrina do direito natural em G. B. Vico (1954); S. Cotta, O conceito de lei na Suma Teológica de S. Tomás de Aquino (1955); G. Marchello,

A doutrina do direito natural na filosofia civil de Romagnosi (1955); G. Garilli, Aspectos da filosofia jurídica, política e social de Santo Agostinho (1957). Merece também especial menção o facto de alguns cultores da ciência do direito positivo, e frequentemente os mais emi nentes, muitas vezes tratarem de temas de carácter geral rela cionados directamente com os problemas da Filosofia do Direito. Deles vieram também apreciáveis contribuições para o desenvol vimento da nossa disciplina, que tantos dos seus pares afectam ignorar ou ter em má conta. Mais uma vez aqui se confirma o que tantas vezes já se verificou: é impossível negar a Filoso fia sem filosofar. Pela mesma razão, impossível é aprofundar qualquer aspecto do direito positivo sem esbarrar em conceitos e problemas fundamentais sobre a natureza do direito in genere, — ou seja, sobre o próprio objecto da Filosofia do Direito. Citaremos, como exemplos, do que afirmamos: M. Pescatore, A lógica do Direito (1863); Filosofia e doutrina jurí dica (1874-1870); C. F. Gabba, Ensaio sobre a verdadeira ori gem do direito de sucessão (1861); Em torno de alguns pro blemas mais gerais da ciência social (3 vols. 1876-1887); E. Pessina, Filosofia e. Direito (1868); Pensamentos sobre a moral e sobre o Direito (1905); P. Nocito, Prolegómenos à Filosofia do Direito judiciário penal e civil (1867); V. Scialoja, Do Di reito positivo e de equidade (1886); C. Nani, Velhos e novos problemas do Direito (1886); B. Brugi, Introdução enciclopédica à ciência jurídica e social (1891; 5.a ed., 1928); D. Anzilotti, A escola do Direito natural na Filosofia jurídica contemporâ nea (1892); A Filosofia do Direito e a sociologia (1892); D. Donati, O problema das lacunas do ordenamento jurídico (1910); S. Perozzi, Preceitos e conceitos na evolução jurírica,

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G. Brunetti, Normas e regras finais no Direito (1918); O Di reito natural na legislação civil (1922); P. De Francisci, O s pressupostos teoréticos e o método da história jurídica (1916); P. Bonfante, O método naturalístico na história do Direito (1917); S. Romano, Ordenamento jurídico (1918, 2.a ed., 1945); Fragmentos de um dicionário jurídico (1947); F. Maroi, Ten dências antigas e recentes na unificação internacional do direito privado (1930); O direito como base da consciência (1952); F. Invrea, A parte geral do Direito (1935); F. Carnelutti, Teoria geral do Direito (1940, 2.* ed., 1943); Betti, Teoria geral da interpretação (1955); Sem acrescentar a esta lista mais citações (as já feitas podem talvez parecer excessivas), notaremos para fedhar, que a maior parte dos cultores italianos da Filosofia do Direito têm também colaborado juntamente com autores estrangeiros na Revista Internacional de Filosofia do Direito. Esta Revista, dando tão franco acolhimento a todas as orientações doutrinais, é bem, pode dizer-se, um arquivo deste quarto de século. Nume rosas monografias destes autores foram também recolhidas em dois volumes —Os Estudos Filosóficos-jurídicos— publicados em Modena nos anos de 1930 e 1931. O pensamento filosófico- jurídico italiano não raro atravessou as fronteiras e encontrou eco em revistas estrangeiras, como o Archiv für Rechts-und Wirtschaftsphilosophie (Arquivo de filosofia jurídica e eco nómica) , fundado em 1907; na Revue internatkmdle de la théorie du Droit, fundada em 1926; e nos Archives de Philosophic du Droit et de Sociólogie juridique (1931 a 1946; nova série com o título, Archives de Philosophic du droit, desde 1952) e o Anuário de Filosofia do Direito, desde 1958. Concluindo, pode afirmar-se que o pensamento italiano, mesmo na época mais recente, desenvolveu considerável acti vidade no campo da Filosofia do Direito. Não só manteve assim uma antiquíssima tradição, que honra o nosso país, como tam bém se esforçou por enriquecê-la e renová-la com novas inves tigações. Ê lícito, portanto, confiar nas futuras e progressivas


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manifestações deste pensamento em colaboração com o das outras nações. Entretanto é de esperar que, por obra de um ou mais cultores da matéria, se leve finalmente a cabo uma adequada História da Filosofia do Direito em Itália, da qual a presente resenha se limitou apenas a oferecer um pálido e esquemático esboço.

Resumo da moderna Filosofia do Direito em outros países

A Filosofia do Direito na França, Bélgica, etc nos tempos mais recentes (séculos XIX e XX)

Em França, além dos autores já nomeados, devemos dis tinguir também várias escolas. Citemos, em primeiro lugar, a escola espiritualista, de que foi chefe Maine de Biran (1766-1824) e, mais especialmente, Cousin (1792-1867). Tem esta escola por princípio a liberdade do espírito, ao mesmo tempo que reafirma, embora com certo cunho ecléctico, a metafísica idealista, opondo-se ao empirismo, ao fenomenismo e ao posi tivismo. Em psicologia segue o método introspectivo (apela para o senso interno), ao passo que em política se baseia no conceito de autonomia da pessoa. Esta orientação espiritualista corresponde à tradição constante do pensamento francês, o qual se distingue assim do inglês, sempre mais inclinado ao positi vismo naturalista. Nela se integraram, entre outros: Th. Joufroy (1796-1842) que nos deixou um Curso de direito natural; J. Simon (1814-1896) que mais especialmente se dedicou aos problemas da liberdade e do dever; P. Janete (1823-1899), a quem se deve, além de outras obras, uma notável História da ciência política. Não tardaremos em nomear outros autores partidários desta orientação. Teremos contudo de abstrair de certos outros, como Damiron, Vacherot, Ravaisson e Barthélemay Saint Hilaire, etc., os quais, sendo embora bene méritos dos estudos de filosofia geral têm menor importância

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para nossa disciplina. Todos eles devem a sua fama não tanto a uma singular originalidade ou profundidade do pensamento, como ao seu são critério, lucidez de raciocínio e dotes de expo sição. Um grupo que do anterior se destaca nitidamente é o dos escritores reformadores e comunistas (tomada esta palavra em sentido latíssimo). A sua origem remonta ao século xvm, em que alguns publicistas começaram a proclamar a igualdade da riqueza entre os homens e, por conseguinte, a conveniência de radicais transformações da sociedade. O principal represen tante deste grupo foi Saint-Simon (1760-1825), o mestre de Comte. Crente na perenidade do progresso humano, tomou-se o defensor de uma nova Filosofia positiva, baseada no estudo dos factos; mais tarde, imaginou-se novo profeta de um «Cris tianismo renovado», ou religião do amor, sem dogmas. A Revo lução francesa, para Saint-Simon, ficara incompleta. Daí a necessidade de a completar com uma série de reformas sociais de carácter ético, e religioso, cujo objectivo principal era a elevação das classes proletárias. Carlos Fourier (1772-1837) pertence à categoria dos «utopistas», que exprimiram as suas ideias de reformas sociais em esquemas mais ou menos fantás ticos sobre futuros estados perfeitos, inspirando-se, às vezes, na «Republica» de Platão (26). Fourier nos seus Traité de Vassociation domestique agricóle (1822) e Le nouveau monde industriei et sociétaire (1829) traçou nos mínimos pormenores um novo tipo de unidade social — «phalange» — corn uma sede comum — phaianstère — e uma comum organização do trabalho. Criticou especialmente a insti tuição familiar e anunciou uma série de profecias de diversas espécies, frequentemente muito extravagantes. Na obra de Fourier e noutras do mesmo género, já citadas, se inspirou também o utopista Estêvão Cabet, autor do fantástico Voyage en Icarie (181(2), em que descreve uma espécie de comunismo com intuitos filantrópicos e humanitários.


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Grande ressonância despertou a obra de P. J. Proudhon (1809-1865) — Qufest ce que la proprietéf (18^0); De la jus

tice dans la Révólutvon et dans VEglise (1858, etc.) — cujo poderoso engenho, rico em contradições e paradoxos, foi sobre tudo usado mais em sentido negativo do que construtivo. Com bateu a propriedade privada e com grande veemência polémica, que sobrelevava de longe o rigor conceituai, bateu-se por uma reforma da sociedade e do trabalho. Todos estes autores foram, porém, mais publicistas e reformadores políticos do que filóso fos e raramente se entregaram a puras especulações sobre o Direito. Importância maior ternos de reconhecer ao grupo dos posi tivistas, cujo chefe é um dos mais ilustres filósofos franceses: Augusto Comte (1798-1857). A sua principal obra é o conhe cido Curso de Filosofia positivista, em 6 volumes, publicados de 1830 a 1842. Comte tem sido considerado o fundador do positivismo. Pode aceitar-se isto, mas com certa prudência. Urge não esquecer que nenhuma ciência ou filosofia se deveu jamais a um único homem. Neste caso, por exemplo, os ele mentos da filosofia positiva existiam já antes de Comte. Alguns dos seus rasgos são já visíveis em Saint-Simon, por exemplo. E podíamos ainda recuar mais no tempo e evocar o modo de filosofar de um Galileu ou de um Bacon. Também dúvida alguma pode haver de que em Inglaterra., especialmente, devido à tradicional orientação do pensamento britânico, já se tinham feito sentir, há muito, aquelas exigências realistas que depois vieram a determinar o positivismo. No entanto, em certo sen tido, Comte merece a qualificação que lhe foi dada e não deve mos negar-lha. Cabe-lhe, com efeito, o mérito de ter dado sis tematização orgânica à doutrina. Consiste o positivismo fundamentalmente em um método

que pretende opor-se ao metafísico. Pretendeu-se com ele excluir todas as especulações que abstraíam dos factos. Segundo o positivismo, o raciocínio deverá

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sermpre basear-se na observação empírica dos factos, sobre a experiência. A esta sua pretensão fácil seria opor (como Kant o demonstrara já) que a experiência não é algo de originário, mas derivado; não é algo de simples, mas complexo. A expe riência é, em suma, uma relação entre um sujeito e um objecto. Além disso, se a experiência nos informa de que as coisas são de certo modo, vedado lhe é afirmar que elas não possam ser de outro modo. Equivale isto a notar que a experiência somente nos fornece noções particulares e contingentes, nunca noções universais e necessárias. As noções fundamentais da matemá tica, da lógica (por exemplo, o princípio da não contradição) e não menos as noções éticas jamais poderão depender da expe riência. Ao formularmos a lei, segundo a qual a soma dos ângulos de um triângulo é igual a dois rectos, não temos por trás de nós uma experiência da medição de todos os triângulos. Triângulo é coisa inexistente na natureza. Os nossos triângulos desenhados são apenas meras aproximações de algo que só na mente humana existe Partindo do seu princípio metodológico, distingue Comte três períodos na evolução da humanidade: teológico, metafísico e positivo. No primeiro, o pensamento humano explicava os fenómenos reconduzindo as forças naturais ao conceito de uma ou mais divindades. Ultrapassada esta fase, a mente humana começou a personificar as forças naturais, a considerar exis tentes, na realidade, meras entidades abstractas criadas pela imaginação. Por exemplo: o conceito de causa. Finalmente, che gada a terceira fase, dispensa todas as personificações e abstrac ções ; o homem observa então a realidade objectivamente. Então soa a hora do predomínio do método experimental. E digno de nota contudo que para Comte as condições reais da sociedade dependem das ideias fundamentais dos seus componentes. Por este aspecto, o positivismo comtiano assume, pois, embora sem o desejar, uma atitude de certo modo idea lista. As instituições sociais são determinadas pelas preocupa ções teoréticas.


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Comte, adoptando o critério de caminhar do mais simples para o mais complexo, formula também a seguinte classificação das ciências: matemática, astronomia, física, química, biologia e sociologia. Nesta enumeração hierarquizada omitiu-se, como se vê, a Psicologia. Mereceu isso, depois, muitas críticas, prin cipalmente da parte de Spencer. No entanto, a omissão foi voluntária. Comte, dominado pelas doutrinas de Gall, julgou poder eliminar a Psicologia, reduzindo-a à Biologia. Todas estas ciências surgem, desenvolvem-se e amadurecem, segundo Comte, passando pelas três fases indicadas. Mas a evolução de cada uma delas não se verifica ao mesmo tempo que a das restantes. Assim, se a Matemática, a Astronomia, a Física, a Biologia e a Química já atingiram o estado positivo, o mesmo não acon tece com a Sociologia que se encontra ainda no seu estado inicial. Comte atribui a si mesmo a alta missão de provocar a passagem desta última ciência para o estado positivo, ou seja, a missão de a constituir em autêntica ciência da sociedade humana, baseada no critério metódico de observar os factos, pondo de parte as ideologias metafísicas. Mas, ao lermos a obra de Comte, fácil será apercebermo-nos de que ele próprio nem sempre esteve imune de preconceitos ideológicos. Assim, por exemplo, a todos é hoje evidente a índole metafísica da sua célebre lei dos três estados. Por outro lado, não é inteira mente novo o intuito de Comte. Muito antes dele, Vico, Mon tesquieu e outros souberam estudar os factos sociais nas suas correlações, por meio da observação e da análise racional. Comte insistiu especialmente na unidade de todos os fenó menos sociais. A Sociologia, ou ciência geral dos fenómenos sociais, tira a sua fundamental razão de ser desta unidade ou conexão a que Comte chama «consensus». Um estudo parcial, empreendido com abstracção desta complexidade, que só atenda a um único lado da fenomelogia social, é necessariamente imper feito. Daqui a aversão de Comte pelas ciências sociais particula res, como, por exemplo, a Economia política. De harmonia com

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o seu conceito, esta deveria ser absorvida pela Sociologia, única ciência geral da sociedade admissível. Distingue Comte também estática socicU de dinâmica social: aquela estuda os órgãos da sociedade; esta, o seu movimento e progresso. Mas a fé inabalável alimentada por Comte no progresso humano oferece, sem dúvida, também um aspecto metafísico. A mesma fé fora já, aliás, proclamada por Saint-Simon e, antes dele, par Turgot e Condorcet, um dos chefes e uma das vítimas da Revolução francesa. Segundo Comte, a Socio logia positiva devia servir de base à política. A esta dedicou ele uma importante obra que representa uma nova fase do seu pen samento: o Sistema de política positiva, em 4 volumes (1851-1854). Nesta obra enuncia ele todo um programa de reformas morais e sociais, e arvora-se em chefe de uma nova religião da humanidade, de que o amor é o principio, a ordem a base, e o progresso o fim. Com os seus santos e mártires represen tados pelos grandes 'benfeitores da humanidade, e o seu ritual e calendário próprios, essa religião teria nele próprio o seu sacerdote máximo. Deste modo e nesta última fase do pensa mento coloca-se em contradição radical com a primeira, dando sinais evidentes de uma espécie de mania, resultante, talvez, das dolorosas vicissitudes que defrontou na sua vida. O positivismo comtiano teve numerosos partidários, sobre tudo em França. Recordaremos Lafpite discípulo fiel de Comte (1823-1903), Littré (1801-1881). Taine (1807-1893), Renan (1823-1892). Os dois últimos dedicaram-se predominantemente aos assuntos históricos e culturais, procurando achar o nexo dos fenómenos sociais. No campo específico da Sociologia, con tinuaram as investigações de harmonia com o critério do mestre, não sem alguma originalidade: A. Espinas (1844-1922), autor de um livro notável sobre as Sociedades animais (1877); G. Tarde (1843-1904) que em numerosas obras insiste nos factos psicológicos e sobretudo na chamada lei de imitação, por ele considerada a base dos fenómenos da consciência colec tiva, distinguindo-a da consciência individual e tentando des


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crever os vários fenómenos e tipos de organização social com dispensa de todos os critérios a priori: A divisão do trabalho social ( 1893); As regras do método Sociológico ( 1895), etc. Com semelhantes critérios metodológicos discutiram também os pro blemas da Sociologia: R. Worms (1869-1926), especialmente dedicado ao estudo dos princípios biológicos da evolução social; J. Izoulet; E. de Roberty (de origem russa); o belga De Greef; L. Levy-Bruhl; L. Bourgeois, criador do chamado Solidarismo; C. Bouglé; G. L. Duprat ; R. de la Grasserie, etc. Na segunda metade do século xix e princípios do actual, sobressaem entre os pensadores franceses os seguintes: Ch. Renou vier (1815-1903), autor de um sistema neocriticista com pleto, pelo qual pode chamar-se-lhe o Kant francês ; J. Lachelier, neokantiano (1832-1918); A Fouillée (1838-1912) que tentou conciliar o idealismo platónico corn o moderno evolucionismo, exercendo certa influência em Itália, como o atesta V. Wautrain Cavagnari com o seu Ideal do Direito ( 1883); J. M. Guyau (1854-1888) que seguiu também análoga orien tação evolucionista; E. Boutroux (1845-1921), o filósofo da contingência; e Henrique Bergson (1859-1941), criador do espiritualismo. Todos, porém, —à excepção de Fouillée, com a sua Ideia moderna do Direito (1878) — consideraram sobre tudo os problemas mais gerais da Filosofia teorética e da moral. A Filosofia do Direito, essa recrutou os seus cultores entre homens que, na sua maior parte, enfileiraram na escola espi ritualista já acima referida. Destes recordaremos: E. Lerminier Filosofia do Direito (1832, 3.“ ed., 1853); J. Oudot Pri meiros ensaios de Filosofia do Direito ( 18^ 6) e Consciência e ciência do dever ( 1855- 1856); W. Bélime, Filosofia do Direito (1844, 4.a ed., 1881); E. Thiercelin, Princípios do Direito (1857, 2.a ed., 1865); J. Barni A moral na democracia (1868, 2.a ed., 1885); A. Franck, Filosofia do Direito penal, (1865, 2.a ed., 1880); Filosofia do Direito eclesiástico — Das relações entre a religião e o Estado (1864, 2.a ed., 1885), Filosofia do direito

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civil (1886); J. Tissot, Introdução filosófica aio estudo do Direito em geral (1875); A. Boistel, Curso elementar do Direito natural ou de Filosofia do Direito (1870) e Curso de Filosofia do Direito (1899), no qual se inspirou em Rosmini; J. G. Courcelle Seneuil, Preparação ao estudo do Direito — Estudo dos prin cípios (1887); E. Beaussire, Os princípios do Direito (1888); Vareilles-Sommières, Os princípios fundamentais do Direito (1889); Ch. Beudant, O direito individual e o Estado (1891); G. Richard, A origem da ideia do Direito (1892), e a Evolução dos costumes (1925); J. Lagorgette, O fundamento do Direito e da Moral (1907); G. Charmont, O Direito e o espírito demo crático (1908); e O renascimento do direito natural (1910); P. de Tourtoulon (1867-1932), professor em Lausana, Prin cípios filosóficos da História do Direito (1908-1919) e As três justiças (1933); M. Leroy, A lei (1908); G. Davy, O Direito, o idealismo e a experiência (1922); G. Renard, Conferências de introdução filosófica ao estudo do Direito, (1924-1937), 0 valor da lei (1928); A teoria da instituição (1930); P. Cuche, Conferências de Filosofia do Direito (1928); L. Le Fur (18701943), A teoria do direito natural depois do século XVII e a doutrina moderna (1928); Os grandes problemas do Direito (1937); R. Capitant, O ilícito — O imperativo jurídico (1929); M. Réglade, Ensaio sobre o fundamento do Direito (1933) e Os caracteres essenciais do Direito (1936); J. T. Delos, Teoria da instituição (1931) e Os fins do Direito: bem comum, segu rança, Justiça (1938); P. Roubier, Teoria geral do Direito (1946): J. Brèthe de la Gressaye-M. Laborde Lacoste, Intro dução geral ao estudo do Direito (1947), etc. Entre os que trataram a matéria de harmonia com um critério dogmático e os princípios da Filosofia escolástica, apon taremos os seguintes: L. Bautain, Filosofia das leis segundo o ponto de vista cristão (1860); T. Rothe, Tratado de direito natural e apilicado (1885-1912); A. Valensin, Tratado de direito natural (1922-1925); Leclercq, belga, Lições de direito natural (1927-1937, 3.a ed., 1947-1948), etc. Não se afasta muito da


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posição nem do método destes autores o escritor Vareilles-Sommières, a quem já nos referimos. Particular relevo, também, pelas discussões fecundas que suscitaram, merecem ainda as teorias de Leão Duguit e de Francisco Geny. intentou o primeiro (1859-1928) uma reno vação dos conceitos fundamentais do direito público, usando, para tanto, do método positivista e do princípio de solidarie dade social: O Estado, o direito objectivo e alei positiva ( 1901); O direito social, o direito individual e as transformações do Estado (1908, 3.a ed., 1922); Tratado de direito constitucional (1911, 3.a ed., 1917), etc. O segundo ocupou-se principalmente do problema das fontes e dos métodos de interpretação jurí dica, chegando por esta via a afirmar a ideia do direito natural nos seus dois trabalhos: Método de interpretação e fontes em direito positivo (1898, 2.a ed., 1919) e Ciência e técnica em direito privado positivo (1914- 1924)• Também em França os estudos filosófico-jurídioos tira ram importantes vantagens não só das profundas e amplas investigações históricas (Fustel de Coulanges, R. Dareste, Ch. Letourneau, etc.) como da necessidade geralmente sen tida em nossos dias de submeter a uma revisão crítica os con ceitos das ciências jurídicas. Neste último sentido produziram importantes considerações de carácter geral, dentro do quadro do direito privado, além de Geny, os seguintes autores: R. Saleilles, Escola histórica e direito natural (1902); Ê. Lam bert, A função do direito civil comparado (1903), O ensino do Direito como ciência social e como ciência internacional (1928); R. Demogue, As noções fundamentais do direito privado (1911); H. Lévy-Ullman, Elementos de introdução geral ao estudo das ciências jurídicas (1917-1928); H. Capitant, Introdução ao estudo do direito civil (5.a ed., 1929); G. Ripert, A regra moral nas obrigações civis (4.* ed., 1949); O Declínio do direito (1949); As forças criadoras do direito (1955); J. Cruet, A vida do Direito e a importância das leis (1908); G. Morin, A revolta dos factos contra o código (1920); A lei e o contrato (1927);

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A Revolta do direito contra o Código (1945); J. Bonnecase, A noção de Direito em França no século XIX (1919); Ciência do Direito e romantismo (1928); L. Josserand, Do espírito dos direitos e da sua relatividade (1927); L. Husson, As transfor mações da responsabilidade (1947); Motulsky, Princípios de uma realização metódica do direito privado (1948); M. De Juglart, Introdução ao estudo do direito civil (1954); H. Batiffol, Aspectos filosóficos do direito internacional privado (1956); G. Marty-P. Raynaud, Direito Civil, l, Introdução geral ao estudo do direito (1956), etc. E citemos ainda, mo vendo-se como Duguit no quadro do direito público: M. HauRiou, Princípios do direito público (1910, 2.* ed., 1916), Manual de direito administrativo e de direito publico (11.* ed. 1927), A ciência social tradicional (1896), Lições sobre o movimento social (1899), A teoria da instituição e da fundação (1926); R. Carré de Malberg, Contribuição à teoria geral do Estado (1920-1922); M. de La Bigne de Villeneuve, Tratado geral do Estado (1929-1931); B. Mirkine-Güetzsévich, de origem russa, Direito constitutional internacional (1938), O direito constitucional e a organização da Paz (1934) e As novas ten dências do direito constitucional (2.a ed., 1936); M. Waline, Defesa do positivismo jurídico (1939); O individualismo e o direito (2.a ed., 1949); R. Máspétiol, O Estado perante a pes soa humana e a sociedade (1948); G. Burdeau, Tratado de ciência política (7 vols. 1949-1957), etc. Indício seguro do renovado interesse pela Filosofia do Direito, em França, pode ver-se também na fundação da Revista Arquivos de Filosofia do Direito e de Sociologia jurídica, de 1931. Dirigida por Le Fur, em colaboração com G. Gurwitch, de origem russa, tornou-se mais tarde, o órgão do Instituto International de Filosofia do Direito e de Sociologia jurídica, criado em Paris no ano de 1933, com a participação de estu diosos dos mais variados países. De Gur witch, devemos recor dar as notáveis obras: A época presente e a ideia de direito social (1931); A ideia do direito social (1932); A experiência


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jurídica e a filosofia pluralista do Direito (1935). Aquela Re vista passou depois a ser o órgão do «Instituto Internacional de Filosofia do Direito e de Sociologia jurídica», fundado em Paris em 1933 com a participação de autores de vários países. A partir de 1952 e sob a direcção de P. Roulier e R. Maspétiol, a mesma Revista iniciou uma nova série, tomando o título de «Arquivos de Filosofia do Direito». Ao lado dos escritores franceses, podemos ainda colocar os seguintes suíços: E. Roguin (1851-1939), A regra do Direito (1889), A ciência jurídica pura (1923); C. du Pasquier, (1851-1939), Introdução à Teoria Geral e à Füosofia do Direito (1937, 3.a ed., 1948); F. Guisan (1880-1953); Nota sobre o direito natu ral (1940), Ciência pura do Direito: Roguin e Kelsen (1940), Con clusões de um Curso de Filosofia do Direito (1950) — e os bel gas: F. Laurent (1810-1887), autor não só de um notável tratado de direito civil mas também de ampla e apreciável obra histórico-filosófica: História do direito das gentes e das relações internacionais — Estudos da história da humanidade (18 vols., 1860-1870, 2.» ed., 1861-1880); E. Picard (18361924); O Direito puro (1889, outra ed., 1908), As constantes do Direito (1921); L. Hennebicq (1871-1940), Filosofia do Direito e direito natural; (1898); A ideia do justo no oriente grego antes de Sócrates (1914); F. Mallieux, A exegese dos códigos e a natureza do raciocínio jurídico (1908); H. Rolin, Prolegómenos à ciência do Direito (1911); G. Cornil, O direito pri vado (1924); H. de Page, Da interpretação das leis (1925); A propósito do governo dos juizes — A equidade em face do Direito (1931); Direito natural e positivismo jurídico (1939); J. Dabin, A Filosofia da ordem jurídica positiva (1829), A téc nica da elaboração do direito positivo (1935), Teoria Geral do Direito (2.* ed., 1953); J. Haesaert, Contingência e regulari dade do direito positivo (1933); A forma e o fundo jurídico (1934); Teoria geral do direito (1948); e, além destes, ainda os dois nomes de De Greef e Leclercq, já atrás mencionados.

P D-is

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A Filosofia do Direito no Inglaterra e nos Estados Unidos da América do Norte nos tempos mais recentes

Se lançarmos agora rápido golpe de vista sobre as obras dos filósofos ingleses do último século, logo notaremos que na filosofia britânica predominou o carácter empírico. Por outros termos: a filosofia britânica inclinou-se sempre mais para a observação e a experiência do que para especulação das ideias. Esta regra, claro está, sofreu excepções e, sem dúvida, alguimas gloriosas. Na Filosofia geral e na Teoria do conheci mento domina o sensualismo; prevalece, portanto, a tendência que se atém aos dados sensíveis e baseia o conhecimento cientí fico no testemunho da experiência. Por outro lado, em Etica e na Filosofia do Direito predomina o utilitarismo, isto é, a tendência para basear no útil e no prazer a lei fundamental da acção. Esta orientação na Ética corresponde à do sensua lismo na Filosofia teorética. Para superar a moral utilitária, é necessário admitir um princípio absoluto, uma verdade supe rior à realidade empírica, um bem e um dever que valham de per si, e é evidente que tal concepção está no polo oposto da concepção sensualista. Assim, enquanto que nos grandes siste mas do idealismo encontramos uma moral e um direito abso lutos, nos sistemas do sensualismo depara-se-nos uma Etica relativa e especialmente utilitária. Não é, certamente, de crer que o utilitarismo seja invenção do pensamento inglês, pois já na antiguidade se conheceram sistemas utilitários. Bastará lembrar o de Epicuro. Mas o utili tarismo comporta muitos desenvolvimentos e a doutrina utili tária foi em Inglaterra, mais e melhor do que em outra qual quer parte, constantemente aperfeiçoada, de sorte a tomar-se sempre cada vez mais sustentável, se bem que jamais aceitável. Pode afirmar-se que foi Jeremias Bentham (1748-1832) o fundador do utilitarismo inglês. Este autor deixou obras notá veis, das quais destacaremos a Introdução aos princípios de mordi e de legislação, publicada em 1789, O Tratado de Legis


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lação civil e penal (1802), publicado, como outras obras, pri meiramente em francês; Teorias das penas e dos prémios (1811); 0 livro dos sofismas (1824); e, por último, a sua Deontologia, ou ciência da moralidade, publicada em 1834, dois anos depois da sua morte. Bentham foi um espírito independente e forte e promotor ardente de várias reformas legislativas, principal mente do domínio do direito penal. Mas as bases do seu sistema são algo defeituosas. O princípio utilitário reveste nele uma forma grosseira e primitiva. O prazer (entendido em sentido materialista como satisfação sensível ou vantagem pessoal) é o único fim da vida. Bem, portanto, é o que proporciona prazer. E a moral não passa dum «cálculo do prazer». Daqui resulta a chamada aritmética moral. Urge evitar o vício, somente enquanto conduz à infelicidade. Ou seja: é um erro de cálculo na procura da felicidade. A virtude, segundo Bentham, seria um egoísmo bem entendido que exige, sem dúvida, algumas renúncias, mas apenas com fim utilitário. Assim, por exemplo: sacrifício do prazer menor ao prazer maior, a renúncia do pra zer actual em vista do prazer futuro. Com isto, é óbvio, vai-se dar à negação de toda a verdadeira moral, pois, trata-se sempre do prazer individual, sem nenhuma consideração pelo bem dos outros. Bentham, como outros utilitaristas, sentiu, no entanto, a necessidade de introduzir algumas correcções no seu princípio tão cru. Recorre, para tanto, ao coeficiente da simpatia. Reco nhece a necessidade em que nos encontramos de participar de algum modo nos sentimentos do nosso próximo. Admite, assim, que não se pode ser feliz no meio duma multidão de infelizes. A esta consideração acrescenta-se uma outra: agindo em con formidade com o puro princípio egoísta, legitimaremos, com o nosso procedimento, uma atitude e um comportamento Iguais dos outros para connosco; em última análise, prejudicar-nos-emos a nós próprios. Daqui resulta a necessidade de mitigar a rigidez original da doutrina: ao conceito do útil individual sucede assim um conceito superior e mais vasto. Fim supremo

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da vida já não é o prazer individual, mas o da «felicidade máxima do máximo número». Nisto consiste a maximüização do prazer. Bentham acrescenta-lhe a regra, segundo a qual da repartição dos prazeres nenhum homem deverá ser excluído, e cada qual deverá valer por um. Delineados assim os princípios fundamentais do sistema de Bentham, não é difícil verificar que todo este edifício é defei tuoso na base. Identif icar o útil com o bem moral, corresponde, antes de mais nada, a contradizer irreparavelmente o depoi mento da consciência humana. Surgem amiúde conflitos entre a utilidade e o dever: nós seremos pela utilidade levados a agir de um certo modo, mas o sentimento moral contém-nos e força-nos a agir diversamente. Limitarmo-nos ao cálculo das próprias vantagens, ao interesse individual dos próprios actos, nunca é agir moralmente. A lei moral exige que superemos o egoísmo e actuemos conforme um princípio universal, identifi cando connosco o ser dos outros homens. Por outro lado, mesmo admitido o princípio utilitário, a sua aceitação não conduz às consequências que daí tira Ben tham. Se o prazer é o único fim da vida, não se compreende por que devamos preocupar-nos com a felicidade alheia e com o «prazer do máximo número» — por que devamos sentir o dever de «considerar cada qual como valendo um». Pelo con trário: seria mais lógico o egoísmo desenfreado, devido ao qual cada um procurasse obter o máximo prazer individual, mesmo à custa do prejuízo dos outros. Assim se chegaria ao último grau do anarquismo. As razões aduzidas por Bentham para justificar a transformação do seu princípio, não parecem sufi cientes; seria mais consequente (segundo as suas premissas) o egoísmo ilimitado, em vez de uma conciliação ou compromisso entre egoísmo e altruísmo. Notemos ainda uma certa ambiguidade no próprio con ceito de prazer ou felicidade. Bentham e, por via de regra, os utilitaristas da sua escola partem do conceito de prazer mate rial. Mas compreendendo em seguida a impossibilidade de limi


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tar-se à consideração dos prazeres inferiores, vão imprimindo à palavra, no desenvolvimento das suas obras, sentido cada vez mais amplo, até chegarem aos prazeres do intelecto e da cons ciência. Nesse momento já é possível tirar do principio conse quências mais plausíveis. Porém, modificou-se entretanto inad vertidamente o princípio fundamental e ficou destruída a coe rência lógica do sistema. Platão (no Filebo), que não era utilitarista, também admite uma escala de prazeres. Ocorre notar que entre prazer dos sentidos e prazer do intelecto há uma dis tância incomensurável e que nada há de comum entre os prazeres inferiores ou sensíveis e o apaziguamento da consciência moral quando o homem, depois de cumprido o dever, se sente em har monia consigo mesmo. Subordinar as satisfações inferiores às superiores, eis o fim e a regra da Morai. Mas partindo da pre missa utilitária, jamais se poderá demonstrar a necessidade de semelhante subordinação. Sobre as doutrinas de Bentham ergueram-se depois, acu sando certo progresso, as doutrinas de JoÃo Stuart Mill (filho do filósofo Jacomo Mill). Personalidade nobilíssima de homem e de cidadão, Mill foi, sem dúvida, um dos maiores pensadores ingleses. A sua vida decorreu de 1806 a 1873. Dos seus escritos recordaremos: Lógica indutiva e dedutiva (18JfS) e os ensaios Sobre a liberdade (1859), Considerações sobre o governo representativo (1861) e Utilitarismo (186S). Coube-lhe o mérito de aperfeiçoar a doutrina utüit arista que dele recebeu finos desenvolvimentos, e sobretudo o de ter sabido descobrir na lei psicológica da «associação de ideias» uma explicação notável, posto que insuficiente, da formação da consciência moral. Mill reconhece que o «cálculo», de que Bentham falava, é um absurdo psicológico. Nós, em geral, agimos segundo as indicações do sentimento e não em obediência a cálculos; temos lima faculdade moral que preside à direcção dos nossos actos. Mas como explicar a consciência moral? A esta pergunta Mill responde: o indivíduo, vivendo em sociedade, adquire a persua

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são de que a sua própria vantagem é inseparável da vantagem dos outros; por uma série de experiências persuadimo-nos de que, para obter o bem próprio, temos de desejar e querer o bem alheio. Ora isto, em vez die cálculo, é o efeito de um hábito psicológico, de uma espécie de faculdade inveterada, que é pre cisamente a «consciência moral». Deriva esta, pois, do facto de o indivíduo, na sua mente, associar e coordenar a ideia do bem particular com a ideia do bem geral da sociedade a que pertence. Graças a semelhante processo psicológico, verifica-se um como que alargamento do conceito de vantagem pessoal, senão mesmo a sua inclusão no conceito do bem alheio. Tenta Mill aperfeiçoar a doutrina recebida de Bentham com relação à distinção qualitativa dos vários prazeres. Tinha o seu antecessor efectuado uma distinção exclusivamente quan titativa (o fim último era, para ele, o máximo, isto é: a maior soma possível de prazer). Mill distingue os prazeres mais nobres dos menos nobres, os prazeres especificamente humanos dos prazeres que o homem compartilha com os outros animais, e considera os primeiros os prazeres morais e intelectuais. Os primeiros são superiores aos segundos. De semelhantes princípios extrai Mill certas consequências jurídicas e políticas. De uma maneira geral sustenta os princí pios do individualismo puro, dando destaque sobretudo à ideia da liberdade. No seu entender, a legislação deve favorecer a associação mental entre o bem particular e o bem da espécie, de tal sorte que, ao procurar o seu bem, cada indivíduo con corra necessariamente para o bem da sociedade. Desde conceito serve-se Mill para dar uma explicação e uma justificação da pena. Ao cominarem-se penas para os actos considerados lesivos, determina-se uma associação de ideias em virtude da qual o delito deverá ser um mal, mesmo para aquele que o cometeu. A explicação de Mill, embora engenhosa, não satisfaz, pois ficará sempre por justificar por que se ligou uma pena a um acto, se este já antes —quer dizer, independentemente da pena — não era objecto de vitupério ou de reprovação pela


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consciência comum. Na verdade, a teoria utilitária não conse gue, mesmo com Mill, um fundamento sólido; só com a dou trina evolucionista esta teoria aparecerá bastante modificada e colocada sobre bases menos frágeis. Em Bentham e Mill o esforço evidente para conciliar a procura do bem individual com a consideração devida à convivência social — consideração que ultrapassa a doutrina utilitária — constitui, de per si, quase uma confissão da insuficiência do egoísmo para, como princípio, fundamentar uma Ética; e, na verdade, se o egoísmo individual fosse insusceptível de ser superado, não existiriam Moral nem Direito. O «cálculo» de Bentham não é de aceitar como lei ética, mesmo porque este nunca poderia realizar-se por cada indivíduo; e igualmente a «faculdade moral», de que fala Mill, não poderá realmente formar-se com a ajuda da «associação das ideias», se apenas utilizar os elementos subministrados pela experiência individual. A Ética de Mill corresponde tão só a um aperfeiçoamento da Ética de Bentham. Conserva-lhe, porém, os defeitos fundamentais. Novo progresso da doutrina utilitária foi o oferecido pela teoria da evolução, cuja origem está ligada aos nomes de Dar win e Spencer. O primeiro estudou a evolução no campo das ciências naturais e precisamente no mundo orgânico; o segundo deu ao princípio um significado universal e tentou explicar com ele toda a realidade. Carlos Darwin (1809-1882), publicou em 1859 a sua obra capital: Sobre a origem das espécies por meio da selecção natu ral a que se seguiu em 1871, a obra Descendência do homem, e selecção em relação ao sexo. Com longas e pacientes investi gações empreendeu uma viagem de circum-navegação para estu dar a vida zoológica; — observou que os animais, para viver, são forçados a sustentar uma luta com o «meio» ou ambiente; todo o ser vivo tem de fazer um esforço para se afirmar contra as dificuldades naturais. Há, pois, uma luta péla vida («struggle for life»). Como resultado dela, alguns dos seres vivos resistem.

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São os mais adaptáveis (não os melhores oomo erroneamente se diz) os que sobrevivem. Os restantes, menos adaptáveis, sucumbem. Desta sorte, efectua-se uma escolha, uma selecção natural. A teoria darwiniana repousa por inteiro nestes dois princípios: luta pela vida e selecção natural. Aquilo que acon tece ao indivíduo, igualmente acontece à espécie. Por efeito da selecção natural as espécies transformam-se, adaptando-se progressivamente às condições do ambiente. As que não se adaptarem perecem. Darwin aplica estes conceitos também ao homem. O homem, diz ele, não pode viver sem a ajuda do seu semelhante; a espé cie humana é, pois, uma espécie social e a sociabilidade uma das suas condições de vida. Logo, o indivíduo inapto para a vida em sociedade é eliminado pela selecção, ao passo que os adap tados à convivência sobrevivem. O instinto social reforça-se por meio dum desenvolvimento progressivo. Este instinto social identifica-se para Darwin com o instinto moral. Mesmo nas relações entre as várias nações, o critério da menor ou maior sociabilidade é de aplicar. De dois povos —um formado por indivíduos sociáveis, capazes de se sujeitarem a disciplina comum e a sacrifícios mútuos, e o outro composto por uma maioria de indivíduos não sociáveis, egoístas, incapazes de subor dinação social e de sacrifício disciplinado — se colocados frente a frente, o primeiro terá maiores probabilidades de vencer. As estirpes menos sociáveis extinguir-se-ão, pouco a pouco, ao passo que o instinto social tenderá a difundir-se no mundo. Os conceitos darwinistas foram posteriormente desenvolvi dos por Herbert Spencer (1820-1903). Este constrói um sis tema filosófico sobre a hipótese do evolucionismo. As suas obras principais, que compõem o sistema, são: Os Primeiros Princípios, Princípios de Biologia, Princípios de Psicologia, Princípios de Sociologia e Princípios de Stica. A última obra compreende várias partes, entre as quais: Dados da Stica ou Base da Moral; As induções da ética e ética da vida individual (estas, em


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tradução italiana com o título: A Evolução moral, 1909; e Êtica da vida social, subdividida em: Justiça (1891) tradução italiana e introdução por Vanni (1893); e Beneficência negativa e posi tiva (tradução italiana 1894). Citaremos ainda, entre outras, as seguintes obras da juventude de Spencer: Estatísticas sociais (1850) e Estudo de Sociologia (1873, tradução italiana com o título Introdução ao estudo da sociologia, 1881). Spencer concebe a vida do universo como um grande ritmo, um movimento contínuo de formação e de desagregação. O sen tido deste movimento é a evolução. E esta consiste na passa gem do homogéneo ao heterogéneo, do indiferenciado ao dife renciado, do incoerente ao coerente. Assim como o sistema solar, na bem conhecida hipótese de Kant e Laplace, tern a sua origem em uma massa sideral informe, em uma imensa nebulosa, difusa e homogénea, da qual, pouco a pouco, se destacaram devido ao movimento, os astros e os corpos celestes, assim na sociedade humana, ou em outra região da realidade, de uma massa caó tica, informe e difusa, se destaca uma pluralidade de seres individuais a tenderem para uma relação harmónica entre si. Assim se forma, portanto, gradualmente, uma distribuição e sistematização de funções, uma especialização de actividades; assim nasce, em suma, uma nova e superior unidade. As hordas primitivas compostas de indivíduos que exercem as mesmas funções e vivem promiscuamente, transformam-se, por evo lução, em sistemas sociais, dentro dos quais se desenvolvem diversas individualidades e se diferenciam as várias funções. Então, a vida em comum apresenta-se como um todo harmonicamente ordenado, composto de partes distintas e no entanto coligadas, cada uma tendo, em relação ao todo, uma função própria. A sociedade humana é, pois, concebida por Spencer à semelhança de um organismo: é unidade vivente, sujeita à lei da evolução. Neste organismo distinguem-se várias partes e funções, tal e qual como no organismo individual. Spencer traça um paralelo entre ambos. Há no organismo individual

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vários tecidos: o endodérmico, que nutre; o mesodénnico, que distribui o alimento; o esodérmieo, que protege e defende o organismo. Pois bem: na sociedade, ao primeiro destes tecidos correspondem os membros da classe agrícola e industrial, — os produtores; aos segundos os comerciantes — os distribuidores; aos terceiros, os soldados e juizes — protectores e defensores da sociedade contra os perigos internos e externos. Semelhante concepção orgânica baseia-se, como se acaba de verificar, em uma simples analogia com o organismo individual. 0 próprio Spencer preocupou-se com determinar os limites dentro dos quais esta concepção seria de admitir. Com efeito, avisou-nos de que se tratava de uma analogia e não de uma identidade. Pois, de facto, entre o organismo biológico e o social há consideráveis diferenças: o primeiro é um todo con creto, compacto, indivisível; o segundo, um todo discreto, isto é, descontínuo, constituído por partes separáveis. Aiém disso, os elementos constitutivos do organismo individual não têm, por si, valor próprio, dado que só servem à vida do todo, ao passo que os elementos constitutivos do organismo social —os indi víduos — têm valor e vida própria; são, para usar a linguagem kantiana, fins em si e não apenas meios em relação ao todo. Mas a teoria orgânica, se for aceita sem reservas poderá conduzir à negação do valor da existência individual. Spencer contudo, em política, foi decididamente individualista, reconhe cendo ao indivíduo em si mesmo considerado, na sua obra sobre a Justiça, uma série de direitos naturais. Desta tese me ocupa rei, mais adiante. Spencer intentou também reformar a utilitarismo, subs tituindo o utilitarismo empírico dos seus antecessores pelo utili tarismo racionai. Aceitando o princípio tradicional da Filosofia inglesa, considera o útil como sendo o fim do agir humano e a base da Ética. Porém, não atribui à utilidade um significado hedonístico (fjSovfi = prazer) mas biológico. Não se refere ao prazer no seu aspecto de sensação subjectiva, nem ao prazer na sua qualidade de objecto de cálculo, como na doutrina de


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Bentham. Tão pouco alude à faculdade psicológica derivada de tal cálculo, como Mill fizera. O aspecto para ele relevante é o equilíbrio biológico entre as condições do indivíduo e as condições do ambiente. A sua maneira de as encarar, portanto, aparenta-se com a de Darwin. Expressão desta adaptação ao ambiente, que no curso da evolução se verifica, está na Ética, que também é algo de relativo, de variável. As regras da acção modificam-se à medida que se transformam as condições do ambiente, uma vez que estas representam as condições neces sárias à existência do indivíduo e da sociedade. Mas Spencer tenta elevar-se à concepção duma Ética absoluta. Ética, para ele, é o mesmo que correcção do egoísmo porque a primeira condição de vida para o homem é a sociabilidade, a adaptação à vida social, que constitui um freio, uma limitação imposta ao egoísmo. Spencer admite assim a formação de um senti mento moral altruísta por virtude do processo biológico. Em harmonia corn os conceitos darwinianos, o indivíduo que não pudesse adaptar-se ao ambiente, sucumbiria inexoravelmente, condenado pela selecção natural; só os mais aptos sobrevivem. E o que se diz dos indivíduos, vale igualmente para os povos. Ao explicar este processo de adaptação do indivíduo à vida social, Spencer alude ainda a outro e importantíssimo critério: o da hereditariedade. Segundo este critério — que, por enquanto, não passa de mera hipótese— a adaptação efectua-se, não apenas durante a vida do indivíduo, mas sobretudo durante a vida da espécie. Os resultados da experiência —os quais obrigam o homem a dominar o egoísmo pela educação para a sociabilidade— acumulam-se e transmitem-se de geração em geração. Deste modo se explica o aparecimento dos instintos morais, que não têm base adequada nas experiências do indi víduo isolado. Semelhantes instintos, na hipótese de Spencer, seriam o fruto da experiência da espécie. O que no indivíduo aparece como inato, é adquirido com respeito à espécie. O sen timento do dever e do direito seria o produto das experiências

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de utilidade efectuadas por toda a espécie humana, transmi tidas e transformadas, em nós, em algo de orgânico. Análoga conciliação entre o empirismo e o idealismo foi tentada por Spencer com respeito às categorias do intelecto, ou seja, com respeito às formas necessárias do conhecimento. No seu entender, mesmo tais formas seriam adquiridas pela espécie a posteriori, ou seja, como resultado da experiência acumulada e transmitida. No entanto, em cada indivíduo essas formas manifestar-se-iam a priori: este, ao nascer, graças à hereditariedade, já se encontraria na posse delas. Embora engenhosa, esta tentativa de conciliação não é para nós aceitável. Várias objecções graves se lhe podem fazer. Se o a priori (a forma subjectiva) é elemento necessário do conhecimento e, em particular, da experiência, não se com preende como isso possa ser o resultado de uma determina,da acumulação da experiência. Nem a sucessão nem a multipli cação das experiências resolverão o problema das condições que permitem ou tomam possível a própria experiência. A mesma objecção pode fazer-se à concepção spenceriana das faculdades morais. Dificilmente se pode admitir que o senti mento do dever e do direito seja dependente de um acervo de experiências quando estas mesmas experiências, afinal de con tas, exigem e pressupõem uma certa vocação ou atitude origi nária da consciência individual. Dizer que semelhante vocação ou atitude resulta de longo trabalho de experiências e remonta a remotas eras, é expediente que apenas afasta mas não resolve o problema. Em nosso parecer, Spencer não chegou a ver qual era o fundamento da Moral e do Direito. E não admira, pois impediam-no as premissas de que partia. A sim ples e única observação dos fenómenos naturais nunca poderá conduzir à descoberta da essência do homem e das leis da sua consciência. Segundo Spencer, a adaptação à vida social (em que pre cisamente consiste a moral) tende a tomar-se orgânica, a transformar-se, em consequência de imposições obrigatórias, em


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hábito espontâneo e quase instintivo; portanto, o sentimento do dever (ou da obrigação moral) seria um sentimento transi tório próprio de um estado de adaptação incompleta. O con traste entre o impulso espontâneo e o sentimento do dever e da obrigação desapareceria gradualmente com uma mais per feita adaptação à vida social; a moral, pois, tenderia a baixar até ao instinto. Porém, a verdade é que esta construção teórica de Spencer não corresponde à realidade dos factos. A expe riência demonstra que com o progredir da civilização o senti mento do dever se robustece. Nas fases primitivas confunde-se o ser com o dever ser, aquilo que sempre se fez com aquilo que se deve fazer, a força com o direito; nas fases mais evoluídas, pelo contrário a antítese entre estes termos é cada vez maior, reforça-se a consciência do dever e do direito, e o sentimento da obrigação torna-se mais intenso e consciente. A adaptação à vida social tem também por efeito conforme Spencer, a transformação do regime de convivência de tipo militar no de tipo industrial; nisto Spencer renova a doutrina de Comte, o qual, como se sabe, distinguia exactamente estes dois tipos de sociedade. Corresponderia o primeiro às socieda des primitivas; o segundo, às mais evolucionadas. A sociedade de tipo militar denota fraco grau de adaptação à vida social e a sua organização encontra-se subordinada inteiramente ao fim único da guerra. Spencer nos seus Princípios de Sociologia (socorrendo-se aliás das narrações de numerosos exploradores) traça amplo quadro da vida das sociedades primitivas baseadas na organização militar. Indica aí, no mesmo passo, as suas características principais: hierarquia rigorosa, restrições gra víssimas da liberdade pessoal, cerceamento da iniciativa indi vidual, etc. Estas características próprias da organização mili tar estendem-se a toda a vida civil. Mas, ao evoluir, a sociedade encaminha-se, pouco a pouco, para o tipo industrial. O indiví duo emancipasse da disciplina coercitiva, entra a exercer livre mente a sua actividade, a desenvolver pacificamente as suas iniciativas. Fim supremo da vida social é, já não a luta ou a

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guerra, mas a obtenção e defesa da paz. Com isto, porém veri fica-se mudança radical em todos os valores, uma transfor mação profunda das ideias e dos institutos sociais. Este esquema da evolução, como aliás todos os esquemas rígidos da Filosofia da História, é, em parte, verdadeiro, em parte falso. Quer dizer que só poderá ser aceite com muita cautela, a benefício de inventário. Spencer, por último, colocou-se ante o seguinte problema: dever-se-á conceber como infinito ou finito o processo de adap tação à vida social? Pareceria que Spencer, coerente com o seu empirismo, se deveria limitar à observação do referido processo, abstendo-se de lhe marcar um termo. Se a realidade, para ele, é movimento contínuo, algo de relativo, qualquer paragem parece contraditória. Como tal foi considerada, de facto, por muitos adeptos das doutrinas spencerianas, esta sua interpretação. No entanto, note-se ainda que Spencer raciocinou com base na hipótese de uma evolução paradigmática, supondo uma organização social perfeita, isenta de contrastes e de transgres sões, e gozando da mais completa harmonia entre as suas par tes constitutivas, com conciliação plena do egoísmo com o altruísmo Spencer, portanto, contrapôs a Ética absoluta à Ética relativa. A primeira corresponde à cabal adaptação à vida social; a segunda, apenas a certo momento histórico, a certa fase do processo evolutivo. Na verdade, porém, a Êtica, colocada sobre a base da concepção spenceriana, seria sempre algo de relativo. Para se admitir, além desta, uma outra, abso luta, necessário seria especular sobre um ideal que se fundasse na razão e não na experiência. Mas, se assim fizermos, aban donaremos as bases da teoria spenceriana para entrarmos no âmbito do kantiano «imperativo categórico». Esta parte da teoria de Spencer dá lugar a muitas difi culdades e foi refutada pelos seus próprios adeptos. Deles veio o reparo de que a evolução e, portanto, o processo de adapta ção nunca poderiam conhecer um termo. Mas, por outro lado,


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mesmo no caso de se admitir um termo final da evolução, como se poderão, então, conhecer e afirmar preceitos absolutos? E como se concilia a Ética absoluta com a Êtica relativa? Qual será o valor respectivo de cada uma? Parece que, pelo menos por agora, a Êtica deverá ser relativa pois ainda se não verificou a completa e perfeita adaptação. Mas Spencer desde já afirma como válidos certos princípios da Ética absoluta. Ora isto representa sem dúvida, um ilogismo. E tal ilogismo é para nós precioso, pois nos denuncia como o nosso autor, saltando por sobre a lógica, ambicionou corrigir o defeito ori ginário do seu sistema. Mas não deixa de ser singular que Spencer, máximo expoente da reacção positivista contra o racionalismo na Filo sofia jurídica, seja, de facto, em última análise, também um pregoeiro dos princípios do direito natural. Esta incoerência de boa vontade a aceitamos, já que preferimos uma ofensa à lógica do sistema a uma ofensa à verdade. Não obstante isso, num ponto de vista intrínseco, tal ofensa permanece um defeito grave do referido sistema. Os princípios da Êtica absoluta na exposição de Spencer interessam particularmente o Direito. Na verdade, verifica-se nesta matéria contradição flagrante entre as regras da Justiça absoluta e as regras consagradas pelos vários sistemas de legislação positiva. Eis o princípio jurídico fundamental enun ciado por Spencer: cada qual pode fazer o que deseja com tanto que não prejudique a liberdade igual dos outros, Prin cípio nada novo pois é precisamente o mesmo que já susten tara a escola do direito natural (racional). Lembremo-nos, por exemplo, da fórmula kantiana da «igual liberdade». A evidente coincidência com Kant foi notada a Spencer, o qual, depois de afirmar que desconhecia a obra do mestre de Kõnigsberg, apontou algumas diferenças entre as duas fórmulas. Segundo o nosso autor, enquanto Kant deduz tal máxima de critérios apriorísticos, ele, ao invés, baseava a sua em numerosas expe riências sociais; Kant insistiu sobre o lado negativo, ele, ao

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contrário, atribuiu maior importância ao lado positivo (liber dade positiva: cada qual pode fazer o que quer). Semelhantes explicações não destroem todavia a concordância fundamental posto que a fórmula de Spencer não possa verdadeiramente considerar-se baseada sobre a experiência ou deduzida somente desta. Ao princípio que acabamos de expor, Spencer adicionou ainda outro complementar: cada qual deverá suportar as conse quências da própria natureza e da própria conduta. Mas tam bém este corresponde a uma exigência absoluta da Justiça, superior às normas das legislações positivas. Spencer dá-nos, depois, uma lista ou elenco dos direitos naturais do homem, resultantes dos princípios referidos. É lista análoga à contida na «Declaração dos Direitos do homem e do cidadão» de 1789 (direito de livre deslocação, direito de propriedade, direito de livre troca, direito à liberdade de crença e de culto, direito à liberdade do pensamento e da imprensa, etc.). Ê francamente notável que tais verdades de ordem metafísica se encontrem também em um escritor de tendências tão opostas à metafísica, como Spencer. Com a Justiça relaciona-se a beneficência, e, por isso, nada há que estranhar que à obra sobre a Justiça se seguisse outra sobre a Beneficência negativa e positiva. Para Spencer, a beneficência é um correctivo da Justiça, pois tende a remediar certas consequências dela. O auxílio aos seres mais débeis que, sem ele, estariam condenados a perecer, a integração de perso nalidades deficientes, tudo isto fica fora do âmbito da Justiça e, constitui, por sua vez, o objecto da beneficência. Pense-se na organização familiar para vermos bem a necessidade de não seguir sempre rigidamente a máxima de o indivíduo ter de suportar as consequências da própria conduta. É necessário que a beneficência mitigue os males ocasionados pelas inferioridades momentâneas ou permanentes. A mitigação dos refe ridos males, eis, precisamente, o campo da beneficência. Esta, portanto, é forma secundária do altruísmo, ao passo que a


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Justiça é a sua forma primária. Na luta pela vida, a benefi cência é freio interior que se acrescenta ao freio exterior, imposto pela lei jurídica. Foi Spencer em política resolutamente individualista, como já o dissemos atrás. Nisto seguiu a tendência da escola liberal clássica. Toda a sua doutrinação política foi inteiramente diri gida contra a invasão da esfera de acção individual pelo Estado — fenómeno que no seu tempo apenas se iniciava (v., em espe cial, o livro The man versus the State, do qual existe uma tra dução italiana com o título Indivíduo e Estado). Sobre este livro, ver o ensaio de M. Minghetti, O cidadão e Estado, no vol. Escritos vários (1896, págs. 401-471). No seu entender, ao Estado só deverá ser atribuída a tutela dos direitos individuais, na medida apenas do necessário. Tal necessidade deverá, por seu turno, decrescer progressivamente, ou seja, deverá dimi nuir, pouco a pouco, a tarefa própria do Estado, a fim de este cada vez mais deixar o campo aberto à livre iniciativa indi vidual. Spencer, com esta concepção, mostra-se particularmente contrário a que o Estado assuma funções beneficentes; pois via aí o perigo de o Estado ir tirar a uns o que legitimamente lhes pertence para o dar a outros sob a forma de beneficên cia. Esta, segundo Spencer, assim como está fora do âmbito da Justiça, deverá também estar fora do Estado. A benefi cência deverá ser espontânea, e, para assim ser, ficar entregue à livre iniciativa particular; quer dizer, nunca deverá ser coactiva, forçada, imposta, obrigatória. É provável que estas refle xões tivessem sido sugeridas por especiais condições da vida inglesa, onde a iniciativa individual é vigorosa e onde a bene ficência tem uma óptima organização. No entanto, também em Inglaterra se verifica o facto, igualmente registado em outros países, e tão característico da Idade Modema de um alargamento progressivo da esfera da actividade do Estado, que a si chamou, pouco a pouco, novas funções e novas tarefas. Ora contra esta tendência reagiu Spencer, afirmando energi camente os direitos do indivíduo. P D-I6

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Entre os escritores ingleses que no século passado tenta ram ultrapassar por várias formas o empirismo positivista, merecem ser mencionados os seguintes: T. H. Green (1836-1882); H. Sidgwick (1838-1900); F. H. Bradley (1846-1924) e B. Bosanquet (1848-1923). As obras destes quatro autores ver saram prevalentemente sobre temas gerais da Ética, mas, aqui e além, tocaram também assuntos filosófico-jurídioos. Entre outros, escreveram tratados sobre esta matéria: J. Lorimer, Os institutos da Lei—Tratado dos 'princípios da juris prudência tais como a natureza os determina (1872); e W. G. Miller, Lições de Filosofia do Direito (188b). Mais atinentes ao direito positivo, embora não destituídas de interesse filosófico — depois das obras clássicas de W. Blackstone, que na base de seus estudos sistemáticos sobre o direito inglês pôs uma elevada concepção do direito natural, — são as obras de J. Austin (1790-1859), — chefe da «Escola Analítica de Jurisprudência», com permanentes e numerosos adeptos entre os juristas anglossaxónicos: O Território da juris prudência, 1832, 2.* ed., 1861, e Lições de jurisprudência ou Filosofia da Lei positiva, 1863, 5.* ed., publicação de R. Camp bell, que inclui também a primeira das obras referidas. Tra ta-se de obras essencialmente de esclarecimento das noções jurídicas elementares, com relação particularmente ao direito inglês. Holland (1835-1926), sequaz da mesma escola, é notável, não só péla sua obra sobre os Elementos de juris prudência, publicada em 1880, mas também por ter dou tamente reivindicado a glória de Alberico Gentili. Notá veis são os trabalhos de S. Amos: Uma visão sistemática da ciência da jurisprudência, 1872; A ciência da lei, (1874, 8.* ed., 1896); F. Pollock, A first book of Jurisprudence (1896, 6.a ed., 1929); e de J. Salmond, Jurisprudence (1902, 10.* ed., 1947). Com as doutrinas de Austin se prendem especialmente os estudos de W. Jethro Brown, professor na Austrália: The Austinian theory of Law (1906) e The underlying principles of modem legislation (1918).


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Entre as obras mais recentes sobre a teoria do direito, são particularmente notáveis as de C. K. Allen, Lano in the making, 1927, 4.a ed., 1946, W. Friedman, Legal theory, 1944, 3.a ed., 1953, G. W. Paton, A text-book of Jurisprudence, 19^6, J. Stone, The province and function of Law, 19^7 (ambos professores na Austrália), e ainda os vários ensaios de W. A. Robson, Civilization and the growth of Law, 19S5, W. Buckland, Some reflections on Jurisprudence, 19If5, H. C. Gutteridge,

Comparative Law, 1946, 2.* ed., 1949, A. H. Campbell, A note on de Word «Jurisprudence», 19^2; Direito internacional e teo ria geral de direito, ed. italiana, 1950, e outros. São também de grande importância as investigações histórico-comparativas de H. S. Maine (1822-1888). Na parte sistemática deste nosso trabalho havemos de nos referir diver sas vezes a elas. Também a vida social dos povos primitivos foi estudada por outros, como, além de Maine, por J. F. MacLennan, J. Lubbock, E. B. Tylor, J. G. Frazer e L. T. Hobhouse, A. S. Diamond, etc. À história das doutrinas jurídicas e políticas deram contributos notáveis: R. Flint, L. Stephen, F. Pollock, H. Sidgwick, J. Brice, A. Dicery, F. W. Mai D. G. Ritchie, J. N. Figgis, A. J. Carlyle, G. P. Gooch, C. E. Vaughan, F. Hearnshaw, J. W. Allen, Ph. Doyle, etc.

tland,

Entre os mais recentes ensaios de Sociologia, recordaremos os de M. Ginsberg; e de Filosofia política, as obras de H. J. Laski, Estudos sobre o problema da soberania (1917, 3.“ ed, 1924); Gramática da política (1925, 2.* ed., 1930); Democra cia em crise (1988); Liberdade no Estado moderno (1985), e de A. D. Lindsay (1879-1952), O Estado democrático moderno, etc. Também vários ensaios da Filosofia do Direito foram recolhidos em um volume, editado por W. J. Jennings, em 1933, com o título de Modernas teorias da lei. Finalmente, devemos aqui mencionar ainda diversos auto res que, muito embora nascidos em outros países, escreveram em Inglaterra as suas obras e aí desenvolveram a sua activi dade filosófico-jurídica. Assim: o finlandês E. Westmarck

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(1862-1939) que se dedicou especialmente ao estudo da for mação das ideias morais e jurídicas nos povos primitivos; o russo P. VinOGRADOFF (1854-1925), sucessor de Maine e de Pollock na cátedra de Oxford, onde dignamente continuou as tradições iniciadas pelos seus antecessores, aprofundando as investigações do direito, nos seus Lineamentos de jurisprudên cia histórica (1920-1922), e o americano A. Goodhart, hoje em Oxford, Ensaios de jurisprudência e de lei comum (1930); Contribuições inglesas para a Füosofia da Lei (19 If9), etc. #

Na nossa época, os estudos filosóficos jurídicos atingiram também notável desenvolvimento na América do Norte. Já durante o Iluminismo (século xvni) o pensamento ame ricano se afirmara com B. Franklin (1706-1790); T. Jef ferson (1743-1826), A. Hamilton (1757-1804), etc., cujas obras trataram de temas ético-políticos sugeridos mais pela luta pela independência do que pelo interesse puramente especulativo. Os sistemas de outros pensadores — como R. W. Emerson (1803-1882); G. T. Laüd (1834-1916); C. S. Peirce (18301914); W. James (1842-1910); J. Royce (1855-1916); J. Dewey (nascido em 1859), etc. — oferecem maior interesse para os cultores da Filosofia teorética do que para os da Filosofia do Direito.

Os problemas desta disciplina foram considerados sob diver sos aspectos nas obras de: F. Lieer, Manual da Êtica política (1838, 2.a ed., 1876); J. M. Baldwin, Interpretações sociais e éticas no desenvolvimento mental (1897), etc.; F. H. Giddings, Princípios de sociologia; W. Willoughby, Uma analise da natu reza do Estado (1896); L. F. Ward, Sociologia pura (1902). Os problemas filosóficos-jurídicos foram ulteriormente objecto de estudo, mais directo, por numerosos escritores, tais como: J. C. Gray (1839-1915), Natureza e fontes da lei, 2.a ed., 1921; O. W. Holmes (1841-1935), Colectânea de escritos jurídicos,


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1921; W. N. Hohfeld, Concepções legais fundamentais na sua aplicação aos julgamentos (1913-1917), (2.* ed., 1923); J. H. Wigmore (1863-1943), Problemas da Lei, 1920; B. N. Cardoso (1870-1938), A natureza do processo judicial, 1921; A latitude da lei, 1924; Os paradoxos da ciência das leis, 1928; R. Pound (n. em 1870), Meta e propósitos da Jurisprudência sociológica, 1912; Introdução à filosofia da lei (1922), ed. revista (1954); Interpretações da história da lei (1923); Lei e Moral (2.® ed., 1926); Apelo a uma jurisprudência realista (1931); Controlo social pela lei (1942); Novos aspectos da Lei (1950); Justiça em concordância com a Lei (1951); A. Kocourek (1875-1952); Relações jurídicas (1927); Introdução à ciência da Lei (1930); M. R. Cohen (1880-1947); Jus naturale redivivum (1916); Lei e ordem social, (1933); M. Radin (1880-1950); A natureza do acto legislativo (1931); Lei, como lógica e experiência (1940); C. G. Haines, A revivescência dos conceitos de direito natural (1930); H. E. Yntema, As implicações da ciência jurídica (1933); L. L. Fuller, Realismo legal americano (193^); A lei em pós de si mesma (1940); H. Cairns, A teoria da ciência do direito (1941); E. N. Garlan, Realismo e justiça legal (1941); J. Frank, Lei e espírito moderno (6.a ed., 1949); J. Hall, Vida legal das sociedades democráticaa (1949); Falta, lei e sociedade (2.a ed., 1952); E. N. Cahm, O senso da injustiça (1949); H. C. Reuschlein, Jurisprudência: seus profetas ame ricanos (1951); T. A. Cowan, Um postulado da jurisprudência experimental (1951); J. N. Hazard, Direito comparado na edu cação legal (1951); P. Sayre, Introdução à filosofia do direito (1951); Julgamentos do valor e lei (1952); E. W. Patterson, Jurisprudência — O homem e as ideias do direito (1953). Na maioria destes escritores é manifesta a tendência carac terística do moderno pensamento jurídico americano para reagir contra o formalismo e oonceptualismo abstracto, e estudar a realidade do direito tal qual se forma na prática judiciária e se efectiva na vida social. O programa desta tendência, que tem certas conexões com o pragmatismo de J. Dewey, começou

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a esboçar-se com O. W. Holmes e foi, depois, formulado por K. N. Lewellyn, na publicação Uma jurisprudência realista (1930). Ao problema dedicou R. Pound, o maior jurista ame ricano, estudos de vulto. R. Pound, sendo um dos primeiros a renovar os métodos tradicionais da ciência jurídica, não deixou de fazer reparos penetrantes aos defeitos de um rea lismo demasiado estreito. Dos norte-americanos que se dedicaram ao estudo das organizações jurídicas primitivas, arquivaremos os nomes de L. H. Morgan, Sociedade antiga (1878), e R. H. Lowie, Socie dade primitiva (1920), A origem do Estado (1927); e de entre os que se dedicaram à história das doutrinas políticas, os de J. W. Burgess, W. Dunning, C. E. Merriam, R. Gettel, W. C. Macleod, etc.

O impulso dado a estes estudos resultou também em grande parte de publicações colectivas, como as Séries da modema Filosofia do Direito; Séries da evolução da lei, editadas por A. Kocoureck e J. H. Wignore (1912-1925; 1915-1918); Lições de jurisprudência (editada por J. Hall, 1938); Séries do XX Centenário de Filosofia do Direito (em publicação) e a recentíssima colecção de ensaios em honra de R. Pound, Interpre tações de Filosofia do Direito (19^7), com introdução de P. Sayre. Pode ainda citar-se a Revista Direito Natural e Foro, dedicada aos problemas de filosofia do direito, de recente criação. A Filosofia do Direito na Alemanha, Austria e Suiça tios tempos recentes

Já nas páginas anteriores dissemos o bastante acerca de alguns dos mais importantes sistemas filosófico-jurídicos sur gidos na Alemanha em meados do século xix. Acrescentaremos aqui apenas o nome de alguns pensadores da mesma época e das épocas .posteriores. J. E. Herbart (1776-1841) ocupou-se sobretudo de psico logia. No tocante à Ética e ao Direito, tentou reduzir estas


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categorias à da Estética. O seu ponto de partida era o de que a luta provoca desprazer e, precisamente, desprazer estético. Neste desprazer tern o direito o seu fundamento, pois a sua missão consiste em evitar a luta e produzir a paz. Sem dúvida, esta explicação é insuficiente. Além disso, podemos acusá-lo de ter confundido a Moral com o Direito — erro comum, aliás, a muitos escritores deste século e que, na maior parte dos casos, foi provocado pela reacção despertada pela excessiva distinção de ambos, feita por Tomásio, Kant e Fichte. Partidários de Herbart foram, entre outros, Geyer e Thilo, autores de obras de Filosofia do Direito. Thilo, Die theologisirende Rechts-und Staatslehres (1861); Geyer, Geschichte und System der Rechtsphilosophie in Orundzügen (1863); Philosophische Enleitung in die Rechtsioissenchaften (in «Encykb, der Rechswiss, de Holtzendorff, 4.a ed., 1882). K. Krause (1781-1832), filósofo espiritualista afim de Schelling, deixou-nos várias obras, entre as quais uma Filoso fia do Direito. A sua notoridade manteve-se duradouramente também pelo facto de terem saído da sua escola dois autores famosos: Ahrens (1807-1874) e Rõder (1806-1879). A dou trina de Krause (bem como a de seus partidários e discípulos) tem um carácter ecléctico; a exposição, obscura em Krause, é, pelo contrário, harmoniosa e clara em Ahrens e Rõder (o que explica a grande difusão das suas obras), ainda que em geral não muito profundas. O conceito fundamentai é o de que o Direito é condição do desenvolvimento da sociedade. A obra principal de Ahrens é Naturecht oder Phüosophie des Rechts und des Staates, (6.* ed., 1870-1871), que contém também uma ampla e valiosa parte especial sobre vários ramos de direito. Teve várias traduções italianas, a última de A. Marghieri com o título Curso de direito natural e filosofia do direito, (3." ed., 1885). Não menos notável é o tratado da filosofia do direito do Rõder Gncndzüge des Naturrechts oder der Rechstsfilosofie (sic) (1846, 2.* ed., 1860-1863), em que se contemplam, não só os conceitos mais gerais, como as suas aplicações aos dife

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rentes institutos jurídicos, especialmente do direito privado. Rõder também escreveu monografias sobre justiça penal e outras matérias. Pensador de muito maior importância foi Artur Schopen hauer (1788-1860). Das suas obras, recordaremos aqui: O mundo como vontade e como representação, aparecida em 1819, e os notáveis, ainda que curtos, tratados Sobre a liberdade do querer e Sobre o fundamento da moral. Opôs-se Schopen hauer, com mordaz vivacidade, a certas tendências espe culativas dominantes na sua época, em particular à hegeliana. Ele foi o grande adversário de Hegel. A ideia era para este, a essência das coisas; para Schopenhauer, era-o a vontade. Se o primeiro pode considerar-se um representante do intelec tualismo, o segundo pode classificar-se representante do voluntarismo. Schopenhauer entende a vontade em sentido latíssimo: como princípio independente da consciência, visto que como impulso se mostra até no reino da Física. O mundo é vontade que tende a individualizar-se; a vontade de viver é o princípio enformador do mundo: nela se originaram as formas individuais. A inteligência surge, depois, como faculdade secun dária. A individuação é a grande desventura, a. fonte de todos os males. Da vontade de viver individualmente nasce a despro porção entre aspirar e ser; isto é, nasce a dar. Dadas estas pre missas, a Ética deve assentar num único princípio: a negação da vontade de viver — a renúncia de si. Aqui depara-se-nos, pois, o princípio fundamental da Filosofia budista. Schopen hauer, de certo modo, quis ser o intermediário entre a sabe doria oriental e a ocidental.

Para Schopenhauer, a virtude primacial, o fundamento da Etica, é a compaixão; porque esta significa precisamente tuna superação da vontade individual, uma participação na vida alheia, e portanto o reconhecimento da fundamental iden tidade de todos os seres contra as ilusões da nossa subjectivi dade. Schopenhauer, emlbora nunca se tivesse ocupado ex professo de Filosofia do Direito, tratou de temas que a esta


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interessam, devido à íntima conexão entre os vários ramos da Filosofia. Assim, por exemplo, a maneira por que encara a dis tinção entre Moral e Direito é notável e original, apesar de não a podermos aceitar. Para ele, a Moral seria afirmativa ou positiva; o Direito seria negativo. Ou seja: a Moral, pelos prin cípios da compaixão e da renúncia, manda aos homens que se ajudem uns aos outros; o Direito exige só que os homens não se prejudiquem. A essência do Direito reduz-se ao neminem laede; mas a esta fórmula, a essência da Moral pede que se acrescente: immo ima. Já dissemos ser para nós inaceitável semelhante distinção, pois Moral e Direito ordenam, não só que nos abstenhamos de certos actos, mas também que prati quemos certos outros, certas prestações em proveito dos outros ou da Sociedade inteira. Seria fácil, mas supérfluo, fazer aqui um elenco das obrigações jurídicas desta natureza. Schopenhauer exerceu um certo influxo sobre E. v. Hart mann (1842-1906) que tirou algumas ideias, tamlbóm de Schelling e de Hegel. Característica do seu sistema é a impor tância atribuída ao inconsciente, para explicação da vida em geral. Hartmann tratou longamente da fenomenologia da cons ciência moral, sem porém se deter no estudo dos problemas específicos da Filosofia do Direito. Frederico Júlio Stahl (1802-1861) acusa a influência de Schelling, da filosofia da Restauração e da Escola histó rica. O seu sistema tem carácter espiritualista e teocrático. Notável pela profundidade da meditação, apesar do ponto de vista muito unilateral adoptado, é a sua Filosofia do Direito, aparecida em primeira edição no ano de 1830. Aí se critica com grande severidade o antigo Direito natural. Um dos três volu mes da obra citada foi dedicado à História da Filosofia do Direito, tendo sido traduzido em italiano e em espanhol. Outro pensador singular foi Max Stirner (pseudónimo de J. C. Schmidt) que viveu de 1806 a 1856 e que no seu livro, O único e a sua propriedade (1845, trad, it., 1902), desenvolveu a teoria de um extremo individualismo anárquico.

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Afim destas, sob certos aspectos, é a teoria, ciheia de para doxos, de F. Nietzsche (1844-1900), o qual nos seus numerosos escritos, Assim falou Zaratrusta (1883-1891); Além do bem e do mal (1886); Genealogia da Moral (1887), etc., se propôs subverter todos os valores éticos, combatendo a moral do amor e propugnando a ilimitada «vontade de potência», como caracte rística própria do homem superior ou «super-homem». Em aberto contraste com as doutrinas de Stirner e de Nietzsche, inspiradas por um falso individualismo se situam as dos que, partindo de um conceito absoluto de sociabilidade, submeteram os modernos ordenamentos políticos a uma crí tica radical, com o fim de elevar as condições de vida das clas ses operárias. Principal entre esses é Carlos Marx (1818-1883) que com as suas obras, Crítica da Economia Política (1859) e O Capital (1867), pôs as bases do socialismo moderno. Segundo Marx, a estrutura económica da sociedade determina a super-estrutura jurídica e política às quais correspondem as formas sociais da consciência. Esta teoria, chamada «materialismo» histórico, oferece no entanto o flanco a graves objecções que aqui não é necessário repetir. Frederico Engels (1820-1895) colaborou com Marx em diversos escritos (entre os quais o «Manifesto do partido comu nista» de 1848) e compilou, com base nos apontamentos por ele deixados, o segundo e o terceiro volumes do Capital (1885-189b). Escreveu também uma obra sobre a origem da família e da propriedade e do Estado. Notável escritor e agitador político, de tendências seme lhantes, foi F. Lassalle (1825-1864); a sua concepção do socia lismo difere porém, em parte, da de Marx e Engels, tendo um carácter mais nacional que internacional. Em Filosofia, Las salle inspirou-se sobretudo em Hegel, procurando desenvol ver-lhe a doutrina, com particular interesse pelo aspecto jurí dico. Na sua obra, Sistema dos Direitos adquiridos (1861), sustenta a relatividade das leis e portanto dos direitos por elas consagrados, visto as leis não serem outra coisa senão a


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expressão concreta da consciência jurídica popular: consciên cia mutável no curso do tempo. Volta assim a aparecer nesta doutrina um motivo característico da Escola histórica dos juristas. J. H. V. Kirchmann (1802-1889) expôs uma teoria empírico-realista do direito (Os conceitos fundamentais do Direito e da Moral, 1869), depois de, em um opúsculo famoso, ter negado qualquer valor científico à jurisprudência (Die Werthlosigkeit der Jurisprudem ais Wissenschaft, 18Jf8). Não muito diversa é a teoria defendida por L. Knapp (1821-1858), fundada num materialismo radical (System der Rechtsphüosophie, 1857). As doutrinas clássicas, especialmente as aristotélicas, foram renovadas por Adolfo Trendelenburg (1802-1872) na sua notável obra, Direito natural sobre a base da Êtica (1860, 2.* ed., 1866, trad, it., 1873). Rudolfo v. Ihering (1818-1892) foi um dos maais geniais juristas da modernidade. Na sua principal obra, O espírito do Direito romano nos diversos graus de seu desenvolvimento (1852-1855, trad. ital. só da primeira parte, 1855), tentou uma análise profunda não só do Direito romano mas do Direito em geral. As suas premissas filosóficas, inspiradas por um certo positivismo e um tanto restritas, não o impediram de pôr em grande destaque os elementos racionais e voluntários na pro dução do direito e na sua evolução. Nota-se isto especialmente no seu breve trabalho, hoje famoso, A luta pelo Direito (1872, trad, it., de 1875), e na obra de amplo traçado: O fim do Direito (1877-1883), infelizmente incompleta. Um amplo sistema, compreendendo todos os ramos da Filo sofia e também, em síntese, os resultados das diversas ciên cias, foi o construído por Guilherme Wundt (1832-1920); um volume desta vasta obra é dedicado ao Direito como parte da Psicologia dos povos (Wõlkerpsichologie); outros à Êtica, etc. As ideias fundamentais de Wundt são o monismo e o evolucionismo. Traça uma história psicológica do desenvolvimento do Direito nos seus vários graus, e, ainda que o seu conceito

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de evolução não seja idêntico ao de Spencer, não pode dizer-se que tenha verdadeiramente superado o positivismo. Um dos melhoreis tratados da nossa disciplina foi também o que nos deu Adolfo Lasson no seu Sistema de Filosofia do Direito (1882), onde estão expostas com clareza e profundidade tanto as doutrinas mais gerais como a sua aplicação aos diferen tes institutos. A orientação especulativa de Lasson é rigorosa mente hegeliana, o que dá ao seu sistema um carácter um tanto dogmático. Porém, mesmo quem discorde da sua tese terá de reconhecer o grande valor da obra e do autor, que foi, além de um verdadeiro filósofo, um excelente mestre. José Kohler (1849-1919), também insigne mestre da Uni versidade de Berlim, desenvolveu uma genial e ampla activi dade em todos os campos da jurisprudência. Na Filosofia do Direito inspirou-se igualmente em Hegel, declarando-se neo-hegeliano, mas sem se limitar aos princípios e às formulas daquele filósofo, antes seguindo de preferência, ao considerar o Direito como «um fenómeno de cultura», um método histó rico e positivo. Das suas numerosas obras fixemos: Filosofia do Direito e história universal do Direito (na Enciclopédia Jurídica de Hotzendorff, 6.a e 7.* eds., 1903-1913), e especial mente o Manual de Filosofia do Direito (Lehrbuch der Rechtsphilosophie, 1909, 3.a ed., 1923). Kohler promoveu eficazmente, entre outras coisas, os estu dos de Direito comparado (com particular referência aos povos primitivos), embora estes estudos já tivessem recebido na Ale manha notáveis contribuições, especialmente com as obras de A. H. Post (1839-1895): A origem do Direito (1876), Os inícios da vida estadual e Jurídica (1878), Jurisprudência Etnológica (2 vols. 1894-1895, trad, it., 1906-1908), etc. Prende-se com estes estudos também a conhecida obra de J. J. Bachofen (1815-1887), Matriarcado (Das Mutterrecht, 1861). O conceito do Direito e outros conceitos jurídicos funda mentais foram ainda objecto de atentas análises nas obras de outros eminentes juristas, como Augusto Thon (1839-1912),


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Norma jurídica e Direito subjectivo (1878); E. R. Bierling (1841-1919), Para a crítica dos conceitos jurídicos fundamen tais, 2 vols. (1877-1883) e Teoria dos Princípios jurídicos, 5 vols. (1894-1917); Carlos Binding (1841-1920), As normas e as suas transgressões, com particular referência ao Direito penal, 4 vols. publicados em várias edições (de 1872 a 1920); Ernesto Zitelmann (1852-1923), Conceito e essência das chamadas pessoas jurídicas (1873), Erro e negócio jurídico (1879); S. Schloss mann (1844-1909), Sobre a doutrina da coacção (1874), O con trato (1876), etc. Não devem igualmente ser esquecidas as con tribuições dadas à discussão dos mesmos conceitos pelos maio res Pandet'istas, como K. A. Vangerow (1808-1870), B. Windscheid (1817-1892), A. Orinz (1820-1887), F. Regelseberger (1831-1911) e outros. Adolfo Merkel (1836-1896) ocupou-se especialmente do Direito penal, mas tentou também delinear o programa de uma Teoria geral do Direito (positivo), distinta da Filosofia, e expor em breve síntese os seus elementos : Sobre as relações da Filoso fia do Direito com a ciência jurídica positiva e com a parte geral da mesma (1874)> A. Enciclopédia jurídica (1885, 2.® ed., 1900), Elementos de teoria geral do Direito, na Encicl. Juríd. de Holtzendoriff, 5.a ed., 1890, e nas «Gesamm. Abhandl, Vol. n». Deve também referir-se aqui a obra de Guilherme Schuppe (1836-1903). Este, embora sustentando um criticismo sobre base empírica (chamado Filosofia da imanência), contribuiu também para a teoria do Direito, com os seus Fundamentos da Ética e da Filosofia do Direito (1881), O conceito de Direito subjectivo (1887) e O Direito consuetudinário (1890). O conceito do Estado e outros correlativos foram estuda dos, também nos aspectos filosóficos, por vários cultores da ciência do Direito público. Entre estes é de destacar, especial mente, o vulto de Jorge Jellinek (1851-1911): Sistema dos Direitos subjectivos públicos (1892, 2.a ed., 1905) e Doutrina geral do Estado (1900, 3.a ed., 1914, ed. póstuma, 1921). Digno de nota é também a obra do austríaco António Menger (1841-

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-1906) que no seu esboço de um «Estado democrático do trabalho» procurou sistematizar em forma jurídica os postulados práticos do socialismo na sua Neue Staatslehre (1902, 3.* ed., 1960) e nos seus escritos anteriores: O Direito ao produto inte gral do trabalho (1886, 3.a ed., 1904) e O Direito civil e o pro letariado (1890, 3.a ed., 1904; trad, it., 1894). A ideia do direito natural foi comibatida com excessos de erudição, mas sem argumentos decisivos por K. Bergbohm, Jurisprudência e Filosofia do Direito (1892), e por outros. Notável pela riqueza de informações mais que pela pro fundeza dos conceitos, é o Sistema de Filosofia do Direito e da Economia de F. Berolzheimer (5 vols. 1904-1907) com orien tação semelhante à de Kohler. Qabe, porém, especialmente a Rodolfo Stammler (1856-1938) o mérito de ter iniciado uma revisão crítica das doutri nas filosóficas. Estas na Alemanha, como na Itália, oscilavam entre o dogmatismo positivista e o hegeliano. A filiação de Kant, evidente sobretudo na obra Sobre o método da teoria histórica do direito (1888), não imipediu Stammler de tentar veredas novas para resolver os problemas da Filosofia do Direito, tomadas mais urgentes pelos contrastes entre as várias doutrinas e os progressos entretanto realizados no campo das investigações históricas e positivas. Na sua obra Economia e Direito segundo a concepção materialista da história (1896, 4.a ed., 1921), distinguiu nitidamente a forma e matéria da vida social, concluindo por afirmar, como ideal supremo ou fim absoluto desta, o de uma comunidade de homens que «querem» livremente («Gemeinschaft frei wóüender Menchen*). Em outra obra, A teoria do direito justo (1902, nova ed., 1926), procurou determinar, segundo aquela mesma máxima, o conceito do direito justo («richtiges Recht»), como espécie e ao mesmo tempo como critério de todo o direito em geral. A este critério atribui ele um valor puramente formal, destacando-se assim do antigo jusnaturalismo e admitindo a positividade do direito e a sua variabilidade. A doutrina de Stammler, exposta tam


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bém em outras obras, como a Teoria da ciência jurídica (1911, 2.a ed., 1932) e o Manual de Filosofia do Direito (Lehrbuch der Rechtsphüosophie, 1922, 3.a ed., 1928), pode levantar e levan tou, de facto, diversas óbjeoções, mas será sempre, sem dúvida, uma das expressões mais notáveis da moderna Filosofia do Direito. Júlio Binder (1870-1939), depois de ter dedicado um longo estudo crítico à doutrina de Stammler no seu Conceito de Direito e ideia do Direito (1915), afastou-se da mesma para se aproximar do pensamento hegeliano. Do hegelianismo na mo dema Filosofia jurídica é ele certamente, depois de Lasson, o maior representante. A sua obra principal é a Filosofia do Direito (1925), depois reelaborada com o título de Sistema de Filosofia do Direito (1931/) Eugênio Ehrlich (1862-1922) iniciou uma nova série de investigações sobre aquilo a que chamou «o Direito vivo», isto é, o Direito que tem imediatamente a sua origem na socie dade e não no Estado. As suas exposições sistemáticas aobre este argumento encontram-se nos Fundamentos da sociologia do Direito (1913) e na Lógica jurídica (1918). Já em um precedente opúsculo, A livre procura do Direito e a livre Jurisprudência (1903), tinha posto em destaque que as decisões judiciais, não baseadas sobre leis ante riores, criaram substancialmente direito novo. Esta tese foi retomada e desenvolvida por H. Kantorowicz (1877-1940), que no seu trabalho, A luta pela ciência do Direito, publicado em 1906 com o pseudónimo de Gnaeus Flavius ( trad, it., 1908), expôs o programa da chamada Escola do direito livre (Freie Rechtsschopfung). Este programa que tende a pôr em segundo lugar a autoridade da lei com relação à prática judiciária, achou adeptos em vários países, mas encontrou, por outro lado, graves resistências. Com originalidade de pensamento, Gustavo Radbruch (1878-1949) forneceu também diversas e importantes contri buições a esta matéria. Assim notável é o seu tratado, Grundzüge

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der Rechtsphüosophie, que, publicado em 1914, foi por ele mais tarde inteiramente reelaborado com o título de Rechtsphüosophie, (3.a ed)., 1932). Notável ainda a sua breve mas oonoeituosa Introdução à ciência jurídica (1910, 8.a ed., 1929), como tam bém, entre os trabalhos mais recentes, a sua Propedêutica da Filosofia do Direito, ou Vorschule der Rechtsphüosophie (1948), que pode considerar-se complemento do tratado acima referido. A posição filosófica de Radbruch, fundada na teoria do conhe cimento, resume-se numa palavra: Relativismo. Este, porém, não significa para ele negação dos valores absolutos, mas antes o respeito de todas as suas possíveis afirmações. Entre os melhores estudos sistemáticos da matéria, merece ser assinalado também o de M. E. Mayer, Filosofia do Direito (1922), rico de aspectos originais e inspirado em um criticismo a abicar na afirmação da humanidade como supremo princípio ético. Singulares pela amplidão e erudição são ainda os traba lhos de W. Sauer: Bases da sociedade (1924); Manual de Filo sofia jurídica e social (1929, 2.a ed., reelaborada corn o título de Sistema de Filosofia jiarídica e social, 1949) e Metodologia jurídica (1940, etc.). R. Laun tratou também com elevação os problemas fundamentais do direito público e principalmente do direito internacional na obra Der Wandel der Ideen Staat Und Volk ais Aeusserung des Weltgeuvissens (19SS), sobre Estado e povo. A Filosofia jurídica neo-escolástica teve também nos paí ses de língua alemã numerosos e notáveis representantes fiéis à ideia do Direito natural; assim: Th. Meyer, V. Cathrein (suíço), C. Gutberlet, G.,v Hertling, J. Mausbach, J. Haring, M. Grabmann, etc. Semelhante orientação, demonstram-na nas suas obras, por ex., E. Hõlscher, Teoria moral do Direito (1928) e K. Petraschek, Sistema de Filosofia do Direito (1932), etc. De grande interesse, especialmente para a Filosofia do Direito Público, são, do mesmo modo, as doutrinas da chamada


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Escola de Viena, ou da «Teoria pura do Direito» que tem por chefe Hans Kelsen. Esta teoria pretende definir a essência do Direito, eliminando todos os elementos estranhos (psicoló gicos, éticos, etc.), como pura norma. Repudia a concepção do Direito natural e a ideia de justiça, que, enquanto distinta do Direito, constitui um «ideal irracional». Limita-se assim a con siderar o Direito positivo como ele é, recusando-se a avaliá-lo. Sobre este ponto capital, está de acordo corn o realismo ou o positivismo jurídico. Característica de tal doutrina é ainda a repulsa de todo e qualquer dualismo no campo do Direito. Assim, segundo Kelsen, deveríamos abandonar as distinções entre Direito objectivo e subjectivo, entre Direito público e privado, e também entre Direito e Estado. Supérfluo salientar aqui a gravidade destas identificações, especialmente da última. O orde namento jurídico, segundo a mesma teoria, deve conceber-se como construído através de uma série de degraus (Stuferibau); nesta série situa, acima do Direito dos diferentes Estados, o da comunidade internacional entendido igualmente como Direito positivo. Estas doutrinas foram agudamente elaboradas não só pelo próprio Kelsen nas suas várias obras — Principais problemas da teoria do Direito Estadual (1911); O problema da Soberania e a teoria do Direito internacional (1920); Teoria geral do Estado (1925); Teoria pura do Direito (1934); «te-; a mais completa formulação do seu pensamento encontra-se no volume recentemente editado na América do Norte: Teoria geral da lei do Estado (1945) — como também por outros autores que lhe aceitaram os princípios. Entre estes desenvolveu A. Verdross em particular as doutrinas relativas ao Direito inter nacional: A unidade da configuração jurídica do mundo (1923) e A constituição da comunidade jurídica internacional (1926). E pertencem também a esta escola, ou prendem-se estreitamente com ela: A. Merkl, F. Sander, F. Kaufmann, F. Schreier, J. Kunz, e outros escritores de vários países, como o checo-eslovajco D. Weyr que, antes de Kelsen, tinha já expressado P D- 1 7

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ideias análogas, o polatco S. Rundstein, o jugosLavo L. Pitamic, o húngaro B. Horváth, o dinamarquês A. Ross, o japonês T. Otaka, etc. Adesões, não sem critica, encontrou a mesma escola recentemente também na América latina. No que con cerne a Itália, as doutrinas em questão foram já consideradas e discutidas por diversos estudiosos. Não nos deteremos, por tanto, a indicar aqui os méritos e os defeitos de tal doutrina. Notaremos apenas que ela deixa evidentemente sem solução alguns dos maiores problemas da Filosofia do Direito. De carác ter prevalentemente sociológico, mas não sem interesse para a Filosofia do Direito, são ainda as obras de K. Vollgraff, A. Schãffle, F. Tõnnies, G. Ratzenhofer, G. Simmel, P. Barth, M. Werer, A. Vierkandt, M. Scheler, O. Spann, O. Spengler, F. Jerusalém, R. Thurnwald, etc. Para a história das doutrinas jurídicas e políticas não são menos preciosos os trabalhos de R. v. Mohl, C. v. Kaltenborn, O. Gierke, S. Riezler, R. Stintzing, E. Landsberg, R. Hirzel, R. Scholz, F. Meinecke, J. Sauter, E. Wolf, F. Flúckiger (suíço), etc. Os estudos filosófico-jurídicos tiveram, porém, em nossos dias, na Alemanha, na Austria e na Suíça um tal desenvolvi mento, que o presente e breve sumário histórico apenas pode limitar-se agora a referir, por último, algumas das obras mais significativas. Registamos aqui ainda os nomes de outros auto res que, em diversas direcções de pensamento, deram também contribuições notáveis ao progresso destes estudos: L. A. Wankõnig, J. Held, F. A. Schilling, W. Arnold, C. L. Michelet, Ferd Walter, H. V. Treitscke, F. Dahn, F. Harms, O. Búlow, L. Kúhnast, P. Kloeppel, R. Wallaschek, E. Lask, A. Hold v. Ferneck, J. Stern, L. Kuhlenbeck, E. Holder, R. Loening, M. Rompf, E. Bekker, A. Sturm, E. Jung, A. Reinach, I. Korfeld, F. Munch, W. Fuchs, G. Wielikowski, H. Reichel, Th. Sternberg, L. Nelson, M. Rumelin, M. Salomon, M. Wenzel, E. Beling, A. Baumgarten, F. Darmstaedter, C. A. Emge, E. Kaufmam, S. Marck, E. Swoboda, G. Leibnolz, K. Wolff, E.


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Weigelin, J. Kraff, H. Kraus, K. Haff, C. Schmitt, G. Hus serl, G. A. Walz, E. Schwind, A. Manigk, H. Sinnzheimer, L. Waldecker, W. Schõnfeld, F. Mullereisert, H. Heller, K. LiARenz, E. Voegelin, J. Esser, Th. Viehweg, M. Klug, Fr. V. D. Heydte, E. Feclmer, etc. H. Dietze, H. Coing, H. Thieme, E. Wolt, E. Balenheimer, K. engisch, A. Schientek. Entre os suíços, autores de monografias não menos notáveis, lem bramos ( além dos já notados): J. C. Bluntschli, A. Affolter, M. Gmur, E. Huber, W. urckhardt, D. Schindler, H. Nawiasky, A. Simonius, H. Nef, E. Brunner, etc.

A Filosofia do Direito na Espanha, América Latina, Portugal, Roménia, Hungria, Grécia, Holanda, Escandinávia, Finlândia, «tc.

A Filosofia escolástica manteve-se em Espanha muito mais tempo que nos restantes países. Por isso, não houve aí um verdadeiro renascimento, no sentido de um abandono do dogma tismo próprio da Idade Média. No entanto, da própria Esco lástica surgiram pensadores que com grande subtileza e pro fundidade reelaboraram a doutrina tomista, especialmente quanto ao direito naturail, conduzindo-a a novos e, por vezes, audaciosos desenvolvimentos. Deu isto ocasião ao movimento chamado «Renascimento da escolástica*. A alguns dos escri tores que o promoveram já atrás nos referimos. Mas convém ainda, antes de passarmos aos modernos, dizer mais alguma coisa a seu respeito. Como um dos criadores da ciência do direito internacio nal, foi notável o dominicano Francisco de Vitória (1483-1546) que na sua obra póstuma Relectiones theólogicce (De Indis recenter inventis; De indis, sive de jure belli Hispanorum in barbaros) proferidas em 1539 e publicadas em 1557, junta mente com outras obras, v. g. De potestate civili, discutiu com agudo senso jurídico e profundo sentido de humanidade o problema da licitude da guerra, e, em especial, da que os espanhóis, não sem atrocidade, faziam então contra os indí

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genas do continente americano recém-descoberto. Divergindo da qpinião corrente sustentou que as diferenças de religião não eram causa legítima de guerra, e que os espanhóis, pelo facto da descoberta, não tinham título jurídico aos territórios habi tados pelos indígenas. E idêntico protesto outros escritores, como Bartolomeu de las casas (1474-1566), formularam contra os excessos de tais guerras. Foram discípulos de Vitória, e ambos também domini canos, Melchior Cano (1509-1560) e Domingos Souto (1494-1560), e este deixou-nos um amplo e notável tratado: De iustitia et iure (1556). Sobre o mesmo argumento fundamental, mas sempre elaborando e desenvolvendo os princípios da esco lástica, escreveram os jesuítas Luís de Molina (1535-1600) e João de Lugo (1535-1660) (27). Menos conhecidas mas não menos valiosas são as doutrinas de Fernando Vasques de Melchior (1512-1569) que se ocupou na sua obra Controversiorum ülustriwm Libri tres (1563), principalmente dos funda mentos do direito público, numa orientação de carácter, pode dizer-se, democrático, defendendo o princípio da liberdade dos mares. Grangeou também grande fama, envolvida em intensas lutas, o jesuíta JoÃo Mariano (1536-1623) com a obra De rege et regis institutions (1599) em que expôs um plano de monar quia representativa propugnando a tese, que já Molina e outros tinham enunciado, da legitimidade do tiranicídio. Importância ainda maior tem o pensamento do jesuíta Francisco Suarez (1548-1617) que no seu Tractatus de legibus ac Deo legislature (1612) nos legou uma das obras siste máticas mais completas da nossa disciplina. Pode considerar-se o maior pensador da escola católica depois de S. Tomás. As suas doutrinas sobre a lei natural, fundamento do poder político, etc., não têm apenas mero valor histórico para o tempo em que surgiram, mas actual, pois tratam profundamente pro blemas e questões que não podem deixar de ser tomados em conta por todos quantos investigam, ainda que por diferentes métodos, a essência do direito e do Estado.


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Merecem citar-se ainda como contemporâneos de Suarez, ou que pouco lhe são posteriores, os filósofos G. Vasquez (1551-1604), teólogo, e B. Gracian (1601-1658), moralista. Porém só indirecta e ligeiramente tocaram os problemas específicos da Filosofia do direito. Depois de longo período de depressão, que abrange espe cialmente o século xviil, o pensamento filosófico espanhol mani festou-se novamente com certo vigor no século passado e, mais ainda, no começo do actual, acusando a influência das correntes especulativas de vários países e procurando, algumas vezes, caminhos próprios. No entanto, a tradição escolástica ou neo-escolástica permaneceu viva. A ela se prendem, por exemplo, as doutrinas sociais e políticas de J. Donoso Cortés (1808-1853), muitas vezes eloquentemente polémicas, e as mais larga mente filosóficas de J. L. Balmes (1810-1848). Vieram, depois, E. Gil y Robles (1849-1908), com o Tratado de Direito político (1899), e L. Mendizabal y Martin (1859-1931), a quem se deve recente e amplo Tratado de Direito Natural (redigido na 7.“ ed. em colaboração com o filho, o professor A. Mendi zabal Villalba). Representa a obra em questão uma tenta tiva para inserir na velha trama dos raciocínios escolásticos os dados e os problemas da vida jurídica moderna. Quase todas as principais escolas filosóficas europeias encontraram também eco ou reflexo em Espanha. Mas devemos assinalar, acima de tudo, a fortuna que aí acompanhou a divul gação das doutrinas de Krause, devido ao labor de J. Sanz del Rio (1814-1869). O melhor discípulo deste foi F. Giner de los Rios (1839-1915), cuja acção em prol dos estudos filosóficosjjurídioos fez dele um benemérito, muito embora este aspecto da sua personalidade não deva fazer esquecer o do homem dedicado aos assuntos pedagógicos e da instrução pública, que ele foi. Das suas obras, recordaremos: Princípios de Direito natural (1873, nova edição, 1916; Resumo de Filo sofia do Direito (1898); estas duas obras trazem também à

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memória o nome do seu discípulo e colaborador A. Calderon. De carácter eclético é o Novíssimo tratado completo de Filo sofia do Direito natural, da autoria de C. Fernandez Elias (1874). Os escritos de J. Costa (1846-1911), A vida do Direito (1876) e outros, têm cunho mais histórico e sociológico do que filosófico. N. Salmerón (1838-1908), formado no krausismo, veio, por último, a aproximar-se do positivismo. Este está representado sobretudo por P. Dorado Montero (1861-1919), discípulo de Ardigò, mas que também acusa a influência da escola krausista (Rõder) e do humanitarismo tolstoiano. Dedi cou-se especialmente aos problemas do Direito penal. A sua obra póstuma de carácter geral, Natureza e função do Direito (1917), é notável.

Sobre a teoria do Estado escreveram obras dignas de men ção G. de Azcárate (1840-1917), A. Posada (1860-1944), L. del Valle (1876-1950), C. Ruiz Del Castillo, J. Beneyto Perez, F. J. Conde, L. Sanches Agesta, M. Fraga Iribarne, L. Perêna. Da filosofia do direito penal ocuparam-se Q. Saldana e L. Jimenez de Asua, E. Cuello Calón, A. Quintano Ripollés e J. del Rosal. Aos autores nomeados e a outros que, por brevidade, omi timos, deve a Espanha o lugar honroso que presentemente ocupa no movimento geral de renascimento dos estudos filosófico-jurídicos.

J. Ortega y Gasset, M. Garcia Morente, J. Xirau Palau, colaboraram eficazmente em promover o progresso dos estudos filosóficos gerais, e, uma vez por outra, encararam também temas de filosofia política ou social. No campo propriamente filosófico-jurídico, citaremos: A. Bonilla y San Martin (18751926), F. Pérez-Bueno (1877-1934), F. de los Rios Urruti (1879-1949), F. Rivera Pastor (1882-1936), L. Recaséns Siches, L. Legaz y Lacambra, W. Roces, E. Luno Pena, M. Puidgollers, W. Gonzalez Oliveros, M. Sancho Izquierdo, F. Gonzalez Vicen, E. Galán y Gutierrez, J. Corts y Grau, E. Gomes Arboleya, F. Ellias e Tejada Spinola, A. Truyol Serra, J. Ruiz Giminéz e S. Lissarrague, A. de Luna, A. Gar cia Valdecasas, J. Medina Echevarria, A. D’Ors, A. de Asis. Todos eles, nos seus valiosos trabalhos, discutiram os proble mas da nossa disciplina.

Na América latina de língua espanhola, verificou-se tam bém, na nossa época, movimento favorável ao estudo da nossa disciplina. Nele predominou, até agora, a orientação .positivista e sociológica, muito embora o neo-criticismo e as outras cor rentes especulativas também tivessem encontrado aí represen tantes. Recordamos, entre os mais notáveis, os seguintes nomes: C. O. Bunge (1875-1918), W. Escalante, J. Ingenieros, A. DelLEPIANE, E. QUESADA, E. MARTINEZ PAZ, M. SAENZ, A. J. RODRIguez, C. Melo, A. Fragueiro, R. A. Orgaz, C. Cossio, E. R. Aftalión, F. Garcia Olano, J. Lozano Munoz, F. Légón, S. Linares Quintana, R. M. Alsina, A. E. Sampay, M. Ruiz Moreno, R. Labrousse, S. Dana Montano, T. D. Casares, R. Mugaburu, A. Gioja, M. R. Figueiroa, J. Vilanova. Entre os escritores do Uruguai, lembraremos: A. M. Grompone e J. Llambias de Azevedo, E. Couture, E. Vescovi; entre os do Paraguay, C. Baez; entre os do Equador, A. M. Paredes e J. Vilagomez Yepez; entre os chilenos, R. FErnandez Con cha, V. Letelier, A. Alvarez, F. Vives, C. Hamilton, A. Bascunan, M. Pacheco, J. Hubner Gallo, entre os cubanos, M. Aramburo (autor de um desenvolvido tratado Filosofia dei derecho) 3 vols., (1924-1928), P. Desvernine, E. F. Camus,

Deram também notável contribuição para as teorias jurídi cas gerais os eminentes escritores de direito privado M. Alonso Martinez, F. Clemente de Diego, F. Sanchez Román, J. Castan Tobenas, F. de Castro, D. de Buen, A. Hernandez-Gil. J. Castán Tobenas ocupou-se mesmo directamente dos pro blemas da Filosofia do Direito (justiça, equidade, etc.).

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J. E. Casasús, A. S. de Bustamante y Montoro; entre os peruanos, J. B. de Lavalle, J. de la Riva Agúero, J. Ayasta Gonzalez; entre os venezuelanos, E. Gil Borges e R. Pizani; entre os colombianos. J. R. Sanudo, P. Carreno, C. Betancur, E. Nieto Arteta; entre os bolivianos, J. Bustillo; e entre os mexicanos, A. Caso, J. Bremer, J. Rivera, E. Garcia Maynez, R. Preciado Hernandez; e ainda L. Beltraneza e Viteri

na Guatemala. •

Em Portugal, como em Espanha, a Escolástica e os seus métodos dominaram por largo tempo. O Direito foi, em geral, estudado com base na Teologia, com intuitos moralistas e com tendências para o absolutismo político. A este assunto, porém, quase só se dedicaram os sacerdotes, como João Sobrinho, que, no fim do século xv, escreveu o De iustitia. Diogo Lopes Rebelo, pela mesma altura, publicou também a obra De repú blica gübemanda per regem, pobre de originalidade. Pode dizer-se que, neste período, o pensamento português não logrou ainda desembaraçar-se do tradicionalismo. E o mesmo pode dizer-se de Amador Arrais, nascido em 1600, e de Duarte Ribeiro de Macedo (1618-1680). Outros autores, igualmente religiosos, deram, porém, pro vas de maior vigor especulativo. Foi o caso de Ferdinandus Rebellus (Rebelo, nascido em 1608), que nos deixou uma obra notável, muito discutida no seu tempo e hoje injustamente esquecida, sobre as várias espécies de deveres, intitulada De obligationibus iustitice, religionis et charitatis (1608); e de Serafim de Freitas que, como já notamos, escreveu uma crí tica em resposta a Grócio em defesa dos direitos dos portu gueses aos mares asiáticos: a monografia De iusto império Lusitanorum asiatico adversus Grotii Mare Liberum (1625). Nas obras destes autores, e designadamente nas do primeiro, é possível descobrir a influência dos pensadores espanhóis, em


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especial de Suarez, que ensinou na Universidade de Coimbra e nessa cidade escreveu as suas mais importantes obras. O estudo da Filosofia, com independência da Teologia, iniciou-se em Portugal só na segunda metade do século xvni. Para isso contribuiu a Reforma dos Estudos universitários (1772) empreendida pelo célebre ministro Pombal. Nessa Re forma foi já dado o devido lugar ao Direito natural como disciplina autónoma. O Iluminismo português está neste período sobretudo representado por Luís Verney (1713-1792) que viveu muitos anos em Itália e foi aí amigo pessoal de L. A. Muratori e de António Genovesi. Foram então traduzidas para português as Obras de alguns jusnaturalistas italianos, como as Positiones de lege naturáli (1764) de C. A. Martini. Esta obra foi adoptada até ao ano de 1843 como livro de texto na Universidade de Coimbra. Neste mesmo ano foi publicado o Curso de Direito natural de Vicente Ferrer Neto Paiva( 1798-1886) que, especialmente nas pos teriores elaborações daquele Curso, aparecidas com os títulos de Elementos de Direito natural e Philosophia do Direito (5.a ed., 1873), se inspirou nas doutrinas de Kant e de Krause, demonstrando todavia com relação às mesmas uma certa independência de pensamento. A partir de então, este curso substituiu as Positiones de Martini. Paiva, neste e outros livros, mostrou-se de facto, muito influído por Kant e por Krause. Importante, sobretudo para a Filosofia teorética e para o direito público, foi Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846). Entre os cultores da nossa disciplina assinalemos ainda, depois de Paiva, os seguintes: José Dias Ferreira (1837-1907), Noções de Filosofia do Direito (1864), em que já se notam influências de outros representantes do Idealismo alemão como Hegel; J. M. Rodrigues de Brito (1822-1873), Filosofia de Direito (1869, 2." ed., 1871), mais inclinado ao direito social, anti-individualista, e que colocou como princípios fundamen tais do Direito a mutualidade dos serviços e a solidariedade social; F. M. de Faria e Maia (1841-1923), Determinação e

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desenvolvimento da ideia do Direito (1878), o qual tentou uma elevada síntese dos princípios ideais do Direito com os dados da experiência. Por alguns decénios, prevaleceram tamlbém em Portugal, como em outros países, as doutrinas evolucionistas e positi vistas, tais como haviam sido criadas e exipostas em França e em Inglaterra. A este propósito, são de recordar as obras de Teófilo Braga, Sistema de Sociologia (188Jf) e as de M. Emídio Garcia e Henriques da Silva. Na nossa época, os estudos de Filosofia do Direito rece beram em Portugal um novo e fecundo impulso, devido à obra e actividade docente de Luís Cabral de Moncada, autor de valiosos estudos, tanto de carácter crítico como sistemático e histórico, como, por ex.: Do valor e do sentido da democracia (1930), Subsídios para uma história da Filosofia do Direito em Portugal (1938), O idealismo alemão na história da Filosofia do Direito em Portugal (1939), Um ilwninista português no sécul XVIII: L. A. Vemey, Universalismo e individualismo na concepção do Estado: S. Tomás de Aquino, Filosofia do Direito e do Estado. Parte histórica. A. Moncada têm interessado também problemas gerais de gnoseologia e metodologia: 0 pro blema metodológico na ciência da história do Direito português (1931) e Direito positivo e Ciência de Direito (19kh)- Ultima mente, publicou: A caminho de um novo direito natural (19^5), O Processo perante a Filosofia do Direito (19^5) e O Libera lismo de Vicente Ferrer Neto Paiva (191f7). Alguns cultores mais recentes e entusiastas destes estudos saíram da escola de Moncada. Entre estes citaremos: A. Rodrigues Queiró, Os fins do Estado (1938) e Ciência do Direito e Filosofia do Direito (19kl); A. de Brito Lhamas, O problema da Justiça (1939); P. Pinto Loureiro, Individualismo e anti-indwidualismo no direito privado (1940); A. J. Brandão, Estado ético contra Estado jurídicof (19Jfl), O Direito — ensaio de onto logia jurídica (19Jf2), Vigência e temporalidade do Direito (191fk) e Sobre o conceito de Constituição Política (19JfJf).


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Cultores de ciências afins deram ainda contribuições à Filosofia do Direito, como, por exemplo, o insigne historiógrafo medievalista, Paulo Merea, autor também de vários ensaios, como: Suarez jurista (1923); Suarez, Grócio, Hoòbes (19Jfl) e 0 Problema da Origem do Poder civil em Suarez e Pufendorf (19Jf3); Manuel de Andrade, Ensaio sobre a interpretação das leis; Marcelo Caetano, Um jurista português: Frei Sera fim de Freitas, e a Introdução ao seu Tratado elementar de Direito Administrativo (19kk)• #

No Brasil a Filosofia do Direito teve também numerosos e egrégios cultores. Entre eles citaremos, Clovis Bevilaqua (1859-1944), Juristas Filósofos (1897), conhecido também como civilista e intemacionalista; Silvio Romero, Ensaios de Filo sofia do Direito (2.a ed., Rio, 1908); Pedro Lessa, Estudos de Filosofia do Direito (1916); Pontes de Miranda, autor de uma ampla síntese sociológica intitulada: Sistema de ciência positiva do Direito (1922); E. de Queirós Lima, Princípios de socio logia uirídica (2.a ed., 1936); Teoria do Estado, (2* ed., 1943); Miguel Reale, Fundamentos do Direito (19Jf0); Teoria do Direito do Estado (191fl); Paulo Dourado de Gusmão, Curso de Filosofia do Direito (1950); e ainda J. Arruda, R. de Farias Brito, P. Lessa, J. Mendes, A. Dinis, J. Serrano, A. Câmara, C. Campos, R. Cirell Czerna, E. de Queirós de Lima, Alves da Silva, J. Cretella, A. Pinto de Carvalho, L. Luisi, etc. Entre os representantes católicos do Direito natu ral citaremos: Tristão de Ataíde, Jonathas Serrano e Ar mando Câmara. *

Os estudos filosófico-jurídicos iniciaram-se na Roménia com o fortalecimento da unidade nacional, inspirada na ideia

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LIÇOES DE

FILOSOFIA DO DIREITO

da origem romana da nação romena. Esta ideia fora vigoro samente expressa pelos «cronistas» dos séculos xvii e xvm, alguns dos quais eram genuínos filósofos do direito público. Na mesma ideia se inspirou a codificação do direito privado que, no princípio do século xix, foi realizada na Valáquia e na Moldavia pela acção de jurisconsultos egrégios, como C. Flechtenmacher (1785-1843), e, mais tarde, já com critério uni tário, pela acção de C. Bosianu (1815-1882) e V. Buerescu (1830-1883) depois da revolução de 1848 e da união da Valáquia com a Moldávia em um só Estado, em 1859. Neste período teve papel eminente o transilvano Simão Barnutiu (1808-1864), professor de Filosofia do Direito em Jassy, autor de um Sistema de direito natural privado e público (1868-1870) fundado sobre o princípio da nacionalidade e acusando a influência de escri tores italianos contemporâneos. No período seguinte, marcou lugar à parte T. Maiorescu (1840-1917), autor de obras filosó ficas — tais como, Crítica (1874), Lógica (1876), etc.— par cialmente inspiradas em Kant, e de estudos jurídicos e polí ticos que tiveram grande êxito. Entre os seus discípulos, pode remos recordar: Pedro P. Negulescu, autor de um estudo sobre a história dos vários partidos .políticos (1926) e da evo lução da cultura (1939); I. Petrovici, com uns Ensaios filo sóficos (1926) e uma Introdução à Metafísica (1929) e S. Zeletin, com o Neo-liberalismo (1927). Uma grande influência sobre a moderna cultura romena exerceu também o grande his toriógrafo Nicola Jorga (1871-1940).

Deram igualmente importante contribuição à Filosofia do Direito: P. Missir (1856-1929), A Filosofia do Direito e o direito Natural (1904), de tendências positivistas, G. Mironescu, Estu dos jurídicos (1912), Curso de Enciclopédia jurídica (1915), etc., também de orientação positivista, afim da do russo Korkunow; Mircea Djuvara (1886-1944), que foi um dos maiores filósofos do Direito da nossa época, deixando-nos entre outras, as seguintes obras: O fundamento do fenómeno jurídico (1918); Teoria geral do Direito (3 vols., 1930); Considerações sobre o


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método indutivo na ciência jurídica (1981); Direito racional e direito positivo (1933); Fontes e normas de direito positivo (1934); Relatividade e Direito (1935); Djuvara, de formação neo-kantiana e, por conseguinte, iidealista crítico, afasta-se toda via do formalismo kantiano pela análise profunda e original da realidade do Direito vivo. Entre os mais recentes cultores da nossa disciplina, indicaremos: E. Sperantia, Problemas de Sociologia contemporânea (1933); Perspectiva histórica na vida social (1934); Lições de enciclopédia jurídica ou introdução histórica jurídica (1936); Princípios fundamentais de Filo sofia jurídica (1936); A. Vallimarescu, Pragmatismo jurí dico (1927); Estudos sobre as relações do direito com outras disciplinas (1929); Teoria do direito natural (1930); R. Goruneanu, Ideia do Direito, sua formação e processo (1931); V. Veniamin, Problemática geral do direito privado (1932); O Professor M. Djuvara (1945); O. Jonescu, A noção de direito subjectivo em direito privado (1931); e Considerações sobre a norma jurídica (1933); P. Georgescu, Conceito e ideia do direito na doutrina de Stammler (1939); Estudos de Filosofia Jurídica contemporânea I, Positivismo (1941). Filosofia jurídica (1942). De Filosofia da História ocupou-se especialmente A. D. Xénopol (1847-1920), A teoria da História (1908), etc. A sua tese principal é a de que a história é uma ciência que enuncia leis abstractas, das quais, contudo, não se poderão derivar previsões de acontecimentos futuros. Das questões sociais, com referência ao Direito, trataram C. Dumitrescu-Jasi (1849-1923), Dever moral (1908); S. Haret (1815-1912), Mecânica social (1910); D. Gusti, sociólogo, introdutor de um novo mé todo e autor da Sociologia (1915); D. Draghicescu, Do papel do indivíduo no determinismo social (1904), etc., e mais recen temente na mesma orientação, mas um tanto modificada, A nova cidade de Deus (1929) e Filosofia do Direito e direito natural (1935); P. Andrei, Sociologia revolucionária (1921) e Socio

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logia geral (1936); G. D. Scraba, Sociologia (1914), A dialéc tica histórica (1922); etc. No campo do direito civil, em nível filosófico: G. Danie(1837-1913); M. Cantacuzino (1864-1925), Elementos de direito civil (1921); e A vida, o direito e a liberdade (1929, ed. póstuma); E. Antonescu, Relações entre a ciência do Direito e a moderna Filosofia do Direito (1898); e Escritos jurí dicos (1903); A. Radulescu, Unificação legislativa (1927), Tendências romenas para o direito italiano (1931) e A juris prudência como fonte do Direito (1933); T. Jonascu, A evolução da noção de causa (1923); A. Angelesco, A técnica legislativa em matéria de codificação civil (1930); e, no campo do direito público, C. Dissescu (1854-1932), Direito constitutional (1892) e Introdução ao estudo do Direito constitucional (1911); C. Stere, Paul Negulescu, A. Teodorescu, R. Boila, V. Pella, J. Moruzi, (penalistas), etc. lopol

Na Hungria foi também o direito objecto de estudos im portantes, mesmo em épocas remotas. A obra fundamental de S. Werbõczy (1460-1541), Trvpartitum opus iuris consuetudinarii inclyti regni Hungarian (1517), é notável pelo seu carácter sistemático. Nesta Obra, as doutrinas de carácter mais geral são derivadas do direito romano e coordenadas com os costu mes jurídicos nacionais. As sucessivas vicissitudes políticas e militares foram pouco favoráveis ao desenvolvimento dos estu dos filosófico-jurídicos, os quais só refloriram depois de liber tada a pátria dos turcos. No século xviu, numerosos tratados foram dedicados ao direito natural; por exemplo, os de W. Bossányi (1706), S. KÕleséry (1723), G. Lakits (1778), etc. Depois das reformas de Maria Teresa, as obras de Martini, professor de Direito natural em Viena, foram também adop tadas como texto na Hungria.


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As doutrinas filosófico-jurídicas de Kant inspiraram novas elaborações da matéria, entre as quais as de J. S. Szilágyi, Ciência do direito natural (1813) —a primeira obra de Filo sofia do Direito escrita e impressa em língua húngara; e tam bém a notabilíssima obra de A. Virozsil, Ius natural privatum, methodo critica deductum (3 vols., 1833). Devida a S. Széchenyi, J. Eõtvõs, L. Kossuth, e outros, em meados do século xix, efectuou-se ampla e profunda reforma no campo jurídico, da qual resultou, além de outros efeitos, a substituição definitiva do latim pela língua húngara nos tra balhos científicos e filosóficos. Muitas obras húngaras foram igualmente publicadas em alemão e em outros idiomas. Recor daremos, neste período, algumas das mais importantes mono grafias: J. Eõtvõs, o Influxo das ideias dominantes no sé culo XIX sobre o Estado (2 vols., 1851-1854), em alemão, onde se discutem largamente as ideias de liberdade, igualdade e nacionalidade; T. Pauler, outro ilustre pensador, autor de várias obras, publicadas em húngaro, sobre o Direito natural racional, em sentido kantiano (1851-1878); e A. Estherházy, Manual de jurisprudência filosófica, publicada em húngaro, no ano de 1897. Nesta última obra fez-se uma crítica severa do positivismo jurídico. As tendências positivistas tiveram como representantes principais: A. Pulszky, A teoria da lei e da sociedade civil, publicada em 1885-88, em húngaro e em inglês, onde se tenta compreender, ao lado dos fenómenos, o valor dos conceitos e dos ideais; mais estritamente adepto do positivismo empírico e utilitário foi J. Pikler, Introdução à Filosofia do Direito (1892) e Da origem e evolução do Direito (1897). F. Somló (1873-1920) transitou do positivismo para o neo-kantismo; nesta última corrente se integrou a sua impor tantíssima Doutrina fundamental do Direito (1917), publicada em alemão — obra que ficou sendo uma das mais finas e cer radas análises críticas dos conceitos jurídicos fundamentais.

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Ã orientação neo-kantiana pertence igualmente o maior representante húngaro, depois de Somló, da moderna Filosofia do Direito: Julio Moór. Este autor elaborou, em várias mono grafias, um sistema completo, de notável rigor e impressividade: Força, Direito e Moral em alemão (1922); Introdução à Filosofia do Direito, em húngaro (1923); O Elemento lógico no Direito, em alemão (1928); Sobre a paz perpétua, em ale mão (1930); Teoria pura do Direito, direito natural e positi vismo jurídico, em alemão (1931); Criação e aplicação do Direito, em italiano (1934); O problema do direito natural, em alemão (1935); Direito e sociedade, em alemão (1942), etc. Também à nossa disciplina deu notável contribuição B. Horváth, tanto no aspecto histórico como no sistemático: A dou trina da Justiça nos pré-socráticos, em alemão (1930); A dou trina da Justiça em Aristóteles, em alemão (1931); A ideia da Justiça, em alemão (1928); Justiça e verdade, em alemão (1929); Introdução à ciência do Direito, em húngaro (1932); Sociologia jurídica, em alemão (1934), etc. E mencionamos ainda o estudo publicado em alemão, de T. Vas, Significado da lógica transcendental na Filosofia do Direito (1935). O Sistema da Política, de V. Concha, em dois volumes, redigidos em húngaro (1894-1905), embora partindo de pre missas hegelianas e portanto sustentando o carácter ético do Estado, ainda actualmente exerce influência nos estudos hún garos de direito público.

Por último, apontaremos ainda o nome de E. Balogh, autor e promotor de estudos de direito comparado, não desti tuídos de interesse para a nossa disciplina (v. Acta Academics universalis Iurísprudentice comparativce 1928). •

Na Grécia, a ocupação turca impediu, durante quatro sécu los o desenvolvimento dos estudos filosóficos. Mas a luz do seu passado glorioso nunca se extinguiu completamente. Na pri-


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meira metade do século xix, sobretudo depois da revolução de 1821-1828, trataram de problemas da Btica e de Filosofia N. Vambas (1770-1825) e T. Knus (1784-1853). E podemos ainda indicar: Ph. Joannou (1796-1880), autor de um traba lho sobre direito natural, publicado em 1879 por um seu dis cípulo; N. Kazazis, que escreveu um Tratado de Filosofia do Direito e do Estado (3 vols., 1891-1892), inspirado no idealismo alemão; e B. Antoniades, representante da filosofia tomista do Estado (1890), etc. Em épocas mais próximas da nossa, alguns autores temos também a indicar: F. Vallindas, inclinado ao positivismo sob a influência de Duguit, A ciência jurídica positiva (1930); D. Vezanis, A teoria do Estado (1932) com tendências análo gas; K. Triantaphyllopoulos, que tratou os problemas fun damentais do direito privado com método racional; e, especial mente Constantino Tsatos, o melhor representante da moderna Filosofia do Direito na Grécia, cujo pensamento se encontra exposto em notáveis obras de carácter sistemático, inspiradas no idealismo crítico: O conceito do direito positivo, em alemão (1928), O problema da interpretação do Direito, em grego (1932) e A missão da Filosofia do Direito na civilização contem porânea, idem (1933), A Filosofia dos antigos Gregos, idem, 1938, etc. Destaca-se entre os cultores da Filosofia geral T. Boreas (1873-1954), que estudou também os problemas do direito e do Estado, na obra Introdução à Filosofia (1935). E recordemos ainda alguns nomes de autores e títulos de obras mais ou menos interessantes para a nossa disciplina: E. Anastasiades, Savigny; Ihering, Bergson (1916); Ensaios de Filosofia do Direito (1927); P. Bisoukides, O processo de Sócrates (1918); N. Politis .As novas tendências do direito internacional (1927); G. Maridaki, As correntes contemporâ neas do direito internacional privado (1927); T. Tsatsos, um epígono de Hegel, Introdução ao direito público (1928); N. Coumaros, O papel da vontade no acto jurídico (1931); G. Cassimatis, O futuro do direito privado, em italiano (1934); F D-i8

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C. Perifanakis, A teoria grega do direito e o classicismo actudl (19^6); Os sofistas e o direito (1953); G. Koussoulakos,

Estudos de Filosofia, teoria geral e técnica do direito (1948); C. J. Despotopoulos, Filosofia do direito, vi. i, 1953; e ainda os distintos nomes de A. Svolos, P. Zepos, J. C. Pobygenis e G. Georgopoulos.

Teve a Holanda a glória de ser o berço de dois dos maiores escritores de Filosofia do Direito: Grócio e Spinoza. As res pectivas doutrinas, substancialmente tão opostas, vieram a difundir-se com diversa fortuna entre os estudiosos de vários países, graças à universalidade da língua latina, não dando, porém, no seu país origem a uma verdadeira escola. Só por algumas das suas obras menores, versando temas de direito romano e holandês, pode ligar-se Grócio à escola da jurisprudência que floresceu na Holanda nos séculos xvii e xviii. Nesta escola adquirem então o primado os estudos romanistas, já decadentes nas escolas italiana e francesa. Entre os grandes estudiosos holandeses desta escola, recordaremos: A. Vinnen (Vinnius, 1588-1657), U. Huber (1636-1694), J. Voet (1647-1714), G. Noodt (1647-1725) e C. Bynkershoek (1673-1743). Em geral, os numerosos jurisconsultos desta escola, tão beneméritos por investigações históricas e exegéticas, não se ocuparam dos conceitos fundamentais do Direito, e, quando o fizeram, moveu-os o intuito de ilustrar as clássicas noções e definições romanas. Algumas excepções se registaram todavia, especialmente no campo do direito público: Huber, na obra De iure civitatis (1672), refutou o absolutismo de Hobbes, delineando uma concepção política liberal que, de certo modo, preludia a que Locke mais tarde desenvolveria. Noodt no seu discurso De iure summi imperii et lege regia (1699) defendeu, em termos ainda mais explícitos e enérgicos, os princípios da liberdade civil e política, inspirando-se nas teorias jusnatura-


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listas, em particular nas de Pufendorf; e, em outro discurso, De religione ab império iure gentium libera (1706), defendeu a causa da liberdade de consciência e de religião, a qual, como sabemos, já outros, como Spinoza, tinham abraçado. Bynker shoek discutiu agudamente problemas capitais do direito inter nacional, como, por exemplo, o da liberdade dos mares: De domí nio maris (1702); neste trabalho propôs uma solução intermé dia entre as soluções antitéticas de Grócio e de Selden. Em épocas posteriores, nomeadamente depois da codifi cação de 1838, começou a prevalecer no estudo do Direito o método positivo ou meramente exegético. A investigação crí tica e filosófica só mais tarde foi retomada, em tempos mais próximos de nós. A tendência empírica, realista e sociológica, está representada por H. J. Hamaker (1844-1911), O direito e a sociedade (1888), e, mais recentemente, por I. H. Hijmanm: O direito da realidade (1910) e O dualismo da ciência jurídica (1933). Vigorosa crítica a esta orientação partiu de W. Van der Vlugt (1853-1928): Lutando pelo Direito (1889) e Intro dução geral à ciência do Direito (1924); fomentador sobretudo dos estudos filosófico-jurídicos holandeses. Notáveis são ainda os escritos de H. Krabbe (1857-1936): A teoria da soberania do Direito, em alemão (1906), A ideia moderna do Estado, idem, 2.a edição (1919) e Exposição crí tica da Teoria do Estado, idem (1930), etc. Krabbe confrontou a soberania do Direito com a soberania do Estado, para sus tentar o valor fundamental da consciência jurídica. Nesta con cepção se apoia também, encarando o Direito especialmente pelo seu aspecto psicológico, P. Kranenburg (1880-1956): Direito positivo e consciência do Direito (1912, 2.» ed., 1928) e Estudos sobre o Direito e o Estado (1926-1932). P. Scholten (1875-1946) elaborou uma notável doutrina personalista, segundo a qual a consciência individual se refere não só a elementos contingentes, mas também a elementos absolutos. Para este autor, a referida consciência, se, por um lado, é autónoma, por outro é teónoma, pois é o elo de ligação


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com a ordem divina, tal como a revelação cristã a permite des crever. Daí, para a vida do Direito, uma cèrta uniformidade. Scholten escreveu, entre outras, as seguintes obras: Meditar ções sobre o Direito (1924), Direito civil, parte geral (1931), Direito e Justiça (19S2), Princípios da vida social (1934) e Princípios do Direito (1935). Entre os adeptos da Filosofia neo-escolástica lembraremos J. Hoogveld (1878-1942), Linhas gerais dd Filosofia do Direito (1934) e L. Bender, Phülosophia iuris (1941). A ideia do direito natural, na concepção católica, foi tra tada por F. Sassen em Direito e Êtica (1927) e por W. J. Duynstee e E. J. van der Heijden. A mesma ideia, dentro da orien tação calvinista, foi também tratada por H. Dooyweerd: Calvinismo e direito natural (1925); A crise na teoria humanística do Estado (1931); Sobre o problema da sabedoria (1951). E também autor de um amplo sistema de Filosofia teorética. De carácter sociológico são os escritos de S. A. Steinmetz (1862-1940): A Filosofia da Guerra, em alemão (1907) e Intro dução à Sociologia (1931) e Escritos de Etnologia e Sociologia (3 vols., 1928-1935). No campo jurídico, a mesma orientação foi seguida por J. J. von Schmid: Relações entre a colectivi dade e o indivíduo na evoltução do pensamento sociológico, em francês (1936), Filosofia do Direito (1937) e Estudos füosófico-jurídicos e sociológicos (1939). A orientação neo-kantiana, representada sobretudo por L. Polak, que se dedicou a estudos de direito penal — O Sen tido da retribuição (1921), Sobre a justificação moral da pena, em alemão (1930) — recrutou adeptos, ainda que indirectos, entre alguns dos autores já citados. Recordaremos ainda: P. van Bemmelen, que publicou, em francês, Noções fundamentais do direito civil (1892); J. Boasson, Consciência jurídica (1913); E. M. Meijers, que estudou as tendências da metodologia jurídica; B. M. Telders, Neo-hegeliano (1903-1945), J. H. Carp, F. Scheltema, A. Stoop, J. COEBERGH, V. VAN PRAAG, G. E. LANGEMEIGER e J. WALKHOFF.

Não devemos esquecer aqui, por último, a apreciável acti vidade desenvolvida pela Sociedade holandesa de Filosofia do Direito (Vereeniging voor Wijsbegeerte des Rechts), fundada em 1919 em Leyden, a qual publica regularmente as suas actas (Handelingen). Teve como presidentes, desde o início, Van der Vlugt, Steinmetz, Krabbe, Kranenburg, Vrij e DoojeWEERD. •

Na Dinamarca, os pensadores dedicaram-se mais à Filoso fia geral do que à do Direito. De entre esses um dos mais originais e muito conhecido na Itália e outros países, foi S. Kierkegaard (1813-1855) que profundamente sentiu o lado trágico da vida interior e soube exprimir a sua angústia em fórmulas sugestivas, embora nunca chegasse a erguer um sis tema filosófico cerrado e completo. Não menos famoso, devido à sua esplêndida História da Filosofia moderna, traduzida em várias línguas, foi H. Hõffding (1843-1931); a ele também se devem obras de Psicologia e de Moral, contendo muitas refe rências a questões de Direito. Seguiu o método empírico e positivo. Diversa concepção, tendente a dar à norma ética um valor objectivo, foi a sustentada por C. N. Starcke (1858-1926) no seu notável livro sobre A família primitiva, as suas origens e o seu desenvolvimento (1888, ed. francesa, 1891). No século xix e começos do nosso, alguns autores se dedi caram à Filosofia do Direito: A. S. Oersted, C. Bornemann, C. Goos, A. Kraft, S. Christensen, V. Bentzon, F. Dahl, C. Torp. Menção à parte devemos fazer de A. Roos, o qual, depois da obra inspirada na orientação kelseniana, Teoria das fontes do Direito, em alemão (1929), outras escreveu, em que vinca a necessidade de analisar os juízos de valor e de supe rar o dualismo que concebe o Direito como a actualização sen sível de valores supra-sensíveis: Crítica da assim chamada cons-

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ciência prática, em alemão (1933), e Realidade e validez na teoria jurídica, em dinamarquês (1934). Na opinião de Ross, que neste particular se faz eco do seu compatriota. A. Hãgerstrõm, as referências metafísicas só poderão ser aceites en quanto exprimem factos de psicologia social. Fr. Vinding Kruse, é também autor de amplos trabalhos de investigação sobre Filosofia teorética, ocupando-se dos problemas da Filo sofia jurídica na obra em edição inglesa, A comunidade do futuro (1950). C. W. Westrup dedicou-se especialmente ao problema das origens do Direito, com especiais vistas ao direito romano, investigando com método comparativo a formação das noções jurídicas elementares. Veja-se a este respeito o volume terceiro da sua obra, publicado em inglês, Introdução à primitiva lei romana (1934-1954). •

Na Suécia, o estudo filosófico do Direito tem tradições assaz antigas, bastando lembrar que Pufendorf ensinou Direito natural e das gentes na Universidade de Lund e de Estocolmo, onde permaneceu dez anos e escreveu a maior parte das suas obras. Não consta que, antes do século xix, o pensamento sueco produzisse obras originais ou notáveis sobre temas da nossa disciplina. Foram bem acolhidos, no entanto, os traba lhos filosóficos de ingleses, franceses e alemães. Merece ser notado o «código geral» de 1734, pois nele foram inseridas, à guisa de preâmbulo, umas «regras do juiz» (Damareregler) — uma espécie de compêndio da sabedoria jurídica popular remontando ao antigo reformador sueco Olaus Petri (Olof Petersson) (1493-1552). Destas, alguns exemplos consi gnaremos: «Bom e prudente juiz vale mais que boa lei...». «Se o juiz é dependente e injusto, nenhuma eficácia logra a boa lei, pois ele a dobra e a toma injusta com o seu arbítrio».


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Nas épocas seguintes, alguns notáveis pensadores surgi ram. Por exemplo, Chr. Jac. Bostrõm (1797-1866), autor de um sistema de Filosofia idealista, cuja influência na cultura dinamarquesa foi grande. A sua concepção de sociedade é bastante afim da concepção que dela tinha a Escola histórica, mas foi apresentada com maior rigor filosófico. Pode confrontar-se com as doutrinas de Schelling e de Hegel. A sociedade é, no seu entender, orga nismo vivente, animado de uma ideia pessoal, absoluta e divina; esta manifesta-se no mundo empírico como norma e escopo da actividade dos indivíduos. Daqui resultam os direitos e deve res, a que a sociedade pública, ou seja, o Estado, deve dar forma racional. O pensamento de Bõstrom teve numerosos continuadores, entre os quais recordaremos apenas K. Claeson (1827-1859) que se ocupou especialmente da teoria do Direito, e C. Y. Sahlin (1824-1917) que, na esteira do idealismo hegeliano, desenvolveu sobretudo os conceitos de Sociedade e do Estado. O mais famoso e original mestre sueco de Filosofia do Direito da nossa época, chama-se Axel Hãgerstrõm (18681939). Também foi romanista e, como tal, escreveu em alemão 0 conceito romanista de obrigação (i, 1927, li, 1941). Das suas outras obras, citaremos: Estado e Direito (1904) e Sobre a questão do direito objectivo (1917). Muitos dos seus ensaios foram publicados no volume Socialfüosofiska Uppsater (1939), com introdução de Fries. [Existe também uma versão inglesa dos seus escritos por C. D. Broad, sob o título Inquérito sobre a natureza da lei e da moral, edição de K. Olivecrona (1953) ]. Caracteriza-se o seu pensamento pelo jeito predominantemente crítico. No seu entender, carecem de realidade genuína os deve res jurídicos e os direitos ditos subjectivos: reais são apenas as representações psíquicas e certas situações de facto. Com semelhante postura especulativa, afasta-se tanto do jusnaturalismo como do positivismo. Quanto a este, na medida em

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que acolhe os referidos conceitos, não o absolve de jusnaturalisimo. Discutir aqui estas teses seria deslocado; por isso, limitamo-nos a apontá-las. V. Lundstedt foi discípulo de Hãgerstrõm e levou às suas derradeiras conseqüências as doutrinas do mestre, negando qualquer valor científico à jurisprudência (2S). Devemos lem brar que tese semelhante foi brilhantemente defendida no século passado pelo jurisconsulto alemão Kirchmann na celebérrima conferência sobre O nenhum valor da jurisprudência como ciên cia (1847), logo refutado por Rudorf e Stahl. O jurisconsulto sueco não só retomou a tese e partiu de outras premissas, mas foi até ao ponto de combater o conceito de direito inter nacional, pois este, na sua opinião, em vez de paz, só gera a guerra. Algumas das siuas obras foram editadas em alemão e em inglês: Superstição ou realidade na acção pela paz? — Crítica da jurisprudência (1925) e O carácter incientífico da ciência do Direito (1932-1936). Estes livros provocaram, como era de prever, grandes discussões em vários países. Outro pensador digno de nota é K. Olivecrona, também discípulo de Hãgerstrõm. Na sua obra principal, escrita em inglês, A lei como facto (1939) —também editada em alemão com o título Gesetz und Staat (1940) — procurou fazer a expo sição da concepção empírica do ordenamento jurídico, negando a personalidade do Estado e considerando as normas jurídicas como imperativos não derivados de um sujeito unitário, mas da vontade intermitente de certos indivíduos. A este respeito, é também elucidativo o seu ensaio em alemão sobre O Impe rativo da lei (19Jf2). Só a existência de uma organização coer citiva em território determinado imprime unidade ao sistema. Outros autores, como V. Norstrõm, R. Kylellen, E. Tegen, A. Malmstrõm, P. O. Ekelõf, O. Kinberg (este, penalista), trataram também de temas filosófico-jurídicos.


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Na Noruega, os estudos da nossa disciplina conheceram igualmente algum desenvolvimento na época modema, sobre tudo depois de fundada a Universidade de Cristiania (Oslo) em 1811. Assim, N. Treschow (1751-1833) escreveu várias obras de Filosofia. Parte da sua vida decorreu na Dinamarca e foi dos primeiros a difundir o idealismo kantiano. Ao mesmo se manteve fiel na Ética, sustentando a ideia da paz perpétua. Mas dele partiu uma teoria da evolução, pela qual mereceu o título de precursor, chegando-se a seu respeito a falar já de «predarwinismo». Contributo especial à Filosofia do Direito foi dado, mais tarde, por F. Hagerup, O método da ciência jurídica (1887); O fundamento psicológico do direito (1906); A. Eriksen, Direito e Moral (1900); A. Aall, Força e Dever (em alemão, 1902); N. Gjebsivk, Introdução ao estudo do Direito (1912); E. Solheim, Direito e torto (1914); A. Hoel, O moderno mé todo jurídico (1925). Particularmente notável é a obra de F. Castberg que fez a investigação, norteada por método crítico, das relações entre a Filosofia do Direito e as restantes disci plinas jurídicas, bem como do carácter normativo e da validez do Direito: Problemas fundamentais da Filosofia do Direito (1939). Castberg, sustentou ainda a necessidade de dar ao direito fundamentação filosófica, em Direito e Metafísica (1945). Merece assinalar-se também o ensaio recente sobre os proble mas fundamentais do direito de C. J. Arnholm — Fra rettens grunnpróblemer (1954). Vários indícios dão a entender que estamos em vésperas de um incremento dos estudos filosófico-jurídicos na Noruega, assim como em outros países nórdicos. • Na Finlândia, os estudos de Filosofia do Direito foram cul tivados já no século xvii. V. Wexionius (1608-1670), professor

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na Academia de Abo, escreveu diversas obras em latim, expondo as principais teorias da escola jusnaturalística do seu tempo. Posteriormente, M. Calonius (1738-1817), também ele profes sor em Abo e magistrado distinto, discutiu com idêntica orien tação, e não sem independência de pensamento, os problemas fundamentais da Filosofia do Direito, especialmente na Intro dução das suas célebres Praelectiones in jurisprudentiam civilem. Em tempos mais perto de nós R. Hermanson (18461928) tratou do Direito nas suas relações com a religião, em duas obras escritas em língua sueca. Entre os mais recentes e notáveis escritores da Filosofia do Direito na Finlândia lem braremos também E. Kaila, B. C. Carlson, J. N. Lehtinen, Lahtinen, (autor do ensaio: Zum Aufbau der rechtlichen Grundlagen, 1951), A. Alanen e O. Brusiin, ambos profes

O.

sores na Universidade de Helsinkia, que escreveram os notá ensaios (Uéber die ObjeJctivitat der Rechtssprechung, 1949, e Uéber das juristische Deriken, 1951), B. C. Carlson,

veis

autor do livro de crítica a Kelsen, em sueco, Ratten, ett rattsteoretisckt fõrsik (1951f), J- M. Janson, B. Honkasalo, etc.

Deixamos atrás já mencionado também outro autor fin landês, F. Westmarck, a quem se devem as importantes obras, The history of human marriage (1891, edição italiana prefa ciada por Gabba de 1894) e The origin and developement of the moral ideas (1906-1908, 2.a ed. os VI. n, 1917). •

Não devemos esquecer os valiosos trabalhos do letão P. Sokolowski (1860-1943), professar na Rússia e na Alema nha, que na sua Filosofia do direito privado, em alemão (1902-1907), claramente mostrou a influência exercida pela filo sofia grega sobre algumas concepções jurídicas dos romanos. Em outra obra, O Estado (1932), focou lucidamente o nexo existente entre o estado geral da cultura e as criações políticas.


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M. Laserson, professor em Riga e mais tarde em Telavive e Nova Iorque, escreveu em russo uma Teoria geral do Direito (1930), e em alemão, alguns ensaios notáveis: Direito, unilateralidade e direitura jurídicas (1931), Revolução e Direito (1929), A filosofia jurídica de Maimonide (1937), etc. L. Sulcs, também professor em Riga, escreveu igualmente várias obras, entre as quais a monografia, A teoria do mínimo ético (1936), editada em letão, mas com resumo em francês. Escreveram ainda obras dignas de serem citadas os lituanos P. Leonas, História da Filosofia do Direito, (1928-1936), A. Tamosaitis, A escola histórica do Direito (1929), e especial mente M. Roemeris, O Estado (1934-1935). Este último, a pro pósito do Estado, soube pôr em relevo as funções sociais do mesmo e ainda o problema da «estadualidade» do Direito. E finalmente, entre os escritores da Estónia, a G. V. Glasenapp se ficaram devendo ainda alguns bons ensaios de his tória do pensamento político, como o seu MachiaveUi e o machiavellismo (1925), publicado em italiano. Escorço da Filosofia do Direito na Polónia, Rússia, Checoslováquia, Jugoslávia, Bulgária e Turquia

A Filosofia do Direito tem na Polónia, por razões parti culares e ainda pelos fecundos contactos com o pensamento latino, uma vetusta tradição. Já no século xv, P. Wlodkowicz, falecido em 1435, publicou um Tractatus de potestate pa/pae et imperatoris, em que defendeu, segundo as ideias teocráticas então dominantes, a supremacia da Igreja sobre o Estado. G. Ostrorog (1430-1570), porém, talvez por ter estudado em Itália, anuncia já as ideias renascentistas e o método racional, proclamando o princípio da soberania do Estado. No século xvi, escreveram: A. Frycz ou Fricius (1503-1570), cuja obra Commentariorum de Republica emendanda libri quinque (1551), foi conhecida de Bodin e por ele citada; S. Orichovius <1513-1566), que em Aristóteles se inspirou; A. Volan ou Volanus

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LIÇOES DE FILOSOFIA DO DIREITO HISTORIA DA FILOSOFIA DO DIREITO

(1530-1610) que no seu livro tão notável, De libertate pólitica seu civüi (1572), da consideração dos problemas de direito público se ergue até à noção do direito natural. L. Goslicki ou Goslicius (1530-1607) estudou na Universidade de Pádua e de Bolonha, escrevendo uma obra De optimo Senatore, publicada em Veneza no ano de 1568, onde se examinam as funções e os fins do Estado. G. Zamoyski ou Zamoscius (1541-1605), que estu dou em Pádua, escreveu o De Benatu romano de Estrasburgo (1608). Ao século xvii pertenceram: L. Opalinski (1612-1662), autor do tratado De officiis e A. Olizarowki (1618-1659) que na sua eruditíssima obra, De pólitica hominum societate libri tres, especialmente expôs e discutiu as doutrinas de Bodin. No século xviii, a orientação jusnaturalista foi representada por G. Stroynowski (1752-1815), autor do Sistema de direito natural e político. V. Kollataj (1750-1812), com os seus nume rosos escritos, aplicou o método histórico aos problemas jurí dicos. Característico movimento de ideias, em que participaram filósofos e poetas — o «messianismo polaco» — começou a desenvolver-se no início do século xix. Nele tiveram impor tante papel de animadores: G. Hoene Wronski (1778-1853), A. Mickiewicz (1798-1855), A. Towianski (1799-1878), B. Trentowski (1808-1869), J. Slowaki (1809-1849) e outros. Este movimento procurou sobretudo acordar renovação pro funda da consciência individual, mediante a «auto-criação» ou a «descoberta do absoluto» — ou seja, a revelação da eterni dade e da indestrutibilidade do espírito. Simultaneamente, am bicionava ainda renovar a vida das nações com a fé em que, por desígnio divino, algumas delas eram chamadas a cumprir especial tarefa histórica a bem da humanidade. Devemos adver tir que nesta doutrina as nações são entendidas como puras unidades espirituais ou sociedades de crentes — ou seja: pos suem significado distinto do significado étnico, quase antitético deste. Tal complexo de sentimento e de ideias —com não pou-

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cos contactos com as doutrinas do nosso Mazzini— assumiu especial valor para a nação polaca, enquanto alimentou os lon gos esforços tendentes à redenção política, finalmente atingida. Citemos algumas obras trazidas por este movimento: J. Hoene Wronski que em francês escreveu Problemas tio messianismo, revelações dos destinos da humanidade (1831), Metapoiítica messiânica (1839), Filosofia absoluta da História (1852) e Nomotética messiânica ou leis supremas do mundo (1881), póstuma. Também deste carácter místico participa a obra de A. Cieskowski (1814-1894), Padre Nosso (vol. I, 1847, vol. li — iv, póstumos, 1899-1906). No entanto, acusa também nítida influência hegeliana. Meditando dentro de uma concepção trans cendente do espírito universal, procurou interpretar a história humana como actuação da dialéctica divina. O Direito é consi derado, portanto, como expressão do espírito universal que se concretiza nas relações familiares, nacionais, e terá a sua forma última na «Igreja da humanidade» ou do «Espírito Santo» — na união e na paz eterna entre as nações. Na época moderna, vários autores polacos deram contri buições nada desprezíveis para a Filosofia do Direito. Assim, L. Gumplowicz (1838-1909), professor universitário em Graz, deu-nos uma concepção naturalista do Estado; este é entendido como mero poder de facto, resultante da luta entre raças diver sas. Note-se que Gumplowicz deu à palavra «raça», primeiro, um sentido antropológico, depois um sentido mais lato de grupo ou de unidade social. O Direito exprime a relação de predomí nio, estabelecida como consequência da referida luta — luta que aliás não cessa, mas continua a desenvolver-se no Estado como luta entre as diversas classes. As principais obras de Gumplowicz apareceram em alemão: Direito filosófico do Es tado (1877, 2.* ed., com o título de Teoria jurídica gerai do Estado, 1897); A luta das raças (1883, 2.a ed., 1909); Compên dio de Sociologia (1885); A ideia sociológica do Estado (1892, 2.a ed., 1902).

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L. Petrazycki (1867-1931), professor em Peteraburgo de 1899 a 1917 (em Varsóvia, desde 1919), elaborou uma teoria do Direito sobre bases psicológicas, em que sobretudo analisou os motivos do agir humano e considerou a consciência jurídica individual como factor da fenomenologia social. As ideias mes tras deste autor encontram-se nas obras que, na maior parte, escreveu em língua russa: Sumário do Filosofia do Direito (1900); Introdução à ciência do Direito e da Moral (3.a ed. 1909); Teoria do Direito e do Estado (1907, 2.a ed., 1909-1910); Sobre os motivos do agir e sobre a essência da Moral e do Direito (1907), editado em russo, polaco e alemão. Entre os autores polacos mais recentes de Filosofia do Direito, nomeemos ainda: E. Jarra, Teoria geral do Direito (1920, 2.a ed., 1922), História da Filosofia do Direito (1923), etc.; A. Peretiaukowicz, A filosofia jurídica de J. J. Rousseau (1913), Novas correntes da jurisprudência (1921), etc; J. KosCHEMBAHR Lyskowiski, também conhecido como romanista, A noção do Direito (1911); J. Reinhold, ã procura do Direito equitativo (1917); W. Maliniak, Contributos para a metodo logia e a Filosofia do Direito (1917); E. Krzymusk, História da Filosofia do Direito (1923); J. Layde, partidário de Petra zycki, Objecto e método da Filosofia do Direito (1916), Norma e fenómeno jurídico (1925); S. Rundstein, aderente da escola de Kelsen, A interpretação do Direito e da jurisprudência (1916;) Princípios da teoria do Direito (1924), Direito Inter nacional público e Filosofia do Direito {1933), Observações sobre a estrutura do «jurídico» (1937); C. Znamierowski, Noções fundamentais da teoria do Direito (1924), Prolegómenos à ciência do Estado (1930); H. Pietka, A equidade na teoria e na prática (1929); E. Bautro, O sentimento jurídico (1925); Z. Lubiesnski que escreveu vários ensaios sobre Hobbes; W. Bitner, Princípios de Direito (1932); S. Drucks, S. Chelinski, etc. Trataram especialmente da Filosofia do Direito penal: J. Makarewiczs, Introdução à Filosofia do Direito penal, em alemão (1906); W. Maskowski, Fundamentos da Filosofia


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do Direito penal (1917); B. Wroblewsli, Introdução à política criminal (1926); Estudos sobre o Direito e a Êtica (1932) e S. Glaser, A ideia da justiça no direito penal (1929), etc. Como em outros países sucedeu, também na Polónia alguns eminentes cultores de vários ramos de direito positivo chega ram a dar uma importância mais geral, interessando a Filo sofia do Direito, aos temas de que se ocuparam. Assim: S. Golab, As formas da proposição jurídica (1920), A essência da pessoa jurídica (1920), Teoria e técnica da codificação (1930) e W. Jaworski, etc. De feição mais sociológica são os escritos de W. M. Kozlowski (1859-1935). A maior parte destes autores publicaram parte das suas obras, ou compêndios das suas ideias, em algumas das mais usadas línguas europeias, incluindo o italiano. #

Dirijamos agora a nossa atenção para os autores russos. A. W. Kunizin (1788-1840) escreveu uma obra, o Direito Natural (1818-1820), inspirada nas doutrinas kantianas. Mais original, embora acuse alguns toques hegelianos, é a obra de K. N. Njewolin (1806-1855), professor em Kiev e em S. Petersburgo — Enciclopédia da ciência jurídica (1839-1840); o se gundo volume contém uma História da Filosofia do Direito. Concebe o Direito corno «expressão da Justiça», e esta con siste na «actuação do ser divino no mundo moral». Distingue no Direito, pois, ao lado de um elemento particular e contingente, um elemento necessário e absoluto. B. Cicerin (1828-1904), professor em Moscovo, ficou espe cialmente conhecido pela sua História das doutrinas políticas (5 vols., 1868-1877). Também escreveu alguns estudos jurídicos e filosóficos como: Curso de ciência do Estado (3 vols. 1897), Sociologia (1898), etc. W. S. Ssolowjew (1853-1900) escreveu várias obras filo sóficas, algumas das quais sobre temas jurídicos: História e

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futuro de teocracia (1886); Direito e Moralidade (1897, 2* ed., 1899). O misticismo ascético, em certo modo inspirado no que se encontra na literatura cristã primitiva, mas sem eco na literatura filosófica do ocidente, inspirou estas obras. Ssolowjew, contudo, para muitos, e mesmo em França, onde em 1910 se publicou a antologia do seu pensamento, foi consi derado o mais original dos pensadores russos. Na Alemanha, também se editou uma sua antologia em 1914 e 1922. A. Spir (1837-1890), que viveu muitos anos na Suíça e Alemanha, versou com originalidade e larguesa de vistas os mais árduos problemas da Filosofia geral e tentou elaborar nova teoria do conhecimento e, sobre ela, nova síntese. Ã Filo sofia do Direito dedicou uma obra, Direito e torto (1897), em que expõe um racionalismo individualista de raiz kantiana. N. M. Korkunow (1853-1902), professor em Petersburgo desde 1878, escreveu, além de outras obras jurídicas impor tantes sobre o direito público russo, alguns trabalhos filosóficos-jurídicos ,dos quais indicaremos a sua História da Filosofia do Direito (4.a ed., 1908) e um excelente Curso de teoria geral do Direito (1887, l.a ed., 1908, traduzido em francês, em 1903, e em inglês, em 1922, 2.a ed.). Neste curso expôs, com invejável clareza e, muitas vezes, com bastante profundidade, os con ceitos fundamentais. Utiliza predominantemente o método de observação histórica e positiva: faltou-lhe contudo uma ade quada noção do direito natural. S. Pachmann (1825-1902), professor em Karsan, Charkow e Petersburgo, escreveu notáveis obras de direito civil, parti cularmente sobre o direito consuetudinário; na monografia Sobre o movimento actual da ciência jurídica sustentou a auto nomia da ciência jurídica, negada ou diminuída pelas várias teses de origem naturalista ou sociológica. A. D. Gradowski (1841-1889), polaco de origem, professor em Petersburgo, dedicou-se aos problemas do direito público e da nacionalidade. Ressente-se da influência de Hegel e Fichte.


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S. Muronzeff (1850-1910), professor em Moscovo, intro dutor do positivismo, considerou o Direito como fenómeno social relativo à tutela de certos interesses. Desta sorte se aproximou das doutrinas de Ihering e diligenciou aperfeiçoá-las. Concep ções semelhantes foram sustentadas também por J. S. Gambaroff e outros. G. V. Plechanow (1856-1918) inspirou-se em Marx e sujeitou os problemas sociais e políticos ao critério económico. M. Kowalewski (1851-1916), que em política foi representante do liberalismo progressivo, seguiu em sociologia e em direito comparado o método indutivo, escrevendo obras notáveis. Muito embora não tivessem sido concebidas e redigidas com o intuito de forjar conceitos jurídicos, as doutrinas paci fistas e humanitárias do grande escritor L. Tolstoi (1828-1911) — culminando numa espécie de moralismo anti-estadual que invoca os princípios do Cristianismo e os utiliza no combate a todas as formas de violência— exerceram certa influência sobre os cultores de Filosofia do Direito em diversos países. Assim, por exemplo, sobre o espanhol Dorado Montero, a quem já nos referimos. Bastante diversa pelo método, mas inspirada por aspirações humanitárias semelhantes, é a Obra sociológica de G. Novicow (1851-1912), Critica do Darwinismo social (1909). Aqui, sobretudo com base em observações histó ricas e económicas, procura-se demonstrar que a guerra deverá ser abolida e substituída pela Federação dos povos. Em sentido exclusivamente revolucionário, foram também agitadores de ideias políticas: A. Hirzen (1812-1870), M. Ba kunin (1814-1876) e P. Kropotkin. Empenharam, todos eles, a sua actividade na luta contra o regime czarista, passando depois a combater a própria ideia de Governo e de Estado. Os dois últimos autores, em especial, procuraram elaborar uma explicação teórica e sistemática do anarquismo. Mas falta a estes escritores aquela desapaixonada serenidade e ordenação sistemática que, para nós, constituem as condições preliminares do vero filosofar. P D-I9

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A específica problemática da Filosofia do Direito recebeu, porém, na nossa época tratamento adequado em obras impor tantes, muitas das quais, nós, infelizmente, não chegamos a conhecer directamente. Citemos as de: P. Novgorodzeff, pro fessor em Moscovo e Praga, falecido em 1924, Kant e Hegel segundo as respectivas doutrinas do Direito e do Estado (1901), A crise da moderna consciência jurídica (1909), Ideias no mundo antigo e moderno (1910), O ideal social (1917) — obra em que se sustenta o direito natural; W. M. Hessen, professor em Petersburg©, A renascença do direito natural (1902), A ciência do Direito (1903); E. Trubetzkoi, professor em Moscovo, Lições de enciclopédia jurídica (1909), Lições de história da Filosofia do Direito (1909), onde igualmente se sustenta o direito natu ral ; G. Scersceniewicz (1863-1912), polaco de origem, professor em Karsan e Moscovo História da Filosofia do Direito (1907), Teoria do direito público (1910-1912); N. Palienko, professor em Oharkow, Soberania (1903). A doutrina da essência do direito e da limitação jurídica do Estado (1908), Objecto e limi tes da teoria jurídica do Estado (1912) — obras em que foram criticados o jusnaturalismo e o psicologismo; M. Reissner pro fessor em Moscovo, A teoria de L. Petrazycki, o marxismo e a ideologia social (1908), O Estado, (2.® ed., 1918) — obra em que se procurou, de harmonia com a orientação e o método psicológicos, explicar a génese das ideologias sociais e distin guir dentro de cada Estado vários ordenamentos jurídicos coexistentes; W. A. Ssawalski, professor em Varsóvia, parti dário do idealismo crítico, As bases da Filosofia do Direito no sistema do idealismo transcendental (1908); J. W. Michailowski, Lineamentos de Filosofia do Direito (1913); B. KistjaKOWSKi, neo-kantiano, As ciências e o Direito (1923), O Acto jurídico criador como fonte primária do Direito (1934); N. Alexeiw, construtor de uma orientação fenomenológica, Introdu ção ao estudo do direito (1918); As bases da Filosofia do direito no sistema do idealismo transcendental (Moscovo, 1918); I. Iljin, Força e Direito (1910), Sobre a consciência jurídica

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(1913), — obra em que o autor combateu Tolstoi e o comu nismo; B. Vycheslazeff, Os fundamentos da Êtica de Fichte (1914), A ética do amor sublime, Lei e graça (1931), onde se sustenta concepção mística e neo-platónica; L. Karsavin, Filo sofia da História (1923), onde foi interpretado metafisicamente o conceito de espírito popular; A. Gorovtseff, Estudos de principiologia jurídica (1938), editada em francês, onde se estudaram as noções de sujeito e de objecto em Direito; N. S. Timacheff, Introdução à sociologia jurídica (1939). De vários autores russos foram recolhidos diversos estudos em um volume editado na Alemanha com o título Igreja, Estado e Homem; colaboraram aí N. Alexejev, N. Berdjaev e outros. Recorda remos ainda os escritores mais especialmente dedicados a assun tas de direito público, como A. Koulicher, A multiplicidade das fontes do direito constitucional (1934), e os já mencionados, VlNOGRADOFF,

MlRKINE

GUETZÉVITCH,

De

ROBERTY,

GURVITCH,

etc. A revolução bolehevista perturbou profundamente a acti vidade científica e filosófica na Rússia. Numerosos pensadores foram obrigados a expatriar-se; por outro lado, o novo regime, que saibamos, não deu ainda ocasião a meditações teóricas consideráveis e rigorosamente originais sobre o Direito. O livro die N. Lenin (W. Uljanoff, 1870-1924), Estado e Revolução (1917), é de nítida inspiração marxista, e do mesmo modo os outros seus escritos, quase todos restritos a questões parti culares (Obras selectas de Lenin edição ital. publicada em Mos covo em 2 vols., 1946-1948). Outro tanto acontece com os escri tos de J. Stalin (1879-1953), com duas edições inglesas em 2 volumes (1928-1933 e 1940). As tentativas feitas ulterior mente por diversos autores que ambicionaram efectuar a revisão crítica total das noções jurídicas, pressupõem demonstradas e aceites as teses do materialismo económico. Assim: P. I. Stucka, A função revolucionária do Direito e do Estado (2.a ed. 1924); •Curso de direito ciml soviético Parte gerai (2.a ed., 1931); E. P.ASCHUKANIS. Doutrina geral do Direito e marxismo (3.* ed.,

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1927), Estado e direito no socialismo (1936). O significado destas obras é mais negativo do que construtivo, pois anima-as o propósito de depreciar não só o direito individual como tam bém a própria ideia do Direito. O «legalismo», classificado de «fetiohismo 'burguês» é nas obras destes autores, e principal mente de Stucka, objecto das críticas mais implacáveis. Já A. J. Vishinsky (1883-1954), A legalidade revolucio nária no estádio actual (1933); e Fwnções fundamentais da ciência do direito soviético (1938), e com ele outros, acentuam o valor da lei, mas entendida como expressão da «legalidade revolucionária». Para Vishinsky o direito é o «corpus de nor mas de conduta que exprimem a vontade da classe dominante»; por outros termos mais precisos, no Estado soviético o direito é «um sistema de normas estabelecidas com força de lei pelo Estado dos trabalhadores, e expressão da vontade de todo o povo soviético, orientado pelas classes trabalhadoras chefia das pelo partido comunista, para protecção, desenvolvimento e fortalecimento das relações socialistas e formação de uma socie dade comunista» (veja-se R. Schlesinger, A teoria do direito na União Soviética, ed. italiana de 1952, págs. 310 e seg.). Estes conceitos aparecem reproduzidos em termos análogos em todos os autores citados, e assemelham-se também aos das modernas teorias que excluem todo e qualquer domínio de classe e consideram o estado como expressão da liberdade igual de todos os cidadãos. Recentemente foi publicada na América do Norte uma selecção de escritos dos autores citados e outros, em edição de J. N. Hazard (Soviet legal Philosophy, Cambridge, Mass. 1951). Com uma fisionomia particular se apresenta N. Berdjaev (1874-1948), filósofo marxista que evoluiu na fase final para uma típica forma de misticismo religioso, exposto nas obras, Sentido do acto criador (1916); Espírito e liberdade (1933, ed. ital. de 1948, com o título Cinco meditações sobre a exis tência, 1943), «O eu e o mundo» (1942) e O destino do homem no mundo contemporâneo, ed. ital. (1947). Numa concepção


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pessimista do mundo análoga em certos aspectos à de Santo Agostinho, a sociedade, o Estado e o direito, são por ele consi derados, como algo inferior e de escasso relevo no que diz respeito à comunhão com o absoluto.

Nos países que recentemente vieram a constituir a Che coslováquia, os estudos de Filosofia do Direito atingiram tam bém, depois da unificação do Estado, certo incremento. Sobre os pensadores da Boémia exerceu influência a Renascença ita liana; depois da Reforma (Hus), começou, porém, a prevalecer a influência germânica. A esta, em tempos recentes, vieram juntar-se a francesa e a inglesa (positivismo). As lutas reli giosas, especialmente a vigorosa reacção da Contra-reforma, que predominou por três séculos, obstaram à formação e ao desenvolvimento de uma tradição filosófica nacional; esta surge apenas depois da segunda metade do século xix. Posto eminente devemos reservar à obra, tão vasta como variada, de T. G. Masaryk (1850-1937) — obra que constitui uma como que síntese do positivismo ocidental e do misticismo eslavo. Deste autor recordaremos alguns dos seus escritos: As bases filosóficas e sociais do marxismo, em alemão (1899) — estudo muito discutido no seu tempo, como se pode verificar em A. Labriola, Do materialismo histórico '(2.1 ed., 1902, págs. 133-156); Direito natural e direito histórico (1900), em que discutiu especialmente alguns problemas de Filosofia do Direito. Masaryk reagiu contra a exagerada importância atri buída à tradição histórica, e considerou o direito natural uma soma de ideais éticos humanos (maximum ético) que deverá ser actuado progressivamente pelo direito positivo (minimum ético). O seu programa político alimentou-se destas concepções que defendeu sobretudo com os seus actos, com o intuito de rei vindicar a liberdade nacional (entendida como direito natural).

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Dignos de nota são também os seus ensaios sobre a Demo cracia e contra o bolchevismo, recolhidos no volume Os proble mas da Democracia (1924), editados em francês. F. M. Klácel (1808-1882), representante do positivismo ético, sustentou ideais humanitários e, na América do Norte, para onde se expa triou, fundou uma comunidade de carácter cosmopolita. Gus tavo Lindner, de origem alemã (1828-1887), acolheu a dou trina evolucionista de Darwin e seguiu parcialmente Spencer, tratando de psicologia social nas suas Ideias para uma psicologia da sociedade, em alemão (1871). Também se dedicou a outros ramos da Filosofia e à Pedagogia, de que não tratamos aqui. J. Durdik (1837-1902), inspirando-se sobretudo em Herbart, elaborou uma classificação das ciências separando as do mundo externo das do mundo interno; contra Comte afirmou a neces sidade da introspecção. No seu entender, a «Sociética» —dou trina da sociedade — deveria basear-se nas ciências de carácter normativo e na psicologia. A escola de Krause encontrou notável representante em H. v. Leonhardi (1809-1875). Nascido na Alemanha, desen volveu em Praga a sua principal actividade, organizando o pri meiro congresso internacional de Filosofia (1868). Aproveitou a ocasião desse congresso para defender a ideia da paz e pro mover uma conciliação geral —religiosa também, portanto — entre os vários povos. Dedicou uma monografia ao objectivo especial de demonstrar a importância teórica e prática da Filo sofia do Direito: O alto significado da nova Filosofia do Direito, em alemão (1874). F. Drtina (1861-1925), discípulo de Lindner e de Ma saryk, escreveu vasta obra sobre a evolução do pensamento europeu (1902), com particular referência ao Cristianismo ao qual dá para base dos ideais éticos e dos direitos do homem na era modema. Os restantes pensadores, como urn F. Krejcí e um F. Cadá — só têm importância para a Filosofia teorética. Nos nossos dias, recebeu, porém, a Filosofia do Direito importantes contribuições por parte de F. Weyr (1879-1951)


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e J. Kallab, ambos neo-kantianos. O primeiro elaborou, em estreita conexão com a «doutrina pura do Direito» de Kelsen, uma teoria do conhecimento jurídico. Já no seu escrito Sobre o problema de um sistema unitário, em alemão (1909), Weyr combatera a distinção entre direito público e direito privado, diligenciando excluir da construção jurídica todos os elemen tos extra-jurídicos, de natureza histórica, sociológica ou polí tica. Tese principal do trabalho é a de que o Direito pertence essencialmente ao mundo do dever ser, distinto do mundo do ser (idealismo crítico). Esta concepção fundamental encontrou depois o seu desenvolvimento nas obras: Fundamento da Filo sofia do Direito (1920), em checo e A teoria normativa (1925), A noção de processo jurídico na teoria pura do Direito (1931), em francês. Quanto a Kallab, tratou especialmente problemas metodológicos. A sua orientação é também crítica e, enquanto tal, contrária à orientação histórica e sociológica. Só em aspec tos secundários diverge de Weyr. Notaremos, de entre os seus escritos, os seguintes: A «natureza» na Filosofia do Direito do século XIX (1915) em checo, Introdução ao estudo dos métodos jurídicos (2.° vol., 1920-1921), O objecto da ciência jurídica, em italiano (1922), Alguns esclarecimentos sobre a metodologia das ciências jurídicas, tirados da doutrina da clas sificação das ciências, em francês (1930) e O Direito e a polí tica, idem (1934). Alguns ensaios notáveis foram também escritos por J. Sedlacek, O conceito realista e o conceito normológico da norma jurídica, em italiano (1933), Interpretação e aplicação da Norma jurídica, em francês (1933), etc. A orientação meto dológica e filosófica é a mesma; por isso, é possível consi derá-la como característica da escola de Brno, a que perten ceram as principais figuras destes últimos tempos. À história da Filosofia do Direito deu ainda importante contribuição B. Tomsa, A modema Filosofia do Direito em Itália (1921), A ideia da Justiça e do Direito na Filosofia grega (1923), Fundamentos filosóficos da teoria do Direito e do Estado

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de Cícero (1924), etc. E podemos ainda recordar os trabalhos de Em. Svoboda, O homem e a sociedade (1926) e A democra cia enquanto concepção da vida e do mundo (1927).

alemã, póstuma (1885). Manifestações bastante notáveis da doutrina tomista, no campo jurídico, político e social, devem-se ainda a G. E. Krek, O Socialismo (1901), e a A. Usenicnik, Sociologia (1910), etc.

•

Em épocas mais recentes, fizeram os estudos filosóficos-jurídicos progressos consideráveis neste país e alguns escri tores trataram com independência e senso crítico os problemas da nossa disciplina. Assim: G. Tasic (1892-1943) A teoria moderna sobre o conceito de direito subjectivo (1926), Rea lismo e normativismo na ciência jurídica, em francês (1927), O direito positivo como valor e o direito natural, italiano (1930), Introdução à ciência do Direito (1933), Justiça, interesse geral e paz social, em francês (1938); S. Jovanic, O Estado, (1922); Platão, Machiavelli, Burk, Marx (1935); J. Peric, Golpe de vista sobre a escola evolucionista na ciência jurídica (1908), Da materialização dos direitos privados, em francês (1915), Sobre as escolas do Direito (1921), As influências do tempo sobre as relações jurídicas, em francês (1925), Os elementos não jurídicos no Direito, em italiano (1934), além de outros escritos a favor da ideia da paz; L. Pitamic que, dentro da orientação kelseniana, deu várias contribuições à ciência do Direito, com uma obra reeditada em inglês sob o título A trea tise on the State (1938); T. Givanovic, Sistema de filosofia jurídica sintética (1927), Os problemas fundamentais do direito crimmal, idem <1929); S. Frank, Vida, Direito, Filosofia (1924); N. Katicic, Estado e Direito (1927); B. Markovic, Ensaio sobre as relações entre a noção de justiça e a elaboração do direito privado positivo (1930); B. Furlan, Os princípios naturais do Direito (1931), O problema da realidade do Direito (1932), R. Lukic, Teoria geral do Estado e do direito (1952). São notáveis também os ensaios recentes de G. Kusei (em eslo veno).

Façamos agora ainda uma curta referência aos povos que actualmente compõem a Jugoslávia. Entre os sérvios, a partir do século xix, inicia-se a especulação filosófico-jurídioa, embora falha de cunho original. Ê o momento em que a revolução sérvia liberta a nação do jugo turco (1804-1815). Os autores deste período — B. Grujovic, I. Jugovic, J. Stejic — seguem, por via de regra, a doutrina do direito natural. Posteriormente, verifica-se o influxo da escola hegeliana e de outras escolas estrangeiras, como a histórica e a de Mancini. A primeira obra sistemática de Filosofia do Direito foi da autoria de T. Filipovic (1819-1876) Filosofia do Direito (1839, 2.a ed., 1863), inspirada, nas doutrinas alemãs. O mesmo acon teceu com a de D. Matic (1821-1884), Princípios de direito racional público (1851). Do lado dos Croatas, merece referência M. Mikulcic, autor de uma Enciclopédia das ciências jurídicas (1869) e, em espe cial, V. Bogisic (1834-1908) que, adoptando o método histórico e etnográfico, coligiu o direito costumeiro dos eslavos meri dionais. Entre os Eslovenos, logo no início do século xvm, surge um estadista, R. Pelzhofer, que, em várias obras redigidas em latim, procurou conciliar a ética e a política, dando-lhe uma base religiosa. Durante o século xix, conheceu certo favor tam bém o jusnaturalismo, o qual se mostrou eficaz mesmo no campo da ideologia, dos partidos políticos. Neste movimento de ideias participou, entre outros. G. Krajnc (Krainz, 1821-1875), que ficou conhecido pelo concurso prestado à elaboração do direito civil austríaco: Sistema de direito privado austríaco, edição

Ainda quanto à Jugoslávia, vem a propósito mencionar a obra de dois russos que para lá se expatriaram: F. Tara-

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(1875-1986), Enciclopédia jurídica (1923) em servo, e E. Spectorski, História da Filosofia social, em esloveno (2 vols.,

*

NOVSKI

1932-1933). •

Na Bulgária, mencionaremos, à cabeça, como principal, V. Ganeff. Em muitas obras, sujeitou a finíssimas e argutas análises a natureza e a formação das noções jurídicas (norma tivas) . Diligenciou distingui-las das restantes noções científicas. Segundo Ganeff, as noções jurídicas representam síntese espe cial da realidade social, mas, devido aos próprios ideais que nelas entram, influem ou tendem a influir na evolução ulterior da realidade social. Em búlgaro escreveu: Noções jurídicas (1904), Relações jurídicas e institutos jurídicos (1911), Curso de teoria geral do Direito (1921-1926), etc. Em italiano ou fran cês: O Estado como realidade colectiva (1922), Síntese cientí fica e síntese jurídica (1926), As noções jurídicas (1930), As fon tes do direito positivo (1934) e A finalidade e o Direito (1938). Também alguns jurisconsultos búlgaros chegaram a certo nível filosófico nas suas considerações de ordem Por ex: M. Popoviliev, intemacionalista, Enciclopédia e geral do Direito (1905), Direito e justiça na sociedade nacional (1910) e L. Dikoff, civilista, 0 Direito civü do em italiano (1931), e Norma jurídica e vontade privada, idem (1934).

atingir geral. teoria inter futuro,

Para fechar, mencionamos ainda os notáveis ensaios de Z. Torboff, Filosofia do Direito e jurisprudência (1930), O prin cípio fundamental do Direito — Direito e justiça (1940), Racionalismo e empirismo na ciência jurídica, em alemão (1943), Direito natural e filosófico do Direito (1947)í A. Ilkoff, O pro blema de essência do Direito (1940); S. Bolce v. W. Alexiev, L. Vladikin, S. Lancov, I. Apostolov, D. B. Rainoff, D. LiuLINOV, T. Gabroviski, etc.

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Ultimamente receberam também os estudos filosófico- jurídicos certo incremento na Turquia, onde antes os princí pios de direito se tratavam como preceitos essencialmente reli giosos, corn base no Corão. Contudo, a certas determinações importantes, racionais, chegara o sistema jurídico muçulmano, mesmo naquela base, especialmente no plano da reciprocidade entre direitos e deveres, e dos limites da autoridade política para com os direitos individuais. Pelos meados do século xix, iniciaram-se modificações notá veis no sistema legislativo sob a influência das ideias e insti tuições europeias. Os estudos teóricos do direito enriqueceram-se então de novos elementos, o que lhes permitiu tomar maior desenvolvimento. O primeiro tratado propriamente sobre Filo sofia do direito data de 1880, devendo-se a Munif Pascià, professor em Istambul. Ê uma obra inspirada nas teorias jus naturalistas. Í5 depois de 1930 que se robustece o interesse por este ramo de estudos, coincidindo com a reforma universitária que muito para isso contribuiu. Surgem então vários manuais e monogra fias de Filosofia de direito dos professores que se foram suce dendo na cátedra de Istambul: os professores R. Honig e E. v. Aster (alemães), S. Maksudi Arsal, Abdülhak K. Yõrük. Este último é autor de um Curso de Filosofia de direito, e das monografias, O sujeito do direito (1938), Princípios gerais do direito (1945), Teoria e princípios dos conflitos da lei (1950), além die outros. Por estas e outras obras verifica-se que a cincia e a filosofia jurídicas teóricas se desenvolvem hoje, em contacto com as dos outros países europeus. Mais recentemente, na Universidade de Ankara, o ensino da Filosofia do direito tem sido professado por E. Hirsch, que se ocupou principalmente da ideia da justiça, e por J. Abadan.

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Não queremos deixar sem referência as obras de dois emi nentes juristas libaneses; Os obstáculos à harmonia dos direitos (1936) de B. Tabbah; e Direito e moral (1950-1954, 2 vols.), e sentimento e direito (1951), de C. Cakdahi.

Finalmente, a filosofia do direito tem tido também nume rosos cultores, modernamente, no Japão. Entre eles merecem citação, pela sua considerável importância, os professores Hozumi, Tanaka, Takayanagi, Otaka, Wada, Nakamura, Egawa, Noda, Makino, Minemura, Fujii, Tabaka, Kubo, Osawa, Kosuge, além de outros. Algumas obras destes autores foram traduzidas para inglês e outras línguas da Europa. Em 1948 fundou-se em Tóquio a Associação japonesa de Filosofia do Direito. Nota

Estudiosos de quase todas as nacionalidades participaram, como já dissemos, na actividade do Instituto internacional de Filosofia do Direito e de Sociologia jurídica, fundado em Paris no ano de 1933. Das três sessões já realizadas — as duas pri meiras em Paris, a terceira em Roma— publicou o Instituto trabalhos sobre os seguintes temas: Problemas das fontes do direito positivo (1934); Direito, Moral, costumes (1936) e O fim do Direito: bem comum, justiça, segurança (1938), edição Sirey. A actividade deste Instituto, como a das organizações seme lhantes, foi, porém, desgraçadamente interrompida pela última guerra. Mas a necessidade de colaboração internacional, espe cialmente no campo filosófico-jurídico, é mais do que manifesta, dada a natureza dos próprios problemas a tratar. De esperar é, assim, que esta organização retome em breve a sua actividade em bases ainda mais amplas e com meios ainda mais eficientes.

PARTE SISTEMÁTICA

INTRODUÇÃO Conceito e tarefas da Filosofia do Direito Filosofia e ciência do direito

Como claramente transparece do nome, a Filosofia do Direito é aquele ramo da filosofia que concerne ao direito. Filosofia, porém, é estudo universal; portanto, a filosofia tem por objecto o direito, enquanto estudado no seu aspecto uni versal. Também pode definir-se a filosofia como estudo dos pri meiros princípios, pois estes têm precisamente o carácter da universalidade. Mas os primeiros princípios tanto respeitam ao ser e ao conhecer como ao actuar; daí a divisão da filosofia em teorética e prática. A filosofia teorética estuda os primeiros princípios do ser e do conhecer e subdivide-se nos seguintes ramos: Ontologia ou Metafísica (que abrange também a Filo sofia da Religião e a Filosofia da História); Gnoseólogia ou Teoria do conhecimento; Lógica, Psicologia e Estética. A Filo sofia prática estuda os primeiros princípios do agir e divide-se em Filosofia da Moral e Filosofia do Direito. Frequentemente a designam também pela palavra Êtica. Convém advertir, desde já, que, por vezes, esta designação é tomada em sentido amplo: neste caso é sinónima de Filosofia prática (abrangendo, por isso, também a Filosofia do Direito); outras vezes, em um sentido restrito, correspondendo neste caso apenas à Filosofia da Moral (excluída então a jurídica).

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Fica assim determinada a posição da nossa disciplina, a qual é, pois, uma parte da Filosofia prática. Se o estudo do Direito, enquanto nele se adopta o ponto de vista do universal, constitui o objecto da Filosofia do Direito, de notar é, todavia, que o mesmo pode ser também considerado sob outro ponto de vista: o particular. Nesse caso, será ele então objecto da ciência jurídica propriamente dita ou Juris prudência stricto sensu. A diferença entre a Filosofia e a Ciência do Direito reside, pois, no modo pelo qual cada uma delas considera o Direito: a primeira, no seu aspecto universal; a segunda, no seu aspecto particular. Em todos os tempos e em todos os povos há um sistema positivo de Direito (isto é: um complexo de normas ou de institutos que enformam e regulam, com carácter obrigatório, a vida de um povo). Há assim uma série variada de sistemas, conforme os diversos povos e as diferentes épocas. A Ciência do direito tem por objecto os sistemas parti culares, considerados individualmente para cada povo em um dado tempo (por exemplo: direito romano, italiano, alemão, português, brasileiro, etc....). Por outro lado, a ciência jurídica jamais recai propria mente sobre o todo de um sistema; efectua especificações e dis tinções, considerando uma fracção só deste sistema (assim: direito público ou privado; e ainda, mais particularmente, como ramos do direito público: direito constitucional, administrativo, penal, processual, financeiro, eclesiástico, internacional; e como ramos do direito privado: o direito civil e o comercial). As três investigações cia Filosofia do Direito; definição desta

É claro que nenhuma ciência jurídica particular pode dizer-nos sic et simpliciter o que o direito em si é, considerado no seu aspecto universal; pode apenas dizer-nos o que é o Direito de certo povo em uma determinada época. A definição do

INTRODUÇÃO

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Direito in genere é, pois, tarefa que excede a competência de qualquer ciência jurídica particular. Está aí a primeira tarefa da Filosofia do Direito. Como justamente notou Kant as ciên cias jurídicas não respondem à pergunta quid jus? (que coisa se deve entender in genere por Direito), mas apenas à pergunta quid juris? (Que coisa é estabelecida pelo direito de um deter minado sistema?) Se quisermos conhecer o Direito na sua lógica inteireza, ou seja: saber quais são os elementos essenciais comuns a todos os sistemas jurídicos, urge superar as particularidades destes sistemas, a fim de obter o conceito universal do Direito. A definição de semelhante conceito supõe e implica, porém, diversas investigações: relações entre a Morai e o Direito, dis tinção dos vários aspectos ou momentos constitutivos do Direito (subjectivo e objectivo); e exige também a dilucidação de muitos conceitos que com o de Direito se compenetram; por exemplo: o de coercibilidade, o de sujeito de direitos, o de relação jurí dica, etc. Ora tudo isto pertence à Filosofia do Direito e cons titui o campo próprio das suas indagações. Afora essa primeira pesquisa, que chamaremos lógica, realiza ela ainda outra, a fenomenológica, também própria da Filosofia do Direito. Não é o Direito positivo a consequência de causas excepcionais, ou especiais, mas fenómeno comum a todos os povos em todos os tempos. O Direito é produto neces sário da natureza humana. Isto significa que além dos factores particulares e imediatos que determinam as normas singulares existem outros gerais e comuns. Nasce daqui a necessidade de alargar e aprofundar a investigação, de modo a por ela se abranger o direito na sua dimensão de fenómeno humano uni versal. A indicação das contingências, devido às quais uma lei ou costume se formou, não é suficiente para nos demonstrar o fundamento da existência do Direito in genere; este funda mento não pode ser descoberto pelas ciências jurídicas stricto sensu, pois, tendo estas por objecto um campo particular, escapa à competência de cada uma delas a pesquisa das causas genéP D-20

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ricas universais. Para se obter conhecimento total do fenómeno, assim no aspecto histórico como no dinâmico, convém estudar, mantendo a compreensão aberta para todos os aspectos, a história jurídica da humanidade — a «história ideal eterna, dentro da qual decorrem temporalmente as histórias de todas as nações» (Vico), e fixar um quadro possivelmente integral da vida do direito na sua origem e evolução. Que esta investigação é viável, atesta-o não só o facto de que a convivência humana, onde quer que se verifique, se faz sempre acompanhar de um sistema jurídico positivo, mas também o facto de ser grande o número de semelhanças e ana logias entre os sistemas jurídicos de todos os povos. Ambos os factos confirmam a fundamental identidade da natureza humana em que o Direito enraíza. Eis pois um outro campo de pesquisa filosófica a qual é, simultaneamente, de índole fenoménica, mas que podemos melhor chamar metahistárica, pois ultrapassa a história particular de uma nação e, por con seguinte, a própria competência das ciências que se dedicam ao estudo do Direito de uma nação determinada. A seguir a estas duas primeiras investigações filosófico-jurídicas, vem uma terceira: a deontológica. A mente humana jamais foi inteiramente passiva ante o Direito, jamais se con tentou com o facto consumado como se este fosse um limite intransponível. Cada homem sente em si a faculdade de julgar e avaliar o Direito existente e sobre ele ajuizar; todo o homem possui o sentimento de Justiça. Daqui resulta a possibilidade de uma investigação completamente distinta daquelas ciências jurídicas particulares stricto sensu (2B). Por virtude da sua mesma natureza as ciências jurídicas limitam-se a explicar um sistema jurídico vigente, confinam-se a esta única tarefa e não lhe discutem as bases (daí Bacon dizer que os juristas «e vincvlis sermocinantur»); e é lógico e também necessário que o jurista apenas considere o que existe, restrinja a sua actividade à compreensão e interpretação do

introdução

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sentido rigoroso das normas positivas sem se preocupar com saber se podiam ou não ser melhores. Contudo, além desta especial actividade do jurista stricto sensu, está também a exigência de indagar sobre a justiça, ou seja, sobre como deve ser o direito. Esta investigação efectua-se de modo autónomo, e compreende tanto a especulação sobre o ideal, a que deve obedecer o direito existente, como a crítica da sua legitimidade e racionalidade. Desta sorte, a Filosofia do Direito ocupa-se precisamente daquilo que deve ou deveria ser Direito, em oposição àquilo que é Direito, contrapondo uma verdade ideal a uma realidade empírica (Deontologia = ciência do que deve ser). A Filosofia do Direito abrange, portanto, diversas inves tigações (a lógica, a fenomenológica e a deontológica) e pode assim definir-se: a disciplina que define o Direito na sua uni versalidade lógica, investiga os fundamentos e os caracteres gerais do seu desenvolvimento histórico e avalia-o segundo o ideal de justiça traçado pela razão pura (,0). Nexo entre as investigações. Função prática

As três tarefas ou investigações de que se ocupa a nossa disciplina, embora se distingam umas das outras, são todavia entre si conexas. A primeira delas — a lógica — procura fixar o objecto de todas as discussões ulteriores: o direito; ou seja: define aquilo que se encontra subentendido em qualquer inves tigação de natureza jurídica. Entre as investigações atrás indicadas em segundo e ter ceiro lugar existe nexo estreito, pois no desenvolvimento histó rico do direito manifesta-se (mesmo através de contingentes e parciais involuções) progressiva aproximação do ideal de Justiça. Por isso, ao descrever a origem e a evolução do direito, a Filosofia verifica que este processo implica a gradual desco berta do ideal da Justiça que se deduz especulativamente a priori da pura razão. Isto não nos deve maravilhar, pois a produção

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histórica do direito deve-se ao mesmo espírito humano que o pensa e contempla em si mesmo sub specie aetemitatis. A Filo sofia do Direito, ao sintetizar a história deste e ao especular sobre o seu ideal, actua como intermediária entre aquela e este e como instrumento do progresso do direito. De semelhante posição deriva a função prática da Filo sofia do Direito: ensinar e preparar o reconhecimento positivo do ideal jurídico. Não tem sido outra a função desempenhada por ela em todos os tempos, como o atestam as obras dos gran des filósofos do direito, as quais ficaram ligadas aos grandes progressos políticos. Apenas para destacar alguns exemplos, citaremos a Revolução Inglesa de 1688 (fundamental pelo esta belecimento das garantias das liberdades individuais na cons tituição política), a americana (1774-76) e a francesa (1789) que foram antecedidas e acompanhadas por escritos filosóficos e jurídicos. E também notória a influência dos escritos de Alberico Gentile, Hugo Grócio e outros sobre o progresso do direito internacional; a de Beccaria e de outros filósofos humanitários sobre os progressos do Direito penal; e não seria difícil acrescentar mais exemplos. Mas, pela sua natureza, a Filosofia do Direito é a inimiga nata da tirania, muito embora esta tenha encontrado entre os que se dedicam a ela alguns teóricos seus defensores. A Antígona de Sófocles, por exemplo, invocava com elevação «as leis não escritas» contra as ordens do poder arbitrário, e assim em todos os tempos existiram consciências humanas que afirmaram e reivindicaram as razões da justiça pura contra a violência, ainda quando exercida na forma da legalidade. Uma milenária tradição filosófico-jurídica ensina a validez do Direito natural sobre o Direito positivo, os princípios imortais da liberdade e da igualdade humana, o ideal cosmopolítico de uma societas humani generis, o direito imprescritível de qualquer povo a resistir e a insurgir-se contra os governantes opressores. En quanto subsistir a tirania do homem sobre o homem, a Filosofia do Direito será uma philosophia müitans.

introdução

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Esta não é, por conseguinte, exercício ocioso ou estéril, mas corresponde a exigências naturais e constantes do espírito humano: a uma vocação intrínseca. Com o despertar da cons ciência crítica, surge a necessidade de averiguar se as impo sições legais vigentes são também justas, se a autoridade que manda procede segundo a razão. A Filosofia do Direito inicia-se precisamente com a descoberta da antítese entre o justo natural e o justo legal. Filosofia do direito e direito natural

Este problema do Direito Natural foi posto e tratado antes mesmo de se iniciar a autêntica análise científica do Direito positivo. A Filosofia do Direito é, em certo sentido, mais antiga que a própria ciência do Direito. Mas, com este nome, a Filo sofia do Direito é relativamente recente. A antiga e clássica designação da nossa disciplina era a de ius naturale, iuris natu ralis scientia. E certo que, usada incidentalmente por escritores antigos, se encontra já a frase philosophia iuris i*1). No entanto, a mesma só há pouco mais de um século entrou a prevalecer sobre a antiga designação, e por motivo que merece ser apon tado. O começo do século xix registou séria reacção contra o Direito Natural, e dum modo geral, contra a orientação espe culativa ou metafísica do pensamento. Sustentou-se então que a Filosofia do Direito devia atender, não ao ideal abstracto, mas apenas ao real concreto, ao facto histórico e positivo do direito. Esta mudança de rumo teve certamente a sua razão de ser na atitude dos antigos cultores do ius naturce, pois, cometendo o grave erro de desprezar o material histórico, estes entregaram-se não raro, com manifesto exagero e fora de pro pósito, a especulações metafísicas. Ora se a parte afirmativa do novo programa é aceitável, enquanto afirma a necessidade de reservar ao estudo fenoménioo do direito o seu lugar próprio, já de rejeitar é a parte negativa, pois ninguém pode contestar a legitimidade e a necessidade da meditação sobre o ideal do

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direito, quando efectuada dentro da sua esfera privativa. Não podemos limitar-nos ao estudo exclusivo do direito positivo, pois, se o fizéssemos, renegaríamos e exautoraríamos a nossa consciência, opondo-nos a que se investigue o justo em si. Mas se a mudança do nome da nossa disciplina teve no facto recordado a sua origem ocasional (como reacção contra os erros cometidos pela Escola do Direito Natural), o novo nome (Filosofia do Direito) pode e deve ser conservado, visto possuir significação genérica, válida para qualquer programa adoptado e, portanto, também para quem, como nós, admite o Direito Natural. Este, —ou seja: o ideal da Justiça,— representa um dos mais altos valores espirituais, senão o mais alto, junto ao da caridade. Sem ele, perde a vida todo o valor. Como Kant escreveu: «se a justiça desaparecesse, não valeria mais a pena que os homens vivessem sobre a terra». Ao estudo e à defesa da justiça devem ser consagrados os maiores sacrifícios. Recor demos as sublimes palavras do Evangelho: Beati qui persecutionem patiuntur propter iustitiam, quoniam ipsorum est regnum caelorum. Relações entre a Filosofia do Direito e as disciplinas afins

Sendo a mente humana una, todos os conhecimentos que obtém para ali convergem, de sorte que não pode deixar de haver entre eles íntimas conexões. O saber humano constitui, pois, uma unidade: tem carácter orgânico e sistemático. No en tanto, é útil definir os confins das várias ciências para o escla recimento dos respectivos temas e conceitos, para a determi nação das fontes diversas que poderemos usar para integrar cada matéria. Relações da Filosofia do Direito com a Jurisprudência

Entre a Filosofia do Direito e a Jurisprudência (ciência do Direito positivo) há, como logo uma primeira inspecção

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o denuncia, estreitíssima afinidade. Não deixamos de o notar quando tratamos do conceito da Filosofia do Direito. Esta, que considera o direito no seu aspecto universal, começa onde ter mina a ciência do Direito positivo, à qual ela fornece as razões e as noções fundamentais, a começar pelo próprio conceito do direito. Ela sintetiza, unifica logicamente todos os dados parti culares da jurisprudência; traça o quadro universal da vida histórica do direito, — a qual, pela história particular de cada sistema jurídico positivo, é apenas estudada em relação a cada uma delas— intentando explicá-la pelas suas razões gerais e, ainda, avaliar o direito positivo de um ponto de vista mais elevado. A Filosofia do Direito, tem, deste modo, frente à ciência do mesmo, autonomia e missão própria; mantém, toda via, com ela conexões e relações inevitáveis. Verifica-se uma necessidade de recíproca integração: a Jurisprudência carece da Filosofia do Direito, que lhe oferece os supremos critérios directivos; a Filosofia do Direito não pode furtar-se a consi derar a realidade histórica —que é aquela que a Jurispru dência investiga— a fim de poder descobrir e de formular os tais critérios. Assim a noção lógica e universal do direito deve ser confrontada com os fenómenos jurídicos particulares: pois estes não só terão de ser reconstituídos no quadro da evolução jurídica geral, mas também deverão ainda ser ava liados consoante se aproximam mais ou menos do ideal da Justiça. Todas estas operações próprias da Filosofia do Direito pressupõem, como de per si é evidente, o conhecimento dos fenómenos de que se trata — ou seja: do direito positivo, objecto da Jurisprudência. Ciência e Filosofia do Direito, por conseguinte, podem e devem coexistir. A Filosofia do Direito não deve desconhecer a importância das ciências jurídicas, nem estas desconhecer a importância da Filosofia do Direito.

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Relações com a Filosofia Teorética

São importantíssimas as relações entre a nossa disciplina e a Filosofia Teorética, a qual, como dissemos, estuda os pri meiros princípios do ser e do conhecer. Se a Filosofia do Direito pretende conceber o direito na sua universalidade, tem de harmonizar a concepção do direito com a concepção do mundo do ser em geral. Por outro lado, ao estudar os primeiros princípios do conhe cer (gnoseologia), a Filosofia Teorética procura responder às questões seguintes: é possível o conhecimento? Como é possível? Que valor lhe deve ser atribuído? Ora a Filosofia do Direito, quando empreende a definição do conceito de direito, encontra-se a braços com o problema do conhecimento, pois tem de inquirir, antes de mais nada, qual o valor do conceito universal do direito; se é realidade ou simples palavra. Note-se que qualquer resposta dada a estes problemas, implica a necessidade de uma investigação especulativa, equi vale a dizer, de uma teoria filosófica (não se pode negar a Filosofia sem filosofar). Surgem assim nítidas as relações da nossa disciplina com a Filosofia Teorética, sobretudo com a Gnoseologia (Teoria do conhecimento). Relações com a Psicologia

Como parte da Filosofia Teorética podemos ainda consi derar a Psicologia, que é a «ciência que estuda os factos do espírito humano e suas leis». A Filosofia do Direito tem relações com a Psicologia, porque o direito é, sem dúvida, facto do espírito humano: resulta das persuasões (e estas constituem um facto psíquico) e das apreciações dos homens conviventes. Recordemos, a este propósito, a bela sentença de Vico: «este mundo civil foi certa

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mente pelo homem criado e, por isso, os seus princípios devem encontrar-se na própria mente humana». Ê ainda preciso conhecer a natureza dos processos psíqui cos, da actividade do espírito, para compreender a origem do direito. Demais, uma vez estabelecido o Direito positivo, as normas imperativas, que o constituem, dirigem-se à consciên-, cia de cada homem e requerem de cada um obediência, — ou seja: um conteúdo determinado da referida consciência. Desta sorte, regressam ao mesmo espírito que as originara. O direito desenvolve-se inteiramente na ordem dos factos psíquicos; e à mesma pertencem ainda, por certo aspecto, os ideais que nos servem de critério estimativo das normas jurídicas positivas. Já Platão deu base psicológica à sua análise da Justiça. Sempre, contudo, através da sucessão das várias fases do pen samento, se registou paralelismo entre as doutrinas psicoló gicas e as jurídicas. Parte-se da tese de que a actividade humana é essencialmente determinada, nos seus motivos, por factores económicos. Segue-se, como consequência, a tese segundo a qual o direito se baseia inteiramente sobre a economia. Mas se cri ticarmos esta premissa psicológica, demonstrando a existência no espírito humano de outras tendências diferentes das econó micas e a estas irredutíveis (por exemplo, o sentimento do justo e do injusto), implicitamente criticamos aquela doutrina do direito. Uma psicologia imperfeita produz sempre erros e imper feições semelhantes na Filosofia do Direito. Assim, para lem brarmos outro exemplo, citaremos a teoria de Hobbes, o qual partiu do conceito de que o homem é naturalmente egoísta (homo homini lupus) e de que o estado natural entre os homens é o estado de guerra de todos contra todos. Para anular ou refrear o egoísmo, ele deduziu a necessidade da omnipotência do Estado; este é concebido como uma máquina que anula o poder dos indivíduos; ante ele não existe nenhum direito individual, nenhuma liberdade, pois, em tal caso, segundo Hobbes, se desencadearia novamente o egoísmo radical dos indi

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víduos e se aboliria o Estado natural. Hobbes chegou mesmo ao extremo de negar a legitimidade de qualquer juízo individual sobre o justo e o injusto; semelhante apreciação, no seu enten der, pertencia apenas ao Estado. Nós, contudo, podemos observar que proibir o acto de ajuizar é manifesto absurdo psicológico: não se pode amputar da consciência uma das suas faculdades naturais. Por outro lado, igualmente se deve notar que o homem, de um modo geral e, ao contrário do que pensava Hobbes, não é, por natureza, exclusivamente egoísta. Sem dúvida, o instinto de auto-conser vação manifesta-se nele; mas vai de par com o instinto da con servação da espécie. O espírito de solidariedade, a simpatia, a compaixão, a participação nas dores alheias, correspondem a faculdades originárias e a motivos constantes do espírito humano, que limitam o egoísmo; e, sobre tal fundamento, com posto de egoísmo e de altruísmo, se desenvolve a natureza humana. O direito, em especial, implica sempre o reconheci mento expresso da pessoa do «outro»; é, por essência, metaegoista. Por outras palavras: representa uma superação ou alar gamento do egoísmo individual. Vê-se, pois, com estes exemplos como as instituições polí ticas não são máquinas, ou instrumentos exclusivamente mecâ nicos das coacções impostas aos homens, que só devido a estas evitariam a auto-exterminação da espécie: mas são antes pro dutos espontâneos do espírito humano. Este exemplo ilustra claramente a importância da Psicologia nas suas relações com a nossa disciplina. Relaçdes com a Filosofia Moral

Como anteriormente advertimos, a Filosofia do Direito faz parte da Filosofia prática ou Ética (lato sensu), que estuda os princípios reguladores do operar. Um desses princípios é precisamente o direito; enquanto que a outra parte da mesma Filosofia é constituída pela Moral (ou Êtica stricto sensu).

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É óbvio portanto que entre as duas disciplinas existe um para lelismo constante. Ao estudar o direito estamos sempre em contacto com a Moral. Exemplo: para definir logicamente o direito, teremos de o distinguir da Moral, pois são noções contíguas, muitas vezes confundidas uma com a outra. Por outro lado, ao contemplarmos a evolução histórica do direito, teremos ocasião de reparar como as ideias morais e os insti tutos jurídicos se desenvolvem simultaneamente, de sorte que a cada sistema de direito positivo dá réplica um análogo sis tema de moral positiva. Meditando sobre o ideal do direito, acharemos que este outra coisa não é senão um aspecto do ideal do Bem, o qual é também objecto da Moral. Reiações com a Sociologia

Trataremos agora das relações entre a Filosofia do Direito e a Sociologia: argumento muito complicado pela incerteza das ideias em causa. Tanto mais que se discute a admissibilidade da Sociologia como disciplina científica, facto que não ocorre com as restantes ciências. Até ao século xix, muito embora os fenómenos sociais já tivessem sido objecto de estudo, não se falou em Sociologia. O primeiro a falar foi Augusto Comte que no seu Curso de Filosofia positiva (1830-1842) se arvorou em pioneiro da nova ciência, inventando-lhe também o nome híbrido (a nova palavra foi formada à custa de uma raiz latina e de tuna raiz grega) que Stuart Mill chamou «barbarismo cómodo» (S2). Como se justifica tal conceito de Comte e seus adeptos? Estes raciocinaram assim: conhecem-se diversos tipos de fenómenos jurídicos, morais, demográficos, económicos, reli giosos, linguísticos, etc. — os quais, a par de características específicas, apresentam urna nota comum: só é possível a sua verificação onde existe convivência humana, uma sociedade. São, por conseguinte, essencialmente fenómenos sociais: todos eles possuem uma raiz psicológica e uma forma histórica, pois, se

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se manifestam na convivência, resultam do jogo espontâneo de elementos psíquicos individuais e modificam-se no decurso temporal, acompanhando as mudanças da sociedade humana. Ora, se estes fenómenos sociais têm uma mesma origem e uma mesma forma, será conveniente estudar as suas relações. Obser vando a concatenação, a interfluência, o «consensus» (como se exprime Comte) entre todos os fenómenos sociais, chegar-se-á a uma concepção e explicação unitárias da sociedade, das suas leis de vida e desenvolvimento. Este, precisamente, é o objecto próprio da Sociologia, que, segundo o seu fundador, deveria constituir uma síntese das ciências que estudam qual quer aspecto particular do fenómeno social, como a economia política, a ciência das religiões, a dos costumes ou moral, etc. Todas estas matérias e disciplinas particulares, incluindo a Filosofia do Direito, deveriam, no seu entender, cair, pois, no âmbito da Sociologia ou ciência geral dos fenómenos sociais. Existe no entanto já uma ciência complexa que colige e estuda todos os dados sobre a vida social: a História. A esta observação, respondem os partidários da Sociologia, esclare cendo que esta não é apenas expositiva, como a história, mas, além disso, explicativa, pois, em vez de se contentar com os factos, procura enunciar-lhes as leis. Seria fácil retorquir: a Filosofia da História (parte da Filosofia teorética), disciplina já constituída, tem precisamente por fim descobrir e formular as leis da história. Vico, considerado por tantos o precursor da Sociologia, tentou-o já em 1725, com a sua obra Principii di una scienza nuova intomo alia commune natura delle nazkmi. Estudos de Filosofia da História foram, aliás, escritos por muitos outros, assim nos tempos antigos como nos modernos. Haverá, não obstante, diversidade entre a Filosofia da História e a Sociologia? Uma diferença há, pelo menos, se atendermos à intenção do sociólogo: a respeitante ao método. Comte deseja, substan cialmente, traçar uma Filosofia da História seguindo uma orien

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tação positivista. A Filosofia da História fora, até então, tribu tária de um procedimento dedutivo. Este consistia em tentar obter da história a prova confirmatória das ideias gerais inspiradoras da investigação. Antes de Comte, os escritores de Filosofia da História eram aprioristas. Vico, por exemplo, empe nhou-se em provar os cursos e recursos da história; Bossuet, os desígnios da Providência divina, etc. Partiram de um esquema prévio, que recheavam, depois, não sem esforço, com factos históricos. Comte, ao invés deste procedimento, adopta outro, o objec tivo e naturalista, partindo do critério da determinação natural, segundo o qual cada facto resulta de outro, por força de uma concatenação inevitável. Este critério pode, contudo, ser adoptado e seguido por qualquer ciência particular, sem que tal adopção a transmude em ciência nova. Ao estudar um determinado fenómeno, não devemos perder de vista as suas relações com outros fenómenos, os nexos que entre si os ligam. Para estudar o direito, urge estudar também, por exemplo, as suas afinidades com a religião, a economia, etc. Mau grado os esforços de Comte e de seus epígonos, a assim chamada Sociologia é, por enquanto, colecção e estudo de factos que constituem já o património de outras ciências. Se apenas respeitarmos o intuito sistemático que preside, em geral, às suas investigações, a breve trecho descobrimos que pertence ao conceito da Filosofia da História. O movimento sociológico registado no século xix contri buiu para abrir caminho ao estudo mais amplo da fenomenologia social; mas não substituiu as ciências sociais particulares, já constituídas, nem tão pouco a História ou a Filosofia da História. Quando muito, pode afirmar-se que nos legou uma Filosofia da História segundo o método positivista. Mas, mesmo que se admita o conceito de Sociologia, con cebida como ciência geral dos fenómenos sociais, nem assim

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a Filosofia do Direito seria por ela absorvida. Na verdade, a Sociologia será sempre ciência fenoménica, ao passo que a Filosofia do Direito se propõe, além do estudo do fenómeno jurídico, ainda e sobretudo, obter a definição lógica do direito e a investigação deontológica, — ou seja: a determinação do conceito e do Ideal do Direito. A ambas estas suas preocupaçõès se mantém estranha a Sociologia. O seu trabalho pressupõe, como já estabelecidos, os conceitos e critérios lógicos, e ambi ciona tão só observar os factos, aquilo que é e não aquilo que deverá ser. A Filosofia do Direito, como dissemos já, é, por natureza, ministra do progresso jurídico, reivindicadora do ideal. Não assim a Sociologia: esta não implica um ideal, nem o reclama; contenta-se com os factos verificados. Em caso algum, pois, a sociologia pode substituir ou tornar supérflua a Filosofia do Direito. Contudo, a investigação fenoménica, própria da Filosofia do Direito, tem algo de comum com o programa da Sociologia. Tal investigação, tendendo a compreender a origem e a evolução histórica do direito, tem uma característica «sociológica» e não seria muito inexacto dizer que, por este aspecto, a Sociologia é novo nome dado à Filosofia do Direito. Neste capítulo deve a Filosofia do Direito observar os contactos e afinidades entre o fenómeno jurídico e os fenómenos religiosos, económicos, etc., ou seja: integrar a realidade jurídica no complexo das suas mais vastas conexões. Eis como nesta pesquisa a Filosofia do Direito procede coerentemente com os propósitos metodológicos reivindicados pela Sociologia. No tocante às outras investigações, a Sociologia é ou vassala da Filosofia do Direito ou estranha a ela: vassala, pelo que se refere à investigação lógica (definição do direito), pois o seu trabalho tem-na como pressuposto; estranha, no que se refere à investigação deontológica (ideal do direito), porque só procura conhecer factos e não ideias.

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Reiações com outras Ciências

A Filosofia do Direito mantém também relações com todas as restantes ciências que se ocupam dos fenómenos sociais. Por exemplo: com a demografia, ou ciência da população, do seu agrupamento em classes e dos seus movimentos. Ambos estes fenómenos, e a possibilidade de sobre eles exercer acção modi ficadora, fornecem dados indicativos ao direito sobre a neces sidade ou conveniência de determinadas normas. Ã demografia liga-se a Estatística, que observa e nota os fenómenos atípicos (não típicos), especialmente os sociais, agru pando-os, com o fim de descobrir as circunstâncias regulares da sua produção ou leis em sentido lato. Demografia e estatís tica representam cientificamente as condições do facto oujo conhecimento é útil ter, para compreender o desenvolvimento histórico do direito, as suas conexões com os restantes fenó menos sociais e a .possibilidade de reformar ou de criar inova ções legislativas. A Filosofia do Direito não é também alheia à Economia (ciência do ordenamento social da riqueza). Os factos apresen tam muitas vezes um aspecto jurídico junto ao aspecto econó mico. (Ex.: a troca, a propriedade). A forma jurídica, por tanto, recebe por conteúdo, nestes casos, um evento econômico, a que se deve igualmente atender. Mas não a ponto de se dizer, como tantas vezes se fez por errado exagero, que a Eco nomia determina o direito. Entre ambos há apenas um parale lismo que a natureza humana fundamenta e justifica. Por último, convém não esquecer ainda as relações entre a Filosofia do Direito e a Ciência política ou ciência da acti vidade do Estado. Esta manifesta-se de vários modos e pode classificar-se de legislativa, administrativa e judiciária (que entra, aliás, na administração lato sensu considerada). A Ciên cia da Política reparte-se, pois, em dois grandes capítulos: ciên cia da Legislação e ciência da Administração. Mas a sua acti vidade pressupõe e requer a da Filosofia do Direito, pois não

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pode exercer-se sem os princípios, os conceitos gerais, e os ideais que esta tem por missão descobrir e formular. A política limita-se a aplicá-los a dadas situações de facto. Ela ocupa uma posição intermediária entre a Filosofia do Direito e a Ciência do Direito positivo. A política não pode ignorar a Filo sofia do Direito, sob pena de cair no empirismo (por carência de princípios directivos); a Filosofia do Direito não pode ignorar os dados da Ciência política sob pena de cair na utopia (por falta de aderência à realidade de facto). 'Metodologia geral e Método da Filosofia do Direito Indução e Dedução

Método, na sua noção geral, significa o mesmo que caminho ou via (ó86ç) trilhado pelo pensamento humano na descoberta da Verdade, a qual, segundo a definição tomista, consiste em uma adaequatio inteUectus et rei. Mas também se dá ainda este nome ao conjunto de regras a que o pensamento se deve sujeitar no seu procedimento cognoscitivo. Fórmula antiga caracterizava-o como habitus inteUectiudis instrumentalis, nobis inserviens ad rerum cognitionem adipiscendam. Admitem-se dois tipos de métodos, consoante se parta de factos particulares para se chegar aos princípios gerais (indu ção), ou destes para aqueles (dedução). O método indutivo usa-se quando nos baseamos na expe riência, a qual, só de per si, apenas nos facuita o conhecimento de factos particulares, para dela extrairmos uma verdade geral. Assim, observando que o planeta Marte, por exemplo, descreve órbita elíptica em tomo do sol, e que Júpiter executa algo semelhante, e assim sucessivamente, chegamos ao momento em que, por via de generalização conclusiva, poderemos afirmar: os planetas descrevem órbitas elípticas em tomo do sol. Diz-se completa a indução quando se funda na totalidade dos factos observados; incompleta, quando vai mais longe que

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os factos observados e afirma, como provável ou certa, uma verdade que também abarca os casos não observados da mesma espécie. O método dedutivo, cuja forma típica é o silogismo, cor responde a procedimento inverso do descrito: chega ao conhe cimento do particular baseando-se no conhecimento geral. Exem plo: todos os homens são sujeitos de direito; os negros são homens; logo: os negros são sujeitos de direito. Outro: todos os planetas apresentam forma redonda; a terra é um planeta; logo: a terra é redonda. A argumentação silogística, é pois, formada por duas premissas, das quais uma é genérica — pre missa maior — a outra, particular — premissa menc/r; às pre missas segue-se uma conclusão ou ilação, obtida mediante a aplicação da primeira premissa à segunda. É costume distinguir as ciências em dedutivas e indutivas consoante o método por elas adoptado. A distinção possui valor relativo, pois, em geral, as ciências usam de ambos os métodos; as próprias ciências indutivas, com o decorrer do tempo e ao desenvolverem-se, tendem a transformar-se em dedutivas. Assim acontece sempre quando, uma vez atingidos certos resul tados por via indutiva, deles passam a servir-se à maneira de premissas, de princípios, de que partem a fim de chegarem dedutivamente ao conhecimento de outros factos particulares. Foi o que aconteceu à astronomia, por exemplo, a qual, depois de numerosas experiências, fixou e enunciou o princípio da gravitação universal, assumindo daí em diante comportamento dedutivo. Além disso, se os dois métodos se distinguem um do outro, contudo não se contradizem. Não se excluem reciprocamente, antes se completam, de certo modo, um ao outro, combinando-se entre si e integrando-se mutuamente. Dão um ao outro ajuda e existência. De facto, uma vez efectuado certo número de observações, podemos atingir a generalidade —que neste caso tem origem indutiva— e, dal em diante, proceder por via dedutiva.

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Conhecimento empírico (a posteriori) e racional (a priori)

Imiporta agora advertir que possuímos duas espécies de conhecimento: o empírico, fundado na observação externa (a posteriori); o racional, directamente obtido do nosso inte lecto (a priori). O conhecimento empírico assenta na verificação de que alguns factos acontecem de certo modo; todavia isso em nada implica que não possam acontecer de modo diverso. Assim, o facto de os cisnes serem brancos no nosso país, não impede que, em outros lugares, tenham outras cores. Em outras para gens há, na realidade, cisnes pretos. Desta sorte, uma verdade empírica vale tão só enquanto se refere ao estado em que as coisas se nos mostram no momento da verificação experimentai delas. Mas o conhecimento racional, esse, não pode jamais ser desmentido pela experiência. A soma dos ângulos de um triân gulo é igual a dois rectos. Esta afirmação, se a fizermos, é e será constantemente verdadeira, qualquer que seja o triân gulo, pois nela enunciamos verdade dependente das leis neces sárias e eternas do pensamento humano, cuja validez é perma nente e se impõe aos factos — ou, melhor: encontra-se necessa riamente em correspondência com eles. Resulta do exposto que, por meio de raciocínios dedutivos, nos podemos seguramente fundar em verdades racionais; mas já não sucede o mesmo quanto às verdades empíricas. No se gundo caso, impõe-se procedimento cauteloso: pois a verdade genérica, se assenta em base empírica, não pode ser conver tida em axioma, ou, sequer, dogmatizada, sob pena de se trans formar em obstáculo para as futuras observações e experiên cias. Foi este o erro característico da Escolástica, que tomou por eternos e necessários certos princípios, mais tarde desmen tidos por experiências ulteriores. Por exemplo, a proposição de que a «natureza tem horror ao vácuo». Bacon, reagindo

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contra a Escolástica na sua Instauratio Magna, reivindicou os direitos da indução contra os abusos do método dedutivo. Sumo representante deste método foi Aristóteles, o qual, por outro lado, não foi inimigo da indução: ajpenas as suas doutrinas foram impropriamente dogmatizadas. Por causa desta interpretação errónea, teve carácter antiaristotélico e antiescolástico a Filosofia do Renascimento. Tolésio, Bruno, Campanela, Bacon, querendo defender os direitos da observação experimental, volveram-se contra Aristóteles, quando, na rea lidade, pretendiam apenas combater a deformação do método aristotélico. Se a dedução, usada com as cautelas assinaladas, pode tirar partido da indução, também esta pode, e deve, tirar partido da primeira. As observações empíricas, as experiências, implicam determinados princípios racionais. Por exemplo: as ciências naturais, que se propõem descobrir as causas dos fenómenos por meio da observação e da experimentação (a qual consiste em uma reprodução artificial de fenómeno). Semelhante proce dimento, de que nos servimos para interrogar os factos, é per feitamente indutivo. Contudo, este procedimento envolve um pressuposto dedutivo: o de que todos os factos devem ter uma causa. Tal princípio é uma verdade de que estamos certos antes mesmo de termos experimentado. Nós sabemos o 'priori que qualquer fenómeno, ainda que futuro, deve ter uma causa — e sabemo-lo com absoluta certeza, sem necessidade de o com provar com todos os casos particulares possíveis, sem mesmo conhecer as causas de todos os fenómenos. Em tal noção encon tramos um princípio que ultrapassa o testemunho fornecido pela experiência. Com efeito, esta é sempre particular e, quando muito, apenas nos pode indicar que um fenómeno determinado tem uma causa determinada. Mas já não pode dizer-nos que qualquer fenómeno deve necessariamente ter uma causa — pois isso é já verdade a priori que não pode dimanar da experiência.

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Métodos da Filosofia do Direito

Regressando agora, mais especialmente, à Filosofia do Direito, advertiremos, desde já, que ela usa de ambos os méto dos indicados. Com efeito, ao levar por diante a sua primeira investigação — a lógica — a dedução tem a primazia. Neste caso, efeotua-se uma análise racional, pois trata-se de indagar das condições da possibilidade e da cognoscibilidade do direito. Com a análise lógica define-se um critério ínsito em a nossa mente; por isso, ela pode receber uma ajuda da experiência, mas não a base da indagação. Antes do mais, importa possuir um critério acerca do que o direito seja, para o podermos distinguir de outras manifestações históricas — a religião, a moral, por exemplo. A experiência serve tão só de confronto. O mesmo método prevalece na terceira investigação, a do ideal supremo do direito. Se procuramos este ideal, temos de considerar um princípio de avaliação superior aos factos e apenas cognoscível mediante a razão pura. A observação empí rica, isto é, a experiência só nos fornece exemplos de factos contrários ou conformes ao ideal referido; mostra-nos o direito, como também a violação do direito; diznos aquilo que é, e não aquilo que deve ser. A fim de obter um critério distintivo do dever ser (critério deontológico) deve proceder-se por via dedu tiva, partir de um princípio a priori, o qual como veremos, se obtém da consideração transcendental da natureza humana, para avaliar, segundo o princípio citado, os factos, e por conse guinte também o Direito positivo, que enquanto positivo é também facto. Já com a segunda investigação, porém, uma vez que se trata de observar a evolução histórica (os fenómenos jurídicos), tem de prevalecer a indução. Coligindo factos, examinando as instituições jurídicas positivas dos vários povos, realiza-se uma indagação empírica. Esta, contudo, pressupõe e envolve certos princípios racionais, como por exemplo, a própria noção de

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direito (para distinguir dos restantes os fenómenos jurídicos) e a noção de causa (para assinalar as conexões históricas do direito, patentes no processo do seu desenvolvimento). Ao efectuar esta investigação, convém assumir atitude quase naturalista; isto é, urge mantermo-nos livres de precon ceitos a favor ou contra as instituições positivas examinadas, os factos observados. Temos de admitir, sem reserva, que o direito positivo de qualquer povo ou época pertence à ordem fenoménica, é, pois, facto natural, ou seja: determinado por causas eficientes e conexo com os demais aspectos da realidade experimental. Quer isto dizer que nenhuma instituição jurídica positiva deve ser considerada protótipo das outras, mas todas deverão ser igualmente, e sem excepção, observadas e analisadas aten dendo aos coeficientes históricos que as produziram (88). Por isso, nenhum instituto pode ser posto de lado como indigno de atenção científica: neste capítulo, não se admite o desprezo ou a preferência exclusiva. Devemos, por conseguinte, estar alerta contra o perigo das ilusões frequentes também entre os juristas, os quais, leva dos por elas, exageram o relevo a dar a alguns dados particula res actuais (por exemplo, as normas vigentes) indo até ao ponto de lhes dar valor quase absoluto. A base histórica da cultura jurídica comum restringe-se aos antecedentes imediatos e ao Direito Romano. Sem dúvida, este é (como já foi dito por Lei bniz) um dos máximos monumentos do génio humano. Mas isto não deve levar a esquecer que o Direito romano representa uma parte comparativamente pequena do pensamento jurídico da humanidade; tanto mais que ele só é estudado em relação a uma fase relativamente muito adiantada. O Direito romano, estudado pela nossa ciência como sendo o mais antigo, ostenta tais características que não deixa dúvidas que deve ter sido antecedido por elaboração histórica muito longa, embora de nós desconhecida (lembremo-nos da organização da família patriarcal, das formas processuais já tão bem definidas). Tal

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elaboração é muito melhor notada quando estudada em com paração com os outros povos, antigos ou modernos, tendo uma cultura muito inferior à dos romanos. Por este motivo, importa alargar as investigações a outros povos anteriores ou menos progredidos. Método genético e método comparativo

O método indutivo compreende como sub-espécies: o método genético (que observa as fases originárias) e o comparativo (que confronta os diversos sistemas jurídicos). O primeiro serve para se obter conhecimento integral da evolução do direito; o segundo é útil, visto o direito de um só povo se apre sentar sempre com características unilaterais e não poder for necer um quadro exaustivo da realidade humana. Se confrontarmos o direito dos diversos povos, observa remos que este, em cada um deles, se encontra em fases diver sas da sua evolução. A humanidade não possui um único sistema regulador, mas divide-se em grupos, o desenvolvimento histó rico dos quais é assincrónico (não simultâneo). Esta circuns tância dá-nos ensejo de poder reconstruir as fases originárias dos sistemas mais evoluídos. Desconhecemos, por exemplo, a fase primitiva do Direito romano, mas temos meio indirecto de a conhecermos, pelo menos em parte: o exame da vida jurí dica de outros povos que, actualmente ou em passado de nós conhecido, tiveram sistema parecido com aquele que inicial mente devia ter sido o dos romanos. Não é esta uma hipótese inventada. O direito de um povo nunca passa inteiramente, nunca é totalmente consumido; no direito positivo vigente exis tem sempre resíduos, sobrevivências das fases anteriores, inin teligíveis por si, mas que se iluminam mediante a comparação. Aquilo que, no passado, foi norma e persuasão jurídica, sobre vive de qualquer modo no presente, e não pode ter-se perdido por completo, muito embora apareça ao observador envolto em outras aparências, por ter sido encorporado em elementos sur

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gidos mais tarde e refundido debaixo de novas formas. Mas um exame atento permite discernir, pelo menos ao fim de certo tempo, os diversos estratos que, em certo sistema jurídico posi tivo, correspondem aos sucessivos momentos da sua evolução histórica, isto é: .permite ler nelè a própria história da sua formação. Uma relíquia, insignificante na aparência, pode lan çar luz sobre todo um mundo desaparecido; uma fórmula iso lada, que a tradição conserva, embora esta nem sempre se faça acompanhar da perfeita consciência do traditado, ou um cos tume que se radicou, muito embora esteja em desarmonia com o direito escrito, podem permitir a reconstituição do ordena mento de certas relações características de uma época já decor rida. Tal processo de reconstituição é, porém, tomado possível pelo facto de aquele fragmento, que, em certa fase da evolução cultural parece uma anomalia, se mostrar parte viva e inte grante de um sistema complexo e orgânico em outros povos de menor cultura. Para citar um exemplo, referir-nos-emos à famosa questão sobre a origem da distinção entre res mancipi e nec mancipit a qual só recebeu esclarecimento quando se dedicou alguma atenção às formas primordiais da propriedade colectiva; só então se compreendeu plenamente a exigência do requisito da representação do grupo para a alienação de certos bens. Com os subsídios que, mediante o método genético e com parativo, nos subministra a investigação histórica, podemos tentar a narrativa de uma história universal, ou traçar, como Vico diria, «a história ideal eterna, sobre a qual decorrem no tempo as histórias de todas as nações». A possibilidade de semelhante tarefa é assegurada pela semelhança no desenvol vimento do direito de vários povos ('*). Das observações feitas a propósito desta matéria ressalta uma verdade de grande importância: o espírito humano é uno e segue, no seu desenvolvimento, uma legalidade privativa dele. Encontramos as mesmas instituições em povos diferentes, entre os quais, segundo está verificado, não houve contactos ou conhe cimento mútuo — sem que algum deles, como Vico afirmou

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em momento de intuição genial, «tivesse de outro tomado o exemplo». Estes povos, sob o influxo de idênticas persuasões fundamentais, das mesmas determinações, dos mesmos pro cessos, criaram as mesmas instituições. E a semelhança notada não se limita apenas ao aspecto estático, mas também se manifesta no dinâmico, isto é: na sucessão de fases análogas. A comunicabilidade do Direito

Fora destas uniformidades naturais, independentes de qual quer forma de comunicação, verificam-se outras devidas ao fenómeno histórico da influência dos povos uns sobre os outros, em virtude da qual o direito de um deles pode ser recebido pelo direito de outro; e isto em medida bastante maior do que aquilo que acreditaram certas escolas. Cada povo pode assimilar o direito de outro, fazê-lo seu, aditando-lhe oportunos elementos de sua criação. E isto verifica-se, porque o direito não é apenas fenómeno nacional, mas, sobretudo, humano. Cada sistema encerra elementos que o tomam aplicável, em certa medida, a povos diferentes do povo que o criou. Exemplo clássico deste fenómeno é-nos dado pelo acolhimento ou pela recepção que o Direito romano teve na Alemanha: modificado e transformado em Direito comum, vigorou quase até aos nossos dias, pois só em 1900 foi substituído pelo novo Código Civil. Este caso nem é excepcional, nem anormal: pelo contrário, poucas vezes um povo se furtou, no decurso da sua evolução jurídica, ao influxo maior ou menor que outros sobre ele tive ram. O mesmo Direito romano, muito antes da sua recepção na Alemanha, tinha assimilado elementos do direito ático e do direito dos povos do Mediterrâneo. E ainda de nossos dias se registam muitas transplantações deste género: o direito público inglês, por exemplo, encontra-se na base do direito constitucional de muitos Estados europeus; códigos de vários Estados europeus foram adoptados na Turquia e no Japão.

INTRODUÇÃO

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Note-se bem que não há contradição entre esta comuni cação histórica e a uniformidade natural do direito. Por outro lado, a comunicabilidade é não só possível mas também fru tuosa, porque tem a sua base na identidade do espírito humano. Se as instituições jurídicas fossem exclusivamente privativas de certo povo, adaptar-se-iam apenas às suas particulares situa ções históricas e não seriam transmissíveis: os diferentes povos seriam uma série variada de unidades herméticas, fechadas umas com relação às outras. Mas não é assim. No direito posi tivo de cada povo encontram-se elementos universais em que se reflecte a natureza humana comum e daqui resulta que as evoluções de cada sistema podem entrelaçar-se com enxertos recíprocos. A comunicabilidade histórica concorre para esti mular o processo de coordenação jurídica da humanidade, que tem a sua base primária no fundo comum da natureza humana. Em este sentido, podemos e devemos conservar a doutrina fundamental de Vico, que afirmava, apoiado na experiência histórica, a comunicabilidade do próprio direito.

SECÇAO I

O CONCEITO DO DIREITO

PRELIMINARES Necessidade de uma definição

Dar a definição lógica do Direito, é como já dissemos, a primeira tarefa da nossa disciplina. Que coisa seja o Direito, toda a gente o sabe, pelo menos aproximadamente. Porém, a definição precisa do conceito ofe rece dificuldades notáveis; a prova disto está no facto de as muitas investigações realizadas sobre este argumento não terem ainda conduzido a resultados universalmente aceitos. «Ainda procuram os juristas uma definição do seu conceito de Direito», disse K ant ; e talvez que estas palavras não perdessem ainda hoje todo o seu valor, se bem que alguns dos resultados já conseguidos possam considerar-se definitivos. Embora difícil, a investigação é indispensável. Se a noção comum e vaga de Direito pode às vezes bastar para certos fins particulares, é insuficiente para os fins superiores do conhe cimento. São facilmente reconhecidas por todos as manifes tações vulgares da actividade jurídica; mas, ante os problemas mais elevados e gerais, quando se trata de situar a ideia do Direito na ordem do saber, de determinar4he os elementos essenciais, de distingui-la de outros objectos e categorias afins, surgem dúvidas e dificuldades que a noção vulgar é impotente

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para resolver (pense-se, por exemplo, na distinção entre dever jurídico e dever moral, no problema da coercibilidade do Direito, nas dúvidas sobre a natureza do Direito da Igreja e do Direito internacional, sobre a possibilidade de um Direito não esta dual, etc.). Para resolver tais problemas é necessária uma investigação que não pode ser feita por nenhuma ciência jurídica stricto sensu, isto é, do Direito positivo, porque cada uma destas ciên cias, tem por objecto só uma parte da realidade jurídica, enquanto que a definição lógica deve abranger todos os siste mas jurídicos, inclusive os não positivos; isto é: indicar o limite de toda a possível experiência jurídica. A atitude céptica

Se para chegar à necessária definição —para sabermos o que o Direito é— interrogarmos a História, a resposta não poderá ser unívoca, porque a História só nos responderá des crevendo os vários ordenamentos e institutos jurídicos que, em vários momentos da sua duração, aos diversos povos perteceram. Cada povo, em cada época, determina o que é o Direito segundo o seu modo próprio. Aqui está o motivo pelo qual a História não nos pode apresentar o Direito — e apenas nos indica os «Direitos» correspondentes aos sistemas jurídicos positivos e aos diversos momentos de desenvolvimento dos mesmos. Tão elementar observação, mesmo nas mais remotas eras, cujos conhecimentos históricos eram menos vastos do que os nossos, nunca a alguém podia escapar. De facto, nela se baseou o movimento céptico que negou a existência do Direito: o con ceito universal dele. A instabilidade e arbitrariedade do direito positivo foi o argumento favorito dos Sofistas no combate à autoridade da lei. Do mesmo se socorreu a Filosofia dos cépticos quando estes pretenderam demonstrar, mais tarde, a impossibilidade do conhecimento in genere. Dos dez tropos


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ou argumentos que a escola céptica, fundada por Pirro, usou para aconselhar a suspensão de todo o juízo (èro>xf]. à
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empírico, graças a um princípio racional unitário; reconduzir a um conceito constante e universal as múltiplas e flutuantes variedades do Direito histórico. A ideia do direito natural

Ê um facto singular, sobretudo, que os mesmos argu mentos usados pelos cépticos de todos os tempos para sus tentar a inexistência de um Direito natural, sirvam a outros pensadores, precisamente, para postular a existência deste Direito. A possibilidade de instituições contraditórias no campo histórico induziu estes pensadores a elevar o pensamento a uma ordem superior de verdade, isto é, a admitir um critério absoluto, ideal, do justo e do Direito, independente do facto da sua sanção positiva, e sobranceiro ao flutuar dos aconte cimentos. Conceber a ideia da Justiça de modo absoluto corresponde a fundamental exigência da consciência. De outro modo, regeria o absurdo que considera a Verdade e a Justiça dependentes do beneplácito de qualquer — absurdo este do qual Cícero, no De Legíbus, i. 15, deu conta ao perguntar se o homicídio ou o furto passariam a ser justos desde o momento que fossem declarados como tais por qualquer legislador, tirano ou multi dão: «Iam vero illud stultissimum, existimare omnia iusta esse, quae sita sint in populorum institutis aut legibus», etc. (De legíbus, 1, 15). Direito natural é, pois, o nome com que se designa, por tradição muito antiga, o critério absoluto do justo. Com tal nome se pretende dizer que o referido critério assenta na pró pria constituição das coisas e nunca no mero capricho do legis lador momentâneo. Algumas vezes foi a reacção contra a justiça positiva, outras a observação de uma conformidade entre regras jurídicas de diferentes povos, que induziu a postular uma jus tiça superior. E quanto aos modos pelos quais se demonstrou a autoridade do Direito natural, procedeu-se ora com argu-

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mentos teológicos (fundando o Direito natural sobre a vontade e sabedoria divinas), ora com dados puramente racionais («etiamsi daremus non esse Deum» — GRÓCio). E diversas têm sido igualmente as maneiras de conceber as relações entre os ditames do justo natural e as normas jurídicas positivas, segundo o momento histórico e a orientação especulativa. Na época da Revolução francesa, por exemplo, julgava-se ver pro funda dissidência, quase insanável, entre as duas ordens de determinações, o direito natural e o positivo. Mas já outros — os jurisconsultos romanos, por exemplo— conceberam esta relação como eqüivalendo a diferença entre género e espécie; e outros, como Hegel, viram neles dois aspectos distintos da mesma realidade como acontece também em Vico. Mesmo com estas notáveis diferenças, a ideia do Direito natural acom panhou sempre, porém, a humanidade: e não deixa de mara vilhar que, apesar da variedade dos métodos e dos argumentos, as conclusões fossem em geral concordantes. Típico, a este propósito, é, por exemplo, o ponto final de encontro das doutrinas de Kant e Spencer. Embora partindo de tão diversas premissas —o primeiro, da razão pura, o segundo, da observação experimental das leis físicas da vida — chegaram a fórmulas quase idênticas do direito natural (reza assim a de Kant: actua externamente de tal modo que o livre uso

do

arbítrio

teu dos

arbitrio outros,

possa

harmonizar-se

segundo

e a de Spencer:

cada

contanto

prejudique

que

não

uma

homem a

ê

com

o

livre

lei

universal

da

livre

de

o

liberdade

fazer igual

uso

do

liberdade; que

dos

quiser, outros

homens).

As objecções ainda recentemente feitas contra o Direito natural não têm um real fundamento. Estas acusam o Direito natural de não ser sempre confirmado pelos factos, de ser somente uma ideia. Costuma dizer-se, por exemplo: o Direito natural quer os homens livres, no entanto existiram e existem ainda escravos. Mas o Direito natural é essencialmente distinto do Direito .positivo, precisamente porque se afirma como prin-

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cípio deontológico (indica aquilo que deve ser, mesmo que não seja); existe enquanto vigora idealmente; e idealmente vigora onde é de facto violado. A violação produz-se no mundo fenoménico, mas não destrói a lei que é sobreordemada (ou supe

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a de abranger toda a possível experiência jurídica. Das ante riores considerações surge a importante consequência de serem os problemas do ideal do Direito e do conceito do Direito pro blemas distintos e independentes entre si.

rior) ao fenómeno. Os elementos comuns do Direito Distinção entre conceito e ideal do Direito

Seria um grande erro julgar que a ideia do Direito natural possa fazer as vezes de uma definição lógica do Direito, objecto da nossa actual investigação. Um sistema de Direito natural é, em última análise, um sistema de Direito. Logicamente, portanto, ele vem juntar-se, pôr-se ao lado dos outros sistemas existentes, e deve ser tomado em consideração em igualdade com estes numa definição lógica e universal do Direito. Uma coisa é afirmar o ideal do Direito, outra dar a noção ou con ceito do Direito em geral. Este, tanto deve abranger o sistema ideal como todos os outros possíveis sistemas jurídicos. É sempre errado basear uma definição em um ideal. Com um exemplo ficará mais clara a afirmação. Suponha-se que adoptamos a definição de Kant, que, em certo sentido, é uma das mais perfeitas: «Direito é o complexo das condições que possibilitam a coexistência do arbítrio de cada um com o arbí trio dos outros, segundo uma lei universal de liberdade». Pois bem: esta definição, na realidade, refere-se ao direito natural, mas nada diz do conceito lógico do Direito. Se a tomássemos como definição deste conceito, autorizados estávamos a con cluir que o Direito talvez nunca tivesse existido. De facto, os sistemas jurídicos, que nós reconhecemos como tais, estão mais ou menos longe daquela máxima. Como consequência, dever-se-iam excluir da categoria do Direito todos os sistemas onde a igual liberdade de todos não é reconhecida. O Direito romano nega, por exemplo, com a instituição da escravatura, a lei da igual liberdade; logo este não seria Direito. Assim procedendo, nunca poderemos levar a cabo a investigação que nos propomos,

O outro método tentado para a superação da variedade empírica do Direito e obtenção do seu conceito unitário, con siste em considerar os elementos comuns dos sistemas jurídicos de todos os povos. Do referido método se valeu Aristóteles para refutar o argumento céptico: aquilo que por natureza é, é sempre e em todas as partes igual. O mesmo fogo queima igualmente na Grécia ou na Pérsia. Se o Direito varia, não é, portanto, direito natural. Para rodear dificuldades Aristóteles recorre ainda a uma distinção: no Direito há duas partes, uma mutável, outra constante. A que deriva da natureza é a Xójxoç xoivóç, a lei comum a todos os Estados; a resultante da oportunidade e das condições acidentais é a vójioç iStoç, a lei particular, própria só deste ou daquele Estado. O con ceito de um direito comum a vários povos chegou a ser o fun damento da teoria romana do ius gentium. Bem conhecido é o passo das Institutos onde se diz: Omnes populi, qui legibus et moribus reguntur, partim suo proprio, partim communi omnium iure utuntur (I 2, § I.). E Cícero, observando uma certa analogia nas leis dos vários povos, falava de uma insignis humani generis simüitudo. As modernas investigações valori zaram estes juízos antigos. E, pela observação das profundas concordâncias demonstraram que o direito positivo, ao contrá rio da opinião dos cépticos, não é assim tão mutável e arbitrá rio, tão indefinidamente oscilante, como eles diziam. Com razão Vico reconheceu a existência de uma mente comum de todos os povos. Pode acrescentar-se, além disso, que a tendência do movimento histórico se traduz por uma aproximação, uma P D-22

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perequação dos direitos (positivos dos diversos povos. As seme lhanças propendem a dominar; verifica-se uma convergência dos particulares desenvolvimentos que produz uma progressiva unificação do género humano na forma do Direito. Não existe, em síntese, só uma uniformidade estática, mas também uma dinâmica ou progressiva. E esta tem ainda maior importância. Esta ordem de considerações possui, sem dúvida, muita importância e bastaria para refrear o cepticismo. Mas com res peito ao nosso tema (a definição do Direito) não pode chegar-se, nesta base, a uma conclusão satisfatória; porque o estudo dos elementos comuns ao direito positivo de vários povos diz respeito somente a uma parte da realidade jurídica e não pode, pois, conduzir a uma completa síntese lógica. Ao lado dos elementos comuns, ficam os outros elementos do direito que a observação histórica reconheceu diversos. Ora a eliminação destes elementos discordantes, a exclusão dos mesmos da definição, não seria cientificamente justificável. A fórmula assim obtida, além de ser um tanto imprecisa, não corresponderia a toda a expe riência jurídica e não seria uma verdadeira definição. Esta, se tem de ser adequada ao seu objecto, deve abranger toda a realidade, ou seja: compreender todos os aspectos da fenomenologia jurídica e não só os reputados principais e constantes. Advirta-se também que, como já foi notado pelos pensa dores antigos (85) e melhor demonstrado pela ciência moderna, a variabilidade do direito positivo é uma consequência neces sária da sua conexão com outros factos sociais. Impossível é estudar o direito positivo de certo povo, em certo momento, prescindindo de atender às condições de vida; a génese e a duração de cada instituto jurídico estão vinculadas a determi nadas condições. Se estas se modificam, terá o direito positivo de se modificar também. Este, por conseguinte, não é apenas mutável, mas necessariamente mutável: acha-se sujeito à lei da relatividade histórica.


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Forma e conteúdo do Direito

O resultado da nossa investigação precedente é que o conteúdo da realidade jurídica não pode servir de base a uma definição do Direito. De facto, por natureza, o Direito é condi cionado, sofre certas influências e depende de certas vicissi tudes. Daqui a impossibilidade de utilizarmos esta realidade movediça para fixarmos o conceito do Direito. Mas ocorre per guntar : esgotar-se-á a realidade jurídica no conteúdo, ou existe no Direito outro elemento imutável, que nos permita a sua definição ? Uma reflexão atenta indica-nos que tal elemento existe e se encontra implícito na nossa própria mente. Nós conside ramos como igualmente jurídicas proposições diversas, não raro contraditórias quanto ao respectivo conteúdo; identificamos em uma só categoria fenómenos diferentes entre si, mas todos igualmente jurídicos. Ora, se procedemos deste modo, é porque possuímos uma noção da juridicidade distinta e superior às variações do conteúdo. Esta noção é uma forma lógica, valor objectivo enquanto corresponde à realidade; é, porém, sede subjectiva, enquanto intrínseca ao nosso intelecto. Debalde temos interrogado a História acerca da essência imutável do Direito; sempre ela nos respondeu contraditoriamente. Apresentou-nos sempre proposições diversas, instituições diversas, aconteci mentos em curso, evolução, inconstância. Reconhecida a inuti lidade de olharmos para o exterior é o momento de reentrar mos em nós mesmos, seguindo a famosa lição de Santo Agos tinho: Nóli foras ire; in te ipsum redi; in interiore homine habitat veritas. (Não vás olhando para fora de ti; entra em ti mesmo; no interior do homem reside a Verdade). Este princípio metodológico, que se tem mostrado apto a resolver muitos problemas filosóficos para os quais, em vão, se procurou a solução com a ajuda da observação do exterior, deve também ser por nós aplicado ao nosso argumento. A exis tência de uma forma lógica e universal do Direito é-nos provada,

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convém repeti-lo, pelo próprio facto da variedade do Direito. Se nos é dado reconhecer como jurídicas instituições diversas e, simultaneamente, admitir que o direito positivo é vário e mutá vel, então é que estamos implicitamente baseados em uma noção constante do Direito: o múltiplo pressupõe a unidade. Não podemos falar em evolução jurídica sem nos referirmos a uma certa continuidade, a qualquer coisa que nos permite seguir o fio dessa evolução e de recolher em uma só categoria fenó menos jurídicos sucessivos. Mas o significado da referida noção é meramente formal: esta não é uma norma, nem uma proposição jurídica, pois, em tal caso, teria conteúdo particular e careceria de universali dade. Tão pouco é um ideal do Direito, uma determinação da Justiça, contraposta aos dados históricos do Direito como algo de mais perfeito — pois, em tal caso, seria ainda qualquer coisa concreta, com particular conteúdo. Em vez disto, é, porém, um elemento que em todas as proposições jurídicas entra unifor memente, caracterizando-as do mesmo modo qualquer que seja o conteúdo delas. Em relação a este, permanece indiferente, adiáforo. Por outras palavras: a forma lógica não nos diz aquilo que é justo ou injusto, mas diz-nos só qual é o sentido de qual quer afirmação sobre o justo e o injusto. É, em síntese, a marca da juridicidade. Servindo-nos de uma frase de Kant, podemos dizer que a forma lógica responde à pergunta: quid iusf e não a esta outra: quid iurisf

Podemos nós extrair a noção da forma lógica da expe riência jurídica? Se a pergunta for entendida no seu devido alcance, devemos responder negativamente: a experiência jurí dica nunca nos poderá fornecer a forma, ou seja, o conceito universal do Direito, porque é, como toda a experiência, parti cular por natureza. Sem dúvida, em cada caso da experiência jurídica nós encontramos a forma actuada, mas sempre ligada a um elemento contingente e acidental, que é o conteúdo. A observação dos dados empíricos, dos fenómenos jurídicos, não pode conduzir, só de per si, à determinação do conceito formal do Direito, pois já pressupõe, ela própria, esse conceito. Ao examinarmos os factos históricos, em geral, se desejarmos distinguir entre estes os jurídicos, forçosamente recorreremos à noção implícita em nossa mente. É ela que nos permite separar o jurídico do não jurídico: o que pertence à espécie lógica do Direito e o que dela está excluído. O critério é, pois logicamente, anterior à Observação, à escolha dos dados. Só uma ilusão pode levar à convicção de que o emprego do método histórico-comparativo nos levaria a definir o conceito de Direito. Este método tem, sem dúvida, uma grande importância com respeito a outros problemas. Por exemplo, para responder à pergunta: quando, onde e como surgiu o Direito f Mas já se mostra inade quado para responder à pergunta: que é o Direitof Para isto é necessária uma análise puramente racional.

Quais são as relações entre a forma lógica e as proposi ções jurídicas ? Toda a proposição, todo o dado da experiência jurídica deve trazer o cunho da referida forma. De contrário, não pertenceria à experiência jurídica. A forma lógica, portanto, reencontra-se em todas as possíveis manifestações do Direito. Ela constitui o elemento universal inerente a cada facto jurídico singular. Em relação à forma lógica, todos os casos da possí vel experiência jurídica são acidentais. Esta é constante, o conteúdo é mutável.

O problema dos universais

Atingimos aqui o momento em que nos sai ao caminho outro problema: qual é o valor desta forma lógica? Possuirá ela realidade, consistência objectiva? Tal problema reduz-se, em última análise, ao clássico pro blema dos universais, que na sua generalidade interessa não só à nossa disciplina mas também à Filosofia em geral. No pensamento grego, ocupou lugar respeitável, pois sobre ele se baseou a teoria do conhecimento. A elevação do particular

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sensível ao universal inteligível era já para Sócrates o pro cesso dialéctico que caracteriza e torna possível a verdadeira ciência. A opinião, para Sócrates, está referida aos sentidos; a ciência, porém, aos conceitos, isto é, aos universais, que não cabem no âmbito dos sentidos, mas constituem, no entanto, a suprema realidade. Platão retomou este recurso metodológico, dando-lhe amplo e sistemático desenvolvimento. Distingue uma ordem de reali dade (a das ideias) puramente inteligível, objecto só da razão, inacessível aos sentidos; uma outra, a do mundo sensível, que, no seu entender, é um misto de ser e não ser. A realidade da ideia é colocada por Platão em uma ordem transcendente, da qual o mundo sensível oferece apenas uma defeituosa imagem. Tudo quanto vimos ou tocamos é sombra, reflexo imperfeito do mundo ideal. Assim, por exemplo, nós temos a ideia, a noção do homem (como universal); os homens em concreto, individualmente considerados, porém, apenas são tais enquanto reflectem este arquétipo, participam deste universal, que não se vê e não se toca, mas que existe, e é mais real que os indi víduos transitórios. Platão mantém esta teoria para todas as espécies de conceitos e, .portanto, para o de Justiça. Ele ridi culariza aqueles que, afirmando desconhecer a Justiça enquanto universal, se gabam de conhecer as coisas justas e as injustas. Aquela, como ideia absoluta, é mais real que as afirmações singulares, empíricas ou positivas. Platão designava por meio de antítese verbal, muito difícil de exprimir por um equiva lente na nossa língua, aqueles que se limitavam a reconhecer as coisas justas e injustas mas ignoravam a ideia da Justiça: eram cpiXóSoÇoi, não 91X650901 — isto é: não amantes da sabe doria, mas da opinião, ou seja, das impressões enganadoras dos sentidos. Uma modificação parcial desta teoria foi a que nela intro duziu Aristóteles. Admite este a existência objectiva das ideias universais, reconhecendo que elas constituem a suprema realidade. Porém, em vez de colocá-las em um mundo trans

o conceito do direito

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cendente, considera-as imanentes nos objectos particulares. Aristóteles não admite, pois, a separação das ideias dos fenó menos, ou seja, das coisas particulares, nas quais elas se encorporam. Em tomo a estas duas posições surgiu mais tarde, durante a Idade Média, a célebre disputa escolástica dos universais. Seriam estes, como o queria Platão, ante rem, ou como o queria Aristóteles, m ref Na disputa muito se afadigaram as mentes dos escolásticos, que por ela foram conduzidos a representar Platão e Aristóteles como adversários, exa gerando a diferença entre as respectivas doutrinas. Na ver dade, ambos sustentam a realidade objectiva das ideias uni versais, sendo, neste sentido, realista\s e idealistas. Isso não impede que se distinga, levando em conta as diferenças já assinaladas, o realismo platónico do realismo aristotélico. A propósito, recordaremos, como representante do primeiro, Anselmo de Aosta, e do segundo, Alberto Magno e S. Tomás de Aquino. Mas a este realismo, qualquer que seja a sua forma, opõem-se directamente a doutrina nominalista (principalmente representada pelo francês Roceslino e por Guilherme d’Ockam), que afirmava não terem os conceitos outra existência que a das palavras, e só serem reais as coisas particulares e sensíveis (universalia sunt nomina, unmersalia post rem). Distinto do nominalismo, mas coincidindo com este no tocante à negação da existência extrasubjectiva dos universais, é o conceitualismo. Iniciado por Abelardo, resume-se, em subs tância, em uma doutrina psicológica, que pretende explicar a formação dos conceitos na mente subjectiva. Segundo esta dou trina, os conceitos seriam o reflexo mental ou a síntese a pos teriori das coisas sensíveis. Abstraindo do posterior desenvolvimento da questão, refe rimo-nos aqui somente à crítica de kant, para a qual todo o problema do conhecimento, e portanto também o problema dos universais, assumiu um novo significado, kant distinguiu niti damente um problema genético e um problema gnoseológico,

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e, considerando como secundário o primeiro, o da origem dos conceitos, dedicou a máxima atenção ao segundo problema: o do valor dos conceitos. Kant, portanto, distinguiu os ele mentos do conhecimento, dispondo-os arquitectonicamente, segundo uma espécie de ordem hierárquica, atendendo à res pectiva função e valor; e demonstrou que alguns elementos do conhecimento são necessários e a priori. Ou seja: não derivam da experiência, pois são as condições que tomam possível qual quer experiência. Se esta, particular e contingente por natu reza, não os pode fornecer, não produz noções universais e necessárias, só nos resta admitir que estas existem em nós implicitamente e são, numa palavra, a priori. Mas isto não exclui, por outro lado, que as noções universais, na ordem genética ou psicológica, se revelem pouco a pouco e se aclarem com um desenvolvimento gradual por via da experiência. Com efeito, a questão da origem dos conceitos em nada é prejudi cada com isso, pois a relação de aprioridade de que se fala, é lógica e não temporal. Eis aqui, dum modo geral, o significado da crítica kantiana. Teve ela o mérito de corrigir o inatismo antigo, segundo o qual as ideias inatas deviam estar sempre presentes na nossa mente. Para Kant, os elementos necessários e a priori não são aqueles que psicologicamente aparecem antes dos outros; são, antes, aqueles que denotam valor universal na ordem lógica e cons tituem as condições e os limites da experiência possível. Já Leibniz, antes de Kant, observara com justeza: «devemos apoderar-nos também das nossas ideias inatas». Quer dizer: devemos gradualmente aclarar certas noções que nos são implí citas, que são imanentes ao nosso espírito e que, portanto, um processo ulterior nos permite reconhecer como já existentes em nós. Aplicando estes princípios à matéria do Direito, diremos ser a noção universal do Direito anterior — logicamente, enten da-se— à experiência jurídica, aos fenómenos jurídicos singu lares. A experiência consiste em uma aplicação ou verificação


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daquela forma; é, pois, relativamente a esta, um consecutivum. Uma proposição só é jurídica na medida em que participar da forma lógica (universal) do Direito. Fora desta forma, indife rente ao conteúdo, nenhuma experiência jurídica é possível. Sem ela, falta a qualidade que permite adscrevê-la a esta espécie de experiência. A forma lógica do Direito é um dado a priori — ou seja, não empírico— e constitui, precisamente, a con dição da experiência jurídica em geral. Análise do conceito do Direito O Direito como critério estimotivo do operar. A acção humana e os teus elementos

Consideremos agora em que consiste, rigorosamente, a forma lógica do Direito, ou seja, o seu conceito. A primeira observação que desde logo nos ilumina sobre a natureza deste conceito, é que ele se refere apenas às acções, ao operar. Não podemos pensar nos predicados do justo ou do injusto, do direito ou do torto, sem os aplicarmos a uma actividade. Aos puros fenómenos naturais repugnam tais atributos, como, por exem plo, aos fenómenos astronómicos ou atmosféricos; estes são estranhos à forma lógica do Direito, a qual, para eles, carece de sentido. Mas, antes de irmos mais adiante, temos de esclarecer a palavra «acção». Que coisa é acção? Ê facto da natureza que é, simultaneamente, um facto da vontade. Quer dizer: é um fenó meno atribuído a um sujeito. Consta a acção de dois elementos: um, extrínseco — manifestação Objectiva, realidade pertencente ao mundo físico; o outro intrínseco— entidade psíquica, inten ção, estado de ânimo, afirmação da vontade. Um fenómeno só é acção quando emana de um sujeito, quando exprime uma acti vidade voluntária do mesmo, um seu comportamento. Qualquer acção é, portanto, interna e externa ao mesmo tempo; ambos os elementos são essenciais e simultâneos entre

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si. Impropriamente disse J. Stuart Mill que a acção é a suces são de duas coisas: uma deliberação e um facto; na verdade, porém, os dois elementos estão conexos e compenetrados. Se imaginarmos uma deliberação existente por si, que preceda no tempo um outro facto, teremos já na deliberação, uma acção: pois a formação de um propósito, que leva um certo tempo, constitui, por si mesma, uma actividade, um compor tamento, um dispêndio de energias físicas. O mesmo se pode dizer, por exemplo, da solução mental dada por alguém a problema matemático. Não é aceitável, por isso, a distinção entre «acção externa», e «acção interna»; ou, pelo menos, muito relativo e subordinado é o valor que lhe devemos reconhecer. Não se concebe a acção exclusivamente interna; por exemplo: um acto mental sem correlação com o mundo exterior, ou seja, sem um substrato corpóreo, somático. E isto é assim, dado o paralelismo entre o mundo físico e o psíquico. Também não é exacta a afirmação de que as chamadas «acções internas» tenham por característica própria e diferen cial a mcognoscibüidade. Na realidade, também elas podem manifestar-se e exteriorizar-se de vários modos. O facto de serem mais ou menos ocultas ou ostensivas não pode servir de base a uma distinção; também uma acção externa —um homi cídio, por exemplo— pode ficar oculta, não se transformando, por isso, em acção interna. Por outro lado, não pode conceber-se uma acção exclusi vamente externa, destituída de qualquer significado psíquico; pois, se o elemento psíquico faltasse, encontrar-nos-íamos em frente de um fenómeno físico e não de uma acção. Têm grande importância, sem dúvida, mesmo para o Direito, a avaliação dos motivos determinantes de uma acção, o grau de consciência e de vontade com que a mesma foi praticada. Mas o Direito, por sua vez, é também competente para avaliar todas as acções, mesmo se forem actos de sujeitos em quem seja defeituoso o elemento psíquico. A escassez ou imperfeição do elemento psíquico poderá servir para excluir certas conse-

O CONCETTO DO DIREITO

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quências dos actos praticados; por exemplo, para excluir a punibilidade, que é só uma das suas possíveis qualificações jurídicas. Mas uma acção pode ser classificada juridicamente (como lícita ou ilícita), mesmo independentemente da sua puni bilidade. Por exemplo: os actos de um demente não são puní veis de maneira alguma; mas são lícitos ou ilícitos; e se são ilícitos, são já por isso, juridicamente, de impedir. A estima tiva jurídica, mesmo neste caso tem um significado e um efeito prático. E então é preciso concluir que, como não existem acções absolutamente externas, assim também não existem acções que por defeito de coeficientes psíquicos devem ser totalmente excluídas da consideração jurídica. As chamadas acções internas e externas

Muitas vezes se afirma, todavia, desinteressar-se o Direito dos motivos, isto é do aspecto psíquico do operar, das acções internas. Além da impropriedade desta locução, posta em plena luz pelas considerações precedentes, inaceitável é a tese segundo a qual os elementos psíquicos seriam indiferentes ao Direito. Aceitá4a, equivaleria, na verdade, a afirmar que o Direito não considera as acções humanas na sua integridade. Na medida em que avalia as acções, deve necessariamente o Direito levar em conta os motivos que as determinaram e ficaram a enfor má-las. Nunca a contemplação do aspecto psíquico destas acções foi aliás desprezado pelo Direito e, com o progresso deste, esse aspecto tem-se até intensificado. Nos tempos mais remotos, atendeu-se aos motivos, embora de modo grosseiro ou tosco; acordada e esclarecida, pouco a pouco, a consciência jurídica, cada vez é maior a importância que se lhes atribui, e mais rigo rosa a distinção que se faz das suas diversas espécies. Para dar algum exemplo do que afirmamos, 'bastará recordar que a consideração da intenção foi sempre reconhecida mais neces sária no campo do Direito penal. Já de muito longe vem a máxima: «/» maJeficiis voluntas sped anda, nan exitus» (Dig.,

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xvLin, 8 fr. 14; cfr. Dig., l, 17, fr. 79: «Nau ex evmtu duntaxat, sed consilio quoque»). Para demonstrar, com outros exemplos, a importância atribuída ao elemento psíquico neste campo, lembraremos a característica figura jurídica do crime preterintencional, que precisamente se baseia no confronto do elemento psíquico com o físico. Analogamente no direito civil: o princípio geral em matéria de interpretação dos contratos manda atender à intenção dos contraentes e dá-lhe prevalência sobre a letra dos pactos. (In conventionibus contrdhentium vóluntatem potius quam verba spectari placuit. — Dig. L. 16, fr. 219; Cód. civ. Ital. de 1865, art. 1131; idem de 1942, art. 1362; C. civ. Port, de 1867 art. 684). Sobre a consideração do animus (animus rem sibi habendi, etc.) baseiam-se também a teoria da posse e a dis tinção dos seus vários graus (simples, legítima, de boa fé). De tudo isto se pode concluir, por conseguinte, que no âmbito do Direito, em maior ou menor escala, sempre se atendeu à intenção que inspirou o acto e nele se realizou. Os partidários da teoria por nós combatida — a teoria de que o Direito não se ocupa dos actos «internos» ou do pensa mento— evocam com frequência a máxima formulada por Ulpiano: cogitationis poenam nemo patitur (ninguém é punível por um pensamento). Mas significa a impunibilidade o mesmo que indiferença ou inexistência para o Direito ? Não, certamente. A pena não passa de sanção particular que, em determinados casos, acompanha urna proibição. Ora, não sendo proibidos os actos de pensar em geral, tão-pouco poderão ser puníveis: o que não é proibido, é juridicamente lícito. E os actos de pensar correspondem a actos juridicamente lícitos, a uma acti vidade conforme ao Direito — e não a qualquer coisa de indi ferente ou de estranho ao Direito. Eis porque tais actos cons tituem o objecto de um genuíno direito de liberdade, que se traduz pela exigência do respeito para com o pensar alheio, e de uma tutela, no caso de lesão efectiva ou eminente. Mas con vém recordar que a liberdade, tanto a de pensamento como a


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da manifestação deste, nem sempre foi reconhecida absoluta mente pelo Direito em todos os tempos. De facto, tern sido e pode ser sujeita a limitações jurídicas mais menos graves; mas isto prova da maneira mais evidente que a actividade psíquica foi sempre, de qualquer modo, reconhecida e nunca ignorada pelo Direito. A fim de ficar completa a nossa crítica às referidas dou trinas, averiguaremos agora como nasceu o erro que lhes está na origem. Como foi possível que filósofos profundos e de grande autoridade chegassem a considerar o pensamento como sujeito unicamente à legislação moral e não jurídica? Só obteremos a resposta a esta pergunta se atentarmos no intuito político e prático que se tinham proposto os referidos filósofos. Tratava-se então, efectivamente, de reivindicar a liberdade do pensamento como princípio jurídico; e para pro pugnar este postulado, deu-se ao mesmo aquela forma aparen temente negativa: o Direito deve ser (é-o por sua natureza) estranho, indiferente à actividade do pensamento. Porém, uma consideração atenta das obras dos filósofos em causa —entre os quais destacaremos Spinoza, Tomásio e Kant — mostra-nos que os conceitos realmente sustentados são diferentes dos apa rentemente enunciados. O intuito real era o de provocar uma modificação do regime jurídico no sentido de se ver reconhecida como direito individual a liberdade do pensamento. Ambicionava-se, pois, impedir o Estado de exercer o seu poder coercitivo sobre as persuasões íntimas dos sujeitos, assegurando aos cidadãos aquela esfera de liberdade até ali contestada e, sobretudo, violada por per seguições de ordem religiosa. Tratava-se, pois, de aumentar o património jurídico indi vidual em face das prerrogativas do poder público. A discussão deste tema permanecia assim dentro do âmbito do Direito: pois, efectivamente, não se discutia se a actividade do pensa mento estava dentro ou fora do campo do Direito, mas se constituía um lícito ou ilícito jurídico. Só na aparência, e para

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efeitos práticos, fora a questão colocada como se se tratasse de separar teoricamente o Direito da moral. Na realidade, desejara-se provocar apenas uma deslocação na liniha divisória entre Direito e torto. Esta interpretação é, aliás, confirmada por uma simples Observação. Se os motivos internos, do ânimo, estivessem subtraídos, por natureza e necessariamente, à consideração jurídica, ficariam destituídas de significado as lutas trava das durante séculos para a reivindicação da liberdade do pen samento; e o mesmo sucederia às doutrinas filosóficas conce bidas em conexão com as referidas lutas. De facto, para que tentar impor um limite à acção proibitiva do Estado, e acon selhar este a respeitar e garantir a Uberdade de consciência, se lhe não fosse possível atentar contra esta liberdade por meios jurídicos? Verdade é, porém, ser a liberdade violável fisica mente; e, por isso, o Direito deve ocupar-se dela, quer para a negar, quer para a afirmar parcial ou totalmente. Em qualquer das hipóteses, a intervenção reguladora do Direito é sempre real e efectiva. Como conclusão do exposto, é de rejeitar portanto a opinião de que o Direito tem uma esfera de aplicação mais restrita do que a moral, e limitada só a um aspecto do operar. Entre Direito e moral não existem diferenças quantitativas, mas ape nas qualitativas. Ambos consideram todas as acções. Simples mente, como veremos, em pontos de vista diferentes. Direito e força

Estabelecido isto, podemos progredir agora na nossa aná lise. Se o Direito traça uma distinção entre as acções possíveis, separando as justas (lícitas) das injustas (ilícitas), o critério jurídico deve conter um elemento diferencial que permita esta distinção. Portanto, ao fundamento de um juízo desta espécie não pode ser inerente —por incompatibilidade lógica— um carácter comum a todas as acções. Fica assim evidente que


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o critério jurídico não pode identificar-se com a possibilidade física do agir, ou seja, com a força que, como condição de qualquer fenómeno, se encontra necessariamente em qualquer acção. O conceito do Direito pertence à categoria dos valores: não se confunde com o facto, com a existência física mas é-lhe superior e, como tal, super-ordena-a. Ser conforme ao Direito significa qualquer coisa mais e diversa do que existir ou poder fisicamente existir: o critério jurídico é um critério super-existencial. O acontecer de uma acção prova só que ela é fisicamente possível, mas deixa imprejudicada a questão acerca da sua possibilidade jurídica. Logicamente, o facto subordina-se ao Direito; e o Direito traça uma graduação de valores. A verdade do Direito, portanto, não depende da sua efec tivação, da sua verificação na ordem fenoménioa. O Direito subsiste logicamente mesmo quando violado. O pretenso direito do mais forte

Do exposto segue-se que «o Direito da força» ou «do mais forte» é uma expressão destituída de sentido, muitas vezes usada (também por ironia) para sustentar a inexistência do Direito. Na verdade, se se disser que o Direito é iguaJl à força, no mesmo passo se destrói a possibilidade de se fazer qualquer distinção entre Direito e torto, e, portanto, de qualquer apre ciação da justiça ou da injustiça. Os filósofos que tal identi dade sustentaram, pretenderam negar o Direito, ou de um modo geral, ou relativamente a certa fase ou período histórico. Assim, a teoria formulada (a que Platão se refere) pelo sofista Callicles: «é justo que o mais forte domine o mais fraco» (Gorgias, 483 d), e analogamente a teoria do sofista Trasimaco : «o justo é aquilo que convém ao mais forte» (República, 338 c), têm um significado puramente negativo, pois equiva lem a dizer que o Direito não tem por si mesmo nenhum fun damento. Teoria semelhante foi por Hobbes e por Spinoza

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defendida para o estado de natureza. Segundo ambos estes autores, o Direito tinha a mesma extensão que o poder físico de cada um. Desta sorte, desejou-se sublinhar que o conceito do Direito só receberá verdadeira aplicação quando cessar o estado de natureza e começar o estado de sociedade; fora deste não existiria diferença alguma entre o justo e o injusto. No fundo, pois, estes filósofos, em vez de afirmadores do direito natural, são seus negadores; e como tais os vemos rigorosamente classificados em algumas antigas histórias da Filosofia do Direito. Também recentemente se tem afirmado (Ihering, por exem plo) terem sido, em remotas idades, Direito e Força equiva lentes. O distinto significado que no mundo moderno tem o Direito, seria o resultado final de um largo processo evolu tivo. No entanto, mesmo admitindo que o exercício da força tivesse tido, principalmente na antiguidade, papel importante na afirmação do Direito, inegável é que se a força foi julgada justa e legítima, o foi apenas enquanto referida a um princípio ao qual estava logicamente subordinada e do qual tirava o seu valor jurídico. Se a força ou violência valessem por si, independentemente de qualquer critério de legitimidade, é evi dente que não teria nenhuma razão de ser o conceito do Direito. Nós podemos conceber muito bem, por hipótese, a ausência completa do Direito. Mas se o Direito existe, ele terá de ser (logicamente) superior à Força. A simples possibilidade física de um facto não pode, só de per si, significar conformidade a um critério jurídico. Le! física e lei jurídica

Conduzem estas observações a esclarecer os diferentes sen tidos da palavra lei. Tais sentidos divergem, consoante esta se refere ao mundo físico ou ao mundo jurídico. A lei física, como síntese de uma realidade da experiência, exprime só


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o que é, o que acontece; necessariamente corresponde a toda a realidade. Bastaria que um único facto a contradissesse, para perder o valor e natureza de lei. A lei jurídica, essa, não recebe a sua verdade dos fenómenos, pois não exprime (como a lei moral) aquilo que é, mas aquilo que deve ser. E já se observou justamente que o facto de uma lei jurídica ser violada imprime à mesma maior realce, contribui para que mais profundamente se sinta a sua verdade, em um sentido puramente ideal. A lesão do Direito dá-nos a sensação aguda da verdadeira natureza do mesmo, pois é precisamente nesse caso que o facto físico da violência se contrapõe ao Direito, sem conseguir destruí-lo ou diminuí-lo. Direito e torto

São interdependentes e complementares as noções de Direito

e de Torto. Por muito que pareça extraordinário, o Direito é essencialmente violável — e existe por graça da sua violabilidade. Se fosse impossível o torto, desnecessário seria o Direito. 0 sentido desta violabilidade assenta precisamente na necessi dade de distinguir entre as acções justas e as injustas; de con trário, seria dispensável a norma do operar. Houve já quem sustentasse que a noção de torto antecede a noção de Direito, do ius. Schopenhauer, por exemplo, afir mou que só a noção da injustiça era positiva. A esta noção se juntará depois, como sua negação, a noção da Justiça ou do Direito. Schopenhauer afirmou assim que a noção verdadeira mente positiva é a de injustiça; a esta seguir-se-ia depois, como sua negação, a noção da justiça e do Direito. Mas nisto, certa mente, excedeu-se, ao ponto de converter uma verdade em para logismo. É verdade que não se pode conceber o Direito, senão em correlação com o seu contrário: o torto. P D- 2 3

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Mas o afirmado vale igualmente em sentido inverso: sem o Direito, inconcebível é o torto. Se é verdade que o Direito nega o torto, não o é menos que este nega aquele. Mas a antí tese implica uma coordenação. Nenhum esforço de dialéctica poderá superar esta necessidade lógica que nos impede de ante por a noção do torto à noção do Direito; pois, se assim não fosse, teríamos de ficar com o absurdo, que consiste na violação de um Direito inexistente. Sem dúvida, a perturbação de certa situação de facto poderá actuar como estímulo para quem nela se encontrava e, sacudido pela dor ou pelo dano, adquirir subitamente a consciência de um direito ainda não reconhecido. No entanto, para que semelhante perturbação mereça ser con siderada torto, no sentido jurídico da palavra, é preciso que se verifique o reconhecimento citado. É pois absurdo falar de precedências com relação a noções que são por própria natureza correlativas. Na realidade, a determinação do torto e do Direito são concomitantes, pois constituem, logicamente, uma só e a mesma coisa. O mesmo juízo, a mesma linha lógica levam-nos, pois, a distinguir o Direito do torto e a contrapô-los entre si. Podemos concluir esta parte da nossa investigação, resu mindo assim os seus resultados: o Direito exprime sempre Verdades metafísicas, e não Verdades físicas. Por outras pala vras: representa uma Verdade superior à realidade dos fenó menos, um modelo ideal que tende a impor-se a esta realidade. Em resumo: um princípio de valoração. E mais: um princípio de valoração prática, porque se refere ao operar, às acções. Indicamos deste modo o género próximo do Direito, mas não ainda a sua diferença específica, a qual aliás é também necessária para lhe completar a definição (definito fit per genus proximum et differentiam specificam). Devemos, pois, pergun tar agora: existe só esta forma de avaliação prática, ou exis tem ainda outras? Veremos como são possíveis duas espécies, e só duas, de valoração do operar: a jurídica e a moral.


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Relações entre Direito e Moral Sistema ético e suas partes: moral e direito

Podemos conceber a actividade humana como regulada por normas de natureza diversa. De facto, em cada época histórica depara-se-nos um sistema normativo complexo, em cuja com posição entram normas de várias espécies. No entanto, cada sistema tem urna certa unidade fundamental, enquanto as nor mas que regulam o operar de um determinado grupo de homens, num certo momento, devem ser, não obstante todas as diversidades, coerentes e não contraditórias entre si. Importa, pois, ver como do mesmo princípio podem logicamente deduzir-se normas de espécie diferente. Antes do mais, temos de supor como dado um certo prin cípio ético — tomando esta expressão, porém, no seu sentido lato. Isto é: um princípio que seja proposto como tipo do operar, uma ideia segundo a qual a actividade deva ser regu lada. Semelhante ideia tem carácter deontológico: vale como modelo, ainda e sobretudo se contrariada pelos factos. Qualquer princípio ético se desdobra em duas ordens de valoração, porque os actos que se trata de valorar podem ser considerados por dois aspectos distintos. Em primeiro lugar, os actos humanos poderão ser considerados relativamente ao sujeito activo deles. Entre as várias acções praticáveis por este, uma só será conforme ao requerido pelo princípio e todas as outras excluídas, por não serem compatíveis com a pri meira, no mesmo sujeito. Como é evidente, a escolha das acções a praticar e a exclusão das outras que seriam fisicamente possíveis no lugar das escolhidas, efectua-se no campo subjec tivo. Aplicado nesta forma o princípio ético, este estabelece uma ordem de necessidade, positiva ou negativa, que é precisa mente o dever (moral). A antítese dá-se, no caso, entre aquilo que se deve fazer e aquilo que não se deve fazer. Porém, ambos estes termos se referem ao mesmo sujeito.

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Podemos, porém, considerar por outro aspecto as acções humanas. Qualquer acção poderá também ser comparada com outras acções possíveis do mesmo sujeito, como vimos; mas pode igualmente ser confrontada corn as acções dos outros sujeitos. Neste caso, o confronto efectua-se à luz de uma con sideração objectiva do operar. E, por isso, em correspondência com a natureza diversa dos termos desta outra relação, variará também a forma das normas da conduta. Desenha-se agora com outro perfil a relação de incompatibilidade entre acção e acção, diferente da da valoração moral. Ao passo que, para a apreciação moral, a interferência é considerada subjectiva mente, aqui é determinada objectivamente: à acção já não se contrapõe uma omissão do próprio sujeito, mas um justo impe dimento posto à acção por parte dos outros sujeitos. A deli mitação da esfera da actuação está, neste caso, referida à actividade de vários sujeitos. Se afirmarmos que, neste sentido objectivo, uma dada acção se conforma com o princípio ético, afirmaremos simultaneamente que da parte dos outros não deverá vir nenhuma acção incompatível com ela. O permitido a determinado sujeito não deve ser impedido por outro sujeito. Desta sorte, o princípio ético tende a instituir uma coordenação objectiva do operar, manifestando-se por uma série correla tiva de possibilidades e de impossibüidades de conteúdo com respeito a vários sujeitos. Esta coordenação ética objectiva é o campo do Direito. Do mesmo princípio, segundo o seu diverso modo de apli cação, derivam duas espécies fundamentais de valoração do operar: as categorias éticas da Moral e do Direito. O costume • os vários espécies de normas

Devemos agora notar que nenhuma outra forma de valo ração do operar é possível além das duas formas indicadas. As acções humanas ou são consideradas a parte subjecti —e estamos no campo da moral— ou a parte óbjecti — e esta-


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mos no campo do Direito. Entre estes dois termos não há um terceiro: tertium non datur. Todas as tentativas de modificar esta classificação bipartida são falazes. É verdade que a realidade empírica, na sua concreta exis tência, ao lado das duas formas da Moral e do Direito, com variado conteúdo histórico, oferece outros fenómenos em que também se reflecte, por assim dizer, a apreciação ética ou deontológica, sem que assuma nitidamente carácter moral ou jurídico. Encontra-se, frequentemente, nas sociedades huma nas também um sentimento da obrigação, enraizado nas cons ciências subjectivas, e ainda, dum modo não bem definido, nos centros de organização social, do qual nasce uma certa exigi bilidade, embora incerta e imperfeita, da parte dos outros. Este fenómeno surpreende-se tipicamente nas eras primitivas, quando domina o chamado costume indistinto, no qual a Moral e o Direito se acham, de certo modo, confundidos. Mais tarde, mesmo depois de verificada a diferenciação entre ambos, per manece no meio social uma zona cinzenta ocupada por aqueles deveres cuja índole é parcialmente moral e parcialmente jurí dica. Todavia, isto não significa que devamos admitir uma ter ceira forma de apreciação ética, ao lado das da moral e do Direito, visto que o facto da obrigatoriedade não pode deixar de ser subjectivo ou objectivo, ou melhor, intersubjectivo. Reco nhecendo no mundo empírico uma oscilação entre estes dois termos, nem por isso devemos abandoná-los como se fossem insuficientes: precisamente pelo facto de serem os mesmos, logicamente fixos e bem definidos, é que se toma possível o fluir das manifestações intermediárias. O costume, mais que uma espécie própria de normas, indica o facto da observância die qualquer espécie de normas. Não existem dúvidas de que as normas jurídicas positivas são também costumeiras, como dizia Vico; isto é, normas tra duzidas em costumes. O mesmo acontece aos preceitos morais, na medida em que foram consagrados e são efectivamente

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seguidos. Aqueles que do costume fazem normas sui generis não chegam a formular dele verdadeira definição. De uma única base aparente recebe a sua doutrina apoio: o facto de na realidade actuarem normas mal definidas, cuja natureza moral ou jurídica ainda se não acusou decididamente. Neste sentido, considerado o costume como o reflexo das avaliações deontológicas ainda indistintas, pode admitir-se a sua exis tência como algo de particular; porém, sem prejuízo da bipar tição fundamental da Ética, incontroversamente demonstrada a priori; e sem esquecer, por outro lado, que não só as normas mistas ou indistintas mas também as normas morais ou jurí dicas perfeitamente definidas, encontram repercussão e actua lidade no costume, enquanto são realmente seguidas. Nesta ordem de ideias, mesmo as normas da conveniência, da decência, da etiqueta, da cortesia, do decorum —como foi já definido por Tomásio, por exemplo — não são, rigorosa mente falando, espécies autónomas, correspondendo apenas a critérios particulares que, como tais, entram necessariamente em uma das duas categorias indicadas. A maior parte dessas normas, com efeito, bem vistas as coisas, são apenas partes secundárias ou subespécies da Moral e, enquanto no costume se reflectem, precisamente da moral positiva. O facto de tais normas serem de menor importância que outras dentro da mesma moral não significa que tenham uma natureza lógica diferente. Também o Direito compreende normas de maior ou menor importância, que são todavia igualmente jurídicas. Pode também constituir fundamento de determinações do operar a Religião, ou seja aquele complexo de crenças de ordem e sentido ultraterreno, de extraordinário e indiscutível valor tanto para a consciência individual como para a vida dos povos. Porém, apesar desse seu fundamento específico, nem por isso deixará esse sistema de continuar a ser constituído por determinações morais ou jurídicas. Na verdade, não pode regu lar-se o comportamento de quem quer que seja mesmo partindo


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de um Ser Divino, senão adoptando a forma de um dever relati vamente a um sujeito ou nas relações entre vários sujeitos: por outras palavras, a forma da Moral e do Direito. Normas Éticas (morais e jurídicas) e Normas Técnicas

Das normas jurídicas, assim como das normas morais — ambas igualmente imperativas, embora a sua aplicação de penda da existência de certos elementos de facto — distin guem-se as normas ou regras técnicas, que possuem natureza completamente diversa. Tais regras técnicas limitam-se a indi car que, para se atingir determinado fim, necessário é agir de certo modo. Nada dizem, contudo, quanto ao dever de agir ou deixar de agir assim, ou quanto à licitude ou ilicitude do fim proposto. Amplíssimo é, por isso, o campo destas regras; pode mesmo dizer-se que é tão vasto como o campo do saber humano. Qualquer conhecimento científico pode converter-se, efectivamente, em regra técnica. Uma vez verificado o nexo causal entre o facto-causa e o facto-efeito (é este o procedi mento típico da ciência), é logo possível deduzir a regra, de harmonia com a qual, para se atingir o dito efeito se terá de pôr em acção a citada causa. O domínio destas regras fica, porém, fora do domínio tanto do Direito como da Moral, visto que fica precisamente por demonstrar se o propor-se tal efeito, como fim do operar, é ou não conforme às normas éticas. Convém advertir que já Kant, na Fundamentação da Meta física dos Costumes, efectuou a distinção entre imperativo hipotético e imperativo categórico, e, ao fazê-la, não preten deu atribuir à primeira expressão o significado de obrigação subordinada a uma condição, ou seja, de um dever só válido em certas circunstâncias. Quis somente indicar uma relação entre meio e fim, deixando de tocar o problema do valor ético que possam ter o propor-se o referido fim e a acção necessária à sua consecução. A concepção kantiana corresponde precisa mente ao conceito, de regra ou norma técnica que enunciamos.

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O imperativo hipotético, em sentido kantiano, ou regra técnica, prescinde inteiramente da bondade ou licitude de qual quer acção; e se ainda, algumas vezes, uma regra técnica é considerada boa, esta bondade não deve entender-se no sentido moral, mas apenas como sinónimo de idóneo ou eficaz com relação a um almejado fim (*9). Assim, por exemplo, nós fala mos de uma boa espingarda querendo com esta expressão afirmar que tal arma serve bem ao fim daquele que dela se queira servir. Todavia o referido fim pode ser ilícito e conde nável. O próprio Kant esclarece toda a dúvida a este respeito quando chama aos imperativos hipotéticos imperativos de habi lidade, e acrescenta: «Não se cura de saber se o fim é razoá vel e bom, mas tão só o que é necessário fazer para o con seguir. Os preceitos que o médico terá de observar para curar o doente e os preceitos que o envenenador terá de respeitar para atingir o seu objectivo de matar alguém, denotam, em si mesmos considerados, idêntico valor, no sentido que terão de ser necessariamente observados, para que estas intenções tão diversas se realizem». Não se pode desejar maior clareza, e foi certamente um equívoco que levou os teóricos do Direito a confundir a doutrina kantiana do imperativo hipotético com a doutrina do carácter condicional e, diga-se também, embora noutro sentido, hipotético, próprio das normas jurídicas. E verdade que as normas técnicas frequentemente se rela cionam com as normas morais e jurídicas, quase se confun dindo, aparentemente, com elas. Quando um fim, que por uma norma técnica não pode ser considerado senão como uma hipó tese (se se quer atingir um certo efeito, é preciso actuar em um certo modo) é considerado por uma norma ética como obri gatório (seja na forma moral, seja na forma jurídica), a norma técnica passa a assumir como que um certo carácter ético. Tal é o caso, por exemplo, das normas higiénicas que, enquanto indicam os efeitos de certas acções e circunstâncias sobre a saúde do corpo, assumem propriamente um significado ético, desde que se conceba como um dever o zelar a saúde. O carác-


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ter de dever não pode, porém, deduzir-se do simples nexo causal em que consiste e se esgota a norma técnica; o dever só pode ter o seu fundamento numa ordem de valores. Assim, dadas certas condições — por exemplo, perigo para a Pátria — pode acontecer que a Moral e o Direito exijam o abandono das regras de higiene, mesmo com o prejuízo da saúde, para que seja possível atingir fim mais alto e mais premente. A coin cidência que frequentemente se observa entre os preceitos da ética e os da higiene, não deve portanto levar-nos a confundir a diferente natureza lógica das mesmas. Nas relações sociais, a observância de certas regras téc nicas nas diversas profissões e ofícios é, frequentemente, con teúdo de normas éticas e jurídicas. Sabe-se que a Moral manda, dum modo geral, dedicar estudo e sincero esforço a tudo o que fazemos, e condena a preguiça, a inconstância e a negli gência; sabe-se que impõe, também dum modo geral, um certo respeito pelos sentimentos e gostos do nosso próximo; sabe-se que a técnica da linguagem, da poesia, da arte, etc., fixa no procedimento a ter-se nestas matérias, determinadas regras; ora o violar por ignorância e desatenção estas últimas, como as anteriores normas e deveres, é indiscutivelmente —falando de uma maneira geral— repreensível por contrário também à moral. Quem, por exemplo, comete erros gramaticais no falar ou no escrever ou não observa na poesia as regras métricas, ou realiza mal um qualquer trabalho ao qual se dedique, fica sujeito a repreensão não só no ponto de vista técnico mas tam bém no ponto de vista moral. No entanto, convém evitar con fusões: a apreciação técnica é diferente da apreciação ética. Que estas apreciações, atendendo à respectiva índole, são diver sas, prova-o o facto de que, em caso algum, a simples trans gressão de uma regra técnica implica necessariamente uma condenação moral. Para que esta espécie de juízo intervenha, preciso é atender a todos os elementos que constituem a per sonalidade do sujeito: às suas possibilidades e às suas intenções

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no caso concreto em que se encontrava. Ninguém se lembrará, certamente, de repreender a criança que, seguindo ingénuo pendor estético, esboça desenhos com desrespeito pelas regras da arte de desenhar; ninguém, ainda, condenará o acto daquele que, apesar de imperito em natação, se lançou à água para salvar quem nela estava prestes a afogar-se. Não é condenável, em geral, a contravenção de regras técnicas, quando esta con travenção for o único meio para manifestar, ainda que de modo imperfeito, uma intenção que pode ser nobilíssima. No tocante particularmente ao Direito, há a notar que a observância das regras técnicas se presume habitualmente, sobretudo no campo das relações contratuais. Se alguém enco menda a um escultor uma estátua, ou entrega a um engenheiro a construção de uma ponte, a um advogado a defesa de uma causa, pressupõe logo que aquele com quem contrata, ao cum prir a prestação, ou ao satisfazer a obrigação, respeitará as regras técnicas da sua arte ou profissão. Estas regras tornam-se, assim, um elemento constitutivo do contrato; e se as respec tivas regras técnicas forem violadas pelo artista ou profissio nal, o outro contraente poderá justamente considerá-lo respon sável. Neste campo, pois, verifica-se também uma efectiva inter ferência entre as regras técnicas e as normas jurídicas. Mas aqui é também necessário observar que as duas espécies de normas são intrinsecamente diferentes. Por si, as normas técni cas não são propriamente obrigatórias; à face do Direito, ne nhuma falta comete o escultor que para si esculpisse uma estátua péssima; ou o engenheiro que construísse para seu uso e sobre curso de água de sua propriedade, ponte insegura; ou o advo gado que, fazendo valer em juízo um seu direito de crédito, ignorasse os princípios mais elementares do direito processual, etc. Contudo a obrigatoriedade é elemento das normas técnicas, não pela sua própria natureza, mas quando a actividade cor respondente às mesmas se toma conteúdo de uma redação con tratual, de modo que outros podem exigir a sua observância.


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Definição de Direito

As estimativas jurídicas implicam sempre, como dissemos, uma referência intersübjectiva ou transsubjectiva. Aquilo que a um sujeito é juridicamente permitido, é-lhe permitido em face dos outros; a faculdade jurídica consiste em uma faculdade de exigir algo dos outros. Eis o motivo pelo qual as avaliações morais são subjectivas ou unilaterais, ao passo que as jurídicas se apresentam constantemente como objectivas e bilaterais. A norma ética, enquanto norma moral, tem por destinatário o próprio sujeito; isto é, o que ela preceitua dirige-se só àquele que deve actuar. Mesmo no caso de o comportamento do sujeito a quem se dirige, ter efeito sobre o comportamento dos outros (pense-se no dever da esmola em certas circunstâncias), estes, contudo, não recebem dela nenhuma indicação acerca da pró pria conduta. Mas as determinações do operar, em sentido jurí dico, enquanto normas jurídicas, contêm sempre determinações bilaterais e concatenadas. Enquanto criam uma possibilidade a um sujeito, aos outros impõem uma necessidade; ao poder fazer do primeiro corresponde o dever de se abster dos res tantes. E cada um destes termos extrai do outro sentido e eficácia. Ficam assim expostos, ainda que esquematicamente os ele mentos essenciais do conceito do Direito. Podemos agora defini-lo como sendo: a coordenação objectiva das acções pos síveis entre vários sujeitos, segundo um princípio ético que as determina, excluindo qualquer impedimento. Relações constantes e coerência entre moral e direito

Entre as duas citadas espécies de determinação ética —a subjectiva ou moral e a objectiva ou jurídica — há uma relação necessária de coerência. Entre Moral e Direito decorrem certas relações constantes que podemos determinar a priori, com a lógica necessidade.

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A relação fundamental entre ambas exprime-se na seguinte máxima: O que é dever é sempre Direito; e não pode ser dever aquilo que não for Direito. Facilmente se demonstra a verdade deste asserto, notando que, se em dado sistema, uma acção for obrigatória para certo sujeito, não deve ser possível o impedimento daquela mesma acção por parte dos outros. Se fosse legítimo o impedi-la, o sistema seria constituído por máximas incompatíveis e não valeria para dirigir o operar; não seria um sistema ético. Assim, aquilo que a respeito de um sujeito é necessário eticamente, é sempre, na ordem objec tiva, éticamente possível. Por outras palavras: cada qual tem sempre o direito de cumprir o seu dever. As observações que se pretende opor a esta máxima lógica, assentam em equívocos. Indica-se, por exemplo, casos de cons ciência nos quais o Direito proibia cumprir o próprio dever morai; outros, em que a Moral impunha actos contra o Direito. Com tais casos, porém, sucedeu realmente que se confundiram sistemas éticos diferentes. Em cada sistema ético, a certo orde namento jurídico corresponde certo ordenamento moral; entre estes dois ordenamentos existe urna coerência necessária. Se, pois, afirmarmos novo dever moral em contradição com o sis tema jurídico —por exemplo, em dada hipótese, o dever da revolução— no próprio acto em que o afirmarmos simulta neamente estabeleceremos, mesmo que só por hipótese, um novo Direito. Aquilo que é necessário, é a fortiori possível. Não pode assim afirmar-se como eticamente impossível, ou como oposto ao Direito, uma coisa que, ao mesmo tempo, se diz imposto pela moral, isto é, eticamente necessário. Por outro lado, evidente é que a máxima inversa desta, cuja demonstração fizemos, seria errada. Não pode afirmar-se que certo acto é obrigatório só porque conforme ao Direito. Direito significa não impedibilidade, possibilidade; mas da pos sibilidade não pode inferir-se, sem mais, a necessidade, como desta se pode deduzir aquela. A determinação do lícito não

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coincide com a determinação da obrigatoriedade: aquilo que Direito, não ê, só por isso, dever. Só num sentido genérico se pode tirar da determinação jurídica uma indicação acerca do dever moral. Se considerar mos todas as possibilidades éticas objectivas pertencentes a um sujeito —isto é: se considerarmos complexivamente todos os actos que ele pode praticar segundo o Direito — verificaremos que ele terá necessariamente de agir de harmonia com uma destas possibilidades. Traça o Direito a esfera dentro da qual fica compreendida a necessidade ética; mas quais, entre as acções juridicamente possíveis, moralmente são as necessárias, já o Direito o não diz. Em sentido jurídico, o dever denota precisamente, e só, o limite das possibilidades de cada um, ultrapassado o qual se chocará com a legítima oposição dos outros. Deduz-se daí que o Direito não é, de per si, suficiente para dirigir o operar, mas deve ser integrado pela moral. Advirta-se que as relações entre Moral e Direito são tão estreitas e categóricas, que uma e outro têm necessariamente o mesmo grau de verdade, o mesmo valor. À moral e ao Direito devemos logicamente atribuir as mesmas características de aibsolutidade ou de relatividade, de naturalidade ou de arbitrária invenção. Sob este aspecto, impossível é qualquer contradição ou disparidade entre eles, pois à Moral e ao Direito corres pondem normas do operar que, por terem fundamento único, se implicam e integram reciprocamente. São ilusórias, e, por conseguinte, deverão ser rectificadas todas as afirmações em contrário. Foi já dito, por exemplo, que a Moral é absoluta e invariável, ao passo que o Direito é relativo e variável. Trata-se de um equívoco. Para o desfazer, bastará pensar que também existe, ao lado do Direito rela tivo e variável, uma Moral relativa e variável: a moralidade positiva. Mas, se depois de admitirmos isto, aceitarmos, como não podemos deixar de o fazer, que acima desta moral rela tiva e variável, condicionada historicamente como o direito positivo, existe um princípio moral absolutamente transcen é

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dente, uma Moral imutável e absoluta, teremos consequente mente de aceitar um Direito absoluto e invariável, que lhe é correlativo: pelo menos, o direito de cumprir aquele dever absoluto. Verifica-se assim uma conexão incindível entre as duas categorias, que correspondem a duas valorações para lelas do operar. Quem admitir um direito natural —ou seja: um sistema de exigências jurídicas baseadas na humana natu reza— implicitamente admitirá uma série correspondente de deveres naturais; quem negar a existência do direito natural, terá de, se quiser ser consequente, chegar a uma análoga conclusão negativa relativamente à moralidade e ao dever.

O problema da distinção entre Moral e Direito

Antes de seguirmos adiante, indicando mais particular mente os caracteres diferenciais entre Moral e Direito — o que nos será fácil, a partir dos princípios fixados — achamos con veniente dedicar breve exposição de carácter histórico a estes dois conceitos. O problema das relações entre a Moral e o Direito, um dos mais importantes termos de que se ocupa a Filosofia do Direito, chamou sempre a atenção dos teóricos e constitui, por isso, revelador ponto de comparação entre os vários sistemas. Alguém disse já dele que era o «cabo Horn da ciência jurídica» — o que equivale a dá-lo como escolho perigoso, contra o qual muitos sistemas têm naufragado. De facto, a distinção entre Moral e Direito efectuou-se muito lentamente. Nas fases primitivas da vida social existia um costume indistinto, composto de normas de carácter misto, com força obrigatória mal definida no tocante à sua natureza moral ou jurídica. Durante estas fases, não é 'bem claro se as normas reguladoras da actividade humana têm carácter subjec tivo ou objectivo; nem tão pouco é claro até que ponto, por quem e por que formas, se pode ou deve exigir a sua observancia. A tradição, o costume atávico envolvem o indivíduo


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com toda a sua grande autoridade, acompanham-no em toda a sua vida; Moral, Direito, Religião surgem aí englobados. A pouco e pouco, o Direito assume caracteres diferenciais próprios. Na civilização grega, contudo, ainda se encontra par cialmente confundido com a Moral. Não nos deixou a Grécia teorias rigorosas sobre os caracteres específicos das normas jurídicas. Ainda nos grandes pensadores —Platão, por exem plo — procurar-se-ia em vão uma nítida distinção entre o Direito e as outras partes da Ética. Característico é, por exemplo, tanto em Platão como nos restantes autores gregos, o facto de a Justiça ser sempre considerada só pelo aspecto subjectivo, como virtude, embora como a mais alta das virtudes. O Estado, para os gregos, tinha um fim ético a cumprir, mas não tanto jurí dico como educativo. As normas emanadas do Estado —o direito positivo— são ainda principalmente entendidas como conselhos para o recto viver, para se atingir a felicidade, jun tamente com as normas morais. Em Roma, o Direito chegou a desenvolver-se positivamente corn uma fisionomia própria, distinta da Moral. No entanto, também aí não encontramos uma teoria explícita sobre as dife renças entre Moral e Direito. Muito se tem discutido —e a discussão ainda se encontra em aberto— se os romanos terão chegado verdadeiramente ao ponto de formularem uma noção científica das relações entre a Moral e o Direito. Alguns têm-se mostrado propensos a uma resposta negativa, já pelo facto atrás apontado da falta de uma teoria completa e expressa, já porque os juristas romanos quando tocam em geral este assunto dizem amiúde coisas inexactas. Assim, por exemplo, entre os preceitos jurídicos achamos o honeste vivere, que é antes um preceito moral. Celso define o Direito como Ars boni et aequi, quando bonum et cequum não são tanto conceitos jurídicos como morais. Todavia, não deve exagerar-se o alcance destas fórmulas genéricas, acaso propositadamente muito latas. Nós não temos dúvida de que os romanos tiveram um conceito ou, pelo menos, uma exacta intuição dos limites do Direito. Na ver-

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dade, essa concepção e essa consciência surpreendem-se a cada passo nas seguiras aplicações práticas da lei e, por vezes até, em algumas expressões teóricas. Paulo legou-nos a distinção: Non omne quod licet honestum est (Nem tudo o que é juridi camente lícito é conforme à Moral). Os romanos conheceram sempre na ordem dos factos a natureza específica do Direito, muito embora nunca se tivessem dedicado a traçar, ex pro fesso, a sua distinção teórica da Moral. Uma teoria precisa de semelhante distinção não se encon tra nem na Patrística nem ainda na Escolástica. Sob a influên cia destas doutrinas, deu-se o fenómeno inverso do que se veri ficou na Grécia. Ali o Direito estava absorvido pela moral e tinha assumido caracteres e formas morais; agora, a moral, por sua vez, assume formas jurídicas, é quase legalizada. O Di reito é concebido como a norma universal do operar, de sorte que abrange a Moral. No âmbito do Direito formulam-se certas distinções (direito humano e direito divino; direito estricto e direito equitativo; direito imperfeito e direito perfeito), que de algum modo ocupam o lugar da distinção entre a Moral e o Direito. É preciso chegarmos a uma época relativamente recente para encontrarmos uma teoria genuína desta distinção. Cristla.no Tomásio, no ano de 1750, foi o primeiro a encarar deci sivamente o problema, muito embora fosse levado a isso por um intuito que devemos classificar de político. No momento em que escreveu, impunha-se limitar a esfera da actividade do Estado, reivindicando uma esfera própria da liberdade indi vidual, especialmente a liberdade de pensamento ou de cons ciência. Partindo destas exigências de ordem prática é que Tomásio foi induzido a formular a teoria, segundo a qual o Direito é incompetente para assuntos respeitantes ao pensa mento, à consciência, e à religião. Esta formulação teórica serviu praticamente mas deslocou, em parte, os verdadeiros termos do problema. Para Tomásio, a moral respeitava apenas ao forum internum, à vida interior; o direito, ao forum exter-


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num, à vida exterior. Daqui resultava que a moral não é coercível, ao passo que o Direito é coercível. Apesar dos muitos defeitos, esta teoria continha germinalmente todos os elementos para traçar uma verdadeira dis tinção entre Moral e Direito. Tomásio intuiu e fixou o ponto capital: a Moral respeita sobretudo à consciência subjectiva; o Direito refere-se ao ordenamento objectivo da convivência. Eis porque as suas doutrinas foram seguidas, depois, por outros escritores — inclusivamente por Kant, de quem não se pode afirmar que as tivesse substancialmente modificado ou melho rado. O próprio Kant cometeu o erro de exagerar o aspecto da exterioridade do Direito (isto é, reduziu-o apenas ao aspecto externo do operar), e não nos demonstrou de maneira exacta o fundamento dos seus caracteres. A separação do Direito da moral, afirmada por Tomásio e Kant, foi levada ao extremo pelo grande discípulo de Kant, J. A. Fichte. Este (na primeira fase do seu pensamento) cavou quase um abismo entre as duas partes da Ética, e julgou surpreender uma insanável contradição entre os princípios enformadores de cada uma delas. E isto porque o Direito permite actos que a Moral repudia; por exemplo: as leis consentem que o credor possa tratar tão desapiedadamente o seu devedor que chegue ao extremo de o reduzir à miséria, etc. A este extremo atingido por Fichte, seguiu-se depois uma reacção nos escritores que se ocuparam do problema: a ten dência a reaproximar o Direito da Moral, já demasiada e radi calmente separados. Procura-se sobretudo indicar os pontos comuns, a unidade do princípio e do fundamento (vide nesse sentido a obra de Trendelenburg, o Direito natural sobre a base da Êtica, e a obra de Ahrens). Neste sentido, foi-se tão longe, que algumas vezes se perderam de vista os caracteres distintivos já postos em evidência. Nos nossos tempos têm sido levantadas objecções contra todos os caracteres diferen ciais entre Moral e Direito (inclusive o da coercibilidade) até quase se recair na confusão primitiva. P D-14

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Dedução dos caracteres diferenciais

Resumida assim a história desta vexata quaestio, pas semos a sistematizar os princípios essenciais da doutrina com mais alguns esclarecimentos. Antes do mais, não nos devemos esquecer do seguinte: Direito e Moral, sendo ambos normas do operar, devem ter um «fundamento comum». Dado que a actividade humana é uma só, segue-se que as regras que a determinam, devem ser coerentes entre si, entre si não contra ditórias. Entre o Direito e a Moral, se há distinção, não há separação ou contraste. Sem dúvida, o Direito permite muitos actos que a Moral proíbe. Mas isso não implica contradição. Esta só existiria se o Direito impusesse o que a Moral proíbe. Tal contradição, no mesmo sistema, é todavia impossível: nem por necessidade lógica tal acontece nem pode acontecer. O Di reito consente certa latitude e, por sua natureza, admite possi bilidades; consente em muitas acções, das quais só uma será conforme ao dever moral. O Direito traça uma esfera que é por ele protegida, visto que a sua função é precisamente a de garantir e tutelar. Em consequência de tal função, ser conforme ao Direito equivale a ser não impedível; jamais a ser conforme a lei moral. O que esta lei prescreve como devido é sempre per mitido pelo Direito, isto é, juridicamente lícito. Basta isto (como já Observava Vanni) para excluir a contradição assi nalada por alguns, como Fichte. Deve também rejeitar-se a ideia de que o Direito considera o homem apenas corno ser físico e a Moral como ser espiritual. A verdade é que ambas as categorias éticas abrangem o homem na sua integridade, simultaneamente física e espiritual. Como insustentável temos igualmente ainda a tese daque les que como Schopenhauer, atribuem ao Direito carácter puramente negativo, reduzindo-o ao neminem Icedere, e à Moral carácter afirmativo. A verdade, também aqui, é outra: a acti vidade humana é regulada juridicamente por preceitos que não só impõem abstenções, mas acções de carácter positivo. Lem-


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bremo-nos, por exemplo, do dever dos progenitores de sustentar e educar a prole, das obrigações de assistência, das prestações de alimentos a parentes até certo grau, etc. Mesmo no sector do direito público se nos deparam deveres deste tipo, cujo cum primento se traduz em prestações determinadas do indivíduo ao Estado (impostos, serviço militar, etc.). Por outro lado, a Moral compreende preceitos negativos, pois não só prescreve actos positivos como outros de sinal negativo (por exemplo, o dever de temperança). A distinção entre Direito e Moral não pode assentar, por conseguinte, nesta base pouco segura. A verdadeira distinção funda-se na diferente posição lógica das duas categorias. A moral impõe ao sujeito uma escolha entre as acções que pode praticar; mas refere-se só ao pró prio sujeito. Assim, leva a confrontar entre si actos diversos do mesmo sujeito. Coisa diferente se passa com o Direito: este leva a confrontar entre si actos diversos de vários sujeitos. Semelhante nota diferencial fica suficientemente descrita se dissermos que a Moral é unilateral e o Direito bilateral. De facto, o Direito coloca face-a-face, pelo menos, dois sujeitos; e a am bos fornece a norma de conduta, no sentido de que «aquilo que é possível para uma parte não pode ser impedido pela outra». Possibilidade envolve sempre pretensão, exigência. O valer perante os outros, em vez de elemento superveniente ou suple mentar, antes corresponde à própria essência lógica do Direito. A moral indica um dever, cuja observância poderá eventual mente ter efeito para outras pessoas além da do agente, mas não dá normas às mesmas. O comportamento destas não é por ela definido, e só a determinação do comportamento do sujeito entra no seu conteúdo. A norma define tão só o comportamento daquele que deverá cumprir o dever por ela estabelecido. Com o Direito já não é assim. Na esfera por ele regida, o comportamento de um sujeito é sempre considerado em rela ção ao comportamento de outro. De um lado, impõe-se uma obrigação; do outro, atribui-se uma faculdade ou pretensão. Mas, com esta imposição e com esta pretensão, em vez de coisas

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distintas, temos uma só determinação jurídica que, conjunta mente, fixa a obrigação de um sujeito e a pretensão de outro. Podemos afirmar que o conceito da bilateralidade é a pedra angular do edifício jurídico. Eis o motivo pelo qual todas as escolas filosóficas nunca deixaram de o tomar em linha de conta. S. Tomás de Aquino, Rosmini e outros, por exemplo, falam da alteridade do Direito. Com esta palavra querem signi ficar que o Direito se refere ao outro (ad alter), uma vez que tende a estabelecer relação entre vários sujeitos e a delimitar a conduta de cada um deles. A palavra é mutio expressiva. Mas o conceito, aliás, deriva de Aristóteles. Também Dante, na sua definição famosa «Ius est realis ac personalis homini ad proportio, quce servata societatem servat, corrupta corrumpit», sublinhou esta característica com a expressão hominis ad hominem. Uma simples observação ainda acerca das diferentes posi ções lógicas do Direito e da Moral. Qualquer pessoa cuida ser óptimo juiz de si mesmo em questões de Moral e dos outros em questões de Direito. O juízo moral pressupõe um ponto de vista orientado para o interior; o Direito, um ponto de vista orientado para o exterior. Julgar da moralidade dos outros só é possível quando nos colocamos idealmente, e quase artificial mente, dentro da consciência alheia que se considera; coisa certamente nada fácil. Por outro lado, julgar do próprio Direito só é possível na medida em que nos colocamos, de certo modo, fora de nós — ou seja: na medida em que conseguirmos olhar para nós mesmos objectivamente; e isto também não é fácil. Daí o conhecido adágio: Nemo iudex in causa propria. Em resumo, podemos dizer que o Direito constitui a Êtica objectiva e a Moral a Êtica subjectiva. Desta diferente posição lógica resultam todos os outros caracteres diferenciais. Antes de mais nada, na valoração das acções verifica-se que o Direito parte do aspecto exterior (físico), enquanto que a Moral parte do aspecto interior (psí quico). O critério moral exerce-se, desta forma, em sentido


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oposto ao jurídico, porque na consciência subjectiva dá-se o encontro ou interferência entre as diversas possibilidades do operar, uma das quais deve ser escolhida pelo sujeito. O Direito, pelo contrário, tende a estabelecer uma ordem objectiva de coexistência; este deve, por isso, ser relativo sobretudo ao aspecto exterior das acções, porque no campo externo ou físico dá-se a interferência, o encontro entre o comportamento de vários sujeitos, nascendo daí a exigência da limitação. Mas as apreciações jurídicas passam rapidamente do aspecto exterior ao aspecto interior ou psíquico, pois que sem atentar nele jamais poderão conhecer-se integralmente as acções. Analo gamente, as apreciações morais não se limitam a tomar em consideração o elemento psíquico, a intenção, o motivo do operar, mas procuram ainda compreender a efectivação deles, ou seja, o acto físico. Tratasse, pois, apenas de um ponto de partida predominante, nunca de uma consideração exclusiva. Fica sem pre o mesmo o objecto da apreciação: a acção humana na sua integridade. Seria absurdo considerar o Direito corno incompe tente na esfera psíquica, como já o observámos a propósito das chamadas «acções internas». Desta fundamental diferença deduz-se também a caracte rística da coercibilidade, que é privativa do Direito. A coercibilidade, ou seja, a possibilidade de constranger alguém a cum prir, deriva da natureza do Direito, que pretende ser um limite, uma fronteira na actividade de vários sujeitos. A passagem deste limite por uma parte, implica para a outra a possibilidade de repelir a invasão. Próprio da norma jurídica, ao invés da norma moral, é o instituir uma relação bilateral, em virtude da qual à obrigação do sujeito correspondente sempre a faculdade de outro sujeito a pretender a observância da obrigação. Se um deles viola ou transgride esta obrigação, o outro tem a possi bilidade de repelir a violação. Entende-se, porém, que se trata de possibilidade jurídica; de facto, pode também não se exercer a reacção. Disto teremos ocasião de nos ocupar quando nos referirmos ao Direito em sentido objectivo.

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No facto de o Direito ser coercível, ao contrário da Moral, alguns quiseram ver uma maior perfeição do Direito. Os deve res jurídicos, segundo esta opinião, seriam perfeitos, uma vez que se tomariam exigíveis pela força; os morais seriam imper feitos, pois, se não fossem espontaneamente cumpridos, não se poderia obter pela coacção externa o seu cumprimento. O facto sobre o qual se funda esta opinião é verdadeiro, mas inexacta a iliação que dele se pretende tirar. Tanto o Direito como a Moral têm sanções próprias e portanto ambos são per feitos, cada um no seu modo. Se a coercibilidade é uma sanção própria do Direito, a Moral tem outras sanções: antes de mais nada, o sentimento do remorso, que surge depois da transgres são do dever moral; depois a sanção da opinião pública, a qual, no fundo, é ainda o reflexo daquele mesmo ren orso da cons ciência individual. Outro carácter diferencial que semelhantemente se deduz da posição lógica diversa das duas categorias éticas, consiste em o Direito ser mais definido do que a Moral. Se o Direito é uma linha limítrofe, deve ser precisamente determinado ou determinável. A moral, porém, vive principalmente na cons ciência individual; na consciência social apresenta-se como qual quer coisa de amorfo ou no estado difuso (conforme a expres são de Vanni) e não precisa de ser formulada em códigos e leis, como o Direito. Acontece, por isso, que os elementos essen ciais da Ética adquirem consistência jurídica; os não essenciais, porém, permanecem na forma moral que pode ser mais vaga, mais indefinida. Devido a este carácter afirmou-se (Jellinek e outros) que o Direito é o mínimo ético, isto é, aquele mínimo de Ética estritamente indispensável à convivência social (!7)Outros, como Petrone, dizem que o Direito é «o precipitado histórico da Moral ou da Justiça». Se nós desejássemos usar de uma metáfora, diríamos antes que o Direito é a coluna ver tebral do corpo social ou do organismo ético. Mais simples mente, pode dizer-se também que o Direito é aquela parte da


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Ética que estabelece as bases da coexistência de muitos indiví duos; onde falta o Direito, não se pode sequer conceber uma. sociedade: Ubi societas, ibi ms. E como, por outro lado, úbi homo ibi societas, podemos concluir: ubi homo ibi jus.

O direito em sentido objectivo

Distinção entre o direito objectivo e direito subjectivo

Chegados a este ponto, útil é aclarar os dois significados distintos da palavra Direito. Esses dois significados são estrei tamente conexos entre si. Direito é, como vimos, por essência, uma delimitação, uma coordenação objectiva das acções de vários sujeitos, uma norma de convivência ou de coexistência. Efeito da norma jurídica, é o de atribuir a um sujeito uma exigência ou pretensão contra outro sujeito, sobre quem impende, por isso mesmo, uma obri gação, ou seja, um dever jurídico. Mas à pretensão atribuída pelo Direito, chama-se também «direito». O significado da pala vra não é o mesmo em ambos os casos: pois, no primeiro, cor responde à norma da coexistência —ou direito em sentido objectivo; no segundo caso, corresponde à faculdade de pre tender— ou direito em sentido subjectivo. O duplo aspecto já fora notado pelos romanos, para quem o ius compreendia uma norma agendi e uma facultas agendi. Advirta-se que a norma agendi é também norma moral. De modo que, entendida esta fórmula como definição do Direito, seria manifestamente incompleta. O mesmo se pode dizer da outra fórmula, a «facul tas agendi», a qual, se não é errónea, é insuficiente (a força física também é uma facultas agendi). A ambos os conceitos que, em última análise, se reduzem a um só, é oportuno dedicar um exame sumário quanto aos seus elementos constitutivos.

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Caracteres do direito objectivo

Próprios do direito objectivo —ou seja: da norma jurí dica — são os seguintes caracteres: bilateralidade, generalidade, imperatividade e coercibüidade. Já nos explicamos acerca da bilateralidade. A característica da generalidade não é, em rigor, essencial. De facto, pode muito bem conceber-se uma norma jurídica estaJbelecida para uma dada relação individualmente determi nada. Mas isso verifica-se só em casos raríssimos, excepcionais (assim, por exemplo, a recente Constituição italiana dispõe que «aos ex-reis da Casa de Saboia, às suas mulheres e aos seus descendentes masculinos são proibidos o ingresso e a estadia no território nacional»). Na maioria dos casos, e segundo a sua própria natureza, a norma jurídica é geral; isto é: procede por abstracção, por fixação de tipos; atende a um número indefi nido de pessoas, não a pessoas determinadas; a uma relação comum a muitas, não a uma relação individualmente conside rada. Como escreveu Ulpiano iura non in singulas personas, sed generaliter constituuntur. (Dig. I, 3 fr. 8). Devido a esta sua característica, a norma jurídica deverá atender ao que na vida acontece com mais frequência — quod plerumque fit— ao que corresponde ao curso ordinário das coisas. O Direito forma uma espécie de média, uma classe gené rica, fundando-se sobre os caracteres uniformes e prescindindo das singularidades específicas. O contrário se dá na realidade concreta, onde tudo é diverso, onde cada facto novo se compõe de elementos próprios que o distinguem de outro qualquer facto, ainda quando aparentemente semelhante. Em qualquer individualidade, mesmo na das coisas, há sempre algo de inde finível, de inefável, como diziam os escolásticos; e é precisa mente isto o que constitui a individualidade do caso. Rigoro samente falando, não existem em concreto dois testamentos ou dois contratos idênticos, se atendermos às circunstâncias; e no próprio mundo físico, onde mais frequentes são as seme


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lhanças e menos domina a individualidade, conhecido é que não há duas gotas de água, duas folhas de árvore que sejam absolutamente iguais. Contudo diante desta imensa variedade, o Direito põe os seus esquemas, as suas categorias, que devem compreender em modo uniforme uma série inteira de casos. O Direito procede por meio de determinações que, algumas vezes, têm natureza mecânica, sem poder levar em consideração as concretas circunstâncias da relação de vida individual (lem bremo-nos, por exemplo, da maioridade, dos prazos de pres crição, etc.). A norma depara-se-nos como a premissa maior de um silogismo e o caso particular como a premissa menor, à qual ela deverá ser aplicada. Tudo isto, apesar dos seus inconvenientes, constitui uma necessidade. A norma jurídica, chamada a servir de base à regu lamentação das relações futuras, só pode ser estabelecida de modo 'genérico. A norma deve anteceder o caso; e se o deve anteceder, deve necessariamente prescindir de todos os elemen tos acidentais que acompanharão, de vez em quando, o caso nela previsto. Daqui o poder afirma-se que a segurança do ordenamento jurídico tem como condição a rigidez abstracta da norma jurídica. O problema da interpretação. Função da equidade e dos princípios gerais do Direito

O carácter genérico do Direito dá aso, porém, a que surja, a propósito da sua aplicação, uma dificuldade grave e contínua. Dada a norma jurídica, não foi dada com ela a solução dos casos que a vida pode apresentar. A fim de levar a norma jurídica abstracta a aderir à realidade concreta, toma-se neces sário todo um trabalho especial de aplicação que deve fazer-se todas as vezes. A justa aplicação da norma requer do intéprete a desco berta do significado intrínseco, que ele não fique parado ante a letra da lei, mas que lhe colha o sentido próprio; o espírito.

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Convém advertir que o significado próprio da norma é fre quentemente superior às intenções dos homens que a formu laram. Ao elaborar uma norma, impossível é prever todas as aplicações que da mesma se fará. Errado seria, por isso, enten der o significado da norma como se este estivesse limitado pela intenção dos seus autores. Basta verificar que os conflitos nas cidos em consequência das mais recentes invenções (a electri cidade e a aviação por exemplo) podem ser resolvidos, e são, de facto, de harmonia com princípios de direito romano. Do mesmo modo, o conceito de liberdade individual, já elaborado pelas escolas jusnaturalistas, encontra novas aplicações, nas novas formas de actividade não previstas por quem o concebeu e formulou, nas novas formas de actividade que modernos inven tos tomaram possíveis, como, por exemplo, a imprensa. Desta sorte os princípios jurídicos possuem logicamente um valor e uma eficiência, frequentemente nem sequer previsíveis no mo mento da sua primeira formulação. Ora o jurista, assim como deve aprofundar a norma, a fim de tirar dela tudo o que nela virtualmente se contém, assim também deve ir até ao fundo do caso concreto a que a norma se aplicará. Em cada caso concreto, o jurista deverá separar aquilo que é essencial ou juridicamente relevante, daquilo que o não é; neste campo devem o seu senso jurídico e a sua argúcia ser exercitados. Com a aplicação puramente mecânica degeneraria o Direito, acarretando consigo as mais absurdas consequências, como já os romanos advertiram na sua máxima: Summum ius, summa iniuria. Por isso, torna-se necessário o uso da equidade. Na Êtica a Nicómaco, Aristóteles concebe a equidade (èmeíxEia) como um correctivo da generalidade da lei; isíto é, como uma espécie de justiça melhor que a legal, porque esta, dada a sua generalidade, não pode adequar-se perfeitamente a todos os casos possíveis (88). No acto de aplicação deve a norma adaptar-se, moldar-se às sinuosidades do caso; deve ser como a famosa régua usada nas construções lésbicas, citada


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também por Aristóteles, a qual, sendo feita de matéria muito dúctil, podia até medir os objectos de contornos irregularíssimos. A equidade não quer a infracção da norma, mas a sua adaptação às diversas circunstâncias de facto, pois só assim satisfará o seu fim e a sua função. Além disso, sempre que fal tar norma aplicável, surgirá, em nome da equidade, a exigên cia imposta ao juiz de estabelecer uma nova norma, adequada ao caso não previsto pelo legislador. Uma certa latitude no prudente arbítrio do juiz foi sempre reconhecida. Esta latitude foi 'grande, especialmente entre os romanos; o pretor romano, de certo modo, foi também um pouco legislador, tendo cooperado directamente na determi nação de normas jurídicas que ele mesmo devia aplicar. Esta belecida a distinção entre poder legislativo e poder judiciário, surgiu certa repulsa em dar ao juiz aquela faculdade. Ao juiz, porém, fica sempre, sem dúvida, uma certa liberdade que tam bém lhe é deferida, algumas vezes expressamente, pela lei, a qual, dentro de certos limites, remete para a sua apreciação. Até no Direito penal, onde especialmente o juiz é Obrigado a rigorosamente confinar-se à lei, lhe é deixada uma certa mar gem, a fim de poder medir e aplicar a pena em função da dife rente gravidade dos delitos, levando em conta as circunstâncias particulares. Note-se, pois, que, se faltar norma reguladora de certa relação, deve o juiz recorrer —excepto se a hipótese for de direito ,penal, subordinado ao princípio da nulla, poena sine lege— à interpretação analógica e, sendo esta impossível, por falta de normas aplicáveis por analogia, aos princípios gerais de Direito. E a propósito desta interpretação e deste recurso aos princípios gerais que o critério da equidade mostra toda a sua eficácia, podendo actuar benéfica e amplamente, pois, aqui, trata-se de determinar, por intuição directa, colhida no exame do caso concreto, a norma que se lhe deve aplicar, ou seja, a norma pedida pela própria natureza das coisas.

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O dever de recorrer à analogia e, no caso de ser preciso, aos princípios gerais de Direito, sempre que a controvérsia não possa ser resolvida com a aplicação do preceito expresso na lei, resulta para o juiz, no sistema de direito italiano, do artigo 3.° das disposições preliminares do Código Civil de 1865 («Sobre a 'publicação, interpretação e aplicação das leis em geral»), No Código Civil de 1942, o qual, neste ponto, marca um retrocesso, substitui-se a fórmula «princípios gerais de Direito» por esta outra, assaz menos própria: «princípios gerais do ordenamento jurídico do Estado». (Disposições sobre a lei, em geral, artigo 12.°). Em caso algum, porém, o juiz poderá denegar justiça, a pretexto de silêncio, obscuridade, contradição ou insuficiência da lei. Para cada caso deve haver uma norma; se esta não foi expressamente formulada pelo legislador, cum pre ao juiz achá-la com a ajuda dos meios já indicados. Muito se discutiu já, e continua-se a discutir, acerca do significado preciso da expressão: «princípios gerais de Direito». No entender de alguns, trata-se dos princípios que mediante um processo de generalização, em substância não diferente da analogia, se podem extrair das normas já existentes. Mas con tra esta maneira de ver pode observar-se, antes de mais nada, com referência aos artigos de lei antes citados, que os princí pios gerais são invocados precisamente para os casos que não se podem resolver pelo recurso à analogia. Na realidade, é completamente erróneo supor que a analogia é susceptível de estender-se indefinidamente ou que a generalização das normas existentes bastará para se encontrar um critério em todos os casos. A verdade é, precisamente, o contrário: a fonte inexau rível do Direito é constituída pela natureza das coisas, tal como esta pode ser apreciada pela nossa razão. A esta fonte, que uma tradição muitas vezes milenária chama direito natural, teve o legislador italiano a intenção de se referir, entendendo por princípios gerais de direito os meios cujo emprego permitiria suprir as deficiências inevitáveis das suas prescrições positi vas. A fórmula consagrada pelo novo código é, não só impre


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cisa, mas também inexacta, se por ela se dever presumir que as normas jurídicas positivas contemplam todos os casos pos síveis. E certamente é supérflua, se por ela se dever entender que em caso algum aquelas normas deverão ser desmentidas pela sentença do juiz. Embora engenhosamente, já se tentou sustentar que todo o sistema jurídico é completo, ou seja, isento de lacunas, pois seria sempre possível, com base nas normas existentes, argu mentar a contrario para os casos não previstos. Mas a argu mentação a contrario, se pode servir para certas matérias (por exemplo, em direito penal, onde não é permitida a analo gia), é, pelo contrário insuficiente para outras matérias onde o juiz pode e deve encontrar sempre uma norma para disci plinar qualquer relação, fixando o limite do lícito e do ilícito. Neste caso, porém, o critério não pode ser puramente negativo. E mais conforme à verdade o admitir que em todo o sistema jurídico existem lacunas (por exemplo, pode recor dar-se que no Direito italiano faltava, até há poucos anos, qual quer norma relativa ao direito sobre a própria imagem e bem assim sobre a validade ou invalidade das chamadas cláusulas de concorrência). No entanto, o próprio sistema positivo fornece os meios de integrar as suas lacunas, ao estabelecer o recurso às fontes subsidiárias: afinal, ao direito natural ou aos princípios gerais de direito. E este recurso deve considerar-se lícito e obriga tório, ainda mesmo quando não esteja consagrado expressa mente, dada a necessidade de o juiz resolver todas as contro vérsias possíveis. Impera tividade

Característica essencial e importantíssima da norma jurí dica é também a imperatividade. Não pode conceber-se uma norma que não tenha carácter imperativo, mesmo só sob deter minadas condições. O comando (positivo ou negativo) é ele-

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mento constitutivo do conceito de Direito, pois este, como vimos, coloca sempre face-a-face dois sujeitos, a um dos quais atribui a faculdade ou pretensão, e a outro impõe o dever, a obrigação correlativa. Impor um dever significa precisamente imperar. A simples afirmação ou enunciação de facto carece, por conse guinte, de carácter jurídico. O modo indicativo falta ao Direito; se na redacção de leis e códigos é, às vezes, usado, tem, na realidade, significado imperativo. Conselhos, meras exortações, avisos caem fora do campo jurídico; em geral, as formas de imposição atenuada não têm carácter jurídico. Sem dúvida, é possível encontrar, sobretudo na legislação antiga, enunciações de facto e de opiniões que não têm natureza imperativa. Isto não nos deve induzir em erro: tais enunciações, embora materialmente insertas em textos legislativos, não têm carácter jurídico. Os livros sacros primitivos, por exemplo, contêm frequentemente uma mescla de doutrinas teoréticas, sobretudo cosmogónicas, de narrações várias e de normas do operar, entre as quais há também normas jurídicas. Nas fontes romanas encontramos ainda alguns relatos históricos. Como exemplo de afirmações teoréticas é de lembrar aquela lei, votada em uma das assembleias da Revolução francesa, em que se afirmava: «O povo francês reconhece a existência do Ser Su premo e a imortalidade da alma». (Lei do 18 floreai, do ano n — 7 de Maio de 1794). Mas semelhantes narrações ou enun ciações, destituídas de conteúdo imperativo, em nada invali dam o que se disse acerca da imperatividade da norma jurí dica, pois não têm significado jurídico, e, por conseguinte, não pertencem propriamente ao Direito apesar de ter um signi ficado moral e político. Assim, por ex.: no artigo Io. da nova Constituição da República italiana («A Itália é uma República democrática, fundada no trabalho») as palavras «fundada no trabalho» carecem de verdadeiro significado jurídico, dado que a mesma Constituição confere a plenitude de todos os direitos, incluídos os políticos, também a quem não trabalha (89).


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Classificação das normas jurídicas

Para verificarmos se, de facto, todas as normas têm carácter imperativo e, ainda, para explicarmos o modo como o imperativo se manifesta, temos de enfrentar o problema da sua classificação. Segundo Modestino, jurista romano, «legis virtus haec est: imperare, vetare, permittere, punire» (Dig. I, 3, fr. 7). Não deve entender-se esta enumeração como uma classificação autên tica. E evidente, por exemplo, que punire entra no conceito de imperare: pois a lei penal manda aplicar e, respectivamente, suportar a pena. Pode o imperativo assumir forma positiva ou negativa. Atendendo a isto, temos, desde logo, uma primeira classifi cação de normas jurídicas em perceptivas e proibitivas. Perceptivas são as normas que impõem o cumprimento de actos determinados; proibitivas aquelas que impõem a sua omissão, embora sempre correlativamente com a esfera das acções de outros sujeitos. Esta distinção, porém, não possui grande impor tância e quase se reduz ao significado filológico das palavras. 0 mesmo comando pode receber forma preceptiva ou proibitiva (positiva ou negativa). Certo é que o Direito, quando impõe determinado acto, logo proíbe conduta que com ele seja incompatível, e inversa mente. Mas importa esclarecer que o Direito não contém apenas proibições, compreende igualmente puros comando positivos, imposições do cumprimento de certos actos; isso mesmo foi já por nós indicado ao tratarmos das relações entre a Moral e o Direito. Dever positivo, no campo do Direito, é sempre o dever genérico de obediência, de subordinação ao ordenamento jurídico. Tal dever, em certos casos, como, por exemplo, o serviço militar, pode implicar o sacrifício da própria vida. Relações particula res determinadas envolvem deveres positivos que lhes são ine rentes: o dever de prestar alimentos até certo grau de paren-

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tesco; o dever de prestar assistência às pessoas feridas ou em perigo; o dever de prover ao seguro dos operários contra os desastres de trabalho; o dever dos navegantes correrem em auxílio do navio em perigo, mesmo se este for estrangeiro. O Direito, portanto, não tem carácter meramente negativo; ele comanda tanto o fazer como o não fazer; por isso, é uma norma universal do operar. Se não faltam, antes são numerosas, as normas criadoras de deveres jurídicos positivos, muitas outras, contudo, ostentam a forma da proibição, isto é: constituem obrigações de não fazer. Daí a tentativa de reduzir o Direito ao neminem laedere. O Direito reconhece certos bens da pessoa, deseja tutelá-los; para obter isso, proíbe as ofensas. Enquanto cada homem pos sui um direito à vida física, um direito à honra, a estes corres pondem determinadas proibições, em virtude das quais estão proibidos os actos lesivos da integridade material da pessoa e do seu património moral. O mesmo pode dizer-se no tocante à tutela da propriedade, etc. Nestas duas espécies de normas —as preceptivas e as proibitivas— é evidente o carácter imperativo. Já o mesmo não acontece com outras espécies. Merecem estas a nossa aten ção, já para completarmos a nossa classificação, já para reba termos as objecções deduzidas por alguns autores contra a doutrina da natureza imperativa do Direito. As duas espécies de normas examinadas são normas pri márias, autônomas; ou seja: normas que directamente expri mem uma regra obrigatória do operar. Mas as outras espécies de normas, que iremos agora examinar, são normas secundá rias; ou seja: já não são normas autónomas, mas dependentes de outras, às quais terão de ser sempre referidas, a fim de serem devidamente entendidas. Só quando se articula a norma secundária à norma primária, pode descobrir-se o que de jurí dico há no seu conteúdo. O primeiro grupo destas normas é constituído pelas normas ab-revogatárias ou ab-rogatárias, ou seja, as que têm por objec-


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tivo limitar ou destruir o efeito de outras preexistentes. A norma ab-revogatória não tem significado autónomo, pois só tem um significado enquanto se refere à norma que suprime. Ê fácil observar como as normas ab-rogatórias contêm um verdadeiro e próprio comando: elas obrigam a reconhecer abolida, nas cir cunstâncias indicadas, uma certa norma preceptiva ou proibi tiva (no todo ou em parte de seus efeitos); e, precisamente, por isso, é sempre fácil convertê-las em uma dessas normas. Portanto, também as normas ab-rogatórias participam do carác ter imperativo, próprio das determinações jurídicas em geral. Idêntico raciocínio pode fazer-se para outra classe de nor mas, as explicativas ou declarativa#, as quais contêm definições de vocábulos e de conceitos. Quando o Código civil italiano declara, por exemplo: são bens imóveis, o solo, as fontes, os cursos de água, as árvores, os edifícios, etc. (artigo 812.°, cfr. art. 408.° e seg. do de 1865); quando o código penal declara que se entendem por «parentes próximos, os ascendentes, os des cendentes, os cônjuges, os irmãos, as irmãs, etc....» (art. 307.°) — dir-se-ia que mais parece serem dicionários de explica ções filológicas do que códigos. Mas as aparentes dilucidações referem-se na realidade, a outras normas; e, uma vez referidas a estas, logo adquirem um significado de comando, o qual tem em si o próprio objecto: o de que certa palavra ou expressão deva ser tomada em sentido determinado, e não em outro. As normas explicativas constrangem, na essência, os que aplicam as leis, a atribuir certo significado a certas pala vras, embora este possa ser diverso do comum significado filo lógico (40). Tais normas poderão ser assim consideradas como repetições de fragmentos de outras normas preceptivas ou proi bitivas que reproduzem mais especificadamente. Eis porque sempre nelas transparece o carácter imperativo, embora reflexamente. A questão mais grave surge a propósito das normas ditas permissivas. Casos há em que se diria que as leás se limitam a estabelecer uma permissão, renunciando a comandar. Alguns F D- 2 5

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já afirmaram, por isso, que o Direito não é imperativo em todas as suas partes, pois compreende também normas permis sivas. Esta opinião não resiste à crítica. De per si, a permissão dispensa especial consagração pelo Direito, pois, segundo a regra geral, é juridicamente permitido o que não é juridicamente proiibido. Uma norma jurídica meramente permissiva não tem, pois, razão de ser, não é concebível de per si: só pode ter sentido em correlação com outra norma de carácter impera tivo, cuja esfera de aplicação delimite ou restrinja. Em certos casos, o legislador determina a obrigação de uma parte, mediante a atribuição à outra parte da correspon dente faculdade de pretender. Tal é, por exemplo, a situação prevista pela seguinte fórmula permissiva: «o credor pode exigir do devedor o cumprimento da obrigação aceita»; pois, substan cialmente, esta fórmula limita-se a dizer que o cumprimento é uma obrigação jurídica do devedor. Em outros casos, a norma permissiva tem o alcance de negar ou de limitar uma norma precedente. Existe uma obrigação ou uma proibição geral, mas quer-se isentar da mesma uma classe de pessoas que se acharem numa determinada condição. A isenção, conforme a fórmula permissiva, participa então da natureza imperativa, no mesmo modo que as normas obrigatórias.

fiducia, e a outra do carácter imoral e das consequências perni ciosas do jogo. Esta verdade relativamente ao significado lógico das cha madas normas permissivas é claramente confirmada pelo Direito excepcional. A este propósito, convém distinguir o ius singulare, que respeita a determinada classe de pessoas, coisas ou relações, dos privilegia ou constitutiones personates (quee personam non egrediuntur) que se referem a pessoas, coisas ou relações indi vidualmente determinadas. Nestes casos, se em qualquer destes tipos de normas, se nos depara uma permissão, esta encontra-se sempre relacionada com um comando ou uma proibição anterior de índole mais geral: a afirmação do permitido nunca é autó noma, mas só tem juridicamente um sentido, quando limita ou define, mediante a indicação de uma excepção determinada, um comando preexistente, uma Obrigação ou uma proibição anteriores. Concluindo, podemos afirmar que o carácter imperativo é próprio de todas as normas jurídicas, a todas pertencendo

Um exemplo, tirado dos casos mais característicos, escla recera melhor ainda o assunto. Quando o Código Civil italiano permite ao mandatário renunciar ao mandato por justa causa, mais não faz do que negar, relativamente àquela hipótese, o imperativo inerente à conclusão do contrato, o qual proibia a qualquer das partes a rescisão unilateral. A permissão jurí dica de não pagar o que se perdeu ao jogo pressupõe o comando jurídico genérico que impõe a obrigação de respeitar os pac tos; se nenhuma norma impusesse esta obrigação, a referida permissão seria supérflua, e nem sequer seria compreensível. Nesses casos, pois, trata-se de negações ou ab-rogações parciais derivadas, uma da natureza especial do mandato, fundado na

Trataremos agora de outra distinção das normas jurídicas que, segundo um diferente critério, costuma fazer-se: normas jurídicas taxativas e normas dispositivas. Referir-nos-emos pri meiro à doutrina comum, à qual faremos em seguida algumas críticas. As normas taxativas, igualmente chamadas normas cogenti ou ius cogens, são pela doutrina corrente descritas como aquelas que impõem um comando independentemente da vontade das partes, de sorte que não é lícito derrogá-las, quer absoluta, quer relativamente, no tocante a certo fim prosseguido por elas; a este propósito, costuma-se citar a máxima: ius publicum prt-

imediata ou mediatamente. Normas taxativas e normas dispositivas

vatorum pactis mutari nequit.

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As normas jurídicas dispositivas (jus dispositivum) são, pelo contrário, aquelas que valem só enquanto não exista uma diferente vontade das partes. Tais normas, por vezes, apre sentam-se à maneira de aclaração da vontade que as partes manifestaram incompleta ou obscuramente; chamam-se então, mais propriamente, normas interpretativas. Outras vezes, as normas dispositivas pressupõem a falta de manifestação da vontade das partes; nesse caso, recebem ainda o nome de normas supletivas. A existência destas normas permite às par tes que, ao determinarem certa relação jurídica, deixem de estipular aquelas cláusulas que se subentendem como abrangidas pelo negócio jurídico, enquanto outra coisa não haja sido por elas disposto. Aconteceu, de facto, que certas cláusulas, de tanto se tomarem tradicionais para determinados negócios jurí dicos em pactos expressos, acabaram por lhes pertencer como subentendidas. Uma das razões das normas dispositivas seria assim, precisamente, a suposta vontade das partes. Mas esta razão não é a única pois, ao fixarem-se tais normas, pode o legislador igualmente ter levado em conta a natureza intrínseca da relação e o peso dos interesses em concorrência. As normas dispositivas referem-se também, por vezes, a pontos particulares de um determinado negócio jurídico; por exemplo, nos contratos de locação vale a norma de que o locatário tem direito de sublocar a outros, a não ser que o con trato lhe proíba o uso dessa faculdade (Oód. Civ. ital. actual, art. 1594.°; idem, anterior, art. 1573.°). Outras vezes, refe rem-se a um instituto jurídico na totalidade, como, por exem plo, a sucessão legítima, a qual se abre apenas quando falta no todo ou em parte a sucessão testamentária (Cód. Civ. ital., art. 457.°; idem, Cód. ital. ant., art. 720.°). A distinção entre normas taxativas e normas dispositivas é de aceitar até certo ponto. Contudo a sua aceitação não nos deve induzir em erro quanto à natureza do Direito in genere: este é sempre imperativo, ainda mesmo no caso das chamadas normas dispositivas. O comando implícito em cada norma jurídica subor


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dina-se sempre à existência de certos elementos ou condições de facto, indicados pela mesma norma, a qual só entra preci samente em vigor quando se verificam as condições estabele cidas por ela. O imperativo jurídico é, em suma, imperativo hipotético ou condicionado: dadas certas premissas, o Direito impõe certas consequências. Ora, uma dessas premissas pode consistir em as partes não terem manifestado uma determinada vontade. Este é o caso das normas dispositivas. Mas, claro está, fixada tal premissa como condição da entrada em vigor da norma, essa fixação resulta da vontade expressa da própria norma e não de um elemento que se lhe oponha, que a anule ou diminua na sua natureza imperativa. Trata-se, repetimo-lo, de um imperativo condicionado; mas, ainda quando condicio nado, o imperativo é sempre um imperativo: vale obrigatoria mente, irrefragavelmente sempre que se verifiquem as condi ções de facto previstas por ele. Não só as chamadas normas taxativas, mas também as dispositivas, constituem rigorosamente, portanto, um ius cogens. Numa palavra: todo o Direito é coactivo enquanto ele próprio estabelece os limites da sua imperatividade e coactividade. A máxima que recordamos atrás: «o direito público não pode ser alterado por pactos privados», mantém a sua verdade, não só para este ramo do Direito como também para todos os outros. Não podem considerar-se alteração das normas dispositivas as manifestações da vontade das partes que, verificando-se no âmbito do lícito jurídico, dão lugar a situações de facto dife rentes daquela que seria necessária para se aplicarem as refe ridas normas positivas. Podemos exprimir esta verdade de outro modo: todo o direito positivo é, em certo sentido, direito público, na medida em que o elemento de carácter imperativo que também se encontra nas normas de direito privado, predomina e supera sempre a esfera abandonada ao arbítrio dos indivíduos. Seria erro, sem dúvida, tomar a distinção entre normas taxativas e dispositivas como critério de distinção entre direito

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público e direito privado. Para nos convencermos de quanto semelhante tese seria errada, bastará ter em mente que muitas normas de direito público (por exemplo, as normas de direito processual civil que estabelecem a competência territorial) pertencem ao chamado jus dispositivum, ou seja: valem apenas quando as partes não tenham convencionado outra coisa. Outras normas que se consideram de Direito privado, no entanto, não admitem convenção em contrário (por exemplo, as relativas a organização da família). Direito público e direito privado

O problema da distinção entre direito público e direito privado, a que acabamos de aludir, é ainda hoje muito discu tido. Segundo a doutrina romanista, que actualmente ainda tem partidários, «publicum ius est, quod ad statum rei romarm spectat; privatum, quod ad singulorum utilitatem pertinet». Mas o critério desta utilidade é assaz incerto. Não podem sepa rar-se, de um modo seguro e nítido, os interesses gerais dos interesses particulares; além disso, difícil é sustentar que o Direito, ao proteger os interesses privados, não tenha igual mente o intuito de assegurar a utilidade geral. Eis porque alguns autores —Dernburg, por exemplo— afirmam que ao direito público pertencem as normas que consideram principalmente o interesse geral, ou seja, o interesse do Estado, e ao direito pri vado as que respeitam principalmente ao interesse dos indi víduos. Está aqui patente, nesta fórmula, a elasticidade do critério adoptado. Encontramos outra prova da dificuldade desta matéria no facto de alguns autores admitirem ainda uma terceira cate goria, intermediária, entre o direito público e o direito privado, isto é, uma espécie de direito misto, que surgiria aí onde o interesse público se manifestasse indissoluvelmente conexo com o interesse privado, a ponto de ser difícil distinguir estes dois elementos um do outro. Seria este, por exemplo, o caso das


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normas de direito processual — normas que a doutrina predo minante inclui no direito público. Também outros autores diligenciaram fundamentar a dis tinção no conceito de património, sustentando que, enquanto o direito privado regula as relações de conteúdo patrimonial, o direito público teria por objecto interesses não económicos. Pode objectar-se contudo que não faltam elementos patrimo niais em certos ramos de direito público (como, por exemplo, no direito financeiro); e que também entram na esfera do direito privado ou civil direitos que não visam uma utilidade patri monial (por exemplo, certos direitos de família, de persona lidade, etc.). Outro critério de distinção também erróneo é o já por nós indicado e criticado a propósito da antítese entre ius cogens e ius dispositivum. O Direito, na sua qualidade de princípio imperativo da coordenação social, tem essencialmente um carácter público, que predomina mesmo nas disposições de natureza privada. Já Bacon dizia muito bem: ius privatum sub tutela iuris publici latet. Esta máxima deverá ser retida e considerada primacial. No entanto, se em sentido lato todo o direito é público, a distinção entre direito público e privado pode manter-se num sentido mais restrito, desde que se dê à distinção fundamento diverso daquele que foi proposto pelas doutrinas já indicadas até aqui. Necessário é considerar que qualquer ordenamento jurídico é constituído principalmente por normas fundamentais, assim escritas como não escritas, legislativas como costumeiras, que lhe determinam a organização e o funcionamento. Tais normas constitutivas ou fundamentais atribuem o poder de império dentro de limites e de formas determinadas, em primeiro lugar, ao ente que é o sujeito do ordenamento total (Estado) e, em seguida, aos entes menores (província, município, etc.), e tam bém aos indivíduos considerados na sua pertinência ao todo

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e no desempenho das suas funções para com o todo (por exem plo, o Direito eleitoral). Estas normas e os direitos subjectivos que delas derivam, constituem o campo do direito público propriamente dito. Este, pois, corresponde à organização da soberania, ou seja, do poder de império, fulcro e base do ordenamento jurídico, e que nas suas concretas determinações pode encarnar quer em entes colectivos quer em entes singulares. Por outro lado, em todos os sistemas há uma série de nor mas a determinar as relações dos indivíduos e dos entes, entre si, tomados não já como participantes na soberania do Estado mas como subordinados a essa soberania. Ora essas normas são de direito privado, como os direitos subjectivos delas dima nados, embora encontrem o seu pressuposto nas determinações fundamentais do direito público. Por outro lado, sabido é que tanto o Estado como os entes públicos menores podem estabelecer relações de Direito privado como as dos indivíduos. Isto é: podem agir não só na sua espe cífica qualidade, mas também como simples sujeitos de Direito, independentemente da Soberania ou do jus imperii (por exem plo, como proprietários ou credores). Nestes casos a sua par ticipação nas relações jurídicas privadas deixa inalterada a natureza das mesmas. Repare-se no desdobramento, na auto-limitação que se verifica, em tais hipóteses, na personalidade do Estado, o qual se subordina às suas próprias leis. E o que se costuma resumidamente enunciar quando se diz que tanto o Estado como os entes públicos menores possuem, a par da personalidade de direito público, uma personalidade de direito privado. Os destinatários das normas jurídicas

Outra questão teórica consiste em saber quem serão os destinatários das normas jurídicas. A quem se dirigirá a lei? Â generalidade dos cidadãos? Aos órgãos do próprio Estado?


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A tese de que as normas jurídicas têm por únicos desti natários os órgãos do Estado foi defendida por Ihering, Mayer, Binder e outros. Dela resultou1 a consequência lógica de que nenhuma obrigação emana da lei para os cidadãos. Obrigação é coisa que só impende sobre os órgãos do Estado, os quais, no caso de a lei vigente ser violada, terão de intervir com o fim de a fazerem respeitar e de obrigarem o violador a responder pelo acto praticado. Toda a gente descobre quanto de artificioso tem seme lhante tese. A obrigação de se observar a lei apresenta-se de maneira diferente, consoante se trate de órgãos do Estado ou de simples cidadãos. Contudo subsiste para todos igualmente como obrigação legai. Sem dúvida, de entre a multidão dos súbditos do Estado, alguns há que são incapazes de compreender a lei (por exem plo: as crianças, os loucos). Pergunta-se: dirigir-se-á a lei mesmo a estes? A muitos autores (Binding, Merkel, Zitelmann, Hold v. Ferneck, etc.) pareceu tal pergunta absurda, pois, no seu entender, a lei somente se dirige aos indivíduos capazes de a compreenderem e observarem. Mas embora seja claro o sentido da objecção, nem assim resiste à crítica o que ela envolve como tese limitadora. Erróneo é sobretudo pensar que a lei contemple e regule tão só o comportamento daqueles que são aptos a adquirir dela conhecimento efectivo: muitas pessoas, embora plenamente capazes, ignoram, de facto, a exis tência de numerosas leis que para elas vigoram. Em geral, a lei produz seus efeitos, não só para os indivíduos capazes, mas também para aqueles a quem a falta de capacidade acar reta ou exclui certas conseqüências jurídicas particulares; por exemplo: exclui a punibilidade, ou produz a nulidade da obri gação assumida. A distinção fundamental entre o lícito e o ilícito jurídicos aplica-se também aos incapazes. Deste prin cípio deriva, entre outras, a possibilidade de serem impedidos ou ressarcidos os actos ilícitos dos incapazes, muito embora estes não sejam puníveis. Obvio é, assim, que os incapazes

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também possuem direitos pessoais e podem ter património próprio. Daqui se conclui dever firmemente manter-se o princípio segundo o qual a lei se refere logicamente a todos os compo nentes da ordem jurídica (41). A coercibilidade do Direito

Estabelecido que o Direito (em sentido objectivo) é essen cialmente um imperativo, passemos agora a examinar o modo pelo qual este imperativo se manifesta, ou, por outras palavras, a indagar a sanção característica do Direito. O Direito é essencialmente coercível, isto é: em caso de inobservância, é possível fazê-lo valer pela força. O carácter da coercibilidade distingue as normas jurídicas das outras espé cies de normas. Semelhante carácter deduz-se da natureza lógica do Direito. Este, como já demonstrámos, contrapõe sujeito a sujeito, atribuindo a um deles uma pretensão e ao outro um dever correspondente; estabelece assim urna relação e um limite entre vários sujeitos. No caso de o limite não ser observado, resultando daí uma invasão da esfera jurídica que o Direito assinala a cada um, surge dentro da referida esfera, necessaria mente, a possibilidade de repelir a invasão. Não é concebível aqui uma solução de continuidade. Os conceitos de Direito e de coercibilidade encontram-se indissoluvelmente ligados entre si. Esta propriedade lógica do Direito, que não passou desa percebida a anteriores pensadores, foi claramente apontada por Tomásio, o qual dela se serviu para basear a sua distinção entre o Direito e Moral. Erradamente, porém, deduziu dela um título de prevalência para os deveres jurídicos, pois considerou-os perfeitos, uma vez que eram coercíveis, opondo-os aos morais que, não o sendo, careciam de perfeição. Nós já tivemos opor tunidade de criticar esta doutrina; aqui, bastará sublinhar que não se trata de uma maior perfeição do Direito, mas apenas de uma sanção especial e privativa dele. Semelhante sanção


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distingue-se das outras sanções que, dentro da espécie a que pertencem, são igualmente perfeitas e adequadas a outros deve res. Kant acolheu o conceito de coacção na sua doutrina do Direito. Nunca mais, depois dele, se rejeitou tal conceito; antes, o mesmo tem sido constante tema de estudo e de discussões ainda hoje em curso. E oportuno, porém, examinar as diversas objecções formuladas por aqueles que não julgam essencial ao Direito o carácter da coercibilidade; e isto também para melhor lhe determinar o carácter. 1) Uma primeira objecção (formulada por Trendelen burg e Ahrens) funda-se no facto de o Direito ser em geral observado espontaneamente e não com uso da força. Logo, deverão existir —, e de facto, existem—•, outros factores psi cológicos, completamente independentes da força física, devido aos quais se produz a observância da norma jurídica, pois esta, como é óbvio, não pode assentar na coacção permanente. E por tanto —concluem os que seguem este raciocínio— a coacção é anomalia, excepção; assim considerada, não pertence à essên cia do Direito e este pode ser concebido sem se atender à coacção. Por outro lado, se já hoje são relativamente pouco fre quentes os casos em que é preciso recorrer à força física, é admissível supor que os casos de observância compulsiva do Direito irão diminuindo sempre mais, com o progredir dos tempos, até desaparecerem em um estado social perfeito. Pois bem: dir-se-ia então que não existirá mais o Direito pelo facto de já não existir a coacção? Rebate-se semelhante objecção observando que, embora ver dadeiro o facto posto na base do raciocínio, o mesmo nada prova contra a tese que deseja combater. É indiscutível que, na maioria dos casos, o Direito é observado espontaneamente. A própria génese do Direito confirma este facto, dado que ele surge na forma costumeira, ou seja, mediante a repetição volun tária de um certo acto ou comportamento, ainda não imposto por um verdadeiro aparelho coercitivo. Não há recurso à coacção

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enquanto o Direito não for violado. Se imaginarmos uma socie dade em que a Justiça seja realizada com o concurso espon tâneo de todos, claro está que a ameaça de coacção não terá mais ocasião de se verificar. No entanto, quando Be afirma que o Direito é coercível, quer-se dizer que, quando o Direito for violado, é possível uma imposição coactiva. Parte-se assim da hipótese de se ter verificado uma violação. Ora, no raciocínio referido, prescinde-se precisamente de tal hipótese e por isto a objecção carece de valor. Lembremos que, dado um Direito, é sempre dada a possibilidade da sua violação; o Direito é, como vimos, por sua natureza, fisicamente violável. A norma jurídica é, por sua vez, criada em razão de uma possível violação. Frente a esta possibilidade de violação existe outra possibilidade que lhe é paralela: a possibilidade de resistência à violação, por virtude da contiguidade lógica e real das esferas jurídicas de vários sujeitos. Isto, no entanto, não impede que outros motivos superiores, propriamente éticos, em geral, actuem no sentido de evitar a violação das normas jurídicas. Em tal caso, a coer cibilidade do direito permanece virtual ou latente, do mesmo modo que a violabilidade a que se destina a fazer frente. 2) Outra objecção muito frequente baseia-se no seguinte: se o Direito não for espontaneamente observado, é difícil, senão impossível, obter essa observância pela força. A coacção chega quase sempre muito tarde a quem deliberou violar o Direito, e aquilo que está feito é, de certo modo, irreparável. (Quod factum est, infectum fieri nequit). Em abono de semelhante raciocínio, indicam-se algum casos de impotência do Direito para evitar o torto. E, em boa verdade, tais casos abundam, também pela razão já expressa pelos juristas romanos com as palavras: Nemo praecise ad factum cogi potest. (Não se pode obrigar alguém a cumprir —não querendo— um acto determinado). Se uma pessoa se obrigou, por exemplo, a rea lizar uma obra de arte e, depois, se recusa a executá-la, como constrangê-la? Se uma testemunha, à qual incumbe o dever de dizer a verdade, a cala, como se poderá obter pela força que


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cumpra o seu dever jurídico? Se o devedor for insolvente, como é que se vai fazer valer coactivamente o direito de crédito? Nestes casos, como em muitos outros, a coercibilidade perde a sua eficácia, devido a certas condições de facto. E muitos concluem daqui não se poder sustentar a tese que afirma ser o Direito essencialmente coercível. • A fim de se responder a esta objecção, convém efectuar uma distinção que não é só verbal, mas conceituai. Fala-se indistintamente, em regra, de coercibilidade e de coacção. No entanto, o primeiro destes vocábulos é o mais pertinente, uma vez que traduz a possibilidade jurídica da coacção: a coacção virtual, em potência, não em acto. Se afirmássemos que a coacção em acto é essencial ao Direito, a objecção citada, mesmo quando baseada em caso isolado, seria o bastante para destruir a teoria. Nós, porém, afirmamos uma possibilidade jurídica e não uma possibilidade fáctica. Dito de outro modo: a possi bilidade jurídica de impedir o torto, no caso de este se veri ficar. Ao referirmo-nos ao Direito in genere, afirmamos que ele sobreordena os factos e existe como valor ideal, mesmo aí onde fosse efectivamente violado. Ora, assim como o facto da violação não anula a existência do Direito, assim também o facto de a infracção, por vezes, não ser seguida pela coacção, nada prova contra a possibilidade jurídica da própria coacção. Importa, pois, distinguir duas espécies de casos: na pri meira, não podendo o Direito, por dificuldades materiais, impe dir a verificação do torto, terá de contentar-se, por assim dizer, com uma compensação, uma equivalência, um remédio suple tivo. Tal remédio ou compensação apresenta-se em duas formas típicas e gerais: o) Ressarcimento do dano (forma civil); b) Pena. Que o ressarcimento do dano pela violação do Direito tenha carácter supletivo, é evidente; que do mesmo carácter participa a pena, será também evidente, se se pensar que a pena nunca é, a rigor, um constrangimento à observância da norma, porque na hipótese a norma já foi violada. Toda a lei penal se distingue perfeitamente da norma correspondente que

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lhe é anterior (como foi demonstrado especialmente por Bin ding), ainda que seja geralmente subentendida. A lei penal supõe uma proibição e aplica-se só no caso de esta ter sido transgredida.

A outra série de casos é constituída por aqueles em que nem sequer a compensação é possível. Se, por exemplo, um artista insolvente se recusa a executar a obra de arte que pro meteu, não é possível constrangê-lo à execução, e, nem mesmo, sendo insolvente, a ressarcir o dano; se o criminoso enlouquece depois de ter cometido o delito, não pode ser punido. Pois bem: também nestes casos, posto falte o facto, fica a possibilidade jurídica. O credor, por exemplo, continua credor também ante o devedor insolvente. Tratar-se-á de um crédito virtual, poten cial, enquanto as condições do devedor não permitam executá-lo, e traduzível em acto só quando estas condições se modificarem. Isto, contudo, em nada desmente o valor ideal do Direito. Se admitíssemos o contrário —isto é: se identificássemos Direito e facto— desconheceríamos a natureza específica do Direito, que é essencialmente um sistema de valorações ideais. 3) Digna de nota é também uma outra objecção que im plica uma questão de Direito público. Se no Estado existe um poder coercitivo, —argumenta-se— o mesmo Estado que o exerce e é, enquanto tal faz, o Poder supremo, nunca poderá ser objecto de coacção. Em certo momento, pois, cessa a possibili dade de ser constrangido, para só ficar a de constranger: pois ninguém pode exercer coacção sobre si mesmo (Nullus proprie cogitur a se ipso — escreveu S. Tomás de Aquino). Em todos os sistemas há um ponto morto em que a coacção nunca opera. Daqui resultaria que, havendo uma excepção, pelo menos, à regra da coercibilidade, esta já não pode ser afirmada como sendo essencial ao Direito. Engenhosa é a argumentação, mas não convincente, como facilmente se demonstra. Não basta advertir que há, em todos os sistemas jurídicos, um ponto inatingível à coacção: é pre ciso também demonstrar que sobre tal ponto incida um direito.


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Tal direito, ou seja: um Direito contra o órgão da coacção, contra o Estado soberano, não existe, se nos referirmos (como fazem os autores da objecção) a determinado sistema positivo. Neste caso, embora se fale de «um direito», temos sempre em mente «um direito reconhecido pelo Estado», e, como tal, pro vido dos meios que o mesmo Estado oferece para se fazer valer o mesmo, no caso de violação. Ainda quando falamos de direi tos contra o Estado, pressupomos sempre o reconhecimento estadual deles; pois, sem este reconhecimento, os referidos direi tos não existem como direitos positivos. Mas uma das caracte rísticas dos modernos sistemas constitucionais consiste em tor nar possível, mediante a divisão dos poderes, certas acções judi ciárias dos cidadãos contra o Estado. Neste caso, o Estado que, por um dos seus aspectos, surge como soberano, fonte de todos os direitos e órgão da coacção, por outro aspecto, apresenta-se submetido ao império do Direito que emana dele próprio como expressão da soberania, em virtude de uma auto-limitação. E é, pois, passível de coacção. Talvez esta objecção se deva aos autores que tinham em mente a condição do Monarca no Estado constitucional. Obser vam eles que o Monarca, se tinha deveres jurídicos, era simul taneamente declarado inviolável e irresponsável, não sendo pos sível exercer sObre ele coacção jurídica. Mas à objecção res ponde-se que a irresponsabilidade do Monarca pode ser enten dida de dois modos: ou irresponsabilidade subordinada à hipó tese da observância dos referidos deveres, ou irresponsabilidade absoluta, independente da observância dos mesmos e existente ainda quando forem violados. Admitido o primeiro conceito, a coacção pode intervir no caso de transgressão; cai-se, por tanto, na regra geral; quer dizer: a exigibilidade coactiva permanece latente ou potencial, se o Direito é respeitado, mani festando-se em acto só no momento em que o Direito é violado. Admitido, pelo contrário, o segundo conceito, concluir-se-á que os deveres do Monarca poderão ser morais, políticos, religiosos, mas não jurídicos. Já alguns escritores chegaram explicita-

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mente a esta conclusão. Kant, por exemplo, afirmou que o Monarca, dentro do âmbito do Estado, não tem deveres jurí dicos alguns e que, portanto, falta a legitimidade à resistência contra ele, mesmo quando actue violando a lei. Se se partir do princípio que as normas de que resultam deveres para o Mo narca, carecem de exigibilidade coactiva, necessário é aceitar que se não trata de imperativos em sentido jurídico. Desta sorte, teremos de concluir que, em todo o caso, a citada objec ção não infirma a tese, segundo a qual onde há Direito há também coercibilidade. 4) Outra forma afim da mesma objecção é a seguinte: o indivíduo (argumenta-se) como tal não pode exercer a coac ção, pois esta compete ao Estado, contra o qual ele se encon tra desprovido de acção. Mas aqui novamente se repete, em substância, o argumento há pouco refutado. Só lhe podemos responder, por isso, de modo parecido com a nossa resposta anterior: quando se fala de Direito com referência a um sis tema jurídico positivo, já se pressupõe o reconhecimento do Estado; desta sorte, se este falta, falta também o Direito. Não se pode, portanto, apresentar o caso de aim Direito positivo existente mas desprovido de meios para obter o reconhecimento do Estado. A dificuldade apresentada é que o indivíduo não é o órgão do exercício da coacção. A isto se responde, dizendo: o facto de o Estado ter avocado a si a coacção representa um aperfeiçoamento da tutela jurídica, um seu reforço. Daqui resulta que não pode considerar-se tal facto um argumento contra a tese da essencial coercibilidade do Direito. Na essên cia, é sempre o próprio Direito que se faz valer, que coactivamente manifesta a sua eficácia. Na primeira fase da evolução jurídica, o indivíduo faz justiça com as suas próprias mãos, de per si, assistido pelo grupo familiar ou gentílico. Esta justiça ou vingança privada é todavia uma forma de tutela jurí dica grosseira e imperfeita. Em fase posterior, formando-se e organizando-se o Estado, este avoca a si tal função e exerce-a


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mediante uma série de órgãos especiais. Aumenta com isso a eficácia protectora do Direito; e por outro lado ao indivíduo fica proibido fazer valer as próprias razões. Mas é, sem dúvida, fortemente ilógico considerar falha a coacção precisamente naquela fase em que a mesma é organizada numa forma supe rior e muito mais eficaz. A tal ponto isto é verdade, que, muito embora o exercício da coacção,pertença normalmente ao Estado, nem por isso o indivíduo deixa de pessoalmente intervir na tutela do seu direito em todos aqueles casos em que aos órgãos esta duais for impossível actuar (legítima defesa, para repelir vio lência actual e injusta contra si ou contra outros). 5) Por último, temos de examinar ainda uma série de outras dificuldades secundárias que se opõem à tese da coer cibilidade do Direito. Resultam elas da existência de certas figuras jurídicas, em cuja estrutura falta, ou é defeituoso, o elemento da coercibilidade. Por exemplo o direito internacional público é apontado por carecer de aparelho coercivo, por não ser coercível. Pode reiplicar-se a esta objecção que o direito internacional, enquanto sistema idealmente determinado, implica (precisamente como exigência ideal) a possibilidade da coerção. No entanto, forçoso é admitir que, como sistema de direito positivo, se encontra ainda em uma fase atrasada da sua for mação. Na fase actual, oferece analogias com fases já ultrapas sadas da evolução do direito interno. Podemos hoje observar a manifestação de uma tendência para a formação de uma jurisdição super-estadual — tendência semelhante à que levou em certos momentos, no âmbito do direito interno, à formação de uma jurisdição super-gentálica. A criação de um Tribunal Per manente de Justiça Internacional e também de uma Organização das Nações Unidas (ainda que muito imperfeita) corresponde a tentativas neste sentido. Estando ainda longe de oonduída a formação do Direito internacional, explica-se porque motivo a coacção surja nele imperfeitamente determinada e regulada.

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Nisto, mais uma vez, se revela como entre Direito e coercibili dade há paralelismo: por o direito internacional (no seu aspecto positivo) se encontrar ainda em formação, está também em formação o aparelho coercitivo dele. Este aperfeiçoa-se sempre, à medida que o Direito se torna mais perfeito. Também já se sustentou que há, no domínio do direito privado, certos direitos desprovidos de coacção. Por exemplo: as Obrigações naturais, como as dívidas de jogo, que delas são típico caso no direito civil positivo italiano (Cód. Civ., art. 1933.° e segs.). Não é coercível o dever de pagar do jogador que perdeu. A isto, porém, muito facilmente se res ponde: se é dever, não é dever jurídico — mas moral, de honra, costumeiro. Esta sua natureza não impede, aliás, a pro dução de efeitos jurídicos parciais e indirectos, como a «solutio retentio». Se o jogador endividado pagou, pagou bem; este pagamento será a causa suficiente para negar a repetição do pagamento voluntariamente feito. Neste caso, não se admite a conditio indébiti. A valor jurídico da relação vai precisamente até onde se estende a possibilidade de coacção. Não deve esquecer-se que, em certos institutos jurídicos mais complexos, os deveres morais entrelaçam-se com os deve res jurídicos. Assim, por exemplo, nem todas as relações de família são coercíveis. Isso, contudo, não prova que a alguns direitos de família falte a coercibilidade, como erradamente se pensou. Prova, sim, que a família é um instituto ético-jurídico que compreende não só vínculos jurídicos mas também vínculos e deveres de outra espécie. Concluindo, reafirmamos o nosso princípio: aí onde a coer cibilidade faltar, faltará o Direito. O Direito é sempre a deter minação de uma relação entre várias pessoas, correspondendo a uma delas a exigibilidade e, portanto, também a coercibili dade. Lógica e realmente, são inseparáveis os conceitos de Direito e de coercibilidade.


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Fontes do direito positivo Conceito do direito positivo e de suas fontes

Fonte de direito in genere é a natureza humana, ou seja, o espírito que reluz na consciência individual, tornando-a capaz de compreender a personalidade alheia, graças à própria. Desta fonte se deduzem os princípios imutáveis da justiça ou do Direito natural. Mas quando se fala de fontes de Direito, dando-se à expres são sentido técnico, tem-se em vista, já não a idealidade do Direito in genere, mas o Direito histórico positivo (jus in civitate positum). Este, sem contestação, provém do espírito humano, mas não na sua abstracta e pura universalidade; antes, e sob acção das paixões e circunstâncias multiformes, em todas as suas concretas posições e possíveis variantes. Se dizemos positivo, não fazemos, ao contrário do que alguns já afirmaram, um pleonasmo; mas desejamos dizer que nem todo o Direito é necessariamente positivo. Uma proposição jurídica é-o logicamente antes de se tomar positiva, e também depois de ter cessado a sua positividade. Um projecto de lei, por exem plo, ainda não é direito positivo; contudo possui já a forma do Direito, a forma da juridicidade. Revogada a lei, conserva o carácter lógico do Direito, a forma dele, não obstante ter perdido o carácter positivo. O sistema do direito romano con tinua sendo um sistema de Direito. Sempre que uma propo sição determina, entre duas ou mais pessoas, uma relação tal que uma delas pode exigir de outras o cumprimento de uma obrigação, diremos que essa proposição, logicamente, pertence ao mundo do Direito. Poderá, ou não, vir a ser objecto de um reconhecimento positivo; poderá deixar de o ser, como acon tece em todos os sistemas jurídicos sujeitos ao decurso da história. A sua positividade, por outro lado, poderá ainda conhe cer vários graus; mas a sua juridicidade não depende deste facto

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temporal e relativamente acidental, senão do seu intrínseco significado e da sua lógica essência. Desta sorte, é-nos possível identificar a natureza jurídica de uma proposição antes mesmo de sabermos se foi ou não apli cada alguma vez, se chegou ou não a estar em vigor. Ao revol vermos os documentos dispersos de uma civilização remota se encontrarmos aí texto contendo referência à faculdade que alguém tinha de a outrem exigir qualquer coisa, estamos logo habilitados a compreender-lhe o significado jurídico, sem o confundirmos com as máximas de outro género (religiosas, morais, etc.), mesmo que ignoremos tratar-se de um simples projecto ou de uma máxima realmente observada durante muito ou pouco tempo. Entendemos por direito positivo um sistema de normas jurídicas que, em determinado momento histórico, enforma e regula efectivamente a vida de um povo. O direito positivo é, assim, constituído pelas normas que são efectivamente impostas, que se fazem efectivamente valer. Ante esta característica — ou seja: a noção da positividade— é indiferente o valor intrínseco do sistema. Pode a norma jurídica ser injusta, contrária às supremas aspirações da consciência, ao ideal da Justiça —ou, para nos servirmos da expressão clássica, ao Direito natural — sem todavia cessar de ser, além de jurídica, positiva. Para que chegue a ser positiva, basta apenas que uma vontade social preponderante —isto é, uma força histórica suficientemente eficaz— seja capaz de a afirmar e de a impor de modo que seja observada. Urge, pois, distinguir várias investigações: a que se orienta para o ideal do Direito; e a que concerne o carácter positivo deste. A noção lógica e formal do Direito compreende todas as espécies de proposições jurídicas, como vemos, quer as pura mente ideais quer as positivas. Cada povo possui necessariamente um direito positivo pró prio, o qual corresponde à vontade que nele predomina. Os modos de manifestação dessa vontade social preponderante chamam-se


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fontes do direito positivo. Estas reconduzem-se sobretudo a duas grandes categorias: o costume e a lei. Lugar à parte (subordinado mas de não menor importância) ocupa a juris dição. Mais adiante teremos ocasião de ver em que sentido admitimos outras fontes secundárias. O costume e os seus elementos

É o costume o modo originário da manifestação da vontade social. Mesmo nas formas mais elementares, mais rudes e mais gregárias de convivência humana, encontramos certas regras, não impostas expressamente, mas observadas de facto, quase por instinto. Estas regras revelam-se pela repetição constante de certos actos, a qual é acompanhada sempre do sentimento da obrigatoriedade, a maior parte das vezes obscuramente sen tido, mas sempre profundo e forte. A repetição constante é o elemento material, extrínseco, aparente; só por si, contudo, não basta: factos há que, apesar da repetição regular e contí nua, não são costume em sentido jurídico. É o caso das máximas de prudência, de higiene e decoro pessoal, de cortesia, de pie dade. Satisfaz à prudência fechar à chave a porta da casa que se abandona, e à piedade a atitude de reconhecimento e de respeito pelo sofrimento alheio, tomada na rua, quando nos cru zamos com um funeral. Mas estas máximas, ainda quando geralmente observadas, ainda quando a sua observância se alia à consciência de se cumprir um dever, não têm índole jurídica. Quem as cumpre, não reconhece aos outros a facul dade de lhe impor a sua observância. Para surgir um costume jurídico, é preciso que a repetição seja valorizada pela persua são de o comportamento em questão ser obrigatório, de modo que outros o possam exigir, e portanto, não dependa do mero arbítrio subjectivo. Este elemento psicológico é o que os roma nos denominaram opinio juris ou necessitatis. O elemento extrínseco implica determinada duração, porque não pode encontrar-se uniformidade na série de actos repetidos,

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sem que decorra lapso de tempo bastante longo; daí ser usual indicar, como requisito do costume, que o mesmo deva ser longo ou longevo, inveterado, diuturno. Todavia, daro é que este conceito de duração meramente relativa, assim como o número maior ou menor de repetições dependem da índole da relação. Actos existem que, pela sua natureza, se realizam com intervalos bastante longos; o que se verifica especialmente em matérias de Direito público (por exemplo, quando se trata dos modos de resolver as crises ministeriais nos regimes parla mentares). Em tais casos, ainda que falte urna norma expres samente formulada, um número embora pequeno de repetições é suficiente para demonstrar uma vontade constante e uma prática uniforme. O que importa é que a regra seja observada em todos ou em quase todos os casos nos quais se apresenta a possibilidade de observá-la, de modo que a repetição possa ser interpretada como expressão de uma persuasão geral, que se imponha imperiosamente ao arbítrio individual. No início da vida das sociedades humanas, grandíssima é a autoridade do costume. Tal facto merece a maior atenção. Vários factores concorrem para a formar. Nas épocas primi tivas, o indivíduo, dominado quase inteiramente pelo ambiente histórico, desconhece a possibilidade de se desviar das práticas tradicionais legadas pelos seus maiores. Aquilo que sempre se fez, identifica-se, na mente, com aquilo que se deve fazer. Os factores psicológicos da imitação e do hábito concorrem para o resultado de confirmar o predomínio do costume. Ex plica-se a imitação, porque custa menos esforço, é mais cómodo fazer o que já se fazia antes e se viu fazer a outros; e o hábito, porque é mais fácil repetir o que já algum dia se executou. Um outro coeficiente da força obrigatória do costume pri mitivo é constituído pela autoridade dos chefes, reforçada pelas crenças religiosas —algumas vezes supersticiosas— acerca da sobrevivência (como espírito) dos chefes defuntos. Estes são concebidos como ainda capazes de fazerem valer a sua von


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tade, de proteger e de premiar, e também de punir e de vin gar-se. Semelhante concepção (que se manifesta no fenómeno universal do Culto dos mortos) tem por efeito a consolidação das práticas já usadas e impostas pelos chefes. Continuam a usar-se as mesmas práticas, mesmo depois da morte dos chefes, por temor da sua força ultra-terrena. Todos esses factores concorrem para imprimir um carácter uniforme à vida indivi dual e social. Repercutem no costume os factores psíquicos que cons tituem a consciência do povo, as persuasões e as necessidades fundamentais da sua vida. Revela o costume, traduzidas em facto, as ideias que, mais ou menos conscientemente, os con sócios têm sobre as necessidades da vida em comum, isto é, aquelas ideias que, embora não sendo adoptadas por todos, são sustentadas pela maioria social e portanto aparecem como predominantes. Devemos, pois, ter como assente que o Direito positivo é originariamente consuetudinário ou costumeiro. Semelhante con ceito contradiz um outro, segundo o qual o Direito seria criado, inventado, pelos legisladores ou fundadores das civilizações (tesmofori). Cada povo, para nobilitar-se, compraz-se em, de certo modo, personificar a sua origem, e, assim atribui mitologicamente a um indivíduo determinado aquilo que de facto resultou da colectiva elaboração histórica. Daí a opinião que acabamos de indicar ainda no tocante à origem do Direito. Mas tal opinião, em face das recentes investigações efectuadas pela Psicologia social e pela Etnologia, tomou-se insustentável. Com maravilhosa intuição divinatória, já Vico advertia, em uma época em que poucos o podiam compreender, que o Direito nasce das fundezas da consciência popular, da sabedoria vulgar, sendo obra anónima e colectiva das Nações. Não foi outra a doutrina que a Escola histórica dos juristas alemães, mais tarde, fez sua. Mérito grande desta escola, que convém apontar, é este: não confundiu costume com repetição constante de certos actos. Os partidários da Escola histórica chegaram à clara com

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preensão de que a repetição é tão só o meio de exteriorizar — e, por conseguinte, o meio de reconhecer — a convicção jurí dica, na qual o costume essencialmente consiste. Erra, porém, a Escola histórica ao considerar este convencimento como miste riosa entidade, transcurando inteiramente a sua análise psico lógica. O costume, embora representando uma persuasão colectiva, tem certamente a sua raiz na originária produtividade das cons ciências individuais. A jurisdição

Grande importância possui, quer para o desenvolvimento do costume, quer para a intensificação da vida do Direito em geral, aquela actividade que se destina a pôr fim às contro vérsias ou conflitos emergentes das relações inter-subjectivas. Esta actividade, que recebeu o nome de jurisdição, manifesta-se, quando mais não seja, de modo embrionário, logo que a vida social ultrapassa a fase meramente instintiva da sua evolução. As próprias complicações da vida tomam-se até certo ponto (embora este facto seja excepcional perante a regular sucessão dos acontecimentos dentro da tradição) objecto de questões e discussões que devem de qualquer modo ser eliminadas e decididas. A regra da decisão das controvérsias pode ser, e é em geral, tirada do costume preexistente; mas ainda em tal caso, no acto da sua aplicação judicial, a regra sofre um processo de esclarecimento e de desenvolvimento. O juiz, ao aplicá-la, deve aumentar, por assim dizer, o grau da sua racionalidade, deve tomá-la mais compreensível e, conjuntamente, aprofun dar-lhe o sentido de tal modo que este prevaleça como válido, mesmo para além do caso ocorrente, que provocou a interpre tação judicial. A actividade do juiz conduz, por conseguinte, além do mais, à formulação explícita da lógica do sistema social efectivamente em vigor. Mas conduz ainda, por transição natu ral e quase insensível, à integração de tais normas por outras,


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sugeridas, em coerente relação com elas, pelo próprio desen volvimento e sucessivo aumento de complexidade das relações sociais: rebus ipsis dictantibus, usu exigente eh humanis necessitatibus. Devido à actividade do juiz, acelera-se o processo da ges tação histórica do Direito, e o sistema vigente, mesmo quando constituído por normas legislativas, consolida-se e organiza-se com elementos novos e mais elaborados. Porém, desde as épocas arcaicas, e cada vez mais à medida que a evolução progride, a produção do Direito positivo mani festa-se de outra forma: a da legislação. E, mesmo com relação a esta, a eficácia renovadora e integradora da jurisdição con tinua a realizar-se, com desenvolvimentos cada vez mais amplos de todo o sistema jurídico. A lei

A lei é o pensamento jurídico deliberado e consciente, formulado por órgãos especiais, que representam a vontade predominante numa sociedade. A lei é, pois, a manifestação solene do Direito, a sua expressão racional. Só nesta forma a elaboração técnica do Direito atinge maior perfeição. A lei é, simultaneamente, pensamento e vontade, pois com preende uma determinação lógica e um acto de império. Na defi nição de Crisipo, o estóico, conservada pelas fontes romanas, a lei —dando-se à palavra o sentido mais elevado e geral — «é a rainha de todas as coisas, assim divinas como humanas, critério do justo e do injusto; e, para aqueles que da natureza são chamados para a vida civil, preceptora do que se deve fazer, proibidora do que se não deve fazer» (Dig. I. 3, 2). Exprime-se na lei a vontade de um povo, na medida em que este se encontra politicamente constituído, ou seja, orga nizado em uma unidade independente. A definição romana, hex est communis reipublicae sponsio, refere-se particular mente ao modo pelo qual, em Roma, as leis se formavam

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(a aceitação da «rogatio»), a qual sugeria a ideia da aceitar ção de um pacto. Em todo o caso, o fundamento da lei é o consenso público, quer este se manifeste directamente, no mo mento da aprovação da lei, quer indirectamente, pela manu tenção da autoridade de que emana. Os requisitos e os modos concretos para a formação das leis são diversos, segundo as diferentes constituições. Na Itália, conforme o Estatuto de 1848, a lei formava-se com o concurso de três factores: a aprovação das duas Câmaras e a sanção real. Abolida a monarquia, conforme a nova constituição da República italiana (de 1947, em vigor desde 1.° de Janeiro de 1948), a função legislativa é exercida «colectivamente pelas duas Câmaras» (art. 70.°). O Presidente da República pode toda via, antes de promulgar uma lei, pedir às Câmaras, com uma mensagem motivada, uma nova deliberação. Esta, no entanto, tem um carácter definitivo. Pertence também, segundo a nossa constituição, às Circunscrições um limitado poder legislativo. lei formal e lei material

Convém advertir que podem ser aprovados na forma de lei actos que careçam de genuína natureza jurídica e não con tenham qualquer determinação imperativa de agir. Impõe-se, por isso, a distinção entre lei formal e lei material: temos a lei formal, sempre que se reúnam os requisitos extrínsecos de que a criação da lei depende; temos a lei material, sempre que, além dos referidos requisitos, se nos depare certo conteúdo jurídico. Sabemos já que, sobretudo em tempos idos, não raro se dava forma de lei a afirmações teoréticas de vária índole. No nosso direito, mantêm ainda essa forma certos cânones relativos à interpretação, autênticos critérios lógicos para a compreensão perfeita da inteligência da lei; a eles não pode reconhecer-se verdadeiro conteúdo jurídico (Cfr. o art. 12.° do Cód. Civ. it. de 1942). A lógica é anterior ao direito;


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e se alguém não soubesse ou não quisesse entender as palavras da lei segundo o seu sentido próprio, semelhante defeito da mente e da verdade afectaria também os cânones que exigem se tomem as palavras na acepção legal adequada. Outros exemplos de leis formais são-nos fornecidos por aqueles preceitos legais que contêm preanúncios ou promessas, não juridicamente obrigatórios, de leis a promulgar no futuro; e, ainda, preceitos de índole marcadamente moral, como alguns que encontramos no Código Civil italiano, por exemplo, o do artigo 315.°: «O filho, qualquer que seja a sua idade, deverá honrar e respeitar os progenitores». Questão muito debatida, a este propósito, é a referente à natureza da «lei orçamental». Segundo uns, é simples pre visão ou acto administrativo — portanto, lei em sentido mera mente formal; segundo outros, tem, nos Estados constitucionais, verdadeira e própria significação jurídica, uma vez que dela resultam determinados poderes e deveres. Esta segunda opi nião parece-nos a mais defensável. Alguns consideram leis meramente formais as que regulam uma relação individual determinada (por exemplo: a concessão, por lei, da cidadania a certa pessoa; a expulsão, por lei, da família ex-reinante do território nacional). Pode observar-se que, mesmo em tais casos, não faltam os elementos funda mentais da juridicidade, visto que, embora limitando-se a casos particulares, a lei mantém ainda o carácter da imperatividade e da bilateralidade. Promulgação e publicação da lei

À formação da lei segue-se a sua promulgação, ou seja, o acto pelo qual o chefe do Estado atesta a existência da lei e ordena a sua execução. Tal acto, segundo a vigente Consti tuição italiana, deve ser cumprido pelo Presidente da República, dentro de um mês a contar da data da aprovação da lei, salvo

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se as Câmaras declararem a urgência da promulgação, caso em que a própria lei pode estabelecer outro prazo. Promulgada a lei, é necessária a sua publicação com o fim de dar conhecimento da mesma aos cidadãos.

Em princípio, a lei carece de força obrigatória antes de publicada. Semelhante princípio conheceu formulações diversas nos diversos períodos históricos. Tempo houve em que a publi cidade se fazia por intermédio da Igreja, por proclamações ou editais; ou, então, se a totalidade do povo colaborava directa mente na criação da lei, por meio de votação em assembleia, publicação e aprovação coincidiam. Em todos os Estados mo dernos, a publicação efectua-se pela imprensa. Por via de regra (excepto quando outra coisa seja prescrita na lei, como não raramente acontece), a lei italiana entra a vigorar quinze dias depois da publicação. Este é o período normal da chamada «vacatio legis» para todo o território do Estado. O nosso sis tema, é por conseguinte, sincronístico: a entrada em vigor da lei faz-se simultaneamente em todo o território nacional. Em outros tempos, o sistema era diverso, pois era sucessivo: a lei entrava em vigor obedecendo a prazos diversos, nas diversas regiões, consoante o afastamento maior ou menor destas da capital. Não obstante dar-se publicidade à lei, permanece a dúvida, até certo ponto, de saber se a publicação, de facto, produz totalmente o efeito de a tomar conhecida de todos os cidadãos. Seria bastante arriscado responder com a afirmativa; além disso, erróneo, quanto aos factos. Contudo, acompanha a publi cação uma presunção absoluta (iuris et de iure) de que, findo o período da «vacatio legis», todos deverão conhecer a lei, e valerá então o princípio: ignorantia iwris non excusat. Ê assim que, por ex.: o artigo 5.° do Código Penal declara: «Ninguém pode invocar em sua defesa a ignorância da lei penal». Será esta regra intrinsecamente justificável? Graves razões induzem a afirmá-lo. Acima de todas elas, a lei exprime de modo geral aquilo que a consciência popular reconheceu como


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devendo ser lei; entre ambas, pois, deverá existir certa e natural correspondência. À lei é vedado impor algo de insensato, de impensado, que seja inteiramente novo ou contraste violenta mente corn as persuasões fundamentais dos cidadãos sobre o justo e o injusto, o obrigatório e o não obrigatório. Mas, mesmo que prescindamos deste argumento tão genérico e talvez pouco decisivo, na verdade, quanto às normas especiais ou técnicas, é de notar o seguinte: não pode o ordenamento jurídico assentar em uma base tão precária como seria a do conhecimento da lei por parte de cada cidadão, a demonstrar em cada caso con creto. A publicação destina-se menos a obter o conhecimento geral e efectivo da lei por todos do que a dar a cada um a possibilidade real de obter esse conhecimento, quer por si, quer com a ajuda de técnicos (juristas). Menger, na obra vertida para italiano com o título O direito civil e o proletariado, já observou que a citada presunção vem, afinal, a resolver-se em um privilégio das classes abastadas e cultas, detentoras de melhores e mais fáceis meios de obter o conhecimento das leis vigentes: o de conseguir melhor tutela para as suas pretensões. Haveria assim, em contraste com semelhante perequação aparente, uma desigualdade real. E esta objecção é por Menger acrescentada à lista de outras objecções parecidas, que têm por objectivo demonstrar como o proleta riado se encontra em manifestas condições de inferioridade no campo do Direito, não obstante a pretendida igualdade. Por exemplo: Menger notava que a propriedade merecia maiores cuidados de protecção que a saúde, a vida, a honra da pessoa — e isto, particularmente, em prejuízo das classes populares. Tais defeitos, apontados aos códigos do século xix, encontram-se corrigidos hoje, em parte, em vários países por códigos e leis posteriores. Pelo que respeita ao nosso tema, o inconveniente do conhe cimento defeituoso ou desigual da lei verifica-se, de facto, como já outros escritores o notaram. Seria contudo excessivo e erró neo abandonar, por causa desse inconveniente, o princípio sobre

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que se funda a certeza da generalidade das relações jurídicas, subordinando a validez da lei ao conhecimento efectivo dela por cada cidadão. Entretanto, sem abandonar o princípio exposto, como regra geral, podem admitir-se, em casos parti culares, certos efeitos da ignorância do Direito. Alguns exem plos nos oferece o actual Direito italiano (por exemplo, o erro de direito é causa de anulação do contrato, quando tenha sido a razão única e principal do mesmo; Cód. Civ. it., art. 1429.°); e é possível que com certa prudência se possam aceitar outros casos. Também seria desejável que instituições e providências apropriadas socorressem mais eficazmente os deserdados e os ignorantes, ajudando-os a obter a tutela dos seus direitos, pois os meios actualmente existentes não são adequados ao seu objectivo. Mas o remédio radical seria o de difundir e elevar a cultura jurídica, hoje muito pouco difun dida nas classes populares. Seria necessário, por exemplo, que as noções jurídicas elementares fossem incluídas no programa de ensino de todas as escolas médias.

Leis Constitucionais e Leis Ordinárias. Controle da Constituciorvalidade da Lei.

Resta-nos agora examinar a seguinte questão: deverá o juiz apreciar a constitucionalidade e a existência formal da lei? A maneira como formulamos a questão implica urna duplici dade de quesitos que passamos a considerar em separado. No que se refere à constitucionalidade, cumpre observar que existe uma distinção teórica entre a actividade constituinte e a actividade legislativa ordinária. As leis, quando conside radas em relação a cada uma destas actividades, podem também classificar-se em constitucionais e ordinárias. São as primeiras as que determinam a estrutura dos órgãos fundamentais do Estado e as liberdades fundamentais dos cidadãos. Todas as restantes leis, cujos requisitos a Constituição enumera, repre sentam algo de consecutivo e, por conseguinte, de logicamente


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subordinado, tendo precisamente por base a organização cons titucional do Estado. A esta distinção teórica corresponde em alguns ordena mentos (porém, não em todos) uma distinção positiva: a que atende a certas formalidades mais complexas que rodeiam o exercício da actividade constituinte, pelo facto de ela, lidando com matérias mais graves, exigir maiores garantias. Quando estas especiais formalidades se encontram consagradas, é claro que uma lei ordinária não pode modificar uma lei constitucional. Nesse caso, o juiz é logicamente investido numa função fiscalizadora. Se uma lei aprovada na forma ordinária tem um conteúdo contrário à Constituição, ele pode e deve recusar a sua aplicação. Isto acontece, de facto, nos Estados Unidos da América. Mas em outros ordenamentos jurídicos existe uma só forma para a manifestação da vontade legislativa. Tal era o sistema vigente na Itália até tempos muito recen tes. Achávamo-nos, então, ante um dilema: ou admitir a possi bilidade de inovar a Constituição na forma legislativa ordiná ria, ou então negar qualquer possibilidade de mutação consti tucional, aceitando uma espécie de imobilidade jurídica, em conflito, em última análise, com o próprio conceito de Sobe rania. Tomava-se, dadas estas condições, quase que inevitável aceitar a primeira tese. Porém, desejava-se um sistema mais perfeito que, estabelecendo a distinção das duas actividades, impedisse a possibilidade de com uma simples lei (ou mesmo com um decreto-lei) se violarem as bases da Constituição e as garantias das liberdades civis nela sancionadas, e que assim atribuísse à magistratura, ou a uma magistratura especial, o controle efectivo da intrínseca constitucionalidade das leis. Uma primeira tentativa para regular esta matéria no Direito italiano, data de uma lei de 1928. No entanto, a reforma, pelos seus efeitos, não teve longa duração. Segundo a nova Cons tituição italiana (art. 138.°), as leis de revisão da própria Constituição, bem como as outras leis constitucionais, devem ser aprovadas por cada uma das Câmaras em duas deliberações

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sucessivas, com um intervalo mínimo de três meses, e com maioria absoluta dos componentes de cada uma das Câmaras na segunda votação. É, além disso, admitido nesta matéria o exercício do referendum, isto é, a expressão directa da vontade de todos os cidadãos eleitores, toda a vez que assim for reque rido, observadas determinadas formas. Isto, porém, relativa mente a certos objectos, e somente para fins revogativos. Introduzida assim no Direito positivo italiano a distinção entre leis constitucionais e leis ordinárias, tomou-se então pos sível impugnar a validade das últimas quando em conflito com as primeiras. A competência para as controvérsias desta espé cie foi atribuída pela Constituição italiana (art. 134.°) a um Tribunal Constitucional especial, o qual tem, no entanto, além desta, outras funções. Advirta-se que, segundo a lei constitu cional de 9 de Fevereiro de 1948, n.° 1, a questão da legitimi dade constitucional de uma lei não pode ser directamente levan tada pelos cidadãos italianos ante o Tribunal, pelo simples facto de ter sido emanada uma lei cuja inconstitucionalidade se afirme, mas só no decorrer de um processo, quando a inconsti tucionalidade da lei for invocada por uma das partes ou ex offi cio pelo juiz. Neste caso, o juiz, desde que não repute a instân cia manifestamente infundada, deve referir a questão ao Tribu nal Constitucional, suspendendo o processo em curso. A acção da legitimidade constitucional pode também ser proposta ante o Tribunal pelo govemo da República ou das Regiões, quando ocorram discordâncias sobre a respectiva competência entre estes órgãos, ou ainda, quando a discordância se verificar entre as Regiões. Se este novo sistema é verdadeiramente o melhor e o que melhor corresponde aos seus próprios fins, só o futuro o poderá dizer á luz da experiência. Poderá ainda perguntar-se, de jure condendo, se não teria sido mais conveniente atribuir a cada cidadão a faculdade de promover o processo de legitimidade constitucional e se a competência para semelhante processo não poderia ser deferida, em vez de a um Tribunal especial, à magis


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tratura ordinária ou ao seu órgão supremo, a Corte di Cassazione, ou ao Conselho de Estado. Consideremos agora a segunda questão: se o juiz deve julgar da existência e da validade formal da lei. A tal questão é de responder afirmativamente, visto o juiz ser precisamente obrigado a aplicar as leis existentes. Deve, pois, o juiz sobre tudo pôr a claro se existem todos os requisitos necessários na lei. Alguns julgaram dever excluir-se esta função do juiz, limi tando-a apenas ao reconhecimento da promulgação, dado que a presença dos factores e requisitos necessários à formação da lei resulta já da promulgação, que precisamente já é um atestado da existência da lei. Nada se opõe, porém, pelo menos teoricamente, à hipótese de um projecto de lei aprovado por uma das Câmaras apenas vir a ser promulgado, quando a Constituição exigia a aprovação por ambas. Mas, sem se recorrer a esta hipótese extrema, pode verosimiimente supor-se que surja discordância, ainda que mínima, entre o texto aprovado pela Câmara dos Deputados e o texto aprovado pelo Senado (o caso já se verificou algumas vezes). Pois bem: neste caso, a lei não existe, e o juiz deve reconhecer esta inexistência, ou seja, negar-se à aplicação duma lei que só tem a aparência de lei, mas na realidade não o é. Falamos genericamente do juiz, por a existência da lei dever ser averiguada também pelo magistrado ordinário, desde que não exista para tal tuna magistratura especial. Instituído na Itália um Tribunal Constitucional, é, porém, evidente que é a ele que cabe a competência para esta espécie de controle. Em qualquer caso, contudo, o magistrado deve limitar o seu exame a uma averiguação extrínseca e formal. Ele não é competente, por exemplo, para examinar a validade dos proce dimentos internos da Câmara e do Senado, a regularidade das votações, etc. (interna corporis). Para as irregularidades intrín secas, funcionamento dos órgãos legislativos falta ainda o remé dio judicial. O único meio que nos resta é fiarmo-nos na corP D-27

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recção dos próprios órgãos e, como vitima ratio, no tribunal de história, isto é, nas sanções da consciência jurídica popular. Neste sentido, é admissível falar-se num direito à resis tência e à revolução, como meio supremo para reafirmar o ordenamento jurídico, quando os órgãos do poder público não estejam legitimamente constituídos, ou sejam contraventores daquelas garantias que lhes cumpre assegurar e proteger. Quando os corpos legislativos sigam critérios substancialmente irregulares e incorrectos e as liberdades fundamentais dos cida dãos forem ameaçadas ou violadas, o Direito natural insurgir-se-á então contra o direito positivo, romper-lhe-á o envólucro, criando através da legalidade de hoje a legalidade do amanhã.

Relaçõet entre coctume e lei

Como se comportarão uma em face da outra as duas partes constitutivas de qualquer ordenamento jurídico: a que corres ponde ao costume e a correspondente à lei? O problema é frequentemente concebido de modo inexacto, quando se pergunta qual é a fonte principal, a de maior autori dade. Há, desde logo, neste confronto das duas fontes, um equívoco: a autoridade de ambas, em princípio, é necessaria mente a mesma, pois ambas exprimem a vontade e a cons ciência social predominante. A lei, assim como o costume, não representa um arbítrio individual. De contrário, não seria obser vada, não enformaria toda a vida de um povo. Também a lei encontra o fundamento da sua autoridade no consenso público, na convicção do povo a que se aplica. Mas aqui, ao invés do que acontece no costume, a manifestação da vontade popular, em vez da via imediata, segue a via mediata; ou seja: verifica-se por intermédio do órgão legislativo. A acti vidade deste, contudo, mantém-se apenas enquanto é susten tada e, por assim dizer, ratificada pela vontade social, pelas persuasões dominantes.


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Não há, pois substancial diferença entre lei e costume: trata-se de duas formas de manifestação da vontade social que têm uma mesma significação e uma mesma base real. Nas palavras do jurisconsulto Juliano encontra-se belamente indi cada a equiparação das duas fontes: «Nam quid interest, suffragio popvlus vóluntatem suam declaret, an rebus vpsis et factisf» Durante muito tempo acreditou-se, todavia, que a eficácia do costume dependia da vontade tácita do legislador. Seme lhante teoria corresponde ao conceito, segundo o qual o Direito seria vincadamente criação individual de certas pessoas inves tidas na soberania. Daqui a convicção de que a lei seria a primeira fonte de Direito, e o costume a segunda, uma espécie de meio indirecto de reconhecer a vontade do legislador. Mas, abandonando aquele conceito sobre a génese do Direito, tam bém deve abandonar-se a doutrina da importância secundária do costume. A uma tal doutrina, que surge na Idade Média e vinga na Monarquia absoluta nos primeiros séculos da Idade Moderna, opôs-se a reacção nascida sobretudo com a Escola histórica do Direito. Negou esta escola que o Direito fosse obra de indivíduos; por isso, negou que o costume tivesse de pedir de empréstimo à lei o seu vigor. Mas caiu no excesso oposto, pois exautorou a lei, que considerou fonte secundária, de impor tância inferior à do costume, que é sempre predominante. Mas, em verdade, semelhante tese absoluta é igualmente errónea e insustentável na sua generalidade. Estabelecido que a lei e o costume possuem fundamento comum, resta-nos indicar qual destas duas fontes, nos vários períodos históricos e relativamente aos diversos ramos do Direito, se mostrou predominante. Nas épocas primitivas, a maior parte do Direito exprime-se na forma de costume; daí poder dizer-se que a Escola histórica tem razão, desde que se tenham em vista tais épocas remotas. Mas a actividade legislativa, inexistente ou escassa de início, tende a aumentar a sua extensão e a sua importância com o

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progresso do tempo. Concomitantemente com a evolução e o esclarecimento da consciência social, sente-se a necessidade de fixar em forma expressa e precisa aquelas regras de convivência que primeiro existiam apenas de modo difuso e eram tacita mente observadas. O Direito tende a passar de uma forma espontânea e irreflectida de elaboração a uma forma delibe rada e consciente; formam-se, por conseguinte, órgãos especiais para a formulação do Direito. A pouco e pouco, constitui-se uma classe de técnicos (juristas) que extraem da prática certas regras, interpretando os costumes preexistentes e resolvendo os casos dúbios, inclusive com oportunas integrações daquelas regras. Em fase posterior, aparecem os órgãos legislativos, os quais, à função interpretativa e integradora do costume, acres centam outra. Esta resulta de uma actividade própria, autó noma, capaz de inovar ou de modificar o direito costumeiro existente. Característico é que, de início, a lei se limita a com pendiar, a sintetizar o que o costume já entretanto consagra. Só depois intervém como força verdadeiramente criadora, ou seja, a desenvolver, reformar ou abolir, segundo os casos, as normas vigentes. O que sucede, então, é que neste sistema cons truído na forma de legislação, vem o costume a entrar e a ajustar-se-lhe, tomando-se, de certo modo, exacta a máxima de que o costume recebe a sua autoridade da vontade do legis lador. A afirmação porém, é insustentável, em tese geral, e só vale para uma certa fase da evolução histórica. O problema das relações entre costume e lei deve ser exa minado ainda distintamente, não só no que toca às diversas épocas, mas também no que respeita aos diferentes ramos do Direito. Na verdade, em alguns destes ramos, o costume man tém enorme prestígio. Assim acontece, nomeadamente, naqueles em que a elaboração legislativa do Direito é difícil e lenta, senão impossível por natureza. Lembremo-nos do direito inter nacional 'público. Aqui muitas regras assumem forma consuetudinária; e isto porque este ramo do Direito, embora evolua de modo parecido com a evolução do direito interno, acha-se con


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tudo ainda em fase mais atrasada. As relações entre os vários Estados modernos são análogas às relações que já algum dia existiram entre as gentes. Como se sabe, antes de o Estado ter aparecido, os grupos gentílicos eram independentes, contra punham-se uns aos outros, embora tendessem a fundir-se em uma unidade jurídica de ordem superior. As suas relações, nesse período, eram disciplinadas pelo costume. E o mesmo ainda hoje acontece aos Estados, acima dos quais não há autoridade estabelecida que para todos possa legislar. Nem mesmo a Orga nização das Nações Unidas tem entre os seus poderes o de emanar leis. Também no Direito constitucional o costume tem ainda grande importância. Neste sector frequentemente os aconteci mentos precedem, aparentemente, as normas; ou melhor, assu mem, eles próprios, carácter normativo. A consideração das várias oportunidades, relativas às específicas condições tempo rais, e a dos casos individuais, induzem precisamente a não estabelecer regra rígida, mas a deixar ao Direito aquela elas ticidade que melhor lhe poderá ser dada pela reelaboração consuetudinária. Assim acontece em Inglaterra, como o ilustra o exemplo da Constituição inglesa, que, indirectamente, exerceu notável influência sobre a italiana. No campo do direito constitucional, é tal a força do cos tume, que este pode levar a lei de vencida. Assaz controvertida é a questão. Mas prevaleceu até hoje a opinião, segundo a qual algumas disposições, ainda que estatutárias, ficam ab-roga das, ou mesmo revogadas, pelo costume. Assim, por exemplo, o art. 28.° do Estatuto italiano de 1848, que preceitua —Bí blias, catecismos e livros litúrgicos ou de orações não pode rão ser impressos sem prévia licença do «Bispo», a qual deve ria constituir um limite jurídico à liberdade de imprensa — nunca recebeu aplicação de facto. Verdade é que esta norma ficara sem sanção nas diversas leis de imprensa sucessivamente promulgadas e no Código Penal. De sorte, que em face de semelhante omissão, alguns falaram de revogação tácita. A falta

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de sanção penal não suprimia contudo a proibição, que perma necia tal, embora, de facto, por desuso viesse a tomar-se ino perante. Em outros ramos do Direito público, o direito penal, o direito de processo penal, a lei toma a dianteira ao costume, que passa a segundo plano. Nomeadamente, na época modema mani festou-se a necessidade imperiosa de imprimir forma legislativa àquelas matérias. Explica-se isto pelo facto de àquelas normas de direito penal competir, mais do que a outras, estabelecer certos limites à liberdade dos cidadãos. O arbítrio dos juizes e a opinião pública flutuante são aqui sumamente perigosos. Daí os dois cânones fundamentais da modema justiça penal: nullum crimen sine lege; nulla poena sine lege. Todas as san ções penais deverão fundar-se em uma lei anterior. Quer dizer: não é possível a formação costumeira de uma norma de direito penal. Por razões análogas, a lei predomina, de longe, sobre o costume, também no campo do direito processual civil. Mas aqui por razões de certeza e de rigor. O costume só desem penha aqui o papel de auxiliar na interpretação da lei. Mas é no campo do direito civil substantivo que se levantam os mais árduos problemas a respeito das relações entre lei e costume. Seja dito, de passagem, que certa disposição do direito positivo italiano parece resolver a questão o priori. Fora de dúvida é que o costume, em direito civil, vale, se ajudar a lei ou, indo além dela, a não contrariar; ou se esta o permitir (consuetudo secundum legem e praeter legem). Ê frequente o caso de a lei, ela própria, remeter para os usos e costumes (v. g., Cód. Civ. it., arts. 989.°, 1374.°, 1492.°, 1406.°, 1596.°, 1069.° e 1646.°). Nenhuma dúvida se levanta a respeito da validade do costume, ainda que contra a lei, no que toca às relações anteriores à promulgação da lei, especialmente ao código civil; pois, como o exigem os princípios gerais, a lei não tem efeito retroactivo. Mas quid iuris nos casos em que se verificar um conflito entre costume e lei? Se atendermos


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ao artigo 15.° das disposições sobre a lei em geral e prelimi nares ao código civil — «as leis serão apenas revogadas por leis posteriores», quer por expressa declaração do legislador, quer por incompatibilidade entre as disposições novas e as precedentes, quer porque a nova lei regula totalmente a matéria já disciplinada por lei anterior— dir-se-ia que ficou excluída, sem possibilidade de dúvida, a hipótese de o costume revogar a lei. Na verdade, porém, não pode invocar-se tal disposição como argumento decisivo, pois, de contrário, cometer-se-ia aquele erro que ficou conhecido por «petição de princípio», ou seja: aceitar-se-ia como demonstrado o que se pretende demons trar. No citado artigo, é só o legislador quem afirma a sua autoridade como prevalecente. Ora, precisamente, tal autori dade é que está em discussão, e poder-se-ia, portanto, logica mente duvidar se aquele mesmo artigo não poderá ser revo gado por efeito do desuso. Em linha geral, a questão não pode dizer-se resolvida a favor da lei; antes é de considerar-se, pelas razões gerais já expostas, que o costume tem a mesma autoridade da lei. Em abstracto, não pode excluir-se a hipótese de o costume postergar a lei ou adquirir eficácia revogadora. Isto pode acontecer e, de facto, já aconteceu em certos casos e matérias. No entanto, na fase actual da evolução jurídica e para a matéria de que estamos a tratar, é de aceitar a opinião de que se não pode admitir um costume contra legem. O costume está em condição inferior, não tanto por a lei o dizer, mas porque assim o impõe aquela exigência imperiosa de uma regra fixa e determinada quanto ao conteúdo e à dura ção, válida igualmente em todo o território do Estado. A pre valência reconhecida à lei provém da necessidade de unifor mizar, por este lado, o sistema jurídico. Onde o costume, em geral, é incerto e flutuante, sujeito a modificações imprevisíveis, a lei, pelo contrário, é fixa, precisa, segura. Por natureza, o costume é particularista; se em dado momento e lugar se forma contra legem, mal nasce, logo o sufoca a contextura unitária que caracteriza o Direito legislado no Estado moderno. Regista-se

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neste uma continuidade de produção legislativa, que toma pos sível a passagem das novas aspirações jurídicas à forma de direito positivo, segundo uma cadência mais acelerada e regu lar que a do passado, quando a função legislativa tinha carác ter intermitente e dependia do arbítrio de pessoas ou classes muito restritas. O próprio movimento da opinião pública, a própria convicção jurídica popular que poderiam exprimir-se pelo costume, são hoje susceptíveis de se traduzirem mais rapidamente e mais facilmente através de lei. A propósito do que fica dito, podia lembrar-se que ainda não há muitos anos, em matéria de Direito mercantil, vigorava na Itália um sistema pelo qual na falta de leis comerciais, deviam observar-se os usos mercantis e só em terceiro lugar o Direito Civil (art. 11.° do revogado CÓd. Com. ital.). O cos tume comercial tinha assim superioridade sobre a lei civil; e isto, note-se, por vontade expressa do legislador. Para justi ficar o citado facto, falava-se da especial natureza das relações mercantis. Mas esse sistema foi posteriomente modificado pelas disposições preliminares do Código Civil de 1942 (arts. 1.° e 8.°), que estabeleceram a supremacia da lei nesta matéria, admitindo a eficácia dos usos e costumes apenas na falta de lei ou regulamento sobre o assunto, ou nos casos em que estes man dassem recorrer àqueles. Concluindo, podemos afirmar que a lei não exclui outras fontes de Direito, embora as supere: aceita-lhes a colaboração mas não pode, duma maneira geral, ser superada pelas mesmas. Decretos e regulamentos

Subordinada à lei, existe uma fonte de Direito, a que pode mos chamar secundária, e que é constituída pelos decretos e regulamentos. Os decretos e regulamentos são actos dos órgãos executivos ou administrativos (seja do órgão central ou governo, seja dos órgãos dependentes) que determinam os modos de actuação da lei ou concretamente a actuam.


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A razão da existência dos decretos e regulamentos está na necessidade de aproximar da aplicação prática, com pres crições particularizadas, as máximas gerais estabelecidas em forma de lei. Esta representa, por conseguinte, o limite da validade dos decretos e regulamentos, os quais deverão ser secundum legem, ou ainda, praeter legem — mas não de tal modo praeter que se tomem contra legem. O critério para esta apreciação da validade de decretos e regulamentos pode ser assim fixado: ambos deverão conter restrições às faculdades arbitrárias pela lei reconhecidas ao governo para serem utili zadas em execução dela. A lei abandona, com efeito, certa mar gem de livre actuação aos órgãos executivos. Determinar quando e como estes órgãos deverão exercer concretamente a sua actividade executiva — eis a função própria dos decretos e regulamentos. Se ultrapassam esta fronteira natural, ou dei xam de ser conformes à lei, são, portanto, nulos. Compete então aos órgãos judiciários declararem a nulidade e recusarem a sua aplicação. Ê esta a figura ordinária ou normal dos decretos e regula mentos. Deve advertir-se, porém, que, em certos casos, os decre tos e regulamentos, abandonando a figura normal indicada, assumem verdadeiro carácter legislativo e criam direito novo. Eis uma lista desses casos excepcionais: I — Decretos legislativos, que se baseiam numa delegação dos órgãos legislativos nos executivos ou administrativos (go verno). Esta delegação tem lugar principalmente quando se trata de leis orgânicas, que por sua natureza mal se prestam a serem elaboradas na forma ordinária, por obra de assembleias. Assim, por exemplo, os códigos exigem vasta e rigorosa coor denação técnica, dificilmente alcançável numa discussão parla mentar de cada artigo. Ora, nestes casos, depois de efectuada a discussão dos temas de interesse geral, a compilação defini tiva costuma ser confiada, por «delegação» da Assembleia legis lativa, ao Governo, o qual a porá em vigor mediante decreto.

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Este, pelo seu conteúdo legislativo, ocupará o lugar de uma lei propriamente dita. Também se pode recorrer à delegação, sempre que a anor malidade das circunstâncias não consinta o desempenho normal da função do órgão legislativo. A nova Constituição italiana adverte expressamente que «o exercício da função legislativa não pode ser delegado no Governo senão com fixação de prin cípios e critérios directivos e só por tempo limitado e para objectivos definidos» (art. 76.°). Os órgãos judiciais são, porém, sempre competentes para conhecerem dos limites da delegação, e portanto, para julgarem da validade dos decretos que se baseiam sobre a mesma. II — Mais grave é o segundo caso: o dos chamados Decretos-leis. Designam-se assim os decretos de conteúdo legislativo, emanados do Governo (sem nenhuma delegação) em casos de necessidade urgente, com a reserva de os apresentar à ratifi cação da Assembleia legislativa, a fim de esta os converter em lei. Trata-se, pois, de uma declaração antecipada do direito legislativo, a que deve seguir-se a ratificação por parte dos órgãos competentes. Mas, deste modo, a função legislativa vem a ser desempe nhada pelo órgão executivo, muito embora temporariamente e sub conditione. A justificação disto, dissemos já, está no estado de necessidade que, em todos os povos e tempos, impôs tal prática: salus populi suprema lex esto — lê-se em Cícero, De legibus, L. DL C. 3. Importa muito, contudo, que não se cite a máxima a despropósito, pois não vão longe os tempos em que dela se abusou, ao ponto de se dar a forma de decreto-lei mesmo a providências sem importância, cuja adopção nenhuma especial necessidade impunha. Na falta de normas reguladoras desta matéria, aos decreto-leis foi sempre dada aplicação, como se de leis se tratasse. Mesmo nos casos, aliás raros, em que a Assembleia legislativa


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se recusou convertê-los em lei, ou lhes introduziu modificações textuais, tais actos nunca tiveram efeito retroactivo. Devido ao facto de os decretos-leis serem em grande número, durante muitos anos e com a aquiescência da Assembleia legis lativa, de serem promulgados e receberem a ratificação, sus tentaram alguns autores que se havia entretanto formado uma opinio iuris vel necessitatis, no sentido de os admitir como modo normal de legislar. Isto é: na opinião destes autores, ter-se-ia entretanto constituído um costume válido que legi timaria o método. Esta tese era, em nosso entender, dificilmente aceitável, tanto mais que tal matéria foi realmente sempre objecto de críticas e controvérsias. Enquanto a prática judiciária se orientou, desde o início (salvo raras excepções), no sentido de reconhecer a validade dos decretos-leis, longamente se discutiu, na doutrina, se os órgãos jurisdicionais tinham ou não o dever de reconhecer tal validade. Também aqui a opinião negativa era a mais provável. De facto, os referidos decretos-leis possuem base precária e defeituosa: a futura e eventual ratificação pela Assembleia legislativa. Ora esta poderia ser recusada. Por isso, alguns autores sustentaram que os órgãos jurisdicionais somente pode rão conhecer da validade destes decretos-leis depois de terem verificado e reconhecido a existência do seu pressuposto funda mental: o estado de urgência e a necessidade. A verdade é, porém, que não se vê como seja possível atribuir aos magis trados competência para um juízo desta natureza. A caracte rização de uma situação concreta como sendo de necessidade ou de urgência, envolve um critério fundamentalmente político. Como tal, pertence apenas ao Governo ou à Assembleia legisla tiva. Quanto aos juizes, compete-lhes tão só aplicar a lei exis tente. O modo de conciliar, em casos anormais, as exigências teó ricas da chamada divisão dos poderes com a necessidade prática da continuidade da vida do Estado, constitui um problema que não pode deixar de preocupar não só os juristas, mas ainda

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os cultores da ciência política. Mesmo que se admita, por excep ção, a figura intrinsecamente contraditória da legislação sob a forma de decreto, é necessário estabelecer rigorosas cautelas, a fim de se regressar o mais rapidamente possível à legalidade, e de os decretos serem submetidos a ratificação da Assembleia legislativa. No Direito positivo italiano esta matéria foi regulada, pela primeira vez, pela lei de 31 de Janeiro de 1926 («sobre a faculdade do poder executivo para emanar normas jurídi cas»). Porém, semelhante lei não ficou por muito tempo em vigor. A nova Constituição italiana (art. 77.°) estabelece que, quando, em casos extraordinários de urgência, o Governo adopta, sob sua responsabilidade providências provisórias com força de lei, deve no mesmo dia apresentá-las às Câmaras, que, ainda se dissolvidas, serão especialmente convocadas e se reunirão dentro de cinco dias. Os decretos perdem a eficácia desde a origem, se não forem convertidos em lei dentro de sessenta dias a contar da sua publicação. Ciência do Direito

Alguns autores consideram como fonte de Direito a ciência do Direito, isto é, a obra dos juristas (técnicos do Direito). Segundo a Escola histórica, a ciência do Direito seria uma fonte que ocuparia lugar intermediário entre o costume e a lei, visto que a produção do Direito se efectuaria, segundo a citada Escola, em três fases: primeiro, na forma costumeira (primeira fase), depois através da elaboração técnica, por obra de uma classe de técnicos (juristas) que desenvolveriam e aperfeiçoa riam o Direito costumeiro, juntando assim ao Direito popular o Direito científico: (segunda fase); por último, na forma da lei. Mas se esta doutrina se pode até certo ponto aceitar, enquanto descreve o modo pelo qual uns aos outros se sucedem os factores que concorrem para a elaboração do direito positivo,


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é de rejeitar na parte em que dá a obra dos juristas como fonte do próprio Direito positivo. Convém, antes de tudo, distinguir entre a obra puramente teorética ou científica dos juristas e a função jurisdioional que os mesmos poderão ser chamados a desempenhar. Só neste segundo aspecto o labor dos juristas, ou melhor, dos juizes, como já dissemos, será meio de integrar as normas jurídicas positivas, quer costumeiras, quer legisladas, dando-lhe novos desenvolvimentos no acto de aplicação a novas relações. Os limi tes desta faculdade de inovação e de integração, deixada aos juizes, é matéria que varia conforme os tempos e os lugares, e também segundo as partes de um mesmo sistema. Entretanto, não se poderá reconhecer aos juizes, como tais, o poder de ilimitadamente inovarem ou de criarem normas arbitrárias, pois que, em tal hipótese, eles não seriam só juizes mas também legisladores. No que respeita à actividade científica ou doutrinária, é bem verdade que, em determinados casos ou períodos, a auto ridade de certos jurisconsultos foi declarada obrigatória. A este propósito recordemos aquilo chamado «Tribunal dos mortos», isto é, aquela célebre constituição de Teodosio Et (426 A. C.) que, no período de decadência da jurisprudência romana, tomou vinculativas para os juizes as opiniões de Papiniano, Gaio, Ulpiano, Paulo e Modestino (em caso de empate, a prevalên cia era dada à opinião de Papiniano, arvorado em «presidente» do hipotético tribunal). Em tais casos, compreende-se como a obra dos juristas possa realmente aparecer como fonte de Direito. Mas se se considerarem atentamente as coisas, o carác ter imperativo das mesmas derivará então realmente do facto de os juristas terem sido feitos, de certo modo, participantes do poder legislativo, porque as suas doutrinas são formalmente reconhecidas por este poder (tomam-se conteúdo da vontade legislativa). A ciência, de per si, carece de autoridade obrigatória, por que ela vive essencialmente da liberdade. Se influi, e de modo

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predominante, é na produção do Direito, quer costumeiro, quer legislado. Quando se fala do costume como produto de uma criação colectiva, seria absurdo pensar que, para a sua for mação, todos os homens concorreram de igual modo. Aqueles que dedicaram os seus estudos ao Direito vigente ou ao Direito em geral, poderão naturalmente pelo facto de disporem de perícia técnica, pesar mais que os outros na elaboração e no desenvolvimento do Direito costumeiro. Pode assim acontecer que certos contratos assumam forma determinada por con selho dos juristas. As partes contratantes entrarão a usar das cláusulas que lhes foram sugeridas, e estas, com a prática, tomar-se-ão consuetudinárias, ao ponto de, por fim, se toma rem obrigatórias ou subentendidas no caso de nada se pactuar em contrário. Mas isto só acontece quando a criação técnica tenha penetrado na consciência popular, de modo a constituir um verdadeiro costume. A obra dos jurisconsultos tem ainda notável influência na elaboração legislativa do Direito, na medida em que doutrinariamente a prepara, em que acompanha reformas. Isto contudo não significa que os jurisconsultos detenham qualquer autori dade legislativa. Eles não são, por si, uma fonte de Direito; limitam-se a participar na formação legislativa ou costumeira do Direito, influindo nela tão só pelo rigor científico ou técnico das suas soluções. A actividade científica só se toma norma vigente quando assume forma de lei ou de costume. O* tratados internacionais.

As convenções ou os acordos entre dois ou mais Estados determinam, para as relações entre eles, direitos e deveres, da mesma maneira que os contratos que se concluem no inte rior de cada Estado. No segundo caso, a obrigatoriedade dos vínculos contratuais é geralmente sancionada pela legislação do próprio Estado e acha, portanto, nesta, formalmente, uma base, mesmo tendo, na realidade, uma raiz mais profunda na


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consciência jurídica de cada homem. Já o mesmo não acontece nas relações entre Estados. Aqui falta uma comum legislação positiva. Por isso, aquele princípio está formulado por uma norma que, muito embora tenha sido constantemente pres suposta e aceita por tácito consenso, à maneira de condição a priori de qualquer tratado, pertence ao Direito internacional consuetudinário. Também neste caso, como em outros, o ver dadeiro fundamento de tal regra situa-se na razão jurídica natural. O costume e a legislação nada mais fazem do que exprimi-la. O que não exclui, claro está, a possibilidade de a referida norma ser transgredida, como qualquer outra. Nós já sabemos que a transgressão eventual não destrói a verdade do Direito, e, muito menos, a sua positiva existência, excepto quando a própria violação se transforma, ela própria, numa norma. O facto não se deu ainda relativamente à matéria aqui versada. Nem poderá verificar-se, — pois, de contrário, nunca seria possível concluir tratados internacionais. Se, pois, não se nos afigura exacto considerar os tratados internacionais como fonte primária e autónoma de direito posi tivo (sendo este fundado em uma máxima de Direito natural, que vigora positivamente em virtude do costume) — com razão podem ser considerados fonte secundária com particulares carac terísticas. Sob certo aspecto, eles preenchem o lugar da legis lação onde esta ainda não é actualmente possível, ao mesmo tempo que, sob outros aspectos, e mais precisamente, pertencem à categoria dos contratos. Advertimos por outro lado, que a formação e aprovação dos tratados internacionais estão con fiadas aos diversos órgãos: os executivos ou os legislativos. O Estatuto italiano de 1848 (art. 5.°) atribuía ao Red, entre outros poderes, o de concluir tratados de paz, de aliança, de comércio e outros socilitando, só um alguns casos, para a vali dade dos mesmos, o consentimeneo das Câmaras. Pela Cons tituição italiana de 1947 (art. 80.°) compete às Câmaras autorizar mediante lei «a ratificação dos tratados que são de natureza política, ou que provêem arbitragens ou regulamentos

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judiciais, ou que importam modificações no território, ou encar gos financeiros, ou ainda alterações nas leis». Não queremos deixar de apontar, por fim, uma distinção sustentada recentemente por diversos autores entre «tratados-acordos» e «tratados-contratos», segundo neles a vontade das partes tem o mesmo ou diferente conteúdo. Uma análise atenta demonstra contudo que uma tal distinção carece de razão sufi ciente, pois o encontro das vontades é sempre imprescindível à celebração de um tratado. Nem os demais critérios, analoga mente propostos, conseguem justificar tal doutrina.

O Direito subjectivo

Acabamos de verificar que o Direito, pelo seu lado objec tivo, se apresenta como um conjunto de imperativos. Mas tais imperativos, por sua vez, dir-se-ia que se dirigem à liberdade individual para a negar ou, pelo menos, limitar. Esta aparência é falsa. Se olharmos as coisas mais de perto, veremos que o Direito, se aparentemente nega a liberdade, substancialmente, afirmada e constitui-a. Antes ou fora do Direito, falta a genuína liberdade. A simples possibilidade de agir, a que não se opõe qualquer impedimento, nunca foi liberdade, mas arbítrio desregulado e destituído de valor. A liberdade propriamente dita nasce quando a possibilidade natural de actuar é acompanhada da exigência do respeito. E os imperativos jurídicos têm por objectivo assegurar e garantir todas as possibilidades que não excluem. Ao passo que os comportamentos proibidos pelo Direito deixam de ser possíveis, os restantes tomam-se, devido a isso mesmo, mais firmes e valiosos na sua possibilidade; isto é, tomam-se possíveis na ordem do Direito. Aquilo que não é proi bido pelo Direito objectivo, é permitido e, não só permitido, mas garantido e tutelado; quem se move nos limites do Direito pode pretender que os outros o não embaracem.


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Daqui se conclui o seguinte: a subordinação à norma — ao direito objectivo— condiciona o direito subjectivo. A activi dade do sujeito só é tutelada, na medida em que é juridicamente limitada. Neste sentido, ainda 'hoje mantém a sua rigorosa verdade a célebre sentença de Cícero: «Legum omnes servi sumus, ut, liberi esse possimus*. A faculdade ou poder jurídico pode ser concebido e des crito como uma esfera atribuída ao sujeito. Importa contudo recordar, a este propósito, que os imperativos jurídicos, são como já notámos, condicionados; isto é, pressupõem certos estados de facto a que se aplicam. Alguns destes pressupostos possuem carácter físico predominante, são eventos naturais determinados: tais como o nascimento, a maioridade, por exem plo; outros consistem em actos voluntários ou manifestações da vontade, quer do próprio sujeito da faculdade jurídica, quer de outros sujeitos, com os quais aquele se relacionou ou pode relacionar-se — a negociação de um contrato, a perpetração de um delito, por exemplo. Quem pratica estes ou aqueles actos produtores de interferências inter-subjectivas, modifica a sua esfera jurídica de vários modos. Daqui resulta que a condição jurídica real de um sujeito varia continuamente. Por isso, se desejarmos conservar a representação tradicional do direito subjectivo, descrevendo-o como uma esfera atribuída ao sujeito, cumpre logo advertir que tal esfera, em vez de ser imutável e fixa, antes varia permanentemente, ora ampliando-se, ora restringindo-se, assumindo diversas configurações, em harmonia com a mutação das condições objectivas e subjectivas que ser vem de pressupostos à aplicabilidade das normas. Elementos do direito subjectivo

No direito subjectivo encontram-se sempre dois elementos. Um é a possibilidade de querer e de agir, em conformidade e dentro dos limites dos imperativos, e podemos chamar-lhe elemento interno. O outro é constituído pela impossibilidade de

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qualquer impedimento por parte de outros, e da correspon dente possibilidade de reagir contra o provável impedimento. Existe, pois, uma possibilidade de exigir respeito dos outros; e podemos chamar a este elemento externo, porque se dirige a outros. Mas ambos os elementos são necessários à existência do direito subjectivo, que não se confunde nem com a simples possibilidade de fazer, nem com a mera possibilidade física. Esta —a chamada liberdade natural— é mais ampla que a possibilidade jurídica, a qual, sendo embora mais restrita, é infinitamente mais valiosa, porque se faz acompanhar da exi gência do respeito. Pode assim definir-se o direito subjectivo, atendendo a estes elementos, como a faculdade de querer e de pretender,

atribuída

a

um

sujeito,

à

qual

corresponde

uma

obri

gação por parte dos outros.

Certo é que se ambos os elementos são necessários, con tudo ora predomina um, ora outro. Nos direitos ditos relativos, ou de obrigação, predomina a pretensão: ante o sujeito activo ou titular do direito, vemos o outro sujeito, o que se obrigou, e a quem a obrigação se dirige. Ficam os dois sujeitos, o do direito e o da obrigação, imediatamente contrapostos um ao outro. Já assim não acontece com os direitos «absolutos» ou erga omnes: por exemplo, os direitos reais. Aqui não vemos qualquer sujeito determinado da obrigação perante o titular do direito real. Ã primeira vista, dir-se-ia que a figura jurídica da propriedade — espécie principal e típica dos direitos reais — se reduz a uma relação entre homens e coisas. Não admira, por isso, que já fosse definida desta maneira. Definição inexacta, contudo, pois a relação jurídica verifica-se sempre entre pes soas. Para se admitir uma relação jurídica entre homens e coisas, seria preciso aceitar o absurdo de que a coisa é suscep tível de contrair obrigações para com o homem. Fácil é demons trar, porém, que no direito de propriedade existem também sujeitos aos quais se refere a pretensão do proprietário: são todos os não proprietários. O direito de propriedade tem por elemento essencial uma pretensão genérica dirigida a todos e

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que se manifesta no respeito, em regra puramente negativo, por estes devido; dizemos «em regra», porque o respeito, enten dido no seu amplo sentido, pode também compreender presta ções positivas. Donde decorre que todos os direitos são, rigo rosamente, direitos de obrigação, e não só aqueles que tecni camente se costumam assim designar, em oposição aos restan tes. Também os direitos absolutos implicam obrigações gené ricas indiferenciadas. Seria erróneo reduzir, entretanto, o direito absoluto (por exemplo, o direito de propriedade) ao elemento externo, o que equivaleria a definir tal direito como a proibição imposta pelas normas a todos, excepto ao titular, de utilizar a coisa. Isto seria uma construção imprópria e artificiosa, segundo a qual a con dição de proprietário se reduziria à falta, relativamente a ele, de uma norma jurídica idêntica à que recai nos restantes. O proprietário careceria de um verdadeiro direito positivo de fruir da coisa, embora este não lhe fosse proibido. Ou, como já foi dito por Binding, o direito de propriedade assemelhar-se-ia a um buraco na esfera normativa. Ora, para rejeitar semelhante doutrina, basta recordar que o momento da pre tensão dirigida aos outros corresponde tão só ao elemento externo do direito subjectivo. Este, contudo, não deverá fazer esquecer o outro elemento, o interno, ou seja, a faculdade de querer e de agir. Tal faculdade possui conteúdo positivo e encontra-se tanto no direito de propriedade como em qualquer outra espécie de direito subjectivo. A única diferença que há, já a indicamos: consiste em nos vários tipos de direito subjec tivo se combinarem diferentemente os dois referidos elementos. Outra distinção que se pode fazer, diz respeito à vida do direito subjectivo, consoante as fases em que se manifesta pelo seu exercício. Enquanto o direito subjectivo é respeitado, predomina o elemento interno, positivo — a faculdade de que rer e de fazer. A pretensão dirigida aos outros mantém-se latente, por assim dizer. Por outras palavras: existe tão só em potência. Se, porém, surge uma violação do direito sub

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jectivo, quer sob a forma de ameaça, quer sob a forma de facto consumado, logo a esfera jurídica do titular do direito subjectivo se perturba e se manifesta a exigência ou pretensão do lesado perante o perturbador. Ou seja: o elemento da pre tensão entra a afirmar-se efectivamente perante quem ameaça violar ou viola o direito subjectivo. Contra quem o transgride defende-se ou faz-se valer o direito. A possibilidade jurídica de agir, implícita sempre no direito subjectivo, traduz-se então em acto. A expressão concreta, o instrumento técnico do direito, nesta sua fase, devem ver-se na pretensão judicial: a acção é o direito armado que a si mesmo se defende, que se afirma perante aquilo que o nega. Já se discutiu se a acção seria um novo direito nascido da violação de um direito anterior, ou se uma nova expressão do direito originário violado. A favor da pri meira opinião, invocou-se o elemento histórico, sobretudo ex traído do direito romano, segundo o qual o processo daria aso a uma espécie de novação judicial. Mas tal particularidade técnica na estrutura de um sistema determinado não pode modi ficar o conceito fundamental da natureza lógica do Direito. Ora, segundo este conceito, a acção representa apenas uma nova expressão do direito originário, pois corresponde ao mo mento em que este procura fazer-se valer. Confirmação disto poderá ser encontrada no facto de o sujeito dever, por via de regra, tomar a iniciativa da defesa do seu direito. Mesmo quando a tutela jurídica foi avocada a si pelo Estado, como acontece nas fases mais evoluídas, fica ainda à iniciativa do indivíduo a propositura da acção judicial. Isto mostra até à saciedade como há uma colaboração neces sária do indivíduo na tutela do próprio direito. Existe, em síntese, uma certa colaboração do indivíduo na tutela do pró prio direito; a ele cabe vigiar, no sentido de impedir a violação da ordem jurídica, na parte que lhe diz respeito. Já os antigos jurisconsultos, ao dizerem —ius civile mgilantibus scriptum


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est ou vigilantibus, non dormientibus iura sucurrunt— que riam designar este nosso conceito. A este propósito é ainda de recordar o caso títpico da legítima defesa, instituto da razão natural que em todos os tempos e lugares se manifestou. Se os agentes do Estado chegam tarde de mais e o particular tem a possibilidade de anular a violência injusta e actual, é seu direito fazê-lo: vim vi repellere licet. A acção judicial constitui, relativamente à legítima defesa, e, de um modo geral, a todas as formas extra-jurídicas, um aperfeiçoamento técnico, um meio mais eficaz e rigoroso de afirmar e reintegrar o Direito. Sem dúvida, a sua descoberta e utilização pressupõe a existência de um ordena mento político complexo. Contudo, o uso de tal meio faz parte da vida do Direito e não é propriamente senão uma explicação dele. Segundo uma doutrina relativamente recente, sustentada por Chiovenda e outros, a acção judiciária pertence a uma categoria especial de direitos, que consistiriam num simples poder; donde o nome de direitos potestativos. Sobre a extensão de tal categoria (isto é: sobre os direitos que devem nela ser incluídos) os seus próprios partidários estão em grave desa cordo. Em nenhum dos casos aduzidos, e nem mesmo no da acção judiciária, se verifica aquele pretendido carácter, pelo qual tais direitos deveriam ser distintos dos outros. O poder de agir deve ser necessariamente —para ter um significado próprio— acompanhado, e de facto o é, por obrigações deter minadas da outra parte, ou seja dos sujeitos privados, ou seja dos órgãos do Estado. Nem a substância lógica da relação muda pelo facto de tais obrigações assumirem forma de pres tações positivas ou aipenas de respeito e de reconhecimento (igualmente exigíveis e portanto juridicamente relevantes). Concluindo, diremos que o direito subjectivo está estreita mente conexo com o objectivo. O direito como faculdade não existe senão com relação a uma norma; mas a norma outra coisa não é senão uma delimitação de faculdades. Deste modo se supera a contradição aparente que consiste no facto de o

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direito, no seu aspecto imediato, se apresentar como um comando, e intrinsecamente como garantia de liberdade. O pri meiro é o momento objectivo, o segundo o subjectivo. Mas ambos são uma só realidade. Depois disto, podemos definir o direito como uma coorde nação da liberdade em forma imperativa.

Direito e interesse

A fim de completar o tema do conceito de Direito, varno-nos referir agora a uma doutrina, inspirada sobretudo na obra de Ihering, que funda tal conceito na noção de interesse. Desta concepção resulta que o Direito, no aspecto subjectivo, é a consagração da vontade individual, enquanto tende para um objecto determinado. Este, enquanto tal, é um bem, ou, refe rido ao sujeito que o deseja, um interesse. A vontade é, sempre, vontade de qualquer coisa; e, para estes autores, o conteúdo da vontade é precisamente o elemento essencial do Direito. Ihering define o direito subjectivo como sendo um «interesse protegido ou tutelado pela lei». Esta concepção pretende ser realista e também utilitária, enquanto aspira a captar a reali dade concreta, o fim imediato ou o escopo do Direito (uma das principais obras de Ihering intitula-se: O fim do Direito; e este fim é considerado por ele o criador de todo o Direito). Foi a mesma concepção aplicada também ao direito objec tivo; Ihering define-o: «meio de assegurar as condições de existência da sociedade na forma da coacção»; ou, ainda: «as condições de existência asseguradas pelo Estado à sociedade». Mas todas estas definições oferecem o flanco à crítica. O conceito de «condições de existência da sociedade» é profun damente ambíguo. Ou se entende no sentido genérico de qual quer estabilização ou modo de ser da sociedade (bom ou mau) e, então, abandona o elemento teoleológico que precisamente se pretendia definir (tuna sociedade, ainda quando pessimamente governada, ou em decadência ou em ruína, possui um ordena-


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mento jurídico); ou se entende no sentido restrito de condições benéficas da vida social, conducentes à prosperidade — e, neste caso, introduz-se na definição do Direito um elemento optimista, que o senso crítico mais rudimentar desmente, uma vez que não se pode afirmar que todo e qualquer instituto jurídico, quaisquer que sejam o povo e a época, esteja sempre subor dinado ao fim do Bem comum. Afirmá-lo, equivaleria a perfi lhar tese dogmática, tão unilateral e insustentável na sua gene ralidade como a tese oposta, segundo a qual os autores das leis têm sempre em mira obter vantagens pessoais ou de classe. Todos os apriorismos nesta matéria, todas as generalizações arbitrárias dos factos históricos são falazes, e não podem aceitar-se. Mesmo quando se quisesse admitir, com Ihering, que a «obtenção das condições de existência da sociedade» é fórmula suficiente para determinar o « f i m » do Direito, ainda ficava por demonstrar que, deste modo, seria efectivamente possível definir o Direito. Será a determinação do fim equivalente à determinação do meio? Segurar ou proteger objectos de valor contra o fogo ou o roubo indica certamente (já Bierling o notou com agudeza) o fim para que serve a caixa forte, mas não define esta. Se aceitarmos que o Direito serve para asse gurar as condições dos interesses humanos, nem por isso, com esta fórmula, definimos logicamente o Direito. Pode considerar-se o Direito como meio para tomar possível o gozo pre sente ou futuro de um bem; mas o gozo não é o Direito, «como o jardim que é objecto de gozo por parte do proprietário, não se identifica com a cerca que lhe assegura esse prazer» (Thon). Podíamos fazer observações análogas ao conceito de direito subjectivo fundado no elemento do interesse. Ihering, ele pró prio, admite que, sobretudo nas eras primitivas, coisas preju diciais eram abrangidas pelo conceito de interesse. Desta sorte, este conceito é de tal modo vago que não lança luz alguma sobre o Objecto que se pretende definir rigorosamente.

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Acresce que, se o Direito se refere sempre a uma utilidade, é evidente, e não podia fugir à observação do próprio Ihering, que não é qualquer utilidade que constitui a substância de um Direito. Interesses há que, muito embora sendo fundamentais para a vida, não podem ser assegurados juridicamente, não são susceptíveis de tutela jurídica. Por outro lado, mesmo aí onde a tutela jurídica é possível e, de facto, foi assegurada, não está provado que a cada tutela jurídica, protectora de um interesse, corresponda um direito. Se nos colocarmos sobretudo no campo do direito público, verificaremos que os interesses juridicamente tutelados são inúmeros. Pense-se, por exemplo, nas vastas áreas cobertas pela lei penal, pela lei administra tiva, pela lei da defesa do território nacional. Tem cada cidadão interesse, sem dúvida, em que o criminoso seja castigado, a Administração pública observe as regras da contabilidade pública, os limites do Estado estejam assegurados, etc. Estes interesses encontram-se tutelados pela lei. Oontudo, se cada cidadão tem estes interesses, não é cada cidadão titular de um correspondente direito subjectivo. A faculdade de pretender a satisfação de tais interesses legalmente tutelados não pertence ao indivíduo como tal. Pelo mesmo motivo, se a lei proteger a vida de certo animal, isso, só de per si, não é o bastante para criar um «direito subjectivo» a favor do dito animal. Foram estas observações dirigidas a Ihering, e, forçado por elas, este acrescentou à sua definição, mais tarde, um novo elemento: o reconheciento da vontade individual. Para que nasça um direito subjectivo — escreveu Ihering — é neces sário que ao próprio interessado seja atribuída a protecção do seu interesse. Isto é: que ao indivíduo seja possível «tomar a iniciativa» da protecção daquilo que representa o conteúdo do seu direito. Chegou assim a outra definição, bastante diferente da primeira: «direito subjectivo é auto-protecção do interesse». Não deixa de ser notável a correcção introduzida na definição originária e depois aceita pelos sequazes de Ihering, como o conhecido Jellineck. Este definiu o direito subjectivo como


sendo

«um

interesse

tutelado

pela

lei

mediante

441 o

reconhecimento

da vontade individual-». Com semelhante doutrina ecléctica (pois compreende tanto o elemento teleológico como o voluntário) ocupa-se posição vizinha da concepção da possibilidade de que rer, da exigência ou pretensão, sem a qual não se pode com preender a genuína essência do Direito. Advirta-se contudo: com a citada modificação
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tem um conteúdo de utilidade. Nunca seria possível o exercício da vontade sem um objecto. Erróneo é fazer disto um argu mento para sustentar a tese exagerada da identificação do objecto com a vontade, do interesse com o direito. Como Jellineck o notou, não se pode ver ou ouvir simplesmente, mas vê-se ou ouve-se sempre alguma coisa. Todavia, a coisa vista ou ouvida não se identifica com o acto de ver ou de ouvir. Do mesmo modo, é necessário sempre querer qualquer coisa; mas o qualquer coisa, Objecto do acto de querer, não se con funde com ele. Assim como o objecto da vontade se não iden tifica com a vontade, assim também o interesse, que o Direito tutela, se não identifica com o Direito. Por último convém ter presente que, ao falarmos do Direito como possibilidade de querer, não nos referimos à vontade em acto, mas em potência. Windscheid, que definia o Direito como «senhorio da vontade», foi justamente refutado por aque les que lhe observaram não ser necessário ao Direito o efectivo senhorio da vontade. O direito pode existir ainda mesmo que o seu titular ignore a existência dele, ou até, contra vontade dele. Por exemplo: o credor que recuse o pagamento ao seu devedor, permanece, apesar disso, credor, e o devedor devedor, até ao momento em que adopte uma solução legal, como a oferta real ou o depósito. Quem atravessar arbitrariamente um campo alheio viola o direito do proprietário, muito embora este não haja expressamente proibido o devassamento, ou ignore que ele se deu. Estes factos não afectam a doutrina exposta; pois, na verdade, segundo ela, ao direito não é essencial a vontade actual, mas a potencial — a possibilidade de querer atribuída e reco nhecida ao sujeito. Ora tal possibilidade subsiste nos casos apontados. Relação jurídica e sujeito* de direito

Picou claramente indicado, cremos, que a norma jurídica põe sempre em relação duas pessoas, pelo menos, uma das quais


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é o titular de uma faculdade ou pretensão, e a outra o suporte da obrigação correspondente. Podemos definir a relação jurí dica, atendendo a isto: o vínculo entre pessoas, em virtude do qual

uma

delas

pode

pretender

qualquer

coisa,

a

que

a

outra

Note-se agora que a relação jurídica tem sempre um substracto real nas coisas e nas pessoas. Não são criados pelo Direito os elementos ou termos da relação jurídica: estes são-lhe anteriores, já se encontram constituídos e ele mais não faz do que determináJlos. O Direito reconhece qualquer coisa de preexistente e imprime-lhe a sua forma, fixando o ê obrigada.

limite das recíprocas exigibilidades.

Qualquer relação jurídica apresenta, pelo menos dois sujeitos: o activo —titular da faculdade ou pretensão— e o passivo, a cargo de quem fica a obrigação. Porém, a relação jurídica é frequentemente dupla e complexa, porque a mesma pessoa que é investida na faculdade ou pretensão é também investida numa obrigação, e vice-versa. Isto representa uma primeira complicação; mas as complicações são na realidade ainda maiores pelo facto de cada indivíduo participar num grande número de relações jurídicas; o que equivale a dizer: é sujeito de muitos direitos e deveres ao mesmo tempo. O Di reito objectivo tece entre os homens teia complexa de relações e, por assim dizer, representa o tecido conexivo da vida social em geral. Quem pode considerar-se pessoa, ou seja, sujeito de Direito? Se nos lembrarmos de que o Direito se refere essencial mente ao querer e ao operar, logo concluiremos que só os dotados de capacidade de querer e operar poderão ser consi derados sujeitos de direito. Ambos os requisitos psicológicos fundamentais se encontram sobretudo no homem, que possui em si as condições de regular a própria actividade, é capaz de a si e aos outros impor uma direcção e um limite ao operar: pode exigir, ou pretender, dos outros certa coisa e reconhecer-se, por sua vez, obrigado a qualquer coisa. ÉS admissível afirmar

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que qualquer homem é sujeito de Direito, enquanto goza da carpacidade de querer e de se determinar em relação aos outros. O princípio que acabamos de enunciar, nem sempre foi reconhecido. Historicamente, conheceu excepções. Duas cate gorias de homens: os escravos e os estrangeiros, viram já recusado o reconhecimento da sua .personalidade jurídica. No direito romano, por exemplo, era o escravo equiparado à coisa (ccvput non habet) muito embora a equiparação tivesse sido, de facto, menos rigorosamente observada do que dogmatica mente afirmada. Houve sempre limitações no modo de tratar e considerar os escravos, em homenagem à sua natureza de seres humanos. A personalidade natural forçou o sistema do direito positivo, por 'assim dizer, e acaibou por dar origem a determinados institutos, como o peculium, por exemplo, em virtude dos quais, pelo menos indirectamente, e dentro de cer tos limites, a personalidade do escravo foi reconhecida. O direito romano entrou a admitir, em certa altura, que o escravo per tence a irmandades de carácter religioso —os collegia funeraticia e outros— e, ainda, a assumir, naturáliter, obrigações e a adquirir direitos, até ao ponto de estabelecer relações de credor e devedor com o próprio patrão. Daqui a possibilidade de o escravo se resgatar, pagando ao patrão com o próprio pecúlio (suis nummis) o preço da sua liberdade. Notável é, aliás, que já os filósofos estóicos e os próprios juristas roma nos (educados na filosofia estóica) tenham reconhecido que a escravatura desmentia os princípios do direito natural, segundo os quais todos os homens são igualmente livres, e portanto, sujeitos de direito. Esta afirmação ou exigência ideal e teórica, foi poderosamente reavivada pelo Cristianismo e, em uma fase ulterior da evolução jurídica, transformada em princípio de direito positivo, que conduziu, por último, à abolição da escra vatura. Análoga evolução se verificou com os estrangeiros. Na origem, domina o princípio que exclui os estrangeiros da tutela jurídica. O reconhecimento da personalidade limita-se aos ho-


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mens que pertencem a certo grupo. Mas, dentro em breve, começa a manifestar-se outra tendência, cujo fortalecimento leva a conceder aos estrangeiros uma protecção jurídica, ainda que indirecta. Isto é: pela via da cidadania. Esta tendência, que na própria consciência humana encontra o seu motor inicial, foi estimulada sobretudo pela necessidade das trocas econó micas: o comércio, mesmo nas fases rudimentares da evolução social, revelou-se factor importante do progresso jurídico. Ora, nas legislações já mais evoluídas, a equiparação pode consi derar-se completa, na medida em que o estrangeiro passa a gozar dos direitos civis do cidadão. Permanece todavia a exclu são dos direitos políticos, consequência lógica da coexistência de vários Estados diferentes. O gozo dos direitos civis é, deste modo, concedido aos estrangeiros por algumas legislações só a troco da reciprocidade — isto é: a troco de o Estado, a que pertencer o estrangeiro, fazer a mesma concessão. Em Itália adoptou-se este critério, como se verifica das disposições pre liminares do novo Código Civil, no art. 16.°. Note-se que o homem é, em geral, reconhecido como sujeito de Direito, ainda se apátrida, isto é, se não pertencer a nenhum Estado (como acontece, quando alguém perde a sua cidadania de ori gem sem adquirir outra). Equivale a dizer que o homem é sujeito de Direito só pela sua qualidade de ser humano. O Di reito positivo veio com isto consagrar um antigo postulado da Filosofia do Direito. Pessoas jurídicas

Além do indivíduo, são sujeitos de direito os entes colec tivos ou suipraindividuais —as pessoas jurídicas em sentido restrito— que, para adquirirem esta qualidade, são dotadas dos requisitos fundamentais da capacidade de querer e operar. Para compreender a existência de semelhantes entes, convém partir do conceito de que o indivíduo, só de per si, é incapaz

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de prosseguir certos fins, por estes ultrapassarem as forças e os limites da vida individual. Relativamente a estes objectivos, formam-se naturalmente organizações (não simples uniões mecânicas) dotadas de uma estrutura própria e de uma própria personalidade. Mas, care cendo estas de existência física, operam por intermédio dos indivíduos; estes, todavia, ao operar, em vez de referirem a si os seus actos, antes se comportam como órgãos do ente colec tivo. A personalidade jurídica do ente colectivo e a personali dade dos indivíduos, como tais, nunca se confundem; os direitos e os patrimónios respectivos ficam separados: a existência do próprio ente colectivo é independente da existência dos indi víduos que o compõem ou representam. Enquanto aquele per manece sempre idêntico a si mesmo, estes por assim dizer são fungíveis, pois podem substituir-se. O ente colectivo, pois, é constante, em razão do seu objectivo supraindividual. Como seja possível um sujeito jurídico desligado da pessoa física, eis um problema que já afadigou, e ainda afadiga, tanto os juristas como os filósofos. Alguns crêem resolver a dificuldade, afirmando que as pessoas jurídicas são meras «ficções» do legislador. Esta teoria foi sustentada por Savigny, o chefe da Escola histórica. Para ele, tais entes seriam criações arbitrárias do Estado; a sua existência seria puramente artificial. Mas, para compreender a insuficiência desta teoria, bastará reparar que ela não cuidou de explicar de qualquer modo a existência do Estado. O Estado tem, sem dúvida, uma realidade. Esta não cai debaixo do domí nio dos sentidos; não é visível, não é tangível; mas ninguém (e muito menos um jurista) pode duvidar da sua existência, nem confundir o Estado com os elementos materiais, parti culares e mutáveis que o compõem. Se, pois, as pessoas jurí dicas resultam de uma criação arbitrária do Estado, quem, por sua vez, foi o criador do Estado? Deverá afirmar-se que tam bém o Estado, na medida em que não se identifica com uma pes soa física, é uma ficção? Mas, neste caso, também o Direito, que


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do Estado emana, é uma ficção; e ficção seria tudo o que se encontra na esfera do jurídico. A esta mesma natureza não escaparia a própria teoria das pessoas jurídicas singulares. Se, pois, se admite que o Estado seja uma realidade, esta excepção destrói a teoria, porque mostra que se pode conceber a personalidade de um ente colectivo. É esta a primeira objecção contra a teoria da ficção, mas não é a única. Salta à vista que ela parte de um preconceito, que nós podemos classificar de positivista, no sentido de que só admite como real o que cai debaixo da percepção sensível. Isto é um erro de método, que, como já o notámos, impede de compreender a verdadeira essência do Direito. Este possui natu reza suipra-sensível e manifesta-se em um plano de determi nações ideais, que nunca se esgotam nos simples factos. Mesmo a nossa personalidade jurídica, a individual, nunca se identifica com a materialidade do nosso corpo: este varia no decurso do tempo, ou por causas acidentais, enquanto a personalidade permanece a mesma. O núcleo da teoria da ficção é constituído pela crença de que só as pessoas físicas podem ter direitos (já que só elas existem). No entanto, reconhecem-se direitos que não perten cem a pessoas físicas. Isto é uma contradição (como já foi observado) e, para a eliminar, é insuficiente dizer que é ficto o sujeito de direito, pois isso equivale a dizer que uma coisa não é mas devia ser. Outra teoria bastante semelhante a esta, é a da equipa ração, que Bõhlau, Bruns e outros sustentaram. Nega qual quer personalidade jurídica como substância e admite tão só que há certas massas de bens, certos patrimónios equiparados, no seu tratamento jurídico, às pessoas. Esta teoria põe o pro blema, mas não o resolve. Limita-se a verificar a existência de 'bens não pertencentes a sujeitos físicos e que, não obstante, são tratados como se pertencessem a um sujeito físico; ora a questão consiste, precisamente, em explicar semelhante equi paração.

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Mais audacioso foi o esforço teórico dos partidários da teoria dos «direitos sem sujeito». Dando conta das dificuldades, que assinalamos, e de outras, tentaram eliminá4as, afirmando que o direito pode existir e faltar-lhe o sujeito. Winsdcheid, por exemplo, se considera o direito uma faculdade de querer, logo acrescenta que é impessoal: o sujeito da vontade não é necessário à existência do Direito, mas tão só para o seu exer cício. Brinz, partindo de conceito semelhante, distingue entre patrimónios pertencentes a uma pessoa personenvermogen»), e patrimónios afectados a um fim determinado («Ztoeckvermogen-»). Estes últimos seriam sui iuris e não teriam sujeito. Em Itália, seguiram esta teoria Gianturco e Bonelli, etc. No tocante propriamente à teoria de Windscheid, nota remos que a faculdade jurídica pode ser impessoal, no sentido de respeitar a pessoa incerta, mas nunca no sentido de falta absoluta do sujeito dela. Assim, nos casos, aliás erroneamente apontados como prova da verdade da teoria —o da herança jacente, o dos títulos ao portador, por exemplo — não se conhece o sujeito, embora o mesmo esteja pressuposto e seja considerado na medida em que se afirma o direito. Para Windscheid, con tudo, estes casos seriam casos de falta absoluta de sujeito de Direito. ( A teoria de Brinz tende, além disso, a forçar o verdadeiro alcance de conceitos que entre si são distintos, a fim de os levar a coincidirem um com o outro: por um lado, personaliza o património, eleva as coisas ao plano e ao grau do sujeito de Direito; por outro lado, como já Miraglia o notou, rebaixa as pessoas até as confundir com as coisas. Ora, de facto, um fim, sem uma vontade que para ele se dirija, quer em acto, quer em potência, é coisa inconcebível. Daí, só se poder com preender o conceito de «património-fim» quando se pensa, con juntamente, em uma vontade que quer o dito fim; onde tal elemento pessoal e voluntário faltar, também faltará o sen tido ao dito conceito. Mas devemos sobretudo recordar o prin cípio fundamental de que o Direito põe em relação vários


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sujeitos, atribuindo faculdades e pretensões, a que correspon dem obrigações. Estes termos não têm significado se se refe rem a coisas (uma coisa nada pode pretender, como a nada pode ser obrigada) e só o têm se aplicados a seres capazes de operar. Todas as normas jurídicas contêm um imperativo, que só se poderá compreender se for referido a pessoas. ÉS inacei tável, desta sorte, a teoria dos direitos sem sujeito, por ser a que mais contradiz as noções mais certas acerca da natureza do Direito. Ihering não aderiu à doutrina dos direitos sem sujeito e cuidou resolver a dificuldade, sustentando que os sujeitos das chamadas pessoas jurídicas são os destinatários dos bens em que elas consistem; quer dizer: os sujeitos, afinal, são os que efectivamente gozam do património de que se trata. A pessoa jurídica seria apenas fórmula mediadora, um instrumento téc nico para distribuir os bens, um veículo para pôr os interes sados em relações com terceiros. O ente jurídico, em abstracto, não goza, não tem interesses e, portanto, segundo Ihering, não tem direitos; os interesses são sempre dos indivíduos e os direitos sempre individuais. Esta doutrina (que tem muitos adeptos) refuta-se com uma observação muito simples. O Direito não consiste num gozo mas na faculdade ou possibilidade de pretender um gozo. Este é só uma consequência e não a essência do Direito. Devem portanto considerar-se distintos da personalidade do ente: tanto quem goza o património como os órgãos que o administram. Isto torna-se evidente, se se considerarem, por exemplo, as fundações com fins genéricos de beneficência (v. g., o de com bater ou prevenir certas doenças, o de aumentar a segurança da navegação, etc.). Atribuir a qualidade de sujeito jurídico da fundação a todos aqueles que dela beneficiam (,por exemplo, todos os doentes, ou todos os navegantes, ou ainda em certos casos, a humanidade inteira) tropeça não só com dificuldades lógicas, mas ainda com dificuldades técnicas insuperáveis, por-

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que a personalidade do ente, em tal forma dispersa, não encontra mais a unidade. Uma outra doutrina à qual também não faltam antecedentes históricos (por exemplo, em certas teses enunciadas durante a Revolução francesa) e que foi sustentada na Itália, especial mente a propósito das fundações, por Fisichella, e, dum modo nem sempre preciso, por Giorgi, tende a reduzir todas as pes soas jurídicas ao Estado ou à colectividade social. Segundo esta doutrina, a sociedade organizada em Estado tem certos fins, os quais poderiam ser realizados com um erário único. De facto, contudo, por razões de oportunidade, são criados entes secundários; ou, por outras palavras, o erário cinde-se em tantas partes quantas forem estes entes aos quais se atribui personalidade autónoma, para que possam atingir o seu fim. Tais organizações secundárias, abrangidas pelo Estado, cor respondem às pessoas jurídicas. Logo, no fundo, só há um sujeito, que é o Estado. As pessoas jurídicas representam fun ções que o Estado podia também desempenhar. Mas embora este desempenho tenha sido confiado a essas pessoas, nem por isso elas deixam de ser criação do Estado e de encontrar neste o seu sujeito jurídico fundamental. Esta teoria não interpreta com rigor a realidade. Mesmo se admitirmos que as pessoas jurídicas se propõem, por via de regra, fins de interesse público, e que só são admitidas na ordem jurídica se o Estado as reconhecer — será isso o sufi ciente para concluirmos que o Estado é o único sujeito? Se raciocinarmos nesta base, podemos chegar à negação dos direitos individuais, que também repousam em um sistema de direito positivo, reconhecido pelo Estado. Para se compreender a for mação de um sujeito de direito, em vez de se atender ao ponto de partida, dever-se-á, antes, atender ao ponto de chegada; ou seja: ao momento em que o Direito se personaliza fora da uni dade genérica do Estado. Não devem confundir-se (já o disse Bonelli) a separação da gestão administrativa, na esfera de um mesmo património, com a criação de um ente novo e autó-


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nomo. É precisamente esta cisão do tronco do Estado, aquilo que constitui propriamente o ente, mesmo se este continua tendo certas relações de vinculação com aquele. Todas as teorias criticadas têm, pois, de comum o seu carácter mais ou menos negativo. No entanto, as pessoas jurí dicas são reais — muito embora o seu tipo de realidade seja sui generis, inteligível, e não sensível. Mas este tipo de realidade pertence à realidade jurídica. Sem dúvida, o ente jurídico tem sempre como substrato um complexo de necessidades efectivas e concretas; é uma força viva que desempenha funções actuais e reais. Quanto a este aspecto, o Direito não cria o ente, limita-se a discipliná-lo. O ordenamento jurídico reconhece os entes, não lhes dá a vida. Diversos são os fins supraindividuais e, por isso, vários são os entes que os prosseguem. Consoante o fim pro posto é político, religioso, económico, moral, científico, artís tico, recreativo, etc., assim varia o ente jurídico. Mas, em qual quer destes casos, antes de surgir na sua forma jurídica, cons titui-se o ente como possibilidade de querer e de operar: em suma, como vontade superior à individual. Não andam longe da verdade aqueles que, conformando-se com a dogmática comum, afirmam ser duas as condições de existência de um ente jurídico: o) entidade supraindividual, capaz de querer e de operar em vista de certos fins; b) reco nhecimento jurídico desta. Mas deve notar-se que em um sis tema positivo, o reconhecimento é necessário também para o homem. A diferença está no facto de uma norma geral do Estado sancionar que cada homem, pela razão de ser homem, é sujeito de Direito, enquanto que os entes colectivos, são em regra, reconhecidos, de vez em vez, pelo poder público por um acto especial. Isto em consideração do elemento certeza, que deve existir nas relações jurídicas, não sendo os entes colectivos sempre perceptíveis por si mesmos aos olhos de terceiros. Note-se agora que parece fazer excepção à regra enun ciada a pessoa jurídica fundamental e primária: a do Estado. Este é, em um ordenamento jurídico positivamente constituído,

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o sujeito deste ordenamento; portanto, é, por excelência, o sujeito de direito. A sua existência antecede qualquer outra existência jurídica positiva. Daí poder dizer-se que ele tem o seu reconhecimento em si mesmo. Efectivamente, ele sub siste enquanto é reconhecido pelos cidadãos que o compõem. É também necessário, para que a sua actividade possa desen volver-se plenamente, que não lhe falte o reconhecimento dos outros Estados com os quais esteja, de qualquer forma, em relação. Há ainda outros entes, afins do Estado, mas a ele sujei tos; podemos citar, por exemplo, a província, o concelho, o município, etc. Podemos assim delinear uma classificação das pessoas jurí dicas, consoante elas surgem na esfera do direito público ou do direito privado, distinguindo-as em pessoas de direito público e pessoas de direito privado. Em sentido muito restrito, pessoas de direito público são aquelas que exercem o ius imperii, como o Estado, e os entes administrativos menores que dele emanam directamente. Contudo, a esta categoria pertencem ainda, sem dúvida, a Igreja, que tem posição especial no mundo jurídico, e alguns institutos eclesiásticos. Em sentido mais amplo, cer tas pessoas jurídicas colectivas, que embora não exerçam ius imperii, prosseguem fins de utilidade pública, também gozam de carácter público. Assim acontece, por exemplo, com as ins tituições de beneficência, que a lei não só considera «públicas» mas que também estão sujeitas à tutela do Estado. Pessoas jurídicas de direito privado são só as que se pro põem fins de utilidade privada. Assim se verifica com as socie dades comerciais, de socorros mútuos, as cooperativas, etc. Tudo isto mostra a relatividade da distinção das pessoas jurí dicas sob este aspecto. Outra distinção, aliás mais importante, respeita ao tipo das pessoas jurídicas, e leva a classificá-las em dois grandes grupos: corporações e fundações. As primeiras —universitates personarum— correspondem a uma reunião de pessoas que


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dá lugar a um ente colectivo cujas existência e personalidade são distintas das dos indivíduos que a compõem. O ente colec tivo é uma figura sui iuris com faculdades ou pretensões pró prias. Até certo ponto, é admissível equipará-lo ao homem enquanto sujeito de direitos. No entanto, certos direitos especi ficamente humanos —os de família, por exemplo— não lhe podem ser atribuídos. A fundação —universitas bonorum ou rerum — é um complexo de bens que um acto voluntário irre vogável destina à consecução de certo fim, por tempo indeter minado. Porém, aqui, o elemento voluntário não resulta da combinação das vontades dos vários indivíduos, como no caso da corporação, mas de uma decisão do fundador: acto irre vogável, que representa um querer objectivo, que adquire auto nomia perante a vida do próprio fundador. Junto a este factor pessoal, há outro mais evidente: o factor material, o patrimó nio, destinado à realização do fim. Devemos notar, agora, que nas corporações a função dos indivíduos é mais activa, e, porque eles intervêm mais decisi vamente no destino delas, podem dar azo a modificações da sua estrutura, do seu fim, e dos meios para o conseguir. Nas fundações, porém, domina a vontade irrevogável do fundador, e os indivíduos, por via de regra, limitam-se a exeutá-la, não lhe podendo mudar a estrutura ou o fim. Já por isso Kohler disse que a corporação tem órgãos dominadores, ao passo que a fundação tem órgãos executores. Tradicional é a classificação que acabamos de indicar. Mas alguns pretenderam recentemente incluir a categoria das fundações em outra categoria, tida por mais ampla: a das instituições. Observaram estes autores que a realidade jurídica oferecia uma variedade de entes colectivos que nem possuem índole corporativa nem resultam de um acto de fundação. Seria este o caso, por exemplo, dos institutos de crédito, de seguros, de previdência ou de instrução, enquanto dotados de personali dade jurídica. Porém, em tais casos nós encontramos sempre, em última análise, mesmo em sentido muito lato, os elementos

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essenciais da fundação, ou seja: uma manifestação de vontade (de uma ou várias pessoas) que destina um património a um determinado fim. Resta advertir, como ficou particularmente demonstrado por Savigni, Gierke, Michoud, Ferrara e outros, que entre estas duas categorias se situam muitas categorias interme diárias. Pessoas jurídicas íhá que, nascidas com aspecto corpo rativo, assumem estrutura institucional. É o caso das antigas universitates ou corporações de estudantes, que, depois, se transformaram em institutos públicos de instrução. Análoga evolução sofreram as caixas de poupança, inicialmente criadas por vários cidadãos na forma de corporações. Mas também já se tem dado o caso inverso: em França, por exemplo, algumas instituições religiosas transformaram-se, por efeito de novas leis, em corporações ou associações de crentes. Concluindo e recompilando tudo o que ficou dito, quere mos afirmar que o conceito de Direito está naturalmente conexo com a natural capacidade de querer e de operar. No entanto, como bem o notou Zitelmann, a união de várias vontades para um fim determinado não origina uma simples soma, mas tende a produzir uma unidade nova e diferente dos elementos singu lares em que se apoia. No caso das corporações, a união de vários indivíduos traz para a vida tuna nova entidade ‘psicoló gica, base da entidade jurídica. Em cada pessoa jurídica podem distinguir-se urn elemento real e um elemento pessoal. Schaffle disse que a reunião de várias pessoas sem o elemento real, equivale a alucinação espi ritualista; e por outro lado, observou que a reunião de bens, sem o elemento pessoal, é absurdo materialista. Nas corpo rações, o elemento pessoal resulta da nova vontade, saída da síntese das vontades individuais. Mas, para elas existirem, é necessário também o elemento real, pelo menos em potência. Por isso, no acto da constituição deverão ser fixados os meios de aquisição ou de formação do património social; por exem plo, mediante a realização das quotas dos sócios, ou de contri-


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buições periódicas destes. Um ente jurídico totalmente privado de capacidade patrimonial não poderia subsistir. No caso das fundações, dir-se-ia que o elemento pessoal permanece em segundo plano com relação ao elemento real. Não é assim, pois, como vimos, a vontade irrevogável do fun dador impõe-se objectivamente como lei imanente da fundação por todo o tempo que ela durar. ÉS esta vontade do fundador, tomada objectiva, o verdadeiro sujeito dos direitos da fundação. As pessoas, que como seus órgãos, se sucedem na gestão do património, apenas actuam como executores daquela vontade. A série dos sucessivos representantes nunca perde o carácter orgânico, por virtude da permanente sujeição ao fim proposto à fundação. Notaremos, por último, que a existência das pessoas jurí dicas colectivas está sujeita a morrer. Isto, todavia, não des mente aquela nota de aparente perpetuidade com que nascem. Elas podem extinguir-se naturalmente, como acontece às pes soas físicas, no caso do desaparecimento de todos os seus ele mentos ou no caso de dissolução, de modo a deixar de cons tituir uma unidade. E possível, no entanto, que uma pessoa jurí dica colectiva se mantenha em vida, mesmo no caso de faltarem, em certo momento, os indivíduos cuja actividade assegura o desempenho das suas funções; assim acontece sempre que as ditas funções tenham a sua base nas condições reais, de tal sorte que os elementos pessoais do seu exercício possam ser representados. Outra causa extintiva das pessoas jurídicas é a consecução total do fim proposto. Assim se verifica quando este fim é constituído por determinado facto; por exemplo, uma invenção ou descoberta. Ou então, no caso inverso: sem pre que se descobrir ser impossível atingir o dito fim, por vritude de circunstâncias ou acontecimentos supervenientes à sua fundação. Ainda é possível vir a dar-se a extinção pelo desapareci mento da licitude do fim originário, e que, por conseguinte, o reconhecimento seja revogado. ÉS o que acontece sempre que

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o fim que o ente se propõe seja, posteriormente à constituição dele, declarado contrário aos fins da sociedade em geral ou às condições actuais da civilização. As fundações destinadas a realizar práticas absurdas ou supersticiosas, por exemplo, não poderão hoje ser mantidas. Por razões semelhantes, são permitidas a fusão e a trans formação das pessoas jurídicas que, mediante diversa organi zação dos seus elementos pessoais e reais, podem assumir outra estrutura jurídica. Factos, Actos • Negócios Jurídicos

Os factos ou fenómenos meramente físicos (não emana dos de um sujeito), de per si nem são lícitos nem ilícitos, e são neste sentido estranhos ou indiferentes ao direito. Podem, porém, assumir, indirectamente, importância jurídica, quando consti tuam um pressuposto da aplicação das normas, por elas fixado. Sob este aspecto podem distinguir-se os factos em duas espé cies: factos simples, se não forem produtores de consequências relevantes para o direito, v. g. os fenómenos meteorológicos, e factos jurídicos, quando produzam essas consequências, sendo então tomados pelas normas em consideração, de forma a deles ficar dependente o nascimento, a modificação, ou a extinção das obrigações e faculdades, tais como: o nascimento, a morte, a chegada à maioridade, e identicamente o aluvião, a formação de uma ilha no leito de um rio, etc. (Vejam-se, por exemplo, os arts. 941.° e seguintes do Código Civil). Os actos humanos, pelo contrário, comportam todos a clas sificação ou qualificação, fundamental, em lícitos ou ilícitos. São ilícitos os que, ou sejam acções ou omissões, imiplicarem, segundo o direito objectivo, invasão da esfera jurídica de outrem, e por isso, a que é lícito juridicamente fazer impedimento, e dão lugar às correspondentes sanções civis (ressarcimento do dano) ou penais. A característica desses actos é não valerem nunca para a produção dos efeitos jurídicos queridos pelo agente, donde


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a primeira sanção e consequência do acto ilícito ser a sua nulidade, a que se seguem as restantes consequências, que se dirigem à reparação do mal e ao restabelecimento da ordem jurídica perturbada. Quanto aos actos lícitos, dividem-se em duas categorias. A primeira constituída pelos actos lícitos simples, que são os actos compreendidos na faculdade ou liberdade genérica do sujeito, sem outras consequências jurídicas que não seja a exigibilidade — e consequentemente a obrigação — do respeito por parte de todos os outros. Não é exacto considerar esses actos como absolutamente «indiferentes» para o direito aten dendo ao valor que tem sempre aquela exigibilidade do respeito dos outros, ainda que eles sejam de pouca monta (assim, o simples acto de passear). A outra categoria, a mais importante, diz respeito a todos os actos lícitos que implicam não só a exigência do respeito dos outros, mas também tendem a validamente constituir, modi ficar, ou extinguir um direito (actos jurídicos stricto sensu). Numa doutrina sustentada por alguns autores, há que dis tinguir os negócios jurídicos propriamente ditos dos actos em que, produzindo-se embora efeitos jurídicos, a vontade do agente não se dirigiu à produção desses efeitos. Nessas acções prevaleceria o elemento material sobre a intenção. Como exem plos, costumam citar-se a ocupação, a especificação, e o adhamento de tesouro. Mas em nossa opinião, tal distinção não é aceitável porque o elemento físico é incindível do psíquico no actuar humano. E se é certo que em determinados actos jurí dicos, como os que acaJbam de citar-se, efeito e intenção de quem os pratica nem sempre coincidem, e aquele vai além da intenção, não menos certo é que o mesmo se observa em actos, que a mesma doutrina justamente considera negócios jurídicos, a saber os contratos. Quem conclui uma compra e venda, (adquirindo, por exemplo, um objecto insignificante) talvez ignore, ou não considere todas as consequências jurídicas implí citas no contrato. No entanto, tal contrato não deixa, por isso,

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de ser válido, e encontra o seu fundamento naquelas manifes tações de vontade. Podemos, por isso, definir o negócio jurídico: o acto volun tário lícito que produza consequências jurídicas.

Na formulação de Windscheid o negócio jurídico é a actua ção da força criadora assinada à vontade privada no campo do direito. Mas não nos devemos esquecer de que a vontade, só de per si, não pode modificar a ordem jurídica, nem criar direitos, se não se conformar com uma norma. Ê possível por outro lado, que a norma surja como resultado da manifestação da vontade produtora dos actos ou negócios jurídicos: ex facto oritur ius. A isto nos referiremos adiante, mais de espaço, quando tratarmos das relações entre o Estado e o Direito. Como exemplo de negócios jurídicos, podemos citar as numerosas espécies de contratos; e, além delas, o testamento, a aceitação e o repúdio da herança, o reconhecimento de um filho natural, a renúncia a um direito, a revogação de um mandato, etc. Da enumeração destes exemplos logo se deduz ser o direito privado o campo por excelência da aplicação deste conceito. Por isso, alguns autores já o definiram como sendo uma declaração ou manifestação privada da vontade. Estariam assim excluídas deste conceito as manifestações de vontade dos oficiais públicos (órgãos do Estado), tais como as sentenças dos juizes, os decretos das autoridades administrativas e os actos legislativos. No entanto, também estas manifestações de vontade cabem no conceito, em sentido lato, de negócios jurí dicos. Por isso, se encontra já hoje elaborada uma teoria parti cular do negócio jurídico do direito público. O negócio jurídico consiste, ou no acto de vontade de uma só parte (como acontece no testamento) ou então no acordo das vontades de várias partes, como no contrato. Atendendo a este aspecto, poderão os negócios jurídicos ser classificados em unilaterais e bilaterais. Advirta-se que o negócio jurídico não é unilateral só quando nele intervém a manifestação de vontade de uma só parte; esta sua natureza persiste nos casos


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de manifestação de várias vontades que seguem a mesma direc ção. A este tipo pertence a renúncia dos comproprietários à coisa comum possuída. A unilateralidade ou bilateralidade terão de ser entendidas, a propósito deste tema, num sentido bem diverso daquele que se lhes dá quando se usa dos respectivos conceitos para distinguir, por exemplo, a Moral do Direito. O negócio jurídico unilateral, porque vale em relação a terterceiros, é ainda, neste particular sentido, bilateral. Não obstante a sua manifesta impropriedade, continua a correr, consagrada pela tradição, a classificação dos negócios jurídicos em «inter vivos» e «mortis causa». Na legislação ita liana, tendo sido proibidos institutos como o dos pactos suces sórios, o único negócio jurídico mortis causa, que resta, é o tes tamento, ou seja, o acto, em princípio sempre revogável, gra ças ao qual alguém dispõe dos próprios bens a favor de outros ou faz valer a sua vontade para depois da sua morte: por exem plo, reconhecendo um filho natural. Classificam-se ainda os negócios jurídicos em patrimoniais e não patrimoniais. Os primeiros ainda consentem uma sub divisão em negócios a título gratuito, quando neles se veri fica uma prestação a que não corresponde equivalente contra prestação; e negócios a título oneroso, quando neles à prestação, se opõe uma contraprestação correspondente. As doações ou o testamento exemplificam os primeiros; a permuta, a compra e venda, a locação, etc., os segundos.

A Sociedade

Necessidade da sociedade para o homem

Na análise do conceito do Direito já, por várias vezes, encontrámos no nosso caminho outros dois conceitos, com aquele estreitamente conexos: os de Sociedade e Estado. Chegamos


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ao momento em que convém tomar cada um destes conceitos para tema das nossas considerações. Começando pela sociedade, podemos defini-la: um complexo de

relações

pelo

qual

vários

indivíduos

vivem

e

operam

conjun

tamente, de modo a formarem uma nova e superior unidade.

A sociedade é um facto natural determinado pela neces sidade que o homem tem de viver com os seus semelhantes. O homem para viver isolado, fora da sociedade, deveria ser ( consoante escreveu Aristóteles) — ««m bruto ou um Deus» — ou seja: qualquer coisa de menor ou qualquer coisa de maior que o homem. Mas, dada a sua natureza, outro remédio não tem senão o de se associar, de pertencer a uma sociedade. De facto, assim lhe acontece desde o nascimento; e, quando acorda a sua autoconsciência, já se encontra inserido em complexa rede de relações sociais. Na sociedade ele retém os seus ins tintos, tanto os egoístas como os altruístas, tanto os da pró pria conservação como os da espécie. E, com o sucessivo desen volvimento das faculdades humanas, novos motivos vão sur gindo que reforçam e tomam mais preciosos os vínculos sociais. Na sociedade pode o indivíduo integrar as várias manifestações da sua vida, encontrar diversas possibilidades de atingir os seus fins, desde os mais elementares aos mais altos. Este conceito já é antigo, pois já o encontramos na filosofia dos gregos. Aristóteles definia o homem «çúaei 7toXiTixóv xaí (KxovojjLixòv Çõàov». Ensinava assim que o homem tende, por natureza, à vida política e doméstica. Na filosofia das épocas posteriores, este conceito foi quase sempre aceito e considerado uma das premissas necessárias da doutrina acerca do fundamento do Direito. Grócio, expondo o conceito aristotélico, afirmou do homem que ele tem um appetitus societatis natural. O problema que verdadeiramente ocupa e deverá ocupar os filósofos não consiste em saber se deve existir a sociedade, mas, antes, o de saber como ela deverá ser constituída e governada.

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Todas as observações históricas confirmam a necessidade da existência da sociedade. Mesmo levando as investigações até às eras mais remotas, encontramos sempre agrupamentos humanos e nunca homens vivendo isolados. Nunca se verificou, de facto, a guerra a que Hobbes alude. Entre os primitivos, as lutas foram sempre entre grupos e jamais de todos contra todos, ou seja, entre indivíduos e indivíduos. Desta sorte, é legítimo afirmar que o próprio fenómeno da guerra supõe o conceito de sociedade. A hipótese do «estado de

No

natureza»

entanto, por muito tempo se falou num «estado de que se contrapunha ao «estado de sociedade». Em semelhante contraposição baseia a velha Escola do direito natu ral a sua doutrina. Esta escola parte da hipótese de que, antes da formação da sociedade, tenha existido um estado de natureza, ou seja: uma condição de vida em que os indivíduos não man tinham nenhuns vínculos de relações com os próprios seme lhantes. Mas esta suposição, referida a uma qualquer fase histórica e entendida em sentido empírico, é inaceitável, pela razão já formulada por Locke: o estado natural do homem é precisamente o estado de sociedade. Mas a citada contraposição pode oferecer outro sentido para alguns daqueles que ainda a sustentam: o de um raciocí nio abstracto, de natureza hipotética, segundo o qual, ao estudar o homem, se deseja prescindir de tudo quanto representar efeito da convivência e dos vínculos sociais. Neste caso, pois, trata-se de uma experiência lógica e dialéctica, tendo por fim esclarecer, com a ajuda da argumentação a contrario, a necessidade e a razão de ser da sociedade. Assim podia também um homem de ciência proceder, se, por exemplo, descrevesse como seria o mundo não sujeito à lei da gravidade, a fim de indirecta mente demonstrar, com esta apresentação artificial da reali dade, a índole e o efeito insuprimíveis da lei da gravidade. natureza»,



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Ê este o entendimento que damos a semelhante processo de abstrair; e, no que respeita ao nosso tema, não parece ter sido outro o que lhe deram alguns escritores da escola jusnaturalista. Pufendorf, na sua monografia, De statu hominum naturaii, e depois na sua obra principal, De iure naturce et gentium, declara: omnes societates velut transcendere, et mente concipere

conditionem

tatem,

et

ab

atque omnibus

statum artibus

hominum, et

qualis

institutis,

üle

extra

humanis

socievacuus,

potest. Este valor hipotético manifesta-se claramente no pensamento de Rousseau, o qual também não hesita em declarar que o estado de natureza «talvez nunca tenha existido», muito embora acrescente ser necessário referir-se a este con ceito. E no mesmo sentido se pronunciaram expressamente Kant e outros filósofos posteriores. inteUigi

Sociedade humano e sociedade animal

O fundamento real da sociedade é, antes de mais nada, biológico, e constituído pelo próprio facto da geração. Mas a sociedade, como fenómeno, não respeita apenas ao homem. A sociabilidade manifesta-se no mundo animal em geral e, pode mesmo afirmar-se, no mundo orgânico. Conhecido é como ela, em certas espécies animais (a da abelha, a da formiga e a do castor, por exemplo) se apresenta em elevado grau. Mara vilhosa é a vida em comum da formiga, cuja orgânica com preende fenómenos de actividade militar, de divisão de tra balho, de distinção de classes sociais, e até de escravidão (as formigas nascidas de crisálidas roubadas a outras tribos vivem em regime de sujeição). Darwin afirmou que talvez não exista neste mundo átomo mais maravilhoso do que o cérebro da formiga. As sociedades animais mereceram, recentemente, cui dadoso estudo por parte de muitos sociólogos, que pensam poder partir daí para a explicação dos fenómenos da sociedade humana. Exemplo disto, dá-o o livro de Espinas: «Les sodétés cmimdles».

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De facto, contudo, grandes são as diferenças entre estes dois tipos de sociedade. E isto por virtude da natureza psíquica mais elevada do homem. Este é capaz de ideias racionais, abstractas e gerais; a semelhante capacidade corresponde a linguagem, que serve a comunicação das ideias e permite esta belecer um colóquio quase permanente entre as sucessivas gera ções, pelo qual elas transmitem umas às outras o produto da sua experiência e do seu trabalho. Daí a civilização e o pro gresso. A progressividade é precisamente um dos elementos que distinguem a sociedade humana das sociedades animais.

Concepção mecânica e concepção orgânico da sociedade

Dissemos que a sociedade humana era fenómeno natural e condição de vida para o indivíduo. Convém, agora, determi nar-lhe, mais rigorosamente, as características essenciais. Surge aqui uma questão: é a sociedade mera soma de indivíduos, um aglomerado de partes que permanecem separadas e dis tintas entre si (concepção mecânica ou atomística da sociedade), ou qualquer coisa de superior e diverso, uma entidade nova, dotada de vida própria (concepção orgânica da sociedade) ? Por organismo designamos um ser composto de várias partes,

que

desempenham

funções

distintas,

de

modo

a

man

No organismo temos uma unidade íntima, uma entelequia, na expressão de Aristóteles, isto é: qualquer coisa que tem em si o seu próprio fim. As diversas partes constitutivas de um organismo con vergem para um mesmo objectivo: a vida do todo, e a esse objectivo subordinam a actividade e as funções. Apresenta a sociedade notáveis analogias com o organismo. Os indivíduos que compõem a sociedade estão, relativamente a ela, em uma relação semelhante àquela em que se encontram as partes cons titutivas de um corpo orgânico relativamente ao todo. Seme lhante, dizemos, mas não idêntico. ter,

com

a

sua

acção

combinada,

a

vida

do

todo.

464


Esta concepção é rnuto antiga e foi muitas vezes exagerada. Na verdade, trata-se só de urna semelhança, de uma analogia, não de uma identidade. Platão define o Estado (forma típica, especialmente para os gregos, da sociedade) um homem em ponto grande, e Aris tóteles ensina que o Estado é, por natureza, anterior aos indi víduos, como o todo é anterior às suas partes; isto, bem entendido, na ordem lógica (não se poderia conceber, por exemplo, uma mão vivendo de per si, destacada do organismo a que pertence; assim também o indivíduo tem por condição da sua existência a existência da sociedade). O mesmo conceito aparece também nos escritores romanos, como por exemplo, no célebre apólogo de Menenio Agriffa e nas doutrinas de Cícero e de Séneca. Igualmente o encontramos em S. Paulo, em S. Tomás e, por último, com novos desenvolvimentos, na Filosofia moderna. Muitas vezes, a concepção orgânica apresenta-se com nítido cunho espiritualista; outras, porém, com cunho materialista. A Escola histórica do Direito representa a primeira destas duas modalidades, considerando cada povo como dotado de alma própria (Vólksgeit, alma ou espírito popular). Isto é: admite-se um organismo espiritual e ético. Schelling, Hegel, e os adeptos de ambos, aceitaram esta concepção. Outros pensadores, pelo contrário, e entre eles recorda mos Comte e Spencer, conceberam a sociedade num sentido mais estreitamente biológico ou mesmo materialista. Comte deixou-se influenciar pelos caracteres orgânicos da sociedade, de modo a intentar a fundação de uma nova ciência (sociologia) que estuda a vida deste novo ente distinto da vida dos indiví duos, ou seja: como formação natural de ordem mais elevada que a dos próprios indivíduos. Spencer, por sua vez, seguindo rumo semelhante, encarou a sociedade como um todo vivo e distinguiu nela as várias classes sociais, comparando-as aos vários tecidos do organismo. Mas é mérito de Comte e de Spencer o nunca terem ultrapassado os limites da simples ana-


465

logia. Por outras palavras: nunca .perderem de vista a distinção entre o organismo biológico e o organismo social. Esta distin ção foi, porém, esquecida por alguns epígonos de ambos, sobre tudo pelos de Spencer, os quais exageraram a doutrina orgâ nica ao ponto de terem caído em identificações arbitrárias e em graves absurdos. Schaffle, por exemplo, autor da obra Estrutura e vida do corpo social, estudou a vida social, depois de se ter dedicado longamente à Anatomia, com o preconceito de encontrar no corpo social todos os órgãos correspondentes aos órgãos individuais. Daqui os confrontos tantas vezes arbi trários e as metáforas incongruentes. Exemplo: a dos segmentos sociais, a dos gânglios sociais, etc. Outros confrontos ainda mais disparatados (por exemplo, o da caixa de poupança com o sistema vascular, o das redes telegráficas com o sistema nervoso) contribuíram fortemente para o descrédito da modema Sociologia. Na verdade, a parte mais séria desta ciência é ainda a que atende às antigas tradições da Filosofia da Histó ria, procurando na unidade do espírito a raiz da fenomenologia social. Valor e limites da concepção orgânica

Importa nesta altura indicar os limites dentro dos quais podemos aceitar a concepção orgânica da sociedade. Os exa geros cometidos não deverão conduzir-nos a um exagero oposto: o de desconhecer as profundas analogias existentes entre orga nismo e sociedade. Bastarão, aliás, essas analogias para nos levar a afastar a concepção mecânica. E, de entre essas ana logias, duas têm valor decisivo. A primeira é esta: a sociedade tem vida independente da vida dos indivíduos que a compõem. Os indivíduos passam, sucedem-se uns aos outros, mas a sociedade permanece e con serva a sua forma. Por outro lado, a sociedade nasce, desen volve-se e morre de modo próprio e seguindo trajectória .própria. F D-30

466

LIÇOES DE FILOSOFIA. DO DIREITO

Se descrevemos a vida de todos os indivíduos que a compõem, não teremos ainda descrito a vida dela. A segunda é esta: existem relações necessárias entre os vários indivíduos que compõem uma sociedade. Como conse quência disso, cada indivíduo sente o efeito da sua articulação ao todo. Há uma solidariedade, urna colaboração nos escopos comuns, isto é, um ordenamento das diferentes actividades, rela tivamente aos fins, que excedem a vida individual. O trabalho individual não se destina apenas a satisfazer as necessidades de um número indefinido de indivíduos. Verifica-se na socie dade lima distribuição de tarefas (urna «divisão de trabalho», como Durkheim Lhe chamou), ou, como costuma dizer-se, uma «organização» dos ofícios e da vida em comum. Ãparte estas semelhanças, que nos mostram o carácter orgânico da sociedade, mister é ainda notar — como Spencer, aliás, também cuidadosamente fez — as diferenças entre orga nismo e sociedade. Reduzem-se, fundamentalmente, a duas. A sociedade, ao contrário do organismo propriamente dito, não é um todo compacto, concreto, incindível; as suas partes não ocupam posto fixo, como acontece às partes constitutivas de um organismo, mas gozam de certa mobilidade, de certa auto nomia ou independência, que cresce em relação com o desen volvimento da própria sociedade. Em suma: a sociedade é um todo discreto, ao passo que o organismo é um todo concreto. Acresce que, na sociedade, são possíveis determinados fenó menos que não encontram equivalente no organismo. Pense-se, por exemplo, na emigração, no suicídio. Estes fenómenos nunca receberão plena explicação através da concepção orgânica enten dida estritamente. A outra diferença, ainda mais importante do que a pri meira, é de ordem espiritual. No organismo existe um único fim: a vida do todo; as partes só possuem valor enquanto cancorrem paria a manutenção da vida do todo, e esta é a sua razão de ser. A sociedade, essa, se tem os seus fins próprios, serve os fins dos indivíduos que a compõem; é condição neces


467

sária para a vida destes: cada um dos indivíduos que a com põem, não é apenas meio, mas também um fim em si mesmo — possui valor absoluto. Desta diferença essencial entre sociedade e organismo resultam consequências importantíssimas para as aplicações jurídicas. E inconcebível, para nós, um sistema jurí dico que desconheça a ideia do valor da pessoa humana. Ora se seguíssemos literalmente a teoria orgânica, teríamos de negar esse valor e de olhar para o indivíduo como se ele fosse um simples meio. A tão grande erro se inclinam os sociólogos que, sem prudentes reservas críticas, consideram a sociedade um organismo. Não pode ignorar-se que em semelhante erro caíram os melhores clássicos gregos, Platão e Aristóteles, aos quais a ideia do carácter orgânico da sociedade impediu de apreciar adequadamente o valor da personalidade humana (por isso, eles puderam justificar, por exemplo, a escravidão). Outro defeito da teoria orgânica reside no facto de ela poder dar a ideia, pouco exacta, de a sociedade se fundar tão só no vínculo biológico. Ora o fundamento da sociedade é facto complexo, abrangendo em si muitos e diversos vínculos. Não existe a sociedade, mas existem sociedades. Se observarmos a realidade social, verificamos que os homens não se agrupam de um só modo mas de diversos modos, conforme diferentes critérios e fins. Isto quer dizer que temos sociedades de tipos diversos. O sangue é o primeiro vínculo social; ele dá lugar à sociedade dos parentes que se funda no vínculo da geração. O segundo vínculo é o da origem, e traduz-se por certas afini dades — linguagem, costumes e usos, etc. — que estão na base da sociedade nacional. Os homens, contudo, podem ainda reu nir-se em grupos segundo as actividades ou as profissões que abraçarem, e, sobretudo, atendendo aos modos da produção e da distribuição da riqueza; assim se forma a chamada socie dade em sentido económico. Mas também os une a comuni dade de crenças religiosas, fundamento da sociedade religiosa. Podíamos ainda prosseguir na enumeração. Mas isto basta. Paira terminar, apenas indicaremos ainda a sociedade impor

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tantíssima, que se baseia oo vínculo jurídico: o Estado. Sobre ela nos explicaremos mais adiante. A sociedade apresenta-se, portanto, para repetirmos conhe cidas analogias (ver, por exemplo, Leroy Beaulieu, o Estado moderno e as suas funções), como uma rede complexa, um dese nho de várias cores. Entre os homens são possíveis tantas com binações sociais quantas são as combinações químicas na natu reza. Se cada indivíduo fizesse o inventário dos vínculos sociais que lhe dizem respeito, nos vários aspectos da sua existência e actividades, verificaria que participa ao mesmo tempo em numerosíssimas sociedades. Esta última consideração mostra como é relativo o conceito de classe social. Na sociedade podemos distinguir, sem dúvida, várias classes. Mas tal distinção pode obedecer a diversos cri térios ; e , por conseguinte, consoante adoptarmos este ou aquele critério, poderemos assim encaixar o mesmo indivíduo nesta ou naquela classe. O Estado Conceito de Estado. Seus elementos


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vência dos indivíduos. Os restantes vínculos sociais acusam em alto grau o influxo do Estado, e devem colocar-se no seu âmbito e terreno. No Estado e pelo Estado adquire uma multidão de indi víduos a faculdade de querer e de operar como ente autónomo, e a de imprimir uma direcção unitária e coerente à sua vida. Surge assim uma verdadeira síntese, uma união de indivíduos, base de um novo ente (cum una sit omnium voluntas —disse Hobbes— pro una persona civitas habenda est). O Estado é, portanto, sujeito de Direito; e não apenas um sujeito mas o sujeito por excelência, como vimos. Várias definições do Estado têm sido propostas. Uma das mais simples é a de Kant: «reunião de uma multidão de homens conviventes debaixo de leis jurídicas». Mas esta defi nição é inadequada. Tanto se aplicaria aos habitantes de um concelho como de uma província, e mesmo até aos de um cárcere. Hegel define o Estado por urna fórmula excessiva mente vaga: «actuação da Ideia ética»; ou, então: «a substân cia ética consciente de si própria». De colorido materialista, e também insuficiente, é a definição de Duguit : «agrupamento humano,

fixado

em

um

território

determinado,

e

onde

os

mais

fortes impõem a sua vontade aos mais fracos.

O conceito de sociedade, pela sua generalidade, como aca bamos de ver, compreende toda a espécie de vínculos. Mas, entre estes, um há que possui carácter bem definido e particular importância: o vínculo jurídico ou político, em virtude do qual os homens estão ligados ao Estado. Ê este uma forma da socie dade. O conceito de sociedade é o género, o de Estado a espécie. O Estado não corresponde, porém, à mais vasta forma de sociedade, nem à única. Outras sociedades há, com efeito, como a religiosa ou nacional, que compreendem maior número de indivídiuos, pertencentes a diversos Estados. Todavia, se o Estado não representa o vínculo social mais amplo, é, sem dúvida, o mais firme e o mais forte, pois modela com maior energia e determina com maior precisão as relações de convi

Entre as várias definições possíveis do Estado preferimos esta, por ter o mérito de não deixar na sombra a personalidade deste: «Estado é o sujeito da vontade que cria um ordena/mento jurídico»; ou, se se preferir: «Estado é o sujeito da ordem jurídica,

em

que

se

realiza

a

comunidade

de

vida

de

um

povo».

Esta última definição requer, corno já indicámos, a distinção fundamental entre sociedade e Estado. O Estado consiste, essen cialmente, na ordem jurídica, e esta corresponde, por assim dizer, à ooliuma vertebral da sociedade: à ossatura em tomo da qual se dispõem os diversos tecidos sociais. ÉS nela que assen tam as relações complexas que constituem a comunidade de vida de um povo. Segundo tal conceito, o Estado pode ainda brevemente definir-se: *a expressão potestativa da sociedade».



470

Distihguem-se no Estado três elemento®: povo, território e vinculo juridico. Os dois primeiros são de índole material e, substancialmente, representam pressupostos de facto necessá rios; o terceiro é de índole formal e, logicamente, o mais importante die todos. O Povo

Por povo entende-se a multidão de pessoas que compõem o Estado. Este, como qualquer outra forma de sociedade, pre cisa, antes de tudo, de um certo número de indivíduos. A velha discuissão sobre o número de indivíduos necessário corno mínimo para formar um Estado carece de qualquer significado cien tífico. Em alguns escritores encontramos critérios numéricos, que, todavia, são meramente empíricos e inadmissíveis cien tificamente. Só é possível afirmar: é necessário um, número de

homens

organização

bastante completa

grande e

uma

para

permitir

vida

autónoma

à

multidão independentes

uma de

Pois o Estado, na verdade, possui em aJLto grau o carácter da autarquia.; isto é: deve bastar-se a si mesmo. Um número restrito de indivíduos poderá formar uma família ou um «clan», grupo gentílico; mas o Estado supõe uma maior diferenciação, uma distribuição orgânica de funções, que assegure, de modo estável e definido, o desenvolvimento da vida humana em suas formas, gairantindo-lihe a autonomia. A mul tidão de homens que constitui um Estado é, aliás, variável, sem que por isso venha a alterar-se a sua personalidade. O Estado subsiste apesar da sucessão das gerações e do aumento ou diminuição do número dos seus componentes. E isto comprova a afirmação de que o Estado não é simples soma de indivíduos, mas um ente distinto. poderes

estrangeiros.

Povo e Nação

é palavra com diferentes significados; mas, como já o dissemos, indica propriamente a multidão que constitui o Povo

471

Estado. Se, além de tal vínculo, ou, mesmo na falta dele, existem vínculos naturais de comunidade, temos, nesse caso, uma Nação. Entre estes vínculos, surgem, muitas vezes, os da origem étnica, segundo a etimologia própria da palavra: «natio quia nata». Também há os vínculos resultantes da cultura, da tradição histórica, do cositume, da linguagem, da religião, etc. Todavia, muitas destas características distintivas, que é de uso indicar, não são de aceitar como essenciais para o conceito de Nação. Por exemplo: a unidade de origem étnica, que como primeiro critério se indica não é essencial, uma vez que, desde sempre, mesmo nas eras mais remotas, se deram misturas de raça. Estas misturas foram determinadas por várias causas: conquistas militares, imigrações, comércio, etc.; e ainda deve mos recordar o fenómeno frequente, sobretudo nas sociedades primitivas, da adopção — pelo qual os indivíduos de uma estirpe são encorporados em uma outra e considerados, embora fioticiamente, como do 'mesmo sangue que corre na estirpe encorporada. Não existe, pois, uma raça pura, nomeadamente ai onde a união social é muito antiga e cimentada pelo vínculo político. E a afirmação procede, não só para a Nação italiana, por causa das numerosas imigrações e dominações, mas tam bém para a inglesa ou francesa, as quais, embora há muitos séculos unificadas em Estados, foram formadas por elementos diversos. Desta sorte, se adoptássemos rigorosamente o critério étnico, teríamos de concluir pella inexistência dia Nação. A mul tiplicidade das origens étnicas na base da vida social é, aliás, elemento fortificante e não enfraquecedor da Nação. Muito menos essenciais são as restantes características, como, por exemplo, a identidade de crenças religiosas. Afastando-os destes critérios iremos atender aos elemen tos 'genuinamente essenciais, a fim de chegarmos ao conceito rigoroso de Nação. O primeiro destes elementos é de natureza psicológica: a profunda e conatural unidade de sentimentos e de pensamentos em que radica a «consciência nacional»; esta implica a crença em um destino comum, alimentada pela recor-

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dação dias gestas passadas e de comuns acontecimentos. Vem, depois, um outro elemento que é quase a concretização sensível do primeiro, ou seja: a linguagem. A identidade da linguagem é a prova de uma convivência secular, herdada pelos homens que dela usam; denota uma concordância e afinidade entre indivíduo e indivíduo; e, conjuntamente, toma possível a con vivência e permite a comunicação rápida e fácil dos sentimentos e das ideias. A linguagem, deste modo, vem a compendiar uma soma enorme de experiências e tradições comuns que se per petuam como base da cultura. Se, portanto, tivermos em consi deração a consciência nacional como elemento psicológico e a linguagem como manifestação teremos o conceito de nação. Posto isto, pergunta-se agora: será de admitir a definição que diz ser o Estado o ordenamento jurídico da Nação ? Proposta par Mancini, e acolhida com muito favor no seu tempo, foi considerada uma das bases da chamada escola italiana de direito internacional. Todavia, a definição mereceu algumas críticas, e nem todas infundadas. De facto, o Estado assenta apenas sobre o vínculo jurídico, que pode existir mesmo quando os outros vínculos faltem. Por outro lado, a Nação é consti tuída por elementos naturais, capazes de subsistir fora da unidade política e jurídica. Mais próxima da. verdade está, pois, aquela teoria segundo a qual cada Nação, mesmo quando não ainda Estado, tende a tomar-se Estado. Nação, com efeito, representa feixe de vínculos naturais, um complexo de identi dade e de comunidade. Ora o vínculo jurídico, como já vimos, é a forma mais firme e mais perfeita da comunidade. Portanto, é natural que cada nação tenha um pendor espontâneo para se constituir em unidade política, ou seja: para se dotar a si mesma com um ordenamento jurídico apropriado às suas rela ções vitais, as quais devem estabelecer-se e desenvolver-se dentro de seus limites e apoiar-se nele. A Nação é, por assim dizer, o fundamento natural do edifício, cuja cúpula é o Estado. Quando se verifica um contraste entre Estado e Nação, dá-se um desajustamento, uma interferência que se manifesta


473

pelo recíproco esforço de reconciliação; cada um destes ele mentos diligencia plasmar o outro, de modo a novamente coin cidirem. O Estado, porque representa, de per si, uma forma de vida unitária, tende a formar a Nação, pois exerce influência agregadora sobre os elementos étnicos heterogéneos que a com põem. Este fenómeno é de todos os tempos, embora seja mais particularmente nítido nas épocas primitivas, em que a activi dade estadual chega a fundir gentes diversas, como se o Estado fosse um gigantesco crisol. Não se pode duvidar de que o domínio de Roma, por exemplo, desempenhou grande papel na formação da nacionalidade italiana: os diversos povos da península — sabinos, úmbrios, etruscos, lígures, etc. — devido à longa dominação romana, acabaram por conviver na forma de comunidade. Na Idade-modema, predomina a tendência oposta, isto é: manifesta-se mais frequentemente a capacidade e a eficácia com que a Nação modela o Estado. Esta tendência da Nação, que consiste em criar a sua própria base jurídica, é exigida pela sua vida e manifesta-se corno facto necessário e constante, embora tenha intensidade variável consoante as épocas. O esforço das Nações para se organizarem em Estados foi particularmente enérgico no século xix, durante o qual o Estado se afirmou sempre como Estado nacional. Mas a cons ciência nacional é ainda uma força viva, que certamente não esgotou todas as suas virtualidades como força formadora e transformadora dos Estados, não obstante as tendências para a formação de uma organização internacional. Esta, entendida no seu justo sentido, pressupõe a 'liberdade das nações. O Território

o

O segundo elemento do Estado é ainda de índole natural: território. Por esta palavra designa-se uma superfície de

terra

habitável,

em

permanente

relação

com

o

povo

que

nela

Se este elemento faltar, impedida fica uma multidão, ainda que numerosa, de se constituir em Estado. O Estado

se fixou.

474


assume sempre o carácter de aglomeração temporal. As tribos nómadas, por exemplo, se as .podemos considerar Estados em brionários, não representam, porém, Estados propriamente ditos. A razão é que a estabilidade das sedes é condição essen cial para estabilidade das relações jurídicas. Acresce que ao Estado faltaria a nota da autarquia, dia necessária indepen dência, se não exercesse domínio sobre determinada porção de território. E se o território estivesse sujeito a outro poder, surgiria dualismo inconciliável de soberania. Sobre o território exerce o Estado poder análogo ao que exerce sobre as pessoas. Isto é: possui um «império de ordem pública» o qual se não confunde com as relações e competên cias privadas (corno por exemplo, a propriedade). Contudo, em certas épocas fez-se essa confusão, nomeadamente na época feudal, em que o senhorio político estava quase identificado com o direito de propriedade do solo e os impostos mal se distinguiam das prestações devidas pelo arrendamento. Seme lhantes erros são facilmente evitáveis se for estabelecida uma distinção nítida entre estas figuras jurídicas. O direito do Estado sobre o território é um aspecto da soberania e, por conseguinte, possui carácter 'genuinamente público; os proprie tários singulares, mesmo nesta qualidade, encontram-se sujei tos às leis do Estado, que tanto regulam a propriedade como qualquer outro instituto de direito privado. Sem dúvida, o Estado pode ser proprietário de uma parte do solo, ou de outra qualquer coisa (bens patrimoniais); mas, quando isto se veri fica, não diverge a sua situação dia situação dos cidadãos pro prietários, isto é, está sujeito às suas próprias leis, por uma espécie de desdobramento ou auto-limitação. Em suma, o Estado tem, por assim dizer, não só urna personalidade de direito público como urna personalidade de direito privado. Além da propriedade de direito privado comum, que cons titui os seus bens patrimoniais pertence ao Estado uma espe cial categoria de bens, denominados bens do domínio público (dominiais), que por serem de uso público ou se destinarem


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a uma função pública, são legalmente inalienáveis (fora do comércio). Tais são: as praias marítimas, os portos, os rios, as fortalezas, e mais obras destinadas à defesa nacional, e em regra, ainda as vias férreas e as vias normais, os aeró dromos, os aquedutos, etc. (vejam-se os artigos 822.° e seguintes do Código Civil). !E óbvio que quando venha a cessar o destino do uso público, e tiver sido legalmente declarada essa cessação, esses bens perdem o carácter de inalienabilidade, e tomam-se bens patrimoniais disponíveis. Poderá também a disponibilidade do património do Estado bem como o das províncias e municípios ser sujeita a regras especiais e limitada. O domínio soberano do Estado sobre o território estende-se ao mar limítrofe das suas costas (o designado mar territorial). Ê velha a questão da delimitação dessa zona. Durante muito tempo a fórmula seguida era a de que: Terrce potestas finitur ub finitur armorum vis; e como o alcance máximo da arti lharia de costa era de três milhas marítimas, atribuia-se a essa medida validez jurídica. O aumento de potencialidade dos meios 'bélicos fez perder a esse critério toda a sua razão inicial, mas, por costume, foi durante muito tempo mantido, e ainda hoje é aceito como mínimo não contestável da soberania. Alguns Estados há que declaram arrogar-se a um mais lato poder, tomando para limite do mar territorial a extensão de quatro a seis milhas, ou ainda uma extensão maior. Escasseiam nesta matéria normas bastantes definidas. Há que, porém, não afastar e antes firmar o princípio da liberdade absoluta mesmo no mar territorial, sem quaisquer vínculos de soberania, para além de um certo limite máximo, limite que alguns juristas fixam em doze a quinze milhas marítimas. Discutiu-se se o alto mar constituirá res nullius ou res communis omnium. É este último conceito que deve ter-se como mais exacto, por eliminar não só a aquisição ou apropriação actuais como a possibilidade futura das mesmas, por quem quer que seja.

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A soberania do Estado estende-se, por oultro lado, ao espaço atmosférico que recobre o território e mar territorial. Tem sido feita distinção de dois estratos ou zonas da atmosfera, na base da distância maior ou menor ao solo, mas em termos destituídos de precisão, distinção assente em óbvias razões práticas e técnicas. Como regra, não pode nem deve impe dir-se a liberdade de navegação aérea: em tempo de paz impõe-se que não seja recusada por nenhum Estado a liberdade de pas sagem com fins inofensivos sobre o seu território e respecti vas águas territoriais. Assim expressamente o declarou a Con venção de Chicago sobre a aviação civil internacional de 7 de Dezembro de 1944. Mas são de admitir, como é óbvio, restri ções ou condicionamentos de sobrevoo por considerações de ordem militar ou de segurança. Em condições jurídicas muito particulares se encontram os territórios que, sem deixar de estar vinculados mais ou menos estreitamente a um Estado, todavia não são parte inte grante do mesmo, como sejam as colónias, protectorados, e regiões sob mandato (na terminologia já empregada no Pacto da Sociedade das Nações). O regime jurídico desses territórios apresenta características de grande variedade e modificabilidade, mas em todo o caso bem acentuadamente diferentes das do território da metrópole. Por vezes dispõem de governo pró prio corn uma esfera limitada de autonomia. Finalmente observaremos que, apesar de a posse de um território ser elemento essencial da existência do Estado, a perda temporária dessa posse por motivos militares durante uma guerra não determina a imediata extinção do Estado, semelhantemente a um organismo a quem também a suspensão momentânea de certas funções não acarreta a morte imediata. À potência ocupante, por ocupação bélica, cabem segundo o direito internacional, certos direitos, acompanhados de deve res determinados, mas essa ocupação não produz transferência da soberania do território ocupado. Ela só pode operar-se juri dicamente com a cessação do estado die guerra e conclusão da

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paz. Até esse momento coexistirão de certo modo no mesmo território dois sistemas jurídicos diversos, em que, de facto, um deles estará suspenso da maioria, das suas funções, e o outro somente vigorará a título precário, e sem que possa eximir-se de deixar subsistir os institutos preexistentes, em conformidade com os princípios e limites fixados pelo direito internacional na matéria. Quando esses limites sejam ultrapassados o Estado ocu pante perderá a qualidade de legítimo beligerante.

Vínculo jurídico e soberania

O terceiro elemento do Estado é, como dissemos, o vínculo jurídico. Ê este o elemento que verdadeiramente dá a forma e o carácter próprios ao Estado, enquanto os demais elementos são apenas materiais. Todos os invidíduos de um Estado se acham vinculados por uma série de direitos e deveres recíprocos, os

quais

são

determinados

por

um

poder

supremo

e

unitário,

Esta noção é necessária à integração das considerações já feitas sobre as características das normas jurídicas. Vimos a seu tempo que o Direito implica sempre um comando, um impera tivo. Mas, a este propósito, é admissível perguntar: quem comanda? Acrescentamos também que o Direito é essencial mente coercável. Quem exerce a coacção? O Estado é, precisa mente, quem cumpre estas funções de comando e de coacção, sendo, como dissemos, o sujeito do ordenamento jurídico. Dele promanam as normas jurídüoas, pois ele representa o poder supremo; isto é, está investido na soberania (suprema potestas). O conceito de Soberania é correlativo ao do Estado. O Estado não é Estado, ou, pelo menos, não é perfeito, se lhe faltar a soberania. Os chamados Estados semi-soberanos, Estados pro tegidos ou Estados vassalos, constituem figuras imperfeitas de Estados. que

é,

por

sua

vez,

o

sujeito

do

ordenamento

jurídico.

478


A soberania pode encarar-se por dois aspectos distintos: o externo e o interno. Pelo primeiro aspecto, diz-se soberano o Estado que não está submetido a outro Estado, isto é, não depende de outro; pelo segundo aspecto, enquanto exerce um «imperium» sobre o território e a população. Todos os cidadãos, enquanto pertencem a um Estado, acham-se vinculado® perante ele e têm o dever geral de obedecer às suas leis. Há um dever jurídico geral de subordinação ao Estado. Claro está, isto tem de entender-se com relação a um ordenamento jurídico positivo. Bom é recordar que a soberania, que se exerce sobre os cidadãos, não provém de fora, mas de dentro; esta é, por via de regra, um produto da própria vontade dos sujeitos. O Estado, em suma, é a síntese das vontades e dos direitos individuais: corresponde ao momento ideal de convergência daqueles direitos em uma suprema expressão potestativa. A soberania tem a sua sede no próprio povo, enquanto este está organizado em Estado. Este conceito reflecte a parte de verdade que cabe à doutrina, tantas vezes depreciada, do contrato social — contrato que não possui o significado empírico que os juristas lhe dão, mas equi vale à conformação necessária da individualidade dos cidadãos e ao seu encontro recíproco, na forma de uma universalidade, que é o Estado. Constituição • divisão de poderes

Constituição é o modo pelo qual ®e organiza o poder do Estado e se regula o seu exercício. Neste sentido, não há Estado sem Constituição. A palavra, contudo, abrange «.imda. um con ceito mais restrito: o de um ordenamento do poder público que se faz acompanhar de um sistema de garantias dos direitos individuais. A este propósito, os Estados classificam-se em Estados constitucionais e Estados não-constitu/cionais. A dis tinção tem, contudo, simples valor relativo, uma vez que a Liberdade e a Autoridade acabam sempre por se equilibrar de


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qualquer modo; além disso, múltiplas são as formas de asse gurar a tutela dos direitos individuais. Abstractamente considerado, uno é o poder público. Mas em princípio, isto não impede que se divida, quanto ao exer cício, entre vários órgãos. A pluralidade dos órgãos não destrói a unidade do Estado, antes é condição da organização e manu tenção dela. Para recorrermos a uma comparação, podemos dizer que a vida de uana planta é tomada possível pelo facto de possuir vários órgãos, alguns dos quais destinados a absor ver as seivas do terreno, outros à circulação da linfa e outros a purificá-la das poeiras do ar, etc. Quanto maior é a diferen ciação dos órgãos e das funções, tanto mais perfeito o orga nismo. Analogamente, nós observamos uma distinção progres siva na organização política, à medida que a vida do Estado se desenvolve. Nas fases primordiais, as funções estão, de facto, concentradas nas mãos de um indivíduo que sozinho as desem penha. Ê o chefe da tribo, por exemplo, que simultaneamente actua corno rei, legislador, sacerdote e juiiz. Mas isto, que é possível nas fases embrionárias, toma-se menos viável nas fases ulteriores, em que se desenvolvem e aperfeiçoam as fun ções do Estado. Nesse momento toma-se necessário o aumento do número dos órgãos e uma sua distinção, correspondente à diversidade de funções. A distinção das funções tem, por conseguinte, significado quase técnico e, por assim dizer, biológico. Mas, por outro aspecto, possui importância política, na medida em que repre senta uma garantia da liberdade. Foi o conceito da divisão dos 'poderes especialmente for mulado por Montesquieu. No entanto, este já fora pressentido por Aristóteles e preanunciado por Locke. Na obra Esprit des Lois (1748), Montesquieu, referindo-se à Constituição inglesa, distingue três poderes do Estado: legislativo, executivo e judiciário. E sustenta que estes poderes deverão ser divididos, independentes uns dos outros. Observou-se já que a concepção de Montesquieu não é inteiramente aceitável, não sendo no

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todo exacta, nem teoricamente. O poder do Estado é substan cialmente unitário e nem sempre é possível urna absoluta sepa ração entre os seus diferentes órgãos. Recordemos que, segundo o Estatuto constitucional até há pouoo vigente na Itália, o Senado tinha uma função judiciária (como Supremo Tribunal de Justiça) além da legislativa; o Rei participava do poder legislativo enquanto era chefe do executivo. Ainda segundo a nova constituição da República italiana, dão-se casos de uma pluralidade de funções confiadas a um mesmo órgão: por exem plo, as Câmaras realizam actos administrativos quando deci dem inquéritos, nomeiam os seus empregados, etc., enquanto que órgãos administrativos têm também funções jurisdicio nais, como o Conselho de Estado, o Tribunal de Contas, etc. Outros exemplos análogos podem encontrar-se não só na Cons tituição italiana como em qualquer outra constituição. Con tudo o princípio que, embora impropriamente, se designou por divisão ou separação de poderes, e que melhor seria designar por distinção de funções, tem qualquer coisa de verdadeiro: a afirmação de que das três funções pelas quais o Estado mani festa a sua vontade, a administrativa e a judicial deverão estar subordinadas à legislativa, a expressão mais directa da sobe rania. Daqui resulta que se deverá instituir uma tal separação de funções, que tome possível fazer valer a lei por meio de órgãos judiciários, mesmo contra os eventuais actos ilegítimos do Governo, no desempenho das suas funções administrativa ou executiva. Em suma: deverá instituir-se um sistema tal que a função normal de aplicar a lei ou de exigir o seu cum primento não pertença ao mesmo órgão que a faz. Mediante a função legislativa, que é a mais alta de todas, o Estado fixa as normas obrigatórias da convivência; estas actuam ainda como fundamental limite da própria acção dos órgãos estaduais. A função executiva ou administrativa com preende todas as manifestações concretas da actividade que o Estado desenvolve para a consecução dos fins sociais: activi-


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dade que desenvolve sulbordinadamente às leis. Característica decisiva desta função é a da continuidade (a legislativa pode ser intermitente). Daqui resulta um dos aspectos da preemi nência do legislativo. Esta revela-se também no facto de os órgãos executivos, em casos extraordinários, poderem substi tuir os órgãos legislativos normais, mas, por via de regra, só com prévio consentimento destes ou, pelo menos, sujeitando-se a sucessiva ratificação deles. Múltiplas são as espécies da acti vidade administrativa ou executiva, todas correspondentes aos variados fins sociais — defesa do território, educação e ins trução pública, administração financeira, etc., e diversos são, por conseguinte, os órgãos de tão complexa actividade. É cos tume distinguir os órgãos executivos centrais (Governo em sentido restrito) dos órgãos executivos locais (Províncias, Con celhos e Municípios, por exemplo). Outras distinções são pos síveis, de harmonia com diversos critérios. Ã função judiciária pertence a tarefa de tomar certo o Direito para os casos controvertidos, quer para os simples par ticulares, quer para os próprios órgãos executivos ou admi nistrativos. Se ao mesmo órgão fosse possível estabelecer a norma geral e aplicá-la aos casos singuilares, viver-se-ia no arbítrio; isto é: faltaria a necessária garantia de objectividade e até da Justiça. Note-se, por conseguinte, que o poder de suscitar a intervenção dos tribunais para tornar certo o Direito em cada caso, é, de per si, uma garantia constitucional de primeira importância: a autoridade judiciária não pode recusar-se a dar sentenças, invocando a falta de norma aplicável, a sua obscuridade, ou ainda o silêncio da lei. Dos princípios gerais de Direito, isto é: da razão jurídica natural — deve ser, e é, sempre possível deduzir o critério mais adequado à resolução dos casos duvidosos e ao restabelecimento da ardem jurídica perturbada, mesmo quando as expressões positivas desta sejam defeituosas ou lacunares. F D-31

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A função judiciária e o Escola do direito livre

Permanece firme o princípio fundamental da subordinação da função judiciária e da executiva à lei. Mas, contra ele, mani festou-se recentemente a Escola do direito livre. Esta pretende libertar a autoridade judiciária da obrigação de se ater, em cada caso concreto, à lei preestabelecida. Na opinião dos sequa zes da referida escola, outro princípio deverá ser observado: o de que o julgamento se baseia na consciência do juiz; ou seja: sobre a apreciação equitativa que ele possa efectuar dos interesses em luta. Esta tese, enunciada já parcialmente por Ehrlich, e, de certo modo, também por Geny, recebeu a sua formulação mais precisa de Kantorowicz que apresentou as suas ideias no livro A luta pela ciência do Direito, publicado em 1906 sob o pseudónimo de Gnaeus Flavius. Estas ideias foram, depois, sustentadas por Stampe e outros. Todos estes autores entendem que a chamada vontade do legislador é uma abstracção, a qual, dada a sua natureza, dificilmente corresponde às exigências postas pelos novos casos concretos. Mas, tornando o juiz criador e livre inovador do Direito, reconhecer-se-á o verdadeiro carácter da sua função. Esta não é a de simples intérprete passivo da lei. Ampliando-a, tomar-se-á possível um progresso mais rápido do Direito, uma mais ágil adaptação do mesmo às novas necessidades. Semelhante teoria, por sedutora que seja por alguns dos seus aspectos, não é inteiramente nova, e tem os seus prece dentes. Bastará lembrar a atitude crítica da Escola histórica perante a codificação. A diferença está em que a Escola histó rica se baseava sobretudo no costume como fonte principal do direito positivo. Não se confunde esta, por conseguinte, com a Escola do direito livre. Esta última renova o mote eterno da crítica aos defeitos e insuficiências dos ordenamentos jurí dicos positivos. Seja contudo observado que dispensar o juiz da sua subordinação à lei, a pretexto de corrigir a abstracta rigidez e fixidez da mesma lei, equivale a cair em mais grave


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inconveniente: o do sacrifício da certeza do Direito, do seu valor objectivo e impessoal, preciosa garantia da liberdade. A este propósito deve recordar-se que nas «Declarações dos direitos do homem e do cidadão», entre outras reivindicações contra os precedentes abusos, encontra-se a exigência de «só a lei ser soberana e de nenhuma ordem poder ser dada que não se baseie nela». A tal liberdade do juiz de modificar a lei ou de se afastar dela nas decisões redundaria efectivamente na negação da ver dadeira liberdade dos cidadãos. Sobre essa matéria deparam-se-nos já as mesmas controvérsias nos escritores antigos. Por exemplo, em S. Tomás de Aquino já se encontra um exame crítico da tese segundo a qual «nuiius fuisset ut executio justitwB commiteretur arbitrio judicvm, quam quod super hoc lex cüiqua conderetur», pronunciando-se ao contrário, pela de que a lei deve ter tanto quanto possível a primazia, «Necessarium fuit, in quibus cumque est possibüe, legem determinare quid judicandum sit, et paucissima arbitrio hominum commitere» (Sumrna Theol., l.a, 2.a q. 95.° art. 1.° ad. 2). Sem dúvida, é bem certo que, como observaram alguns adeptos desta escola, o juiz, ao resolver uma controvérsia, começa por seguir o espontâneo impulso dá resolução a tomar, e, só depois, trata de averiguar quais os textos da lei aplicável, sobre os quais fundamentará a decisão. A este propósito, cita-se o exemplo do grande jurisconsulto Bártolo, que costumava pro ceder assim. Mas também é verdade que esse impulso, pelo menos em parte, surge já como resultado dos estudos anterio res feitos pelo juiz sobre a lei vigente. Esta observação é tão relevante paira Bártolo como para os outros jurisconsultos. Demais, se nos textos da lei vigente o juiz não encontra base suficiente para a opinião formada em contacto com o caso, logo tenderá, sem hesitar, a abandoná-la ou a corrigi-la, a fim de se ater fielmente, como é seu dever de ofício, à lei em vigor. Claro está que a interpretação judicial consente, requer mesmo, certa margem de liberdade. Uma coisa é, porém, inter-

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pretar, mesmo que largamente, urna dada lei, outra criar direito novo, substituindo-o àquela. Só aá onde o direito positivo des falecer, é licito recorrer ao direito que emana da natureza das coisas, reconhecível pela nossa razão. Mas esta tarefa deverá também ser desempenhada sem se contradizer a led vigente.

Primado da lei

Teria pouco valor o princípio de que só a lei é soberana, se não fosse integrado por um outro acerca da própria lei. Já foi esta entendida como comando arbitrário; e, em rigor, a lei forma-se de harmonia com as diversas constituições. Mas, como exigência ideai, deve ter-se por firme o princípio de que a lei reproduz o espírito da generalidade dos cidadãos. A lei deverá ser universal, e isto tanto na origem como no Objecto. Todos os cidadãos —não uma classe determinada— devem poder concorrer para a sua deliberação, quer directamente, quer por meio de representantes. Mas isto não significa que a formação da lei deva obedecer a um princípio mecânico, ou se deva resu mir numa simples soma de votos individuais. Um perfeito sis tema representativo deverá, assim, atender às reais diferenças de capacidade e de actividade existentes entre os indivíduos. Assim se justifica, por exemplo, o facto de que, além da repre sentação dos cidadãos em geral, se organize a representação das diversas profissões. A lei deverá ser universal quanto ao objecto — ou seja; deverá contemplar uma série inteira de casos; regular uma determinada relação de modo uniforme e genérico; não se refe rir a .pessoas e casos singularmente determinados. Aliás adqui riria carácter parcial, contrário à sua verdadeira natureza. A led, pois, deverá ser entendida corno expressão da vontade gerai. Deverá ser, não só imposta, mas consentida, e de tal sorte que obedecer-lhe seja liberdade e não constrangimento. No conceito de cidadão, já Rousseau o ensinava, deve encon


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trar-se a qualidade de «súbdito» junta à qualidade de «sobe rano». Relações entre Direito e Estado

O problema das relações entre o Direito e o Estado é muito complexo, podendo ser analisado sob diversos aspectos. Supondo já constituído um certo ordenamento jurídico posi tivo, o Estado (sujeito da vontade que põe este ordenamento) será o centro de irradiação das normas que compõem o mesmo ordenamento. O Direito pode ser neste caso considerado uma emanação do Estado. Deste recebe o Direito, formalmente, valor positivo: não só as normas gerais resultantes, por exemplo, do costume, mas também qualquer acto de vontade individual. Qualquer acto, na verdade, quer no tocante à sua licitude, quer no tocante à sua aptidão para produzir efeitos jurídicos, depende sempre da sua conformidade com uma norma: o que equivale a dizer, à vontade do Estado. Portanto, se colocarmos o problema nos termos supra indicados, de nada vale a vontade individual de per si; o seu valor jurídico depende da sua convalidação por outra vontade superior que a qualifica e lhe atribui eficácia. Esta é a base sobre a qual se construiu a doutrina tradicional do negócio jurídico. Mas, se esta construção é rigorosamente lógica quando referida às premissas de que parte, estas não correspondem rigorosamente nem aos dados históricos nem aos psicológicos. Na realidade, as vontades individuais podem, ao interfe rirem umas com as outras, estabelecer um limite nas recíprocas pretensões (nisso consiste o Direito) antes ainda de surgir o Estado e independentemente do mesmo. Não só como princípio abstracto ou em sede de pura razão, mas por concretas emer gências da vida jurídica pode formar-se e determinar-se entre vários indivíduos, nascendo da própria relação a regra (segundo o profundo conceito romano) — justamente aquela regra que

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o Estado avocará com exclusividade a si mesmo, impondo-a pela necessidade de assegurar a unidade do sistema. Que assim é, como expressão da verdadeira ordem das coisas, resulta não só das fases já ultrapassadas da história, mas também das fases mais modernas. Por exemplo: quando o Estado declara que os «contratos possuem força de lei entre as partes contraentes» (Código Civil italiano, artigo 1372.°), exprime a sua vontade, sem dúvida, mas tão só no sentido de reconhecer vontades alheias e de lhes atribuir eficácia. Seremos obrigados, por isso, em homenagem a preconceitos dogmáticos, a afirmar que a vontade dos particulares se confunde com a do Bsta.do, e que cada indivíduo, ao contratar, actua como órgão do Estado? Seria evidente o excesso de oanstrutivismo. A verdade é que a estrutura jurídica da relação, em vez de receber o ser do Estado, antes ficou referida a ele como a um ponto ideal de convergência. O Estado, com efeito, é apenas o ponto ideal de convergência, ao qual se deverão referir todas as determinações jurídicas que pertencem a um sistema. Sem tal referência, este apareceria cindido ou minado e as diversas determinações não poderiam possuir inteiramente o carácter da positividade. O mesmo se poderá dizer — e ainda com maior evidência — quando se tratar já não de meras determinações individuais, como no caso dos negócios jurídicos, mas de organizações colec tivas preexistentes ao Estado, ou que, surgidas no âmbito do Estado, se tenham desenvolvido autonomamente (insta propria principia). Â medida que se opera a concentração do querer social, de modo a formar-se o Estado, as regras das várias organiza ções começam também a achar-se referidas àquele querer, con siderando-se emanações dele. Assim, por exemplo, costumes de grande vetustez, dir-se-ia, a partir die certo momento, só vigoram porque o legislador o quer. E isto que, de início, é suposição meramente fictícia, torna-se parcialmente exacto, depois, quando se entra naquela fase de ulterior desenvolvi-


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mento, em que os órgãos legislativos adquirem o poder de proi bir, até certo ponto, os costumes preexistentes. A formação de agregados sociais com ordenamentos espe cíficos privativos, originariamente desligados do Estado, é fenómeno que se costuma verificar apenas em algumas figuras típicas de maior relevo: por exemplo, em certas organizações corporativas da Idade Média e sobretudo nas grandes socie dades religiosas, à cabeça das quais se tem de colocar a Igreja romana. O fenómeno, porém, salva a diferença de proporções, é universal: qualquer agrupamento social tende naturalmente a gerar o seu direito privativo. Ou melhor: tem já actuada, de certa maneira, no seu próprio corpo, a forma lógica do Direito (se se trata dum genuíno grupo social e não dum caos) e continua a desenvolver a sua vida dentro desta forma. E certo não ser possível a convivência ou colaboração de vários indiví duos sem a determinação tácita ou expressa da esfera de actividade de cada um deles, e por conseguinte, das obrigações e faculdades correlativas. Esta determinação pode ser imposta por poder estranho e superior que esteja já formado e seja estável; assim acontece, por exemplo, quando no exército se cria novo regimento. Neste caso, verifica-se quase automatica mente, ipso facto, a inserção do novo ente no preexistente, representado por aquele poder. Mas o caso mais frequente e, por assim dizer, fisiológico, é o de os indivíduos não serem meramente passivos perante as normas que disciplinam as acções comuns, e antes concorrerem para a sua criação, muito embora o façam recorrendo a elementos de sistemas já dados. A asseverada dependência dos organismos sociais do orde namento do Estado, resolve-se não raro em uma simples fictio iuris. Na realidade, existem alguns que vivem iure proprio; se permanecem ligados ao Estado, é apenas por nexos intrínse cos ou por relações gerais que não tocam a estrutura e não destroem a autonomia dos seus intrínsecos e privativos ordena mentos. Que estes ordenamentos denotam uma natureza jurí dica, deduz-se logo da presença dos caracteres lógicos, já por

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nós indicados atrás; nem tal natureza pode ser negada com base na suposta impossibilidade de um direito não estadual, sem cairmos numa petitio principii, isto é, num círculo vicioso. No tocante ao ordenamento da Igreja Católica, admite-se actualmente, quase sem discrepâncias e com fundamento, que as normas dela emanadas (o ius canonicwm) embora não tenham índole estadual, são Direito. O problema que ainda se discute, é outro: o do valor do sistema jurídico da Igreja no sistema do direito estadual, e, em particular, no do Estado italiano. A solução formalmente mais exacta parece ser a que considera o direito eclesiástico como vigente em virtude de uma «devo lução» contida no direito estadual e querida pelo legislador ita liano. Com semelhante solução, mais uma vez se consegue salvar o princípio da unidade do ordenamento jurídico. Todavia, com ela claramente se admite também a existência de um ordena mento jurídico autónomo, que apenas por certo aspecto (aliás extrínseco na sua raiz) entra no ordenamento estadual ou nele se reflecte. Tanto isto é verdade que uma dificuldade e uma solução análogas surgem, partindo de ângulo visual oposto, isto é, quando considerarmos qual o valor do Direito do Estado italiano dentro do Ordenamento Canónico. Que dizer com referência ao problema das relações entre direito internacional e direito interno? Este é parecido com o anterior. Formula-se também aqui a máxima de que a validade das normas vigentes na chamada sociedade dos Estados, ou Comunidade internacional, se subordina, relativamente a certo Estado, à vontade deste mesmo Estado. Também aqui se pro curou manter firme o principio da exclusividade do sistema jurídico estadual. Por outro lado, admite-se, e não pode deixar de se admitir, que nas relações entre os vários Estados se constituiu um verdadeiro sistema de normas, em parte consuetudmárias, cuja existência objectiva é distinta da existência de cada ordenamento jurídico estadual, embora possa consi derar-se, em certo sentido, um seu produto. Na verdade, estas normas ou, pelo menos, algumas delas, como por exemplo a


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que afirma a inviolabilidade dos pactos, nunca foram objecto nem de um acordo formal (que se resolveria neste caso, mani festamente, em um círculo vicioso) nem de uma formal consa gração por obra de determinados Estados. E contudo elas vigo ram e têm uma certa positividade (embora imperfeita), visto serem sustentadas por um querer comum, que se presume não possa faltar em nenhum Estado que queira entrar em relações permanentes com outros. Se a referida vontade comum, com uma mais perfeita organização, atingisse uma unidade mais precisa, aquele complexo de normas transformar-se-ia em um ordenamento jurídico positivo, na plena acepção da palavra; isto é, em um Estado. A consequência seria, então, que este novo ordenamento compreenderia ou concentraria em si os ordenamentos preexistentes, os quais deixariam de exis tir como Estados; e, por hipótese, desapareceria a sua qualidade de sujeitos autónomos ou centros de irradiação de normas jurí dicas positivas. Ao mesmo tempo, e pela mesma razão, cessaria de existir como tal o direito internacional —ou melhor, inter-estadual— que não se distinguiria já, formalmente, de qual quer direito interno ou estadual. Esta é a condição simgularíssirna de um direito que só pode viver à custa de um grau imperfeito de positividade e cujo aperfeiçoamento, se lhe dermos real vigor, significaria necessariamente o seu fim. Merece particular atenção ainda uma outra espécie de casos: os que se encontram compendiados no fenómeno sindical ou corporativo. Também as corporações de profissões, artes e ofícios, pelos motivos já apontados, tendem a elaborar um direito privativo; isto, como bem se compreende, quando não foram criadas pelo poder público e receberam, com o acto criador e externo, um sistema jurídico acabado. Ora será o direito corporativo, cj*iado e elaborado pelas próprias corpo rações, um direito estadual? Para se resolver este problema, ocorre considerar como se passam, na realidade, as relações entre o querer que põe o direito corporativo e o poder que está na origem do direito

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estadual. Se entre os dois sistemas há antinomia —como já, muitas vezes, aconteceu em outros tempos, antigos e recentes — deixajrá o direito corporativo de estar referido ao direito esta dual, embora possa verificar-se uma certa coexistência de facto entre ambos, em virtude da qual cada um deles exercerá pres são sobre o outro e tendera potencialmente a substituí-lo. Pode esta antinomia traduzir-se ou numa mútua e tácita tolerância ou num conflito aberto. Em ambos os casos, o fenómeno pode durar séculos, tão lento e difícil é o processo de formação de um direito positivo unitário, ou seja, de uma sólida estrutura estadual. As posições de equilíbrio instável das forças sociais constituem a regra na História. O caso extremo, na hipótese do conflito aberto, é o repre sentado por aquelas formas de associação que o Estado costuma qualificar de ilícitas ou delituosas. Como é sabido, mesmo as associações deste género possuem ou podem possuir estatutos e ordenamentos bastante elaborados, com precisas determina ções de hierarquia sobre os poderes dos chefes e os deveres e faculdades dos seus membros. Quem examine o problema sem preconceitos, deve reconhecer que estas determinações têm o carácter formal da juridicidade e, na medida em que são realmente observadas e impostas, também o da juridicidade positiva; e isto muito embora a positividade, aqui, possa ser apenas parcial e imperfeita, pelo facto da presença simultânea de outro ordenamento jurídico adverso. Fora destes casos, por assim dizer patológicos, a coexis tência de ordenamentos jurídicos discordantes num mesmo ambiente histórico, implica uma crise, pelo menos virtual, que a mera tolerância recíproca é insuficiente para sanar. Exemplo recente da referida crise, cuja gravidade se manifestou brus camente em alguns Estados, foi-nos dado pelo repentino desen volvimento de organizações sindicais com fins anti-estaduais. Referimo-nos àquelas organizações proletárias que tinham por mira substituírem-se gradualmente ao Estado, usurpando as funções deste. Os comportamentos dos vários Estados perante


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este fenómeno, corno se sabe, foram muito diversos; dariam copiosa matéria para um quadro comparativo. A nós interessa-nos atender tão só aos aspectos teóricos do problema e às suas possíveis soluções, que precisamente resultam daqueles aspectos. Como já foi observado a propósito do exame das outras figuras, o facto de um centro irradiante de determinações jurí dicas aparecer, desenvolver-se, e estabilizar-se fora do âmbito estadual, não impede o facto de o referido centro ser atraído, até certo ponto, pelo Estado. Existe necessariamente uma ten dência neste sentido, como outra em sentido oposto. Rigoro samente falando, têm ambas a mesma natureza; a diferença entre elas resulta somente do grau e da amplitude da .positivi dade das normas emanadas. Damos o nome de Estado àquelas normas que, entre todas, adquiriram mais alto grau de posi tividade, ou atingiram a mais alta e firme organização unitária. Contudo, somos igualmente forçados a reconhecer que o outro ente, ou centro irradiante de determinações jurídicas, é, por semelhança, também um Estado in nuce. Supondo que um e outro aspiram a regular as mesmas relações —isto é, que as respectivas esferas de aplicação coincidem parcial ou total mente— então o conflito entre eles desenhar-se-á imediata mente, sendo claro que cada um dos sistemas não poderá dei xar de experimentar a força de atracção do outro. Daqui a possibilidade de vários tipos ou esquemas de solução. Pode o ordenamento estadual afirmar a sua supre macia sobre o outro, que chamamos corporativo, de modo a destruir ou dissolver os seus elementos: a este tipo se reconduz o exemplo da Revolução francesa. Pode o ordenamento corpo rativo, pelo contrário, sobrepor-se ao ordenamento estadual, transformando as redações entre ambos, de modo a vir a ser ele o Estado: este é, em substância, o significado da recente revolução russa. Finalmente, há um terceiro tipo de solução, que consiste em as organizações corporativas serem envolvidas, por obra do Estado, no próprio âmbito deste, subordinando-se

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ao seu poder efectivo. Consegue-se assim harmonizar a activi dade normativa daquelas organizações, inicialmente e esponta neamente desenvolvidas, ou autárquicas, com a expressão directa da soberania do Estado. Uma mutação como esta, que toca nas fibras mais íntimas e nos centros vitais do sistema regulador, não pode, porém, verificar-se ex-abrwpto, mas requer processo mais ou menos vagaroso, em todo o caso sempre gradual. Não quer isto dizer que a mutação se dê por declarações formais ou explícitas; ela pode verificar-se, em grande parte, de modo invisível, pois não corresponde a modificação, senão ao desvio, se assim nos é lícito dizer, do centro de gravidade de um sis tema de normas. Ou, dito sem recurso a metáforas: trata-se de duas vontades que tendem a encontrar-se. O fundamento do fenómeno é psicológico e, por virtude dele, a mudança deve sobretudo dar-se nos espíritos. O sentimento do Estado deve assumir o primado, na consciência das referidas organizações particulares, sobre o sentimento corporativo ou de classe. Tão complicada estrutura psicológica faz com que no refe rido processo seja possível verificar-se, extrinsecamente, como fase intermédia, uma fase de suspensão, durante a qual o carácter estadual das normas que presidem à organização cor porativa é ainda pouco claro. Enquanto subsiste esta fase, não se sabe ao certo que natureza lhes atribuir: se a corporativa, se a estadual. Ã medida que se desenvolve o processo de inser ção do sistema corporativo no sistema estadual, a «estadualista» é então, ela própria, um quid em formação. Não admira, por conseguinte, que, nesse momento, as funções do Estado sejam apenas parcialmente desempenhadas por órgãos próprios e, no restante, por diversos entes corporativos ou associações de voluntários, embora entre si concorrentes. E não admira também que se recorra, para explicar estes e outros fenómenos característicos da crise (analogamente ao que sucedeu, por exemplo, com relação ao costume) a fórmulas ambíguas ou fictícias, como a da tolerância tácita, a da ratificação presu mida, a da autoridade delegada, fórmulas que não correspon


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dem sempre à realidade, mas que permitem uma sua provisória interpretação e servem quase sempre de base para sustentar o sistema, enquanto este está em via de construção. Todavia convém evitar, mesmo aqui, as ilusões perigosas, inspiradas pela índole metafórica da linguagem. O processo de concentração e de subordinação das energias divergentes desenvolve-se, não mecanicamente —como talvez os termos empregados o sugiram— senão mediante esforço e tensão do espírito. Quando este processo se encontra bastante evoluído, de facto, nas consciências toma-se fácil, mesmo no aspecto for mal, o estabelecimento da nova ordem, mediante a qual o Estado instaura a sua soberania, a si subordinando várias organizações; estas recebem então o seu cunho, passam a ser instrumentos dele no tocante às faculdades normativas que lhes são reconhecidas e atribuídas. De quanto ficou dito, já podemos dar-nos conta do seguinte: a vida do Estado manifesta-se necessariamente por contínua reintegração da sua autoridade, não só sobre os indivíduos, mas também, e principalmente, sobre aquelas organizações sociais que, operando na sua esfera, ou convergem para ele ou com ele interferem — pelo menos, potencialmente — de modo a representarem perturbação e perigo para a sua existência. É verdade que o Estado, em certo sentido, não pode perecer. Já a relatividade do seu conceito lhe garante a continuidade. Se uma brusca modificação das energias sociais transforma o Estado, contudo não o suprime. Ao antigo equilíbrio fatal mente sucederá um novo. E entre as diversas orientações pos síveis que a vontade comum poderá seguir, uma acabará neces sariamente por se tomar preponderante, qualquer que seja o valor absoluto que a inspire e solicite. Tal orientação consti tuirá o fulcro do novo sistema. Mas isto, embora verdadeiro em tese muito geral, seria errado se fosse tomado à letra, isto é, se nos levasse a esquecer que tanto a formação como as sucessivas transformações do

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Estado são sempre o resultado de loaigas e laboriosas gestações históricas; não se improvisam, de um dia para o outro, qual milagrosa criação. Só o Direito, no seu principio, é coevo do homem: pois o sentimento e a ideia do Direito são elementos constitutivos e indefectíveis da consciência humana. A vida do homem é impossível sem certas relações inter-subjectivas; de sorte que, em síntese, e com um raciocínio silogístico, pode afirmar-se: ubi homo, ibi societas; ubi sodetas ibi ius; ergo, ubi homo, ibi ius. Mas a posição histórica do Direito — ou seja, a síntese dos ditames das consciências individuais em um sis tema orgânico e coerente— nunca é imediata, antes resulta de processo vagaroso e complexo. Portanto, não é por acaso que os historiadores distinguem a génese do Direito da do Estado, e colocam esta numa fase bastante posterior. Analogamente, quando destruída ou alterada a estrutura do Estado, este deve, sem dúvida, reconstruir-se, necessaria mente, por impulso das forças espirituais constantes que a isto levam; mas a sua reconstrução efectua-se somente através de uma grave crise em que se manifestam todas as virtudes e paixões humanas. Seria incongruente, portanto, deduzir da relativa pereni dade do Estado a legitimidade de uma posição meramente pas siva ou quietista deste, como se a vida do Estado não exigisse esforço contínuo e não reclamasse permanentemente a colaJboração activa e concordante de todos os que nela participam! Na verdade, o modo como o cidadão pertence ao Estado não se confunde com o modo como um objecto está fixado num edifício, simples dado extrínseco e material que a ele adere: é, antes, uma compenetração espiritual que apenas subsiste na medida em que se af irma por um voluntarismo constantemente renovado. O problema da organização política consiste precisamente na escolha do modo pelo qual, em concreto, se deverá dar forma a esta compenetração íntima, para que ela possa vir a ser actuada com a maior intensidade e no mais alto grani. Este


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objectivo alcança-se, não suprimindo, mas coordenando eficaz mente os elementos individuais e sociais; ou seja: as organi zações particulares que deverão ser harmonizadas com a orga nização suprema. Deficiente estimativa, e conseqüente mau governo dos referidos elementos, quer no sentido da excessiva brandura, quer no sentido da excessiva compressão, neces sariamente se resolverão sempre em dano manifesto para a estrutura do Estado. Por exemplo: uma já milenária experiên cia mostra que a tentativa de desconhecer as prerrogativas naturais da pessoa humana por parte do ordenamento jurídico positivo, inevitavelmente conduz a resistências e a sublevações. O mesmo acontece com todas as tentativas de eliminação ou dissolução das sociedades particulares, formas intermédias de vida entre o homem e o Estado; estas, cedo ou tarde, por modo directo ou indirecto, nunca deixam de ressurgir. Sempre as doutrinas clássicas da Filosofia do Direito tiveram em mira harmonizar a autoridade do Estado e os direitos do indivíduo. Nem os erros cometidos neste particular podem invalidar a legitimidade deste objectivo. A própria dou trina do contrato social, quando tomada no sentido racional que indicamos, afirma a categórica necessidade da convergên cia das vontades e dos direitos individuais — sem qualquer excepção ou reserva— num único centro de forças, ou seja, na personalidade do Estado, com o fim de tomar irrompível a estrutura deste e inexpugnável a sua soberania. Pode, sem dúvida, um Estado existir longe deste ideal de perfeita harmonia e de uma forte unidade. Só poderá, porém, manter-se, se as energias integradoras de qualquer maneira prevalecerem sobre as energias desintegradoras. Mas estas podem ser de natureza a tomar incerta e dolorosa a vida e a paralisar4he a acção. Por isso, o Estado só verdadeiramente vive e prospera quando, além do nexo que dá unidade formal aos participantes de um ordenamento jurídico, existir também um nexo ético a cimentá-lo: uma profunda identidade de vou-

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tades, uma real comunhão dos espíritos e um igual ardor de fé na religião civil da pátria.

Os fins do Estado e o Estado-de-Direito

Se considerarmos, no ponto de vista histórico, as diversas teorias até hoje propostas para interpretar os fins do Estado, ser-nos-á talvez possível reuni-las em dois grandes grupos. O pri meiro está principalmente representado pela filosofia grega clássica, segundo a qual os fins do Estado são omnicompreensíveis, ilimitados:, abrangendo o Bem em todas as suas formas, pois consistem na obtenção da felicidade universal mediante uma universal virtude. O Estado, segundo esta teoria, deverá regular, amparar e vigiar a vida individual em todas as suas manifestações; fora do Estado não deverá existir esfera alguma autónoma de actividade. Tal é o conceito de Platão, para quem o Estado era, essencialmente, um grande instituto pedagógico; e, ainda, se bem que mais moderadamente, o de Aristóteles. Este conceito, predominante na era clássica, persistiu ainda de certo modo na Idade Média, durante a qual, algumas vezes, o domínio dò Estado se tomou ainda mais absoluto, pois a sua autoridade fez-se valer sobre as consciências individuais. Dos primeiros séculos da Idade Média até à Revolução fran cesa, continuou-se, em parte, a usar de tal conceito e a actuá-lo na realidade no chamado regime 'paternalista, ou Estado pro vidência ou Estado-pólícia. Entre outros, foi Wolff o teórico deste tipo de Estado, ao qual competia disciplinar as activi dades sociais, económicas e religiosas. Daqui resultaram o govemo arbitrário e a supressão da liberdade individual. A outra tendência que (se prescindirmos de rasgos esporá dicos mais remotos) se iniciou com o Renascimento, marca essencialmente um retomo da consciência individual e, por tanto, uma afirmação da liberdade. Primeiro, da liberdade


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religiosa; depois, das outras liberdades a que damos o nome de «direitos do homem». Assim se começou a pôr o problema dos limites da autoridade do Estado. A este intuito fundamental correspondem várias teorias, que oferecem diversos aspectos. Temos, assim, a do contrato social, já neste período afirmada com vigor, e a da distinção entre Direito e Moral, que procura reservar ao homem um sector de actividade livre de qualquer ingerência estadual. Esta tendência, que tende a pôr uma bar reira à omnipotência do Estado, reafirmando perante ele o valor do indivíduo, teve a sua primeira expressão característica na Revolução inglesa de 1688, depois na americana de 1774, e finalmente na francesa de 1789 (sobretudo durante a primeira fase desta, inspirada pelo mais extremado individualismo). Ao mesmo tempo, e no mesmo sentido, Kant formulava a sua doutrina, segundo a qual o único fim do Estado era a tutela do Direito e a garantia da liberdade. O Estado, para Kant, não deve ocupar-se do Bem em geral, da felicidade ou da utilidade comum, mas tem uma tarefa negativa; deve ser simplesmente o guardião da ordem jurídica, com o único fim de assegurar a actuação do Direito e impedir a sua violação. Este conceito kantiano ficou expresso pela fórmula: Estado de Direito (em oposição ao tipo de Estado que as fórmulas Estado-providência ou Estado-polícia consa gravam) . Afim do individualismo kantiano foi o individualismo spenceriano. Spencer, indo mais longe ainda, chegou a conceber o Estado como um mal necessário, que deverá ser mantido dentro de uma esfera o mais restrita possível (v. Spencer, The man versus the State; trad. it. com o título: Uindividuo e lo Stato). A história, conforme Spencer, apresenta-nos a progressiva emancipação do indivíduo em frente do Estado. Entre os outros fautores do individualismo liberal nos tempos modernos, lembraremos ainda o alemão W. Humboldt (Ensaio sobre os limites da acção do Estado, pouco mais ou menos, por 1792, mas só publicado integralmente em 1851; trad.

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it. na «Biblioteca das Ciências Políticas», vol. 7.°); o inglês W. Godwin (Enquiry concerning political justice, 1793, Obra rica de ideias originais, hoje quase esquecida) (42); o filósofo inglês J. S. Mill, do qual já falamos (On Liberty, 1859); o francês E. Laboulaye (Le parti libéral, son programme et son avenir, 1863, e L’Etat et ses limites, 1868); e o italiano F. Ruffini (Direitos de liberdade, 1926); etc.... Também no campo da economia ipdlítica se registaram análogas orientações que visavam a limitar ou a excluir, nos limites do possível, a intervenção do Estado, para que pudesse dar-se o livre jogo das chamadas leis naturais da oferta e da procura, esperando tirar a maior vantagem para a sociedade do princípio da livre concorrência. Tal é o ensinamento da cha mada Escola liberal clássica de Economia e, especialmente, do seu fundador, A. Smith (1723-1790). Este foi notável ainda pelas suas doutrinas morais (Theory of moral sentiments, 1759), e também pelas suas doutrinas económicas (Inquiry into the nature and causes of the wealth of nations, 1776). Das dou trinas de A. Smith derivam as de Malthus (1766-1834). Este condenou todas as modalidades de beneficência pública orga nizada, inspirando as doutrinas de Ricardo que, neste parti cular, seguindo Malthus, atribui ao progressivo aumento da população a consequência inevitável de diminuir o quantita tivo dos salários, até que este se limite a corresponder ao mínimo indispensável à manutenção do operário (lei do salá rio natural). Contra estas tendências individualistas, firmaram-se ainda durante a Idade Moderna, outras tendências que, de certo modo inspiradas na Filosofia clássica, ambicionaram atribuir ao Estado mais vastas funções. Assim, umas dão-lhe por fim a promoção da cultura; daí provém a fórmula do Kulturstaat ou Estado-de-cultura. Outras dão-lhe por fim a organização do trabalho. Tal é, por exemplo, a doutrina do Fichte da segunda fase, em que nos deu a obra O Estado comercial fechado (1800). A necessidade da intervenção enérgica do Estado na solução


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dos .problemas económicos e sociais foi também afirmada e defendida pela escola do «socialismo catedrático», por obra de economistas e de juristas (vide o livro de A. Menger, Newe Staatslehre, trad. ital. com o título: O Estado Socialista, 1905); como ainda por outros, que entenderam reforçar e ampliar de diversos modos a autoridade do Estado. Esta autoridade, fundamental para qualquer ordenamento jurídico, pode vir a ser ameaçada tanto por um individualismo agressivo como por um errado conceito de sociabilidade. O pri meiro erro dá-se quando se contrapõe empiricamente o indi víduo ao Estado, corno se ele fosse algo de estranho e até de hostil a este, e este não fosse o próprio homem considerado na sua universalidade. O segundo enro verifica-se quando se atribuem funções políticas, com características de soberania, a associações ou grupos particulares de natureza económica, de sorte que a vida do Estado fica inevitavelmente reduzida a urna luta de classes. Se o Estado é um verdadeiro Estado, não pode deixar de ser superior às classes e aos indivíduos, actuando como soberano moderador acima de todos. É possível, no entanto, alcançar uma síntese das doutrinas expostas. Há um elemento verdadeiro na doutrina kantiana do Estado-de-Direito: o dever do Estado de reconhecer o valor da personalidade e, por conseguinte, o dever de limitar a sua própria actividade, sempre que esta ameaçar destruir aquele valor. O Estado não deverá, sobretudo, invadir o foro íntimo da consciência individual com exigências arbitrárias, nem tão-pouco suprimir a iniciativa e a concorrência individuais. Neste particular, a doutrina individualista é conforme à Razão e Obteve já inúmeras confirmações na evolução histórica. Mas, daqui não deve concluir-se que o Estado seja estranho à natureza do homem, ou indiferente aos problemas da econo mia pública, da cultura e da vida moral, devendo renunciar a promover o bem da sociedade. O Estado moderno tende, pelo contrário, a alargar o âmbito da sua actividade, isto é, a assumir número sempre crescente de funções. Assim como a

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actividade do indivíduo, corn o desenvolvimento da civilização, se estende e se exerce através de formas sempre novas e mais vastas, assim também o Estado, supremo regulador da activi dade individual, deverá abranger um domínio cada vez mais vasto. Modernas invenções reclamam a criação de novos ramos de direito (por exemplo: o direito aeronáutico). Certos indícios, observados no século precedente, confirmavam já isto. A acti vidade do Estado tendia então a ser cada vez mais complexa e poderosa. Recorde-se, por exemplo, o súbito e permanente crescimento do orçamento geral do Estado (fenómeno caracte rístico da era moderna), além do facto de a legislação se ter tomado uma actividade contínua, diferentemente do que acon tecia em períodos históricos mais antigos em que ela era só intermitente. Estes e outros factos demonstram que o Estado moderno aumentou a sua ingerência em novos e múltiplos cam pos. Contemporaneamente, no entanto, o indivíduo reivindicou também para si certas esferas de actividade, aumentando a sua autonomia onde esta antigamente era desconhecida pelo Estado. Este tem assim perdido, pelo menos nos regimes mais civilizados e progredidos, muitas atribuições que significavam menoscabo dos direitos individuais. Nós falamos hoje em Estado de Direito e afirmamos, com isto, que o Estado deverá ser de Direito. Contudo entendemos esta fórmula num sentido diferente daquele que Kant lhe dava. Como se disse, este afirmava nela que o Estado tinha por exclusivo fim a custódia do Direito. Nós, porém, queremos significar mais alguma coisa: que o Estado deve operar fun dado no Direito e na forma do Direito. Pode e deve o Estado submeter a si qualquer actividade; pode e deve promover uni versalmente o Bem. Contudo só pode e deve fazê-lo na forma do Direito; e de tal sorte que cada um dos seus actos tenha sempre por fundamento a lei como manifestação da vontade geral. A antítese entre indivíduo e sociedade encontrou assim no Estado a sua superação racional. O Estado é o órgão supremo


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do Direito. O Direito é urna emanação da natureza humana. O Estado é, pois, o próprio homem considerado sub specie iuris. Tal é a solução que sintetiza as doutrinas expostas sobre os fins do Estado e que, aliás, corresponde também à reali dade da evolução histórica. Com a dita síntese torna-se assim possível restabelecer, no verdadeiro e mais alto sentido, a velha doutrina do contrato social (prescindindo dos elementos mitológicos que tantas vezes a macularam). Esta deve significar só o seguinte: por sua natureza, o Estado é a síntese dos direitos de todos e tem por lei imanente da sua actividade a reafirmação destes direitos mediante a vontade geral. A esta vontade, quanto ao objecto, nenhum limite há que fixar (será sempre o «bem», sob todos os aspectos); fixa-se-lhe só um limite interno, resultante da sua nota de «geral». Seria grave erro pensar que o Estado moderno,possa repro duzir ou ressuscitar formas históricas já ultrapassadas, supri mindo ou negando os direitos individuais. Estes, com efeito, permanecem e valem como pressuposto e substância da própria realidade do Estado. A individualidade realiza-se no Estado e neste «celebra a sua verdadeira natureza» (Vico). As prer rogativas jurídicas do homem e do cidadão, reivindicadas pelas revoluções dos séculos anteriores ao nosso, sobretudo no Res surgimento italiano (o qual foi não só uma grande, mas uma complexa revolução, pois em vez de se limitar a reformar o Estado, reconstruiu-o ex novo) não podem ser desconhecidas. A soberania da lei, o direito de todos os cidadãos a parti ciparem na sua formação, e a igualdade dos mesmos perante a lei, .permanecem os pontos cardiais do Estado moderno. Por este motivo, o Estado é e deve ser um Estado de Direito e não um Estado absoluto ou de polícia. As novas organizações sin dicais ou prof issionais podem reivindicar e assegurar os direi tos do cidadão trabalhador; porém, para actuarem com este fim, pressupõem sempre a noção jurídica de cidadão, inteira

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mente estranha à ideologia e à estrutura política da Idade Média.

Estado e Sociedade dos Estados Vontade do Estado e vinculo jurídico

Se e como o Estado, ente soberano, possa vincular-se e sujeitar-se, ainda que com o seu próprio consentimento, a uma autoridade supra-estadual, é problema grave e muito discutido. A vontade dos Estados é, como acontece com a vontade humana em geral, fonte contínua de determinações, qualquer das quais pode modificar ou anular a precedente. Aquilo que os juristas romanos disseram da vontade humana, relativa mente às relações privadas, chamando-lhe «ambidatoria usque ad vitce supremum exitum», vale analogamente, por maioria de razão, para as relações de carácter público, sobretudo para as internacionais. E não se esqueça que a duração dos Estados, ao invés da dos indivíduos, é, por via de regra, indefinida. Sem dúvida, isto não significa que a vontade destes não possa ou não deva também ser limitada e vinculada. Pode dizer-se que o Direito, de um modo geral, é um sistema de limites e de vínculos da vontade. Mas, no campo do direito inter nacional, o problema toma-se mais árduo. Aí ocorre perguntar se há uma fonte de obrigações, acima da vontade dos entes políticos, singulaimente considerados, análoga àquela que no compo das relações privadas é representada pelo Estado. Se partirmos do conceito de que a vontade do Estado é absolutamente livre —entendendo 'aqui a liberdade no sentido de arbítrio— muito difícil nos será conceber como o Estado ;possa ser impedido de modificar as suas precedentes determi nações. Aqueles que, como Lasson, por exemplo, se limitaram rigorosamente a este conceito, logicamente chegaram à con clusão da inexistência de um verdadeiro direito internacional. Admite-se, corno facto empírico, que vários Estados tenham


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relações e negoceiem acordos entre si, mas nega-se que tais relações dêem origem a um verdadeiro vínculo jurídico. Os tratados entre os Estados seriam só a expressão de recíprocas relações de força; um tratado seria válido, portanto, apenas enquanto correctamente exprimir uma tal relação, e deixará de existir quando venha a faltar força suficiente a quem tiver interesse em impor a sua observância. Para prova desta tese citam-se diversos factos da história antiga e modema. Também na história do povo romano, que serviu de exemplo a outros povos pelo seu agudo senso jurídico, se têm procurado casos de transgressão dos acordos jurados; e casos ainda mais numerosos se têm verificado, sem dúvida, na história de outros povos. Todavia, estes factos não consti tuem um argumento decisivo, porque casos de violação verifi cam-se também no campo do Direito privado, no interior de qualquer Estado; e é notório que a verdade jurídica não coin cide com a verdade física e que uma norma permanece válida mesmo depois de violada. Por outro lado, é significativo o facto de se querer introduzir nas relações internacionais a teoria da chamada cláusula rebus sic stantibus, isto é: o prin cípio segundo o qual, a obrigatoriedade dos tratados está subor dinada à estabilidade das condições e do estado de facto em que os mesmos surgiram. Dado que, na realidade, as circuns tâncias de facto mudam continuamente, e dado que os contratos em geral se estipulam precisamente para constituírem no futuro um ponto firme, independente do variar das outras circuns tâncias, é claro que aquela cláusula, literalmente aplicada, con duziria quase sempre a anular qualquer contrato ou acordo. Adicione-se a isto a dificuldade para determinar a competência, no sentido de julgar a superveniente e invocada mutação no estado de facto. A dif iculdade de conciliar a característica do Estado que consiste em fazer depender dele próprio todas as manifestações da sua vontade, com as características de uma sociedade de Estados com poderes vinculados em frente dos seus compo-

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mentes, constitui o maior prdblema do Direito Internacional. E não é exagerado falar aqui niuma crise do conceito de sobe rania como surgindo precisamente em virtude do problema abor dado, no que respeita às bases do sistema jurídico em geral. Uma doutrina muito em voga entre os modernos cultores do direito internacional afirma que as relações jurídicas entre os Estados se fundam exclusivamente na livre aceitação delas pelos mesmos Estados. Portanto, o Estado só estaria Obrigado a observar as nor mas de direito internacional, a que tivesse dado a sua aquies cência. Mas esta doutrina, que se inspira no preconceito posi tivista, não logra explicar como se mantém a validez dos acor dos internacionais, não obstante ter-se modificado a vontade de uma das partes; não logra explicar, em suma, a obrigato riedade dos tratados. Alguns juristas, como Anzillotti, dando-se conta da difi culdade exposta, afirmaram que a máxima «pacta sunt ser vanda», é tão só um postulado preliminar, de carácter meta-jurídico; seria portanto, um simples pressuposto, extra-jurídico, da ordem jurídica internacional. E de notar, porém, que, antes de mais, cumpriria definir-se com precisão essa máxima, e não limitar-se a invocá-la e adoptá-la como um «deus ex machitna». Por outros termos, deveria primeiro determinar-se as con dições de que depende a validez dos pactos ou tratados, no campo do direito internacional, semelhantemente aos contratos no direito interno, quanto, sobretudo, ao livre consentimento e licitude do objecto. Afirmada incondicionalmente a máxima em referência é errada, mesmo como simples princípio racional. Logo que, porém, se defina com exactidão, adquirirá carác ter jurídico, e não apenas extra-jurídico, pois nela se obser varão todos os caracteres lógicos do direito, a começar pelo da bilateralidade. Outra questão, é a do grau de positividade que será de reconhecer-se-lhe, e analisar, como dissemos já, distinta e separadamente.


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Necessidade e fundamento da relação de sociabilidade entre os Estados

Paira a resolução correcta do citado problema, importa fixar claramente alguns conceitos fundamentais. Numa ordem puramente racional, o princípio do Direito não pode separar-se do princípio do dever. De um lado, o homem (não como indivíduo, mas como participante da subjectividade universal) tem um valor infinito, e, portanto, uma razão de pretender, de quem quer que seja, o ser respeitado na sua personalidade (isto é: ser tratado como pessoa e não como coisa). Por outro lado, correspondentemente, o homem tem o dever (exigível por outros, e, portanto, jurídico) de reconhecer a subjectividade alheia e de, consequentemente, respeitar as relações recíprocas entre ele e os outros. Com razão, Rosmini estabelecia sobre esta base o ponto de contacto entre a Filo sofia teorética e a Filosofia prática (que no sistema de Kant, como é notório, aparecem divididas e separadas uma da outra). O reconhecimento do ser —isto é: a atribuição a cada ente do seu grau de entidade— é conjuntamente um princípio da razão teorética e da razão prática ou ética. Independentemente de qualquer consideração de utilidade ou de necessidade biológica, existe um imperativo que impõe a necessidade de entrar em sociedade com o seu semelhante. Quando os antigos jusnaturalistas afirmavam o preceito: «exeundum esse e statu naturce», referiam-se já a este conceito, muito embora o fizessem de modo alegórico ou mitológico, pró prio das suas ideologias pseudo-históricas. Trata-se de uma necessidade ética, que podemos considerar imanente, enquanto não se esgota em um acto particular, mas permanece como lei fundamental, embora várias possam ser as modalidades e cir cunstâncias da sua aplicação. As relações in ter-individuais, impostas pela dita lei, resul tam de aim acordo que, sendo voluntário, simultaneamente é necessário, pois deriva da própria natureza humana. E, por conseguinte, não é preciso que o consenso se manifeste empiri-

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camente ipor qualquer modo. É este o significado essencial da doutrina do contrato social, na sua mais alta expressão, que transparece nas Obras de Rousseau e de Kant: o contrato social é uma ideia a priori que exprime a necessidade, em sentido ético, da convivência humana; necessidade a que, por tanto, ninguém se pode subtrair sem violar a lei do dever. Inútil recordar aqui como esta concepção se diferencia das anteriores doutrinas contratualistas de Grócio e outros jusnaturalistas. Ora, como é obrigatório o acordo fundamental, de que depende a possibilidade da convivência humana, assim também são obrigatórios os acordos particulares concluídos entre os homens com fundamento na mesma lei. Nestes casos, pois, trata-se sempre de um encontro de personalidades que, como tais, se reconhecem mutuamente no seu próprio ser. Por outro lado, ficam excluídos, sendo considerados inválidos, os acordos que contradigam a lei fundamental, já porque emanaram de personalidades imperfeitas, incapazes de determinação autó noma, já porque este ou aquele requisito faltou, já porque o acordo no seu conteúdo revelava desconhecimento da perso nalidade humana, que devia consagrar (donde a nulidade dos pactos que sujeitam alguém á escravidão, à mutilação do pró prio corpo, etc.). Estas mesmas verdades, que são de Observar no campo das relações sociais entre indivíduos, igualmente valem para as relações entre entes colectivos, aim dos quais é o Estado. Não basta a simples vontade de contratar ou obrigar-se. A von tade como fenómeno psicológico ou expressão de mero arbítrio, não pode superar-se a si mesma e transformar-se em uma lei. De modo algum é possível a justificação da máxima que decla rasse a priori a validade de todos os acordos, independentemente do seu carácter ou conteúdo, a parte subjecti e a parte óbjecti. Com efeito, a validade do acordo ajpenas se deduz daquela racional necessidade que determina, por si, o conteúdo do pró prio acordo. Válido é o pacto pelo qual os Estados convenham em reconhecer-se e respeitar-se mutuamente numa sociedade


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de iguais. Mas é simples ilusão o querer fundar a validade deste pacto na vontade empírica, manifestada no sentido da sua acei tação. Tal vontade pode faltar, em concreto, sem que a vali dade do acordo seja afectada. Deve supor-se que o acordo se verificou porque uma lei racional o exigia — mas não que esta lei seja válida porque o acordo se realizou. O querer oposto a esta lei é juridicamente irrelevante e inadmissível. Mas supér fluo é, por sua vez, um querer que haja de manifestar-se con forme. As relações de sociabilidade entre os Estados devem ser aceites, como as que ocorrem entre os indivíduos, como corolário da lei ética fundamental. Seria absolutamente absurdo desejar deduzir o valor desta lei do facto precedente do acordo. E que tal lei é uma lei propriamente dita vê-se, Claramente, do facto de imperativamente determinar uma coordenação entre sujeitos, pois estabelece uma pretensão a que corresponde uma obrigação. Estamos assim, incontestavelmente, no âmbito da forma lógica do Direito. Podemos rigorosamente chamar4he um princípio de Direito Natural. Se, porém, se preferir chamar-lhe um pres suposto racional, ou ainda um princípio geral do Direito, em nada se modifica a substância das coisas. Temos nesta lei ou princípio uma verdade racional que não é urna fórmula vã, mera ratificação sem base, ou injustificável remédio para qualquer manifestação arbitrária de vontade, embora colectiva. E se ela não convalida todos os pactos e todas as sociedades —entre as quais é possível haver uma societas sceleris — constitui de per si, não obstante, uma forma categoricamente necessária e eticamente inviolável de socie dade: a sociedade do género humano e, mais especialmente, a sociedade dos Estados. Aquela mesma verdade racional funda menta também a validade dos acordos celebrados entre os Estados, mesmo os relativos a assuntos particulares e de carác ter contingente, pois cumpre-lhe assinalar o limite não só das condições subjectivas, dentro das quais o consenso mútuo se

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pode validamente manifestar, como também o dos objectos e conteúdo possíveis do mesmo consenso. No campo do direito privado, a «liberdade de se obrigar» encontra limites racionais tanto nos preceitos da lei como nos princípios gerais que enformam o próprio sistema jurídico posi tivo — preceitos e princípios de que a jurisprudência de cada país faz quotidiana aplicação. Pois também no campo do direito público, racionalmente encarado, não pode admitir-se uma ili mitada ou indefinida liberdade de se obrigar. Ê óbvio que não seria possível modificar ou deslocar, mediante acordo, aquelas condições-limites, das quais precisamente depende a validade de qualquer acordo. Com o reconhecimento do valor absoluto daquela lei, sobre a vontade empírica ou arbitrária de cada Estado, não quer dizer (como erradamente crêem os defensores de um grosseiro posi tivismo jurídico) que fique vulnerada a autonomia dos Estados, ou se crie entre eles uma relação de preeminência e subordi nação com um deles em posição de comando. Com efeito, não se trata de uma expressão unilateral de vontade, mas de uma necessidade racional que a todos se impõe, por igual. Limitar as obrigações internacionais de um Estado somente àquelas a que ele haja formalmente dado a sua adesão, corresponde a privar o ordenamento jurídico de todo o fundamento racional, abandonando virtualmente o mundo ao arbítrio e à anarquia. Se aquela tese fosse realmente corolário forçoso do conceito moderno da soberania, então só viria provar a necessidade de o abandonarmos. A antítese meramente aparente entre liber dade e subordinação à lei está superada, desde há muito, pela Filosofia. Só espíritos superficiais poderão crer que a verda deira liberdade resida na infracção das leis. A verdade está justamente no contrário: só somos verdadeiramente livres Obe decendo à nossa lei natural. Só quando o Estado respeita os seus próprios pressupostos, ou seja a sua qualidade de comparticipante numa possível e necessária sociedade de Estados, que não poderá ignorar sem


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negar a sua própria natureza, é que a sua soberania verda deiramente se afirmará.

O postulado da sociedade universal dos Estados e os acordos particulares

Se procurarmos agora ver até que ponto os princípios acima enunciados encontraram expressão e aplicação na realidade jurídica positiva, devemos começar por notar que, desde sem pre e em toda a parte, existiu a persuasão geral de que os acordos devem ser respeitados, mesmo entre povos em estado de guerra (por exemplo, sobre tréguas e armistícios). Embora imperfeitamente, vem a reflectir-se em tais casos, como em muitos outros, nas persuasões comuns, os princípios da razão jurídica natural, cujas primeiras manifestações se dão sob a forma dos costumes. Pode, pois, afirmar-se que as sociedades de Estados postas como necessárias à luz das exigências da razão, e que se cifram numa obrigação de reconhecimento recíproco e coordenação, igualmente se revelaram no plano da realidade histórica, desde os mais remotos tempos, num sentimento, por vezes obscuro, mas sempre profundo, de obrigatoriedade dessa coordenação. Daí deriva não só a eficácia positiva reconhecida aos acordos particulares entre os Estados, mas também a obrigatoriedade da observância nas relações internacionais, de regras, mesmo na falta de expressa formulação em pactos. Não existe, portanto, um insanável contraste entre ideal e realidade empírica, no que toca a essa necessidade de uma sociedade universal de Estados, em que a última nos revele tão só uniões de Estados ou simples convenções particulares entre eles. Longe disso, há entre os dois termos tuna fundamental harmonia, pois o segundo desses termos pressupõe o primeiro, de que representa uma gradual e laboriosa aproximação, por várias formas, a aproximação do princípio absoluto que ele encarna e da sua suprema meta.

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E sabido q
O complexo das regras que eram geralmente observadas pelos Estados civilizados nas suas relações, tinha permitido


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reconhecer-se a existência de uma comunidade jurídica inter nacional, muito antes que surgissem a «Sociedade das Nações» e a nova «Organização das Nações Unidas». A essa comunidade pertencem, independentemente de qualquer declaração ou admis são formais os próprios Estados que não entraram para as referidas associações; e é fora de dúvida a eficiência que ela continua a manter. A consideração desse facto, por outro lado, os esforços envidados para a constituição de uma autêntica sociedade uni versal de estados, levaram muitos à afirmação da necessidade de abandonar o princípio ou «dogma» da soberania do Estado. Mas na fase actual da evolução histórica, esta tese não é de aceitar, por representar tuna visão unilateral e inexacta do problema no seu todo. Importa ter aqui presentes os conceitos fundamentais a atender na matéria. A soberania é, como o Estado, centro do ordenamento jurídico; mais rigorosamente: o centro donde emanam, ou donde se julga que emanam, todas as normas que constituem esse ordenamento. Ora quem adoptar o ponto de vista do centro do sistema jurídico positivo, necessariamente considerará todos os res tantes sistemas como indiferentes ou subordinados. E isto por que, no próprio sistema, nenhuma norma pode considerar-se válida se não tiver sido emanada daquela autoridade que, por definição, é o ponto de convergência e de irradiação de qualquer poder jurídico. Mas isto não impede, na realidade, que esses sistemas sejam múltiplos, ou entre si interfiram. Deste modo, aquele ponto de vista pode facilmente inverter-se e, com tal inversão, modif icar-se-á a relação até aí existente entre eles. Pensemos, porém, que nem todos os ordenamentos jurídicos possuem o mesmo grau de positividade. Se, falando abstracta mente, os ordenamentos jurídicos logicamente possíveis são em número indefinido; se, no aspecto deontológico ou ético, é

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admissível afirmar a validade transcendente de um ordena mento jurídico não actuado — ou seja, não positivo — no campo da história concreta, os diversos ordenamentos jurídicos, que procuram firmar-se sobre o mesmo grupo humano, não podem todos ter a mesmo força, mas dispõem-se necessariamente segundo uma ordem natural ou uma natural hierarquia de preponderâncias. Chamaremos, por isso, direito positivo, ou ainda, Estado, ao sistema jurídico ou ordenamento que, em confronto com os restantes sistemas, possua o maior grau relativo de positividade. Segundo estes conceitos, é agora possível resolver o pro blema das relações entre o ordenamento jurídico internacional e a soberania do Estado. Ninguém pode negar que o referido ordenamento possua, por virtude da sua própria lógica, uma autêntica supremacia sobre os vários Estados singuilares que nele participam. Mas semelhante construção corresponde tão só a um dos possíveis pontos de vista em que pode considerar-se esta realidade; ele não exclui, porém, o ponto de vista oposto: o de que as normas de direito internacional só adquirem vali dade mediante o reconhecimento dos Estados. Este outro ponto de vista só cessa de ser legítimo quando cesse o ordenamento jurídico de cada Estado singular. Ou seja: só quando o orde namento jurídico de certo Estado passasse a fazer parte dum outro ordenamento jurídico. Ora isto nem de longe corresponde à realidade. Concebida a positividade do Direito como algo de gradual e de relativo, é evidente que o problema das relações entre os diversos ordenamentos jurídicos pode e deve ser considerado não só num sentido lógicoâbstraoto (como faz a chamada escola vienense de Kelsen e Verdross) como num sentido concreto e histórico. Não basta um encontro meramente con ceituai entre os diversos sistemas jurídicos, um dos quais, por definição lógica ou dimensão geográfica, seja mais vasto que todos os restantes, para afirmar que aquele domina estes ou que estes se subordinam àquele. Necessário é, ainda, examinar


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o grau de positividade ou de força atractiva que um dos dois sistemas possua relativamente ao outro. Poderá acontecer, então, que o segundo sistema, embora mais restrito, tenha grau maior de eficácia, e que, portanto, o sistema mais restrito manifeste a sua própria soberania em termos de prevalecer sobre o sis tema mais vasto — salvas, claro está, as relações de interfe rência lógica, que permitem uma igual possibilidade dos dois pontos de vista opostos. Mas, se assim é, convém conservar o nome de Estado apenas para o sistema restrito e negar que seja verdadeiramente um Estado o sistema mais amplo — neste caso, o ordenamento jurídico internacional. Este adquirira somente a característica da «estadualidade» quando tal caracte rística deixar de pertencer aos outros ordenamentos jurídicos; isto é: quando, por hipótese, vier a incorporar em si todos os ordenamentos jurídicos existentes. Se perdermos de vista este factor de relatividade histó rica, correremos o risco de confundir as construções da nossa mente —por muito plausíveis que elas sejam em certos aspec tos— com a realidade jurídica positiva, a qual deve também ser objecto de estudo, respeitados sempre os direitos da inves tigação na ordem deontológica. Recorramos a uma hipótese para explicarmos melhor o nosso conceito. Suponhamos serem possíveis as comunicações com as populações de outros planetas. Com 'base nisto, seria admissível afirmar a existência de um sistema jurídico inter planetário, de tal sorte que a autoridade da comunidade jurídica intemacdonal ou a da Sociedade das Nações terrestres, e a de cada Estado singular, dependeriam do referido sistema? A lógica da doutrina refutada conduziria a uma resposta afirmativa, e contudo ninguém aceitaria esta conclusão. Em resumo: a subordinação da soberania de cada Estado à unidade da organização jurídica inter-estadual pode ser, em certo sentido abstractamente sustentada; mas a tal subordi nação opõe-se, com não menos razão, a lógica própria do sistema jurídico estadual, enquanto a dita organização não tiver atinPD-33

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gido uma efectiva preponderância sobre os Estados, com as consequências já atrás indicadas. Como se vê, o problema das relações entre Estado e Socie dade dos Estados só pode ser resolvido depois de ter definido com justeza as relações entre Direito e Estado, e de ter intro duzido, como terceiro termo neste binómio, o conceito da posi tividade; isto é: depois de distinto o conceito do «Direito» do conceito de «Direito positivo». A ideia da unidade jurídica do género humano permanece, assim, absolutamente válida, como exigência da razão, embora a sua actuação positiva tenha persistido imperfeita até aos nos sos dias.

SECÇÃO II ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO

Considerações metodológicas

O problema da origem do Direito tem um carácter empírico; nesta matéria devemos, portanto, prescindir de qualquer modelo especulativo (salva, bem entendido, a atenção sempre devida à forma lógica do Direito), e observar apenas como o Direito historicamente se origina e se desenvolve. No entanto, muitas vezes se confundem a origem do Direito e o seu fundamento racional (isto, em parte, pela ambiguidade da própria palavra «princípio»). Desta confusão tem resultado grave prejuízo para os dois problemas. Estas considerações levam-nos a excluir a possibilidade de uma época em que os homens desconhecessem qualquer vislum bre do Direito. Sendo este, essencialmente, uma afirmação de uma personalidade nas suas relações com outras personali dades —«hominis ad hominem proportio» na definição de Dante, — em todas as fases da vida humana teremos de encon trar manifestações dele, pois, em todas elas encontraremos qual quer forma de coordenação entre os homens do mesmo grupo, em razão de recíprocas possibilidades e impossibilidades. A observação histórica apenas nos mostra homens conviventes; ora a convivência implica já um limite e lima regra das prá

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ticas quotidianas, ou seja: um regime jurídico embrionário, pelo menos. Dois são os meios de que nos podemos utilizar para levar por diante esta investigação. Em primeiro lugar, temos o estudo dos «documentos do passado». Depois, a observação dos actuais povos selvagens. Mas esta última investigação exige cautelas especiais. Não pode afirmar-se a priori que as condições mo dernas dos povos selvagens sejam idênticas às condições de vida nas fases originárias dos povos civilizados. Certos ele mentos autorizam uma presunção de semelhança; mas, em geral, trata-se apenas de uma hipótese que não deve tornar-se por um dogma; ela requer sempre um confronto com os factos. Tão-pouco devemos olvidar que povos civilizados têm já caído na barbárie, não podendo ser considerados simplesmente como povos primitivos. Por outro lado, temos igualmente de contar com a dificul dade de obter notícias dos povos chamados selvagens. Os rela tos dos exploradores não raro exageram ou contêm interpre tações erróneas, sobretudo no tocante aos fenómenos jurídicos. Daí uma grande desconfiança, que levou alguns autores a negar qualquer valor a tais narrações. Evidentemente, tal opinião peca pelo exagero. Relatos, muitas vezes considerados fantás ticos pelos contemporâneos dos respectivos autores, foram con firmados por notícias obtidas posteriormente. Investigações recentes, por exemplo, demonstram que a descrição da China feita por Marco Polo, substancialmente, correspondia à reali dade, muito mais do que até então se acreditara. Para avaliar da credibilidade dos relatos, é necessário ter presentes os câno nes gerais da crítica histórica (exames das fontes, confronto dos textos, etc.). Entendido com a devida prudência, é frutuoso, sem dúvida, o paralelo entre as condições de vida dos actuais povos selva gens e certos fragmentos da vida arcaica dos povos civilizados, tendo-se já obtido notabiiássimos resultados. Por isso, já fod possível notar concordâncias entre sistemas diversos, ou encon

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trar conexões entre fragmentos que pareciam desconexos, donde resultou o preenchimento de graves lacunas. Existem certos caracteres da vida jurídica que identicamente achamos nas memórias mais antigas dos povos hoje civilizados e nos costu mes dos selvagens actuais (nas chamadas «raças inferiores»), corn a vantagem de que, se no primeiro caso possuímos, as mais das vezes, apenas notícias destacadas, fragmentos mutilados, no segundo podemos ter à nossa disposição, para o observarmos, todo um sistema de vida. Acontece assim (como já o adver timos) que uma regra, ou ainda uma fórmula, que isoladamente parece incompreensível, se explique facilmente considerando o sistema inteiro. Desta sorte, os dois métodos (o histórico e o comparativo) podem utilmente (integrar-se e permitir-nos uma reconstrução sintética do desenvolvimento histórico do Direito.

Formação histórica do Direito e do Estado Horda, matriarcado, patriarcado

Segundo certa doutrina tradicional (correspondendo às narrativas bíblicas), a primeira fase da organização jurídica seria representada pela família patriarcal; isto é: por aqueles agrupamentos de consanguíneos em que o vínculo da descen dência é computado relativamente ao pai e em que a este per tence a suprema autoridade. Tal é o tipo da família que encon tramos, por exemplo, em Rama. Mas a doutrina que considera esta forma de organização como a originária, foi já objecto de muitas críticas, baseadas em novas investigações e observações. A primeira forma de convivência humana, segundo a opinião hoje predominante, seria, antes, a constituída pela horda, ou seja: por um grupo de indivíduos agregados sem regra fixa, vivendo em regime de promiscuidade. Nesta fase, a organização social teria carácter precário, instável. A vida da horda, segundo tal opinião, é

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nómada; faltando-lhe a fixação num território, não pode dedi car-se à agricultura; os meios de subsistência são angariados pela pesca e pela caça. Tal modo de vida muda pouco a pouco: à medida que se tomam sedentários, os homens começam a trabalhar na agricultura e (o que é mais importante) aban donam a primitiva promiscuidade, reconhecendo duradouramente os vínculos da descendência. Estes, porém, são referidos ao lado materno. O vínculo que liga o filho à mãe é mais estreito e visível que aquele que o liga ao pai. Por outro lado, a mater nidade, devido à sua natureza, é mais facilmente reconhecível (mater semper certa est) que a paternidade. Desta sorte, pas sar-se-ia da fase da horda à fase do matriarcado ou da orgar nização matriarcal, em que a mulher é o núcleo da vida social. Não se trata da hegemonia .política da mulher (ginecocracia), como alguns já o pensaram. O sistema matriarcal respeita apenas à designação da parentela. Consagra ele o método que consiste em partir da mãe, a qual seria assim, por tanto, o centro da família. A investigação dos indícios e a recolha de documentos relativos a esta fase matriarcal da evolução dos povos, foram efectuadas, em primeira mão, em modo sistemático, por Bachofen no seu célebre livro Das Mutterrecht (Matriarcado) de 1861. Além dos argumentos de índole fisiológica, que a esta tese dão maior verosimilhança que a tida pela doutrina tradi cional, oferecem-nos ainda os sistemas mais antigos traços claros da importância que algum dia se deu à parentela do lado materno. Por exemplo: o tio materno, —o avunculus — goza, mesmo nas sociedades primitivas, de uma autoridade não menor que a do pai. Assim foi observado entre os Germa nos por Tácito. Só em época posterior, segundo a doutrina que expomos, o pai ocupa o centro da vida social, arvorando-se em chefe da família e contando-se em relação a ele os vínculos da parentela. A sucessão evolutiva das fases seria, assim, esta: horda, matriarcado e patriarcado.

ORIGEM e evolução histórica do direito

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Está, porém, longe de ser verdade demonstrada que este esquema corresponda, em qualquer caso, à realidade. Contra a hipótese da horda, pode observar-se que a vida nómada repre senta para as sociedades humanas um fenómeno passageiro, ao mesmo tempo que é notório dar-se o sedentarismo em muitas espécies de animais. Uma absoluta promiscuidade sexual é igualmente improvável, visto contrastar com certos dados psico lógicos (sentimento do ciúme). Não poucas dúvidas foram, por tanto, levantadas contra a tese de existência de uma fase matriarcal na evolução de todos os povos. Maine, que muito se dedicou ao estudo dos povos de raça ariana, particularmente dos índios, mostrou-se, por último, decidido opositor de Bachofen e vivo defensor da tradicional tese do patriarcado. Entre outros, o seu principal argumento era o do «culto dos mortos», que envolvia o reconhecimento da descendência por linha paterna. A verdade é, porém, que outros estudiosos, como por exemplo, Post, tendo procedido a investigações sobre todas as raças, e não só sobre os povos especialmente estudados por Maine, recolheram provas importantes para a tese contrária. E preciso não esquecer que a família monogâmioa tem uma base natural, ainda prescindindo dos motivos de ordem ética, no facto estatisticamente provado do equilíbrio numérico dos dois sexos. Sem dúvida, encontram-se fenómenos de poliandria e de poligamia, mas tais factos foram provavelmente o efeito de circunstâncias históricas extraordinárias, devido aos quais aquele natural equilíbrio se rompeu. Em conclusão, evitando afirmações dogmáticas não consen tidas pelo actual estado dos nossos conhecimentos nesta maté ria, é razoável admitir que a evolução social, embora não tendo um carácter geral e substancialmente uniforme, se tenha pro duzido com vária diversidade, conforme as condições parti culares dos vários povos; e que o sistema patriarcal tenha sido precedido, pelo menos em alguns povos, de ouitras formas de organização, particularmente do tipo matriarcal.

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LIÇOES DE FILOSOFTA DO DIREITO

Organização do grupo gentílico

Uma coisa é, porém, certa: a organização jurídica primitiva íbaseia-se no vínculo de sangue. Mesmo no tocante ao Direito, os que têm descendência comum representam uma unidade que se traduz por uma recíproca tutela. Esta umidade de descen dência é simbolizada, frequentemente, em forma religiosa, geral mente por meio de animais (mais raramente, por meio de plantas ou outras coisas), que são objecto de adoração e cons tituem as insígnias da estirpe comum; este símbolo é chamado totem, de onde deriva o nome totemismo. Mas a descendência, além de natural e genuína pode ainda ser de natureza artificial, graças à adopção, fenómeno especial mente característico dos grupos primitivos. Estes admitiam em seu seio, mediante determinadas cerimónias, indivíduos estrangeiros, considerando-os como descendentes do mesmo tronco. Gens é o nome latino que se dá ao grupo constituído cam base no vínculo de sangue, quer real quer presumido. Tam bém é costume designá-lo pelo vocábulo escocês clan. Nós pode mos designá-lo com a expressão «grupo gentílico». Neste domina principalmente a autoridade do costume: cada indivíduo sente-se obrigado a seguir o exemplo dos seus maiores. O costume, dotado de tácita autoridade, que é potentíssima, é constituído por um aglomerado indistinto de preceitos religiosos, morais e jurídicos. Corno já dissemos tratando do costume, ele forma-se principalmente pelo jogo dos factores psicológicos do hábito e da imitação. As crenças religiosas concorrem a reforçá-lo, proibindo ou tomando difícil qualquer inovação, por temor de vinganças ou punições dos avós defuntos. O principal efeito do costume é uma fortíssima solidarie dade que entre si une os componentes do mesmo grupo; o indi víduo, de per si, nada vale, pois só vale enquanto faz parte do grupo. Resultam daqui conseqüências importantes. A primeira é a da mútua assistência entre os associados no caso de algum ter sido ofendido por estrangeiros. Nesse caso, o grupo inteiro


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reage — e não contra o ofensor mas contra o grupo a que ele pertence. A reacção manifesta-se sempre com este carácter colectivo. No caso de a ofensa ser praticada por membro do mesmo grupo, o mesmo princípio exige a expulsão do ofensor. Este, uma vez expulso do grupo, que é a única forma de tutela jurídica nesta fase, fica destituído de qualquer direito e equi parado a uma fera, ou seja: exposto às ofensas de todos. O desterro primitivo, imposto por meio de fórmulas sacras — sacer esto, interdictio aquae et ignis, etc. — apresenta-se assim com gravidade extrema e não deve confundir-se com o exílio de épocas posteriores, em que o indivíduo, mesmo banido do grupo, continua a dispor de outros meios de tutela jurídica.

Vindicta e composição

A reacção entre os grupos gentílicos, que constituem uni dades fechadas e compactas, manifesta-se já nos tempos primi tivos com uma certa e quase matemática precisão. A vindicta assume formas bem determinadas, segundo um conceito de igualdade, segundo o qual ela deve ser exactamente propor cionada à ofensa. Semelhante conceito da igualdade material exprime-se na chamada
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germânico. Neste importante momento inicia-se a formação do Estado. É de notar que, nesta altura, não existe ainda mima auto ridade que obrigue a renunciar à vindicta. Inicialmente, a com posição é facultativa. Por outro lado, esta nova prática deve ter sido poderosamente favorecida pela necessidade de pôr freio às contendas privadas perante um perigo comum. Tflm certos casos, deve ter sido indispensável reunir todas as forças de vários grupos, ainda que desavindos, contra o inimigo comum; e isto tanto para fins defensivos como ofensivos. Veri fica-se a este propósito aquela verdade que, ao ser enunciada, assume o carácter de paradoxo: a guerra possui virtude paci ficadora. A actividade militar, tendo por condições urna disci plina e uma coordenação harmónica dos esforços, obriga a sus pender, pelo menos temporariamente, as lutas intestinas. A guerra é, pois, durante as épocas primitivas, a bona occasio de que nos fala Vico. Dela se aproveita a natureza para esta belecer um ordenamento político entre os homens, com o fim de assegurar a paz nas suas relações. Para objectivos de guerra, reúnem-se vários grupos gentílicos debaixo da direcção de um chefe — provavelmente o mais forte e valente. A este é entregue o comando da empresa ofensiva ou defensiva. Passagem à fase super-gentílica; formação do Estado

Esta autoridade super-gentílica tem, na origem, um carác ter apenas militar e transitório (relativo a uma determinada empresa) mas, cedo, tende a constituir-se em autoridade civil e permanente. O chefe da guerra toma-se chefe civil, político, juiz e legislador. Assim acontece devido a uma série de razões que foram muito bem explicadas por Spencer e também por Vanni. Antes de mais, a necessidade de assegurar e manter a paz interna, condição imprescindível de uma acção externa proficiente. O novo poder é consagrado para que, por seu inter médio, as contendas sejam diminuídas e a composição suibs-


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titua a vindicta, causa do dilaceramento interno do grupo. Outra razão é a da necessidade de uma adaptação psicoló gica à mudança verificada na estrutura do grupo, que com preende, agora, soberano e súbditos — necessidade que tanto é sentida pelo primeiro como pelos segundos. À roda do chefe militar forma-se bem cedo, uma casta sacerdotal que lhe pres tigia o poder, circundando-o com a auréola da divindade. Mas o facto da vitória obtida prestigia decisivamente o chefe permitindo-lhe a conservação do poder e mesmo a desig nação de um sucessor. Acresce que o culto dos mortos, cuja influência se teme, e que, por isso, é necessário propiciar, con tribui para que a autoridade do chefe falecido se prolongue, por assim dizer, da outra vida até esta, chegando a ser, postu mamente, mais prestigiosa. Finalmente, cessada a guerra, não desaparece a utilidade da organização militar, pois com ela assegurasse a sujeição dos vencidos e o espólio da luta, obvia-se aos perigos da desagre gação e da desordem interna. Podemos a todas estas razões ajuntar ainda um argumento da lógica darwiniana, a saber: os grupos capazes de suportar mais longamente uma firme dis ciplina unitária têm maiores possibilidades de sobreviver, já suprimindo, já absorvendo os outros grupos alheios ou menos ligados a uma rígida disciplina; estes, pois, tendem a desapa recer. Devido à actuação de todos estes factores, uma agregação mais vasta e complexa forma-se por cima das unidades gentí licas isoladas. Isto é: dá-se a reunião de vários grupos, já não com base no vínculo sanguíneo, mas obedecendo ao vínculo político. Nesta fase, o Estado delineia-se, pois começam a surgir os seus elementos constitutivos: o pessoal —grande número de indivíduos, de sorte a ser possível a distribuição orgânica das várias actividades e funções sociais; o território determi nado — que é objecto de permanente relação de domínio; e o ordenamento jurídico— formado pelo costume indistinto e pela autoridade do chefe.

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Não se julgue, porém, que o processo de criação do Estado seja brusco, repentino. A maior parte das vezes, é lento e labo rioso. Durante algum tempo, arrasta-se uma espécie de luta entre as organizações menores (gentes) e o poder central; este tende a subordiná-las a sã, para as juntar numa unidade. Os elementos característicos da fase gentílica continuam a afir mar-se, persistem em conservar o poder privado, não se deixam exautorar peia nova autoridade pública, de qualquer modo rea gindo às suas ordens. Por sua vez, o poder central não é bas tante forte para se instaurar plenamente como soberano. Isto o conduz a deixar subsistir, até certo ponto, os elementos da fase ultrapassada, isto é: a autonomia dos grupos gentílicos. Já na fase anterior se manifestara, como dissemos, entre os grupos gentílicos, a tendência para substituir a vindicta pela arbitragem e a reparação do torto pela composição. Nascido o Estado, procura este utilizar em seu proveito esta prática; por sua inspiração e segundo a sua direcção, a arbitragem consoliida-se, torna-se meio organizado e estável de solucionar con trovérsias. De certo modo, o Estado começa a oferecer os seus serviços de intermediário aos contendores. Mas, na fase embrio nária da sua experiência, não consegue ainda impor-se a todos eles, forçando-os a que se dobrem ante a sua maior autoridade. O juiz primitivo é, por isso, apenas um árbitro que sugere um acomodamento às partes desavindas. As partes podem aceitar a decisão, mas esta não é ainda acompanhada da força executória coerciva. Para se obter o respeito da sentença há que lançar mão de meios indirectos, como promessas solenes das par tes, invocações das divindades, apostas judiciais, espécies de pagamento quase antecipado do preço da composição, etc. Usando-os, mostram as partes o seu sério intuito de se subme terem à decisão que será tomada. Igualmente, para que se obtivesse o mesmo resultado, utilizavam-se também testemu nhas e certas garantias (espécies de avalistas, etc.). Todos estes expedientes ou meios indirectos são caracte rísticos do processo antigo. A evolução jurídica, nesta fase, é


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ainda melhor caracterizada pelo esforço que o autor dispende com o fim de levar o réu a apresentar-se em juízo. Além disso, obtida a apresentação perante o juiz, desenrola-se uma como que luta regulada, sobrevivência da fase antiga da vin dicta, cada vez mais tendente a adquirir natureza simbólica. Só por uma série de graus, depois de laboriosa gestação histórica, o Estado chega a constituir-se como poder super-gentílico, capaz de avocar exclusivamente a si a função de administrar justiça, impondo a observância das sentenças. Só então sie conclui o processo da formação do Estado. Quão vagaroso e operoso ele é, exemplificado está com o facto de que, ainda de nossos dias, a vindicta privada ou auto-justiça, excluindo a intervenção do Estado, sobrevive com certo vigor, sobretudo em certas classes sociais, como típico resíduo de fases jurídicas ultrapassadas. No campo do direito internacional está-se passando evo lução semelhante a esta. O princípio da sociabilidade, em virtude do qual os homens se reúnem em grupos primeiramente gentí licos, super-gentíiicos depois, também se desenvolve e actualiza nas relações entre os vários Estados. Mas, neste momento, o processo encontra-se ainda em fase atrasada. Falta ainda o poder organizado, superior a todos os Estados. Por isso, encon tram-se estes em situação parecida à situação em que se encon travam os grupos na fase da justiça privada: a guerra corres ponde à vindicta. No entanto, a prática tem a temperá-la cos tumes e acordos particulares, que permitem recorrer à arbi tragem, de preferência às armas, em caso de controvérsia. A arbitragem, a princípio, apresenta-se como facultativa e não como obrigatória. Mas já começa a manifestar-se a tendência para tomar permanente a arbitragem e, dentro de certos limi tes, e para certas matérias, obrigatória. Tal tendência manifes tou-se já em diversos tratados concluídos entre vários Estados e, nomeadamente, na tentativa de criar uma sociedade ou União das Nações e um Tribunal de Justiça internacional. Mas, por ora, o ensaio não passa de experiência. Se a tendência, que o

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provoca, vier a fortalecer-se, como há razões para o esperar, chegará um dia o momento em que nos acharemos então ante uma verdadeira organização super-estadual, como o Estado já é uma organização super-gentílica. Diferenciação progressiva do Direito

Paralelamente ao progresso da formação do Estado, corre o processo da diferenciação do Direito. Esta acompanha todas as fases da evolução que segue aquele. Durante ela, as normas jurídicas separam-se gradualmente dos elementos heterogéneos, com os quais, a princípio, estavam misturadas. Nas fases pri mitivas, o Direito tem um carácter religioso: o ius confunde-se com o fas, a classe dos jurisperitos com a classe dos sacerdotes. A norma jurídica é concebida como comando da divindade, o torto jurídico como ofensa à mesma, de sorte que, além de infracção, este é também pecado. Nasce desta concepção o sentido expiatório atribuído à pena. O processo primitivo é constituído por longa série de ritos. Por exemplo: no sistema de provas, domina o conceito de que a divindade intervém, de modo a proteger o inocente e a inculpar o réu. Neste conceito baseia-se a ordalia (juízo de Deus) que se encontra reproduzida de vários modos nas sociedades primitivas, não raro com grande crueldade (prova do fogo, imersão do braço em água a ferver, etc.). Todas estas provas supõem que o inocente, assistido pela divindade, as suportará, demonstrando assim a sua inocência. Só ao cabo de longa evolução histórica o Direito renuncia a estas características, acabando os homens por reconhecer que ele, ao invés da religião, não tem propriamente fins ultra-mundanos, mas é um instituto puramente humano, que tende a tornar pos sível a vida social, assegurando a cada um, em uma certa ordem, uma determinada medida de liberdade que compreende tam bém a liberdade religiosa. O progresso da evolução acarreta consigo a distinção efec tiva entre Direito e Moral. No costume primitivo, a actividade


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humana está confusamente disciplinada, pois aos deveres a que os indivíduos estão sujeitos não corresponde uma nítida pretensão moral. As sanções dos vários deveres mantêm-se ainda indeterminadas ou indirectas. As transgressões eventuais das normas ainda não correspondem a reacções bem definidas. Só pouco a pouco a natureza e os limites das duas formas éticas e das respectivas sanções começaram a distinguir-se no sentido atrás indicado.

Caracteres da evolução histórica do Direito

Ainda depois de ter chegado a adquirir uma fisionomia peculiar e distinta, o Direito não permanece imóvel, mas desen volve-se. As normas jurídicas, em sua história ou positiva exis tência, fluem constantemente: vigoram algum tempo, para logo outras as substituirem. Esta renovação contínua é determinada pelo espírito humano, de que o Direito é um dos produtos. Desen volve-se a mente humana, erguendo-se de graus inferiores a graus superiores da consciência e da actividade; e o Direito acompanha este desenvolvimento. Além disso, quando as con dições da vida ou as circunstâncias de tempo e de lugar se modificam, imediatamente o Direito tende a reflectir estas alte rações. Todos os fenómenos, nomeadamente os da vida social, entre os quais se encontram os jurídicos, acham-se entre si concatenados. Elementos constantes

Não se deve pensar todavia que a evolução histórica do Direito admita mutações absolutas: existem também elementos constantes, que se perpetuam sob o variar dos fenómenos, por que são inerentes à natureza humana e implícitos na própria noção lógica do Direito. Onde o Direito se manifestar encontraremos sempre dois ou mais sujeitos reconhecidos na sua recíproca liberdade. Cha-

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mamos-lhe recíproca, e com esta frase, afirmamos que tal liber dade é limitada. Resulta daqui, para qualquer ordenamento jurídico, a necessidade de dois elementos fundamentais: certo respeito

pela

personalidade

humana;

certa

limitação

do

arbítrio

individual.

Em qualquer fase da evolução jurídica verificaremos que, de facto, a pessoa humana esteve sempre garantida de certo modo, ou seja: a sua liberdade pessoal foi sempre objecto de certas medidas protectoras. Assim, na fase gentílica, assegura esta protecção a solidariedade compacta do grupo, que reage unanimemente às ofensas feitas a um dos seus membros; na super-gentílica, é já a autoridade do Estado quem desempenha essa função; e, nas fases ainda mais evoluídas, é ela assegu rada por outras formas, embora em concorrência ou colabo rando com esta mesma autoridade. Sem dúvida, inicialmente, é restrito o número de pessoas tuteladas, pois a protecção abrange só os componentes do grupo gentílico. A pouco e pouco, contudo, alarga-se o seu âmbito até que, na Idade Modema, se chega finalmente ao reconhecimento da persona lidade jurídica do homem, só por ser homem, e portanto, mesmo a do estrangeiro. Mas, se varia no modo e medida, não cessa a protecção da pessoa de se manifestar como elemento constante da evolução histórica do Direito. Um segundo elemento constante é-nos dado pela limitação do arbítrio individual. O Direito implica a delimitação do arbí trio. De contrário, desapareceriam as condições da vida social. Por outras palavras: seria impossível obter a coordenação objec tiva das acções de vários sujeitos, que é essencial ao Direito. Também esta delimitação pode ser, e foi, realizada de muitas maneiras. Com Spencer e Comte, distinguiremos dois tipos de socie dade: militar e industrial. Na primeira, os limites do arbítrio individual são mais restritos, pois nela é preciso que reine dis ciplina rígida; na segunda, mais largos, pois nela verifica-se o regime da concorrência inter-individual que pressupõe largo


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uso da iniciativa do indivíduo. Porém, em qualquer dos casos, existe o limite, sem o qual seriam impossíveis a sociedade e a ordem jurídica. Aspectos característicos da evolução jurídica

Posto isto, podemos agora enumerar quatro aspectos ou caracteres principais da evolução jurídica: I) Em primeiro lugar, representa ela uma passagem da elaboração espontânea, instintiva e inconsciente do Direito à sua elaboração deliberada, reflexiva e consciente. Nasce o Direito espontaneamente, quase como um produto orgânico, sem que o prepare uma concepção consciente. Aos homens pri mitive» falta a clara consciência das razões em que assentam as normas por eles seguidas. Limitando reciprocamente a liber dade, satisfazem impulso espontâneo da sua natureza. Segue o Direito processo análogo ao que a linguagem sofre na sua evolução. Também esta, de natural e irreflectida, volve-se, depois, em algo de meditado e elaborado pelos gramáticos. O mesmo acontece ao Direito, uma vez passado pela fieira dos juristas e legisladores. As normas, inicialmente, não são expres sas, mas vigoram de facto, concretizam-se no costume, que é reputado imutável. Desenvolve-se a razão humana, depois: ades tra-se o espírito crítico, enquanto o costume vai revelando cada vez mais as suas deficiências para disciplinar a crescente e mais complexa actividade social do homem: as novas relações sociais. Entra depois o costume tradicional a perder, gradualmente, o seu carácter sacro — e, com isso, entra o homem a compreen der que é possível modificá-lo. Consegue-se a formulação de novas regras e a reelaboração das existentes; começa a dis cussão e o exercício do raciocínio individual. Entra-se assim em uma outra fase, caracterizada, além do mais, pela formação de uma nova classe de técnicos, anunciando já a fase legis lativa. A obra dos técnicos e a da legislação efectuam-se, pri meiro, com sentido interpretativo ou declarativo do costume. f

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Fixam-se e esclarecem-se as normas preexistentes, que são reduzidas a escrito. Posteriormente, afirma-se a elaboração legis lativa como fonte autónoma, já capaz tanto de revogar como de inovar. É então que se toma inteiramente reflexiva a elaJboração do Direito, produto do consciente trabalho da razão e da vontade. Mas, em todas estas fases, o que determina e sustenta o Direito vigente são as persuasões comuns. E não só o costume como também a lei jamais se poderiam impor efectivamente se não fossem consagradas por um certo consenso geral. Estas persuasões comuns, ou consciência popular, são a resultante e a combinação das consciências individuais: o complexo das actividades psicológicas individuais. Não correspondem, como a Escola histórica o julgava, a nova entidade misteriosa. Na rea lidade, há sempre encontro e influência recíproca entre as cons ciências individuais, e este encontro (que pode tomar-se tam bém luta) toma-se sempre mais activo e explícito com o pro gresso da evolução jurídica. Não sem razão se tem falado, em vista destes conflitos (embora, algumas vezes, com certo exa gero) numa «luta pelo Direito». Essa, devidamente entendida, constitui um dever ético. II) Outra característica apresenta a evolução do Direito: a passagem da particularidade à universalidade. Na fase inicial, o Direito é estritamente nacional ou particular: reflecte as con dições e vicissitudes de um determinado povo, mesmo no que elas têm de acidental. Mas já nesta fase do direito positivo de cada povo estão implícitos elementos geralmente humanos. Estes elementos propendem a desenvolver-se e a predominar, devido a um conjunto de causas tanto intrínsecas como extrínsecas. As causas extrínsecas são provocadas pelas relações que se estabelecem entre os vários povos. Estes, primeiramente, vivem isolados. Depois, ainda como conseqüência da guerra, produzem-se trocas e comunicações de ideias e costumes. A con quista traz sempre consigo a convivência de vencedores e vem-


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eidos; pois, através da guerra, como disse Cattaneo, «o homem acaba por reconhecer, pouco a pouco, no seu inimigo o seu semelhante». Não deve também esquecer-se, como ocasião de encontro e aproximação internacional, o comércio, que foi sem pre um grande veículo do Direito. A troca de produtos implica a mútua compreensão entre as ideias dos contratantes. Já no tempo dos fenícios, por exemplo, os institutos comerciais conhe ceram enorme difusão internacional. À medida que aumentam as relações entre os povos, tanto em número como em frequên cia, uns assimilam o Direito dos outros. Desta sorte, vão-se dando a sucessiva ampliação e o sucessivo enriquecimento das originárias instituições autóctones. Mas além destas causas extrínsecas, há outras intrínsecas que levam a uma progressiva humanização do Direito. Estes factores intrínsecos podem resu mir-se no facto de pelo desenvolvimento da mente humana, o universal predominar sobre o particular. E o Direito, desenvolvendo-se com a mente humana, liberta-se gradualmente das circunstâncias acessórias, que correspondem às impressões par ticulares dos sentidos, e eleva-se a 'máximas universais ditadas pela razão. Os motivos fundamentais e comuns do ser humano emergem gradualmente acima das particularidades gentílicas e locais. Daqui resulta uma coordenação sempre mais vasta, em virtude da qual, ao exclusivismo e à casuística próprios das fases iniciais, sucedem as construções dos sistemas racio nais omnicompreensivos. Manifesta-se assim uma convergência no desenvolvimento dos direitos dos vários povos. Estes, por fim, tendem a encontrar-se no reconhecimento de verdades uniformes, como, por exemplo, a da igualdade jurídica de todos os homens. A evolução, de que acabamos de traçar o esquema, foi per corrida de modo típico pelo povo romano. Exclusivamente nacional e particularista foi o direito da Roma antiga: o direito quiritário. A sua observância estava rodeada de fórmulas e de solenidades particulares. Mas, pouco a pouco, alarga-se, recebe o influxo do ius gentium; isto é: pelo contacto com os

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outros povos e pela necessidade de se estabelecerem regras mais genéricas, aptas a disciplinarem as novas relações enta buladas com esses povos, adquire carácter universal. Deixa então de ser o direito próprio dum povo de agricultores, que era a principio, para ser um direito humano, quase cosmopolita, capaz de se adaptar, em virtude da sua generalidade, às mais variadas condições. Isto é tanto assim que, como se sabe, pôde ser aceito por muitos outros povos, como o germânico, por exemplo. Assim adquire o direito romano o valor de paradigma ou tipo exemplar, pois na sua evolução foi-se despojando progres sivamente das suas notas particularistas e estreitamente nacio nais, para assimilar os diversos elementos das culturas com que veio a entrar em contacto. Na evolução do Direito verifica-se, em resumo, uma pro gressiva prevalência dos elementos racionais, correspondentes à comum natureza humana, sobre os elementos empíricos, cor respondentes às condições particulares próprias dos diversos agregados. Uma clara ilustração disto, pode ver-se, por exemplo, na evolução da hospitalidade, ou seja: na progressiva modificação jurídica da situação dos estrangeiros. Mas não repetiremos aqui o que já dissemos a propósito dos sujeitos de direito. Critica do materialismo histórico ou determinismo económico

III) Do exposto infere-se que a evolução jurídica rem sem pre uma base psíquica e realiza-se paralelamente ao desenvol vimento da razão. Ou seja: representa a passagem de motivos psicológicos inferiores a motivos psicológicos superiores. O Di reito começa por se manifestar por impulsos imediatos, instin tivos, como por exemplo, o medo do perigo ou do desconhecido; a necessidade da defesa comum; o instinto da conservação individual ou da espécie, etc. A pouco e pouco, porém, outros motivos de convivência e de cooperação se impõem aos homens,

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outras exigências de ordem e de liberdade. Reforça-se o senti mento do respeito devido à personalidade humana, pois tal sentimento radica na identidade da natureza em todos os homens. Em cada fase, acha-se o Direito ligado aos seus fac tores psicológicos, como belamente disse Vico: «este mundo civil

foi,

sem

dúvida,

feito

pelo

homem;

por

isso,

os

seus

prin

cípios devem encontrar-se na própria mente humana».

Esta verdade merece ser mantida perante as unilaterais afirmações, aliás também inexactas, do materialismo histórico ou determinismo económico. Ê esta uma doutrina bastante recente, muito embora se lhe possam encontrar indícios nos antigos, sobretudo nos Sofistas. Foi Marx quem a formulou no prefácio do seu livro, Critica da economia política, de 1895. Foi depois sustentada e divulgada por outros, mas sobretudo nas obras de Engels, Loria e António Labriola. Segundo esta doutrina, entre os fenómenos sociais (moral, religioso, jurídico, etc.), haveria um fundamental: o económico; os outros seriam determinados por ele. Desta sorte, o Direito, em vez de resultar do desenvolvimento do espírito humano, antes teria por causa directa as condições materiais da vida, os modos de produção e distribuição da riqueza. As persuasões jurídicas e as crenças religiosas, morais, etc., modelam-se sobre a estrutura econó mica e conformam-se com ela. A evolução jurídica reproduz a evolução económica. O Direito, como as restantes ideologias, é derivação extrínseca e superficial da infra-estrutura econó mica ; é uma superstrutura ou epifenómeno com relação ao fac tor económico fundamental. Por isso, se este varia, aquele varia também. Só há uma verdade parcial nesta doutrina: Direito e Eco nomia estão estreitamente conexos. Frequentemente, o fenó meno jurídico é um aspecto daquelas realidades, que também possuem um aspecto económico, como a propriedade, a troca, etc. No entanto, é profundamente erróneo afirmar que o Direito seja apenas uma superestrutura, um epifenómeno ou apêndice da Economia. E o erro está sobretudo patente no esquecimento

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de que a Economia, em vez de algo de simples e meramente objectivo, tem igualmente uma raiz psíquica e é o resultado de tendências, sentimentos e necessidades humanas. Funda-se, pois, em elementos psíquicos, essencialmente subjectivos. A noção de valor, tão importante em economia, é inteiramente subjectiva. Por outro lado, a evolução económica, o progresso técnico, ape nas são compreensíveis se os relacionarmos com o desenvolvi mento da mente humana. Direito e Economia têm, portanto, uma base comum. E se é verdade que o Direito evoluciona de par com a Economia, é falso dizer que ele evoluciona em consequên cia dela, como seu reflexo ou movimento secundário. Nunca existiu, nem poderá existir, fase da vida humana com base exclusivamente económica, a que não corresponda urna base jurídica. Ocorre ainda notar, além disso, que se o paralelismo é ver dadeiro para algumas relações para outras é falso. Nem sempre se verifica a compenetração entre Direito e Economia, visto nem sempre o primeiro ser uma forma com conteúdo econó mico. Casos há em que o Direito se manifesta com absoluta independência da Economia; assim, as liberdades do cidadão, o direito de sufrágio, a liberdade de consciência, etc., são ins titutos jurídicos sem conteúdo económico. Se considerarmos o Direito na sua universalidade, surgir-nos-á como a forma reguladora da convivência social, como ordenamento recíproco da liberdade. Ora este conceito jurídico é mais lato do que qualquer concepção económica, pois envolve a vida humana em todos os seus aspectos. Podemos assim concluir que o Direito e a Economia se manifestam inter-relacionados, conexos entre si, no tocante a certas actividades humanas, como as que se referem à produção e troca das riquezas. Mas, mesmo aqui, há apenas correlação, nunca subordinação do Direito à Economia. Em planos mais elevados da actividade humana, cinde-se o Direito da Economia, toma-se independente dela, e assume um significado que é muito mais geral.


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Advirta-se, pois, que a correlação ou o paralelismo indi cados respeitam tão só ao aspecto fenoménico do Direito como facto histórico ou positivo. Neste aspecto, manifesta-se ele, por certo, ainda com ligações com a Economia. Mas considerado na sua .própria razão intrínseca e no seu valor essencial, o Direito, implicando um princípio ético e deontológico, é sempre sobreordenado à Economia, a qual nunca constitui, de per si, uma regra eticamente obrigatória. Notemos finalmente que alguns adeptos do materialismo his tórico levaram as suas teses aos mais absurdos exageros, pre tendendo alguns que o feticismo primitivo teria sido abandonado por virtude do alto custo dos sacrifícios. Uma razão econômica teria também presidido à passagem do politeísmo ao mono teísmo. Para Engels, a cremação dos cadáveres entre os ger manos teria sido determinada pela grande abundância de lenha. Mas, encarecida a lenha pelo despovoamento (florestal, veio a cremação a ser substituída pela inumação. Fácil é observar, no entanto, que o tratamento dos cadáveres —a propósito do qual tanta importância têm as honras e as ofertas votivas — nunca foi determinado por causas económicas, mas sim por motivos psicológicos que, precisamente, contrastam com elas. Também não resistem à crítica as tentativas para reduzir a coeficientes económicos a evolução do sentimento religioso, em virtude da qual, do terror e do culto das forças naturais personificadas se passaria para a concepção de um espírito universal, o qual, com o progresso da razão, perderia depois as suas características antropomórficas. Nem o Cristianismo se pode compreender, como alguns o quiseram já, como simples movimento proletário, destinado a melhorar as condições eco nómicas das classes inferiores. Afirmação de profundas aspi rações morais o Cristianismo surgiu como magnífica actuali zação do princípio da caridade e da fraternidade humanas. Tão-pouco as grandes florações do pensamento, como, por exemplo, a Filosofia grega e o Renascimento italiano, podem devidamente explicar-se em função só de factores económicos,

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como pretende a escola do materialismo histórico. Inclusiva mente, procurou-se já interpretar as reivindicações dos direitos do homem e do cidadão como a consequência de interesses bur gueses, que só em regime de liberdade, condição da concorrência industrial, podiam encontrar satisfação. A verdade é, porém, que a aspiração da liberdade é ingénita no ser humano, e, como tal, independente de motivos económicos. Assim o prova o facto de a liberdade de consciência ter sido o primeiro direito rei vindicado, o qual nenhuma relação tem com qualquer função económica. Os factos indicados e os acontecimentos históricos, em geral, excluem as explicações simplistas e só se tomam compreensíveis quando se atenda aos complexos motivos da mente humana. Erro frequente dos sequazes do materialismo histórico con siste ainda em confundir a condição com a causa. A presença de certos elementos de facto com um aspecto económico, poderá ser simples condição ou meio para certas aspirações ou tendên cias se manifestarem de certa maneira e não de outra. Contudo não gera essas aspirações. A abundância de lenha não é a causa da cremação dos cadáveres, mas tão só a condição da sua pos sibilidade. O factor primário e fundamental para a Economia como para o Direito, é sempre de ordem psicológica. Qualquer outra explicação é parcial e deficiente. Segundo alguns dos seus recentes intérpretes, o materia lismo histórico consistiria essencialmente não no determinismo económico, mas sim numa concepção da história, como criação contínua da actividade humana (materialismo dialéctico). Efec tivamente certas frases de Marx parecem justificar esta inter pretação. Mas é no sentido acima indicado que, sem dúvida possível, o próprio Marx fez a mais clara enunciação da dou trina. Ê certo que nos fala, por vezes, da actividade humana como factor da história, mas refere-se-lhe sempre como deter minada essencialmente pelas necessidades económicas. Um sé culo antes a tese de que a história é feita pelos «homens» havia sido enunciada como é sabido, por Vico, mas de modo

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diferente, e mesmo oposto ao de Marx. Essa profunda diferença provinha da concepção divergente que um e outro tinham da natureza humana. Labriola, Mondolfo e outros fazem a distinção entre mate rialismo econômico e materialismo dialéctico. Mas essa distin ção, bem ponderadas as coisas, não atinge os fundamentos da doutrina. Valem, pois, também em relação a ela todas as objecções acima expostas. Lei de Maine

IV) consiste

Outro aspecto característico da evolução jurídica na passagem da agregação necessária à associação voluntária, ou, na forma da lei de Maine, do regime de status ao regime de contractus. Primeiramente, o indivíduo acha-se vin culado indissoluvelmente ao grupo a que pertence. Aí, pelo facto do nascimento, encontra-se logo em certa situação que a sua vontade não pode modificar. Ele nasce em certa casta ou classe, como escravo ou servo da gleba por exemplo. E, por toda a vida, ficará onde nasceu. Não pode dispor livremente da sua pessoa ou bens, que pertencem, sobretudo os imobiliá rios, à comunidade. Não pode livremente emigrar. O pesado imposto medieval —o detractus ‘personalis, gabella emigrationis— significa uma sobrevivência disto, quase um resto da antiga obrigação do indivíduo de não abandonar o grupo. Além disso, há urna responsabilidade penal colectiva: a reacção puni tiva é primeiro dirigida, não contra o indivíduo, mas contra o grupo a que pertence o ofensor. Daqui resulta a estrutura social por nós designada «agregação necessária» e por Maine chamada «regime de status» — entendendo por esta expressão 0 estatuto pessoal, a condição jurídica do indivíduo. Devido à evolução histórica, outra estrutura, outro regime, porém, substitui este. O indivíduo adquire uma verdadeira per sonalidade: adquire a capacidade de por si determinar as con dições da vida e as suas relações jurídicas. Deixa de estar intei

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ramente absorvido pelo grupo. Aparece, ao lado do patrimó nio privativo, a responsabilidade pessoal. O contrato, nesta fase, predomina. E então que se afirma a vontade individual que permite ao homem, por actos da sua vontade, entabular negócios jurídicos. A própria pena perde o carácter colectivo, tomando-se individual. O indivíduo tem o poder de abandonar o gtruipo, de emigrar, de fazer parte de outro grupo. Em resumo: pode determinar, por si, dentro de certos limites, os vínculos jurídicos a que deseja sujeitar-se. Deste modo, a agregação primitiva, provocada pelo facto do nascimento, transmuda-se em associações que têm por base o consentimento. Uma nova condição, um novo regime, o do contrato (segundo a fórmula de Maine), tende a instaurar-se, dando lugar a uma estrutura social em que a liberdade individual predomina. Spencer, entre outros, aceitou e confirmou esta doutrina que fixa, na verdade, um aspecto essencial da evolução jurídica: a progressiva emancipação do indivíduo relativamente ao grupo originário. Outros, porém, refutaram-na. Assim fez Vanni. Este Observou que o contrato só a matérias particulares de direito privado se aplica, não podendo ser tomado por base de todo o ordenamento jurídico. Mas a fórmula por nós empregada deverá ser entendida em termos muito mais amplos. Assim entendida, poderá também ser aplicada a matérias que não costumam ser tomadas para objecto do contrato em sentido civilista estrito. Por exemplo: poderá ser aplicada à constituição política. Esta, nos regimes mais evoluídos, assume um signi ficado quase contratual. A relação entre indivíduo e Estado configura-se, nas modernas constituições políticas, como se fosse o efeito de um contrato — quasi ex contractu. Se o Estado, por um lado, tem direito perante a cidadão, este, por sua vez, tem direitos perante aquele. O Estado pode exigir a obediên cia do cidadão, mas o cidadão pode exigir que os órgãos do Estado tutelem a sua personalidade e nada façam para o ofender. Verifica-se aqui, pois, um mecanismo de recíproca dependência que logo sugere a ideia do contrato bilateral. Nem é outro o

origem e evolução histórica do direito

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traço dominante do moderno Estado de Direito. Este corres ponde, portanto, aos princípios já defendidos pelos doutrinários do contrato social naquilo que os ditos princípios têm de mais profundo e verdadeiramente essencial. O progresso jurídico

Será o progresso jurídico um facto, além de necessário, constante? Eis o que vamos examinar agora. Ê relativamente moderna a ideia de progresso. Durante muito tempo, dominou a ideia de que a maior perfeição teria sido a dos tempos primitivos (a chamada idade de ouro). Depois deles, teriam vindo a decadência e o retrocesso. Esta a origem da ideia tão espalhada de que as reformas corres pondem a um regresso ao passado. Por outro lado, a Filosofia da História afadigou-se em estabelecer certos períodos fixos que constantemente se repetiriam. Típica é, a este respeito, a tentativa de Vico, com a sua teoria dos corsi e ricorsi. Segundo este pensador a História obedece a um eido, a uma rotação, que exclui o progresso ou, pelo menos, dificilmente se concilia com tal ideia. A doutrina progressista começou a constituir-se por meados do século xviii e foi uma expressão filosófica do conceito do desenvolvimento histórico, que então começou a surgir do estudo dos factos humanos. Turgot, no seu discurso Sur les progrès successifs de Vesprit humain (1750), formulou explicitamente, talvez pela primeira vez, a tese do desenvolvimento progressivo da humanidade, mediante a concatenação de todos os aconte cimentos e a transmissão da cultura de idade em idade. O género humano —diz ele— é um todo imenso que tem, como todo o indivíduo, a sua infância e os seus progressos. Uma tese semelhante foi posteriormente sustentada, com maior ampli tude e igual eloquência, por Condorcet, no seu célebre Esqwisse d’un tableau historique des progrès de Vesprit humain (1798).

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Na Alemanha, pela mesma época, publicou J. C. Herder as suas Ideen sur Philosophie der Geschichte der Menschheit (1781f-1791), em que traçou a síntese filosófica da história da humanidade, fazendo sobressair a ideia do progresso. Kant, por sua vez, formulou doutrina análoga, sustentando que a his tória do género humano pode ser considerada como a «reali zação de um secreto desígnio da natureza, para produzir uma constituição política perfeita». Esta ideia de uma meta prefixa da história mundial tem, para Kant, valor fundamentalmente regulativo; isto é: para a nossa mente, serve tão só de meio de reunir em um sistema as acções humanas que, de outro modo, ficariam desagregadas e carentes de sentido. Além disto, a ideia de progresso é, conforme Kant, um postulado da cons ciência moral, pois, se temos o dever de prestar o nosso con curso para que a humanidade se torne melhor, precisamos de guardar a esperança de que a nossa acção produzirá o seu efeito. A fé no progresso humano é também um dos pontos cardiais do idealismo de Mazzini. O progresso é, para Mazzini, uma lei desejada por Deus, que marca a cada povo e a cada homem uma missão própria: «uma é a lei da vida, quer colec tiva quer individual. Progresso é desenvolvimento lento mas necessário, inevitável, de todo o germe de bem, de toda a ideia santa, de toda a faculdade inerente aos seres» (4I>). Sem dúvida, a crença, segundo a quai as modificações da sociedade humana deverão, em qualquer caso, significar adiantajmento na via da perfeição, é ainda um produto do hábito metafísico que dominava a contemplação dos factos sociais, aí pelos fins do século xviii e pelo começo do seguinte. Em mais recente época, tendo-se manifestado forte reacção anti-meta física, a doutrina do progresso foi sujeita a severa crítica que se propôs destruí-la ou limitar-lhe, pelo menos, o alcance. Maine, por exemplo, afirmou que, alcançado certo grau na formação do Direito e fixadas em textos escritos as normas de direito costumeiro, a maior parte das sociedades humanas permaneciam estacionárias, e só algumas delas, por excepção, sentiam a


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necessidade de progredir. Por isso, só a estas sociedades pro gressivas aplica ele o conceito aqui examinado. A reacção contra a ideia de progresso é, porém, excessiva e deixa de corresponder à realidade. Não se pode afirmar a priori que todos os povos igualmente progridam de modo constante, uniforme e contínuo. Muito menos se pode considerar o género humano como um todo compacto, como um indivíduo em curso de desenvolvimento. Contra semelhantes afirmações dogmáticas dos primeiros teóricos do progresso, convém adver tir, na verdade, que a humanidade se encontra, de facto, cin dida em vários grupos, cujo desenvolvimento histórico é dis tinto ou assíncrono. A vida dos povos, considerados particular mente, oferece-nos fases de pausa, não raro longuíssimas, sobre tudo nos tempos primitivos. Também não faltam exemplos de decadência, de involução ou regresso. Nos sistemas jurídicos, como em todo o organismo vivo, são possíveis fenómenos de «suspensão no desenvolvimento» ou atrofia, e igualmente, de hipertrofia, ou aumento excessivo de qualquer das suas partes. Em ambos os casos a vida do organismo corre perigo (44). Tudo isto, porém, não deve impedir o reconhecimento da ten dência mais geral que resulta dos factos observados. Devemos considerar a história no seu aspecto orgânico como manifestação de um fim implícito. O espírito humano tem potências e atitudes que se desenvolvem gradualmente. No campo do Direito, as fundamentais prerrogativas da pessoa humana — tanto dos indivíduos como das Nações — emergem do curso do tempo, são reconhecidas e actuadas sucessivamente. Nisto consiste o progresso jurídico de que teremos oportunidade de focar os momentos mais significativos ao examinarmos os carac teres da evolução histórica do Direito. Se é certo que, por vezes, as paixões menos nobres res surgem e dominam, levando alguns Estados a oprimir os seus próprios cidadãos ou outros povos, ao ponto de comprometerem as mais belas conquistas da civilização humana, nem por isso deixa de ser absolutamente válido, vivo e activo nas consciêu-

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cias o ideal da liberdade, da ordem e da paz (em resumo: da justiça) tanto no âmbito de cada Estado como no das relações entre os vários Estados. Quanto mais graves são as ofensas àquele ideal, tanto mais altas e vigorosas são, e serão, as suas reivindicações. O regresso ou involução nunca será a última palavra, enquanto existir o espírito humano corn a sua capa cidade de infinito por força da sua própria natureza. A ideia de progresso não tem apenas um significado teó rico, enquanto exprime uma tendência para um fim que se manifesta necessariamente no curso da história, apesar de todas as negações e contrastes; tem também um valor ético (especialmente nas doutrinas de Kant e Mazzini), enquanto implica para cada um o dever de cooperar para o mesmo fim, isto é, para o maior aperfeiçoamento individual e social e para a actuação do ideal da justiça.

SECÇÃO III FUNDAMENTO RACIONAL DO DIREITO

Entre as investigações que à Filosofia do Direito cabe efectuar, está a de se propor estabelecer o fundamento racional do Direito. Não nos podemos limitar ao reconhecimento da exis tência de um direito positivo; cumpre-nos, além disso, averiguar se ele, sobre ser positivo, é justo. Ou seja: se se afirma como direito positivo dotado de razão intrínseca. A investigação deontológica, tendo por fim determinar um critério ideal de valoração, deve distinguir-se nitidamente da investigação histórica. Por isso, não ternos agora de nos perguntar como e quando o Direito se tenha formado, mas se e sob que condições ele é justo. Muitos têm feito confusões gera doras de grandes equívocos. Assim, tratando o tema do prin cipio do Direito, já alguns investigaram o direito primitivo e seu começo empírico. O equívoco pode surgir facilmente, como já o notamos a seu tempo, devido à ambiguidade do vocábulo «princípio». Na presente investigação prescindiremos do pro blema da origem, para cuidar apenas do critério ideal da Justiça. O sentimento jurídico

O homem tem uma faculdade originária, não induzível da experiência, graças à qual nos é possível distinguir a Justiça da injustiça. Aristóteles já punha em relevo esta faculdade,

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também designada por sentimento do justo e do injusto. Esta era para ele um dos traços característicos e específicos do homem, em confronto com os outros animais (Toüxo yàp 7tpò; -ãXXa

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aí(T&Tf)aiv é%eiv). Não poucas tentativas se fizeram já no sentido de dimi nuir a importância deste sentimento, por certos autores consi derado mera consequência de factos externos. Alguns disseram que os juízos da nossa consciência mais não são do que repro duções ou imitações dos juízos que no mundo exterior se encon tram já feitos; as nossas apreciações seriam assim um reflexo das apreciações consagradas pelas instituições do ordenamento jurídico a que estamos submetidos. Semelhante tese, porém, inverte a realidade, porque as instituições positivas não podem explicar-se senão como ema nadas da nossa consciência. O Direito positivo é, precisamente, produto da inteligência e da vontade dos homens coassociados. Uma prova da prioridade do nosso sentimento é-nos dada pelo facto de as nossas valorações jurídicas poderem prescindir das fórmulas positivas e opor-se até a elas. Há em nós um poder autónomo, insuprimível, de ajuizar do justo e do injusto. Debalde se tentou já fazer acreditar que só compete ao Estado apreciar o justo e o injusto, e que o cidadão, efectuando a mesma apreciação à luz dum critério pessoal, comete um delito contra o Estado. Nenhuma proibição poderia impedir a consciência humana de proceder autonoma mente em semelhante juízo, nem poderia destruir a nossa natu ral faculdade de sentir como justa ou injusta uma lei vigente. Ê certo que, na maior parte dos casos, o direito positivo é conforme com a nossa consciência; mas esta correspondência pode faltar, e é então que, em contraste com o Direito vigente, se manifesta a inexgotabilidade da consciência jurídica própria do homem. Aliás, se a referida correspondência fosse sempre perfeita, se o direito positivo exprimisse sempre fielmente as aspirações

FUNDAMENTO RACIONAL DO DIREITO

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da chamada consciência jurídica, deixaria de existir o estímulo necessário ao progresso do primeiro. Surgiria, assim, uma está tica que não só contradiria o facto histórico, inegável, das revo luções, mas também o facto, igualmente histórico, da evolução do Direito. Deve admitir-se portanto que o sentimento jurídico, ine rente á nossa própria natureza, é uma força vim, originária e autónoma, e a fonte primária da evolução do Direito. A deter minação do fundamento do Direito e do critério da Justiça, ocupou sempre os cultores da Filosofia do Direito. Entre estes delinearam-se, porém, variadas tendências que é preciso exa minar agora particularmente, para chegarmos, por exclusão de partes, à doutrina por nós perfilhada. Teorias do cepticismo e do realismo empírico

Desde os mais remotos tempos até hoje, nunca faltaram os negadores da possibilidade de fundamentar o Direito, afir mando não ter este qualquer fundamento intrínseco, mas expri mir apenas a autoridade e a força. Archelau, filósofo da Escola Jónica, discípulo de Anaxágoras, dizia: «O Direito não existe por natureza, mas apenas por virtude da lei». Tese idêntica foi sustentada pelos Sofistas. «A Justiça — disse Trasímaco— é o que ao mais forte convém». Nesta concepção, o Direito seria comando arbitrário, inteiramente relativo, privado de autoridade intrínseca. A Nova Academia perfilhou opinião parecida com esta (por exemplo, a de Carneades de Cirene), e o mesmo sustentaram alguns filósofos modernos. Dum modo geral, contra o ideal do Direito foram aduzidos os mesmos argumentos com que se pretendeu inva lidar o conceito do Direito. Recordemos o que já dissemos no lugar próprio, a propósito deste assunto. Qualquer que seja a forma assumida por esta doutrina (o Direito carece de funda mento intrínseco, o Direito consiste em um comando arbitrário, FD-3S

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etc.), o seu significado é sempre negativo. Os seus partidários recusam-se a aceitar um critério universal e absoluto de Jus tiça superior ao facto do direito positivo. Podemos, portanto, aproximar da doutrina céptica as outras doutrinas aparentemente opostas. Assim a de Hobbes, que se não pode dizer céptico mas antes realista; esta tende para uma construção positiva, afirmando que só o Estado pode deter minar o justo e o injusto, e que o Direito começa só com o Estado. No mesmo sentido se orienta a doutrina de Kirchmann, a qual foi considerada uma das mais típicas expressões do realismo, no sentido empírico do vocábulo, bem diferente do que lhe dava a Escolástica. Para estas doutrinas, a «achtung», ou seja, o sentimento do respeito e acatamento da autoridade constituída, era o fundamento do Direito. Quer dizer: estes pensadores não admitem a existência dum ideal de justiça válido em si e por si. Por isso, igualmente rejeitam a possibili dade de o indivíduo contrapor as suas especulações racionais aos critérios da autoridade constituída. Como se vê, pois, cepticismo e realismo, independente mente dos pressupostos de que partem, possuem o mesmo signi ficado. Por isso, a ambos podemos abranger na mesma crítica. Ambos, em última análise, identificam Justiça com lega lidade, Justiça com comando. Fácil é mostrar que semelhante interpretação é própria das fases primitivas da evolução da sociedade ou do homem. Só a sociedade primitiva, ou a criança, são incapazes de distinguir entre o estatuído como justo e a justiça, entre o que se faz e o que deve fazer-se. Bem cedo, porém, tanto na vida social como na individual, acorda o senso crítico. Notabilíssimo é o exemplo da Antígona de Sófocles, que contra o tirano evoca as «leis não escritas», áypaçot vófxoi, ou superiores às escritas. Tais protestos, individuais ou colec tivos, frequentes no decurso da História, são de per si um pre cioso documento psicológico contra a pretendida identificação. Por intrínseca necessidade da nossa natureza, não nos podemos


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contentar com a existência do Direito, mas somos sempre leva dos a examinar o «direito do direito existente». O principal argumento da doutrina que nega um funda mento absoluto ao Direito, é o da variedade dos direitos posi tivos. Da divergência nesta matéria inferem os cépticos que não pode haver um direito com valor absoluto. Mas importa obser var que, mesmo no terreno empírico, podemos observar vários factos que desmentem a tese. Antes de mais, se a mutabilidade das normas jurídicas é facto de todos conhecido, não menos conhecido é o facto de sempre ter havido uma norma jurídica, uma valoração jurídica. Em todos os tempos e lugares, senti ram os homens a necessidade de distinguir o justo do injusto, o Direito do torto. Não importa que, segundo as épocas e os povos, oscile a linha divisória; o que sem dúvida importa é o facto de essa linha ter existido sempre e ainda hoje existir. Acresce que, a respeito desta oscilação, muito se tem exagerado. E isto por duas razões: por um lado, parque as dife renças, em matéria jurídica, atraíram sempre roais a atenção do que as concordâncias que aliás sempre subsistiram de certo modo subentendidas. Por outro lado, não se viu que as referidas diferenças são apenas aparentes, pois ao mesmo conceito ou princípio jurídico é dado assumir diversos aspectos segundo as circunstâncias em que se aplica. Em geral, pode dizer-se que a identidade da fenomenologia jurídica é muito mais relevante do que se imagina; e esta conclusão é confirmada pelos resul tados das investigações recentes no âmbito do direito compa rado. Povos entre si muito distantes, em épocas diferentes, tiveram institutos jurídicos semelhantes. Por isso, escritores não suspeitos de prejuízos idealistas, como Post, por exemplo, que seguiu um método puramente empírico, concluíram já que grande parte das persuasões jurídicas da humanidade são comuns a todos os povos e a todos os tempos. Outros ainda, de entre os mesmos, vão até ao ponto de afirmar que as seme lhanças tendem a prevalecer sobre as diferenças na evolução do Direito.

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O observador superficial é todavia mais atraído pelas ano malias e diferenças aparentes, sem perceber que elas reflectem, muitas vezes, no fundo, idênticos conceitos. A vindicta, à pri meira vista, dir-se-ia que nega os nossos princípios jurídicos. Que o homem isolado faça justiça por suas mãos (ou com o auxílio do 'grupo familiar), afigura-se-nos bastante estranho à face do nosso conceito do Estado moderno, ao qual exclusi vamente .pertence a tutela do Direito. Dai o poder afirmar-se: onde dantes existia um dever sagrado, hoje há um delito. Assim raciocinaram já Montaigne, Pascal e outros. No entanto, bem vistas as coisas, a vindicta é, nas fases primitivas, quando o Estado ainda não se organizou, o único instituto ;possível para assegurar a protecção da vida humana. As reacções contra as ofensas, ao produzirem-se por aquele modo, correspondem à mesma exigência fundamental que, nos nossos modernos sis temas de direito positivo, deu lugar à criação de outros meca nismos protectores. O facto de poder haver discussão em tomo do critério da verdade do Direito não prova que ele seja arbitrário ou indeterminável. Pelo contrário: esse facto, o das controvérsias a tal propósito, como o reconhecimento dos erros cometidos, recti ficados ou superados, antes prova, não só a tendência, mas também a capacidade da mente humana para atingir um conhe cimento verdadeiro. Teremos de considerar a matemática impos sível, só porque são possíveis erros nas mais simples operações aritméticas? Alguns geógrafos antigos julgaram que a Sar denha era maior que a Sicília. Com base em tal erro ou igno rância, iremos afirmar a inviabilidade da ciência geográfica? Do mesmo modo, se nos campos do Direito se verificaram, por vezes, aberrações —como, por exemplo, certos institutos pro cessuais fundados em crenças supersticiosas, — o facto prova tão só que é falível a mente humana. Mas o facto de tais ins titutos serem depois abandonados, serve para demonstrar, por sua vez, que a mente humana, tendo corrigido os erros em que caiu, pode aproximar-se da verdade. Para refutar as doutrinas

fundamento racional do direito

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cépticas e realistas basta precisamente esta verificação: o espí rito humano, em vez de se apagar ou imobilizar perante qual quer proposição, tende, em obediência a uma vocação inata, ao reconhecimento do justo em si, e para esse reconhecimento se orienta. Teoria do historicismo

Não muito diferentes das doutrinas expostas são, em certo aspecto, as teorias do historicismo. Ãcerca da validade do cri tério deontológico apresentam idêntico carácter negativo. Para o historiscismo, o Direito tem por único fundamento a conexão dos factos que o determinam. Por outras palavras: o funda mento do Direito consiste apenas na sua relatividade, na cor respondência necessária entre ele e os seus factores. Vários são os sistemas enformados por este conceito. Por vezes, até o historicismo consente em apresentar-se com rou pagens idealistas. Já tivemos ocasião de mostrar que no his toricismo se distinguem três correntes: a política, dos filósofos da Restauração, como De Bonald, De Maistre, Haller e outros; a filosófica, de Schelling a Hegel; e a jurídica, que ficou conhecida com o nome de Escola histórica, com Savigny, Puchta, Hugo e outros. O defeito máximo do historicismo está na maneira como procura elidir a função valorativa; ou seja: na maneira como esquece ser a explicação coisa diversa da justificação. Explicada a necessidade relativa ou causal de certo facto, .permanece ainda um problema por resolver: qual é o valor do referido facto? Este novo problema é muito diferente do anterior. Será o dito facto justo ou injusto? Bom ou mau? Se limitarmos a investi gação à explicação histórica, nunca chegaremos a um critério de justiça. Contra o historicismo pode igualmente invocar-se o argu mento fundamental já aduzido contra o cepticismo: o espírito humano não pode jamais apagar-se perante o facto consumado,

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o facto nu. Além do reino dos factos, há o reino dos valores. A este último pertence essencialmente o Direito. Enquanto que o cepticismo e o realismo consideram o Direito aipenas como facto individual, ou seja, como comando arbitrário de qualquer poder, o historicismo, por sua vez, encara-o apenas na sua qualidade de facto ou processo colec tivo, como produto da vida social. Com isto, marca já um pro gresso; mas o seu fundamental defeito, visível na própria colo cação do problema, nem assim é atenuado ou eliminado. Temos para nós que o historicismo, ao propugnar a neces sidade da investigação histórica, está na verdade. Aliás, tal investigação é hoje admitida por todas as escolas. O seu erro começa quando, levado pela sua verdade, diligencia reduzir à investigação histórica a investigação deontológica, totalmente diversa daquela. Teoria do tedogismo

Ainda por outra via se procurou também resolver o funda mento intrínseco do Direito: recorrendo à ideia da divindade, da qual derivariam imediatamente os princípios do bom e do justo, que deviam ser aceites mediante a Revelação. Teria, pois, carácter sagrado o fundamento do Direito. E, como tal, estaria subtraído às controvérsias. Segundo esta concepção, pelo menos na versão originária, o próprio Estado teria uma autoridade derivada do querer divino e, por isso, também possuiria carácter sagrado. A Teo logia, no campo teórico, corresponderia assim, no campo polí tico, à teocracia. Contra o apriorismo dogmático, próprio de qualquer reli gião, o espírito crítico exerceu-se, até certo ponto, tratando de distinguir da Religião tanto a Filosofia como a Ciência, a fim de lhes assegurar a independência. A mesma orientação veio a manifestar-se igualmente no terreno da Filosofia do Direito. São características as palavras de Grócio, o qual, como vimos,


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na sua obra De iure beUi ac pads, de 1625, afirmava: «O direito natural existiria ainda que Deus não existisse» (etiamsi daremus non esse Deum, aut non curari ab eo negotia humana). Esta afirmação vem, porém, logo seguida de uma reprovação explí cita do ateísmo. Grócio, portanto, não se propunha combater a fé religiosa, mas tão-só dar ao Direito fundamento exclusiva mente racional, independente de premissas teológicas. A isso foi ainda levado por motivos de ordem prática, pois, desejoso de construir um sistema de direito internacional de normas aplicáveis aos diversos Estados, não o podia basear na reli gião, que na sua época era motivo de lutas e discórdias espe cialmente entre católicos e protestantes. O pensamento teológico, mesmo nas suas aplicações polí ticas, conheceu também grande desenvolvimento nos tempos modernos, dando lugar a numerosas obras de Filosofia jurídica, algumas de alto valor especulativo. Depois da Revolução fran cesa, e precisamente como reacção contra ela, verificou-se um característico florescimento das doutrinas teocráticas, numa forma que se relaciona sob certo aspecto, com o historicismo (a chamada Filosofia da Restauração, representada por De Bonald, De Maistre, etc.). É a Filosofia da Restauração. Assim, alguns princípios da Filosofia jurídica de base teológica foram sinteticamente expostos, embora de modo negativo ou indirecto, no Syllabus — elenco de doutrinas condenadas pela Igreja católica, parte do qual se refere às doutrinas do Direito e do Estado. Subscreveu-o o Papa Pio IX, em 1864, e foi confirmado em 1878 por Leão XIH. A fim de apreciarmos o princípio teológico na sua aplicação ao nosso tema, convém advertir que as tentativas destinadas a fundamentar o Direito corn o auxílio da ideia da divindade, realizaram-se por dois modos. O primeiro é o que podemos designar por teologismo simples. Segundo esta doutrina, o direito tem por exclusivo fundamento a vontade divina, — isto é: o comando de um Ser supremo. A primeira resposta que, prova

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velmente, se deu ao tormentoso problema da Justiça, foi a seguinte: «justo é o que por Deus é querido». Mas, bem vistas as coisas, a resposta não resolve o problema. Deixa-o no mesmo ponto onde o realismo o coloca, pois o Direito, para ele, justi ficar-se-ia pelo facto de o comando provir de um ser supremo, transcendente e invisível. Tal doutrina não impede que o teologismo emparelhe com o realismo ou que ambos logicamente se eqüivalham. A imposição, como facto que é, nunca pode ser cnitério para a razão. Recorrer ao arbítiro, ainda que ao de uma divindade, não ilumina o vailor do Direito em si. O segundo modo é já mais perfeito; designamo-lo por teologismo semi-racional. Aqui a Justiça, em vez de comando ou arbítrio da divindade, é antes o que esta deverá comandar em virtude do seu conteúdo de verdade. Desta sorte, o arbítrio divino não pode sequer fugir ao referido conteúdo. Segundo a primeira tese, o santo é tal, parque é comandado pelos deuses ou por Deus; para a segunda, porém, é comandado pelos deuses ou por Deus, porque é santo. Ou seja: no segundo caso, a santi dade antecede o comando. O contraste entre as duas teses é-nos tipicamente dado no diálogo de Platão, Eutífrone. Sócrates discute com Eutífrone, que sustenta a primeira destas teses, de harmonia com a opinião tradicional. Mas Sócrates opõe-lhe a segunda, que envolve mais alto conceito. O mesmo pen samento aparece na Filosofia cristã. Enquanto que numa pri meira forma o Direito é considerado efeito puro e simples da vontade divina, segundo uma outra concepção mais adiantada, o Direito é considerado propriedade da mente divina, à qual necessariamente se conforma a própria vontade da divindade. Assim, segundo esta concepção, as leis matemáticas também são eternas e nem sequer a divindade as poderá revogar, pois elas, antes de .pertencerem à sua vontade, fazem parte da sua sapiência (V. S. Tomaz, Summa Theol., l.a, q. 21, art. 4.°: «Non enim -potest face aliquid Deus, quod non sit conveniens sapitentwe et bonitati psius»; Cfr. ibid., q. 19, arts. 3.° e 4.°).


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Esta forma de teologismo representa uma notável tentativa de conciliar e conjugar entre si as exigências da fé com as exigências do pensamento especulativo. Mas, no tocante ao Direito, mostra-se inteiramente incapaz de atingir esse resul tado. Na verdade, é sempre possível retomar o argumento, e perguntar se o valor do Direito apenas depende do facto de promanar da divindade, quer da sua sapiência quer da sua vontade, ou se, pelo contrário, depende de qualquer coisa que à própria divindade se impõe. No primeiro caso ressurge a dificuldade já conhecida a propósito do teologismo simples; no segundo caso, o fundamento do Direito cessa de ser puramente teológico e toma-se necessariamente ambíguo. Porquanto admi tir um critério de verdade distinto ou superior à divindade, a qual, por definição, é critério supremo e supremo poder, equi vale a negar já o próprio conceito da divindade. Eis porque a esta modalidade da doutrina chamamos teologismo «setmi-racional». Com efeito, ela não pode ser inteiramente racional; de contrário, seria uma crítica do teologismo e, por conseguinte, racionalismo. A divindade, por definição, é absoluta e supe rior à razão humana. Pela fé, aceitamo-la como tal. Mas, por isso mesmo, não corresponde a nenhum princípio científico, no sentido rigoroso da palavra. Claro está que com estas dilucidações críticas, tendentes a colocar o problema do Direito nos seus termos puramente racionais, não se pretende atingir, nem prejudicar, as exigên cias próprias da religião. Ficam, pelo contrário, inteira e verda deiramente intactas as supremas aspirações da alma, sem alguma contradição com a razão. A consciência dos limites do nosso intelecto permite, e até impõe, um sentimento de religioso respeito com relação aos mistérios que nos circundam e nos transcendem. Este sentimento gera e alimenta em nós outras esperanças numa ordem ultra-terrena; esperanças que nos aju dam a suportar as dores da nossa mortal existência, que, enquanto tais, são perfeitamente legítimas, mesmo quando não demonstradas nem experimentáveis pelos métodos da ciência.

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adquire, sem dúvida, carácter e conteúdo. Mas expõe-se a não

Uma coisa é o útil, outra o justo. A radical diferença entre os dois conceitos é confirmada pela nossa consciência morai e jurídica, que permanentemente nos coanpele a distinguir entre a nossa vantagem material e o imperativo do dever. Nós sentimo-nos obrigados, ainda que à custa de sacrifícios, a fazer o bem e a respeitar os direitos alheios. Tais motivos éticos, de natu reza altruísta, não utilitária, manifestam-se mesmo nas fases primitivas da vida humana. Os direitos alheios são respeitados e considerados sagrados, não por isto ser útil mas porque reconhecemos no Direito um valor independente da utilidade. Como resolver, aliás, o conflito entre a própria utilidade e a utilidade alheia, usando apenas do princípio da utilidade? A insuficiência deste já foi notada pela maioria dos escritores utilitários, os quais diligenciaram, por isso, alargar as bases da doutrina, substituindo o conceito do útil individual pelo conceito do útil colectivo ou geral. Mas esta substituição, apa rentemente fácil, conduz realmente ao abandono do critério acima indicado, sem se justificar, de modo algum, o que se admite em seu lugar. Se o único bem é o prazer, a satisfação dos instintos e dos apetites individuais, por que razão nos deve mos sacrificar, subordinando a satisfação dos nossos apetites e instintos à satisfação dos instintos e apetites de outrem? Repetimos nesta ocasião o que em outra, ao expor a doutrina utilitária de Bentham, já expusemos. Como se justifica a mforiima, formulada por este filósofo, segundo a qual, na repar tição da utilidade, cada indivíduo deverá contar com os outros? Não seria mais lógico, dado o princípio utilitário, que cada qual tratasse de conseguir para si a máxima quantidade de prazer, mesmo à custa dos outros? E por que motivo se deverá preferir o «máximo social do prazer?». Há qualquer dever moral, neste sentido? Se assim é, a essência da doutrina fica arruinada, e o fundamento do Direito deixará de ser meramente

leves objecções, as mais importantes das quais foram já, em grande parte, expostas por Kant, Manzoni e por outros auto res (45).

utilitário. O sistema utilitário é inaceitável sob todos os aspectos. Em sentido restrito, o seu princípio vai de encontro ao teste-

Teoria do utilitarismo

O sistema utilitário nega que o Direito tenha um funda mento próprio e absoluto, dado que considera o justo idêntico ao útil; isto é: reduz o Direito à utilidade. Este sistema, de que a escola hedonista ou cirenaica (fun dada por Aristipo de Cirene) já nos deu uma ideia, foi deli neado, pela vez primeira, por Epicuro. Mas foi da filosofia inglesa que recebeu os seus melhores e mais amplos desenvol vimentos, com a obra de Jeremias Bentham (1748-1832), de João Stuart Mill (1806-1873), de Carlos Darwin (1809-1882) e de Herbert Spencer (1820-1903). Os dois últimos introduziram novos elementos na doutrina, com o fim de a tomar mais sustentável, embora ela esteja longe de ser acei tável. Necessário é dizer que o conceito de utilidade pode enten der-se de duas maneiras: ou em sentido formal e abstracto ou em sentido material e concreto. No primeiro sentido, indica apenas uma relação de meio a fim: tudo quanto servir à con secução de determinado fim é, relativamente a este, útil. Se os utilitaristas aceitassem o princípio utilitário neste sentido, é evidente que, com ele, nenhum fundamento dariam ao Direito. Neste sentido, de coisa alguma se pode afirmar a utilidade, uma vez que tudo a pode ter; não sendo indicado o fim, o critério de utilidade não implica qualquer determinação concreta de valor. No sentido material e concreto, a palavra utilidade indica aquilo que aos instintos individuais satisfaz, aquilo que dá prazer ao indivíduo. Tomando-a neste sentido, a doutrina

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miunho da consciência ética, que se recusa a identificar o prazer com quaisquer cálculos. Se o conceito é alargado, não se explica por que motivo a utilidade própria deva ceder à alheia; o sistema não fornece critério conciliador dos dois motivos opos tos, nem, deste modo, se consegue verdadeiro fundamento para a Moral e para o Direito. A doutrina utilitária, porém, recebeu notáveis desenvolvi mentos, transformando-se, como resultado das contribuições de Darwin e de Spencer, sobretudo do último, cujo pensamento foi antecipado, em grande parte, por Romagnosi. Spencer con trapõe o «utilitarismo racional» ao «utilitarismo empírico» de Bentham. Para aquele, continuando a utilidade a ser o funda mento do Direito, esta contudo já não é entendida hedonisticamente, mas biologicamente, como adaptação do indivíduo à espécie, mediante a hereditariedade, o ambiente e as condições de existência. O Direito seria a expressão dum equilíbrio bio lógico que se vai gradualmente realizando pela evolução. Esta forma do sistema representa um progresso relativa mente à forma de Bentham, que tentara reduzir o ideal e o sen timento da Justiça ao cálculo individual da utilidade. Tal cál culo seria, contudo, praticamente impossível, pois implicava, para a sua realização, o conhecimento antecipado dos efeitos futuros de todas as acções. Ora este conhecimento é sempre vago, incerto e obscuro. Mas, como Kant mostrou, a consciên cia do dever, essa, é sempre clara e categórica; há sempre em nós uma voz que nos adverte da maldade ou bondade das nos sas acções. Spencer, dando ao Direito fundamento 'biológico, procurou superar esta dificuldade; como já a seu tempo o disse mos, procurou explicar a consciência moral e jurídica, inter pretando-a como uma síntese da experiência das gerações ante riores. Deixou de atender ao cálculo individual da utilidade de cada acção, pois o indivíduo encontra já em si, pré-constituída, uma série de disposições transmitidas por via hereditária. Este ensaio de fundamento biológico da Moral e do Direito mostra-se também insuficiente. Na verdade, mesmo que fosse


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possível colocar a experiência mais vasta da espécie no lugar da experiência mais restrita do indivíduo, nem por isso as condições de existência, em sentido biológico, deixam de ser expressão de factos, de relações empíricas entre certos ante cedentes e certos consequentes. Ora, daqui nunca se poderá tirar um princípio óbrigacicmal, isto é, uma norma que deva regular as nossas acções. Primeiramente, há-de o fim ser eticamente válido. Só depois de feita essa averiguação, se poderá concluir pela legitimidade do uso dos meios conhecidos, adequados à realização do fim, e salvo sempre o saber se esse uso pode ser feito por cada um ilimitada ou só limitadamente, e se outros fins se anteporão ou não àquele, não só em consideração do bem próprio como do bem de outrem. Nunca o problema da licitude ou da justiça e o problema da moralidade são resolúveis com noções de ordem física ou natural. Spencer, e na Itália Romagnosi e Vanni, julgaram reali zar um grande progresso ao fundamentar a fitica sobre o prin cípio da causalidade. O pretenso fundamento é tão ilusório como erróneo. A causalidade não fornece qualquer critério de apre ciação : em face dela todos os factos se equivalem. Se partirmos da consideração causal, poderemos afirmar, quando muito, que, se quisermos atingir certo efeito, teremos de operar de certa maneira. Mas que o referido efeito tenha qualquer valor moral ou jurídico, e que seja um dever agir para o conseguir, nunca poderá demonstrar-se só com o critério da causalidade. O sistema spenceriano pretende, em resumo, aplicar às ciências ético-jurídicas o mesmo método das ciências naturais. Mas as duas espécies de ciências são totalmente diversas: se às segundas basta a observação dos factos, as primeiras exi gem a vaioração dos mesmos. Ao mundo dos fenómenos, quando o contemplamos no ponto de vista das ciências naturais, são inteiramente alheias as ideias de dever e de Direito. Não obs tante todos os esforços e a multiplicação das experiências, nunca este hiatus se preencherá, nem jamais um princípio de obri

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gação, urna norma ética ou jurídica, se derivará da Natureza fisicamente considerada. Concluímos, pois, dizendo: o sistema do chamado utilita rismo racional não dá resposta satisfatória ao problema do fundamento intrínseco do Direito.

A natureza humana como fundamento do Direito Indole e limites da investigação

A conclusão da anterior crítica dos diversos sistemas de fundamentação do Direito resume-se em julgar insuficientes todas as tentativas para negar este fundamento (cepticismo); ou para basear o Direito sobre factos externos (realismo empí rico ou historicismo nas suas diversas modalidades); ou sobre o comando de um ser transcendente (teologismo); ou para reduzir o Direito à utilidade (utilitarismo). Resta-nos agora o recurso de atendermos à natureza humana — isto é, pro curarmos na própria consciência do homem o fundamento último do Direito. Adoptando este procedimento, inserimo-nos na tradição clássica da nossa disciplina, embora tentemos reva lorizá-la com várias distinções críticas e com diversos escla recimentos metódicos. Substancialmente, o princípio afirmado por nós é o mesmo já formulado por Cícero: Natura iuris áb hominis repetenda est natura. Convém notar todavia que, tentando nós pôr a claro, colo car à luz da nossa razão, como são constituídas tanto a natu reza, em geral, como em especial a natureza humana, deixamos intacto este outro problema: porque motivo a natureza é assim constituída e não de outro modo? Porque motivo a nossa natu reza possui estes poderes e limites e não outros? E que há paira além destes limites? Semelhantes questões, claro está, ficam fora do âmbito da Filosofia jurídica e até do âmbito do conhecimento cien


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tífico. A nossa razão tem de se inclinar perante o mistério do ser em si. Por outro lado, não deve esquecer que o relativo postula o absoluto. A consciência da relatividade do nosso saber não impede que o nosso espírito tenha sede do céu, aspire à mais alta esfera de verdades que lhe é dado entrever, só pelo facto de essa mesma aspiração insuprimível existir. Não só a razão não contradiz esse sentimento, como o valoriza, em última análise, ao assinalar os seus próprios confins e ao reco nhecer, no nosso espírito, o reflexo da verdade, dos valores absolutos e eternos, que nunca encontram satisfação ou ade quada explicação na experiência da nossa breve vida terrena (4“). Concepção causal e teleológica da Natureza

Pode a natureza humana ser estudada em vários pontos de vista. Num primeiro aspecto, o homem apresenta-se-nos como partícula infinitesimal da natureza em geral — partícula natures, na fórmula de Spinoza. Neste sentido, a palavra natureza designa a totalidade da realidade empírica ou, mais precisa mente, a subsunção de todos os fenómenos debaixo da catego ria da causalidade. Segundo esta concepção, cada fenómeno, em vez de ser encarado na sua concreta singularidade, é visto nas suas relações com o fenómeno antecedente que, ao produ zir-se, necessariamente o determina. Estabelece-se assim entre todos os fenómenos, necessariamente, uma concatenação que faz dos mesmos uma série contínua e ininterrupta. O mesmo acto que, relativamente ao seu antecedente, é condicionado, é, relativamente ao seu consequente, condicionante. Desta sorte, devido à dupla qualidade de causa e efeito, insere-se cada fenó meno na ordem da realidade universal. Pode perguntar-se de onde é derivado o critério da causa lidade. A reflexão mostra que ele, sendo embora aplicado na experiência, não deriva desta; é, antes, necessidade intrínseca do pensamento, função do intelecto. Devemos repetir aqui aquilo que já foi observado a respeito do método em geral: sabemos

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a priori que cada fenómeno, mesmo futuro, deve ter uma causa e que nesta noção temos algo que ultrapassa qualquer expe riência. A experiência é particular e, quando muito, pode reve larmos que um fenómeno determinado tem uma causa deter minada; mas não nos diz que todos os fenómenos devam neces sariamente ter uma causa. Ora o nosso conceito científico (stricto sensu) da natureza, que nos faz entender esta como uma unidade coordenada de fenómenos, baseia-se precisamente em tal certeza a priori, na validade universal por nós atribuída ao princípio da causalidade. Neste sentido, Kant chega a afir mar que o «intelecto» é o «legislador para a natureza» e que «sem intelecto não existe natureza». O princípio da causalidade é perfeitamente legítimo para a ciência. Mas dos seus próprios caracteres resulta a limitação do seu valor. Ele apenas se aplica aos fenómenos e destes apenas nos fornece cognição relativa e externa. Ã sua luz, um fenómeno explica-se recorrendo a outro fenómeno; este com o auxílio de um outro, e assim sucessivamente. O princípio causal foroece-nos, por conseguinte, a noção da realidade como série neces sária de fenómenos; mas desta série não indica o princípio nem o fim. Não indica o princípio: pois, considerado o ponto mais extremo que o dito critério alcança, o princípio seria um efeito sem causa. Tão-pouco indica o fim: pois, seguindo o mesmo raciocínio, este seria uma causa sem efeito. Acresce que a lei da causalidade não possui sentido algum, a não ser a respeito dos modos de ser, ou seja, a respeito das modificações regis tadas pela realidade. Logo, supõe essa mesma reaJlidade que se modifica. Por outras palavras: uma substância ou substracto, que suporte e produza as variações. Mas a lei da causalidade é impotente para fornecer qualquer ideia desta substância, como impotente é para lhe explicar a origem. E isso justamente porque só é capaz de explicar o trânsito de um estado a outro estado, de um modo de ser a outro modo de ser e não o trânsito do não ser ao ser, do nada a qualquer coisa. A lei da causalidade é mesmo directamente contraditada por um


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fieri ex níhüo. Por isso, para a podermos suplicar somos obri gados a integrá-la, admitindo a priori uma substância eterna e indestrutível. O principio da causalidade não permite distinguir, pois, realidade e valor das coisas. A explicação causai limita-se à redução sistemática dos fenómenos às suas condições determi nantes, segundo um tipo ou esquema mecânico, em virtude do qual cada consequente está ligado ao seu antecedente. As dife renças específicas e qualitativas ficam de fora, ou são conver tidas em termos de género e de quantidade: o novo, o supe rior, o complexo, é apreendido na medida em que participa do preexistente, do inferior ou do simples, sendo resolúvel neles. Uma avaliação dos diversos graus e valores toma-se assim impossível. Se no mundo reconhecermos uma progressiva ascen são para formas de vida cada vez mais perfeitas, logo nos colo caremos fora do âmbito da causalidade pura. Com efeito, esta interpreta os diversos graus e formas da natureza, atendendo tão só ao que têm em si de homogéneo, de equivalente ou de recíproco. Por isso, a explicação causal mostra-se tanto mais inadequada quanto mais se procurar subir das formas infe riores às formas superiores da existência (*7). Entendida a natureza em sentido físico, tudo nela é normal. Dela se exclui a priori qualquer violação ou alteração de suas leis, pois, neste sentido, a natureza mais não é do que a forma da necessidade do conjunto dos seres reais. Estas ideias encontram-se reproduzidas nas doutrinas de Spinoza, de que já demos indicação no lugar apropriado. No tocante às acções humanas Spinoza quer que se observe o método da maior objectividade possível, com o fim de apontar uma explicação rigorosamente causal delas, análoga à que dos fenómenos físicos se costuma dar. As paixões, os motivos do ânimo, no seu entender, deverão ser contemplados do mesmo ponto de vista de que se usa para contemplar as perturbações da atmosfera; quer dizer: mesmo que sejam molestos, devem ser explicados pelas suas causas e compreendidos pela sua F D- }6

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necessidade. Assám, nos afectos ou nas paixões do homem, o filósofo vê, não vícios, mas propriedades que deseja compreen der e de nenhuma maneira valorar: «Humanas actiones non ridere, non lugere, neque d&testari, sed inteüigere». Este raciocínio é perfeitamente lógico, se se parte da con cepção causal ou mecânica da natureza. Mas esta concepção, se é cientificamente legítima, não é a única possível. Além do conceito mecânico ou estritamente físico, há outro conceito de natureza, o metafísico, o qual não é menos válido, nem menos necessário, parque fundado sobre uma função e uma atitude intrínsecas da nossa mente. A realidade, se por um lado aparece como sujeita a determinação causal, que a todos os fenómenos enlaça ineindivehnente, por outro lado, mostra-se ainda amimada por um poder absoluto e inesgotável que lhe dirige e guia os processos, elevando-a gradualmente, por desenvolvimentos suces sivos, a formas novas e mais altas. A natureza é, neste sentido, princípio vivificante que anima a imensa mole do universo, exprimindo-se na infinita variedade dos seus desenvolvimentos; é aquela substância, que reconhecemos já imune das angústias da causalidade: a razão interior que a todas as coisas dá normas e lhes marca as suas próprias funções e fins. Semelhante concepção da natureza, em vez de contradizer, antes integra e completa a concepção causal. Da urdidura dos enlaces causais emergem tanto as relações como os valores; e se no que concerne ao aspecto quantitativo permanece neces sário e intangível o equilíbrio entre o prim e o posterius, todavia em cada natural desenvolvimento verifica-se um incre mento qualitativo, devido ao qual aquele equilíbrio se rompe e o segundo termo supera o primeiro, colocando-se com relação a ele numa relação de meio para fim. Não deve objectar-se contra esta visão finalista ou teleológica (de télos, fim), dizendo dela que é subjectiva, ao passo que a concepção causal, quando confrontada com ela, tem a vantagem da objectividade. A isto é fácil dar a resposta de que a concepção causal não é menos subjectiva, pois corresponde


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a uma exigência lógica, a uma forma categorial ou função a priori do intelecto. Repare-se 'bem em que não se descobre aqui traço de antropomorfismo vuilgar, isto é, de nenhuma assi milação inadequada dos factos externos aos factos do homem. É manifesto que, ao falar dos «fins da natureza», não se pre tende atribuir à natureza deliberações conscientes, tomadas com base em representações antecipadas de êxito, como as mesmas se verificam na psique humana. Tão-pouco se confunde a fina lidade objectiva inerente aos produtos da natureza —isto é, à intrínseca harmonia existente entre os seus órgãos— com a utilidade acidental e extrínseca que os mesmos oferecem ao homem. Com aquela expressão apenas se pretende evidenciar o critério particular que permite discernir e apreciar as congruênoias mais profundas e íntimas na ordem da realidade e no desenvolvimento das suas diversas manifestações. Este princípio devemo-lo sobretudo ter presente quando observarmos os caracteres dos seres orgânicos. Como já adver timos, o organismo é essencialmente um sistema, no qual as várias partes não se concebem como determinadas só por si, ou reunidas em relação de simples coexistência acidental com respeito ao todo; pelo contrário, elas são apenas concebíveis enquanto cooperam, desempenhando as respectivas funções na manutenção da vida do todo. Elas, pois, longe de serem apenas causas, são também, e em mais adequado sentido, meios ou instrumentos, constituídos em relação a certo fim. A finalidade interior, a entelechia, no dizer aristotélico, revela-se no orga nismo, mediante a correspondência entre os vários órgãos e funções, por um esforço contínuo e coordenado de reintegra ção e de adaptação que tende a conservar aquela correspon dência através da variedade das condições — esforço que é a vida (um organismo não é um ser organizado mas um ser que se organiza). A interpretação teleológica é, portanto, além de legítima, indeclinável. E recorrer a ela mostra-se tanto mais necessário quanto mais elevadas e complexas são as relações que se trata

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de apreender. Os dois conceitos, o físico ou mecânico e o meta físico ou teleológico, podem e devem coexistir como formas de interpretar a natureza, embora sejam entre si distintos. Cada um deles goza de validade na sua própria esfera, para nos permitir uma certa visão da realidade. O principio das causas finais e o princípio causal coexistem perfeitamente, como admi ravelmente o mostrou Aristóteles na Lógica, enquanto prin cípios heurísticos ou cânones de investigação. Desta sorte, ao considerarmos o ser orgânico, logo deveremos inquirir da causa e do fim de cada parte singular. São legítimas as duas orien tações da investigação. O conhecimento do fim a que certo órgão está adstrito, não dispensa de averiguar as leis e os processos físicos da formação do mesmo órgão. Por outro lado, é insuficiente conhecer a estrutura de uma parte de qualquer organismo, se não se souber qual o seu fim ou função relati vamente ao todo. Enquanto não se alcançar este último conhe cimento, o naturalista vê naquela estrutura um problema ainda por resolver, mas de cuja solubilidade, por outro lado, não julga lícito duvidar. A máxima, segundo a qual «a natureza nada faz debalde», encontra aqui aplicação, pois serve de guia à investigação e de complemento a esta outra máxima: a natu reza nada faz ao acaso. Segundo o critério teleológico, a natureza não é unidade mecânica dos fenómenos, assentando numa redutibilidade dos conseqüentes aos antecedentes: essa era a fórmula rígida e cega por Hegel denominada «cadáver do intelecto». Por «natu reza» entendemos, agora, aquele princípio que no mundo se desenvolve e manifesta através da ordem ascendente dos tipos: aquela razão que vivifica a matéria e a guia no esforço de organizar e individuar, adquirindo propriedades e formas cada vez mais elevadas, até se fazer sujeito que sente e quer, e que como pensamento se reflecte sobre si mesmo. Tal é a condição do homem na natureza: por um lado é por ela abrangido e faz parte dela; por outro lado, como sujeito


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pensante, reflecte-se na natureza, resume-a toda em si mesmo, coloca-a e compreende-a como sua ideia. Deste supremo ponto de vista, a realidade não é já qualquer coisa de extrínseco, mas é, propriamente, uma função ou representação do pensamento. A consciência subjectiva, que na ordem do que devém aparecia como último termo, toma-se o primeiro na ordem lógica: pri meiro, porque fora e antes da mesma não são possíveis nenhum dado, nenhum fenómeno, nenhuma experiência. Todos estes são, em verdade, termos relativos, os quais não têm sentido de per si, mas somente com relação a um outro termo que, por neces sidade lógica, os precede, ou seja: a consciência do sujeito. Nenhuma experiência, repetimos, é possível, se falta quem experimente; nenhum dado, se não há quem o recolha; e nenhum fenómeno, se a ninguém se manifestar a sua «aparição». O «eu», não como personalidade empírica, mas como «órgão das ideias», afirma-se assim como princípio absoluto e autónomo. As diver sas interpretações e os diversos conceitos da natureza acabam sempre por se resolver em outras tantas atitudes ou funções particulares do intelecto. Seria, por isso, vão e logicamente erróneo fundar-se em algumas desitas atitudes particulares e inferiores (sobre a consideração causal, por exemplo) para impugnar ou afastar este ponto de vista que é o fundamento de todos e é entre todos o mais compreensivo e o mais certo. Determinismo e liberdade

No ponto de vista da mera causalidade, tudo no mundo nos aparece determinado e a liberdade irremediavelmente supri mida. Nada acontece na natureza sem razão suficiente; as pró prias acções do homem, como fenómenos naturais, são, por isso, necessariamente determinadas, e podiam ser previsíveis se lhe conhecêssemos todos os antecedentes, acontecendo assim com elas, como já Kant dizia, o que acontece com os eclipses solares ou lunares. A partir de semelhante ponto de vista, care cem de sentido os juízos de valor, as apreciações do bom e do

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mau, da santidade e do pecado, do mérito e do demérito, do louvor e do vitupério, da ordem e da confusão, da 'beleza e da fealdade. Assim o entendeu já Spinoza que fielmente também o adoptou. Para quê louvar ou vituperar as acções de certo sujeito, se não é ele quem opera, mas a natureza, e se ele mais não é do que instrumento da necessidade natural? Este critério naturalista apenas tem, porém, um valor relativo e subordinado. Para que a liberdade ressurja, sobe rana, íntegra, bastará pensar no seguinte: a própria lei da causalidade — base de tudo quanto ficou dito — emana da consciência e é posta por ela. Ela é intrínseca no sujeito, que, com a ajuda dela, modela, em certo sentido, as suas experiên cias e as suas operações. A série das determinações causais não destrói, portanto, o primado lógico, a autonomia abso luta do eu, porquanto as referidas determinações, por mais que se multipliquem ou alonguem, nunca deixam de estar encer radas na consciência, nesta encontrando a sua lei e o seu irre dutível limite. A concepção da natureza envolvia, inicialmente, certas anti nomias, que ficaram esclarecidas e superadas pela crítica interna da razão. À orientação objectivista do pensamento, pela qual todas as coisas são consideradas segundo a ordem da sua génese externa, segundo o nexo mecânico entre antecedentes e consequentes, contrapõe-se logicamente a orientação subjectivista, que corresponde ao último grau do conhecimento e da reflexão sobre si mesmo. Se a consciência, considerada no pri meiro ponto de vista, aparecia como algo derivado do mundo, como acidental, à maneira de outro qualquer fenómeno, já no segundo ponto de vista se nos depara com outro significado; vê-se então a profunda verdade da tese oposta, em harmonia com a qual o mundo circundante se encontra essencialmente subordinado às suas determinações. Todo o nosso ser, a subjec tividade em geral, que, além, quase desaparecia — mero instante fugaz e insignificante na série infinita dos factos— aqui, pelo contrário, reafirma-se como princípio, 'base e condição de toda


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a verdade possível, como o «lugar das ideiasem função do qual tudo se explica e se confirma. Este sumo grau da consciência, longe de ter apenas valor teorético, tem-no prático igualmente, uma vez que representa o fundamento e a essência da própria Ética. Todas as nossas acções são necessárias e não valoráveis, se as considerarmos fenómenos naturais. Adquirem, porém, significado e valor, logo que as referirmos ao sujeito como a um seu princípio absoluto. As duas orientações, a objectiva e a subjectiva, são como que dois poios para onde as teorias filosóficas se orientam, conduzindo a certa explicação ou compreensão do mundo. Se ambas são teoricamente legítimas, a última é, além disso, praticamente admissível e necessária. Pois esta é a única que satisfaz aquela ciência, cujo objecto é a apreciação e a norma do operar. Só a referência à subjectividade, a redução do mundo a termos de uma criação e emanação do «eu», condicionam a possibilidade de um fundamento para a Moral e para a Filo sofia do Direito.

O primado do «eu» como subjectividade, em geral, e o imperativo ético

Enquanto considerarmos as acções humanas no seu aspecto empírico, inseridas na sucessão causal da natureza objectiva, poderemos fazer a sua história, nunca, porém, a sua. Filosofia. Sem dúvida, dos institutos morais e jurídicos, como de todas as coisas, é possível dar uma explicação materialista. É possível no campo fenoménico demonstrar a conexão existente entre aqueles institutos e as condições físicas do ambiente. Mas, feito isto, ficaremos tão-só com a explicação parcial, com uma visão indirecta do Direito e da Moral. Deste modo, apenas consegui remos contemplá-lo no seu anverso. Também nada entenderá da essência da pintura quem, posto diante de um quadro, trate apenas de examinar a composição química das tintas com que foi pintado.

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O único princípio que permite visão recta e adequada do mundo ético é o do carácter absoluto da pessoa, da supremacia do sujeito sobre o objecto. A faculdade de aJbstrair e de a si mesmo se colocar fora da natureza, de referir ao eu, por inter médio das ideias, a realidade que para ele converge, eis o que constitui o ser próprio e específico do sujeito, a sua natureza em sentido eminente. E esta faculdade de vocação transcen dental, que se afirma na consciência da própria liberdade e imputabilidade, converte-se imediatamente, para o sujeito, em norma suprema, em imperativo ético, que se formula assim: actua,

não

como

meio

ou

veículo

das

forças

da

natureza,

mas

Quer dizer, não como mero impulso ou escravo da ordem dos motivos, não como dominador empírico (homo phaenomenon), determinado pelas afeições ou paixões animais, mas como eu racional (homo noumenon) independente delas. Em resumo: age seguindo a consciência da pura espontaneidade das tuas determinações, do absoluto e universal do teu ser, ou, por outras palavras, da tua substancial identidade com o ser dos restantes sujeitos. Tal é a lei ética fundamental que da própria natureza do homem emerge, na medida em que ele transcende a natureza em sentido físico. A necessidade de seguir semelhante norma é atestada por um sentimento profundo e irredutível, revelador do sujeito tal como em sua natureza ele é. Esta não é suge rida, nem vem de fora, antes representa negação da exteriori dade. A própria consciência, por sua vez, revela imediatamente a possibilidade e a obrigação de operar na qualidade de sujeito e não na de objecto: com intenção supra-sensível. Mediante esta as acções inserem-se não só na ordem dos fenómenos, mas também na ordem de ideias, em si levando como que o cunho da própria eternidade. Se o homem fosse mero fenómeno ou agregado de fenó menos, não surgiria para ele o problema ético e careceria de sentido falar em imperativos. Nesse caso, as acções humanas seriam necessitadas, como fenómenos da natureza, e insuscomo

ser

autónomo,

dotado

de

princípio

e

fim.

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ceptíveis de contemplação crítica ou de qualquer juízo de valor quanto à sua legitimidade. E critério único da verdade, aqui como no campo das ciências físicas, seria apenas o fáctico. Mas sendo o homem, apesar de também pertencer à ordem fenoménica, alguma coisa mais do que fenómeno, explicar a sua natureza, realizar a sua essência, ser ele próprio, é para ele, além de um dado, um problema e uma tarefa. O imperativo que a consciência lhe revela, segue esta peculiar condição do ser humano, que faz que ele pertença simultaneamente a uma dupla ordem de realidades, seja conjuntamente parte e princípio da natureza. Se como parte da natureza, está sujeita às leis físicas, — o que toma impossível distinguir, a este respeito, entre bem e mal, — como princípio, na sua qualidade de ser inteligível, em si mesmo encontra a possibilidade de se determinar e de seguir a norma ética ou de a transgredir. Mas, neste segundo caso, as acções humanas, em vez de serem encaradas no aspecto empírico, são-no antes, no da sua dependência do ser nouménico (absoluto) do sujeito; não se explicam simplesmente, como se fossem fenómenos naturais, mas são valoradas como expressão da liberdade, ou, por outras palavras, mediante o seu aferimento por aquele critério dado pela íntima constituição do sujeito, correspondendo à sua pró pria lei. Sem dúvida, a esta lei;pode-se desobedecer, sem perder a sua qualidade de parte da natureza. As suas acções contrárias à lei serão sempre, a par das que lhe forem conformes, fisica mente explicáveis, e delas, uma vez ocorridas, também será possível explicar e compreender a necessidade que as liga na série empírica. Mas a estas faltará, quando assim consideradas, a outra e mais alta espécie de realidade, a ética, igualmente própria do sujeito. E quem consentir em apenas considerar a sua realidade física, desprezando a ética, no mesmo passo renegará a sua qualidade de principio e será infiel a si mesmo, atraiçoando a própria natureza; *ipse se fugiet, como magni ficamente disse Cícero, ac naturam hominis aspematus, hoc

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ipso luet maximas poenas, etiam si cetera supplicia, quce putantur, effugerit». Princípios do moral e do Direito

A lei do operar, que acabamos de formular, apresenta-se sob duas formas ou momentos distintos, os quais correspondem precisamente às duas categorias éticas e universais da Mora lidade e do Direito. Da referida lei surge, quanto ao primeiro aspecto, o dever moral, que sobre o homem, só por ser homem, impende, dele exigindo que supere os motivos externos, os impulsos parti culares e sensíveis, de sorte a nos seus próprios actos imprimir o se.o universal da razão. Ao homem cumpre, em suma, trans cender a sua existência física de indivíduo pelas suas delibe rações, para se afirmar na sua qualidade de princípio, de ser racional ou universal, até a si mesmo se identificar ao ser dos outros sujeitos. A natureza física, como tal, é sempre parti cular; só a razão goza de universalidade. Aquele que moral mente opera segundo a consciência, prescinde daquilo que, na ordem física; constitui a sua individualidade, coloca-se sub specie aeternitatis, dando à sua conduta o valor de um tipo: opera como se nele operasse a humanidade, ou como se qualquer outro sujeito estivesse no lugar dele. Putrifica-se assim a sua vontade tomada absoluta. Ascendendo do empírico ao meta-empírico, do sensível ao inteligível, do particular ao universal, o sujeito chega a encontrar em si mesmo o princípio comum a todos os seres e a abraçar, com a sua determinação, o mundo todo. A moral consiste neste processo de sublimação, de purificaçao ou catharsis da consciência individual, mercê da qual esta se junta à consciência universal. Nisto concordam substan cialmente os altos preceitos morais de todos os povos e de todas as filosofias. Concordância notável, na verdade, sobre tudo quando se pensa que ela se foi elevando a partir dos mais diversos pressupostos e seguindo métodos diferentes {a priori


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e a posteriori). L/uminosa é, neste sentido, a máxima bíblica: Não faças aos outros o que não desejas que te façam a ti. Esta máxima encontra-se também sob outra forma em Confúcio. A ela corresponde o imperativo kantiano: opera de tal modo que a máxima das tuas acções possa valer como principio de legislação universal. Destas diferentes fórmulas resulta igual mente a condenação das acções que neguem a personalidade tanto nossa corno alheia. No tocante à moralidade, encarada peio aspecto extrínseco, reduz-se ela sempre ao «dever de operar como os outros ope ram». Mas esta fórmula corresponde tão só a uma imagem invertida da outra. A verdade é, precisamente, o oposto: o sujeito deve, por si, atingir a norma universal das acções, de tal guisa que, assim como ele opere, os outros possam também operar. O princípio da legislação universal é, pois, a nossa pró pria consciência. Ficou assim indicado apenas o lado subjectivo, ou moral, em sentido estrito, do princípio ético geral já apontado. Mas este tem ainda outro 'lado: o objectivo ou jurídico. E o acto, pelo qual a lei éfcica gera no indivíduo a necessidade ou dever de operar à maneira de princípio autónomo, funda igualmente a faculdade ou o direito de valer como tal ante todos. Ao mesmo tempo, atribui-lhe o direito a exigir que não o desconheçam praticamente nesta sua qualidade. Como condição objectiva da Ética —quer dizer: como princípio do Direito— existe, pois, uma prerrogativa perpétua e inviolável da pessoa, uma pre tensão universalmente válida em frente dos restantes. E há, também, por outro lado, a correlativa obrigação de cada qual rspeitar aquele limite, cuja ultrapassagem justifica a oposição da outra parte. Neste nexo incindível, nesta correlação bilateral e transubjectiva, é que se revela precisamente o carácter pró prio da determinação jurídica. A contraposição da nossa subjectividade à subjectividade alheia constitui momento necessário no desenvolvimento do nosso

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espírito, e não acto contingente e fortuito, subordinado ao encontro eventual ou à percepção empírica de tal ou tal indi víduo. Se, por hipótese, o sujeito pudesse realmente viver sem se encontrar com outro sujeito — hipótese absurda, aqui admi tida apenas para o fim de facilitar o raciocínio— seria obri gado, mesmo assim, a pensar-se a si mesmo ainda na forma desta relação, isto é, como objecto relativamente a um sujeito. Semelhante atitude do espírito não poderia ser evitada ou eli minada, pois corresponde ao lógico desenvolvimento daquela outra relação que, como acto igualmente puro, o eu não pode deixar de construir entre si e o mundo externo. Tal relação implica, de facto, a distinção entre continente e conteúdo, entre um ser pensante e um ser pensado. O sujeito, enquanto a ei mesmo se atribui uma parte nessa relação, coloca-se como continente ou ser pensante; enquanto possui consciência de ambos os termos da relação, impossível lhe é deixar de se con ceber a si mesmo como conteúdo possível do pensar de outro. A ideia de aiteridade, ou de posição objectiva do eu, resulta pois, necessariamente, dos próprios elementos essenciais do conhecimento. Sem dúvida, a nossa experiência dos fenómenos é que ofe rece a matéria às formas a priori do espírito, as quais, para em concreto serem exercitadas, terão de se aplicar aos objectos do mundo externo e aos outros sujeitos. Importa, não obstante, reconhecer o carácter a priori de tais formas, e distinguir, na experiência, o elemento necessário ou racional do elemento con tingente ou sensível. Importa sobretudo manter firme a ideia de que há uma forma específica da consciência, pela qual o sujeito se contra põe objectivamente aos outros, reconhecendo em si a qualidade de participante numa ordem de relações com os outros. Em resumo: há uma consciência de si mesmo em forma objectiva, medümte a qual a subjectividade se projecta numa coordenação. Esta atitude da consciência, correspondendo a uma autên tica vocação do nosso ser, sobre possuir valor teorético, como


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forma do intelecto, assume ainda valor prático, pois encon tra-se na base de um dos aspectos essenciais da Ética. Esta anuncia-se em nós, não só como ideia, mas também como sen timento imperioso e irreprimível. Ideia e sentimento possuem aqui raiz comum, podendo-se-lhes igualmente chamar ideia e sentimento da Justiça ou do Direito. Tem o Direito o seu princípio na essência ou natureza do homem e assim também a Moral. Mas o Direito distingue-se da Moral pela objectividade da relação em que se consagra e pro clama o carácter absoluto da pessoa. Semelhante carácter adquire propriamente significado ou valor jurídico, na medida em que é tomado como critério e eixo das relações de convi vência. Neste sentido, podemos formular agora a máxima seguinte: todo o homem, só por ser tal, pode aspirar a não ser tratado pelos outros homens como se fosse tão só meio ou ele mento do mundo sensível. Quer dizer: todo o homem pode exigir que os demais homens o respeitem, como ele próprio é obrigado a respeitar este imperativo: «ninguém deve impor aos outros o seu arbítrio, ou submeter a si quem, por natureza, é já dono de si mesmo». Segundo este princípio, ou ideia-limite, de um direito uni versalmente próprio da pessoa e nela ínsito, inalienável, e jamais esgotável (direito à solidão), é que devem ser medidas e cons tituídas todas as relações sociais; e de tal modo que cada uma delas, qualquer que seja a sua particular espécie, leve o cunho daquele direito, suponha e implique o reconhecimento daquela virtualidade do ser autónomo, representando tão-só um seu exercício ou explicitação. Urge esclarecer, porém, que a pessoa, de que se trata aqui, não é o indivíduo empírico, mas a universalidade do sujeito — aquela universalidade que se concretiza em diferentes figu ras ou espécies individuais, representando uma essência comum e um valor eterno. Para salvar este valor, pode impor-se o pró prio sacrifício da individualidade contingente. Sem esta fun

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damental distinção, imipossível é chegar a uma verdadeira teo ria do Direito ou a uma verdadeira Moral. Por outro lado, convém ainda observar, para evitar erros que frequentemente ocorrem nesta matéria, que a pessoa humana se forma e evolui por virtude dum processo que consiste em uma série de interferências ou de relações entre sujeito e sujeito. Mas as referidas relações ou interferências devem ser apre ciadas sub specie iuris. Prescindir daquilo que, no modo de ser do sujeito, representa o efeito da actividade do outro sujeito, anulando as obrigações e as exigências que daí possam resultar, significaria infringir o princípio fundamental da Justiça que exige a valoração objectiva da pessoa na trama das relações imtersubjectivas. Logo pelo nascimento do indivíduo se estabelece uma rela ção ou vínculo de direito entre pais e filhos. Os primeiros, por virtude dessa relação, não podem eximir-se à obrigação de assistir ao novo ser até à sua completa formação. Este, por sua vez, contrai uma dívida para com quem lhe deu a vida. Não se trata de mera relação moral, mas de um vínculo jurídico, pois que à obrigação de uns corresponde a legítima pretensão ou exigência dos outros. Idêntico raciocínio pode fazer-se a respeito daquela outra esfera de relações intersubjectivas mais vasta, que contribuem a determinar em concreto a estrutura da pessoa e fazem que o indivíduo pertença a certa pátria ou nação. O carácter nacio nal — compreendendo a linguagem, a tradição histórica, um certo tipo de cultura e de educação, etc. — representa, relati vamente a cada indivíduo, uma resultante dos trabalhos e sacri fícios das gerações anteriores, na sua unidade ideal e real. A esta unidade deve o indivíduo o particular cunho do seu próprio ser e da sua vida espiritual; e um tal débito, só o pode ele solver cooperando, na medida em que nas suas forças couber, na obra comum da conservação e incremento do inestimável património que lhe foi legado e de que frui. Desta sorte, ao defender a integridade da Pátria, o indivíduo não só defende

FUNDAMENTO RAOIONAL DO DIREITO

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um direito, na medida em que exige o respeito de um elemento pertencente à sua pessoa, corno também cumpre uma Obrigação irrevogável, promanada da mesma ideia de Justiça. No senti mento comum de todos os povos, que os costumes e os códigos reproduzem, aparece esta obrigação para corn a Pátria, ao lado da obrigação para com os progenitores, pois ambas têm, na reali dade, o mesmo fundamento. E para o cumprimento dela, não menos se considera dever o sacrificar, se necessário for, a própria vida, à maneira de compensação ou restituição da vida recebida. Desnecessário é indicar extensamente as consequências dos princípios expostos que são infinitas (4S). Importa sobretudo aqui notar que os ditos princípios são deduzidos a priori da razão, dimanam da pura essência da subjectividade em geral. Tanto e3te direito como esta obrigação valem absolutamente, por serem próprios da natureza do homem. Na sociedade e na história, tal direito poderá e deverá ser reconhecido e aplicado; mas ele é, por si, anterior a qualquer aplicação, a qualquer relação social, pois corresponde a uma sua lei. Por outro lado, o seu valor Ultrapassa qualquer limite de espaço ou tempo. Que a realidade empírica nem sempre se conforma com os princípios do direito natural, por nós brevemente definidos nas linhas que antecedem, é fora de dúvida. A exigência deonto lógica contudo permanece íntegra, conservando seu significado e valor, porque este valor é, por natureza, não físico mas meta físico. A subsistência de qualquer princípio jurídico, como já vimos, não é suprimida, antes só é possível reconhecer a injus tiça pela referência a um critério de Justiça, o qual, com isto, fica logo implicitamente admitido. A naturalidade do direito positivo e o direito natural

Qualquer aglomerado social supõe, necessariamente, a forma do Direito. Donde se segue que qualquer sociedade tem, por definição, um direito privativo, o qual também é positivo na

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medida em que é historicamente afirmado e actuado, como expressão e efeito duma força social preponderante. Este direito positivo é certamente natural, se dermos à palavra o primeiro dos sentidos que atribuímos ao vocábulo «natureza»; natural enquanto determinado, na ardem das causas, pelos seus ante cedentes históricos e fenoménicos. O direito positivo é um dado da experiência, e, enquanto tal, pode ser compreendido e expli cado como fenómeno natural, coerentemente inserto na série dos outros factos da natureza. Mas isto não implica que o Direito seja sempre natural, no campo deontológico, isto é, que corresponda sempre à exigência categoria do sujeito, fundada no seu ser absoluto (natureza em sentido eminente). Os esclarecimentos críticos que demos até aqui, permitem distinguir estes dois pontos de vista. Por um lado é sempre possível reconhecer, e até afirmar a 'priori, a naturalidade do direito positivo, considerando-o como facto; por outro lado, é também sempre possível deduzir da natureza humana, abso lutamente considerada, o princípio do dever e do direito, ínsito na essência da pessoa e válido universalmente para além dos factos e acima deles. As duas considerações não podem, de modo algum, confundir-se sem se incorrer em paralogismo. O carácter da juridicidade, por si, é puramente formal; e tanto assim é que um instituto jurídico pode ser, pelo conteúdo, diferente do outro instituto, e até oposto a ele. Sempre que se nos deparar uma coordenação objectiva do obrar —ou seja: uma relação entre vários sujeitos formulada numa proposição, em virtude da qual um deles pode pretender algo do outro — estaremos perante uma proposição jurídica. Mas dizer que temos uma proposição jurídica, só de per si, nada diz quanto à sua conformidade ao ideal jurídico. Tão errado é, com efeito, recusarmo-nos a reconhecer um dado jurídico, ou a concebê-lo na sua particularidade, só por o seu conteúdo não se harmonizar com o ideal jurídico, como desconhecermos este ideal e o seu valor próprio, só parque a experiência jurídica, por vezes, o contradiz. A verdadeira atitude


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perante o ideal não consiste em exigir que ele se imponha sem pre aos factos, ou modele sempre a realidade empírica, mas em compreender que ele deve orientar a dita realidade ou, por outras palavras, que ele, por essência, vale e vigora como tal, e não deixa de ser válido, mesmo que o contrariem os factos. Por exemplo, o instituto da escravatura é jurídico, pois ostenta todos os caracteres formais do Direito, representando uma espécie de propriedade. Além disso, é natural, no sentido de que, ai onde ele aparece, logo certas condições empíricas o explicam. No entanto, se o aferirmos pela ideia do direito intrínseco a cada homem, logo veremos nele uma violação desse direito, senão a sua directa negação. Podemos afirmar, par isso: tal instituto possuiu o conceito do Direito mas falta-lhe a ideia do Direito; é jurídico mas não justo; é direito positivo, mas não conforme ao direito natural, pois contraria as exigên cias do próprio ser do sujeito. Só um cego dogmatismo pode levar a desconhecer aquilo que a história jurídica da humanidade contém de injustiça. Mas também só um cego empirismo pode deixar de reconhecer quanto o direito natural permanentemente vigora e subsiste na sua esfera própria, sempre válido e «brilhando com insólito esplen dor», como diz Rosmini, mesmo quando, de facto, é violado ou negado pelo direito positivo. Por outro lado, bom é lembrar ainda que o direito positivo injusto nem par isso deixa de ser direito. Como tal, deve ser estudado e compreendido, atendendo à sua espécie lógica, pois tem o carácter formal da juridicidade. Impõe-se sempre ana lisá-lo nas suas causas, visto pertencer, como direito positivo, à série dos factos naturais. Erros dos jusnaturalistas antigos e dos modernos positivistas

Neste particular erraram, por conseguinte, os escritores antigos, quando ao direito natural atribuíram uma realidade fenoménica, identificando, assim, o conceito metafísico cam o

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conceito físico de natureza. Por sua vez, caíram no exagero aposto os modernos positivistas, quando negaram a existência do direito natural como critério ideai do direito positivo, e redu ziram a este todo o Direito. Substancialmente, nos dois casos, o erro é o mesmo, e tem a sua causa na indevida confusão entre dois conceitos diferentes de natureza. Os jusnaturalistas, ou os antigos escritores do direito natu ral, entregaram-se a descrições genéricas dum «estado de natu reza», considerado este não como critério teórico, mas sim como fase histórica realmente existente em eras remotas. Seguindo esta maneira de ver, distinguiam dois períodos: um primitivo (estado-de-natureza), e outro ulterior (estado-de-sociedade). O primeiro constituía, de certo modo, a norma ou ideal do segundo. Desta sorte, o problema transcendental da relação entre o ideal e a realidade transformou-se impropriamente num pro blema genético ou histórico. Em vez de se procurar a lei suprema no carácter absoluto do homem, tentou-se, antes, deduzir a mesma lei da situação em que o homem estivera, ou se supunha que estivera, am outro tempo. Para aJlérn da história, apelou-se unicamente para a pré-história; não se foi buscar como lei da ordem fenoménica uma verdade sobranceira aos fenómenos, mas apenas um fenómeno mais recuado no tempo. Com isto ladeou-se o problema que ficou para resolver. Em substância, os jusnaturalistas eram empiristas, pois converteram em prin cípio, no sentido lógico do vocábulo, um princípio no sentido temporal; dum prius no tempo fizeram uma lei; dum dado fizeram own tipo; converteram numa relação hierárquica e de subordinação ideal uma sucessão de abjectos de experiência. Para afirmar a validade de um ideal, julgaram-se obrigados a procurar apoio na realidade histórica; e corn hipóteses e repre sentações artificiosas adaptaram-na ao seu intento. Surgiu deste modo a mitologia do passado ideal, tão caracte rística da escola do ius naturae, e foi tal mitologia que contri buiu para o seu descrédito, desde que se inauguraram os estu dos propriamente históricos. O passado era tido como sede de


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verdades temporais e o progresso concebido como regresso ao passado ou restauração dele. De semelhante artifício dialéctico temos exemplos típicos na doutrina do contrato social, através das suas complexas vicissitudes históricas. A propósito, deve mos notar que os adversários destas doutrinas, para as atacar ou refutar, usaram de métodos parecidos, caindo, portanto, em erros semelhantes. Por exemplo, o inglês Filmer, ao desejar convencer de falsa a doutrina dos monarcómacos e demonstrar que o Rei possui um direito natural sobre os súbditos, recorreu à primitiva constituição da família, na lição tradicional da Bíblia, e ensinou que o poder político é o mesmo pátrio poder que Adão transmitiu hereditariamente a Noé. Como se vê, neste como em outros raciocínios, atribui-se sempre ao passado um valor de norma para o presente; a legitimidade de um regime mede-se pelo grau da sua conformidade com um regime mais antigo. Não se ousa afirmar a existência de nenhum direito senão depois de confirmado este pela realidade histórica. Mas, precisamente devido a esta atitude, quando se trata de reivin dicar ou de sustentar ex novo um direito, deforma-se sempre mais ou menos inconscientemente a realidade histórica, enxer tando nela conjecturas ou hipóteses arbitrárias. Tais métodos erróneos, que podemos qualificar de pseudo-históricos ou de pseudo-empíricos, provocaram uma fortíssima reacção contra a teoria do direito natural que perdura ainda hoje. Simplesmente: semelhante reacção é injusta e insensata, pois não se contenta com denunciar e criticar os erros apon tados. Pretende ir mais longe e negar a validade do direito natural, mesmo entendido no sentido puramente deontológico que expusemos. Já, porém, mostramos quão errada é querer concluir pela inexistência do direito natural ou ideal só porque este não se manifesta na ordem fenoménica, ou nem sempre é consagrado pelos factos. Com efeito, não basta a observação dos factos para atestar a existência ou inexistência de um Direito; como não basta, por outro lado, aduzir um Direito para se provar que tal ou tal facto aconteceu ou não.

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Advento do direito natural e natureza heterogénea dos fins

Ao invéa do que julgavam os jusnatunaJlistas, não é nas fases mais recuadas, mas sim nas mais recentes, que teremos de procurar a concordância entre ideal jurídico e realidade empírica. Podemos e devemos recorrer à história, mas devemos evitar deformá-la com infundadas interpretações. A história, quando olhamos o seu decurso, oferece-nos a seguinte lição: o direito natural nunca plasmou a realidade de um jacto, só gradualmente a foi modificando, lutando com múltiplas aber rações. As propriedades essenciais da pessoa efectivamente só se afirmam por graus sucessivos, ao longo de certo desenvol vimento, «à medida que a mente humana melhor vai enten dendo a sua verdadeira natureza», como diz Vico. Seguindo grau a grau este desenvolvimento, «as sementes eternas do justo», quase «sepultas no género humano», emergem e desen volvem-se, desde a «infância do mundo», até chegarem a ser formuladas «em máximas seguras de Justiça» (Vico). Em si tem o homem já pré-determinados aqueles fins que o seu ulte rior desenvolvimento terá de realizar. E é necessário para isso que a sua experiência decorra através dum longo processo, que chegue a descobrir a sua natureza e a «celebre», como Vico também dizia, para que ele logre ser plenamente aquilo que já é em germen. A disposição originária dos seres explicita-se através de contingências, muito para além das particulares intenções dos indivíduos. Nisto manifesta-se aquela lei, já de Vico conhecida, mas a que Wundt, mais tarde, pôs o nome de lei da heterogénese dos fins. Segundo ela, os efeitos das acções humanas vão muito para além das intenções dos seus autores; os fins pró ximos e imediatos das acções tomam-se, por isso e por soía vez, meios para fins mais amplos (4B). O facto enunciado nesta lei foi também reconhecido pelo empirismo. Por isso, aceitou este que muitas das exigências jurídicas, antigamente reclamadas pela pura especulação, em


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bora fossem rejeitadas como verdades metafísicas pelos ernpiristas da época, contudo se verificavam depois historicamente. Assim, o valor absoluto da pessoa, liberdade igual paira todos os homens, o direito a participação activa na formação das leis de todos os consociados, e não apenas a passiva, a liberdade de consciência e, em geral, os princípios que constituem a ver dadeira substância da Filosofia Clássica do direito (da iuris naturcUis scientia), descontados os períodos de acidentais des falecimentos — já receberam inegáveis confirmações através das diversas ordens jurídicas positivas, e hão-de continuar a reoebê4as, quaisquer que sejam as resistências e oposições que possam ainda encontrar. O ideal em que se sintetiza a verdade eterna do Direito vem assim a constituir como que a meta da evolução histórica do mesmo Direito. Com efeito, quem seguir esta evolução, verificará como ela conduziu ao reconhecimento cada vez maior da autonomia do ser humano, quer dos indivíduos quer das nações, bem como a uma correspondente transformação da estrutura social, à qual o dito princípio também se aplica, sem nunca se esgotar. Já nos referimos ao aspecto empírico da passagem do regime de statu# ao de contrato, da simples agregação (Gemeinschaft) à associação (Geseüschaft) e podíamos referir-nos ainda a outros regime análogos, que caracterizam o processo histórico do Direito. Ora uns e outros não são mais do que uma expres são ou aspecto parcial daquele facto capitalíssimo que na sua universalidade nada mais é também do que a satisfação de uma suprema exigência da razão. Correlativamente a este processo, e conforme à dita exi gência, tende a constituir-se um direito humano mundial, ou seja, uma coordenação jurídica da humanidade inteira, a qual, como sabemos, já fora entrevista pelos estóicos. A fundamental identidade da natureza humana sobrepuja a particularidade dos vários direitos nacionais e, no seu desenvolvimento, orienta-se para uma meta comum: para aquele direito universal cujos prin cípios estão já predeterminados e implícitos na própria natu

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reza humana. Tanto assim que a razão os deduz a priori e os tem por válidos, antes mesmo da sua verificação a posteriori nos factos contingentes em que se manifestam. Relações entre o direito natural e o direito positivo

O direito natural é, pois, o critério que permite valorar o direito positivo e medir a sua intrínseca Justiça. Se o direito positivo contrasta com o natural, este mantém todavia a sua peculiar maneira de ser, e portanto, a sua específica validade de critério ideal ou deontológico. Não se entenda, porém, o que acabamos de afirmar como se devesse necessariamente existir uma discordância entre o direito natural e o direito positivo. A tendência do movimento histórico manifesta-se, em geral, no sentido duma consagração progressiva do direito natural pelo direito positivo. Mesmo nas fases iniciais, inevitável é uma certa concordância entre ambos, ainda que parcial e imperfeita. Vico ensinava já magistralmente: Auetoritatem cum ratione omnino pugnare non posse; e obser vava ainda, depois de ter separado o elemento racional do posi tivo (o verdadeiro do certo), que, se o primeiro totalmente fal tasse, não teríamos já leis mas simples aparências de leis (non leges essent, sed monstra legum). Ora se olharmos não só para os sistemas jurídicos primi tivos mas também para os mais adiantados, infalivelmente encontraremos numerosas consagrações do Direito natural e dos seus ditames. E isto sobretudo naquelas partes mais gerais da vida do direito e que mais directamente representam o influxo da anterior elaboração filosófica, devida, em grande porção, à tradição greco-romana, vivificada pelo Cristianismo. Quer dizer: devida em grande parte à escola do ius naturae. O intérprete do direito positivo cumprirá mal a sua taref a, se por mero preconceito considerar simples invenção legislativa tudo aquilo que, substancialmente, se funda na razão natural. Obedecendo a semelhante prejuízo, o intérprete colocar-se-á em


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situação de inferioridade relativamente à jurisprudência romana, que já ensinava a distinguir no direito positivo aquilo que se funda sobre a natureza das coisas daquilo que se funda sobre a naturális ratio. Pelo que particularmente respeita ao direito público, seria impossível compreender as bases do moderno «Estado de Direito» sem atender às doutrinas jusnaturalistas que também inspiraram, por exemplo, o nosso Risorgimento e a formação do Estado italiano. E os princípios desta doutrina, que nós efectivamente vemos hoje encorporados no direito vigente dos Estados mais evoluí dos, são os seguintes: — deve poder aplicar-se o critério do justo a todo e qual quer caso de relações entre os actos de várias pessoas (donde a impossibilidade de o juiz se recusar a dar sentença, aduzindo a falta ou a obscuridade da lei —Cód. de Proc. ital., 1940, art. 55.°, n.° 2 e art. 783.° do precedente, e ainda o art. 328.° do Cód. Pen. ital. a confrontar com o art. 178.° do precedente); — qualquer homem, só por o ser, independentemente de pertencer a qualquer Estado — é sujeito de direito (art. 16.° das disposições preliminares do novo Cód. Civ. ital. e art. 3.° do anterior que aquele veio restringir), donde já uma pri meira liberdade e igualdade jurídicas e a qualidade do sujeito de direito atribuídas a todos os homens; — que o direito fundamental de liberdade e a qualidade de sujeito de direito são inalienáveis; — que a liberdade de cada um deve encontrar o seu limite natural na ideia de compatibilidade com a liberdade dos outros; — que à força é lícito opor a força, e contra a agressão cada qual tem a faculdade de se defender (Cód. Pen. art. 52.°); —‘que à obrigação de estar submetido às leis deve cor responder a faculdade de concorrer para a sua formação; — que só com base na lei, e portanto só com uma partici pação virtual de todos, é que o poder público pode liimitar o direito individual, mas ressalvados sempre os principais funda mentos referidos.

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A estes princípios, mais ou menos completamente formu lados no nosso sistema jurídico positivo, podemos ainda juntar mais três, que neles se encontram também compreendidos, embora só em estado latente e que já existiam na jurisprudência romana. Assim, por exemplo: que ninguém pode transferir para outrem mais direito do que possui; que em tudo as vantagens devem pertencer a quem cabem as desvantagens; que ninguém pode enriquecer sem causa à custa alheia (50). Estes princípios foram magistralmente formulados peio direito romano. Estes e outros princípios análogos, mesmo que ainda não formulados, devem ser considerados parte integrante do nosso sistema jurídico positivo. O artigo 3.° das disposições prelimi nares do Cód. Civ. ital. de 1865 declarava que, faltando dis posição expressa de lei, ou disposição dela aplicável por ana logia, o juiz devia decidir segundo «os princípios gerais do Direito». Esta fórmula foi modificada pelo art. 12.°, do actual Código, mas, infelizmente, não o foi para melhor. Aí, em vez de «princípios 'gerais de Direito», fala-se hoje em «princípios gerais do ordenamento jurídico do Estado». Mas, em ambos os casos, o facto de o legislador apelar para os princípios gerais, claramente mostra que ele teve a consciência da inevitável imperfeição das suas disposições e dos limites próprios da positividiade do Direito, sobretudo bem evidentes quando confron tados com a inesgotável germinação do Direito a partir da natureza. Notável é ainda que o legislador, em certas matérias, deli beradamente se abstenha de fixar uma norma, confessando que remete para aquele critério de razão natural considerado o fundamento intrínseco do Direito. Neste sentido se deverão entender as frequentes remissões para a equidade e o prudente arbítrio do julgador no Código Civil e em numerosas leis, tanto gerais como especiais (Cód. Civ. ital., arts. 1374.°, 2203.°, etc.; e arts. 1124.°, 1718.°, etc. do anterior). Podemos, portanto, distinguir perfeitamente entre os casos em que o direito natural foi explicitamente acolhido e encor-


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porado no sistema jurídico positivo e aqueles em que ele fun ciona apenas como fonte subsidiária ou suplementar, ou seja, como meio de preencher as inevitáveis lacunas do mesmo sis tema. Há ainda um terceiro caso a considerar: o da discordância ou contraste entre o direito natural e o positivo. Deve, porém, Observar-se que, mesmo quando o direito positivo se afasta nas suas fórmulas dos princípios do direito natural, ou deste diverge por motivos técnicos ou substanciais, nem por isso os exclui inteiramente, não deixando de 1'hes reconhecer uma certa validade parcial e subordinada dentro do sistema. Com efeito, esses princípios, uma vez que sejam rigorosamente deduzidos da razão, correspondem a uma íntima realidade que, embora possa permanecer latente, não deixa de continuar a ser viva e eficaz. Inclusivamente, no caso típico de oposição a eles, como é o caso da escravidão, vemos os juristas romanos introduzi rem certas atenuações à ideia de o escravo dever considerar-se uma coisa e reconhecerem4he assim uma certa capacidade jurí dica natural. No direito moderno, encontramos também toda uma série de regras e institutos que segundo um princípio que podemos chamar de máxima adequação permitem abranger de qualquer modo a realidade natural, mesmo quando extravase das normas rigorosamente fixadas e quando venham a faltar alguns dos requisitos necessários para se produzirem todos os efeitos jurídicos positivos. A este propósito, recordemos o insti tuto da «obrigação natural», que se contrapõe ao instituto da obrigação civil (Cód. Civ., art. 2034.°, a confrontar com o art. 1237.° do Cód. precedente). Semelhantemente se passam as coisas com o instituto da filiação natural em confronto com o da filiação legítima: a relação natural entre progenitores e filhos produz alguns efeitos jurídicos, mesmo fora das normas que regulam a família. Assim, a proibição da investigação da paternidade (Cód. Civ., art. 278.°) não impede que, com base nos princípios gerais, se reconheçam certos direitos à mulher

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ilegitimamente tomada mãe (indemnização de danos). E exem plos semelhantes podiam tirar-se de outras relações. Recordemos ainda a distinção que, sendo elementar, é impor tantíssima, entre a nulidade (relativa) e a inexistência dos negó cios jurídicos. O direito positivo, ao determinar as condições de validade de certos actos, fixa limites que têm algo de mecâ nico, pois são iguais para todos os casos. Pense-se, por exem plo, no limite da maioridade, fixado pela legislação italiana uniformemente aos 21 anos, muito emlbora varie com os indi víduos o desenvolvimento das faculdades mentais. Muitas vezes, por exemplo, um jovem de vinte anos pode ter capacidade natural para se obrigar contratualmente. Contudo a sua obri gação é nula, embora não inexistente. O próprio direito positivo reconhece aos seus actos efeitos que aliás nega aos dos natural mente incapazes. Enquanto que a obrigação assumida, por exem plo, por um demente, incapaz de consentimento, não admite ratificação, nem por ela se pode prestar fiança —quod non est, confirmari nequit— já a obrigação contraída por menor naturalmente capaz pode ser convalidada e afiançada. Outras diferenças efectivas entre a anulabilidade e a inexistência podía mos ainda indicar. Bastam estas, porém, para mostrar, como queríamos, não desconhecer o direito positivo o vínculo jurí dico natural que pode subsistir mesmo fora das condições pres critas para a validade dos negócios jurídicos. Podemos concluir, pois, dizendo que, embora a concreta estrutura do direito positivo traga restrições ou alterações aos princípios do direito natural, nem assim estes perdem todo o seu valor, quer em si, quer para a ordem positiva. Demons tra-o o facto, que deixamos apontado: a sua aplicação indi recta na medida em que a juridicidade natu/ral é reconhecida para certos efeitos das normas vigentes, a título de complemento da juridicidade positiva.


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O respeito da legalidade e a luta pela justiça

Apesar de quanto ficou dito, é preciso ainda considerar o caso extremo, sempre possível, de um conflito insanável entre o direito natural e o positivo. Surgem então aí graves proble mas, não só para o juiz ou magistrado encarregado da aplicação da lei por ele tida como injusta, como para os cidadãos aos quais a sua observância é exigida. Mas tanto num como no outro caso, não queremos deixar de afirmar, antes de tudo, o princípio de que não basta uma sim ples opinião, mesmo que fundamentada, acerca da injustiça das leis vigentes, para justificar a revolta contra elas ou urna recusa à sua Observância. Se qualquer opinião ou sentimento individuais fossem motivo bastante para legitimar o desrespeito do direito estabelecido, a consequência não seria o advento de uma mais alta justiça, mas sim a subversão de toda a justiça pelo aluimento das suas bases de certeza e segurança. Com efeito, sabe-se que os mais diversos motivos podem concor rer para atacar uma ordem jurídica positiva: não apenas uma aspiração puríssima por uma justiça melhor, mas também o instinto egoísta e o interesse em se furtar ao cumprimento do próprio dever. Sem dúvida, um certo espírito crítico, e prin cipalmente auto-critico, é sempre necessário nesta matéria; mas não deve esquecer-se que o «espírito revolucionário» não poucas vezes também tem abusado do nome sagrado da jus tiça para encobrir as mais impuras paixões e os mais inconfes sáveis interesses. Quanto ao magistrado, especialmente, nenhuma dúvida pode haver de que este, como máxima geral, deve sempre ex officio interpretar e aplicar as leis vigentes do seu país. Certa mente, no seu esforço de reconstrução do sistema jurídico posi tivo, e dum modo particular na sua aplicação prática, o intér prete deve, antes de tudo, ater-se à lei como ela é, e não à lei como ela deveria ser segundo certos princípios. O contrário comprometeria a unidade do sistema jurídico, levando a con

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fundir o fits conditum e o jus condendum, a função do juiz com a do legislador, e roubando assim ao direito positivo aquela certeza que ele, como tal, não pode dispensar. A própria justiça impõe que se reconheça e se salve, antes de tudo, aquele quanto de justiça que é preciso encoiporar no sistema jurídico vigente, quaisquer que sejam as suas imper feições; e que, sem pôr em risco tais germenes e núcleos vitais, se trabalhe sobre eles dentro dos limites do sistema, na espe rança de lhes conseguir dar maior desenvolvimento. Quem sou ber (e todo o jurista o sabe) a larga margem de arbítrio que as formulações do direito positivo deixam ao intérprete, e como todo o sistema jurídico, embora aparentemente «fechado», tem na realidade as suas válvulas, os seus meios naturais de reno vação, transformação e crescimento, jamais poderá desconhe cer a elementar exigência de, mesmo perante ordenamentos injustos, dever primeiro recorrer-se a esses meios, de preferên cia a querer destruir de ânimo leve aquilo que dificilmente se pode construir. Onde, porém, aliás, todos os meios possíveis, a fim de con seguir realizar uma certa justiça dentro do âmbito e na forma da legalidade, se revelarem insuficientes, nesse caso a crise de consciência do juiz só poderá, nos casos mais graves, achar uma solução: renunciar ao ofício. E isto deve igualmente dizer-se de todos os outros funcionários públicos. E bom lembrar que, conforme a clássica doutrina de S. Tomás, recentemente confirmada pelas Encíclicas pontifícias, as próprias leis injustas devem ser respeitadas, enquanto se limitam a contrariar o bem humano, «propfer vitandum scandálum vel turbationem»; não, porém, quando entram em con flito com a lei divina, como seria, por exemplo, uma lei que impusesse a adoração de ídolos. A mesma ou uma análoga dis tinção foi também feita pela escola de direito racional, não negando em absoluto o direito à revolução ou à «resistência activa» contra as leis injustas, mas limitando-o apenas aos casos em que elas firam ou violem dum modo irreparável as


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exigências jurídicas imprescritíveis da natureza humana. Então torna-se legítimo, segundo a expressão de Locke, o «recurso de apelação para o Céu», ou seja, a luta contra as leis escritas em nome das leis não escritas, ou a reivindicação do direito natural em face do direito positivo. Advirta-se contudo que, especialmente nesta sua última forma extrema, a luta pela justiça tem sempre como contra prova da sua legitimidade a aceitação daqueles outros deve res que a outra e mais alta justiça, que se deseja, consigo mesmo acarreta; o próprio sacrifício e até inolusivé, se necessário, o próprio martírio. A máxima «fiat justitia, pereat mundus» deve ser entendida precisamente no sentido de a justiça ter por natu reza uma validade transcendente e metaegoísta; por forma que aquele que a invoca deve submeter-se-lhe a si mesmo, antes de lhe submeter outra qualquer pessoa ou outra qualquer coisa. Ê nestes termos e em harmonia com estes critérios que podem e devem resolver-se os árduos problemas surgidos do conflito entre o Direito natural —ou seja, a Justiça em sen tido absoluto — e o direito positivo. Esses critérios e termos, que só duma maneira breve aqui enunciamos, são os que melhor correspondem não só às exigên cias da nossa consciência como às mais brilhantes tradições da Filosofia do direito.

TABUA DAS NOTAS (■) Convém notar que o pensamento filosófico grego não floresceu tão somente na Grécia propriamente dita, mas também na Grande Grécia (Itália Meridional e Sicília). Empédooles, por exemplo, era natural de Agrigiento; Parménides e Zenon, seu discípulo, de Eleia (a antiga Vélla, cidade ao sul de Salerno, de que só hoje restam algumas ruínas); e Górgia, de Lieonitina (.próximo de Siiracusa). Par sua vez era em Cróton que tinha a sua sede a escola pitagórica, razão por que Aristóteles designava os seus membros por «italianos»; e muiitos outros pensadores havia de outras regiões do Mediterrâneo, como Aristipo e Carneade, naturais da Cirenaiica. (J) Assim, por exemplo, Tibullo descrevia a mítica idade de Saturno: «Quam bene Saturno vivebant rege, priusquam Tellus inlongas est patefacta vias! ...Non domus ulla fores habult, non fixus in agris, Qui regeret certis ftnlbus arva, lapis; Ipsae mella dabant quere us, ultroque ferebant Obvia securis ubera lactis oves. Non acies, non ira fult, non bella, nec ensem Inunlti ssevus duxerat arte faber». (Elegia, L. I, 3, v. 35-48). Recorde-se também a descrição análoga de OVÍDIO: «Aurea prima sata est setas, quse, vindioe nulio, Sponte sua, sine legie, fidem rectumque colebat. Pcena metusque aberunt; nec verba minada fixo Aere legebantur; nec suppliex turba timebamt Jutüola ora sui: sed erant sine Judice tutl». Etc. (.Metamorphoses, L. I, v. 89-93).

592


Esta lenda tem tido, pode dizer-se, representantes em todas as lite raturas (por exemplo, em uma das mais eloquentes páginas do Dom Quijote de Cervantes). Ainda que a tais narrações falte um fundamento histórico suficiente, elais têm, no entanto, um significado interessante como hipóteses indicativas de aspirações e ideais humanos. Isto trans parece claramente, por exemplo, na obra de Rousseau da qual falaremos adiante. V. o nosso estudo: II concetto della natura e ü principio dei diritto (2.* ed., 1922), págs. Ill e segs. V. ainda Pfleiderer, Die Idee eines goldenen Zeitaiters (1877); CÜRCIO, Rievocazion, delVetà delVoro, no vol. Utopisti italiani del cinquecento (1944), págs. 197 e segs. (’) Contra esta atribuição ler o ensaio de E. Barker publicado em os Proceedings of the Hugenot Society of London vol. xiv (1930), págs. 42 e segs. Também se aventou a hipótese de que no livro tivessem colaborado Languet e Mornay. Neste sentido, comsulte-se G. T. van Ysselsteyn, L’auteur de Vouvrage zVindicice contra tyrannosin Revue historique, T. 167, Maio-Agosto, especialmente a págs. 56 e segs. (4) Sobre Althuzio deve ver-se a obra capital de Gierke, já citada, pág. 10, recentemente traduzida para italiano com o título abreviado, €joão Althusius, e o desenvolvimento histórico das teorias politicos jusnaturalistas», Turim, 1943. Muito semelhantes às doutrinas dos monarcómacos são as que, posteriormente, foram sustentadas por muitos auto res, de que citaremos: o teólogo protestante francês, P. Jurieu (1637-1715), Cartas Pastorais (1637-1689); As lamentações da França escravizada, 1690. Cfr. Lureau, As doutrinas políticas de Jurieu (1904). No texto vão a seguir indicados outros autores, notáveis também, que desenvolveram teses idênticas. (“) Suarez dedicou a estes problemas a monografia De bello, incor porada no seu tratado De triplice virtuti theologáli (edição póstuma de 1621, Paris). Pode desse livro ver-se uma tradução francesa na obra de A. «Vanderpol», A doutrina escolástica do direito de guerra, Paris, 1919, a págs. 362-412. (•) Grócio socorreu-se, indiscutivelmente, muito da obra de Suarez, a quem tributava uma alta consideração, como serve de testemunho a sua carta para J. Cordesio, de 15 de Outubro de 1633, na qual classifica Suarez «homo in philosophia tantoe subtilitatis, ut vix quenquam habeat parem» (edição das Epistolas de Grócio, Amsterdão, 1687, pág. 118). (’) Convém advertir que esta fórmula, embora típica do sistema de Grócío e a ele usualmente atribuída, não teve nele a sua origem. Suarez (De legibus ac Deo legislatore, Lib. II, Cap. VI, § 3) refere-se a vários autores que, nas suas disputas teológicas, usaram de expressões semelhantes: especialmente a um Gregorius, que não é o Gregório de Valência do século xvi (como alguém já supôs), mas Gregório de Rimini (Ariminensis ou de Arimino; m. em 1358), no qual lemos: «Nam si per impossibile ratio divina sive Deus ipse non es set, aut ratio iHa esset errans, adhuc si quis ageret contra reefcam rationem angeiicam vel huma-

NOTAS

593

nam aut aliam aliquam si qua esset, peccaret» (Super secundo Sententiarum, Distinctio XXXIV, quaestio I, art. 2). Certamente por descuido, Gierke, na sua excelente obra: J. Althusius und die Entwicklung der naturrechtlichen Staatstheorien (3. Ausg., 1913, pág. 74), atribui estas palavras ao alemão Gabriel Biel (m. em 1495), o qual as escreveu mas tirando-as de Gregório de Rimini, que aliás cita (v. Biel, Epitome et collectorium ex Occano super quatuor libros sententiarum, 1495 (ed. também com o título Commentarii in IV Sententiarum libros, Brixise, 1574), L. II, Dist. xxxv, quaestio única, art. I). As distinções teológicas desses e de outros escritores fundaram-se espe cialmente numa doutrina de Hugo de S. Victor (De sacramentis Christionae fidei, L.. i, P. vi, Caps, vi e vil; in Migne, Patrol lat. T. 176). Raciocínio hipotético análogo, com fins dialécticos, se nos depara em J. DUNS SCOTUS «Contra, st per impossibile poneretur alius Deus, qui non creasset nos» (Reportata Parisiensia, L. Ill, Dist. XXVII, questio n.° 6, in Op. T. XII Lugduni 16S9, pág. 352. Notáveis são as palavras com que Suarez reúne (sem, no entanto, as aprovar) as teses dos autores supra-citados: — «Licet Deus non esset, vel non uteretur ratione, vel non recte de rebus judicaret, si in homine esset idem dictamen rectce rationis dictantis, v. g. malum esse mentiri, iilud habiturum camdem rationem legis, quam nunc habet, quis esset lex ostensiva malitise, quse in objecto ab intrínseco existit» (loc. cit.J. Suarez foi, sem dúvida, a fonte próxima de que se serviu Grócio. Sobre as relações entre divindade e razão, como fundamento do direito, suscitaram-se posteriormente, no campo das teorias jusnatura listas, várias opiniões, cfr. Stahl, Geschihte der Rechstphilophie, (5 aufl. Tübingen, 1878, págs. 113 e segs.). (8) Pode sobre esse ponto ver-se o nosso estudo: O direito interna cional e o problema da paz (Roma, 1956). (•) Note-se que, alguns anos antes de Freitas e Selden, já Paulo Sarpi sustentara os direitos de Veneza sobre o mar Adrático (ed. das obras de Sarpi, T. IV, 1673, págs. 345-374: O domínio da sereníssima República de Veneza sobre o mar Adriático). (10) Ê digno de nota (ainda que geralmente não se saiba) que esta fórmula típica do sistema de Hobbes, deriva de um trecho de Plauto: «Lupus est homo homini, non homo, quem, qualis sit, non novit» (Asinaria, A. II, Sc. IV, v. 88). Podem recordar-se ainda as palavras de OvlDio (que não se referem, porém, aos homens em geral, mas àqueles entre os quais ele vivia): «Vix sunt homines hoc nomine digni. Quamque lupi, ssevse plus feritatis habent» (Tristia, L. v, Eleg. vil, v. 45-46). Certamente neste trecho (não porém textualmente), baseou-se Francisco de Vitória quando escreveu: «Contra jus naturale est, ut homo hominem sine aliqua causa adversetur».
F D - 38

594


de uma antítese encontra-se em Erasmo de Roterdãm: «Homo homini aut deus, aut lupus» (Adagia, 1500), e também em J. Owen: «Homo homini lupus, homo homini deus» (Epigrammata, 1606, III, 23); e tam bém em Bacon: «Justitiae debetur, quod homo homini sit Deus, non lupus» (De dignitate et augmentis scientiarum, 1623, L. VI, C. Ill, Exempla antith., XX). O outro termo da antítese («Homo homini deus») tem tam bém uma origem antiga, encontrando-se já em um provérbio grego (ávS>p(07raç àví>ptú7TOu Satjxóviov); assim escreveu CecÍLIO StaziO: «Homo homini deus est, si suum offiicium sciat» (em Simmaco, Epistolas, IX, 114, i; cfr. A. Otto, Die Sprichwõrter und sprichwõrtliehen Redensarten der Rõmer, Leipzig, 1890, págs. 109, 201). (“) Em alguns ensaios escritos de 1660 a 1664, na sua juventude, em latim e ainda inéditos, Locke abordou os problemas do direito natural. Os esquemas que adoptou eram os tradicionais (An lex naturce sit homine naturce cognoscibilis ? An lex naturce cognosci potest es hominum con sensu f), mas já se faziam notar certas características do seu pensamento pessoal, em embrião, depois explicitado nas obras em inglês, que citamos. Vide JoAo Locke, Essay on de Law of nature, W. von Leyden, Oxford, em texto latino e versão inglesa, com introdução e notas, 1954. (,J) Paremos referência mais adiante a alguns outros escritores ingleses, também deste mesmo período, com relação a certos argumentos particulares, e aos da época seguinte. (13) Sobre essa ainda discutida questão cfr. E. Volterra, Direito romano e Direitos orientais (1937), págs. 175 e segs.; E. Balogh, Cícero and the Greek Law (em «Scritti in onore di C. Ferrini», vol. ill, Milão, 1948), págs. 2 e segs. (“) Entre as obras de Holbach de negação de todos os valores espirituais, nomeadamente da religião, citaremos Système de la nature ou des lois du monde phisique et du monde morale, publicada com o pseudomínlo de Mirabaud (1770); Le bon sens ou idées naturelles opposées aux surnaturelles, 1772. Dentre essas obras, pela sua matéria, deve des tacar-se o livro «Système social ou principes naturels de la morai et de la politique, 1773, em que a moral e o direito são reduzidos pelo autor a simples meios de assegurar a felicidade ou o prazer (Le bonheur n’est que le plaisir continué», I, 6). O poder político deve, por tal, reservar-se aos mais aptos à condução da sociedade a esse fim. Torna-se desnecessário notar quão insuficientes são tais conceitos, que nos aparecem já em forma muito mais atenuada na obra posterior de Holbach, La moral universelle ou les devoirs de Vhomme fondés sur la nature, 1776. ('“) São do seguinte teor os primeiros artigos do texto de 1879: «Art. 1. — Les hommes naissent et demeurent libres et égaux en droits. Les distinctions sociales ne peuvent être fondées que sur 1'utUité commune.

NOTAS

595

Art. 2. — Le but de toute association politique est la conservation des droits naturels et imprescriptlbles de 1’homme. Oes droits sont la liberté, la propriété, la süreté, et la resistance à l’oppression. Art. 3. — Le príncipe de toute souveraineté résidie essentlellement dans la nation. Nul corps, nul individu ne peut exercer d’autorité, qui n’en érnane expressément. Art. 4. — La liberté consiste à faire tout ce qui ne nuit pas à autrui: ainsi 1’exercice des droits naturels de chaque homme n’a de bomes que celles qui assurent aux autres membres de la société la jouissance de ces mêmes droits. Ces bomes ne peuvent être déterminées que par la loi. Art. 5. — La lol n’a le droit de défendre que les actions nuisibles à la société. Tout ce qui n’est pas défendu par la lol ne peut être empêché, et nul ne peut être contraint à faire ce qu’elle n’ordonne pas. Art. 6. — La loi est 1’expression de la volonté générale. Tous les citoyens ont droit de concourir personnellement, ou par leurs représentants, à sa formation. Elle doit être la même pour tous, soit qu’elle protège, soit qu’elle punisse. Tous les citoyens, étant égaux à ses yeux, sont également admissibles à toutes dignités, places et emplois publics, selon leur capacité et sans aubre distinction que celle de leurs vertus et de leurs talents». Cfr.: o nosso estudo «La diclarazione dei diritti dell’huomo e dei cittadino nella rivoluzione francese, Génova, 1903. (■•) Importa advertir que o princípio da não intervenção não tem propriamente valor absoluto, antes encontra, pelo menos em nossa opinião, um limite racional no pressuposto de que os direitos elementares da huma nidade hajam recebido consagração e tutela em todos os países. (”)

A

mais

acabada

expressão

das

ideias

de

Fichte

quanto

à

moral,

é a da obra posterior; Das System der Sittenlehre nach den principien der Wissenschaflslehre, 1798. (IS) Conquanto baseada em outros princípios, não é menos viva a crítica escrita contra a Declaração de Bentham (Vide edição das obras de Bentham, Bruxelas, T. I, 1829, págs. 547 e segs.). (1S) Pondere-se bem que a escola histórica não chegou à divinização do Estado como expressão absoluta da consciência colectiva, como em Schelling e Hegel. Antes considerou essa consciência como produto de uma continuidade evolutiva, donde provêm as suas preferências pelo costume em relação à lei. Todavia essa diferença não atinge nem invalida

o ponto fundamental de encontro dessas duas escolas: a concepção do direito como produto histórico e baseado no espírito do povo. Para um confronto entre as duas escolas há que ter presente, de Hegel, não só a Filosofia do Direito (espec. § 211), mas também a Filosofia da História e a Enciclopédia das Ciências filosóficas (espec. §§ 548, 550 e 552), em que põe em grande relevo o conceito de espírito do povo (Wolksgeist) como um dos graus do espírito universal.

NOTAS


596

(“) O nome que figura na obra de Finetti (João Francisco Finetti, De principiis juris nature et gentilum), ao que parece, não era o seu ver dadeiro nome, mas o de seu irmão. O seu nome de baptismo era Germano Frederico, tendo tomado, depois, na vida eclesiástica, o de Bonifácio, com que figura, de faoto, noutros escritos. As razões que o levaram a ocul tar-se, sob aquele outro nome não são bem conhecidas; talvez tivesse sido para, como já foi dito, dar lustre a outro membro da sua família ou, como é mais provável, por circunstâncias ligadas à sua quailidade de

(”)

Winkler,

ipsa

principia.

simplidter leges

reimpressa

recentemente

sob

a

orientação

de

B.

Croce,

Nam

ad

precursores

ratlonem esse

bani

omnes

qui

leges

provocatur,

de

Grócio,

de

contractu

provocare

prsesupponitur

et

auctoritatem

sciant.

Et

hoc

vel

possunt... legem

alia

esse

lllud

legali

doutamente:

quastione

Quotlescumque tale

prsecipientis est

escreveu

legaliter tractari possit quam

sine

generale

scribunt,

autem

ita

cui

reluotatione

oboediendum

omnium

legum

propter

proemium

Entre

Ahrens:

outras

«Filosofia

definições Direito,

Direito,

taiis

merece

natural,

recordada ciência

a

que

os

concebe

si

mesma

esta sua doutrina, com o mérito da originalidade mas sem

clareza

perfeita,

ver

o

Apêndice

à

Filosofia

do

Direito

(31)

(na

2.‘ ed. Intra, 1865, Vol. II, págs. 931-965). Cf r. C. Gray, Sobre a teoria dos equilíbrios de Rosmini (na «Revista Rosminiana», A. xxiv, 1930,

rienda

Recorde-se

a

sentença

disciplina»—(De

luris

de

Cícero:

1,

legibus,

a

a

razão

Sobre

como

ser

é

encontram fundados na natureza do Homem, quer em derada, quer nas suas relações com a ordem universal das coisas.

uma

do

Direito

os

(3I)

princípios

conhecidas,

ou

Vico (Bari, 1936). de

primeiros

do

com o título: Defesa da autoridade das Sagradas Escrituras contra B. G.

o

ad

praeceptum,

seu prsesuppo-situm, quod in principiis iuris demonstrandum». (“)

Obra

dos

«In tota iurisprudentia nihil est quod minus

sacerdote. (21)

um

597

«Ex

5).

intima Em

e

se

consi

phiilosophia

época

de

expõe

hau-

posterior,

em

págs. 283-295); G. Bozzetti, La teoria rosminiana degli equilibri politici

1560, publicou-se a monografia de F. I. Chopius, intitulada: «De vera philosophia iurist. Leibniz cita-o no livro Nova methodus discendce docen-

(na «Revista internacional de Filosofia de Direito, A. xxxn, 1955, págs. 1-14».

perficiendam Iurisprudentiam» situa o de uma Philosophia iuris (Ib., P. n,

d&quw Iurisprudentia, 1667, P. II, § 13, onde entre os seus «desiderata ad

(23) Desta obra deu-nos um largo resumo O. Scalvanti, Ensaio sobre algumas obras inéditas de G. Carmignani (Perugia, 1892). Vide ainda G. Canuti, G. Carmignani e os seus escritos de Filosofia do direito

da

(Grottaf errata, 1924).

designar

(M) Esta monografia, como as acima citadas e outras, foi nova mente publicada em dois volumes póstumos: Ensaios de Filosofia social

damentales

e jurídica (1906-1911). (K) Tenha-se presente que dos autores citados, em regra, somente indicamos as obras mais significativas. Uma bibliografia completa exor bitaria manifestamente do quadro destas referências sumárias. (")

Utopia

foi

o

nome

dado

pelo

inglês

Th.

More

ou

Morus,

ao

hipotético Estado (De optima reipublicce statu deqne nova insula Utopia, 1516. O autor morreu heroicamente no patíbulo em 1535. Planos

seu

idênticos

traçaram

outros

escritores

italianos

Francesco

Patrizi

da

Cherso

de

(A

vários

países,

cidade

feliz,

designadamente

1553),

T.

os

Campa-

cidade do Sol, 1602, editada primeiro em latim em 1623) e L. Zuccolo (O Porto ou República de Evandria, Diálogos, 1625); e os nella

(A

Ingleses J. Harrington (The commonwealth of Oceana, 1656) e R. Owen

§ 10); cfr. § 43, onde se refere a uma Philosophia legalis. (”)

(”) Tese bastante semelhante foi a sustentada no século anterior, como se notou, por Kierchmann (Die Werthlosigkeit, der Jurisprudenz ais Wissenchaft, 1848), refutada por Rudorff e por Stahl.

por

com

ele um

primeiro nome

propres

usada

único

aux

de

«physique

«1’étude

phénamènes

positive

sociale»,

de

(Cours

saciaux

com

1’ensemble

de

o

des

fim lois

Philosophie

de fun-

posi

tive, 3, éd. T. IV, pág. 185;. (“) Cfr. o nosso estudo: SuU’idea di una scienza del diritto univer sale comparata, 2 ed., págs. 11 e segs. (")

A

este

propósito,

etnológica,

traduzida

compendiosa

exposição

deve

para das

oitar-se

italiano

a

por

instituições

obra

de

jurídicas

de

Jurisprudência

Post,

Bonfante

e

Longo,

todos

os

a

qual

povos,

é

orde

nada segundo critérios lógicos e não puramente cronológicos. (”)

De

nanque qulppe

relevo

natlones,

differentibus

regular!

regulari

é,

por

regna

et

oportet:

oportet

exemplo, civltates est

a

enim

Scythas...

observação

inter

se

lex

et

aliter

já

S.

de

Dante:

proprietates,

regula

directiva

Garamantes»,

«Habent

quas

legibus

vitae.

Aitter

(Monarchia,

etc.

L. I XIV [xvi]). (“)

(A new view of society, 1812; et The book of the new world, 1820), etc. (*') Ao lado destes espanhóis pode cdtar-se o jesuíta belga L. Leys (Lessius), 1554-1623, autor de uma obra sobre o mesmo tema, igualmente notável, De justitia et jure ceterisque virtutibus cardinalibus, 1605.

O próprio Comte recusou-se a introduzir este neologismo, em vez

forma

nitur

Observava

etiam

in

per

neste se

sentido

malis

sicut

aliquis

Tomás:

«Sic

dicitur

autem

bonus

bonum

latro,

qula

inveopera-

tur accomade ad finem» (Summa Theol. 1.* 2.", q. 92, artigo 1.°). (3T)

Este

foi

Ignorado

de

Aquino,

por

tur

omnia

vitia,

conceito

pelos

que

antigos

exemplo, a

quibus

muitas mestres

assim

se

virtuosi

consideram da

totalmente

Filosofia

exprimia: abstinent,

do

«Lege sed

Direito.

humana

solum

moderno, SÃO non

gravlora,

não

Tomás

prohibena

quibus

598


possibile est majorem partem multitudinis abstinere et preecipue qua sunt in nocumentum aliorum, sine quorum prohibitione sooietas humana conservar! non posset» (Summa Theol. 1.* 2."*, q. 96, artigo 2.°). «Non tamen de omnibus actlbus omnium virtutum lex humana praeclpit, sed solum de illls qui ordinabiles sunt ad bonum commune» (ib., q. 96, ar tigo 3.°). V. ainda Suarez, De legibus ac Deo legislatore, L. ni, C. xii, n. (“) Pode notar-se que o conceito grego de èmeíxeia não é idêntico ao romano de cequitas. O primeiro significa conveniência (e ainda miti gação ); o segundo significa igualdade (portanto, exacto rigor na actuação da justiça). Mas também, segundo eiste conceito, casos desiguais devem ter um tratamento desigual, adaptando-se a norma à realidade. (") Com clareza isso se verifica do confronto com o artigo 31.° do Projecto (não aprovado), o qual punha o cumprimento do dever do tra balho como «condição do exercicio dos direitos políticos». Poderá objec tar-se que o artigo 1.“ da Constituição tira um tanto do seu valor jurídico da conexão dele com outras normas, especialmente do artigo 4.“, que, para todo o cidadão, afirma «o dever de desenvolver, segundo as suas possibilidades e livre escolha, uma actividade ou função que concorra para o progresso material e espiritual da sociedade». Mas não sendo este dever ai determinado de outro modo, adstringe-se mais ao âmbito moral propria mente do que ao jurídico. Por outro lado, o princípio de que a República reconhece a todos os cidadãos o direito ao trabalho e promove as condições que tomem efectivo este direito» (i)b.) resume-se a uma enunciação solene de um programa político, a traduzir em leis, não gerando de per si qual quer exigência ou pretensão juridicamente exercitável. (*°) Por exemplo, quando o Código Civil italiano (artigos 433.° e segs.) fala na obrigação de prestar alimentos, entende esta palavra no sentido daquilo que é necessário à vida (v. artigo 438.° e não à simples alimentação). (“) Alguém recentemente sustentou que «o ordenamento jurídico não tem destinatário» (Romano, Fragmentos de um dicionário jurídico, 1974, pág. 138), mas esta singularis opinio que se prende com outra, igualmente singular, segundo a qual as normas jurídicas não teriam carácter imperativo, encontra suficiente refutação no que no texto se disse sobre a natureza do Direito. (") Foi, porém, publicada recentemente uma nova edição, devida a F. Priestley, Toronto (1946). (“) Mazzini, Scritti editi e mediti, vol. xv (1886), págs. 100 e seg. Cfr., sobre outras opiniões acerca do progresso, ibidem, vol. xii (1883), págs. 320 e seg.; xiv (1885), págs. 108 e seg., 113, 115; xvi (1887), págs. 23 e seg., 125 e seg. (**) V. o nosso estudo: Evolução e involução do Direito (3.* ©d., 1945). (“) Manzoni, Del sistema que fonda la Morale sulla utilitá (Apên dice ao Cap. III. Observazioni sula Morale cattolica, ed. 1855).

NOTAS (")

A

tomo, Hom.

este

propósito,

xxvi, 3:

599

recordemos

eis

palavras

de

Joio

S.

Crisós

«Cum natura dico, Deum dico, ipse enim est naturae

opifex»; e, ainda, as de Grócio, De iure belli ac pads, Prol. § 12: «Naturale

ius,

ascribi voiuit».

quamquam

merlto

pofcest,

ex

principiis

quia

ut

homini

talia

intemds

principia

in

profult, nobis

Deo

existerent

tamen ipse

(") Foi Isto posto em plena luz por vários, entre os quais, BouTROUX e Petrone. Também se deve recordar o escrito de Shofenhauer,

Uber die vierfache Würzel des Satzes vom zureichenden Grunde. (Acerca da quádrupla raiz do princípio da razão suficiente). (“) Todavia, lembraremos os principais direitos naturais do homem, que derivam do mencionado princípio, e que já tivemos ooasdão de referir. Direito à liberdade de consciência, nomeadamente pelo que respeita à fé religiosa; direito ao reconhecimento da qualidade de pessoa, e da capacidade jurídica; direito de respeito da interldade física e moral (direito à honra); direito de reunião e associação; direito à liberdade de palavra e da imprensa; direito de participar em situação de paridade na forma ção das leis; direito de desenvolver uma actividade produtiva (direito ao trabalho) e de gozar dos seus frutos; direito à tutela da propriedade legitimamente adquirida; direito à liberdade de movimentos e de emi gração; direito de admissão aos cargos públicos sem exclusões nem privi légios, apenas segundo o critério do mérito pessoal. (") Cfr. sobre as doutrinas de Vico e de Wundt, o nosso estudo: II concetto della natura e il principio dei diritto (2.» ed.) págs. 175-176. A mesma ideia andava já na mente de Dante: «Essere suole che 1’uomo va cercando argento, e fuori dela intenzione truova oro, lo quale occulta occasione presenta, non forse senza divino Império» (Convívio, Trat. II, C. xn [xiii], 5). «Non è maraviglia se la divina provedenza, che del tutto l’angellco e lo umano accorgimento soperchia, occultamente a nod molte volte procede, com cio cosa che spense volte lumane operazioni a 11 uomlni medesimi ascondono la loro intenzione» (ib. Trat. iv; C. V, I). (") Esta última regra foi expressamente acolhida pelo actual Cód. Civ. ital., art. 2041.° Nos códigos precedentes apenas tinham sido incluídas várias disposições particulares baseadas no mesmo conceito (arts. 1037.» e 1842.» do Cód. Civ. e art. 326.» do Cód. Com.).

índice dos autores citados

A Aall, 281 Abadan, 299 Abate Longo, 201 Abdulhak, 299 Abelardo, 343 Affolter, 259 Aftalión, 263 Agostinho (St.0), 63, 64, 66, 293, 339. Ahrens, 184, 247, 369, 395. Alanen, 282. Alberto Magno, 343 Albini, 183, 209. Alexeiev, 290, 291. Alexiev, 298. Alighieri, 69. Allen C. K„ 243. Allen J. W., 243. Alonso Martinez, 189. Alsina, 262. Althusio, 73. Alvarez, 263. Amari, 182. Ambrosetti, 208, 212. Ambrósio (St.0), 63. Ambrosoli, 183. Amos, 242. Anaxágoras, 33. Anaximandro, 32. Anaximene, 32. Anastasiades, 273. Andrei, 269. Angelesco, 270.

Angiulli, 187. Anselmo d’Aosta, 343. Antistenes, 50. Antonescu, 270. Antoniades, 273. Anzilotti, 213. Apostolov, 298. Aquilanti, 199. Aramburo, 263. Arcari, 211. Ardigó, 187. Arias de Valderas, 82. Aristipo, nota 1, 52. Aristofanes, Aristóteles, 33, 36, 38 e segs., 64, 80, 118, 283, 323, 337, 342, 343, 372, 378, 460, 463, 464, 496, 591. Arnholm, 281. Arnold, 258. Arrais, 264. Arruda, 267. Ascoli, 207. Aster, 299. Asturaro, 191. Attisani, 208. Audisio, 184. Austin, 242. B Babeuf, 125. Bachofen, 252. Bacon, 64, 127, 306, 322, 323, 391, 594.

606

INDICE DOS AUTORES CITADOS


Baez, 263. Bagolini, 208, 212. Bakunin, 289. Balbo, 178. Baldwin, 203, 244. Balmes, 261. Balogh, 594, 272. Banfi, 207. Barbeyarc, 100.

Beudant, 222. Bevilaqua, 267. Biavaschi, 199. Bierling, 253. Binder, 255, 393. Binding, 253, 393, 398. Bisoukides, 273. Bitner, 286. Blackstone, 242.

Barillari B., 212.

Bluntschli, 259.

Barillari M., 210. Barker, 592.

Boasson, 276.

Barni, 221. Barnutiu, 268. Baroli, 146, 182. Barth, 258. Bartolomei, 205. Bascunan, 263. Batiffol, 224. Battaglia, 194, 207, 210. Bauer, 146. Baumgarten, 258. Bautain, 222. Bautro, 286. Beaussire, 222. Beccari, 211. Beccaria, 167, 308. Bekker, 258. Bélime, 221. Beling, 258. Belli, 82. Bellofiore, 213. Belloni, 212. Beltraneza, 264. Bemmelen, 276. Bender, 275. Beneyto Perez, 263. Bentham, 226, 227, 228, 229, 231, 595. Bentzon, 277. Berdjajev, 291, 292. Bergbohm, 254. Bergson, 221. Berolzheimer, 254. Betancur, 264. Betti, 214.

Bodin, 79, 80, 92, 283.

Bobbio, 207, 212. Boerescu, 268. Bogisic, 296. Bohlau, 447. Boila, 270. Boistel, 222. Bolcev, 298. Bon-Compagni, 182. Bonelli, 448. Bonfante, 214. Bonilla y San Martin, 262. Bonnecase, 224. Bonucci, 206, 210. Boreas, 273. Bornemann, 277. Bosanquet, 242. Bosianu, 268. Bossanyi, 270. Bossuet, 317. Bostrom, 279. Bouglé, 221. Bourgeois, 221. Boutroux, 221. Bovio, 195. Bozza, 212. Bozzetti, 596. Bradley, 242. Braga, 266. Brandão, 266. Bremer, 264. Brèthe de la Gressaye. 222, Brianz, 253, 448. Broad, 279.

Brown W. J,, 242. Brucculeri, 200. Brugi, 213. Brundy, 211. Brunello, 212. Brunetti, 214. Bruni Roccia, 212. Brunner, 259. Bruno, 72, 81, 323. Bruns, 447. Brusiin, 282. Buchanan, 73. Buckland, 243. Bulow, 258. Bunge, 263. Burdeau, 224. Burgess, 246. Burke, 158. Burkhardt, 258. Burlamaqui, 100. Burri, 199. Bustillo, 264. Bynkershoek, 274, 275.

Cano, 260. Cantacuzino, 270. Cantoni, 186, 209. Canuti, 596. Capitant H., 223. Capitant R., 222. Capograssi, 206. Cardai, 300. Cardone, 207. Cardozo, 245. Caristia, 212. Carle, 192, 193, 209. Carli, 168. Carlson, 282. Carlyle, 243. Carmignani, 166, 183, 209. Carnelutti, 214. Carp, 276. Carrara, 183. Carré de Malberg, 224. Carreno, 264. Casares, 263. Casasús, 264. Caso, 264.

C

Cassimatis, 273. Castán Tobenas, 262.

Cabet, 216. Caboara, 207, 211. Cabral de Moncada, 266. Cáda, 294. Caetano, 267. Cahm, 245. Caiani, 208. Cairns, 245. Calderón, 262. Callicles, 351. Calogere, 208. Calonius, 282. Câmara, 267. Cammarata, 198. Campanella, 323 596. Campbell, 243. Campbell R., 242. Campos, 267. Camus, 263.

Castberg, 281. Catara-Lettieri, 182. Cathrein, 256. Catiglia, 123. Cattaneo, 181, 187. Cavagnari, 189, 192. Cavagnis, 198. Cavalli, 209. Cazzaniga, 202. Cecilio Stazio, 594. Celso, 367. Cervantes, 1, 29. Cesarini Sforza, 198. Charmont, 222. Chelinski, 286. Chiovenda, 437. Chopius, 1, 191. Christensen, 277.

607

608


Cicala, 206. Cicerin, 287. Cícero, 51, 54, 55, 56, 80, 334, 337, 433, 464. Cieszkowski, 285. Cimbali, 202, 209. Cirel Czeraa, 267. Claeson, 279. Cleante, 51. Clemente Alexandrino, 63. Clemente De Diego, 262. Cocceji (H. e S.), 90. Coebergh, 276. Cogliolo, 189. Cohen, 245. Coing, 259. Collotti, 1, 126. Comte, 193, 216, 217, 218, 219, 220, 237, 294, 315, 316, 464. Concha R. (v. Fernandez Concha), 263. Concha, 272. Conde, 263. Condillac, 1, 100. Condorcet, 125. Condorelli, 207. Confucio, 109. Conti, 201. Cordesio, 1, 39. Cordovani, 199. Co mil, 225. Corts y Grau, 262. Cosentini, 190. Cossio, 263. Costa, F., 206, 211. Costa, J., 262. Costa-Rossetti, 198. Cotta, 213. Coumaros, 273. Courcelle Seneuil, 222. Cousin, 215. Couture, 263. Cowan, 245. Cretella, 267. Crisafulli, 207. Crisafulli Zappalá, 182.

Crisipo, 409. Croce, 194, 196, 596. Cruet, 223. Cruce (v. Kruse). Cuche, 222. Cuello Calón, 263. Cumberland, 94. Cuoco, 158, 172. Curcio C., 211, 592. Curcio M., 212. Cusano Nicolau, 72.

D Dabin, 225. D’Acquisto, 182. D’Addio, 213. D’Aguanno, 189. Dahl, 277. Dan, 258. D’Alembert, 124. Dallari, 190. Dana Montano, 263. Danielopol, 270. Dante, 372. D’Antonio, 208, 211. Darmstaedter, 258. Darwin, 231, 232, 235, 294, 462. Da Silva A., 267. Da Silva H., 266. Davy, 222. De Asis, 262. De Azcárate, 263. De Bonald, 150. De Brito Lhamas, 266. De Buen, 262. De Bustamante y Montoro, 264. De Castro, 262. De Faria e Maia, 265. De Farias Brito, 267. De Francisci, 214. De Freitas, 264. De Giorgi, 183. De Greef, 221, 225.

ÍNDICE DOS AUTORES CITADOS De Juglart, 224. De la Bigne de Villeneuve, 224. De la Grasserie, 221. De La Riva Aguero, 264. De Las Casas, 260. De Lavalle, 264. Del Bo, 208, 212. Del Giudice, 210. Delia Rocca, 200. Dellepiane, 263. Delos, 222. De los Rios Urruti, 262. Del Rosal, 263. Del Rosso, 183. De Luca, 182. De Lugo, 260. De Luna, 262. Del Valle, 263. De Marinis, 191. De Mattei, 211. Demócrito, 33. Demogue, 223. De Molina (v. Molina). De Montemayor, 206, 210. De Page, 225. De Queiroz Lima, 267. Demburg, 390. De Roberty, 221, 291. De Ruggiero, 210. Descartes, 81, 127, 333. Despotopoulos, 274. Desvemine, 263. De Tourtoulon, 222. Dewey, 244, 245. D’Holbac, 160. Diamond, 243. Dias Ferreira, 265. Di Cario, 206. Diderot, 124. Dietze, 259. Dikov, 298. Diniz, 267. Diogenes, 50. Dissescu, 270. Djuvara, 268.

F D- 3 9

609

Domat, 99. Donati, B., 210. Donati D., 206, 213. Donoso Cortés, 261. Dooyeweerd, 276, 277. Dorado Montero, 262, 289. Doria, 164. D’Ors, 262. Dourado de Gusmão, 267. Doyle, 243. Dragicescu, 269. Droetto, 213. Drtina, 294. Drucks, 286. Duguit, 223, 273, 469. Dumitrescu-Jasi, 269. Duni, 166. Dunning, 246. Duns Scotus, 67. Du Pasquier, 225. Duprat, 221. Durdik, 294. Durkheim, 466. Duynstee, 276.

E Egawa, 300. Egidio Romano, 68. Ehrlic, 255. Eichhom, 160. Ekelof, 280. Elias de Tejada Spinola, 262. Emerson, 244. Emge, 258. Emldio Garcia, 266. Empédocles, 32. Engels, 250. Engisc, 259. Eotvos, 271. Epicuro, 52, 53. Epitteto, 51. Erasmo, 594. Ercole, 194, 211. Eriksen, 281.

610


Escalante, 263. Espinas, 220. Esposito, 207. Esser, 259. Esterhazy, 271.

F Falei, 190, 210. Fasolis, 184. Fernandez Elfas, 262. Ferrara, 454. Ferrari, 209. Ferrer Neto Paiva, 265. Ferri E., 187. Ferri L„ 186, 209. Feuerbac, 146. Fichte J. A„ 142-147, 247, 288, Figgis, 243. Figueiroa M. B., 263. Filangieri, 170. Filmer, 101. Filolau, 34. Filomusi Guelfi, 194, 195, 209. Finetti, 596, 166. Fiorentino, 182. Firpo, 212. Fisichella, 201, 450. Flechtenmacher, 268. Flint, 243. Fluckiger, 258. Folcieri, 206. Foscolo, 78. Fouillée, 221. Fourier, 216. Fraga Iribame, 263. Fragapane, 189. Fragueiro, 267. Franck, 221. Frank J., 245. Frank S., 297. Franklin, 244. Frazer, 243. Friedmann, 243.


Fries J. F., 146. Fries M., 279. Frycz (Fricios), 283. Fuchs, 258. Fujii, 300. Fulci, 210. Fuller, 245. Fur lan, 297.

O Gabba, 201, 213, 282. Gabrovski, 298. Gaio, 429. Galán y Gutierrez, 262. Galilei, 81. Gallicle, 34. Gall, 219. Galluppi, 174. Ganev, 298. Garcia (v. Emidio Garcia). Garcia Maynes, 264. Garcia Morente, 262. Garcia Olano, 263. Garcia Valdecasas, 262. Garilli, 208, 213. Gar lan, 245. Garófalo, 191. Genovesi, 166, 265. Gentile P., 206. Gentili, 77, 82, 90. Gentz, 150. Gény, 223. Georgopoulos, 274. Gerbi, 211. Gettell, 246. Geyer, 247. Giacomazzi, 207. Giannone, 165, 212. Gianturco, 448. Giddings, 244. Gierke, X, 258, 454, 592, 593. Gil Borges, 264. Gil y Robles, 261. Giner de los Rios, 261.

Gioberti, 146, 174, 177. Gioja, 263. Giorgi, 450. Giorgianni, 209. Givanovic, 297. Gjelvik, 281. Glasenapp, 283. Glaser, 287. Gmur, 259. Gnaeus Flavius (v. Kantorowicz). Godwin, 498. Golab, 287. Gomez Arboleya, 262. Gonella, 199, 200, 211. Gonzalez J. Q., 264. González Oliveros, 262. Gonzalez Vicen, 262. Gooch, 243. Goodhart, 244. Goos, 277. Goretti, 207. Gorgias, 34. Gorovtseff, 291. Gorres, 150. Goruneanu, 269. Goslicki (Goslicius), 284. Grabmann, 256. Gracián, 261. Gradowski, 288. Graneris, 200. Gravina, 165. Gray C., VII, 596, 207. Gray J. C., 244. Green, 242. Grócio, 76, 82, 83, 84 a 91, 120, 264, 274, 335, 460, 592. Grompone, 263. Groppali, 187, 190. Gros, 146. Grujovic, 296. Guidi, 208. Guisan, 225. Gumplowicz, 285. Gurvitch, 224, 291. Gusti, 269.

611

Gutberlet, 256. Gutteridge, 243. Guyau, 221. H Haesaert, 225. Haff, 259. Hagerstrom, 278, 279, 280. Hagerup, 281. Haines, 245. Hall, 245, 246 Haller, 150. Hamaker, 275. Hamilton A., 244. Hamilton, C., 263. Haret, 269. Haring, 256. Harms, 258. Harrington, 1, 406. Hartmann, 249. Hauriou, 224. Hazard, 245, 292. Heamshaw, 243. Hegel, 382, 405. Heineccius, 1, 100. Held, 258. Heller, 259. Helvetius, 124. Hennebicq, 225. Heráclito, 32, 154 Herbart, 246, 294. Hermanson, 282. Hemandez-Gil 262. Hertling, 256. Hirzen, 289. Hessen, 290. Heydte, 259. Hijmans, 275. Hipias, 34. Hirsch, 299. Hirzel, 258. Hobbes, 91, 92, 93, 94, 274, 286, 461, 469, 593. Hobhouse, 243.

612


Hoel, 281. Hoene Wronski, 284. Hoffding, 277. Hohfeld, 245. Holbach, 594. Hold, 258, 393. Holder, 258. Holland, 83, 242. Holmes, 244. Holscher, 256. Honig, 299. Honkasalo, 282. Hoogveld, 276. Hooker, 100. Horváth, 258, 272. Hozumi, 300. Huber E„ 259. Huber U., 274. Hubner Gallo, 263. Hugo, 158. Humboldt, 497. Hume, 105, 129. Husserl, 259. Husson, 224.

I Iljin, 290. Ilkov, 298. Ingenieros, 263. Invrea, 214. Izoulet, 221.

J James, 244. Janet, 215. Jannelli, 172. Jansson, 282. Jarucke, 150. Jarra, 286. Jaworski, 287. Jefferson, 244. Jellinek, 253, 374, 440, 442.


Jemolo, 210. Jennings, 243. Jerusalém, 258. Jethro Brown (v. Brown W. J.). Jhering, 162, 393. Jimenez De Asua, 263. Joannôu, 273. Jonascu, 270. Jonescu, 269. Jorga, 268. Josserand, 224. Jouffroy, 215. Jovanovic, 297. Jugovic, 296. Jung, 258. Jurieu, 592.

K Kaila, 282 Kairis, 273. Kallab, 295. Kaltenbom, 258. Kant, 35, 126-142, 168, 218, 233, 239, 247, 254, 268, 271, 305, 310, 332, 335, 336, 340, 343, 349, 395, 400, 462, 469, 497, 500. Kantorowicz, 255. Karsawin, 291. Katicic, 297. Kaufmann E., 258. Kaufmann F., 257. Kazazis, 273. Kelsen, 257, 286, 295. Kierkegaard, 277. Kinberg, 280. Kirchmann, 251, 280, 596. Kistjakowsky, 290. Kjellén, 281. Klácel, 294. Kloeppel, 258. Klug, 259. Knapp, 251. Kocourek, 245, 246. Kohler, 252, 453,

Koleséry, 270. Kollataj, 284. Korkunow, 268, 288. Kornfeld, 258. Koschembahr-Lyskowski, 286. Kossuth, 271. Kosuge, 300. Koulicher, 291. Koussoulakos, 274. Kowalewski, 289. Kozlowski, 287. Krabbe, 275, 277. Kraft A., 277. Kraft J., 259. Krajnc (Krainz), 296. Kranenburg, 275, 277. Kraus, 259. Krause, 247, 265, 294. Krejci, 294. Krek, 297. Kropotkin, 289. Krug, 146. Kruse, 278. Krzymuski, 286. Kubo, 300. Kuhlenbeck, 258. Kuhnast, 258. Kunizin, 287. Kunz, 257. Kusei, 297.

L Laboulaye, 498. Labriola A., 293. Labriola T., 190. Labrousse, 263. Lachelier, 221. Lactancio, 63. Ladd., 244. Laffitte, 220. Lagorgette, 222. Lahtinen, 282. Lakits, 270. Lambert, 223.

Lampredi, 166. Layde, 286. Landsberg, X, 258. Langemeijer, 276. Laplace, 233. Larenz, 259. Las Casas, Laserson, 283. Lask, 258. Lassalle, 250. Lasson, IX 252. Laun, 256. Laurent, 225. Laviosa, 210. Leclercq, 222, 225. Le Fur, 222, 224. Legaz y Lacambra, 262. Legón, 263. Leguano, 82. Lehtinen, 282. Leibholz, Leibniz, 105, 106, 107, 325, 344. Lenin, 291. Leonas, 283. Leone XIII, Leonhardi, 294. Leoni, 208. Leopardi, 51. Lerminier, 221. Leroy, 222. Leroy-Beaulieu, 468. Lessa, 267. Leys (Lessius), 596. Letelier, 263. Levi, A., 190, 210. Lévy-Bruhl, 221. Lévy-Ullmann, 223. Leyden, 594. Liberatore, 184. Linares Quintana, 263. Lindner, 294. Lindsay, 243. Lioy, 201. Littré, 220. Liulinov, 298.

614


Llambias De Azevedo, 263. Llewellyn, 246. Locke, 94, 100-105, 106, 274, 461, 594. Loening, 258. Longo, 201. Lopez de Onate, 208. Loria, 191. Lorimer, 242. Lowie, 246. Lozano Munoz, 263. Lubbock, 243. Lubienski, 286. Lucchini, 201. Lucrecio Caro, 54. Luisi, 267. Lukic, 297. Lunsdstedt, 280. Luno Pena, 262. Lureau, 592. Luzzatti, 210.

Mancini, 180, 296, 472. Manigk, 259. Marchello, 208, 213. Marchèsini, 100. Marcílio de Pádua, 70, 71, 104. Marck, 258. Marco Aurélio, 51, 54. Marghieri, 247. Mariani, 211. Mariano, 194, 260. Maridaki, 273. Markowic, 297. Maroi, 214. Martinetti, 186. Martinez Paz, 263. Martini, 146, 265, 270. Marty, 133. Marx, 250. Masaryk, 293, 294. Masci, 186, 205. Maspétiol, 224. Matic, 296.

M Mably, 124. Mackesini, 187. Machiavelli, 76-80, 92. Mackintosh, 105. Mac Lennan, 243. Macleod, 246. Maffei, 165. Maggiore, 197, 210. Magnino, 212. Maine, 243. Maine de Biran, 215. Maiorescu, 268. Majorana, 189. Makarewicz, 286. Makino, 300. Makowski, 286. Maksudi Arsal, 299. Maliniak, 286. Mallieux, 225. Malmstrom, 280. Malthus, 498. Mamiani, 180.

Mattirolo, 201. Mausbach, 256. Mayer, 256, 393. Mazzarella, 190. Mazzei, 211. Mazzini, 146, 179, 284. Medina Echevarria, 262. Meijers, 276. Meinecke, 258. Melillo, 184. Melisso, 33. Menchaca (v. Vazquez de Menchaca). Mendez, 267. Mendizabal Villalba, 261. Mendizabal y Martin, 261. Menenio Agrippa, 464. Menger, 253, 413, 499. Merêa, 267. Merkel, 253, 393. Merkl, 257. Merriam, 246. Messineo, 200. Meyer, 256.

INDICE DOS AUTORES CITADOS Miceli, 189. Michailowski, 290. Michelet, 258. Michould, 454. Mickiewicz, 284. Mikulcic, 296. Mill J. S., 136, 229, 230, 231, 235, 315, 346, 498. Miller, 242. Milton, 101. Minemura, 300. Minghetti, 241. Miraglia, 194, 195, 448. Mirkine-Guetzévich, 224, 291. Mironescu, 268. Missir, 268. Modestino, 383, 429. Mohl, 258. Molina, 260. Mondolfo, 210. Montaigne, 333. Montesquieu, 104, 112, 116, 119, 165, 219. Moór, 272. More (Morus), Morelly, 124. Morgan, 246. Morin, 223. Momay, 73. Moro (v. More) 596. Moruzi, 270. Mosca, 211. Motulsky, 224. Mugaburu, 263. Muller, 150. Mullereisert, 259. Munch, 258. Munif Pascia, 299. Muratori, 164, 265. Muromzeff, 289.

N

Nardi-Greco, 190. Nawiasky, 259. Nef, 1, 34. Negulescu Paul, 270. Negulescu Petre, 268. Nelson, 258. Nicolo da Cusa (v. Cusano). Niebuhr, 160. Nieto Arteta, 264. Nietzsche, 250. Njewolin, 287. Nocito, 213. Noda, 300. Noodt, 274. Norstom, 280. Nova, 184. Novgorodzeff, 290. Nocicow, 289.

O Ockam (Guilherme de), 70, 343. Oddone, 200. Oersted, 277. Olgiati, 199. Olivecrona, 279, 280. Olizarowski (Olizarovius), 284. Opalinski, 284. Opocher, 208, 212. Orecchia, 209. Orextano, 206. Orgaz, 263. Orichovius, 283. Origenes, 63. Ortega y Gasset, 262. Osawa, 300. Ostrorog, 283. Otaka, 258, 300. Otto, 594. Oudot, 221.

Nakamura, 300. Nani, 213.

Owen J., 594. Owen R., 596.

616

P Pacheco, 263. Pachmann, 288. Pagano A., 205. Pagano, 168, 182. Paine, 158. Palazzolo, 208. Palienko, 290. Panésio, 51. Panunzio, 206. Paolo (S.), 464. Papiniano, 249. Paredes, 263. Paresce, 207. Pareto, 191, 210. Parménides, 33. Pascal, 333. Paschukanis, 291. Passerin d’Entrèves, 211. Paton, 243. Patrizi, 595. Patterson, 245. Pauler, 271. Pekelis, 207. Pella, 270. Pelzhofer, 296. Perego, 207. Perena, 263. Peretiatkowicz, 286. Pérez Bueno, 262. Peric, 297. Perifanakis, 274. Perozzi, 213. Pérsico, 210. Perticone, 206, 211. Pescatore, 213. Pessina, 213. Petrarca, 74. Petraschek, 256. Petrazycki, 286. Petri (Peterson), 278. Petrone, 202, 203, 205, 374. Petrovici, 268. Pfleiderer, 592.

617


LIÇOES DE FILOSOFIA DO DIREITO Picard, 225. Pietka, 286. Pigliari, 208. Pikler, 271. Pinheiro Ferreira, 265. Pinto de Carvalho, 267. Pinto Loureiro, 266. PiovaDi, 208, 212. Pitágoras, 33, 34. Pitamic, 258, 297. Pizani, 264. Pizzarelli, 182. Platão, 36, 37 e segs., 47, 48, 49, 50, 51, 229, 313, 342, 343, 351, 367, 464, 467, 496. Plauto, 593. Plechanow, 289. Poggi, 207, 211. Polak, 276. Poli, 183. Politis, 273. Pollock, 242. Pobygenis, 274. Pontes de Miranda, 267. Popoviliev, 347, 298. Poseidónio, 51. Pound, 245, 324. Preciado Hernandez, 264. Priestley, Prisco, 198. Pródigo, 34. Protágoras, 34, 35, 132. Proudhon, 217. Ptolomeu de Luca, 65. Puchta, 158, 160. Pufendorf, 97, 98, 107, 275, 462. Puglia, 190. Puigdollers, 262. Pulszky, 271. Q Quadri, 208. Quesada, 263. Quesnay, 124. Quintano Ripollés, 263.

R Radbruch, 255. Radin, 245. Rdulescu, 270. Rainov, 298. Ratzenhofer, 258. Rava, 209. Ravà, 206, 210. Raynaud, 224. Reale, 267. Rebellus (Rebelo), 264. Récasens Siches, 262. Redano, 211. Regelsberger, 253. Réglade, 222. Reichel, 258. Reid, 105. Reinach, 258. Reinhold, 286. Reissner, 290. Renan, 220. Renard, 222. Renouvier, 221. Rensi, 209. Restivo, 210. Reuschlein, 245. Ribeiro de Macedo, 264, Ricardo, 498. Richard, 222. Riezler, 258. Ripert, 224. Ritchie, 243. Rivalta, 199. Rivera, 264. Rivera Pastor, 262. Robson, 243. Roces, 262. Roder, 247. Rodrigues de Brito, 265, Rodrigues Queiró, 266. Rodriguez, 263. Roemeris, 283. Roguim, 225. Rolim, 225.

Romagnosi, 146, 173, 183, 192, 193. Romani, 199. Romano, 214. Romero, 267. Rosmini, 146, 175, 184, 372. Ross, 258, 277. Rossi Luigi (senior), 185. Rossi Luigi, 209. Rothe, 222. Roubier, 222. Rousseau, 77, 94, 119-124, 126, 127, 138, 139, 462, 592. Royce, 244. Rudorff, 280, 596. Ruffini, 210, 498. Ruiz del Castillo, 263. Ruiz Moreno, 263. Rumelin, 258. Rumpf, 258. Rundstein, 258, 286. Russo, 169.

S Saenz, 263. Saffi, 83. Sahlin, 279. Saint-Simon, 216, 217, 220. Saldana, 263. Saleilles, 223. Salisbury, 68. Salmasio (Saumaise), 101. Salmerón, 262. Salmond, 242. Salomon, 258. Salutati, 73. Salvatorelli, 211. Sampay, 263. Sanchez Agesta, 263. Sanchez Román, 262. Sancho Izquierdo, 262. Sander, 257. Santonastaso, 212. Sanudo, 264. Sanz del Rio, 261.

618

Sarpi, 593. Sartorelli, 212. Sassen, 276. Sauer, 256. Saumaise (v. Salmasio). Saudet, 258. Savigny, 158-160, 446, 454. Sayrc, 245, 246. Scalvanti, 596. Scersceniewicz, 290. Shaftesbury, 94. Schaffle, 258, 454, 465. Scheler, 258. Schelling, 95, 151-152, 192, 247, 249, 279, 464, 595. Scheltema, 276. Schiattarella, 189. Schiller, 136. Schilling, 258. Schindler, 259. Schlesinger, 292. Schlossmann, 253. Schmid, 276. Schmitt, 259. Scholten, 275. Scholz, 258. Schonfeld, 259. Schopenauer, 154, 248, 249, 353, 370. Schreier, 257. Schuppe, 253. Schwind, 259. Scialoja, 160, 213. Scraba, 270. Secco, 208. Sedlacek, 295. Selden, 91, 275. Séneca, 51, 54, 464. Serrano, 267. Sidgwick, 242, 243. Sidney, 101. Siéyès, 124. Sighele, 191. Simmel, 258. Simon, 215. Simonius, 259.


LIÇOES DE FILOSOFIA DO DIREITO Sinzheimer, 259. Slowacki, 284. Smith, 498. Sobrino, 264. Sócrates, 36, 37, 38, 39, 342. Sofócles, 11, 147. Sokolowski, 282. Solari, 193, 209. Solaro della Margarita, 150. Solheim, 281. Somló, 271. Soto (v. De Soto). Spann, 258. Spaventa, 182, 186, 193, 194. Spabenta, 194. Spectorski, 298. Spedalieri, 171. Spencer, 193, 219, 231, 232, 233, 234, 235, 236, 237, 238, 239; 240, 241, 294, 335, 464, 465, 497. Spengler, 258. Sperantia, 269. Spinoza, 94-96, 274, 275, 349, 351. Spir, 288. Squillace, 191. Ssawalski, 290. Ssolowjew, 287. Stahl, 1, 249, 280,

000.

Stalin, 291. Stammler, 254, 255. Starcke, 277. Stazio (v. Cecflio Stazio). Steinmetz, 277. Stejic, 296. Stellini, 165. Stephen, 243. Stere, 270. Stem, 258. Sternberg, 258. Steward, 105. Stintzing, 258. Stimer, 1, 39. Stone, 243. Stoop, 276. Stroynowsky, 284.

Stucka, 291, 292. Sturm, 258. Sturzo, 199. Suarez, 83, 84, 260, 265, 592. Sulcs, 284. Svoboda, 296. Svolos, 274. Swoboda, 258. Sydney (v. Sidney). Szechenyi, 271. Szilagyi, 271.

T Tabaka, 300. Tabbah, 300. Taine, 220. Takayanagi, 300. Tamburini, 168. Tamosaitis, 283. Tanaka, 300. Taparelli, 147, 184. Taranovski, 297. Tarde, 220. Tarozzi, 187. Tasic, 297. Tegen, 280. Telders, 276. Telésio, 64, 81, 323. Tempia, 201. Teodorescu, 270. Teodosio, 429. Tertuliano, 63. Thibault, 158. Thièmd, 1, 34. Thiercelin, 221. Thilo, 247. Thon, 252. Thumwald, 258. Tibullo, 591. Tilgher, 207. Timacheff, 291. Tissot, 222. Tolomei, 146, 182. Tolstoi, 289, 291.

619

Tomás de Aquino (St.°), 65, 66, 67, 343, 372, 398. Tomásio, 107-110, 247, 349, 358, 368, 394. Tomsa, 295. Tonnies, 258. Torboff, 298. Torp, 277. Toscano, 185. Tosco, 186. Tourtoulon (v. De Tourtoulon). Towianski, 284. Trasimaco, 34, 35, 351. Treitschke, 258. Trendelenburg, 251, 395. Trentowski, 284. Treschow, 281. Treves, 207. Triantaphyllopoulos, 273. Tricerri, 212. Trionfo, 68. Trubetzkoi, 290. Truyol y Serra, 262. Tsatsos C., 273. Tsatsos T., 273. Turgot, 124. Tylor, 243.

U Usenicnik, 297, Ulpiano, 57, 348, 376, 429.

V Vacca, 190. Vaccaro, 189. Vadalà-Papale, 189. Valensin, 222. Vallimarescu, 269. Vallindas, 273. Vambas, 273. Van der Heijden, 276. Vanderpol, 592.

620



Van der Vlugt, 275. Vangerow, 253. Vanni, 188, 189, 233, 370, 374. Van Praag, 276. Vareilles-Sommières, 222, 223. Vas, 272. Vaughan, 243. Vazquez G., 261. Vazquez de Menchaca, 91. Veniámin, 269. Ventura, 184. Vera, 182, 193. Verdross, 257. Verney, 165, 265. Verri A., 168. Verri P., 168. Vescovi, 263. Vezanis, 273. Vico, 90, 112-115, 169, 192, 193, 196, 204, 219, 306, 312, 316, 317, 327, 329, 335, 337, 357. Vidal, 208, 212. Viehweg, 259. Vierkandt, 258. Viglietti, 199. Vilanova, 263. Villagomez Yepez, 263. Vinnen (Vinnius), 274. Vinogradoff, 244, 291. Virozsil, 271. Vishinsky, 292. Viterbo, 68. Viteri, 264. Vitoria, 82, 90, 259. Vives, 263. Vladikin, 298. Voegelin, 259. Voet, 274. Volan (Volanus), 283. Vollgraff, 258. Voltaire, 124. Volterra, 160, 594. Von d. Heydte (v. Heydte). Von Hippel (v. Hippel). Von Schmid (v. Schmid).

Z

Vrij., 277. Vycheslavzeff, 291.

W Wada, 300. Waldecker, 259. Waline, 224. Wallaschek, 258. Walter, 258. Walz, 259. Ward, 244. Warnkonig, 258. Wautrain Cavagnari, 221. Weber, 258. Weigelin, 289. Wenzel, 258. Werboczy, 270. Westermarck, 243, 282. Westrup, 278. Wexionius, 281. Weyr, 257, 294. Wielikowski, 258. Wigmore, 245. Willoughby, 244. Windscheid, 253, 442, 448, 458. Winkler, 83. Wlodkowicz, 283. Wolf, 258. Wolff K., Ill, 112, 258, 496. Worms, 221. Wroblewski, 287. Wundt, 251.

X Xenofanes, 33. Xénopol, 269. Xirau Palau, 262.

Y Yntema, 245. Ysselsteyn (v. Van Ysselsteyn), 592.

Zachariae, 146. Zamoyski (Zamoscius), 284. Zampetti, 208. Zeiller, 146. Zeletin, 268.

Zenão de Cipro, 51. Zenão de Eleia, 33. Zepos, 274. Zitelmann, 253, 393, 454, Znamierowski, 286. Zoccoli, 210. Zuccolo, 596.

621

índice Analítico

A Adequação, 585-586. Agregação, 537, 581. Alteridade (vide Bilateralidade) Analogia. 379. Apátrida, 445. Arbitragem, 524. Actos jurídicos, 456. Acção (in genere), 345 e segs.; (judi ciária), 436 e segs.

Comunidade jurídica internacional, 510 e segs. Contrato Social, 71 e segs., 87 e segs., 93, 95, 102 e segs., 119 e segs., 138, 144, 171, 201. Consciência, 530, 563 e segs., 568 e segs., 572. Consciência jurídica popular (vide Espí rito popular). Constituição, 415 e segs., 478 e segs. Costume, 405 e segs., 418 e segs., 485 e segs. Cristianismo, 59 e segs.

B Banido, 521. Bilateralidade 363 e segs.; 371 e segs.

D

Decretos e regulamentos, 464. Dedução, 321 e segs. Destinatários das normas jurídicas, 392. Determinismo; 565 det. económico (vide C materialismo histórico). Declaração dos direitos, 126, 148-149, Causalidade, 128, 130, 559, 565 e segs. 157-158, 483. Cepticismo, 332, 545 e segs. Direito (conceito), 241; (ideal), 336; Ciência do direito, 303 e segs.; 428 e segs. (definição), 329, 324; (relações com Classe social, 468. a moral), 355; (objectivo), 376; (sub Coacção (vide Coercibilidade). jectivo), 432 e segs.; (público e pri Coercibilidade, 373, 394 e segs. vado), 390; (positivo e não positivo), Comparação, 326 e segs., 516. 403 e segs.; (absoluto e relativo), 434 Composição, 521, 524. e segs. Comunicabilidade do direito, 328, 530 Direito à solidão, 573. Direito canónico, 488. e segs. Bills of rights, 126.

F D -40

L

626


Direito internacional, 82, 89, 259, 401, Estrangeiros, 444. Eterogénese dos fins, 580. 502. Direito natural, 55, 56 e segs., 65, 85-86, Experiência jurídica, 341, 344, 376, 576. Evolução do direito, 527 e segs., 542, 122, 126 e segs., 309, 334 e segs., 418, 574, nota 48, 575, 580, 589. 581. Evolucionismo, 154, 231 e segs., 281. Divisão dos poderes, 104, 117 e segs., 139, 478. Deveres jurídicos e morais (segundo Tomásio), 107 e segs.; (segundo F Kant), 135 e segs.; (segundo Scho penhauer), 248 e segs.; 570 e segs. Factos jurídicos, 456. Fiat just it ia, 589. Filiação natural, 585. Filosofia do direito (conceito), 303 e E segs.; (definição), 304; (função prá tica), 307 e segs.; (relações com as Economia, 532. disciplinas afins), 310; (método), 320 Elaboração espontânea do direito, 529; e segs.; (história), 324 e segs. e deliberada, ibid. Fins (vide Teleologia). Elementos comuns no direito dos dife Fontes do Direito, 403. rentes povos, 337, 547-548. Forma lógica, 339 e segs., 403. Elementos constantes na evolução do Força, 351 e segs. direito, 527. Equidade, 47, 56, 107. Escolástica, 64 e segs. G Escola do direito livre, 255. Escola Eleática, 33. Generalidade, 375 e segs., 366 e segs. Escola Epicúrea, 52 e segs. Geração, 574-575. Escola Estóica, 50 e segs. Gibelinos (escritores) 68 e segs. Escola histórica, 157 e segs. Grupo gentílico, 520 e segs. Escola Jónica, 32. Escola Pitagórica, 33 e segs. Escravos, 444 e segs.; 577. H Espaço atmosférico, 476. Espírito popular, 73, 406, 418-419, 464. Historicismo, 188 e segs. Estado (segundo Platão), 39 e segs.; (seg. Aristóteles), 45 e segs.; (seg. Horda, 517. Rousseau), 121 e segs.; (seg. Fichte), 145; (seg. Spencer), 241; (definição), I 517; (formação histórica), 522 e segs.; (possíveis crises e antinomias), 487 e segs. — de Direito, 497 e segs., 538 Idade de ouro, 71. Ideal do direito, 309-310, 336 e segs. e segs. (vide também Direito natural). Estado de natureza, 71, 92, 93, 461, 505-506. Ignorância da lei, 412 e segs. Impedimento, 356. Estadualidade, 492.

INDICE ANALÍTICO

627

Imperatividade, 359 e segs., 381 e segs., (vide também Imperativo ético). Imperativo ético (segundo Kant), 133, 568 e segs. Individualismo, 496 e segs. Indução, 320 e segs. Interesse, 438 e segs. Interpretação, 377, 482-483, 580 e segs. Intersubjectividade (vide Bilateralidade). Involução, 542.

Materialismo histórico, 250 ; 532 e segs. Messianismo, 284-285. Método, 320. Minimum, ético, 374. Mitologia do passado ideal, 578 (vide também Idade de ouro). Monacomarcos, 73. Moral, 135 e segs., 316, 355, 363. (vide também Deveres jurídicos e morais).

J

N

Jus gentium, 58, 59, 337, 531. Jurisdição, 408 e segs., 415-416. Juristas Romanos, 54 e segs. Jusnaturalistas, 97, 577 e segs. (vide também Direito natural). Justiça (segundo Platão), 39; (seg. Aristóteles), 45; (seg. Leibniz), 107.

Natureza humana, 558 e segs., 564 e segs., 582-583. Naturalis ratio, 56, 583. Naturalidade do direito positivo, 575. Nação, 470, 574 e segs. Negócios jurídicos, 456 e segs. Nemo judex in causa propria, 372. Normas jurídicas (diferentes espécies), 383; (permissivas), 385-386; (taxativas e dispositivas), 387; (vide também Lei). Normas técnicas, 359 e segs. Nulidade e inexistência, 586.

L Lacunas, 381 e segs. Legalidade, 587. Lei (física), 352; (jurídica), 409; (for mal), 410; (constitucional) 414; (éti« a), 495. Lei de Maine, 537. Lex naturalis (vide Direito natural). Liberdade, 117, 122, 125, 137-138, 483, 508, 535, 536, 537, 541, 542, 564, 565, 568. Liberdade dos mares, 90-91, 264, 275. Limitação do arbítrio, 528. Luta pelo Direito, 162; pela justiça, 309-310, 587 e segs. Luta pela vida, 231.

M

Maquiavelismo, 77. Mar, 475 (vide também Liberdade dos mares).

O Obrigatoriedade dos pactos, 87, 505. Obrigações naturais, 585-586. Observância, 357. Ocupação bélica, 476. Opinio juris, 405. Ordália, 526. Ordenamentos jurídicos estaduais e não estaduais, 485 e segs.; interestaduais, 509 e segs. Organismo, 463, 562 e segs. Organização das Nações Unidas, 510. Organizações sindicais, 489. Orientação objectiva e subjectiva, 565 e segs. Origem do direito, 326, 515 e segs.

628

LIÇÕES DE FILOSOFIA DO DIREITO P

Particularidade e universalidade do direito, 565 e segs. Patriarcado, 517 e segs. Patrística, 62. Pessoa 442 e segs., 565, 571 e segs. Pessoas jurídicas, 445 e segs. Povos selvagens, 516. Povo, 470 e segs. Positivismo, 186, 217, 570 e segs. Positividade, 324 e segs., 403, 512 e segs. Primado da lei, 484. Princípios gerais do direito, 380, 573 e segs. Princípio ético, 355, 566 e segs. Progresso, 141, 179, 531-532, 539 e segs. Promulgação, 411. Psicologia, 312 e segs. Publicação da lei, 411 e segs.

R Relação jurídica, 442. Realismo, 343; realismo empírico, 545 e segs. Rebus sic stantibus, 503. Relações entre Direito e Estado, 485 e segs. Religião, 32, 358, 558 (vide também Teologismo). Renascimento, 74 e segs. Revolução, 101,123, 125, 308, 587 e segs.

S Sentimento jurídico, 306, 553 e segs., 573. Sistema regulador, 355. Soberania (segundo Bodin), 79; (seg. Rousseau), 123.

Sobrevivências, 326-327 Sociedade, 459 e segs., dos Estados, 505 e segs., de animais, 462. Sociedade das Nações, 510-511. Sociologia, 219-220, 315 e segs. Sofistas, 34 e segs., 545. Sujeitos de direito (vide, Pessoa, Pes soas jurídicas). Status (regime do), 537, 581.

T Talião, 521. Teleologia, 11, 357 e segs. 562. Teologismo, 76, 550, 558. Território, 473 e segs. Tesmoforos, 407. Torto, 353 e segs. Tribunal constitucional, 416 e segs.

U Ubi homo, ibi ius, 375. Universais (problema dos), 341 e segs. Utilitarismo, 52 e segs., 133, 139, 226 e segs., 234 e segs, 554 e segs.

V Vacatio legis, 412. Variedade dos direitos positivos, 332, 338, 545 e segs. Vindicta, 521 e segs., 548. Vim vi repellere licet, 437. Vínculo jurídico, 477, 502 e segs. (vide Relação jurídica). Violabilidade do direito, 350-351, 353-354, 575. Vontade do Estado, 502 e segs. Vontade social preponderante, 404.

Obras do Autor

L'evoluzione delVospitalità (Roma, 1902). II sentimento giuridico (2.* ed., Turim, 1908). L'Etica evoluzionista. Nota crítica (Roma, 1902). La Dichiarazione dei diritti dell'uomo e del cittadino nella rivoluzione francese (Genova, 1903). Direitto e personalita umana nella storia del pensiero (3.* ed., Bolonha, 1917). II comunismo giuridico del Fichte. Nota crítica (Roma, 1905). I presupposti filosofici della nozione del diritto (Bolonha, 1905). II concetto del diritto (2.* ed., Bolonha, 1912). Su la teoria del contralto sociale (Bolonha, 1906). II concetto della natura e il principio del diritto (2.* ed., Bolonha, 1922). Sull’idea di una scienza del diritto universale comparado (2.* ed., Turim, 1909). Un punto controverso nella storia delle dottrine politiche. Nota crítica (Roma, 1909). Tra il Burlamachi e il Rousseau. Nota crítica (Ortona em Mare, 1910). Note romagnosiane (Génova, 1910). II fenomeno della guerra e Videia della pace (2.* ed., Turim, 1911). Sulla positività come caracttere del diritto (Modena, 1911). La comunicabilità del diritto e de idee del Vico (Trani, 1911). Sui caratteri fondamentali della Filosofia del Rousseau (3.* ed., Génova, 1914). Le valli della morente italianità — // «Ladino» al bivio(Roma, 1912). Effetti morali del terramoto in Calabria secondo FrancescoMario Pagano (Bolo nha, 1914). Le ragione morali della nostra guerra (6.* ed., Cidade de Castelo, 1916). Sui principt general del diritto (Modena, 1921). Moderne concezioni del diritto (Génova, 1921). La giustizia (4.* ed., Roma, 1951). Sulla stadualità del diritto (Milão, 1928). La Société des Nations au point de vue de la Philosophie du droit international (Paris, 1931). Stato e società degli Stati (Roma, 1932). La crisi della scienza del diritto (2.* ed., Roma, 1934). La crisi dello Stato (2.* ed., Roma, 1934). Individuo, Stato e corporazione (Roma, 1934). Etica, diritto e Stato (Roma, 1934). 11 problema delle fonti del diritto positivo (2.* ed., Roma, 1938). Giustizia e diritto (Roma, 1934). Diritto ed economia (Roma, 1935; nova ed., com uma Postilla, 1954). Saggi intorno alio Stato (Roma, 1935). Giandomenico Romagnosi nelprimo centenário della sua morte (3.* ed., Roma, 1938).

632


L'«homo juridicus» e Vinsufficienza dei diritto come regola della vita (Roma, 1936). Ricordando Alberico Gentili (2.a ed., Roma, 1937; nova ed., com o tit.: Sulle vicende postume di A. Gentili, 1956). Pacifismo (2.* ed., Roma, 1937). Riforma del Codice civile e principi genèrali dei diritto (2.* ed., Roma, 1938). Giurisprudenza e colonie (Roma, 1937). Prime linee di una Filosofia deli'umorismo (Roma, 1937). Sulla comunicabilirà dei diritto (Roma, 1938). Evoluzione ed involuzione nel diritto (3.* ed., Roma, 1945). La parola di Pio XII e i giuristi (Roma, 1944). Una nuova persecuzione contro un perseguitato (Roma, 1945). Sul fondamento delia giustizia penale (Roma, 1945). La verità nella morale e nel diritto (3.* ed., Roma, 1954). Materialismo e psicologismo storico (3.a ed., Roma, 1956). Sui vari significati delia teoria dei contrato sociale (2.* ed., Roma, 1956). Dispute e conclusioni sul diritto naturale (2.* ed., Roma, 1953). Note groziane (Milano, 1950). Vunità dello spirito umano come base delia comparazione giuridica (2.* ed., Roma, 1953). Nota sul risarcimento del danno in relazione alia pena (Pádua, 1950). Essenza dei diritto naturale (2.a ed., Roma, 1954). Sul diritto agrario (Firenze, 1952). Intorno agli Stati Uniti d'Europa (2.* ed., Roma, 1953). Sulla politicità dei diritto (2.* ed., Roma, 1955). Poesi (Roma, 1953). Sulla universalità del pensiero di Dante (2.* ed., Roma, 1954). Lo Stato (Roma, 1953). Sui diritti delVuomo (2.* ed., Roma, 1956). Mutabilità ed eternità dei diritto (Milão, 1954). Giustizia divina e giustizia umana (Milão, 1955). A proposito di cronache di Filosofia italiana (Milão, 1955). Alto Adige terra italiana (2.‘ ed., Roma, 1956). II diritto intemazionale e il problema della pace (Roma, 1956). Libertà, moralità e cultura (A proposito delVinsurrezione ungherese) (Roma, 1957). Diritto, società e solitudine (Torino, 1957). L'ideale cosmopolitico e il problema deli'unificazione europea (Milão 1957). II problema dei fondamento delia giustizia penale ed una sua possibile soluzione (Milão, 1958).

OBRAS DO AUTOR EM COLABORAÇÃO UUniversità di Roma (Roma, 1927). I problemi delia Filosofia dei diritto nel pensiero dei giovani. Dieci anni di Esercitazioni ne/l' Università di Roma (1926-1935) (Roma, 1936). Id., Vol. II: Le Esercitazioni negli anni 1935-1935 (Milão, 1955).

ÍNDICE GERAL

Págs. Prefácio de

L. Cabral de Moncada....................................................................... 7

Duas palavras do Tradutor.................................................................................. 17

Prefácio do

Autor à 7.‘ edição italiana (1950)

19

Prefácio da

8.’ edição........................................................................................ 21

Prefácio da presente 10.' edição......................................................................... 23

Bibliografia.......................................................................................................... 25

PARTE HISTÓRICA

História da Filosofia do Direito

Considerações preliminares................................................................................. 31

A Filosofia grega.................................................................................................. 32 Primórdios................................................................................................... 32 Os Sofistas................................................................................................... 34 Sócrates....................................................................................................... 36

Platão.................................................................................................................................. 39

636

INDIOE GERAL


Págs.

Págs. Aristóteles.................................................................................................... 44

637

— Historicismo Filosófico ou idealismo objectivo (Schelling, Heoel) 151 — Historicismo jurídico ou Escola histórica do Direito........................ 157

Escola Estóica.............................................................................................. 50 A Escola Epicúrea........................................................................................ 52 Os juristas romanos............................................................................................. 54

Resumo da moderna Filosofia do Direito na Itália............................................... 164 De Vico até cerca de 1870 (Filangieri, Romagnosi, Rosmini, etc.) . . .

164

De 1870 a nossos dias (Ardigo, Vanni, Petrone, etc.)................................... 185 O Cristianismo e a Filosofia do Direito na Idade Média........................................ 59 A Patrística................................................................................................... 62 A Escolástica................................................................................................ 64 Os Escritores Gibelinos e a Doutrina Contratualista.....................................

68

O Renascimento................................................................................................... 74 A Filosofia do Direito na Idade Moderna............................................................... 77

Resumo da moderna Filosofia do Direito em outros países.................................. 215 A Filosofia do Direito na França, Bélgica, etc., nos tempos mais recentes (séculos XIX e XX)...................................................................................... 215 A Filosofia do Direito na Inglaterra e nos Estados Unidos da América do Norte nos tempos mais recentes........................................................................... 226

A Filosofia do Direito na Alemanha, Austria e Suíça nos tempos recentes . .

246

Machiavelli e Bodin...................................................................................... 77 A Filosofia do Direito na Espanha e na América Latina, Portugal, Roménia,

Grócio e outros escritores do seu tempo (Gentili, Suarez, Selden, etc.) 81

Hungria, Grécia, Holanda, Escandinávia, Finlândia, etc.............................. 259

Hobbes......................................................................................................... 91 Spinoza........................................................................................................ 94 Pufendorf e outros jusnaturalistas............................................................. Locke e outros escritores ingleses (Hooker, Sidney, Hume, etc.) . .

Escorço da Filosofia do Direito na Polónia, Rússia, Checoslováquia, Jugoslávia, Bulgária e Turquia...................................................................................... 283

97 100

Nota..................'................................................................................................ 300

Leibniz, Tomásio, Wolf............................................................................... 105 Vico e Montesquieu.................................................................................... 112 Rousseau e outros escritores da mesma época. A declaração dos direitos do homem e do cidadão...................................................................... 119 Kant........................................................................................................... 126

PARTE SISTEMÁTICA

Introdução Conceito e tarefas da Filosofia do direito............................................................ 303 Filosofia e ciência do direito....................................................................... 303

Fichte e a Escola de Direito Racional......................................................... 142 As três investigações da filosofia do direito; definição desta....................... 304 O Historicismo........................................................................................... 148 — Historicismo Político ou Filosofia da Restauração........................... 148

Nexo entre as três investigações. Função prática....................................... 307

638

INDICE GERAL


639

Págs. Filosofia do direito e direito natural......................................................... 309 Relações entre a Filosofia do Direito e as disciplinas afins................................. 310

Págs. Análise do conceitodo Direito............................................................................ 345 O direito como critério valorativo do operar. A acção humana e os seus elementos.......................................................................................... 345

Relações da Filosofia do Direito com a Jurisprudência............................... 310 As chamadas acções internas e externas.................................................. 347

Relações com a

Filosofia Teorética.......................................................... 312

Relações com a

Psicologia....................................................................... 312

Relações com a

Filosofia moral................................................................ 314

O pretenso «direito do mais forte»............................................................. 351

Relações com a

Sociologia....................................................................... 315

Lei física e lei jurídica............................................................................... 352

Relações com outras Ciências . ................................................................ 319

Direito e torto........................................................................................... 353

Metodologia geral e método da Filosofia do Direito............................................. 320

Relações entre direitoe moral........................................................................... 355

Indução e dedução..................................................................................... 320

Direito e força........................................................................................... 350

Sistema ético e suas partes: moral e direito.............................................. 355

Conhecimento empírico (a posteriori) e racional (a priori)............................ 322 O costume e as várias espécies de normas............................................... 356 Métodos da Filosofia do Direito.................................................................. 324 Normas éticas (morais e jurídicas) e normas

técnicas........................... 359

Método genético e método comparativo...................................................... 326 A comunicabilidade do direito.................................................................... 328

Definição do direito.................................................................................. 363 Relações constantes e coerência entre moral

Secção I O CONCEITO DO DIREITO Preliminares...................................................................................................... 331 Necessidade de uma definição.................................................................... 331 Atitude céptica........................................................................................... 332 A ideia do direito natural............................................................................ 334

O problema da distinção entre a moral e o

edireito........................... 363 direito................................. 366

Dedução dos caracteres diferenciais......................................................... 370 O Direito em sentido objectivo........................................................................... 375 Distinção entre direito objectivo e direito subjectivo................................. 375 Caracteres do direito objectivo.................................................................. 376 O problema da interpretação. Função da equidade e dos princípios gerais

377

Distinção entre conceito e ideal do direito.................................................. 336

do direito...........................................................................................

Os elementos comuns do direito................................................................ 337

Imperatividade.......................................................................................... 381

Forma e conteúdo do direito....................................................................... 339

Classificação das normas jurídicas.......................................................... 383

O problema dos universais........................................................................ 341

Normas taxativas e normas dispositivas................................................... 387

640

ÍNDICE GERAL


641 Págs.

Págs. Direito público e direito privado................................................................. 390

A hipótese do «estado de natureza»............................................................ 461

Os destinatários das normas jurídicas....................................................... 392

Sociedade humana e sociedade animal...................................................... 462 Concepção mecânica e concepção orgânica

dasociedade........................ 463

A coercibilidade do Direito.................................................................................. 394 Valor e limites da concepção orgânica........................................................ 465 Fontes do direito positivo................................................................................... 403 O Estado........................................................................................................... 468 Conceito de direito positivo e desuas fontes............................................... 403 Conceito de Estado. Seus elementos.......................................................... 468 O costume e seus elementos...................................................................... 405 O Povo........................................................................................................ 470 A jurisdição................................................................................................ 408 Povo e Nação.............................................................................................. 470 A lei............................................................................................................ 409 O Território................................................................................................ 473 Lei formal e lei material.............................................................................. 410 Vínculo jurídico e soberania....................................................................... 477 Promulgação e publicação da lei................................................................ 411 Constituição e divisão de poderes.............................................................. 478 Leis Constitucionais e Leis Ordinárias. Controle da Constitucionalidade da Lei.................................................................................................. 414

A função judiciária e a Escola do direito

Relações entre costume e lei...................................................................... 418

Primado da lei............................................................................................ 484

Decretos e Regulamentos........................................................................... 424

livre...................................... 482

Relações entre Direito e Estado.......................................................................... 485

Ciência do Direito....................................................................................... 428 Os Tratados internacionais........................................................................ 430 O Direito subjectivo............................................................................................ 432

Os fins do Estado e o Estado-de-Direito.................................................... 496 Estado e Sociedade dos Estados.............................................................. 502 Vontade do Estado e vínculo jurídico......................................................... 502

Elementos do direito subjectivo.................................................................. 433 Necessidade e fundamento da relação de sociabilidade entre os Estados 505 Direito e interesse...................................................................................... 438 Relação jurídica e sujeitos de direito.......................................................... 442

O postulado da sociedade universal dos Estados e os acordosparticulares 509 A comunidade internacional e os diversos graus de positividade

. .

. 510

Pessoas jurídicas........................................................................................ 445 Secção II

Factos, Actos e Negócios Jurídicos............................................................. 456 A Sociedade...................................................................................................... 459 Necessidade da sociedade para o homem................................................... 459

ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO Considerações metodológicas

515

642

INDICE GERAL


643 Págs.

Págs. Formação histórica do Direito e do Estado.......................................................... 517

O primado do «eu» como subjectividade, em geral, e o imperativo

ético 567

517

Princípios da moral e do Direito........................................................ 570

Organização do grupo gentílico................................................................... 520

A naturalidade do direito positivo e o direito natural........................ 575

Vindicta e composição............................................................................... 521

Erros dos jusnaturalistas antigos e dos modernos positivistas . . . .

Passagem à fase super-gentílica; formação do Estado................................ 522

Advento do direito natural e natureza heterogénea dos fins....................... 580

Diferenciação progressiva do Direito........................................................... 526

Relações entre o direito natural e o direito positivo.......................... 582

Horda, matriarcado, patriarcado..................................................................

Caracteres da evolução histórica do Direito....................................................... 527 Elementos constantes................................................................................ 527 Aspectos característicos da evolução jurídica............................................. 529 Crítica do materialismo histórico ou determinismoeconómico . . . .

532

Lei de Maine.................................................................................................

537

O progresso jurídico.............................................................................................

539

577

O respeito da legalidade e a luta pela justiça.................................... 587 Tábua das Notas........................................................................................ 591 índice dos Autores...................................................................................... 603 índice Analítico.......................................................................................... 623 Obras do Autor........................................................................................... 629 Obras do Autor em colaboração................................................................. 632 índice Geral................................................................................................ 633

Secção 111 FUNDAMENTO RACIONAL DO DIREITO O Sentimento Jurídico.......................................................................................... Teorias do cepticismo e do realismo

542

empírico.......................................... 545

Teoria do historicismo .................................................................................

549

Teoria do teologismo................................................................................... 550 Teoria do utilitarismo...................................................................................

554

A natureza humana como fundamento do Direito............................................... 558 índole e limites da investigação.................................................................. 558 Concepção causal e teleológica daNatureza.............................................. 559 Determinismo e liberdade......................................................................... 565

Composto e Impresso na Tipografia Guerra — Viseu

292714100 Licoes de Filosofia Do Direito Giorgio Del Vecchio.pdf

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