Aplicações
de Vygotsky à educação matemática Lúcia Moysés Dados Internacionais do Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Moysés, Lucia Aplicações de Vygotsky à educação matemática / Lucia Moysés. - Campinas, SP: Papirus, 1997.- (Coleção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico) Bibliografia. ISBN 85-308-0464-3 1. Mate Matemá máti tica ca - Est Estud udo o e ensi ensino no 2. Peda Pedago gogi gia a 3. 3. Prá Práti tica ca de ensi ensino no 4. Psicologia educacional 5. Vygotsky, Lev Semenovich, 1896-1 934 1. Título II. Série. DIREITOS RESERVADOS PARA A LÍNGUA PORTUGUESA: O M.R. Comacchia livraria e Editora Ltda.- Papirus Editora Fone/fax: (19) 32 3272-4500 - Campinas - São Pa Paulo - Brasil. E-mail: editora O papirus.com.br - www.papirus.combr SUMARIO
APRESENTAÇÃO 7 INTRODUÇÃO 9 Educ Educaç ação ão e as as exig exigên ênci cias as da da atua atualid lidad ade e 9 1. O ENFOQUE SÓCIO-HISTÓRICO DA PSICOLOGIA 19 Vyg Vygotsky: O homem e a ta tarefa 20 Pr Principais marcos teóricos 23 As Aspectos teóricos complementares 41 2. O CO CONHECIMENTO MA MATEMÁTICO E A TE TEORI ORIA SÓ SÓCIO-HISTÓRICA: PONTOS DE DE AP APROXIMAÇÃO 59 Tendências at atuais no no en ensino da da ma matemática 61 Contex Contextua tualiz lizar ar a matemá matemátic tica: a: O grande grande desafi desafio o para o profe professo ssor r 65 Contextualiz Contextualização ação com ênfase ênfase na cognição cognição 73 O componente imaginativo-visual do pensamento: Aspectos a considerar 79 3. A CO CONFIGURAÇÃO DO DO TR TRABALHO: AS ASPECTO CTOS ME METODOLÓGICOS 83 83 Circunstâncias que originaram a pesquisa 83 Refere Referenci ncial al metodo metodológ lógico ico: : Pesquisa Pesquisa-aç -ação ão e trabalh trabalho o em parceri parceria a 84 Cons Constr trui uind ndo o a parc parcer eria ia prof profes esso sor/ r/pe pesq squi uisa sado dor r 86 O cenário da pesquisa 89 A din dinâm âmic ica a da da pes pesqu quis isa a 93 Organização dos dados para sua anál nálise e discussão 97 4. APROXIMAÇÕES TEORIA/PRÁTICA: ANÁLIS LISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 99 Visão geral do processo pedagógico: Uma descrição 99 Relação entre a teoria sócio-histórica e a aquisição de conhecimento: Analisando o processo 105 Relação entre a orientação teórica e o desenvolvimento mental dos alunos 130 Pont Pontos os crí críti tico cos s 159 159 REFLEXÕES FINAIS 161 Principais evidências 161 Considerações a propósito da aplicação da teoria à realidade brasileira 162 Pers Perspe pect ctiv ivas as para para a prá práti tica ca peda pedagóg gógic ica a fut futur ura a 163 163 Extrapolando os resultados 164 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 167
APRESENTAÇÃO Como todo produto da atividade humana, também esta obra traz as marcas do seu tempo. Paradigmas contestados, certezas abaladas, verdades desacreditadas. São momentos dificeis estes por que passam as ciências neste final de século.
Area do conhecimento construída com a íntima participação de saberes científicos, a educação vê refletidos no seu interior cada tremor e cada abalo nos campos que lhe são afins. No entanto, mais do que uma crise na educação incontestável - vivemos uma crise de valores. Aguda e dolorosa. Mas como em toda crise, acredito - e assim espero - que também esta traga em si os germes da superação. E aqui já estou desvelando outra marca deste trabalho, que nada mais é do que uma marca pessoal. Minha. Fruto da minha história. É a marca da crença no poder de transformação do trabalho solidário. A marca do meu compromisso com a educação. A marca do meu entusiasmo, tantas vezes posto à prova. É um trabalho que tem por objeto de estudo a própria relação teoria/prática. No caso, a teoria sócio-histórica da psicologia. 7 Pg Tendo sido elaborada na antiga União Soviética, entre as décadas de 1920 e 1930, a partir dos estudos de Lev Semenovich Vygotsky, esta teoria vem recentemente penetrando os meios educacionais dos mais diferentes países. Inúmeros estudos analíticos vêm sendo feitos com o objetivo de identificar seus pontos fortes, suas potencialidades e suas lacunas. Data de 1984 a primeira edição brasileira do seu livro A formação social da mente, e de 1987 o Pensamento e linguagem. Ao considerar que a mente humana é social e culturalmente construída, esta teoria abriu novas perspectivas de análise do próprio processo de construção de conhecimento. E esse processo, visto por tal enfoque, o aspecto central desta obra. Contraponho à teoria, uma prática levada a efeito em uma escola pública de ensino fundamental na forma de uma pesquisa qualitativa. Sendo prática, foi tarefa que se fez com inúmeras colaborações. A primeira e fundamental foi a dos professores Antônio Espósito e Beatrix Pinagel Lucas e seus alunos do Colégio Estadual "Paulo de Assis Ribeiro" (Cepar). Parceiros inestimáveis, tornaram-se cúmplices nessa travessia. Não menos importante foi a colaboração de Zulma Amaral Hoffmann e Mansa Calheiros Alvarenga, ambas da diretoria do Cepar, companheiras de luta e de ideal, que prontamente me acolheram. O meu reconhecimento, também, às professoras da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense: Tarcila Oliveira Aguiar, Léa Maria Gusmão Thomaz de Aquino, Maria das Graças Gonçalves e Maria Antonieta Pirrone pela colaboração na fase inicial da pesquisa aqui relatada, e Dominique Colinvaux de Dominguez, interlocutora atenta e generosa. Externo a todos os meus sinceros agradecimentos. 8 Pg INTRODUÇÃO Educação e as exigências da atualidade A trajetória da educação brasileira vem sendo marcada, nas últimas décadas, por posições que se contrapõem umas às outras. A que vemos emergindo, no momento, é voltada para a questão do ensino. Melhorar a qualidade é a bandeira defendida, hoje, por governantes, educadores, técnicos e especialistas em educação. É movimento que não conhece fronteiras, porque, longe de ter surgido para dar respostas a questões locais, nasce das novas necessidades do capital internacional. Dos muitos olhares que a questão permite, um deles passa necessariamente pelo campo da questão específica do ensino e da aprendizagem. Ou seja, uma das exigências para se alcançar um elevado nível de qualidade na educação é aprimorar o conhecimento sobre esse processo de forma a torná-lo mais capaz de responder às exigências deste novo tempo. Muitas são as áreas do conhecimento chamadas a dar sua contribuição nesse sentido. A da psicologia da educação é uma delas. O conhecimento teórico que nela vem se acumulando ao longo dos anos sobre os processos de aprender e ensinar encerra inúmeras sugestões para 9 Pg
Area do conhecimento construída com a íntima participação de saberes científicos, a educação vê refletidos no seu interior cada tremor e cada abalo nos campos que lhe são afins. No entanto, mais do que uma crise na educação incontestável - vivemos uma crise de valores. Aguda e dolorosa. Mas como em toda crise, acredito - e assim espero - que também esta traga em si os germes da superação. E aqui já estou desvelando outra marca deste trabalho, que nada mais é do que uma marca pessoal. Minha. Fruto da minha história. É a marca da crença no poder de transformação do trabalho solidário. A marca do meu compromisso com a educação. A marca do meu entusiasmo, tantas vezes posto à prova. É um trabalho que tem por objeto de estudo a própria relação teoria/prática. No caso, a teoria sócio-histórica da psicologia. 7 Pg Tendo sido elaborada na antiga União Soviética, entre as décadas de 1920 e 1930, a partir dos estudos de Lev Semenovich Vygotsky, esta teoria vem recentemente penetrando os meios educacionais dos mais diferentes países. Inúmeros estudos analíticos vêm sendo feitos com o objetivo de identificar seus pontos fortes, suas potencialidades e suas lacunas. Data de 1984 a primeira edição brasileira do seu livro A formação social da mente, e de 1987 o Pensamento e linguagem. Ao considerar que a mente humana é social e culturalmente construída, esta teoria abriu novas perspectivas de análise do próprio processo de construção de conhecimento. E esse processo, visto por tal enfoque, o aspecto central desta obra. Contraponho à teoria, uma prática levada a efeito em uma escola pública de ensino fundamental na forma de uma pesquisa qualitativa. Sendo prática, foi tarefa que se fez com inúmeras colaborações. A primeira e fundamental foi a dos professores Antônio Espósito e Beatrix Pinagel Lucas e seus alunos do Colégio Estadual "Paulo de Assis Ribeiro" (Cepar). Parceiros inestimáveis, tornaram-se cúmplices nessa travessia. Não menos importante foi a colaboração de Zulma Amaral Hoffmann e Mansa Calheiros Alvarenga, ambas da diretoria do Cepar, companheiras de luta e de ideal, que prontamente me acolheram. O meu reconhecimento, também, às professoras da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense: Tarcila Oliveira Aguiar, Léa Maria Gusmão Thomaz de Aquino, Maria das Graças Gonçalves e Maria Antonieta Pirrone pela colaboração na fase inicial da pesquisa aqui relatada, e Dominique Colinvaux de Dominguez, interlocutora atenta e generosa. Externo a todos os meus sinceros agradecimentos. 8 Pg INTRODUÇÃO Educação e as exigências da atualidade A trajetória da educação brasileira vem sendo marcada, nas últimas décadas, por posições que se contrapõem umas às outras. A que vemos emergindo, no momento, é voltada para a questão do ensino. Melhorar a qualidade é a bandeira defendida, hoje, por governantes, educadores, técnicos e especialistas em educação. É movimento que não conhece fronteiras, porque, longe de ter surgido para dar respostas a questões locais, nasce das novas necessidades do capital internacional. Dos muitos olhares que a questão permite, um deles passa necessariamente pelo campo da questão específica do ensino e da aprendizagem. Ou seja, uma das exigências para se alcançar um elevado nível de qualidade na educação é aprimorar o conhecimento sobre esse processo de forma a torná-lo mais capaz de responder às exigências deste novo tempo. Muitas são as áreas do conhecimento chamadas a dar sua contribuição nesse sentido. A da psicologia da educação é uma delas. O conhecimento teórico que nela vem se acumulando ao longo dos anos sobre os processos de aprender e ensinar encerra inúmeras sugestões para 9 Pg
se alcançar essa melhoria. E mais: em um processo dinâmico, aponta sugestões, também, pana o campo da pesquisa pedagógica, encaminhando, assim, novas buscas. Este livro nasceu sob esta dupla inspiração: a do conhecimento teórico e a da prática da pesquisa. Foi conhecendo o enfoque sócio-histórico da psicologia e estudando as idéias dos seus principais teóricos que comecei a perceber o seu potencial pana a prática pedagógica. Mas foi no exercício da pesquisa, no interior das escolas de ensino fundamental, observando a realidade concreta das nossas salas de aula, que me veio a convicção de que era preciso submeter aquele conhecimento teórico ao crivo da pesquisa científica (Moysés 1994a, 1994b). Assim, tecendo teoria e prática, fui lentamente me aproximando do seu objeto de estudo, até chegar ao seu recorte final. Por um lado, tinha um acúmulo de sugestões teóricas que acenavam com ricas possibilidades de aplicação no campo da prática pedagógica. Isso me inclinava para a realização de uma pesquisa em que pudesse colocar em prática tais fundamentos teóricos. Por outro, conhecendo de perto as nossas escolas públicas de ensino fundamental, convivendo no seu dia-a-dia, não ignorava as suas principais necessidades. Por isso, sabia da sua urgência em encontrar soluções pana seus problemas mais emergenciais. Ou seja, tinha clareza de que essa escola espera que o pesquisa-dor seja um aliado na busca de soluções pana algumas de suas questões imediatas. Isso era, sem dúvida, algo verdadeiramente instigante: trabalhar na construção do conhecimento e, ao mesmo tempo, colaborar com a escola no enfrentamento de suas dificuldades. Assumindo esse desafio, procurei investigar possíveis aplicações da corrente sócio-histórica da psicologia no ensino da matemática pana alunos da 5º série do ensino fundamental, numa escola da rede pública.' 10 Pg Nas últimas décadas, o estudo desse enfoque teórico vem paulatinamente despertando o interesse de pesquisadores de diferente áreas. Muitos dos seus princípios vêm sendo objeto de estudos com relação à questão pedagógica, uma vez que há certa unanimidade quanto ao reconhecimento do seu valor para a educação (Petrovski 1980; Wertsch 1985; 1988; Mellin-Olsen 1986; Forman e Cazden 1988; Bogayavlensky e Menchinskaya 1991; Kostiuk 1991; Freitas 1992; Valsiner 1993; Braslavsky 1993). No Brasil, a sua penetração se dá com uma crescente intensidade e de uma forma cada vez mais disseminada. Tanto nas Faculdades de Educação e de Psicologia, quanto em Secretarias de Educação (SEF/SP; SME/SP; SME/RJ) ou em Centros de Estudos (como o da Escola da Vila, em São Paulo), há grupos empenhados nessa área de estudos e pesquisas. Hoje, a julgar pela literatura atualizada em psicologia que nos chega do exterior, não seria exagerado afirmar que há mesmo um entusiasmo geral acerca das idéias contidas nesse enfoque teórico. Além das pesquisas nele inspiradas já se avolumam as que se constituiram em seus desdobramentos. Nesse sentido, destacam-se nos Estados Unidos os trabalhos de B. Rogoff, J. Wertsch, M. Cole es. Scribner, J. Valsiner entre outros. Ampliando e aprofundando os estudos brasileiros acerca dessa perspectiva teórica, vou até o interior da escola de ensino fundamental e, de lá, procuro tirar lições visando à melhoria da qualidade do ensino. Tendo em vista que nesta perspectiva teórica é atribuída singular importância às questões relativas à aprendizagem, tive minha atenção voltada para as particularidades desse processo, sem ignorar, é claro, que existem inúmeros outros fatores que direta ou indiretamente o afetam. Sem ignorar, tampouco, que tratar da melhoria da qualidade do ensino por 11 Pg meio do estudo desse processo, em especial, não irá determinar, de fato, essa melhoria. O que em geral ocorre é que, ao se trabalhar as questões do processo de ensino e
aprendizagem, acaba-se fechando o foco da atenção sobre o que se passa no interior da escola. Ou seja, corre-se o risco de se realizar um trabalho com uma visão microssocial da educação. No entanto, não se pode ignorar que a ênfase sobre a necessidade de se chegar a esse nível de detalhamento surgiu exatamente do extremo oposto. Da visão macrossocial da educação. É ela, com efeito, quem orienta e dá sentido às práticas que se realizam no interior da escola. Especialmente hoje, quando a tendência para a interdisciplinaridade se impõe nos meios educacionais (Sá-Chaves 1989; Forquin 1993), pretender fazer um trabalho no interior de uma escola, ignorando o que lhe vai ao redor, seria, no mínimo, ter uma visão estreita do fenômeno educativo. Assim considerando, quero começar equacionando as possíveis explicações para a atual emergência dessa preocupação com a qualidade na educação. Desvelando-as, será mais fácil compreender os desafios que a emergência dessa preocupação enceira bem como - e principalmente - os interesses que a impulsionam, seus riscos e armadilhas. Proceder à leitura macrossocial significa percorrer de alguma forma os caminhos da sociologia da educação, entender como vêm sendo interpretadas as relações entre escola e sociedade. Visão micro e macrossocial do fenômeno educativo: Pólos complementares. Coerente com uma perspectiva interdisciplinar, julgo fundamental, para análise e compreensão mais global do fenômeno educativo, abordar alguns temas da sociologia da educação, antes mesmo de passar às questões específicas da psicologia educacional. O funcionalismo tem sido considerado um ponto de partida por muitos estudiosos que se dedicam à análise das relações entre escola e 12 Pg sociedade (Giroux 1983; Isambert-Jamati 1986; Dandurand e Olivier 1991; Forquin 1993). No Brasil, acredito que a maioria dos estudantes de pedagogia que, como eu, fez a sua formação na década de 1960, sofreu a sua influência. Estudando as idéias de Talcott Parsons, aprendeu que a escola é uma instituição neutra, capaz de pôr fim às desigualdades sociais que se verificam no seio das sociedades. À educação, nessa perspectiva, cabia a socialização das jovens gerações por meio da transmissão de normas, valores e saberes que asseguravam a integração social. Recusando-se a analisar criticamente as relações entre a escola e a sociedade, questões como a do desenvolvimento econômico e da complexidade cada vez maior da divisão social do trabalho foram, a princípio, deixadas de lado. Nessa perspectiva, conflito e luta são sempre, no dizer de Giroux (1983, p. 31), uma "ausencia presente". Foram as próprias exigências vindas da sociedade que começaram a impor uma certa mudança nessa visão funcionalista da educação. Os avanços tecnológicos e a expansão econômica dos anos 60 propiciaram o surgimento de pressões para que a escola tivesse um caráter mais voltado para as necessidades do capital. Houve, então, um deslocamento da ênfase no papel da educação. Privilegiando as exigências de uma sociedade tecnocrática, o sistema educacional passou a adotar preocupações com a qualificação técnica e profissional visando à formação de quadros, bem como com a mobilidade da mão-deobra. O que estava em Jogo, pois, nessa visão funcional-tecnocrática da educação era a adaptação às exigências do mercado. Para melhor analisar o panorama que hoje se apresenta para a educação - no qual a busca da qualidade é uma tônica -, é importante voltar ao momento em que começaram os primeiros movimentos a favor de uma leitura crítica do funcionamento da sociedade e de uma definição da questão escolar em termos de uma economia política da educação. Esse momento de inflexão, marcado pela teoria do capital humano, ocorreu paralelamente à visão funcionalista-tecnocrática da educação (Dandurand e Olivier 1991). 13 Pg À educação, vista sob essas duas óticas, é atribuída uma dupla legitimidade: é
alavanca a impulsionar o progresso econômico e instrumento de equalização de oportunidades, bens e serviços. Os intensos movimentos sociais que eclodiram em diferentes países no final da década de 1960, revelando conflitos de classe, raciais, culturais e entre nações, bem como o agravamento, em nível mundial, de uma forte crise econômica, exarbando disparidades, forçam a emergência de uma nova teoria sobre as relações entre escola e sociedade: a teoria da reprodução. Esta perspectiva teórica nasce baseada em estudos de Bourdieu e Passeron, Althusser, Baudelot e Establet, e de Bowles e Gintis. Os primeiros, com uma tendência mais culturalista" e os últimos, mais voltados para os aspectos da "economia política" (Dandurand e Olivier 1991). Ainda que mantivessem diferenças entre si, esses estudos tinham em comum o fato de negar a neutralidade da educação e de se dedicarem a analisar a forma como o poder é usado para servir de mediação entre a escola e os interesses do capital. Focalizavam suas análises sobre a maneira com que a escola reproduz não só as relações sociais, como também as atitudes necessárias para manter as divisões sociais do trabalho, mantendo assim as relações de produção existentes. Tais estudos buscaram desvelar os mecanismos de dominação e as formas pelas quais eles se fazem presentes no interior da escola: manipulando e moldando consciências. Assim, segundo eles, plasmando subjetividades diferenciadas em virtude das classes sociais, a escola participa na formação e na consolidação da nova ordem social. Hoje, decorridos mais de 20 anos desde o aparecimento do primeiro desses trabalhos, há uma certa unanimidade quanto ao reconhecimento do seu valor. E inegável que eles ofereceram uma visão mais crítica das 14 Pg relações entre a educação e a sociedade. Isso, no entanto, não impede que sejam percebidas suas limitações e apontadas suas restrições. (Giroux 1983; Young 1986; Silva 1990). Tais restrições são ainda mais acentuadas quando se trata de fazer uma transposição para o caso brasileiro (Whitaker 1991). No bojo do enfoque reprodutivista da educação, a teoria de Bourdieu e Passeron, ao contrário das demais, não percebe a escola como instância de inculcação de valores e modos de pensamento dominantes. O que enfatiza é, principalmente, o fato de essa instituição ser palco de conflitos culturais ligados à transmissão de conhecimentos. Segundo afirmam aqueles autores, ao usar conhecimentos e linguagens próprios das classes dominantes, a escola propicia que apenas os estudantes já familiarizados com esse tipo de cultura nela tenham êxito. Os demais vão sendo excluídos em virtude das suas diferenças culturais (Bourdieu e Passeron 1975). Ou seja, é uma teoria que, priorizando o aspecto cultural, também começa a se interessar pelo sujeito. Na tentativa de recompor o complexo quadro que se iniciou com as críticas feitas às teorias reprodutivistas e que chega até os dias atuais, Dandurand e Olivier (1991) começam por destacar essa ênfase na cultura e no sujeito, presentes em Bourdieu e Passeron. Acrescentam a esse aspecto, a crise econômica mundial e algumas de suas conseqüências, tais como a queda de emprego, a desqualificação rápida de um número significativo de trabalhadores, a diminuição de recursos financeiros públicos para a educação etc. Tampouco foram ignoradas as novas exigências de conhecimentos científicos, tecnológicos e de mão-de-obra altamente qualificada. Dos primeiros aspectos - ênfase na cultura e no sujeito - chega-se à preocupação com os processos de transmissão do conhecimento. Dos últimos crise econômica mundial -, chega-se às questões da qualidade do ensino e da educação em geral. 15 Pg "Redescobrindo" a importância da educação A cada dia fica mais clara a percepção de que a educação é um dos componentes essenciais das estratégias de desenvolvimento das nações. A economia moderna tal
como é praticada nos países mais adiantados já não pode prescindir de indivíduos capazes de selecionar e processar informações, isto é, de indivíduos críticos, criativos e dotados de um saber ágil. Mais do que nunca, as competências cognitivas e sociais são fatores fundamentais do progresso social. Os novos equipamentos, as novas tecnologias, a rápida superação dos conhecimentos e os vertiginosos avanços do mundo moderno já não estão mais compatíveis com os moldes educacionais vigentes (Sá-Chaves 1989; Demo 1993). Revistas especializadas internacionais nos dão conta das reformas que diferentes países estão fazendo nos seus sistemas educacionais com o objetivo de torná-los mais capazes e eqüitativos na preparação de uma nova cidadania (Rust 1992a, 1992b). Ao lado das crescentes preocupações com essas novas exigências, alinham-se aquelas que s voltam para a análise dos riscos que elas encerram para os países do Terceiro Mundo (Mello 1991; Buarque 1991; Demo 1993; Freitas 1993) Dentre as inúmeras iniciativas levadas a efeito nesse sentido, destaco a do Instituto de Estudos Avançados da USP, que durante todo o ano de 1991 promoveu encontros e debates por intermédio do "Programa Educação para a Cidadania". Foi um amplo programa que congregou estudiosos da educação e deu ensejo à formação do Grupo de Estudo de Políticas Públicas de Educação. As principais idéias debatidas e os resultados a que chegaram os participantes do grupo foram sintetizados em um documento elaborado por Guiomar N. de Mello (1991). Nele, ao destacar o importante papel que a educação desempenha na conquista da cidadania, a autora não deixa de chamar a atenção para a 16 Pg necessidade de que, nos países do Terceiro Mundo - notadamente nos da América Latina-, as estratégias de desenvolvimento levem em conta suas singularidades. Panticulanmente a questão da necessidade de se promover a eqüidade merece, desse grupo, ênfase especial (Mello 1991). Sintetizando os pontos sobre os quais parece haver um consenso em nível mundial, o documento afirma que a educação, assim como a política de ciência e tecnologia, passa a ocupar "definitivamente II...) um lugar central e articulado na pauta das macropolíticas do Estado" (ibid., p. 12), uma vez que desempenha importante papel na qualificação dos recursos humanos requeridos pelos novos padrões de desenvolvimento. E mais: que é indispensável que todas as pessoas adquiram conhecimentos básicos e desenvolvam suas capacidades cognitivas, a fim de saber lidar, de modo produtivo, com as inúmeras informações provenientes do ambiente à sua volta. Esse texto é apenas um exemplo, dentre outros, de um movimento que está ocorrendo nos mais diferentes países em torno da revalorização do próprio homem. Países que, durante as últimas décadas, supervalorizaram a dimensão tecnológica agora estão voltando atrás e recolocando o homem no centro das suas atenções. Cito ainda, como exemplo, uma conferência nacional realizada na antiga URSS, em 1988, reunindo representantes dos mais diferentes institutos científicos soviéticos. O desejo de trazer de novo o homem para dentro da ciência já se revela no próprio título da conferência: "Problems in the comprehensive study of man" e se estende pelos títulos das suas seções, tais como: O homem nos sistemas das ciências; Homem, natureza e história; Homem, cultura e tecnologia; Homem, produção e a economia; Saúde humana: Moral, mental e física. Neste evento, o enfoque interdisciplinar e a questão da responsabilidade social do homem diante da ciência estiveram presentes de forma acentuada. O que se percebe, pois, é que esse revalorizar do homem envolve necessariamente a qualidade da educação que lhe é oferecida e os conhecimentos que lhe são transmitidos. Inclui também o desenvolvimento das suas capacidades cognitivas. 17 Pg Retomo aqui ao meu ponto de partida. Considero extremamente importante que o pesquisador, cujo foco de atenção se volta para o interior da escola,
objetivando contribuir para a melhoria da qualidade do ensino, tenha muito claro a que interesses ele está servindo. Especialmente em paises como o nosso, quando os alunos pertencentes às camadas mais desprivilegiadas da população são sistematicamente excluídos da escola. essa questão se toma absolutamente crítica. Oferecemos à grande maioria dos alunos que freqüentam nossas escolas, uma educação de má qualidade. São inúmeros e complexos os fatores que concorrem para isso. Encontram-se tanto no seu interior, quanto fora dela. Configura-se um elenco de questões que variam das mais restritas e localizadas, como as que fazem parte do cotidiano da escola e da sala de aula, às mais amplas, como as macroestruturais. Ensaiam-se soluções nas mais diferentes frentes de atuação. Grande parte delas gerada no interior da própria escola. Outras chegam até ela vindas de providências do Estado: reciclagem de professores, legislação que determina a promoção automática do aluno, aumento da carga horária etc. Algumas há, mais radicais, que apontam para a necessidade de se rever o próprio sistema, sua estruturação, a organização curricular (Arroyo 1992). O problema é grave, comportando diversos ângulos de análise e focos de diferentes dimensões. No campo específico da psicologia da educação há regiões ainda inexploradas; há, sobretudo, questões exigindo pesquisas, questões que anseiam por soluções, mormente as ligadas à qualidade do nosso ensino. Mas afirmar que é possível recorrer a conhecimentos psicológicos para descrever, explicar e/ou transformar educação não é algo consensual nos dias atuais. Ao contrário, é palco de controvérsias. Pede cautela. Foi, pois, com alguma cautela, sabendo que não há teoria que dê conta de toda a complexidade humana, e que, por melhor que sejam, as teorias trazem sempre as marcas do seu tempo, que me propus a refletir sobre as possíveis contribuições da psicologia sócio-histórica para a educação, particularizada no processo de ensino/aprendizagem da matemática. 18 Pg 1 O ENFOQUE SÓCIO-HISTÓRICO DA PSICOLOGIA Neste capítulo, começo abordando os principais marcos teóricos desse enfoque. Baseiam-se principalmente no pensamento de Vygotsky, Luria e Leontiev. São eles: mediação, processo de internalização, zona de desenvolvimento proximal e formação de conceitos. Em seguida abordo outros temas fundamentais para a configuração do quadro teórico da pesquisa aqui apresentada. Dois deles - o da afetividade e o da criatividade - foram tratados por Vygotsky, ainda que concisamente. Um terceiro - o da atividade em grupo - inscreve-se na produção recente de autores que tomam a teoria sócio-histórica como ponto de partida para seus estudos (Forman e Cazden 1988, Forman 1989, Schoenfeld 1989, Rubtsov 1989, Rubtsov e Latushkin 1990, Rivina 1991, Saxe 1992). Se hoje é tarefa fácil identificar os estudos ligados ao enfoque sócio-histórico das décadas de 1920 e 1930, tentar reconhecê-los nas décadas seguintes já não é tão fácil assim. Conforme visto anteriormente, com o passar dos anos, os estudos ligados a essa corrente se mantiveram apenas em alguns institutos soviéticos de pesquisa, desenvolvidos por psicólogos ligados diretamente a Vygotsky e pela nova geração, formada por alunos daqueles. 19 Pg Pesquisadores como V.V. Davidov, P.Ya. Galperin, D.B. Elkonin e V.P. Zinchenko discípulos de Vygotsky - deram continuidade aos estudos feitos no período de 1924 a 1934, enquanto ele ainda vivia. Posteriormente, trilharam caminhos próprios, elaborando novas teorias. Mesmo Luria e Leontiev não pararam de produzir. O primeiro, mais voltado para a
neuropsicologia; o segundo, para a questão da atividade e da consciência. Algumas idéias sobre o pensamento psicológico predominante no início da década de 1920, época em que Vygotsky começou a se projetar, já foram aqui abordadas. Retornando o olhar para as origens do seu enfoque teórico, é importante que se considere, ainda que resumidamente, alguns traços da sua história de vida. Vygotsky: O homem e a tarefa A formação intelectual de Vygotsky é bastante variada. Graduou-se em direito pela Universidade de Moscou, em 1917. Enquanto fazia seu curso superior, freqüentou cursos de psicologia, literatura e filosofia na Universidade Popular de Shanyavskii. Poucos anos depois, estudou medicina em Moscou e em Karkov. Conseguiu, em pouco tempo, acumular um vasto conhecimento sobre as mais variadas áreas do saber. Esse conhecimento não se limitava aos autores soviéticos. Na época em que fez a sua formação, a ex-União Soviética mantinha intercâmbio intelectual com países da Europa Ocidental e com os Estados Unidos. Por outro lado, não se pode esquecer da forte e decisiva influência que as idéias filosóficas de Marx e Engels exerceram sobre toda aquela geração de jovens soviéticos (Wertsch 1988, Valsiner 1988, Leontiev 1989, Luria 1992). É importante registrar que Vygotsky já tinha uma formação filosófica que incluía o pensamento marxista ao realizar seus estudos universitários. Nos seus primeiros escritos já estão presentes as categorias intelectuais da dialética. Essas foram utilizadas no sentido de 20 Pg buscar respostas concretas aos problemas colocados pela psicologia, de forma a constituir uma única teoria em torno dela e não um amálgama de idéias justapostas. Foi principalmente em torno do método dialético que passou a estudar os fenômenos psíquicos. Sustentava a necessidade de eles serem captados como processos em movimento. Essa, a principal razão do seu entendimento de que a tarefa básica da psicologia deveria ser a de reconstruir a origem e a forma como se deu o desenvolvimento do comportamento humano e da consciência. No período transcorrido entre a sua graduação e a sua ida para Moscou, Vygotsky exerceu uma intensa atividade: dava aulas do literatura, história da arte e estética, fundou um laboratório de psicologia na Escola Normal de Gomel (cidade onde viveu antes de se transferir definitivamente para Moscou), fazia conferências, escrevia e publicava. E, como sempre, lia muito (Wertsch 1988, pp. 21-25). Assim, com uma sólida bagagem teórica, Vygotsky chegou ao Instituto de psicologia, em Moscou, para se juntar aos jovens psicólogos que ali pesquisavam, entre eles, conforme já dito, Luria e Leontiev. Foi, portanto, com esse perfil, aliado a uma inteligência impar -segundo depoimento acalorado de Luria e de outros tantos O conheceram - que Vygotsky se apresentou, em 1924, no 22 Congresso Russo de Psiconeurologia, em Leningrado (Luria 1992, Wertsch 1988, Oliveira 1993). Expôs um trabalho cujas idéias iam de encontro ao pensamento psicológico tradicional. Criticava profundamente a reflexologia e sustentava a necessidade de se procurar analisar o comportamento do homem como um todo. Vale lembrar que, apesar de os psicólogos daquela época não negarem a existência da consciência, não a consideravam objeto de estudo da psicologia. No entanto, para Vygotsky, essa deveria ser estudada com a mesma atitude objetiva e exatidão científica com que se estudavam os reflexos. Por outro lado, recusava-se a se pautar pela matriz behaviorista, 21 Pg na medida em que essa reduzia os fenômenos às suas partes mais simples, deixando de lado toda a riqueza dos fenômenos de ordem superior. Para ele, mais importante do que descrever os fenômenos era tentar explicar sua origem. Isso implicava admitir a necessidade de se estudar as formas mais complexas de consciência. Essas, no seu entender (influenciado pelo materialismo dialético),
eram social, cultural e historicamente determinadas. Nessa idéia estava contido o cerne da proposta para explicar a construção da mente humana (Luria 1979a, 1992; Wertsch 1985, 1988; Valsiner 1987, 1988, 1993; Yaroshevsky 1990). Mas, para entender o impacto das suas idéias sobre o pensamento psicológico de então, é necessário retroceder um pouco mais. Lembrar, por exemplo, que o Instituto de Psicologia sofreu ampla reestruturação com o afastamento daqueles que defendiam uma postura mais tradicional. Foram substituídos por outros novos e desconhecidos, que traziam os ideais marxistas e se alinhavam com os compromissos da Revolução. Eram, na sua maioria, jovens que ansiavam por novos modelos, novas formas de trabalhar o conhecimento psicológico. Segundo afirma Yaroshevsky (1990, p. 360), eles desejavam construir uma teoria psicológica da consciência, que unisse a personalidade e o meio social. Foi nesse terreno fértil e propício a novas idéias que Vygotsky foi convidado a se juntar à equipe liderada por Luria, e que tinha em Leontiev o seu principal colaborador. A primeira tarefa a que se dedicou foi a de tentar explicar as formas mais complexas da vida consciente do homem, não no interior do cérebro ou da alma, mas sim nas suas condições externas de vida, na sua vida social, no seu trabalho, nas formas histórico-sociais de existência. Ao registrar as suas memórias, Leontiev (1989, p. 24) afirma que a questão da mediação do comportamento por meio de um instrumento foi uma das primeiras premissas levantadas por Vygotsky, com base na qual se deu o desenvolvimento das suas investigações posteriores. Compreender a sua concepção de comportamento mediado é de capital importância na apreciação de sua obra. 22 Pg Principais marcos teóricos Convém registrar que todos os temas aqui tratados - centrais na obra de Vygotsky - são, também, fundamentais para o embasamento teórico da pesquisa aqui apresentada. Mediação Ao contrário do espírito da época, que levava os cientistas sociais a citar os pensamentos dos teóricos do marxismo, a própria formação anterior de Vygotsky o levava a utilizar de uma forma original algumas idéias desses teóricos. Assim, por exemplo, partindo da idéia de que o trabalho e a sua divisão social acabam por gerar novas formas de comportamentos, novas necessidades, novos motivos etc., e que esses levam o homem à busca de meios para a sua realização, introduziu na psicologia o fator histórico-cultural. Tinha clara compreensão de que esse movimento provoca no ser humano uma crescente modificação das suas atividades psíquicas. Outra idéia de inspiração marxista, e que acabou sendo um dos pontos chaves da teoria, foi aquela segundo a qual o homem, por meio do uso de instrumentos, modifica a natureza, e ao fazê-lo, acaba por modificar a si mesmo. Ou seja, da mesma forma que Marx concebeu o instrumento mediatizando a atividade laboral do homem, ele concebeu a noção de que o signo - instrumento psicológico por excelência - estaria mediatizando não só o seu pensamento, como o próprio processo social humano. Inclui dentre os signos, a linguagem, os vários sistemas de contagem, as técnicas anemônicas, os sistemas simbólicos algébricos, os esquemas, diagramas, mapas, desenhos, e todo tipo de signos convencionais. Sua idéia básica é a de que, ao usá-los, o homem modifica as suas próprias funções psíquicas superiores (Vygotsky 1981a, p. 137). A análise do seu esquema inicial - esquema que deu origem à sua teoria - parece hoje absolutamente óbvia. Contudo, para a época, era algo inusitado. Introduziu um novo elemento na noção de estímulo-resposta, 23 Pg formando uma relação que passou a ser triangular, em vez de dual. Esse novo elemento era o "instrumento psicológico". Poderia ser, por exemplo, uma marca
num papel para recordar uma palavra, um barbante amarrado no dedo para se lembrar de algo, uma figura associada a algo que precise ser lembrado etc. Configurou esse esquema da seguinte forma: Nele, A é o estímulo e B, um estímulo associado a A (reflexo condicionado) e X é o instrumento psicológico. Por exemplo, no caso da memória, o esquema tradicional A - B existe em virtude da força associativa nascida de um reflexo condicionado. Esses dois estímulos, uma vez associados, estariam ligados a uma resposta. Depois de estabelecida a ligação, bastaria a presença do segundo sinal para o seu aparecimento. Nos estudos de Pavlov, esse segundo sinal era sempre algo externo, estava sempre fora do alcance do sujeito. Mas, de qualquer forma, já era um estímulo artificial. E o que fez, então, Vygotsky? Ele aproveitou essa idéia de um segundo sinal mediatizando a ação e a articulou com a idéia de instrumento. Isto é, alargou o conceito de instrumento. Realizando experimentos, 24 Pg concluiu que o próprio sujeito, ao longo da história e do seu próprio desenvolvimento, introduziu sistematicamente novos sinais, novos elementos (estímulos, na linguagem psicológica) e novos símbolos na mediação das suas ações. Por exemplo, o hábito de fazer marcas nos troncos de árvores ou nas pedras para registrar uma contagem foi encontrado em diferentes culturas primitivas. Para se ter clareza dessa concepção, suponhamos que, no exemplo dado, essas marcas se refiram ao número de caças abatidas. Segundo esse esquema,A seriam as caças, B, a quantidade, e X, o signo utilizado como mediador que ajudaria o caçador a se lembrar da associação entre A e B. Voltando agora ao seu esquema, a explicação que ele fornece é a seguinte. Em vez da conexão A - B, duas novas conexões são estabelecidas com a ajuda do instrumento psicológico X: A - X e X - B. Embora o resultado continue sendo o mesmo, o caminho é completamente diferente. É preciso salientar que esse elemento X tanto pode ser algo introduzido pelo próprio sujeito quanto por alguém de fora. A sua principal característica, no entanto, reside no fato de ter um significado. O exemplo dado é típico do primeiro caso. Exemplifica o segundo, um dos muitos experimentos levados a efeito por Vygotsky sobre memória. Participam um experimentador e um sujeito. A este são mostrados 25-30 cartões com figuras, propondo-se em seguida uma lista de palavras as quais ele deve memorizar. Para isso ele pode escolher um dos cartões que se relacione com a palavra. Depois da apresentação de 12 a 15 palavras, o experimentador lhe apresenta aleatoriamente os cartões com as figuras, pedindo-lhe que se lembre das palavras. Esse experimento tem duas variantes. Na primeira, há sempre uma figura que está obviamente relacionada com a palavra a ser lembrada. Exemplo: inverno/lareira. Na segunda, a relação precisa ser procurada pelo sujeito. Exemplo: fogo/machado. Com o machado cortase a lenha para acender o fogo. Em ambos os casos os cartões funcionam como mediadores entre o estímulo e a resposta, levando a pessoa a se lembrar da resposta solicitada (Vygotsky, apud Luria 1979c, pp. 89-90). Esse experimento, ao ser feito com crianças em idade escolar, demonstrou que 25 Pg elas, ao contrário das que ainda se encontram em estágios anteriores, são capazes de usar meios auxiliares externos nos processos de memorização. O que se percebe aqui é que, embora o elemento auxiliar - a mediação - seja externo, o sujeito lhe atribui um significado, o que lhe permite se lembrar da palavra dada. Ao contrário de ser um simples automatismo, é algo muito mais complexo. É um processo que envolve o estabelecimento de relações entre idéias, ou seja, nele interferem as funções psíquicas superiores. Com o passar do tempo, a criança deixa de necessitar desse elemento auxiliar externo, e passa a utilizar signos internos. Esses nada mais são do que representações mentais que substituem os objetos do mundo real. Esse é um princípio ao qual Wertsch (1988, p. 50) denominou de
"descontextualização dos instrumentos de mediação". Ou seja, à medida que o tempo passa, o significado dos signos vai se tornando cada vez mais independente do contexto espaço-temporal em que esses signos são utilizados. A obra de Vygotsky está repleta de exemplos de como se dá essa mediação em diferentes processos psíquicos. Foram muitos os experimentos que ele e seus colaboradores realizaram entre as décadas de 1920 e 1930. Mas foi sobretudo em relação à mediação pela linguagem oral que seus estudos ganharam destaque. Tanto nas décadas que se seguiram, como nos dias atuais, a relação entre pensamento e linguagem continua engendrando estudos, não só no campo da psicologia, como no da lingüística e no da educação. Essa temática levou-o a abordar outro ponto central na sua teoria: o do processo de internalização (ou interiorização, como preferem alguns). Processo de intemalização Ao apresentar a sua concepção sobre a gênese das funções mentais superiores, Vygotsky (1981b, p. 157ss.) deixa claro que a idéia de intemalização de comportamentos externos já havia sido levantada por 26 Pg diferentes autores (Pierre Janet, James Mark Baldwin, Ernst Kretschmer, Charlotte Bühler e Jean Piaget). Diz, por exemplo, ser de Janet a idéia de que, no processo de desenvolvimento, as crianças começam a usar em relação a si próprias as mesmas formas de comportamento que os outros usaram inicialmente em relação a elas. Reconhece, também, que traz o germe daquela concepção, a idéia de Piaget segundo a qual a argumentação lógica primeiro aparece entre as crianças e só em uma etapa posterior é internalizada pelo indivíduo. Vygotsky aprofunda e sistematiza essas e outras concepções já existentes, por meio de inúmeros experimentos que realiza em colaboração com seus pares. Em todos, a mesma idéia central: a de que é na interação social e por intermédio do uso de signos que se dá o desenvolvimento das funções psíquicas superiores. Foi principalmente no campo da linguagem que o conceito de internalização pôde ser comprovado empiricamente. Mais especifica-mente, no da "linguagem egocêntrica", tema desenvolvido por Piaget poucos anos antes - 1923 - em uma das suas primeiras obras: A linguagem e o pensamento da criança (Piaget 1961). Nela, Piaget atribuía essa expressão ao fato de a criança "falar para si mesma", ainda que estivesse acompanhada. O termo egocentrismo, como ele próprio iria explicar mais tarde, significava a incapacidade da criança em se deslocar da sua própria perspectiva mental. Ou seja, não conseguir descentrar seu pensamento, colocar-se na posição do outro. Esse egocentrismo tenderia a desaparecer à medida que a criança fosse se socializando (id., ibid.) Ao contrário do que afirmava Piaget, Vygotsky defendia a idéia de que o verdadeiro curso do processo de desenvolvimento do pensamento infantil assume uma direção que vai do social para o individual. Discordava basicamente dele com respeito ao fato de sustentar ser o pensamento infantil original e naturalmente autístico, "só se transformando em pensamento realista sob uma longa e persistente pressão social" (Vygotsky 1984, p. 12). Seus experimentos evidenciaram que a criança é um ser social desde o seu nascimento. A linguagem, tal como é expressa por meio da fala, trazendo sua marca histórico-cultural, é algo que ela já encontra ao nascer. São aquelas pessoas que a cercam que interpretam seus balbucios, suas expressões espontâneas e seus movimentos. São elas que vão lhes atribuindo um significado. Assim, por exemplo, o esforço que a criança faz para tentar agarrar algum objeto fora do seu alcance é interpretado como um desejo de tê-lo. Ou seja, aquela mão agitada no ar, estendida na direção do objeto é interpretada pelo outro como sendo um gesto de apontar. E o outro que, interpretando o seu desejo, lhe atribui um significado, significado que ainda não é seu. Só mais tarde, quando ela puder perceber a relação entre a situação objetiva como um todo e o seu movimento, é que de fato começa a compreendê-lo como um gesto de apontar. A partir daí, irá incorporá-lo ao seu repertório de ações.
Nesse exemplo - clássico na teoria sócio-histórica - percebe-se com clareza a passagem de uma situação inicialmente externa, em que um movimento que a princípio fora dirigido para um objeto transforma-se em um movimento dirigido para outro ser humano. Graças a isso, o movimento é reduzido e abreviado, elaborando-se assim a forma do gesto usando o indicador. A sua internalização nasceu da interação social. Em virtude de experimentos e de observações como essa, Vygotsky (1981b, p.l63) formulou o que considerava a "lei genética geral do desenvolvimento cultural": Qualquer função presente no desenvolvimento cultural da criança aparece duas vezes, ou em dois planos distintos. Primeiro, aparece no plano social, e depois, então, no plano psicológico. Em princípio, aparece entre as pessoas e como uma categoria interpsicológica, para depois aparecer na criança, como uma categoria intrapsicológica. Isso é válido para atenção voluntária, a memória lógica, a formação de conceitos e o desenvolvimento da vontade. [...] a internalização transforma o próprio processo e muda sua estrutura e funções. As relações sociais ou relações entre as pessoas estão na origem de todas as funções psíquicas superiores. Com essa lei, Vygotsky deixa claro que toda função psicológica interna, algo inerente à estrutura psíquica do sujeito, foi antes uma função 28 Pg social, que surgiu em um processo de interação. Além disso, esclarece também, que a passagem do plano externo para o plano interno não se dá como uma simples cópia. Ao contrário, como verificado na citação acima, ela "transforma o próprio processo e muda sua estrutura e funções". Uma análise mais detalhada dessa afirmativa leva à constatação de que cada função psíquica que vai sendo internalizada implica uma nova reestruturação mental. Implica alargamento e enriquecimento psico-intelectual. A razão é muito simples: ao começar a ser internalizada, a nova função irá interagir com outras já existentes na mente da criança. Não se trata, pois, de camadas superpostas ou algo parecido, e sim de uma coordenação entre a nova função e outras já existentes. Essa lei genética do desenvolvimento cultural da criança orientou grande parte dos trabalhos da linha sócio-histórica. O fato de ter descoberto que essa passagem do plano externo para o plano interno e mediatizada por um sistema de representações levou Vygotsky a se preocupar com o papel do discurso nesse processo (Wertsch 1988, p.79). Prosseguindo com os seus experimentos concluiu que a internalização também ocorre em relação ao processo de transformação da linguagem egocêntrica em fala interior. Esse fenômeno pôde ser observado de perto em muitas das situações que criou. Por exemplo: ao solicitar à criança que fizesse determinada tarefa e, em seguida, introduzir obstáculos à sua realização, percebeu que quanto mais dificuldade ela sentia para realizá-la, maior era a ocorrência da linguagem egocêntrica. Diante do obstáculo, é como se pensasse em voz alta. Da mesma forma como Piaget já observara (id., ibid., p. 43), também Vygotsky constatou que a criança usa a linguagem egocêntrica para acompanhar suas ações e liberar suas tensões. No entanto, descobriu que à medida que ela vai procurando soluções, a fala sofre um deslocamento, passando a ser usada para ajudar no próprio planejamento dessas soluções. Se antes a fala seguia a ação, agora ela a antecede. E a fala quem origina a função intelectual, reguladora da conduta infantil. Com o passar dos anos, a criança vai deixando de usar a fala egocêntrica, em favor da "fala interior silenciosa 29 Pg Abordando essa questão, Luria (1987, p. 111) afirma que essa conserva as funções analíticas, planificadoras, reguladoras que no início eram inerentes à linguagem do adulto". O que antes era interpsicológico transforma-se em intrapsicológico.
Em virtude do recorte deste estudo, interessa-me particularmente enfatizar certos aspectos decorrentes desse processo de intemalização, aspectos investigados tanto por Vygotsky quanto por seus seguidores. Um deles diz respeito ao componente afetivo que permeia esse processo. Embora só tangencialmente se observe nos escritos de Vygotsky uma abordagem desse aspecto, Leontiev (1989, p. 32) assegura que os seus últimos esforços foram dedicados à elaboração de um livro que ele não conseguiu terminar: A psicologia do afeto. E é o próprio Leontiev quem afirma que por trás do processo de internalização há um motivo que emana do campo afetivo. Ou seja, o aparecimento das relações cognitivas necessárias à realização daquele processo é forçado pelos estados emocionais e pelas necessidades afetivas do sujeito. Há, no cotidiano, inúmeras situações que ilustram esse processo de internalização. Fiquemos como dois exemplos: um, extraído da vida doméstica; outro, da escola (um orfanato). A criança, ao começar a falar, emite os mais diferentes sons. Quando os adultos que convivem com elas reconhecem alguns deles como uma "palavra" do idioma falado por eles, cercam-na de agrados. Apalavra é, então, repetida por eles, que fazem de tudo para que a criança volte a repeti-la. A cada nova coincidência do som emitido pela criança com aquilo que se espera que ela diga, novos agrados são feitos. Creio ser desnecessário me alongar na descrição desse processo. O resultado é bastante conhecido: em pouco tempo ela estará utilizando a palavra no sentido atribuído por esses adultos. 30 Pg Como na situação do gesto de pegar, aquilo que foi feito com uma intenção (no caso da criança talvez seja apenas uma exploração da sua capacidade de emitir sons) foi interpretado pelos adultos como sendo uma intenção de fala. Foram eles que reconheceram a palavra; eles que lhe atribuíram um significado. É, portanto, sociocultural a sua origem. Isso é válido tanto para o processo como se deu essa aprendizagem - na interação social - quanto para o significado atribuído à palavra culturalmente determinado. Além do aspecto cognitivo, percebe-se nesse processo um forte apelo afetivo. Deve causar prazer à criança, a reação dos adultos. Pode-se, portanto, inferir que é o desejo de ser novamente agradada que a leva não só a repetir aquela palavra, mas, sobretudo, a começar a estabelecer a relação entre o significante e o seu significado. Esse é um processo mental, iniciado na relação interpessoal. Podemos dizer que a passagem do plano externo para o intrapsicológico se deu mediante uma motivação de cunho afetivo. Isso significa dizer que no processo de internalização os aspectos cognitivo e afetivo mostram-se intimamente entrelaçados. Em pesquisa anterior (Moysés 1982), pude constatar a veracidade dessa afirmativa. Estava interessada em investigar a mudança de auto-estima em crianças que viviam em orfanatos. Utilizava um referencial teórico baseado na psicologia humanística e a pesquisa era experimental. Esse modelo previa, além do grupo de controle, dois grupos experimentais. Os resultados apontaram que em um deles, a auto-estima dos participantes foi bastante aumentada, enquanto no outro se manteve inalterada. Todas as crianças da pesquisa tinham em comum o fato de ter vivido experiências de abandono ou de afastamento forçado dos seus pais (ou substitutos). Criadas em um ambiente marcado por opressão, humilhação e despersonalização, novas experiências de infortúnio iam se somando às suas histórias de vida à medida que o tempo passava. Além disso, não se pode ignorar que a própria vida institucional concorre para "naturalizar" o fato de se tratar a criança interna como alguém destituído de valor. 31 Pg Desta forma, aquelas crianças somavam às suas próprias experiências negativas,
as que percebiam no coletivo. As reações que seus comportamentos geravam nos adultos que as cercavam eram, via de regra, de desaprovação, quando não de ridicularização. Desconhecendo outro tipo de relações interpessoais, foi esse o tipo que elas acabaram internalizando. Aprenderam a se ver como pessoas destituídas de valor e de importância. Caracterizavam-se por ter um baixo nível de auto-estima. E essa se mostrava menor, quanto maior o tempo em que a criança estava submetida a esse tipo de experiência. Em síntese, um processo que teve seu início nas relações interpessoais - interpsicológico, portanto - transformase em um outro intrapsicológico. É ainda aquela mesma lei genética do desenvolvimento cultural da criança que explica um outro conceito da teoria sócio-histórica, básico para a educação: a zona de desenvolvimento proximal. Zona de desenvolvimento proximal Ao contrário do conceito de mediação, esse teve um aparecimento tardio na obra de Vygotsky (1933). Ele surgiu em decorrência do seu interesse pelas leis do desenvolvimento e do processo de ensino-aprendizagem (Valsiner e Veer 1991). Criticando o pensamento psicológico de então, entendia que não era suficiente descrever os processos de desenvolvimento das funções psíquicas superiores com base nas conquistas já efetuadas. Sustentava - e obstinadamente perseguia - a idéia de que o importante era procurar compreender a construção fritura da estrutura de tais funções. Segundo Valsiner e Veer (1991, p. 11), o conceito de zona de desenvolvimento proximal foi se plasmando em pelo menos três contextos diferentes. O primeiro, ligado aos estudos de Vygotsky sobre diagnósticos do desenvolvimento infantil baseado no uso de testes. Nesse contexto, relaciona a zona de desenvolvimento proximal à diferença do escore obtido quando a criança desempenha uma tarefa sozinha e quando a desempenha assistida por algum adulto ou mesmo por outra criança mais adiantada, que 32 Pg a orienta. O segundo surge em decorrência das suas preocupações com a questão do ensino/aprendizagem. Embora muito ligado ao primeiro, já não enfatiza a questão quantitativa. Fala apenas de uma "diferença geral" na capacidade da criança relacionada às situações nas quais ela é socialmente assistida e naquelas em que ela atua sozinha. E o terceiro contexto no qual ele passa a trabalhar esse conceito é o do jogo. No jogo a criança está sempre mais além do que a sua média de idade, mais além do que seu comportamento cotidiano; [...] O jogo contém, de uma forma condensada, como se estivesse sob o foco de uma lente poderosa, todas as tendências do desenvolvimento; a criança, no jogo, écomo se se esforçasse para realizar um salto acima do nível do seu comportamento habitual. (Vygotsky, apud/Valsinere Veer, 1991, p. 12) Dado que o meu interesse é particularmente para a questão do ensino aprendizagem, é para esse enfoque que me volto ao analisar o conceito de zona de desenvolvimento proximal. E o faço enfatizando suas possíveis aplicações (Vygotsky 1984; Vygotsky et ai. 1988). Qualquer pessoa que tenha experiência com educação de crianças pequenas já deverá ter constatado que existe uma relação entre um determinado nível de desenvolvimento e a capacidade potencial para aprender certas coisas. Isso é inegável. Há, no entanto, certas peculiaridades nessa questão que mereceram de Vygotsky e seus colaboradores uma atenção especial. Um dos seus pontos de partida foi a observação de que as escolas de ensino fundamental esperavam que a criança estivesse "pronta", para então começar a lhe ensinar determinados conteúdos escolares (como leitura e escrita, por exemplo). Segundo observou, testes realizados com duas crianças para medir seu desenvolvimento cognitivo, que num determinado momento apresentavam resultados idênticos, pouco tempo depois já evidenciavam resultados 33 Pg
diferentes. Ou seja, o desenvolvimento cognitivo de cada uma evoluía diferentemente. Parecia haver aí uma clara indicação de que, para aquela que apresentou resultados mais elevados pouco tempo depois, havia processos que estavam em desenvolvimento na ocasião da testagem. Porque os testes só captavam processos já amadurecidos; aqueles que existiam potencialmente ficavam de fora. Embora semelhantes quanto aos resultados, o desenvolvimento mental de uma criança e o da outra eram diferentes, na realidade. As investigações de Vygotsky e as de seus colaboradores também os levaram a perceber que aquilo que uma criança não é capaz de fazer sozinha poderá desempenhá-lo com a ajuda de um adulto (ou de alguém mais adiantado do que ela). Perguntas-guia, exemplos e demonstrações constituem o cerne dessa ajuda. A aprendizagem mediante demonstrações pressupõe imitação. Trata-se, porém, de um conceito amplo, que implica imitação de um modelo dado socialmente não no sentido de copiá-lo exatamente, mas algo que envolve uma experimentação construtiva. Ou seja, a criança realiza ações semelhantes à do modelo de uma forma construtiva, imprimindo-lhe modificações. Disso resulta uma nova forma, embora não exatamente igual, mas inspirada no modelo. Desse processo resulta a internalização da compreensão do modelo. Mais uma vez fica patente a importância que a idéia da internalização ocupa no pensamento de Vygotsky. Ele a concebia como o esquema de regulação geral no desenvolvimento das funções psicológicas superiores (Vygotsky 1987, p. 116). Baseado em seus estudos sobre a zona de desenvolvimento proximal, Vygotsky faz uma proposta para a situação de ensino/aprendizagem que reverte cabalmente a concepção então vigente. Diz ele: "O bom ensino é aquele que se adianta ao desenvolvimento" (Vygotsky et aí. 1988, p. 114; Vygotsky 1984, p. 101). Criando zonas de desenvolvimento proximal, o professor estaria forçando o aparecimento de funções ainda não completamente desenvolvidas. a aprendizagem não é, em si mesma, desenvolvimento, mas uma correta organização da aprendizagem da criança conduz ao desenvolvimento 34 Pg mental, ativa todo um grupo de processos de desenvolvimento, e esta ativação não poderia produzir-se sem a aprendizagem. Por isso a aprendizagem é um momento intrinsecamente necessário e universal para que se desenvolvam na criança essas características humanas não-naturais, mas formadas historicamente. (Vygotsky et ai. 1988, p. 115) Essa afirmativa é complementada com a idéia de que as matérias escolares são capazes de orientar e estimular o desenvolvimento das funções psíquicas superiores, uma vez que se ligam ao sistema nervoso central. Dentre as aplicações do conceito de zona de desenvolvimento proximal feitas pelo próprio Vygotsky, destaca-se a da formação de conceitos. Formação de conceitos A questão da formação de conceitos insere-se nos trabalhos de Vygotsky e seus colaboradores (notadamente Luria) como uma extensão das suas próprias pesquisas sobre o processo de internalização. As principais conclusões a que chegou emanaram do confronto que estabeleceu entre o desenvolvimento dos conceitos espontâneos e científicos. Considerou os primeiros como sendo aqueles que a criança aprende no seu dia-a-dia, nascidos do contato que ela possa ter tido com determinados objetos, fatos, fenômenos etc., dos quais ela não tem sequer consciência. E os últimos, como sendo aqueles sistematizados e transmitidos intencionalmente, em geral, segundo uma metodologia específica. São, por excelência, os conceitos que se aprendem na situação escolar. Por trás de qualquer conceito científico existe sempre um sistema hierarquizado do qual ele faz parte. A principal tarefa do professor ao transmitir ou ajudar o aluno a construir esse tipo de conceito é a de levá-lo a estabelecer um enlace indireto com o objeto por meio das abstrações em torno das suas propriedades e da compreensão das relações que ele mantém com um conhecimento mais amplo. Ao
contrário do espontâneo, o conceito científico só se elabora intencionalmente, isto é, pressupõe uma 35 Pg relação consciente e consentida entre o sujeito e o objeto do conhecimento. Dirigida pelo uso da palavra, a formação de conceito científico é uma operação mental que exige que se centre ativamente a atenção sobre o assunto, dele abstraindo os aspectos que são fundamentais e inibindo os secundários, e que se chegue a generalizações mais amplas mediante uma síntese (Vygotsky 1987, p. 70). Ao mesmo tempo em que faz esse processo de análise e síntese, de abstração e inibição de certos traços e características, a pessoa também deve caminhar do particular para o geral e desse para o particular. Nossa investigação mostrou que um conceito se forma não pela interação de associações, mas mediante uma operação intelectual em que todas as funções mentais elementares participam de uma combinação específica. [...] Quando se examina o processo de formação em toda a sua complexidade, este surge como um movimento do pensamento, dentro da pirâmide de conceitos, constantemente oscilando entre duas direções, do particular para o geral e do geral para o particular. (Vygotsky 1987, p. 70) A situação escolar é, por excelência, propícia à aquisição desse tipo de conceito. Segundo Vygotsky (op. cit.),o fato de uma criança conseguir dar explicações convincentes sobre questões relacionadas às ciências sociais, por exemplo, mesmo usando palavras cujos significados lhe eram, até então, desconhecidos, deve-se principalmente à ação do professor. Ao contrário do conhecimento espontâneo, o que se aprende na escola é ou deveria ser hierarquicamente sistematizado. Sua apreensão exige que seja intencionalmente trabalhado num processo de interação professor/aluno. Ou seja, implica reconstrução do saber mediante estratégias adequadas, nas quais o professor atue como mediador entre o aluno e o objeto de conhecimento: "[...] o professor, trabalhando com o aluno, explicou, deu informações, questionou, corrigiu o aluno e o fez explicar" (id., ibid., p. 98). 36 Pg Com essas palavras Vygotsky resumiu o que seria a essência de um ensino voltado para a compreensão. Destacando uma a uma as expressões, tem-se: a) "trabalhando com o aluno". A preposição com já revela uma atitude de interação. Trabalham professor e aluno. E o que é esse trabalho? O autor prossegue discriminando inicialmente o trabalho do professor. b) "explicou" e "deu informações". Explicar é muito mais do que fazer uma mera exposição. É buscar na estrutura cognitiva dos alunos as idéias relevantes que servirão como ponto de partida para o que se quer ensinar. E caminhar com base nessas idéias, ampliando os esquemas mentais já existentes, modificando-os ou substituindo-os por outros mais sólidos e abrangentes. Nesta tarefa desempenham papel fundamental a exemplificação e o enriquecimento do que está sendo explicado com um número suficiente de informações. c) "questionou e corrigiu o aluno", isto é, procurou verificar se a sua fala havia sido compreendida e, diante de possíveis erros, vai corrigindo-os. É como se vê, um processo dinâmico, construído passo a passo pelos alunos em estreita interação com o professor. Vale salientar que em termos cognitivos o questionamento e a correção, por parte de quem ensina, desempenham um relevante papel na aprendizagem. Conhecendo a zona de desenvolvimento proximal do aluno, o professor bem preparado saberá fazer as perguntas que irão provocar o desequilíbrio na sua estrutura cognitiva fazendo-a avançar no sentido de uma nova e mais elaborada reestruturação. Completando a ação de questionar está a de corrigir, que não se resume, em absoluto, na simples indicação do erro e na sua conseqüente substituição pela resposta correta. Como apontam o próprio Vygotsky (1984) e Luria (1987), no
processo de aprendizagens conceituais a capacidade de isolar e abstrair é de fundamental importância. Para se chegar 37 Pg a esses processos mentais faz-se necessário inibir as idéias secundárias e particulares, enfatizando apenas o que é essencial. d) "... e o fez explicar". Talvez resida aqui o ponto alto de todo o processo. Ele é, em essência, o próprio mecanismo de internalização se fazendo presente. Ao pedir que o aluno explique, o professor pode detectar se está havendo, no plano intrapsicológico, uma reestruturação das relações que ocorreram no âmbito interpsicológico. Para isso é necessário que esse aluno consiga expor com suas próprias palavras o assunto tratado, deixando perceber possíveis relações com outros temas; que exemplifique com dados tirados do seu cotidiano; que faça generalizações etc. Por meio de experimentos científicos, Vygotsky chegou à conclusão de que o domínio de um nível mais elevado na esfera dos conceitos científicos eleva, por sua vez, o nível dos conceitos espontâneos. Há como um movimento no qual os científicos descem na direção da realidade concreta e os espontâneos sobem buscando a sistematização, a abstração e a generalização mais ampla. Encontrou evidências de que o atingimento e o controle de conceitos científicos implicam a reconstrução, seguindo os mesmos moldes, dos conceitos espontâneos. A forma metódica e intencional como os conceitos científicos são - ou deveriam ser - trabalhados na escola abre caminho para a revisão e a melhor compreensão dos conceitos espontâneos que cada aluno traz dentro de si. Assim, refletindo o cotidiano de sua classe social, o aluno leva para a escola, sob a forma de conceitos espontâneos, certos conhecimentos e valores, dos quais vai adquirindo progressiva consciência através desse movimento. Esse processo de relacionar o conceito espontâneo que o aluno traz com o conceito científico que se quer que ele aprenda exige de quem ensina uma compreensão dos diferentes significados que os conceitos -tanto os espontâneos quanto os científicos - têm para o aluno. Exige, também, que o docente perceba quais são os seus contextos, quais são os sentidos nos quais eles estão sendo empregados. 38 Pg Significado e sentido Significado e sentido foram conceitos introduzidos por Vygotsky (1987) ao tratar das relações entre linguagem e pensamento. Posteriormente, Luria (1979d, 1987) trouxe maiores esclarecimentos, apoiado em estudos lingüísticos mais recentes. É ele quem chama a atenção para o fato de ser o significado um sistema de relações formado objetivamente durante o processo histórico, e que se encontra contido na palavra (id., 1987, p. 45). Ao assimilar o significado de uma palavra o homem está dominando a experiência social. No entanto, essa depende da individualidade de cada um. É essa individualidade que faz com que uma mesma palavra conserve, ao mesmo tempo, um significado - desenvolvido historicamente - compartilhado por diferentes pessoas e um sentido todo próprio e pessoal para cada um. O sentido de uma palavra depende da forma com que está sendo empregada, isto é, do contexto em que ela surge. O seu significado, no entanto, permanece relativamente estável. É formado por enlaces que foram sendo associados à palavra ao longo do tempo, o que faz com que se considere o significado um sistema estável de generalizações, compartilhado por diferentes pessoas, embora com níveis de profundidade e amplitude diferentes. Na vida cotidiana, tanto quanto na escolar, percebe-se com clareza os diferentes níveis de profundidade e de amplitude que os significados passam a ter para a
criança. Vejamos alguns exemplos. Em casa a criança habitua-se desde pequena a vestir roupa. Se no início "roupa" se refere a umas poucas peças de vestuário, com o passar do tempo passa a abarcar peças antes nunca vistas. Assim, graças à possibilidade de generalização que oferece a palavra, a criança ao se defrontar, por exemplo, com um espartilho ou uma anágua de babados, ainda que seja pela primeira vez, provavelmente lhes atribuirá o significado de "roupa". 39 Pg Essa mesma palavra, no entanto, poderá ser utilizada em diferentes sentidos. A jovem de classe média-alta quando reclama que "não tem roupa para ir à festa" quer dizer algo muito diferente do pobre que diz que "não tem roupa para vestir"; a lavadeira que diz que "ainda não entregou a roupa da semana" está pensando em algo muito diferente da madame que afirma: "vi logo que era gente fina pela roupa". Entretanto, o significado da palavra "roupa" continua inalterado. Ao enfatizar que "dependendo do contexto uma palavra pode significar mais, ou menos, do que significaria se considerada isoladamente: mais, porque adquire um novo conteúdo; menos, porque o contexto limita e restringe o seu significado", Vygotsky (op. cit., p. 125) traz uma significativa contribuição para a compreensão de certos problemas pedagógicos. Assim, por exemplo, o fato de o aluno não compartilhar do mesmo nível de profundidade e amplitude de um conceito com um interlocutor - seja ele o professor ou o autor de um texto que ele esteja lendo -pode gerar desentendimentos. Se o significado que ele atribui a uma palavra é muito mais estreito e superficial do que o que lhe atribui aquele com quem fala, a sua comunicação será, provavelmente, prejudicada. Se além de haver diferentes níveis para o significado, também o sentido que ambos atribuem a essa palavra for diferente, estarão, provavelmente, estabelecendo um "diálogo de surdos". A falta de entendimento ocorrida por questões ligadas ao conhecimento dos significados e dos sentidos das palavras é, provavelmente, mais freqüente nas escolas do que se possa pensar. Ilustra tal afirmação o seguinte episódio: um pesquisador, entrevistando uma dada população, faz a seguinte pergunta: "Você acha que são usados adjetivos demais nos programas de rádio?" O resultado: "sim", 5%; "não", 5%; "o que quer dizer adjetivos?", 90% (Figueiredo 1993, p. 13). É fonte de dificuldade permanente para qualquer professor conhecer o alcance dos significados e sentidos atribuídos pelos alunos às suas palavras. Além disso, os próprios livros didáticos incumbem-se de promover confusão conceitual. Um exemplo dos mais comuns se encontra 40 Pg nos livros de ciências para o ensino fundamental. Muitas vezes, ao abordar as mudanças de estado da matéria, referem-se, via de regra, à água. O significado de "matéria" passa a ser o da "água". Às vezes nem mesmo o próprio professor escapa desse tipo de problema. Branco (1991) relata o caso de professores de ciências que, apesar de ensinar aos alunos a lei da gravidade - sabendo, portanto, defini-la - ao ser solicitados a fazer um desenho da Terra com uma figura humana andando no Pólo Norte e outra no Pólo Sul, fazem ambas com a cabeça para cima. Pode, também, em determinadas situações, acontecer de o aluno ser capaz de pensar sobre um determinado assunto, mas não conseguir expressá-lo corretamente por meio de palavras. Lembra Vygotsky (op. cit., p. 129) que "exatamente porque um pensamento não tem um equivalente imediato em palavras, a transição do pensamento para a palavra passa pelo significado. [...] A comunicação só pode ocorrer de forma indireta". Em resumo, o compartilhar dos significados é fundamental para que haja compreensão nas relações interpessoais. A possibilidade de haver equívocos,
distorções e inúmeros outros problemas ligados a essa questão éalgo para o qual o professor deveria estar permanentemente atento. Aspectos teóricos complementares Além dos temas centrais até aqui apresentados, há ainda, no enfoque sóciohistórico da psicologia, outros bastante interessantes para uma melhor compreensão do processo de ensino/aprendizagem. A criatividade e o papel das disciplinas escolares para o desenvolvimento cognitivo são alguns deles. Também a abordagem de Leontiev sobre a questão da atividade e da consciência complementa algumas contribuições de Vygotsky sobre aquele processo. Soma-se a esses o tema da atividade compartilhada ou grupal, uma das tendências mais atuais no campo de estudos sobre zona de desenvolvimento proximal. 41 Pg Criatividade Na escola, muitas vezes a criatividade é logo associada à expressão artística. Vygotsky (1990), no entanto, em um trabalho escrito em 1930, intitulado "Imaginação e criatividade na infância", a enfoca sob um outro ponto de vista. Nele, o autor destrói dois mitos: o de que a imaginação criativa seja privilégio de uns poucos (os grandes inventores, os gênios), e o de que ela seja mais desenvolvida na criança do que no adulto. Partindo do confronto entre atividade reprodutiva e atividade criativa (a que também denomina "combinatória"), chama a atenção para o fato de ser a primeira fundamental para a vida cotidiana do homem. O cérebro armazena e reproduz suas experiências anteriores. Utilizando-as, ele é capaz de se adaptar ao mundo à sua volta, sem que seja necessário despender grande esforço. No entanto, essa não lhe é útil quando se trata de lidar com algo novo, com o inusitado. Nessa hora, é preciso lançar mão da combinação criativa de elementos já existentes no cérebro, de forma a se adaptar à nova situação. Surge, assim, a atividade criativa. Sustenta, então, que se essa é fruto da atividade do sujeito, todos a têm. Ela se manifesta onde quer que a imaginação humana combine, mude e crie algo novo. Mais do que nunca Vygotsky imprime a marca do materialismo ao negar que a imaginação e a fantasia nasçam do nada. Ao contrário, tudo emana da realidade. Analisando o processo de formação da imaginação criativa, Vygotsky ressalta sua complexidade. Ela não é, ao contrário do que muitos acreditam, algo que surge como num lampejo, como uma luz que se acende no cérebro. O seu mecanismo de formação é bastante complexo. Pressupondo que toda atividade criativa surge de experiências prévias já existentes no cérebro, fruto de percepções internas e externas, assinala os seguintes passos para sua efetivação: lº) reorganização do material já existente no cérebro, com conseqüente dissociação e associação das impressões sensonais. (Lembra que toda impressão é experienciada como um todo complexo, composto por numerosas partes); 42 Pg 2º) divisão das impressões em diferentes partes, das quais umas serão retidas na mente e outras deixadas de lado; 3º) alteração ou distorção das partes retidas. (Este processo baseia-se nas dinâmicas das nossas excitações nervosas internas e coordenação de imagens); 4º) união ou associação dos elementos que foram dissociados e alterados. (Isto pode se dar sob diferentes formas, como, por exemplo, a união de imagens subjetivas com objetivas, proveniente do conhecimento científico); 5º) combinação de diferentes formas em um sistema, constituindo um quadro complexo. Lembra ainda que a atividade de imaginação criativa se completa pela cristalização da imagem em uma forma externa. Analisada nos seus detalhes, ganha consistência a sua afirmação segundo a qual todos nós temos capacidade para elaborar atividades criativas. Há, a esse respeito, um ponto que ele ressalta e que eu considero da maior
importância para a compreensão da necessidade que hoje temos de levar os nossos alunos a desenvolver a capacidade de enfrentar o novo, o desconhecido. Pode ser assim resumido: a atividade criativa da imaginação depende primariamente de quão rica e variada é a experiência prévia que a pessoa armazenou no seu cérebro. E mais: que ela é uma função vitalmente necessária. Vale lembrar que este é um aspecto para o qual muitos educadores ligados à questão do currículo já apontaram: a importância de se enriquecê-lo, ao invés de se limitá-lo. Sobre o mito segundo o qual a imaginação criativa da criança é mais rica e mais variada do que a do adulto, Vygotsky também traz uma abordagem original. Seu ponto de partida era justamente o que acabou de ser afirmado, ou seja, o fato de que a riqueza da imaginação está estreitamente relacionada com a quantidade e a variedade de conhecimentos adquiridos, bem como as impressões vivenciadas pela pessoa. A partir daí concluiu que essas são maiores nos adultos que nas crianças. De fato, os 43 Pg interesses das crianças costumam ser mais simples, mais elementares e qualitativamente mais pobres do que os dos adultos. Além disso, sua relação com o mundo carece da complexidade e da diversidade que a distinguem do adulto e que são tão importantes no trabalho de imaginação. Ainda nesse mesmo artigo, e afirmando ter se baseado em um estudo de Ribot sobre a imaginação criativa (não-referenciado), Vygotsky enfatiza que no processo de desenvolvimento humano a imaginação também se desenvolve, encontrando o seu ponto máximo no adulto. Justifica, assim, o fato de só se encontrar uma real imaginação em todas as áreas da atividade criativa na fantasia já amadurecida do adulto. E para aqueles que sustentam o contrário, afirma que a criança apenas parece ser mais criativa. De fato, ela confia muito mais nos produtos das suas fantasias e tem muito menos controle sobre elas. Além disso, apela muito mais para o componente emocional do que para o cognitivo, ao contrário da imaginação do adulto. Há aqui, portanto, duas idéias que deveriam ser levadas em conta pelos educadores, mormente os responsáveis pela elaboração das propostas curriculares: a de que imaginação criativa é passível de desenvolvimento e a de que guarda estreita relação com a riqueza de experiências e conhecimentos previamente adquiridos pela pessoa. Conteúdos escolares e desenvolvimento cognitivo Vygotsky abordou brevemente esta questão ao tratar das relações entre aprendizagem e desenvolvimento. Posteriormente, alguns de seus seguidores realizaram investigações procurando analisar especificamente essas relações. Foram feitos estudos sobre as mais diferentes disciplinas escolares. Uma das conclusões a que se chegou é a de que "o processo de aprendizagem muda não só o que se pensa conscientemente, mas também os modos como se produz essa reflexão" (Bogayavlensky e Menchinskaya 1991, p. 46).8 Dito de outra forma, o que se está afirmando é que o 44 Pg conhecimento que o aluno adquire não só amplia sua consciência, como também modifica seu próprio modo de pensar. Embora não haja nisso nenhuma novidade, aqueles e outros estudos (Petrovski 1980) pontuaram alguns aspectos bastante relevantes. Alguns deles dizem respeito diretamente ao ensino da matemática. Outros são mais gerais. O primeiro trata da questão da especificidade do conhecimento. E inegável que há conhecimentos que permitem desenvolver mais do que outros certas funções cognitivas superiores. É
o caso, por exemplo, daqueles que são logicamente mais concatenados, que permitem passagens claras do concreto para o abstrato, do particular para o geral. Também a possibilidade de revelar significados facilmente apreensíveis pelos alunos faz com que certos conhecimentos sejam mais capazes de levar àquele desenvolvimento do que outros. Como conteúdo e método estão intrinsecamente relacionados, O mesmo se pode dizer dos métodos. As pesquisas evidenciaram que aqueles métodos que mais favorecem o desenvolvimento mental são os que levam o aluno a pensar, que o desafiam a ir sempre mais além. São, sobretudo, aqueles que o levam a começar um processo por meio de ações externas, socialmente compartilhadas, ações que irão, mediante o processo de internalizaçãO, transformando-se em ações mentais. Isso vem confirmar os estudos de Vygotsky sobre a zona de desenvolvimento proximal. Um aspecto importante a destacar é o papel que nesse processo desempenha o elemento sensorial. Ele é importante como ponto de partida. Contudo, para que se chegue ao pleno desenvolvimento das funções psíquicas é preciso que ele seja sempre ultrapassado, levando o aluno para patamares mais elevados, mais abstratos e gerais. Vale dizer que é preciso que o professor esteja alerta ao uso do material figurativo-concreto. Auxiliar importante sua utilização deve ser seguida de processos que levem a abstrações e a amplas generalizações. Isso implica se passar das formas figurativo-concretas do pensamento para o pensamento lógico conceitual. Nesse caminhar é de capital importância o trabalho com a questão do sentido e dos significados dos conteúdos 45 Pg a ser aprendidos. Ou seja, o material figurativo deve remeter a conceituações abstratas e não se esgotar em si mesmo. Não raro encontramos equívocos a esse respeito: supõe-se que o bom ensino é aquele que trabalha com a imagem, com elementos concretos, independente da forma como estes são trabalhados. A questão da interação entre imagem e palavra na atividade mental das crianças, em especial na assimilação das noções escolares, é tema recorrente entre os pesquisadores alinhados com essa corrente. Foram o ponto de partida os trabalhos de Vygotsky (1984) e de Luria (1979d; 1990) sobre a relação entre linguagem e percepção. A esses seguiram-se muitos outros, dentre os quais destaco, por sua pertinência para a situação escolar, uma pesquisa realizada por Zankov (1991). Desenvolvida com alunos das classes elementares, teve por objetivo investigar a interação de estímulos verbais e visuais na aprendizagem. Consistiu em submeter cada um, dentre quatro grupos experimentais, a um tipo de estratégia que combinava essas duas variedades de estímulos. Chegou à conclusão de que o que propiciou melhores resultados de aprendizagem foi aquele na qual o objeto ou elemento figurativo estimulou o aluno a pensar. Isso se deu da seguinte forma: as palavras do professor orientavam a observação do aluno para os aspectos perceptuais de um dado objeto. Posteriormente, o próprio aluno, baseado em suas observações, deveria deduzir as propriedades e as relações nele existentes. A outra forma que contrastava com essa consistia no seguinte: o professor, por meio de exposição verbal, dava informações aos alunos sobre aspectos perceptuais do objeto, suas propriedades e suas relações diretamente observáveis. Ao contrário do anterior, só então é que apresentava os meios visuais. Estes serviam apenas para consolidar ou concretizar sua exposição verbal. O ensinamento a ser aprendido é que o momento de apresentar o material visualfigurativo influi no próprio processo de aprendizagem. 46 Pg Mais do que isso, o próprio papel que o professor atribui a esse recurso determina seu grau de utilidade. No exemplo dado, os resultados da aprendizagem no primeiro caso se mostraram bastante superiores porque o objeto foi fundamental para as inferências feitas a
seu respeito. A fala do professor ajudou a encaminhar a atenção para os pontos fundamentais, para os aspectos básicos, sem os quais não se chegaria às inferências corretas. Preocupado que estava com a situação escolar, também Leontiev (1978) traz abordagens que suscitam reflexões interessantes sobre o papel do material visual na aquisição de conhecimento. A esse respeito, ele faz uma distinção entre o recurso que permite ao aluno ter uma experiência sensória que lhe alarga os horizontes, fazendo-o captar o significado de um conteúdo escolar desconhecido, e aquele que lhe permite compreender a essência desse conteúdo. Ilustram o primeiro caso tudo aquilo de real e de concreto que se mostra aos alunos, todas aquelas situações e experiências que lhes é permitido vivenciar, tais como: visitas, filmes, desenhos, objetos, modelos etc. É inquestionável o valor de tais recursos como fonte de conhecimento. (Não fosse por isso, e não teríamos hoje a clareza que temos sobre os dinossauros, por exemplo). O que realmente merece ser discutido é o segundo caso. É preciso se ter em mente que para ir além de uma simples informação, o recurso visual precisa desempenhar uma função psicológica no processo de aprendizagem. E qual é essa função? Segundo Leontiev (op. cit.), é a de ajudar o aluno a captar a essência do fenômeno estudado, uma vez que ele permite inferir as suas leis e as suas peculiaridades. Assim, ser-lhe-á mais fácil conseguir chegar às generalizações. Os exemplos com que aquele autor ilustra esse último tipo são bastante familiares aos professores. Vejamos dois deles. No primeiro, passado durante a Segunda Guerra Mundial, um professor pretendia levar os alunos à construção do conceito de número. Para isso trouxe um cartaz ricamente elaborado, no qual cada número correspondia a uma figura de um artefato bélico (imaginava que assim os 47 Pg estaria motivando para a aprendizagem). Diante de canhões, metralhadoras e aviões tão bem ilustrados, é óbvio que a atenção das crianças sequer tangenciou a relação pretendida: objetos/número. O recurso, ao invés de ajudar, atrapalhou a aprendizagem, desviado que foi do objetivo da aula. Contrapõe a esse, um outro exemplo. Ele ilustra o que seria uma ajuda real e consistente do material figurativo-concreto para a aprendizagem. Neste caso, o professor lançou mão de objetos simples e familiares aos alunos (lápis, canetas, borrachas etc.), utilizando-os, quer concretamente, quer de forma figurada, como em um cartaz. No exemplo acima sobre o conceito de números ele sugere o uso de lápis para se fazer a correspondência objetos/número. Suas conclusões levaram-no a afirmar que o lugar e o papel do material visual no processo de ensino são determinados pelo tipo de reação que esse material desencadeia na estrutura mental do aluno. Para que ele seja, de fato, um poderoso auxiliar, é necessário que leve o aluno a centrar sua atenção em alguma coisa que esteja além do próprio material, isto é, nas relações mentais que ele suscita (id., ibid., 1978, p. 158ss). Outro aspecto interessante abordado por aqueles estudos anteriormente referidos (Bogayavlensky e Menchinskaya 1991, p. 50) é o que trata do problema da regressão. "Comprovou-se - em alunos que alcançaram determinado nível de aquisição de noções -, em relação à complexidade da matéria, uma defasagem temporal a um nível inferior, um regresso à utilização de métodos anteriores de pensamento." Significa dizer que o aluno, após demonstrar a aquisição de uma determinada habilidade mental, pode regredir a etapas já vencidas, diante de dadas situações. Vygotsky (1981c, p. 233) e Luria (1992, p. 175) já haviam registrado a presença desse fenômeno quando o indivíduo se encontra em uma situação difícil, quando tem obstáculos a superar. Voltar a contar nos dedos ou a fazer uso de estímulos figurativos-concretos ilustram esse fato. Mas assinalam que a regressão depende basicamente de dois fatores: o desenvolvimento intelectual
geral e o nível de domínio dos meios técnicos. Nos momentos em que as funções mentais em jogo 48 Pg estão em processo de consolidação, é comum a presença desse fenômeno. Quando estão já consolidadas é mais difícil sua ocorrência. Lembra Luria que até mesmo a simples mudança de objetivo de uma tarefa leva "inevitavelmente a uma mudança significativa na estrutura dos processos psicológicos que a levam a termo" (id., ibid., pp. 175-176). Isso quer dizer que implica uma mudança na organização cerebral. Ora, quantas vezes na situação de ensino/aprendizagem não há ocorrências desse tipo? Portanto, a constatação de que está havendo uma regressão no desenvolvimento mental deve ser encarada como inerente ao próprio processo. Atividade e consciência Nos anos que se seguiram ao florescimento da teoria sócio-histórica, Leontiev dedicou-se ao estudo da atividade mental e de sua relação com o próprio desenvolvimento da personalidade. Esses estudos levaram-no a afastar-se da concepção sócio-histórica propriamente dita, e a elaborar uma nova teoria: a chamada teoria da atividade (Leontiev 1978, 1989; Wertsch 1981). Dentre os seus temas destaca-se o da relação entre atividade e consciência, extremamente esclarecedor de certos problemas que ocorrem no processo de aprendizagem. Ao abordar o referido tema, Leontiev (1978) começa por relatar um clássico experimento realizado por V.P. Zinchenko sobre a relação existente entre memória e consciência. Consistiu esse em comparar o resultado de dois grupos de sujeitos submetidos a duas tarefas, aparentemente idênticas do ponto de vista externo, mas diferentes do ponto de vista psicológico. A cada sujeito de ambos os grupos foi dado um cartaz com 15 figuras e o mesmo número de cartões contendo figuras diferentes, que deveriam ser emparelhadas com as do cartaz. A única diferença entre os grupos era o critério de emparelhamento. Enquanto um deveria emparelhá-las pela letra inicial das figuras, o outro deveria fazê-lo 49 Pg procurando algum tipo de relação entre elas, por exemplo, serrote/martelo; livro/óculos. À primeira vista, o tipo de atenção requerido por ambos os grupos era o mesmo. Seria impossível realizar a tarefa sem estar atento. Zinchenko, porém, provou que havia uma profunda diferença quanto ao objeto da consciência em cada um dos grupo. Para tanto, solicitou aos sujeitos que tentassem se lembrar das figuras existentes nos cartões, após todo o material ter sido recolhido. Os resultados apontaram que o número de figuras lembradas pelos sujeitos que emparelharam pela letra inicial foi relativamente insignificante quando comparado com o outro grupo. Essa diferença foi ainda maior quando se pediu para que eles se lembrassem dos pares. Houve mesmo quem não conseguisse se lembrar de um único par. No entanto, os sujeitos do outro grupo, que tiveram de procurar algum tipo de relação entre as figuras, obtiveram índices muito altos em ambos os casos (lembrar a figura do cartão ou lembrar os pares). O que explica tal diferença? É Leontiev (op. cit.) quem explica que, no primeiro grupo, o Sujeito, ao selecionar o cartão de acordo com a letra inicial, vê, distingue e seleciona um dado objeto que está no seu campo de atenção, mas, de fato, o objeto da sua consciência é a letra inicial do nome da figura, e não ela própria. No outro grupo, o objeto da consciência do sujeito são as próprias figuras. É nelas que ele tem de prestar atenção, enquanto procura mentalmente relacioná-las. Por isso consegue recordá-las com mais facilidade. Quer me parecer incontestável a importância dessas conclusões para a situação de ensino/aprendizagem. Quantas vezes não presenciamos a dissociação entre atividade e consciência nas nossas salas de aula? Quantas vezes não terá residido nesse processo equivocado de ensinar uma das causas do fracasso
escolar? Creio que há lições interessantes a se tirar a esse respeito, sendo a principal delas a de que atividade e consciência devem andarjuntas. Isto é, que a aprendizagem não pode girar somente em torno de atividades mecânicas, como sói acontecer nas nossas escolas. 50 Pg Atividade compartilhada Vygotsky, ao apontar o papel da interação social no desenvolvimento das funções mentais mais elevadas, abriu uma nova perspectiva no estudo da atividade grupal. Se é fato que tal temática tem sido objeto de estudo da psicologia, é verdade também que ela se volta, na maioria das vezes, para as questões dos processos de socialização e emocionais presentes nos grupos. Mesmo no campo especificamente pedagógico, estudos desse tipo preocupam-se muito mais com problemas de ajustamento do que com aqueles de natureza cognitiva. Nos seus escritos, essa interação traduzia-se numa relação entre a criança e o adulto. No entanto, pesquisadores interessados em explorar as suas idéias passaram a ampliá-la de forma a envolver também o estudo da atividade compartilhada ou atividade grupal. Hoje é uma área em franca expansão (Rubtsov e Guzman 1984/1985; Forman e Cazden 1988; Forman 1989; Rivina 1991; Rubtsov 1989, 1991a, 1991b; Schoenfeld 1989; Saxe 1992). É preciso ressaltar, no entanto, que entre os pesquisadores soviéticos houve uma tendência a prosseguir na linha de pesquisas iniciada por Leontiev com ênfase sobre a atividade. Transposta para o âmbito pedagógico por Davidov e Elkonin, essa tendência passou a exercer grande influência sobre o pensamento pedagógico soviético. Sob a liderança de Vitaly Rubtsov, vários pesquisadores que se dedicam ao estudo da atividade compartilhada na situação de ensino/aprendizagem se inscrevem nessa tradição. De uma forma geral, os estudos sobre esse tema comportam, principalmente, duas linhas: a dos que procuram saber de que maneira as formas coletivas de organização das atividades de aprendizagem contribuem para o desenvolvimento das funções mentais superiores, e a dos que, ao analisá-las, se preocupam mais em saber de que forma elas favorecem à aquisição de conhecimento. 51 Pg Em relação à primeira delas, Forman e Cazden (1988), pesquisadoras norteamericanas, analisaram tanto atividades nas quais um estudante tutorava o ensino de outro, quanto aquelas nas quais os alunos colaboravam entre si no processo de aprendizagem. Particularmente interessante são as que tratam do tutoramento. Em uma dessas pesquisas, o professor atuava diretamente com um aluno a quem era proposta a realização de uma tarefa. Esse, posteriormente, teria de repetir com o colega o que o professor fizera com ele. O papel do professor consistia, sobretudo, em fazer perguntas. À medida que o aluno ia encontrando as respostas, compreendia a lógica da tarefa. Como conseqüência, ia se libertando da direção do professor. O processo de tutoramento do colega evoluiu desde a simples determinação dos passos a ser seguidos, até a uma atitude mais semelhante à que o professor tivera com ele. Nessa e em outras investigações semelhantes, aquelas pesquisadoras constataram que o fato de ter de expressar o seu próprio pensamento para outras pessoas ajuda o aluno a organizá-lo. Isto é, verifica-se um aumento no grau de articulação e de precisão na verbalização da tarefa quando ele tem de transmiti-la para os colegas (id., ibid., p. 326). Quanto às experiências de atividade compartilhada, há algumas cujos resultados confirmam os estudos anteriores da teoria sócio-histórica. Também nelas foi encontrado que a tendência geral do desenvolvimento infantil caminha do social para o individual: uma função compartilhada por duas pessoas torna-se um modo de organização de cada indivíduo, no qual a ação interpsíquica vai se transformando
em ação intrapsíquica. Há ainda, em tais pesquisas, uma concordância de que a atividade em comum seja uma etapa necessária e um mecanismo interior da atividade individual (Rubtsov 1989, 1991a, 1991b; Rivina 1991). Em outra pesquisa envolvendo pares de alunos da 7º série (média de 13 anos de idade), Forman (1989, p. 68) observou a ocorrência de 52 Pg criação de zonas de desenvolvimento proximal bidirecional, ou seja, cada um dos alunos atuou de forma a criar zonas de desenvolvimento proximal na estrutura cognitiva do outro. Como conseqüência, houve a ocorrência desse processo em ambos. Isso se deu em um contexto no qual esses pares foram levados a realizar tarefas de matemática (geometria) envolvendo resolução de problemas. Ela atribuiu a ocorrência do fenômeno ao fato de que, na situação de colaboração mútua, cada aluno pode ocupar, em diferentes momentos, o papel de aluno ou o de professor. Chama, porém, a atenção para uma particularidade que observou nessa pesquisa, consoante com resultados obtidos por outros investigadores: o relacionamento cooperativo difere largamente quanto ao grau de mutualidade dos participantes e ao potencial para promover crescimento cognitivo em cada um deles. Isso se explica pelo fato de que o poder e o conhecimento não são igualmente compartilhados pelos participantes do grupo. Assim, pode ocorrer que uns se beneficiem mais do que outros dessa situação. Outra contribuição dada por essa pesquisadora diz respeito ao grau de apreensão do sentido da fala na relação professor/aluno e aluno/aluno. Inicialmente traz à tona o conceito de "instrução proléptica", introduzido por Wertsch e Stone com base nos estudos de Vygotsky. Segundo tais autores, quando um professor faz demonstrações e dá explicações nas quais fica explícito o sentido do conteúdo ou da mensagem a ser aprendida, os alunos têm, provavelmente, um bom nível de apreensão desse sentido. Ocorre, porém, que na situação de aprendizagem nem sempre esse grau de explicitação é atingido. Por vezes, ela pressupõe que o aluno possua um conhecimento anterior ao que está sendo dado, e que o próprio professor imagina seja compartilhado por todos. Vale lembrar que essa é uma situação típica de sala de aula, ou seja, ao dar continuidade a uma aula anterior, ao passar uma tarefa semelhante a outras anteriores, ao resgatar uma informação para utilizá-la como ponto de partida para novas aprendizagens etc., o professor pressupõe que o aluno saiba do que é que ele está tratando. Em outras palavras, há uma pressuposição de que a turma esteja captando o sentido ali implícito. 53 Pg Ora, se quem ouve não conhece todos os pressupostos de quem fala, se o conteúdo da mensagem não está explícito, o ouvinte terá de construir na sua mente o sentido presente na mente do seu interlocutor. Esse reconstruir ativa a própria mente e dá vida ao conteúdo. Em outras palavras, ele favorece a criação de zonas de desenvolvimento proximal. Foi justamente isso o que Forman observou na sua pesquisa sobre atividade compartilhada. Descobriu que ela é um campo caracterizado pela instrução proléptica, uma vez que o aluno não consegue ter, na sua comunicação com o outro, o mesmo nível de explicitação que tem o professor (id., ibid., p. 67). Ainda na linha de estudos sobre o papel das atividades compartilhadas no desenvolvimento cognitivo destaca-se a intensa produção de Rubtsov, que analisou essa questão sob vários ângulos. Dentre seus trabalhos, quero destacar três, uma vez que estão mais estreitamente ligados à situação de sala de aula. No primeiro, o autor procura investigar de que forma a organização das atividades conjuntas funciona como uma situação social capaz de levar ao desenvolvimento cognitivo (Rubtsov 1989). No segundo, aprofundando a questão anterior, ele se detém no estudo dos mecanismos psicológicos presentes nas atividades compartilhadas de resolução de tarefa que permitem realizá-la a bom
termo (Rubtsov e Guzman 1984/1985). No último deles, que embora seja sobre a mesma temática geral se classifica na linha dos estudos que procuram ligá-la à aquisição de conhecimentos, ele faz uma análise do papel do conteúdo nesse tipo de atividade (Rubtsov 1991b). Em relação ao primeiro, é necessário explicar que se tratou de uma pesquisa envolvendo crianças de 5 a 13 anos. Consistiu na proposição de tarefas a ser realizadas em grupo de quatro, cuja solução dependia da participação de todos. A principal conclusão a que chegou foi a de que para se considerar uma situação social como uma situação capaz de levar ao desenvolvimento cognitivo é preciso relacioná-la ao sujeito e ao mecanismo de ação cognitiva em si mesmo. A esse respeito tece uma série de considerações. Dentre elas, destaca-se a que afirma ser o trabalho 54 Pg pedagógico, quando feito sob a forma de ação compartilhada, um verdadeiro canal de transmissão cultural. Por meio dele, esquemas de ação estabelecidos culturalmente são mediatizados pela interação dos participantes. O aluno, nessa forma de organização tem a oportunidade de expressar certas lógicas, certos raciocínios e certas formas de abordagem de problemas que são trazidos do seu meio sociocultural. No decorrer da pesquisa o autor pôde constatar que existem diferentes níveis de participação do aluno no grupo. O mais elementar consiste em se ter como única preocupação cumprir a sua parte na tarefa. Desse jeito, elimina-se toda possibilidade de colaboração. Um nível intermediário se caracteriza por tentativas de ajudar o outro, enquanto ele faz a sua parte na tarefa. E o nível mais elevado é aquele em que a colaboração passa a ser o objetivo da própria tarefa. Assim, a regra passa a ser um por todos e todos por um. A mutualidade é total. Significa, em termos cognitivos, sair do estado de centração típico do primeiro nível para um estado de descentração total, com conseqüente desenvolvimento mental. Nele, a orientação individual e os conflitos interacionais desaparecem. (Rubtsov 1989, pp. 632-633). Passando ao segundo estudo (Rubtsov e Guzman 1984/1985), é importante frisar que teve por objetivo identificar os mecanismos psicológicos que favorecem o bom desempenho na resolução de tarefas feitas conjuntamente. O procedimento utilizado envolvia a realização de uma tarefa motora, por duplas de crianças (idades entre 8 e 14 anos). A consecução plena da atividade dependia de haver uma coordenação mútua entre as ações dos participantes. Os resultados evidenciaram que o fato de não conseguir realizar satisfatoriamente a tarefa fazia aumentar o jogo de culpa entre eles. Quando ocorria o contrário, aumentava o envolvimento de cada um na busca da solução. Mesmo quando algo não saía muito bem, havia uma tendência para continuar nessa busca. Isso confirmou a hipótese levantada de que a coordenação de operações é, de fato, o principal mecanismo que leva ao reconhecimento e à solução de tarefas educacionais nos trabalhos feitos de forma compartilhada (Rubtsov e Guzman 1984/1985, p. 79). 55 Pg O terceiro estudo procura relacionar esse tipo de organização do trabalho pedagógico com a aprendizagem de conteúdos. Trabalhando com jovens de 12 e 13 anos, a pesquisa foi feita em torno da aquisição de conceito científico mediante uma experimentação sobre campo magnético. Nela ficou evidenciado que o resultado essencial de uma aprendizagem experimental é a aquisição de um modo de resolução, em comum, de novos problemas. Isso envolve uma série de pequenas descobertas de formas e meios alternativos de abordagem do problema. A troca interindividual favorece o surgimento de novas idéias que passam a ser exploradas por todos. O autor frisa que nesse tipo de organização do trabalho pedagógico os alunos descobrem que esse intercâmbio faz parte ativa da própria descoberta da solução do problema. Os resultados mostraram, enfim, que o trabalho compartilhado contribuiu para a aquisição do conteúdo teórico de
conceitos científicos (Rubtsov 1991b, pp. 234-235). Mais recentemente, Rivina (1991), dando seqüência a estudos feitos por Rubtsov, realizou uma pesquisa que vem confirmar um dado já observado por Forman: existem grandes diferenças entre as diversas formas de se organizar a atividade compartilhada. Segundo afirma, estudos sobre esse tema costumam classificá-la de duas maneiras: uma que poderia ser chamada de "posicional" e outra que é definida com base nas operações implicadas pelos objetos e pelo conteúdo da atividade. O primeiro tipo comporta várias formas. Repartir as posições das crianças pelas atividades, de modo que cada uma tenha um ponto de vista diferente ao começá-la, ou repartir os papéis entre os participantes são duas das mais comuns. Rubtsov (apud Rivina, 1991, pp. 165-166), ao trabalhar com o segundo tipo de classificação, concluiu que existem quatro fatores que tornam as atividades compartilhadas mais eficazes. São eles: (a) o emprego de modelo que assegure a coordenação dos procedimentos individuais dos participantes; (b) a divisão e o rodízio das operações de base entre os 56 Pg parceiros, conforme a estrutura do objeto estudado; (c) o aparecimento de uma situação de conflito provocando uma necessidade de reconstrução da interação habitual; (d) a apresentação desse trabalho sob a forma de atividade lúdica. Com base nesses estudos, Rivina realizou uma pesquisa com 109 alunos de 1º e 2º séries (idades entre 6 e 10 anos), repartidos em grupos de três. Foi um longo e complexo experimento, no qual as formas de organização variaram dentre os seguintes tipos: ensino individual; divisão posicional; divisão dos alunos de acordo com objetos e conteúdos presentes na tarefa a ser resolvida, e, por fim, um tipo que procurava reunir todos os quatro fatores de eficácia apontados por Rubtsov. O principal resultado encontrado apontou que o sucesso da aprendizagem escolar depende, em grande parte, da possibilidade de se levar os alunos a realizar atividades compartilhadas. E que os elementos indispensáveis dessas atividades são, de fato, apontados por Rubtsov como "fatores de eficácia" (Rivina, op. cit., pp. 176-177). O que se depreende de todos esses estudos é que a atividade compartilhada ativa o desenvolvimento cognitivo e favorece a aquisição de conhecimento. No entanto, não é qualquer tipo de situação interpessoal que permite que essa formação se dê. 57 Pg 2 O CONHECIMENTO MATEMÁTICO E A TEORIA SÓCIO-HISTÓRICA: PONTOS DE APROXIMAÇÃO Adotando uma atitude que compreende a interdisciplinaridade como necessária a uma ampla e mais completa compreensão do fenômeno estudado, dedico-me, neste capítulo, a identificar certos pontos de aproximação entre o enfoque sóciohistórico da psicologia e o conhecimento matemático. Parto de uma breve análise das tendências atuais no ensino da matemática, detendo-me, em seguida, no cerne da questão, ou seja, a influência do pensamento sócio-histórico nesse campo da educação. A última década viu se acirrarem as críticas contra a forma como a escola vem trabalhando os conteúdos escolares. A matemática não é exceção. Ao contrário, talvez seja um dos campos onde melhor se observa o fenômeno do "encasulamento" ou "encapsulamento" da escola (Resnickm 1987, p. 15). Trata-se do extremo isolamento que cresce a cada dia na escola em relação ao mundo que a rodeia. E como se o processo de escolarização encorajasse a idéia de que no "jogo da escola" o que conta é aprender vários tipos de regras simbólicas, aprendizagem essa que deve ser demonstrada no seu próprio interior. Creio que ilustra bem o fato um episódio relatado por um pesquisador e professor
de matemática que vem trabalhando por um 59 Pg ensino mais rico e pleno de sentido para seus alunos: Allan Schoenfeld. Referese a uma avaliação, em nível nacional, dos conhecimentos matemáticos de alunos secundaristas, feita nos Estados Unidos. Dentre os problemas propostos havia um que consistia no seguinte: "Em um ônibus do exército cabem 36 soldados. Se 1.128 soldados precisam ser transportados para um local de treinamento, quantos ônibus serão necessários?" Aproximadamente 70% dos alunos realizaram a operação aritmética correta, dividindo 1.128 por 36, encontrando um quociente de 31 e 12 de resto. Apenas 23% responderam que seriam necessários 32 ônibus. Os demais escreveram que o número de ônibus necessário era "31 e sobram 12" (Schoenfeld 1989, p. 81). Essa é a forma como a escola ensina a pensar o conhecimento matemático! Pensamento matematicamente correto, mas destituído de sentido. Ao que parece, não há muita continuidade entre o que se aprende na escola e o conhecimento que existe fora dela. Há crescente evidência de que a escolarização está contribuindo muito pouco para o desempenho fora da escola. Dificilmente se mostra para o aluno a relação direta e óbvia que há entre a escola e a vida. Por outro lado, percebe-se também que o conhecimento adquirido fora dela nem sempre é usado para servir de base à aprendizagem escolar. Diria mais: não é levado em conta, sequer, como recurso motivacional. O saber da escola, ao que parece, anda na contramão do saber da vida. Eu mesma ouvi, de um aluno da 5º série que fazia duras críticas a esse alheamento, diante das leituras infantilizadas que sua professora exigia que fossem feitas em casa, a seguinte explicação: "É pra ler, eu leio. Leio logo. Quero ficar livre depressa para poder fazer as coisas que eu gosto. Às vezes é até pra ler o que eu gosto, o que me interessa" (Moysés e Aquino, 1987). O reconhecimento de que matemática raramente é ensinada da forma como é praticada (Forman 1989) tem levado estudiosos a rever esse ensino. 60 Pg Tendências atuais no ensino da matemática Em relação à matemática, há no seu ensino certas características - como sua universalidade e a própria concepção acerca da finalidade do seu estudo - que fazem com que os alunos dos mais diferentes países se comportem de uma maneira muito similar. A clássica pergunta: "professor, é para multiplicar ou dividir?", diante de um problema proposto, é registrada, por exemplo, por Mellin-Olsen (1986), pesquisador e professor de matemática norueguês, em um livro no qual discute o papel político dessa disciplina. Autores americanos como Stodolsky (1985) e Forman (1989) apontam as mesmas dificuldades e sugerem novas formas de ensiná-la. Essas são pautadas, principalmente, nas atividades em grupo, uma vez que reconhecem o papel da interação na construção do conhecimento matemático. A presença de Vygotsky na educação matemática Nessa preocupação os autores reconhecem a influência do pensamento de Vygotsky, para quem a aprendizagem dos conceitos deveria ter suas origens nas práticas sociais, conforme já abordado. Esse tipo de crítica resultou, no campo da matemática, em uma nova tendência que vem crescendo nos últimos anos: a da preocupação é com a contextualização do ensino. Na base dessa tendência, revelase, com enorme freqüência, o enfoque sócio-histórico da psicologia (Mellin. Olsen 1986; Resnick 1987; Brown, Collins e Duguid 1989a, 1989b; Engestróm 1991; Janvier 1991; Nunes 1991; Saxe 1992; Schuieman 1983, dentre outros). Se para pesquisadores ocidentais essa aproximação da matemática com o pensamento de Vygotsky só agora vem se efetivando, para os soviéticos, entretanto, há muitas décadas que se tomou um espaço fértil para pesquisas sobre
desenvolvimento das funções mentais superiores. Dando apenas um exemplo, vale lembrar que na obra Psicologia e pedagogia: Bases psicológicas da aprendizagem e do desenvolvimento, 61 Pg uma coletânea composta por 12 artigos produzidos entre as décadas de 1930 e 1960 por pesquisadores ligados ao enfoque sócio-histórico da psicologia (Vygotsky et ai. 1991a, 1991b), dois abordam especificamente o ensino da matemática (Krutetsky e Kalmykova) e um terceiro apresenta alguns resultados de pesquisa nessa área (Bogayavlensky e Menchinskaya). Assim sendo, e com uma maior divulgação desse enfoque psicológico, é natural que pesquisadores que se voltavam para investigações no campo da matemática inclusive os ligados especificamente à educação matemática - passassem a incluir esse referencial teórico (ou alguns aspectos dele) nos seus trabalhos. Em nosso país, um grupo de pesquisadores do mestrado em Psicologia Cognitiva da Universidade de Pernambuco, com destaque para Terezinha Nunes e Analúcia Schliemann, é um exemplo típico dessa influência. Seus estudos do início dos anos 80 caracterizavam-se pela orientação teórica mais pautada no construtivismo piagetiano (Schliemann 1983; Carraher et ai. 1986a, 1986b). A questão cultural foi, gradativamente, ganhando terreno. Hoje, percebe-se, em alguns deles, uma alusão direta a certas idéias do enfoque sóciohistórico (Carraher e Schliemann 1988; Nunes 1991). No campo da educação matemática a tendência para se aproximar de um enfoque sociocultural surgiu por ocasião do Terceiro Congresso Internacional de Educação Matemática, na Alemanha, em 1976, e tem se firmado como um dos seus pontos básicos. Considerada como uma área autônoma de pesquisa em educação, pode-se afirmar que a educação matemática é um campo cm franca expansão em níveis internacionais. Congrega em torno de si um grupo de pesquisadores ativos e participantes, que fazem um intenso trabalho de 62 Pg produção e divulgação do conhecimento: promovem eventos, publicam periódicos, mantêm cursos de pós-graduação etc. No Brasil, há cerca de 20 anos, há um crescente movimento em seu redor (D'Ambrosio 1990, 1993). E a psicologia é a principal área do conhecimento, além da própria matemática, a contribuir para a sua evolução (Brito 1993). Estudos sobre cognição e organização intelectual e social do conhecimento estão no cerne das suas pesquisas. A etnomatemática: Uma tendência em formação Ao deslocar seu eixo diretor para os aspectos socioculturais, a educação matemática acabou criando uma nova área de pesquisa: a etnomatemática. Ela é hoje o lugar de convergência das preocupações sobre o papel dos fatores culturais como língua, hábitos, costumes, modos de vida sobre o ensino e a aprendizagem da matemática (Janvier 1991, p. 129). O pesquisador brasileiro Ubiratan D Ambrosio (1990, p. 7), que sempre esteve na linha de frente desse movimento, assim o define: "É um programa que visa explicar os processos de geração, organização e transmissão de conhecimento em diversos sistemas culturais e as forças interativas que agem nos e entre os três processos." Reconhece esse autor a força que o pensamento de Vygotsky e seus discípulos desempenhou nessa mudança de eixo. Chega mesmo a afirmar que essa nova forma de pensar a educação matemática acarretará profundas mudanças no currículo e, por conseqüência, na prática docente. Sendo um campo recente, mesmo entre os matemáticos não há clareza quanto aos seus limites e às suas potencialidades para a educação, estando ainda em fase de consolidação (Jardinetti 1993). Até mesmo a sua denominação ainda não conquistou um status definitivo no meio matemático. Terminologias como matemática oral, matemática da vida cotidiana, matemática não-estandartizada confundem-se nesse
campo (Borba 1987; Buriasco 1988). Adverte Carvalho (1991, p. 25) que "o conceito é relativamente novo e requer muito 63 Pg cuidado, pois podemos cair no risco de elaborar um conceito que não seja suficientemente capaz de explicar as práticas designadas como experiências e pesquisa em Etnomatemática". Contudo, das muitas considerações que D'Ambrosio (1993, p. 14) tece a respeito das novas exigências postas ao professor de matemática, há uma que considero bastante promissora como fator de melhoria na qualidade do ensino, embora de dificil execução. Trata-se do novo papel que esse professor terá de assumir: o de "docente/pesquisador". De fato, uma postura que privilegie o enfoque sócio-histórico (ou sociocultural) da aprendizagem, dificilmente poderá prescindir de uma atitude de pesquisa por parte do professor. Conhecendo de perto a realidade das nossas escolas públicas do ensino fundamental, prefiro falar em uma "atitude de pesquisa". Mais do que transformar o professor em pesquisador - algo que exige uma formação adequada, tanto teórica quanto prática - penso que ajudá-lo a desenvolver uma atitude de pesquisa seria talvez, mais viável. Para tal, seria necessário que ele, no seu curso de formação, já encontrasse essa atitude permeando a prática pedagógica dos seus próprios professores. E mais: que ela também estivesse presente entre seus pares, no interior das escolas onde fosse trabalhar. Por atitude de pesquisa estou considerando uma constante preocupação do professor em conhecer e interpretar a realidade sociocultural dos seus alunos e da comunidade onde se insere a escola. Isso se revela por um permanente estado de alerta em relação aos processos de apreensão do conhecimento por parte dos alunos, tentando perceber os fatores que o influenciam tanto positiva, quanto negativamente ou por meio da adaptação do ensino às características do alunado, de forma a torná-lo pleno de sentido. Mostra-se, também, quando ele procura acompanhar a evolução dos desempenhos dos seus alunos, analisando seus resultados, discutindo com seus pares, trocando experiências etc. É interessante se notar que, analisando-se alguns dos estudos nessa linha, percebe-se claramente que certos resultados obtidos e certas análises feitas já vinham expressando essa tendência, ainda que nem sempre o 64 Pg referencial da teoria sócio-histórica estivesse explícito. Na verdade, são trabalhos que falam em contextualização, abordam questões como o significado, a relação entre conceito científico e conceito espontâneo, trazendo uma nova forma de encarar o ensino da matemática. Contextualizar a matemática: O grande desafio para o professor Muitas são as pesquisas conduzidas por Teresinha Nunes, Analúcia Schliemann e David Carraher que se enquadram nesse perfil. Algumas delas encontram-se no livro por eles organizado: Na vida dez, na escola zero (Carraher et ai. 1988). Ali, como em outros relatos de pesquisas efetuadas por aquele grupo, encontramse evidências contundentes do papel da contextualização no tipo de operação mental utilizado pelo indivíduo na realização de cálculos matemáticos. Julgo de vital importância os procedimentos utilizados e as conclusões a que chegaram nesse tipo de pesquisa, razão pela qual pretendo me deter um pouco mais nesse tópico. A contextualização exemplificada Comecemos desvelando a questão da contextualização. O que há no contexto que favorece a aprendizagem? Vejamos dois exemplos. O primeiro é de Carraher ei ai. (1988, pp. 101-125) e trata do confronto entre a forma com que mestres-de-obras e estudantes da 7º série do ensino fundamental
realizam cálculos de proporções. Como se sabe, a proporcionalidade exige o estabelecimento de relações. Isso significa dizer que se baseia na abstração, ou seja, não há uma forma "concreta" para realizá-la. Nesse experimento, foram mostradas aos sujeitos quatro plantas de interiores, cada uma desenhada em uma escala diferente, sem explicitar, no entanto, qual escala estava sendo utilizada. 65 Pg A primeira tarefa que lhes foi solicitada consistia em, dada uma medida na planta, em uma determinada escala, e outra medida correspondente à parede real, descobrir qual era a escala utilizada. A segunda tarefa consistia em medir uma parede no desenho e, com base na escala usada, determinar a sua medida real, na construção. Foram usados quatro tipos de escala, a saber: 1/100; 1/50; 1/40 e 1/33,3. Exemplificando: (a) se no desenho a parede mede 6cm e na obra mede 3 metros, qual a escala que está sendo usada?; (b) se no desenho ela mede 7,5cm, quanto deverá medir na obra, numa escala de 1/50? É evidente que o mestre-de-obra tem uma familiaridade com esse tipo de atividade, ausente no estudante. Enquanto esse aprende o algoritmo da proporção (a/b=c/x) descolado da realidade, aquele é obrigado, por força da profissão, a dominar o cálculo das relações envolvidas numa escala (ainda que na prática sejam usadas geralmente as de 1/100 ou de 1/50). Os resultados mostraram a superioridade dos mestres-de-obra em relação aos estudantes, em geral. Mas o que mais chama atenção nessa pesquisa é o fato de não Haver respostas absurdas por parte dos mestres-de-obras-resultado que veio ratificar outros encontrados anteriormente. Mesmo no caso da escalas desconhecidas (1/33,3), as respostas foram encontradas mediante estimativas bastante razoáveis. Os estudantes não só mostraram incapacidade para fazer uso sistemático do algoritmo da proporção aprendido naquele ano na escola , como também careceram de espírito crítico para perceber a falta de "sensatez" nas respostas dadas. Por exemplo, concluir que uma parede deveria ter 3 metros e 753cm [sic] ou, numa escala de 1/100, fazer corresponder 3cm a 33cm. Ora, para se dar uma resposta deste tipo é preciso haver uma total dissociação entre a realização da tarefa e o sentido do que está ali proposto. Um mestre-deobra, ainda que não saiba trabalhar com vírgulas, sabe avaliar se o valor encontrado é ou não plausível. O resultado demonstra isso. A experiência profissional favorece a manutenção do sentido durante toda a operação mental, o que não ocorre com o estudante. 66 Pg Por outro lado, os resultados demonstraram que a maioria dos mestres-de-obras tinha dificuldade em lidar com escalas desconhecidas. Comparando-se os dois grupos quanto ao uso dessas escalas, verificou-se não háver diferença entre eles. Mas o fato de os estudantes dominarem a multiplicação mostrou ser uma vantagem sobre os profissionais. Essa vantagem poderia ser total, caso eles tivessem utilizado o algoritmo da proporção. Aí, não importariam os valores envolvidos, o grau de dificuldade seria praticamente o mesmo. Tal, no entanto, não ocorreu. As autoras concluíram que os estudantes aprenderiam mais se fossem levados a lidar com situações dessa natureza; que um trabalho constante nesses moldes "poderia eventualmente levar à introdução do algoritmo, tornando-se a lógica do algoritmo mais transparente para o estudante" (id., ibid., p. 123). Chamo a atenção para o fato de que não estou descartando, em momento algum, o valor da aprendizagem sistematizada do algoritmo. Sendo um processo generalizado e abstrato, sua aprendizagem pode se dar no particular e em situação plena de sentido. Assim aprendida, a noção de proporcionalidade deverá servir para a vida e não simplesmente para se resolver os problemas propostos pela escola. Vale salientar que esse é um ponto de vista recorrente em obras mais recentes sobre a educação matemática, e é válido não só para a questão do algoritmo, mas
se aplica também às notações simbólicas e às convenções formais. Se professor e alunos defrontam-se com sentenças, regras e símbolos matemáticos sem que nenhum deles consiga dar sentido e significado a tal simbologia, então a escola continua a negar ao aluno especialmente àquele que freqüenta a escola pública - uma das formas essenciais de ler, interpretar e explicar o mundo. O importante é que o aluno, ao chegar a utilizar tais notações simbólicas, compreenda a sua razão de ser (Fraga 1988; Janvier 1991; Danyluk 1991; Schliemann ei ai. 1992; Costa 1991). A segunda pesquisa foi conduzida por Schliemann e Carraher (1988), e mostra que a experiência na resolução de problemas, adquirida na prática, pode ser transferida para novas situações. Entrevistando 67 Pg pescadores nordestinos, habituados a comercializar o produto das suas pescas, e propondo-lhes que resolvessem problemas envolvendo cálculo de proporções, concluiu que a maioria realizava-os sem grandes dificuldades. As situações propostas aos pescadores não eram típicas do seu dia-a-dia. No entanto, em todas elas, a solução poderia ser encontrada com base em tais conhecimentos (invertendo, por exemplo, o caminho que normalmente seguiam nas operações diárias). A conclusão a que chegou é que tais pescadores, ao que parece, desenvolveram na prática, uma compreensão das relações de proporcionalidade e não apenas rotinas mecânicas para resolver seus problemas de comercialização do pescado. E mais, que tais conhecimentos foram transferidos para novas situações envolvendo esse tipo de assunto. Ou seja, ainda que eles não vivenciassem os problemas propostos na forma como lhes foram apresentados, as habilidades mentais por eles adquiridas na prática cotidiana eram ricas de sentido. Assim, por exemplo, ao ter que calcular quanto deveria custar um quilo de camarão descascado, sabendo-se que são necessários três quilos de camarão com cascas pira perfazer um quilo do descascado e que o preço do camarão com cascas é x, cada operação realizada mantinha seu próprio significado. Há uma sensatez nos cálculos, própria de quem sabe o que está fazendo. Respondendo, então, à questão proposta, ou seja, o que há no contexto que favorece a aprendizagem, pode-se afirmar que ele permite que não se perca o fio do raciocínio ao se resolver um problema matemático. Mantendo-se o sentido do todo e de cada operação mental, em particular, está-se mais apto a resolver adequadamente o problema, como também a transferir para novas situações o conhecimento construído na prática. Nessa mesma linha de trabalho, mas passando a incorporar também elementos da teoria de Vygotsky sobre o papel do sentido e do significado na aprendizagem, ambas as pesquisadoras apresentam novos resultados de estudos realizados. Neles, mais uma vez fica patente a importância do conhecimento elaborado com base em situações práticas de vida na 68 Pg resolução de problemas de matemática (Nunes 1991, pp. 121-128). Os resultados encontrados não só ratificam os estudos anteriores, como também levantam novas questões. O primeiro desses estudos baseia-se nos resultados de uma pesquisa (Grando 1988) sobre o cálculo de proporções. Foi feita com 20 fazendeiros de baixo nível de escolaridade, 40 alunos da 5º série (20 de escolas rurais de 1º a 5º série e 20 de escolas urbanas de 1º a 8º série), e 20 alunos da 7º série. Todos moravam em pequenas cidades ou no campo e conheciam muito bem os problemas da fazenda. A eles foram propostas inúmeras situações envolvendo conhecimentos relativos à vida rural. O que a autora apresenta diz respeito ao seguinte problema: "Um fazendeiro queria construir uma barreira e, para isso, deveria cortar um pedaço
de vara de ferro de 7m de comprimento em pedaços de 1,5m. Quantos pedaços deveria utilizar para construir essa barreira?" Os resultados destacaram dois aspectos: o tipo de recurso utilizado para fazer os cálculos (oral ou por escrito), e o nível de razoabilidade do resultado encontrado. Conforme se vê, são estudos que dão prosseguimento aos anteriores, aprofundando a compreensão em torno de novas questões. Em relação ao primeiro aspecto, observou-se que os fazendeiros preferiram a aritmética oral, enquanto os alunos preferiram a aritmética escrita. Isso veio confirmar a hipótese da autora de que, de fato, eles têm o hábito de utilizar práticas diferentes para realizar seus cálculos. Quanto ao segundo aspecto, a autora criou um critério para avaliar se os resultados encontrados eram ou não razoáveis. Por exemplo, encontrar 0,4 ou 413 pedaços, como resposta, é algo absolutamente incoerente com o contexto do problema, portanto, estaria fora do intervalo razoável de respostas. Com esse critério, obteve o seguinte resultado: os alunos da 5º série deram significativamente mais respostas fora do intervalo razoável que os fazendeiros (90% desses responderam dentro desse intervalo e 10% não conseguiram chegar a uma resposta final). A diferença, contudo, entre esses e os alunos da 7º série não foi significativa. Além disso, os resultados 69 Pg evidenciaram também que as respostas absurdas, dadas pelos estudantes, eram geralmente resultado de uma operação inapropriada, como não saber onde colocar a vírgula no caso dos números decimais (situação idêntica à observada na pesquisa sobre o cálculo das paredes). O que ressalta desse estudo e que revela um avanço em relação aos anteriores éo fato de que a aritmética oral tende a preservar o significado durante o cálculo. Acompanhando verbalmente o tempo todo o que está sendo feito, dificilmente se chega a um resultado absurdo. Este é imediatamente corrigido pela própria pessoa que está calculando. O mesmo não ocorre com a aritmética escrita, uma vez que certos procedimentos utilizados baseiam-se em algoritmos ou em esquemas que diluem o significado, permitindo que se chegue a resultados absurdos. A outra pesquisa - um aprofundamento daquele estudo feito com pescadores - foi realizada por ambas as autoras (T., Nunes e A. Schliemann) e tratou especificamente da diferença na utilização de esquemas para tratar de problemas envolvendo proporções (Nunes 1991). Enquanto na escola' utilizam-se os procedimentos chamados de "soluções funcionais" ou algoritmos das proporções, nas situações práticas da vida utiliza-se a chamada "solução escalar". Nessas, apresenta-se uma das variáveis do problema como uma função de outra variável. Por exemplo, ligar o preço total ao preço de uma unidade. Esse preço unitário é constante para qualquer quantidade comprada. O outro procedimento, conhecido entre nós como "razão e proporção", baseia-se no algoritmo da proporção. A solução escalar é típica da aritmética oral e consiste em se fazer uma correspondência de um valor a outro através de soma. Por exemplo: se um quilo de peixe custa R$ 18,00, então dois quilos custam duas vezes o preço: R$ 18,00+ R$ 18,00; três quilos: R$ 18,00 + R$ 18,00 + R$ 18,00, e assim sucessivamente. Ela não é, em geral, ensinada nas nossas escolas. A pesquisa compara as formas de solução utilizadas por dois grupos: um formado por 16 pescadores com escolaridade muito variável (de O a 8 anos de escolaridade) e outro formado por 20 estudantes (de 9 a 11 anos de escolaridade). Ambos foram submetidos a uma série de 70 Pg problemas envolvendo cálculo de proporcionalidade. Eles se dividiam em dois tipos: problemas escalares e problemas funcionais. O que se segue é um exemplo do primeiro: "Existe um tipo de camarão como qual se obtêm 3 quilos de camarão descascado por cada 10 quilos pescados. Quanto você terá de pescar para um
freguês que quisesse 9 quilos de camarão descascado?" O outro tipo, o funcional, é como o que se segue: "Existe um tipo de ostra com a qual se obtêm 3 caixas de ostras sem a concha em cada 12 quilos de ostras catadas. Quanto você teria de catar para um cliente que quisesse ter 10 caixas de ostras sem as conchas?" Percebe-se que o uso de uma solução escalar só seria fácil no primeiro caso. No entanto, em ambos os casos, o uso de uma solução funcional ou por algoritmo teria o mesmo nível de dificuldade. Esperava-se que os pescadores encontrassem mais facilidade na solução dos problemas escalares do que com os demais. Com os estudantes esperava-se o inverso. O uso do algoritmo da proporção tornaria qualquer um dos problemas igualmente fácil de resolver. Os resultados apontaram não haver muita diferença no percentual de acertos em ambos os grupos, quer se trate de problemas escalares ou funcionais. Curiosamente, no entanto, enquanto os estudantes acertaram 77% dos problemas escalares e apenas 38% dos problemas funcionais, os pescadores acertaram muito mais: 87% dos problemas escalares e 68% dos problemas funcionais. Ou seja, eles se saíram melhor do que os estudantes na utilização do método escalar. E mais: que a maioria dos acertos deveu-se à utilização, por ambos os grupos, desse método. Em resumo, os pescadores desenvolveram na aritmética oral um esquema de correspondência para os problemas de proporção e o compreendem tão bem que o utilizam sempre que têm de trabalhar com esse tipo de problema. O fato de poder se utilizar de soluções envolvendo regras mais simples não os faz abrir mão daquelas usadas habitualmente. Analisemos, agora, o que há nessa solução que os torna tão confiantes quanto ao seu uso. A conclusão é a mesma dos exemplos anteriores: enquanto operam mentalmente, não perdem o significado em momento algum de tudo o que está em jogo. Por exemplo, "se descascado 71 Pg pesa tanto, com casca deverá pesar muito mais." Daí, tendo alguma coisa como ponto de referência, vão fazendo os cálculos por aproximações sucessivas ou por agrupamentos. Isso, porém, não acontece quando operam com algoritmos. Por exemplo, ao calcular "Se 3 está para 10, então 9 está para x, donde x =10 x 9 ÷ 3" o significado está ausente. Em seu lugar há uma regra aplicada a números. Basta uma pequena inversão na ordem para se chegar a um resultado completamente diferente. Como não há a conservação do significado, fica difícil para quem está calculando saber se o resultado está certo ou errado. O resultado mais estranho, no entanto, foi o fato de os estudantes também preferirem as soluções escalares, mesmo quando poderiam ter calculado facilmente usando os procedimentos ensinados na escola. Nunes aventa três possibilidades de explicação. A primeira, a de que há limites quanto à maneira (ou momento) de se aprender um determinado sistema de conhecimento disponível na cultura. A segunda, a de que esses alunos não puderam fazer bom uso do ensinamento dado na escola por lhes faltar um esquema de referência individual de significação. A última, a de que o esquema desenvolvido pelos estudantes na vida prática entrou em conflito com as soluções ensinadas pela escola ocasionando uma fraca aprendizagem. Penso que não poderia ser descartada a possibilidade de se ter dado um ensino tão superficial e mnemônico, que tenha sido esquecido no dia seguinte ao da prova. Ou, então, que fosse tão descolado da realidade, que os alunos o veriam como sendo mais uma das "fórmulas" matemáticas, prontas para ser aplicadas aos deveres escolares. Nada que tivesse relação com a vida. Essa dissociação, porém, entre os conteúdos escolares e a vida não é, ao que parece, específica da matemática. Tampouco, da escola brasileira. Afinal, o fenômeno do encapsulamento tem sido alvo de estudos de pesquisadores dos mais diferentes países, como Davidov, na União Soviética, Resnick, Brown, Collins e Duguid, nos Estados Unidos, Mellin-Olsen, na Noruega, Engestróm, na Finlândia, Janvier, no Canadá, entre outros. Mas, voltando aos estudos das pesquisadoras brasileiras, fica claro que, tanto
no caso de se trabalhar com os números decimais, quanto no 72 Pg de se trabalhar com o cálculo das proporções, é a manutenção do significado durante toda a resolução do problema o que leva ao maior número de respostas corretas. Cotejando-Se, pois, as análises feitas com o desafio de se dar um ensino de qualidade nas nossas escolas de ensino fundamental, chega-se à conclusão de que é preciso: 1º) contextualizar o ensino da matemática, fazendo com que o aluno perceba o significado de cada operação mental que faz; 2º) levar o aluno a relacionar significados particulares com o sentido geral da situação envolvida; 32) que nesse processo, se avance para a compreensão dos algoritmos envolvidos; 42) propiciar meios para que o aluno perceba, na prática, possibilidades de aplicação desses algoritmos. Contextualização com ênfase na cognição Na esteira dos estudos desencadeados pelo enfoque sócio-histórico da psicologia, há alguns que estão se voltando especificamente para a questão do conhecimento escolar. Seus resultados tendem a concordar com os estudos de Vygotsky, Leontiev e outros pesquisadores dessa linha que, longe de conceber esse tipo de conhecimento como algo meramente abstrato, consideram-no situado na e nascido da atividade prática. Tal é o caso dos pesquisadores norte-americanos John S. Brown, Allan Collins e Paul Duguid, cujo grupo tem se voltado para a questão da relação entre a cognição situada e a cultura escolar. Eles reuniram dados que apontam para a idéia de que os conceitos não só são situados, como também se desenvolvem por meio da atividade, ao contrário do que se vê na prática pedagógica. Entendem, também, ser o ensino intrinsecamente indistinto da atividade. Dito de outra forma, eles o vêem como um processo contínuo, que se estende ao longo da vida e se dá mediante a atuação da pessoa em diferentes situações e circunstâncias. 73 Pg A par disso, chamam também a atenção para o fato de que, ao realizar determinada atividade, o estudante vai formando representações a seu respeito. É a riqueza dessas representações que lhe permitirá ir além da simples descrição ou memorização do assunto estudado. Verdadeiros instrumentos do pensamento, elas distinguem problemas, situam-nos, favorecem a percepção de relações e sugerem soluções. Conhecimento formal: Dificultando o simples Criticando a aprendizagem escolar nos moldes que conhecemos, sugerem aqueles autores que os professores teriam muito a aprender com os mestres de cursos práticos e com os dirigentes de aprendizagens informais. Citam um exemplo de uma pesquisadora que vem defendendo as mesmas idéias: Jean Lave. Neste exemplo, havia um participante de um programa de emagrecimento, que preparava, junto com um grupo, uma refeição sob a ordem de um instrutor. No caso, naquela refeição, seria permitido comer três quartos dos dois terços de xícara de queijo previstos para aquela semana. Pos a questão, um dos participantes disse, subitamente, que saberia como fazer. Sua expressão demonstrava que havia encontrado a resposta certa antes mesmo de executá-la. Pegando a xícara, encheu-a duas vezes com uma medida de queijo equivalente a dois terços da xicara, virando-a sobre uma tábua de cortar legumes. Em seguida, amassou todo o queijo, dando-lhe um formato redondo. Dividiu-o em quatro partes e, retirando um quarto, serviu o restante. Nesse exemplo, a situação determinou, não só o problema, como também os
procedimentos utilizados e a sua solução (Lave, apud Brown, Collins e Duguid 1989). Dedicando-se ao estudo de uma temática bastante parecida, destaca-se, no Canadá, o pesquisador Claude Janvier. É bastante interessante sua contribuição para a compreensão do funcionamento do raciocínio matemático. 74 Pg Partindo de pesquisas sobre a forma de calcular do homem comum, visto tãosomente como participante de uma determinada cultura, chegou à conclusão de que o tipo de raciocínio utilizado diante de problemas matemáticos depende da representação mental que se tem do problema. Destaca dois tipos de representação: as externas e as internas. Essas últimas são retiradas diretamente do contexto e têm a função de circunscrever os elementos pertinentes ao problema considerado. E as representações externas, diretamente ligadas às internas, são as formas exteriores postas a serviço do raciocínio contextualizado. Este, por depender da existência de representações internas, acaba tendo características variadas, em virtude das próprias diferenças individuais e culturais. Por isso, não se pode pensar que o contexto determine a matematização de uma maneira única, isto é, que os seus elementos só possam conduzir a uma única maneira eficaz de encontrar a solução. Recursos que ajudam Exatamente como Vygotsky já o fizera ao tratar da mediação, também o autor canadense sugere o uso de imagens mentais, representações, diagramas, descrições mentais e até mesmo operações gestuais para se chegar à compreensão da situação matemática envolvida ou do problema a ser resolvido. São inúmeros os exemplos de situações do dia-a-dia envolvendo o raciocínio contextualizado. Seguem-se alguns deles. O marceneiro, precisando calcular o volume de madeira contido em uma tora que vai afinando para cima, mede o comprimento, divide por dois e, nesse ponto mediano, mede a circunferência da tora. Multiplicando esse valor pelo comprimento da tora, ele encontra o seu volume. A dona de casa, lidando com auxiliares que nunca estudaram fração, explica que 1/4 de uma medida qualquer, é a metade da metade. Os trabalhadores de feiras, ao se utilizarem de balanças de dois pratos, recorrem a contrapesos para calcular medidas para as quais não têm o peso correspondente. Trabalhadores rurais, ao trabalhar com produtos químicos cujas dosagens são proporcionais a uma certa quantidade de diluente, fazem cálculos mentais, adaptando 75 Pg as medidas assinaladas pelo fabricante do produto (marcas no frasco, medida da tampa) às suas necessidades ou aos seus recipientes. As costureiras que, possuindo algumas medidas do corpo, conseguem calcular a metragem de pano necessária para as costuras. Em resumo, ao estabelecer uma relação entre uma dada situação envolvendo cálculo e uma representação - seja ela formada por imagens mentais diferentes ou mais ricas, seja mediante diagramas, esquemas, descrições verbais mais evocativas, gestos, simulações -, o raciocínio contextualizado favorece à articulação das variáveis em jogo e contribui para o sucesso do processo de resolução do problema matemático envolvido. Via de regra, a escola desenvolve o trabalho matemático sem se preocupar muito com a questão da contextualização. Ele se faz, essencialmente, com base em fórmulas, equações e todo tipo de representações simbólicas. Essas, com freqüência, impedem que se tenha clareza quanto aos aspectos fundamentais do problema. Em geral vamos pelo caminho mais longo quando poderíamos tomar o mais curto. Partindo dessa constatação, Janvier (1991, p. 136) desafia- nos a solucionar o seguinte problema: "um tanque de nenúfares cobre uma área de 256m. Eles dobram sua superfície a cada dia. Se o tanque está completamente coberto no sétimo dia,
quando é que ele estava coberto pela metade?" A nossa primeira tendência é - conforme comprovou o pesquisador - a de procurar formalizar as informações em torno de uma equação matemática. Basta, no entanto, representar mentalmente esse tanque, cujas plantas a cada novo dia ocupam o dobro do que ocupavam no dia anterior, para se chegar à conclusão de que a metade fora alcançada na véspera, ou seja, no sexto dia. Óbvio! Será? O poder do contexto Investigando processos mentais superiores em indivíduos que praticavam a matemática como parte de sua rotina diária de trabalho, Janvier 76 Pg não só concluiu que a operacionalização utilizada depende do contexto, como esse serve também para organizar a solução, para balizá-la e, em muitos casos, para dirigi-la. Cita o exemplo do vendedor que trabalha com máquina de calcular. Por se tratar de um contexto diferente do nosso, é importante esclarecer que neste exemplo há uma taxa de imposto de 10%, que é paga pelo freguês no ato da compra, e que a situação envolve um desconto de 15%. A questão proposta é saber o que é mais vantajoso: pagar o imposto antes ou depois de descontados os 15%? Utilizando-se o algoritmo formal, é necessário se proceder ao seguinte cálculo: Para a taxa: preço da mercadoria 100% valor do desconto (x) = 15% x = preço da mercadoria x 15 ÷ 100 Encontrado o valor do desconto, é necessário retirá-lo do preço da mercadoria para saber quanto o comprador deverá pagar. Ora, na prática, o vendedor já compreendeu que a taxa (10%) éincorporada ao preço integral da mercadoria (100%), isto é: 110%. Por outro lado, ele sabe que com uma calculadora, não é preciso armar a conta. Basta dividir esse valor por 100 e multiplicar pelo preço da mercadoria. E se em vez de taxa houver um desconto, basta fazer a mesma operação subtraindo: 15% de 100%, encontrando 85%, que equivale a multiplicar por esse valor dividido por 100, ou seja, 0,85. No exemplo dado, para saber o que é mais vantajoso ele terá de fazer: 1) preço com a taxa = 1,10 x preço cobrado preço taxado com o desconto = 0,85 x 1,10 x preço cobrado 2) preço com desconto = 0,85 x preço cobrado preço com desconto mais taxa 1,10 x 0,85 x preço cobrado 77 Pg Basta uma simples comparação entre os dois resultados para perceber a sua igualdade. O processo usando o algoritmo, embora leve à mesma constatação, é mais longo. O autor, ao recomendar que a escola faça uso do raciocínio contextualizado, assinala que ele ajuda a reduzir a complexidade da representação simbólica. A utilização do" contexto permite que se vá diretamente às relações fundamentais, simplificando ou dispensando, muitas vezes, a recorrência a fórmulas algébricas. · Outro conselho diz respeito ao uso do cálculo aproximado. "Engenheiros e técnicos nem sempre estão preocupados com a resposta precisa. O recurso da aproximação é não somente tolerado, como se constitui, mesmo, numa prática corrente" (id., ibid., p. 135). Continua as suas sugestões lembrando que na escola, a familiarização com o contexto e a matemática subjacente a ele deveria se dar de forma lenta e gradual. Esse ritmo permitiria aos alunos explorar em profundidade e em diferentes direções as relações fundamentais presentes no tópico estudado, mediante a ajuda de múltiplas representações. Para tal, a concepção pedagógica apoiada na integração das disciplinas científicas seria de importância capital. O mesmo poder-se-ia dizer, continua o autor, com respeito ao tipo de relação que se espera que o aluno estabeleça com a matemática: vê-la como um saber que o cativa e o instiga a conhecer melhor as
situações à sua volta. Evidentemente que, ao privilegiar a contextualização, esse ensino deve ser concebido de uma maneira diferente. Mais solto, mais flexível, ele deve permitir que a significação dos conceitos seja construída por cada um, mediante um processo de trocas coletivas. E mais: que essa significação seja, de fato, socialmente eficaz. Isso implica novas abordagens metodológicas, novos recursos didáticos, revisão nas formas de avaliação; enfim, novos enfoques do processo de ensino/aprendizagem (id., ibid., p. 145). 78 Pg Recontextualização e interação social Essas recomendações fazem-me perceber pontos de aproximação entre as idéias defendidas por esse autor, e as de um outro, também voltado para o aspecto sociocultural da educação. Trata-se de Cazden (1988), que introduziu o conceito de recontextualização no ensino. Segundo afirma, o professor deve estar sempre atento à tarefa de recontextualizar o conhecimento que seu aluno já possui. Nesse processo, ele trata de alargar conceitos já conhecidos, dando-lhes novos significados, ultrapassando o já imaginado. Também o chama de reconceitualização, porque, na verdade, é isso o que ele faz: reconceitua conceitos conhecidos, sem negar, contudo, a validade do significado que o aluno já traz para a escola. Mostrando a forte influência do enfoque sócio-histórico da psicologia, vários pesquisadores estão enfatizando que esse novo olhar sobre o ensino de matemática não pode prescindir da ação interpessoal. Afirmam eles que é preciso criar na sala de aula uma "comunidade do saber". De fato, mesmo que o raciocínio contextualizado se desenvolva no praticante em situação de resolução de problemas, é conveniente examinar como sua elaboração depende igualmente da criação de "comunidades de trocas", ou seja, de grupos de pares envolvidos na resolução de tarefas matemáticas (Mellin-Olsen 1986; Schoenfeld 1989; Janvier 1991). Um professor de matemática e pesquisador chega mesmo a argumentar que grande parte da aversão que os alunos têm à disciplina poderia ser vencida com a criação de tais comunidades (Stodolsky 1985). O componente imaginativo-visual do pensamento: Aspectos a considerar Apesar de julgar essa proposta de contextualização bastante atraente, penso que há nela um aspecto que merece especial consideração. Estou me referindo ao papel que o componente imaginativo-visual do pensamento exerce sobre a solução de problemas matemáticos. 79 Pg A esse respeito é interessante rever um experimento de 1960, desenvolvido por Krutetsky com base em pesquisas feitas anteriormente por outros pesquisadores soviéticos no campo da educação matemática. Ele nos faz compreender que o apelo ao pensamento visual-imaginativo nem sempre favorece a compreensão. Ao contrário, pode até mesmo dificultá-la. Isso ocorre, particularmente, no caso de pessoas que o têm pouco desenvolvido, ou nas que têm bastante desenvolvido o pensamento lógico-verbal. Krutetsky (1991) realizou o experimento com 19 estudantes de 11 a 14 anos que apresentavam baixo rendimento escolar em matemática (embora apenas a metade tivesse, de fato, muita dificuldade para aprender álgebra e geometria). O experimento consistiu em submeter os estudantes a um ciclo de estudos sobre esses assuntos, observando as dificuldades e as facilidades encontradas nas tarefas propostas. Essas variavam quanto ao grau de apelo que faziam ao componente visual-imaginativo ou ao lógico-verbal da atividade intelectual. Eram, em geral, tarefas que poderiam ser resolvidas mais facilmente ora apelando-se para um, ora para outro tipo de componente. Havia também aquelas para as quais seria indiferente o concurso de um ou de outro tipo. Os resultados mostraram, em primeiro lugar, que existe diferença entre os
estudantes quanto à predominância de um ou de outro componente da atividade mental. Segundo, que essa diferença se reflete na compreensão e na resolução dos problemas matemáticos. Os estudantes que tinham mais desenvolvido o componente visual-imaginativo manifestavam facilidade em compreender as representações gráficas, a linguagem simbólica, os esquemas, os desenhos. Os que tinham predominância do componente lógico-verbal, ao contrário, por vezes se atrapalhavam com as imagens gráficas, com os símbolos. É bastante ilustrativo o seguinte exemplo: a expressão (a3 + 3a), para esses, não tem a mesma clareza que tem para os primeiros. No entanto, essa clareza éimediatamente obtida diante da expressão verbal "a elevado à terceira potência mais o triplo de a". Para os que têm mais facilidade em ver essa expressão é destituída de sentido. 80 Pg O resultado mais relevante, no entanto, foi o que apontou para a importância do desenvolvimento do componente lógico-verbal presente na atividade intelectual. Uma boa compreensão dos problemas matemáticos propostos para aqueles alunos mostrou que está na dependência de se ter um nível elevado de desenvolvimento do componente lógico-verbal do pensamento. A meu ver, isso não invalida a tentativa de se contextualizar o ensino da matemática, ainda que se use outros recursos que não apenas os imaginativosverbais. Ao contrário, ele pode se constituir em um meio para fazer desenvolver aquele componente. Os estudos sobre a zona de desenvolvimento potencial estão aí para o comprovar. Essa contextualização poderia ser precedida por aquilo que Cazden (1988) chama de recontextualização. Ou seja, o alargamento que o professor faz do conhecimento que o aluno já possui, dando novos significados a conceitos já existentes. Sintetizando os principais pontos abordados, pode-se dizer que os laços que unem a educação matemática ao enfoque sócio-histórico da psicologia estão cada dia mais estreitos. Talvez resida aí uma das saídas para o grave problema do encapsulamento que se observa em relação ao conhecimento escolar e, em particular, ao conhecimento matemático. 81 Pg 3 A CONFIGURAÇÃO DO TRABALHO: ASPECTOS METODOLÓGICOS Neste capítulo em que trato dos aspectos metodológicos da pesquisa, retomo, inicialmente, suas pretensões e as circunstâncias que lhe deram origem, detendome, posteriormente, na apresentação de alguns dados a respeito da realidade escolar na qual ela se desenrolou. Finalizo detalhando os procedimentos metodológicos de coleta de dados e os seus critérios de análise. Circunstáncias que originaram a pesquisa Meu ponto de partida foi, conforme registrei, o reconhecimento das potencialidades da corrente sócio-histórica da psicologia em relação a alguns dos problemas que enfrentamos no âmbito pedagógico. Volto a afirmar que, em se tratando dessa teoria, fazer uma transposição pura e simples dos resultados de pesquisas já realizadas em outros contextos para a nossa realidade seria, no mínimo, uma incoerência. Afinal é ela própria quem destaca a importância dos fatores socioculturais 83 Pg na compreensão dos processos mentais superiores - tais como os envolvidos no ato de aprender. No caso específico deste trabalho, foi no bojo de um projeto de pesquisa que já vinha realizando sobre a relação entre conteúdos curriculares e o
desenvolvimento das funções mentais superiores que ele surgiu. Seu principal objetivo era ver como se dava a relação entre determinados conteúdos disciplinares e o desenvolvimento de funções mentais superiores dos alunos. Tal pesquisa se desenrolou em uma escola pública de Niterói e se voltou especificamente para o ensino de matemática que era dado em todas as turmas da 5ª série do ensino fundamental. Da necessidade de se proceder a uma investigação mais detalhada e específica do que se passa dentro de uma sala de aula, surgiu a pesquisa que deu origem a este livro. Seu objetivo - é bom frisar uma vez mais - era o de verificar a possibilidade de aplicação das idéias centrais do enfoque sócio-histórico da psicologia ao processo de ensino/aprendizagem da matemática. E mais: ir construindo um conhecimento a respeito de como se entrelaçam teoria/prática no interior das nossas escolas públicas de ensino fundamental. Para tanto, abrangia uma turma como um todo, como também um grupo de alunos, em particular. Referencial metodológico: Pesquisa-ação e trabalho em parceria Não foi fácil decidir sobre o recorte a ser dado. O que privilegiar? Como caminhar metodologicamente? Como adequar o trabalho de campo às contingências dos objetivos pretendidos? A definição metodológica surgiu tendo por base algumas idéias-chave. Uma delas é a que sustenta 84 Pg que as pesquisas têm características concretas que lhes são próprias; que os princípios gerais metodológicos, embora úteis, são referenciais amplos, genéricos, que não levam em conta essas peculiaridades. E que, por causa disso, é preciso adequar os métodos às circunstâncias e aos problemas (Becker 1993, p. 13). É importante ressaltar que a adequação a circunstâncias específicas e o aparente afastamento dos princípios metodológicos gerais não significam, no entanto, o abandono do rigor imprescindível ao fazer pesquisa. Implicam, sim, uma atitude amadurecida diante das idealizações metodológicas dos manuais, bem como tomada de decisões conscientes que deverão ser explicitadas para posterior avaliação. Outra idéia é a que afirma que nem sempre o mais relevante para ser investigado coincide com os recursos metodológicos mais consagrados (Demo 1984; Martins e Bicudo 1989; Becker 1993). Sabe-se hoje, mais do que nunca, que para se desvelar a realidade no âmbito das ciências humanas e sociais, é preciso, muitas vezes, lançar mão das chamadas metodologias alternativas, aquelas que, deixando de lado a ênfase no quantitativo, privilegiam o enfoque qualitativo, buscando assim aprofundar a compreensão real dos fenômenos estudados. Tendência crescente no panorama educacional, a pesquisa qualitativa vem se voltando especialmente para o interior da escola. Nessa aproximação procura captar o seu cotidiano, extraindo dele os elementos capazes de construir novos conhecimentos a respeito desse universo (Lüdke 1984; Lüdke e André 1986; Ezpeleta e Rockwell 1986; André 1992). Reconhece-se a importância de se analisar o que se passa em sala de aula, especialmente na situação de ensino e aprendizagem, usando metodologias de cunho mais qualitativo. Espera-se que essas dêem subsídios para a construção de conhecimentos mais relevantes sobre o universo escolar, seus atores, a produção do conhecimento, e as relações que ali se dão tanto com o macrossistema quanto no seu interior. Mas, mesmo em relação a problemas tão circunscritos como o da pesquisa aqui tratada, não há como negar a presença da dimensão política quando se trabalha em educação. Assim, outra idéia a nortear a sua 85 pg definição metodológica foi a preocupação em se ir além da simples descrição da realidade estudada, buscando caminhos para a ação e a transformação.
Tendo essas idéias como balizas, acabei optando por uma orientação metodológica que reunisse algumas idéias básicas da pesquisa-ação. Sendo uma área sobre a qual não há consenso, apresso-me em esclarecer que aqui a estou tomando no sentido dado por Thiollent (1986, p. 14). Ele a vê como um tipo de pesquisa social, de base empírica, concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo; conta, ainda, com um envolvimento dos próprios participantes que nela atuam de forma cooperativa, tendo em vista os objetivos almejados. Enfatizando basicamente os mesmos pontos, Ezpeleta (1986, p. 78) lembra que ela é uma das modalidades de pesquisa participante e, como tal, apóia-se não só na atividade de produção do conhecimento e na participação, mas também na dimensão política. Será a predominância de cada uma dessas formas que traçará a sua definição. Assim, a pesquisa-ação tem como principal característica justamente a presença da ação que se dá no plano empírico, e que serve de palco para submeter à prova a teoria em jogo. No caso presente, apesar da existência de fortes elementos da pesquisa-ação, o fato de ter sido bastante estreito o limite da ação e pequeno o número dos participantes não pennitiu caracterizá-la como tal. Por outro lado, a ênfase na intervenção em sala de aula afastava-a igualmente do estudo de caso. Por isso, e usando da prerrogativa de usar modelos alternativos de pesquisa, prefiro dizer que se tratou de um trabalho em parceria, para o qual a pesquisa-ação foi fonte permanente de inspiração. Construindo a parceria professor/pesquisador O primeiro passo da pesquisa foi a seleção do professor e de uma turma. Conforme já exposto, quando a iniciei já trazia um considerável conhecimento sobre a escola, seus professores e seus problemas, mediante 86 Pg o trabalho na pesquisa mais ampla, iniciada no ano anterior. Não conhecia, contudo, nem o professor - Antônio-, nem os alunos da sua turma. As informações que já me haviam chegado a seu respeito, pelos seus próprios colegas, descreviam-no como um professor/pesquisador. Tendo sido responsável pela implantação de um Laboratório de Matemática em 1992 na escola, sua atuação profissional trazia a marca da inquietação em torno da sua prática pedagógica. Estava cursando o mestrado em Educação Matemática e participando ativamente de cursos e encontros científicos da sua área. Trabalhando em horários diferentes dos da nossa equipe de pesquisa, nosso conhecimento só foi possível no início de 1993. Sua segurança quanto a inovações introduzidas na disciplina, aliada ao seu desejo de construir um conhecimento acerca dessas mudanças, fez com que se destacasse dos demais professores do grupo, sendo visível a sua liderança. No segundo semestre, em virtude de sua transferência para outro estado, o trabalho prosseguiu com uma de suas colegas, a professora Beatrix. Dado que tinham experiências e expectativas muito diferentes, o trabalho com cada um deles teve matizes completamente próprios. O professor Antônio, confiante, seguro, apostando na mudança de enfoque do ensino da matemática. A professora Beatrix, receosa, insegura quanto à nova proposta, temerosa de si mesma. Suas falas refletiam a angústia e a ambivalência em relação à mudança de enfoque do ensino: queria mudar, mas tinha medo do desconhecido. Ambos, no entanto, traziam acesa a chama da insatisfação com o ensino tradicional. Viam-no desprovido de sentido e por isso desejavam partir para uma nova proposta. Esse desejojá os levara a buscar cursos de atualização em educação matemática comprometidos com um ensino mais próximo da realidade dos alunos das camadas populares. O professor Antônio, apesar do pouco tempo de conhecimento, mostrou-se logo um parceiro ideal. Trazia uma boa bagagem quanto ao ensino da matemática. Aliava conhecimento à prática. Pouco conhecera, no entanto, do enfoque sócio-histórico da psicologia. A construção da nossa parceria repousou basicamente no
intercâmbio nessas duas áreas. 87 Pg A riqueza das suas sugestões para o ensino - muitas das quais eu desconhecia era fonte para a articulação teoria/prática. Ora observando a situação globalmente, ora isolando detalhes, nós íamos identificando tais pontos de articulação. Mais uma vez eu ratificava que teoria sem prática é campo estéril. Sentia que o meu saber ia se tomando cada vez mais claro para mim, à medida que compartilhávamos nossas experiências. A mesma impressão era registrada pelo professor, que percebia o quanto estava crescendo com esse processo: "Eu sempre quis fazer esse trabalho em escola pública, mas só agora tive condições. Essa pesquisa está sendo fundamental para mim. Em relação à professora Beatrix, o processo de construção da nossa parceria teve outros contornos. Envolveu, sobretudo, dois aspectos: o seu nível de conhecimento e familiaridade com algumas novas concepções sobre o ensino da matemática, e a questão da sua autoconfiança. Curiosamente, o fato de estar substituindo a um outro professor teve pouca influência nesse processo. Quanto ao conhecimento, vários foram os recursos de que lançamos mão para que dele nos apropriássemos. Incluo-me aqui porque o via como uma construção de mão-dupla. Para isso muito nos ajudou o professor Antônio, dando-nos orientações precisas sobre a continuidade do seu trabalho. Ele próprio continuava fazendo curso de especialização sobre os temas trabalhados. Além disso, contávamos com a colaboração de uma professora de didática da matemática, que nos prestou consultoria sobre técnicas de ensino em algumas ocasiões. Em pouco tempo, o problema do conhecimento foi superado. Quanto à questão da autoconfiança da professora, o processo foi um pouco mais lento. Ela nasceu de cada evidência de que os alunos estavam construindo, de fato, a sua aprendizagem. Fortificou-se na recepção cada vez mais interessada da turma. Quando nos encaminhávamos para o último bimestre do ano letivo, encontrava-se numa posição bastante confortável. Segundo afirmava: "No início eu estava morrendo de medo, mas agora, não. Já não dá mais para voltar a ser o que era, a ensinar daquele jeito. Mas ainda não tenho aquela segurança que acho que deveria ter. 88 Pg Queria ficar mais um ano com uma 5º série para poder rever certas coisas, acertar uns pontos que eu acho que precisam ser revistos..." Superados esses dois problemas, pudemos caminhar de uma forma muito parecida como a que já vínhamos usando anteriormente com o professor Antônio. Talvez com uma vantagem: com o passar do tempo, íamos vendo o acerto da nossa proposta. Começamos a verificar que o suporte teórico da psicologia sócio-histórica era um guia seguro para os objetivos que tínhamos em vista, isto é, aproximar a matemática da vida, levando os alunos a uma construção dos conceitos trabalhados, apropriando-se do conhecimento de forma própria e pessoal. Constatar que estávamos no caminho certo foi, sem dúvida, um motivo a mais para que intensificássemos nossos estudos e aumentássemos o cuidado com a prática. Em síntese, conseguimos formar duas boas parcerias. O cenário da pesquisa Há especificações neste tipo de pesquisa que precisam ser bem detalhadas. Assim, apresento a seguir uma breve descrição da escola, da turma e do grupo de alunos nela envolvidos. A escola A se julgar pelo que se observa no seu interior, essa poderia ser uma escola como outra qualquer. Mas não é. Foi criada para ser uma "Escola Polivalente Modelo". Construída em 1974/1975, com recursos do Programa de Expansão e Melhoria do Ensino (Premen), constituiu-se "no modelo mais sofisticado do Premen, ou seja, o máximo dentre as Escolas Polivalentes, em termos de atuar como centro de referência para as demais escolas da área" (Carmo 1976, p. 8). É preciso lembrar que essas escolas representavam uma inovação na década de
1970. Atendendo a alunos do 2º segmento do ensino fundamental e do ensino médio, procuravam aliar a educação geral à 89 Pg sondagem vocacional e à iniciação à tecnologia através das artes práticas. Tinham, ainda, o objetivo de promover um ensino inovador. Seus quadros foram cuidadosamente preparados mediante treinamento específico. A Escola Polivalente, como era conhecida, desenvolveu, de fato, um sólido trabalho no qual se destacava um profundo entrelaçamento com a comunidade. Caracterizou-se sempre por ter equipes dirigentes arrojadas, comprometidas politicamente com a educação. Grande parte do seu professorado se identificava com essa postura e lutava em prol de uma profissão mais dignificada e por uma educação de melhor qualidade. Hoje, ela é um dos muitos exemplos dos males que uma orientação política equivocada é capaz de provocar. Apesar de ser um tema dos mais recorrentes, nunca é demais denunciar a falta de seriedade com que a educação é tratada em nosso país. Especificamente no que tange à política estadual fluminense, tem havido uma maior preocupação com a construção de escolas em detrimento de qualquer outra prioridade. E, o que é mais grave: não se tem levado em conta que a educação é obra coletiva e que, por isso mesmo, um ensino de boa qualidade não pode prescindir de equipes pedagógicas bem qualificadas. Sem equipes, sem especialistas, sem professores para coordenar seus inúmeros projetos pedagógicos, sem pessoal de apoio, e até mesmo lutando com dificuldades para ter professores para todas as turmas e disciplinas, mal se consegue vislumbrar nessa escola os vestígios do que já foi em um passado tão recente. Sofreu, nesses últimos anos, uma expansão, atendendo atualmente a aproximadamente mil alunos, em três turnos. Situada em uma região que vem sendo alvo da especulação imobiliária, sua clientela caracteriza-se por ser bastante heterogênea, sobretudo se se levar em consideração os diferentes turnos. Ali convivem alunos da classe média, que atualmente estão procurando a escola pública, com os filhos de trabalhadores. Esses, contudo, ainda são maioria, principalmente no turno da tarde, no qual foi feita a pesquisa. Nesse turno só estudam os alunos de 5º e 6º séries, num total de 12 turmas. 90 Pg A turma 504 No início do ano, havia 38 alunos, mas em outubro havia 35. Desses, apenas três eram repetentes. A maioria absoluta tinha 13 anos (o que denota uma certa distorção idade/série), havendo praticamente o mesmo número de meninos e meninas. A turma caracterizou-se pela imaturidade, traduzida num constante clima de agitação e falta de concentração, principalmente no primeiro semestre. Esses alunos, contudo, quando interessados, trabalhavam bem, ainda que de forma não muito organizada. Através de conversas informais, e posteriormente mediante entrevista com um roteiro semi-estruturado, pude traçar um quadro socioeconômico da própria turma, quadro esse de grande valia quando houve necessidade de se contextualizar o conhecimento matemático. Uma informação relevante foi o fato de os alunos pertencerem a um nível socioeconômico baixo, refletido tanto pelo tipo de trabalho da maioria dos pais (empregos domésticos ou construção civil), quanto pelo tipo de moradia em que viviam (casa simples, levantada pela própria famiia). Os dados revelaram, ainda, que eles levavam uma vida relativamente difícil: praticamente todos os alunos ajudavam em casa; alguns poucos já trabalhavam meio expediente ou esporadicamente, trabalho que, segundo eles, não atrapalhava os estudos, embora causasse cansaço. E mais, que raramente tais alunos contavam com alguém que lhes ajudasse nos estudos em casa. Dentre as perguntas que lhes foram feitas, uma abordava os sonhos futuros. No seu imaginário, quase todos se viam trabalhando daqui a dez anos. Muito poucos,
prosseguindo os estudos! Os alunos observados Já no primeiro dia em que observei as aulas, escolhi, ao acaso, um grupo de alunos para ser acompanhado de perto. Era formado por quatro meninos: Anderson, Marcos, Júlio e Niraldo. Sentavam-se nas últimas 91 Pg carteiras em um dos cantos da sala. Um deles (Anderson) era repetente e o único com 14 anos. Os demais tinham 13 anos. Havia entre eles muito companheirismo, embora essa fosse a primeira vez que se juntavam para trabalhar em grupo. Nessas atividades, Anderson e Niraldo costumavam tomar a frente até meados do ano. Posterionnente, Júlio passou a se destacar também. Os três estão sempre prontos a colaborar com Marcos, o que apresentava mais dificuldades. Todos quatro pertenciam a famílias de baixo poder aquisitivo. Dois deles - Júlio e Niraldo - tinham a mãe (empregada doméstica) como arimo de família. Anderson e Marcos tinham pai e mãe, sendo o pai do primeiro, pedreiro e do segundo, comerciário (as mães eram donas de casa). Tanto Anderson quanto Júlio trabalhavam ocasionalmente como serventes de obra, ajudando a seus familiares que também atuavam nesse setor. Os quatro ajudavam em casa nos serviços domésticos. Niraldo, Júlio e Marcos imaginavam-se trabalhando daqui a dez anos. Anderson, no entanto, guardava o sonho de ser jogador de futebol, mas fazia questão de dizer que era só um sonho. Eram assíduos e muito interessados nos estudos. Com o passar do ano letivo, revelavam um verdadeiro prazer de realizar as tarefas de matemática. Já próximo ao final do ano, estavam entre os melhores alunos da turma. Além desse grupo, a dificuldade manifestada por duas alunas durante as aulas chamou minha atenção. Achei que seria interessante acompanhá-las também. Uma delas - Renata - era repetente. Tinha 13 anos. Morava com a avó, pensionista. Mostrava-se bastante sociável e esperta. Além de ajudar nas tarefas domésticas, era a responsável pelas compras da casa. Em virtude disso, aprendeu a manipular dinheiro. Estabelecemos uma relação bastante amistosa. Vinha sempre conversar comigo quando me via pelo pátio. Assim, passei a saber que seu sonho era ser advogada e tinha idéias muito próprias acerca da divisão social: "Essa escola devia ser mais para pobre. Tem muita gente aqui que pode pagar. [...] Prefiro estudar aqui. É melhor do que os colégios particulares. 92 Pg Lá é tudo exibido." Apesar da sua desenvoltura social, apresentava sérias dificuldades quanto ao raciocínio lógico-dedutivo, no início do ano. A outra aluna era Cristina. Aparentava mais idade do que tinha: 13 anos. Apesar de não ser repetente, havia interrompido os estudos na 4º série. Morava com a família - pai marmorista, mãe faxineira e dois irmãos. Fazia todos os serviços da casa, antes e depois da escola. Do ponto de vista da sociabilidade, era o oposto de Renata. Até o final de outubro, mal trocara algumas palavras com as colegas. Fazendo atividade compartilhada, praticamente não participava. Muito tímida, mal falava. Sua atitude começou a mostrar ligeiras mudanças quando passei a lhe dar atenção especial: quando conseguia compreender determinada tarefa, passava, timidamente, a orientar o seu parceiro de carteira. Ao contrário da irreverência típica dos adolescentes, os seis demonstravam seriedade e responsabilidade diante da vida. As vezes me espantava com certas coisas que ouvia deles, como por exemplo Anderson me contar que varria o quintal todos os dias. Perguntando-lhe se ficava cansado, respondeu-me que não, acrescentando: "Se chegar uma visita, onde é que você vai botar a vergonha?" No meu último encontro, perguntei a cada um dos seis alunos se achava que iria passar de ano. Todos me responderam afirmativamente, confirmando uma tendência verificada no coletivo da turma.
A dinâmica da pesquisa O meu primeiro contato com a turma 504 se deu na última semana de abril. Não desejando ser uma mera espectadora, apresentei-me aos alunos como sendo uma professora que dava aula para professores como os daquela escola. Expliquei-lhes que estava interessada em saber como os alunos pensam, em descobrir por que têm tanta dificuldade em matemática etc. Relacionei esse meu interesse com a possibilidade de poder ajudar posteriormente outros professores a ensinar melhor. 93 Pg A partir de então, e contando com uma acolhida que foi se tornando cada vez melhor, passei a fazer um acompanhamento sistemático e intenso de todas as atividades de matemática desenvolvidas por aquela turma. Embora eu não tivesse dito nada a respeito, em pouco tempo era identificada como uma auxiliar do professor de matemática. Creio que me viam como alguém a quem podiam acorrer, desde que estivesse pelas proximidades. Nessas horas, pediam-me, em geral, para ver se estavam fazendo corretamente suas tarefas. Ainda em relação à turma, é importante registrar que o professor dava cinco aulas semanais, divididas em três dias, e que eu assisti a cerca de 80% delas, no período em que se desenrolou a pesquisa. Com essa assiduidade, pude testemunhar acontecimentos dentro e fora da sala de aula que me ajudaram a compor o quadro de conhecimento acerca dos atores envolvidos. Problemas disciplinares na fila de entrada, conflitos entre grupos na hora do recreio, eleição para professor e aluno representantes (na turma 504 o professor Antônio foi o eleito) foram alguns deles. A dinâmica dos Conselhos de Classe, a alta incidência de aulas vagas, as conversas dos professores - reveladoras da sua profunda insatisfação com a política governamental de educação - foram também situações que tive a oportunidade de presenciar. Mais especificamente, a pesquisa concretizou-se da seguinte forma: eu assistia às aulas e imediatamente depois as comentava com o professor, analisando-as do ponto de vista da teoria sócio-histórica. Aproveitava essa ocasião para ajudá-lo a adquirir um conhecimento sobre os conceitos básicos desse enfoque teórico. (Em alguns momentos eles procederam a leituras de textos sobre o assunto). Em geral era o próprio professor quem tinha a iniciativa de fazer o planejamento da aula. Eu, às vezes, intervinha com uma ou outra sugestão. No caso do professor Antônio vale dizer que minha atuação consistiu, muitas vezes, em simplesmente apoiar as suas iniciativas, sempre muito ricas e originais. Limitava-me, assim, a assinalar os pontos de ligação com a teoria sócio-histórica. O processo recomeçava a cada nova aula. Dessa forma, os ajustes eram feitos conforme as próprias características da turma, seus avanços e 94 pg as dificuldades manifestadas. Nessa tarefa muito me ajudava o fato de estar acompanhando mais de perto aqueles seis alunos. A observação da turma se dava mediante registro de campo - ora escrito, ora gravado em fita cassete - das reações e dos comportamentos mais gerais dos alunos, bem como da atuação do professor durante as aulas. Esses procedimentos, aliados a um estado de alerta permanente e conseqüente registro de situações habituais ou fortuitas, presentes no cotidiano escolar, também me ajudaram a captar e compreender o clima da turma. Fora do espaço restrito da sala de aula, mas ainda assim tentando compreender o todo da turma, utilizei entrevistas semi-estruturadas, e pequenos debates com grupos que se formaram espontaneamente em torno de mim. Mas foi com relação ao grupo específico de alunos que tive de usar procedimentos mais criativos. Algo que ficou a meio caminho do método clínico piagetiano e da
observação participante. Sentada ao lado deles (em grupo ou individualmente), tentava registrar suas falas, as formas de interagir no grupo, os meios utilizados na resolução de problemas etc, enquanto realizavam o trabalho escolar -tarefa que ficava mais fácil quando era em grupo, porque podia ouvi-los. Outra variante desse procedimento era ir lançando perguntas com o objetivo de forçar o aluno a caminhar como seu raciocínio, isto é, levá-lo a avançar para formas superiores de pensamento. Outra, ainda, era a de trabalhar a metacognição, pedindo-lhe que analisasse o seu próprio pensamento, tentando perceber nele mudanças qualitativas. Esse era um procedimento que eu usava com freqüência, após o término de uma atividade. (Às vezes até mesmo fora do horário da aula). Coerente com o enfoque teórico utilizado, muitas vezes eu ia deliberadamente dando pistas, chamando a atenção para pontos importantes com o objetivo de analisar as reações que essa técnica suscitava. Em todos os momentos, fossem eles com os professores ou com os alunos, tive sempre em mente a preocupação de propiciar condições para 95 Pg que pudesse investigar a pertinência dos pressupostos teóricos do enfoque sóciohistórico sobre o processo de ensino/aprendizagem, em especial daqueles que se constituíam no meu objeto de estudo. Obstáculos e desafios: Limitações à pesquisa Ainda que brevemente, não gostaria de deixar de fazer referência a uma série de dificuldades encontradas no transcorrer da pesquisa. Dificuldades típicas da nossa escola básica da rede pública, decorrentes principalmente da dura realidade que ela impõe a seu professor. O abatimento moral, o desânimo e o sentimento de desvalia que o acompanham são gritantes. Por outro lado, com uma política que passou a reconhecer como professor apenas o regente de turma, as escolas públicas fluminenses, no momento da pesquisa, estavam tendo esvaziado o seu corpo de sustentação pedagógica. Os especialistas, os professores encarregados de coordenações pedagógicas (por área e por série), estavam regendo turma. Isso quando não abandonam o próprio magistério, a exemplo de tantos outros que já não mais conseguiam viver dignamente da profissão. Sabese que com a ausência desse corpo de sustentação, a escola acaba perdendo a sua face coletiva, restando apenas o trabalho isolado. Agravando esse quadro tão perverso havia ainda a falta de condições de trabalho produtivo, expressa na ausência de recursos pedagógicos. Some-se a isso o próprio clima de descrença, a incerteza quanto ao futuro, a violência que se fazia presente até mesmo no interior da escola traduzida nos constantes arrombamentos e furtos, nas depredações do mobiliário, nas pichações etc., e o resultado que se tem é um quadro incompatível com os desafios e as expectativas que se fazem hoje acerca da educação. É inegável que os professores participantes desta pesquisa estiveram também sujeitos às mesmas injunções negativas aqui descritas. Para eles, a participação representou, sem dúvida, uma carga extra de trabalho. A essas dificuldades vieram se somar outras, advindas da política do Estado para o magistério. Durante todo o ano letivo as escolas estaduais 96 Pg entraram em um processo de protesto que consistiu em dar aulas de 30 minutos durante determinados dias da semana. Durou aproximadamente um mês. Como não bastasse, a direção da escola se viu obrigada a suspender aulas pelos mais variados motivos (paralisação coletiva; a escola ter ficado à disposição do TRE nas eleições; falta d'água etc.), criando um clima antipedagógico no seu interior. Esse, o quadro que emoldurou a presente pesquisa, quadro que, se não chegou a inviabilizar a sua realização, impôs-lhe certas limitações.
Organização dos dados para sua análise e discussão A complexidade desse objeto de estudo exerceu um grande peso na determinação da forma de organizar os dados para sua análise e discussão. Os conteúdos teóricos se entrelaçam, seja no interior do próprio campo do enfoque sócio-histórico, seja na sua interface com o conhecimento matemático. Suas manifestações nas atividades práticas se alastram nas mais diferentes direções. Por isso, na tentativa de ser clara e de fugir das redundâncias, optei por dividir essa análise em dois grandes eixos: o da aquisição do conhecimento e o do desenvolvimento mental dos alunos. Estão mais fortemente ligadas ao primeiro, as questões relacionadas à mediação, à formação de conceitos, ao significado. Mais ligadas ao segundo estão a questão da zona de desenvolvimento proximal, a da organização do trabalho pedagógico, a da relação entre atividade e consciência, a da criatividade e a dos aspectos afetivos. Considerei cada uma dessas questões como uma categoria de análise. Procurei retratar em torno de cada uma as tendências gerais observadas, ilustrando-as com dados extraídos do material coletado. Ainda que assim divididos, dada a interpenetração dos temas, alerto que, eventualmente, eles se complementam em determinadas análises. Chamo a atenção, igualmente, para o fato de que muitas vezes uma mesma atividade, um mesmo episódio, permitiu diferentes análises. 97 Pg 4 APROXIMAÇÕES TEORIA/PRÁTICA: ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Neste capítulo são apresentados os principais resultados da pesquisa. Para maior clareza, começo dando uma visão geral do que ocorreu. Depois explicito como se deu a construção da minha parceria com os professores e passo, em seguida, aos resultados centrais da pesquisa. Finalizo apontando alguns pontos críticos. Visão geral do processo pedagógico: Uma descrição Acompanhando muito de perto o cotidiano da escola e, em particular, da turma 504, pude ir tendo uma visão geral de todo o trabalho. As atitudes dos professores, suas reações e suas emoções foram por mim compartilhadas ao longo do processo de ensino/aprendizagem. Igualmente o foram as dificuldades, os avanços e os sentimentos vividos pela turma. E um pouco deste contexto geral que tento resgatar neste primeiro momento. Na parceria, a construção do conhecimento O primeiro resultado relevante da pesquisa diz respeito à forma como se deu a construção pretendida. Em verdadeiros exercícios de 99 Pg metacognição eu e o professor da turma (e, como se verá mais adiante, os próprios alunos) analisávamos os nossos processos mentais em função das novas aprendizagens que fazíamos. Com base neles, pudemos constatar que para o professor Antônio houve apenas uma recontextualização de conceitos, uma amplificação de significados já existentes. Construindo ele próprio um conhecimento acerca desse novo enfoque teórico, a recontextualização, tal como sugere Cazden (1988), surgiu como uma conseqüência natural. Suas experiências anteriores geraram um estado de latência para novas aquisições. Essas se constituíram principalmente em uma maior sistematização dos seus conhecimentos, ajudada pela teorização em torno do enfoque sócio-histórico da psicologia. A medida que via sua prática pedagógica corresponder ao sentido que ele lhe havia atribuído anteriormente - aqui tomado segundo a concepção dessa teoria -, sentia-se mais livre e mais encorajado para fazer uso da sua criatividade. Considerando que para Vygotsky (1990) a atividade criativa se manifesta onde quer que a imaginação humana combine, mude e crie alguma coisa nova, diferente do corriqueiro, não tenho dúvida em afirmar que esse professor foi, dentro da
simplicidade das suas aulas, bastante criativo. A ação prática, mediada por objetos ou por representações, substituiu, em grande parte, os livros didáticos e os cadernos. Para a professora Beatrix, o processo de construção da parceria trouxe uma dupla surpresa: a sua insegurança foi, mais rapidamente do que ela esperava, substituída por uma crescente confiança; e, da inter-relação do seu conhecimento matemático com o conhecimento da teoria psicológica que ia adquirindo, veio-lhe uma clareza, antes inimaginada, a respeito do seu próprio fazer pedagógico. Quanto a mim, foi com uma atitude francamente aberta para a aprendizagem de novas experiências que parti para esse trabalho (o que, de resto, seria incompatível com a própria atitude de pesquisa). Assim, fui tecendo o meu saber com base em minha própria bagagem. Tudo aquilo que se constituía em novidade era reelaborado, transformando-se 100 Pg em um novo saber. E nesse processo, é claro, fui me transformando também. A lição a ser extraída desses episódios é simples: a segurança advinda do conhecimento teórico permite ao professor se soltar das amarras que o ligam a um ensino mecânico e estéril, criando ele próprio o seu caminho. Este, no entanto, não se faz sem o farol da prática a iluminá-lo. Em outras palavras, é preciso que também ele - e não só o aluno - seja sujeito desse novo processo de aprendizagem. Aprofundando um pouco mais essa análise, tento compreender, a começar por mim, o fator que nos impulsionou, com tanta garra, para esse novo desafio. Percebo que, por se tratar de algo que faz parte das minhas representações sociais acerca do papel político do educador - atue ele em qualquer nível de ensino-, valorizo muito a formação continuada do professor. Entendo que ele não deve se acomodar diante dos desafios que a prática pedagógica continuadamente lhe impõe. Com aqueles professores o processo não foi diferente. Na origem de tudo havia as suas representações sociais acerca do papel político do educador. Essas representações transpareciam na insatisfação que manifestavam com respeito à má qualidade do ensino e ao descompromisso da escola com os alunos pertencentes às camadas populares. Transpareciam, porém, com maior intensidade, na inquietação e na atitude de busca de propostas de ensino que tentassem superar esses aspectos negativos que lhes eram peculiares. Importa registrar que a constatação da força impulsionadora dessas representações sociais vem confirmar os resultados de pesquisa encontrados anteriormente por mim (Moysés et ai. 1991; Moysés 1994a, 1994b). Sendo as representações sociais uma forma de conhecimento que se origina tanto das próprias representações pessoais que o indivíduo traz, quanto daquelas que compartilha socialmente (Moscovici 1978, 1989; Jodelet 1989), o professor está impregnado delas na sua prática pedagógica. 101 Pg No caso desses professores com os quais trabalhei - ao contrário da maioria dos seus pares - observa-se a presença de uma representação que os afasta do lugarcomum e os impulsiona para esse tipo de trabalho aqui relatado. Assim sendo, não tenho dúvidas em afirmar que os resultados aqui obtidos trazem a marca desses dois professores. Uma panorâmica do processo como um todo: Atividades em sala de aula Antes de proceder à análise detalhada do trabalho, convém enquadrá-lo numa descrição mais geral. Já nas primeiras aulas, tendo à frente o professor Antônio, a turma 504 percebeu que naquele ano aprenderia matemática de um jeito diferente. A primeira tarefa que passou consistia em descrever a própria sala de aula. A segunda, uma atividade que mais parecia uma brincadeira:
Na lista abaixo os números 24730 4134 63989 50334 representam em um determinado código os nomes dos metais: ouro, prata, cobre e ferro. a) Descubra qual é esse código. b) Utilize o código para escrever os nomes dos animais: rato, cobra, foca, carrapato, urubu. c) Faça a tradução da mensagem. Escreva neste código 93939 80339 92033089 5938139 d) Use o código para transmitir esta mensagem: "O porto recebeu a frota e o barco preto atracou." Outro indício de que haveria muita novidade pela frente foi a forma de organização do trabalho pedagógico. Desde as primeiras aulas foi solicitado aos alunos que formassem grupos de quatro a cinco elementos. 102 pg Foi-lhes dito, nessa ocasião, que as aulas transcorreriam sempre assim e que, de períodos em períodos, eles teriam a oportunidade de mudar de grupo, se assim o desejassem. Com base nas descrições da sala de aula, o professor introduziu, de forma bastante sutil, a idéia de medida. Caminhando da figura plana para o corpo sólido, fez com que os alunos construíssem esses sólidos em argila, depois em canudinhos de plástico e finalmente fizessem a sua representação no plano. Coerente com a teoria sócio-histórica (Leontiev 1978; Zankov 1991), o desenvolvimento dessas atividades teve por objetivo permitir que os alunos construíssem mentalmente tais figuras e sólidos geométricos, de forma a compreender suas propriedades e estabelecer relações entre elas. Nomenclaturas e classificações surgiram como decorrência do processo. Jamais foram seu alvo. Uma vez construídas tais noções, o professor partiu para explorar a idéia de área e de volume. Novamente aqui houve recurso às atividades práticas. Por atividades práticas entende-se aquelas que ora apelavam para o concreto, ora para representações mentais. Assim, por exemplo, o professor trouxe caixotes de feira para ser medidos, levou a turma a calcular o volume da sala utilizando um cubo grande de papelão (aproximadamente 1m3) e a construir pequenos cubos de papel. Teve, porém, a preocupação de fazer com que esse concreto fosse passando paulatinamente para o plano simbólico. Coerente com Vygotsky (1981a), sua intenção era fazer com que o símbolo passasse a fazer o papel de mediador entre a realidade concreta e o pensamento. À medida que o concreto foi dando lugar ao pensamento mediatizado, as atividades dos alunos foram ganhando um cunho mais cognitivo. Ou seja, os objetos e os demais recursos visuais foram deixando de ser vistos como tais; passaram a ser apenas o signo que os ajudava a compreender as idéias contidas nos conceitos que estavam apreendendo. A troca de professores deu-se no momento em que começou a haver a passagem mais sistematizada do concreto para a representação simbólica (início do 2º semestre). A continuidade se fez partindo-se para um 103 pg novo patamar: a consolidação da construção do conceito de área, volume e perímetro, já iniciada no semestre anterior, bem como dos seus algoritmos. Essa tarefa se deu através da realização de problemas contextualizados. É bom frisar que atividades envolvendo o cálculo das quatro operações permearam todo o trabalho. No caso específico da multiplicação, houve mesmo até uma revisão da construção do seu algoritmo, na medida em que se trabalhava o
conceito de área. Em linhas gerais, posso dizer que no período em que durou a minha participação, pude presenciar um salto qualitativo no desempenho da turma. Ela, que a princípio se mostrava um tanto desconfiada com aquelas aulas de matemática que não tinham "contas, nem muito dever no caderno", passados cinco meses mostravase francamente favorável ao novo enfoque. Prática e teoria entrelaçaram-se em intensidades e ritmos variados. E, em termos globais, os resultados apontaram para a confirmação do potencial existente no enfoque da teoria sócio-histórica da psicologia para a educação. Entretanto, faz-se necessário uma advertência: não se pode perder de vista que esta pesquisa foi realizada em uma escola pública. Escola de uma rede de ensino que há anos não consegue dar uma educação de qualidade aos seus alunos. Escola cujos problemas se acham refletidos no interior das suas turmas, no comportamento e no imaginário dos seus alunos. E, pois, sob esse ângulo que tais resultados devem ser vistos. Afinal, a proposta inicial era a de investigar as possibilidades de a teoria sócio-histórica da psicologia oferecer princípios explicativos que, postos em prática, pudessem melhorar essa escola que aí está. Não outra. Desta forma, os resultados tratam da tendência central observada na turma. Exclui os casos extremos e os grupos de alunos faltosos. Exclui, principalmente, aqueles que já incorporaram a cultura do fracasso. Aqueles que não percebem que é possível se fazer uma escola diferente - na turma 504, uma minoria. Portanto, creio que não seria impróprio dizer que os resultados mostram o que foi possível se fazer "apesar de tudo". Antes de passar à sua apresentação, é preciso, ainda, chamar a atenção para três aspectos que foram tomados como pressupostos básicos 104 Pg na condução deste trabalho, relacionados ao professor. O primeiro é que ele precisaria dar voz ao aluno. Segundo, aceitar um outro ritmo para as suas aulas (o que depende, em grande parte, do aluno). Terceiro, dispor de recursos materiais, ainda que muito simples. Se os dois primeiros dependem mais da predisposição do professor para a mudança, o último deveria ser obrigação do Estado. Todos eles foram exaustivamente discutidos por nós, no decorrer do trabalho. Enquanto para o professor Antônio, o hábito de dar fala ao aluno e respeitar o seu ritmo de aprendizagem já estava incorporado à sua prática pedagógica, para a professora Beatrix isso exigiu um certo cuidado, uma certa atenção. Relação entre a teoria sócio-histórica e a aquisição de conhecimento: Analisando o processo dada a centralidade do conceito de mediação na teoria sócio-histórica da psicologia, faço dele o meu ponto de partida para essa análise e discussão. Mas como a mediação implica um objeto de conhecimento, nessa análise incluo também o processo de formação de conceitos. A outra categoria de análise desse tema, como já dito anteriormente, é a questão do sentido e do significado. As múltiplas formas de mediação e a formação de conceitos A orientação do trabalho pedagógico pelo enfoque sócio-histórico mostrou-se rica em inúmeros aspectos. Um dos mais marcantes foi, sem dúvida, o da construção do próprio conhecimento por parte do aluno. Mediados por diferentes recursos, os conceitos principais da matéria foram sendo construídos ao longo do ano letivo. Para melhor se aquilatar o papel dessas múltiplas formas de mediação na condução do processo de ensinar/aprender pautado por esse enfoque, seria interessante que o confrontássemos com o modelo tradicional. Tomemos 105 Pg por exemplo, um dos conteúdos em pauta: figuras e sólidos geométricos, área, perímetro e volume. Como procede o professor?
Via de regra, o que se observa é a apresentação dos diferentes elementos, quer representados no plano ou projetados no espaço. Ligam-se a eles a sua nomenclatura específica, bem como a nomenclatura das partes que os compõem (face, aresta e vértice). O passo seguinte trata de apresentar fórmulas para o cálculo da área, do perímetro e do volume, garantindo-se a "aprendizagem" por meio de inúmeros exercícios, repetidos sem muita criatividade. O trabalho desenvolvido na turma 504 foi o oposto de tudo isso. A mediação semiótica se fez por diferentes meios: a fala do professor, a do aluno, os desenhos e os materiais concretos. Iluminados pela presença constante das interações - professor/aluno; professor/turma; alunos entre si - todos esses recursos auxiliares externos acabaram por levar a uma representação mental das noções trabalhadas. Lenta e gradualmente. Mediação através da linguagem oral e escrita Tendo sido uma dentre as várias formas de mediação utilizadas, a expressão oral pautou-se sempre pelo respeito à fala do aluno. Assim, por exemplo, no momento de designar as partes dos sólidos, o professor deixava que os próprios alunos as nomeassem. Ponta, bico, lado, dobra e linha foram algumas das palavras surgidas. A princípio, o professor utilizou tais designações. Aos poucos foi fazendo a substituição pelas palavras consagradas na matemática: vértice, face e aresta. O mesmo se deu mais tarde, quando a professora Beatrix introduziu a idéia de perímetro: os alunos entenderam-na como um ato de cercar. Daí, a utilização de palavras como "cercado" e "cerca" para o conceito. Também cuidadosa foi a forma como os professores utilizavam a própria linguagem oral: clara, acessível e direta. Em relação à linguagem escrita dos alunos, o professor começou a perceber logo na primeira aula o quanto ela era limitada para os propósitos que tinha em mente. Isso ocorreu ao lhes pedir que descrevessem a sala 106 Pg de aula. Seu intuito era que eles observassem formas. Não foi o que aconteceu. Alguns alunos, como Niraldo, ao fazê-lo, não conseguiram ir muito além dos aspectos de percepção espacial de alguns objetos. "A minha sala de aula está com um quatro de gís na frente e um quadro de grampo do lado esquerdo, e no canto do lado direito tém uma possa de água. E no quadro esquerdo tém uns pichados e no forro tem tréis pichados. E também no lado esquerdo está pichado." Outros, como Renata, nem mesmo disso se deram conta: "No meu 1 dia de aula, eu reparei que tinham pichado os isopores e 1 isopor não tem, tem 2 gaivotas no teto [trata-se de um teto recoberto com placas de isopor]. O quadro negro-verde está pichado de preto. O plural (mural) está escolhambado significa. É que estar Rasgado. Pixado de giz." Após observação e descrição no caderno, por meio de palavras, o professor pediu aos alunos que desenhassem a sala. Alguns deles já começaram a levantar questionamentos ainda no decorrer da sua realização. Uma vez concluído, o professor comparou entre si alguns desenhos bem distintos uns dos outros. Através de um bem elaborado processo de indução, no qual aproveitou as dificuldades manifestas, fez ver à turma que, se todos viram a mesma coisa, a representação deveria demonstrar essa igualdade. Como tal não aconteceu, foi pedindo sugestões, levando-os a refletir como poderiam superar essa dificuldade. Não foi muito difícil para a turma chegar, então, à idéia deformas e de medida. Apenas à idéia. Nada mais do que isso: algo muito preliminar. O processo, mesmo, de formação de conceitos só iria ocorrer a partir das aulas seguintes. A mediação com objetos reais O ponto inicial para a formação de conceitos foi sempre o conhecimento espontâneo do aluno, ou seja, aquele que ele já trazia. Por exemplo, em relação aos sólidos geométricos, o professor trouxe para a 107 Pg
sala modelos construídos em cartolina de todos aqueles corpos que seriam trabalhados durante o curso (cubo, pirâmide, cilindro, cone, prisma etc.). Em seguida, foi introduzindo-os um a um, perguntando com o que se pareciam. Os alunos participavam ativamente, respondendo. Com exceção da pirâmide, identificada pelo próprio nome, em todos os demais apontaram nomes de objetos conhecidos, semelhantes àquelas formas. Esse foi o primeiro passo na tentativa de fazer com que o conhecimento já existente - ao qual Vygotsky chamou de "espontâneo" -fosse, aos poucos, interagindo com os novos conceitos científicos. No caso, o fato de permitir que os alunos, pela manipulação, comparassem diversos sólidos entre si ajudou na apreensão das singularidades de cada um. Por exemplo: perceber que o que caracteriza uma pirâmide é o fato de que, a partir de cada lado da base, levantam-se faces que se encontram em um único ponto, independente da forma da base (triangular, quadrangular, pentagonal etc.). Finda a fase da exposição, o professor pediu que eles modelassem em barro o que haviam visto. Para isso, providenciou para que trabalhassem tendo à mão o modelo do sólido que pretendiam fazer. Assim, pegando cada um deles, examinando-os detidamente e confrontando-os com os sólidos que iam modelando, conseguiram ter mais clareza sobre os corpos sólidos e suas propriedades. Usando um processo semelhante, as aulas seguintes foram destinadas à construção desses mesmos sólidos por meio de canudinhos. Esse é um recurso que se utiliza para permitir que o aluno tenha a noção do que é que está atrás, uma vez que o objeto fica vazado. A idéia que presidia o uso de ambos os recursos era a de que, ao dar forma ao corpo geométrico, a mente do aluno teria que ir "ditando" os seus contornos. Nesse processo, ele iria caminhando para a internalização dos conceitos. A teoria alertava-nos de que a simples visualização não era garantia de captação de todas as suas características. 108 Pg Trata-se de um processo lento, no qual, por vezes, o aluno consegue captar os elementos essenciais, mas se confunde com os secundários. Assim, por exemplo, mais de um aluno, ao construir uma pirâmide de base quadrangular, preocupou-se mais com o vértice superior e com o formato triangular das suas faces do que com o fato de que a base deveria ser um quadrado e não um triângulo, como foi feito. Do ponto de vista da formação do conceito percebe-se que, apesar do erro, eles haviam captado a característica essencial da pirâmide: as faces partindo da base e se encontrando em um único vértice. Para esse conceito, a forma da base era um elemento secundário. Outro exemplo que atesta a importância desse tipo de atividade para a formação de conceitos foi observado no momento de montar as figuras por meio dos canudinhos. Dada a simplicidade do tetraedro, foi ele o escolhido para a realização da primeira montagem. Tendo o modelo à frente, caberia ao aluno cortar os pedaços de canudinho necessários à sua confecção. Quantos cortar? Os tamanhos são todos iguais? Como passar a linha para formar as suas faces? Essas e outras questões afloraram com intensidade. Aquilo que parecia fácil se mostrou, para alguns, tarefa difícil. Um equívoco muito comum foi o aluno ir montando triângulos, para depois justapô-los formando um só corpo, como o ilustrado abaixo. 109 Pg Ora, ao proceder desse jeito, em vez de ter uma aresta, o aluno terá duas. Se, ao confrontar o seu trabalho com o do modelo, ele nada percebe de incongruente, tudo indica que ainda não formou o conceito de aresta. No entanto, se consegue perceber o equívoco e corrigi-lo, o conceito deve estar se formando. Vale lembrar que anteriormente ele já ouvira o professor falar, diante da turma, que uma aresta, no papel, corresponde a uma dobra (essa é uma imagem de fácil apreensão).
Observa-se, neste exemplo, que a simples mediação pela linguagem não é o bastante para levá-lo à formação do conceito. A questão envolve a atividade e a consciência, como estarei abordando mais adiante. Importa registrar que durante todo o tempo em que os alunos trabalharam com figuras e sólidos geométricos, o professor foi gradativamente introduzindo a nomenclatura adequada, chamando a atenção para suas características e propriedades. Era com absoluta naturalidade que ele se referia ora à nomenclatura usada em matemática, ora à utilizada por eles próprios. Não havia qualquer tipo de cobrança quanto ao uso da nomenclatura correta. No entanto, fazia sempre questão de corrigi-los quando davam o nome de uma figura plana para um sólido (ex.: quadrado/cubo). Na construção do conceito essa era uma idéia que precisava ser inibida. Este é um registro importante a ser feito: sempre que um fato semelhante ocorreu durante as aulas, ambos os professores chamaram a atenção para ele. Vale dizer que inibir idéias errôneas para poder chegar a abstrair os aspectos principais dos conceitos foi uma preocupação constante nesse trabalho. Igualmente o foi aquela relacionada com a possibilidade de o aluno chegar às generalizações dos conceitos básicos da matéria. Nunca é demais recordar que na formação de um conceito científico é necessário que se centre ativamente a atenção sobre o assunto, dele subtraindo os aspectos que são fundamentais, e que se chegue a generalizações mais amplas mediante uma síntese (Vygotsky 1987). Assim sendo, esforços foram feitos no sentido de levar o aluno a se libertar do 110 Pg particular, do pontual, e chegar ao geral, bem como no de substituir o conhecimento espontâneo pelo científico. Essas passagens, no entanto, deram-se lenta e gradualmente. O aluno, após ter trabalhado com a construção manual dos sólidos, passou a receber folhas de exercício nas quais eles eram apresentados como se estivessem projetados no espaço. Tratava-se agora não mais do objeto em si, mas da sua representação no papel. A mediação utilizando desenho A ilustração que se segue é parte de uma tarefa nesses moldes. Note-se que a nomenclatura usada ainda não é a matematicamente consagrada. 111 Pg Conforme se observa, esse tipo de tarefa leva o aluno a ir atentando para detalhes, aprimorando a percepção (frente/fundo) e, sobretudo, a ir discriminando partes. Posteriormente o professor dá a que se segue. Praticamente todos acertam. Na aula seguinte, essa tarefa serve de modelo para uma outra feita nos mesmos padrões, mas com duas diferenças: a lista de sólidos compreende, além desses, o cubo, a pirâmide de base quadrangular, o tetraedro e o prisma de base pentagonal, e no lugar da nomenclatura espontânea, éutilizada a científica: vértice, aresta e face. A realização de atividades como essas leva o aluno a abstrair os elementos essenciais e a inibir os secundários, chegando, então, aos diferentes conceitos que se quer formar. Proceder dessa forma demanda tempo. Os resultados, porém, demonstraram que o tempo gasto nessa fase foi compensado posteriormente. É importante frisar que essa fase inicial, na qual esse tipo de conteúdo foi trabalhado, teve por objetivo, não só introduzir os alunos ao conhecimento sistematizado e científico da geometria, como também lhes 112 Pg fornecer uma base de conhecimentos indispensáveis para aquilo que seria a tônica do programa.
Igualmente fundamental é destacar a importância dessa estratégia no ensino da matemática. Nele, embora haja momentos em que a interação entre conceitos espontâneos e científicos se faça presente de forma clara, há outros em que isso não ocorre. Nessa situação, cumpre ao professor fornecer as bases para as interações futuras, sob o risco de cair em um ensino abstrato, caso as desconsidere. Observando a aula que introduziu tais conceitos, afloravam em minha mente todos aqueles elementos destacados por Vygotsky e Luria acerca da sua formação: interação entre os conceitos científicos e os espontâneos, movimento constante do geral para o particular e deste para aquele, abstração dos elementos essenciais e inibição dos secundários etc. Em decorrência das nossas análises após as aulas e do seu próprio conhecimento anterior, o professor Antônio estava traduzindo a teoria em ação. Isso ocorreu depois de ter levado praticamente dois meses explorando os sólidos geométricos. Tendo aqueles conhecimentos anteriores como ancoragem, os alunos da turma 504 não tiveram dificuldade em construir os conceitos de área e volume que então se seguiram. Vejamos como foi. O professor Antônio começa a aula mostrando aos alunos uma folha de papel ofício. Pede-lhes que identifiquem aquela forma. Quase todos respondem que é um retângulo. Pergunta-lhes, então, como proceder para saber quanto mediria a sua superfície (indica, com gestos, do que se trata). A partir daí faz um intenso interrogatório, intercalado de solicitações para que os alunos executem, na folha de papel, as sugestões que vão dando. Quase todos participam ativamente. Há três momentos que merecem destaque no decorrer dessa aula. O primeiro deles, quando o professor faz a turma perceber a inadequação das respostas que estavam sendo dadas. Alguns sugerem o uso de régua. Um aluno que já se colocara em pé ao lado do professor põe a régua sobre uma linha qualquer da superfície do papel, no sentido da largura. Mantendo a régua na posição assinalada, o professor mostra que assim só se 113 Pg conseguiria saber quanto mede aquela dobra, e não a superfície toda. Em seguida, retirando a régua e colocando um barbante em cima da dobra, insiste que só se mediu uma linha. O segundo, quando ele sugere a possibilidade de se medir com algo como um quadradinho, no caso do papel, ou um azulejo, se fosse uma parede. É um rico momento, no qual a maioria acompanha ativamente. Medindo, ou acompanhando o colega que vai medir a folha no quadro (onde ela agora está colada), os alunos descobrem uma boa solução: ir deslocando o quadradinho por cima de toda a superfície do papel e contando quantos caberiam ali dentro. Estava lançada a idéia de área por meio do uso de uma medida quadrada. Ainda que este termo "área" não tivesse sido empregado, os alunos começaram a elaborar esse conceito mediante a atividade prática. Se hoje, nessa ação, ele precisou ir deslocando o quadradinho de posição, amanhã ele compreenderá que bastará medir dois lados e proceder à multiplicação para se obter a área. O terceiro momento consistiu em fazer com que os alunos começassem a elaborar o conceito de volume imediatamente após terem chegado a essa idéia de área. Ao contrário do que se faz normalmente após a introdução de um conceito, nessa aula o professor não partiu para a 114 Pg realização de exercícios de fixação. O que se seguiu foi uma tentativa de levar os alunos a superar a própria noção que estava acabando de ser induzida. O professor, mostrando para a turma um caixote de transportar frutas, bastante familiar àqueles alunos, pergunta como é que se poderia saber quanto mede o seu interior. A questão suscita grande interesse. São muitos os que se levantam para ir medi-lo. Após uma série de tentativas frustradas de medi-lo com linha, com régua ou com um papel quadrado semelhante a um azulejo, um aluno sugere que seria necessário se ter algo como um tijolo para se obter essa medida.
Imediatamente, outros falam também em cubo. Indagados sobre o porquê dessa necessidade, muitos responderam que é porque são coisas que são "cheias", ou porque têm volume. A partir daí, o professor enfatiza o contraste entre o que se precisa para medir uma parede e um caixote. Insiste nas imagens do azulejo e do tijolo, associandoas a área e volume, respectivamente. Analisando esses exemplos, percebo que há neles muitos aspectos propiciadores da construção conceitual, se tomados à luz do enfoque sócio-histórico. Um deles é, sem dúvida, a pertinência de se fazer suceder a idéia de volume à de área. Estando na 5º série, esses alunos já sabem que, via de regra, uma vez dado um princípio geral, segue-se-lhe um processo dedutivo. E esse saber se evidencia no momento em que eles respondem que deveriam medir o caixote com o azulejo. O embaraço causado pela recusa a esta resposta cria um conflito cognitivo. Estimula novas funções mentais. A percepção de que a regra não funcionou força o pensamento no sentido de estabelecer novas coordenações mentais. Leva à inibição da idéia de azulejo e à busca de uma resposta que faça sentido: "uma coisa como um tijolo". Nisso, a idéia de volume. O professor deu prosseguimento ao programa trabalhando - desta vez intensivamente - o conceito de área. Para isso fez uso de um novo tipo de mediação: papel quadriculado (1cm2). 115 Pg Mediação usando papel quadriculado É importante se ter em mente aquilo que afirma Vygotsky, ou seja, que no processo de aprendizagem mediatizada por meio de um signo, é indispensável que se dê a apreensão do significado desse signo. Ou seja, é preciso que o aprendiz transforme aquele signo externo em um signo interno. Só depois dessa apropriação é que ele passará para a sua estrutura cognitiva sob a forma de uma representação mental. Ora, a linguagem matemática é simbólica por excelência, simbologia que exige familiaridade para ser compreendida. Não é preciso, sequer, recorrer a exemplos muito complicados para se perceber que essa linguagem é um desafio para quem aprende. Basta nos lembrarmos, por exemplo, da dificuldade que é para certos alunos compreender que 5 x 2 não é a mesma coisa que. Á luz dessas considerações, não tenho dúvidas em afirmar que houve momentos em que ficou muito clara a importância do papel quadriculado como mediador da representação mental do conceito medida de área. Essa certeza transparece no episódio que se segue. O professor já vinha trabalhando há cerca de um mês com cálculo de área de figuras desenhadas no papel quadriculado. Passou uma longa série de atividades para o grupo, em uma folha lisa. Em todas elas era solicitado que o aluno desse respostas com base em figuras desenhadas (o desenho trazia o quadriculado no seu interior). A última questão, porém, fazia o percurso inverso. Ou seja, pedia para que se desenhasse um retângulo formado por 72 quadradinhos. O grupo que eu acompanhava chegou rapidamente à resposta de que esse retângulo deveria ter 9cm por 8cm. Até aí, tudo fácil. O problema era fazer esse desenho. Apesar de terem régua, dois alunos (Júlio e Marcos) disseram que precisariam da folha quadriculada para fazê-lo. Os outros dois (Anderson e Niraldo), apesar de também terem tido essa preocupação inicial, mostraram um comportamento diferente. Bastou que eu lhes lembrasse da régua para compreenderem que poderiam resolvê-lo sem o papel quadriculado. Assim o fizeram. Isso aconteceu por iniciativa 116 Pg minha. Queria ver se a simples sugestão seria capaz de fazê-los compreender a relação entre o instrumento de mediação e a idéia trabalhada (centímetro). Como os outros dois hesitavam em utilizar a régua, Anderson tentou convencê-los.
Mostrou que cada centímetro representava um quadradinho. Marcos acatou sem muito convencimento. Mas estava acostumado a seguir os demais. Júlio, no entanto, ficou irredutível. Só começou a fazer depois que conseguiu uma folha quadriculada. Temos aí três momentos de internalização do signo. O fato de haver dois alunos que já não precisavam mais da mediação externa demonstra que conseguiram representar mentalmente a equivalência entre o quadradinho e o cm . Ao contrário desses, Júlio, que não conseguiu fazer essa equivalência, demonstra que ainda não compreendeu o significado do cm . Usa o signo como um meio auxiliar externo. E Marcos mostra-se a meio caminho do processo de internalização. Creio que o mais importante no caso é ressaltar a riqueza dessa mediação. A apreensão do significado vai sendo feita aos poucos. A cada nova atividade, novas inferências, como a feita por Júlio: "O retângulo de 3 x 2 tem 3 quadradinhos de um lado, 2 quadradinhos de outro. Contando-se, tem-se 6 quadradinhos. 3 x 2 = 6 Claro!" Constata-se que ao contrário de dar simplesmente uma fórmula para se calcular e memorizar, o professor levou os alunos a construir o conceito de medida e suas derivações para área, perímetro e volume por meio desse recurso tão pleno de sentido. Prova disto é que, tempos depois, eles conseguem trabalhar até mesmo com escala, isto é, fazem o desenho de planta-baixa de uma casa na qual cada metro quadrado vale x quadradinhos. Em suma, no decorrer do processo houve fortes evidências de que essas várias formas de mediação permitiram à maioria da turma chegar àconstrução dos conhecimentos programados. Um dos aspectos mais relevantes neste trabalho foi a presença do sentido. A orientação dada ao trabalho pedagógico fez dele um traço forte 117 Pg e marcante. Foi ele quem direcionou praticamente todas as atividades desenvolvidas nessa turma. Antes, porém, de passar à análise do papel do sentido no processo de aquisição de conhecimento, quero enfatizar, uma vez mais, que a formação de conceito demanda tempo e depende do nível de desenvolvimento de cada um. Significa dizer que o atingimento da estabilidade conceitual se faz em ritmos variados (Bogayavlensky e Menchisnkaya 1991). Em virtude disto, houve a necessidade de se voltar a recorrer, de vez em quando, a recursos concretos, mesmo numa etapa posterior do programa. Por exemplo, quando retornei à escola nos últimos dias de outubro encontrei três alunos tentando refazer as questões que erraram na prova. A essa altura a turma já estava trabalhando com números decimais há algum tempo. Dentre os recursos visuais que a professora usara, havia uma fita métrica dividida com os decímetros assinalados por diferentes cores. Tanto tempo depois esses alunos ainda precisavam olhar a fita métrica para poder resolver corretamente questões sobre medida. Sentido e significado Basta analisar com mais profundidade cada uma das ações físicas ou mentais dos alunos no decorrer dessas aulas para se constatar que há um sentido atribuído a cada uma de tais ações. O aluno que mede a folha com o quadradinho sabe que está tentando descobrir quantos caberão ali dentro. O aluno que responde "cubo" tem internalizado esse sólido e percebe o sentido da sua resposta. Sentido e significado das palavras. Retângulo, cubo, aresta são agora conceitos cujos significados se inserem num conjunto sistematizado de conhecimento. Assim não fosse, esse aluno não os teria utilizado de forma adequada. Das orientações teóricas da abordagem sócio-histórica, uma cujo valor para a aprendizagem pode ser mais facilmente demonstrado é, exatamente, a que enfatiza a importância de se trabalhar o sentido e o significado dos conceitos. Essa importância transparece, como já se viu,
118 Pg na própria educação matemática. A ênfase que seus estudiosos dão ao ensino contextualizado nada mais é do que um reflexo desses pressupostos teóricos (Carraher et ai. 1988; Mellin-Olsen 1986; Nunes 1991; Janvier 1991). Coerente com os defensores dessa idéia, os resultados desta pesquisa evidenciaram a estreita relação entre a construção/aquisição do conhecimento e o ensino contextualizado. Por contexto, vale lembrar, entende-se tanto as situações criadas em sala de aula plenas de sentido, quanto o universo do aluno. Universo de experiências e representações. Vivido e imaginado. Testemunhado e compartilhado. Dentre os vários exemplos observados de criação de contexto, houve dois que se destacaram pelas oportunidades de compreensão que criaram: calcular o volume da sala de aula e de um pequeno aquário. Após ter apenas introduzido a noção de volume em contraste com a de área, conforme relatado, seguiram-se algumas aulas sobre esse último conceito. Mas o professor apenas iniciou a construção do conceito. A sua efetivação só se daria posteriormente. Ele passou, a seguir, a explorar o conceito de volume, da forma como se segue. Traz para a sala um caixote de papelão de 80cm3. Desafia os grupos a resolver a seguinte questão: descobrir, em cinco minutos, um jeito de saber quantos caixotes iguais àquele caberiam dentro daquela sala. Terminado o tempo, dá dez minutos a cada grupo para realizar, na prática, suas tentativas. O restante da turma acompanha a ação. O resultado de cada grupo é anotado no quadro (há ligeiras discrepâncias decorrentes de medidas mal feitas). Todos conseguem inferir que é preciso deslocar o caixote nas três dimensões da sala. A semana prossegue com aulas nas quais os alunos são levados a construir cubinhos de 4cm3, por meio de dobradura em papel. Eles são recolhidos e utilizados na aula seguinte pelo professor, para calcular o volume de um aquário retangular de 20cm x 10cm x 30 cm. Nessa, ele procede de forma muito semelhante à utilizada na aula que introduziu o conceito de área. Mostrando o aquário, lança o desafio 119 Pg de saber quantos cubinhos caberiam dentro dele. Fazendo analogias com o processo de medição da sala, vai seguindo os passos sugeridos pelos alunos. A forma como esse processo foi feito é uma verdadeira lição de como se construir um algoritmo. Chamo a atenção para isso. A noção de área leva-os rapidamente a sugerir que teriam de começar cobrindo todo o fundo. Assim é feito. O professor leva-os a perceber que ali se formou uma "camada". O caminho mais fácil seria evidentemente o de prosseguir fazendo camadas até chegar em cima. No entanto, ele sabe que os alunos precisam construir o algoritmo do cálculo de volume: comprimento x largura x altura. O que faz, então? Pergunta à turma se haveria, de fato, necessidade de colocar todos os cubinhos no fundo para saber quantos caberiam naquela camada. Alguns hesitam. Outros respondem que bastaria saber quantos caberiam em cada lado do fundo e multiplicar os valores encontrados. Assim, retirando os demais, o professor deixa apenas os que são necessários para esse cálculo: comprimento e largura. Ao se referir ao produto dessas duas medidas como "camada", cria a sua representação mental. Depois, já começando a utilizar representação mental dessa "camada", prossegue tentando levar os alunos a calcular as demais camadas. Anota no quadro o resultado encontrado, via multiplicação, para a camada do fundo. A partir daí, e sempre interrogando, induz os alunos a concluir que basta apenas fazer uma fileira no sentido da altura, para saber quantas camadas cabem no aquário. Isso
é feito. As parcelas vão se somando no quadro. Por fim, procede-se à soma. Embora o resultado estivesse correto, era preciso preparar o terreno para, mais tarde, se chegar ao algoritmo. A partir daí, o professor refaz todo o processo levando os alunos a compreender que os valores poderiam ser encontrados por multiplicação. Assim como ocorreu no cálculo da área, em que o professor deixou claro que esse só poderia ser feito com base em uma medida quadrada, 120 Pg também em relação ao volume, ele ressaltou a necessidade de se ter uma medida em forma de cubo. Creio que ambos os exemplos - medir a sala e medir o aquário -falam por si mesmos. Ressalta-se, neles, a presença do sentido que preside a todas as operações mentais neles envolvidas. O contexto criado nessas aulas foi fundamental para a passagem do concreto para o abstrato. Por seu intermédio, os alunos deram início a um processo de abstração dos aspectos fundamentais à formação dos conceitos de área e de volume. Assunto polêmico e mal entendido, a utilização do concreto aqui se fez de maneira correta, ou seja, como uma via para se chegar ao abstrato, como preconiza a teoria sócio-histórica. E isso só foi possível pela presença do sentido. Nessa análise sobre a questão do sentido e do significado limitei-me aos contextos criados pelo professor. Mas, igualmente importante no processo de ensino/aprendizagem, foi a exploração do universo do aluno, do conhecimento que ele já trazia para a sala de aula. Posso afirmar que praticamente todas as vezes em que o aluno foi levado a pensar em uma vivência sua, para resolver uma tarefa proposta, a solução foi encontrada. São inúmeros os exemplos. Um deles ocorreu no momento em que o professor começou a concretizar, no papel, a noção de área. Passara para a turma a seguinte tarefa para ser feita no papel quadriculado: a) fazer um retângulo com 24 quadradinhos. b) fazer um quadrado com 25 quadradinhos. c) fazer um triângulo com 12 quadradinhos. Na aula anterior já havia trabalhado com um retângulo de 15 quadradinhos. (Notese que este só permite uma possibilidade de construção: 5 x 3). Nesse dia, os alunos vão trabalhando sem muita dificuldade nas duas primeiras questões. Fazem retângulos de 6 x 4 e de 2 x 12, principalmente. Quando chegam na tarefa do triângulo tentam fazer 121 Pg contando os quadradinhos. Apesar das dificuldades, a maioria consegue realizá-la completamente. Nem todos contam. Há alguns que resolveram a tarefa associando as questões (a) e (c). Ou seja, raciocinaram que, se num retângulo cabem 24 quadradinhos, um triângulo que contenha 12 quadradinhos deve caberem uma das suas metades. Basta passar um traço dividindo-o (diagonal). Tal como afirma Janvier (1991), a situação apontou a solução. Segue-se outra tarefa: d) fazer outro retângulo de 24 quadradinhos. e) fazer outro quadrado com 25 quadradinhos. Mesmo com algumas dúvidas e incertezas, os alunos vão realizando a tarefa. É grande o número daqueles que, depois de dividir o retângulo em duas partes, ainda tentam contar, para conferir se está certo. Tanto o professor quanto eu somos muito solicitados para ver se estão fazendo certo. Cristina e sua companheira de carteira pedem ajuda. Só haviam feito os dois primeiros. Não entendiam como é que poderia haver outro retângulo formado por 24 quadradinhos. Sentei-me com elas e começamos a trabalhar, deixando o problema do triângulo para depois. Comecei por lhes perguntar sobre a cozinha das casas que conheciam.
Queria saber se eram azulejadas. Informaram-me que, dada a impossibilidade de azulejá-las por completo, é comum se fazer apenas um retângulo azulejado em frente à pia. Passei, então, a explorar essa questão. Pedi-lhes que calculassem como fariam isso. Vinculando o cálculo ao preço do azulejo e à necessidade de aproveitamento racional, elas foram capazes de chegar à medida e à posição ideal. Impressionou-me a coerência nas respostas quando se tratou de fazer estimativas. Exploramos as conseqüências de se fazer o retângulo na posição vertical e na horizontal. Não demonstraram nenhuma dúvida quanto à melhor opção. A compreensão atingida por esse processo permitiu que, revendo a tarefa, fossem capazes de executá-la, sem ajuda, ainda que tropeçando nas contas de multiplicar. A esse respeito é bom lembrar que havia um grande número de alunos que ainda não memorizara as tabuadas de multiplicar 122 Pg e dividir. A própria Cristina, em setembro, sabia me responder quanto é 5 X 5, mas não 25 .- 5 (esse problema ficou sempre postergado, apesar do meu alerta). Em suma, uma vez contextualizada a questão, sua resolução fica mais fácil. Em outro exemplo, o professor estava tendo dificuldade em fazer os alunos perceberem que a parte inferior do sólido é uma face, e que, portanto, pode ter sua área calculada. Diante disso uma aluna explicou para a turma que aquilo era igual a um chão, acrescentando: "eu vi lá no piso da minha igreja. É todo quadriculado." Particularmente interessante foi a inferência feita por um aluno (Wanderson) no decorrer de uma aula sobre perímetro e área. Estávamos no segundo semestre. Já há algum tempo os alunos vinham manipulando metro de carpinteiro e fita métrica, na sala de aula. Falava-se muito em "metro". De repente ele pergunta muito intrigado: "professora, como é que mede metro de areia? Eu vivo ouvindo o pessoal de obra falar em metro de areia. Como é que pode?" Além de ter sido uma excelente oportunidade para que a professora reintroduzisse a questão do volume, a exploração da sua pergunta permitiu-me fazer algumas inferências sobre a sua aprendizagem. Indagado sobre a idéia que ele fazia a respeito, disse-me: "Eu acho que deve ter uma balança especial para areia. Uma coisa que ao invés do peso medisse a quantidade." Estava claro que esse aluno havia construído o conceito de metro. Sua confusão era natural, uma vez que no ambiente de obra, todos se referem ao metro cúbico de areia dizendo apenas "metro de areia". Foi dos mais ricos o desdobramento deste episódio. Reginaldo, 14 anos, ajudante de obra, apressa-se em dizer que areia se mede por caminhão. Outros alunos concordam com ele, revelando que tinham experiência e pensavam com lógica: era necessário algo que tivesse três dimensões para se medir areia. Em decorrência desse episódio, alguns se encarregaram de trazer as medidas corretas de caminhão de areia. As aulas que se seguiram a essa tiveram um forte apelo motivacional, mas foram, sobretudo, plenas de significado. Além disso, porque as medidas trazidas 123 Pg implicavam cálculo de decimais, criou-se a oportunidade de se passar a esse estudo. Tendo sido tão rica, aproveitei para explorar essa passagem com o grupo dos meninos. Eis o meu diálogo com Anderson. Ao seu lado Júlio ouve atento. Ambos costumam ajudar seus familiares no trabalho de pedreiro. - Como é isso de medir metro de areia? - Eu sei, professora. E 14 carrinhos. Se for meio metro, é 7 carrinhos. - E se não tiver carrinho? - A gente mede com balde. Se me disserem quantos baldes fazem um carrinho, eu sei dizer quantos baldes fazem um metro de areia. Se for pá eu sei também.
Júlio concordava com a cabeça e sorria, como a dizer que naquele terreno ninguém lhes enganava. Situações semelhantes a essa se multiplicaram ao longo de todo o trabalho. Ou seja, o aluno partia da sua experiência para atribuir um significado ao problema. A partir daí ficava mais fácil resolvê-lo, como na ilustração que se segue. 124 Pg No caso da figura da esquerda, alguns alunos a interpretaram como sendo "um terreno que pegou um pouco o terreno do vizinho". No da direita, como "um terreno com uma vala passando no meio". Assim identificados, conseguiam perceber retângulos, procedendo, depois, aos cálculos necessários. Outros alunos, no entanto, já traziam mais internalizada a noção de retângulo, sendo-lhes fácil perceber a solução sem precisar apelar para a imaginação. Gostaria de salientar que, nessa tarefa, muitos alunos conseguiram me explicar como haviam raciocinado. Constatava, assim, que aumentava, a cada dia, sua capacidade de estabelecer relações e fazer inferências. Conforme era nosso objetivo - meu e da professora - o trabalho envolvendo sentido e significado foi intensificado quando se passou a apresentar problemas inspirados no cotidiano dos alunos. Vale lembrar que eles surgiram depois de muitas trocas de opinião entre nós duas. Queríamos intensificar a resolução de problemas que tivessem, de uma certa forma, relação com situações do contexto vivido pelos alunos; algo que eles conhecessem do seu universo familiar e comunitário. Realmente, a familiaridade dos temas tratados mostrou-se um elemento capaz de lhes favorecer a compreensão no momento de resolvê-los. No exemplo que se segue, o tema do problema abordava uma questão que há muito vinha sendo alvo das preocupações dos moradores da região onde mora a maioria dos alunos: a posse da terra. A Prefeitura doou dois terrenos para duas familias. Uma ficou com o terreno igual ao de cima, no desenho. A outra ficou com o terreno igual ao de baixo. Na hora de doar disse que todos ganhariam terrenos do mesmo tamanho. (Ver figura na página seguinte) 125 Pg 1) O terreno de cima tem 20 metros de comprimento por 12 metros de largura (20m x 12m). Quanto ele tem de área? 2) O terreno de baixo mede 12 metros de lado. Quanto ele tem de área? 3) Quanto falta de terreno para que as duas famílias tenham a mesma coisa? Impressionou-me a rapidez com que a maioria chegou às respostas certas. Ninguém perguntou que operação aritmética deveria ser feita (a propósito, nunca os vi fazer este tipo de pergunta). Cristina, no entanto, cometeu um erro ao se deixar levar pela imagem visual. No desenho, o terreno de cima parece ter o dobro do tamanho do de baixo. Bastou, no entanto, pedir-lhe que lesse o problema de novo, para que ela o resolvesse corretamente. Também a tarefa que se segue foi feita rapidamente: 1) Se nós quiséssemos cobrir o quadro de aviso desta sala com eucatex, iríamos descobrir que na loja ela é vendida em diversos tamanhos. As figuras abaixo representam o que está lá na loja. 126 Pg R$ 80,00 cada pedaço (tamanho grande) R$ 40,00 cada pedaço (tamanho médio) R$ 18,00 cada pedaço (tamanho pequeno)
Imagine que o painel tenha o tamanho abaixo: 1) Quantos pedaços de eucatex nós teríamos de comprar se escolhêssemos o tamanho grande? 2) E se fosse o do tamanho médio? 3) E se fosse do tamanho pequeno? 4) Qual fica mais barato? O grande, o médio ou o pequeno? Abro um parêntese aqui para relatar que, num dia em que a professora Beatrix precisou se ausentar, promovi com a turma uma atividade recreativa. Apresentei, oralmente, uma série de problemas. Informei aos alunos que cada um deveria tentar respondê-los individualmente, fazendo os cálculos por escrito, se sentissem necessidade. Depois eu escolheria um para responder e outro para confirmar se a resposta estava correta. Essa atividade sobre o painel foi feita oralmente. De fato, havia vários painéis na sala. Assim, concretizando com o próprio painel ou com desenhos em tamanho natural no quadro, conduzi o problema. Pelo número de alunos que levantaram o braço pedindo para responder, inferi que praticamente todos estavam certos das respostas. Posteriormente, fazendo por escrito, o resultado mostrou que alguns tiveram dificuldade em resolvê-lo. O mesmo ocorreu com o exemplo que se segue. 127 Pg A mesa do refeitório mede lm x 3m. A diretora foi à loja e encontrou plástico de lm de largura. Pense e responda: a) Quantos metros de plástico ela iria precisar comprar se quisesse forrar só o tampo da mesa? b) E se ela quisesse deixar cair meio metro (se escreve 0,5Om ou 50cm) de plástico nas cabeceiras da mesa, quanto ia precisar comprar? A primeira vez que apresentei esse problema foi numa conversa com um grupo de alunas. (Será tratado mais adiante). Depois, expus outro muito parecido com esse, no momento do jogo. Foi passado oralmente e mediatizado com a ajuda de uma fita métrica. Mostrando os valores nessa fita, levei os alunos a raciocinar. A resposta foi quase Instantânea. O fato de ter de somar números decimais, nesse contexto, não os impediu de chegar à resposta certa. No entanto, esse mesmo problema, apresentado da forma como aqui está, isto é, por escrito, deixou de ser resolvido por alguns alunos que o haviam acertado da primeira vez. Como analisar isso? Além da motivação existente na situação lúdica, o fato de haver um "intérprete" para o problema que, não só imprime clareza na sua enunciação, como também vai contextualizando a situação, ajuda o aluno a resolvê-lo. Percebo aqui o entrelaçamento de dois fatores: a questão da contextualização - importante, sem dúvida - e a da zona de desenvolvimento proximal (questão que será tratada mais adiante). Essa análise se confirmou quando, dando prosseguimento a esse tipo de tarefa, a professora passou, por escrito, o seguinte problema: A Associação de Moradores tem um terreno que mede 20m x 40m. Nesse espaço ela quer construir uma porção de coisas. Diga se dará ou não para fazer o que ela quer: 1) Uma quadra de esporte com as seguintes medidas: 20m de largura e 45m de comprimento. 128 Pg 2)
Uma quadra de 20m de largura e 30m de comprimento; e uma horta de l5m de
largura e 30m de comprimento. 3) Uma quadra de 20m por 20m, uma horta de l5m por 20m e uma cantina de 5m por 3m. O primeiro item foi feito só com cálculo mental. Em relação aos outros dois, o
resultado foi muito diversificado. Uns fizeram-nos com grande facilidade, outros, mais vagarosamente e um terceiro grupo só os fez depois que a professora interpretou o problema, no quadro de giz, mediante um desenho. Exemplos como esses ilustram o que Vygotsky e mais recentemente pesquisadores como Janvier (1991) afirmam acerca do uso de esquemas, desenhos e representações como meios capazes de facilitar a compreensão. Percebe-se, aqui, conforme foi evidenciado por Janvier, que a própria situação, por vezes, foi quem determinou a solução. Eis mais um exemplo: após terem feito uma atividade envolvendo a planta de uma casa, a professora foi perguntando aos alunos quantos quartos, quantas salas, quantas cozinhas etc. caberiam dentro daquela sala de aula, que, como se sabia, media 49 m2. Ninguém usou a divisão. Em seu lugar, a maioria partiu para um cálculo oral, evitando o algoritmo daquela operação, uma vez que eles ainda tinham dificuldade em relação a ele. Uma das respostas mais comuns pode ser assim sintetizada: "O quarto tem 3x3, então, são 9m2. A sala de aula tem 49m2 . Então, 49 menos 9, dá 40. Tira um quarto. Nos outros 40 que sobram, de cada 10 tira um quarto e sobra 1m . Então, dão 5 e sobram 4m2. Outro processo mental usado em relação à divisão foi a solução escalar a que se referiu Carraher (1988). Por exemplo: em um problema que levava o aluno a saber quantas voltas ele poderia dar em torno de um terreno que tinha 48 metros de perímetro, não houve um único aluno que tivesse utilizado a divisão. No entanto, praticamente todos acertaram. Como? Simplesmente adicionando 48 várias vezes até chegar próximo a 250. Depois, era só diminuir esse número de 250 para se chegar ao resultado. 129 Pg É importante registrar que na busca da resposta correta, alguns alunos começaram a ensaiar a utilização de cálculos aproximados. O próprio professor estimulou essa prática como um meio de se ter certeza se a resposta estaria certa. No caso, ficou mais fácil contar de 50 em 50 e ir anotando quanto sobrava em cada volta. Depois foi só somar essas "pontas de arame" e chegar à resposta final, como fizeram os meninos do grupo que eu observava. Embora representasse um retrocesso em relação ao cálculo da divisão (aprendido nas séries anteriores), não se pode deixar de reconhecer que era uma forma de manter o sentido do que se estava fazendo. Outro ponto positivo a esse respeito era o fato de o aluno se motivar pela tarefa. A conseqüência de se levar os alunos à manutenção do sentido foi que raramente se viu respostas absurdas. Em síntese, no que diz respeito à aquisição de conhecimento, a teoria sóciohistórica mostrou-se capaz de favorecer a aprendizagem dos alunos. Ou seja, em linhas gerais, permitiu que eles se apropriassem do conhecimento, reelaborando-o de forma própria, entendendo o seu sentido. Relação entre a orientação teórica e o desenvolvimento mental dos alunos Analisando a turma como um todo por meio de avaliações formais e informais, a professora Beatrix e eu chegamos à conclusão de que a maior parte dos alunos foi capaz, não só de construir conhecimento, como também de se desenvolver do ponto de vista cognitivo. Muitas foram as evidências a esse respeito. Em cada uma delas, havia a confirmação de que os pressupostos teóricos do enfoque sóciohistórico da psicologia podem fornecer meios para tornar a aprendizagem mais rica e significativa para o aluno. As categorias de análise utilizadas em relação a este tema foram: zona de desenvolvimento proximal, organização do trabalho pedagógico, atividade e consciência, criatividade e, por último, afetividade. 130 Pg Trabalhando a zona de desenvolvimento proximal Em praticamente todas as orientações que eu dava para ambos os professores,
havia latente a preocupação,tanto com a criação, quanto com o desenvolvimento de zonas de desenvolvimento proximal nos alunos. O escalonamento crescente das dificuldades, a pergunta oportuna, a contraresposta que fazia refletir foram alguns dos recursos usados objetivando esses processos. Por outro lado, atendendo individualmente ou em grupos de aluno, o professor se mantinha sempre em uma atitude de interação. Ao contrário da aula tradicional, o tempo que o professor passava orientando as atividades, indo até as carteiras dos alunos, era muito maior do que aquele em que expunha algo para a turma. Também oposta àquele tipo de aula era a forma de organizar a turma: em grupo, na maioria das vezes. Criou-se, assim, a interação, a possibilidade de troca. Favoreceu-se, dessa forma, o aparecimento, nos alunos, de novas zonas de desenvolvimento proximal, bem como a expansão de zonas já existentes. Diante de situações em que ficava patente algum tipo de dificuldade coletiva, a atitude do professor era a de dar pistas, chamando a atenção para certas particularidades. Desta forma, os alunos iam superando suas próprias dificuldades. Em virtude da metodologia da pesquisa, pude me colocar na posição de um sujeito privilegiado na interação com o grupo dos seis alunos. Desenvolvendo o trabalho com eles, pude perceber a riqueza e a importância do uso de estratégias que visam levar o aluno ao desenvolvimento cognitivo, estratégias essas inspiradas na teoria sócio-histórica. Antes mesmo de começar a relatar algumas situações vividas, quero esclarecer que sou a primeira a reconhecer a excepcionalidade dessa situação. Certa de que é atípica, isto é, consciente de que dificilmente um professor poderia dar a assistência que eu dei àqueles alunos, gostaria, no entanto, de refletir um pouco mais a seu respeito. Creio que tal situação encerra algumas lições interessantes para a prática pedagógica. 131 pg Das muitas análises que a experiência comporta, o primeiro ponto a considerar é o de cunho afetivo. O fato de eu dizer que estava escrevendo um livro sobre como os alunos aprendem, e que precisava de ajuda, teve um impacto positivo sobre eles. Mostravam-se sempre receptivos a mim: arrumando um lugar para eu me acomodar perto deles, repetindo frases ou explicações para que eu pudesse anotar, ou simplesmente me chamando quando eu estava ocasionalmente com outros alunos. Estabeleceu-se entre nós um clima de confiança mútua. Conforme já foi dito, usava, via de regra, dois tipos de interação: uma, que consistia em pedir que eles falassem em voz alta o que estavam pensando, e outra, que era ir instigando o raciocínio com perguntas, pistas, ou, simplesmente, mostrando contradições. Pela sua importância no entendimento de como atuei sobre a zona de desenvolvimento proximal, passo a esclarecer um pouco mais como isso se deu. A primeira estratégia tinha duplo objetivo. O primeiro era o de registrar os processos mentais utilizados na resolução das tarefas. A medida que falavam, eu podia ir percebendo como se dava a interação no grupo, a relação de poder, e principalmente, a evolução dos raciocínios. É claro que, acompanhando a fala, havia a própria ação. O seu segundo objetivo era ajudar o aluno a organizar o próprio raciocínio. Afinal, a relação entre fala e pensamento pertence ao campo de estudo dos mais trabalhados na linha sócio-histórica O segundo tipo de interação me fez constatar com absoluta clareza o poder desse tipo de estratégia para o desenvolvimento das funções psíquicas superiores. Foram processos quase palpáveis, tanto de criação de zonas de desenvolvimento proximal, quanto de exploração dessa zona, fazendo o aluno caminhar para patamares evolutivos superiores. Sendo processo que demanda tempo, relatar como se deu o desenvolvimento cognitivo dos alunos implica falar de momentos
distintos. Envolve No começo era mais poucos, o gosto de instalando até ser
o antes e o depois. perplexidade. Afinal, aquilo era aula de matemática? Aos ir sendo levado por aquele caminho inusitado foi se incorporado com naturalidade. Transformou-se,
132 Pg por fim, em certeza de conquista. Em orgulho, conforme se observa na fala de Anderson: "Foi até bom ter repetido. Este ano aprendi uma porção de coisas que não tinha aprendido antes. Foi melhor, professora. Foi melhor!" Ou na de Júlio: "É mesmo. Nós ensinamos para os meninos da 6ª série na Feira de Matemática. Eles não sabiam nada daquilo. A gente sabe muito mais do que eles." Analisando o caso particular de Renata, o processo de construção de novas zonas de desenvolvimento proximal aparece claramente delineado. Foi justamente em decorrência da observação da sua extrema dificuldade em resolver a tarefa que passo a relatar, que me aproximei dela. Estava no início da minha observação. Caminhava pela sala, verificando aqui e ali a produção dos alunos. A tarefa era tida como trabalhosa, mas não dificil. Praticamente todos estavam conseguindo realizá-la a contento. Consistia, em síntese, numa série de pequenas questões interconectadas, envolvendo a criação de retângulos tendo por base triângulos dados: cinco, ao todo, em diferentes dimensões e diferentes posições sobre o papel quadriculado. Questões mimeografadas em uma folha, figuras na outra. Ambas grampeadas. O objetivo era descobrir a igualdade entre a altura do triângulo e a do retângulo - passo indispensável para a construção do cálculo da área do triângulo. Renata fizera corretamente as nove questões iniciais. Todas relativamente fáceis. A dificuldade começou quando teve de coordenar uma série de conceitos. Convém lembrar que a tarefa começava introduzindo os conceitos de comprimento e largura. Uma das questões propostas consistia justamente em pintar cada uma dessas dimensões nos retângulos que se formaram. Pedia-se ao aluno que fizesse uma linha azul no triângulo, do mesmo tamanho do comprimento do retângulo. Observo a sua folha e vejo que marcou indistintamente tais linhas. Procuro entender a sua lógica. Fica claro que ela não sabia o que estava fazendo. Sem lhe dizer que estava errado, pergunto-lhe o que era para fazer. Volta à folha com as questões. Começa a ler em voz alta. Quando termina, não consegue me dizer o que era para ser feito. Passo, então, a ler junto com ela. Quando chega no trecho que fala no comprimento do retângulo sugiro que vire a folha e me aponte no desenho o que é isso. Percebo, então, que o fato de as folhas terem sido grampeadas dificulta a tarefa. Soltamo-las. Assim, kndo e olhando para o desenho, foi mais fácil interpretar o que estava sendo pedido. Procuro fazê-la identificar no desenho (Fig. 4, A) os três conceitos básicos: comprimento do retângulo, linha do triângulo e pertencer ao mesmo tempo às duas figuras. Depois de muitas hesitações consegue perceber que o que fizera estava errado. Apaga-o e faz corretamente. Passamos ao segundo (Fig. 4, B). É exatamente igual ao primeiro. Apenas o comprimento se encontra na horizontal. Não percebe nenhuma semelhança entre ambos. Fazemos tudo como na primeira vez. Não há nenhuma evidência de que havia feito algum avanço na aprendizagem. Passamos ao terceiro (Fig. 4, C). Pela expressão do seu rosto, percebo que lhe parece ainda mais difícil que os anteriores. Retomamos o mesmo processo. Uma vez identificado o lado do comprimento, faço a pergunta: "que linha que passaria dentro (enfatizo o dentro) do triângulo que teria o mesmo comprimento do retângulo? Não consegue pensar sobre isso. Sugiro, então, que usemos uma linha, de fato. Arranjamos um barbante. Começamos por um novo caminho. 134 Pg Peço-lhe que meça, com o barbante, o comprimento do retângulo. Depois digo-lhe para ir deslizando sobre o triângulo o barbante com essa medida, até encontrar aquela linha do triângulo que também teria esse tamanho. Desliza-o cerca de um
centímetro. Olha para mim e diz: "acho que é aqui" (como na posição do desenho da Fig. 4, C). Diante da sua incapacidade em fazer a coordenação de todas as informações necessárias, ela acaba fazendo por tentativas, até acertar. O quarto era semelhante a esse, embora com posição sobre o papel e dimensões diferentes. Pega o barbante e vai medindo. Tento, inutilmente, fazê-la compreender as relações. Procede como no anterior. Finalmente, quando chegamos ao quinto - semelhante aos anteriores -, ela passa a dar mostras de que estava começando a relacionar os três elementos entre si. A conclusão a que cheguei é que era preciso incorporar as novas aprendizagens comprimento e largura - antes de estabelecer as relações exigidas. Mesmo com a ajuda do apelo visual-figurativo, a tarefa exigia coordenação de idéias, o que significa dizer que teria de ter a linguagem como mediadora. Esse resultado é coerente com os estudos de Krutetsky (1991). Segundo afirma, a compreensão das relações matemáticas depende, em grande parte, de se ter desenvolvido o componente lógico-verbal do pensamento. Isso ficou bastante claro para mim, ao perceber a resposta de Niraldo. Já tendo construído os conceitos de comprimento e largura, para ele a tarefa consistia apenas em encontrar a igualdade entre o comprimento do retângulo e a altura do triângulo. Isso fora feito facilmente. A questão seguinte pedia para justificar a igualdade entre aquela linha - na verdade a altura do triângulo - e o comprimento do retângulo. Após ter feito o primeiro, analisa os demais e diz: "Se justificar de um, está justificado de todos. Não tem que achar de cada um." Sua resposta me fez ver que estava diante de níveis diferentes de desenvolvimento cognitivo. Esse episódio gerou uma rica discussão no nosso trabalho após as aulas. Dele, extraímos várias lições. A primeira, da organização do 135 Pg material: o aluno precisa ter os enunciados das tarefas à vista enquanto as realiza. A segunda, a da importância da compreensão do significado. A terceira, o valor de se chamar a atenção do aluno para o que é essencial. Todos esses pontos passaram a ser levados em conta pelo professor nas aulas seguintes. Em agosto, começa uma nova fase do processo de ensino/aprendizagem. Pela primeira vez são passados os chamados "problemas de enredo". Eles vão levar Renata para um outro nível de desenvolvimento. Observo-a. Ela está trabalhando junto com Marcelo, seu companheiro de carteira. Sempre disposta a fazer as tarefas, já a havia concluído quando me aproximei dela. Eis o problema: Eu comprei 250m de arame para cercar o lote 17 que tem a forma de um quadrado e tem 12m de lado. a) Com quantas voltas de arame eu posso cercar o lote 17? b) Quantos metros vão sobrar? Vejo, no caderno de Renata, as operações realizadas. A primeira delas é: Peço-lhe que me explique como fez. Passa a ler o problema em voz alta. Parece não se dar conta do significado do "lote 17". Mantenho com ela o seguinte diálogo: - Por que foi que você diminui 250 de 17? - Porque tem esses números lá no problema. - Mas o que é que ele quer dizer? - Que é o lote 17. - Qual é o número da sua casa? - É 48. - Tem alguma coisa a ver o número da sua casa com o tamanho dela? 136 Pg - Não. Acho que não. - Essa sala tem um número na porta. Esse número tem alguma coisa a ver com o tamanho dessa sala
- Não tem não. Ah! Já sei. Dizendo isso se apressa em apagar aquela conta. Tenta fazer sozinha, mas não consegue. Passo, então, a encaminhar as perguntas que a levam a resolver o problema corretamente. Eu continuo a acompanhar o seu desenvolvimento. Sentada ao seu lado, às vezes me limito a seguir o seu raciocínio. Outras vezes, faço apenas algumas perguntas direcionadoras. Percebo-a cada vez mais atenta e observadora na realização das tarefas. Seu ritmo ainda é mais lento que o da maioria da turma, mas já não comete erros. A convicção de que do nosso trabalho interativo criou-se uma zona de desenvolvimento proximal surgiu no final de setembro. Eu havia explicado para a turma que estaria me despedindo deles naquele dia. Comentei que, por tudo o que eu vira, achava que eles tinham aprendido de verdade. Mas que para ter certeza queria que fizessem uma tarefa. Disse-lhes que talvez fosse difícil, mas que isso era necessário. A tarefa era a seguinte: No papel quadriculado fazer aplanta de uma casa que tenha 1 sala, 1 quarto, 1 cozinha e 1 banheiro. Cada aluno deverá calcular a área de um cômodo. O total da casa não poderá ultrapassar a 50m. Renata estava trabalhando em colaboração com seus colegas do grupo. Cada um tinha feito o cálculo de um cômodo e o total tinha ultrapassado a 50m2. Perceboa interessada, como sempre, porém mais segura. Tendo ficado claro que o obstáculo era não ultrapassar os 50m, diz: "Já sei. Essa casa é quase do tamanho da sala. [Ela se lembrara do dia em que fizeram esse cálculo: 49m2]. A gente pode fazer pelas carteiras." Vira-se em direção ao fundo da sala e começa a atribuir um cômodo a cada canto. Com a mão, vai apontando: "Da parede até Fábio deve ter dois 137 Pg metros por dois metros e meio." Vira-se para o colega e pede que anote as medidas. Vai, assim, atribuindo medidas de acordo com o que visualiza. A professora Beatrix e eu nos entreolhamos, compreendendo que estávamos presenciando um momento importante do nosso trabalho. No nosso silêncio, era como se disséssemos: funciona! Tendo testemunhado o seu desenvolvimento cognitivo, não me causou surpresa o fato de tê-la encontrado, já próximo ao final do ano, tutorando, por iniciativa própria, o trabalho de três colegas. Acompanhando o desempenho dessa aluna nos três momentos assinalados, percebe-se que houve um incremento na sua capacidade de estabelecer relações, antes inexistente. Fica patente, no seu caso, a pertinência dos pressupostos teóricos acerca da formação de zona de desenvolvimento proximal. O processo interpsíquico que havia nas suas trocas com o seu grupo, com o professor e, particularmente, comigo foi aos poucos se internalizando. Transformou-se em algo seu. Passou a fazer parte da sua estrutura interna; concatenou-se com seus processos mentais já existentes e com seus conhecimentos anteriores. Isso fica bem evidente quando ela associa, por exemplo, as duas medidas - do problema e da sala de aula - ou quando tem clareza das compensações necessárias quando divide, mentalmente, a sala em cômodos. As conclusões a respeito de Renata podem ser aplicadas a Júlio. No início tinha dificuldades para compreender certas relações - como no caso de não conseguir desenhar sem a ajuda do papel quadriculado, mas à medida que o curso foi se desenrolando, teve ganhos consideráveis no seu desenvolvimento mental. Tal como a aluna, ele se mostrava sempre pronto a realizar as tarefas. Além disso, ambos discutiam, trocavam idéias com seus pares, e pediam ajuda ao professor e a mim. Sobretudo sabiam realizar um processo de metacognição quando eu os interpelava nesse sentido. Diante das minhas indagações sobre como é que eles estavam pensando, tentavam traduzir em palavras os raciocínios feitos e os caminhos mentais percorridos. Na opinião da professora o desempenho de ambos foi extremamente satisfatório, a se considerar o ponto de partida. Ambos foram obtendo
138 Pg conceitos cada vez mais elevados nas avaliações. De fato, era visível o salto qualitativo que ocorreu no desenvolvimento mental desses dois alunos. À luz do enfoque sócio-histórico, pode-se inferir que todas as circunstâncias que estiveram presentes na sala de aula favoreceram, não só o aparecimento de zonas de desenvolvimento proximal, como o seu alargamento. A conquista das novas funções mentais parece ser a prova disto. Em uma posição diferente de Júlio estavam Anderson e Niraldo no início do ano. Creio que o trabalho apenas expandiu zonas de desenvolvimento proximal já existentes. O raciocínio de ambos ganhou mais lógica e rapidez ao longo do curso. Testemunhei muitas situações que o comprovam. Ilustro com uma ocorrida ainda no primeiro semestre, durante a realização de uma tarefa passada pelo professor. Ele começou determinando oralmente o que os alunos, em grupos, deveriam fazer. Depois passou, por escrito, uma série de questões. Tendo distribuído uma folha de papel ofício para cada aluno, determinou-lhes que identificassem os lados do comprimento. A seguir, pediu que assinalassem um ponto em qualquer lugar de um desses lados. A ordem seguinte era traçar um triângulo partindo desse ponto até as extremidades opostas dessa margem. Evidentemente que existia a possibilidade de haver triângulos ocupando diferentes lugares no papel. Segue-se um exemplo de uma dessas possibilidades. 139 Pg Dentre as questões propostas, a principal era verificar quantas vezes o maior triângulo (foram formados três) caberia no retângulo. É oportuno lembrar que naquelas aulas anteriores, em que os alunos, usando o papel quadriculado, calculavam a área do triângulo contando quadradinho por quadradinho, ou criando um retângulo ao seu redor, para depois calcular a sua área e dividir por dois, só se convenciam de que no retângulo cabem dois triângulos de mesma área quando havia uma diagonal dividindo-o em duas partes iguais. Essa atividade foi dada, justamente, para levar o aluno a perceber que, não importa o local onde esteja um triângulo de mesma altura que o retângulo, dentro deste cabe duas vezes a área do triângulo. Marcos e Júlio não sabem, a princípio, como fazê-lo. Anderson examina o desenho e raciocina. Diz que aqueles dois triângulos pequenos, se forem colocados um do lado do outro, são do mesmo tamanho do triângulo maior. Niraldo compreende imediatamente e concorda com a sua resposta. Marcos, como sempre, fica indeciso, e Júlio não acredita que esta resposta esteja certa. Julgo oportuno fazer referência ao estudo de Zankov (1991) que diz que há alunos para os quais o componente figurativo ativa o raciocínio, enquanto para outros, isso não acontece. Pelo jeito de Júlio olhar o desenho, Anderson logo conclui que ele não conseguirá "ver" a relação procurada. Em vez de se deter no comprimento da linha inferior do triângulo maior e compará-la com o comprimento das duas linhas que formariam o comprimento do triângulo menor, caso eles estivessem colados um no outro, ele começa a medir a largura. Segue-se a isso uma intensa discussão. Por fim, eles recortam os pedaços e sobrepõem os dois triângulos pequenos sobre o grande. Só então os dois se convencem da igualdade. Observando a maneira como Anderson e Niraldo tentam convencer os colegas a ver as relações de compensação existentes na figura, pude ter a certeza de que estavam avançando no desenvolvimento das suas funções mentais superiores. Esses dois alunos destacaram-se no grupo e na turma. Empenhavam-se bastante na resolução das tarefas, e, em geral, cometiam poucos erros. E, quando isso acontecia, bastava uma pequena pista para que 140 Pg
realizassem corretamente a tarefa proposta. E, acima de tudo, pareciam sempre muito felizes em virtude do bom desempenho. (Não se pode esquecer que Anderson era repetente). O fenômeno do desenvolvimento das funções mentais superiores a partir da interação do aluno com um adulto se fez presente também com Cristina. No seu caso, foi um processo marcado por altos e baixos. E importante registrar que vinha, desde o início do ano, tendo um desempenho inferior ao do nível da turma. Se o trabalho era em grupo, omitia-se. Se era individual, em geral nem tentava. Assim foi, por exemplo, naquela tarefa do terreno que tinha 250 metros de arame para cercá-lo. Após decorridos 20 minutos de o professor ter passado a tarefa, ela sequer havia começado a fazê-la. Tento por diferentes meios levá-la a pensar a respeito, mas só obtenho respostas absurdas. Parece que a situação de ter de resolver um problema - muito mais do que o próprio problema -causa-lhe pânico. Em virtude disso, procurei me aproximar dela fora do horário da aula para tentar ajudá-la a vencer esse medo. (Retomo essa questão numa seção mais adiante). Dias depois, fazia, com êxito, uma tarefa bem mais complexa do que aquela. (Era a primeira vez que a turma trabalhava com desenho de planta-baixa). Os fatos me levaram a inferir ter sido a minha ajuda fundamental para o seu bom desempenho. 141 Pg Passados mais de 15 minutos de iniciada essa tarefa, ela só havia feito as medidas das "paredes". Antes que eu pergunte qualquer coisa me diz que não sabe fazer. Começo um longo processo de indução, e, para minha surpresa, basta que eu a mande marcar um cômodo com os "quadradinhos", para que ela deduza o tipo de cálculo que seria necessário. Resolve corretamente e sem ajuda todos os demais, com exceção do último, que envolve perímetro. Nesse momento, eu apelo para a concretização. Peço que me diga, apontando para o desenho, por onde começaria a passar a cerca de madeira de que fala o problema. isso a leva a objetivar o seu raciocínio. Assim, tendo que ir apontando os "pedaços" da cerca no desenho, acaba tendo clareza da operação necessária para encontrar a solução do problema. Enquanto eu me afasto, Cristina escreve caprichosamente as respostas na folha e levanta-se para mostrar à professora. Está absolutamente confiante. Depois eu tenho com ela um diálogo, no qual pergunto por que ela acertou. Ela me diz que foi porque eu a ajudei. Retruco: "ajudei ou te fiz perguntas?". Ela reconhece que a ajuda foi apenas "fazer perguntas". Sorri e creio que percebeu que foi capaz de dar as respostas certas. Na aula seguinte, em um problema parecido com esse, faz o seu e depois ajuda ao seu colega de carteira. Quando retorno à escola no final de outubro, pergunto-lhe sobre sua avaliação bimestral e ela me diz que foi mal. Insisto em saber o porquê. Com muita dificuldade, levando-a a uma reflexão sobre todo o processo de aprendizagem ocorrido naquele ano, ela conclui que fazer sozinha é muito difícil. Ou seja, a interação constante com um adulto que lhe oriente 142 Pg o pensamento ainda é fundamental para que compreenda as tarefas. Em geral, uma vez "interpretada", ela sabe como caminhar. Da análise de todos esses casos, chega-se à confirmação de que trabalhar a zona de desenvolvimento proximal do aluno implica interação. Quando o aluno tem alguém que sabe pô-lo para pensar, ele avança. Não há dúvidas de que esse conceito é um instrumento poderoso na mão do professor. Sua utilização na forma como eu trabalhei, isto é, dando assistência direta ao aluno, individualmente ou em grupo, ainda merece um pouco mais de reflexão. Essa será feita no capítulo final. Atividade e consciência Tomando por baliza os estudos de Leontiev (1978) sobre atividade e consciência, procurei passar para os professores, além dos aspectos centrais da teoria sóciohistórica, um estado de alerta sobre outros aspectos importantes. Essa relação
entre a atividade e a consciência foi um deles. Percebi que havia pelo menos duas inferências possíveis de ser feitas com base naqueles estudos que o professor não deveria ignorar. Primeiro: aquilo que não é percebido, em geral, não é passível de ser reproduzido voluntariamente. Segundo: o objeto da consciência do sujeito depende do tipo de atividade mental que ele está desempenhando. Por isso, preocupei-me em assinalar para os meus parceiros a importância de fazer coincidir consciência e atividade. É possível que tenha havido momentos em que essa coincidência não tenha se dado. Mas, no geral, ela preponderou. Quero voltar a um exemplo ocorrido logo nas primeiras semanas de aula. O professor havia feito aquela proposta para que os alunos modelassem no barro os sólidos geométricos. Para isso lhes deu modelos para ser manipulados. Relembro que o objetivo era levar o aluno a perceber todas as propriedades daqueles sólidos que estavam sendo trabalhados. Cubo, paralelepípedo e pirâmide de base quadrada foram os sólidos feitos em primeiro lugar, pelos alunos. Praticamente todos os fizeram. 143 Pg Quanto aos demais sólidos, a distribuição foi praticamente igual entre todos, ressalvando-se que o octaedro e o dodecaedro foram feitos por dois alunos, apenas. Mas todas as modelagens estavam corretas, com exceção do tetraedro. Alguns alunos não conseguiram perceber que a base não era quadrada, e sim triangular. Mas bastou o professor chamar a atenção para o fato, para que todos acertassem. Esse resultado, no entanto, só foi possível porque o professor Antônio já conhecia uma experiência negativa a esse respeito. Nela, o professor não tinha propiciado aos alunos a manipulação dos modelos nas próprias carteiras. Eles foram apenas apresentados e dispostos sobre a mesa do professor. Tampouco houve uma rica exploração quanto às analogias entre eles e objetos ou formas conhecidas. Nessas condições, alguns dos sólidos foram feitos sem respeitar as suas propriedades básicas. Por exemplo, ocorreu de a pirâmide quadrangular terminar com o encontro da face dianteira com a traseira, no lugar do vértice e de cubos terem faces com dimensões diferentes etc. Analisando-se o resultado, percebe-se que a diferença existente entre essa experiência malsucedida e a produção da turma 504 ocorreu em virtude do grau de percepção dos objetos pelos alunos. As analogias descobertas pelos alunos e o fato de poderem manipular os modelos garantiram uma percepção mais completa e mais correta na turma do professor Antônio. Quanto à segunda inferência a que me referi, qual seja, a de que o objeto da consciência do sujeito depende da atividade mental que ele está desempenhando, foi observada nas aulas que se seguiram a essa da modelagem no barro: a da montagem usando canudinhos. Quero lembrar que eles deveriam começar pelo tetraedro e que, nesta tarefa, os alunos contavam tanto com a ajuda de um modelo em cartolina quanto de outros feitos com canudinhos. Além de começar por lhes perguntar quantos canudinhos teriam de cortar para montar o tetraedro, o professor fazia-os copiar as seguintes regras: (a) todos os canudinhos devem ter o mesmo tamanho; (b) só pode dar um único nó; (c) não pode cortar a linha; (d) pode passar com a linha pelo mesmo canudinho quantas vezes quiser. 144 Pg A seguir, indo de carteira em carteira, chamava a atenção do aluno para que comparasse a sua produção com o modelo e para que cumprisse as regras propostas. O resultado foi que todos, em ritmos variados, conseguiram terminar corretamente a tarefa, partindo para a feitura do cubo. Por fim, solicitou-lhes que fizessem, em canudinho, a mesma figura com a qual tiveram dificuldade: a pirâmide de base
quadrada. Comparando-se os dois processos de construção desenvolvidos pelos alunos - com a argila e com os canudinhos -, percebe-se que a figura que eles tiveram maior dificuldade para modelar no barro foi feita, posteriormente, sem nenhum problema, com a ajuda do modelo e das regras. O que concluir disso? Que as regras ajudavam a dirigir a consciência para a atividade mental que estava sendo feita. Eu mesma pude verificar como isso se deu. Antes, porém, preciso explicar a forma correta de se montar o sólido com os canudinhos. Vejamos o caso do tetraedro: o aluno deve começar enfiando três canudinhos e, a seguir, tentar fechá-los em forma de um triângulo. Como não pode dar nó, o primeiro desafio é resolver como isso poderá ser feito. Em geral é preciso lembrá-lo da outra regra: pode-se passar a linha muitas vezes no mesmo canudinho. Aplicando-a, ele obtém como resultado um triângulo com duas pontas de linha saindo em dois vértices diferentes. Como a minha posição de observadora me permitia acompanhar as ações de inúmeros alunos, pude perguntar para muitos deles, após terem chegado ao ponto relatado acima, qual seria o passo seguinte. A maioria tinha clareza absoluta do que deveria ser feito. Antes de fazê-lo, já havia visualizado mentalmente. Esse passo era montar a primeira face lateral. Assim, percebendo que teriam sempre de passar de novo a linha para poder chegar às extremidades necessárias, iam facilmente montando as demais faces, concluindo a tarefa sem problemas. O aspecto primordial a enfatizar é que, durante todo o tempo, os alunos tinham de estar com a mente voltada para as operações necessárias à consecução da tarefa. Não se tratava, em absoluto, de algo mecânico. A 145 Pg medida que eles continuavam construindo os outros sólidos, o professor ia paulatinamente chamando a sua atenção para as propriedades de cada um (quantas faces, quantos vértices, quantas arestas). Anteriormente, o professor Antônio havia dado essa tarefa para uma outra turma sem determinar as regras. Resultado: a maioria dos alunos foi montando as peças por tentativas, fazendo pequenas partes e unindo umas às outras. Considerando-se o aspecto externo, pode-se dizer que o resultado final foi semelhante em ambas as turmas. À primeira vista, poder-se-ia julgar que em ambas, os alunos haviam aprendido a identificar corretamente cada um dos sólidos feitos, reconhecendo-lhes as propriedades. No entanto, não foi isso o que aconteceu. Do ponto de vista psicológico, ou seja, analisando-se o grau de consciência que os alunos de cada uma dessas turmas tiveram dos sólidos construídos, percebe-se uma grande diferença entre eles. Isso ficou patente na atividade formal de avaliação (feita com objetivo de diagnosticar falhas na aprendizagem). Aos alunos foi entregue uma folha de papel na qual estavam desenhados os sólidos que eram objeto da aprendizagem. Neles, as arestas que não estavam à vista eram representadas por linhas tracejadas e por letras indicando os vértices. Ao aluno era solicitado que reconhecesse cada sólido, atribuindolhe todas as suas propriedades. O resultado apontou que na turma para a qual foram estabelecidas as regras, a maioria realizou a tarefa sem grandes dificuldades. Isso ocorreu até mesmo quando a tarefa teve um cunho mais abstrato e genérico: solicitava aos alunos que indicassem, usando as letras, as faces, os vértices e as arestas de cada sólido. No entanto, a turma para a qual não foram estabelecidas as regras exibiu um maior grau de dificuldade em levá-la a bom termo. O próprio tempo destinado à sua consecução foi muito maior nessa turma do que na outra. Os dados da pesquisa indicaram que, ao fazer a tarefa por tentativas, o aluno não tinha claro o processo de construção, isto é, não trabalhava mentalmente as relações entre as partes e o todo. Ao fazê-la em partes 146 Pg
isoladas e depois, por tentativas, agregar essas partes umas às outras, a sua consciência estava nesses movimentos isolados que foram ocorrendo por ensaio-eerro. A atividade como um todo - aqui considerada como a construção de um dado sólido geométrico - não foi alvo da sua consciência. No entanto, o mesmo não ocorreu quando ele teve de construir as relações na mente antes de executá-la na prática. A consciência, neste caso, coincidiu com a própria atividade. Conforme era de se esperar, tomando-se por base os dados apresentados por Leontiev, essa diferença entre as duas turmas se refletiu no momento da avaliação. Na turma em que a consciência do aluno estava na própria atividade os resultados foram mais satisfatórios. Eles erraram menos e fizeram a atividade em um tempo mais curto. Embora na proposta pedagógica do trabalho se procurasse fazer coincidir atividade e consciência - e para isso havia uma preocupação em não se propor tarefas que fossem feitas mecanicamente -, alguns alunos conseguiam realizá-las sem que a consciência estivesse dando conta, em toda a sua extensão, daquilo que estava sendo feito. Isso transpareceu no episódio que se segue. A professora Beatrix havia começado a dar os problemas de enredo. Eis um dos primeiros: Dona Joana vai acarpetar os três quartos da sua casa. Dois deles são quadrados e têm 5m de lado, e o outro é retangular e mede 4m por 6m. Quantos m de carpete ela vai ter que comprar? Observando que grande parte da turma estava tendo dificuldade em resolver o problema, sugeri à professora que procurasse relacionar esse assunto com o que o professor Antônio vinha dando até então. Voltando-se para os alunos, pergunta se aquele problema tinha alguma relação com os "quadradinhos" do professor. Metade da turma responde categoricamente que não. A outra parte diz que sim. Há um aluno que chega mesmo a dizer: "Tem sim. Só tem!" 147 pg Analisando posteriormente o acontecido, chegamos à conclusão de que o fato de ela estar substituindo o outro professor estava levando a essa confusão, e que a forma de resolvê-la seria voltar, um pouco mais, para o concreto. Na aula seguinte, a professora trouxe um papel medindo um metro quadrado e voltou a concretizar os problemas com a ajuda dele. Em resumo, havia alunos que, ao contar os quadradinhos no papel, não associavam essa contagem com o seu significado maior: a consciência estava na atividade mecânica de contá-los e não naquilo que eles representavam. A teoria ajudou-nos a tentar corrigir o erro, transformando uma atividade automatizada em algo cujo sentido era apreendido (Leontiev 1978). Forma de organização do trabalho pedagógico Um dos pontos da pesquisa em que os resultados se mostraram mais promissores foi justamente o da organização do trabalho em sala de aula. Praticamente todas as evidencias encontradas nas pesquisas de Forman e Cazden (1988); Forman (1989); Rubtsov e Guzman (1984/1985); Rubtsov (1989, 1991a e 1991b) e Rivina (1991) obtiveram confirmação neste trabalho. Isso equivale a dizer que a atividade compartilhada é fundamental para o desenvolvimento cognitivo do aluno. Trabalhando com um ou vários parceiros, ele vivencia no plano externo o que irá internalizar, posterionnente, conforme atesta Vygotsky (1981, 1984). Nesta pesquisa, em que grande parte das aulas se desenrolou mediante atividade compartilhada, os resultados que destacam a sua importância no processo de aprendizagem foram evidentes. É inegável que, falando para o outro, o aluno aprende. Por outro lado, ao tentar traduzir para o outro o seu pensamento, ele descobre que não tem, evidentemente, a mesma clareza do professor. (É o caso da instrução proléptica, tratada por Wertsch 1981 e posteriormente por Forman e Cazden 1988). Em virtude disso, ele acaba aprendendo,
148 Pg uma vez que tem de organizar o próprio pensamento, transformando-o em palavras. Enfim, o aluno aprende porque contrapõe o seu pensamento com o do outro e, nesta contraposição, consegue perceber diferenças e semelhanças. Observando os quatro meninos no grupo, ficou bastante clara a riqueza das trocas interpessoais, e o quanto essa contribui para o desenvolvimento cognitivo de cada um. Isso não significa, no entanto, que tenha ocorrido em todos os grupos. Houve alguns para os quais o fato de estar trabalhando sob essa forma de organização favoreceu a conversa e a distração, prejudicando a aprendizagem. Outro fator que interferiu na produção dos alunos quando submetidos a situação grupal, e que já fora apontado por Forman (1989), é a questão do poder. Havia, tanto no grupo em que Cristina estava (ela mudou algumas vezes de grupo), quanto no de Renata, um aluno que dominava os demais (Eliana, no primeiro, e Elber, no segundo). Isso ficou evidente por ocasião de um trabalho envolvendo o chamado "material dourado", próprio para o ensino de operações com números decimais. A professora forneceu a cada grupo um jogo de cartelas com figuras relativas a unidades, dezenas e centenas. O número de figuras dava, no máximo, para dois jogadores, o que forçava a participação grupal. O que se esperava é que os alunos montassem apenas um arranjo de respostas com a colaboração de todos. Em uma aula na qual os alunos estavam trabalhando com esse material, chego perto de Cristina e vejo que ela não está participando. Faço ao seu colega de lado uma determinada pergunta e ele me diz: "Não sei fazer nada disso não." Percebo que Eliana concentrava todo o material à sua frente e fazia sozinha os cálculos. Como tem um raciocínio ágil, chega rapidamente aos resultados. Ela fala pelo grupo. Sem poder se dar conta de tudo o que está ocorrendo à sua volta, a professora não percebe que os demais colegas do grupo estão sendo prejudicados. 149 Pg Situação idêntica ocorreu no grupo de Renata. Elber, sob o olhar atento do seu amigo e parceiro habitual, faz tudo sozinho. Os demais tentam fazer, mas não conseguem. O material é insuficiente. Quando sugiro que dê chance a todos assim como fiz com Eliana - levanta-se e vai procurar outro grupo. Conforme já assinalara Rubtsov (199 la), também na presente pesquisa foi observado que há, na atividade compartilhada, diferentes níveis de poder e participação. Também como aponta esse pesquisador, verificamos que quando a colaboração passa a ser o objetivo do grupo os conflitos desaparecem. A grande preocupação do grupo dos meninos observados era dar conta da tarefa. Vimos, também, o oposto em um grupo formado por alunos faltosos e desinteressados: um jogo de culpa e de gozações quando o grupo chegava a uma conclusão errada. Apesar desses aspectos desfavoráveis, a forma de organização da atividade privilegiando o coletivo foi, para os grupos que estavam mais empenhados na tarefa, fator de promoção da aprendizagem e de desenvolvimento das funções mentais superiores. Houve uma farta observação de situações que o comprovam, algumas das quais já se fizeram transparecer ao longo desta apresentação. Um exemplo que mostra a importância da interação grupal para a transformação da própria atividade intelectual surgiu logo nas primeiras aulas. A atividade era aquela de calcular, pela primeira vez, a área de um triângulo. No seu enunciado, o professor pedia ao aluno para desenhar um triângulo no qual coubessem 12 quadradinhos. Enquanto a maioria da turma tentava contar esses quadradinhos e esbarrava nos pedaços "quebrados" eu observei que Anderson e Niraldo atentavam para o fato de que haviam acabado de fazer um retângulo com 24 quadradinhos. Pensando em voz alta, chegaram à conclusão de que o número de quadradinhos desse era a metade
daquele número. Daí, procuraram visualizar isso no desenho. Anderson foi o primeiro a perceber que se passasse uma diagonal no retângulo, encontraria esse triângulo. Bastou uma simples sugestão sua, e Niraldo também "viu" essa relação. Os outros dois continuavam tentando contar os quadradinhos. Eles, então, argumentaram. 150 pg Tentaram explicar, mas não encontraram as palavras adequadas. Até que sugeri que pegassem um retângulo de papel e dobrassem-no, como estavam pensando. A reação de Marcos foi imediata: diante da evidência concreta, concordou que ambas as partes eram iguais. Depois os três conseguiram convencer Júlio. Para me certificar de que a transformação no processo perceptivo havia implicado uma transformação na atividade intelectual, pedi a Júlio e a Marcos que desenhassem triângulos com medidas variadas. Acertaram todos. À minha pergunta se precisavam contar, respondiam com um enfático não. Outro exemplo pode ser tirado da análise das soluções que os alunos deram para aquela tarefa de desenhar a planta-baixa de uma casa, referida anteriormente. Talvez o fato de eu ter enfatizado a importância daquela tarefa para a avaliação do meu próprio trabalho tenha intensificado o nível de participação e envolvimento dos alunos. O intercâmbio de idéias permitiu que chegassem a resultados singulares. Seguemse alguns exemplos, a começar pelo grupo de Anderson e seus colegas. Após a leitura do problema, feita por todos, em voz baixa, prosseguem procurando a solução. Registro as seguintes falas: - Não pode ultrapassar a 50m . (Anderson) - Uma sala, uma cozinha, um banheiro, um quarto e não pode passar. (Niraldo) - Como é que a gente pode fazer? (Júlio) Nesse momento, a professora estava no quadro explicando que, por se tratar de um papel cujo quadriculado é muito pequeno (0,5cm), eles poderiam usar uma outra escala, desde que a explicitassem depois. Esse é um conceito que praticamente todos já construíram. Prosseguindo, os alunos determinam, entre si, quem irá calcular a área de cada cômodo. Terminada essa parte, somam o total e verificam que ultrapassa a 50m2. Refazem a tarefa, já tendo uma estimativa de quanto deveria ter cada cômodo. Recomeçam. Cada um diz quanto deu o resultado. 151 Pg - O banheiro é 3 por 2. Dá 6 metros. (Anderson) - Sala, 4 por 4, dá 16. (Niraldo) - Cozinha, 4 por 3. (Júlio) - Agora falta o dele. (Niraldo) - Não, vamos somar aqui. (Anderson) É o próprio Anderson quem soma e encontra 34. De cabeça, faz: 50 menos 34, igual a 26. Nenhum de nós percebeu o equívoco. Talvez pelo fato de eu estar presente e não ter feito nenhuma observação, eles vão até o final sem se dar conta do erro de cálculo. Continuam: - Se é 26 então o quarto é de 5 por 5, mas vai sobrar 1. (Anderson) - Então pode, não pode? (pesquisadora) 152 pg Outros grupos, utilizando um processo semelhante, isto é, interagindo, fazendo e refazendo, chegaram a resultados ainda mais satisfatórios. Muitos, inclusive, tiveram a preocupação de colocar portas e dar aos cômodos uma distribuição racional, de acordo com a destinação, O melhor exemplo do valor da atividade compartilhada foi, sem dúvida, o de Renata, que, por sua livre iniciativa, se ofereceu para tutorar a aprendizagem dos seus colegas. O fato se deu numa semana
em que se comemorava o aniversário da escola. A turma estava com a professora, em outra sala, fazendo atividades recreativas de matemática. Marcelo, o colega mais próximo de Renata, e outras duas alunas não tinham se saído muito bem na prova. O assunto girava em torno de números decimais e eles ainda não tinham construído esse conhecimento. Por isso, e sabendo que naquela turma a avaliação era devolvida a todo aquele que se dispusesse a refazê-la, Renata pediu à professora para devolver-lhes a avaliação. Abrindo mão da sua recreação, ela se dispôs a tutorá-los. Exatamente como a professora e eu 153 pg fazíamos, ela questionou, deu exemplo, ofereceu material concreto, instigou-lhes o raciocínio, sem jamais fornecer a resposta certa. Por fim, eu mesma pude constatar que, aos poucos, e com a sua ajuda, seus colegas foram substituindo os erros por acertos. Criatividade A criatividade, nos termos de que nos fala Vygotsky (1990), se fez presente particularmente na ação docente. Sendo combinação criativa de elementos já existentes no cérebro de forma a se adaptar a uma situação nova, desconhecida, a criatividade foi o recurso ao qual recorreram ambos os professores para levar adiante um trabalho inovador. Embora os cursos por eles freqüentados lhes sugerissem o uso de determinados recursos didáticos, muitas adaptações tiveram de ser feitas segundo a realidade da escola e a singularidade dos alunos. Destaco especialmente o fato de que novas idéias surgiam nesses professores após nossos encontros de avaliação e abordagem teórica. Infelizmente esse processo criativo encontrou todas aquelas barreiras e dificuldades anteriormente apontadas. De qualquer forma, foi ainda a criatividade que os levou a saber operar com tão poucos recursos e em espaços de tempo tão entrecortados e limitados. Em depoimentos da professora Beatrix ficou patente o quanto de novo significou esse ano letivo: "foi uma guinada de 180 graus", dizia, percebendo a distância que a separava das suas práticas de anos anteriores. Quanto aos alunos, a criatividade existiu nos momentos em que se propunham tarefas que permitiam respostas diversificadas. Não foi, contudo, a tônica do trabalho desenvolvido. Aspectos afetivos Mesmo não sendo um ponto marcante na teoria sócio-histórica apesar do depoimento de Leontiev sobre o interesse de Vygotsky pelo tema - os aspectos afetivos marcaram fortemente sua presença ao longo desse trabalho. Nesta análise que faço, quero destacar dois deles. A relação dos alunos com a matemática é o primeiro. O segundo é o que 154 Pg trata da visível mudança no autoconceito dos alunos, ocorrida em virtude de seus próprios desempenhos em matemática. Porque estava atenta aos dois aspectos, freqüentemente mantinha conversas informais com os alunos a respeito do primeiro. Sabia que uma mudança neste deveria acarretar mudança também naquele. Passado o primeiro impacto quanto à nova proposta de matemática, a turma teve uma reação negativa. Com o passar dos dias, foi começando a ser criado um certo clima de interesse entre alguns grupos de meninos e entre algumas meninas. Em pouco tempo a maioria dos alunos parecia estar aprendendo a gostar daquelas aulas. Prova disso é que, ao final do primeiro bimestre, a turma escolheu o professor de matemática para professor conselheiro. Ele, com seu jeito calmo e atencioso, aliado a uma proposta nova de trabalho, em pouco tempo havia conquistado a maior parte dos alunos. Outro indício de que aquela matéria era interessante pode ser encontrado em um depoimento do próprio professor Antônio, sobre um fato ocorrido logo no primeiro mês de aula, enquanto trabalhava com a argila e os canudinhos: "De vez em quando tem uns meninos de outras turmas, na porta, querendo entrar na minha aula."
Com a mudança de professor, novos sentimento negativos voltaram a aparecer na turma (superados pouco tempo depois). Vejamos dois exemplos: A professora Beatrix começara a dar aulas para a turma naqueles dias. Escrevera um problema no quadro. Uma aluna reclama: - Você devia passar conta. - Mas aqui você vai ter que fazer conta. - É, mas é problema... Tem que copiar... [faz uma expressão de contrariedade] Na mesma semana, tenho o seguinte diálogo com Niraldo, terminada a aula: - Você acha que o que ela deu hoje tem a ver com o que o prof. Antônio estava dando? 155 Pg - Eu não gosto dela, não. Se ele tivesse dado aquele problema [calcular a metragem de arame para cercar um terreno] ele teria dado uma folha e um quadrado para a gente fazer vendo. Não tenho dúvidas em afirmar que a continuidade na proposta pedagógica e a própria personalidade da professora Beatrix fizeram com que os alunos em pouco tempo encarassem com normalidade o processo de troca de professores. Em relação ao processo de ensino/aprendizagem, pude constatar que a atitude de certos alunos foi se modificando no decorrer do curso, até mesmo entre os mais desinteressados. Tive a oportunidade de presenciar aulas em que todos, sem exceção, estavam engajados na resolução de tarefas. O normal, no entanto, era ter um ou outro grupo conversando. Havia, sobretudo, um grupo de quatro meninas absolutamente alheias às aulas. Conversavam muito. Sentavam-se próximas a um outro grupo, misto, do qual Cristina às vezes fazia parte. Era liderado por Eliana. Na tentativa de me aproximar mais de Cristina e, principalmente, de aproximá-la mais das colegas, sento-me, um dia, a seu lado antes que saia para o recreio. Consigo juntar seis meninas, de ambos os grupos. Falamos sobre as aulas de matemática. Quero saber o que estavam achando. Dizem que do jeito que são dadas as aulas, está fácil, mas que se fosse "matemática de dar conta", seria mais difícil. Essa resposta incita-me a tentar ver se elas seriam capazes de resolver pequenos problemas envolvendo cálculo. (Estávamos justamente no momento em que iríamos começar a introduzir os chamados "problemas de enredo"). É nesse momento, então, que eu começo a propor aqueles problemas orais a que me referi anteriormente. Minha primeira pergunta é a seguinte: "se nós fôssemos comprar plástico para cobrirmos o tampo dessa carteira, de quantos centímetros iríamos precisar?" Ninguém responde. Faço então uma tentativa de levá-las a medir a carteira: 60cm x 40cm. Continuam sem responder. Mudo a pergunta com o objetivo de torná-la mais fácil. "Se nós tivéssemos uma mesa de 2m por lm (aponto essa medida tomando as 156 Pg carteiras como indicador: 'daqui até ali') e quiséssemos forrá-la, de quantos metros de plásticos precisaríamos? Lembrem-se de que o plástico da loja tem lm de largura." Novamente emudecem. Com muito esforço, Eliana começa a pensar na solução. Responde corretamente. Utilizando gestos, vou deixando claro por que seriam necessários 2m. Impressionada com o que via, tentei compreender o que estava ocorrendo. Depois de algum tempo, consegui entender: aquilo era matemática com conta, uma matemática que lhes causava um bloqueio emocional. Elas se fechavam mentalmente, antes mesmo de ouvir o problema. Diziam que tinham horror aos problemas matemáticos. Creio que pude comprovar isso quando, em seguida, voltando ao problema, lembrei-lhes de que, na verdade, precisaríamos comprar mais um pouco, de forma a cair nas cabeceiras. Pergunto-lhes quanto deixaram cair. Com gestos, Eliana mostra-me algo em torno de meio metro. Pergunto, finalmente. "E se eu quisesse deixar cair meio metro para cada lado?" Com a mão vou apontando o que seria necessário calcular. Todas acertam. Até mesmo Cristina, que até então não dissera nada. Insisto para que me expliquem como chegaram ao resultado, e fazem-no, aparentemente sem dificuldade. Superado
o bloqueio, puderam ver que se tratava de um cálculo banal. Volto a repetir que essa proposta de trabalho, baseada no enfoque sócio-histórico, mostrou ganhos em diferentes aspectos. O afetivo foi um deles. Conforme já abordado em tópicos anteriores, o fato de o aluno perceber o sentido daquilo que fazia levava-o a se interessar pela atividade. Ouvi, tanto de Renata quanto de Anderson - ambos repetentes - o quanto estavam gostando dessa nova matéria e da forma como estava sendo dada. Para se aquilatar o peso dessa avaliação, basta lembrar que no ano anterior ambos passaram grande parte do tempo estudando expressões algébricas. Penso, também, que a nova forma de trabalhar a matemática concorreu para que esse bloqueio fosse sendo vencido. E até mesmo o conhecido fenômeno do encapsulamento tratado por Resnick (1987) e 157 Pg Schoenfeld (1989) mostrou estar cedendo lugar para uma atitude de "ver" a matemática na vida. Prova disso foi o fato de uma aluna ter trazido para a aula um prospecto de propaganda de uma imobiliária no qual se destacava uma planta de apartamento. Esse material, é claro, foi utilizado na aula seguinte pela professora Beatrix. Em resumo, foram inúmeras as oportunidades que tive de observar indícios de mudança no sentimento que os alunos nutriam em relação à matemática. Tais indícios parecem apontar que durante esse ano eles puderam internalizar uma outra representação dessa disciplina. Mais do que indícios, de alguns alunos tive, mesmo, depoimentos. Faziam questão de dizer que aquela matemática era fácil de entender. Por isso, gostavam da matéria. Isso ocorreu, por exemplo, com quase todos os seis alunos que observara. A exceção foi Cristina, que dizia que "às vezes gostava, às vezes não". Passo, agora, ao segundo aspecto ligado ao plano afetivo, qual seja, o visível aumento na autoestima de alunos em decorrência do seu bom desempenho em matemática. Dentre os que observei, Renata, Júlio, Niraldo e Anderson verbalizam a segurança que hoje sentem em relação a "esta matemática". Cristina, durante um período que se seguiu ao meu primeiro acompanhamento do seu trabalho, chegou mesmo a chamar a atenção de outra professora por sua mudança de atitude. Era visível a sua segurança. No entanto, tendo voltado a ter desempenhos fracos, sentiu-se confusa em relação a seu próprio saber e a si mesma. Associo o seu caso à regressão estudada por Bogayavlensky e Menchinskaya (1991). Faz parte do processo de desenvolvimento esse tipo de fenômeno. É sinal de que suas conquistas ainda não se consolidaram, fato que eu própria pude atestar quando me falou da sua dificuldade em trabalhar sozinha. Próximo ao final do ano, na semana do aniversário da escola, a professora Beatrix me convida para retornar. Queria que eu assistisse àquelas atividades recreativas de matemática às quais já me referi. São jogos e brincadeiras usando material de geometria. Quando chego, sou informada de que a turma 504 já havia permanecido na sala, realizando as atividades, 158 Pg nos dois primeiros tempos de aula. Próximo ao final do turno, os alunos insistem em voltar. Como eu não os vira trabalhando, oferecem-se para fazer demonstrações para mim. Pensei: e isso é matemática! Pontos críticos Creio ter ficado evidente a potencialidade da teoria sócio-histórica da psicologia para fornecer bases seguras para um ensino pleno de sentido, passível de ser transferido para a vida. No entanto, dadas as circunstâncias, houve uma série de pontos críticos, gerando limitações ao trabalho aqui analisado, que gostaria de registrar. Que circunstâncias são essas? Diria simplesmente: a da escola pública. Todos aqueles fatores adversos que relatei no capítulo anterior se fazem presentes no cotidiano da escola e da sala de aula. No âmbito da própria escola, a primeira conseqüência de tais fatores sobre a aprendizagem é a ausência de um clima pedagógico. Porque a escola carece de um projeto
pedagógico, a ação educativa se restringe àquilo que se passa em sala de aula. Ausência de professor, paralisações, suspensões de aulas, feriados freqüentes e prolongados cortam o fluxo do processo de ensino/aprendizagem. Não foram poucas as vezes em que tais fatores impediram que certas noções trabalhadas tivessem um fechamento no momento adequado. Com o excesso de aulas vagas e a ausência de propostas e de recursos humanos que façam da escola um ambiente pedagógico, cria-se um certo vazio, que dificilmente a atividade em sala de aula consegue preencher. Em relação à turma 504 diria que até mesmo o horário - adaptado para atender às necessidades circunstanciais - foi fator contrário à aprendizagem: das cinco aulas semanais, apenas em um dia havia dois tempos seguidos. Por conta dessa ausência de clima pedagógico, houve grupos de alunos que não conseguiam manter atitudes favoráveis à aprendizagem. 159 Pg Em decorrência das aulas vagas e de sua própria concepção arquitetônica, com ausência de janelas, mas abundância de paredes de tijolos vazados, a escola é muito ruidosa. Os alunos não demonstraram ter adquirido os hábitos disciplinares compatíveis com o ambiente escolar. Gritarias, alunos circulando pelos corredores e falando em voz alta são atitudes corriqueiras do lado de fora da sala de aula. No seu interior, muitas vezes trabalhar em grupo significou uma excelente oportunidade para manter a conversa mais animada. Tais fatores adversos fizeram com que se perdessem ricas oportunidades de ensino. Um aspecto que inegavelmente sofreu influência de tais fatores diz respeito ao uso do tempo e ao ritmo do processo de ensino/aprendizagem. Por exemplo: depois de ter feito um trabalho de construção de determinada noção, o professor não conseguia chegar ao seu fechamento no momento apropriado, quer pelo pouco tempo de aula, quer por paralisações. Tarefas eram passadas e arrastavam-se por várias aulas, cada grupo ou cada qual fazendo no seu próprio ritmo, levando grupos a ficar desocupados enquanto outros trabalhavam. A falta de condições materiais impedia que o professor pudesse oferecer atividades diversificadas. Em outras palavras, o conjunto de fatores adversos não permitiu haver uma seqüência linear nas atividades de tal forma que a sistematização ocorresse de maneira clara e definitiva para todos os alunos. Dependendo do desenvolvimento de cada um, a noção foi ou não bem internalizada. Houve indícios de que para aqueles alunos que conversavam muito, que eram mais desatentos e mais faltosos, as noções, embora compreendidas com a ajuda do professor, perderam-se posteriormente. Essas circunstâncias também foram propícias ao aparecimento da regressão. Após terem demonstrado domínio de certas funções mentais na consecução de determinadas tarefas, muitos alunos, em avaliação posterior, demonstraram esse fenômeno, conforme já apontado. É possível que as quebras no processo de ensino/aprendizagem aliadas ao próprio processo de desenvolvimento do aluno tenham colaborado para isso. 160 Pg REFLEXÕES FINAIS Principais evidências Ao estabelecer como objetivo deste trabalho verificar as reais possibilidades de a teoria sócio-histórica da psicologia fornecer suportes capazes de melhorar a qualidade do ensino nas nossas escolas de ensino fundamental, tinha em mente a escola pública. Isso significou submeter a teoria a uma realidade que, longe de ser ideal, se caracteriza por suas deficiências. É, pois, sob este prisma que devem ser vistos seus resultados. A principal evidência da pesquisa foi a de que o trabalho pedagógico orientado pelos pressupostos básicos da referida teoria favorece a aprendizagem do aluno. Os ganhos obtidos revelam-se tanto em relação à aquisição do conhecimento, quanto em relação ao próprio desenvolvimento de
funções mentais superiores dos alunos. No que concerne à aquisição de conhecimento, a utilização das idéias difundidas pela teoria acerca da mediação e da formação de conceitos - aí subentendida a questão do sentido e do significado, presentes na contextualização - mostrou-se viável na realidade das nossas escolas. Postas em prática, essas idéias revelaram-se auxiliares poderosos do professor na implementação de práticas pedagógicas voltadas para um ensino rico, pleno de significado e, portanto, capaz de ser 161 Pg aplicado ao cotidiano. Tal viabilidade, no entanto, ainda depende, em parte, da possibilidade de se ter material concreto. E evidente que se a escola dispuser de mais recursos, facilitará o trabalho. No momento em que foi feita a pesquisa, ou o professor se dispunha a improvisar material que este deveria ser fornecido pelo próprio aluno. No que tange ao desenvolvimento das funções psíquicas dos alunos, o conceito de zona de desenvolvimento proximal foi, sem dúvida, o principal suporte para que o professor pudesse levá-los ao desenvolvimento de tais funções. Ao lado dele, também as idéias acerca da atividade compartilhada e da relação entre atividade e consciência ajudaram nessa tarefa. Considerações a propósito da aplicação da teoria da realidade brasileira Há, a respeito da aplicação da teoria aqui tratada às nossas condições educacionais, dois tipos de aspectos a ser considerados: os imprescindíveis e os que seriam desejáveis. Imprescindível é a formação do professor. Sem um embasamento teórico consistente, creio que dificilmente saberá pôr em prática a teoria. Embora a pesquisa tivesse demonstrado que esse embasamento pode ser feito por alguém que vá orientando muito de perto o trabalho do professor, o ideal é que ele se aproprie desse conhecimento. E mais, que, nesse apropriar-se, ele reconstrua o próprio conhecimento. Igualmente imprescindível é que ele queira adotar essa nova base teórica para a sua atividade pedagógica, uma vez convencido da sua riqueza. Com essas duas condições preenchidas, o trabalho poderá ser mais bem realizado se, além delas, ainda puder atender às condições apresentadas a seguir, condições que seriam o mínimo que se deveria esperar dos órgãos que implementam a educação pública em nosso país. a) haver um clima pedagógico que favoreça a aprendizagem, no interior da escola. O que eu estou querendo dizer com isso é que 162 Pg a escola deveria ter meios para permitir ao aluno estar sempre numa situação de aprendizagem enquanto estivesse no seu interior. O próprio colégio onde foi feita a pesquisa já viveu esse clima em anos passados; b) a adoção, pela escola, de uma proposta pedagógica claramente definida em torno da perspectiva sócio-histórica. Isso implica haver equipes de professores da mesma disciplina, de outras disciplinas, de coordenadores de área e de coordenadores de série interessadas em fazer um trabalho nela inspirado. A troca com os pares, como foi visto, ocupa lugar de destaque nesta teoria. Nessa troca, se enriquecem os próprios professores, ao mesmo tempo em que permitem que haja maior coerência na proposta pedagógica da escola como um todo. Essa condição permitida levar os alunos a desenvolver projetos interdisciplinares, em equipe; c) disponibilidade de recursos materiais mais diversificados e mais de acor do com a tecnologia moderna; facilidades postas a serviço do professor, tais como, serviço de reprodução, de confecção e guarda segura de materiais. Para este tipo de ensino, algumas atividades são mais prontamente desenvolvidas quando os alunos contam com recursos materiais variados e em quantidades apropriadas. Perspectivas para a prática pedagógica futura Avaliando o trabalho, a professora da turma e eu chegamos à conclusão de que nele houve aspectos muito bons, e que, portanto, devem ser mantidos, e outros
que poderão vir a ser incrementados, em trabalhos futuros. Em virtude disso, são apontadas as seguintes sugestões: a) intensificar a atividade coletiva, quer em dupla, quer em grupos de quat ro ou cinco alunos; b) levar o aluno a desenvolver, desde os primeiros dias de aula, atitudes compatíveis com esse tipo de trabalho. Significa dizer, 163 Pg saber colaborar com o outro, ater-se à tarefa proposta, não atrapalhar os demais etc.; c) planejar tarefas diversificadas, de modo a atender alunos e grupos que tenham ritmos de trabalho e níveis de desenvolvimento diferentes; d) quando o número de turmas permitir, organizar o horário de modo que haja, pelo menos, dois professores da mesma série e da mesma disciplina dando aulas no mesmo horário um dia na semana. Isso permitida fazer uma recuperação semanal. Enquanto um professor estivesse trabalhando com os alunos, de ambas as turmas, que apresentassem dificuldades, mediante um remanejamento ocasional, o outro professor poderia estar realizando outras atividades com os demais; e) aproveitar os alunos mais adiantados para monitorar, eventualmente, o trabalho dos que apresentam mais dificuldades. Extrapolando os resultados Retomo, agora, algumas das questões levantadas no início deste trabalho a respeito da psicologia educacional fazendo delas palco de minhas reflexões. Os dados da presente pesquisa mostraram o valor da teoria sócio-histórica para a educação que é dada nas nossas escolas públicas. Assim como já vem sendo constatado em outros contextos, mostra-se uma teoria robusta, em condições de ser aqui aplicada. Requer, porém, cuidado. Cuidado para não ser descartada antes mesmo de ter sido realmente implementada. Cuidado de não ser apenas mais um modismo. Requer principalmente cuidado em ser bem assimilada. Aligeiramentos e visões superficiais deixam um campo aberto aos detratores da psicologia educacional. Exige estudo. Voltando, novamente, a ser alvo de críticas por sua atuação no campo pedagógico, entendo que uma das formas de dar respostas a tais críticos é por meio de pesquisas que se voltem para o interior da escola. Seria oportuno que, em face do momento atual, ela pudesse contar com 164 Pg profissionais dispostos a estreitar os liames entre teoria e prática. Profissionais que, saindo do campo das especulações, arregaçassem as mangas e submetessem ao crivo da prática, teorias vigentes. Mais do que oportuno, seria vital, para a sua credibilidade, que houvesse um mínimo de coerência por parte de quem a ensina. Uma psicologia educacional que preceitua princípios que são infringidos pelo próprio professor que a ministra não merece crédito. Mais uma vez, fica patente que é importante ser ele sujeito do seu próprio processo de construção do conhecimento. Há, pois, de fazer coincidir a psicologia ensinada com a psicologia praticada. Em vez de se fechar às críticas, seria importante que a psicologia educacional abrisse espaços para uma autocrítica e procurasse estreitar laços com outras áreas do saber. Ao estabelecer intercâmbio com parceiros de outros institutos, outros campos de pesquisa, o profissional da área talvez descubra que muitos estão, por vezes, mais próximos dele do que seus próprios pares. Foi porque se fechou em torno de si mesma que a psicologia educacional passou a ser criticada. Essa atitude é, por si mesma, incompatível com os novos tempos. Há, no próprio campo pedagógico, largos espaços para trabalhos coletivos. Falta acrescentar que, numa reflexão final acerca do papel da psicologia educacional na melhoria da qualidade do ensino, descarto a possibilidade de vê-la como panacéia. Sendo erigida com base em trabalhos de pesquisa, forçoso é reconhecer tratar-se de obra coletiva e sujeita a
permanentes revisões. Se não apresenta respostas acabadas e definitivas para problemas educacionais, nem por isso deixa de assumir o seu papel de fazer dessa busca sua razão de ser. E nessa transitoriedade de verdades que a sustenta, destaco o potencial da teoria sócio-histórica para orientar práticas pedagógicas voltadas para um ensino de qualidade. Como exemplo, trago a fala de Renata, que vê afastado dc si o fantasma da repetência. No ano passado, só sabia na hora que o professor estava falando. Depois, na prova, tentava me lembrar, e nada. Esse ano, não. E só prestar atenção e, ó! [estala os dedos]. Quem prestar bem atenção vai entender e não esquece mais. Este ano eu sei que vou passar. 165 Pg REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALENCAR, Eunice S. de (org.). Novas contribuições da psicologia aos processos de ensino e aprendizagem. São Paulo: Cortez, 1992. ALTHUSSER, L. Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado. Lisboa: Presença, 1974. ANDRÉ, Marli. "Os estudos etnográficos e a reconstrução do saber didático". Revista da Ande nº 19. 1992, vol. 12, pp. 17-22. ARROYO, Miguel. "Fracasso-sucesso: O peso da cultura escolar e do ordenamento da educação básica". Em Aberto nº 53. Jan/mar. 1992, vol. 11, pp. 46-53. BAUDELET, C. e ESTABLET, R.L 'école capitaliste en France. Paris: Maspéro, 1971. BECKER, Howard S. Métodos de pesquisa em ciências sociais. São Paulo: Ucitec, 1993. BOGAYAVLENSKY, D.N. e MENCHINSKAYA, N.A. "Relação entre aprendizagem e desenvolvimento psico-intelectual da criança em idade escolar". In: VYGOTSKY, L. et ai. Psicologia e pedagogia. Bases psicológicas da aprendizagem e do desenvolvimento. São Paulo: Moraes, 1991. BORBA, Marcelo de Carvalho. "Um estudo de etnomatemática: Sua incorporação na elaboração de uma proposta pedagógica para o 'Núcleo-Escola' da Favela da Vila Nogueira-São Quimo". Rio Claro: Universidade Estadual Paulista, Dissertação (Mestrado em Educação Matemática), 1987. 167 Pg BOURDIEU, Pierre e PASSERON, J.C. A reprodução. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1970. BOWLES, S. e GINTIS, H. Schooling in Capitalist America. Londres: Routledge and Kegan Paul, 1976. BRANCO, Filinto dos Anjos do S. "A persistência do senso comum no professor de ciências do 1º grau". Niterói: Universidade Federal Fluminense. Dissertação (Mestrado em Educação), 1991. BRASLAVSKY, Berta. Escola e alfabetização. São Paulo: Unesp, 1993. BRITO, Márcia R.F. "Editorial". Pro-Posições nº 1[10]. Mar. 1993, vol. 4, pp. 36. BROWN, J.S.; COLLINS, A. e DUGUID, P." Situated cognition and the culture of learning". Educational Researcher nº 1. Jan./fev. 1988, vol. 18, pp. 32-42. "Debating the situation". Educational Researcher nº 4. Maio 1989, vol. 18, pp. 10-12. BRUNER, Jerome S. Beyond the information given. Studies in the psychology of knowing. Nova York: W.W. Norton e Company, 1973. BUARQUE, Cristovam. cola da modernidade brasileira e uma proposta alternativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. BURIASCO, Regina Luzia C. "Matemática de fora e de dentro da escola: Do bloqueio à transição". Rio Claro: Universidade Estadual Paulista. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática), 1988.
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