B. F. Skinner
CIÊNCIAS DO HOMEM
Colecção plural, plu ral, porque atenta atenta a todos todos os saberes saberes do homem homem na sua convergência e nas suas tensões; crítica,
porque porque ao serv serviço iço da genuína ilustração intelectual; actual, actual,
ao ritmo da investigação em curso, mas sem renegar a riqueza das obras relevantes do passado.
CIÊNCIAS DO HOMEM
Colecção plural, plu ral, porque atenta atenta a todos todos os saberes saberes do homem homem na sua convergência e nas suas tensões; crítica,
porque porque ao serv serviço iço da genuína ilustração intelectual; actual, actual,
ao ritmo da investigação em curso, mas sem renegar a riqueza das obras relevantes do passado.
PARA ALEM DA A
E DA
DIGNIDA E D
Título original: B e y o n d F r e e d o m a n d D i g n i t y
© B. F. Skinner Foundation Tradução: Joaquim Lourenço Duarte Peixoto Capa de Arcângela Marques Depósito Legal n.° 151679/00 ISBN 972-44-1051 - X Direitos reservados para língua portuguesa por Edições 70 - Lisboa - Por tug al EDIÇÕES 70, LDA. Rua Luciano Cordeiro, 123 - 2.° Esq.° - 1069-157 LISBOA / Portugal Telefs.: 21 319 02 40 Fax: 21 319 02 49 Esta obra está protegida pela lei. Não pode ser reproduzida no todo ou em parte, qualquer que seja o modo utilizado, incluindo fotocópia e xerocópia, sem prévia autorização do Editor. Qualquer transgressão à lei dos Direitos do Autor será passível de pro cedi mento ju dic ia l.
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UMA TECNOLOGIA DO COMPORTAMENTO
Ao tentarmos resolver os assustadores problemas que se nos deparam no mundo actual, naturalmente recorremos àquilo que melhor fazemos. A nossa actuação tem por base a força, e a nossa força é a ciência e a tecnologia. Para contermos a explosão demográfica procuramos melhores métodos de controlo da natalidade. Ameaçados por um holocausto nuclear, criamos forças de dissuasão mais poderosas e sistemas antimísseis. Tentamos proteger o mundo da fome com novos alimentos e melhores métodos de os produzir. Depositamos esperança num futuro em que o aperfei çoamento dos serviços sanitários e da medicina controlem as doenças; melhores condições de habitação e transporte resolvam os problemas dos guetos e novos meios de redução e eliminação de detritos detenham a poluição ambiental. Podemos apontar realizações notáveis em todos esses campos e não constitui surpresa que procuremos expandi-las. Todavia, a situação evolui inflexivelmente para pior e é desalentador verificarmos que se avolumam os erros da própria tecnologia. As medidas de saúde pública e a medicina tomaram os problemas das populações mais evidentes; a guerra adquiriu uma nova feição de horror com a invenção das armas nucleares e a busca de uma felicidade opulenta é, em grande parte, responsável pela poluição. Darlington1afirmou já que «cada novo recurso aproveitado pelo homem para aumentar o seu poder sobre a natureza tem servido para diminuir as perspectivas dos seus sucessores. Todo o seu progresso foi alcançado à custa de prejuízos causados ao ambiente, prejuízos que não pode reparar nem pôde prever».
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Quer tivesse podido prever tais danos, quer não, o homem deve repará-los ou tudo estará perdido. No entanto, para que tal reparação seja possível, é necessário que reconheça a natureza da dificuldade. Apenas pela aplicação das ciências físicas e biológicas não resolveremos os nossos problemas, uma vez que as soluções residem noutro campo. Melhores contraceptivos só controlarão o crescimento populacional se forem usados. Novos armamentos poderão equilibrar-se com novos sistemas de defesa e vice-versa, mas só poderemos evitar o holocausto nuclear se as condições de antagonismo bélico entre as nações forem alteradas. Novos métodos de agricultura e medicina não terão qualquer valia se não forem postos em prática, do mesmo modo que o problema habitacional não se resume apenas à construção de edifícios e cidades, pois envolve igualmente o modo de vida das pessoas. Só se resolverá o problema da aglomeração populacional excessiva convencendo-se as pessoas a não se aglomerarem; por seu turno, o ambiente continuará a deteriorar-se enquanto não se abandonar as práticas que conduzem à poluição. Em suma, precisamos de alterar consideravelmente o comportamento humano, mas não poderemos fazê-lo recorrendo exclusivamente à física e à biologia, por mais esforços que fizermos. (E há outros problemas, como o colapso do nosso sistema educacional e a alienação e revolta dos jovens, problemas para os quais as tecnologias física e biológica são tão obviamente irrelevante que jamais foram aplicadas.) Não basta «usar a tecnologia com um entendimento mais profundo dos problemas humanos» nem «consagrar a tecnologia às necessidades espirituais do homem», ou tão-pouco «encorajar os tecnólogos a debruçarem-se sobre os problemas humanos». Tais expressões significam que a tecnologia cessa onde começa o comportamento humano e que devemos prosseguir, como acontecia no passado, com o que aprendemos através da experiência pessoal, da compilação de experiências pessoais chamada história ou com o uso selectivo de experiências encontradas na sabedoria popular e nas normas consuetudinárias. Tudo isto esteve à nossa disposição durante séculos, e tudo o que temos paramostrar é o estado do mundo actual. O que precisamos é de uma tecnologia do comportamento. Poderíamos resolver rapidamente os nossos problemas se pudéssemos regular o crescimento da população mundial com a mesma precisão com que regulamos o rumo de uma nave espacial, aperfeiçoar a agricultura e a indústria com um pouco da confiança com que aceleramos partículas de alta energia ou caminhar para um mundo de paz com uma progressão regular e constante como a da física na sua aproximação do zero absoluto (ainda que, presumivelmente, quer o mundo de paz, quer o zero absoluto 10
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permaneçam fora do nosso alcance). Não existe, entretanto, uma tecnologia do comportamento comparável em poder e precisão à tecnologia física e biológica e aqueles que não consideram tal possibilidade ridícula sentirão provavelmente mais temor do que tranquilidade. É esta a distância a que nos encontramos da «compreensão dos problemas humanos», no sentido em que a física e a biologia entendem os seus campos, e de evitarmos a catástrofe para a qual parece caminhar inexoravelmente o mundo. Há 2500 anos poderia talvez dizer-se que o homem se compreendia a si mesmo tão bem quanto a qualquer outra parte do seu mundo. Hoje, é a si mesmo que menos entende. A física e a biologia atingiram um grau de desenvolvimento considerável, mas não se verificou qualquer criação correspondente a uma ciência do comportamento humano. O interesse suscitado pela física e biologia helénicas é hoje meramente histórico (nenhum físico ou biólogo moderno recorreria ao saber aristotélico); todavia, os diálogos de Platão são ainda recomendados aos estudantes e citados como se lançassem alguma luz sobre o comportamento humano. Aristóteles talvez não entendesse uma página da física ou biologia modernas, mas Sócrates e os seus discípulos poucas dificuldades encontrariam em acompanhar os actuais debates sobre problemas humanos. Quanto à tecnologia, realizamos já enormes progressos no controlo do mundo físico e biológico, mas as nossas práticas políticas, educacionais e mesmo económicas, embora adaptadas a condições muito diferentes, não melhoraram muito. Não podemos explicar tal facto com a alegação de que os gregos sabiam tudo o que era possível saber a respeito do comportamento humano. Certamente que o conheciam mais do que ao mundo físico, mas ainda assim não era muito. Além disso, a sua maneira de pensar sobre o comportamento humano deve ter incorrido num erro fatal. Enquanto a física e a biologia gregas, mesmo tomando em consideração os seus aspectos mais toscos, evoluíram até à ciência moderna, as teorias gregas do comportamento humano não conduziram a parte nenhuma. Se ainda hoje as aceitamos, não é por encerrarem qualquer verdade eterna, mas por não conterem os gérmenes de algo melhor. Pode sempre argumentar-se que o comportamento humano é um campo particularmente difícil. E assim é na verdade e somos levados a pensar desta maneira justamente por não estarmos aptos a lidar com ele. No entanto, a física e a biologia modernas ocupam-se com êxito de assuntos por certo tão complexos quanto muitos aspectos do comportamento humano. A diferença é que os instrumentos e métodos por elas utilizados são de 11
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complexidade proporcional. Por outro lado, o facto de a esfera do comportamento humano não dispor de instrumentos e métodos igualmente poderosos também não constitui uma explicação; é, antes, parte do enigma. Colocar um homem na lua é realmente mais fácil do que melhorar o nível educacional das nossas escolas públicas? Ou do que construir melhores casas para todos? Ou do que proporcionar a todos empregos bem remunerados para que, consequentemente, possam desfrutar de um mais elevado padrão de vida? A opção não foi uma questão de prioridades, porquanto ninguém poderia afirmar ser mais importante chegar à lua. O estimulante na viagem à lua foi a sua viabilidade. A ciência e a técnica haviam atingido um tal ponto que, com um grande impulso, a coisa poderia ser posta em prática. Em contrapartida, não existe nenhum estímulo comparável nos problemas levantados pelo comportamento humano. Não existem soluções à vista. É fácil concluirmos que existe algo no comportamento humano que impossibilita uma análise científica, e daí uma tecnologia eficaz; contudo, o facto é que de modo nenhum esgotámos as possibilidades. Em certo sentido, podemos afirmar que os métodos da ciência mal começaram ainda a ser aplicados ao comportamento humano. Usamos os instrumentos da ciência; contamos, medimos e comparamos; falta, porém, algo de essencial à prática científica em quase todos os debates actuais sobre o comportamento humano. E tal omissão está relacionada com o nosso modo de tratar as causas do comportamento. (O termo "causa"2 deixou de ser corrente na linguagem científica sofisticada, mas poderá servir aqui.) A primeira experiência do homem com a causalidade decorreu provavelmente do seu próprio comportamento: as coisas moviam-se porque ele as movia. Se outras coisas se moviam, era porque outra pessoa as movia e, se esse motor não podia ser visto, é porque era invisível. Deste modo, os deuses gregos serviam de causas aos fenómenos físicos. Encontravam-se geralmente fora das coisas que moviam, ainda que pudessem penetrá-las e «possuí-las»3. A física e a biologia cedo abandonaram este tipo de explicação, passando a recorrer a espécies mais vantajosas de causas; no âmbito do comportamento humano, porém, não foi ainda dado esse passo decisivo. As pessoas instruídas já não acreditam que os homens sejam possuídos por demónios (se bem que ainda seja ocasionalmente praticado o exorcismo de demónios e o possesso tenha ressurgido nos escritos de determinados psicoterapeutas), mas continua a ser corrente atribuir-se o comportamento humano a agentes internos. Diz-se, por exemplo, que um delinquente juvenil sofre de personalidade
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perturbada, mas não haveria razão para dizê-lo se a personalidade não fosse de algum modo distinta do corpo que se meteu em dificuldades. A distinção é evidente quando se afirma que um corpo contém várias personalidades que o controlam de modos diversos em momentos diferentes. Os psicanalistas identificam três destas personalidades o ego, o superego e o id e afirmam que as interacções entre elas são responsáveis pelo comportamento do indivíduo. Embora a física cedo tenha deixado de personificar as coisas desta maneira, continuou durante muito tempo a considerá-las como se possuíssem vontades, impulsos, sentimentos, desígnios e outros atributos fragmentários de um agente interno. Segundo Butterfieldl4, Aristóteles argumentava que a aceleração de um corpo cadente era devida ao crescente júbilo que sentia por se aproximar de «casa»; do mesmo modo, certas autoridades de uma época posterior supunham que um projéctil era impelido por um dado ímpeto, a que davam por vezes o nome de «impetuosidade». Todas estas concepções acabaram por ser postas de parte (ainda bem que o foram), mas as ciências de comportamento continuam a apelar para estes estados internos, comparáveis aos referidos acima. Ninguém se surpreende ao ouvir dizer que um portador de boas notícias caminha mais depressa por se se ntir jubiloso, ou que age des cuidadam ente devido à sua impetuosidade, ou que teimosamente adere a determinado modo de agir por mera força de vontade. Ainda deparamos com referências pouco cuidadosas quanto a propósitos tanto na física como na biologia, mas na prática correcta não há lugar para essas referências; ainda assim, é quase unânime a atribuição do comportamento humano a intenções, propósitos, objectivos e metas. Se ainda é possível admitir que uma máquina possa manifestar uma intenção, esta suposição implica, de um modo pertinente, que tal máquina será ainda mais intimamente semelhante ao homem. A física e a biologia afastaram-se mais das causas personificadas quando começaram a atribuir o comportamento dos objectos a essências, qualidades ou naturezas. Para o alquimista medieval, por exemplo, algumas das propriedades de uma substância poderiam dever-se à essência do mercúrio; além disso, as substâncias eram comparadas dentro do que se poderia ter designado por «uma química das diferenças individuais». Newton lamentou tal prática seguida pelos seus contemporâneos: «Dizeremnos que toda a espécie de coisa é dotada de uma qualidade específica oculta, pela qual actua e produz efeitos manifestos, é o mesmo que não -nos dizerem nada». (As qualidades ocultas foram exemplos das hipóteses
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que Newton rejeitou quando afirmava que hypotheses non fingo - «não formulo hipóteses» - ainda que nem sempre agisse estritamente de acordo com as suas palavras.) Durante muito tempo, a biologia continuou a apelar para a natureza das coisas vivas e só no século XX veio a abandonar totalmente as forças vitais. Todavia, atribui-se ainda o comportamento à natureza humana, subsistindo uma desenvolvida «psicologia das diferenças individuais», segundo a qual os indivíduos são comparados e descritos em termos de traços de carácter, capacidades e aptidões. Quase todos os que se interessam pelos problemas humanos - o cientista político, o filósofo, o homem de letras, o economista, o psicólogo, o linguista, o sociólogo, teólogo, o antropólogo, o educador ou o psicoterapeuta - continuam a falar do comportamento humano nestes termos pré-científicos. Todas as edições de jornais diários, revistas, publicações especializadas e todos os livros que abordem de algum modo o comportamento humano fornecer-nos-ão exemplos. Dizem-nos que para controlar o crescimento demográfico mundial precisamos de mudar as nossas atitudes em relação aos filhos, superar o orgulho pelo tamanho da família ou pela potência sexual, criar um certo sentido de responsabilidade em relação aos nossos descendentes e reduzir o papel desempenhado pelas famílias grandes em minorar a preocupação com a velhice. A fim de trabalhar pela paz, devemos fazer face à sede de poder ou às ilusões paranóicas dos dirigentes; devemos recordar-nos de que as guerras principiam na mente dos homens, de que existe algo de suicida no homem - talvez um instinto da morte - que conduz à guerra e de que o homem é agressivo por natureza. Para resolver os problemas da pobreza, devemos incutir amor-próprio, encorajar o espírito de iniciativa e reduzir a frustração. Para atenuar o descontentamento dos jovens, devemos proporcionar-lhes um certo sentido de finalidade e minorar os sentimentos de alienação ou desânimo. Ao verificarmos que não dispomos de quaisquer meios eficazes para materializar tais medidas, nós próprios podemos sofrer uma crise de convicção ou perda de confiança, o que somente poderá obviar-se com o retomo à fé nas capacidades inatas do homem. Tudo isto se refere a verdades fundamentais, que quase ninguém põe em causa. Todavia, não encontramos nada de semelhante na física moderna nem na maior parte do âmbito da biologia, o que pode muito bem explicar as razões por que foram durante tanto tempo proteladas uma ciência e uma tecnologia do comportamento. Costuma supor-se que a objecção «behaviorística» às ideias, sentimentos, traços de carácter, vontade, etc., diz respeito à matéria de
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que consta serem feitos. Durante mais de dois mil e quinhentos anos não deixou por certo de debater-se certas questões obstinadas acerca da natureza da mente que continuam sem resposta. Como, por exemplo, pode a mente mover o corpo? Ainda em 1965, Karl Popper5formulou a questão nos seguintes termos: «O que pretendemos é compreender como certas coisas imateriais como propósitos, deliberações, planos, decisões, teorias, tensões e valores podem desempenhar um dado papel na produção de mudanças físicas no mundo material.» Além disso, como é natural, queremos saber de onde provêm esses elementos imateriais. Para essa pergunta, os gregos tinham uma resposta simples: dos deuses. Como salientou Dodds6, os gregos acreditavam que, se um indivíduo procedia de um modo insensato, era porque um deus hostil implantara (paixão desmedida) no seu peito. Um deus amistoso poderia conceder a um guerreiro uma quantidade adicional de m e n o z que o ajudaria a combater fulgurantemente. Aristóteles pensava existir algo de divino no pensamento e, por sua vez, Zenão sustentava que o intelecto era Deus. Actualmente, não podemos adoptar esta linha de pensamento. A alternativa mais comum consiste em apelar para acontecimentos físicos precedentes. Afirma-se que a herança genética do indivíduo produto da evolução da espécie - explica parte do funcionamento da sua mente e que a sua história pessoal explica o restante. Por exemplo, em consequência da competição (física) no decurso da evolução, os homens têm agora sentimentos (não-físicos) de agressividade que conduzem a actos (físicos) de hostilidade. Outro exemplo: o castigo (físico) que uma criança pequena recebe quando se entrega a experiências sexuais gera sentimentos de ansiedade (não-físicos) que afectarão o seu comportamento sexual (físico) quando adulto. O estádio não-fisico abarca evidentemente longos períodos de tempo: a agressividade remonta a milhões de anos da história da evolução e a ansiedade adquirida na infância subsiste até à velhice. Poderia evitar-se o problema de passar de uma coisa para outra se tudo fosse ou mental ou físico, e foram já consideradas ambas as possibilidades. Alguns filósofos procuraram circunscrever-se ao mundo da mente, argumentando que só a experiência imediata é real, pelo que a psicologia experimental teve início como tentativa para descobrir as leis mentais que regiam as interacções entre os elementos mentais. As teorias «intrapsíquicas» da psicoterapia contemporânea dizem-nos como um sentimento conduz a outro (como a frustração gera agressividade, por exemplo), como os sentimentos se inter-relacionam e como os sentimentos expulsos da mente lutam por aí reentrar. Foi Freud quem,
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curiosamente, escolheu a linha complementar de pensamento de que o estádio mental é, na realidade, físico, acreditando que a fisiologia viria a explicar o funcionamento da aparelhagem mental. Dentro de uma tendência semelhante, muitos psicólogos fisiologistas continuam a falar livremente de estados de alma, sentimentos e assim por diante, na crença de que a compreensão da sua natureza física é exclusivamente uma questão de tempo. As dimensões do mundo da mente7 e a transição de um mundo para o outro suscitam problemas embaraçosos; de um modo geral, porém, é possível ignorá-los, o que pode ser boa estratégia, já que a objecção importante levantada ao mentalismo é de natureza bem diferente. O mundo da mente é o centro de todas as atenções. O comportamento não é reconhecido como objecto de estudo por direito próprio. Na psicoterapia, por exemplo, as coisas inquietantes que as pessoas fazem ou dizem são quase sempre consideradas como meros sintomas e, comparado com os dramas fascinantes encenados nas profundezas da mente, o próprio comportamento parece nesmo superficial. Para a linguística e a crítica literária, aquilo que o indivíduo articula é quase sempre tratado como a expressão de ideias ou sentimentos. No âmbito da ciência política, teologia e economia, encara-se geralmente o comportamento como o material de que se inferem atitudes, intenções, necessidades, etc. Durante mais de dois mil e quinhentos anos a vida mental foi objecto de uma atenção aturada, mas só recentemente se fez um esforço no sentido de estudar o comportamento humano como algo mais do que um simples produto secundário. Também não fazemos caso das condições de que, comportamento constitui uma função. A explicação mental faz cessar a curiosidade, como podemos observar em conversas casuais. Se perguntarmos a alguém «Porque foi ao teatro?» e essa pessoa responder «Porque me apeteceu ir», somos levados a tomar esta resposta como uma espécie de explicação. Viria muito mais a propósito apurar o que aconteceu nas vezes em que essa pessoa foi ao teatro, o que ela ouviu ou leu sobre a peça que foi ver e que outros elementos do seu ambiente presente ou passado poderiam tê-la induzido a ir (em vez de fazer qualquer outra coisa), mas aceitamos o «apeteceu-me ir» como uma espécie de síntese de tudo isso e provavelmente não pediremos pormenores. O psicólogo profissional detém-se geralmente no mesmo ponto. Já há muito tempo, William James8corrigiu uma opinião predominante sobre a relação entre os sentimentos e a acção ao sustentar, por exemplo, que
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não fugimos porque temos medo, mas sim que temos medo porque fugimos. Por outras palavras, o que sentimos quando temos medo é o nosso comportamento, o mesmo comportamento que, do ponto de vista tradicional, exprime o sentimento e é explicado por ele. Mas quantos dos que examinaram o argumento de James observaram que na realidade não se assinalou qualquer facto antecedente? Nenhum dos «porque» deveria ser tomado a sério, pois não se deu qualquer explicação para a razão por que fugimos e sentimos medo. Quer nos encaremos como sentimentos que se explicam por si mesmos, quer consideremos o comportamento motivado pelos sentimentos, prestamos muito pouca atenção às circunstâncias precedentes. O psicoterapeuta toma conhecimento dos primórdios da vida do seu paciente quase exclusivamente através das recordações deste, as quais sabemos serem passíveis de falhas, chegando a argumentar que o importante não é o que aconteceu na realidade, mas aquilo de que o paciente se recorda. Deve haver, na literatura psicanalítica, pelo menos cem referências à sensação de ansiedade para cada referência a um episódio envolvendo punição ao qual se remonta na explicação da ansiedade. Parece até dar-se preferência a antecedentes que estejam claramente fora do nosso alcance. Actualmente, por exemplo, verifica-se um grande interesse pelo que deve ter ocorrido durante a evolução da espécie com vista a explicar o comportamento humano e damos a impressão de falar com especial convicção, precisamente por apenas podermos inferir o que efectivamente aconteceu. Incapazes de compreender a maneira ou a razão de uma dada pessoa proceder, atribuímos o seu comportamento a outra pessoa que não podemos ver e cujo comportamento também não podemos explica» mas sobre a qual não somos levados a fazer perguntas. Adoptamos provavelmente esta estratégia não tanto por falta de interesse ou capacidade, mas devido à perene convicção de que não existem antecedentes relevantes para grande parte do comportamento humano. A função do homem interior consiste em fornecer uma explicação que, por sua vez, não será explicada. A explicação cessa com ele. Ele não é um mediador entre história passada e comportamento presente, mas sim um centro do qual emana o comportamento. Ele inicia, dá origem e cria e, enquanto o faz, permanece divino, como o era para os gregos. Afirmamos que é autónomo e, do ponto de vista de uma ciência do comportamento, isso quer dizer milagroso. Esta posição é, evidentemente, vulnerável. O homem autónomo serve para explicarmos unicamente aquilo que não somos ainda capazes de explicar de outro modo. A sua existência depende da nossa ignorância,
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pelo que ele perde naturalmente terreno à medida que aumentamos os nossos conhecimentos sobre o comportamento. A tarefa de uma análise científica consiste em explicar como o comportamento de uma pessoa, considerada como sistema físico, se relaciona com as condições em que evoluiu a espécie humana e com as condições em que vive o indivíduo. A menos que efectivamente se dê qualquer intervenção caprichosa ou criadora, tais ocorrências deverão estar relacionadas, pelo que se toma realmente desnecessária qualquer intervenção. As contingências de sobrevivência responsáveis pela constituição genética do homem produziriam tendências para agir agressivamente, e não sentimentos de agressividade. A punição aplicada a formas de comportamento sexual modifica o comportamento sexual, pelo que quaisquer sentimentos que porventura surjam serão, na melhor das hipóteses, subprodutos. A nossa era não sofre de ansiedade, mas sim dos acidentes, crimes, guerras e outras realidades perigosas e dolorosas a que tantas vezes nos encontramos expostos. Os jovens abandonam a escola, recusam-se a arranjar emprego e apenas se associam a indivíduos da sua idade, não porque se sintam rejeitados, mas sim devido aos ambientes sociais imperfeitos que encontram no lar, na escola, na fábrica, em toda a parte. Podemos seguir o caminho tomado pela física e biologia, concentrando-nos nas relações entre o comportamento e o ambiente e desprezando supostos estados de espírito intermediários. A física não progrediu por examinar mais atentamente o júbilo de um corpo cadente, nem a biologia por observar a natureza dos espíritos vitais; também nós não precisamos de tentar descobrir o que realmente são personalidades, estados de espírito, sentimentos, traços de carácter, planos, propósitos, intenções ou os restantes atributos tradicionais do homem autónomo para irmos mais longe numa análise científica do comportamento. Há razões para termos levado tanto tempo a atingir este ponto. Os fenómenos estudados pela física e biologia estão muito longe de se assemelhar ao comportamento das pessoas e não deixa de parecer bastante ridículo falarmos do júbilo de um corpo cadente ou da impetuosidade de um projéctil; todavia, as pessoas comportam-se como pessoas e o homem exterior, cujo comportamento pretendemos explicar, poderia muito bem assemelhar-se ao homem interior, em cujo comportamento se diz residir tal explicação. O homem interior foi criado à imagem do exterior. Uma razão ainda mais importante é que o homem interior às vezes parece ser directamente observado. Somos forçados a inferir o júbilo de um corpo cadente, mas não poderemos sentir o nosso próprio júbilo?
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Com efeito, sentimos aquilo que está dentro de nós próprios, mas não sentimos as coisas que foram inventadas para explicar o comportamento. O possesso não sente o demónio que o possui e poderá até negar a sua existência. O delinquente juvenil não sente a sua personalidade perturbada. O homem inteligente não sente a sua inteligência , nem o introvertido a sua introversão. (Na realidade, há quem afirme que estas dimensões da mente ou do carácter só são observáveis mediante complexos processos estatísticos.) Quem fala não sente as regras gramaticais que aplica na construção das frases que profere, além de que os homens falaram gramaticalmente durante milhares de anos sem que soubessem da existência de regras. Quem responde a um questionário não sente as atitudes ou opiniões que o levam a assinalar itens de uma determinada maneira. É certo que sentimos determinados estados do nosso corpo associados ao comportamento; no entanto, como salientou Freud, actuamos do mesmo modo quando não os sentimos. São, pois, subprodutos que não devem ser confundidos com causas. Existe uma razão muito mais importante para a nossa lentidão em nos desfazermos das explicações mentalísticas: tem sido difícil encontrarmos alternativas. Presumivelmente, devemos procurá-las no ambiente exterior, ainda que o papel desempenhado pelo ambiente não seja de modo nenhum claro. A história da teoria da evolução ilustra o problema. Até ao século XIX, o ambiente foi considerado apenas como um cenário passivo do nascimento, reprodução e morte dos mais diferentes tipos de organismos. Ninguém notou que o ambiente era responsável pela existência de muitas espécies diferentes (e atribuía-se tal facto, de modo bastante significativo, à Mente criadora). O problema é que o ambiente actua de um modo imperceptível: não impele nem puxa, selecciona. Durante milhares de anos da história do pensamento humano, o processo de selecção natural passou despercebido, não obstante a sua extraordinária importância. Quando, finalmente, foi descoberto, converteu-se naturalmente na chave da teoria evolucionista. O efeito exercido pelo ambiente9 no comportamento permaneceu obscuro durante um período ainda mais longo. Podemos ver o que os organismos fazem ao mundo que os cerca, ao suprirem por meio dele as suas necessidades e ao defenderem-se dos seus perigos; porém, muito mais difícil é apreciar a acção que o mundo exerce sobre eles. Descartes10 foi quem primeiro sugeriu a possibilidade de o ambiente desempenhar um papel activo na determinação do comportamento e, segundo tudo nos leva a crer, apenas o pôde fazer porque se lhe deparou
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uma sugestiva pista. Ele conhecia certas máquinas automáticas dos Jardins Reais de França, manobradas hidraulicamente por meio de válvulas ocultas. Conforme a descrição do próprio Descartes, ao entrarem nos jardins, as pessoas «necessariamente pisam determinados ladrilhos ou lages, de tal forma dispostos que, ao aproximarem-se de uma Diana no banho, fazem com que ela se esconda atrás das roseiras e, se tentarem segui-la, fazem com que Neptuno avance para elas, ameaçando-as com o seu tridente». As esculturas divertiam precisamente porque procediam como se fossem pessoas; parecia, por conseguinte, que algo de muito semelhante ao comportamento humano poderia ser explicado mecanicamente. Descartes entendeu a sugestão: os organismos vivos poderiam mover-se por motivos análogos. (Ele excluiu o organismo humano, presumivelmente para evitar polémicas de ordem religiosa.) A a ç ã o ativ ad ora do ambiente veio a denominar-se «estímulo» que provém da palavra latina que significa «aguilhão» o efeito sobre um organismo recebeu o nome de «resposta», enquanto ambos passaram a constituir um «reflexo». Os reflexos foram pela primeira vez demonstrados em pequenos animais decapitados como, por exemplo, salamandras, e é significativo que tal princípio tenha sido contestado durante todo o século XIX, uma vez que parecia negar a existência de um agente autónomo, a «alma da espinal medula», a que se atribuía o movimento do corpo decapitado. Quando Pavlov mostrou como se podia formar novos reflexos através do condicionamento, nasceu uma psicologia do estímulo-resposta perfeitamente instituída, segundo a qual todo o comportamento passou a ser encarado como reacções a estímulos. Determinado escritor exprimiu-a nos seguintes termos: «Pela vida fora, ou somos aguilhoados ou chicoteados.»11 Contudo, o modelo estímulo-resposta jamais chegou a ser muito convincente nem resolveu o problema básico, porquanto algo de semelhante ao homem interior tinha de ser inventado para converter um estímulo em resposta. A teoria da informática esbarrou no mesmo problema quando foi necessário inventar «processador» interno que convertesse input em output. É relativamente fácil observar o efeito de um estímulo provocador e não surpreende que a hipótese de Descartes tenha conservado durante largo tempo uma posição dominante na teoria do comportamento; não passou, no entanto, de uma pista falsa, da qual só agora se vai libertando a análise científica. O ambiente não só aguilhoa ou chicoteia como ainda selecciona. O seu papel é semelhante ao da selecção natural, embora numa escala de tempo bastante diferente, e precisamente por essa razão 20
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foi ignorado. Torna-se agora claro que é importante considerarmos o que o ambiente produz num organismo, não só antes como ainda depois da resposta deste. O comportamento é modelado e mantido pelas suas consequências. Uma vez reconhecido este facto, podemos formular com muito maior clareza a interacção entre o organismo e o ambiente. Há a considerar dois resultados importantes. O primeiro diz respeito à análise básica. O comportamento que actua sobre o ambiente para produzir consequências (comportamento «operante»12) pode ser estudado através da criação de ambientes nos quais determinadas consequências específicas são condicionadas pelo comportamento. As contingências investigadas têm-se tomado cada vez mais complexas e, uma a uma, vão assumindo as funções explicativas anteriormente atribuídas a personalidades, estados de espírito, sentimentos, traços de carácter, propósitos e intenções. O segundo resultado é de ordem prática: pode manipular-se o ambiente. E certo que apenas muito lentamente se pode modificar a constituição genética do homem, mas as mudanças verificadas no ambiente do indivíduo têm efeitos rápidos e dramáticos. Como teremos ocasião de verificar, encontra-se já numa fase bastante adiantada uma tecnologia do comportamento operante que poderá vir a ser proporcional aos nossos problemas13. Contudo, essa possibilidade suscita outro problema, o qual terá de ser resolvido se quisermos tirar partido das nossas vantagens. Os nossos progressos têm sido obtidos à custa do desalojamento do homem autónomo, mas este retirou-se de má vontade, dirigindo uma espécie de acção de retaguarda, na qual reúne, infelizmente, condições para mobilizar um formidável apoio. O homem autónomo constitui ainda uma figura importante na ciência política, no direito, na religião, na economia, na antropologia, na sociologia, na psicoterapia, na filosofia, na ética, na história, na educação, na pediatria, na linguística, na arquitectura, no planeamento urbano, e na vida familiar. Cada campo tem os seus especialistas e cada especialista a sua teoria, pelo que em quase todas as teorias a autonomia do indivíduo é inquestionável. Os dados obtidos através da observação casual ou dos estudos da estrutura do comportamento não constituem ameaça séria para o homem interior; por outro lado, muitos destes campos tratam somente de grupos de pessoas, pelo que os dados estatísticos ou actuariais poucas restrições levantam ao indivíduo. Resulta daqui uma tremenda mole de «conhecimentos» tradicionais que devem ser corrigidos ou substituídos por uma análise científica. Duas características do homem autónomo são particularmente 4
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problemáticas. Segundo o ponto de vista tradicional, o indivíduo é livre. E autónomo no sentido em que o seu comportamento é imotivado. Pode, portanto, ser responsabilizado pelo que fizer e justamente punido se transgredir. Este ponto de vista, assim como as práticas dele decorrente deve ser reexaminado a partir do momento em que uma análise científica descobre relações insus peitas de controlo entre o comportamento e o ambiente. Pode tolerar-se o controlo externo até certo ponto. Os teólogos aceitaram o facto de o homem estar predestinado a fazer o que um Deus omnisciente sabe que ele fará; por sua vez, os dramaturgos gregos fizeram do inexorável destino o seu tema favorito. Adivinhos e astrólogos atribuem-se frequentes vezes o dom de predizer o comportamento humano, pelo que sempre foram muito procurados. Biógrafos e historiadores têm procurado detectar «influências» nas vidas dos indivíduos e dos povos. A sabedoria popular e o discernimento de ensaístas, tais como Montaigne e Bacon, subentendem uma espécie de previsibilidade na conduta humana, e por outro lado os dados estatísticos e actuariais das ciências sociais, encaminham-nos na mesma direcção. Apesar de tudo o que apontámos, o homem autónomo sobrevive por ser a feliz excepção. Os teólogos reconciliaram a predestinação com o livre arbítrio e os espectadores gregos, movidos pela representação de um destino inevitável, saíam do teatro como homens livres. A morte de um chefe político ou uma tempestade no mar modificam o curso da história, assim como um professor ou um caso amoroso transformam uma vida. Contudo, isto não acontece a toda a gente nem afecta toda a gente da mesma maneira. Alguns historiadores fizeram da imprevisibilidade da história uma virtude. Despreza-se com facilidade dados actuariais: lemos que centenas de pessoas morrerão em acidentes de viação num dado fim-de-semana, mas fazemo-nos à estrada como se estivéssemos livres desse risco. Apenas uma pequena parte da ciência do comportamento ergue «o espectro do homem predizível». Inversamente, muitos antropólogos, sociólogos e psicólogos utilizam os seus conhecimentos específicos para provar que o homem é livre, resoluto e responsável. Freud foi um determinista - podemos supô-lo - mas muitos dos seus seguidores não hesitam em asseverar aos seus pacientes que são livres para escolher entre diferentes modos de agir e que, no fim de contas, são os arquitectos dos seus próprios destinos. Esta saída fecha-se lentamente, à medida que se descobre novas provas da previsibilidade do comportamento humano. Simultaneamente, à medida que progride a análise científica, em especial no que diz respeito ao
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esclarecimento do comportamento do indivíduo, revoga-se a ideia da isenção pessoal de um determinismo total. Joseph Wood Krutch14 reconheceu o valor dos factos actuariais ao mesmo tempo que insistia na liberdade pessoal: «Podemos predizer, com um considerável grau de rigor, quantas pessoas irão à praia num dia em que a temperatura atingir determinado ponto e até mesmo quantos se atirarão de uma ponte... ainda que nem eu nem vocês sejamos compelidos a isso». Contudo, não me parece que queira dizer que os indivíduos que vão à praia o não façam por uma razão pessoal ou que circunstâncias da vida de um suicida não tenham qualquer relação com o seu acto de se atirar de uma ponte. A distinção só será sustentável enquanto uma palavra como «compelir» sugerir uma forma de controlo particularmente ostensivo e enérgico. Qualquer análise científica caminha naturalmente no sentido de esclarecer todos os tipos de relações de controlo. Ao contestar o controlo exercido pelo homem autónomo e ao demonstrar o controlo exercido pelo ambiente, a ciência do comportamento parece também pôr em causa a dignidade ou o valor. Uma pessoa é responsável pelo seu comportamento, não só no sentido em que pode ser justamente censurada ou punida quando procede mal, mas também no sentido em que merece ser elogiada e admirada pelas suas realizações. Uma análise científica transfere tanto os elogios como as críticas para o ambiente, pelo que as práticas tradicionais deixarão de poder justificar-se. Perante tais mudanças radicais, aqueles que estão comprometidos com as teorias e práticas tradicionais não deixam naturalmente de lhes oferecer resistência. Existe ainda uma terceira fonte de problemas. À medida que se transfere a ênfase para o ambiente, o indivíduo parece ficar exposto a uma nova espécie de perigo. Quem deverá construir o ambiente de controlo e com que fins? Como se presume, o homem autónomo autocontrola-se de acordo com um conjunto intrínseco de valores: ele trabalha por aquilo que, a seu ver, é bom. Mas aquilo que o suposto agente de controlo achar bom sê-lo-á também para aqueles que controla? Afirma-se, naturalmente, que as respostas a perguntas deste tipo requerem juízos de valor. A liberdade, a dignidade e o valor são questões primordiais, que infelizmente se tomam mais críticas à medida que o poder da tecnologia do comportamento se toma proporcional aos problemas a resolver. A mesma mudança que trouxe uma certa esperança de solução é responsável por uma crescente oposição ao tipo de solução apresentada. Tal conflito é
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em si mesmo um problema de comportamento humano e, como tal, pode ser focado. A ciência do comportamento não está, de modo nenhum, tão adiantada quanto a física ou a biologia, mas tem a vantagem de poder alcançar alguma luz sobre as suas próprias dificuldades. A ciência é comportamento humano, e também o é a oposição à ciência. O que tem acontecido na luta do homem pela liberdade e dignidade e que problemas surgem quando os conhecimentos científicos começam a ser relevantes nesta luta? As respostas a tais perguntas poderão ajudar-nos a abrir o caminho para a tecnologia de que tão terrivelmente necessitamos. A partir deste ponto, tais problemas serão debatidos «de um ponto de vista científico», sem que isso signifique que o leitor precise de conhecer as minúcias de uma análise científica do comportamento. Uma simples interpretação será suficiente; contudo, a natureza dessa interpretação é facilmente mal compreendida. Referimo-nos muitas vezes a coisas que não podemos observar ou medir com a precisão exigida por uma análise científica e, com tal prática, muito temos a lucrar com o uso de termos e princípios que foram forjados em condições mais precisas. Ao anoitecer, o mar apresenta uma cintilação estranha; a geada que se acumula nas vidraças tem um aspecto invulgar e a sopa não engrossa enquanto está ao lume - para todos estes fenómenos dispomos de justificações dadas por especialistas. Podemos, no entanto, lançar-lhes um desafio: não têm «os factos» nem podem «provar» o que afirmam. Mesmo assim, têm mais probabilidades de estar certos do que aqueles que carecem de bases experimentais e só eles poderão orientar-nos no sentido de um estudo mais preciso, se tal parecer valer a pena. Uma análise experimental do comportamento oferece vantagens semelhantes. Depois de havermos observado processos comportamentais sob condições controladas, podemos mais facilmente descobri-los no mundo em geral. Podemos assim identificar aspectos relevantes do comportamento e do ambiente, o que nos possibilita desprezar os irrelevantes, por mais fascinantes que sejam. Podemos rejeitar explicações tradicionais que tenham sido testadas e consideradas deficientes numa análise experimental, para então prosseguirmos com a nossa investigação com inabalável curiosidade. Os exemplos mencionados nos capítulos seguintes não são oferecidos como «prova» da interpretação, uma vez que esta deverá ser encontrada na análise básica, Os princípios seguidos na interpretação dos exemplos têm um carácter plausível que faltaria a princípios exclusivamente extraídos da observação casual. O texto parecerá amiudadas vezes inconsistente. O inglês, tal como
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todas as línguas, está pejado de termos pré-científicos que normalmente suprem as necessidades da conversação casual. Ninguém olha com desconfiança o astrónomo quando diz que o sol nasce ou que as estrelas aparecem à noite, já que seria, ridículo insistir que dissesse sempre que o sol surge no horizonte à medida que a terra gira ou que as estrelas se tomam visíveis à medida que a atmosfera deixa de refractar a luz solar. Tudo o que pedimos é que seja capaz de dar-nos uma explicação mais precisa, se tal for necessário. A língua inglesa contém um número muito maior de expressões referentes ao comportamento humano do que a outros aspectos do mundo; por outro lado, as alternativas técnicas são muito menos familiares. Existe, portanto, uma probabilidade muito maior de nos contestarem o emprego de expressões casuais. Pode parecer contraditório pedirmos ao leitor que «conserve algo em mente» quando lhe dissemos que a mente é uma ficção explanatória ou que «considere a ideia de liberdade» se uma ideia constitui simplesmente um precursor imaginado de comportamento e falarmos em «tranquilizar aqueles que temem uma ciência do comportamento» quando tudo o que está em causa é a mudança do seu comportamento em função dessa ciência. O livro poderia ter sido escrito para um leitor de formação técnica sem expressões desse tipo, mas os problemas são importantes para o não-especialista e precisam de ser debatidos de uma maneira não-técnica. Não há dúvida de que muitas das expressões mentalísticas arraigadas na língua inglesa não podem ser traduzidas, com o mesmo rigor que «o nascer do sol», embora possamos chegar a traduções aceitáveis. Quase todos os nossos problemas mais importantes envolvem o comportamento humano e não é possível resolvê-los apenas com a tecnologia física e biológica. O que é necessário é uma tecnologia do comportamento mas tem sido lento o desenvolvimento da ciência da qual se poderá extrair essa tecnologia. Uma das dificuldades é que quase tudo o que recebe o denominador comum de ciência do comportamento continua a atribuir o comportamento a estados de espírito, sentimentos, traços de carácter, natureza humana, etc. A física e a biologia seguiram já práticas análogas e só progrediram quando as abandonaram. As ciências do comportamento têm vindo a sofrer uma transformação muito lenta, em parte porque, com frequência, os aspectos explicativos parecem ser directamente observáveis e também porque tem sido difícil encontrar outras espécies de explicações. Ainda que o seu papel tenha permanecido obscuro, o ambiente é obviamente importante. Não impele nem puxa, mas selecciona, e é difícil descobrir e analisar tal função. Só há pouco mais de um século foi estabelecido
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o papel da selecção natural na evolução e apenas agora começa a ser reconhecido e estudado o papel selectivo do ambiente na formação e manutenção do comportamento do indivíduo. Contudo, à medida que se vai compreendendo a interacção entre o organismo e o ambiente, os efeitos anteriormente atribuídos a estados de espírito, sentimentos e traços de carácter começam a ser vinculados a condições acessíveis, pelo que se toma exequível uma tecnologia do comportamento. Todavia, ela não resolverá os nossos problemas enquanto não substituir os pontos de vista pré-científicos tradicionais, fortemente defendidos. A liberdade e a dignidade ilustram a dificuldade. São propriedade do homem autónomo. da teoria tradicional e essenciais às práticas nas quais uma pessoa é responsabilizada pela sua conduta ou elogiada pelas suas realizações. Uma análise científica transfere tanto a responsabilidade como a realização pessoal para o ambiente, ao mesmo tempo que põe questões referentes aos «valores». Quem usará a tecnologia e com que objectivos? Enquanto não forem resolvidos tais problemas, continuará a ser rejeitada uma tecnologia do comportamento e, com ela, possivelmente, o único modo de resolvermos os nossos problemas.
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Quase todos os seres vivos agem no sentido de livrar-se dos contactos prejudiciais. Atinge-se uma espécie de liberdade através de formas relativamente simples de comportamento denominadas actos-reflexos. Uma pessoa espirra para livrar as vias respiratórias de substâncias irritantes. Vomita para livrar o estômago de alimentos indigestos ou venenosos. Retira a mão de um objecto contundente ou escaldante. Existem formas mais complexas de comportamento com efeitos semelhantes. Quando aprisionadas, as pessoas lutam («em fúria») e procuram libertar-se. Em perigo, fogem dele ou atacam a sua origem. É provável que esta espécie de comportamento se tenha desenvolvido pelo seu valor para a sobrevivência; integra o que denominamos a constituição genética humana do mesmo modo que a respiração, a transpiração ou a digestão. E, através do condicionamento, é possível adquirir um comportamento semelhante em relação a novas circunstâncias que não desempenharam qualquer papel na evolução. Conquanto sejam, indubitavelmente, exemplos secundários da luta pela liberdade, não deixam de ser significativos. Não os atribuímos a qualquer espécie de amor à liberdade; são apenas formas de comportamento que provaram ser úteis na redução das várias ameaças ao indivíduo e, logo, à espécie no curso da sua evolução. Diversamente, o comportamento que enfraquece estímulos nocivos desempenha um papel muito mais importante. Não é adquirido sob a forma de reflexos condicionados, mas como produto de um processo diverso denominado condicionamento operante15. Quando um certo comportamento
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é seguido por uma dada consequência, tem mais probabilidades de repetir-se. À consequência que produz tal efeito damos o nome de reforço. A comida, por exemplo, constitui um reforço para o organismo faminto; tudo aquilo que o organismo fizer tem mais probabilidades de voltar a ocorrer se receber alimentos, sempre que tenha fome. Certos estímulos são denominados reforços negativos: qualquer resposta que reduza (ou elimine) a intensidade desse estímulo repetir-se-á com maior probabilidade quando o estímulo voltar a ocorrer. Assim, se alguém evita o calor do sol ao caminhar abrigado, será mais provável que se abrigue quando o sol estiver de novo muito quente. A diminuição de temperatura reforça o comportamento de que «depende», isto é, o comportamento que lhe sucede. Verifica-se igualmente condicionamento operante quando uma pessoa evita simplesmente o sol escaldante ou, para usarmos uma expressão aproximada, foge da ameaça do sol muito quente. Os reforços negativos denominam-se aversivos no sentido em que constituem aquilo de que «se afasta» os organismos. O termo sugere uma separação espacial (movimento ou fuga para longe de algo), mas a relação essencial é temporal. Num aparelho padrão utilizado para o estudo laboratorial do processo, uma resposta arbitrária simplesmente enfraquece ou faz cessar o estímulo aversivo. Grande parte da tecnologia física resultou desta espécie de luta pela liberdade. Ao longo dos séculos, errando por caminhos desordenados, os homens construíram um mundo onde se acham relativamente livres de muitas espécies de estímulos ameaçadores ou nocivos - temperaturas extremas; fontes de infecção; trabalho pesado; perigo e até aqueles estímulos aversivos secundários que genericamente englobamos sob a designação de desconforto. A fuga e a evitação desempenham um papel muito mais importante na luta péla liberdade quando as condições aversivas são produzidas por outras pessoas. Há indivíduos que podem ser aversivos sem, por assim dizer, o tentarem ser: fugimos deles ou evitamo-los por serem grosseiros, perigosos, contagiosos ou fastidiosos. Outros são «intencionalmente» aversivos, quer dizer, tratam as outras pessoas de modo aversivo por causa das consequências. Deste modo, o feitor de escravos utiliza o chicote para obrigar o escravo a prosseguir no trabalho; retomando-o, o escravo escapa do chicote (e, consequentemente, reforça o comportamento do fiscal em usar o chicote). O pai repreende o filho enquanto não executar uma dada tarefa; ao cumpri-la, o filho escapa às repreensões (reforço o comportamento do pai). O chantagista ameaça fazer revelações se a vítima não lhe pagar o que ele pede; ao pagar, a vítima afasta a ameaça (e
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reforça a prática). Um professor ameaça os seus alunos com castigos corporais ou repreensões enquanto não lhe prestarem atenção; ao obedecerem, evitam a ameaça de castigo (e reforçam o seu emprego por parte do professor). De uma forma ou de outra, o controlo aversivo intencional constitui o padrão da maior parte do ajustamento social na ética, na religião, no governo, na economia, na educação, na psicologia e na vida familiar. Um indivíduo evita ou foge a um tratamento aversivo, comportando-se de modo a reforçar aqueles que o trataram aversivamente; existem, porém, outros meios de fuga. Pode, por exemplo, colocar-se simplesmente fora do seu alcance. Uma pessoa pode fugir à escravatura, emigrar ou deixar de apoiar um governo, pode desertar de um exército, tornar-se apóstata de uma religião, faltar às aulas, abandonar o lar ou abdicar de uma cultura para se transformar em vagabundo, eremita ou hippie. Tal comportamento é tanto um produto das condições aversivas quanto o comportamento que tais condições se destinavam a suscitar e só se manterá através do recrudescimento das contingências ou do uso de estímulos aversivos mais poderosos. Outra forma anómala de fuga consiste em atacar os responsáveis pelas condições aversivas e enfraquecer ou destruir o seu poder. Podemos atacar aqueles que se aglomeram à nossa volta ou nos aborrecem, assim como atacamos as ervas daninhas do nosso jardim. No entanto, uma vez mais a luta pela liberdade visa principalmente os agentes de controlo intencionais, ou seja, aqueles que tratam os semelhantes de uma maneira aversiva, com o fim de induzi-los a comportarem-se de determinados modos. Assim, um filho pode rebelar-se contra os pais; um cidadão pode derrubar um governo; um adepto pode reformar uma religião; um aluno pode agredir um professor ou depredar uma escola e um marginal pode trabalhar com vista à destruição de uma cultura. É possível que a herança genética do homem apoie esta espécie de luta pela liberdade: tratadas de um modo aversivo, as pessoas tendem a agir agressivamente ou a ser reforçadas por indícios de haverem sofrido danos causados pela agressividade. Ambas as tendências, as quais devem ter tido vantagens na evolução, podem ser facilmente demonstradas. Se dois organismos que tenham coexistido pacificamente sofrerem choques dolorosos, apresentam imediatamente padrões característicos de agressividade, reciprocamente dirigidos16. O comportamento agressivo não se dirige necessariamente contra a verdadeira origem dos estímulos, podendo ser «deslocado» em direcção a qualquer pessoa ou objecto conveniente.
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Os actos de vandalismo e tumultos são frequentes vezes formas de agressividade desgovernada ou mal dirigida. O organismo que receba um choque doloroso agirá igualmente, quando possível, no sentido de se aproximar de outro organismo contra o qual possa actuar agressivamente. Não se esclareceu ainda até que ponto a agressividade humana exemplifica tendências inatas; em contrapartida, é de um modo perfeitamente óbvio que as pessoas aprendem muitos dos meios de atacar e, por conse guinte, enfraquecer ou destruir o poder dos agentes de controlo intencionais. A assim chamada «literatura da liberdade» tem visado induzir as pessoas a atacar ou a fugir daqueles que agem no sentido de controlá-las aversivamente. O seu conteúdo é a filosofia da liberdade, mas as filosofias estão incluídas no número das causas internas que precisam de ser examinadas. Afirmamos que um dado indivíduo procede de deter minado modo graças à filosofia que tem ou adopta; no entanto, dado que inferimos a filosofia a partir do comportamento, não podemos usá-la satisfatoriamente como explicação, pelo menos enquanto ela própria não for explicada. Por outro lado, a literatura da liberdade apresenta um simples status objectivo. Abrange livros, panfletos, manifestos, discursos e outros produtos verbais destinados a induzir as pessoas a agirem de modo a libertarem-se de vários tipos de controlo intencional. Não divulga uma filosofia da liberdade, apenas induz as pessoas a agirem. É com frequência que esta literatura põe em relevo as condições aversivas em que determinadas pessoas vivem, fazendo-as por vezes contrastar com as condições de um mundo mais livre. Deste modo, torna as condições ainda mais aversivas, «aumentando a miséria» daqueles que procura salvar. Identifica também aqueles de quem se deve fugir ou cujo poder deve ser combatido. Tiranos, sacerdotes, generais, capitalistas, professores excessivamente severos e pais dominadores constituem os vilões característicos desta literatura. A literatura da liberdade prescreve ainda modos de acção. Por um lado, pouco interesse tem manifestado pela fuga, talvez por isso dispensar conselhos; por outro lado, tem salientado os meios de enfraquecer ou destruir o poder controlador. Os tiranos devem ser derrubados, condenados ao ostracismo ou assassinados. Deve questionar-se a legitimidade de um governo e a capacidade de uma instituição religiosa como mediadora de sanções sobrenaturais. Deve organizar-se greves e boicotagens destinadas a enfraquecer o poder económico que sustente práticas aversivas. Reforçase os argumentos exortando as pessoas a agir, descrevendo resultados
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prováveis e rememorando casos bem sucedidos, para servirem de pro paganda, e assim sucessivamente. Como é evidente, os supostos agentes de controlo não permanecem inactivos. Os governos impossibilitam a fuga através da proibição de viagens, aplicando severas punições ou encarcerando aqueles que lhe retiram o seu apoio. Conservam as armas e outras fontes de poder longe das mãos dos revolucionários. Quanto à literatura da liberdade, as suas obras são destruídas e os que a transmitem oralmente são aprisionados ou mortos. A luta pela liberdade deverá então ser intensificada para ter êxito. Dificilmente poderá pôr-se em causa a importância desta literatura. Sem ajuda ou orientação, as pessoas submetem-se de uma forma extremamente surpreendente a condições aversivas. E isto acontece mesmo nos casos em que tais condições fazem parte do ambiente natural. Darwin observou, por exemplo, que os habitantes da Terra do Fogo17não pareciam esforçar-se por se proteger do frio, pois usavam um vestuário muito reduzido, sem o adequarem às condições climatéricas. Neste contexto um dos aspectos que mais nos impressionam é a frequente inexistência de luta pela liberdade de um controlo intencional. Muitas pessoas submeteram-se, durante séculos, às mais óbvias formas de controlo religioso, governamental e económico, apenas lutando pela liberdade de um modo esporádico, se é que alguma vez o fizeram. A literatura da liberdade contribuiu de uma forma essencial para a eliminação de muitas práticas aversivas no governo, na religião, na educação, na vida familiar e na produção de bens. Contudo, não se descreve geralmente nestes termos as contribuições da literatura da liberdade. Poderíamos aventar que algumas teorias tradicionais definiriam a liberdade como a ausência de controlo aversivo; porém, o que se salientou foi a maneira como esta condição se fa z sentir18. Poderemos aventar ainda que outras teorias tradicionais definiriam a liberdade como o estado do indivíduo que procede sob controlo não-aversivo; contudo, o que se pôs em relevo foi um estado de espírito associado ao facto de se fazer o que se quer. Segundo John Stuart Mill19, «a liberdade consiste em fazer o que se deseja». A literatura da liberdade tem desempenhado um papel importante na modificação de certas práticas (modificou-as sempre que produziu qualquer efeito); mesmo assim, a sua missão foi definida como sendo a de modificar estados de espírito e sentimentos. A liberdade é uma «posse». A pessoa destrói ou foge do poder de um agente de controlo a fim de se sentir livre; uma vez que o consiga e possa fazer o que deseja, não se recomenda qualquer conduta posterior. E a literatura da liberdade não prescreve nenhuma acção, a
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não ser talvez uma vigilância incessante, para que o controlo não volte a ser ass um ido .
0 sentimento de liberdade converte-se num guia de conduta pouco digno de confiança logo que os supostos agentes de controlo recorrem a medidas não-aversivas, como é provável que o façam para evitar os problemas suscitados pela fuga ou ataque dos elementos controlados. Tais medidas não são tão perceptíveis quanto as aversivas e actuam
provavelmente de um modo mais lento, mas não deixam de revestir-se de vantagens óbvias que fomentam a sua aplicação. O trabalho produtivo, por exemplo, foi em tempos o resultado de punições: o escravo trabalhava para evitar as consequências que adviriam de não o fazer. Os salários, por sua vez, exemplificam um princípio diferente: o indivíduo é pago quando procede de um determinado modo, a fim de que continue a proceder desse modo. Embora desde há muito se reconheça as vantagens das remunerações, foi lenta a evolução dos sistemas de salários. Acredi tava-se no século XIX que uma sociedade industrial requeria uma mão-de-obra faminta: a eficácia dos salários só se faria sentir se o trabalhador faminto pudesse trocá-los por alimentos. Tomado o trabalho menos aversivo - pela redução das horas e melhoria das condições de trabalho - tem sido possível obter mão-de-obra por motivação menos importante. Até há bem pouco tempo, o ensino era quase inteiramente aversivo, uma vez que o aluno, estudava para fugir às consequências da falta de estudo; paulatinamente, porém, têm vindo a descobrir-se e utilizar-se técnicas não-aversivas. Os pais hábeis aprendem que é preferível recompensar uma criança pelo seu bom comportamento a puni-la por se portar mal. As instituições religiosas abandonam a ameaça do fogo infernal, dando ênfase ao amor de Deus, enquanto os governos renunciam às sanções aversivas em favor de vários tipos de persuasão, como adiante veremos. Aquilo a que o leigo dá o nome de remuneração (ou recompensa) é um «reforço positivo»20, cujos efeitos têm sido exaustivamente estudados na análise experimental do comportamento operante. Como esses efeitos tendem a manifestar-se a longo prazo, não são reconhecidos com tanta facilidade como os das contingências aversivas e, por conseguinte, tem-se protelado a sua aplicação. Todavia, dispomos actualmente de técnicas tão poderosas quanto as antigas técnicas aversivas21. O comportamento gerado por reforços positivos que apenas retarde consequências aversivas cria problemas ao defensor da liberdade. E isto passa-se com elevada probabilidade quando se emprega o processo no controlo intencional, no qual o agente de controlo geralmente beneficia
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em detrimento do controlado. Os chamados reforços positivos condicionados podem muitas vezes ser utilizados com resultados aversivos retardados. O dinheiro constitui um exemplo. Só é reforçante depois de haver sido trocado por outros reforços, ainda que possa ser usado como reforço nos casos em que tal troca é impossível. Uma nota falsa, um cheque sem cobertura ou com pagamento suspenso ou ainda uma promessa não cumprida são reforços condicionados, se bem que, de uma maneira geral, as suas consequências aversivas sejam rapidamente descobertas. O arquétipo é o «burlão». O contracontrolo actua prontamente: evitamos ou atacamos aqueles que deste modo abusam dos reforços condicionados. Acontece, porém, frequentemente passar despercebido o abuso de vários reforços sociais. De uma maneira geral, as atenções pessoais, o apreço e a afeição só são reforçantes quando apresentam qualquer relação com reforços que já tenham dado provas, conquanto possam ser usados quando essa relação não existe. São falsos o apreço e o afecto simulados que costumam ser recomendados aos pais e professores para a solução de problemas de comportamento, assim como o são igualmente a adulação, as palmadinhas nas costas e muitos outros processos de «conquistar amigos». Por outro lado, pode usar-se reforços genuínos de tal modo que se revistam de consequências aversivas. Um governo pode tomar a vida mais agradável para evitar a defecção popular, proporcionando pão e circo e fomentando os desportos, o jogo, o consumo de bebidas alcoólicas e outras drogas, bem como vários tipos de comportamento sexual, quando o efeito desejado é conservar as pessoas ao alcance de sanções aversivas. Apercebendo-se da disseminação da pornografia na França do seu tempo, os irmãos Goncourt22 observavam: «A literatura pornográfica é útil a um Baixo Império... doma-se um povo como se doma leões, pela masturbação.» O reforço positivo genuíno pode igualmente prestar-se a abusos, dado que a quantidade total dos reforços não é proporcional ao efeito exercido sobre o comportamento. De um modo geral, o reforço é apenas intermitente, pelo que o programa de reforço23 (schedule of reinforcement ) é mais importante do que a quantidade recebida. Certos programas geram um comportamento bastante satisfatório em troca de um pequeno reforço, possibilidade essa que naturalmente não é desprezada pelos presumíveis agentes de controlo. Consideremos dois exemplos de programas que são facilmente aplicados com desvantagem para os indivíduos reforçados. No sistema de incentivo conhecido como pagamento por peça, o operário recebe determinada quantia por unidade executada. O sistema parece garantir o equilíbrio entre os bens produzidos e o dinheiro recebido.
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0 programa é atraente quer do ponto de vista da gerência, que pode de antemão calcular o custo da mão-de-obra, quer do operário, que pode controlar quanto ganha. Contudo, a aplicação deste programa de reforço de «razão fixa» pode ser usado para obter um elevado índice de actividade em troca de uma compensação muito pequena. Uma vez que induz o operário a trabalhar em ritmo acelerado, este programa permite o «alargamento» da razão, isto é, possibilita a exigência de maior quantidade de trabalho por unidade de pagamento, sem se correr o risco de que o operário deixe de trabalhar. A situação final - trabalho árduo e remuneração muito baixa - pode tornar-se altamente aversiva. No âmago de todos os sistemas de jogo deparamos com outro programa cognato, denominado ratio variável. A empresa que explora o jogo paga às pessoas por lhe darem dinheiro, isto é, paga-lhes quando fazem apostas. Contudo, esse pagamento processa-se num tipo de programa que favorece as apostas, ainda que, a longo prazo, a quantia paga seja menor do que a investida nas apostas. A princípio, a ratio média pode ser favorável ao apostador: ele «ganha». É possível, no entanto, manipular essa ratio de modo que o apostador continue a jogar, mesmo depois de haver começado a perder. O alargamento da ratio pode ser acidental (um período inicial de boa sorte que piora irreversivelmente pode criar um jogador inveterado) ou deliberadamente produzido por alguém que controle os lances. No fim de contas, a «utilidade» é negativa: o jogador perde tudo. Torna-se difícil lidar eficazmente com consequências aversivas retardadas, já que não ocorrem num momento em que a fuga ou o ataque sejam exequíveis (quando, por exemplo, se pode identificar ou alcançar o agente de controlo). Contudo, o reforço imediato é positivo e ninguém o põe em causa. O problema que os interessados na liberdade têm para resolver é o da criação de consequências aversivas imediatas. Um dos problemas clássicos diz respeito ao «autocontrolo»24. É o caso do indi víduo que come em excesso, adoece, mas sobrevive para voltar a empanturrar-se. É forçoso que as iguarias, ou o comportamento que suscitam, se tomem suficientemente aversivas para que a pessoa possa «fugir delas», deixando de comê-las. (Poderíamos supor que a fuga só fosse possível antes de comer, mas os romanos escapavam depois, utilizando o vomitório.) Torna-se possível condicionar estímulos aversivos comuns, o que se verifica, por exemplo, quando se diz ser um erro, pecado ou gula comer em demasia. Pode ainda declarar-se ilegais e, nessa conformidade, punir outros tipos de comportamento a suprimir. Quanto mais retardadas são as consequências, maior se toma o problema. Foram
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necessárias muitas «maquinações» para que os efeitos a longo prazo do consumo de cigarros acabassem por actuar sobre o comportamento. Um passatempo fascinante, um desporto, um caso amoroso ou uma remuneração elevada podem competir com actividades que, a longo prazo, provariam ser mais reforçantes, mas o prazo é excessivamente longo para possibilitar qualquer contracontrolo. É por esse motivo que esta forma de controlo apenas é exercida (quando chega a sê-lo) por aqueles que sofrem consequências aversivas, mas não estão sujeitos a reforços positivos. Aprovam-se leis contra o jogo; os sindicatos opõem-se ao pagamento por peça executada; proíbe-se o emprego de crianças em trabalhos assalariados ou a prática remunerada de actos imorais; estas medidas, porém, podem suscitar uma firme oposição por parte daqueles que visam proteger. O jogador opõe-se às leis contra o jogo e o alcoólico rebela-se contra qualquer tipo de proibição, do mesmo modo que uma criança ou uma prostituta podem estar dispostas a trabalhar pelo que lhes é oferecido. A literatura da liberdade jamais chegou a entrar em conflito com as técnicas de controlo que não provocam fuga ou contra-ataque, uma vez que tem abordado o problema em termos de estados de espírito e sentimentos. No seu livro Sovereignty25, Bertrand de Jouvenel cita dois expoentes dessa literatura. Segundo Leibnitz, «a liberdade consiste em poder fazer-se o que se deseja» e, para Voltaire, «quando posso fazer o que desejo, aí está a minha liberdade». Mas ambos os autores rematam assim as suas concepções: (Leibnitz) « ... ou no poder desejar-se aquilo que se pode obter»; (Voltaire, de modo mais franco) « ... mas não consigo deixar de querer aquilo que desejo». Jouvenel relega tais comentários para uma nota de fundo de página, afirmando que o poder de desejar é uma questão de «liberdade interior», (a liberdade do homem interior!) que se situa fora do «gambito da liberdade». A pessoa quer uma coisa se age no sentido de obtê-la quando se lhe depara uma ocasião. Se uma pessoa diz: «quero comer alguma coisa», presumivelmente comerá assim que dispuser de comida. Se ela diz: «quero aquecer-me», presume-se que vá para um lugar quente quando puder. Tais actos foram reforçados no passado por tudo quanto ela tenha desejado. O que a pessoa sente ao ter a sensação de que quer algo depende das circunstâncias. A comida só é reforçante num estado de privação e uma pessoa com vontade de comer pode experimentar sintomas desse estado como, por exemplo, dores de estômago. Presumimos que a pessoa com vontade de se aquecer sinta frio. Também se pode sentir determinadas condições associadas a uma grande probabilidade de resposta, a par de
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aspectos da ocasião actual que se assemelhem a ocasiões passadas em que o comportamento tenha sido reforçado. O querer não é, todavia, um
sentimento, como não é um sentimento o motivo que leva a pessoa a agir para alcançar o que quer. Determinadas contingências suscitaram a probabilidade de um dado comportamento e, ao mesmo tempo, criaram condições que podem ser sentidas. A liberdade é uma questão de contingências de reforço, e não dos sentimentos que as contingências geram. Tal distinção torna-se particularmente importante quando as contingências não suscitam fuga ou contra-ataque. E fácil de exemplificar a incerteza que envolve o contracontrolo de medidas não-aversivas. Na década dos anos 30, pareceu necessário reduzir a produção agrícola (americana). Pelo Agricultural Adjustement Act, o Secretário da Agricultura foi autorizado a efectuar «pagamentos de rendas ou subsídios» a agricultores que concordassem em produzir menos (na realidade, a indemnizar os agricultores pelo que poderiam ter ganho com os alimentos que concordaram em não produzir). Teria sido inconstitucional compeli-los a diminuir a produção, mas o governo alegou que tal medida constituía somente um convite a fazê-lo. Entretanto, o Supremo Tribunal reconheceu que a indução positiva podia ser tão irresistível quanto as medidas aversivas, ao dispor que «o poder que confere ou denega benefícios ilimitados é o mesmo que coage ou destrói»26. Posteriormente, porém, aquele tribunal revogou a decisão ao afirmar que «sustentar que a motivação ou a tentação equivalem à coerção é mergulhar o direito em dificuldades sem fim»27. Estamos, pois, a analisar algumas dessas dificuldades. Depara-se-nos a mesma questão quando um governo administra uma lotaria com vista a aumentar a receita e, consequentemente, reduzir os impostos. Em ambos os casos, o governo retira aos seus cidadãos a mesma importância em dinheiro, ainda que os contribuintes não sejam necessariamente os mesmos. Ao administrar uma lotaria, esse governo evita consequências indesejáveis, dado que as pessoas tanto podem furtar-se ao agravamento tributário mudando-se como podem contra-atacar, derrubando o governa que tenha lançado impostos extraordinários. A lotaria, que segue um programa de reforço de razão variável e elástica, não se reveste de qualquer desses efeitos. A única oposição provém daqueles que normalmente se opõem ao jogo e que raramente jogam. Um terceiro exemplo é constituído pela prática de convidar presos a servirem como voluntários em experiências que envolvem um risco possível (de novas drogas, por exemplo), oferecendo-se-lhes como recompensa melhores condições de vida ou comutações de penas.
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Toda a gente protestaria se os prisioneiros fossem forçados a participar, mas serão efectivamente livres enquanto reforçados positivamente, em es pecial quando as condições a melhorar ou as penas a comutar foram impostas pelo estado? Este problema reveste-se frequentes vezes de facetas mais subtis. Argumenta-se, por exemplo, que as práticas anticoncepcionais e o aborto não controlados não «conferem liberdade ilimitada nem para reproduzir nem para não reproduzir, por custarem tempo e dinheiro». Os membros pobres da sociedade deveriam ter uma compensação para que pudessem usufruir de uma genuína «livre escolha». Caso uma compensação justa obvie o tempo e o dinheiro necessários à prática do controlo da natalidade, então as pessoas ficam verdadeiramente livres do controlo correspondente à perda de tempo e dinheiro. Todavia, o facto de terem ou não filhos dependerá ainda de outras condições que não foram especificadas. Se uma nação reforça generosamente as práticas anticoncepcionais e o aborto, em que medida serão livres os seus cidadãos para terem ou não filhos? A incerteza que rodeia o controlo positivo transparece em dois comentários que aparecem amiúde na literatura da liberdade. Afirma-se que, conquanto o comportamento seja completamente determinado, é preferível que o homem «se sinta livre» ou que «acredite que é livre». Se tais palavras querem dizer que é melhor ser-se controlado por meios que dêem origem a quaisquer consequências aversivas, podemos estar de acordo; porém, se significam que é preferível ser-se controlado por processos contra os quais ninguém se revolta, então não levam em conta a possibilidade da existência de consequências aversivas retardadas. Encontrámos um outro comentário que nos parece mais apropriado: «É preferível ser um escravo consciente do que um escravo feliz». O termo «escravo» aclara a natureza das consequências extremas a considerar: são exploradoras, portanto aversivas. Aquilo de que o escravo deve ser consciente é da sua miséria; além disso, um sistema de escravidão tão bem concebido que não gera revolta constitui a verdadeira ameaça. A literatura da liberdade tem pretendido tomar o homem «consciente» das formas de controlo aversivo, mas, em consequência da sua escolha de métodos, acabou por não libertar o escravo feliz. Um dos grandes vultos da literatura da liberdade, Jean-Jacques Rousseau, não temia o poder do reforço positivo. Na sua obra notável, É mile19y deu os seguintes conselhos aos professores:
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P A R A A L É M DA
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«Deixai-a (a criança) acreditar que é sempre ela que detém o controlo, ainda que sejais vós professores quem realmente o faz. Não existe subjugação tão perfeita como aquela que mantém a aparência de liberdade, pois desse modo se apreende a própria volição. Não estará à vossa mercê a criancinha, que nada sabe e nada pode fazer, se nada tiver aprendido? Não podereis superintender em tudo quanto faz parte do mundo que a cerca? Não podereis influenciá-la como quiserdes? O seu trabalho, as suas brincadeiras, os seus prazeres, as suas dores, não estará tudo isso nas vossas mãos e sem que ela o saiba? Ela deverá, sem dúvida, fazer apenas o que quer, mas deverá querer fazer somente aquilo que quiserdes que ela faça; não deverá dar um passo que não tenhais previsto; não deverá abrir a boca sem que saibais o que ela irá dizer». Rousseau pôde seguir esta linha de pensamento porque tinha uma fé ilimitada na benevolência dos professores, que deviam pôr o seu controlo absoluto ao serviço do bem dos alunos. Porém, como veremos adiante, a benevolência não constitui qualquer garantia contra o mau uso do poder e foram muito poucas as figuras que, na história da luta pela liberdade, evidenciaram uma despreocupação semelhante à de Rousseau. Pelo contrário, optaram pela posição diametralmente oposta de que todo o controlo é condenável e, procedendo desse modo, exemplificam um processo comportamental denominado generalização. Muitas instâncias de controlo são aversivas, quer na sua natureza, quer nas suas consequências, pelo que deverá evitar-se todas as formas de controlo. Os puritanos levaram ainda mais longe a generalização, ao argumentarem que o reforço positivo era, na maioria dos casos, condenável, fosse ou não um produto intencional, precisamente porque criava por vezes problemas às pessoas. A literatura da liberdade tem encorajado tanto a fuga como o ataque a todos os agentes de controlo, apelidando de aversivo qualquer assomo de controlo. Afirma-se que os manipuladores do comportamento humano são homens malignos, necessariamente decididos a explorar os outros. O controlo constitui a antítese perfeita da liberdade e, se a liberdade é boa, o controlo terá de ser mau. Esta apreciação despreza as formas de controlo que não se revestem em caso algum de consequências aversivas. Muitas práticas sociais, essenciais ao bem-estar da espécie, implicam o controlo de uma pessoa por outra, pelo que ninguém que tenha um mínimo de interesse pelas realizações humanas poderá suprimir tais práticas.
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Veremos adiante que, para se manter a posição de que todo o controlo é condenável, foi necessário disfarçar ou ocultar a natureza de práticas vantajosas, dar preferência a práticas medíocres, apenas por serem susceptíveis de disfarce ou ocultação, e (resultado genuinamente extraordinário!) perpetuar medidas punitivas. O problema consiste em libertar o homem, não de todo o controlo, mas sim de certas espécies de controlo, e apenas poderá ser resolvido se a nossa análise tomar em consideração todas as consequências. O que as pessoas sentem em relação ao controlo, antes ou depois de a literatura da liberdade haver actuado sobre os seus sentimentos, não conduz a distinções proveitosas. Se não se tivesse chegado à generalização injustificada de que todo o controlo é condenável, lidaríamos com o ambiente social com a mesma simplicidade com que actuamos sobre o não-social. Se bem que a tecnologia tenha libertado o homem de certas características aversivas do ambiente, não o libertou do ambiente. Como aceitamos o facto de que dependemos do mundo que nos rodeia, limitamo-nos a alterar a natureza dessa dependência. Do mesmo modo, para libertarmos tanto quanto possível o ambiente social de estímulos aversivos, não precisamos de destruir esse ambiente nem de fugir-lhe, mas sim de planeá-lo de novo. A luta do homem pela liberdade não decorre de um desejo de ser livre, mas de determinados processos comportamentais característicos do organismo humano, cujo principal efeito é a evitação ou a fuga às particularidades «aversivas» do ambiente. As tecnologias física e biológica têm-se ocupado principalmente de estímulos aversivos naturais; a luta pela liberdade visa os estímulos intencionais criados por outros indivíduos e propõe meios de lhes fugir ou de enfraquecer ou destruir o seu poder. Ainda que tenha conseguido reduzir os estímulos aversivos utilizados no controlo intencional, a literatura da liberdade cometeu o erro de definir a liberdade em termos de estados de alma ou sentimentos, pelo que se tem revelado impotente para obstar eficazmente às técnicas de controlo que não incitam à fuga ou à revolta, mas que continuam a ter consequências aversivas. Tem sido forçada a estigmatizar todo o controlo como condenável e a deformar muitas das vantagens a desfrutar de um ambiente social. Não se encontra preparada para o passo seguinte, o qual não consistirá em libertar o homem de todo o controlo, mas antes em analisar e modificar os tipos de controlo a que se encontra exposto.
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A dignidade e o valor de uma pessoa parecem comprometidos quando dispomos de indícios de que o seu comportamento pode ser atribuído a circunstâncias externas. Com efeito, somos levados a não reconhecer merecimento à pessoa cujas realizações se devem a forças sobre as quais ela não exerce qualquer controlo. Dado que aceitamos tranquilamente certas provas de que o homem não é livre, conformamo-nos com alguns desses indícios. Ninguém fica chocado quando se atribui pormenores importantes de obras de arte ou de obras literárias, de carreiras políticas e descobertas científicas a «influências» exercidas respectivamente na vida de artistas, escritores, estadistas e cientistas. Porém, à medida que uma análise de comportamento descobre novos indícios, as realizações pelas quais a pessoa é considerada parecem aproximar-se do ponto zero, pelo que tanto os indícios como a própria ciência que os aponta são postos em causa. A liberdade é uma questão levantada pelas consequências aversivas do comportamento, ao passo que a dignidade diz respeito ao reforçamento positivo. Quando alguém age de um modo que consideramos reforçante, aumentamos as probabilidades de que volte a agir do mesmo modo, concedendo-lhe elogios ou louvores. Aplaudimos um artista precisamente para induzi-lo a repetir a sua actuação, como o atestam as expressões «Outra vez!» e «Bis!». Confirmamos o valor do comportamento de um indivíduo dando-lhe pancadinhas nas costas, exclamando «Muito bem!»
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ou «Óptimo!» ou concedendo-lhe como «símbolo do nosso apreço» um prémio, galardão ou honrarias. Alguns destes meios constituem reforços por direito próprio - a pancadinha nas costas pode ser uma espécie de
carícia e os prémios incluem reforços já reconhecidos; outros são condicionados, porquanto apenas reforçam por terem sido acompanhados ou substituídos por reforços já reconhecidos como tal. O elogio e o apreço são geralmente reforçantes porque quem elogia determinado indivíduo ou dá apreço àquilo que este fez tende a reforçá-lo de outros modos. (O reforço pode corresponder à atenuação de uma ameaça: aprovar um projecto de uma dada resolução não é muitas vezes mais do que deixar de se lhe opor.) É possível que exista uma tendência natural para reforçarmos quem nos reforça, assim como parece haver a de atacarmos quem nos ataca; no entanto, tal comportamento é gerado por muitas contingências sociais. Louvamos aqueles que trabalham em nosso benefício, uma vez que somos reforçados enquanto continuam a fazê-lo. Quando louvamos uma pessoa por algo que lhe diz respeito, estamos a identificar uma consequência reforçante adicional. Atribuir a alguém a vitória em terminado jogo é realçar o facto de que a vitória dependeu de algo que a pessoa fez, pelo que a vitória pode então tornar-se mais reforçante para o vencedor. O mérito reconhecido a uma dada pessoa está curiosamente relacionado com a visibilidade das causas do seu comportamento. Assim, negamos mérito quando essas causas são evidentes. Não costumamos, por exemplo, louvar uma pessoa por actos reflexos: não aplaudimos ninguém por tossir, espirrar ou vomitar, mesmo que os resultados sejam valiosos. Pela mesma razão, dificilmente elogiamos um dado comportamento, mesmo vantajoso, que seja claramente controlado de modo aversivo. Tal como observou Montaigne30, «tudo quanto seja praticado por imposição alheia imputar-se-á mais ao mandante do que ao executante». Não elogiamos o indivíduo abjecto, mesmo que desempenhe uma função importante. Tão-pouco louvamos o comportamento que possamos atribuir a reforço positivo evidente. Partilhamos do desprezo de lago pelo ...
«... lacaio submisso, sempre pronto a dobrar o joelho, Que, no transporte da sua obsequiosa servidão, Consome o tempo, como o asno do seu amo, Em troca apenas de um punhado de forragem ...»31 Encontrar-se sob excessivo controlo de um reforço sexual é estar
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«loucamente apaixonado» ( infatuated do lat. infatuare) e a etimologia do termo foi imortalizada por Kipling nestes versos: «Houve um tolo que fez as suas orações ... / A um farrapo, um osso e uma madeixa de cabelo De uma maneira geral, os membros das classes ociosas perderam status ao submeter-se ao reforço pecuniário, «tornando-se negociantes». Entre aqueles que são reforçados pelo dinheiro, o mérito varia normalmente consoante a conspicuidade do reforço: é menos louvável trabalhar com um salário semanal do que com uma remuneração mensal, mesmo que as quantias recebidas se equacionem. A perda de status pode constituir explicação para o facto de a maior parte das profissões só lentamente se ter submetido a um controlo económico. Durante muito tempo, os professores não receberam qualquer remuneração, presumivelmente porque isso seria incompatível com a sua dignidade. Do mesmo modo, o empréstimo de dinheiro a juros foi estigmatizado durante séculos, tendo chegado a ser punido como usura. Não dispensamos muitos elogios a um escritor por uma obra que apenas visa o sucesso comercial nem ao artista que pinta um quadro obviamente destinado a agradar ao público comprador. E, acima de tudo, não prezamos quem conspicuamente trabalha na mira de elogios. Não regateamos, todavia, elogios quando não existem razões óbvias para um determinado comportamento. À semelhança do amor não correspondido, também a arte, a música e a literatura não apreciadas são mais dignas de encómios. Os nossos elogios são inexcedíveis quando existem motivos bem claros para um comportamento diverso: por exemplo, quando o amante é maltratado ou a arte, a música e a literatura são reprimidas. Se enaltecemos quem coloca o dever acima do amor é porque o controlo exercido pelo amor é facilmente identificado. Temos por hábito louvar aqueles que vivem como celibatários, renunciam a fortunas próprias ou permanecem leais a uma causa quando perseguidos, uma vez que existem motivos óbvios para procederem de uma maneira diferente. Os nossos elogios variam consoante a amplitude das condições antagónicas. Exaltamos a lealdade segundo a intensidade da perseguição, a generosidade segundo os sacrifícios que a acompanham e o celibato segundo a propensão que o indivíduo manifesta para o comportamento sexual. Como observou La Rochefoucauld33 «nenhum homem merece ser louvado pela sua bondade, a não ser que tenha a força de carácter para ser perverso. Todas as outras virtudes não são geralmente mais do que indolência ou abulia». Quando o comportamento é explicitamente controlado por estímulos, torna-se particularmente óbvia a relação inversa entre a nossa consideração . . . »
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e a evidência das causas desse comportamento. A forma como consideramos o indivíduo que maneja um aparelho complexo varia em função das circunstâncias. Se é evidente que se limita a imitar outro operador, isto é, que outrem «lhe mostra o que deve fazer», apenas o consideramos, quando muito, por ser capaz de imitar e executar o comportamento em causa. Se estiver a seguir instruções orais de outra pessoa «que lhe diz o que deve fazer», consideramo-lo um pouco mais, pelo menos por entender o que lhe é transmitido a ponto de seguir cabalmente as instruções. Se estiver a seguir instruções escritas, consideramo-lo ainda mais por saber ler. Contudo, só o consideraremos por «saber manejar o aparelho» se o fizer sem qualquer orientação, ainda que tenha aprendido por imitação ou pela observância de instruções orais ou escritas. Por último, a nossa consideração atingirá o seu ponto culminante se foi capaz de descobrir o manejo do aparelho sem necessidade de auxílio, uma vez que desse modo não ficou em débito para com nenhum instrutor. O seu comportamento foi inteiramente moldado pelas contingências relativamente obscuras fornecidas pelo próprio aparelho, sobre as quais já não nos debruçamos. Deparam-se-nos exemplos semelhantes no comportamento verbal. Reforçamos as pessoas ao actuarem verbalmente, ou seja, pagamos-lhes para que leiam para nós, realizem conferências ou actuem em filmes e peças; usamos, porém, os elogios mais para reforçar as palavras proferidas do que o acto de falarem. Suponhamos que uma pessoa emite uma declaração importante. Será mínimo o seu mérito se ela se limitar a repetir o que outrem acabou de dizer. Se estiver a ler o texto da declaração, o seu mérito aumenta ligeiramente, em parte pelo facto de «saber ler». Se essa pessoa estiver «a falar de cor», não descortinamos qualquer estímulo, pelo que terá o mérito de «saber a declaração». Caso seja evidente que a declaração é original, que parte alguma da mesma derivou do comportamento verbal de outro indivíduo, o seu merecimento será inexcedível. A criança diligente recebe mais elogios do que aquela a quem temos de lembrar os seus deveres, já que a advertência constitui uma característica particularmente visível das contingências temporais. Reconhecemos maior mérito a quem faz cálculos «de cabeça» do que a quem os faz no papel, porquanto neste caso são evidentes os estímulos que controlam as sucessivas fases das operações. Damos mais apreço ao físico teórico do que ao experimental, uma vez que o comportamento do segundo depende nitidamente da prática e observação laboratoriais. Concedemos mais elogios aos que procedem bem sem necessidade de vigilância do que àqueles
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que precisam de ser vigiados, do mesmo modo que apreciamos mais quem fala uma língua naturalmente do que quem precisa de consultar regras gramaticais. Ao ocultarmos o controlo a fim de evitar a perda de prestígio ou reivindicar mérito que não nos pertence, estamos a reconhecer essa curiosa relação entre o mérito e a imperceptibilidade das condições controladoras. Qualquer general faz o possível por conservar a sua dignidade quando se faz transportar num jeep por terreno irregular, do mesmo modo que o flautista continua a tocar mesmo que lhe passeie pelo rosto uma mosca. Evitamos espirrar ou rir em momentos solenes e, depois de cometer um erro crasso, procuramos agir como se não o tivéssemos cometido. Submetemo-nos à dor sem titubear, comemos com afectação embora estejamos com um apetite devorador, retiramos displicentemente os nossos ganhos da mesa de jogo e corremos o risco de queimar-nos ao pousar cuidadosamente uma travessa que escalda. (Ao cuspir um pedaço de batata muito quente, Dr. Johnson pôs em causa o valor deste acto, exclamando para os surpreendidos convivas: «Um tolo tê-lo-ia engolido!») Por outras palavras, resistimos a quaisquer condições em que actuemos de modo pouco digno. Procuramos aumentar o nosso valor disfarçando ou encobrindo formas de controlo. O locutor de televisão utiliza uma espécie de ponto que é invisível para o espectador, do mesmo modo que o conferencista só sub-repticiamente relanceia os olhos pelas suas notas, pelo que ambos dão a impressão de falar de memória ou improvisar quando, na realidade, (o que é menos louvável) estão a ler. Tentamos fazer com que nos tenham em melhor conta inventando motivos menos coercivos para a nossa conduta. «Salvamos as aparências», atribuindo o nosso comportamento a causas menos visíveis ou menos imperiosas - comportando-nos, por exemplo, como se não nos encontrássemos sob uma ameaça. Para imitarmos São Jerónimo, fazemos da necessidade uma virtude, agindo com prontidão quando nos forçam a agir como se estivéssemos livres de qualquer coacção. Encobrimos a coacção fazendo mais do que somos obrigados: «Se alguém te obrigar a caminhar uma milha, acompanha-o em duas»34. A fim de evitarmos o descrédito motivado por procedimento censurável, alegamos motivos irresistíveis, como observou Choderlos de Laclos em As Ligações Perigosas: «A mulher tem de ter um pretexto para entregar-se ao homem. E qual deles será melhor do que parecer ceder à força?» Aumentamos a consideração que nos é devida expondo-nos a situações que habitualmente suscitam comportamento indigno, ao mesmo tempo
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que nos eximimos a agir dessa forma. Buscamos condições que tenham reforçado positivamente determinado comportamento para, em seguida, nos abstermos de adoptá-lo. Cortejamos a tentação, do mesmo modo que o santo exacerbava as virtudes da vida eremítica através da proximidade voluntária de belas mulheres ou deliciosas iguarias. Continuamos a mortificar-nos, à semelhança do que fazem os flageladores, se bem que pudéssemos deixar de fazê-lo de um momento para o outro, ou a submeter-nos ao destino do mártir quando poderíamos evitá-lo. Quando está em causa a consideração a tributar aos outros, minimizamos a evidência das causas do seu comportamento. Preferimos recorrer a admoestações suaves do que a castigos, já que os reforços condicionados dão menos nas vistas do que os não-condicionados e a evitação constitui um procedimento mais louvável do que a fuga. Preferimos dar ao aluno uma pista a dizer-lhe toda a resposta, pela qual será considerado caso a sugestão lhe baste. Limitamo-nos a sugerir ou aconselhar de preferência a dar ordens. Damos o nosso beneplácito àqueles que, inevitavelmente, vão proceder de forma repreensível, como sucedeu com aquele bispo que, ao presidir a um jantar, declarou: «Podem fumar os que tiverem de fazê-lo». Ao aceitar as explicações que nos dão sobre o seu comportamento, por mais inverosímeis que sejam, estamos a ajudar aqueles que procuram salvaguardar o seu prestígio. Pomos à prova o merecimento de uma dada pessoa, proporcionando- lhe razões para que proceda de modo pouco louvável. A paciente Griselda, figura feminina da galeria chauceriana, provou a sua fidelidade ao marido, resistindo às prodigiosas razões que este lhe deu para ser infiel. Elogiar em proporção inversa à evidência das causas do comportamento poderá constituir uma simples questão de boa administração. Como é natural, somos criteriosos na utilização dos nossos recursos: não há o mínimo interesse em louvarmos alguém por determinado acto que de qualquer modo iria praticar e avaliamos as probabilidades pelos dados de que dispomos. Sentimo-nos particularmente inclinados a louvar uma dada pessoa quando não conhecemos outro meio de conseguir resultados ou não existem outros motivos que a levem a agir de modo diferente. Não dispensamos elogios que não produzam efeitos. Não desperdiçamos encómios com actos reflexos, já que só muito dificilmente poderão ser consolidados (se é que alguma vez chegam a sê-lo) através de reforço operante. Não elogiamos as pessoas por actos casuais, e calamo-nos quando o seu mérito é reconhecido por outrem. Não louvamos, por exemplo, as pessoas que dão esmolas e o apregoam antecipadamente35, uma vez
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que «isso é que é a recompensa». (Um judicioso emprego de recursos torna-se amiúde mais perceptível no que diz respeito às punições. Não desperdiçamos castigos que não sirvam para operar qualquer efeito, como no caso de comportamento acidental ou proveniente de um atrasado ou psicopata.) A boa administração dos nossos recursos pode também explicar por que não concedemos aplausos a quem obviamente só trabalha para obtêlos. Um comportamento só é digno de elogios quando ultrapassa os limites do meramente louvável. Se aqueles que trabalham por elogios só conseguem produzir desta maneira, então o elogio está a ser malbaratado, podendo ainda interferir nos efeitos de outros aspectos. O jogador que só busca os aplausos, que «joga para a bancada», é menos susceptível às contingências do jogo em que participa. Parecemos interessar-nos por esse emprego criterioso quando qualificamos recompensas ou punições de me- recidas ou imerecidas, de justas ou injustas. Preocupamo-nos com o «merecimento» de uma dada pessoa ou, segundo o dicionário, com «aquilo de que é legitimamente digna, ou a que tenha justamente direito, ou que possa reivindicar legitimamente por acção praticada ou qualidades demonstradas». Uma recompensa excessivamente generosa ultrapassa o necessário para manter o comportamento e torna-se particularmente injusta, quando nada se fez para justificá-la ou quando o comportamento merece castigo. Uma punição exagerada constitui igualmente uma injustiça, especialmente quando nada se fez para merecê-la ou quando se procedeu bem. As consequências desproporcionais podem criar problemas - a boa fortuna reforça muitas vezes a indolência, ao passo que o infortúnio não poucas vezes vem munir a diligência. (Os reforços em questão não são necessariamente administrados por outras pessoas. A boa ou má sorte causam problemas quando imerecidas.) Tentamos corrigir contingências imperfeitas quando alvitramos que uma pessoa deveria apreciar a sua boa sorte. Queremos com isso dizer que, daí em diante, ela deveria agir de maneira que todos os seus actos fossem justamente reforçados pelo que já recebeu. Com efeito, sustentamos que o homem só pode apreciar aquilo que se esforçou para conseguir. (E significativa a etimologia do termo «apreciar»: apreciar o comportamento de uma dada pessoa consiste em dar-lhe um preço. «Consideração» e «respeito» são termos aparentados. «Consideramos» o comportamento, no sentido em que aferimos a adequação do reforçamento. «Respeitamos» por simples observação. Assim, respeitamos um adversário poderoso, no sentido de que fazemos caso da sua força. O indivíduo conquista respeito
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ao tornar-se notado e não respeitamos aqueles a quem «não prestamos atenção». Não há dúvida de que reparamos naquilo que consideramos ou apreciamos, mas isso não significa que, agindo desse modo, estejamos necessariamente a atribuir-lhe qualquer valor.) Na nossa preocupação com a dignidade ou o mérito existe algo para além da administração racional ou da avaliação adequada de reforços. Não só louvamos, elogiamos, consideramos ou aplaudimos uma dada pessoa, como ainda a «admiramos», termo este que tem quase o sentido de «maravilhar-se com» ou «deslumbrar-se com». Dado que reverenciamos o inexplicável, não causa surpresa que a nossa admiração tenda a aumentar à medida que diminui a nossa compreensão. E, claro, atribuímos ao homem autónomo aquilo que não entendemos. Ao recitar um longo poema, o antigo trovador devia dar a impressão de possesso (chegando mesmo a invocar uma musa para que o inspirasse), assim como o actor que recita falas decoradas parece possuído pela personagem que representa. Os deuses falavam através de oráculos e sacerdotes que divulgavam os textos sagrados. As ideias surgem milagrosamente nos processos mentais inconscientes dos matemáticos intuitivos, que, por essa razão, são alvo de uma admiração maior do que a consagrada aos matemáticos que empregam um método racional. O génio criador36 de um artista, compositor ou escritor é uma espécie de génio mitológico. Damos a impressão de recorrer ao «miraculoso» quando admiramos um certo comportamento, pois não dispomos de outro modo de forta lecê-lo. Podemos coagir soldados a arriscar a vida, ou pagar-lhes generosamente para que o façam, sem que os admiremos em qualquer destes casos; porém, nada parece existir, além da admiração, para induzir um indivíduo a arriscar a vida quando não é «forçado», a isso ou não existe qualquer recompensa óbvia. Torna-se clara uma diferença entre exprimir admiração e elogiar quando admiramos um comportamento que não possa ser influenciado por tal admiração. Podemos apelidar de admirável uma realização cientíca, uma obra de arte, uma peça musical ou um livro, mas de tal modo ou num momento em que não influenciemos o cientista, o artista, o compositor ou o escritor, mesmo que os elogiássemos e lhes oferecêssemos outras formas de apoio se estivessem ao nosso alcance. Admiramos os dons genéticos - a beleza física, habilidade ou bravura de uma raça, família ou indivíduo - mas sem o propósito de modificá-los. (A admiração pode acabar por modificar a herança genética através da mudança dos espécimes de criação seleccionados, se bem que numa escala de tempo muito diversa.)
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O que podemos designar por luta pela dignidade apresenta muitas características comuns à luta pela liberdade. A remoção de um reforço positivo é aversiva, pelo que, quando se retira a um dado indivíduo consideração ou admiração ou ainda oportunidade de ser elogiado ou admirado, este reage em conformidade: ou foge daqueles que lhe causam tal privação ou ataca-os com o propósito de diminuir a sua eficácia. A literatura da dignidade identifica os infractores do mérito alheio, descreve as suas práticas e sugere medidas a tomar. À semelhança da literatura da liberdade, aquela não se ocupa desenvolvidamente da simples fuga, provavelmente porque são dispensáveis instruções. Em seu lugar, a literatura da dignidade concentra-se em enfraquecer aqueles que menosprezam os outros. Raramente as suas medidas são tão violentas quanto as preconizadas pela literatura da liberdade, talvez pelo facto de a desconsideração ser de um modo geral menos aversiva do que a dor ou a morte. Na verdade, tais medidas costumam ser meramente verbais: reagimos contra aqueles que nos recusam elogios a que nos sentimos com direito e, para tanto, protestamos, impugnamo-los ou condenamo-los e às suas práticas. (Damos habitualmente o nome de ressentimento àquilo que uma pessoa sente quando protesta e que, significativamente, se define como «a expressão de vivo melindre» porém, não protestamos porque sentimos ressentimento. Protestamos e sentimos ressentimento por termos sido privados da oportunidade de ser admirados ou considerados.) Grande parte da literatura da dignidade ocupa-se da justiça e adequação de recompensas e punições. Tanto a liberdade como a dignidade estão em jogo quando se analisa a conveniência de uma punição. Introduzemse nesta literatura práticas económicas com vista à determinação de um preço ou salário justo. O primeiro protesto da criança - «Isso não é justo!» - diz geralmente respeito à amplitude de uma recompensa ou punição. Interessamo-nos neste ponto pela parte da literatura da dignidade que protesta contra a usurp ação do valor pessoal. A pessoa protesta (e eventualmente sente-se indignada) quando desnecessariamente a acotovelam, fazem cair ou empurram, quando a forçam a trabalhar com ferramentas impróprias, fazem com que se tome ridícula com novidades do género carnavalesco ou coagem a comportar-se de modo aviltante, como numa prisão ou campo de concentração. Protesta e ressente-se com qualquer acréscimo de controlo desnecessário. Ofendemo-la quando pretendemos pagar-lhe serviços que desempenhou como um favor, dado que subentendemos menos generosidade ou boa vontade da sua parte. O aluno protesta quando lhe fornecemos uma resposta que sabia, porque
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destruímos o elogio que merecia por sabê-la. Dar a um devoto uma prova da existência de Deus é destruir a sua pretensão de fé pura. O místico não vê com bons olhos a ortodoxia; o antinomismo defendia que proceder bem em obediência a normas não constitui sinal de genuína bondade. Não é com facilidade que demonstramos virtudes cívicas na presença da polícia. Exigir a um cidadão que assine um juramento de lealdade é destruir parte da lealdade que poderia de outro modo reivindicar, uma vez que todo o comportamento leal subsequente poderá ser atribuído ao juramento. O artista põe objecções (e leva a mal) quando lhe dizem estar a pintar um tipo de quadro que se vende bem. Do mesmo modo reage o escritor a quem apontam produzir obras puramente comerciais ou ainda o deputado a quem acusam de apoiar determinada medida com vista a obter votos. É provável que protestemos (com ressentimento) se nos disserem que estamos a imitar uma pessoa admirada ou que nos limitamos a repetir o que ouvimos dizer ou lemos em livros. Opomo-nos (com ressentimento) a qualquer referência de que as consequências aversivas a despeito das quais procedemos bem não são importantes. Assim, não admitimos que nos digam que a montanha que estamos prestes a escalar não é realmente difícil, que o inimigo que vamos atacar não é efectivamente temível, que o trabalho que temos em mãos não é verdadeiramente árduo ou, como La Rochefoucauld, que procedemos bem porque não temos a força de carácter necessária para proceder mal. Quando R W. Bridgman argumentava que os cientistas sentem-se particularmente inclinados a admitir e corrigir os seus erros visto que na ciência um erro não demora a ser descoberto, pensou-se que ele contestava a virtude dos cientistas. De longe em longe, os progressos verificados na tecnologia física e biológica deram a impressão de ameaçar o valor ou a dignidade ao reduzirem as oportunidades do homem receber louvores ou ser alvo de admiração. A ciência médica restringiu a necessidade de se sofrer em silêncio e, portanto, as oportunidades de se ser admirado por tal. As edificações à prova de fogo não deixam lugar a bombeiros corajosos, assim como barcos e aviões seguros tomam desnecessários marinheiros e pilotos corajosos. Os modernos estábulos de gado leiteiro não precisam dos recursos de um Hércules37. Quando se toma desnecessário qualquer trabalho exaustivo e perigoso, as pessoas que se distinguiam pela sua capacidade de trabalho e coragem parecem-nos simplesmente ridículas. Neste ponto, a literatura da dignidade entra em conflito com a literatura da liberdade, a qual favorece uma redução dos aspectos aversivos da vida
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quotidiana, tornando o comportamento menos árduo, perigoso ou doloroso; contudo, acontece por vezes que um certo interesse pelo valor pessoal triunfa sobre a libertação de estímulos aversivos. É o caso, por exemplo, quando o parto sem dor, independentemente da problemática médica, não é tão prontamente aceite quanto a cirurgia dentária indolor. J. F. C. Fuller, perito militar, escreveu: «Concede-se as mais altas recompensas militares por bravura e não por inteligência, do mesmo modo que a introdução de qualquer arma moderna que prejudique o valor individual suscita oposição.» Há ainda quem se oponha a certos instrumentos destinados a poupar trabalho humano, baseando-se no facto de que reduzem o valor do produto. Presumimos que os serradores manuais se tenham oposto à introdução de serrações e tenham-nas destruído porque sentiam os seus empregos ameaçados, mas não deixa igualmente de ser significativo que as serrações reduziram o «valor» do trabalho manual ao fazerem baixar o valor das pranchas serradas. Neste conflito, porém, a liberdade geralmente triunfa sobre a dignidade. As pessoas têm sido admiradas por se sujeitar ao perigo, a trabalhos penosos e à dor, mas quase toda a gente está pronta a renunciar aos aplausos que recebe em tais circunstâncias. Uma tecnologia comportamental não é tão facilmente aceite quanto a tecnologia física e biológica, dado que constitui uma ameaça para um excessivo número de qualidades ocultas. A grande invenção que foi o alfabeto possibilitou ao homem armazenar e transmitir registos do seu comportamento verbal e ainda aprender com pequeno esforço aquilo que outros aprenderam de modo mais árduo, isto é, colher ensinamentos de livros e não de um contacto directo, possivelmente doloroso, com o mundo real. Todavia, enquanto o homem não compreendeu as extraordinárias vantagens de ser capaz de aprender através das experiências alheias, esteve em causa a aparente destruição do mérito pessoal. No Fedro de Platão, Thamus, rei egípcio, protesta, afirmando que quem aprende por livros apenas tem uma amostra de sabedoria e não a própria sabedoria. Ler simplesmente o que outrem escreveu é menos louvável do que dizer o mesmo por razões ocultas. A pessoa que lê um livro parece ser omnisciente, mas, segundo Thamus, ela «não sabe nada». E, no caso de se usar um texto como auxiliar de memória, Thamus sustentava que esta cairia em desuso. A leitura é menos louvável do que a recitação do que já se aprendeu. E existem muitos outros processos de uma tecnologia comportamental reduzir as oportunidades de sermos admirados, limitando as necessidades de trabalho exaustivo, doloroso e perigoso. A régua de cálculo, a máquina de calcular e o computador são inimigos da mente aritmética; neste caso,
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porém, os ganhos conseguidos com a libertação de estímulos aversivos poderão compensar qualquer perda de admiração. Podemos ter a impressão de que não existem compensações quando a dignidade ou o valor parecem ficar diminuídos em consequência de uma análise científica de base, isto para além de quaisquer aplicações tecnológicas. É da natureza do progresso científico que o homem autónomo perca, uma a uma, as suas funções à medida que vamos compreendendo melhor o papel do ambiente. As concepções científicas parecem aviltantes porquanto nada é deixado para crédito do homem autónomo. E, quanto à admiração no sentido de deslumbramento, o comportamento que admiramos é aquele que não somos ainda capazes de explicar. A ciência procura naturalmente dar uma explicação mais pormenorizada desse comportamento: o seu propósito consiste na destruição do misterioso. Os defensores da dignidade protestarão, mas, ao fazê-lo, estão a adiar uma realização pela qual, para empregarmos termos tradicionais, o homem receberia os maiores louvores e seria alvo da maior admiração. Reconhecemos a dignidade ou o valor de um indivíduo quando o louvamos pelo que fez. Os elogios que lhe dedicamos são inversamente proporcionais à evidência das causas do seu comportamento. Se ignoramos por que razão uma pessoa age de uma dada maneira, atribuímos o comportamento à própria pessoa. Tentamos granjear um mérito maior para nós próprios ocultando as razões por que procedemos de determinado modo ou alegando ter actuado por motivos menos poderosos. Evitamos privar os outros do reconhecimento a que têm direito, controlando-os de uma forma imperceptível. Admiramos as pessoas na medida em que somos incapazes de explicar o que fazem, pelo que neste caso o termo «admirar» significa «maravilhar-se com». O que podemos designar por literatura da dignidade tem por objecto a preservação da consideração devida a alguém. Poderá opor-se aos progressos tecnológicos, inclusive a uma tecnologia comportamental, uma vez que estes destroem oportunidades de sermos admirados, e a uma análise básica, já que esta oferece uma outra explicação de formas de comportamento pelas quais o indivíduo fora anteriormente prezado. Deste modo, a literatura da dignidade estorva ulteriores realizações humanas.
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Definimos por vezes a liberdade como a ausência de resistência ou toihimento. Uma roda gira livremente se houver pouca fricção no rolamento, um cavalo liberta-se do poste a que o amarraram, um homem solta-se do galho a que ficou preso ao trepar a uma árvore. O toihimento físico é uma situação óbvia, que parece da maior utilidade na definição da liberdade; porém, no tocante a questões importantes não passa de uma metáfora pouco adequada. É certo que se tolhe os movimentos dos indivíduos por meio de cadeias, algemas, coletes-de-forças e muros de prisões e de campos de concentração, mas aquilo a que podemos chamar controlo comportamental - as limitações impostas mediante contingências de reforço - constitui algo muito diferente. À excepção dos casos em que é submetido a limitações de natureza física, o indivíduo atinge o seu estado de menor liberdade ou dignidade quando se encontra sob a ameaça de punição, o que, infelizmente, é frequente acontecer à maior parte das pessoas. A punição38, muito comum na natureza, ensina-nos muito. A criança corre desajeitadamente, cai e magoa-se; toca numa abelha e sofre uma ferroada; tira um osso a um cão e é mordida. Daí que aprenda a não reincidir. Foi sobretudo com vista a evitar diversas formas de punição natural que o homem construiu um mundo mais confortável e menos perigoso. O termo punição circunscreve geralmente contingências intencionalmente criadas por outras pessoas, já que os resultados constituem reforços para elas. (As contingências punitivas não devem ser confundidas com controlo aversivo, mediante o qual se induz as pessoas a agir de
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determinada maneira. A punição é utilizada a fim de induzir as pessoas a não agir de determinado modo.) Recorre-se à punição quando se critica,
ridiculariza, censura ou ataca fisicamente outrem com vista a reprimir um comportamento indesejável. É frequente definir-se o governo em termos de poder punitivo, enquanto algumas religiões ensinam que a um comportamento pecaminoso se seguirão horrendos castigos eternos. Seria de esperar que as literaturas da liberdade e da dignidade se opusessem a tais medidas e trabalhassem por um mundo onde a punição fosse menos comum ou mesmo inexistente e, até certo ponto, é o que têm feito. Todavia, são ainda usuais as sanções punitivas. Para nos controlarmos reciprocamente, ainda recorremos com mais frequência à repreensão ou à acusação do que ao elogio ou ao louvor; as forças armadas e a polícia continuam a ser as armas mais poderosas do governo; ocasionalmente, os devotos são ainda levados a pensar no fogo do inferno, enquanto os professores puseram de lado as reguadas apenas para substituí das por formas mais subtis de punição. E o que constitui facto curioso é que os defensores da liberdade e da dignidade não só não se opõem a tais medidas como ainda são, em grande parte, responsáveis por continuarem a vigorar entre nós. Só poderemos entender este estranho estado de coisas se analisarmos o modo como os organismos reagem a contingências punitivas. As punições visam eliminar, de um dado conjunto, formas de comportamento ineptas, perigosas ou de outro modo indesejáveis, partindo para isso do pressu posto de que o indiv íd uo punid o terá menos probabilidades de reincidir. Infelizmente, a questão não é tão simples como isso. Recompensas e castigos não diferem somente na orientação das modificações que produzem. A criança que tenha sido severamente castigada por práticas sexuais não se sente necessariamente menos inclinada a persistir nessas práticas, do mesmo modo que o indivíduo preso por agressão violenta não sentirá uma propensão menor para a violência. Os comportamentos que foram sujeitos a punição ressurgem provavelmente após a remoção das contingências punitivas. O que parecem ser os desejados resultados da punição podem muitas vezes explicar-se de outras formas. A punição pode, por exemplo, gerar emoções incompatíveis. Um rapaz severamente punido por práticas sexuais poderá perder a «disposição» para continuar, e a fuga ao agente de punição é incompatível com a acção de atacá-lo. Através do condicionamento, futuras ocasiões para práticas sexuais ou agressões violentas poderão evocar um comportamento
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também incompatível. O efeito sentido será vergonha, culpa ou um sentimento de pecado consoante a punição tenha sido aplicada pelo pai, mãe ou companheiro, pelo governo ou pela igreja, res-pectivamente. A condição aversiva suscitada pela punição (e sentida daquelas diferentes maneiras) tem um efeito muito mais importante. Literalmente falando, o indivíduo pode passar a agir «de molde a evitar ser punido», deixando de praticar actos passíveis de punição. Existem, todavia, outras possibilidades, algumas das quais são desagregadoras e prejudiciais à adaptação ou neuróticas, tendo sido por essa razão objecto de aturados estudos. Afirma-se que os chamados «dinamismos» freudianos39 são processos segundo os quais se manifestam desejos reprimidos que escapam ao censor embora possam ser simplesmente interpretados como meios de se evitar castigos. Deste modo, a pessoa pode agir de maneiras que não serão punidas porque não podem ser vistas como, por exemplo, se fanta siar ou sonhar. Pode sublimar desde que se entregue a um comportamento de efeitos igualmente reforçantes, mas que não é punível. Pode transferir (displace) um comportamento punível, orientando-o para objectos que não sejam susceptíveis de infligir punição: pode, por exemplo, agir agressivamente contra objectos, crianças ou animais pequenos. Pode observar outras pessoas que pratiquem actos puníveis, assim como ler a seu respeito, identificando-se com elas, ou ainda interpretar o comportamento alheio como passível de punição, projectando assim as suas próprias tendências. Pode ainda racionalizar o seu comportamento, procurando, para si ou para os outros, motivos que o tomem impunível, como sucede se alegar que castiga uma criança para beneficiá-la. Existem meios mais eficazes de evitar punições. Podemos evitar circunstâncias em que é provável agirmos de um modo punível. Aquele indivíduo que já foi punido por embriaguez poderá «voltar costas à tentação», mantendo-se afastado de lugares onde possa beber demais; o estudante que tenha sido punido por não estudar poderá evitar situações que o distraiam do seu trabalho. Outra estratégia consiste em modificar o ambiente para que o comportamento tenha menos probabilidades de ser punido. Quando consertamos uma escada partida a fim de diminuirmos as nossas probabilidades de queda, estamos a reduzir contingências punitivas naturais, do mesmo modo que enfraquecemos contingências punitivas sociais ao associarmo-nos a amigos mais tolerantes. Uma outra estratégia consiste em alterar as probabilidades de que ocorra determinado comportamento passível de punição. O indivíduo que é frequentemente castigado por se encolerizar facilmente poderá contar
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até dez antes de passar à acção e, se a sua inclinação para a agressividade baixar, durante a contagem, até um nível fácil de governar, evitará deste modo a punição. Ou poderá reduzir as probabilidades de ocorrência desse comportamento pela modificação do seu estado psicológico, controlando, por exemplo, a agressividade por meio de um tranquilizante. Os homens têm mesmo recorrido a meios cirúrgicos (castrando-se, por exemplo, ou cortando a mão que ofende, em obediência à injunção bíblica)40. As contingências punitivas podem também induzir o indivíduo a procurar ou a construir ambientes onde tenha probabilidades de praticar actos que substituam comportamentos passíveis de punição. Pode evitar complicações mantendo-se ocupado com actividades impuníveis, obstinando-se em «jogar pelo seguro». (Muitas formas de comportamento que se nos afiguram irracionais, no sentido em que parecem não ter quaisquer consequências positivamente reforçadoras, podem ter o efeito de substituir comportamentos sujeitos a punição.) A pessoa pode mesmo recorrer ao fortalecimento de contingências que a ensinam a deixar de praticar actos passíveis de punição: pode, por exemplo, ingerir drogas sob cuja influência o fumo ou o álcool produzem fortes consequências aversivas, como a náusea, ou submeterse a mais pesadas sanções éticas, religiosas ou governamentais. A tudo isto podemos recorrer a fim de reduzir as probabilidades de punição, ainda que também possamos ficar a dever tais estratégias aos outros. A tecnologia física reduziu o número de ocasiões em que somos punidos por agentes naturais, assim como o ambiente social tem sido transformado de modo a diminuir as probabilidades de punição por parte de outras pessoas. Consideremos agora algumas estratégias que nos são familiares, Um comportamento punível poderá ser minimizado se criarmos circunstâncias em que a sua ocorrência seja improvável. O arquétipo para este caso é o claustro. Num mundo onde apenas se dispõe de uma alimentação simples e em quantidade moderada, ninguém está sujeito à punição natural decorrente de comer em excesso, à punição social representada pela reprovação ou à punição religiosa da gula como pecado venial. Com a segregação dos sexos, tornam-se impossíveis práticas heterossexuais, do mesmo modo que a ausência de material pornográfico impossibilita o comportamento sexual substituto despertado pela pornografia. A «Lei Seca» (americana) constituiu um esforço para controlar o consumo do álcool removendo-o do ambiente. Continua a ser adoptada em alguns estados e quase universalmente, na medida em que é proibida a venda de álcool a menores ou a qualquer indivíduo a certas horas do
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dia ou em determinados dias. Os cuidados com os alcoólicos hospitalizados implicam geralmente o controlo do abastecimento de bebidas alcoólicas. Também é deste modo controlado o uso de outras drogas que originam viciação. Através do confinamento em solitária, onde não pode agredir ninguém, suprime-se um comportamento agressivo que, de outro modo, seria incontrolável. Controla-se o roubo trancando tudo quanto tenha probabilidades de ser roubado. Outra possibilidade consiste em eliminar as contingências que reforçam um comportamento sujeito a punição. Os acessos de ira esvaem-se muitas vezes quando deixamos de lhes prestar atenção; o comportamento agressivo enfraquece quando se tem a certeza de que nada se ganha com ele e controla-se a gula tomando os alimentos menos saborosos. Outra técnica consiste em organizar circunstâncias em que um dado comportamento possa ocorrer sem que seja punido. São Paulo recomendava o casamento como meio de reduzir formas repreensíveis de comportamento sexual, assim como se tem recomendado a pornografia pelas mesmas razões. A literatura e a arte permitem a «sublimação» de outros tipos de comportamento problemático. Um comportamento punível é igualmente susceptível de repressão através do reforçamento intenso de qualquer comportamento que o substitua. Promove-se por vezes desportos com a justificação de que criam um ambiente onde os jovens se encontram demasiado ocupados para levantar problemas. Caso falhem todas estas técnicas, pode ainda reduzir-se as probabilidades de ocorrência de um comportamento punível através da alteração das condições psicológicas. Pode usar-se hormonas para modificar o comportamento sexual, a cirurgia (como é o caso da leucotomia ou lobotomia) para refrear a violência, tranquilizantes para controlar a agressividade e drogas que reduzem o apetite a fim de combater a gula. Não há dúvida de que tais medidas são muitas vezes incompatíveis entre si, além de que podem revestir-se de consequências imprevisíveis. Ficou provado durante a «Lei Seca» que é impossível controlar o abastecimento de álcool e a separação dos sexos pode conduzir a um indesejável homossexualismo. A excessiva repressão de um dado comportamento que, caso contrário, seria intensamente reforçado poderá suscitar rebelião em relação a quem pune. Todavia, tais problemas são, em princípio, solúveis e deveria ser possível construir um mundo onde raramente ou nunca ocorressem comportamento passíveis de punição. Tentamos criar um mundo como esse para aqueles que são incapazes, por si próprios, de resolver o problema da punição, como os bebés, os
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atrasado s ou os psicopatas. E, se tal projecto pudesse ser extensível a toda a gente, muito tempo e energia seriam poupados. Os defensores da liberdade e da dignidade opõem-se a esta maneira de resolver o problema da punição, pois são de opinião de que um mundo assim só produz bondade automática. T. H. Huxley nada via de errado nesse projecto: «Se um alto poder concordasse em fazer-me pensar sempre
no que é verdadeiro e fazer sempre o que é justo, com a condição de me transformar numa espécie de relógio a que se desse corda todas as manhãs antes de sair da cama, eu aceitaria sem demora tal oferta.»41 Todavia, Joseph Wood Krutch refere-se-lhe como a posição quase inacreditável de um «protomoderno», partilhando do desprezo de T. S. Eliot pelos «sistemas tão perfeitos que ninguém precisará de ser bom.»42 O problema é que, quando castigamos alguém por haver procedido mal, deixamos que lhe caiba a descoberta do modo como proceder bem, pelo que passará então a ter mérito pelo seu comportamento. Contudo, se o indivíduo proceder bem pelas razões que acabamos de examinar, é o ambiente que se toma credor de louvores. Está, portanto, em causa um dos atributos do homem autónomo: o homem só procederá bem porque é bom. Sob um sistema «perfeito», ninguém precisa de ser bom. É claro que existem razões válidas para que prezemos menos uma pessoa que seja apenas automaticamente boa, já que o seu mérito é menor. Num mundo em que não precise de trabalhar aturadamente, ela não aprenderá a suportar trabalho árduo. Num mundo em que a ciência médica tenha aliviado o sofrimento, não aprenderá a receber estímulos dolorosos. Num mundo que promova a bondade automática, não aprenderá a associar as punições ao comportamento mau. A fim de preparar as pessoas para um mundo em que não sejam automaticamente boas, precisamos de uma instrução adequada, sem que isso implique a criação de um ambiente permanentemente punitivo; também não existem razões que impeçam a evolução em direcção a um mundo onde as pessoas sejam automaticamente boas. O problema reside, sim, em induzir as pessoas não a serem boas, mas a procederem bem. O problema volta a ser a visibilidade do controlo. A medida que as contingências ambientais se tomam mais difíceis de apreender, a bondade do homem autónomo torna-se mais aparente e existem várias razões para que o controlo punitivo se tome menos evidente. Uma maneira simples de evitar a punição consiste em evitar agentes de punição: as práticas sexuais tornam-se sub-reptícias e um indivíduo violento só ataca quando
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a polícia não estiver perto. O agente punitivo pode, no entanto, obviar tais situações pela dissimulação. É frequente os pais espiarem os filhos, enquanto os polícias vestem à paisana, pelo que nestes casos a fuga assume formas mais subtis. Se os automobilistas só obedecem às leis de limitação de velocidade sob vigilância policial, a velocidade pode ser verificada por radar; porém, os automobilistas podem instalar um instrumento electrónico que lhes assinale o funcionamento do radar. Um estado que transforme todos os cidadãos em espiões ou uma religião que defenda o conceito de um Deus que tudo vê tomam a fuga ao agente punitivo praticamente impossível, pelo que as contingências punitivas atingem desse modo a sua máxima eficácia. As pessoas procedem bem mesmo que não haja qualquer supervisão visível. Contudo, a ausência de um supervisor é facilmente mal interpretada. É corrente afirmar-se que o controlo se torna interiorizado, o que é somente uma nova maneira de dizer que passa do ambiente para o homem autónomo; o que sucede, porém, é que se torna menos visível. Um tipo de controlo dito interiorizado é representado pela consciência judaico-cristã e pelo superego freudiano. Estes agentes interiores falam numa voz fraca e inaudível, ditando à pessoa o que fazer e, em especial, o que não fazer. As suas palavras são adquiridas na comunidade. A consciência e o superego são os delegados da sociedade, sendo as suas origens externas reconhecidas tanto por teólogos como por psicanalistas. Enquanto o velho Adão ou o id falam a favor do bem pessoal, determinado pela constituição genética do homem, a consciência ou o superego falam em favor do que é bom para os outros. A consciência ou superego não resulta simplesmente da ocultação em relação a agentes punitivos, já que representa uma série de práticas auxiliares que tomam as sanções punitivas mais eficazes. Ajudamos uma pessoa a evitar ser punida, referindo-lhe contingências punitivas; adver timo-la para que não proceda de molde a ter probabilidades de ser punida e aconselhamo-la a proceder de modos que não serão punidos. São em grande número as leis, religiosas e seculares, que têm tais consequências: descrevem as contingências nas quais se pune certas formas de comportamento e outras não. As máximas, provérbios e outras formas da sabedoria popular fornecem-nos geralmente normas úteis. «Olha antes de saltar» é um conselho derivado da análise de certos tipos de contingências: quando salta sem olhar, a pessoa tem mais probabilidades de ser punida do que se olhar e, possivelmente, não saltar ou se saltar com mais perícia. «Não roubarás» é uma injunção decorrente de contingências sociais: a sociedade pune quem rouba.
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Ao respeitar as regras que outros formularam a partir de contingências punitivas dos ambientes natural e social, a pessoa pode muitas vezes evitar ou escapar a punições. Tanto as normas como as contingências que suscitam um comportamento de observância a normas podem ser evidentes, embora possam igualmente ser aprendidas e recordadas posteriormente, pelo que tal processo se toma então invisível. O indivíduo diz a si próprio o que fazer e o que não fazer, logo é fácil passar-lhe despercebido o facto de que tal comportamento foi-lhe ensinado pela comunidade verbal. Quando a pessoa extrai, de uma análise das contingências punitivas, as suas próprias regras, há maiores probabilidades de a louvarmos pelo bom comportamento que se seguir, mas o que aconteceu foi que os estádios visíveis mergulharam já na história. Quando as contingências punitivas fazem simplesmente parte do ambiente não-social, torna-se razoavelmente evidente o que decorre à nossa volta. Não permitimos que o indivíduo aprenda a conduzir um automóvel expondo-o a sérias contingências punitivas: não o mandamos sem preparação para uma auto-estrada movimentada, considerando-o responsável por tudo quanto suceder. Instruímo-lo a fim de que guie com segurança e perícia. Ensinamos-lhe regras. Fazemos com que comece a conduzir num aparelho de treino em que as contingências punitivas são reduzidas ao mínimo ou totalmente inexistentes. É então que o levamos para uma auto-estrada relativamente segura. Se formos bem sucedidos, podemos habilitar um condutor seguro e destro sem recorrer a punições, se bem que as circunstâncias nas quais irá conduzir durante o resto da vida sejam altamente punitivas. Ainda que não tenhamos uma garantia, diremos provavelmente que ele adquiriu os «conhecimentos» de que precisa para conduzir com segurança ou então que é um «bom volante» e não uma pessoa que conduz bem. Quando as circunstâncias são de natureza social, e particularmente quando decorrem de agentes religiosos, há muito mais probabilidades de inferirmos um «conhecimento interior do que é recto», ou uma bondade interior. A bondade a que se atribui o bom comportamento constitui parte do valor ou da dignidade da pessoa e denota a mesma relação inversa com a visibilidade do controlo. Atribuímos a máxima bondade às pessoas que nunca procederam mal e, consequentemente, nunca foram punidas, àquelas que procedem bem sem necessidade de seguir regras. Jesus costuma ser retratado como uma pessoa assim. Inferimos uma bondade menor naqueles que procedem bem apenas porque foram punidos. O pecador regenerado poderá assemelhar-se a um indivíduo naturalmente santo, mas
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o facto de haver estado exposto a contingências punitivas limita, até certo ponto, a sua bondade natural. Próximo do pecador regenerado ficam aqueles indivíduos que analisaram as contingências punitivas presentes nos seus ambientes e delas extraíram normas a que se submetem a fim de evitar punições. Atribuímos uma bondade menor àqueles que seguem regras formuladas por outros e uma bondade ínfima caso sejam evidentes as normas e as contingências que enquadram o comportamento em questão. Não atribuímos nenhuma bondade àqueles que só procedem bem sob a fiscalização constante de um agente punitivo como, por exemplo, a polícia. A semelhança de outros aspectos da dignidade ou do valor, a bondade aumenta à medida que o controlo visível enfraquece e, naturalmente, o mesmo acontece com a liberdade. Resulta daí que a bondade e a liberdade tendem a associar-se. John Stuart Mill43 sustentava que a única bondade digna desse nome era a evidenciada por quem procedesse bem mesmo que lhe fosse possível proceder mal e que somente tal pessoa era livre. Mill não advogava o encerramento das casas de prostituição: deveriam permanecer abertas para que as pessoas pudessem atingir a liberdade e a dignidade através de autocontrolo. Todavia, tal argumento apenas será convincente se não fizermos caso das razões por que as pessoas procedem bem quando lhes é aparentemente possível proceder mal. Uma coisa é proibir o jogo de dados e de cartas, proibir a venda de álcool e encerrar os prostíbulos; outra coisa é tornar o jogo, o álcool e a prostituição aversivos, punindo o co mportam ento que evocam - chamando-lhes tentações diabólicas, narrando o trágico destino dos alcoólicos ou descrevendo as doenças venéreas transmitidas por prostitutas. O efeito pode ser o mesmo: as pessoas podem não jogar, beber ou procurar prostitutas, mas o facto de não poderem fazê-lo num ambiente e de o não fazerem no outro é uma questão de técnicas de controlo e não de bondade ou liberdade. Num dos ambientes, são claras as razões para se proceder bem; no outro, são facilmente negligenciadas ou esquecidas. Afirma-se por vezes que as crianças não estão prontas para a liberdade ou autocontrolo enquanto não atingem a idade da razão e que, entrementes, devem ser ou mantidas num ambiente seguro ou castigadas. Se a punição pode ser adiada até que atinjam a idade da razão, poderá também ser totalmente dispensada. No entanto, isto quer simplesmente dizer que os ambientes seguros e a punição constituem as únicas medidas disponíveis enquanto a criança não estiver exposta a contingências que lhe proporcionem outras razões para proceder bem. Torna-se muitas vezes impossível criar contingências apropriadas para sociedades primitivas e verifica-se a mesma
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confusão entre a visibilidade e o controlo interiorizado quando se alega que os povos primitivos não estão preparados para a liberdade. Se algo existe para que não estejam preparados, é para um tipo de controlo que exige um determinado registo diacrónico de contingências. Muitas das questões do controlo punitivo são levantadas pelo conceito da responsabilidade, atributo esse que, segundo se crê, distingue o homem dos outros animais. A pessoa responsável é uma pessoa «merecedora». Consideramo-la quando procede bem a fim de que continue a fazê-lo; empregamos, todavia, o termo com mais probabilidades quando o que ela merece é uma punição. Responsabilizamos um indivíduo pela sua conduta, no sentido em que ele pode ser justa ou legitimamente punido. Volta aqui a deparar-se-nos uma questão de boa administração, de uso judicioso de reforços, de «ajustar o castigo ao crime». Uma punição que exceda o necessário torna-se dispendiosa e poderá suprimir um compor tamento desejável, ao passo que uma punição insuficiente é um desperdício se não produzir qualquer efeito. O apuramento legal da responsabilidade (e da justiça) interessa-se em parte por factos. Procedeu a pessoa realmente de determinado modo? As circunstâncias foram tais que o comportamento é punível perante a lei? Nesse caso, que leis são invocadas e quais são as punições prescritas? Outras questões, porém, parecem dizer respeito ao homem interior. O acto foi intencional ou premeditado? Foi cometido num acesso de ira? A pessoa sabia distinguir o bem do mal? Estava cônscio das possíveis consequências do seu acto? Todas estas interrogações acerca de propósitos, sentimentos, conhecimentos e outros aspectos podem ser feitas, mas em função do ambiente a que a pessoa tenha estado exposta. O que a pessoa «tenciona fazer» depende daquilo que fez no passado e do que então aconteceu. A pessoa não age porque se «sente furiosa»; age e sente-se encolerizada por uma razão comum, não especificada. Se ela merece ou não ser punida quando todos estes quesitos são tomados em consideração é uma questão de resultados prováveis: caso seja punida, agirá de um modo diferente quando voltarem a ocorrer circunstâncias análogas? Existe uma tendência comum para se substituir a «contabilidade» pela responsabilidade, mas não é tão provável que aquela seja considerada como uma característica do homem autónomo, dado que explicitamente alude a condições que lhe são exteriores. A asserção de que «só o homem livre pode ser responsável pela sua conduta» reveste-se de dois significados que dependem do facto de
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estarmos interessados na liberdade ou na responsabilidade. Se queremos dizer que as pessoas são responsáveis, não devemos fazer nada que transgrida a sua liberdade, já que, se não são livres para agir, não podem ser responsabilizadas pelos seus actos. Se queremos dizer que são livres, devemos responsabilizá-las pelo seu comportamento, mantendo contingências punitivas, uma vez que, se procedessem do mesmo modo em circunstâncias não-punitivas evidentes, seria óbvio que não eram livres. Qualquer passo na direcção de um ambiente em que os homens sejam automaticamente bons ameaça a responsabilidade. No controlo do alcoolismo, por exemplo, a prática tradicional é punitiva. A embriaguez é estigmatizada e são-lhe impostas sanções éticas pela sociedade (o indivíduo sente, nestas circunstâncias, vergonha), ou é classificada de ilícita e sujeita a sanções legais (a pessoa experimenta, neste caso, um sentimento de culpa), ou é encarada como pecado e punida por instituições religiosas (a pessoa experimenta, nestas circunstâncias, um sentimento de pecado). Dado que tais práticas não têm sido marcadas por um êxito assinalável têm-se procurado outras medidas de controlo. Certos dados médicos dão a impressão de ser pertinentes. As pessoas diferem entre si quanto à tolerância e à viciação ao álcool. Depois de se tomar um alcoólico, o indivíduo pode beber para aliviar instantes sintomas de privação que nem sempre são levados em conta por quem nunca os experimentou. Os aspectos médicos põem a questão da responsabilidade: em que medida é justo punir um alcoólico? De um ponto de vista de administração, será lícito esperar que a punição seja eficaz contra as contingências positivas contrárias? Não seria preferível tratar do problema médico? (A nossa cultura difere da dos utópicos de Erewhon, de Samuel Butler, por não aplicar quaisquer sanções punitivas à doença.) À medida que a responsabilidade diminui, afrouxa a punição. A delinquência juvenil constitui outro exemplo. Segundo o ponto de vista tradicional, o jovem é responsável pelo cumprimento da lei e pode ser legitimamente punido se a desrespeitar; é, porém, difícil manter em vigor contingências punitivas eficazes, pelo que se tem procurado outras soluções. Parece pertinente o facto de haver provas de que a delinquência é mais comum em certos tipos de áreas residências e entre camadas mais pobres da população. É mais provável que o indivíduo roube se pouco ou nada tem de seu; se a sua educação o não preparou para conseguir e conservar um emprego que lhe permita comprar aquilo de que precisa; se não houver empregos disponíveis; se não lhe ensinaram a respeitar a lei ou se vê, amiúde, outros transgredirem a lei impunemente.
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Em tais circunstâncias, um comportamento delinquente é poderosamente reforçado e não é provável que sanções legais o suprimam. As con tingências são, por conseguinte, relaxadas: o delinquente poderá ser meramente advertido ou ficar com a pena suspensa. A responsabilidadee a punição declinam simultaneamente. O verdadeiro problema reside na eficácia das técnicas de controlo. Não é aumentando o sentido das responsabilidades que resolveremos os problemas do alcoolismo e da delinquência juvenil. O ambiente é que é «responsável» pelo comportamento censurável e é o ambiente, e não qualquer atributo do indivíduo, que tem de sofrer modificações. Reconhecemos isso quando nos referimos às contingências punitivas do ambiente natural. Se bem que a punição para quem se precipita de cabeça contra uma parede seja uma pancada no crânio, não consideramos o indivíduo responsável por não chocar com as paredes nem dizemos que a natureza o considera. A natureza pune-o simplesmente quando ele corre de encontro a uma parede. Quando tomamos o mundo menos punitivo ou ensinamos as pessoas a evitar punições naturais dando-lhes, por exemplo, normas a que se ater, não estamos a destruir a responsabilidade ou a ameaçar qualquer outra qualidade oculta: estamos simplesmente a tomar o mundo mais seguro. O conceito da responsabilidade revela-se particularmente vulnerável quando fazemos remontar o comportamento a determinantes genéticos. Podemos admirar a beleza, a graça e a sensibilidade, mas não culpamos uma pessoa por ser feia, convulsiva ou daltônica. No entanto, certas formas menos perceptíveis da constituição genética causam problemas. Presumimos que os indivíduos diferem, como sucede com as espécies, no modo como respondem agressivamente ou são reforçados quando a sua agressividade causa dano a outrem, ou ainda no modo como se entregam a práticas sexuais ou são afectados pelo reforçamento sexual. Serão, por conseguinte, igualmente responsáveis pelo controlo do seu comportamento agressivo ou sexual e será justo puni-los pela mesma bitola? Se não punimos uma pessoa por ter um pé torto, deveremos puni-la por ser irascível ou altamente susceptível ao reforço sexual? O problema foi recentemente levantado pela possibilidade de muitos criminosos apresentarem anomalias nos seus cromossomas. Como é óbvio, o conceito da responsabilidade oferece-nos uma ajuda limitada. O problema centra-se na controlabilidade. Não podemos modificar defeitos genéticos através da punição; só podemos agir por meio de medidas genéticas que actuam numa escala de tempo muito mais vasta. O que tem de ser mudado não é a responsabilidade do homem autónomo,
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mas sim as condições, ambientais ou genéticas, em função das quais se desenha o comportamento humano. Embora as pessoas levantem objecções quando uma análise científica faz remontar o seu comportamento a condições externas, o que as priva de mérito e da oportunidade de serem admiradas, raramente se opõem quando a mesma análise as absolve da culpa. O tosco ambientalista dos séculos XVIII e XIX foi rapidamente posto ao serviço de propósitos exonerarmos e justificativos. G e r e Eliot meteu-o a ridículo quando, no romance Adam Bede, põe as seguintes palavras na boca do reitor: «Ora, um homem não pode realmente roubar uma nota, a menos que ela esteja convenientemente ao seu alcance; contudo, não nos levará a crer tratar-se de um homem honesto lá porque começa a gritar que a nota lhe caiu aos pés». O alcoólico é o primeiro a declarar que é um doente, do mesmo modo que o delinquente juvenil alega ser vítima de um meio desfavorável. Logo, se não são responsáveis, não podem ser legitimamente punidos. A demissão é em certo sentido o anverso da responsabilidade. Aqueles que se propõem fazer algo em relação ao comportamento humano (quaisquer que sejam as suas razões) passam a fazer parte do ambiente que assume a responsabilidade. Segundo o ponto de vista antigo, era o estudante que fracassava, a criança que procedia mal, o cidadão que transgredia a lei e os pobres que eram pobres por serem indolentes; agora, porém, é frequente dizer-se que não há estudantes lentos, mas apenas professores medíocres; que não existem crianças ruins, mas somente maus pais; que não há delinquência, excepto por parte das instituições que fazem cumprir a lei e que não há homens indolentes, mas apenas incentivos inadequados. Contudo, como é natural, vemo-nos na obrigação de indagar porque são maus os professores, os pais, os governantes e os empresários. O erro, como veremos adiante, consiste em colocar a responsabilidade num determinado ponto, em supor que a sequência causal se inicia algures. A Rússia comunista constituiu um interessante caso histórico para a relação entre o ambientalismo e a responsabilidade pessoal, conforme salientou Raymond Bauer44 . Imediatamente após a revolução, o governo pôde alegar que, se muitos russos não tinham recebido instrução, eram improdutivos, mal comportados e infelizes, era porque o seu ambiente os havia feito assim. Aproveitando os trabalhos de Pavlov sobre os reflexos condicionados, o novo governo propôs-se transformar o ambiente, pelo que tudo se rectificaria. Porém, nos princípios da década de trinta, depois de o governo ter posto em prática as suas medidas, muitos russos não acusavam
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ainda qualquer melhoria evidente na sua instrução e produtividade nem eram nitidamente mais bem comportados ou mais felizes. A orientação oficial foi então alterada e Pavlov caiu em desgraça. Em seu lugar foi introduzida uma psicologia intensamente «proposital» (purposive): cabia ao cidadão russo instruir-se, trabalhar produtivamente, comportar-se bem e ser feliz. Competia ao educador russo assegurar-se de que o cidadão arcaria com tal responsabilidade, sem que para isso fosse condicionado. Os êxitos conseguidos durante a Segunda Grande Guerra restauraram, no entanto, a confiança no princípio anterior, pois o governo acabara por ser bem sucedido. Podia não ser ainda inteiramente eficaz, mas prosseguia na direcção certa. Pavlov voltou a ser aprovado. A demissão do agente de controlo raras vezes se encontra tão facilmente documentada, ainda que seja provável que algo semelhante esteja na origem do persistente uso de métodos punitivos. Os ataques que visam a bondade automática podem demonstrar preocupação com o homem autónomo, mas as contingências práticas são mais reveladoras. As literaturas da liberdade e da dignidade converteram o controlo do comportamento humano numa ofensa punível, por responsabilizarem em larga medida o agente de controlo pelos resultados aversivos. O agente de controlo poderá fugir à responsabilidade se conseguir manter a posição de que é o próprio indivíduo que detém o controlo. O professor que louva o aluno por aprender também pode culpá-lo de não aprender; os pais que elogiam os filhos pelas suas realizações podem igualmente censurá-los pelos seus erros. Nem o professor nem os pais podem ser tomados como responsáveis. As origens genéticas do comportamento humano tornam-se particularmente úteis à demissão. Se certas raças são menos inteligentes do que outras, o professor não pode ser censurado por não as ensinar tão bem. Se certos homens já nascem criminosos, a lei não deixará nunca de ser transgredida, por mais perfeitos que sejam os agentes que fazem respeitá-la. Se os homens fazem a guerra porque são por natureza agressivos, não devemos envergonhar-nos do nosso fracasso em conservar a paz. O facto de apelarmos com mais frequência para a constituição genética do que para realizações positivas a fim de explicar resultados indesejáveis demonstra uma certa preocupação com a demissão. Aqueles que estão constantemente interessados em fazer algo pelo comportamento humano não podem ser louvados ou culpados por consequências que possam ser remontadas a origens genéticas; se têm alguma responsabilidade, será em relação ao futuro da espécie. A prática de atribuir o comportamento à constituição genética (no caso da espécie como um todo ou de qualquer subdivisão como raça ou família) 66
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poderá afectar determinadas práticas genéticas e, eventualmente, outros modos de modificar essa constituição, pelo que o homem contemporâneo pode, num certo sentido, ser responsabilizado pelas consequências se agir ou deixar de o fazer; tais consequências são, todavia, remotas e põem um problema de natureza diversa, sobre o qual nos debruçaremos oportunamente. Quem usa a punição parece estar sempre do lado seguro. Todos aprovam a repressão do crime, à excepção do criminoso. Se aqueles que são punidos reincidem, não é por culpa do agente de punição. A demissão não é, no entanto, completa. Mesmo aqueles que procedem bem podem levar muito tempo a descobrir o que devem fazer e pode mesmo acontecer que nunca o façam bem. Perdem tempo enleados em factos irrelevantes e lutando com o demónio, numa desnecessária exploração por tentativa-e-erro. Além disso, a punição causa dor e não há ninguém que lhe escape inteiramente ou permaneça intocável, mesmo quando a dor é experimentada por outrem. Quem pune não pode, pois, escapar inteiramente à crítica, mas pode «justificar» a sua acção, apontando consequências da punição que anulam os seus aspectos aversivos. Seria absurdo incluir os escritos de Joseph de Maistre nas literaturas da liberdade e da dignidade, já que foi um adversário implacável dos seus princípios fundamentais, em especial os defendidos pelos escritores do lluminismo. Não obstante, pelo facto de contraporem alternativas eficazes à punição alegando que só a punição deixa ao indivíduo a liberdade de optar por proceder bem, tais literaturas criaram a necessidade de uma espécie de justificação, no que de Maistre primou. Eis a sua defesa daquele que é talvez o mais horrendo de todos os agentes de punição: o torturador e carrasco. «É dado um sinal lúgubre: um abjecto funcionário judicial vem bater-Ihe à porta e informa-o de que exigem a sua presença. Ele parte; chega à praça pública, que está apinhada de gente ávida e excitada. Um prisioneiro, um assassino ou um blasfemo é-lhe então entregue. Ele agarra-o, estende-o e amarra-o a uma cruz horizontal; ergue o braço e faz-se um silêncio medonho. Nada se ouve a não ser os ossos que estalam sob a pesada vara e os gritos da vítima. Em seguida, desamarra-o e transporta-o para a roda; os membros despedaçados são retorcidos nos raios; a cabeça da vítima pende; os cabelos soltam-se-lhe; e da boca, escancarada como um forno, brotam golfadas de sangue e palavras que a espaços pedem a morte. O carrasco terminou o seu trabalho; o seu coração bate, mas de alegria; ele congratula-se e diz no seu íntimo: «Ninguém é melhor no manejo da roda que eu!». Desce e estende a mão manchada de sangue. A Justiça lança-lhe, de longe, algumas moedas de ouro que ele leva consigo através de duas alas de pessoas, que recuam
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apavoradas. Senta-se à mesa e come; depois, deita-se e adormece. Quando acorda no dia seguinte, começa a pensar em algo muito diferente do trabalho que executou na véspera... Toda a grandeza, todo o poder, toda a disciplina assentam no executor. Ele é o horror da sociedade humana e o elo que a une. Removei do mundo este incompreensível agente e, nesse instante preciso, a ordem dará lugar ao caos, os tronos abater-se-ão e a sociedade desaparecerá. Deus, que é a origem de toda a soberania, é também, por conseguinte, a origem da punição.»45 Se já não recorremos à tortura no que designamos por mundo civilizado, nem por isso deixamos de fazer desenvolvido uso de técnicas punitivas tanto nas relações domésticas como nas exteriores. E tudo leva a crer que por boas razões. A natureza (ou Deus se preferirem) criou o homem de tal modo que ele é susceptível de ser controlado por meio de punições. As pessoas convertem-se rapidamente em hábeis agentes de punição (ou então, concomitante mente, em hábeis agentes de controlo), ao passo que aprendem medidas positivas alternares. A necessidade de punições parece ter o apoio da história e as práticas alarmantes constituem uma ameaça para os tão apreciados valores da liberdade e da dignidade. E assim continuamos a punir... e a defender a punição. Um coevo de Maistre poderia ter defendido a guerra em termos análogos: «Toda a grandeza, todo o poder, toda a disciplina assentam no soldado Ele é o horror da sociedade humana e o elo que a une. Removei do mundo este incompreensível agente e, nesse instante preciso, a ordem dará lugar ao caos, os governos abater-se-ão e a sociedade desaparecerá. Deus, que é a origem de toda a soberania, é também, por conseguinte, a origem da guerra.» Mesmo assim há melhores soluções, mas as literaturas de liberdade e de dignidade não apontam para elas. A não ser quando fisicamente coagida, é sob a ameaça de punição que a pessoa atinge a sua ínfima dignidade ou liberdade. Seria de esperar que as literaturas da liberdade e da dignidade se opusessem às técnicas punitivas, mas efectivamente têm actuado no sentido de preservá-las. A pessoa que tenha sido punida nem por isso se sente menos propensa a proceder de um dado modo; na melhor das hipóteses, aprende a evitar a punição. Alguns meios de evitá-la são prejudiciais à adaptação ou neuróticos, como nos chamados dinamismos freudianos. Outros incluem a evitação de situações nas quais é provável que ocorram quer um comportamento punido quer outros incompatíveis com esse. Outros indivíduos podem tomar medidas análogas para reduzir a probabilidade de uma pessoa ser punida, mas as literaturas da liberdade e da dignidade opõem-se a tais medidas, alegando que só conduzem 68
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à bondade automática. Exposta a contingências punitivas, a pessoa parece ser livre para proceder bem e merecer louvores quando assim procede. As contingências não-punitivas produzem o mesmo comportamento, mas neste caso não se pode dizer que a pessoa seja livre quando procede bem pois o mérito pertence às contingências. Pouco ou nada resta já que o homem autónomo possa fazer e por que seja considerado. Como não se envolve numa luta moral, não tem oportunidade de ser reconhecido um herói moral ou credor de qualidades interiores. Todavia, a nossa tarefa não consiste em fomentar lutas morais ou em construir ou demonstrar qualidades interiores; consiste antes em tomar a vida menos punitiva e, assim fazendo, libertar para actividades mais reformates o tempo e a energia consumidos em evitar punições. Até um certo ponto, as literaturas da liberdade e da dignidade têm contribuído para a lenta e errática suavização dos aspectos aversivos do ambiente humano, incluindo os aspectos aversivos usados no controlo intencional. Contudo, formularam a tarefa de tal maneira que são agora incapazes de aceitar o facto de que todo o controlo é exercido pelo ambiente e, portanto, passar antes à concepção de melhores ambientes do que de melhores homens.
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Como é natural, os adeptos da liberdade e da dignidade não se limitam a combater as medidas punitivas. Recorrem também a alternativas mas com insegurança e timidez. O seu interesse pelo homem autónomo faz com que se empenhem somente em medidas ineficazes, algumas das quais podemos agora examinar. A PERMISSIVIDADE Tem sido objecto de sérias propostas uma permissiv idade sem reservas como alternativa para a punição. Dado que não deverá exercer-se qualquer controlo, a autonomia do indivíduo será incontestável. Se a pessoa procede bem, é porque é por natureza boa ou possui autocontrolo. A liberdade e dignidade encontram-se garantidas. Um homem livre e virtuoso não precisa de ser governado (os governos apenas corrompem) e no seio da anarquia poderá ser naturalmente bom e admirado por tal. Não precisa de nenhuma religião ortodoxa, pois é piedoso e procede piamente sem obedecer a normas, talvez com a auxílio de uma experiência mística directa. Não necessita de incentivos económicos organizados, pois é por natureza laborioso e trocará com os outros parte do que possui, em bases justas e segundo as condições naturais da oferta e da procura. Não necessita de mestres; aprende porque gosta de aprender e a sua curiosidade natural estipula o que ele precisa de saber. Se a vida se tornar excessivamente complexa ou se o seu status natural for perturbado por ocorrências fortuitas
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ou pela intrusão de pretensos agentes de controlo, poderá ter problemas de ordem pessoal, mas encontrará as soluções, por si próprio, sem a orientação de um psicoterapeuta. As práticas permissivas apresentam muitas vantagens. Poupam o trabalho de supervisão e a imposição de sanções. Não geram contra-ataques. Aquele que as utiliza não se arrisca a ser acusado de restringir a liberdade ou destruir a dignidade, além de não ser inculpado quando as coisas correm mal. Se, num mundo permissivo, os homens procedem mal uns para com os outros, é porque a natureza humana não é perfeita. Se lutam quando não existe governo para manter a ordem, é porque têm instintos agressivos. Se uma criança se torna delinquente quando os pais não envidaram qualquer esforço no sentido de controlá-la, é porque se juntou a más companhias ou possui tendências criminosas. A permissividade não é, todavia, uma política. É antes a renúncia a uma política e as suas vantagens evidentes são ilusórias. Renunciar ao controlo é deixar essa tarefa, não para a própria pessoa, mas para outros componentes dos ambientes social e não-social. r
O AGENTE DE CONTROLO COMO PARTEIRA Um dos métodos de modificar o comportamento sem que se exerça um controlo visível é representado pela metáfora socrática da parteira: uma pessoa ajuda outra a dar à luz um comportamento. Uma vez que a parteira não desempenha qualquer papel na concepção e apenas um pequeno papel durante o parto, a pessoa que dá à luz o comportamento é credora de todo o mérito. Sócrates46 demonstrou a arte da obstetrícia, ou maiêutica, na educação. Pretendia mostrar como um escravo inculto poderia ser levado a demonstrar o teorema de Pitágoras. O rapaz seguiu todos os passos da demonstração e Sócrates sustentou que o fizera sem que lho tivessem dito ou, por outras palavras, que, em certo sentido, sempre «conhecera» o teorema. Sócrates sustentava ainda que até o conhecimento comum poderia ser obtido da mesma maneira, porquanto, como a alma conhecia a verdade, apenas precisava que a levassem a ter consciência disso. Refere-se frequentemente este episódio como se ele fosse relevante para a moderna prática educacional. A metáfora aparece igualmente em teorias da psicoterapia. Não se deve dizer ao paciente como proceder de maneira mais eficaz nem se lhe faculta directivas para solucionar os seus problemas. Existe já dentro
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dele uma solução, a qual precisa apenas de ser extraída com a ajuda do terapeuta-parteiro. Como afirmou determinado escritor: «Freud e Sócrates partilharam parti lharam três princípios: princípi os: conhece-te conhec e-te a ti mesmo; mes mo; a virtude virt ude é conheci co nhecimento mento e o método maiêutico, ou a arte da obstetrícia, que é, obviamente, o processo proc esso (psic ... ... ) analít ana lítico ico.»4 .»477 No âmbito âmbit o religioso, religi oso, estão associadas associ adas ao misticismo práticas semelhantes: a pessoa não necessita de obedecer a normas, como disporia a ortodoxia, uma vez que o comportamento correcto emanará de fontes interiores. A obstetrícia intelectual, terapêutica e moral pouco mais fácil é do que o controlo punitivo, dado que exige artes bastante subtis e atenção concentrada, embora tenha também as suas vantagens. Parece conferir um estranho poder àquele que a pratica. A semelhança do uso cabalístico de sugestões e alusões, alcança resultados aparentes desproporcionais às medidas empregues. Não diminui, no entanto, a aparente contribuição do indivíduo. Ele é digno de todo o mérito pelo facto de saber antes de aprender, por ter dentro de si as sementes de uma boa saúde mental e pela sua capacidade de entrar em comunicação directa com Deus. Quem pr p r a t i c a a m a i ê u t i c a tem te m a ind in d a a im p o r t a n t e v a n t a g e m de e v it a r responsabilidades. Assim como a parteira não tem culpa se o bebé é um nado-morto ou apresenta deformidade, também o professor não é responsável pelo fracasso frac asso do estudante estu dante,, o psicote psic oterap rapeut eutaa pela incapacida incap acidade de do paciente pacient e em resolver os seus problemas ou o chefe religioso místico pelo mau comportamento dos seus discípulos. As práticas maiêuticas não deixam, todavia, de ter o seu lugar próprio. Determinar até que ponto o professor deve ajudar o aluno à medida que este adquire novas formas de comportamento constitui problema delicado. O professor deverá esperar pela resposta do aluno, de preferência a apressar-se a transmitir-lhe o que deve fazer ou dizer. Como dizia Coménio, quanto mais o professor ensina, tanto menos o aluno aprende. Este lucra de outras maneiras. De um modo geral, não gostamos que nos contem quer o que já sabemos quer o que provavelmente nunca viremos a saber bem ou com bons resultados resul tados.. Não lemos livros que versem assuntos com que estejamos já perfeitamente familiarizados ou com que estejamos tão pouco familiariz famili arizados ados que é provável prová vel nunc nuncaa chegar ch egarmos mos a entendê-los. entendê-l os. Lemos obras que nos ajudam a dizer aquilo que, de qualquer modo, estávamos na iminência de expressar, embora não o fizéssemos sem ajuda. Compreendemos o autor, ainda que tivéssemos sido incapazes de formular o que compreendemos antes que ele o confiasse ao papel. Existem vantagens semelhantes para o paciente da psicoterapia. As práticas maiêuticas são
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ainda vantajosas, na medida em que exercem um controlo maior do que normalmente se reconhece, parte do qual pode ser valiosa. Contudo, tais vantagens ficam ainda muito aquém das reivindicadas. O escravo de Sócrates nada aprendeu. Não houve qualquer prova de que, posteriorme poste riormente, nte, pôde demonst demo nstrar rar sozinho sozi nho o teorema. teor ema. E, não só em relação rela ção à maiêutica como ainda quanto à permissividade, a verdade é que os resultados positivos devem ser atribuídos a outras formas de controlo não reconhecidas. Se o paciente encontra uma solução sem a ajuda do terapeuta, é porque esteve exposto a determinado ambiente que lhe foi proveitoso. A ORIENTAÇÃO A horticultura fornece-nos outra metáfora associada a práticas pouco eficazes. O comportamento que se deu à luz cresce, podendo ser orientado ou «podado», como uma planta em crescimento. O comportamento é susceptível de ser «cultivado». Esta metáfora é particularmente corrente no âmbito educacional. A escola para crianças pequenas damos o nome de jardim de infância. O comportamento da criança «desenvolve-se» até que atinge a «maturidade». O professor pode acelerar o processo ou orientá-lo para direcções ligeiramente diferentes; porém, segundo a expressão clássica, não pode ensinar: pode somente ajudar o aluno a aprender. A metáfora da orientação também é comum na psicoterapia. Freud argumentava que a pessoa tem de passar por vários estádios de desenvolvimento e que, se o paciente -se «fixou» num determinado estádio, o terapeuta deve ajudá-lo a libertar-se e a prosseguir. Também os governos recorrem à orientação, por exemplo, quando fomentam o «desenvolvimento» indus trial através de isenções de impostos ou proporcionam um «clima» favorável à melhoria das relações entre as raças. A orientação não é tão fácil como a permissividade, mas costuma sê-lo mais do que a obstetrícia, além de apresentar algumas das suas vantagens. Quem se limita a orientar um desenvolvimento natural dificilmente poderá ser acusado de tentar controlá-lo. O desenvolvimento permanece como uma realiz r ealização ação do indivíduo, a test te stemun emunhar har a sua liberdade e valor, as suas «propensões ocultas», e, do mesmo modo que o jardineiro não é responsável pelo aspecto final do que cultiva, aquele que apenas orienta fica isento de culpa quando as coisas correm mal. No entanto, a orientação só é eficaz na medida em que se exerce determinado controlo.
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Orientar consiste em facultar novas oportunidades ou bloquear o crescimento crescimento em determinadas direcções. Criar uma oportunidade não constitui um acto muito positivo; não deixa, porém, de ser uma forma de controlo se aumentar as probabilidades de que ocorra um dado comportamento. O professor que se limita a seleccionar a matéria que o aluno deve estudar ou o terapeuta que apenas sugere um emprego diferente ou uma mudança de cenário estão a exercer controlo, ainda que seja difícil detectá-lo. O controlo torna-se mais e vidente quando se frustra fru stra o crescimento ou o desenvolvimento. A censura bloqueia o acesso a material necessário para que o desenv des envolv olvime imento nto se process proc essee numa determi det erminada nada direcção, direcçã o, isto é, destrói oportunidades. De Tocqueville4 Tocquevill e488 apercebeu-se deste estado de de coisas na América do seu tempo: «A vontade do homem não é destruída, mas sim amolecida, curvada e dirigida. Raramente os homens são forçados... a agir, mas são constantemente impedidos de agir.» Como afirmou Ralph Barton Perry, «quem quer que determine as alternativas que devem ser reveladas ao homem controla as suas opções. O homem é destituído de liberdade na medida em que lhe negam acesso a quaisquer ideias ou o limitam a uma série de ideias que não corresponde à totalidade das poss po ssib ibil ilid idad ades es pert pe rtin inen ente tes. s.»4 »499 Em lugar lu gar de «d «des esti titu tuíd ídoo de liber li berdad dade» e» leia-se «controlado». É sem dúvida vantajoso criar um ambiente em que a pessoa adquira rapidamente um comportamento eficaz e continue a agir eficazmente. Ao criar um tal ambiente, podemos eliminar confusões e diversões e proporciona propor cionarr oportuni opo rtunidades dades que são pontos-c pont os-chave have na metáfora metá fora da orientação, orient ação, do crescimento ou do desenvolvimento; no entanto, são as contingências que criamos, mais do que o desdobramento de qualquer padrão predet pre determ ermina inado, do, que são respon res ponsá sávei veiss pelas pela s mudanç mud anças as observad obse rvadas. as. CRIANDO UMA DEPENDÊNCIA DAS COISAS Jean-Jacques Rousseau apercebeu-se dos perigos do controlo social e acreditava na possibilidade de evitá-los tomando t omando o indivíduo indivíduo dependente, dependente, não dos outros, mas de objectos. Em Émile, mostra-nos como uma criança pôde adquirir adqui rir con conhec hecime imento ntoss sobre os objectos objec tos mais através atravé s dos próprios objectos do que por meio de livros. As práticas que ele descreveu são ainda correntes, em grande parte devido à relevância dada por John Dewey ao contacto com a vida real na escola. Uma das vantagens de se depender mais de objectos do que de outras
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pessoas é a economia de tempo e energia alheios. A criança a quem é necessário lembrar que são horas de ir para a escola é dependente dos pais, enquanto que aquela que aprendeu a responder aos estímulos proporcionados por relógios e a outros atributos temporais do mundo que a rodeia (e não a um «sentido de tempo») depende de objectos, pelo que exige menos dos pais. Ao aprender a conduzir um automóvel, a pessoa está na dependência de um instrutor enquanto precisar que ele lhe diga quando deve usar os travões, acender a luz de mudança de direcção, mudar de velocidade e assim por diante; quando o seu comportamento passa a ser controlado pelas consequências naturais de conduzir um carro, ela pode dispensar o instrutor. Entre os «objectos», de que deveríamos tornar-nos dependentes estão as outras pessoas, desde que não actuem especificamente no sentido de modificar o nosso comportamento. A criança à qual se tem de recomendar o que dizer e como proceder em relação aos outros depende de quem a orienta; a criança que aprendeu a darse com os outros pode dispensar tais conselhos. Outra vantagem importante de estarmos na dependência de objectos é que as contingências que os envolvem são mais precisas e modelam um comportamento mais vantajoso do que as contingências criadas por outros indivíduos. Os atributos temporais do ambiente são mais penetrantes e subtis do que qualquer série de advertências. A pessoa cujo comportamento na condução de um automóvel seja determinado pelas respostas do carro procede com mais destreza do que outra que esteja a seguir instruções. As pessoas que se dão bem com quem mantêm relações em consequência da exposição directa a contingências sociais são mais hábeis no trato do que aquelas a quem apenas se recomendou o que dizer e fazer. Tais vantagens são importantes e um mundo no qual todo o comportamento dependa de objectos constitui uma perspectiva atraente. Num mundo como esse, todos procederiam bem em relação ao próximo segundo aquilo que tivessem aprendido a fazer quando expostos ao seu agrado ou desagrado; todos se entregariam a trabalhos produtivos e cuidadosos e permutariam entre si objectos com base nos seus valores naturais; aprenderiam aquilo que naturalmente os interessasse e fosse naturalmente proveitoso. Tudo isto seria preferível a proceder bem em obediência à lei que a polícia faz cumprir, a trabalhar produtivamente pelos reforços existentes (o dinheiro) e a estudar para se obter notas e aprovações. Os objectos, no entanto, não assumem facilmente o controlo. Os processos descritos por Rousseau não são simples e raramente resultam.
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As complexas contingências que envolvem os objectos (incluindo as pessoas que agem «sem intenção») podem, quando não ajudados, produzir apenas um efeito mínimo durante toda a existência do indivíduo, facto que se reveste de grande importância por motivos que consideraremos adiante. Devemos também recordar que o controlo exercido pelas objectos pode ser destrutivo, que o mundo dos objectos pode ser tirânico. As contingências naturais induzem as pessoas a agir de modos supersticiosos, a correr riscos cada vez maiores, a trabalhar inutilmente até à exaustão e assim sucessivamente. Somente o contracontrolo exercido por um ambiente social oferece alguma protecção contra tais consequências. A dependência de objectos não é independência. A criança que não precisa que lhe digam serem horas de ir para a escola e scola passou a ser controlada por estímulos estí mulos mais subtis e mais proveitoso provei tosos. s. Aquela Aque la que aprendeu aprende u o que deve dizer e como proceder no trato social está sob o controlo de contingências sociais. As pessoas que se dão bem sob as brandas contingências do agrado e desagrado estão sujeitas a um controlo tão eficaz (e sob muitos aspectos mais eficaz) quanto os cidadãos de um estado-polícia. A ortodoxia exerce controlo através do estabelecimento de normas, mas o místico não é mais livre pelo facto de as contingências modeladoras do seu comportamento serem mais pessoais ou idiossincrásicas. Aqueles que se entregam a um trabalho produtivo devido ao valor reforçante daquilo que produzem estão sob o controlo subtil mas poderoso dos produtos do seu trabalho. Aqueles que aprendem no ambiente natural estão sujeitos a uma forma de controlo tão poderosa como a que o professor exerce em quaisquer circunstâncias. A pessoa nunca chega a tornar-se verdadeiramente dependente apenas de si própria. Mesmo que lide eficazmente com determinados objectos, depende necessariamente daqueles que a ensinaram a fazê-lo, pois foram eles que seleccionaram os objectos de que ela depende e determinaram os tipos e graus dessa dependência. (Não podem, por conseguinte, eximir-se de responsabilidade pelos resultados.) MEIOS DE MANIPULAÇÃO MENTAL Aqueles indivíduos que se opõem do modo mais violento à manipulação do comportamento envidam, paradoxalmente, os mais vigorosos esforços no sentido de manipular a mente alheia. Como é óbvio, só se ameaça a liberdade ou a dignidade quando se modifica o comportamento através
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de alterações físicas introduzidas no ambiente. Parece não haver qualquer ameaça quando se modifica os estados de espírito que nos considera responsáveis por certas formas de comportamento, presumivelmente porque o homem autónomo possui poderes miraculosos que o tomam susceptível de ceder ou resistir. Ainda bem que aqueles que se opõem à manipulação do comportamento se sentem livres para manipular a mente alheia, já que de outro modo teriam de guardar silêncio. Todavia, ninguém produz Direitamente alterações na mente. Através da manipulação das contingências ambientais, produz-se produz-s e modificaç modif icações ões que, segundo segu ndo se crê, revelam revela m uma mudança mudanç a de estado de espírito; porém, se é que se produz algum efeito, é sobre o comportamento. O controlo não é evidente nem muito eficaz, pelo que parte dele parece pare ce ser assumi as sumido do pelo indiví ind ivíduo duo em tais circuns cir cunstân tâncias cias.. Examinemos agora alguns processos característicos de manipulação mental. Induzimos por vezes uma pessoa a agir de uma dada maneira dando-Ihe indicações (quando, por exemplo, não é capaz de resolver um problema) ou sugerindo-lhe uma linha de acção (quando, por exemplo, está perplexa em relação ao que fazer). fazer). Indicações, insinuaçõesS insi nuaçõesS0 e sugestões são estímulos, geralmente mas nem sempre verbais, e revestem-se da importante vantagem de exercer apenas um controlo parcial. Ninguém responde a uma indicação, insinuação ou sugestão a não ser que tenha já uma tendência para agir de uma dada maneira. Quando não se identifica as contingências que explicam a tendência predominante, parte do comportamento pode, ser atribuída à mente. O controlo interior é particularmente convincente quando o exterior não é explícito, como acontece quando contamos uma história aparentemente irrelevante, mas que serve de indicação, «deixa» ou sugestão a outra pessoa. A apresentação de um exemplo exerce uma forma de controlo análoga, pois explora a tendência geral para agirmos imitativamente. Os depoimentos publicitários «controlam a mente» deste modo. Damos também a impressão de actuar sobre a mente alheia quando surgimos (urge) ou persuadimos alguém a agir. Etimologicamente, urgir significa pressionar ou impelir; é tomar uma situação aversiva mais urgente. Urgimos uma pessoa a agir como poderíamos empurrá-la com o cotovelo para que o fizesse. Os estímulo est ímuloss são, neste nest e caso, geral ger alment mentee brandos, mas serão eficazes se estiverem associados no passado a consequências aversivas mais prementes. Assim, instamos um mandrião dizendo-lhe: «Olhe para as horas que são!» e seremos bem sucedidos em induzi-lo a apressar-se caso já tenha sido castigado por atrasos precedentes. Instamos
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com alguém para que não gaste dinheiro, chamando-lhe a atenção para o seu baixo saldo bancário e alcançaremos o nosso objectivo se, no passado, sofreu por se lhe ter acabado o dinheiro. Em contrapartida, persuadimos os outros recorrendo a estímulos associados a consequências positivas. Etimologicamente, o termo está relacionado com o verbo adoçar. Persuadimos alguém quando tornamos uma dada situação mais propícia à acção, descrevendo-lhe prováveis consequências reforçadoras. Volta a deparar-se-nos aqui uma aparente discrepância entre a força dos estímulos que empregamos e a amplitude do efeito alcançado. Tanto o acto de urgir como a persuasão só serão eficazes se existir já alguma tendência para agir e, somente enquanto esta permanecer sem explicação, o comportamento poderá pod erá ser atribu atr ibuído ído ao homem hom em interior. Crenças, preferências, percepções, necessidades, propósitos e opiniões são outros atributos do homem autónomo que se alteram (segundo se crê) quando manipulamos a mente alheia. Todavia, o que se modifica em qualquer dos casos é uma probabilidade de acção. A crença de uma dada pessoa de que um soalho a sustentará quando caminhar sobre ele depende das suas experiências passadas. Se já caminhou sobre ele muitas vezes sem que tivesse havido qualquer incidente, voltará a fazê-lo prontament pront amentee e o seu comport comp ortame amento nto não gerará qualquer qual quer dos estímulos estí mulos aversivos reconhecidos como ansiedade. A pessoa pode afirmar que tem «fé» na solidez do soalho ou «confiança» em que a sustentará; porém, o que sente como fé ou confiança não são estados de espírito mas, na melhor das hipóteses, subprodutos do comportamento em relação a acontecimentos anteriores e não explicam porque a pessoa caminha de uma dada maneira. Consolidamos uma «crença» quando aumentamos as probabilidades de acção através do reforço do comportamento. Quando consolidamos a confiança de determinada pessoa em que o soalho a sustentará induzindo-a a caminhar sobre ele, não se pode dizer que estejamos a modificar uma crença, mas, segundo a perspectiva tradicional, fazêmo-lo quando lhe garantimos verbalmente que o soalho é sólido, demonstramos a sua solidez caminhando nós próprios sobre ele ou descrevemos a sua estrutura e estado. A única diferença reside na evidência das medidas tomadas. A mudança que ocorre quando a pessoa «aprende a confiar no soalho» caminhando sobre ele constitui o efeito característico do reforçamento. A mudança que se verifica quando lhe dizem que o soalho é sólido, quando vê outra pessoa andar por cima dele ou quando é «convencido» pela garantia de que o soalho a sustentará depende de
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experiências passadas que já não fornecem na altura uma contribuição evidente. A pessoa que caminha por superfícies cuja solidez está sujeita a variações mais ou menos prováveis (como por exemplo, a de um lago gelado) depressa estabelece uma distinção51 entre superfícies sobre as quais outras pessoas caminham e aquelas que ninguém pisa, isto é, entre superfícies consideradas seguras e outras consideradas perigosas. Aprende assim a andar com confiança no primeiro caso e cautelosamente no segundo. Ver alguém caminhar por uma dada superfície gelada ou a garantia de que esta é segura transfere-a da segunda categoria para a primeira. O processo histórico que conduziu à discriminação poderá ter sido esquecido, pelo que o efeito parece então envolver um acontecimento interior designado por «mudança de ideias». As mudanças verificadas nas preferências, percepções, necessidades, propósitos, atitudes, opiniões e outros atributos da mente podem ser analisadas do mesmo modo. Modificamos a maneira como a pessoa olha para um dado objecto assim como o que vê quando olha, modificando as contingências; não modificamos aquilo a que se dá o nome de percepção. Modificamos a força relativa das respostas, reforçando diferencialmente cursos de acção alternantes; não modificamos aquilo a que chamamos preferência. Alteramos as probabilidades de uma acção modificando uma condição de privação ou estimulação aversiva; não modificamos uma necessidade. Reforçamos o comportamento de diferentes maneiras; não damos à pessoa um propósito ou uma intenção. Modificamos um comportamento em relação a um determinado objecto e não uma atitude em relação ao mesmo objecto. Exemplificamos (sample) e modificamos o comportamento verbal e não as opiniões. Outro meio de manipular a mente consiste em apontar razões pelas quais a pessoa deverá proceder de determinado modo. Tais razões são quase sempre consequências que têm probabilidades de variar em função do comportamento. Partamos do princípio de que uma criança está a usar uma faca de um modo perigoso. Podemos evitar complicações se tomarmos o ambiente mais seguro, retirando-lhe a faca ou dando-lhe outra menos perigosa, mas tais soluções não a prepararão para um mundo em que se usa facas perigosas. Se a deixamos entregue a si própria, poderá aprender a usar a faca apropriadamente, cortando-se sempre que a use de uma maneira inadequada. Podemos ajudá-la recorrendo a uma forma menos perigosa de punição: damos-lhe uma palmada, por exemplo, ou envergonhamo-la quando a vemos usar uma faca de um modo perigoso. Podemos dizer-lhe que certos usos são maus e outros bons, se «Bom!»
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e «Mau!» foram já condicionados como reforços positivo e negativo. Suponhamos, no entanto, que todos estes métodos apresentam subprodutos indesejáveis, tais como uma mudança nas suas relações connosco, pelo que decidimos apelar para a «razão». (É óbvio que tal só será possível se ela tiver atingido a «idade da razão».) Explicamos-lhe as contingências; demonstrando o que sucede quando se usa uma faca de uma forma e não de outra, e podemos ainda mostrar-lhe como se pode extrair regras das contingências: («Nunca deves cortar na tua direcção»). Podemos assim induzir a criança a usar a faca de uma maneira adequada e diremos provavelmente que lhe transmitimos o conhecimento do seu uso apropriado. Tivemos, porém, de tirar partido de um extenso condicionamento precedente no que se refere a instruções, direcções e outros estímulos verbais, que facilmente negligenciamos, do que resulta que a sua contribuição possa então ser atribuída ao homem autónomo. Um argumento ainda mais complexo diz respeito às novas razões que extraímos de antigas, o que constitui o processo próprio da dedução, que depende de uma evolução verbal muito mais longa e tem muitas probabilidades de se designar por mudança de ideias. Raramente se tolera os meios de modificar o comportamento pela manipulação mental quando são perfeitamente explícitos, apesar de tudo levar a crer que é a mente que está a ser manipulada. Não aprovamos a manipulação mental quando os contende dores demonstram forças desiguais: trata-se de uma «influência indevida». Tão-pouco admitimos uma manipulação mental exercida sub-ceticamente. Se o indivíduo não for capaz de aperceber-se da acção desenvolvida pelo aspirante a manipulador mental (wotdd-be changer o f minds), também não poderá esquivar-se nem contra-atacar: está a ser submetido a «propaganda». A «lavagem ao cérebro» é proscrita por aqueles que de outro modo toleram a manipulação mental, só porque o controlo é obviamente exercido. Uma técnica comum consiste em criar uma forte condição aversiva como, por exemplo, a fome ou o sono, e, ao mitigá-la, reforçar qualquer comportamento que «denote uma atitude positiva» em relação a um dado sistema político ou religioso. Estabelece-se uma «opinião» favorável através do simples reforço de afirmações favoráveis. O método poderá não ser óbvio para quem lhe é submetido, mas, para os outros, é demasiado óbvio para que seja aceite como meio permissível de manipulação mental. A ilusão de que a liberdade e a dignidade são respeitadas quando o controlo parece ser incompleto deriva em parte da natureza probabilística do comportamento operante. Urna dada condição ambiental raramente
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gera» comportamento à maneira do tudo ou nada de um acto reflexo; faz simplesmente com que aumentem as probabilidades de que ocorra uma pequena parte do comportamento. Uma insinuação não basta por si só para desencadear uma resposta (reacção), mas robustece uma resposta débil que pode então manifestar-se. A insinuação é perceptível, mas os outros acontecimentos responsáveis pelo aparecimento da resposta
não o são. Tal como a permissividade, a maiêutica, a orientação e a criação de uma dependência dos objectos, a manipulação mental é aceite pelos defensores da liberdade e da dignidade por constituir um meio ineficaz de modificar o comportamento. Além disso, o manipulador mental pode esquivar-se à acusação de que exerce controlo sobre outros indivíduos e eximir-se de responsabilidade quando as coisas correm mal. O homem autónomo sobrevive para ser louvado pelas suas realizações e inculpado pelos seus erros. A aparente liberdade respeitada por medidas débeis não é senão controlo imperceptível. Quando damos a impressão de delegar controlo na própria pessoa, limitamo-nos a substituir uma modalidade de controlo por outra. Certo semanário, ao debater o controlo legal do aborto, sustentava que «a maneira directa de abordar o problema é em termos que permitam ao indivíduo, orientado pela consciência e pela inteligência, fazer uma opção desembaraçada de conceitos e estatutos arcaicos e hipócritas»52. O que se recomendava não era uma substituição do controlo legal por uma «opção», mas pelo controlo previamente exercido pelas instituições religiosas, éticas, governamentais e educacionais. «Permite-se» ao indivíduo resolver o problema por si mesmo, apenas no sentido de que agirá em face das consequências, às quais deixou de juntar-se a punição legal. Um governo permissivo é aquele que deixa o controlo para outras fontes. Se as pessoas procedem bem sob tal governo, é porque foram submetidas a um controlo ético eficaz ou ao controlo exercido por objectos ou foram então induzidas pela acção das instituições educacionais e outras a proceder de modo leal, patriótico e cumpridor da lei. Só quando se dispõe de outras formas de controlo é que o melhor governo é aquele que menos governa. Na medida em que o governo é definido como o poder de punir, tem sido valioso o contributo da literatura da liberdade ao advogar a adopção de outras medidas, mas em nenhum outro sentido tem libertado as pessoas do controlo governamental. Uma economia livre não quer dizer ausência de controlo económico, uma vez que nenhuma economia é livre enquanto as mercadorias e o
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dinheiro valerem como reforços. Quando nos recusamos a exercer controlo sobre salários, preços e o aproveitamento das riquezas naturais a fim de não interferir na iniciativa individual deixamos o indivíduo sob o controlo de contingências económicas não planeadas. Tão-pouco é «livre» qualquer escola. Quando o professor não ensina os alunos, eles só aprenderão se prevalecerem contingências menos explícitas, mas ainda assim eficazes. O psicoterapeuta que não procura orientar os seus pacientes pode libertálos de certas contingências nocivas existentes no seu quotidiano, mas os pacientes só «encontrarão as suas próprias soluções» se a isso os induzirem contingências éticas, governamentais, religiosas, educacionais ou outras. (A relação entre terapeuta e paciente constitui assunto delicado. O terapeuta, por mais esforços «não-orientadores» que en vide, vê o seu paciente, fala com ele e escuta-o. Interessa-se profissionalmente pelo seu bem-estar e, por uma questão de simpatia, pode até preocupar-se com ele. Tudo isto é reforçante em relação ao paciente. Sugeriu-se, no entanto, que o terapeuta poderia evitar modificar o comportamento do paciente se tomasse tais reforços não casuais, isto é, se evitasse que se seguissem a qualquer forma especial de comportamento (do paciente). Conforme observou determinado escritor: «O terapeuta reage como uma pessoa coerente, com profunda compreensão e um interesse sem reservas, e, em termos de teoria da aprendizagem, recompensa o cliente tanto por um dado comportamento como por qualquer outro.» Tal missão é provavelmente impossível e em caso algum teria o efeito reivindicado. Os reforços casuais não são ineficazes, pois todo o reforço reforça sempre alguma coisa. Quando o terapeuta mostra que se preocupa com o paciente, reforça qualquer comportamento que este acabe de emitir. Qualquer reforço, mesmo que seja acidental, robustece um dado comportamento, que terá então mais probabilidades de ocorrer e ser novamente reforçado. A «superstição» daí resultante pode ser demonstrada com pombos e não é provável que o homem se tenha tornado menos susceptível a reforços casuais. Proceder com bondade para com uma dada pessoa sem que haja razões para tal, tratando-a com afecto quer ela seja boa ou má, tem até o apoio bíblico: a graça não deve ser condicionada por obras ou então não será graça. Há, contudo, processos comportamentais a levar em conta.) O erro fundamental cometido por quantos optam por métodos de controlo débeis é o de pressupor que o equilíbrio do controlo fica nas mãos do indivíduo, quando na realidade fica na dependência de outras condições. É geralmente difícil apercebermo-nos das outras condições,
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mas continuar a negligenciá-las e a atribuir os seus efeitos ao homem autónomo é procurar o perigo. Quando se oculta ou disfarça tais práticas torna-se difícil exercer qualquer contracontrolo: não é fácil identificar a quem se deve fugir ou atacar. As literaturas da liberdade e da dignidade já foram brilhantes exercícios de contracontrolo, mas as medidas que preconizavam deixaram de ser apropriadas para a tarefa. Pelo contrário, podem ter sérias consequências, sobre as quais iremos debruçar-nos seguidamente. A liberdade e a dignidade do homem autónomo só parecem preservadas quando se adopta formas brandas de controlo não-aversivo. Aqueles que as utilizam dão a impressão de se defender da acusação de que procuram controlar o comportamento e eximem-se de responsabilidade quando as coisas correm mal. A permissividade é a ausência de controlo e, se parece conduzir a resultados positivos, é apenas devido a outras contingências. A maiêutica, ou a arte da obstetrícia, parece permitir que o indivíduo seja credor de mérito pelo comportamento que dá à luz, enquanto aqueles que desenvolvem o comportamento são credores de mérito pela orientação desse desenvolvimento. A intervenção humana parece ser minimizada quando se faz com que a pessoa fique na dependência de objectos e não de outras pessoas. Vários processos de modificar o comportamento através da manipulação mental não são apenas aprovados mas também vigorosamente praticados pelos defensores da liberdade e da dignidade. Há muito para dizer a favor da minimização das actuais formas de controlo por parte de outras pessoas, mas vigoram ainda outras medidas. A pessoa que responde de uma maneira aceitável a formas débeis de controlo poderá ter sido influenciada por contingências que deixaram de actuar. Enquanto se recusarem a reconhecê-las, os defensores da liberdade e da dignidade estão a encorajar o abuso de práticas de controlo e a bloquear o progresso em direcção a uma mais eficaz tecnologia do comportamento.
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Segundo o que podemos considerar o ponto de vista pré-científico (e o termo não é necessariamente pejorativo), o comportamento do indivíduo é, pelo menos em certa medida, uma realização sua. Ele é livre para deliberar, tomar decisões e agir, possivelmente de mais do que uma maneira original, devendo ser louvado pelos seus sucessos e inculpado pelos seus fracassos. Do ponto de vista científico (e o termo não é necessariamente honorífico), o comportamento do indivíduo é determinado por uma constituição genética que podemos fazer remontar à história da evolução da espécie e pelas circunstâncias ambientais a que esteve exposto. Nenhuma destas perspectivas pode ser provada, mas decorre da natureza da investigação científica que as provas apoiem a segunda. À medida que aumentamos os nossos conhecimentos sobre os efeitos do ambiente, temos menos razões para atribuir qualquer parcela do comportamento humano a um agente de controlo autónomo. Além disso, o segundo ponto de vista apresenta uma vantagem nítida quando principiamos a actuar sobre o comportamento. Não é com facilidade que modificamos o homem autónomo: com efeito, na medida em que é autónomo, não é por definição susceptível de sofrer modificações. Contudo, o ambiente pode ser modificado e estamos a aprender a fazê-lo. As medidas de que nos servimos são as da tecnologia física e biológica, mas utilizamo-las de uma maneira especial com vista a afectar o comportamento. Existe uma lacuna nesta transferência de controlo interno para externo. Presume-se que o controlo interno é exercido não só pelo homem autónomo
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com otambém a seu favor. Mas a favor de quem deverá ser posta em práti ca uma poderosa tecnologia do comportamento? Quem deverá em prática e com que fins? Temos deixado implícito que os efeitos de uma prática são melhores do que os da outra, mas em que nos baseamos para tanto? O que é este «bom», em relação ao qual se diz que algo diferente é «melhor»? Poderemos definir o que seja uma vida boa? Ou o progresso em direcção a uma vida boa? E, na verdade, o que é o progresso? Qual é, em suma, o significado da vida tanto para o indivíduo como para a espécie? As interrogações deste tipo parecem apontar para o futuro e dizer respeito não às origens do homem mas ao seu destino. Afirma-se naturalmente que elas implicam «juízos de valor», pois põem questões que não dizem respeito a factos, mas ao modo como os homens encaram os factos, que não dizem respeito àquilo que o homem é capaz de fazer, mas àquilo que deve fazer. Costuma sugerir-se que as respostas estão fora do alcance da ciência, com o que estão muitas vezes de acordo físicos e biólogos com uma certa justificação, dado que efectivamente as suas ciências não detêm as respostas. A física pode dizer-nos como se constrói uma bomba nuclear, mas não nos diz se deverá construir-se. A biologia pode dizer-nos como controlar a natalidade e adiar a morte, mas não se deveríamos fazê-lo. As decisões que envolvem os empregos da ciência parecem exigir um tipo de sabedoria que, por qualquer razão curiosa, é negada aos cientistas. Caso lhes seja permitido emitir qualquer juízo de valor, terão de o fazer apenas da sabedoria que partilham com o vulgo. O cientista do comportamento cometeria um erro se anuísse. O que as pessoas sentem em relação aos factos ou o que significa sentir algo são questões para que uma ciência do comportamento deveria ter resposta. É indubitável que um facto é diferente do que a pessoa sente a seu respeito, mas o que a pessoa sente também é um facto. A origem das complicações (aqui como em outros campos) reside no apelo para o que as pessoas sentem. Uma maneira mais vantajosa de formular a questão seria esta: se uma análise científica é capaz de nos dizer como modificar o comportamento, poderá indicar-nos quais as modificações a fazer? Trata-se de uma pergunta sobre o comportamento daqueles que efectivamente propõem e produzem modificações. Entre as boas razões que nos levam a agir no sentido de melhorar o mundo e a progredir com vista a uma melhor maneira de viver figuram certas consequências do nosso comportamento, das quais fazem parte as coisas a que damos valor e classificamos de boas. 86
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Podemos começar por alguns exemplos simples. Existem coisas que quase toda a gente classifica de boas. Certas coisas têm bom paladar, são agradáveis ao tacto ou têm bom aspecto. Afirmamos isso com a mesma prontidão com que declaramos serem doces, ásperas ou vermelhas. Existirá então alguma propriedade física inerente a todas as coisas boas? É quase certo que não. Não há mesmo qualquer propriedade comum que seja inerente a todas as coisas doces, ásperas ou vermelhas. Uma superfície cinzenta parece-nos vermelha se tivermos estado a olhar para uma verde-azulada; o papel comum parece-nos macio depois de termos estado a tocar em lixa ou então áspero se estivemos a tactear vidro liso; a água da torneira parece-nos doce se comemos antes alcachofras. Parte daquilo que consideramos vermelho, macio ou doce deverá estar, por conseguinte, nos olhos, nas pontas dos dedos ou na língua de quem vê, tacteia ou prova. O que atribuímos a um dado objecto quando o rotulamos de vermelho, áspero ou doce é em parte uma condição do nosso próprio corpo, resultante (nos exemplos dados) de estímulos recentes. Ao classificarmos algo de bom, as condições do nosso corpo revestem-se de uma importância muito maior e por uma razão diferente. As coisas boas constituem reforçadores positivos53. A comida saborosa reforça-nos quando a provamos. As coisas que nos provocam uma agradável sensação táctil reforçam-nos quando as tacteamos. As coisas que têm boa aparência reforçam-nos quando as olhamos. Quando, em linguagem coloquial, dizemos que nos «perdemos» por tais coisas, estamos a identificar um tipo de comportamento frequentemente reforçado por elas. (As coisas que classificamos de ruins também não apresentam qualquer propriedade comum. Constituem todas reforçadores negativos, e somos reforçados quando lhes fugimos ou as evitamos.) Quando afirmamos que um juízo de valor é uma questão não de facto mas do que a pessoa sente em relação aos factos, estamos simplesmente a estabelecer uma distinção entre um objecto e o seu efeito de reforço. A física e a biologia estudam as coisas por si mesmas, geralmente sem se reportar ao seu valor; porém, os efeitos de reforço das coisas constituem o campo da ciência do comportamento, a qual, na medida em que se interessa pelo reforço operante, é uma ciência de valores. As coisas são boas (positivamente reforçantes) ou más (negativamente reforçantes)54 presumivelmente devido às contingências de sobrevivência sob as quais a espécie evoluiu. Existe um óbvio valor de sobrevivência no facto de determinados alimentos serem reforçadores; isto significa que o homem aprendeu mais depressa a encontrá-los, cultivá-los ou apanhá-
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-los. E igualmente importante uma certa susceptibilidade ao reforço negativo: quem foi mais intensamente reforçado ao evitar ou fugir a situações potencialmente perigosas desfrutou de vantagens óbvias. Consequentemente, certos efeitos produzidos por determinados reforçadores específicos constituem uma parcela da herança genética a que damos o nome de «natureza humana». (Integra também essa herança o facto de novos estímulos se tomarem reforçantes através de um condicionamento «respondente»55 - a visão de uma dada peça de fruta, por exemplo, torna-se reformate se, depois de olhá-la, lhe dermos uma dentada e a acharmos boa. A possibilidade de condicionamento respondente não altera o facto de todos os reforçadores acabarem por receber o seu poder da selecção que decorre da evolução.) Fazer um juízo de valor qualificando algo de bom ou mau é classificá-lo em termos dos seus efeitos reformates. A classificação torna-se importante, como veremos adiante, quando os reforçadores começam a ser usados por outras pessoas (quando, por exemplo, as respostas verbais «Muito bem!» e «Péssimo!» começam a funcionar como reforçadores), mas na realidade as coisas já eram reformates muito antes de serem classificadas de boas ou más, do mesmo modo que o são para os animais, que não as qualificam de boas ou más, para, os bebés e outras pessoas que não são capazes de o fazer. O efeito reforçante é que é o aspecto importante, mas será isso que queremos dizer com as palavras «a maneira de sentir das pessoas em relação às coisas»? Não serão reforçantes porque são sentidas como boas ou más? Afirma-se que os sentimentos fazem parte do equipamento do homem autónomo, pelo que se justificam alguns comentários adicionais. Sentimos coisas no interior do nosso corpo como sentimos outras à sua superfície. Sentimos um músculo dorido como sentimos uma bofetada no rosto, sentimo-nos abatidos como sentimos um vento frio. Das diferenças de localização decorrem duas diferenças importantes. Em primeiro lugar, podemos sentir coisas fora da nossa pele num sentido activo; podemos sentir uma superfície passando os dedos por ela a fim de enriquecermos os estímulos que recebemos; contudo, ainda que disponhamos de maneiras de «intensificar a nossa consciência» das coisas que se passam dentro de nós, não as sentimos activamente do mesmo modo.56 Uma diferença mais importante reside na forma como aprendemos a sentir as coisas. A criança só aprende a distinguir cores, sons, odores, gostos, temperaturas e outros aspectos do mundo físico quando passam a integrar contingências de reforço. Se determinados rebuçados vermelhos 88
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tiverem um paladar reforçante que os verdes não possuem, a criança apanha e come rebuçados vermelhos. Algumas contingências importantes são de natureza verbal. Os pais ensinam os filhos a designar as cores através do reforçamento das respostas correctas. Se uma criança disser «Azul!» e o objecto que tem à sua frente é dessa cor, os pais dizem «Muito bem!» ou «Certo!». Se o objecto for vermelho, os pais dirão «Errado!». Tal não é possível fazer-se quando a criança aprende a reagir a coisas do interior do seu corpo. Ensinar uma criança a estabelecer distinções entre os seus sentimentos é um pouco como o que aconteceria se fosse um daltónico que ensinasse a criança a designar as cores. O professor não pode estar seguro da presença ou ausência da condição que determina se uma dada resposta deve ou não ser reforçada. De uma maneira geral, a comunidade verbal não é capaz de criar as contingências subtis que são necessárias ao ensino de distinções ténues entre estímulos que lhe sejam acessíveis. Tem de apoiar-se nos indícios visíveis da presença ou ausência de uma dada condição pessoal. Os pais podem ensinar um filho a dizer «Tenho fome», não porque sintam o que a criança sente, mas porque a vêem comer com sofreguidão ou agir de outro modo que esteja relacionado com a privação de alimento (ou com o reforçamento mediante a ingestão de alimentos). Os indícios podem ser válidos e a criança pode aprender a «expressar os seus sentimentos» com certa precisão. Nem tudo se passa, porém, deste modo, pois muitos sentimentos apresentam manifestações comportamentais imperceptíveis. Por este motivo é inexacta a linguagem das emoções: somos levados a descrever as nossas emoções em termos que foram aprendidos em ligação com outros tipos de coisas e quase todas as palavras que utilizamos foram originalmente metáforas. Podemos ensinar uma criança a qualificar certas coisas como boas, reforçando-a de acordo com as nossas sensações gustativas, visuais e tácteis, mas nem toda a gente acha boas as mesmas coisas, pelo que podemos estar errados. Os outros indícios de que dispomos provêm exclusivamente do comportamento da criança. Se dermos à criança um novo alimento e ela começar a comê-lo de livre vontade, o primeiro gosto foi naturalmente reforçante. Dizemos-lhe então que a comida é boa e concordamos com ela quando disser o mesmo. Todavia a criança dispõe de outras informações. Ela sente outros efeitos e mais tarde qualificará outras coisas de boas se produzirem os mesmos efeitos, ainda que esse comer de livre vontade não figure entre eles. Não existe qualquer ligação casual importante entre o efeito reforçante
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de um estímulo e os sentimentos que suscita. De acordo com a reinteipretação da emoção por parte de William James, poderíamos sentir-nos tentados a dizer que um dado estímulo não é reformate por fazer com que nos sintamos bem, mas sim que faz com que nos sintamos bem por ser reformate. Contudo, os «porquês» seriam novamente enganadores. Os estímulos são reforçantes e produzem condições que sentimos como boas por uma única razão, que deverá ser encontrada numa análise da sua evolução. Mesmo como simples pista, o que é importante não é a sensação mas o objecto sentido: é o vidro que sentimos liso e não uma «sensação de lisura»; é o reforçador que nos dá uma sensação agradável e não a sensação agradável. O homem generalizou os sentimentos produzidos pelas coisas boas, dando-lhes o nome de prazer, e os produzidos pelas coisas más, dando-lhes o nome de dor; no entanto, não proporcionamos a uma pessoa prazer ou dor, mas sim coisas que ela sente como agradáveis ou dolorosas. O homem não visa aumentar ao máximo o prazer e reduzir ao mínimo a dor, como defendiam os hedonistas; trabalha antes com vista a produzir coisas agradáveis e evitar coisas dolorosas. Epicuro não estava totalmente certo: o prazer não constitui o bem supremo nem a dor o mal extremo; as coisas que são apenas boas constituem reforçadores positivos, enquanto as que são apenas más constituem reforçadores negativos. O que se aumenta ao máximo ou reduz ao mínimo, ou o que é em última análise o bem ou o mal são as coisas e não os sentimentos. Os homens trabalham para alcancá-las ou para evitá-las, não pelo que sentem, mas porque elas constituem reforçadores positivos ou negativos. (Quando qualificamos algo de agradável, podemos estar a descrever uma sensação, mas esta é apenas um subproduto do facto de uma dada coisa agradável ser, literalmente falando, uma coisa reforçante. Referimo-nos ao prazer (gratification) sensorial como se fosse uma questão de sensações; porém, deleitar (gratify) é reforçar e a gratidão diz respeito a um reforço recíproco. Classificamos um reforçador de satisfatório (satisfying) como se nos referíssemos a uma sensação, mas a palavra reporta-se literalmente a uma alteração do estado de privação que torna um dado objecto reforçante. Estar satisfeito é estar saciado.) Algumas das coisas boas e simples que funcionam como reforça dores provêm de outras pessoas: as pessoas aquecem-se ou protegemse mantendo-se juntas, reforçam-se umas às outras sexualmente e partilham, pedem emprestados ou roubam os haveres dos outros. O reforçamento que parte de outra pessoa não é necessariamente intencional. A pessoa
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aprende a bater palmas a fim de atrair a atenção de outrem, mas a outra pessoa não se volta com o intuito de induzi-la a repetir o gesto. As mães aprendem a acalmar uma criança inquieta afagando-a, mas a criança não emudece a fim de induzir a mãe a repetir as carícias. A pessoa aprende a repelir um inimigo batendo-lhe, mas este não se afasta para que lhe voltem a bater noutra ocasião. Em qualquer destes casos, qualificamos de não-intencional a acção reforçante. A pessoa age intencionalmente, como vimos, não no sentido de que possui uma intenção que então põe em prática, mas sim no sentido de que o seu comportamento foi já fortalecido por determinadas consequências. A criança que chora até ser afagada começa a chorar intencionalmente. Um instrutor de boxe poderá ensinar o seu pupilo a aplicar-lhe determinados golpes, agindo como se estivesse magoado. Não é provável que prestemos atenção a uma dada pessoa para induzi-la a bater palmas, mas ela poderá fazê-lo inten cionalmente se esse meio de chamar a atenção for menos aversivo do que outro. Quando são outras pessoas que criam e mantêm contingências de reforço, podemos dizer que a pessoa afectada por essas contingências procede «para o bem dos outros». E provável que as primeiras (e ainda as mais correntes) contingências geradoras de tal comportamento sejam aversivas. Qualquer indivíduo que detenha o poder necessário poderá tratar os outros aversivamente até que estes respondam de maneiras que o reforcem. Os métodos que empregam um reforço positivo são mais difíceis de aprender e têm menos probabilidades de ser usados, já que os resultados são normalmente retardados, embora tenham a vantagem de obviar contraataques. O método a usar depende muitas vezes do poder disponível: os fortes ameaçam com danos físicos, os feios amedrontam, os fisicamente atraentes reforçam os outros sexualmente e os ricos pagam. O poder dos reforçadores verbais provém dos reforçadores específicos concomitantes e, como são usados com reforçadores diferentes em alturas diferentes, o efeito pode ser generalizado. Reforçamos positivamente uma pessoa dizendo-lhe «Bem!» ou «Certo!» e negativamente, dizendo-lhe «Mal!», ou «Errado!» e estes estímulos verbais são eficazes porque foram já acompanhados de outros reforçadores. (Pode estabelecer-se uma distinção entre aqueles dois pares de palavras. O comportamento é qualificado de bom ou mau, - e as conotações éticas não são casuais - segundo o modo como os outros costumam reforçálo. Por outro lado, o comportamento é geralmente qualificado de certo ou errado relativamente a outras contingências. Existe uma maneira certa
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e outra errada de agir: uma dada manobra na condução de um automóvel é correcta e não apenas boa e outra é incorrecta e não apenas má. Pode estabelecer-se uma distinção análoga entre o elogio e a reprovação, de um lado, e o mérito e a culpa, do outro. De uma maneira geral, louvamos ou reprovamos as pessoas quando o seu comportamento nos reforça positiva ou negativamente, independentemente dos produtos do seu comportamento; porém, quando reconhecemos a alguém mérito por uma realização ou culpamo-lo de problemas, a nossa atenção incide mais na realização ou nos problemas e frisamos tratarem-se efectivamente de consequências do comportamento da pessoa. Apesar disso, usamos «Certo!» e «Bem!» quase indistintamente e talvez nem sempre valha a pena fazer uma distinção entre elogiar e reconhecer mérito). O efeito de um dado reforçador que não possa ser atribuído ao seu valor de sobrevivência no curso da evolução (o efeito da heroína, por exemplo) é, presumivelmente, anómalo. Os reforçadores condicionados parecem talvez sugerir outros tipos de susceptibilidades, mas são eficazes em consequência de determinadas contingências verificadas numa fase recuada da vida do indivíduo. Segundo Dodds57, o grego homérico lutava com inspirado fervor para conquistar, não a felicidade, mas o apreço dos outros homens. Pode tomar-se a felicidade para representar os reforçadores pessoais, que podem ser atribuídos ao valor de sobrevivência, e o apreço para representar alguns dos reforçadores condicionados usados para induzir a pessoa a agir para o bem dos outros, mas todos os reforçadores condicionados recebem o seu poder de reforçadores pessoais (em termos tradicionais, o interesse público baseia-se sempre no interesse privado) e, por conseguinte, do processo evolutivo da espécie. O que o indivíduo sente em relação a proceder para o bem alheio depende dos reforçadores usados. Os sentimentos são subprodutos das contingências e não, contribuem de modo nenhum para diferençar o que é público do que é pessoal. Não queremos dizer que os simples reforçadores biológicos sejam eficazes por causa do amor-próprio e não deveríamos atribuir a um amor pelos outros o procedimento que visa o bem alheio. Ao trabalhar para o bem dos outros, a pessoa poderá sentir amor ou medo, lealdade ou obrigação ou experimentar qualquer outro sentimento decorrente das contingências responsáveis pelo comportamento. A pessoa não age para o bem alheio devido a um sentimento de solidariedade nem se recusa a agir por um sentimento de alienação. O seu comportamento depende, sim, do controlo exercido pelo ambiente social. Quando alguém é induzido a agir para o bem de outra pessoa, é
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lícito perguntar se o resultado é justo ou merecido. Serão proporcionais os bens recebidos por ambas as partes? Quando uma dada pessoa controla outra aversivamente, não existe qualquer bem proporcional e poderá ainda usar-se reforçadores positivos de tal modo que os ganhos estão longe de equiparar-se. Nada nos processos comportamentais garante um tratamento justo, dado que a amplitude do comportamento gerado por um reforçador depende das contingências em que surge. Num caso extremo, a pessoa poderá ser reforçada por outras segundo um programa (schedide) que lhe custará a vida. Suponhamos, por exemplo, que determinado grupo se encontra sob a ameaça de um predador (o «monstro» da mitologia). Um dado indivíduo dotado de força ou destreza ataca e mata o monstro ou repele-o. Livre da ameaça, o grupo reforça o herói com manifestações de apreço, encómios, honrarias, provas de afecto, celebrações, estátuas, arcos de triunfo, e a mão da princesa. Algumas destas manifestações poderão não ser intencionais, mas não deixam de reforçar o herói: outras poderão ser intencionais, isto é, o herói é reforçado precisamente para ser induzido a enfrentar outros monstros. O que se reveste de maior importância em tais contingências é o facto de que, quanto maior for a ameaça, maior será o apreço votado ao herói que a conjurar. Deste modo, o herói é incumbido de missões cada vez mais arriscadas, até que morre. As contingências não são necessariamente sociais, pois encontramo-las noutras actividades perigosas, tais como a escalada de montanhas, em que quanto maior for o perigo mais reforçante se torna a libertação do perigo. (Que um processo comportamental deva por isso correr mal e conduzir à morte, é tanto uma violação do princípio da selecção natural como o comportamento fototrópico da borboleta, o qual tem valor de sobrevivência quando conduz a borboleta para a luz solar, mas que revela ser letal quando a conduz para uma chama). Tal como vimos, o problema do que é justo ou merecido é em muitos casos uma questão de boa administração. A questão reside em apurar se os reforçadores estão a ser usados judiciosamente. «Should» e «ought »s8 são duas outras palavras há muito associadas a juízos de valor, sem que o seu emprego constitua obviamente uma questão de economia. Usamo-las antes para esclarecer certas contingências não-sociais. «Para ir para Coimbra, deverá (shotdd/oughí) seguir por aquela estrada» não é mais do que uma variante de «Se for reforçado por chegar a Coimbra, será reforçado ao seguir por aquela estrada». Dizer que determinada estrada é o caminho «certo» para se chegar a Coimbra não constitui um juízo
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ético ou moral, mas apenas uma afirmação acerca de uma rede rodoviária. Algo mais próximo de um juízo de valor parece transparecer numa afirmação como «Dev(er)ia ler David Copperfield», que podemos traduzir por «Será reforçado se ler David Copperfield». Trata-se de um juízo de valor na medida em que sugere que o livro será reforçante. Poderemos tornar explícita tal sugestão se mencionarmos parte das nossas razões: «Se gostou de Great Expectations, dev(er)ia ler D a v i Copperfield». Tal juízo de valor é correcto se se considerar verdade generalizada que quantos são reforçados pela leitura de Great Expectations o são igualmente pela outra obra de Dickens. «Should» e «onght», começam a pôr questões mais difíceis quando nos voltamos para as contingências nas quais a pessoa é induzida a agir para o bem dos outros. «Deve(ria) dizer a verdade», é um juízo de valor na medida em que diz implicitamente respeito a contingências reforçantes, podendo ser traduzido do seguinte modo: «Se é reforçado pela consideração dos outros, será reforçado quando disser a verdade». O valor encontrase nas contingências sociais que vigoram por razões de controlo. Constitui um juízo moral ou ético no sentido em que ethos e mores se reportam às práticas consuetudinárias de um dado grupo social. Encontramo-nos num campo em que é fácil perder de vista as contingências. Uma pessoa conduz bem um automóvel devido às contingências de reforço que modelaram e mantêm o seu comportamento. A explicação tradicional para esse comportamento consiste em afirmar que a pessoa possui os conhecimentos ou a perícia requeridos para conduzir um carro, mas tais conhecimentos e tal perícia devem, por sua vez, ser feitos remontar a contingências que poderão ter sido já usadas para explicar o comportamento. Não dizemos que a pessoa faz o que «deve fazer» ao conduzir um cano devido a qualquer noção interior do que é correcto ou certo. Todavia, é provável que apelemos para qualquer virtude interior a fim de explicarmos as razões por que a pessoa procede bem para com os outros. Ora ela procede bem, não porque a sociedade a tenha dotado de um certo sentido de responsabilidade ou obrigação ou ainda de lealdade ou respeito pelos outros, mas sim porque criou contingências sociais eficazes. Os comportamentos classificados de bons ou maus e de certos ou errados não são devidos à bondade ou à maldade, a um bom ou mau carácter ou a um conhecimento do que é certo e do que é errado; devem-se, sim, a contingências que envolvem uma grande diversidade de reforçadores, que incluem já os generalizados reforçadores verbais «Bem!», e «Mal!», «Certo!» e «Errado!».
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Uma vez identificadas as contingências que controlam o comportamento qualificado de bom ou mau e de certo ou errado, tornase clara a distinção entre os factos e o que as pessoas sentem em relação aos factos. O que elas sentem em relação aos factos é um subproduto. O importante é o que fazem em relação a eles e aquilo que fazem constitui um facto que deve ser entendido através da análise de contingências relevantes. Karl Popper59 defendeu uma posição tradicional contrária, como podemos verificar: «Perante o facto sociológico de que a maioria das pessoas adoptam a norma «Não roubarás», é ainda possível optar por essa norma ou pela antinómica; e é também possível encorajar aqueles que adaptaram a norma a respeitá-la rigorosamente ou desencorajá-los, persuadindo-os a adoptar uma outra norma. E impossível extrair uma proposição que exprima uma norma ou decisão de uma proposição que exprime um facto, o que é apenas uma outra maneira de dizer que é impossível extrair normas ou decisões dos factos». A conclusão só é válida se for na realidade «possível optar por essa norma ou pela antinómica». Estamos perante o homem autónomo no desempenho do seu papel que mais respeito infunde; todavia, quer a pessoa respeite a norma «Não roubarás» quer não, isso depende de contingências subjacentes, a que não podemos deixar de prestar atenção. Podemos ilustrar o nosso ponto de vista com alguns factos relevantes. Muito antes de a «norma» haver sido formulada, já as pessoas atacavam aqueles que as roubavam. Num dado momento, o roubo passou a ser qualificado de errado e, como tal, começou a ser punido até por aqueles que não tinham sido roubados. Um dado indivíduo que estivesse familiarizado com tais contingências (possivelmente por lhes ter estado exposto) poderá então ter aconselhado outrem do seguinte modo: «Não roube». Se esse indivíduo tivesse prestígio ou autoridade suficiente, não precisaria de acrescentar mais pormenores à descrição das contingências. A forma mais forte «Não roubarás», como um dos Dez Mandamentos, sugere sanções sobrenaturais. Por outro lado, encontramos implicações de contingências sociais relevantes em «Não deve roubar», que poderíamos traduzir por «Se tende a evitar ser punido, evite roubar» ou ainda por «Roubar é errado, e todo o comportamento errado é punido». Tal afirmação tem tanto de normativa como «Se pretende dormir, e o café o mantém acordado, não o beba». As normas ou leis incluem afirmações de contingências predominantes, de ordem natural ou social. Podemos obedecer a uma norma ou respeitar
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uma lei apenas por causa das contingências a que se reportam a norma ou a lei, mas quem formula as normas e leis inclui geralmente contingências adicionais. O operário da construção civil obedece a uma dada norma quando usa um capacete. As contingências naturais, que implicam uma certa protecção contra a queda de objectos, não são muito eficazes, pelo que tem de fazer-se cumprir a norma: quem não usar o capacete de protecção será despedido. Não existe qualquer conexão natural entre o uso de capacete e a conservação de um emprego; a contingência é mantida a fim de servir de apoio às contingências naturais mas menos eficazes que justificam uma dada protecção contra a queda de objectos. Poderíamos apresentar argumentos paralelos para qualquer norma que envolva contingências sociais. Ainda que no fim de contas as pessoas procedam de uma maneira mais eficaz se lhes disserem a verdade, os ganhos são demasiado remotos para afectar quem lhes diz a verdade e são, portanto, necessárias contingências adicionais para manter um dado comportamento. Dizer a verdade é, pois, considerado bom. É a maneira certa de agir, ao passo que mentir é mau e errado. A «norma» é simplesmente uma afirmação de contingências. O controlo intencional «para o bem dos outros» torna-se mais poderoso quando é exercido por organizações religiosas, governamentais, económicas e educacionais60. Um dado grupo social mantém um certo tipo de ordem punindo os seus membros quando procedem mal; porém, quando esta função é assumida por um governo, a punição é confiada a especialistas, que têm à sua disposição formas mais poderosas como multas, encarceramentos ou a morte. O «bom» e o «mau» tornam-se «legal» e «ilegal» e as contingências são codificadas em leis que especificam comportamentos e eventuais punições. As leis são úteis àqueles que têm de respeitá-las, uma vez que especificam o comportamento a ser evitado, e têm vantagens para aqueles que as fazem cumprir, dado que especificam o comportamento a ser punido. O grupo social é substituído por uma organização de contornos muito mais nítidos - um estado ou nação cuja autoridade ou poder para punir podem ser assinalados por meio de cerimónias, bandeiras, música e histórias a respeito de prestigiosos cidadãos cumpridores da lei e de transgressores infames. Uma organização religiosa constitui uma forma especial de governo sob o qual o «bom» e o «mau» se convertem em «piedoso» e «pecaminoso». As contingências que envolvem reforços positivos e negativos, muitas vezes exacerbados ao máximo, são codificadas (como mandamentos, por exemplo) e mantidas por especialistas, que contam geralmente com o
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apoio de cerimónias, rituais e histórias. De um modo idêntico, onde os membros de um grupo não-organizado permutam mercadorias e serviços em circunstâncias informais, uma instituição ou organização económica vem esclarecer certas funções especiais, tais como as de patrões, trabalhadores, compradores e vendedores, e criar tipos especiais de reforçadores, tais como o dinheiro e o crédito. As contingências passam a ser descritas em acordos, contratos e outros documentos. Analogamente, os membros de um grupo não-organizado aprendem uns com os outros, com ou sem instrução intencional, ao passo que a educação organizada emprega especialistas chamados professores, os quais actuam em lugares especiais a que damos o nome de escolas, e cria contingências que implicam reforçadores especiais, tais como as passagens de ano e diplomas. O «bom» e o «mau» transformam-se em «certo» e «errado» e o comportamento a aprender pode ser codificado em sinopses e testes. À medida que as instituições induzem as pessoas a proceder «para o bem dos outros» de uma maneira mais eficaz, transformam também o que a pessoa sente. Uma pessoa não apoia o seu governo por ser leal, mas sim porque o governo criou contingências especiais. Chamamos-lhe uma pessoa leal e ensinamo-la a considerar-se leal e a considerar como «lealdade» quaisquer condições especiais que sinta. Uma pessoa não apoia uma dada religião por ser devota; dá-lhe o seu apoio devido às contingências criadas pela instituição religiosa. Chamamos-lhe devota e ensinamo-la a considerar-se devota e a considerar como «devoção» o que sente. Os conflitos de sentimentos, como nos temas das literaturas clássicas em que o amor se opunha ao dever ou o patriotismo à fé, são na realidade conflitos entre contingências de reforço. À medida que as contingências que induzem o homem a proceder «para o bem dos outros» se tomam mais poderosas, elas eclipsam certas contingências que envolvem reforçadores pessoais. Poderemos então lançar-Ihes um repto (contestá-las). O repto é, como se depreende, uma metáfora que sugere uma contenda ou batalha e o que as pessoas na realidade fazem em resposta a um controlo excessivo ou incompatível pode ser descrito de uma forma mais explícita. No Capítulo 2, examinámos o padrão na luta pela liberdade. A pessoa pode renegar um governo, reme tendo-se para o controlo informal de um grupo menor ou para uma solidão thoreauniana. Pode tornar-se um apóstata da religião ortodoxa, voltando-se para as práticas éticas de um grupo informal ou para o isolamento de um eremitério. Pode esquivar-se a um controlo económico organizado, preferindo uma troca informal de produtos e serviços ou uma
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subsistência solitária. Pode abandonar o saber organizado dos intelectuais e cientistas em favor da experiência pessoal (trocando o Wissen [saber] pelo Verstehen [compreender]). Outra possibilidade consiste em enfraquecer ou destruir aqueles que impõem o controlo, possivelmente através do estabelecimento de um sistema concorrente. Tais mudanças são muitas vezes acompanhadas de comportamento verbal que serve de sustentáculo à acção não-verbal e induz os outros a participarem. O valor ou validade dos reforçadores usados pelos outros e pelas instituições poderá ser posto em causa:«Por que razão devo conquistar a admiração ou evitar a censura dos outros?»; «De que me serve realmente o meu governo ou qualquer governo?»; «Poderá a igreja efectivamente determinar se serei eternamente condenado ou bem-aventurado?»; «O que é que o dinheiro tem de maravilhoso?»; «Precisarei de todas as coisas que ele compra?»; «Por que razão devo estudar todas as coisas apresentadas no programa da faculdade?». Em suma: «Porque hei-de proceder ‘para o bem dos outros’?». Quando destruímos ou nos esquivamos deste modo ao controlo exercido pelos outros, restam-nos apenas os reforçadores pessoais. O indivíduo entrega-se à experiência de prazeres (gratification) imediatos, possivelmente através do sexo ou de drogas. Se não precisar de esforçar-se muito para encontrar comida, abrigo e protecção, produzir-se-á pouco comportamento. Afirma-se então que ele sofre de uma ausência de valores. Gomo assinalou Maslow61, a ausência de valores (valuelessness) é «diversamente descrita como anomia, amoralidade, anedonia, desenraizamento, vacuidade, desesperança ou falta de algo em que acreditar e a que se devotar». Todos estes termos parecem reportar-se a sentimentos ou estados de espírito, mas o que efectivamente falta são reforçadores eficazes. A anomia e a amoralidade reportam-se a uma ausência de reforçadores já existentes que induzam as pessoas a respeitar normas. A anedonia, o desenraizamento, a vacuidade e a desesperança assinalam a ausência de reforçadores de todos os tipos. O que se exprime como «algo em que acreditar e a que se devotar» encontra-se entre as contingências já existentes que induzem as pessoas a agir «para o bem dos outros». A distinção entre sentimentos e contingências reveste-se de particular importância quando se tem de passar à acção prática. Se o indivíduo sofrer na verdade de um vago estado interno chamado ausência de valores, então só poderemos resolver o problema modificando esse estado: «reactivando o poder moral», «incutindo-lhe força moral», por exemplo, ou «fortalecendo-lhe o moral ou as suas opções espirituais. O que tem
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de ser alterado são as contingências, quer as encaremos como responsáveis pelo comportamento deficiente quer pelos sentimentos que se afirma explicarem o comportamento. Propõe-se frequentemente fortalecer os controlos originais através da eliminação de conflitos, da utilização de reforçadores mais imperiosos e de uma exacerbação das contingências. Se as pessoas não trabalham, não é porque sejam preguiçosas ou destituídas de expediente, mas porque não são suficientemente remuneradas ou porque o bem-estar ou a abundância reduziram já a eficácia dos reforçadores económicos. Crê-se que a solução para este problema está em fazer com que as coisas boas da vida apenas sejam convenientemente dependentes do trabalho produtivo. Se os cidadãos não cumprem a lei, não é porque sejam desrespeitadores da lei ou criminosos, mas porque se tomaram frouxas as medidas que visam fazer cumprir a lei; o problema pode resolver-se pela recusa a suspender ou comutar penas, pelo aumento da força policial e pela aprovação de leis mais severas. Se os estudantes não estudam, não é porque não se sintam interessados, mas porque os critérios foram degradados ou as matérias ensinadas deixaram de ser relevantes para uma vida satisfatória. Em contrapartida, procurarão activamente instruir-se se for restaurado o prestígio concedido ao saber te órico e prátic o. (Como resultado concomitante, as pessoas passarão a sentir-se diligentes, respeitadoras da lei e interessadas em instruir-se.) Tais propostas que visam fortalecer antigas modalidades de controlo são correctamente classificadas de reaccionárias. A estratégia poderá ter algum êxito, mas não solucionará os problemas. O controlo organizado «para o bem dos outros» continuará a competir com os reforçadores pessoais e, num outro plano, competirão entre si diferentes tipos de controlo organizado. A diferença dos bens recebidos por quem exerce o controlo e pelo indivíduo controlado continuará a ser injusto ou iníquo. Se o problema reside simplesmente em corrigir essa diferença, qualquer medida que torne o controlo mais eficaz encaminha as coisas na direcção errada, mas qualquer acção que vise um individualismo total ou uma libertação completa do controlo seguirá também na direcção errada. O primeiro passo da resolução do problema consiste em identificar todos os bens recebidos pelo indivíduo quando controlado para o bem dos outros. As outras pessoas exercem controlo através da manipulação dos reforçadores pessoais a que o organismo humano seja susceptível, assim como de reforçadores condicionados, tais como o eiogio ou a censura, que deles derivam. Existem, porém, outras consequências que passam
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facilmente despercebidas por não ocorrerem imediatamente. Debatemos já o problema de tornar eficazes as consequências aversivas de efeito retardado. Põe-se um problema idêntico quando as consequências retardadas são positivamente reforçantes. Trata-se, pois, de um problema suficientemente importante que justifica alguns comentários adicionais. Presume-se que o processo do condicionamento operante tenha evoluído quando aqueles organismos que eram mais susceptíveis às consequências do seu comportamento se tornaram mais capazes de se adaptar ao ambiente e sobreviver. Apenas as consequências verdadeiramente imediatas poderiam ser eficazes. Uma das razões para este facto relaciona-se com as «causas finais». Com efeito, o comportamento não é susceptível de ser afectado por algo que lhe suceda, mas, se uma «consequência», for imediata, poderá sobrepor-se ao comportamento. Uma segunda razão diz respeito à relação funcional entre o comportamento e as suas consequências. As contingências de sobrevivência não poderiam gerar um processo de condicionamento que tomasse em consideração o modo como o comportamento produzia as suas consequências. A única relação útil foi temporal: desenvolver-se-ia o processo no qual um dado reforçador fortalecesse qualquer comportamento a que se seguisse. Contudo, o processo só seria importante se fortalecesse um comportamento que efectivamente produzisse resultados. Daí a importância do facto de que qualquer mudança que suceda imediatamente a uma resposta tem as maiores probabilidades de haver sido produzida por ela. Uma terceira razão, relacionada com a segunda mas de natureza mais prática, é que o efeito reforçante de qualquer consequência retardada pode ser (por assim dizer) usurpado por um dado comportamento que sobrevenha, o qual é reforçado apesar de não haver desempenhado qualquer papel na produção do acontecimento reforçante. Se bem que o processo do condicionamento operante esteja ligado aos efeitos imediatos, existem consequências remotas que podem ser importantes e o indivíduo colhe benefícios se puder ser submetido ao seu controlo. A distância pode ser anulada mediante uma série de «reforçadores condicionados», dos quais já examinámos um exemplo. A pessoa que tenha frequentemente fugido à chuva recolhendo-se debaixo de um abrigo acabará eventualmente por evitá-la, afastando-se antes que comece a chover. Os estímulos que frequentemente precedem a chuva convertem-se em reforçadores negativos (damos-lhes o nome de sinal ou ameaça de chuva). São mais aversivos quando a pessoa não se encontra abrigada; deste modo, ao procurar abrigo, a pessoa esquiva-se-lhes e evita molhar-se. A verdadeira consequência não é a de evitar molhar-se quando
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eventualmente chover, mas sim a redução imediata de um estímulo aversivo condicionado. Podemos mais facilmente examinar o papel de mediadora de uma consequência remota quando os reforçadores são positivos. Consideremos, por exemplo, um fragmento de «paleocomportamento» a que se dá o nome de abafar o fogo. A prática de amontoar cinza sobre as brasas à noite, a fim de que possa encontrar-se na manhã seguinte um carvão ainda incandescente para voltar a acender uma fogueira ou lume, deverá ter sido muito importante nos tempos em que não era fácil acender um lume de outra forma. Como teria sido aprendida tal prática? (Como é óbvio, não serve de explicação dizer que alguém «teve a ideia» de abafar o fogo, pois teríamos de seguir um caminho paralelo para explicar a ideia.) O carvão incandescente encontrado de manhã dificilmente poderia reforçar o comportamento de amontoar cinzas na noite anterior; porém, esse intervalo de tempo pôde ser anulado por uma série de reforçadores condicionados. Constitui tarefa fácil aprender a acender um lume a partir de outro que não esteja ainda completamente apagado; por outro lado, se o lume parecesse apagado já há algum tempo, deveria ter sido fácil aprender a escavar a cinza para encontrar uma brasa. Um montão de cinza ter-se-ia então tornado um reforçador condicionado - a ocasião em que se pode escavar a cinza e encontrar uma brasa. O amontoar de cinza teria então sido a automaticamente reforçado. O lapso de tempo poderá ter sido, a princípio, muito curto (abafou-se um lume de determinada maneira, tendo sido encontrado pouco tempo depois), mas, à medida que essa acção se foi convertendo numa prática, os aspectos temporais das contingências poderão ter mudado. À semelhança de todas as descrições das origens de formas de «paleo comportamento», também esta é altamente especulativa, mas pode servir para estabelecer um princípio. As contingências nas quais as pessoas aprenderam a abafar fogos deverão ter sido extremamente raras. Para garantir a sua plausibilidade, devemos ter em conta o facto de que passavam centenas de milhares de anos, durante os quais poderiam ter ocorrido. Todavia, uma vez adquirido o comportamento de abafar o fogo (ou parte dele) por um dado indivíduo, outros puderam adquiri-lo com muito maior facilidade, pelo que deixaram de ser necessárias quaisquer outras contingências acidentais. Uma das vantagens de sermos animais gregários é a de não precisarmos de descobrir práticas por nossa conta. Os pais ensinam os filhos, tal como o artífice ensina o aprendiz, já que desse modo ganham ajudantes úteis,
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mas ao longo desse processo tanto a criança como o aprendiz adquirem um comportamento útil que muito provavelmente não adquiririam em contingências não-sociais. Não é provável que as sementeiras sejam feitas na primavera só pela simples razão de as colheitas serem feitas no outono. A sementeira não seria adaptativa ou «razoável» se não houvesse qualquer ligação com a colheita, mas semeia-se na primavera devido a contingências mais imediatas, a maioria das quais decorre do ambiente social. A colheita tem, na melhor das hipóteses, o efeito de preservar uma série de reforçadores condicionados. Um dos repertórios importantes que é necessariamente adquirido dos outros indivíduos é o verbal. O comportamento verbal terá, presumivelmente, surgido sob contingências que envolviam interacções sociais práticas, mas o indivíduo que se toma tanto um «falante» como um «ouvinte» possui um repertório de alcance e poder extraordinários, que pode usar por si mesmo. Partes desse repertório dizem respeito ao autoconhecimento e ao autocontrolo, que, como veremos no Capítulo 9, são produtos sociais, muito embora costumem ser mal interpretados como intensamente individuais e subjectivos. Ainda outra vantagem importante é que o indivíduo é, afinal de contas, um dos «outros» que exercem controlo e que assim agem para seu próprio benefício. Procura muitas vezes justificar-se as instituições organizadas quando se salienta certos valores gerais. Sob um governo, o indivíduo desfruta de uma certa medida de ordem e segurança. Um sistema económico justifica-se pondo em relevo a riqueza que produz, enquanto um sistema educacional aponta para os conhecimentos teóricos e práticos que proporciona. Sem um ambiente social, a pessoa permanece essencialmente selvagem, como acontece com aquelas crianças que se afirma terem sido criadas por lobos ou que conseguiram sobreviver por si próprias desde tenra idade num clima propício. O indivíduo que tenha vivido só desde a nascença não apresentará comportamento verbal, não terá consciência de si mesmo como pessoa, não possuirá técnicas de auto-administração e, em relação ao mundo que o rodeia, só dominará aquelas habilidades rudimentares que pode adquirir-se, durante uma vida breve, de contingências não-sociais. No Infemo de Dante, sofrerá as torturas reservadas àqueles que «viveram sem censura e sem louvor», como os «anjos que existiram... para si próprios»62. Existir para si próprio é ser quase nada. Os grandes individualistas tantas vezes citados para mostrar o valor da liberdade pessoal ficaram a dever os seus sucessos aos ambientes sociais
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que precederam o seu isolamento. O individualismo involuntário de um Robinson Crusoe e o individualismo voluntário de um Henry David Thoreau revelam que eles estavam obviamente em débito para com a sociedade. Se Crusoe tivesse chegado à ilha quando criança e se Thoreau houvesse crescido isolado nas margens de Walden Pond, as suas histórias teriam sido diferentes. Todos temos de começar como crianças e não há autodeterminação, auto-suficiência ou autoconfiança que nos tornem, em sentido algum, indivíduos, a não ser como membros da espécie humana. O grande princípio de Rousseau - «a natureza fez o homem feliz e bom, mas a sociedade corrompe-o e toma-o infeliz»63 - estava errado. Não deixa, porém, de ser irónico que, ao queixar-se de que o seu livro Émile tivesse sido tão mal compreendido, Rousseau o descreva como «um tratado sobre a bondade original do homem, destinado a mostrar como o vício e o erro, estranhos à sua natureza, se introduzem nele e insensivelmente o modificam», uma vez que o livro constitui na verdade um dos grandes tratados práticos sobre o modo como pode ser manipulado o comportamento humano. Mesmo aqueles que se destacam como revolucionários são quase integralmente produtos convencionais dos sistemas que derrubam. Falam a língua, usam a lógica e a ciência, respeitam muitos dos princípios éticos e jurídicos que a sociedade lhes transmitiu. Só uma pequena parcela do seu comportamento poderá ser excepcional e talvez o seja até de uma forma dramática, pelo que temos de procurar razões excepcionais na evolução das suas idiossincrasias. (Atribuir as suas contribuições originais a um carácter «prodigioso», de homem autónomo não constitui, como é óbvio, explicação válida.) Estes são, portanto, alguns dos lucros a creditar ao controlo exercido pelos outros, para além dos bens usados nesse controlo. Os lucros mais remotos são relevantes para qualquer avaliação da justiça ou equidade do intercâmbio entre o indivíduo e o seu ambiente social. Não se conseguirá um equilíbrio razoável enquanto os ganhos mais remotos forem negligenciados por individualistas radicais ou pelos doutrinários do livre arbítrio, ou ainda enquanto um sistema baseado na exploração fizer pender violentamente a balança na outra direcção. Presumimos que exista um estado ideal de equilíbrio, no qual todos sejam reforçados ao máximo. Contudo, tal afirmação implica outro tipo de valor. Porquê interessar-nos por problemas de justiça ou equidade, mesmo que estes possam reduzir-se a um questão de boa administração na aplicação de reforçadores? É óbvio que às questões por que começámos não podemos responder com
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a simples indicação do que é bom para o indivíduo e do que é bom para os outros. Há outro tipo de valor sobre o qual iremos seguidamente debruçar-nos. A luta pela liberdade e pela dignidade tem sido formulada mais como uma defesa do homem autónomo do que como uma revisão das contingências de reforço que envolvem o homem. Dispomos de uma tecnologia do comportamento que reduziria com maior sucesso as consequências aversivas, a curto ou a longo prazo, do comportamento, além de aumentar ao máximo as realizações de que o organismo humano é capaz; os defensores da liberdade opõem-se, no entanto, à sua aplicação. Tal oposição poderá levantar certas questões que dizem respeito a «valores». A quem cabe decidir o que é bom para o homem? Como será aplicada uma tecnologia mais eficaz? Por quem e com que fim? Estas inter rogações dizem verdadeiramente respeito a reforçadores. Certas coisas tornaram-se «boas» durante a evolução da espécie e podem ser usadas com vista a induzir o indivíduo a agir para o «bem dos outros». Quando usadas em excesso, podem ser contestadas e levar o indivíduo a refugiar-se em coisas que apenas são boas para ele. A essa contestação pode então contrapor-se medidas que visam intensificar as contingências que produzem comportamento para o bem alheio ou chamar a atenção para determinados ganhos individuais, anteriormente negligenciados, tais como os que se idealiza como segurança, ordem, saúde, riqueza ou sabedoria. Possivelmente de uma maneira indirecta, o indivíduo pode ainda ser submetido pelos outros ao controlo de determinadas consequências remotas do seu comportamento, pelo que o bem alheio reverterá então em benefício do indivíduo. Falta-nos analisar outra espécie de bem que contribui para o progresso humano.
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Ao nascer membro da espécie humana, cada criança é portadora de uma herança genética que apresenta muitos aspectos idiossincrásicos, começando imediatamente a adquirir um repertório de formas de comportamento sob as contingências de reforço a que se encontra exposta como indivíduo. A maior parte destas contingências é criada por outras pessoas. Constituem, com efeito, o que se denomina uma cultura, se bem que o termo seja habitualmente definido de outras maneiras. Dois eminentes antropólogos afirmaram, por exemplo, que «o núcleo essencial de uma cultura64 consiste nas ideias tradicionais (isto é, historicamente extraídas e seleccionadas) e particularmente nos valores que lhes estão associados. Contudo, quem estuda culturas não vê ideias nem valores; vê, sim, como as pessoas vivem, como criam os filhos, como colhem ou cultivam os alimentos, como são os seus tipos de habitação e vestuário, como se divertem, como agem entre si, quais são as suas formas de governo e outros aspectos. Estuda, portanto os costumes, os comportamentos usuais, de um povo. A fim de explicá-los, somos forçados a debruçar-nos sobre as contingências que lhes dão origem. Certas contingências fazem parte do ambiente físico, ainda que actuem geralmente em combinação com contingências sociais, sendo as últimas naturalmente postas em relevo por quem estuda uma cultura. As contingências sociais (os tipos de comportamento que geram) são as «ideias» de uma cultura, enquanto os reforçadores que emergem das contingências são os seus «valores». A pessoa não só se encontra exposta às contingências que constituem
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uma cultura como ainda contribui para a sua manutenção e, na medida em que as contingências a induzem a fazê-lo, a cultura perpetua-se a si mesma. Os reforçadores presentes numa dada cultura constituem matéria de observação que não podemos contestar. O que determinado grupo de indivíduos classifica de bom é um facto: constitui aquilo que certos membros do grupo consideram reforçante em consequência da sua constituição genética e das contingências naturais e sociais a que estiveram expostos. Toda a cultura tem o seu próprio conjunto de «bens», logo aquilo que se considera bom numa cultura pode não sê-lo noutra. Reconhecer tal é assumir a posição do «relativismo cultural». O que é bom para o indígena da ilha de Trobriand é bom para o indígena da ilha de Trobriand e daí não passamos. Os antropólogos têm frequentemente posto em relevo o relativismo como uma alternativa tolerante para o zelo missionário de converter todas as culturas num único conjunto de valores éticos, governamentais, religiosos ou económicos. Um dado conjunto de valores poderá explicar porque funciona uma cultura, possivelmente sem apresentar muitas alterações, durante um longo período de tempo; nenhuma cultura está, porém, em permanente equilíbrio. As contingências mudam necessariamente. O ambiente físico sofre modificações à medida que as pessoas se deslocam, o clima se altera, os recursos naturais se esgotam, são aproveitados para outros fins ou deixam de ter utilidade, e assim sucessivamente. As contingências sociais também se modificam à medida que as proporções de um grupo ou as suas relações com outros grupos se alteram, as instituções de controlo se tornam mais ou menos poderosas ou competitivas entre si ou o controlo exercido conduz a formas de contracontrolo como, por exemplo, a fuga ou a revolta. Caso não se transmita adequadamente as contingências características de uma dada cultura, não se mantém a tendência para se ser reforçado por um determinado conjunto de valores e, por conseguinte, poderá então estreitar-se ou alargar-se a margem de segurança com que se enfrenta emergências. Em resumo, a cultura pode tornar-se mais forte ou mais fraca e podemos prever se irá sobreviver ou perecer. A sobrevivência de uma cultura emerge assim como um novo valor a tomar em consideração, a adicionar aos «bens» pessoais e sociais. O facto de uma cultura poder sobreviver ou perecer sugere uma evolução, pelo que, naturalmente, se tem traçado com frequência um paralelismo com a evolução da espécie. Tal paralelismo deve ser rodeado de prudência. Uma cultura corresponde a uma espécie e descrevêmo-la
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enumerando muitas das suas práticas, tal como descrevemos uma espécie através da enumeração das suas características anatómicas. Duas ou mais culturas podem partilhar uma prática, do mesmo modo que duas ou mais espécies podem partilhar uma característica anatómica. À semelhança das características de uma dada espécie, as práticas de uma cultura são veiculadas pelos seus membros, que as transmitem a outros. De uma maneira geral, quanto maior for o número de indivíduos que veiculam uma espécie ou uma cultura, tanto maiores serão as suas possibilidades de sobreviver. Tal como uma espécie, uma cultura é seleccionada pela sua adaptação a um dado ambiente: na medida em que uma cultura ajuda os seus membros a prover às suas necessidades e a evitar os perigos, ela ajuda-os a sobreviver e a transmitir a cultura. Os dois tipos de evolução estão intimamente entrelaçados. Os mesmos indivíduos transmitem tanto uma cultura como uma constituição genética, se bem que de maneiras muito diferentes e durante períodos diferentes das suas vidas. A capacidade de sofrer as modificações comportamentais que tornam possível uma cultura foi adquirida durante uma evolução da espécie e, reciprocamente, a cultura determina muitas das características biológicas transmitidas. Muitas culturas actuais, por exemplo, possibilitam aos indivíduos (que de outro modo não o conseguiriam) sobreviver e procriar. Nem todas as práticas de uma cultura assim como nem todas as características de uma espécie são adaptativas, já que determinadas práticas e características não-adaptativas podem ser veiculadas por outras adaptativas. Deste modo, certas culturas e espécies que são pouco adaptativas podem sobreviver durante muito tempo. A mutações genéticas correspondem novas práticas. Uma nova prática pode enfraquecer uma cultura (por exemplo, conduzindo a um consumo supérfluo de recursos ou debilitando a saúde dos seus membros) ou fortalecê-la (ajudando os seus membros, por exemplo, a utilizar os recursos naturais de uma maneira mais eficaz ou a melhorar a sua saúde). À semelhança de uma mutação, uma alteração da estrutura de um gene não está relacionada com as contingências de selecção que afectam a característica resultante, pelo que a origem de uma dada prática também não está necessariamente relacionada com a seu valor de sobrevivência. A alergia alimentar de um chefe influente poderá dar origem a uma lei dietética, determinada idiossincrasia sexual a uma prática matrimonial, as características de um terreno a uma estratégia militar (e as práticas poderão ser ainda valiosas para a cultura por razões completamente divorciadas entre si). Como é evidente, as origens de muitas práticas
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culturais remontam a meros acidentes. Como sofresse as incursões de tribos que desciam das suas fortalezas naturais constituídas pelas colinas circundantes, a primitiva Roma65, sita numa planície fértil, promulgou leis relativas à propriedade que sobreviveram ao problema original. Ao demarcar de novo as terras, após as cheias anuais do Nilo, os egípcios desenvolveram a trigonometria, que provou ser vantajosa por muitas outras razões. O paralelismo entre as evoluções biológica e cultural perde-se quando confrontamos os aspectos referentes à transmissão. Nada existe de semelhante ao mecanismo cromossoma-gene na transmissão de uma prática cultural. A evolução cultural é lamarckiana no sentido em que as práticas adquiridas se transmitem. Para citar um exemplo já muito usado, a girafa não estica o pescoço para alcançar alimentos que, de outro modo, se encontram fora do seu alcance, transmitindo depois um pescoço mais longo à sua prole; em vez disso, aquelas girafas nas quais a mutação produziu pescoços mais compridos têm mais probabilidades de chegar a alimentos disponíveis e, portanto, de transmitir a mutação. A cultura que desenvolva uma dada prática que lhe permite alcançar fontes alimentares (que de outro modo continuariam inacessíveis) pode, no entanto, transmitir essa prática não só a novos membros como também a contemporâneos ou a sobreviventes de uma geração precedente. E, o que é mais importante, uma prática pode ainda ser transmitida a outras culturas por «difusão» (como se os antílopes, apercebendo-se da utilidade de um pescoço comprido nas girafas, viessem a ter pescoços mais compridos). As espécies estão isoladas entre si pela intransmissibilidade das características genéticas, mas não existe isolamento comparável entre as culturas. Uma cultura é um conjunto de práticas, mas não um conjunto que não seja susceptível de misturar-se com outros. Somos levados a associar uma cultura a um grupo de indivíduos: torna-se mais fácil ver as pessoas do que o seu comportamento, do mesmo modo que é mais fácil observar o comportamento do que as contingências que o produzem. (Também facilmente observáveis, e por isso frequentemente invocados quando se define uma cultura, são a língua falada e os objectos usados pela cultura, tais como utensílios, armas, vestuário e objectos de arte.) Só na medida em que identificarmos uma dada cultura com os indivíduos que a praticam podemos falar de um «membro de uma cultura», uma vez que não se pode ser membro de um conjunto de contingências de reforço ou de um conjunto de artefactos (ou, ainda pela mesma razão, de um «conjunto de ideias e dos valores que lhe estão associados»).
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Vários tipos de isolamento podem produzir uma cultura bem definida se limitarem a transmissibilidade das práticas culturais. Sugere-se o isolamento geográfico quando se fala de uma cultura «samoa», ou características rácias que podem interferir na permuta de práticas por parte de uma cultura «polinésica». Uma instituição ou sistema dominante de controlo poderá conservar intacto um conjunto de práticas, Uma cultura democrática, por exemplo, é um ambiente social caracterizado por determinadas práticas governamentais e apoiado em compatíveis práticas éticas, religiosas, económicas e educacionais. Uma cultura cristã, muçulmana ou budista sugere um controlo religioso dominante; por sua vez, uma cultura capitalista ou socialista implica um conjunto predominante de práticas económicas, cada uma daquelas associada possivelmente a práticas compatíveis de outras naturezas. Uma cultura definida por um governo, religião ou sistema económico não exige necessariamente um isolamento geográfico ou rácico. Ainda que seja muito menos rigoroso o paralelismo traçado entre as evoluções biológica e cultural no que toca à transmissibilidade, a noção de evolução cultural continua a ter utilidade. Surgem práticas novas que tendem a transmitir-se quando contribuem para a sobrevivência daqueles que as adoptam. Com efeito, podemos estudar a evolução de uma cultura de uma maneira mais precisa do que a evolução de uma espécie, uma vez que as condições essenciais são observadas e não inferidas podem muitas vezes ser ainda manipuladas directamente. Não obstante, tal como vimos, só agora começámos a compreender o papel do ambiente; além disso, raramente é fácil identificar o ambiente social que constitui uma cultura, já que se encontra em mutação permanente, carece de substância e confunde-se facilmente com as pessoas que o mantêm e por ele são influenciadas. Dado que uma cultura tende a identificar-se com as pessoas que a praticam, tem-se usado o princípio da evolução para justificar a competição entre culturas de acordo com a assim chamada «doutrina do darwinismo social»66. Tem-se defendido guerras que opõem governos, religiões, sistemas económicos, raças e classes com a justificação de que a sobrevivência do mais apto é uma lei da natureza, de uma natureza dotada de «dentes e garras sanguinários». Se o homem existe como espécie superior, porque não havemos de aspirar a uma subespécie ou raça superior? Se a cultura evoluiu por um processo idêntico, porque não antever uma cultura superior? É certo que as pessoas se matam umas às outras, muitas vezes por práticas que parecem definir culturas. Um dado governo ou forma de governo
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compete com outro(a), competição esta que se traduz principalmente nas despesas militares. Paralelamente, os sistemas religiosos e económicos recorrem a medidas de natureza militar. A «solução para o problema judaico» por parte dos nazis constituiu uma luta competitiva de vida ou de morte. E, numa competição deste tipo, são os fortes que parecem sobreviver. Todavia, tal como o homem, nenhuma instituição governamental, religiosa ou económica sobrevive por um período de tempo muito longo. O que evolui são as práticas. A competição com outras formas não constitui, quer na evolução biológica quer na cultural, a única condição importante de selecção, pois tanto as espécies como as culturas «competem», antes de mais nada, com o ambiente físico. A maior parte das características anatómicas e fisiológicas de uma espécie relaciona-se com a respiração, a alimentação, a manutenção de uma temperatura adequada, a sobrevivência ao perigo, a luta contra as infecções, a procriação, etc. Apenas uma pequena parte dessas características diz respeito ao êxito na luta contra outros membros da mesma espécie ou de outras espécies e a isso deve a sua sobrevivência. Analogamente, a maior parte das práticas que compõe uma cultura diz mais respeito à subsistência e à protecção do que à competição com outras culturas, tendo sido seleccionadas por contingências de sobrevivência nas quais o sucesso obtido na competição desempenhou papel de pouca monta. Uma cultura não é o produto de um «espírito colectivo» nem a expressão de uma «vontade geral». Nenhuma sociedade começou com um contrato social; nenhum sistema económico com um plano de permutas ou salários; nenhuma estrutura familiar com uma perspectiva das vantagens da coabitação. Uma cultura evolui quando novas práticas propiciam a sobrevivência daqueles que as adoptam. Quando se torna evidente que uma dada cultura é susceptível de sobreviver ou perecer, pode acontecer que alguns dos seus membros comecem a actuar com vista a promover a sua sobrevivência. Aos dois valores que, como vimos, podem afectar quantos se encontram em posição de utilizar uma tecnologia do comportamento - os «bens» pessoais, que actuam como reforçadores em consequência da constituição genética humana, e os «bens» dos outros, que são extraídos de reforçadores pessoais - devemos agora acrescentar um terceiro: o bem de uma cultura. Mas porque é ele eficaz? Por que motivo hão-de as pessoas do último quartel do século XX importar-se com o que serão as pessoas do último quartel do século XXI? Qual será a sua forma de governo? Como e porque
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trabalharão produtivamente? Quais serão o seus conhecimentos? Como serão os seus livros, a sua música e a sua pintura? Não é possível extrair nenhum reforçador actual de algo tão remoto. Por que motivo há-de, então, o indivíduo considerar a sobrevivência da sua cultura como um «bem»? Como é óbvio, não adianta afirmar que uma pessoa age «porque se preocupa com a sobrevivência da sua cultura». Os sentimentos que o indivíduo experimenta em relação a qualquer instituição dependem dos reforçadores que esta utilizar. O que ele sente em relação a um governo pode variar entre o patriotismo mais fervoroso e o medo mais abjecto, consoante a natureza das práticas de controlo. O que um indivíduo sente em relação a um dado sistema económico pode oscilar entre um apoio entusiástico e um ressentimento intenso, consoante o modo como esse sistema utiliza reforçadores positivos ou negativos. E o que o indivíduo sente em relação à sobrevivência da sua cultura dependerá das medidas adoptadas por esta para induzir os seus membros a trabalhar pela sobrevivência da cultura. As medidas explicam o apoio; os sentimentos são apenas subprodutos. Tão-pouco adianta afirmar que alguém tem subitamente a ideia de trabalhar para a sobrevivência de uma cultura e a transmite a outras pessoas. Uma «ideia» é pelo menos tão difícil de explicar quanto as práticas que dizem expressá-la, além de ser muito menos acessível. Como devemos, porém, explicar tais práticas? Muito do que a pessoa faz no sentido de promover a sobrevivência de uma cultura não é «intencional», isto é, não é feito pelo facto de aumentar o valor de sobrevivência. Uma cultura sobrevive se aqueles que a veiculam sobreviverem, e a sobrevivência destes depende em parte de certas susceptibilidades genéticas ao reforço que têm como resultado a modelação e preservação de formas de comportamento que contribuem para a sobrevivência. Segundo se presume, as práticas que induzem o indivíduo a trabalhar pelo bem alheio propiciam a sobrevivência dos outros e, por conseguinte, a sobrevivência da cultura que veiculam. As instituições podem extrair reforçadores eficazes de eventos que só ocorrerão após a morte do indivíduo. Actuam como mediadoras em questões de segurança, justiça, ordem, saber, riqueza, saúde e outras, mas o indivíduo apenas desfrutará de parte dos benefícios possíveis. Nos termos de um plano quinquenal ou de um programa de austeridade, as pessoas são induzidas a trabalhar aplicadamente e a prescindir de certos tipos de reforçadores em troca da promessa de reforçadores futuros, mas muitas delas não viverão o suficiente para desfrutar dessas consequências futuras.
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(Rousseau chegou à mesma conclusão no tocante à educação: metade das crianças submetidas às práticas educacionais punitivas do seu tempo não viviam o suficiente para desfrutar dos supostos benefícios.) As honras concedidas ao herói vivo sobrevivem-lhe sob a forma de monumentos. Tal como o saber acumulado, a riqueza acumulada sobrevive àquele que a acumula: certos homens ricos criam fundações que portam o seu nome, enquanto a ciência e a erudição têm os seus heróis. A noção cristã da vida depois da morte poderá ter tido a sua origem no reforço social daqueles que em vida sofrem pela sua religião. O céu é pintado como uma colecção de reforçadores positivos e o inferno como uma colecção de reforçadores negativos, se bem que estejam ligados a acções praticadas antes da morte. (A sobrevivência pessoal além-túmulo poderá constituir um esboço de representação metafórica do conceito evolucionista do valor de sobrevivência.) Como é ev/dente, o indivíduo não é directamente afectado por tais coisas: apenas colhe benefícios dos reforçadores condicionados usados por outros membros da sua cultura que lhe sobrevivem e são directamente afectados. Nada do que acabamos de debater explica aquilo a que poderíamos chamar uma preocupação pura com a sobrevivência de uma cultura, mas na realidade nem precisamos de uma explicação. Do mesmo modo que não necessitamos de explicar a origem de uma dada mutação genética a fim de justificar o seu efeito na selecção natural, também não precisamos de explicar a origem de uma dada prática cultural a fim de demonstrar a sua contribuição para a sobrevivência de uma cultura. Acontece apenas que tem mais probabilidades de sobreviver aquela cultura que, por qualquer razão, induza os seus membros a trabalhar para a sobrevivência dessa cultura ou de algumas das suas práticas. A sobrevivência é, pois, o único valor pelo qual se deve eventualmente julgar uma dada cultura e qualquer prática que contribua para a sobrevivência tem, por definição, valor de sobrevivência. Caso se considere pouco satisfatória a afirmação de que qualquer cultura que, por qualquer razão, induza os seus membros a trabalhar para a sua sobrevivência apresenta mais probabilidades de sobreviver e perpetuar tais práticas, devemos recordar-nos de que há muito pouco que explicar. As culturas raramente geram um interesse puro pela sua sobrevivência, um interesse totalmente liberto dos enfeites jingoístas, aspectos raciais, localizações geográficas ou práticas oficializadas com que as culturas tendem a ser identificadas. Quando se põe em causa os bens dos outros, em especial os bens
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de instituições organizadas, não é fácil responder apontando vantagens a usufruir a longo prazo. Assim, os cidadãos contestam o seu governo quando se recusam a pagar impostos, a servir nas forças armadas ou a participar em eleições, por exemplo, mas esse governo poderá responder ao desafio fortalecendo as contingências que manipula ou levando o comportamento em questão a ser influenciado por ganhos a longo prazo. No entanto, como responderá esse mesmo governo à pergunta: «Porque hei-de importar-me com a sobrevivência do meu governo (ou da minha forma de governo) muito para além da minha morte?» Analogamente, os fiéis lançam um repto a uma organização religiosa quando deixam de ir à igreja, não contribuem para a sua subsistência ou não zelam politicamente pelos seus interesses, mas a organização religiosa poderá responder ao repto fortalecendo as contingências que controla ou apontando para ganhos a longo prazo. Contudo, como responderá à pergunta: «Porque hei-de contribuir para a sobrevivência a longo prazo da minha religião?» As pessoas põem em causa um sistema económico quando, por exemplo, não trabalham produtivamente, mas o sistema económico poderá reagir tornando as contingências mais acutilantes ou lembrando vantagens a longo prazo. Mas qual será a sua resposta à pergunta: «Porque hei-de preocupar-me com a sobrevivência de determinado tipo de sistema económico?» Quer parecer-nos que a única resposta honesta a tais perguntas será a seguinte: «Não existe qualquer razão válida para que devamos preocupar-nos; e, se a nossa cultura não nos convenceu de que existe, então tanto pior para ela.» Torna-se ainda mais difícil explicar qualquer acção que vise fortalecer uma única cultura para toda a humanidade. Uma pax romana ou americana, um mundo preparado para a democracia, o comunismo mundial ou uma igreja «católica» inspiram o apoio de instituições poderosas, ao passo que uma cultura mundial «pura» o não faz nem tem probabilidades de emergir da competição bem sucedida entre organizações religiosas, governamentais ou económicas. Apesar disso, podemos apresentar muitas razões para que nos devamos preocupar com o bem de toda a humanidade. Os grandes problemas que o mundo actual enfrenta são todos de carácter global. Uma população excessiva, o esgotamento de certos recursos, a poluição ambiental e a possibilidade de um holocausto nuclear constituem as consequências «não-muito-remotas» de determinadas linhas de acção actuais. Não basta, porém, chamar a atenção para as consequências: devemos criar contingências nas quais essas consequências actuem de uma dada maneira. Como poderão as culturas do mundo fazer com que tais
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possibilidades aterradoras afectem de algum modo o comportamento dos seus membros? Naturalmente, o processo da evolução cultural não terminaria se existisse apenas uma cultura, do mesmo modo que a evolução biológica não se deteria se houvesse apenas uma espécie de maior importância, presumivelmente a humana. Transformar-se-iam algumas condições importantes da selecção, enquanto outras seriam eliminadas, sem que deixasse de verificar-se mutações sobre as quais a selecção exerceria a sua acção, além de que continuariam a surgir novas práticas. Não haveria, no entanto, razões para falarmos de uma cultura, pois seria evidente que lidaríamos apenas com práticas, do mesmo modo que, em relação a uma única espécie, nos referiríamos somente a características. A evolução de uma cultura põe certas questões respeitantes aos chamados «valores» a que se não deu ainda respostas cabais. Será «progresso» a evolução de uma cultura? Qual é o seu objectivo ou meta? Será essa meta um tipo de efeito muito diferente das consequências, reais ou falsas, que induzem os indivíduos a agir para a sobrevivência da sua cultura? Pode parecer que uma análise estrutural se esquive a tais interrogações. Se apenas focarmos a nossa atenção no que as pessoas fazem, somos levados a pensar que a evolução de uma cultura se processa simplesmente através de uma sequência de estádios e, mesmo que falte um dado estádio no desenvolvimento de uma cultura, podemos ainda assim demonstrar uma certa ordem característica. O estruturalista procura encontrar uma explicação para o facto de um dado estádio suceder a outro dentro do padrão da sequência. Tecnicamente falando, tenta encontrar razões para uma variável dependente sem a relacionar com quaisquer variáveis independentes. O facto evolução ocorrer no tempo sugere, no entanto, que este poderá constituir uma variável independente útil. Como explicou Leslie White, «podemos definir a evolução como uma sequência temporal de formas: cada forma provém de outra. A cultura avança de um estádio para outro. Neste processo, o tempo constitui um factor tão integral quanto a mudança de forma»67. É com frequência que falamos de «desenvolvimento» quando se trata de transformações que ocorrem no tempo e denotam determinada orientação. Os geólogos fazem remontar o desenvolvimento da terra através de várias eras, enquanto os paleontólogos estudam a evolução das espécies. Os psicólogos, por sua vez, acompanham o desenvolvimento do ajustamento psicossexual, por exemplo. Podemos seguir o desenvolvimento de uma
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cultura através da análise dos materiais utilizados (da pedra ao bronze e ao ferro), dos modos de obter alimentos (da colheita à caça, à pesca, ao cultivo), da sua utilização do poder económico (do feudalismo ao mercantilismo, ao industrialismo, ao socialismo) e assim sucessivamente. Ainda que tais factos sejam relevantes, as transformações ocorrem, não devido à passagem do tempo, mas em consequência do que acontece à medida que o tempo passa. O período cretaico não surgiu num dado estádio do desenvolvimento da terra como resultado de uma sequência fixa pré-determinada, mas sim porque uma dada condição precedente da terra levou a determinadas modificações. O casco do cavalo não se desenvolveu em virtude da passagem do tempo, mas devido à selecção de determinadas mutações que favoreceram a sobrevivência do cavalo no ambiente em que vivia. As proporções do vocabulário de uma criança ou as formas gramaticais que usa não variam consoante a idade, mas sim de acordo com as contingências verbais predominantes na comunidade a que esteve exposta. A criança adquire o «conceito de inércia» numa certa idade devido apenas às contingências de reforço, sociais ou não, que produziram o comportamento que se diz denotar a posse de tal conceito. As contingências «evoluem», tanto quanto o comportamento por elas gerado. Se os estádios de um dado desenvolvimento se sucedem numa ordem fixa, é porque cada estádio cria as condições responsáveis pelo seguinte. A criança precisa de saber andar antes de correr ou pular; tem de possuir um vocabulário rudimentar para ser capaz de «articular estruturas grama ticais»; tem de possuir formas simples de comportamento antes de adquirir aquele comportamento que se diz revelar a posse de «conceitos complexos». Põe-se as mesmas questões em relação ao desenvolvimento de uma cultura. As práticas de colher alimentos precederam naturalmente a agricultura, não devido a determinado padrão essencial, mas sim porque as pessoas precisam de subsistir de alguma maneira (colhendo alimentos, por exemplo) enquanto não adquirem práticas agrícolas. A ordem necessária presente no determinismo histórico de Kart M a r reside nas contingências e a luta de classes constitui uma representação grosseira das maneiras como os homens se controlam reciprocamente. A ascensão dos mercadores, o declínio do feudalismo e o aparecimento posterior de uma era industrial (a que sucederá possivelmente o socialismo ou um Estado-providência (welfare state) dependem em larga medida de transformações ocorridas nas contingências económicas de reforço. Um «desenvolvimento» puro, que se satisfaça com padrões de mudanças sequenciais de estrutura, perde a oportunidade de explicar o
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comportamento em termos genéticos e ambientalmente evolutivos. Perde igualmente a oportunidade de alterar a ordem por que se sucedem os estádios de uma evolução ou ainda o ritmo com que o fazem. Num ambiente padrão, a criança pode adquirir conceitos numa ordem-padrão, mas tal ordem é determinada por contingências que poderão ser alteradas. De um modo idêntico, uma cultura pode desenvolver-se através de uma sequência de estádios à medida que as consequências evoluem, mas está ao nosso alcance criar uma ordem diferente de contingências. Não podemos alterar a idade da terra ou de uma criança; no caso da criança, porém, não precisamos de esperar pela passagem do tempo para modificar as coisas que acontecem à medida que este passa. O conceito de desenvolvimento emaranha-se nos chamados «valores» quando encaramos como crescimento as mudanças que denotam uma determinada orientação. Uma maçã em crescimento passa por uma sequência de estádios, um dos quais será eventualmente o melhor. Rejeitamos as maçãs verdes e podres; só as maduras são boas. Por analogia, falamos de pessoas ou culturas amadurecidas. O lavrador trabalha para que as suas searas amadureçam sem perigo, assim como os pais, professores e terapeutas se esforçam por produzir uma pessoa amadurecida. Consideramos multas vezes as transformações no sentido da maturidade como acções que fazem parte de um «vir a ser». Se essa evolução for interrompida, referimo-nos a um desenvolvimento bloqueado ou interrompido, que procuramos remediar. Quando as transformações se processam lentamente, falamos em atraso e procuramos acelerar o processo. Todavia, tais valores, altamente apreciados, perdem o seu significado (ou pior ainda) quando se atinge a maturidade. Ninguém anseia por «vir a ser» ou tornar-se senil; a pessoa amadurecida ficaria muito satisfeita se o seu desenvolvimento fosse bloqueado ou interrompido. A partir desse ponto, não se importaria de se «atrasar». Constitui erro supor que toda a transformação ou desenvolvimento é crescimento. Não podemos afirmar que a superfície terrestre tenha atingido (ou não) a maturidade, do mesmo modo que, tanto quanto sabemos, o cavalo não alcançou ainda determinado estádio definitivo e presumivelmente ideal no seu desenvolvimento evolucionário. Se é certo que a linguagem da criança nos dá a impressão de desenvolver-se como um embrião68, isso explica-se apenas porque temos negligenciado as contingências ambientais. A criança selvagem não possui qualquer linguagem69, não porque o seu isolamento tenha afectado qualquer processo de crescimento, mas sim em consequência de não haver estado exposta a uma comunidade
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verbal. Não temos razões para classificar qualquer cultura de madura, no sentido de que seja improvável qualquer crescimento ulterior ou de que este assumiria necessariamente uma forma de deterioração. Consideramos certas culturas como subdesenvolvidas ou imaturas, em contraste com outras a que damos o nome de «desenvolvidas»; não passa, no entanto, de uma forma grosseira de jingoísmo sugerir que um dado governo, religião ou sistema económico atingiu a maturidade. Ao encararmos tanto o desenvolvimento de um indivíduo como a evolução de uma cultura, a principal objecção à metáfora do crescimento reside no facto de esta pôr em relevo um estádio final que não possui qualquer função. Afirmamos que um organismo cresce no sentido da maturidade ou a fim de atingir a maturidade. Esta converte-se, por conseguinte, numa meta e o progresso, em movimento na direcção de uma dada meta. Meta é literalmente um ponto de chegada, o términus de algo como, por exemplo, uma corrida pedestre. O único efeito que produz na corrida é fazê-la terminar. Empregamos a palavra neste sentido relativamente vazio quando dizemos que a meta da vida é a morte ou que a meta da evolução é povoar a terra. A morte é, indubitavelmente, o fim da vida, assim como um mundo povoado poderá constituir o fim da evolução, mas estes estados finais nada têm a ver com os processos pelos quais são atingidos. Não vivemos para morrer nem a evolução se processa para povoar toda a terra. Confunde-se facilmente a meta como termo de uma corrida com a vitória e, portanto, com as razões que levaram alguém a participar na corrida ou com o propósito de quem participou. Numa fase recuada dos estudos da aprendizagem, os investigadores utilizavam labirintos e outros instrumentos laboratoriais nos quais uma dada meta dava a impressão de mostrar a posição de um reforçador em relação ao comportamento de que resultava - o organismo movimentava-se em direcção a uma meta. Contudo, a relação importante é temporal, não o persegue nem o ultrapassa. Explicamos o desenvolvimento de determinada espécie e do comportamento de um dado membro da espécie assinalando a acção selectiva por parte das contingências de sobrevivência e reforço. Tanto a espécie como o comportamento do indivíduo desenvolvem-se quando são modelados e preservados pelos seus próprios efeitos sobre o mundo que os cerca. É este o único papel a desempenhar pelo futuro. Isto não quer, porém, dizer que não haja uma determinada orientação na evolução. Desenvolveu-se muitos esforços no sentido de caracterizar a evolução como uma transformação orientada - como um aumento
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incessante de complexidade estrutural, da susceptibilidade à estimulação ou da utilização eficaz da energia, por exemplo. Existe ainda uma outra possibilidade importante: ambos os tipos de evolução tornam os organismos mais sensíveis às consequências das suas próprias acções. Presumimos que os organismos que têm mais probabilidades de sofrer modificações devido a certos tipos de consequências tenham estado em vantagem; por outro lado, uma cultura submete o indivíduo ao controlo de consequências remotas que não poderiam ter desempenhado qualquer papel na evolução física da espécie. Um bem pessoal remoto toma-se eficaz quando a pessoa é controlada para o bem dos outros e aquela cultura que induza alguns dos seus membros a trabalhar para a sobrevivência da própria cultura põe em jogo uma consequência ainda mais remota. A tarefa do planeador cultural consiste em acelerar o desenvolvimento de práticas que façam com que passem a actuar as consequências remotas do comportamento. Voltemo-nos ora para alguns dos problemas que se lhe deparam. O ambiente social constitui aquilo a que damos o nome de cultura. Dá forma e preserva o comportamento daqueles que nele vivem. Uma dada cultura evolui à medida que surgem práticas novas, possivelmente por motivos irrelevantes, e são seleccionadas pelo seu contributo para o fortalecimento da cultura à medida que esta «compete» com o meio físico e com outras culturas. Um passo de maior monta é o aparecimento de práticas que induzem os membros de determinada cultura a trabalhar pela sobrevivência desta. Tais práticas não podem fazer-se remontar a «bens» pessoais, mesmo quando sejam usados para benefício alheio, uma vez que a sobrevivência de uma cultura para além do tempo de vida do indivíduo não pode servir como fonte de reforçadores condicionados. Outras pessoas podem sobreviver àquelas que induzem a agir para seu benefício e a cultura cuja sobrevivência está em jogo é muitas vezes identificada com elas ou com as suas organizações; porém, a evolução de uma cultura introduz outro tipo de bem ou valor. Aquela cultura que, por qualquer razão , induza os seus membros a trabalhar pela sobrevivência dela própria tem mais probabilidades de sobreviver. Trata-se, por conseguinte, de uma questão relativa ao bem da cultura e não do indivíduo. O planeamento de uma cultura promove esse bem através da aceleração do processo evolucionário e, uma vez que uma ciência e uma tecnologia do comportamento contribuem para um planeamento melhor, constituem «mutações» importantes na evolução de uma cultura. Se podemos falar de qualquer propósito ou orientação na evolução de uma dada cultura,
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esse aspecto dirá respeito aos meios de fazer com que as pessoas fiquem cada vez mais submetidas ao controlo das consequências do seu próprio comportamento.
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São em grande número as pessoas que se ocupam do planeamento e replaneamento das práticas culturais; modificam as coisas que utilizam e o modo de utilizá-las; aperfeiçoam ratoeiras e computadores e descobrem melhores processos de criar crianças, pagar salários, cobrar impostos e ajudar aqueles que se debatem com problemas. Não precisamos de nos alongar no termo «melhor»: trata-se do comparativo de «bom» e os bens são reforçadores. Consideramos determinada máquina fotográfica melhor do que outra devido ao que sucede quando a utilizamos. O fabricante induz compradores potenciais a «apreciar» a sua máquina, garantindo que funcionará de modo satisfatório, para o que cita o que algumas das pessoas que a compraram disseram acerca do seu funcionamento, e assim por diante. Como é óbvio, é muito mais difícil classificar uma dada cultura como melhor do que outra, em parte porque precisamos de tomar em consideração mais consequências. Ninguém conhece a melhor maneira de criar crianças, pagar a trabalhadores, manter a lei e a ordem, ensinar ou tomar as pessoas criativas; contudo, é possível propor melhores métodos do que os actuais e defendê-los, predizendo e eventualmente demonstrando resultados mais reforçantes. Já foram adaptadas, no passado, algumas medidas com base na experiência pessoal e na sabedoria popular, o que não impede que uma análise científica do comportamento humano seja obviamente relevante. A sua contribuição é dupla: não só define o que deve ser feito como ainda sugere meios de pô-lo em prática. A urgência de que se reveste a sua aplicação foi recentemente sugerida num debate, publicado num semanário, sobre o
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que está errado na América. Descrevia-se o problema como «uma perturbada condição psíquica dos jovens», «uma recessão de espíritos», «um afundamento psíquico» e «uma crise espiritual», que se atribuía a «ansiedade», «incerteza», «inquietação», «alienação», «desespero generalizado» e a diversas outras disposições ou estados de espírito, que se influenciam reciprocamente segundo o padrão intrapsíquico familiar - afirmava-se, por exemplo, que a falta de segurança social conduz à alienação e a frustração à agressão. Na sua maioria, os leitores saberiam provavelmente a que se referia o autor e terão pensado que ele disse alguma coisa de útil; contudo, o passo (que não é excepcional) apresenta dois defeitos característicos que explicam; o nosso malogro em abordar de um modo adequado problemas culturais: não se chega a descrever o comportamento que origina os problemas nem se menciona o que se pode fazer para modificá-lo. Consideremos um jovem cujo mundo tenha sofrido uma transformação súbita. Concluiu um curso superior e vai empregar-se ou foi convocado para prestar o serviço militar. A maior parte do comportamento que adquiriu até esse momento não tem qualquer utilidade no seu novo ambiente. O comportamento que exibe pode descrever-se (e a descrição traduzida) como se segue: ele carece de segurança, sente-se inseguro ou não está seguro de si (o seu comportamento é fraco e inadequado)', sente-se insatisfeito ou desencorajado (raramente é reforçado, peto que o seu comportamento está sujeito a extinção), sente-se frustrado (a extinção é acompanhada de respostas emocionais ); sente-se desassossegado ou inquieto (o seu comportamento tem muitas vezes consequências aversivas inevitáveis, que têm efeitos emocionais); não existe nada que queira fazer ou goste de fazer bem, não tem qualquer sensação de profissionalismo, de levar uma vida útil, de realização (raramente é reforçado por fazer alguma coisa); sente-se culpado ou envergonhado (foi anteriormente punido por indolência ou fracasso, o que evoca agora respostas emocionais)’ , sente-se desapontado ou desgostoso consigo próprio (já não é reforçado pela admiração alheia, pelo que a extinção que se lhe segue tem efeitos emocionais)', torna-se hipocondríaco (conclui que está doente) ou neurótico (entrega-se a uma variedade de processos de fuga ineficazes) e experimenta uma crise de identidade (não reconhece a pessoa a que antes cha mava «Eu»). As paráfrases em itálico são demasiado sucintas para ser precisas, mas sugerem ainda assim a possibilidade de uma justificação diferente, o que só por si nos encaminha para medidas eficazes. Para o próprio
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jovem, o que importa é o, sem dúvida, os vários estados do seu corpo. São estímulos evidentes e, como tal, aprendeu a utilizá-los segundo os moldes tradicionais a fim de explicar o seu comportamento a si próprio e aos outros. O que ele nos disser acerca dos seus sentimentos poderá permitir-nos formular certas conjecturas a respeito do que há de errado nas contingências, mas são as contingências que devemos examinar directamente se queremos ter certezas e são as contingências que têm de ser modificadas se pretendemos que o seu comportamento se modifique .70 Os sentimentos e estados de espírito dominam ainda, por muitas razões, os debates sobre o comportamento humano. Por um lado, eclipsaram durante muito tempo as alternativas que poderiam substituí-los e, por outro lado, é difícil analisar o comportamento como tal, sem que se introduza nele muitas das coisas que se diz exprimir. Foi devido à sua natureza que a acção selectiva do ambiente permaneceu obscura. Tornava-se absolutamente necessário dispor de uma análise experimental a fim de se descobrir a importância das contingências de reforço, mas as contingências permanecem quase integralmente fora do alcance da observação casual, o que se pode demonstrar facilmente. As contingências criadas num laboratório operante são muitas vezes complexas, mas apesar disso mais simples do que muitas contingências observadas no mundo em geral71. Contudo, quem não estiver familiarizado com as práticas laboratoriais sentirá dificuldades em perceber o que decorre num espaço experimental. O observador contempla um dado organismo que se comporta de maneiras simples perante diversos estímulos que se modificam de tempos a tempos e pode, por conseguinte, presenciar um acontecimento reforçante ocasional (por exemplo, o aparecimento de alimentos, que o organismo ingere). Embora todos os factos sejam evidentes, a observação casual só por si raramente revela as contingências. O nosso observador não será capaz de explicar por que é que o organismo actua de determinadas maneiras. E, se é incapaz de compreender o que vê num ambiente laboratorial sim plificado, como poderemos esperar que entenda o que se passa na vida quotidiana? Por seu turno, o experimentador dispõe, naturalmente, de informações adicionais. Ele sabe alguma coisa da génese do organismo submetido às experiências, pelo menos na medida em que estudou já outros indivíduos da mesma espécie. Ele está na posse de alguns dados relativos aos antecedentes históricos - contingências anteriores a que o organismo esteve exposto, o seu programa (schedule) de privação e outros aspectos. No entanto, o nosso observador não falhou por lhe faltarem esses factos
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adicionais, mas sim porque foi incapaz de entender o que se passava diante dos seus olhos. Numa experiência sobre o comportamento operante, os dados importantes são as diferentes probabilidades de uma dada resposta, geralmente observáveis como variações de frequência; é, porém, difícil (se não impossível) acompanhar, através de uma observação casual, uma variação de frequência. Não estamos suficientemente equipados para observar modificações que ocorram durante lapsos de tempo bastante longos. Em contrapartida, o experimentador pode verificar tais modificações nos seus registos. Aquilo que parece mais uma sucessão de respostas esporádicas poderá revelar-se como uma fase de um processo regular. O experimentador sabe igualmente alguma coisa das contingências predominantes (com efeito, foi ele próprio que construiu o instrumento que as origina). Se o nosso observador casual despendesse tempo suficiente, poderia descobrir algumas dessas contingências; contudo, apenas o conseguiria se soubesse o que deveria procurar. Enquanto não foram criadas contingências e estudados os seus efeitos nos laboratórios, poucos foram os esforços envidados no sentido de encontrá-las na vida quotidiana. É neste sentido que, como observámos no Capítulo I, uma análise experimental possibilita uma interpretação eficaz do comportamento humano, a qual nos permite desprezar pormenores irrelevantes, por mais palpitantes que nos pareçam, e fazer sobressair aspectos que, sem o auxílio dessa análise, seriam postos de lado como triviais. (É possível que o leitor se tenha sentido já tentado a desprezar as frequentes referências a contingências de reforço como uma nova moda de calão técnico; todavia, não se trata apenas de uma questão de falar de coisas antigas em moldes modernos. As contingências são ubíquas, pois abrangem os âmbitos clássicos da intenção e do propósito, ainda que de um modo muito mais vantajoso, além de nos fornecer outras formulações dos chamados «processos mentais». Dado que não foram ainda abordados muitos pormenores, não dispomos de termos tradicionais para debatê-los. O conteúdo integral do conceito está, sem dúvida, ainda longe de haver sido adequadamente reconhecido.) A seguir à interpretação situa-se a acção. As contingências são acessíveis e, à medida que começamos a compreender as relações entre o comportamento e o ambiente, vamos descobrindo novos modos de modificar o comportamento. Já se desenham os contornos de uma tecnologia. Ao estipular-se uma dada missão - a produção ou modificação de um comportamento, por exemplo - cria-se contingências relevantes, as quais poderão ter de obedecer a uma sequência programada. Esta tecnologia
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tem-se mostrado muito bem sucedida nos casos em que o comportamento possa ser especificado com relativa facilidade e se possa criar contingências apropriadas como, por exemplo, nas instituições pediátricas, escolas e no tratamento de atrasados e de doentes mentais hospitalizados. Todavia, aplica-se já os mesmos princípios na preparação de material didáctico a todos os níveis educacionais, na psicoterapia para além do simples tratamento, na reabilitação, na gestão industrial, no planeamento urbanístico e em muitos outros campos do comportamento humano. Existe uma grande diversidade de «modificações de comportamento» e muitas formulações diferentes, se bem que todas concordem num ponto essencial: pode modificar-se o comportamento se se modificar as condições em função das quais ocorre72. Uma tecnologia deste tipo é eticamente neutra. Tanto pode ser usada com a melhor como com a pior das intenções. Nada existe numa metodologia que determine os valores que presidem ao seu uso. Contudo, não nos interessamos neste caso apenas por práticas mas também pelo traçado de toda uma cultura. Resulta daqui que a sobrevivência de uma cultura se converte num tipo especial de valor. Podem conceber-se melhores processos de criar crianças fundamentalmente para evitar o seu mau comportamento. A pessoa pode, por exemplo, resolver o seu problema actuando como disciplinador férreo ou pode suceder que o seu novo método contribua para o bem das crianças ou dos pais em geral. Ainda que tal método possa exigir tempo, esforços e o sacrifício de reforçadores pessoais, ela continuará a defendê-lo e a aplicá-lo se tiver sido suficientemente induzida a agir para o bem dos outros. Se for poderosamente reforçada quando vê, por exemplo, outras pessoas divertirem-se, conceberá um ambiente em que as crianças se sintam felizes. Se, todavia, a sua cultura o tiver induzido a interessar-se pela sobrevivência dela própria, poderá estudar a contribuição que as pessoas prestam à sua cultura em consequência da história dos seus primórdios e poderá conceber um método melhor que contribua para incrementar essa contribuição. Ao adoptarem tal método, as pessoas poderão perder certos reforçadores pessoais. Podemos encontrar os mesmos três tipos de valores no planeamento de outras práticas culturais. O professor pode inventar novos métodos de ensino que lhe facilitem a tarefa, que agradem aos seus alunos (os quais, por seu turno, o reforçam) ou que tenham probabilidades de fazer com que os alunos contribuam tanto quanto possível para a cultura em que se integram. O industrial pode conceber um sistema de salários que maximize os seus lucros, beneficie os seus empregados ou produza do
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modo mais eficaz os bens de que uma cultura necessita, com um consumo de recursos e um índice de poluição mínimos. Um partido que ocupe o poder poderá agir fundamentalmente no sentido de conservar o poder, reforçar aqueles indivíduos que governa (que, por sua vez, o mantêm no poder) ou ainda promover os interesses do estado instituindo, por exemplo, um programa de austeridade que possa custar ao partido não só o poder como também apoio. Podemos igualmente detectar os mesmos três níveis no planeamento de uma cultura tomada como um todo. Se o seu arquitecto for um individualista, conceberá um mundo no qual se encontrará sob um controlo mínimo e aceitará os seus próprios bens como valores supremos. Se esteve exposto a um ambiente social adequado, visará o bem dos outros, talvez em detrimento de bens pessoais. Se o seu interesse reside essencialmente no valor de sobrevivência, então conceberá uma cultura tendo em vista os seus resultados positivos. Quando uma cultura induz alguns dos seus membros a trabalhar pela sua sobrevivência, que deverão eles fazer? Terão de prever algumas dificuldades que se depararão à cultura. Tais dificuldades surgem habitualmente num futuro distante e os seus pormenores nem sempre são nítidos. Se bem que seja longa a história das visões apocalípticas, só recentemente se devotou uma atenção especial à previsão do futuro. Não existe nada que possamos fazer a respeito de dific uld ades completamente imprevisíveis, mas também é certo que podemos antever alguns problemas se inferirmos certos dados através de uma análise da realidade actual. Poderá, deste modo, bastar-nos observar o aumento constante da população da terra, das proporções e localização dos arsenais nucleares ou ainda da poluição do ambiente e do esgotamento dos recursos naturais. Nesta conformidade, podemos modificar determinadas práticas a fim de induzir as pessoas a ter menos filhos, gastar menos em armas nucleares, deixar de poluir o ambiente e moderar o consumo dos recursos naturais. Não é preciso predizer o futuro para verificar alguns dos casos em que a força de uma cultura depende do comportamento dos seus membros. Aquela cultura que mantém a ordem civil e se defende de ataques liberta os seus membros de certos tipos de ameaças e presumivelmente proporciona-lhes mais tempo e energia para outras actividades (particularmente se a ordem e a segurança não forem mantidas pela força). Uma cultura precisa de diversos bens para a sua sobrevivência a sua força deverá depender em parte das contingências económicas que preservam a
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capacidade de iniciativa e o trabalho produtivo, da disponibilidade dos instrumentos de produção e do desenvolvimento e conservação dos recursos naturais. Uma cultura será, presumivelmente, mais forte se induzir os seus membros a manter um ambiente seguro e saudável, a providenciar pela existência de cuidados médicos e a manter uma densidade populacional, adequada aos seus recursos e espaço. Uma cultura tem de se transmitir de geração em geração e presumimos que a sua força depende do tipo e da proporção de conhecimentos adquiridos pelos seus novos membros, quer através de contingências educacionais informais quer nas instituições para o efeito. Uma cultura necessita do apoio dos seus membros e deverá facilitar a procura e a consecução da felicidade se pretende evitar o descontentamento ou a deserção. Ainda que deva ser razoavelmente estável, uma cultura deverá também evoluir e atingir presumivelmente a sua maior pujança se puder evitar um respeito excessivo pela tradição e o receio da novidade, por um lado, e as mudanças excessivamente rápidas, por outro. Em último lugar, uma cultura será dotada de um elevado valor de sobrevivência se encorajar os seus membros a examinarem as suas práticas e a experimentarem novas. Uma cultura assemelha-se muito ao espaço experimental usado na análise do comportamento, já que tanto a cultura como o espaço ex perimental são conjuntos de contingências de reforço. Toda a criança que nasce integra-se numa dada cultura, do mesmo modo que um organismo é colocado num espaço experimental. O projecto de uma cultura equipara-se ao projecto de uma experiência: cria-se contingências e observa-se resultados. Numa experiência, estamos interessados no que acontece; ao projectar uma cultura, o que nos preocupa é determinar se resultará. É esta a diferença entre a ciência e a tecnologia. Podemos encontrar na literatura utópica um grande número de projectos culturais73. Vários escritores confiaram ao papel as suas versões da vida ideal e sugeriram meios de alcançar tal objectivo. Platão, em A República, optou pela solução política; Santo Agostinho, em A Cidade de Deus, pela religiosa. Thomas More e Francis Bacon, ambos homens de leis, fundamentaram-se no direito e na ordem, enquanto os utopistas rousseaunianos de Setecentos se voltaram para uma suposta bondade natural do homem. O século XIX procurou soluções económicas, enquanto o século XX assistiu ao aparecimento do que podemos designar por utopias comportamentais74, nas quais se começou a debater (muitas vezes catolicamente) uma vasta gama de contingências sociais. ã
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Os escritores utópicos não se eximiram a esforços no sentido de simplificar a sua tarefa. A comunidade utópica compõe-se normalmente de um número relativamente pequeno de pessoas que vivem num dado local e em recíproco contacto estável. Poderão praticar um controlo ético informal, minimizando o papel das instituições organizadas, e preferir aprender uns com os outros em vez de seguir especialistas a que damos o nome de professores. Poderá evitar-se que procedam mal uns para com os outros mais pela censura do que através de punições especializadas infligidas por um sistema legal. Poderão produzir e permutar bens sem que especifiquem valores em termos monetários. Poderão ajudar aqueles que adoecem, têm problemas ou chegam à velhice, com um mínimo de cuidados por parte de instituições formais. Evita-se os contactos conflituosos com outras culturas através do isolamento geográfico (as utopias tendem a situar-se em ilhas ou áreas rodeadas de altas montanhas) e a transição para uma nova cultura é facilitada por uma ruptura formalizada com o passado, como é o caso de um ritual de renascimento (as utopias situam-se frequentemente num futuro distante, de modo que pareça plausível a necessária evolução da cultura). A utopia constitui um ambiente social total, cujos componentes funcionam harmonicamente. O lar não colide com a escola nem com a rua, a religião não colide com o governo, e assim sucessivamente. Contudo, o aspecto mais importante da criação utópica reside na viabilidade de tornar a sobrevivência de uma comunidade importante para os seus membros. As pequenas dimensões, o isolamento, a coesão interna - tudo isto confere à comunidade uma identidade que toma evidente o seu êxito ou malogro. Perante todas as utopias, a questão fundamental é a seguinte: «Daria realmente resultado?» A literatura é digna da nossa atenção precisamente porque põe em relevo o espírito de experimentação. Quando se examina uma cultura tradicional que revela carências, projecta-se uma nova versão que é posta à prova e retocada consoante os ditames das circunstâncias. A simplificação que caracteriza a literatura utópica, que não é senão a simplificação típica da ciência, raramente é exequível no mundo em geral, mas existem muitas outras razões pelas quais é difícil pôr em prática determinado projecto específico. Não é possível fazer com que uma população ampla e fluida seja submetida a um controlo social ou ético informal, uma vez que os reforçadores sociais como o elogio e a censura não são substituíveis pelos reforçadores pessoais em que se baseiam. Por que haveria alguém de ser afectado pelos louvores ou recriminações de 128
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uma pessoa que não voltará a ver? O controlo ético poderá sobreviver em pequenos grupos; o controlo de populações globais, porém, terá de ser delegado a especialistas - polícia, sacerdotes, proprietários, professores, terapeutas e outros agentes, todos eles apoiados nos seus reforçadores especializados e contingências codificadas. Tais agentes de controlo estão provavelmente em conflito entre si e estarão quase de certeza em conflito com qualquer novo conjunto de contingências. Onde não for excessivamente difícil alterar a instrução informal, por exemplo, é quase impossível modificar um sistema educacional. É relativamente fácil alterar as práticas matrimoniais e aquelas que dizem respeito ao divórcio e à procriação, à medida que a sua importância para a cultura se altera; no entanto, é quase impossível alterar os princípios religiosos que ditam tais práticas. É fácil modificar os limites de aceitação de diversos tipos de comportamento como certos, mas é difícil modificar as leis de um governo. Os valores reforçantes dos produtos económicos são mais flexíveis do que os valores estabelecidos por instituições económicas. As palavras da autoridade são mais inflexíveis do que os factos a que dizem respeito. Tanto quanto se refere ao mundo real, não nos surpreende que o termo utópico signifique impraticável. A história parece comprová-lo: durante quase dois mil e quinhentos anos propôs-se diversos modelos utópicos e a maior parte das tentativas para concretizá-los redundou em malogros ignominiosos. Todavia, a realidade histórica contraria sempre as probabilidades de que aconteça algo de novo - eis o que se entende por história. As descobertas e invenções científicas são improváveis eis o que se entende por descoberta e invenção. E, se as economias planejadas, as ditaduras benevolentes, as sociedades perfeicionistas e outros projectos utópicos fracassaram, devemos recordar-nos de que também malograram culturas que não foram planeadas, dirigidas ou levadas à perfeição. O malogro nem sempre é um erro, pois pode ser simplesmente o melhor que se pôde fazer em determinadas circunstâncias. O verdadeiro erro reside em deixar de tentar. Talvez não possamos planear ainda uma cultura global bem sucedida, mas podemos, dentro de um plano fragmentário, conceber práticas melhores. Os processos comportamentais do mundo em geral são os mesmos que encontramos na comunidade utópica, além de que as práticas têm os mesmos efeitos pelas mesmas razões. Deparamos com as mesmas vantagens quando pomos em relevo contingências de reforço em vez de estados de espírito ou sentimentos. Constitui sem dúvida problema momentoso, por exemplo, o facto de os estudantes já não responderem nos moldes tradicionais aos ambientes
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educacionais - deixam de frequentar os estabelecimentos de ensino (possivelmente durante longos períodos de tempo), apenas tiram cursos que lhes agradem ou pareçam ter relevância para os seus problemas, delapidam as instalações escolares e atacam professores e funcionários. Contudo, não resolveremos este problema «cultivando no público um respeito que actualmente não sente pelo ensino como tal e pelo estudante ou pelo professor». (O cultivo do respeito é uma metáfora na tradição hortícola.) O que está errado é o ambiente educacional. Necessitamos de criar contingências nas quais os estudantes adquiram formas de comportamento que sejam úteis a eles próprios e à sua cultura, contingências que não sejam acompanhadas de subprodutos conflituosos e gerem aquele comportamento que se diz «denotar respeito pela aprendizagem». Não é difícil verificar o que está errado na maioria dos ambientes educacionais, e muito se tem já feito no sentido de criar meios que simplifiquem tanto quanto possível a aprendizagem e de organizar contingências tanto na escola como fora dela que suscitem nos estudantes motivações poderosas que os levem a concluir os seus cursos. Levanta-se um outro problema grave quando os jovens se recusam a servir nas forças armadas e desertam ou fogem para outro país, embora não modifiquemos apreciavelmente as coisas se «inspirarmos maior lealdade ou patriotismo». O que tem de ser alterado são as contingências que induzem os jovens a comportar-se de determinadas maneiras para com os seus governos. As sanções governamentais continuam a ser quase inteiramente punitivas e os seus subprodutos dramáticos são suficientemente testemunhados pelas proporções assumidas pelas crises domésticas e pelos conflitos internacionais. O facto de continuarmos quase permanentemente em guerra com outras nações constitui um problema grave, mas não iremos longe se lançarmos as culpas «às tensões que conduzem à guerra», apaziguarmos os espíritos belicosos ou manipularmos a mente dos homens (onde, segundo afirma a UNESCO, se iniciam as guerras). O que tem de ser modificado são as circunstâncias em que os homens e as nações fazem a guerra. Também nos podemos sentir perturbados pelo facto de muitos jovens trabalharem o menos possível, os trabalhadores não serem muito produtivos nem muito assíduos ou os produtos serem frequentemente de má qualidade, mas não iremos longe inspirando um «sentido de profissionalismo ou orgulho pelo trabalho individual», um «sentimento de dignidade do trabalho» ou, nos casos em que as artes e os ofícios constituem parte das tradições de casta, actuando sobre «a profunda resistência emocional
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do superego de casta», como precisou certo escritor. Alguma coisa está errada nas contingências que induzem os homens a trabalhar diligente e meticulosamente. (Também outros tipos de contingências económicas estão errados.) Walter Lippmann observou que «a questão suprema que se põe à humanidade»75é determinar como poderão os homens salvar-se da catástrofe que paira sobre eles, mas, para resolvê-la, temos de fazer mais do que descobrir como poderão eles «tornar-se desejosos e capazes de se salvarem». Temos de focalizar a nossa atenção nas contingências que induzem as pessoas a agir no sentido de aumentarem as possibilidades de que as suas culturas sobrevivam. Dispomos já das tecnologias física, biológica e comportamental necessárias «à nossa salvação», pelo que o problema reside apenas em determinar o modo de fazer com que as pessoas as utilizem. Poderá acontecer que «a utopia apenas dependa de um acto de vontade», mas que significa isso? Quais são as principais especificações de uma cultura que sobreviva por induzir os seus membros a agir para a sobrevivência dela própria? A aplicação de uma ciência do comportamento ao traçado de uma cultura constitui uma proposta ambiciosa, muitas vezes considerada utópica no sentido pejorativo, ainda que certas razões que geram cepticismo mereçam um comentário. É com frequência que se afirma, por exemplo, que existem diferenças fundamentais entre o mundo real e o laboratório onde se analisa o comportamento. Se o meio laboratorial é artificial, o mundo real é natural; se aquele é simples, o mundo é complexo; enquanto os processos observados no laboratório revelam ordem, o comportamento em qualquer outro lado apresenta-se tipicamente confuso. Tais diferenças são reais mas não podem subsistir como tais à medida que uma ciência do comportamento evolui e mesmo hoje já não devem ser em muitos casos tomadas a sério. A diferença entre condições naturais e artificiais não é importante. Poderá ser natural para um pombo revolver folhas e encontrar pedaços de comida debaixo de algumas delas, no sentido de que as contingências são elementos padronizados do ambiente em que o pombo se criou. Por outro lado, não são evidentemente naturais as contingências em que um pombo debica um disco iluminado colocado numa parede, aparecendo-Ihe comida num recipiente situado abaixo do disco. Todavia, não obstante o equipamento de programação laboratorial ser artificial e a disposição das folhas e sementes ser natural, podemos fazer com que sejam idênticos os «programas» (schedules) segundo os quais o comportamento é reforçado.
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0 programa natural constitui o programa de «razão variável» do laboratório, pelo que não temos nenhuma razão para duvidar de que o comportamento seja afectado por ele da mesma maneira em ambas as circunstâncias. Quando estudamos os efeitos do programa por meio do equipamento de programação, começamos a compreender o comportamento observado na natureza e, à medida que investigamos contingências de reforço cada vez mais complexas no laboratório, as contingências naturais vão-se tomando também cada vez mais perceptíveis. E o mesmo sucede em relação à simplificação. Toda a ciência expe rimental simplifica as condições em que actua, particularmente nas fases iniciais de uma investigação. Qualquer análise do comportamento começa naturalmente por organismos simples, os quais actuam de maneiras simples em meios simples. Quando se detecta um grau razoável de regularidade, os dispositivos podem tornar-se mais complexos. A rapidez no nosso avanço é estritamente regulada pelos nossos sucessos, daí que os nossos progressos não costumem dar-nos uma impressão de celeridade. O comportamento constitui um campo que nos desencoraja por nos encontrarmos num contacto tão estreito com ele. Os primeiros físicos, químicos e biólogos desfrutaram de uma espécie de protecção natural contra a complexidade dos seus cam pos, pois não foram perturbados por extensas gamas de factos relevantes. Podiam seleccionar um número limitado de coisas para objecto de estudo e desprezar o resto da natureza quer por ser irrelevante quer por se encontrar obviamente fora do seu alcance. Se Gilbert, Faraday ou Maxwell tivessem tido uma fugidia visão superficial do que hoje se conhece acerca da electricidade, teriam experimentado dificuldades muito maiores para encontrar pontos de partida e formular princípios que não dessem a impressão de «ultra-simplificados». Felizmente para eles, muito do que hoje se conhece nos seus campos de investigação resultou da pesquisa e das suas aplicações tecnológicas e só foi necessário tomá-lo em consideração quando certas formulações atingiram um dado nível de complexidade. O cientista do comportamento não tem tido tal sorte. Ele está excessivamente consciente do seu próprio comportamento como parte da matéria que investiga. Percepções subtis, partidas pregadas pela memória, extravagâncias oníricas, as soluções aparentemente intuitivas dos problemas - estes e muitos outros aspectos do comportamento humano exigem insistentemente atenção. Torna-se muito mais difícil encontrar um ponto de partida e chegar a formulações que não pareçam demasiado simples. A interpretação do complexo mundo das questões humanas em termos de uma análise experimental é, sem dúvida, frequentemente
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ultra-simplificada. Tem-se exagerado certas reivindicações e negligenciado determinadas limitações. Todavia, a verdadeiramente flagrante ultra-simplificação reside no tradicional apelo aos estados de espírito, sentimentos e outros aspectos do homem autónomo que têm vindo a ser substituídos por uma análise comportamental. A facilidade com que se pode inventar instantaneamente explicações mentalistas constitui talvez a melhor justificação para a escassa consideração que nos deveriam merecer. E o mesmo se poderá dizer das práticas tradicionais. A tecnologia que resultou de uma análise experimental apenas deverá ser avaliada em comparação com aquilo que se faz por outros meios. Afinal, que temos para mostrar em abono dos juízos não científicos ou pré-científicos, do senso comum ou da compreensão adquirida através da experiência pessoal? Temos de escolher entre a ciência ou nada e a única solução para a simplificação está em aprender a lidar com as complexidades. Não dispomos ainda de uma ciência do comportamento apta a solucionar todos os nossos problemas, mas não deixa de ser uma ciência em desenvolvimento e a sua adequação máxima não poderá ainda ser avaliada. Quando os críticos afirmam que esta ciência não pode explicar este ou aquele aspecto do comportamento humano, insinuam habitualmente que nunca será capaz de fazê-lo, mas a análise continua a progredir e encontra-se, na realidade, numa fase muito mais avançada do que os seus críticos normalmente reconhecem. O importante não é tanto saber como resolver problemas mas sim como procurar soluções. Os cientistas que abordaram o Presidente Roosevelt com a proposta de que construiriam uma bomba tão potente que poria fim à Segunda Guerra Mundial no prazo de poucos dias não poderiam ter afirmado que sabiam como construí-la. Tudo quanto puderam dizer era que conheciam os caminhos a tomar para a descoberta. Os problemas comportamentais que precisamos de resolver no mundo hodierno são, indubitavelmente, mais complexos do que o emprego prático da fissão nuclear, assim como a ciência básica não se encontra tão avançada quanto a física nuclear; sabemos, porém, por onde iniciar a nossa busca de soluções. A proposta de planeamento de uma cultura com o auxílio de uma análise científica suscita muitas vezes profecias cassândricas de desastres. A cultura em causa não resultará conforme se projectou e as consequências imprevistas poderão ser catastróficas. Raramente são acrescentadas provas, possivelmente porque a história parece estar do lado dos malogros: muitos foram os projectos que fracassaram, talvez precisamente pelo facto de terem sido planeados. A ameaça que paira sobre uma cultura planeada,
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afirmou Mr. Krutch76, é a de que o não-planeado «jamais possa voltar a irromper». Em contrapartida, achamos difícil justificar a confiança depositada no que é acidental. É certo que os acidentes têm sido responsáveis por qua quase se tudo tu do qua quant ntoo o homem hom em conse co nsegui guiuu prod pr oduz uzir ir até hoje e não duvidamos de que que os acidentes contribuíram para as realizações humanas; no entanto, o que que é acidental não tem, como como tal, qualquer valor. Além disso, o que não é planeado também fracassa. As idiossincrasias de um governante desconfiado que encara toda a perturbação da ordem como uma ofensa pessoal poderão revestir-se de um valor de sobrevivência acidental se a lei e a ordem forem mantidas, mas as estratégias militares de um chefe político paranóico têm a mesma proveniência e poderão ter efeitos totalmente diferentes. O surto industrial que resulte de uma busca bus ca desenf des enfrea reada da de felici fel icidade dade poderá poder á ter um valor val or de sobrevi sobr evivênci vênciaa acidental se, subitamente, se precisar de material de guerra, mas poderá também esgotar os recursos naturais e poluir o ambiente. Caso uma cultura planejada significasse necessariamente uniformidade ou sistematização, poderia com efeito contrariar qualquer evolução ul terior. Se os homens fossem muito semelhantes, teriam menos probabilidades de descobrir ou conceber novas práticas, assim como uma cultura que tomasse as pessoas tão semelhantes quanto possível poderia resvalar para um padrão estandardizado , do qual não haveria saída. Teríamos neste caso um exemplo de mau planeamento; porém, se é diversidade que procuramos, procu ramos, não deveremo deve remoss recorre rec orrerr novamente novame nte ao que é fortuito. Muitas culturas acidentais foram estigmatizadas pela uniformidade e pela sistematização. As exigências administrativas nos sistemas gover namentais, religiosos e económicos engendram uniformidade, uma vez que esta simplifica o problema do controlo. Os sistemas educacionais tradicionais especificam aquilo que o estudante deve aprender em determinada idade e ministram testes para garantia de que as especificações foram atingidas. Os códigos governamentais e religiosos são normalmente bastante bastant e explícito explí citoss e deixam uma pequ pequena ena margem aberta à diversidade divers idade ou diversificação. A única esperança reside na diversificação planeada, na qual se reconhece a importância da variedade. A criação de plantas e de animais evolui no sentido da uniformidade quando esta é importante (como acontece com os processos de simplificação da agricultura ou da pecuária) pecuá ria),, embora emb ora exija exij a igualme igu almente nte uma diversi dive rsific ficaçã açãoo planeada. plane ada. O planeamento não obsta a que ocorram acidentes úteis. Durante muitos milhares de anos o homem usou fibras (tais como o algodão, a lã e a seda) de origens acidentais, no sentido de que eram produtos
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de contingências de sobrevivência que não se relacionavam intimamente com as contingências que as tomaram úteis ao homem. Por outro lado, as fibras sintéticas foram explicitamente criadas e a sua utilidade tomada em consideração. A sua produção, no entanto, não diminui as probabilidades de que surjam novos tipos de algodão, lã ou seda. Continua a verificar s e acasos, acasos, que são na realidade realidade propiciados por aqueles que investigam novas possibilidades. Poderíamos afirmar que a ciência maximiza os acidentes. O físico não se limita a observar as temperaturas verificadas acidentalmente no mundo em geral: produz uma série contínua de temperaturas de grande amplitude. O cientista do comportamento não se confina aos programas (schedules) de reforço que ocorram casualmente na natureza: constrói uma grande, diversidade de programas, alguns dos quais poderiam nunca surgir casualmente. Não existe qualquer valor na natureza fortuita de um acidente. Uma cultura evolui à medida que novas práticas práti cas vão surgindo e sofrendo sofre ndo os efeitos efeit os da selecção, sele cção, pelo que não podemos pode mos esperar espe rar que surjam surja m casual cas ualmente mente.. Poderíamos exprimir do seguinte modo um tipo diferente de oposição a um um novo planeamento cultural: «Não gostaria gosta ria dele»7 del e»777 ou, traduzindo para linguagem behaviorística, behaviorís tica, «A cultur c ulturaa seria aversiva aversi va e não me reforçaria ref orçaria da maneira a que estou acostumado». A palavra reforma granjeou má reputação, pois costuma ser associada à destruição de reforçadores - «o «oss puritano puri tanoss derrubara derr ubaram m os mastros mast ros enfeit enf eitados ados do primeir pri meiroo de Maio e o cavalo de pau foi foi esquecido» - mas o planeamento de uma nova cultura constitui necessariamente uma espécie de «reforma» pois implica quase necessariamente uma mudança de reforçadores. Eliminar uma ameaça é, por exemplo, elimina eli minarr a emoção emoç ão da fuga; num mundo mund o melhor, ninguém «colherá esta flor, a segurança... desta urtiga, o perigo». O valor reforçante do descanso, do sossego e do lazer torna-se necessariamente menor à medida que o trabalho se torna menos compulsivo. Um mundo em que não haja a necessidade de luta moral não oferecerá nenhum dos reforços decorrentes de um resultado bem sucedido. Nenhum converso partilhará da libertação experimentada pelo cardeal Newman da «tensão de uma grande ansiedade». A arte e a literatura deixarão de se fundamentar em tais contingências. Não só deixaremos de ter razões para admirar as pessoas que suportam dores, enfrentam perigos ou se esforçam activamente por serem boas como ainda é possível que tenhamos pouco interesse pelos quadros ou livros a seu respeito. A arte e a literatura de uma nova cultura versarão outros assuntos. Estas transformações são prodigiosas, pelo que naturalmente lhes
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devotamos uma atenção especial. O problema reside em projectar um mundo que seja do gosto não dos homens de hoje, mas sim daqueies que nele viverão. «Não gostaria dele» é o lamento do individualista que
manifesta as suas próprias susceptibilidades em relação ao reforço como valores estabelecidos. Um mundo que fosse do agrado das pessoas do nosso tempo apenas perpetuaria o status quo. As pessoas gostariam desse mundo porque tinham sido ensinadas a gostar dele por razões que nem sempre resistem a uma análise minuciosa. Um mundo melhor será do agrado daqueles que nele viverem por haver sido planeado com vista ao que é, ou possa ser, mais reforçante. E impossível uma ruptura completa com o passado. O arquitecto de uma nova cultura será sempre culturalmente orientado, uma vez que não será capaz de se libertar totalmente das predisposições que tenham sido engendradas pelo ambiente social em que viva. Em certa medida, ele conceberá necessariamente um mundo de que goste. Além disso, uma nova cultura deverá atrair aqueles que nela se irão integrar, mas tais indivíduos são necessariamente produtos de uma cultura mais antiga. Adentro destes limites práticos, contudo, deverá ser possível minimizar o efeito dos aspectos acidentais das culturas predominantes e atentar nas origens das coisas que as pessoas consideram boas. As origens extremas situam-se na evolução da espécie e na evolução da cultura. Objecta-se por vezes que o planeamento científico de uma cultura é impossível, visto que o homem não aceitará o facto de que possa ser controlado. Mesmo que se provasse que o comportamento humano é inteiramente determinado, sustentou Dostoievsky78, o homem «ainda faria alguma coisa por pura pura perversidade - criaria a destruição destruição e o caos caos precisa prec isamente mente para se afirmar... E, se tudo isto pudesse pudes se por sua vez ser analisado e impedido pela previsão de que iria dar-se, então o homem enlouqueceria deliberadamente para provar que tinha razão». Dostoievsky sugere que o homem ficaria assim fora de controlo, como se a loucura fosse uma espécie de liberdade ou o comportamento de um psicopata não pudesse ser previsto e controlado. Dostoievsky poderá, num certo sentido, ter razão. Uma literatura da liberdade poderá inspirar uma oposição suficientemente fanática em relação às práticas de controlo de modo a gerar uma reacção neurótica ou até psicósica. psicós ica. Pode observarobser var-se se indícios de instabili insta bilidade dade emocional naqueles que tenham sido profundamente afectados por essa literatura. Não temos melhor indicação do empenho do partidário tradicional do não determinismo do que a mordacidade com que debate a possibilidade de existência de r
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uma ciência e tecnologia do comportamento e o seu emprego no planeamento explícito de uma cultura. O insulto é moeda corrente. Arthur Koestler79 referiu-se ao behaviorismo como «uma trivialidade monumen tal». Afirma ainda que representa «um monte de suposições elevado a uma escala heróica». Para ele, o behaviorismo converteu a psicologia numa «versão moderna da noite medieval». Os behavioristas empregam um «calão pedante» e reforço é uma «palavra feia». O equipamento utilizado no laboratório operante não passa de «engenhocas». Peter Gay80, cujos trabalhos de investigação sobre o Iluminismo setecentista deveriam tê-lo preparado para um interesse moderno pela planificação cultural, referiu-se à «ingenuidade inata, bancarrota intelectual e crueldade semideliberada do behaviorismo». Uma espécie de cegueira em relação ao estado actual da ciência constitui outro sintoma afim. Koestler afirmou que «a experiência mais impressionante no âmbito da ‘previsão e controlo do comportamento’ consiste em treinar pombos por meio do condicionamento operante a fim de conservarem as cabeças erguidas de um modo antinatural enquanto andam.» Parafraseia ainda a «teoria da aprendizagem» da seguinte maneira: «De acordo com a doutrina behaviorista, toda a aprendizagem ocorre pelo método de ensaio-e-falhanço ou tentativa-e-erro. A resposta correcta a um dado estímulo é descoberta por acaso, tendo um efeito recompensador ou, como se diz em calão behaviorista, reforçante; se o reforço for forte ou se se repetir por um número de vezes suficiente, a resposta é «gravada», formando-se assim uma liga E-R um vínculo de estímulo e resposta.» A desactualização desta paráfrase ronda os setenta anos. Outras interpretações erradas que se nos deparam amiúde incluem as seguintes reivindicações: uma análise científica aborda todo o comportamento como respostas a estímulos ou como «uma mera questão de actos reflexos condicionados», não reconhecendo qualquer contribuição da constituição genética para o comportamento nem tomando em consideração a consciência psicológica. (Veremos no capítulo seguinte como os behavioristas são responsáveis pelos mais vigorosos debates sobre a natureza e o uso do que se designa por consciência.) Afirmações deste jaez aparecem com frequência em escritos humanísticos, campo que em tempos se distinguiu pela sua erudição isenta e rigorosa, mas será difícil ao historiador do futuro reconstruir a ciência e a tecnologia actuais do comportamento a partir do que os críticos escrevem. Outra prática consiste em responsabilizar o behaviorismo por todos os nossos males. A prática já vem de longe - assim, os romanos culpavam
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os cristãos, e os cristãos os romanos, pelos tremores de terra e pela pestilência. Talvez ainda ninguém tenha ido tão longe quando responsabiliza uma concepção científica do homem pelos graves problemas que se nos deparam hoje em dia como certo articulista anónimo do suplemento literário de The Times: «Durante a segunda metade do século os nossos intelectuais de primeiro plano condicionaram-nos (o próprio termo é produto do behaviorismo) a encarar o mundo em termos quantitativos e dissimuladamente deterministas. Filósofos e psicólogos devastaram todos os nossos antigos pressupostos do livre arbítrio e responsabilidade moral. A única realidade, levaram-nos a crer, é a ordem física das coisas. Não somos nós que iniciamos as acções, pois reagimos a uma série de estímulos externos. Só em anos recentes é que começámos a verificar para onde nos conduz esta visão do mundo: os terríveis acontecimentos de Dallas e Los Angeles .. .» 8I Por outras palavras, a análise científica do comportamento humano foi responsável pelos assassínios de John e Robert Kennedy. Uma ilusão desprovida de qualquer fundamento e de tal grandeza parece confirmar o prognóstico dostoievskiano. O assassínio político tem uma história excessivamente longa para haver sido inspirado por uma ciência do comportamento. Se tivermos de assacar culpas a alguma teoria, será unicamente à teoria universal do homem autónomo, livre e digno. Há evidentemente boas razões para que o problema do controlo do comportamento humano suscite resistências. Dado que as técnicas mais comuns são de natureza aversiva, conta-se logicamente com qualquer tipo de contracontrolo. O indivíduo controlado pode colocar-se fora do alcance do agente de controlo (este agirá, por seu turno, no sentido de evitar que o faça) ou pode adoptar uma determinada forma de ataque (os processos de ataque converteram-se em passos importantes na evolução das culturas). Deste modo, os membros de um dado grupo estabelecem o princípio de que é errado empregar a força e punem aqueles que assim procedem por quaisquer meios disponíveis. Os governos codificam o princípio e qualificam o emprego da força de ilegal e as religiões, de pecaminoso, pelo que ambos criam contingências que visam reprimi-lo. Quando os agentes de controlo passam a recorrer a métodos que não sejam aversivos mas tenham consequências aversivas retardadas, estabelecem-se princípios adicionais. O grupo considera errado controlar através de meios fraudulentos, por exemplo, e seguem-se-lhes sanções governamentais e religiosas.
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Vimos como as literaturas da liberdade e da dignidade ampliaram tais medidas de contracontrolo num esforço de repressão de todas as práticas de controlo, mesmo que não tivessem quaisquer consequências aversivas ou consequências de reforço compensativas. O planificador de uma cultura expõe-se a críticas violentas uma vez que o planeamento explícito implica algum controlo (ainda que possa ser unicamente o controlo exercido por ele próprio). Põe-se muitas vezes o problema da seguinte forma: quem deverá assumir o controlo?, como se a resposta constituísse necessariamente uma ameaça. Todavia, para impedir o abuso do poder de controlar, devemos atentar, não no próprio agente de controlo, mas sim nas contingências em que ele exerce o controlo. Somos induzidos em erro pelas diferenças de conspicuidade entre as medidas de controlo. O escravo egípcio, quando quebrava pedra para as pirâmides, trabalhava numa pedreira sob a fiscalização de um soldado munido de um chicote, soldado esse que era pago para brandir o chicote por um superior, o qual por sua vez estava a soldo de um faraó, que havia sido persuadido da necessidade de possuir um túmulo inviolável pelos sacerdotes, os quais defendiam tal necessidade com base nos seus privilégios e no poder de que desse modo desfru ta vam, e assim sucessivamente. O chicote é um instrumento de controlo mais evidente do que o soldo, o soldo mais conspícuo do que os privilégios sacerdotais e os privilégios mais óbvios do que a perspectiva de uma próspera vida futura. Existem, no entanto, diferenças afins nos resultados. O escravo foge quando pode, o soldado e o pagador demitem-se ou revoltam-se se as contingências económicas forem demasiado débeis, o faraó destitui os seus sacerdotes e dá origem a uma nova religião se verificar que o seu tesouro está excessivamente depauperado, enquanto os sacerdotes transferem o seu apoio para a causa de um rival. Seleccionamos provavelmente os exemplos flagrantes de controlo, já que, pela sua brusquidão e nitidez, dão a impressão de desencadear alguma coisa; todavia, é erro crasso negligenciar as formas de controlo imperceptíveis. A relação entre o agente de controlo e o indivíduo controlado é recíproca. Ao estudar o comportamento do pombo no laboratório, o cientista prepara contingências e observa os respectivos efeitos. O seu instrumento de trabalho exerce um controlo evidente sobre o pombo, é certo, mas não devemos esquecer o controlo exercido por parte do pombo. O comportamento do pombo determinou as características do aparelho e o modo como é utilizado. Parte deste controlo recíproco é típico de toda a ciência. Como observou Francis Bacon, para dominar a natureza
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temos de obedecer-lhe. O cientista que projecta um ciclotrão encontra-se sob o controlo das partículas que estuda. O comportamento com que os pais controlam os filhos, quer aversivamente quer através de reforços positivos, é modelado e mantido pelas reacções dos filhos. O psicoterapeuta modifica o comportamento do seu paciente de formas que foram modeladas e preservadas pelo seu êxito em modificar aquele comportamento. Os governos ou as religiões prevêem e impõem sanções escolhidas pela sua eficácia no controlo dos cidadãos ou dos fiéis. Um patrão induz os seus empregados a trabalhar diligente e meticulosamente através de um sistema salarial determinado pelos seus efeitos sobre o comportamento. As práticas didácticas a que o professor recorre são modeladas e preservadas pelos seus efeitos nos alunos. Donde se conclui que, num sentido perfeitamente real, o escravo controla o capataz, o filho os pais, o paciente o terapeuta, os cidadãos o governo, os fiéis o sacerdote, os empregados o patrão e os alunos o professor. E certo que o físico projecta um ciclotrão a fim de controlar o comportamento de certas partículas subatômicas; estas, por sua vez, não actuam de modos específicos a fim de o induzirem a fazê-lo. O capataz emprega o chicote a fim de obrigar o escravo a trabalhar; o escravo não deixa de trabalhar a fim de induzir o capataz a utilizar o chicote. A intenção ou propósito implícito no termo «a fim de» constitui uma questão da medida, em que as consequências modificam eficazmente um dado comportamento e, portanto, da medida em que devemos levá-las em conta para explicar esse comportamento. Se a partícula não é afectada pelas consequências da sua acção e não existe qualquer razão para que falemos de intenções ou propósitos seus, já o escravo pode ser afectado pelas consequências dos seus actos. O controlo recíproco não é necessariamente intencional em ambos os sentidos, mas passa a sê-lo quando as consequências se fizerem sentir. A mãe aprende a tomar o bebé nos braços a fim de conseguir que deixe de chorar e até poderá fazê-lo antes que o bebé aprenda a chorar para que lhe peguem ao colo. Durante um certo lapso de tempo, só o comportamento da mãe é intencional, mas o da criança poderá também passar a sê-lo. O ditador benevolente representa o arquétipo do controlo para benefício do indivíduo controlado, mas nada adianta explicarmos que aquele age de um modo benévolo por ser ou sentir-se benevolente. E as nossos naturais suspeitas só se esfumam quando pudermos apontar para contingências que gerem comportamento benevolente. Tal comportamento pode ser acompanhado de sentimentos de benevolência ou compaixão, que poderão igualmente decorrer de condições irrelevantes. Não existe,
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por conseguinte, qualquer garantia de que um agente de controlo necessariamente exerça bem o controlo em relação tanto a si próprio como aos outros por sentir compaixão. Conta-se que Ramakrishna82, quando certo dia passeava com um amigo abastado, ficou chocado com a pobreza de alguns aldeões, tendo exclamado para o amigo: «Dai a cada uma dessas pessoas uma peça de fazenda, uma boa refeição e um pouco de óleo para a cabeça!» Como o amigo começasse por recusar, Ramakrishna, que não susteve as lágrimas, exclamou: «Miserável! Fico com esta gente. Não têm ninguém que olhe por eles. Não os deixarei.» Observamos que Ramakrishna se preocupava, não com a condição espiritual dos aldeões, mas sim com a sua roupa, alimentação, e protecção contra o sol. Contudo, os seus sentimentos não eram um subproduto de uma acção efectiva; apesar de todo o poder do seu samadhi, nada tinha para oferecer a não ser compaixão. Ainda que as culturas sejam melhoradas por indivíduos cuja sabedoria e compaixão lhes possam fornecer indicações para o que hão-de fazer, o aperfeiçoamento máximo decorre do ambiente que os torna judiciosos e compassivos. O grande problema está em suscitar um contracontrolo eficaz e, portanto, conseguir que certas consequências importantes tenham incidência no comportamento do agente de controlo. Quando se delega o controlo e o contracontrolo se torna então ineficaz, surgem-nos alguns exemplos clássicos de desequilíbrio entre o controlo e o contracontrolo. Os hospitais para doentes mentais, os lares para atrasados, os orfanatos e os lares para pessoas idosas distinguem-se por formas débeis de contracontrolo, dado que os interessados no bem-estar de tais indivíduos não se apercebem muitas vezes do que se passa. As prisões proporcionam poucas oportunidades de exercer contracontrolo, como o demonstram as mais frequentes medidas de controlo. O controlo e o contra-controlo tendem a desorganizar-se quando o controlo é, assumido por instituições organizadas. As contingências informais estão sujeitas a rápidos ajustamentos à medida que os seus efeitos se modificam, mas as contingências que as organizações delegam a especialistas poderão não ser afectadas por muitas das consequências. Aqueles que pagam pela educação ministrada a terceiros, por exemplo, poderão perder o contacto com as matérias ensinadas e com os métodos utilizados. O professor está unicamente sujeito ao contracontrolo exercido pelos alunos. Em consequência de tal estado de coisas, a escola poderá tomar-se inteiramente autocrática ou completamente anárquica e as matérias ensinadas poderão tornar-se obsoletas à medida que o mundo se modifica ou reduzir-se aos
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pontos que os alunos aceitem estudar. No âmbito da jurisprudência, põe-se um problema semelhante quando continua a fazer-se cumprir determinadas leis que deixaram de mostrar-se adequadas às práticas da comunidade. As normas nunca produzem um comportamento perfeitamente adequado às contingências a partir das quais foram formuladas, pelo que tal discrepância se agrava se as contingências mudam e as normas permanecem intactas. De um modo análogo, os valores atribuídos às mercadorias pelas entidades económicas poderão tornar-se desproporcionais em relação aos efeitos reforçantes das mercadorias, à medida que estes se forem modificando. Em resumo, uma instituição organizada que seja insensível às consequências das suas práticas não está sujeita a tipos importantes de contracontrolo. O autogoverno dá muitas vezes a impressão de solucionar o problema ao identificar o agente de controlo com o indivíduo controlado. O princípio de converter o primeiro em membro do grupo que controla deveria aplicar-se ao planificador de uma cultura. O desenhador de um dado aparelho ou instrumento destinado ao seu uso pessoal toma presumivelmente em consideração os interesses de quem o utiliza, do mesmo modo que o planificador de um dado ambiente social em que vai viver fará o mesmo; seleccionará os bens ou valores que reputa de importantes e estabelecerá o tipo de contingências a que possa adaptar-se. Numa democracia, o agente de controlo encontra-se entre os controlados, ainda que se comporte de maneiras diferentes em ambos os papéis. Veremos adiante como, num certo sentido, a cultura se controla a si própria, à semelhança do que fazem as pessoas, mas tal processo exige uma análise cuidadosa. O traçado intencional de uma cultura, com a implicação de que o comportamento deverá ser controlado, é por vezes qualificado de ética ou moralmente errado. A ética e a moral estão particularmente interessadas em fazer accionar as consequências mais remotas do comportamento. Existe uma moralidade das consequências naturais. Como se absterá a pessoa de comer uma certa iguaria deliciosa que, mais tarde, a fará adoecer? Ou como deverá sujeitar-se à dor ou à exaustão se tiver de o fazer para alcançar a segurança? As contingências sociais têm muito mais probabilidades de levantar problemas morais ou éticos. (Como observamos, os termos referem-se aos costumes de grupos.) Como se absterá a pessoa de tirar coisas que pertençam a outrem a fim de evitar a punição que daí lhe possa advir? Ou como irá submeter-se à dor ou à exaustão a fim de conquistar seu apreço? A questão prática, que já examinámos, é determinar a maneira de 9
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tornar eficazes as consequências remotas do comportamento83. Entregue a si própria, a pessoa adquire escassas formas de comportamento moral ou ético quer em contingências naturais quer em sociais. O grupo cria contingências de apoio quando sistematiza as suas práticas em códigos ou normas que indicam ao indivíduo como proceder e ainda quando faz cumprir essas normas por meio de contingências suplementares. Máximas, provérbios e outras formas de sabedoria popular fornecem à pessoa razões para respeitar as normas. Os governos e as religiões formulam as contingências que mantêm um tanto explicitamente e o sistema educacional transmite normas que possibilitam a satisfação tanto de contingências naturais como sociais, sem que o indivíduo lhes esteja directamente exposto. Tudo isto faz parte do ambiente social a que se dá o nome de cultura e o seu efeito principal, tal como verificamos, é colocar o indivíduo sob o controlo das consequências mais remotas do seu comportamento. O efeito tem um valor de sobrevivência no processo da evolução cultural, uma vez que as práticas evoluem porque aqueles que as seguem ficam, por isso mesmo, enriquecidos. Existe uma espécie de moralidade natural tanto na evolução biológica como na cultural. A evolução biológica tornou a espécie humana mais susceptível em relação ao seu ambiente e também mais hábil em lidar com ele. A evolução biológica tornou ainda possível a evolução cultural, tendo colocado o organismo humano sob um controlo muito mais amplo por parte do ambiente. Afirmamos que existe algo de «moralmente errado» num estado totalitário, numa empresa de jogo, num sistema não controlado de salários à peça, na venda de drogas perniciosas ou na influência pessoal indevida, não em virtude de qualquer conjunto absoluto de valores mas sim porque todas essas coisas se revestem de consequências aversivas. Tais consequências são retardadas, pelo que uma ciência que clarifique as suas relações comportamento encontra-se na melhor das posições possíveis para especificar um mundo melhor, num sentido ético ou moral. Não é, por conseguinte, verdade que o cientista empírico deva negar a possibilidade de existência de «qualquer interesse científico pelos valores e objectivos humanos e políticos» nem que a moralidade, a justiça e a ordem sob a lei se situem «para além da sobrevivência». É igualmente pertinente certo valor especial presente nos aspectos práticos da ciência. O cientista trabalha em circunstâncias que minimizam certos reforçadores pessoais imediatos. Nenhum cientista é «puro»84, no sentido de que se encontre fora do alcance de reforçadores imediatos, mas há outras consequências do seu comportamento que desempenham
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papel importante. Se planificar uma dada experiência de determinada maneira ou interromper uma experiência num dado ponto porque os resultados confirmam uma teoria que ostenta o seu nome, têm aplicações industriais que lhe proporcionem lucros ou então impressionam a instituição ou entidade que patrocina as suas investigações, é quase certo que vai enfrentar dificuldades. Os resultados de trabalhos científicos que venham a lume estão sujeitos a um rápido exame por parte de outros investigadores, pelo que aquele cientista que se deixe manobrar por consequências que não decorram do que investiga ou estuda ver-se-á provavelmente envolvido em problemas. Afirmar que os cientistas têm, por conseguinte, uma moral ou ética superior à de outros indivíduos ou que são dotados de um senso moral mais apurado é cometer o erro de atribuir ao cientista o que na verdade é uma característica do ambiente em que trabalha. Quase toda a gente emite juízos éticos ou morais, mas isso não quer dizer que a espécie humana seja dotada de «uma necessidade ou ânsia inata85de padrões éticos». (Pela mesma ordem de ideias, poderíamos afirmar que tem uma necessidade ou ânsia inata de comportamento não ético, já que quase todas as pessoas, mais cedo ou mais tarde, agem de uma maneira contrária à ética.) O homem não evoluiu como um animal ético ou moral, mas sim ao ponto de haver construído uma cultura ética ou moral. Difere dos outros animais, não por possuir um sentido moral ou ético, mas sim por ter sido capaz de produzir um ambiente social moral ou ético. O traçado intencional de uma cultura e o controlo do comportamento humano que ele implica são essenciais se se espera que a espécie humana continue a evoluir. Nem a evolução biológica nem a cultural constituem garantia de que caminhamos inevitavelmente na direcção de um mundo melhor. Darwin concluiu a Origem das Espécies com o famoso período: «E, como a selecção natural actua unicamente através e para o bem de cada ser, todos os ambientes corpóreos e mentais tenderão a progredir em direcção à perfeição.» Por sua vez, Herbert Spencer argumentava que «o desenvolvimento máximo do homem ideal é logicamente certo»; (Medawar86, no entanto, salientou que Spencer mudou de opinião quando a termodinâmica sugeriu um tipo diferente de término no conceito da entropia). Tennyson87 partilhava do optimismo escatológico do seu tempo quando apontava para aquele «longínquo e divino evento em direcção ao qual toda a criação se move». Todavia, as espécies e culturas extintas atestam a possibilidade de malogros. O valor de sobrevivência modifica-se à medida que as condições
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se alteram. Por exemplo, uma vigorosa susceptibilidade ao reforço por certas espécies de alimentos, pelo contacto sexual e por danos resultantes de agressões foi outrora extremamente importante. Quando o indivíduo passava grande parte do dia à procura de alimentos, era importante que aprendesse rapidamente onde encontrá-los ou como apanhá-los; porém, com o advento da agricultura, da criação de gado e de processos de armazenar alimentos, perdeu-se tal vantagem e agora a capacidade de se ser reforçado pela comida conduz a uma alimentação excessiva e a doenças. Quando era frequente as fomes e a peste dizimarem populações, era importante que os homens procriassem sempre que se lhes deparasse uma oportunidade; contudo, com a melhoria das condições sanitárias e médicas e das práticas agrícolas, a susceptibilidade ao reforço sexual traduz-se hoje em superpopulação. Quando as pessoas tinham de defender-se de predadores, humanos ou não, era importante que qualquer indício de dano causado a um predador reforçasse o comportamento que produzira tal dano; todavia, com a evolução da sociedade organizada, a susceptibilidade a esse tipo de reforçamento tornou-se menos importante, podendo até interferir hoje em dia em relações sociais mais úteis. Constitui uma das funções de uma cultura corrigir tais disposições inatas através da criação de técnicas de controlo, e particularmente de autocontrolo, que moderem os efeitos do reforçamento. Mesmo em condições estáveis, uma espécie poderá adquirir características não adaptativas ou deficientemente adaptativas. O próprio processo do condicionamento operante fornece-nos um exemplo. Uma resposta rápida ao reforço deverá ter tido valor de sobrevivência e muitas espécies alcançaram um ponto em que um único reforço tem um efeito considerável. Todavia, quanto mais depressa um dado organismo aprende, tanto mais vulnerável se torna a contingências adventícias. O aparecimento acidental de um certo reforçador fortalece qualquer comportamento em desenvolvimento e coloca-o sob o controlo de determinados estímulos presentes. Classificamos o resultado de superstição88. Ao que sabemos, qualquer espécie capaz de aprender a partir de um reduzido número de reforços está sujeita a superstições, pelo que as consequências são muitas vezes desastrosas. Uma cultura corrige tal defeito quando concebe métodos estatísticos que eliminem os efeitos das contingências adventícias e apenas coloquem o comportamento sob o controlo daquelas consequências que se relacionem funcionalmente com ele. O que precisamos é de mais controlo «intencional», não de menos, o que constitui um importante problema de planificação. O bem de uma
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cultura não pode funcionar como fonte de reforçadores genuínos para o indivíduo; por outro lado, os reforçadores criados pelas culturas para induzirem os seus membros a trabalhar pela sobrevivência deles próprios estão amiúde em conflito com os reforçadores pessoais. O número de pessoas explic ita mente ocupadas no aperfeiç oamento do desenho automobilístico, por exemplo, deverá exceder largamente o número daquelas que se dedicam à melhoria das condições de vida nos guetos urbanos. Não é que o automóvel seja mais importante do que um modas vivendi, mas sim que as contingências económicas que induzem as pessoas a aperfeiçoar os automóveis são muito poderosas e decorrem dos reforçadores pessoais dos fabricantes. Não existe um único reforçador de força comparável que impulsione a planificação da pura sobrevivência de uma cultura. Além disso, a tecnologia da indústria automobilística está, evidentemente, muito mais avançada do que uma tecnologia do comportamento. Tais factos apenas sublinham a importância de que se reveste a ameaça exposta pelas literaturas da liberdade e da dignidade. Um teste revelador da medida em que uma dada cultura promove o seu próprio futuro reside no seu modo de tratar os tempos de lazer89. Certas pessoas são suficientemente poderosas para forçar ou induzir outras a trabalhar para si, de modo a terem muito pouco que fazer. Podem, assim, entregar-se «à boa vida». O mesmo acontece com aqueles que vivem em climas particularmente amenos, as crianças, os atrasados ou doentes mentais, as pessoas idosas e aquelas que se encontram entregues aos cuidados de outrem. A fechar a lista, encontramos os membros tanto das sociedades abundantes como das do bem-estar. Todas estas pessoas dão a impressão de poder «fazer apenas o que lhes agrada», o que constitui o objectivo natural do partidário do livre arbítrio. O lazer é o epítome da liberdade. A espécie está preparada para breves períodos de ociosidade; quando completamente saciadas por uma lauta refeição ou quando o perigo foi conjurado, as pessoas descansam ou dormem, como acontece com outras espécies. Se a ociosidade se prolonga por mais algum tempo, podem entregar-se a diversas manifestações lúdicas - consequências frívolas de determinado comportamento grave. Contudo, os resultados são muito diferentes quando não há nada que fazer durante longos lapsos de tempo. O leão enjaulado no jardim zoológico, bem alimentado e protegido, não se comporta como o leão saciado, no seu meio natural. A semelhança do ser humano institucionalizado, enfrenta o problema do lazer sob a sua pior forma: não tem nada que fazer. O lazer é uma condição para
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a qual a espécie humana tem sido imperfeitamente preparada, uma vez que até há bem pouco tempo era apenas desfrutada por uma minoria, que contribuía com muito pouco para o fundo genético. Grande número de pessoas encontra-se actualmente em ociosidade durante períodos de tempo consideráveis, mas não houve qualquer hipótese de uma selecção efectiva tanto de uma constituição genética importante como de uma cultura relevante. Quando determinados reforçadores poderosos deixam de ser eficazes, são substituídos por outros de menor importância. O reforço sexual sobrevive à afluência ou ao bem-estar visto que diz respeito mais à sobrevivência da espécie do que ao indivíduo, além de que a consecução do reforço sexual não é uma coisa que deleguemos a outrem. O comportamento sexual assume, por conseguinte, um lugar proeminente no lazer. Pode conceber-se ou descobrir-se reforços que permaneçam eficazes, tais como alimentos que continuam a reforçar-nos mesmo quando não temos fome, drogas como o álcool, a marijuana ou a heroína, que se tornam reforçantes por razões irrelevantes e acidentais ou ainda a massagem. Todo o reforçador débil torna-se poderoso quando adequadamente programado (scheduled), facto que é demonstrado pela relevância assumida, nos tempos livres, por parte do programa de razão variável que encontramos em todas as empresas de jogo. O mesmo programa (schedude) explica a dedicação do caçador, do pescador ou do coleccionador, quando aquilo que apanham ou coleccionam não se reveste de grande importância. Nos jogos e desportos, cria-se propositadamente contingências que transformam acontecimentos triviais em eventos de extraordinária importância. Os indivíduos desocupados tornam-se também espectadores do grave comportamento dos outros, como acontecia no circo romano ou sucede num moderno campo de futebol, no teatro ou no cinema ou ainda quando ouvem ou lêem narrativas do grave comportamento de outras pessoas através da bisbilhotice ou da literatura. Somente uma pequena parte deste comportamento contribui para a sobrevivência pessoal ou de uma cultura. A ociosidade esteve durante muito tempo associada à produtividade artística, literária e científica. As pessoas necessitam de estar desocupadas para se entregar a tais actividades e só uma sociedade razoavelmente afluente pode patrociná-las em larga escala. Todavia, a ociosidade só por si não conduz necessariamente à arte, à literatura ou à ciência, pois são precisas determinadas condições culturais. Aqueles que se interessam pela sobrevivência da sua cultura examinarão, portanto, as contigências que subsistem quando se atenuam, as prementes contingências quotidianas.
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É comum dizer-se que uma cultura afluente pode permitir-se o lazer,
mas penso que não podemos estar tão seguros. É fácil para quem trabalha arduamente confundir um estado de lazer com reforço, em parte porque aquele acompanha muitas vezes o segundo, e a felicidade, tal como a liberdade, está de há muito associada ao fazer aquilo que nos agrada; no entanto, o verdadeiro efeito produzido no comportamento humano poderá ameaçar a sobrevivência de uma cultura. O enorme potencial daqueles que não têm nada que fazer não pode ser negligenciado, já que podem ser produtivos ou destrutivos, conservadores ou consumidores, atingir os limites das suas capacidades ou ser transformados em máquinas, apoiar a cultura se forem fortemente reforçados por ela ou abandoná-la se a vida se tornar enfadonha. Nesta conformidade, podem ou não estar preparados para agir de uma maneira eficaz quando o lazer chegar ao fim. O lazer é um dos grandes desafios dirigidos àqueles que se ocupam da sobrevivência de uma cultura, porquanto qualquer tentativa de controlar o que a pessoa faz quando não tem de fazer nada tem muitas probabilidade ser atacada como intromissão abusiva. A vida, a liberdade e a procura da felicidade são direitos básicos, mas constituem direitos do indivíduo e assim foram reconhecidos numa época em que as literaturas da liberdade e da dignidade estavam empenhadas no engrandecimento do indivíduo. Tais direitos apenas exercem uma influência secundária na sobrevivência de uma cultura. O arquitecto de uma cultura não é um intruso nem um intrometido. Não se insere numa cultura a fim de subverter um processo natural: faz parte de um processo natural. O geneticista que modifica as características de uma espécie através de uma reprodução selectiva ou da modificação dos genes poderá dar a impressão de se imiscuir na evolução biológica, mas fá-lo porque a sua espécie evoluiu ao ponto de poder criar uma ciência da genética e uma cultura que induz os seus membros a debruçaremse sobre o futuro da espécie. Aqueles que foram induzidos pela sua cultura a agir no sentido de, através de práticas de planeamento, promover a sobrevivência dela própria devem aceitar o facto de que estão a alterar as condições de vida da sociedade e, por conseguinte, a participar no controlo do comportamento humano. A boa governação é tanto uma questão de controlo do comportamento humano quanto a má, as boas condições de incentivação tanto quanto a exploração, o bom ensino tanto quanto os exercícios punitivos. Nada temos a lucrar com o emprego de uma palavra mais
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branda. Se nos contentarmos com o mero «influenciar» pessoas, não nos alongaremos do significado original do termo: um fluido etéreo que se imagina fluir dos astros e afectar as acções humanas». Os ataques dirigidos às práticas de controlo constituem, como é óbvio, uma forma de contracontrolo, o que poderá revestir-se de benefícios incomensuráveis se conduzirem ao aproveitamento de melhores práticas de controlo. As literaturas da liberdade e da dignidade têm, porém, cometido o erro de supor que suprimem o controlo em vez de o corrigir. O controlo recíproco, através do qual uma cultura evolui, é então subvertido. A recusa de exercer um controlo disponível com a alegação de que num certo sentido, todo o controlo é errado, resulta no possível impedimento de importantes formas de contracontrolo. Analisámos já algumas das consequências. As medidas punitivas que as literaturas da liberdade e da dignidade ajudaram, de outra forma, a eliminar são, em contrapartida, fomentadas. A preferência por métodos que tomam o controlo imperceptível ou permitem que se exerça dissimuladamente veio a condenar aqueles que estão em posição de exercer um contracontrolo construtivo em relação ao emprego de medidas débeis. Isto poderia ser uma mutação cultural fatal. A nossa cultura produziu já a ciência e a tecnologia de que necessita para se salvar; possui a riqueza necessária a uma acção eficaz e devota um considerável interesse ao seu próprio futuro. Todavia, se continuar a tomar a liberdade ou a dignidade, mais do que a sua própria sobrevivência, como o seu principal valor, então é possível que qualquer outra cultura ofereça uma contribuição maior para o futuro. O defensor da liberdade e da dignidade poderá, nesse caso, à semelhança do Satã miltoniano90, continuar a dizer a si próprio que tem «uma mente que o tempo ou o lugar não modificarão» e uma identidade pessoal «omni-suficiente» («Que importa o lugar se eu ainda for o mesmo?»). Mas nem por isso deixará de ir parar ao inferno com a única consolação de que «aqui, pelo menos, seremos livres». A cultura assemelha-se ao espaço experimental utilizado no estudo do comportamento. É um conjunto de contingências de reforço, conceito este que só recentemente começou a ser entendido. A tecnologia do comportamento que actualmente desponta é eticamente neutra; porém, quando aplicada ao desenho de uma cultura, a sobrevivência da cultura funciona como um valor. Aqueles que foram induzidos a trabalhar pela sua cultura precisam de prever alguns dos problemas a resolver, mas muitos aspectos actuais de uma cultura estão obviamente ligados ao seu valor de sobrevivência. As soluções projectadas na literatura utópica apelam
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para certos princípios signif icativos, os quais têm o mérito de sublinhar o valor de sobrevivência: a utopia resultará? O mundo em geral é, como se depreende, muito mais complexo, mas os processos são os mesmos e as práticas funcionam pelas mesmas razões. Acima de tudo, desfrutamos da mesma vantagem ao formular objectivos em termos comportamentais. O emprego da ciência no planeamento de uma cultura suscita frequentes controvérsias. Afirma-se que a ciência é inadequada, que o seu emprego poderá acarretar consequências desastrosas, que não produzirá uma cultura que seja do agrado dos membros de outras culturas e, de qualquer modo, que os homens se recusarão, de alguma maneira, a ser controlados. O abuso de uma tecnologia do comportamento constitui um assunto grave, mas a melhor forma de podermos estar de sobreaviso será atentar, não em reputados agentes de controlo, mas nas contingências em que exercem o controlo. Não é a benevolência de um agente de controlo mas as contingências nas quais ele controla benevolamente que devem ser examinadas. Todo o controlo é recíproco, pelo que um intercâmbio entre controlo e contracontrolo é essencial à evolução de uma cultura. O intercâmbio é perturbado pelas literaturas da liberdade e da dignidade, que interpretam o contracontrolo mais como a supressão do que a correcção das práticas de controlo. Tal efeito poderia ser fatal. Não obstante certas vantagens notáveis, a nossa cultura poderá revelar um defeito fatal. Qualquer outra cultura poderá então contribuir de um modo mais decisivo para o futuro.
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À medida que uma ciência do comportamento adopta a estratégia da física e da biologia, o homem autónomo, ao qual o comportamento vinha sendo tradicionalmente atribuído, é substituído pelo ambiente o ambiente em que a espécie evolui e se modelou e preservou o comportamento do indivíduo. As vicissitudes do «ambientalismo» demonstram como tem sido difícil realizar tal substituição. Que o comportamento humano deve alguma coisa a acontecimentos antecedentes e que o ambiente constitui um alvo de ataque mais promissor do que o próprio homem, já há muito se reconheceu. Como observou Crane Brinton91, constituiu aspecto significativo das revoluções inglesa, francesa e russa a existência de «um programa destinado a modificar as coisas e não apenas a converter as pessoas». Foi Robert Owen (1771-1858), segundo Trevelyan92, quem primeiro «compreendeu claramente e ensinou que o ambiente é responsável pelo carácter e que o ambiente se encontra sob o controlo humano» ou, como observou Gilbert Seldes,93 «que o homem é uma criatura de circunstância: se mudássemos os ambientes de trinta pequenos hotentotes e de trinta crianças aristocratas inglesas, os aristocratas tornar-se-iam hotentotes, para todos os efeitos práticos, e os hotentotes, pequenos conservadores». São bastante claras as provas que justificam um certo ambientalismo básico. As pessoas divergem extraordinariamente em lugares diferentes e talvez precisamente devido às diferenças entre esses lugares. O nómada a cavalo da Mongólia Exterior e o astronauta que se desloca pelo espaço são pessoas diferentes; contudo, tanto quanto sabemos, se tivessem sido
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trocados à nascença, teriam também permutado as suas posições como adultos. (A expressão «mudar de ambiente» demonstra como identificamos
de perto o comportamento da pessoa com, o ambiente em que ele ocorre.) Precisamos, no entanto, de desenvolver muito mais os nossos conhecimentos antes que tal facto se nos tome vantajoso. Que aspectos do ambiente produzem um hotentote? E que seria necessário modificar para que, em seu lugar, se produzisse um conservador inglês? Tanto o entusiasmo do ambientalismo como os seus malogros quase sempre, ignominiosos são ilustrados pela experiência utópica em «New Harmony», realizada em território americano em 1825. Por outro lado, uma longa história de reformas ambientais nos campos da educação, penologia, indústria e vida familiar, para não falar do governo e da religião, revela o mesmo padrão os ambientes são criados segundo o modelo dos ambientes em que se tenha observado um comportamento bom, mas sucede que esse comportamento não surge. Duzentos anos deste tipo de ambientalismo têm muito pouco a mostrar em seu abono, e por uma razão simples. Temos de saber como o ambiente actua antes de podermos modificá-lo com vista a modificar o comportamento, pelo que é quase irrelevante uma mera transferência de ênfase do homem para o ambiente. Examinemos alguns exemplos nos quais o ambiente assume a função e o papel do homem autónomo. O primeiro, que frequentemente se diz envolver a natureza humana, é a agressividade. O homem age muitas vezes de maneira a causar danos a outrem e dá mostras de ser reforçado pelos indícios de tais danos. Os etologistas puseram em relevo contingências de sobrevivência que contribuiriam com tais características para a constituição genética da espécie, mas as contingências de reforço na vida de um indivíduo são igualmente significativas, já que todo aquele que age agressivamente para causar dano a outrem será provavelmente reforçado de outras maneiras (apossando-se de bens alheios, por exemplo). As contingências explicam o comportamento independentemente de qualquer estado ou sentimento de agressividade, ou ainda de qualquer acto que parta do homem autónomo. Outro exemplo, que diz respeito a um chamado «traço de carácter», é a diligência. Certas pessoas são diligentes no sentido de que trabalham energicamente durante longos períodos de tempo, enquanto outras são preguiçosas e indolentes. A «diligência» e a «preguiça» são exemplos dos milhares dos chamados «traços de carácter». O comportamento a que dizem respeito pode ser explicado de outras maneiras. Parte dele pode atribuir-se a idiossincrasias genéticas (e apenas pode ser modificado
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através de medidas genéticas) e o restante a contingências ambientais, muito mais importantes do que geralmente se pensa. Independentemente de qualquer herança genética normal, um organismo oscilará entre uma actividade vigorosa e um repouso absoluto consoante os programas (schedules) em que tenha sido reforçado. A explicação passa de um traço de carácter para uma história ambiental do reforço. Um terceiro exemplo (uma actividade «cognitiva») é a atenção. A pessoa só reage a uma pequena parte dos estímulos que a ferem. O ponto de vista tradicional defende que é ela própria que determina que estímulos devem efectivamente feri-la, «prestando-lhes atenção». Afirma-se que uma espécie de guardião interior permite a entrada de certos estímulos e impede os restantes de entrar. Um estímulo súbito ou forte poderá forçar a passagem e «atrair» atenção, mas é a pessoa que, de resto, detém o controlo dos acontecimentos. Todavia, uma análise das circunstâncias ambientais inverte a relação. Certos estímulos forçam a passagem «captando a atenção» do indivíduo porque estão associados, na história evolutiva da espécie ou na história pessoal do indivíduo, a coisas importantes (perigosas, p.e.) Os estímulos menos poderosos só atraem a atenção na medida em que tenham figurado em contingências de reforço. Podemos criar contingências que assegurem que um determinado organismo (mesmo um organismo tão «simples» como um pombo) «preste atenção» a um dado objecto e não a outro, ou a uma dada propriedade de um objecto, como a cor, e não a outro, como a forma. O guardião interior foi substituído pelas contingências a que o organismo esteve exposto e que seleccionam os estímulos a que reage. Segundo a perspectiva tradicional, a pessoa apreende o mundo que a cerca e age de modo a torná-lo inteligível. Num certo sentido, a pessoa procura-o e segura-o. «Absorve-o» e possui-o. «Conhece»-o no sentido bíblico, no qual um homem conhece uma mulher. Já se chegou a argumentar que o mundo não existiria se ninguém o apreendesse pelos sentidos. A acção é exactamente invertida numa análise ambiental. Como é óbvio, não haveria percepção se não houvesse um mundo a perceber, mas um mundo existente não seria apreendido se não existissem contingências apropriadas. Dizemos que um bebé percebe o rosto da mãe e o conhece. A nossa justificação é que ele responde de um dado modo em relação ao rosto materno e de outras maneiras em relação aos outros rostos ou objectos. Não faz essa distinção através de qualquer acto mental de percepção, mas devido a contingências anteriores, algumas das quais podem ser contingências de sobrevivência. As características físicas de uma espécie
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São elementos particularmente estáveis do ambiente em que a espécie se desenvolve. (Eis a razão por que os etologistas deram um lugar tão proeminente ao namoro, ao sexo e às relações entre pais e prole.)
O rosto e as expressões faciais da mãe humana têm sido associados a segurança, calor, alimento e outras coisas importantes, tanto durante a evolução da espécie como durante a vida da criança. Aprendemos a perceber94, no sentido de que aprendemos a responder a coisas de determinada maneira devido às contingências de que fazem parte. Podemos perceber o sol, por exemplo, apenas por se tratar de um estímulo extremamente poderoso, mas não há dúvida de que tem constituído parte permanente do ambiente da espécie ao longo da sua evolução e determinadas contingências de sobrevivência poderiam haver seleccionado um comportamento mais específico em relação ao astro-rei (como aconteceu com muitas outras espécies). O sol figura igualmente em muitas contingências actuais de reforço: procuramos a luz solar ou evitamo-la conforme a temperatura; esperamos pelo nascer ou pôr do sol para iniciar determinadas acções; falamos a respeito do sol e dos seus efeitos e, eventualmente, estudamo-lo com os instrumentos e métodos da ciência. A percepção que temos do sol depende, pois, do que fazemos em relação aos seus estímulos. O que quer que façamos, e consequentemente seja qual for a maneira de o perceber, subsiste o facto de que é o ambiente que age sobre quem o percebe e não a pessoa que age sobre o ambiente. A percepção e o conhecimento que derivam de contingências verbais são, de uma maneira ainda mais clara, produtos do ambiente. Reagimos a um dado objecto de muitas maneiras práticas em consequência da sua cor - assim, apanhamos e comemos maçãs vermelhas de uma certa variedade e não verdes. É evidente que somos, capazes de «estabelecer a diferença» entre vermelho e verde, mas algo mais existe quando dizemos saber que maçã, é vermelha e outra verde. Somos tentados a dizer que o conhecimento é um processo cognitivo inteiramente divorciado da acção; as contingências, porém, fornecem-nos uma distinção mais útil. Quando alguém nos pergunta a cor de um dado objecto que não pode ver e lhe dizemos que é encarnado, nós nada fazemos em relação ao objecto por qualquer outro meio. É a pessoa que nos pôs a pergunta e ouviu a nossa resposta que emite uma resposta prática em função da cor do objecto. Só em contingências verbais pode alguém responder a uma propriedade isolada à qual não possa ser dada uma resposta não verbal. À resposta a uma dada propriedade de um objecto sem qualquer outra resposta ao mesmo objecto damos o nome de abstracta. O pensamento abstracto é
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o produto de um tipo especial de ambiente e não de uma dada faculdade cognitiva. Ao escutarmos, adquirimos um tipo de conhecimento do comportamento verbal dos outros que pode ser extremamente valioso ao permitir-nos evitar que nos exponhamos directamente a certas contingências. Aprendemos através da experiência alheia, reagindo ao que os outros referem acerca das contingências. Quando nos advertem para que façamos ou não algo, não há talvez qualquer interesse em falar de conhecimento; no entanto, quando recebemos tipos mais duráveis de advertências e conselhos sob a forma de máximas ou normas, podemos afirmar que temos um tipo especial de conhecimento das contingências a que se aplicam95. As leis da ciência são descrições de contingências de reforço e quem conhecer uma dada lei científica poderá comportar-se de um modo eficaz sem se expor às contingências que ela descreve. (A pessoa experimentará, sem dúvida, sentimentos muito diferentes em relação às contingências, consoante esteja a seguir uma norma ou tenha estado directamente exposta a determinadas contingências. O conhecimento científico é «frio», ao passo que o comportamento a que dá origem é tão eficaz como o conhecimento «quente» decorrente da experiência pessoal.) Isaiah Berlin referiu-se a um certo sentido de conhecimento, que se diz ter sido descoberto por Giambattista Vico96. Trata-se do «sentido em que sei o que significa ser pobre, lutar por uma causa, pertencer a uma nação, abraçar ou abandonar uma igreja ou partido; sentir nostalgia, terror, a omnipresença de um deus; compreender um gesto, uma obra de arte, uma piada, o carácter de um homem, que somos transformados ou mentimos a nós próprios». São estas as espécies de coisas que temos mais probabilidades de aprender através de um contacto directo com as contingências do que através do comportamento verbal dos outros, ainda que àquelas estejam, sem dúvida, associados certos tipos especiais de sentimentos. Todavia, mesmo assim, o conhecimento não é, de modo nenhum, directamente transmitido. Só podemos saber o que significa lutar por uma causa após uma longa história, durante a qual tenhamos aprendido a perceber e a conhecer aquele estado de coisas a que se dá o nome de luta por uma causa. O papel do ambiente torna-se particularmente subtil quando o objecto do conhecimento é o próprio sujeito. Se não existe um mundo externo que inicie o conhecimento, não deveríamos afirmar que é o próprio sujeito o primeiro a agir? Este é, claro, o campo da consciência psicológica97, campo que uma análise científica do comportamento é acusada de ignorar.
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Dado que se trata de uma acusação grave, devemos tomá-lo muito a sério. Diz-se que a principal diferença entre o homem e os outros animais decorre do facto de ter «consciência da sua própria existência». Ele sabe o que está a fazer; sabe que teve um passado e terá um futuro; «reflecte sobre a sua própria natureza»; só ele segue a clássica injunção «conhece-te a ti próprio». Qualquer análise do comportamento humano que desprezasse tais factos seria na verdade imperfeita, o que acontece em alguns casos. O chamado «behaviorismo metodológico» limita-se àquilo que pode ser publicamente observado - poderão existir processos mentais, mas são excluídos, pela sua natureza, da análise científica. Os «behavioristas» da ciência política e muitos filósofos positivistas lógicos têm seguido um rumo idêntico. Contudo, dado que pode estudar-se a auto-observação, esta deve ser incluída em qualquer estudo razoavelmente completo do comportamente humano. Em vez de neglicenciar a consciência, uma análise experimental do comportamento tem posto em relevo certas questões cruciais. O problema não está em determinar se o homem é capaz de se conhecer a si mesmo mas o que aprende quando o faz. O problema resulta em parte do facto indiscutível da «privatividade» individual: uma pequena parte do universo está encerrada na pele de cada indivíduo. Seria tolice negar a existência deste mundo privado, como é igualmente tolice defender que, por ser privado, é de natureza diferente do mundo exterior. A diferença não reside na matéria de que se compõe esse mundo interior, mas na sua acessibilidade. Existe uma intimidade exclusiva numa dor de cabeça, num sentimento de angústia ou num solilóquio silencioso. A intimidade é por vezes penosa (não somos capazes de fechar os olhos quando temos certas dores de cabeça), mas não o é necessariamente, e parece apoiar a doutrina de que o conhecimento é uma espécie de posse. A dificuldade é que, embora essa condição de intimidade possa aproximar o «conhecedor» do objecto do seu conhecimento, ela interfere no processo pelo qual ele vem a conhecer alguma coisa. Como vimos no Capítulo 6, as contingências em que uma criança aprende a descrever os seus sentimentos são necessariamente imperfeitas; a comunidade verbal não pode empregar os métodos que utiliza quando ensina a criança a descrever objectos. Existem, é certo, contingências naturais em que aprendemos a responder a estímulos íntimos e que produzem formas de comportamento de grande precisão: não seríamos capazes de andar, saltar ou fazer um «mortal» se não fôssemos estimulados por certas partes do nosso próprio corpo. Contudo, é muito reduzida a consciência associada
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a este tipo de comportamento e com efeito, comportamo-nos desses modos quase sempre sem termos consciência dos estímulos a que estamos a responder. Não reconhecemos consciência a outras espécies que usam, obviamente, estímulos íntimos semelhantes. «Conhecer» estímulos íntimos é mais do que responder-lhes. A comunidade verbal especializa-se em contingências que se descrevem a si mesmas. Põe perguntas como estas: Que fez ontem? Que estás a fazer agora? Que fará amanhã? Porque fizeste isso? Quer mesmo fazer isso? Que te parece isto? As respostas ajudam as pessoas a ajustar-se reciprocamente de uma maneira eficaz. E é devido ao facto de se fazer tais perguntas que a pessoa reage a si própria e ao seu comportamento do modo especial que se designa por conhecer ou estar cônscio. Sem o auxílio de uma comunidade verbal, todo o comportamento seria inconsciente. A consciência é um produto social. Não só não é o campo especial do homem autónomo como ainda se situa fora da esfera do homem solitário. E encontra-se igualmente fora do alcance da exactidão de qualquer pessoa. A privatividade que parece conferir intimidade ao autoconhecimento impossibilita a comunidade verbal de manter contingências precisas. O vocabulário introspectivo é, por natureza, impreciso e esta é. uma das razões por que tem variado tanto entre as diversas escolas filosóficas e psicológicas. Mesmo um observador meticulosamente treinado experimenta dificuldades quando se estuda novos estímulos íntimos. (Provas independentes da estimulação íntima - através de medidas fisiológicas, por exemplo - possibilitariam tornar mais acutilantes as contingências que produzem auto-observação e confirmariam, parenteticamente, a presente interpretação. Tais provas não ofereceriam qualquer apoio, como vimos já no Capítulo 1, a uma teoria que atribuísse o comportamento humano a um agente interior observável.) As teorias da psicoterapia que sublinham a consciência atribuem ao homem autónomo um papel que está convenientemente (e de uma maneira muito mais eficaz) reservado a contingências de reforço. A consciência poderá ajudar se o problema for, em parte, uma certa falta de consciência e a «intuição» da própria condição pode ser vantajosa se se tomar medidas remediadoras; porém, a consciência ou essa intuição, só por si, não bastam. podendo até pecar por excesso. Para agir com eficácia ou ineficácia, não necessitamos de estar cônscios do nosso comportamento ou das condições que o controlam. Pelo contrário, como o demonstra a pergu nta do sapo à centopeia, a auto-observação constante poderá ser um obst áculo. Um
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pianista exímio actuaria pessimamente se tivesse uma consciência tão nítida do seu comportamento como o estudante que dá os primeiros passos na aprendizagem do instrumento. As culturas são frequentemente avaliadas pela medida em que fomentam a auto-observação. Afirma-se que certas culturas produzem homens que não pensam; em contrapartida, Sócrates tem sido admirado por haver induzido as pessoas a indagar sobre a sua própria natureza. Todavia, a auto-observação constitui somente um preliminar para a acção. O grau de consciência que o homem deverá ter de si próprio depende da importância da auto-observação para um comportamento eficaz. O autoconhecimento só é valioso na medida em que contribua para ir ao encontro das contingências em que tenha surgido. Talvez o derradeiro reduto do homem autónomo seja aquela actividade «cognitiva» complexa a que se dá o nome de pensamento. Porque é complexa, só lentamente se tem rendido a explicações em termos de contingências de reforço. Quando dizemos que uma pessoa distingue o vermelho do laranja, subentendemos que tal discriminação constitui um tipo de acto mental. A própria pessoa não parece fazer coisa alguma: responde de maneiras diferentes a estímulos vermelhos e laranja, mas isto é o resultado da discriminação e não o acto em si. Analogamente, dizemos que a pessoa generaliza - digamos, da sua própria experiência limitada para o mundo em geral - mas tudo o que vemos é que ela reage ao mundo em geral como aprendeu a responder ao seu próprio pequeno mundo. Afirmamos que uma pessoa forma um conceito ou uma abstracção, mas tudo quanto vemos é que certos tipos de contingências de reforço produziram uma resposta sob o controlo de uma única propriedade de um dado estímulo. Dizemos que um indivíduo recorda ou se lembra do que viu ou ouviu, mas tudo, quanto vemos é que a presente ocasião evoca uma resposta, possivelmente sob uma forma enfraquecida ou modificada, adquirida numa outra ocasião. Afirmamos que uma pessoa associa uma palavra a outra, mas tudo o que observamos é que um dado estímulo verbal evoca a resposta previamente emitida em relação a outro. Desta maneira, em vez de supormos que é o homem autónomo que discrimina, generaliza, forma conceitos ou abstracções, recorda ou evoca e associa, podemos alinhar todos estes termos observando simplesmente que não dizem respeito a formas de comportamento98. No entanto, a pessoa pode agir explicitamente quando resolve um problema99. Ao construir uma paciência, a pessoa pode revolver as peças a fim de aumentar as suas possibilidades de solucioná-la. Quando resolve
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uma equação, poderá transpor ou simplificar fracções e calcular a raiz quadrada a fim de aumentar as suas possibilidades de encontrar uma certa fase da equação que tenha já aprendido a resolver. O artista criador pode manipular a matéria que utiliza até que lhe surja alguma coisa interessante. Muitas destas medidas poderão ser tomadas dissimuladamente, pelo que é provável que sejam atribuídas a um diferente sistema dimen sional, mas poderão igualmente ser tomadas às claras, talvez mais lentamente mas também amiudadas vezes de uma maneira mais eficaz; além disso, com raras excepções, devem ter sido aprendidas de uma forma aberta. A cultura promove o pensamento através da formação de contingências especiais: ensina a pessoa a estabelecer distinções subtis, tornando mais preciso o reforço diferencial; ensina técnicas a usar na resolução de problemas; fornece normas que tornam desnecessária a exposição às contingências das quais essas normas foram extraídas, além de fornecer normas para encontrar novas normas. O autocontrolo (ou autogestão) é um tipo especial de resolução de problemas que, à semelhança do autoconhecimento, levanta todas as questões relacionadas com a «privatividade». Analisámos, no Capítulo 4, algumas técnicas relacionadas com o controlo aversivo. É sempre o ambiente que constrói o comportamento com o qual se resolve os problemas, mesmo quando estes nos surgem no nosso mundo privado circunscrito pela pele. Dado que todos estes aspectos têm sido investigados de uma maneira pouco produtiva, a inadequação da nossa análise não deverá servir de motivo para que nos refugiemos numa mente taumatúrgica. Se a nossa compreensão das contingências de reforço não é ainda suficiente para podermos explicar todos os tipos de pensamento, devemos recordar-nos de que o nosso apelo para a mente não explica absolutamente nada. Ao transferir o controlo do homem autónomo para o ambiente observável, não deixamos para trás um organismo vazio. Muita coisa ocorre no interior do homem e eventualmente, a fisiologia muito nos dirá ainda sobre esse facto. Explicará por que é que o comportamento se relaciona efectivamente com acontecimentos precedentes dos quais pode ser apresentado como uma função. Nem sempre é correctamente entendida tal missão da fisiologia. Muitos fisiologistas consideram como sua missão procurar os «correlatos fisiológicos»100 dos acontecimentos mentais, encarando a investigação fisiológica como uma mera versão mais científica da introspecção. Contudo, as técnicas fisiológicas não se destinam, como é evidente, a detectar ou medir personalidades, ideias, atitudes, sentimentos, impulsos, pensamentos ou propósitos. (Se fosse esse o seu objectivo, teríamos
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então de responder a uma terceira pergunta, a juntar às duas formuladas no Capítulo 1: Como poderá uma personalidade, uma ideia, um sentimento ou um propósito afectar os instrumentos do fisiologista?) Actualmente, nem a introspecção nem a fisiologia fornecem informações muito adequadas sobre o que se passa no interior do homem quando ele manifesta comportamento; e, uma vez que ambas incidem na mesma área, têm o mesmo efeito: desviam a atenção do investigador do ambiente externo. Grande parte dos mal-entendidos sobre o homem interior resulta da metáfora da armazenagem. As histórias evolutiva e ambiental transformam os organismos, mas não são armazenadas dentro deles. Assim, observamos os bebés sugarem o peito materno e podemos facilmente imaginar que a forte tendência para assim procederem tem valor de sobrevivência, mas sugere-se muito mais com o chamado «instinto de sugar» encarado como algo que o bebé possui e lhe possibilita mamar. O conceito de «natureza humana» ou «constituição genética» tem os seus perigos quando tomado neste sentido. Estamos mais perto da natureza humana no recém-nascido do que no adulto, ou numa cultura primitiva do que numa evoluída, no sentido de que as contingências ambientais tiveram menos probabilidades de obscurecer a constituição genética; além disso, somos tentados a dramatizar tal constituição quando sugerimos que tais fases recuadas subsistem sob uma forma oculta: o homem é um macaco nu e «o touro paleolítico101 que subsiste no ego interior de cada homem ainda escarva a terra sempre que se esboça um gesto ameaçador no meio social». Todavia, os anatomistas e fisiologistas não encontrarão nenhum macaco (ou touro) nem, pela mesma razão, instintos. Encontrarão, sim, características anatómicas e fisiológicas que são produto da história evolutiva. Também se afirma muitas vezes que o indivíduo tem a sua história pessoal armazenada dentro de si. Onde se encontrar «instinto» leia-se «hábito». O hábito de fumar é, presumivelmente, algo mais do que o comportamento que se diz revelar que uma pessoa tem esse hábito; contudo, a única informação adicional de que dispomos diz respeito aos reforçadores e aos programas (schedules) de reforço que levam a pessoa a fumar muito. Não se armazenam as contingências; apenas deixam a pessoa modificada. Diz-se amiudadas vezes que o ambiente é armazenado sob a forma de recordações: para recordar qualquer coisa, procuramos uma cópia que possa então ser vista como vimos o original. Tanto quanto sabemos, não existem no indivíduo, em momento algum, quaisquer cópias do ambiente102 mesmo quando se observa um objecto presente. Afirma-se ainda que armazenamos os produtos de contingências mais complexas. Assim,
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dá-se o nome de «conhecimentos de francês» ao repertório adquirido quando se aprende a falar esta língua. Sustenta-se igualmente que se armazena traços de carácter resultantes quer de contingências de sobrevivência, quer de contingências de reforço. Um curioso exemplo figura no Modern American Usage103 de Follett: «Dizemos que ‘ele enfrentou corajosamente tais adversidades’ cônscios, sem o pensar, de que a coragem é uma propriedade do homem e não do acto em causa; um acto de bravura é uma abreviatura taquigráfica e poética para o acto praticado por quem demonstra bravura ao praticá-lo». Dizemos, no entanto, que um indivíduo é corajoso devido aos seus actos e ele comporta-se corajosamente quando as circunstâncias ambientais o induzem a agir desse modo. Foram as circunstâncias que modificaram o seu comportamento; não implantaram nele um traço de carácter ou virtude. Referimo-nos também às filosofias como coisas possuídas. Assim, um indivíduo fala ou age de uma dada maneira devido à filosofia que adopta, desde o idealismo ou materialismo dialéctico ao calvinismo. Expressões deste tipo sintetizam os efeitos das condições ambientais, as quais só dificilmente poderiam ser agora determinadas, mas que deverão ter existido e não devem ser ignoradas. A pessoa que possui uma «filosofia da liberdade» é aquela que foi, de alguma maneira, transformada pela literatura da liberdade. Esta questão tem ocupado um lugar curioso no âmbito da teologia. O homem pecará porque é pecador, ou será pecador porque peca?104 Nenhuma das perguntas sugere algo de muito útil. Afirmar que o homem é pecador porque peca é dar uma definição operacional do pecado; em contrapartida, dizer que peca porque é pecador é vincular o seu comportamento a um suposto traço interior. Todavia, o facto de alguém se entregar ou não ao tipo de comportamento dito pecaminoso depende de circunstâncias que não se mencionam em qualquer das perguntas. O pecado considerado como posse interior (o pecado que a pessoa «conhece») deverá encontrar-se numa história do reforço. (A expressão «temente a Deus» sugere essa história, o que não sucede com a piedade, a virtude, a imanência divina, um senso moral ou a moralidade. Como vimos já, o homem não é um animal moral, no sentido de que possua um traço ou virtude especial; criou, sim, um tipo de ambiente social que o induz a comportar-se de uma maneira moral.) Tais distinções têm implicações práticas. Diz-se que determinado estudo de brancos americanos, recentemente levado a efeito, revelou que «mais 161
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de metade responsab resp onsabiliz ilizava ava ‘algo que dizia respeito respei to aos próprios própr ios negro ne gros’ s’1105 pelo inferior infe rior tatus económico e educacional dos negros». Esse «algo» foi ainda identificado como «falta de motivação» para que se distinguisse tanto dos factores genéticos como dos ambientais. Afirmava-se, significativamente, que a motivação deveria estar associada ao «livre arbítrio». Negligenciar desta forma o papel desempenhado pelo ambiente é desencorajar qualquer investigação que tenha por objecto as contingências defeituosas responsáveis por uma «falta de motivação». Cabe a uma análise experimental do comportamento humano, pela sua natureza, retirar as funções anteriormente atribuídas ao homem autónomo e transferi-las, uma por uma, para o ambiente controlador. A análise responsabiliza, assim, o homem autónomo por um número cada vez menor de acções. Mas em que posição fica o próprio homem? A pessoa não será nada mais que um mero corpo vivo? A menos que subsista alguma coisa a que dêmos o nome de ego como poderemos falar de autoconhecimento ou autocontrolo? A quem se dirige, nesse caso, a injunção «Conhece-te a ti próprio»? Constitui parte importante das contingências a que a criança está exposta o facto de o seu próprio corpo ser o único elemento do seu ambiente que permanece o mesmo ( idem) momento a momento, dia após dia. Dizemos que a criança descobre a sua identidade à medida que aprende a distinguir o seu corpo do resto do mundo, o que acontece muito antes de a comunidade a ensinar a nomear os objectos e a distinguir «eu» de «isto» ou de «tu». O ego106 constitui um repertório de comportamento adequado a um dado conjunto de contingências. Uma parte considerável das condições a que o indivíduo se encontra exposto poderá desempenhar um papel dominante; noutras condições, a pessoa poderá confessar: «Hoje não me sinto eu próprio» ou «Não poderia ter feito o que diz porque isso é contra os meus hábitos». A identidade conferida a um eu emerge das contingências responsáveis pelo comportamento. Dois ou mais repertórios gerados por diferentes conjuntos de contingências compõem dois ou mais egos. Um indivíduo possui um repertório apropriado à sua vida com os amigos e outro adequado às suas relações com a família, pelo que um amigo poderá pod erá achá-lo achá- lo muito muit o diferent dife rentee se o vir em família famíli a ou os seus familiares familiar es se o virem numa roda de amigos. Põe-se o problema da identidade quando as situações se interpenetram, quando, por exemplo, uma pessoa se encontra simultaneamente reunida com amigos e familiares. Neste Nes te sent se ntid ido, o, o auto au toco conh nhec ecim imen ento to e o auto au toco cont ntro rolo lo sugere sug erem m a existência de dois eus. O «autoconhecedor» é quase sempre um produto 162
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de contingências sociais, ao passo que o eu que se conhece pode resultar de outras fontes. O eu controlador (a consciência ou superego) é de origem social, ao passo que o eu controlado tem mais probabilidades de resultar de susceptibilidades genéticas ao reforço (o id ou o Velho Adão). O eu controlador representa geralmente os interesses alheios, enquanto o eu controlado os interesses do indivíduo. O quadro que resulta de uma análise científica não retrata um corpo com uma pessoa dentro, mas sim um corpo que é uma pessoa, no sentido de que revela um complexo repertório de comportamento. Esta imagem não é, evidentemente, familiar. O homem assim retratado é um estranho e, do ponto de vista tradicional, poderá até nem ter o aspecto de um homem. «Durante «Durant e pelo menos me nos cem ce m anos», afirmou afi rmou Joseph J oseph Woo Woodd Krutch Kru tch1107, «temos sido imbuídos com preconceitos por parte de todas as teorias, desde o determinismo económico ao behaviorismo mecanicista e ao relativismo, que reduzem a estatura do homem ao ponto de deixar de ser, em todos os aspectos, o homem que os humanistas.de uma geração precedente prece dente reconhecer recon heceriam iam como tal.» Matson Mats on argument argu mentou ou que «o cientista cientis ta empíric o do com portam ento... nega, m esmo que o faça faça apenas implicitamente, que exista um ser inigualável, denominado Homem»108. «O que é actualmente alvo de ataques», observou Maslow, «é o ‘ser’ do ho m em »1 »1009. C. S. S. Lewis L ewis e xpress xpr essou ou o mesmo p en ensam sam ent o sem eufemismos: «0 homem está a ser abolido»110. Experimentamos, evidentemente, uma certa dificuldade em identificar o homem a que tais termos dizem respeito. Lewis não poderia referir-se à espécie humana, pois não só não está a ser abolida como ainda povoa toda a terra. (Do que, eventualmente, poderá resultar a sua extinção através de doenças, da fome, da poluição ou de um holocausto nuclear; porém, também não era este o sentido das palavras de Lewis). Tão-pouco estão os indivíduos a tornar-se menos eficientes ou produtivos. Dizem-nos que o que está ameaçado de extinção é o «homem EUA homem», «o homem na sua humanidade» ou ainda «o homem como Thou e não At», «o homem como pessoa e não como objecto». Se bem que estes termos sejam pouco esclarecedores, comece-los ainda assim uma pista. O que está a ser abolido é o homem autónomo: o homem interior, o homúnculo, o demónio possuidor, o homem defendido pelas literaturas da liberdade e da dignidade. A sua abolição vem já com um longo atraso. O homem autónomo constitui um instrumento utilizado para explicar o que não pode explicar-se de outra maneira, tendo sido construído a partir da nossa ignorância.
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Assim, à medida que aumenta a nossa compreensão, a própria matéria de que ele se compõe desvanece-se. A ciência não desumaniza o homem: retira-lhe, sim, a condição de homúnculo e deverá fazê-lo se quisermos evitar a abolição da espécie humana. Não hesitamos em desfazer-nos do homem qua homem; só depois de o desapossarmos, poderemos concentrar-nos nas verdadeiras, causas da comportamento humano. Só então podere pod eremos mos abando aba ndonar nar o inferido infer ido pelo observado, obser vado, o miracul mir aculoso oso pelo natural, o inacessível pelo manipulável. Supõe-se muitas vezes que, ao procedermos desse modo, devemos tratar o homem sobrevivente como um mero animal. «Animal» é um termo pejorativo, mas unicamente porque «homem» se transformou num termo espuriamente honorífico. Krutch argumentou que, enquanto o ponto de vista tradicional apoia a exclamação de Hamlet - «Tão semelhante semelhante a um deus!» - Pavlov, Pavlov, o cientista do comportamento, sublinhava «Tão «Tão semelhante a um cão!». Nesse momento, porém, deu-se um passo em frente. Um deus representa o arquétipo de um mito, de uma mente taumatúrgica, do metafísico. O homem é muito mais do que um cão; porém, por ém, tal como o cão, encontr enco ntra-s a-see no âmbito âmbi to da análise análi se experiment exper imental al do comportamento. É verdade que grande parte da análise experimental do comportamento tem sido devotada a organismos inferiores. Minimiza-se diferenças genéticas através do uso de estirpes especiais; as histórias ambientais poder ser controladas, talvez mesmo a partir da nascença; pode manter-se regimes estritos durante longas experiências e poucas destas medidas podem ser aplicada a seres humanos. Além disso, ao trabalhar com animais inferiores, o cientista tem menos probabilidades de aumentar os dados de que dispõe com as suas próprias respostas às condições experimentais ou ainda de criar contingências tendo em vista mais os efeitos em si próprio do que no organismo experimentai que está a ser estudado. Ninguém se perturba quando os fisiologistas estudam a respiração, a reprodução, a nutrição ou os sistemas endócrinos de animais, uma vez que o fazem com vista a tirar vantagens de semelhanças muito grandes entre eles e o homem. Por outro lado, vai-se também descobrindo similaridades comparáveis no comportamento. Existe, por certo, sempre o perigo de que os métodos criados para o estudo de animais inferiores salientem apenas características que estes partilham com o homem, mas não podemos descobrir o que é «essencialmente» humano enquanto não investigarmos sujeitos não humanos. As teorias tradicionais do homem autónomo têm exagerado as diferenças existentes entre as espécies. Algumas Algumas das das complexas
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contingências de reforço que estão a ser investigadas produzem em organismos inferiores formas de comportamento que, se tais sujeitos fossem humanos, se diria tradicionalmente envolverem processos mentais superiores. Não se transforma o homem numa máquina quando se analisa o seu comportamento em termos mecanistas. As primeiras teorias de comportamento, tal como vimos, representavam o homem como um autómato «de botão e alavanca», imagem que o aproximava da noção oitocentista de máquina, mas os progressos já realizados modificaram essa concepção. O homem é uma máquina, no sentido de que é um complexo sistema que se comporta de modos legítimos, mas a sua complexidade é extraordinária. A sua capacidade de se ajustar a contingências de reforço talvez venha a ser, eventualmente, simulada por máquinas; no entanto, como ainda não atingimos esse estádio, o sistema vivo assim simulado continuará, por outros motivos, a não ter igual. Tão-pouco se transforma o homem em máquina quando este é induzido a utilizar máquinas. Algumas delas requerem um comportamento repetitivo e monótono, pelo que as evitamos sempre que podemos; outras ampliam enormemente a nossa eficiência ao lidarmos com o mundo à nossa volta. O indivíduo pode responder a coisas ínfimas com o auxílio de um microscópio electrónico e a coisas de grandes dimensões por meio de radiotelescópios - ao fazê-lo, o indivíduo poderá parecer desumano a quem apenas usa os sentidos nas suas observações. O homem pode agir sobre o ambiente com a delicada precisão de um micromanipulador ou com o alcance e poder de um foguetão espacial - o seu comportamento poderá parecer desumano a quem apenas se apoia nas contracções musculares. (Já se argumentou que o instrumento utilizado no laboratório operante desvirtua o comportamento natural por introduzir uma fonte externa de poder111, mas os homens já utilizam fontes externas quando lançam papagaios, navegam à vela ou atiram com arco e flechas. Teriam, por conseguinte, de abandonar quase todas as suas realizações se apenas se valessem do poder dos seus músculos). As pessoas registam o seu comportamento em livros e outros meios de comunicação e o uso que fazem de tais registos poderá parecer verdadeiramente desumano àqueles que apenas são capazes de usar aquilo que recordam. As pessoas descrevem contingências complexas sob a forma de normas (e ainda de normas para a manipulação de normas) e introduzem-nas em sistemas electrónicos que «pensam» com uma velocidade verdadeiramente desumana para quem não se serve de qualquer auxiliar do cérebro. Os seres humanos fazem
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tudo isso com máquinas e seriam menos que humanos se o não fizessem. O que actualmente encaramos como comportamento mecânico foi, efectivamente, mais corrente antes da invenção de tais instrumentos. O escravo na plantação de algodão, o guarda-livros à sua mesa de trabalho e o estudante submetido, a exercícios repetitivos por um professor - estes é que eram os homens-máquinas. As máquinas substituem as pessoas quando fazem o que estas já fizeram, pelo que as consequências sociais podem ser sérias. A medida que a tecnologia progride, as máquinas vão assumindo cada vez mais funções humanas, mas só até um certo ponto. Construímos máquinas que reduzem alguns dos aspectos aversivos do ambiente (os trabalhos estafantes, p. e.) e que produzem reforçadores mais positivos. Construímo-las precisamente porque o fazem. Não temos qualquer razão que nos leve a construir máquinas para serem reforçadas por tais consequências e, se tal fizéssemos, estaríamos a privar-nos a nós próprios de reforço. Se as máquinas que o homem constrói vierem, eventualmente, a fazer com que ele se torne supérfluo, será por acaso, não de propósito. Um dos papéis importantes do homem autónomo tem sido o de confiar ao comportamento humano uma determinada orientação, pelo que se tem afirmado que, ao desapossarmos um agente interior, deixamos o próprio homem sem um objectivo. Como precisou certo escritor, «dado que uma psicologia científica deve, objectivamente, encarar o comportamento humano como determinado por leis necessárias, deverá representá-lo como não intencional». Contudo, essas «leis necessárias» só teriam tal efeito se se referissem exclusivamente a condições antecedentes. A intenção, e o propósito reportam-se a consequências selectivas cujos efeitos podem ser formulados em «leis necessárias». Terá a vida, em todas as formas existentes à superfície da terra, um propósito e provará isso a existência de um planeamento intencional? A mão do primata desenvolveu-se a fim de que se pudesse manipular os objectos com mais sucesso, mas esse objectivo deve ser encontrado, não num certo planeamento anterior, mas sim no processo de selecção. De um modo semelhante, o propósito de um movimento hábil da mão deverá, no condicionamento operante, ser encontrado nas consequências que se lhe seguem. Um pianista não adquire nem executa o comportamento de tocar fluentemente uma escala devido a uma intenção prévia de o fazer. As escalas tocadas fluentemente são reforçantes por muitas razões e seleccionam movimentos hábeis. Tanto na evolução da mão humana como nos seus usos adquiridos não está em causa qualquer intenção ou propósito anterior.
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Os argumentos a favor do propósito parecem fortalecidos quando recuamos até aos recônditos mais sombrios da mutação. Jacques Barzun argumentava que tanto Darwin como Marx haviam negligenciado não só o propósito humano como ainda o propósito criativo responsável pelas variações sobre as quais a selecção actua. Poderemos chegar à conclusão, como defendem certos geneticistas, que as mutações não são inteiramente fortuitas, mas a não casualidade também não constitui, necessariamente, prova de uma mente criadora. Quando projectam explicitamente mutações a fim de que um dado organismo reúna com mais êxito certas condições específicas da selecção, os geneticistas dão a impressão de estar a desempenhar o papel da mente criadora da teoria pré-evolutiva; todavia, o propósito que revelam terá de ser procurado na sua cultura, no ambiente social que os induziu a efectuar mudanças genéticas apropriadas a contingências de sobrevivência. Existe uma diferença entre o propósito biológico e o individual, visto que o segundo pode ser sentido. Ninguém poderá ter sentido um propósito no desenvolvimento da mão humana, ao passo que a pessoa pode, de certo modo, sentir o propósito com que toca fluentemente uma escala musical. Todavia, não toca fluentemente uma escala porque sinta o objectivo de fazê-lo; o que sente é um subproduto do seu comportamento em relação às suas consequências. A relação da mão humana com as contingências de sobrevivência em que se desenvolveu está, obviamente, fora do alcance da observação pessoal; por sua vez, a relação do comportamento com as contingências de reforço que o geraram não está. Uma análise científica do comportamento desapossa o homem autónomo e atribui ao ambiente o controlo que aquele se dizia exercer. O indivíduo poderá, então, parecer particularmente vulnerável, já que, a partir desse momento, passará a ser controlado pelo mundo que o rodeia, por outros homens. Não será ele, nesse caso, apenas uma vitima? E certo que os homens têm sido vítimas, assim como causadores de vítimas, mas o termo é excessivamente forte visto sugerir despojamento, o que não é, de modo nenhum, uma consequência essencial do controlo interpessoal. Mas, mesmo sob um controlo benevolente não será o indivíduo, na melhor das hipóteses, um espectador que pode seguir, impotente, os acontecimentos sem neles interferir? Não estará ele «sem possibilidade de fuga na sua longa luta para controlar o seu próprio destino»? Só o homem autónomo é que se encontra numa via sem saída. O homem pode ser controlado pelo seu ambiente que é, quase inteiramente, obra sua. O ambiente físico da maior parte das pesssoas é, em larga P
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medida, produto da mão do homem. As superfícies por onde caminha, as paredes que o abrigam, a roupa que veste, muitos dos alimentos que ingere, os seus utensílios, os veículos em que se desloca, a maior parte daquilo que ouve e vê são produtos humanos. O ambiente social, que é obviamente uma criação do homem, gera a linguagem que ele fala, os costumes que segue e o comportamento que exibe em relação às instituições éticas, religiosas, governamentais, económicas, educacionais e psicoterapêuticas que o controlam. A evolução de uma cultura constitui, com efeito, uma espécie de gigantesco exercício de autocontrolo. Assim, como o indivíduo se controla a si mesmo ao manipular o mundo em que vive, também a espécie humana edificou um ambiente em que os seus membros se comportam de uma maneira altamente eficaz. Cometeu-se erros e não temos a certeza de que o ambiente que o homem construiu continue a fornecer ganhos que compensem as perdas; no entanto, o homem, tal como o conhecemos, para melhor ou para pior, é o que o homem conseguiu fazer de si próprio. Isto não satisfará aqueles que bradam «Vítima!». C. S. Lewis protestava « ... o poder do homem de fazer o que lhe agrade... significa... o poder de alguns homens de fazerem a outros homens o que lhes agrade». Tal situação é inevitável na natureza da evolução cultural. O eu controlador deve distinguir-se do eu controlado, mesmo quando estão ambos dentro da mesma pele; quando o controlo é exercido através do traçado de um ambiente externo, os eus tornam-se, com excepções de pequena monta, distintos. O indivíduo que, intencionalmente ou não, introduza uma nova prática cultural é apenas um entre possíveis biliões que serão afectados por essa prática. Se tal não nos parece um acto de autocontrolo, é unicamente porque interpretamos erradamente a natureza do autocontrolo no indivíduo. Ao introduzir, «intencionalmente», modificações no seu ambiente físico ou social - isto é, com vista a modificar o comportamento humano, possivelmente também o seu - o indivíduo desempenha dois papéis: o de agente de controlo, enquanto arquitecto de uma cultura que exerce controlo sobre os seus membros, e o de controlado, como produto de uma cultura. Não há, pois, nada de incongruente nesta dualidade, que decorre da natureza da evolução de uma cultura, com ou sem,planeamento intencional. A espécie humana não sofreu, provavelmente, muitas modificações genéticas durante as épocas de que existem testemunhos. Apenas precisamos de recuar mil gerações para chegar aos artistas das grutas de Lascaux. Certos aspectos directamente relacionados com a sobrevivência (tais como 168
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a resistência às doenças) variam substancialmente ao longo de mil gerações, mas o filho de um artista de Laseaux que fosse transplantado para o mundo hodierno seria quase indistinguível de uma criança moderna. E possível que aprendesse mais lentamente do que os seus companheiros modernos, que só fosse capaz de manter, sem confusão, um pequeno repertório ou que se esquecesse mais rapidamente, mas não podemos ter certezas. Porém, do que podemos estar certos é de que uma criança do século XX transplantada para a civilização de Laseaux não seria muito diferente das crianças que aí encontrasse, porquanto temos verificado o que sucede quando uma criança do nosso tempo é criada num ambiente empobrecido. O homem mudou muito como pessoa, durante o mesmo período de tempo, ao transformar o mundo em que vive. Cerca de cem gerações112 cobrirão o desenvolvimento de modernas práticas religiosas e talvez o mesmo lapso de tempo baste para que surjam novas práticas governamentais e jurídicas. Talvez apenas vinte gerações venham a produzir modernas práticas industriais e possivelmente apenas quatro ou cinco, novas práticas nos campos da educação e da psicoterapia. As tecnologias física e biológica, que aumentaram a sensibilidade do homem em relação ao mundo à sua volta e o seu poder de modificar esse mundo, não precisaram de mais de quatro ou cinco gerações. O homem «controlou o seu próprio destino», se tal expressão quer realmente dizer alguma coisa. O homem que ele próprio «fabricou» é o produto da cultura, que ele mesmo concebeu. O homem resultou de dois processos bem diferentes de evolução: a evolução biológica, responsável pela espécie humana, e a evolução cultural, desenvolvida pela espécie. Ambos os processos de evolução podem agora ser acelerados visto estarem submetidos a um planeamento intencional. Os homens já modificaram a sua constituição genética através de uma reprodução selectiva e da modificação de determinadas contingências de sobrevivência, pelo que podem agora começar a introduzir mutações directamente relacionadas com a sobrevivência. Durante muito tempo, os homens criaram novas práticas que actuam como mutações culturais e modificam as condições em que as práticas são seleccionadas. Podem, por conseguinte, começar agora a entregar-se a ambas as actividades, já com uma percepção mais apurada das consequências. Presumimos que o homem não deixará de evoluir, mas não podemos afirmar em que direcção. Ninguém poderia ter previsto a evolução da espécie humana num dado ponto dos seus primórdios históricos e a
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orientação do planeamento genético intencional dependerá da evolução de uma cultura que é, em si mesma, impredizível por motivos similares. «Os limites da perfeição humana», afirmou Étienne Cabet, «não são ainda conhecidos.»113 Contudo, não existem, por certo, limites. A espécie humana nunca alcançará um estádio final de perfeição antes da sua extinção «alguns dizem que pelo fogo; outros, pelo gelo» e ainda outros, pela radiação. O indivíduo ocupa um lugar numa cultura que não difere do seu lugar dentro da espécie"4, lugar esse que foi acaloradamente debatido nos princípios da teoria evolutiva. A espécie terá sido apenas um tipo de indivíduo e, em caso afirmativo, em que sentido pôde desenvolver-se? O próprio Darwin declarou que as espécies «são puras invenções subjectivas do taxonomista». Uma espécie não tem existência a não ser como uma colecção de indivíduos, o mesmo sucedendo com famílias, tribos, raças, nações ou classes. Uma cultura não tem existência independentemente do comportamento dos indivíduos que mantêm as suas práticas. É sempre o indivíduo que actua sobre o ambiente, que é modificado pelas consequências das suas acções e que mantém as contingências sociais que são uma cultura. O indivíduo é o portador tanto da sua espécie como da sua cultura. As práticas culturais, à semelhança das características genéticas, são transmitidas de indivíduo para indivíduo. Uma nova prática, como uma nova característica genética, surge primeiro num indivíduo e tende a ser transmitida se contribui para a sua sobrevivência como indivíduo. Todavia, o indivíduo é, na melhor das hipóteses, um locus em que convergem muitas linhas de desenvolvimento num conjunto que não se repete. A sua individualidade é incontestável. Cada célula do seu corpo é um produto genético ímpar, tão singular como aquela marca clássica de individualidade que é a impressão digital. E mesmo dentro da cultura mais sistematizada, cada história pessoal não se repete. Nenhuma cultura intencional poderá destruir esse carácter de singularidade e, como vimos, qualquer esforço nesse sentido constitui mau planeamento. Mas nem por isso o indivíduo deixa de ser um estádio num processo que teve início muito antes de ele haver nascido e que persistirá muito para além da sua morte. Ele não tem nenhuma responsabilidade definitiva por qualquer característica genética ou prática cultural, mesmo que tenha sido o indivíduo que sofreu a mutação ou introduziu a prática que se tomou parte da espécie ou da cultura. Mesmo que Lamarck tivesse razão quando supunha que o indivíduo poderia modificar a sua estrutura genética através de
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um esforço pessoal, teríamos de considerar ainda as circunstâncias ambientais como responsáveis por tal esforço, como é o caso quando os geneticistas começam a introduzir modificações na constituição genética humana. E, quando um indivíduo se entrega ao traçado intencional de uma prática cultural, devemos voltar-nos para a cultura que o induz a fazê-lo e lhe fornece a arte ou a ciência que utiliza. Um dos grandes problemas do individualismo, raramente reconhecido como tal, é a morte —o destino inexorável do indivíduo, a arremetida final contra a liberdade e a dignidade. A morte é um daqueles eventos remotos que certas práticas culturais ajudam a incidir sobre o comportamento. Como acontece na famosa metáfora de Pascal, o que vemos é a morte dos outros: «Imaginai um grande número de homens acorrentados, todos condenados à morte. Diariamente, alguns deles são chacinados na presença dos outros; aqueles que subsistem vêem a sua própria condição na dos companheiros e, entreolhando-se com aflição e desespero, aguardam a sua vez. É esta a imagem da condição humana.» Certas religiões conferiram maior importância à morte, pintando uma existência futura no céu ou no inferno, mas o individualista tem uma razão especial para temer a morte, engendrada não por uma religião mas pelas literaturas da liberdade e da dignidade. É a perspectiva da aniquilação pessoal. O individualista não é capaz de encontrar consolo na reflexão sobre qualquer contribuição que lhe sobreviva. Recusou-se a agir para o bem dos outros e não é, por conseguinte, reforçado pelo facto de que outros a quem ajudou lhe sobrevivam. Recusou ainda interessar-se pela sobrevivência da sua cultura e não é reforçado pelo facto de a sua cultura subsistir muito para além da sua morte. Ma defesa da sua própria liberdade e dignidade, negou as contribuições do passado e deverá, portanto, renunciar a qualquer reinvidicação sobre o futuro. Talvez a ciência nunca nos tenha compelido a rever de forma mais radical um ponto de vista tradicional sobre um assunto nem houve jamais assunto mais importante. Segundo a imagem tradicional, a pessoa percebe o mundo à sua volta, seleciona os aspectos a apreender, discrimina-os, ajuíza do seu valor, transforma-os para melhor (ou para pior, se for descuidada) e poderá ser responsabilizada pelas suas acções e justamente recompensada ou punida pelas consequências. De acordo com a imagem científica, a pessoa é um membro de uma espécie modelada por contingências evolucionárias de sobrevivência, apresenta processos comportamentais que a submetem ao controlo exercido pelo ambiente em que vive e, de uma maneira geral, ao controlo exercido por um ambiente 4
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social que ela e milhões de outras pessoas como ela construíram e preservaram durante a evolução de uma cultura. Deste modo, o sentido da relação de controlo inverte-se: a pessoa não actua sobre o mundo, o mundo é que actua sobre ela. É difícil aceitar tal mudança com base apenas em razões intelectuais e quase impossível aceitar as suas implicações. Descreve-se normalmente a reacção dos tradicionalistas em termos de sentimentos. Um destes sentimentos, ao qual os freudianos recorreram para explicar a resistência à psicanálise, é a vaidade ferida. Segundo palavras de Ernest Jones115, o próprio Freud referiu-se aos «três rudes golpes que o narcisismo ou amor-próprio da humanidade sofreu às mãos da ciência. O primeiro, cosmológico, foi aplicado por Copémico; o segundo, biológico, foi desferido por Darwin; o terceiro, psicológico, foi aplicado por Freud». (Os golpes foram sofridos pela crença de que algo existente no âmago do homem conhece tudo quanto se passa dentro de si e que um instrumento chamado força de vontade exerce domínio e controlo sobre o resto da personalidade humana.) Mas quais são os indícios ou sintomas de vaidade ferida e como explicá-los? O que as pessoas fazem frente à imagem científica do homem é chamar-lhe errada, aviltante e perigosa, reunir argumentos contra ela e atacar quem a propõe ou defende. Não o fazem por vaidade ferida, mas sim porque tal formulação científica destruiu certos reforçadores a que estavam acostumadas. Quando a pessoa deixa de poder ser louvada ou admirada pelo que faz, tem a impressão de que sofre uma perda de dignidade ou de valor e o comportamento anteriormente reforçado pelo louvor ou pela admiração sofrerá extinção. E a extinção conduz muitas vezes a manifestações de agressividade. Tem-se descrito outro efeito da imagem científica do homem como uma perda de fé ou de «nervo», uma sensação de dúvida ou de impotência ou ainda como desânimo, abatimento ou desalento. Diz-se que uma pessoa sente que nada poderá fazer quanto ao seu próprio destino. O que a pessoa sente, porém, é um enfraquecimento de antigas respostas que deixaram de ser reforçadas. As pessoas ficam na realidade impotentes quando determinados repertórios verbais de longa data deixam de ser úteis. Certo historiador116, por exemplo, queixou-se de que, se os feitos dos homens devem «ser desprezados como meros produtos dos condicionamentos material e psicológico», nada resta sobre que possamos escrever; «a transformação deverá ser, pelo menos em parte, o resultado de uma actividade mental consciente.» Outro efeito é uma espécie de nostalgia. Volta a adoptar-se antigos
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repertórios quando se capta e exagera certas similaridades entre o presente e o passado. A determinadas épocas passadas dá-se o nome de «os bons velhos tempos», nos quais se reconhecia a inerente dignidade do homem e a importância dos valores espirituais. Tais fragmentos de comportamento ultrapassado revelam uma tendência para um certo «saudosismo», isto é, têm o carácter de um comportamento cujo sucesso é cada vez menor. Estas reacções à concepção científica do homem são, por certo, infelizes. Imobilizam homens de boa vontade e qualquer pessoa interessada pelo futuro da sua cultura fará o que estiver ao seu alcance para corrigilas. Nenhuma teoria modifica aquilo que constitui o seu objecto. Nenhuma coisa se modifica por olharmos para ela, falarmos a seu respeito ou a analisarmos de uma nova maneira. Keats117 acusou Newton de confusão por analisar o arco-íris, mas este permaneceu tão belo como sempre e, para muitas pessoas, tornou-se ainda mais belo. O homem não se modifica porq ue o conte mpla mos, falamos a seu respeito e o anal is amos cientificamente. As suas realizações nos campos da ciência, governação, religião, arte e literatura permanecem para serem, perenemente, admiradas como admiramos uma tempestade no mar, a folhagem no outono ou o pico de uma m o n ta n h a , independentemente das suas origens e de uma análise científica. O que se transforma são as nossas possibilidades de fazer alguma coisa a respeito do objecto de uma teoria. A análise de Newton da luz do arco-íris foi um passo na direcção do raio laser. A concepção tradicional do homem é lisonjeira, visto que lhe confere privilégios reforçantes. É, portanto, facilmente defendida e só dificilmente poderá ser alterada. Foi projectada para elevar o indivíduo à condição de instrumento de contracontrolo, o que efectivamente sucedeu, mas de maneira a limitar o progresso humano. Vimos como as literaturas da liberdade e da dignidade, com o seu interesse pelo homem autónomo, perpetuaram o emprego da punição e apenas sancionaram a utilização de técnicas não punitivas débeis. Assim, não é difícil demonstrar uma conexão entre o direito ilimitado do indivíduo de procurar a felicidade e as potenciais catástrofes motivadas por uma natalidade desgovernada, por uma afluência desenfreada que esgota os recursos naturais e pela iminência de uma guerra nuclear. As tecnologias física e biológica mitigaram a pestilência, a fome e muitos outros aspectos dolorosos, perigosos e exaustivos da vida quotidiana; a tecnologia do comportamento pode começar a mitigar outros tipos de males. Na análise do comportamento humano é perfeitamente possível que estejamos ligeiramente avançados em relação a Newton quando
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analisava a luz, porquanto estamos a começar a utilizar aplicações tecnológicas. Existem possibilidades maravilhosas que são tanto mais maravilhosas quanto as soluções tradicionais se revelam ineficazes. É difícil imaginar um mundo em que as pessoas vivam em concórdia, se mantenham através da produção de alimentos, abrigos e vestuário de que necessitam, se divirtam e contribuam para o entretenimento dos outros nas artes, na música, na literatura e nos jogos, consumam apenas uma porção razoável dos recursos do globo e contribuam o menos possível para a sua poluição, não tenham mais filhos do que aqueles que podem criar decentemente, continuem a explorar o mundo à sua volta e a descobrir melhores maneiras de lidar com ele, cheguem a conhecer-se a si próprias com precisão e, portanto, se administrem eficazmente. Todavia, tudo isto é possível e mesmo o mais ténue indício de progresso deverá provocar qualquer sorte de transformação que, em termos tradicionais, se dirá consolar a vaidade ferida, afastar uma sensação de desesperança ou nostalgia, corrigir a impressão de que «não podemos nem precisamos de fazer nada por nós próprios» e promover um «sentimento de liberdade e dignidades através da consolidação de um «sentido de confiança e valor». Por outras palavras, deverá reforçar copiosamente aqueles indivíduos que tenham sido induzidos pela sua cultura a trabalhar pela sobrevivência dela própria. Uma análise experimental transfere a determinação do comportamento do homem autónomo para o ambiente, um ambiente responsável quer pela evolução da espécie, quer pelo repertório adquirido por cada membro. As primeiras versões do ambientalismo mostraram-se inadequadas uma vez que foram incapazes de explicar como funcionava o ambiente. Deste modo, cabia ao homem autónomo a responsabilidade por grande parte das suas acções. No entanto, as contingências ambientais assumem hoje funções outrora atribuídas ao homem autónomo, pelo que se põem determinadas questões. Será o homem, nesse caso, «abolido»? Certamente que não, quer como espécie quer como executor individual. É antes o homem interior autónomo que é abolido, o que constitui um passo em frente. Mas não se converterá o homem em mera vítima ou observador passivo do que lhe acontece? Ele é, efectivamente, controlado pelo seu ambiente, mas devemos recordar-nos de que se trata de um ambiente que é, em larga medida, produto da sua lavra. A evolução de uma cultura é um gigantesco exercício de autocontrolo. Afirma-se com frequência que uma perspectiva científica do homem fere a sua vaidade e conduz a sentimentos de desesperança e nostalgia. Nenhuma teoria, porém, modifica o seu objecto: o homem continua
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a ser o que sempre foi. Mas uma nova teoria poderá alterar aquilo que podemos fazer em relação ao seu objecto. Uma perspectiva científica do homem oferece possibilidades estimulantes. Ainda não vimos o que o homem pode fazer do homem.
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NOTAS
Apresenta-se a seguir as referências citadas no texto com comentários adicionais, além de referências a discussões ou estudos mais desenvolvidos de certos tópicos, insertos noutros livros do mesmo autor assim identificados: BO The Behavior o f Organisms: An ExperimentaLAnalysis (Nova lorque; Appleton-Century-Crofts, 1938) WT Walden Two (Nova lorque; Maemillan, 1948) SHB Science and Human Behavior (Nova lorque, Macmillan, 1953) VB Verbal Behavior (Nova lorque; Appleton-Century-Crofts, 1957) SR Schedules o f Reinforcement , com Charles B. Ferster (Nova lorque; Appleton-Century-Crofts, 1957) CR Cumulative Record, Revised Edition (Nova lorque; Appleton-Century-Crofts, 1961) TT The Technology o f Teaching (Nova lorque; Appleton-Century-Crofts, 1968) COR Contingencies o f Reinfercement: A Theoretical Analysis (Nova lorque; Appleton-Century-Crofts, 1969). 1 C. D. Darlington, The Evolution of Man and Society. Citado em Science, 1970, 168, 1332. 2«Causa». O que deixou de ser corrente na linguagem científica foi a causalidade de «botão e alavanca» da ciência oitocentista. As causas aqui referidas são, tecnicamente falando, as variáveis independentes das quais o comportamento, como variável dependente, é uma função. Vide SHB, cap. 3. 3S obre «posse», vide COR, cap. 9. 4 Herbert Butterfield, Teh Origins o f Modern Science (Londres, 1957). 5 Karl R. Popper, O f Clouds and Clocks (St. Louis, Washington University Press, 1966), pág. 15. 6 Eric Robertson Dodds, The Greeks and the Irrational (Berkeley; University o f California Press, 1951). 7 Mente e comportamento; vide COR, cap. 8. 8 William James, «What Is an Emotion?» Mind, 1884, 9, pág. 188-205. 9 O papel do ambiente; vide COR, cap. 1.
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10 René Descartes, Traité de I ’homme (1662). 1«aguilhoados e chicoteados»; E. B. Molt, Animal Drive and (he Learning Process (Nova iorque; Henry Holt & Co., 1931). 12 Comportamento «operante»; vide Sl-IB, cap. 5. 13 Aplicações práticas do comportamento operante; vide Roger Ulrich, Thomas Stachnik e John Mabry, Drgs., Control o f Human Behavior , vois 1 e 2 (Glenview, Illinois; Scott, Poresman & Co., 1966 e 1970). 14 Joseph Wood Krutch, New York Times Magazine, 30 de Julho de 1967. 15 Condicionamento operante; vide SUB, cap. 5 e II. 16 Sobre a agressividade induzida pelo choque, vide N. H. Azrin, R. R. Hutchinson e R. D. Sallery, «Pain-aggression Toward Inanimate Objects», J. Exp. Anal. Behav., 1964, 7, 223228. Vide também N. H. Azrin, R. R. Hutchinson e R. McLaughlin, «The Opportunity for Aggression as an Operant Reinforcer During Aversive Stimulation», J. Exp. Anal. Behav..1965, 8, 171-180. 17 Fueguinos; vide Marston Bates, Where Winter Never Comes (Nova Iorque; Charles Scribner’s Sons, 1952), pág. 102. 18 Sobre os sentimentos, vide COR, n. 8, 7. 19 John Stuart Mill, Liberty (1859), cap. 5. 0R 2 eforçamento positivo; vide SHB, cap. 5 e 6. 21 Reforçadores condicionados; vide SHB, pág. 76. 22 Edmond e Jules de Goncourt, artigo publicado em 29 de Julho de 1860, Journal: Mémoires de la vie littéraire (Mónaco, 1956). 3P 2 rogramas de reforço; vide em SHB, págs. 99-106, uma breve exposição. Para uma análise experimental desenvolvida, vide SR. 4A 2 utocontrolo; vide SHB, cap. 15. 25 Bertrand de Jouvenel, Souveraineté. 26 Poder de conferir ou retirar benefícios ilimitados, Juiz Roberts no caso judicial United States versus Butler, 297 U. S. 1, 56 Supremo Tribunal 312 (1936). 27 Motivação ou tentação não equivalentes a coerção; Juiz Cardozo no caso Steward Machine Co. versus Davis, 301 U. S. 548, 57 Sup. Ct. 883 (1937). 28 Liberdade irrestrita para reproduzir ou não; vide uma carta dirigida a Science, 1970, 167, 1438. 9J2ean-Jacques Rousseau, Émile ou de I education (1762). 30 Michel de Montaigne, Essais, 111, IX ( 1580). 3l«lacaio submisso». Othelo, Acto I, cena I 32 Rudyard Kipling, «The Vampire». 33 François, Duque de la Rochefoucauld, Maximes (1665). 34 Vai com ele duas milhas, Mateus 5:41. 35 Tocar trombetas, Mateus 6:2. 36 Criatividade; vide B. F. Skinner, «Creating the Creative Artist», em On the Future o f Art (Nova Iorque; The Viking Press, 1970). (A ser reimpresso em CR, 3.“ ed.) Vide ainda SHB, págs. 254-256. 37 J. F. C. Fuller, artigo sobre «Tactics», Encyclopaedia Britannica, I4.a ed. 38 Punição; vide SHB, cap. 12. 39 Dinamismos freudianos; vide SHB, págs. 376-378. 40 Injunçâo bíblica, Mateus 18:8. 41 T. H. Huxley, «On Descartes’ Discourse on Method», in Methods and Results (Nova Iorque; Macmillan, 1893), cap. 4. 42 Vide Joseph Wood Krutch, The Measure o f Man (Indianapolis; Bobbs-Merrill, 1954), págs. 59-60. Mais tarde, Mr. Krutch revelou que «poucas declarações jamais me chocaram tanto. Huxley dava a impressão de querer dizer que preferia, se pudesse, ser uma térmite a ser um homem». («Men, Apes, and Termites»), Saturday Review, 21 de Setembro de 1963).
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NOTAS
Mill, sobre a bondade; vide resenha de James Fitzjames Stephen, Libert}’, Equality, Fraternity, in Times Literary Supplement, 3 de Out. de 1968. 44 Raymond Bauer, The New Man in Soviet Psychology , (Cambridge; Harvard Universty Press, 1952). 45 Joseph de Maistre; o passo foi citado no New Statesman de Agosto/Setembro de 1957. 46 Sócrates como «parteira»; Platão, Meno. 47 Freud e a maiêutica; citação de Walter A. Kaufmann em David Shakow, «Ethics for a Scientific Age: Some Moral Aspects of Psychoanalysis», The Psychoanalytic Review, outono de 1965, 52, n.° 3. 48 Alexis de Tocqueville, Democracy in America, (Cambridge; Sever & Francis, 1863). 49 Ralph Barton Perry, Pacific Spectator, primavera de 1953. 50 Sugestões e indicações; vide VB, cap. 10. 51 Discriminação operante: vide SHB. Cap. 7. 52 Editorial sobre o aborto, Time, 13 de Outubro de 1967. 53 Reforçadores positivos; vide nota 20. 54 Para a importância dos reforçadores na evolução da espécie, vide COR, cap. 3. 55 Condicionamento respondente; vide SHB, cap. 4. 56 Sobre respostas de aprendizagem a estímulos interiores, vide SHB, cap. 17. 57 Eric Robertson Dodds, op. cit. 58 Deveria; vide SHB, pág. 429. Formas verbais que correspondem a certas formas do nosso verbo dever, na acepção de «ser obrigado», «ser conveniente», «ser necessário» [N. T.]. 59 Karl R. Popper, The Open Society and Its Enemies (Londres; Routledge & Kegan Paul, 1947), pág. 53. 60 Para uma análise desenvolvida das instituições governamentais, religiosas, económicas, educacionais e psicoterapêuticas, vide SHB, see. 5. 61 Abraham H. Maslow, Religions, Values, and Peak-Experiences (Columbus; Ohio State University Press, 1964). 62 Dante, O Inferno, canto III. 63 Jean-Jacques Rousseau, Dialogues (1789). 64 O núcleo essencial de uma cultura; Alfred L. Krober e Clyde Kluckhohn, «Culture: A Critical Review of Concepts and Definitions», publicado Harvard University Peabody Museum o f American Archaeology and Ethnology Papers, vol 47, n.°l (Cambridge, 1952) (Ed. paper-back, 1963). 65 A geografia de Roma; vide, por exemplo, F. R. Cowell, Cicero and the Roman Republic (Londres; Pitman & Sons, 1948). 66 Danvinismo social; vide Richard Hofstadter, Social Darwinism in American Thought (Nova lorque; George Braziller, 1944). 67 Leslie A. White, The Evolution o f Culture (Nova lorque; McGraw-Hill Book Co., 1959). 68 Linguagem que se desenvolve como um embrião; vide Roger Brown e Ursula Bellugi, «Three Processes in the Child’s Acquisition of Syntax», Harvard Educational Review, 1964, 34, n.o 2, 133-151. 69 A linguagem da criança selvagem; Eric H. Lenneberg, in Biological Poundations O f Language (Nova lorque; John Wiley & Sons, Inc., 1967) assume a posição oposta em relação à maioria dos psicolinguistas, no sentido de que determinada faculdade interior não passa pelo seu «desenvolvimento normal» (pág. 142). 70 Modificando os sentimentos. Temos a impressão de que os sentimentos podem ser modificados quando incitamos uma pessoa a beber um trago ou quando ela própria «reduz os aspectos aversivos do seu mundo interior» bebendo, ou fumando marijuana. Contudo, o que muda, não é o sentimento, mas a condição física que a pessoa sente. O arquitecto de uma cultura modifica os sentimentos que acompanham o comportamento nas suas relações com o ambiente, mas fá-lo modificando o ambiente. 43
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71 Observando contingências de reforço. Vide COR, págs. 8-10. 72 Manipulação de contingências. Para uma conveniente colecção de relatórios, vide Roger Ulrich, Thomas Stachnik, e John Mabry, orgs., op. cit. 73 Utopias como culturas experimentais; vide COR, cap. 2. 74 Utopias comportamentais. Brave New World de Aldous Huxley (1932) é, sem dúvida, a mais conhecida. Era uma sátira, mas Huxley voltou atrás e escreveu uma versão séria, Island (1962). A psicologia dominante do século XX, a psicanálise, não produziu quaisquer utopias. Walden Two, de B. F. Skinner, descreve uma comunidade essencialmente planeada segundo os princípios expostos neste livro. 75 Walter Lippman, The New York Times (14 de Set. de 1969). 76 Joseph Wood Krutch, op. cit. 77 «Não gostaria dele». De acordo com Mr. Krutch, Bertrand Russell respondeu a este lamento do seguinte modo: «Não discordo de Mr. Krutch quanto àquilo de que gosto e não gosto. Mas não devemos julgar a sociedade do futuro com base no facto de que gostaríamos ou não de aí viver; a questão reside em determinar se aqueles que nela crescerem serão mais felizes do que aqueles que criados na nossa sociedade actual ou passada.» Joseph Wood Krutch, «Danger: Utopia Ahead», Saturday Review, 20 de Agosto de 1966. O facto de as pessoas gostarem de um determinado modo de vida relaciona-se com o problema do descontentamento, mas não aponta para um valor máximo, segundo o qual deve ser julgado um modo de vida. 78 Fédor Dostoievsky, Notes from Underground (1864). 79 Arthur Koestler, The Ghost in the Machine (Londres; Hutchinson, 1967). Videtambém «The Dark Ages of Psychology», The Listener , 14 de Maio de 1964. 80 Peter Gay, The New Yorker, 18de Maio de 1968. 81 Times Literary Supplement (Londres), II de Julho de 1968. 2R 8 amakrishna. Vide Christopher Isherwood, Ramakrishna and His Disciples (Londres; Methuen, 1965). 83 Segundo Michael Holroyd, em Lytton Strachey: The Unknown Years (Londres; William Heineman, 1967), o conceito de conduta moral de G. E. Moore poderá ser resumido como uma predição inteligente de consequências práticas. O que importa, porém, não é predizer as consequências, mas fazer com que influenciem o com- portamento do indivíduo. 84O cientista «puro». Vide P. W. Bridgman, «The Struggle for Intelectual Integrity», Harper's Magazine, Dezembro de 1933. 85 «Necessidade inata». George Gaylord Simpson, The Meaning o f Evolution (New Haven; Yale University Press, I960). 86 Vide P. B. Medawar, The Art o f the Soluble (Londres; Methuen & Co., Ltd. 1967), pág. 5 1. Segundo Medawar, «o pensamento de Spencer adquiriu uma compleição mais sombria nos últimos anos por razões essencialmente termodinâmicas». Ele reconheceu a possibilidade de um «declínio secular da ordem e de uma dissipação da energia». Ao maximizar-se a entropia, sugere-se um término não funcional. Spencer acreditava que a evolução «chegou ao fim quando se atingiu um certo estado de equilíbrio». 87 Alfred Lord Tennyson, In Memoriam (1850). 88 Superstição: vide SHB, págs. 84-87. 89 Lazer; vide COR, págs. 67-71. 90 John Milton, Paradise Lost , livro I. 91 Crane Brinton, Anatomy o f a Revolution (Nova lorque; W. W. Norton & Co., Inc., 1938) pág. 195. 92 G. M. Trevelyan, English Social History (Londres; Longmans, Green and Co., 1942). 93 Gilbert Selds, The Stammering Century (Nova lorque; Day, 1928). 94 Aprendendo a ver e a perceber; vide COR, cap. 8. 95 Normas e conhecimento cientifico, vide COR, págs. 123-125 e cap. 6. 96 vico George Steiner, citando Isaiah Berlin, The New Yorker, 9 de Maio de 1970, pág. 157-158. 180
97 Consciência e conhecimento; vide SHB, cap. 17. 98 Processos mentais de generalização, abstracção et al. vide COR, págs.247 e seg., e TT, pág. 120. 99 Resolução de problemas; vide SHB, págs. 246-254, e COR, cap. 6. 100 Sobre a interpretação dos «correlatos fisiológicos », vide Brain and Conscious Expe rience (Nova lorque; Springer-Verlag, 1966), onde, segundo um crítico da obra («Science and Inner Experience» de Josephine Semmes, Science, 1966, 154, 754-756) se fazia referência a uma conferência realizada «para analisar as bases materiais da actividade mental». 101 Touro paleolítico. Atribuído ao prof. René Dubos por John A. Osmundsen, The New York Times, 30 de Dez. de 1964. 102 Cópias interiores do ambiente; vide COR, pág. 247 e seg. 103 Wilson Follett, Modern American Usage (Nova lorque; Hill & Wang, 1966). 104 Pecado e pecador; vide Homer Smith, Man and His Gods (Boston; Little, Brown, 1952), pág. 236. 105 «A lgo a respeito dos próprios negros»; vide Science News, 20 de Dezembro de 1969. 106 O ego; vide SHB, cap. 18. 107 Joseph Wood Krutch, «Epitaph for an Age», New York Times Magazine, 30 de Junho de 1967. 108 A citação foi extraída de uma crítica da obra The Broken Image: Man, Science, and Society de Floyd W. Matson (Nova iorque; George Braziller, 1964) publicada em Science, 1964, 144, 829-830. 109 Abrahain H. Maslow, op. cit. 110 C. S. Lewis, The Abolition o f Man (Nova lorque; Macmillan, 1957). 111 Fonte externa de poder. J. P. Scott, «Evolution and the Individual», memorando preparado para a conferência C de uma série de Conferências sobre a Teoria Evolutiva e o Progresso Humano, realizadas na American Academy of Arts and Sciences (28 de Nov. de 1960). 112 Devido a diferenças nas modalidades de transmissão, uma «geração» tem significados muito diferentes dentro da evolução biológica e da evolução cultural. No que se refere à segunda, pouco mais é do que uma medida de tempo. As mudanças ocorridas numa cultura («mutações») podem ocorrer e perder-se muitas vezes numa única geração. 113 Étienne Cabet, Voyage en Icarie (Paris, 1848). 114Espécies; vide Ernst Mayr, «Agassiz, Darwin and Evolution», Harvard Library Bulletin, 1959, 13, n.° 2. 115 Ernest Jones, The Life and Work o f Sigmund Freud (Nova lorque; Basic Books, 1955). 116 Historiador: H. Stuart Hughes, Consciousness and Society (Nova lorque; Alfred A. Knopf, 1958). 117Keats sobre os trabalhos de Newton. Relato de Oscar Wilde numa carta a Emma Speed, datada de 21 de Março de 1882. Rupert Hart-Davis, org., The Letters o f Oscar Wilde (Londres, 1962).
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