“O Capital”, Marx
Resenha capítulo 4
No capítulo IV de “O Capital”, Marx analisa a transformação de dinheiro em capital
através da circulação de mercadorias. No caso de dinheiro enquanto enquanto dinheiro, a sua circulação se dá da seguinte forma: a mercadoria é vendida, tornando-se dinheiro, que posteriormente compra outra mercadoria. Trata-se, portanto, de um processo de consumo, de satisfação de necessidades, que considera o valor de uso das coisas. Nesse caso, ambos os extremos, além de ter a mesma forma econômica, tem a mesma grandeza de valor, embora tenham diferentes valores de uso conforme a necessidade que a pessoa tem da mercadoria. Já no caso de dinheiro enquanto capital, o dinheiro compra mercadoria que depois é vendida para voltar a ser dinheiro, ou seja, a compra é feita para ser vendida. Portanto, ao fim e ao cabo, o dinheiro é trocado por dinheiro. Tal processo seria inteiramente sem sentido se o objetivo fosse trocar dinheiro pela mesma quantidade de dinheiro; o que ocorre, portanto, é a troca de dinheiro por mais dinheiro. O que importa, portanto, não é o valor de uso, mas o valor de troca. O excedente financeiro produzido sobre o valor inicial trata- se da “mais-valia”. Importante entender ainda como o ciclo do capital é interminável; se o ciclo dinheiromercadoria-dinheiro acabasse aí, não faria qualquer sentido, pois a pessoa acabaria com o mesmo que tinha antes, ainda que de valor maior; a intenção de ter valor maior, no entanto, é prosseguir valorizando o dinheiro, e portanto o movimento do capital é insaciável. Tal conceito poderia gerar uma crítica, no sentido de que no ciclo dinheiro-mercadoria-dinheiro, assim como no ciclo mercadoria-dinheiro-mercadoria, poderia ter como finalidade satisfazer alguma necessidade, primeiramente valorizando o dinheiro para poder comprar mercadoria que antes não conseguiria. Marx, no entanto, vai além e já neutraliza a crítica, na medida em que entende que o capitalista é o consumidor de dinheiro que tem consciência disso, que tem a valorização do dinheiro como sua meta subjetiva, ou seja, o único motivador de suas transações é a apropriação crescente de riquezas abstratas. A troca de mercadorias, seja diretamente ou intermediada por dinheiro, é sempre feita entre equivalentes; nesse sentido, é preciso diferenciar valor de uso, ou seja, o valor que a mercadoria tem para o uso de cada pessoa, que é variável, e valor de troca, que será igual entre a mercadoria inicial e a mercadoria final. Mesmo que se venda ou compre mercadoria por valor maior ou menor que o valor real da mercadoria, isso não reflete na existência do capital, pois esse desvio é repassado para a próxima transação, e o valor total das mercadorias circulantes permanece sempre o mesmo, ainda que em divisão distinta entre as pessoas. Portanto, na circulação de mercadorias não se gera mais valia. O que gera mais valia é, na verdade, a compra e venda da força de trabalho, visto que o trabalho é a única mercadoria que tem em si mesmo a peculiar característica de ser fonte de valor. Algumas condições são necessárias para que isso ocorra: primeiro, o vendedor da força de trabalho tem que possuí-la, optar por vender, ou seria trabalho escravo; segundo, o
vendedor da força de trabalho não deve ter outras mercadorias que possa vender em lugar de sua força, ou seja, os meios de produção. É claro que essa divisão entre possuidores de mercadorias e possuidores unicamente de sua força de trabalho não é natural, mas sim produzida pela sociedade. O que define o valor de uma mercadoria é o tempo gasto para produzi-la, após pronta ela não mais varia seu valor. Da mesma forma, o valor da mercadoria trabalho é definido pelo que necessita para sua produção e também reprodução, ou seja, pelo valor necessário para criar e manter a força de trabalho. Ora, nesse momento é preciso fazer a diferenciação entre mercadorias quaisquer e mercadoria força de trabalho: a força de trabalho só existe e se mantém através da existência do indivíduo, e, portanto, a produção e manutenção da força de trabalho depende da subsistência do indivíduo. Assim, o valor da força de trabalho é definido pelo valor equivalente à alimentação, moradia e outras necessidades básicas, não só do trabalhador, mas de sua prole, já que a força de trabalho em algum momento necessitará ser substituída. Embora no capítulo ora resenhado Marx não chegue ao ponto de analisar a produção da mais valia, deixa a dica já no ar, ao destacar que trabalho e capacidade de trabalho são distintas, bem como que o valor acordado pela força de trabalho o é feito antes que a força de trabalho seja realmente utilizada. Outro fator de extrema importância apontado por Marx, que não foi aprofundado mas já esclarece muitas das críticas que poderiam ser opostas ao seu conceito de valor da força do trabalho, diz respeito à definição cultural do que é necessário à subsistência; isso porque a subsistência não é determinada estritamente pela natureza (alimentação, horas mínimas de sono, etc), mas pelo produto histórico cultural que indica o que é uma necessidade básica. Por exemplo, conforme melhor nível de um local pode se considerar que a alimentação tão somente por meio de feijão e arroz é menos do que a necessidade básica; pode-se inclusive compreender que cultura é uma necessidade básica. E assim se formam as diferenças entre o valor da força de trabalho de diferentes nações e grupos de pessoas.