DA MATTA, Roberto. Trabalho de Campo. In: Relativizando: uma introdução à Antropologia Social. Petrópolis: Vozes, 1984.
TERCEIRA PARTE: TRABALHO DE CAMPO 1. O trabalho de Campo na Antropologia Social. - O/a etnólogo/a realizava sua experiência em solidão existencial e longe de sua cultura de origem. - O controle da experiência teria que ser feito pela comparação de uma sociedade com outra e também pela convivência com o mundo social que se desejava conhecer - A vivência antropológica levava a perceber o conjunto de ações sociais dos nativos cientificamente.como um sistema, isto é, um conjunto coerente consigo mesmo. - Para Malinowski, o objetivo final ainda era enriquecer e aprofundar a própria visão de mundo, compreender a própria natureza e refiná-la intelectual e artisticamente. Alargar a própria visão. - Um dos paradoxos e contradições da Antropologia é de ter que renovar sistematicamente sua carga de experiências empíricas em cada geração. - A Antropologia social é a disciplina social que mais tem posto emdúvida e risco alguns de seus conceitos e teorias básicas. - A Antropologia sugere que estas variações combinatórias são “escolhas” que cada grupo pode realizar diante de desafios históricos concretos e não parcelas de relações que o tempo deixou de submeter a sua pressão modificadora. - Salienta a base pluralista da Antropologia, pela qual o fenômeno humano é estudado (uma e múltipla). - Foi realizando o trabalho de aprender a “ouvir” e a “ver” toda s as realidades e realizações humanas que a Antropologia pode juntar a pequena tradição da aldeia, com a grande tradição democrática. - Toma como ponto de partida a posição e o ponto de vista do outro. - Postura no/a antropólogo/a: a) reconhecer que o nativo tem razões que a nossa teoria pode desconhecer e desconhece; b) que ele tem uma lógica e uma dignidade que é minha obrigação, enquanto antropólogo/a, descobrir.
2) O trabalho de Campo como um Rito de Passagem. - Observa, que a iniciação na antropologia social pelo chamado trabalho de campo, está próximo aos ritos de passagem conforme os estudos de Arnold Van Gennep e Victor Turner (liminaridade e comunitas). Vivendo fora vda sociedade por algum tempo, acabaram por ter o direito de nela entrar de modo mais profundo.
- Antropólogos/as e iniciandos/as atualizam um padrão clássico de “morte”, “liminaridade” e “ressurreição” social num novo papel, tudo de acordo com a fórmula clássica dos ritos de
transição e passagem. Novos aprendizados precedem a mudança de status. Noviços e antropólogos/as ficam predispostos a ser socialmente moldados, antes do seu renascimento social. Descobrem que a dignidade do mundo pode também ser encontrada na amizade e no companheirismo. - O trabalho de campo, como os ritos de passagem, implica pois na possibilidade de redescobrir novas formas de relacionamento social, por meio de uma socialização controlada. Se todo o noviço tem um “padrinho” de iniciação, o/a antropólogo/a deve descobri-lo na forma de um/a amigo/a, informante, instrutor, professor e companheiro. Alguém que lhe ensinará os caminhos e desvios na sociedade que pretende estudar e que deverá socializá-lo como a uma criança. O/a pesquisador/a deve fazer o esforço para retornar a um estado infantil, de plena potencialidade individual. - Em etnologia, estamos diante de uma passagem maior do que o simples deslocar-se no espaço. A passagem implica num exercício que nos faz mudar o ponto de vista e, com isso, alcançar uma nova visão do ser humano e da sociedade no movimento que nos leva para fora do nosso próprio mundo, mas que acaba por nos trazer mais para dentro dele. - O autor nos propõe refletir sobre as ambivalências de um estado existencial onde não se está nem numa sociedade nem na outra, e no entanto, está-se enfiado até o pescoço numa e noutra. - Necessidade de rotinas para a coleta de um bom material na pesquisa de campo. - A Antropologia estabelece uma ponte entre dois universos (ou subuniversos) de significação, e tal ponte ou mediação é realizada com um mínimo de aparato institucional ou de instrumentos de mediação, de modo artesanal e paciente. - Medo de sentir o que a Dra Jean Carter denominou anthropological blues (experiências tematizadas nos blues dentro da tradição musical norte-americana), ou seja, descobrir os aspectos interpretativos do ofício do/a etnólogo/a. Incorporar aspectos extraordinários, que podem emergir no relacionamento humano durante o trabalho de campo como o sentimento e a emoção. Ou a tristeza e a saudade, que se insinuam no trabalho de campo causando surpresa ao/a antropólogo/a. - Da Matta diz que tudo indica que a intrusão da subjetividade e da carga afetiva que vem com ela, dentro da rotina intelectualizada da pesquisa antropológica, é um dado sistemático da situação. - Só se tem Antropologia Social quando se tem o exótico, distância social, marginalidade, sentimento de segregação, que implica em estar só, desembocando na liminaridade e no estranhamento. - Ser antropólogo/a é aprender. É transformar o exótico em familiar e transformar o familiar em exótico. - Desvendar os enigmas sociais. Exemplo: como se reduziu e se transformou o kula dos melanésios num sistema compreensível de trocas, que permitiu Marcel Mauss criar a noção de “fato social total”, desenvolvidas a partir das pesquisas de Malinowski.
- Numa outra transformação, a viagem é como a do xamã: um movimento drástico em que não se sai do lugar. Conduz a um encontro com o outro e ao estranhamento. O autor desenvolve a noção de exotismo e de familiaridade. Fatos pessoas categorias, classes, segmentos, aldeias, grupos sociais podem ser parte de meu universo diário ou não. Cita Velho que diz: “ o que sempre encontramos pode ser familiar, mas não necessariamen te conhecido” e “o que não vemos e encontramos pode ser exótico, mas até certo ponto, conhecido”. Ele encaminha a
reflexão para a dúvida antropológica: questionar o óbvio e o senso comum para nós. - Descobrir o lugar da divergência e do conflito como uma categoria sociológica dentro daquele sistema. - Existem sociedades que procuram minimizar os conflitos outra através de rituais maximizá-lo (ritual do coro de anta). Festas buscam muitas vezes minimizar situações de conflito social. - As emoções e a solidão estão presentes também no momento da descoberta etnográfica. É uma contradição, que apesar de se insistir na identificação do/a pesquisador/a com o grupo, existem limites nisso. Precisa esperar para compartilhar o que acabou de desvendar (pares). - O aspecto mais humano da rotina da pesquisa é que permite escrever uma boa etnografia. Mas para a compreensão profunda dos significados é necessário sentir a marginalidade, a solidão e a saudade (apuram a sensibilidade e a abertura para a diferença). Passagem de ciência natural da sociedade para uma ciência interpretativa. - O ser humano não se enxerga sozinho, mas precisa do outro como seu espelho e guia.