Antropologia Cultural de Moçambique Universidade Pedagógica Moçambique
Antropologia Cultural Antropologia Cultural de Moçambique
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Direitos de autor (copyright) É proibida qualquer reprodução parcial ou total deste obra sem a permissão do autor ou da entidade proponente.
Ficha Técnica
Título: Manual de Antropologia Cultural de Moçambique Autor : Gregório Zacarias Vilanculo Maquetização: Gregório Zacarias Vilanculo Coordenação: Departamento de Ensino Aberto e a Distância – UP-Maxixe
Universidade Pedagógica/ Sagrada Família-Maxixe
Inhambane-Moçambique Fax: (+258)293-30354/30359 E-mail:
[email protected] Website: www.unisaf.ac.mz
Antropologia Cultural Antropologia Cultural de Moçambique
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Agradecimentos À Universidade Pedagógica, Pedagógica, pela oportunidade que nos concedeu concedeu para a elaboração deste material diáctico. À todos os que de forma directa ou indirecta contribuiram para a elaboração deste módulo.
Antropologia Cultural de Moçambique
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Indice Visão geral
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Benvindo ao Módulo de Antropologia Cultural de Moçambique .................................... 1 Objectivos do curso .......................................................................................................... 2 Quem deveria estudar este módulo ................................................................................... 3 Como está estruturado este módulo .................................................................................. 3 Ícones de actividade .......................................................................................................... 4 Habilidades de estudo ....................................................................................................... 4 Precisa de apoio? .............................................................................................................. 5 Tarefas (avaliação e auto-avaliação)................................................................................. 5 Avaliação .......................................................................................................................... 5
Unidade I. Introdução geral à Disciplina
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Lição nº 1. Definição de Antropologia, objecto de estudo e objectivos ........................... 9 Sumário ........................................................................................................................... 11 Exercícios........................................................................................................................ 12 Lição nº 2. Áreas de estudo da Antropologia ................................................................. 13 Sumário ........................................................................................................................... 20 Exercícios........................................................................................................................ 22 Lição nº 1. Métodos da Antropologia ............................................................................. 23 Sumário ........................................................................................................................... 27 Exercícios........................................................................................................................ 27
Unidade II. O Pensamento Antropológico
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Lição nº 1.Periodizição do Pensamento Antropológico ................................................. 31 Sumário ........................................................................................................................... 35 Exercícios........................................................................................................................ 36 Lição nº 2.As correntes do pensamento antropológico: o evolucionismo ...................... 38 Sumário ........................................................................................................................... 41 Exercícios........................................................................................................................ 41 Lição nº 3.As correntes do pensamento antropológico: o difusionismo......................... 43 Sumário ........................................................................................................................... 47 Exercícios........................................................................................................................ 48 Lição nº 4.As correntes do pensamento antropológico: o funcionalismo....................... 51 Sumário ........................................................................................................................... 55 Exercícios........................................................................................................................ 56 Lição nº 5.As correntes do pensamento antropológico: o estruturalismo ....................... 58 Sumário ........................................................................................................................... 60 Exercícios........................................................................................................................ 61
Unidade III. A Cultura e as Culturas
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Lição nº 1.O conceito antropológico de cultura.............................................................. 64 Sumário ........................................................................................................................... 67 Exercícios........................................................................................................................ 67
Antropologia Cultural de Moçambique
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Lição nº 2.Elementos da cultura ..................................................................................... 69 Sumário ........................................................................................................................... 73 Exercícios........................................................................................................................ 73 Lição nº 3.Características da Cultura .............................................................................. 75 Sumário ........................................................................................................................... 79 Exercícios........................................................................................................................ 80 Lição nº 4.O conceito dinamismo cultural e os processos deenculturação, aculturaação, desculturação e inculturação ........................................................................................... 83 Sumário ........................................................................................................................... 87 Exercícios........................................................................................................................ 88 Lição nº 5.Os factores da cultura .................................................................................... 89 Sumário ........................................................................................................................... 91 Exercícios........................................................................................................................ 91 Lição nº 6. Etnocentrismo versus Relativismo Cultural ................................................. 92 Sumário ........................................................................................................................... 95 Exercícios........................................................................................................................ 96 Lição nº 1.As origens da cultura moçambicana .............................................................. 97 Sumário ......................................................................................................................... 102 Exercícios...................................................................................................................... 103
Unidade IV. O Parentesco e a Família
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Lição nº 1.Parentesco, casamento e família em Moçambique ...................................... 105 Sumário ......................................................................................................................... 110 Exercícios...................................................................................................................... 111 Lição nº 2.O lobolo em Moçambique: um velho idioma para novas vivências ........... 113 Sumário ......................................................................................................................... 117 Exercícios...................................................................................................................... 118 Lição nº 3. Ritos, rituais e ritos de passagem ............................................................... 119 Sumário ......................................................................................................................... 122 Exercícios...................................................................................................................... 122 Lição nº 4. A religião como fenómeno sócio-cultural .................................................. 125 Sumário ......................................................................................................................... 129 Exercícios...................................................................................................................... 130
Antropologia Cultural de Moçambique
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Visão geral Benvindo ao Módulo “Antropologia Cultural de Moçambique” O Homem, para além, da sua biologia, é produto da cultura. É a cultura que faz do Homem um ser de relações. Cada sociedade, cada povo, possui as suas manifestações culturais. O módulo de Antropologia Cultural de Moçambique ajudar-nos-á a compreender que, longe de haver somente uma formação cultural que dê sentido às acções dos homens, toda e qualquer cultura é coerente em si mesma quando vista de forma total e a partir de seus próprios pressupostos. Mais ainda, podemos aprender que nossa cultura e sociedade não são as únicas, nem as mais verdadeiras, originais e autênticas. A antropologia pode nos ensinar uma importante lição: nossa sociedade não é superior a qualquer outra, seja ela uma tribo do Sudão, na África, ou uma tribo indígena da américa latina. Enfim, a antropologia nos ensina a nos descentrarmos de nós mesmos assim como de nossa própria sociedade e cultura. Isso é um exercício fantástico e que nos abre as portas para novos universos, novas possibilidades e alternativas de aprendermos com os outros e de nos vermos através dos outros, conhecendo-nos mais profundamente.
Antropologia Cultural de Moçambique
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Afinal, como disse Sahlins “o homem apreende o mundo a partir de esquemas simbólicos que ordenam o mundo, mas que jamais são os únicos possíveis”. Com isto pode se perceber que esta disciplina participa na formação humana, social e cívica do indivíduo, através do desenvolvimento de conhecimentos básicos sobre a cultura no geral, e a cultura moçambicana, em particular.
Objectivos do Módulo Quando terminar o estudo do Módulo de Antropologia Cultural de Moçambique o estudante deverá ser capaz de:
Identificar
as
trajectórias
do
pensamento
antropológico desde a emergência à actualidade.
Objectivos
Conhecer o saber e o fazer antropológicos actuais.
Familiarizar-se com as abordagens da noção de cultura do clássico ao pós-moderno.
Reconhecer as linhas de homogeneidades e
heterogeneidades do território etnográfico nacional.
Apresentar
algumas
das
novas
questões
e
paradigmas da antropologia, com reflexos em Moçambique. Ter capacidade de aplicar os conceitos e os
conhecimentos adquiridos na análise das dinámicas e factos
socioculturais
moçambicanos.
dos
diferentes
contextos
Antropologia Cultural de Moçambique
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Quem deveria estudar este módulo Este Módulo foi concebido para todos aqueles que estão inscritos nos Cursos de Licenciatura em Ensino Básico e Administração e Gestão Escolar (AGE) à distância, oferecidos pela Universidade Pedagógica. São estudantes que possuem 12ª classe ou equivalente.
Como está estruturado este módulo Todos os módulos dos cursos a Universidade Pedagógica encontram-se estruturados da seguinte maneira: Páginas introdutórias
Um índice completo.
Uma visão geral detalhada do curso / módulo, resumindo os aspectos-chave que você precisa conhecer para completar o estudo. Recomendamos vivamente que leia esta secção com atenção antes de começar o seu estudo.
Conteúdo do módulo
O curso está estruturado em unidades. Cada unidade incluirá
uma
conteúdo
da
introdução ,
unidade
objectivos da
incluindo
unidade,
actividades
de
aprendizagem, um sumário da unidade e uma ou mais
actividades para auto-avaliação.
Antropologia Cultural de Moçambique
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Outros recursos
Para
quem
esteja
interessado
em
aprender
mais,
apresentamos uma lista de recursos adicionais para você explorar. Estes recursos podem incluir livros, artigos ou sites na internet. Tarefas de avaliação e/ou Auto-avaliação
Tarefas de avaliação para este módulo encontram-se no final de cada unidade.
No final de cada lição são
apresentadas tarefas de auto-avaliação.
Ícones de actividade Ao longo deste manual irá encontrar uma série de ícones nas margens das folhas. Estes icones servem para identificar diferentes partes do processo de aprendizagem. Podem indicar uma parcela específica de texto, uma nova actividade ou tarefa, uma mudança de actividade, etc.
Habilidades de estudo Caro estudante! Para tirar maior proveito deste módulo terá de buscar através de uma leitura cuidadosa das obras de consulta a maior parte da informação ligada ao assunto abordado. Para o efeito, no fim de cada lição apresenta-se uma sugestão de livros para leitura complementar. Uma pergunta bem compreendida representa meia resposta, por isso, antes de resolver qualquer tarefa ou problema, o estudante deve certificar se compreendeu a questão colocada. Deve fazer sempre que possível, uma sistematização das ideias apresentadas na lição corrente.
Antropologia Cultural de Moçambique
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Precisa de apoio? Em caso de necessidade de apoio o estudante poderá procurar o tutor de especialidade, os tutores locais dentro dos parâmetros a serem acordados para efeitos de acompanhamento.
Tarefas (avaliação e autoavaliação) A avaliação será contínua e sistemática. No final de cada unidade temática encontrará uma série de perguntas que poderão servir para a sua auto-avaliação. Em caso de recomendar-se trabalhos de pesquisas, apelase ao estudante a evitar todas as formas de plágio, sendo por isso, necessário que faça referência às obras consultadas. Uma leitura constante deste módulo e da bibliografia complementar patente no final de cada unidade temática é fundamental para o sucesso do seu processo de aprendizagem.
Avaliação A avaliação será feita através de testes escritos. Será admitido ao exame final o estudante que obtiver uma média de frequência igual ou superior a dez valores. Será aprovado o estudante que obtiver dez valores aproximados ou mais no exame. Poder-se-á recorrer à trabalhos de investigação caso delibere-se necessários para o aprofundamento de algumas temáticas aqui abordadas.
Antropologia Cultural de Moçambique
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Unidade I Introdução geral à Disciplina Introdução Nesta unidade far-se-á uma discussão a volta dos principais conceitos e das definições da disciplina. Serão discutidos os conceitos básicos de Antropologia, Antropologia Cultural, o objecto de estudo e os principais métodos usados em antropologia. Ao terminar esta unidade será capaz de:
Objectivos
Definir o conceito de antropologia e o seu objecto de estudo;
Identificar os principais métodos usados em antropologia;
Explicar as áreas de estudo da antropologia.~
Demonstrar a relação que existe entre a educação e a antropologia.
Antropologia, antropologia linguistica, antropologia biológica, antropologia pré-histórica, antropologia psicológica, antropologia social e cultural, educação. Terminologia
Antropologia Cultural de Moçambique
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Lição n˚ 1 Definição de Antropologia, Objecto de estudo e objectivos Introdução Esta lição vai abordar sobre o conceito de antropologia, seu objecto de estudo e seus objectivos. Ao completer esta lição, você será capaz de:
Definir o conceito de antropologia;
Identificar o objecto de estudo da antropologia;
Explicar o objectivo da antropologia.
Objectivos
Antropologia.
Terminologia
Antropologia Cultural de Moçambique
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Antropologia: o que é? A nossa disciplina chama-se Antropologia Cultural de Moçambique. Antes de definirmos cultural,
e
mais
ainda,
antes
o que é antropologia de
fazermos
uma
contextualização, a nível de Moçambique é importante que tenhamos em consideração a definição do próprio termo antropologia. No sentido etimológico, o termo Antropologia deriva do grego άνθρωποςantrophos (homem) e λόγος (logos - razão / pensamento, tratado). No sentido lato, a Antropologia
costuma ser definida como uma ciência social preocupada em estudar o homem e a humanidade de maneira totalizante, ou seja, abrangendo todas as suas dimensões. É uma ciência social porque faz parte do conjunto das chamadas ciências sociais, isto é, aquele conjunto de ciências que estudam os aspectos sociais do mundo humano,
ou seja, a vida social de indivíduos e grupos
humanos, tais como: Sociologia, Ciência Política, a História, a
Geografia,
Economia,
Administração,
Direito,
etc.
Preocupa-se em estudar cientificamente o ser humano, isto é, aplicando os métodos de estudo científico. O que diferencia a perspectiva antropológica sobre o homem das outras ciências sociais ou humanas, em primeiro lugar, é que a antropologia busca uma explicação totalizadora do homem, que leve em conta a dimensão biológica, psicológica e cultural; em segundo lugar, a perspectiva antropológica possui uma dimensão temporal muito mais abrangente, abarcando tanto o momento actual quanto o passado da humanidade.
Antropologia Cultural de Moçambique
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Objecto de estudo
A antropologia como ciência do biológico e do cultural tem seu objecto de estudo: o homem e as suas obras. O objecto de estudo da antropologia engloba o conhecimento de sociedades humanas, letradas ou ágrafas, extintas ou vivas, existentens nas várias regiões da terra. O antrópologo tem a tarefa de explicar os princípios da formação e do desenvolvimento das sociedades e culturas humanas. Toda a investigação antropológica vale-se do método comparativo em busca de respostas para os problemas que se levantam, na tentativa de compreender as semelhanças e as diferenças físicas, psíquicas, culturais e sociais entre os grupos humanos. Exemplo: brancos e negros; língua diversificadas; a indumentária do índio e do não-índio; o culto do sol e a presença da pirâmide no Egipto e nas civilizações pré-colombianas...
Objectivo da antropologia
A antropologia fixa como seu objectivo o estudo da humanidade como um todo, visando ao homem como expressão global – biopsicosociocultural – isto é, o homem como ser biológico pensante, produtor de culturas e participante da sociedade, tentando chegar, assim, à compreensão da existência humana.
Sumário A antropologia é a ciência que estuda o Homem na sua totalidade. Difere-se de outras ciências sociais e humanas porque ela busca uma expplicação totalizadora do homem. Ela fixa como seu objectivo o estudo do homem como
Antropologia Cultural de Moçambique
expressão
global,
ou
seja,
como
um
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ser
biopsicosociocultural.
Exercícios 1. Das afirmações que seguem, diga se são verdadeiras ou falsas. Auto-avaliação
a. A antropologia é uma ciência que estuda o Homem na sua totalidade. b. O objecto de estudo da antropologia é a cultura. c. Explicar o homem em todas as dimensões é o objectivo último da antropologia.
Bibliografia Básica
ERICKENS, Thomas Hylland. NIELSEN, Fin Sivert. História da Antropologia. 4ª ed. Editora Vozes, Petrópolis, R J, 2010.
SANTOS, Armindo dos. Antropologia Geral: etnografia, Etnologia, Antropologia Socal. Universiadade Aberta, 2002.
COLLEYN, Jean-Paul. Elementos de Antroplogia Social e Cultural . Edições 70, Lisboa, 2005.
TITIEV, Mischa. Introdução à Antropologia Cultural. 9ª ed . Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2002. LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. São Paulo, Brasiliense, 2003.
Antropologia Cultural de Moçambique
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Lição n˚ 2 Áreas de estudo da Antropologia Introdução Nesta lição far-se-á uma abordagem relacionada com os seguintes conceitos: antropologia biológica, antropologia pré-histórica,
antropologia
linguística,
antropologia
psicológica, antropologia social e cultural.
Ao completer esta lição, você será capaz de:
Definir os conceitos de antropologia ; antropologia biológica, antropologia pré-histórica, antropologia linguística, antropologia psicológica, antropologia
Objectivos
social e cultural.
Discriminar os diferentes ramos ou áreas de estudo da antropologia.
Antropologia, antropologia linguística, antropologia biológica, antropologia Terminologia
pré-histórica,
antropologia social e cultural.
antropologia
psicológica
e
Antropologia Cultural de Moçambique
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Se é verdade que todas as ciências encontram-se fragmentadas em diferentes ramos de estudo que permitem um estudo mais exaustivo e significativo não é menos verdade que a Antropologia segue a mais lógica. Assim, a Antropologia tal como outras ciências, subdivide-se em áreas de estudo específicos que permitem uma melhor compreensão do objecto em causa. Evocar aqui os campos de estudo da Antropologia, torna-se aqui imperioso, pois, permite-nos perceber a Antropologia como uma ciência integrante a qual no seu desenvolvimento inicial não fazia a distinção entre os diferentes domínios de conhecimento, considerados na perspectiva de uma problemática teórica geral sobre o Homem. Na visão de SANTOS (2002: 35) a designação genérica antropologia cobria grosso modo no mínimo – e continua a integrar mas de forma independente – cinco domínios de estudo fundamentais: a) a antropologia biológica (que substitui a antiga antropologia física); b) a antropologia pré-histórica; c) a antropologia psicológica;
d) a antropologia linguística; e) a antropologia social e cultural.
É importante realçar que esta ordem de anunciação não reflecte realmente uma qualquer hierarquia subordinativa entre elas, mas tão somente uma forma arbitrária de apresentação.
A antropolog ia biológ ic a
No século XIX e nos princípios do século XX, a palavra antropologia era empregue exclusivamente no sentido de antropologia física, a ciência cujo objecto se centrava em
especial nos caracteres biológicos dos homens segundo a noção de raça, a hereditariedade, etc. A antropologia física designa-se hoje de antropologia biológica e não se
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preocupa especialmente com as raças e a sua anatomia comparada (com as formas e mensurações dos cránios e esqueletos, da cor da pele, dos olhos e do cabelo). A antropologia biológica, diz essencialmente respeito ao
estudo das variações dos caracteres biológicos do homem no espaço e no tempo. Por outras palavras, est ciência debruça-se sobre o estudo das relações entre o património genético humano e o meio geográfico e social, relacionando as particularidades morfológicas e fisiológicas com o contexto
ambiental
e
com
a
evolução
destas
particularidades. Em consequência do meio físico, a antropologia biológica toma em consideração os factores culturais que influenciam o crescimento e o conjunto das transformações ou fases sucessivas pelas quais passam os individuos desde a sua concepção biológica até à maturidade. O actual domínio da antropologia biológica, na sua contribuição mais directa para evidenciar a relação entre factores sócio-culturais e caracteres biológicos do homem, debruça-se em particular sobre a genética das populações e participa, cada vez mais –directa ou indirectamente – no debate sobre o derivado do inato e o dependente do adquirido assim como sobre a sua contínua interacção.
A antropolog ia his tórica
Aantropologia histórica corresponde a um vasto programa de
investigação
sobre
o
passado
das
sociedades
desaparecidas e das actuais. A a ela pode acrescentar-se a antropologia pré-histórica e a etno-história. A antropologia pré-histórica, estuda a existência do homem num passado muito remoto, relativamente ao qual não existem documentos escritos. Por esta razão, a
Antropologia Cultural de Moçambique
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investigação faz-se recorrendo à busca de vestígios materiais deixados por sociedades muito antigas e conservados no solo. Encontrar ossadas humanas em determinados lugares, resulta em provas da existência do homem nesses locais, mas também objectos de todo o género podem indiciar a sua actividade passada. Pelo que acaba de ser dito se pode compreender que a antropologia pré-histórica tem por finalidade a reconstituição das sociedades desaparecidasnos seus diferentes aspectos.
A diferença entre a etno-história e a antropologia préhistórica reside no facto de o etno-historiador trabalhar directamente com o tempo da oralidade local e o antropólogo pré-historiador recolher o seu material de investigação em escavações feitas no solo. A palavra etno-história foi criada pelos etnólogos americanos para referir os seus trabalhos relativos às tentativas de reconstituição da história dos índios, a partir das tradições e factos recolhidos. Por esta altura, era corrente dizer-se que onde não havia documentos escritos não havia história. Obviamente, a falta de documentos não evidencia a falta de história, mas tão somente a falta. Assim, na origem, a etnohistória correspondia ao estudo das sociedades sem escrita, dependentes da memória oral, e ditas sem história. Ora não existem sociedades sem história e a escrita não constitui um dado informativo evidente quanto à revelação do passado.
A antropolog ia ling uís tica
Este domínio corresponde ao confronto entre a antropologia e a linguística enquanto ciência que estuda a linguagem como parte integrante do património cultural de uma sociedade. Com efeito, a linguagem corresponde a uma realidade social fundamental através da qual os membros de
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uma sociedade comunicam e exprimem as suas ideias, o seus valores, as suas preocupações, etc. Pela sua amplitude,
a
linguagem
constitui
um
domínio
cuja
problemática pressupõe uma abordagem necessariamente interdisciplinar. Sem o estudo da língua não seria possível compreender as suas categorias afectivas e cognitivas, as quais constituem precisamente o campo de estudo da etnolinguística.
Segundo Claude Lévi-Strauss (1958), a linguagem pode ser encarada, nas suas relações com a cultura, segundo três aspectos. Todos eles são fundamentados na observação e levantam problemas particulares, para além de constituírem o ponto de partida de concepções explicativas sobre as relações entre a linguagem e a cultura: 1) a linguagem corresponde a um dos aspectos da cultura; 2) a linguagem é igualmente uma produção cultural, na medida em que reflecte, pela natureza e projecção dos seus sistemas simbólicos, certas características de uma cultura; 3) finalmente, a linguagem corresponde a uma condição da cultura. É um facto observado, que a linguagem assume, totalmente ou em parte, a permanência de certos aspectos da cultura. Num plano teórico, ela própria é uma cultura se a considerarmos um sistema de comunicação priviligiado que fornece a chave de acesso aos sistemas particulares de comunicação como aos diversos aspectos da cultura. Através
do
estudo
da
língua
é
possível
esperar
compreender, por exemplo, as categorias mentais do parentesco, cristalizadas nas nomenclaturas dos termos de parantesco e reconstituir as sagas genealógicas que permitem retraçar as histórias familiares e identificar as categorias parentais operatórias.
Antropologia Cultural de Moçambique
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O estudo da língua na forma oral é o único meio obrigatório que o investigador tem para aceder à sociedade e à cultura em observação. Diga-se incidentemente que alguns dos quadros linguísticos referidos, exclusivamente orais, se alteraram quando os antropólogos iniciaram o estudo destas sociedades e obrigatoriamente as suas línguas, começando a transcrevê-las foneticamente e em seguida a fixar a sintaxe.
A antropolog ia psic ológ ic a
A antropologia psicológica define-se como o domínio que se interessa pelo estudo dos mecanismos do psiquismo humano, na sua interacção com a permância social. O presente domínio não tem por objectivo o indivíduo, enquanto actor particular, o qual pertence ao domínio da psicologia, mas define o encontro entre a antropologia e a psicologia
no
que
corresponde
à
necessidade
de
compreensão da subjectividade que preside à acção dos indivíduos
em
sociedade.
Ou
seja,
corresponde
à
necessidade de passar do objectivismo ao subjectivismo. Neste campo, entronca o fenómeno de representação sobre a realidade social e a acção derivada da percepção desta mesma realidade pelos diferentes acores sociais.
A antropolog ia soci al e cultural
Se avançarmos do estudo do passado para o presente da dimensão cultural, entramos no campo de estudos da antropologia socialou cultural; o objeto desta área da
antropologia são as formas em que as sociedades percebem o mundo e como organizam o seu cotidiano.
Antropologia Cultural de Moçambique
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A antropologia social e cultural estuda a cultura de um grupo tanto na sua dimensão instrumental, chamada de cultura material, que se refere às coisas que os homens produzem e com as quais intervêm na natureza, quanto na sua dimensão cosmológica-cognitiva-organizacional,
que
abrange
os
sistemas de idéias e de valores, através dos quais se organiza a percepção do mundo. Esta dimensão diz respeito aos elementos ideológicos que compõem a definição de cultura (que posteriormente estudaremos), a saber, a língua, a religião, o sistema de direito, etc. A parte organizacional da antropologia social ou cultural diz respeito às formas que os grupos humanos concebem para estabelecer a circulação dos indivíduos no seu interior, isto é, as regras de casamento e de parentesco, as divisões em grupos menores como clãs, fratriase linhagens. Em outras palavras, a antropologia social e cultural diz respeito a tudo que constitui uma sociedade: seus modos de produção econômica, suas técnicas, sua organização política e jurídica, seus sistemas de parentesco, seus sistemas de conhecimento, suas crenças religiosas, sua língua, sua psicologia, suas criações artísticas, suas técnicas,etc. Para terminar com esta diferenciação das áreas da antropologia temos que nos referir rapidamente por que denominamos a dimensão cultural no presente como antropologia social ou cultural.
Basicamente, é uma
diferenciação derivada de interesses distintos das escolas antropológicas inglesa e americana. Os antropólogos ingleses se interessaram pela organização social e política dos grupos que estudavam, e assim,
focaram seus estudos na idéia de sociedade, por isto a
Antropologia Cultural de Moçambique
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escola foi chamada de antropologia social (embora alguns, como Malinowski, tenham utilizado na sua produção o conceito de cultura). Já os americanos se interessavam pelas
variações
culturais, pela sua difusão e como os indivíduos são moldados pela cultura; por isto se denominou a essa
escola como antropologia cultural ouculturalismo.
Sumário A Antropologia tal como outras ciências, subdivide-se em áreas de estudo específicos que permitem uma melhor compreensão do objecto em causa. A designação genérica antropologia cobria e continua a integrar mas de forma independente – cinco domínios de estudo fundamentais: a) a antropologia biológica: a ciência cujo objecto se centrava em especial nos caracteres biológicos dos homens segundo a noção de raça, a hereditariedade, etc; b) a antropologia histórica
que
estuda
o
passado
das
sociedades
desaparecidas e das actuais e pode ramificar-se em antropologia pré-histórica e etno-historia; c) a antropologia psicológica que se constitui como aquele domínio que se interessa pelo estudo dos mecanismos do psiquismo humano, na sua interacção com a permância social.; d) a antropologia
linguística
sendo
aquele
domínio
correspondente ao confronto entre a antropologia e a linguística enquanto ciência que estuda a linguagem como parte integrante do património cultural de uma sociedade e) a antropologia social e cultural cujo objeto de estudo são as formas em que as sociedades percebem o mundo e como organizam o seu cotidiano.
Antropologia Cultural Antropologia Cultural de Moçambique
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Exercícios
1. Identifique as áreas de estudo da antropologia. 2. Demonstre que a antropologia antropologia socio-cultural socio-cultural é Auto-avaliação
diferente da antropologia psicológica. 3. Discuta a antropologia linguística. 4. Haverá alguma diferença diferença entre a antropologia antropologia física e a antropologia biológica? 5. A antropologia histórica estuda, também, as sociedades mais remotas. a. Na tua opinião, opinião, qual seria o contributo contributo desta área científica para a reconstrução da história socio-cultural de Moçambique.
Bibliografia Básica ERICKENS, Thomas Hylland. NIELSEN, Fin Sivert. História da Antropologia. 4ª ed. Editora Vozes, Petrópolis, R J, 2010.
SANTOS, Armindo dos. Antropologia Geral: etnografia, Etnologia, Antropologia Socal. Universiadade Aberta, 2002.
COLLEYN, Jean-Paul. Elementos de Antroplogia Social e Cultural . Edições 70, Lisboa, 2005.
TITIEV, Mischa. Introdução à Antropologia Cultural. 9ª ed . Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2002. LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. São Paulo, Brasiliense, 2003.
Antropologia Cultural Antropologia Cultural de Moçambique
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Lição n˚ 3 Métodos da Antropologia Introdução Nesta lição abordar-se-á os métodos antropológicos e as premissas antropológicas que devem guiar o trabalho de pesquisa do antropológo.
Ao completer esta lição, você será capaz capaz de:
Identificar os principais métodos da antropologia;
Caracterizar as premissas antropológicas;
Explicar discriminando discriminando os métodos métodos da antropologia antropologia e as
Objectivos
premissas antropológicas.
Método histórico, método comparativo, método estatístico.
Terminologia
Antropologia Cultural de Moçambique
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Do estudo teórico “na mesa” à “pesquisa no campo”
Os primeiros antropólogos evolucionistas da segunda metade do século XIX, foram designados, no âmbito da história da antropologia, estudiosos da “mesa” (Tylor, Frazer, Morgan): esses trabalhavam sobre narrativas e descrições de
realidades
efectuadas
por
observadores
não
profissionais. Portanto, eles trabalhavam, com um material de “segunda mão”, recolhido, às vezes, sem critérios científicos ou para finalidades diferentes, que porém permitia-lhes colherem elementos para reflectirem sobre a diversidae dos “costumes” humanos. Este tipo de fontes consentia-lhes que elaborassem uma escala evolutiva das formas de vida humanas e do desenvolvimento das culturas. A partir dos últimos anos do século XIX os antropólogos experimentavam uma nova modalidade de fazer a pesquisa: a pesquisa de campo, isto é, observação directa dos modos de vida dos outros efectuada concretamente nos lugares pre-seleccionados para a pesquisa. Nos primeiros decénios do século XX a prática da pesquisa no campo se consolida e é a partir deste momento e desta nova modalidade de pesquisa que a antropologia define os seus métodos, os seus objectos e o seu estatuto científico e académico. São as pesquisas dos primeiros antropólogos funcionalistas britânicos e de alguns culturalistas americanos
que marcam o início da prática etnográfica, mudando a atenção do “estudo na mesa” ao estudo da “sociedade” no campo e na sua inteireza. A etnografia como método e como prática de pesquisa
No trabalho antropológico se entende comumente com o termo “etnografia” a fase da recolha dos dados num determinado lugar pré-escolhido para a pesquisa (conhecido como “terreno etnográfico”, ou simplesmente “terreno” ou
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“campo”). O que distingue a antropologia das outras disciplinas científicas é examente esta modalidade de investigar, que prevê períodos de longa permanência no terreno, a imersão no contexto de pesquisa, o conhecimento da língua ou do dialecto do lugar, a observação aprofundada, a compartilha de práticas quotidianas com pessoas que constituem “o objecto” pesquisa. Bronislaw Malinowki que efectuou as suas pesquisas nas ilhas Trobiand da Melanésia entre 1915 e 1918, não foi o primeiro antropólogo a colocar em prática uma pesquisa etnográfica do tipo “moderno”. Foi, porém, um dos primeiros a indicar conscientemente nas práticas acima indicadas os elementos característicos da pesquisa de campo e, portanto, a pesquisa antropológica. A ele, se deve, o facto de ter sido o primeiro a teorizar e colocar em prática a centralidade do método de observação partecipante no processo de compreensão e explicação antropológica e ter construido, a partir de tal consciência, aquela figura do etnógrafo profissional. A expressão observação participante sintetiza as modalidades de interacção do antropólogo com o campo de pesquisa durante a fase etnográfica da pesquisa: ele tem a obrigação de viver dentro da comunidade pesquisada, de participar na vida quotidana deles e, ao mesmo tempo, aquela de estudá-la, de observá-la (e observar mesmo a si no decurso da pesquisa). O antropólogo no campo, através da imersão no contexto estudado, procura adquirir as competências e os conhecimentos de um “nativo”, sem no entanto, beliscar a sua posição de observador externo. A prática etnográfica não constitui simplesmente o método de base da pesquisa antropológica. Para além desses diversos argumentos teóricos, a pesquisa antropológica é constituida do tipo de conhecimento que o antropólogo procura aprofundar. É exactamente a relação prolongada e
Antropologia Cultural de Moçambique
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quotidiana com homens e mulheres de sociedades diversas e com os contextos culturais em que estes vivem, que confere aos “dados” etnográficos um carácter “qualitativo” e
a
cada
pesquisa
antropológica
uma
dimensão
“interpretativa”. No esforço contínuo de compreender a
lógica interna do contexto pesquisado, o antropólogo, reformulará continuamente as suas questões: durante a etnografia, o problema não é tanto o de encontrar respostas às próprias questões, mas de identificar questões e problemas que tenham sentido para as pessoas a que se dirige a pesquisa. Por esta razão, os objectos da pesquisa antropológica não são objectos concretos e predefinidos, mas se constituem constantemente no decurso da pesquisa (Kilani, 1994, p.51). Com isto, queremos dizer que a análise antropológica de dados pode ser qualitativa mas também quantitativa.
Ademais, é necessário salientar que a antropologia vale-se, também do seguintes métodos: Método Histórico: Consiste em investigar eventos do passado, a fim de compreender os modos de vida do presente, que só podem ser explicados a partir da reconstrução da cultura e da observação das mudanças ocorridas ao longo do tempo. Método Estatístico: Os dados, depois de coletados, são reduzido a termos quantitativos, demonstrados em tabelas, gráficos, quadros etc. Método
Comparativo:
Permite
verificar
diferenças
e
semelhanças apresentadas pelo material coletado. A Antropologia Física compara fósseis ou grupos humanos existentes, analisando características anatômicas: cor de pele, do cabelo, dos olhos, índice cefálico etc.
Antropologia Cultural de Moçambique
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Sumário Os primeiros antropólogos evolucionistas da segunda metade do século XIX, foram designados, no âmbito da história da antropologia, estudiosos da “mesa” (Tylor, Frazer, Morgan) porque eles trabalhavam
com um material de
“segunda mão”. A partir dos últimos anos do século XIX os antropólogos experimentavam uma nova modalidade de fazer a pesquisa: a pesquisa de campo, isto é, observação directa dos modos de vida dos outros efectuada concretamente nos lugares pre-seleccionados para a pesquisa. Assim, a prática etnográfica passou a ser o método mais priviligiado para a investigação antropológica. Além disso, a antropologia vale-se do método histórico, do método comparativo e do método estatístico. .
Exercícios 1. O que entendes por etnografia? 2. Porque os primeiros antropólogos evolucionistas Auto-avaliação
eram considerados “antropólogos da mesa”? 3. Na sua opinião, acha que seja pertinente que o antropólogo conheça a cultura, sobretudo, a língua do povo em estudo? 4. Em que consiste o método histórico? 5. Justifique a pertinência da análise qualitativa na pesquisa antropológica.
Antropologia Cultural de Moçambique
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Bibliografia Básica MARTINEZ, Francisco Lerma. Antropologia Cultural: guia para estudo.Paulinas Editorial, 5ª edição, Maputo, 2007.
SINISCALCHI,
Valeria.
Antropologia
Un’introduzione. Carocci, Italia, 2008.
Culturale.
Antropologia Cultural de Moçambique
29
Unidade II O Pensamento Antropológico Introdução Esta unidade traz à tona o historial do pensamento antropológico
e
as
correntes
que
sustentaram
o
desenvolvimento científico da antropologia até aos nossos dias. Far-se-á uma análise da periodização do pensamento antropológico e das principais ideias peculiares. Serão discutidas as principais correntes que influenciaram o desenvolvimento
da
antropologia
tais
como:
o
evolucionismo, o difusionismo, o funcionalismo e o estruturalismo. Ao completar esta unidade, você será capaz de:
Objectivos
Discriminar os quatros períodos que caracterizam a história da antropologia;
Descrever cada período e identificar os principais pensadores
que
influenciaram
o
pensamento
antropológico;
Identificar as principais correntes antropológicas;
Descrever cada uma das correntes mostrando as principais ideias defendidas por cada.
Antropologia Cultural de Moçambique
Período de formação, período de convergência, período de construcção, período crítico, evolucionismo, difusionismo, Terminologia
funcinalismo, estruturalismo.
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Antropologia Cultural de Moçambique
31
Lição n˚ 1 Periodização do pensamento antropológico Introdução Nesta lição falar-se-á dos principais períodos ou etapas históricas que caracterizam o pensamento antropológico. Assim, ao completar esta lição, você será capaz de:
Identificar os principais períodos do pensamento antropológico. Descrever justificando os quatro períodos do pensamento antropológico; Identificar os principais expoentes que influenciaram o pensamento antropológico em cada um dos períodos.
Objectivos
Período de formação, período de convergência, período de construcção, período crítico. Terminologia
Antropologia Cultural de Moçambique
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Parece-nos arbitrária qualquer divisão da história da antropologia, no entanto, a pertinência da periodização histórica desta disciplina repousa na necessidade de obtermos um mínimo de rigor e sitematização metodológicos que permitem a caracterização teórica das abordagens dos vários pensadores. Mello e Lerma, debruçam-se sobre a divisão histórica apresentada por T.K Penniman, que segundo este último,
o pensamento antropológico
obedece à quatro períodos, a saber: período de formação,
período
de
convergência,
período
de
construção e período crítico.
I. P eríodo de formação (...até 1835)
Começa com a história da própria humanidade e diz respeito a toda a reflexão do Homem sobre si e sobre o universo que o rodeia. Neste período esteve presente a preocupação com a origem, a realidade e o destino do homem, procurando explicar o seu passado, sua história e sua relação com o mundo do além. Neste contexto, podemos dizer que todas as manifestações culturais do homem ao longo do tempo, desde as mais longíquas, contribuiram para a efectiva formação da antropologia, nomeadamente as pirâmides do Egipto, as pinturas ruperestres encontradas em várias regiões do mundo, o sistema de parantesco, os sistemas sociais da antiguidade, os fósseis, sistemas religiosos, etc. Este período corresponde ainda à epoca de grandes descobertas e expansões dos europeus pelo mundo, que permitiu colectar dados etnográficos para compreender a complexidade das manifestações culturais o que mais tarde iria incidir na separação da Antropologia em vários ramos (arqueologia,
linguísitica,
biologia,
etcc.),
mercê
da
Antropologia Cultural de Moçambique
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acumulação de conhecimentos vastos que por si exigiam uma especialização dos estudiosos.
II.P eríodo de converg ência (1835-1869)
Este período é assim designado porque existe nele uma unidade em torno do conceito de evolução.(processo de desenvolvimento natural, biológico e espiritual no qual toda a natureza , com seus seres vivos ou inanimados, se aperfeiçoa
progressivamente,
realizando
novas
capacidades, manifestações e potencialidades. Do ponto de vista meramente biológico, a evolução pode ser definida como descendência com variações). Este conceito neste
período anima as pesquisas e reflexões nos domínios da Biologia, Filosofia, Sociologia e da própria Antropologia. O período é ainda marcado por debates ardentes, surgimento de várias revistas e numerosas associações científicas e humanitárias como: a) Sociedade de etnografia (1839) e sociedade de antropologia (1843) ambas em París. b) Sociedade de Etnologia de Londres (1843). Estas sociedades eram tidas como humanitárias porque o motivo que deu a sua origem estava ligado a um sentimento humanistas em relação aos povos “ primitvivos” face às depredações coloniais. As sociedades em si eram tidas como amigas dos povos primitivos. Através da linha evolutiva se podia classificar toda a humanidade desde os primeiros estágios, chamados de selvageria, passando pela barbárie, até a civilização.
Antropologia Cultural de Moçambique
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III.P eríodo de cons trução (1869 -1900)
Este período é uma simples consolidação do anterior, o número
de
associações
e
sociedades
cresceu
vertiginosamente por toda a Europa e pelos E.U.A. O período de convergência distingue-se do da construção pelo facto de neste último, o evolucionismo ter alcançado o seu apogeu com a teoria de Charles Darwin sobre a origem das espécies, descrita em uma obra clássica intitulado Sobre a Origem das Espécies.
Ainda neste período, a Antropologia moderniza-se com o surgimento de grandes publicações de Edward Tylor como “ A cultura Primitiva” (1871), onde através do método comparativo o autor tenta explicar a evolução pela qual passou a religião ao longo dos tempos. Outra obra marcante é a de Lewis Morgan “ Sociedade Primitiva” (1877), que procurou estabelecer o caminho seguido pela instituição familiar através de vários estádios do desenvolvimento. Se tormarmos como exemplo, a organização familiar, a evolução
começaria
com
a
família
consanguínea
(casamento entre irmãos dentro de um grupo), passando pela família por pares, ou sindiásmica (um homem e uma mulher sem coabitar); o próximo estágio seria o da famíliapatriarcal, um homem e várias mulheres; até chegar
no último estágio, que é o da família monogâmica, de um homem e uma mulher coabitando juntos na mesma casa. Taylor é considerado um dos principais expoentes desse período, pois, foi quem definiu o termo antropológico de
cultura e o apresentou como objecto da Antropologia. Outros estudiosos: Bachofen, Sumner, Maine, Milennan, etc.
Antropologia Cultural de Moçambique
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IV . P eríodo crítico (1900 à...)
Este período vai até aos nossos dias, tendo se caracterizado pelos avanços em vários domínios do saber, progresso dos meios de comunicação, democratização da educação e institucionalização da Antropologia como uma disciplina universitária. Estes factores permitiram a publicação de escritos que puseram a ciência antropológica ao serviço não só do colonialismo, como também das universidades. Os povos outrora objectos de estudo de antropólogos europeus e norte-americanos começaram a cultivar também estudos de Antropologia. A realidade sociocultural tomou novos rumos e passou a ser analisada por olhares diversos. Alguns antropólogos também começaram a dedicar-se aos estudos na área da psicologia, da linguística, de folcloristica e dos efeitos perversos do urbanismo.
Sumário A história do pensamento antropológico pode ser subdividida em quatro períodos fundamentais, tais são: o período de formação, o período de convergência, o período de construção e período crítico. O período de formação (...até 1835) refere-se aquele que começa com a história da própria humanidade extende-se até à época das descobertas e expansões dos europeus pelo mundo e diz respeito a toda a reflexão do Homem sobre si e sobre o universo que o rodeia. O período de convergência (1835 -1869) centraliza seus debates em torno do conceito de evolução e que influenciou para o surgimento de acesos debates, criação de várias revistas e numerosas associações científicas. O período de construção (1869 -1900) constitui-se como um período de consolidação do anterior e distingue-se pelo facto de neste
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último, o evolucionismo ter alcançado o apogeu com a teoria de Charles Darwin sobre as espécies e a publicação de obras clássicas da antropologia. O último período, ou seja, o período crítico (1900 à...) caracteriza-se pelos avanços em vários domínios do saber, progresso dos meios de comunicação,
democratização
da
educação
e
institucionalização da Antropologia como uma disciplina universitária.
Exercícios 1. Identifique os períodos fundamentais do pensamento antropológixco. Auto-avaliação
2. Refira-te às principais diferenças entre o perídio de construção e o período de convergência. 3. Caracterize o período crítico.
Bibliografia básica
DE MELLO, Luiz Gonzaga. Antropologia cultural, pgs 220277.
MARCONI, Marina de Andrade; PRESOTTO, Zélia Maria Neves. Antropologia: uma introdução. 6ª ed., São Paulo: Atlas, 2006. TOMÁS, Adelino Esteves. Manual de Antropologia SócioCultural . Universidade Pedagogica Sagrada Família, sd.
ERICKENS, Thomas Hylland. NIELSEN, Fin Sivert. História da Antropologia. 4ª ed. Editora Vozes, Petrópolis, R J, 2010.
Antropologia Cultural de Moçambique
GONÇALVES,
António
Custódio.
Trajectórias
37
do
Pensamento Antropológico. Universidade Aberta, 2002.
SANTOS, Armindo dos. Antropologia Geral: etnografia, Etnologia,
Antropologia
Socal. Universiadade
Aberta,
2002.pgs. 123-170. COLLEYN, Jean-Paul. Elementos de Antroplogia Social e Cultural . Edições 70, Lisboa, 2005.
LARAIA,
Roque
de
Barros.
Cultura:
um
conceito
antropológico. 14ª ed., Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro,
2001.
Antropologia Cultural de Moçambique
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Lição n˚ 2 As correntes do pensamento antropológico: o evolucionismo
Introdução A antropologia desenvolveu-se graças a existência de diversas correntes antropológicas que se debruçaram sobre diversos temas referentes à ciência antropológica: o evolucionismo,
o
difusionismo,
o
funcionalismo,
o
estruturalismo. Na lição de hoje vamos centralizar a nossa discussão em volta da corrente evolucionista.
Ao completer esta lição, você será capaz de:
Descrever
o
evolucionismo
enquanto
corrente
antropológica;
Objectivos
Identificar os principais expoentes do evolucionismo.
Identificar as principais características do evolucionismo.
Evolucionismo, factor tempo, tempo cultural, paralelismo Terminologia
cultural, evolução..
Antropologia Cultural de Moçambique
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O evolucionismo de acordo com alguns autores (Colleyn, 2005; Gonzaga, 000; Santos, 2002) foi influenciado pelo darwinismo e pela teoria da evolução das espécies. Esta escola ou corrente antropológica afirma que a espécie humana evolui lentamente e que se podem classificar todas as sociedades existentes em função do estádio de desenvolvimento alcançado. A ideia parte do princípio enunciado por Charles Darwin, segundo o qual, o mundo vivo é resultado de uma longa acumulação de mutações e evolução das espécies, isto é, na visão dos autores representantes desta corrente antropológica, tal como as espécies animais evoluem, as culturas também evoluem com o tempo. As culturas evoluem através de mutações, interagindo ou não com o meio exterior. Etward Taylor, Lewis Morgan e Herbert Spencer são alguns dos autores associados ao evolucionismo oficial e as suas teorias consituiram-se como uma tentativa de formalizar o pensamento antropológico com linhas científicas modeladas conforme a teoria biológica da evolução, ou seja, se os organismos podem se desenvolver com o passar do tempo com leis compreensíveis e deterministas, parece então razoável que sociedades também o possam. Assim sendo, para MELLO, as principais caracterísiticas do evolucionismo resumem-se em: I.
Vastidão do objecto: o objecto do evolucionismo é
tão vasto que se confude com o da Antropologia no geral, pois, abrange a cultura como um todo ligado à espécie humana. O evolucionismo não trata sobre manifestações culturais de um povo particular, mas diz respeito à cultura como um património comum a toda a humanidade, procurando explicar os aspectos culturais comuns aos povos.
Antropologia Cultural de Moçambique
II. Factor
tempo:
o
evolucionismo
levou
40
em
consideração o factor cronológico, tendo criado uma temporização nova designada “ tempo cultural” por meio do qual são caracterizados os estádios de cultura vividos pelos povos, daí resulta a utilização do conceito “ paralelismo cultural ” que assenta no pressuposto de que tanto os povos primitivos como os civilizados têm uma origem cultural simultânea, diferindo no facto de os povos primitivos terem-se retardo na evolução cultural devido ao facto de se terem apegado aos valores e tradições do passado. III. Uso do método comparativo: o evolucionismo faz
interpretações das instituições do passado através da reconstrução do próprio passado, por intermédio do método comparativo, explicando o desconhecido por aquilo que se conhece. IV. Introdução de novos temas
e conceitos: os
principais temas abordados pelo evolucionismo são a religião e a família e em qualquer destes temas a preocupação é explicar que a cultura obedece a uma evolução universal, isto é, que a cultura surgiu simultaneamente em todas as partes. O evolucionismo teve o seu mérito de trazer para a Antropologia uma série de neologismo que enriqueceu o quadro conceptual desta disciplina e que até hoje se mantém actualizado, por exemplo, o conceito de cultura, religião, patriarcado, magia, clã, tribo, incesto, totem, matriarcado, parentesco, evolução cultural, etc.
Antropologia Cultural de Moçambique
41
Sumário O evolucionismo foi influenciado pelo darwinismo e pela teoria da evolução das espécies. Esta escola ou corrente antropológica afirma que a espécie humana evolui lentamente e que se podem classificar todas as sociedades existentes em função do estádio de desenvolvimento alcançado. As principais caracterísiticas do evolucionismo resumem-se em: vastidão do objecto, factor tempo, uso do método comparativo e a introdução de novos temas e conceitos.
Exercícios 1. Quem são os representantes desta corrente antropolóigca. 2. Debruce-se sobre as principais características
Auto-avaliação
do evolucionismo. 3. Em linhas gerais, qual é a ideia central desta corrente antropológica.
Bibliografia básica DE MELLO, Luiz Gonzaga. Antropologia cultural, pgs 220277.
MARCONI, Marina de Andrade; PRESOTTO, Zélia Maria Neves. Antropologia: uma introdução. 6ª ed., São Paulo: Atlas, 2006. TOMÁS, Adelino Esteves. Manual de Antropologia SócioCultural . Universidade Pedagogica Sagrada Família, sd.
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ERICKENS, Thomas Hylland. NIELSEN, Fin Sivert. História da Antropologia. 4ª ed. Editora Vozes, Petrópolis, R J, 2010.
GONÇALVES,
António
Custódio.
Trajectórias
do
Pensamento Antropológico. Universidade Aberta, 2002.
SANTOS, Armindo dos. Antropologia Geral: etnografia, Etnologia,
Antropologia
Socal. Universiadade
Aberta,
2002.pgs. 123-170. COLLEYN, Jean-Paul. Elementos de Antroplogia Social e Cultural . Edições 70, Lisboa, 2005.
LARAIA,
Roque
de
Barros.
Cultura:
um
conceito
antropológico. 14ª ed., Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro,
2001.
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Lição n˚ 3 As correntes do pensamento antropológico: o difusionismo
Introdução Nesta lição faremos abordagem de uma outra corrente que influenciou o pensamento antropológico: o difusionismo. Ao completer esta lição, você será capaz de:
Identificar
os
principais expoentes desta
corrente
antropológica.
Objectivos
Descrever o difusionismo mencionando as suas principais características.
Diferenciar as três escolas que sustentam a corrente
difusionista.
Difusionismo, historicismo, difusão cultural, difusionismo inglês, difusionismo alemão, difusionismo americano. Terminologia
Antropologia Cultural de Moçambique
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O difusionismo, também conhecido por historicismo, opunhase à corrente evolucionista partindo da ideia segundo a qual, na história da humanidade, as verdadeiras inovações são em número reduzido e propagam-se a partir de centros culturais, ou seja, sustenta que as inovações são iniciadas numa cultura específica, para só então serem difundidas de várias maneiras a partir desse ponto inicial. É evidente que existe a difusão cultural: o nosso alfabeto veio dos fenícios, os nossos algarismos são árabes, o cristianismo veio do Médio Oriente, etc. A influência da escola difusionista foi, porém, efémera por causa dos exageros de alguns dos seus promotores, que faziam da difusão o factor único da evolução das sociedades. Os principais autores difusionistas são alemães ou austríacos (o padre Schmidt, 1868 – 1954; F. Graebner, 1877-1934; L. Frobenius, 1873 -1938), mas houve também um “hiperdifusionismo” inglês com G. Elliot-Smith (18711937) e o seu discípulo W. J. Perry. Os difusionistas tinham tendência para ignorar o fenómeno de convergência que faz com que uma mesma instituição ou um mesmo traço cultural se encontre em civilizações diferentes, sem que haja uma origem comum. Por exemplo, em todos os sistemas económicos de auto-subsistência em que o parantesco é importante, o estatuto de um homem será menos avaliado pelo número e raridade de bens que possui, do que pelo número maior ou menor de parentes dedicados com que pode contar. Características importantes podem ser historicamente produzidas sem que se deva pensar numa origem comum. Se os Maias do Iucatão e os Hindus conheciam o zero, é claro que não houve difusão deste traço entre essas duas culturas.
Antropologia Cultural de Moçambique
45
Actualmente considera-se vã a procura das origens; no que respeita à história remota dos povos sem escrita, só se podem estabelecer algumas referências prudentes; e, sobretudo, um elemento de um sistema social é ininteligível quando extraído do conjunto que o contém e o explica. Há historicamente três linhas de pensamento difusionistas a que chamaremos escolas: a) O difusionismo inglês
ou a
escola inglesa:
defende a difusão como sendo a única causa da expansão e dinâmica cultural, nega a teoria do paralelismo cultual exposta pelo evolucionismo e considera a existência apenas de um centro cultural (difusão heliocentrica), desde o qual todos os traços culturais foram difundidos. Este centro cultural era o Egipto Antigo. Os principais proponentes dessa teoria foram Grafton Elliot Smith (1871-1937) e William James Perry (1887 -1949), ambos estudaram o Egipto Antigo intensamente, resultando na sua crença que o Egipto era o único centro cultural. As teorias destes pensadores passaram a ser designadas de panegiptismo b) O difusionismo alemão ou escola alemã: os seus
fundadores são Father Wilhelm Schmidt e Fritz Graebener, os quais defenderam a teoria dos círculos culturais de difusão que surgiram em
determinados espaçoes e épocas e daí se difundiram. Estes teóricos acreditavam que o progresso da difusão seria a via mais eficiente para o avanço da civilização e advogavam a necessidade de fortalecer os contactos dos povos menos civilizados com os círculos culturais. O que em certo modo procurava legitimar a exploração colonial da Europa pelo mundo. O difusionismo é importante ainda hoje. O conceito de
Antropologia Cultural de Moçambique
46
difusionismo explicaa como alguns traços culturais adquiridos e difundidos. c) O difusionismo americano ou escola americana.
Considerou as culturas particulares como sendo o principal campo de estudo da Antropologia. Segundo Franz Boas, a cultura é tão complexa que não permite um levantamento histórico de carácter universal. A antropologia deve centrar os seus estudos em pequenas comunidades culturais, nomeadamente clãs, tribos, castas e outras formas primitivas de organização social. Acrescenta Boas que a difusão não é um processo linear e mecânico, mas pressupõe uma elaboração complexa por parte dos povos que apreende certos traços culturais. Considera que para a compreensão das culturas é importante o seu levantamento histórico, pois o facto de determinados traços culturais terem origem diversas condiciona a compreensão da cultura, ou seja, precisa-se conhecer a história de uma dada cultura para compreender a cultura em si. Em síntese, o difusionismo ajuda a explicar a aculturação, mas não é a capaz de explicar todos os aspectos culturais como os primeiros difusionistas acreditavam. Existem exemplos de culturas em contactos próximos, mas que não partilham muitos traços. Por isso, o difusionismo aparece como uma corrente problemática por várias razões. Primeiro, é difícil demonstrar que uma inovação teve um ponto de partida único. Segundo, muitas invenções e ideias culturais podem ter sido descobertas ou ter evoluído isoladamente. Terceiro, as adaptações às necessidades humanas sociais podem facilmente ter tomado formas similares em diversas culturas, caso tenham sido as melhores soluções possíveis para problemas similares. Por exemplo, o aparecimento de
Antropologia Cultural de Moçambique
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pirâmides no Egipto e na América Central se que, até hoje, nada tenha provado que a técnica de edificação de pirâmides se tenha difundido do Egipto à America Central, o mesmo se pode afirmar em relação ao fogo que já era utilizado pelos índios americanos e pelos africanos sem que estes povos tenham tido contacto algum no passado.
Sumário O difusionismo, também conhecido por historicismo, opunhase à corrente evolucionista. O difusionismo sustenta que as inovações são iniciadas numa cultura específica, para só então serem difundidas de várias maneiras a partir desse ponto inicial. Há historicamente três linhas de pensamento difusionistas a saber: a) o difusionismo inglês que defende a difusão como sendo a única causa da expansão e dinâmica cultural; b) o difusionismo alemão que defendia a teoria dos círculos culturais de difusão.
Os defensores acreditavam
que o progresso da difusão seria a via mais eficiente para o avanço da civilização e advogavam a necessidade de fortalecer os contactos dos povos menos civilizados com os círculos
culturais
e;
c)
o
difusionismo
americano
representadopor Franz Boas que sutenta que a difusão não é um processo linear e mecânico, mas pressupõe uma elaboração complexa por parte dos povos que apreende certos traços culturais.
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Exercícios
Auto-avaliação
1. Identifique as três escolas de pensamento antropológico que podemos encontrar na corrente difusionista. 2. Debruce-se sobre o difusionismo, não se esquecendo de olhar para a principal ideia defendida por esta correne antropológica. 3. “as inovações são iniciadas numa cultura específi ca, para só então serem difundidas de várias maneiras a partir desse ponto inicial”
a. Concordas? Justifique..
Bibliografia Básica
DE MELLO, Luiz Gonzaga. Antropologia cultural, pgs 220277.
MARCONI, Marina de Andrade; PRESOTTO, Zélia Maria Neves. Antropologia: uma introdução. 6ª ed., São Paulo: Atlas, 2006. TOMÁS, Adelino Esteves. Manual de Antropologia SócioCultural . Universidade Pedagogica Sagrada Família, sd.
ERICKENS, Thomas Hylland. NIELSEN, Fin Sivert. História da Antropologia. 4ª ed. Editora Vozes, Petrópolis, R J, 2010.
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do
Pensamento Antropológico. Universidade Aberta, 2002.
SANTOS, Armindo dos. Antropologia Geral: etnografia, Etnologia,
Antropologia
Socal. Universiadade
Aberta,
2002.pgs. 123-170. COLLEYN, Jean-Paul. Elementos de Antroplogia Social e Cultural . Edições 70, Lisboa, 2005.
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Cultura:
um
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conceito
antropológico. 14ª ed., Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro,
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Lição n˚ 4 As correntes do pensamento antropológico: o funcionalismo
Introdução Dando continuação ao que vimos nas lições anteriores, nesta
lição,
discuteremos
a
corrente
antropológica
funcionalista. Ao completer esta lição, você será capaz de:
Distinguir as duas escolas do pensamento funcionalista;
Identificar
Objectivos
os
principais expoentes desta
corrente
antropológica.
Descrever o
funcionalismo mencionando as
suas
principais características.
Funcionalismo, função, instituição, estrutura, organização, indivíduo, estatuto, normas e sanções, necessidades, significado, função social. Terminologia
Antropologia Cultural de Moçambique
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O funcionalismo opõe-se ao evolucionismo e ao difusionismo priviligiando, já não uma abordagem diacrónica (ao longo do tempo), mas sim uma abordagem sincrónica da sociedade. Trata-se de compreender como funciona uma sociedade. Para isso, o conhecimento da sua história pode ser útil, mas não necessário. Para se compreender como funciona uma língua, estuda-se a gramática, a fonética, a fonologia, etc.; mas não é necessário estudar a história das palavras. Dois são
os
pólos
mais
salientes
do
funcionalismo:
o
funcionalismo de Bronislaw Malinowski e o funcionalismo de Radcliffe-Brown.
A. O Funcionalsimo de Bronislaw Malinowski
Bronislaw Malinowski foi um dos expoentes da antropologia funcionalista britânica da primeira metade do século XX. Para ele, devido à influência de Wilhelm Wundt, cada sociedade deveria ser estudada como um “todo”, como um organismo possuidor de uma lógica interna e singular, subdividido através de de uma complexa rede de relações entre os indivíduos. Ele também acreditava que a análise antropológica deveria se realizar de forma sincrônica, imediata e levando em conta os factores sociais, psicológicos e biológicos dos nativos. Para compreender a complexidade social das diferentes sociedades o funcionalismo de Malinowski, conhecido como biopsicológico, defende que as instituições sociais têm como
função satisfazer as necessidades biológicas dos indivíduos. Ou seja, segundo a definição de Laplantine (2003), cada pessoa possui um conjunto de precisões, cabendo a cultura desenvolver
diferentes
maneiras
de
resolver
essas
necessidades, de forma colectiva, através das instituições.
Antropologia Cultural de Moçambique
53
No livro Uma Teoria Científica da Cultura, Malinowski (1970) afirma que a cultura representa a totalidade social, o conjunto de todas as instituições, um “ambiente artificial”, uma forma de resolver as necessidades humanas. O mesmo define função como uma acção colectiva responsável por satisfazer uma necessidade (fome, procriação, protecção, etc.). Mas, para que isso ocorra, é preciso que haja cooperação, organização entre os indíviduos. A organização, por sua vez, precisa de um arranjo, de uma estrutura bem definida, a qual se chama instituição. Para que uma instituição possa existir, um conjunto de valores tradicionais que dizem respeito a essa instituição necessita ser aceite pela colectividade, bem como é necessário que haja uma relação entre as pessoas e com o ambiente físico e com a cultura. Para o autor há um conjunto de elementos que caracterizam a instituição, a saber: O Pessoal: pois toda a instituição funciona graças aos
indivíduos que a compõem cada um dos quais realizando uma função determinada. O Estatuto: éparao autor a posição que cada indivíduo
ocupará na instituição e em função da qual espera um certo reconhecimento por parte dos outros integrantes da instituição. A Função: é justamente o papel que cada indivíduo irá
desempenhar na instituição, isto é, o conjunto de expectativas que os membros da instituição têm para com cada um dos seus membros. As normas e sanções: Malinowski observa que qualquer
instituição só cumpre os propósitos para os quais ffoi criada se cada membro do grupo cumprir as suas funções, isto é, se obedecer as normas da instituição. Observa ainda que fazer cumprir essas funções, o grupo institui um conjunto de
Antropologia Cultural de Moçambique
54
sanções ou de recompensas que orientam as actuações dos seus membros. A satisfação de necessidades: Malinowski observa que
qualquer instituição só cumpre os propósitos para os quais foi criada se cada membro do grupo cumprir as suas funções, isto é, se obedecer as normas da instituição. Observa ainda que para fazer cumprir essas funções, o grupo institui um conjunto de sanções ou de recompensas que orientam as actuações dos seus membros. O pesquisador da área de antropologia, na visão de Malinowski, dentro da perspectiva funcionalista, deve observar cada detalhe da cultura estudada, por mais simples que possa parecer, a fim de reconstruir de forma precisa a lógica daquela cultura. Por isso, é importante a observação participante, uma metodologia desenvolvida por Malinowski,
resultante do aperfeiçoamento do trabalho de campo, onde o observador convive durante um longo período com a colecctividade por ele estudada, participando de todas as actividades, do dia-a-dia, no intuito de apreender toda a complexidade da cultura.
B. O Funcionalismo de Radcliffe-Brown
Alfred Reginald Radcliffe-Brown (1881-1995) foi discípulo de Malinowski, os seus estudos centram-se nos conceitos de estrutura e função em que apela para a analogia com os
organismos vivos. A estrutura deve ser entendida como uma série de relações entre entidades. Assim, como a estrutura da célula realiza um sem-número de relações entre moléculas complexas, a estrutura da sociedade também o faz em relação às várias partes que a compõem, cada uma das quais cumprindo uma função específica.
Antropologia Cultural de Moçambique
Radcliffe-Brown antropológica
fundou
uma
conhecida
como
abordagem
55
teórico-
estruturo-funcionalismo.
Cada sociedade estudada era considerada como uma “totalidade”, como um organismo cujas partes eram integradas e funcionavam de um modo mecânico para manter a estabilidade social. Como estruturo-funcionalista, as preocupações de Radcliffe-Brown estavam ligadas à descoberta de princípios comuns entre as diversas estruturas sociais, o significado dos rituais, dos tabus e mitos e suas funções exercidas na manutenção da sociedade. Radcliffe-Brown introduziu dois conceitos básicos na literatura antropológica: significado e função social . Segundo o autor, para compreender um determinado ritual é necessário, inicialmente, encontrar seu significado, isto é, os sentimentos que ele expressa e as razões que os nativos apontam, para em seguida identificar sua função social naquilo que é importante para assegurar a coesão social necessária para a subsistência do grupo. O
sistema
de
parantesco
foi
um
dos
elementos
fundamentais de sua análise. Considerava-o, mesmo, como elemento fundamental para a compreensão da organização social em sociedades de pequena escala, já que expressava um sistema jurídico de normas e regras que impõem direitos e deveres.
Sumário A escola antropológica inglesa da primeira metade do século XX se dividiu praticamente entre grupos encabeçados por dois antropólogos: Malinowski e Radcliffe-Brown. Apesar de ambos
serem
adeptos
do
funcionalismo,
existem
especificidades que definiam cada um. A ideia de função do
Antropologia Cultural de Moçambique
56
primeiro, que recebeu influência de Wilhem Wundt, estava relacionada à satisfação de necessidades individuais enquanto o segundo, o seguidor de Durkheim, acreditava que a função existe independente dos “actores individuais”, estando ligada à manutenção da vida social, das redes de conexões entre pessoas. As concepções também eram diferentes no sentido de que, para Malinowski, o indivíduo era responsável pela existência das instituições da sociedade, sendo o “motor” que fazia que as mesmas se movimentassem, mas, para Radcliffe-Brown, as instituições e a estrutura social eram autónomas com relação ao indivíduo, que apenas possuía um papel secundário, sendo mais importante o estudo da estrutura.
Exercícios 1. Qual é a ideia principal defendida pelos funcionalistas. 2. Quem são os principais expoentes desta corrente do pensamento antropológico.
Auto-avaliação
3. Identifique as duas variantes do funcionalismo e os seus representantes oficiais. 4. Qual é a relação que existe entre o funcionalismo de Malinowski e o de Radclife-Brown.
Bibligrafia básica
DE MELLO, Luiz Gonzaga. Antropologia cultural, pgs 220277.
MARCONI, Marina de Andrade; PRESOTTO, Zélia Maria Neves. Antropologia: uma introdução. 6ª ed., São Paulo: Atlas, 2006.
Antropologia Cultural de Moçambique
57
TOMÁS, Adelino Esteves. Manual de Antropologia SócioCultural . Universidade Pedagogica Sagrada Família, sd.
ERICKENS, Thomas Hylland. NIELSEN, Fin Sivert. História da Antropologia. 4ª ed. Editora Vozes, Petrópolis, R J, 2010.
GONÇALVES,
António
Custódio.
Trajectórias
do
Pensamento Antropológico. Universidade Aberta, 2002.
SANTOS, Armindo dos. Antropologia Geral: etnografia, Etnologia,
Antropologia
Socal. Universiadade
Aberta,
2002.pgs. 123-170. COLLEYN, Jean-Paul. Elementos de Antroplogia Social e Cultural . Edições 70, Lisboa, 2005.
LARAIA,
Roque
de
Barros.
Cultura:
um
conceito
antropológico. 14ª ed., Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro,
2001.
Antropologia Cultural de Moçambique
58
Lição n˚ 5 As correntes do pensamento antropológico: o estruturalismo
Introdução Nesta lição vamos falar do estruturalismo. É mais uma corrente antropológica que influenciou no desenvolvimento do pensamento antropológico.
Ao completer esta lição, você será capaz de:
Objectivos
Terminologia
Identificar os principais expoentes desta corrente antropológica. Descrever de forma pormenorizada as principais ideias do estruturalismo enquanto corrente antropológica.
Estruturalismo, estrutura, culturas quentes, culturas frias.
Antropologia Cultural de Moçambique
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O termo estruturalismo procede do substantivo “ estrutura”, e entende-se por estrutura a maneira pela qual as partes de um todo estão dispostas entre si, oferecendo um carácter de sistema em que a modificação de um dos elementos que a compõe acarreta a modificação do todo. A estrutura é um sistema de transformações que têm leis próprias pela facto de ser um sistema. C. Lévi-Strauss foi sem dúvida nos anos sessenta o grande representante do estruturalismo em antropologia. O autor, inspirou-se no método de análise estruturalista, inaugurado em linguística por Ferdinand Saussure (1916) e sobretudo à imensa influência exercida, em particular, por Jakobson, linguista
americano,
aplicou-o
sistematicamente
em
antropologia. Para Lévi-Strauss o próprio estruturalismo deve analisar a cultura como um todo, sem a preocupação com os seus fundamentos individuais, pois é na sociedade e não no indivíduo que se hão-de encontrar as posições essenciais aos indivíduos, aos grupos e às instituições, que são os elementos que perfazem a cultura. Para Lévi-Strauss, as estruturas mentais inconscientes são universais e estão por detrás de todas as culturas, sendo elas as responsáveis pelas diferenças entre culturas particulares. Lévi-Strauss chama à atenção para a existência de “ culturas frias” e “cultura quentes”. As culturas frias estão estaganadas na história, com uma sabedoria particular que as incita desesperadamente a resistir a qualquer mudança em sua estrutura, preservando o seu ser. São frias porque o seu interior está próximo do zero da temperatura histórica, funcionam mecanicamente e são pouco tolerantes às mudanças e alterações da sua estrutura. Vivem de dogmas, tabus, interdições e tradições sagradas e arcaicas,
Antropologia Cultural de Moçambique
60
estabelecidos de uma vez para sempre. Podem ser consideradas culturas frias, as culturas dos povos africanos, índios, melanésios, árabes, hindus, etc. As culturas quentes são contigentes, isto é, mudam historicamente, apresentando uma estrutura sucessivamente alterável em função das necessidades e exigências da sociedade. As culturas quentes estão mais distantes do zero do termómetro histórico e incluem as dos povos da Europa ocidental, da América do Norte e de outras latitudes. Segundo Lévi-Strauss, a cultura corrompe as estruturas elementares da mente, sobretudo por parte das sociedades complexas com culturas quentes onde as mudanças constantes dos hábitos, dos valores e das tradições sujeitam as estruturas mentais inconscientes dos indivíduos à racionalização das suas actuações, provocando uma corrupção das suas estruturas mentais.
Sumário C. Lévi-Strauss foi sem dúvida nos anos sessenta o grande representante do estruturalismo em antropologia. Para LéviStrauss o estruturalismo deve analisar a cultura como um todo, sem a preocupação com os seus fundamentos individuais, pois é na sociedade e não no indivíduo que se hão-de encontrar as posições essenciais aos indivíduos, aos grupos e às instituições, que são os elementos que perfazem a cultura. Lévi-Strauss chama à atenção para a existência de “ culturas frias” e “cultura quentes”. Se, por um lado, as culturas frias estão estaganadas na história, por outro lado, as culturas quentes são contigentes, isto é, mudam
historicamente,
apresentando
uma
estrutura
Antropologia Cultural Antropologia Cultural de Moçambique
61
sucessivamente alterável em função das necessidades e exigências da sociedade.
Exercícios 1. O que que entende entende por estruturalismo. 2. Identifique o principal proponente proponente desta desta corrente do Auto-avaliação
pensamento antropológico. 3. Demonstre que que as culturas frias são diferentes das culturas quentes.
Bibliografia básica
TOMÁS, Adelino Esteves. Manual de Antropologia SócioCultural . Universidade Pedagogica Sagrada Família, sd.
SANTOS, Armindo dos. Antropologia Geral: etnografia, Etnologia,
Antropologia
2002.pgs. 123-170.
Socal. Universiadade
Aberta,
Antropologia Cultural Antropologia Cultural de Moçambique
63
Unidade III A cultura e as culturas Introdução
Esta unidade irá debruçar-se sobre a cultura e as culturas. Far-se-á um estudo sobre o conceito antropológico de cultura, os elementos da cultura, as caracteríricas da cultura, o dinamismo cultural e os processos do dinamismo cultural, os factores da cultura e as origens da cultura moçambicana.
Ao completer esta unidade, você você será capaz de:
Objectivos
Definir o conceito antropológico de cultura;
Identificar os elementos que corporizam a cultura;
Caracterizar a cultura;
Explicar os processos do dinamismo cultural;
Distinguir o relativismo cultural do etnocentrismo.
Descrever as raízes da cultura moçambicana.
Cultura, Terminologia
enculturação,
aculturação,
inculturação,
desculturação, relativismo cultural, etnocentrimo.
Antropologia Cultural de Moçambique
64
Lição n˚ 1 O conceito antropológico de cultura Introdução Esta lição vai abordar a questão do conceito de cultura. Porém, será tratado a nível antropológico, é por isso que se fala do conceito antropológico de cultura. Ao completer esta lição, você será capaz de:
Objectivos
Definir o conceito antropológico de cultura. Compreender o conceito de cultura na perspectiva antropológica;
Terminologia
Cultura, antropologia, saberes, povo..
Antropologia Cultural de Moçambique
65
Uma vez compreendida a Antropologia como ciência social e as fases que percorreu a nível teórico para que seja o que é hoje, podemos agora tentar compreender o conceito de cultura.
A literatura antropológica sugere-nos que a palavra cultura é de origem latina. Deriva do verbo colere (cultivar ou instruir) e do substantivo cultus (cultivo, instrução). Etimologicamente tem muitoa ver com o ambiente agrário, com o costume de trabalhar a terra para que ela possaproduzir e dar frutos. Ainda hoje se costuma usar a palavra cultura para designar o desenvolvimentoda pessoa humana por meio da educação e da instrução. Disso vêm ostermos culto e inculto, usados no jargão popular com uma carga de preconceito e dediscriminação, considerando uma cultura (especialmente a letrada) superior às outras.Porém, não existem grupos humanos sem cultura e não existe um só indivíduo que não seja portador de cultura. A cultura, pois, é um termo vasto e complexo, englobando vários aspectos da vida dos grupos humanos. Não existe ainda um consenso entre antropólogos acerca do que seja a cultura. Afirma-se que existem mais de 160 definições de cultura. (MARCONI; PRESOTTO, 2006). Por via disso, não se fala apenas de cultura, mas de culturas. Por causa dessa pluralidade
das
culturas,
tornou-se
difícil,
segundo
Laplantine, dar uma definição que seja absolutamente satisfatória da cultura. O exemplo disto é quando, Kroeber, um dos mestres da Antropologia americana, conseguiu apresentar 50 definições diversas de cultura. Tylor foi o primeiro a formular um conceito de cultura. Para ele essa “é aquele todo complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os
Antropologia Cultural de Moçambique
66
outros hábitos e aptidões adquiridos pelo homem como membro da sociedade”. Poreríamos então afirmar que a cultura, não é nada mais, nada menos, que o conjunto de saberes
(axiológicos,
estéticos,
técnicos,
teológicos,
epistemológicos, etc.) característicos de um determinado grupo humano ou de uma sociedade, ou seja, o conjunto de comportamentos, saberes-fazeres adquiridas através de aprendizagem e transmitidas ao conjunto de seus membros. A cultura inclui comportamentos, conhecimentos, crenças, arte,
moral,
leis,costumes,
hábitos,
aptidões,
tanto
adquiridos como herdados.
A cultura não é uma herança genética, mas o resultado da inserção do ser humano em determinados contextos sociais. É a adaptação da pessoa aos diferentesambientes pelos quais passa e vive. Através da cultura o ser humano é capaz de vencerobstáculos, superar situações complicadas e modificar o seu habitat, embora talmodificação nem sempre seja a mais favorável para a humanidade, como podemosperceber actualmente. Desse modo a cultura pode ser definida como algo adquirido,aprendido e também acumulativo, resultante da experiência de várias gerações. Porém,enquanto aprendiz o ser humano pode sempre criar, inventar, mudar. Ele não éum simples receptor, mas também um criador de cultura. Por isso a cultura está sempre em processo de mudança. Em muitos casos pode até ser modificada com muitarapidez e violência, dependendo dos processos a que for submetida. Desta forma o serhumano não é somente o produto da cultura, mas, igualmente, produtor de cultura (LARAIA, 2001).
Antropologia Cultural de Moçambique
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Sumário A literatura antropológica sugere-nos que a palavra cultura é de origem latina. Deriva do verbo colere (cultivar ou instruir) e do substantivo cultus (cultivo, instrução). Etimologicamente tem muito a ver com o ambiente agrário, com o costume de trabalhar a terra para que ela possa produzir e dar frutos. Não existe ainda um consenso entre antropólogos acerca do que seja a cultura. Afirma-se que existem mais de 160 definições de cultura. Por via disso, não se fala apenas de cultura, mas de culturas. A cultura, não é nada mais, nada menos, que o conjunto de saberes (axiológicos, estéticos, técnicos, teológicos, epistemológicos, etc.) característicos de um determinado grupo humano ou de uma sociedade, ou seja, o conjunto de comportamentos, saberes-fazeres adquiridas através de aprendizagem e transmitidas ao conjunto de seus membros.
Exercícios 1. Refira-se ao conceito etimológico de cultura? 2. O que entende por cultura, no sentido mais Auto-avaliação
amplo. 3. Quem foi o primeiro antropólogo que definiu o conceito de cultura.
Antropologia Cultural de Moçambique
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Bibliografia básica MASSENZIO, Marcello. A história das religiões na cultura moderna. São Paulo: Hedra, 2005.
MARCONI, Marina de Andrade; PRESOTTO, Zélia Maria Neves. Antropologia: uma introdução. 6ª ed., São Paulo: Atlas, 2006. MARTINEZ, Francisco Lerma. Antropologia Cultural: guia para estudo.Paulinas Editorial, 5ª edição, Maputo, 2007.
SANTOS, Armindo dos. Antropologia Geral: etnografia, Etnologia, Antropologia Socal. Universiadade Aberta, 2002.
LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. São Paulo, Brasiliense, 2003. LARAIA,
Roque
de
Barros.
Cultura:
um
conceito
antropológico. 14ª ed., Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro,
2001.
Antropologia Cultural de Moçambique
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Lição n˚ 2 Elementos da Cultura Introdução Na lição anterior fizemos referência ao facto de a cultura ser algo complexo que inclui um conjunto de saberes que dizem respeito a uma determinada sociedade ou grupo humano. Nesta lição, faremos referência aos elementos da cultura.
Ao completer esta lição, você será capaz de:
Identificar os elementos que constituem a cultura;
Definir cada um dos elementos que constituem a cultura;
Compreender a essência da cultura;
Classificar a cultura;
Objectivos
ideias,
crença,
comportamentos, Terminologia
valores, abstracção
normas, do
atitudes
ou
comportamento,
instituições, técnicas, artefactos, cultura material, cultura imaterial, cultura ideal, símbolo.
Antropologia Cultural de Moçambique
70
Na lição anterior fizemos referência ao facto de a cultura ser algo complexo que inclui um conjunto de saberes que dizem respeito a uma determinada sociedade ou grupo humano. Nesta lição, faremos referência aos elementos que corporizam a cultura, pois, ela não é um simples emaranhado de costumes e normas soltas na sociedade. Assim, de acordo com MARCONI e PRESOTTO (2006), constituem-se como elementos da cultura: as ideias, a crença,
os
valores,
as
normas,
as
atitudes
ou
comportamentos, a abstracção do comportamento, as instituições, as técnicas e os artefactos.
As ideias são os conhecimentos, os saberes e as filosofias de vida. A crença que consiste em tudo aquilo que se crê ou se acredita em comum. Os valores , ou seja, a ideologia e a moral que determinam o que é bom e o que é ruim. As normas que englobam tanto as leis, os códigos, como os
costumes, aquilo que se faz por tradição. As atitudes ou comportamentos ,isto
é,
maneiras
de
cultivar
os
relacionamentos com as pessoas do mesmogrupo e com aquelas que pertencem a grupos diferentes. A abs tração do comportamento ,a qual consiste nos símbolos e nos
compromissos colectivos. As instituições quefuncionam como uma espécie de controle dos comportamentos, indicando valores,normas e crenças. As técnicas ou artes e habilidades desenvolvidas coletivamente. Os artefatos que são os instrumentos e utensílios usados para aperfeiçoar as técnicas e osmodos de vida. Assim, podemos então afirmar que a essência da cultura está basicamente em três elementos : as ideias, as abstracções e os comportamentos.
As ideias são concepções mentais das coisas concretas ou abstractas.
As
abstracções
são
a
capacidade
de
Antropologia Cultural de Moçambique
71
contemplaras ideias e traduzi-las em sinais e símbolos. Os comportamentos são
os modosde agir dos grupos
humanos, a partir das ideias e das abstracções. Portanto, é possível concluir que a cultura “consiste em uma série de coisas reais que podemser observáveis, ser examinadas num contexto extra-somático”, Enquanto coisas reais e observáveis, a cultura pode ser classificada em três tipos:
i.
C ultura material, quando ela é formada por coisas ou
objetos materiais, desde os machadosde pedra das antigas
civilizações
até
os
moderníssimos
computadores; ii.
culturaimaterialtambém chamada de não material ou
espiritual, quando não tem substância material,mas, assim mesmo, é algo real, como no caso das crenças, dos hábitos e dos valores; iii.
cultura ideal, aquela que é apresentada verbalmente
como sendo a perfeitapara um determinado grupo, mas que nem sempre é praticada. Pode-se tomar comoexemplo disso a cultura religiosa, a qual nem sempre é assumida integralmente pelosque se dizem adeptos dela. Normalmente numa cultura os conhecimentos são mais de ordem prática, ligados à questão da sobrevivência. Todavia o conhecimento engloba também a organizaçãosocial, as estruturas sociais, os costumes, as crenças, bem como as técnicas de trabalho e os conhecimentos acadêmicos. Por crença entende-se “a aceitação comoverdadeira de uma proposição comprovada ou não cientificamente. Consiste em umaatitude mental do indivíduo, que serve de base à acção voluntária. Embora intelectual,possui conotação emocional” .
Antropologia Cultural de Moçambique
Segundo
MASSENZIO
(2005)
as
72
crenças“são
representações coletivas que definem a natureza das coisas sagradas e profanas”. Os antropólogos costumam classificar as crenças em três categorias : A . pes s oais , isto é, aquelas que são aceitas por cada
indivíduo, independentemente das crençasdo seu grupo; B . declaradas , ou seja, aquelas quesão aceitas, pelo menos
em
público,
com
a
finalidade
apenas
de
evitar
constrangimentos;nas sociedades contemporâneas poderia ser exemplo disso a crença na igualdade entre as pessoas, especialmente entre homem e mulher; C. públicas são aquelas crenças aceitas e declaradascomo
crenças comuns. Exemplo disso é a crença na ressurreição por parte dos cristãose na reencarnação por parte dos espíritas. Existem antropólogos que falam decrenças científicas (que podem ser comprovadas), supersticiosas (fruto do medo) eextravagantes (quando fogem do comum e do que é considerando normal, como é ocaso da crença de que pode acontecer alguma coisa numa sexta-feira, dia 13 do mês). Dentro da cultura os valores são muito importantes. Eles são definidos pelos antropólogos como sendo “objetos e situações
consideradas
boas,
desejáveis,
apropriadas,importantes, ou seja, para indicar riqueza, prestígio, poder, crenças, instituições,objetos materiais etc. Além de expressar sentimentos, o valor incentiva e orienta ocomportamento humano”. Já as normas são definidas como “regras que indicamos modos de agir dos indivíduos em determinadas situações”. De um modo geralconsistem “num conjunto de ideias, de convenções referentes àquilo que é próprio do pensar, sentir
Antropologia Cultural de Moçambique
73
e agir em dadas situações”. As normas podem ser ideais (aquelas que os membros do grupo devem praticar) e comportamentais que são aquelasreais, pelas quais, em determinadas situações, os indivíduos fogem das ideais. Exemplos disso são as normas de trânsito. Outro elemento importante para a cultura é o s ímbolo. Símbolos são realidades físicas ou sensoriais às quais os indivíduos que osutilizam lhes atribuem valores ou significados
específicos”.
Normalmente
os
símbolos
costumam representar coisas concretas ou também abstratas.
Sumário A cultura não é um simples emaranhado de costumes e normas soltas na sociedade. Assim, constituem-se como elementos da cultura: as ideias, a crença, os valores, as normas, as atitudes ou comportamentos, a abstracção do comportamento, as instituições, as técnicas e os artefactos. A cultura pode ser classificada em três tipos: cultura material, cultura imaterial e cultura ideal.
Exercícios 1. Identifique os elementos que corporizam a cultura. 2. Debruce-se sobre os elementos da cultura. Auto-avaliação
3. demonstre as diferenças existentes entre cultura material, cultura imaterial e cultura ideal.
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Bibliografia básica
MASSENZIO, Marcello. A história das religiões na cultura moderna. São Paulo: Hedra, 2005.
MARCONI, Marina de Andrade; PRESOTTO, Zélia Maria Neves. Antropologia: uma introdução. 6ª ed., São Paulo: Atlas, 2006. LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. São Paulo, Brasiliense, 2003.
Antropologia Cultural de Moçambique
75
Lição n˚ 3 Características da Cultura Introdução Se na lição anterior discutimos os elementos que constituem a cultura, nesta lição vamos discutir as características principais da cultura.
Ao completer esta lição, você será capaz de:
Indentificar as características da cultura;
Descrever cada uma das características da cultura, dando
Objectivos
exemplos elucidativos;
Terminologia
Relacionar as diferentes características da cultura.
Cultura, selectiva, social, simbólica, determinante, determinada, regional, universal, estável,dinámica.
Antropologia Cultural de Moçambique
76
Na lição anterior destacamos os elementos que corporizam a cultura. Nesta lição vamos falar de algumas características da cultura. Para MARTINEZ (2009) a cultura possui as seguintes caracterísitcas fundamentais. i.
A cultura é simbólica- porque é um conjunto de
significados e valores transmitidos necessariamente através dos símbolos e sinais. A cultura enquanto produção humana compõe um universo simbólico cuja rede de relações e significações lançam o homem num mundo codificado e repleto de referentes não-arbitrários
(porque
estabelecidos
convencionalmente) mas cuja ambivalência (ou mesmo plurivalência) de objectos e significados são constantemente interpretados.Os factos sociais são simbólicos. Desta forma, a cultura é simbólica pois pode ser considerada como um conjunto de sistemas simbólicos, como por exemplo a linguagem, as regras matrimoniais, as relações económicas, a arte, a ciência, a religião, entre outros. ii.
A cultura é social -
visto que não existem
manifestações culturais isoladas. Um indivíduo pode produzir individualmente, mas essa produção passa a ter significado pelo e para o grupo quando passa a ser uma produção significativa para esse grupo. Por causa do seu carácter simbólico, ela é transmitida e comunicada.
Os
hábitos,
os
costumes,
a
padronização do comportamento são processos sociais pertencentes ao grupo e não ao indivíduo. iii.
A cultura é selectiva – ela é um contínuo processo
que implica sempre reformulações. Este processo se acentua na sucessão das gerações, onde alguns
Antropologia Cultural de Moçambique
77
valores são relegados ao esquecimento, e outros novos são integrados, ditando, deste modo, novos padrões de vida diferentes. Entre duas ou mais culturas pode se dar um processo que se inicia com a avaliação de novos elementos, terminando com a aceitação ou rejeição destes na cultura em causa, como por exemplo, a adopção de técnicas avançadas que
implica
necessariamente
um
problema
económico, fazendo com que as técnicas obsoletas sobrevivam ao lado das técnicas avançadas. iv.
A cultura é dinamica e estável – Seu dinamismo se
manifesta no processo de recriação e re-invenção cultural encarando novas mudanças. Trata-se de mundanças que consideramos estruturais, pois é próprio
da
funcionamento
cultura e
o
movimento
crescimento,
interno
de
reformulando-se
constantemente. Neste sentido podemos afirmar que a cultura nunca é a mesma. Ela cresce e se desenvolve como um ser vivo, que se deixar de respirar morre. O funcionamento, o crescimento e as mudanças acontecem em primeiro lugar por forças endógenas. MARTINEZ (2007:51) afirma que “ uma cultura abastracta, estática, repetitiva, sempre igual a sí mesma está chamada a desaparecer ”. Para além
de causas exógenas, existem forças exógenas na cultura que a fazem a mudar e transformar. A cultura é também dinâmica através da acção directa dos próprios membros da sociedade que provocam mudanças conscientes: a cultura experimenta a mudança desejada e consciente. Perante certas situações, os próprios membros da cultura acometem conscientemente as mudanças.
Antropologia Cultural de Moçambique
78
Por sua vez, a estabilidade refere-se à “tradição e a institucionalização de padrões de comportamento ” tendo em conta que tradição não é sinónimo de repetição. A estabilidade cultural leva-nos a reflectir sobre a autenticidade cultural, da originalidade da cultura. Na cultura há sempre algo de estável, que de alguma maneira a protege dos inevitáveis processos de mudança. v.
A cultura é universal e regional. É universal na
medida em que é um fenómeno universal e nunca ter sido constatada a existênciaa de seres desprovidos de cultura. Tendo essa universalidade podemo-nos referir aos aspectos que são comuns a todas as culturas e que denominamos “universais culturais”. Um exemplo elucidativo dos “universais culturais” é que todos os povos sentem as mesmas necessidades de subsistência, de alimentação, de defesa dos perigos da natureza e dos animais, da comunicação com outros seres humanos, da satisfação das apetências sexuais, do respeito, da amizade, da ordem social e outros. É regional não porque seja diferente do fenómeno geral ou da cultura universal mas pelo facto de cada grupo social alimentar seus interesses e tarefas dentro do conjunto cultural próprio, conforme as situações próprias e as suas necessidades particulares. vi.
A
cultura
é
determinante
e
determinada.
É
determinante quando se impõe aos indivíduos e estes pouco podem fazer no sentido de fugir dos padrões da cultura; ela determina o comportamento humano, é
Antropologia Cultural de Moçambique
79
responsável pela padronização do comportamento humano. A cultura é determinada pelo homem, pois ele é o agente activo da própria cultura. As mudanças culturais surgem do esforço adaptativo do homem frente à realidade que o cerca: o domínio do meio ambiente, da sua própria sobrevivência, conforto e satisfação, seja no domínio da estética e da inteligência.
Sumário A cultura possui as seguintes caracterísitcas fundamentais. a)A cultura é simbólica- porque é um conjunto de significados e valores transmitidos necessariamente através dos símbolos e sinais< b) A cultura é social - visto que não existem manifestações culturais isoladas.. Os hábitos, os costumes, a padronização do comportamento são processos sociais pertencentes ao grupo e não ao indivíduo; c) A cultura é selectiva – ela é um contínuo processo que implica sempre reformulações.; d) A cultura é dinamica e estável – Seu dinamismo se manifesta no processo de recriação e reinvenção cultural encarando novas mudanças. Por sua vez, a estabilidade refere-se à “tradição e a institucionalização d e padrões de comportamento” tendo em conta que tradição não é sinónimo de repetição; e) A cultura é universal e regional. É universal na medida em que é um fenómeno universal e nunca ter sido constatada a existênciaa de seres desprovidos de cultura. Tendo essa universalidade podemonos referir aos aspectos que são comuns a todas as culturas e que denominamos “universais culturais. É regional não porque seja diferente do fenómeno geral ou da cultura universal mas pelo facto de cada grupo social alimentar seu s interesses e tarefas dentro do conjunto cultural próprio,
Antropologia Cultural de Moçambique
80
conforme as situações próprias e as suas necessidades particulares; f) A cultura é determinante e determinada. É determinante quando se impõe aos indivíduos e estes pouco podem fazer no sentido de fugir dos padrões da cultura; ela determina o comportamento humano, é responsável pela padronização do comportamento humano. A cultura é determinada pelo homem, pois ele é o agente activo da própria cultura.
Exercícios 1. Identifique as principais características da cultura. 2. A cultura é selectiva. Jusfique afirmação.
Auto-avaliação
a
3. Porque é que se afirma que não existem sociedades sem cultura. 4. Demonstre, de forma argumentativa que a cultura é estável mas também é dinâmica.
Bibliografia Básica BERNARDI, Bernardo. Introdução aos estudos etnoantropológicos.
MARTINEZ, Francisco Lerma. Antropologia Cultural: guia para estudo.Paulinas Editorial, 5ª edição, Maputo, 2007.
SANTOS, Armindo dos. Antropologia Geral: etnografia, Etnologia, Antropologia Socal. Universiadade Aberta, 2002.
Antropologia Cultural de Moçambique
81
LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. São Paulo, Brasiliense, 2003. LARAIA,
Roque
de
Barros.
Cultura:
um
conceito
antropológico. 14ª ed., Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro,
2001.
Antropologia Cultural de Moçambique
83
Lição n˚ 4 O dinamismo cultural e os processos de enculturação, aculturação, desculturação e inculturação. Introdução Nesta lição tratar-se-á exclusivamente dos conceito de enculturação, aculturação, desculturação e inculturação. Ao terminar esta lição, você será capaz de:
Identificar os processos do dinamismo cultural;;
Explicar os processos do dinamismo cultural.;
Relacionar os conceitos de enculturação, aculturação,
Objectivos
inculturação e desculturação..
Terminologia
Enculturação, desculturação, aculturação, inculturação, dinamismo cultural.
Antropologia Cultural de Moçambique
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Como fizemos questão de sublinhar anteriormente, o dinamismo cultural reside na ausência de estaticidade, o que pressupõe que a cultura está em constante mudança, daí que se conclui, com MARTINEZ (2007:59) que a cultura “ não é algo acabado ou definitivo mas sim algo em contínuo aperfeiçoamento”. Nas linhas que seguem, discutiremos os
processos de enculturação, aculturação, desculturação e inculturação que espelham as diversas facetas do dinamismo cultural. Enculturação – a enculturação que também é conhecida
como endoculturação –
de acordo com MARTINEZ
(2003:51), citando BERNARDI, é um processo educativo pelo qual os membros de uma cultura se tornam conscientes e comparticipantes da própria cultura. HERSKOVITS, citado por MARTINEZ (2003: 51), diz que enculturação são os aspectos da experiência de aprendizagem que distinguem o homem das outras criaturas e por meio dos quais, inicialmente, e mais tarde na vida consegue ser competente em sua cultura. É através deste processo que um neonato aprende os caminhos culturais que a sua sociedade espera que ele seja, ou seja, a partir deste processo que se consegue a adaptação à vida social, que o indivíduo se habitua aos modos de vida do seu grupo aprendendo as suas formas de comportamento. Aculturação – a aculturação também conhecida como
transculturação é mais um processo do dinamismo cultural. MARTINEZ (2007:79) afirma que em Psicologia o termo aculturação é usado no sentido que na Antropologia se dá ao processo de enculturação. Em Sociologia é usado no sentido de socialização e na Pedagogia no sentido de educação ou condicionamento. A aculturação teve várias designações provenientes de autores diversos, podendo-se destacar
as
seguintes:
empréstimo
de
culturas,
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disseminação cultural, transmissão cultural em marcha e processo de mistura de culturas. Para Ítalo Slignorelli, a aculturação é um processo que conduz um indivíduo a assumir, em tudo ou em parte, modos de cultura de um outro grupo. Desta definição deve se pressupor o contacto entre duas culturas, resultando influências e transformações mútuas. Este processo constitui um dos factores da dinâmica cultural, pois do contacto enter duas culturas, haverão elementos duma cultura que se irão integrar na outra através de processo de mistura e fusão, surgindo como resultado uma nova síntese cultural e um novo padrão cultural do comportamento. Desculturação – o
termo desculturação deriva de
“descultura”, o que por outras palavras significa “falta de cultura”, porém, não se subentenda que existam indivíduos sem cultura. Trata-se aqui de um nível sintáctico. Com o termo desculturação, referimo-nos aos aspectos negativos da diâmica cultural, isto é, a subtracção e/ou destruição em diverso grau do património cultural. A desculturação pode ser originada por causas internas ou externas. No que concerne às causas internas, podemos dizer que a desculturação é provocada pela perda da energia de uma determinada cultura, que se caracteriza pela redução da forças
dos
indivíduos
e
da
comunidade,
que,
consequentemente, vai eliminando a vitalidade dos traços culturais e, a caída em desuso dos mesmos. No que diz respeito às causas externas podemos notar que a desculturação é provocada pelas crises originadas por contactos culturais, pois, cada novidade que surge em qualquer sector da vida: económico, político, religioso, técnico, traz consigo inevitavelmente uma queda de identidade cultural original.
Antropologia Cultural de Moçambique
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Este fenómeno acontece de maneira imperceptível e lenta, afectando separadamente os traços culturai e assim, vai mudando o estilo de vida de uma comunidade. Inculturação – é uma palavra composta por: in-cultura-ção;
in – significa, dentro de, entrar dentro de alguma coisa, introduzir, interior; mas também pode significar ausência de alguma coisa, negação, incultura. O termo inculturação teve a sua origem no mundo religioso quando os padres da África e da Ásia mostraram que a mensagem evangélica não atingia a essência dos povos. Nestes termos, verificou-se a necessidade de se buscar um conceito que exprimisse um processo que criasse uma ligação entre a mensagem cristã e a cultura, tendo surgido primeiramente o termo encarnação, o qual podia ser usado, por exemplo nos seguintes termos: “ O Evangelho precisa de ser encarnado nas culturas” Simbine Jr (2009:13). Apenas
entre 1974 e 1975 é que o vocábulo inculturação passou a fazer parte do mundo religioso, senso considerado como a “encarnação da vida e da mensagem cristã em uma área cultural concreta”, não num sentido de mera adaptação de
aspectos religiosos na cultura mas sim que essa mensagem cristã seja um elemento activo e dinâmico, proporcionando a transformação e recriação da cultura. Pode-se entender a inculturação como um processo recíproco no qual há introdução de elementos exteriores na cultura e vice-versa como se pode notar na concepção de João Paulo II, segundo a qual a inculturação é o processo pelo qual ocorre a “encarnação do evangelho nas culturas e simultaneamente a introdução dos povos com as suas culturas na comunidade eclesial,
transmitindo-lhes
os
seus
próprios
valores,
assumindo o que há de bom nas culturas e renovando-as a partir de dentro”.
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Sumário A enculturação refere-se ao processo educativo pelo meio do qual os membros de uma cultura se tornam conscientes e comparticipantes
da
própria
cultura.
Aculturação
ou
transculturação é um outro processo do dinamismo cultura. através
Este processo constitui um dos factores da
dinâmica cultural, pois do contacto entre duas culturas, haverão elementos duma cultura que se irão integrar na outra através de processo de mistura e fusão, surgindo como resultado uma nova síntese cultural e um novo padrão cultural
do
comportamento.
Quando
desculturação, referimo-nos a um
falamos
da
aspecto negativo da
diâmica cultural, isto é, a subtracção e/ou destruição em diverso grau do património cultural. A desculturação pode ser originada por causas internas ou externas. Por fim, a inculturação pode ser entendida como um processo recíproco no qual há introdução de elementos exteriores na cultura e vice-versa. O termo surgiu na esfera religiosa para referir todo o esforço de fazer ingrenar o evangelho nuda determinada cultura de modo que possa ser expresso tendo em contas as formas culturais desse povo.
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1. Identifique os processos dinamismo cultural.
do
Exercícios
2. O que justifica o dinamismo cultural?
Auto-avaliação
3. Demontre que a enculturação é diferente da aculturação? 4. Porque é que a desculturação é um aspecto negativo do dinamismo cultural. 5. A existência de bíblias em linguas locais em Moçambique é uma realidade. Com que processo do dinamismo cultural se relaciona este facto.
Bibliografia Básica MARTINEZ, Francisco Lerma. Antropologia Cultural: guia para estudo.Paulinas Editorial, 5ª edição, Maputo, 2007.
SANTOS, Armindo dos. Antropologia Geral: etnografia, Etnologia, Antropologia Socal. Universiadade Aberta, 2002.
LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. São Paulo, Brasiliense, 2003. LARAIA,
Roque
de
Barros.
Cultura:
um
conceito
antropológico. 14ª ed., Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro,
2001.
Antropologia Cultural de Moçambique
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Lição n˚ 5 Os factores da cultura Introdução A cultura não é obra do acaso. Esta lição vai discutir os factores da cultura, ou seja, os elementos que fazem a cultura. Ao completer esta lição, você será capaz de:
Objectivos
Terminologia
Identificar os factores da cultura;
Explicar cada um dos factores da cultura;
Relacionar os factores da cultura.
Antrophos, ethnos, chronos, oikos.
Antropologia Cultural de Moçambique
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Para dar vida à cultura, existem, segundo Bernardo Bernardi (1974), quatro factores que operam constante e universalmente, em todas as suas formas, quer por acção directa quer por efeitos condicionantes:
O antrophos, ou seja o homem na sua realidade
individual e pessoal, o homem como ser biológico, fisico. A relação entre pessoa e cultura é ambivalente: tem sentido activo devido ao contributo que cada pessoa dá à formação da cultura e tem sentido passivo se se considera a cultura como matriz da personalidade. O homem faz a cultura e ao mesmo tempo a cultura faz o homem.
O ethnos, ou seja a comunidade ou povo entendido
como associação estruturada de indivíduos. Os factores sociais, históricos, económicos, políticos, religiosos.
As diferentes instituições sociais são
fautores da cultura e constituem-se como garantes da ordem e tranquilidade social, são elas que influem na selecção
de
normas
e
padrões
sociais
que
corporizam o tecido cultural.
O Oikos Refere-se ao ambiente natural e cósmico
dentro do qual o homem se encontra a actuar. da palavra oikos deriva a palavra ecologia. São os factores naturais, geográficos, ecológicos que influem na cultura. O ambiente, factor da cultura, condiciona a pesar de tudo, a técnica, ou seja toda actividade externa
e
material
do
homem
(utensílios,
possibilidades de alimentação, vestuario, habitação).
O Chronos - equivale ao tempo, condição ao longo
da
qual
em
continuidade
de
sucessão,
se
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desenvolvea actividade humana. A cultura nasce, desenvolve-se e vive no tempo. Acrescenta que um factor por si só não constitui a cultura, mas a acção dos quatro factores é uma constante no processo cultural. Cada acção do indivíduo único, mesmo sendo novo, original ou importante, estaria destinada a perder-se ou apagar-se se não fosse apropriada pela colectividade, articulada num conjunto orgânico e transmitida como parte do patrimônio comum.
Sumário Para dar vida à cultura, existem de acordo com Bernardi, quatro factores fundamentais: o antrophos, o ethnos, o oikos e o chronos. É importante sublinhar que um factor por si só não constitui a cultura, mas a acção dos quatro factores é uma constante no processo cultural.
Exercícios 1. Identifique os quatro factores da cultura na opinião de Bernardi. Auto-avaliação
2. Demonstre como cada um dos factores influencia na construção da cultura.
Bibliografia Básica BERNARDI, Bernardo. Introdução aos estudos etnoantropoloógicos, pgs 289-294.
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Lição n° 6 Etnocentrismo vs Relativismo Cultural Introdução De certeza já ouviu alguém a dizer “o fulano não tem cultura” ou “a cultura dos fulanos” é atrasada. Esta lição vai abordar a questão do etnocentrismo e do relativismo cultural. Os dizeres acima citados relacionam-se com a temática que será discutida nesta lição.
Ao completer esta lição, você será capaz de:
Objectivos
Distinguir o etnocentrismo do relativismo cultural.
Caracterizar o etnocentrismo e o relativismo cultural.
Identificar alguns nomes sonantes que praticaram o etnocentrismo.
Terminologia
Justificar porquê o etnocentrismo não pode ser confudido com o racismo. Explicar a prevalência do etnocentrismo em pleno século XXI.
Etnocentrismo, relativismo cultural, interioridade cultural, racismo.
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O etnocentrismo consiste em considerar ou afirmar que existem culturas boas e culturas ruins. “O etnocentrismo pode ser manifestado no comportamento agressivo ou em atitudes de superioridade e até hostilidade. A discriminação, o proselitismo, a violência, a agressividade verbal são outras formas de expressar o etnocentrismo”. Não existem culturas superiores ou inferiores. Cada uma delas deve ser vista dentro daquilo que os antropólogos chamam de interioridade cultural. Por esse motivo jamais se pode afirmar que existem
culturas selvagens, bárbaras ou atrasadas. Mesmo as mais antigas e as extintas não podem ser rotuladas nestes termos. Toda atitude etnocêntrica precisa ser condenada e rejeitada porque fere o princípio da igual dignidade de todos os seres humanos e de todos os povos.
O etnocentrismo não se confunde com o racismo. São coisas diferentes. O racismo é a afirmação de que existem raças distintas e que determinadas raças são inferiores, sejam do ponto de vista moral, como intelectual e técnico. No racismo a inferioridade não é considerada a partir da perspectiva social ou cultural, mas do ponto de vista biológico. A inferioridade seria inata. Nasce-se inferior por se pertencer a tal raça. O etnocentrismo, por sua vez, é a afirmação de que a própria cultura ou civilização é superior às demais
O etnocentrismo é muito antigo e foi praticado no passado por gente famosa. Heródoto (484-424 a. C.), ao analisar as culturas por ele visitadas e estudadas agiu de maneira etnocêntrica. Tácito (55-120 d. C.), escritor latino, fez o mesmo com as tribos germânicas. Marcos Polo, entre 1271 e 1296, viu os costumes dos tártaros de modo etnocêntrico.
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José de Anchieta (1534-1597) se espantava com os costumes dos Tupinambás e os avaliava a partir da cultura europeia
e
cristã.
Montaigne
(1533-1572)
ficava
escandalizado com o costume dos indígenas de não usarem roupas. Os exemplos podem ser multiplicados e o que mais impressiona
é
uma
constante
entre
as
pessoas
etnocêntricas. Todas avaliam as outras culturas a partir da sua e sempre consideram a
própria cultura superior às
demais. Em pleno século XXI o etnocentrismo não foi superado. Ainda hoje quando opinamos sobre determinadas questões (identidade cultural, família, relações sociais, sexo, crenças religiosas, estado, democracia etc.) ele continua presente com toda a sua carga ideológica. Por isso o trabalho de “descolonizar” certas práticas e opiniões ainda precisa continuar. Às vezes nos espantamos com o que sabemos do passado, mas, olhando nossas práticas atuais, vamos perceber com toda a clareza uma carga enorme de etnocentrismo. Hoje se tenta disfarçar a crise do sistema neoliberal, predominante em todo o mundo, com o etnocentrismo. É o que acontece, por exemplo, com a civilização árabe apresentada pelos Estados Unidos e seus aliados como sendo expressão do atraso e da violência. Enquanto isso os massacres e as destruições provocadas por esses países em várias partes do mundo, como no caso do Iraque e do Afeganistão, são tidas como ações de países civilizados e democratas. As mortes de tantas pessoas e a miséria deixada após as investidas sangrentas por eles praticadas são vistas apenas como “efeitos colaterais”, um “mal necessário” para manter a democracia no mundo.
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Por esse motivo o relativis mo cultural é muito importante. Ele consiste na capacidade de compreender cada cultura dentro do seu contexto e da sua realidade, segundo os seus padrões, os seus moldes e processos. Isso faz com que uma pessoa de determinada cultura não veja a outra – ou as outras – como algo exótico, estranho e insignificante. O relativismo cultural não considera uma cultura superior às demais. Além do mais, hoje, razões humanitárias nos dizem que cada grupo humano tem o direito à autonomia e a desenvolver a sua cultura de acordo com os próprios princípios e tradições, sem sofrer interferências forçadas e pressões externas. Cada povo ou cultura tem direito de pensar e agir de forma autônoma e diferente dos demais.
Sumário O etnocentrismo consiste em considerar ou afirmar que existem culturas boas e culturas ruins. Na verdade, não existem culturas superiores ou inferiores. Cada uma delas deve ser vista dentro daquilo que os antropólogos chamam de interioridade cultural. Toda atitude etnocêntrica precisa ser condenada e rejeitada porque fere o princípio da igual dignidade de todos os seres humanos e de todos os povos. Entretanto, o etnocentrismo não pode ser confundido com o racismo. O racismo é a afirmação de que existem raças distintas e que determinadas raças são inferiores, sejam do ponto de vista moral, como intelectual e técnico. O etnocentrismo, por sua vez, é a afirmação de que a própria cultura ou civilização é superior às demais. Deste modo, precisamo ultrapassar o etnocentrismo e caminhar em direcção ao relativismo cultural. O relativismo cultural consiste na capacidade de compreender cada cultura dentro
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do seu contexto e da sua realidade, segundo os seus padrões, os seus moldes e processos. Isso faz com que uma pessoa de determinada cultura não veja a outra – ou as outras – como algo exótico, estranho e insignificante. Cada povo ou cultura tem direito de pensar e agir de forma autônoma e diferente dos demais.
Exercícios 1. O que entende por etnocentrismo? Auto-avaliação
2. Demonstre, de forma argumentativa, que o etnocentrismo não é igual ao racismo. 3. Refira-te ao relativismo cultural.
Bibliografia Básica MASSENZIO, Marcello. A história das religiões na cultura moderna. São Paulo: Hedra, 2005.
MARCONI, Marina de Andrade; PRESOTTO, Zélia Maria Neves. Antropologia: uma introdução. 6ª ed., São Paulo: Atlas, 2006. MARTINEZ, Francisco Lerma. Antropologia Cultural: guia para estudo.Paulinas Editorial, 5ª edição, Maputo, 2007.
SANTOS, Armindo dos. Antropologia Geral: etnografia, Etnologia, Antropologia Socal. Universiadade Aberta, 2002.
LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. São Paulo, Brasiliense, 2003. LARAIA,
Roque
de
Barros.
Cultura:
um
conceito
antropológico. 14ª ed., Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro,
2001.
Antropologia Cultural de Moçambique
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Lição n˚7 Antropologia de Moçambique: as origens da cultura moçambicana
Introdução. Nesta lição vamos falar do das origens da cultura moçambicana. Faremos referência das origens mais remotas até à actual configuração sócio-cultural do nosso país..
Ao completer esta lição, você será capaz de:
Explicar as origens da cultura moçambicana.
Identificar as diversas culturas que influenciaram no actual
Objectivos
mosaico cultural moçambicano.
Descrever os três grupos etno-culturais que prevaleceram em Moçambique durante a época colonial.
Justificar
a
importância
da
unidade
da
cultura
moçambicana para o bem-estar e social do país.
Cultura moçambicana, portugueses, hindus, persas, árabes, Terminologia
miscigenação, assimilado.
Antropologia Cultural de Moçambique
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Os povos que os portugueses encontraram no território hoje designado por Moçambique tinham as suas culturas típicas que os distinguiam de outros povos do mundo. Tinham os seus modos de vida, uma visão concreta do mundo e manifestações religiosas ou crenças. Portanto, quando os portugueses chegaram a esta região encontraram povos a que usurparam as suas terras, trazendo a opressão e fazendo do território sua colónia. No entanto, antes da chegada dos portugueses, sabe-se que teriam passado por cá árabes, persas, hindus, chineses e outros povos que nos permitem dizer que houve desde cedo uma fusão ou mescla de povos de culturas. Ora, cada cultura desloca-se e entra em contacto com outras formas de cultura através de relações individuais dos seus membros ou por vias colectivas como é o caso, por exemplo, das migrações de povos. Essas mesclas resultantes dos contactos entre povos, as transformações e os efeitos daí decorrentes denominam-se transculturação. Por conseguinte, ao falarmos da cultura moçambicana é necessário que observemos todos esses aspectos, ou seja, o actualmente conhecido por povo moçambicano tem a raiz basilar no povo Bantu, porém, com o decurso do tempo, esse povo foi-se mesclando tanto com outros povos de tal modo que hoje podemos dizer que a cultura moçambicana é a simbiose ou a fusão entre as culturas das populações africanas dos diversos grupos éticos deste país e as de origem europeia e asiática, isto é, as culturas portuguesa, árabe, hindu, persa, etc., cujos povos por aqui passaram, viveram e/ou vivem. Os contactos entre as culturas existem e resultam objectivamente das alterações sucessivas das estruturas da sociedade. No caso vertente da cultura moçambicana, a
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99
presença de comerciantes vindos de outras latitudes, as acções de missionários e de agentes do colonialismo constituem os factores impulsores do processo de aculturação, ou mesmo de transculturação do país. Assim, na sua condição de homens de negócio e de comércio, os árabes vieram para estas terras e se tornaram grandes propagadores do islamismo, sendo esta religião, das que mais seguidores tem no nosso país. A actividade missionária não escapa, porquanto não constitui apenas na expansão do cristianismo, como também actuou sobre as culturas locais, procurando inculcar novos valores e costumes sobre as instituições africanas, moldando a mentalidade e a consciência do africano. Para além de ter sido um veículo de conquista política, a função da colonização consistiu num meio de contactos culturais entre os moçambicanos e os europeus. Por exemplo, o povo português em si tem uma certa mescla com a nossa cultura. Há portugueses cujos antepassados são moçambicanos, mas neste caso são, no verdadeiro sentido, portugueses na essência, e vice-versa. Consequentemente, o povo moçambicano e a sua cultua compartilham essa fusão de origens entre os povos bantu e os das origens asiáticas e europeias; o que faz com que seja (é) incorrecta a ideia de que os negros são os donos absolutos desta terra, pois a história dá-nos conta da congregação de outras raças que se mesclaram com os negros para conceber uma moçambicanidade
heterogénea
que
incorpora
vários
padrões de origens. Os factos ora retrocitados concorreram para a aculturação do
povo
moçambicano.
Todavia,
relativamente
ao
colonialismo português, a aculturação teve alguns efeitos perversos sobre as populações e as culturas locais. Por
Antropologia Cultural de Moçambique
100
exemplo, a escravatura foi um dos mais cruéis e sinuosos actos que a humanidade já conheceu. Ela destruiu as estruturas culturais existentes nas aldeiais dos africanos, desumanizou o homem africano, obrigando-o a fugir das suas zonas para outras, deportando-o e bestializando-o. Com esta prática de subjugação, o colonialismo legou uma herança cultural negativa ao povo moçambicano, isto é, o analfabetismo. Não era de interesse colonialista educar científica, afectiva, ética, intelectual e somaticamente ao povo indígena. Como resultado disso, aquando da data da proclamação da Independência Nacional (1975) existiam em Moçambique cerca de 93% de analfabetos. Portanto, três grupos etno-culturais prevalecem no território moçambicano durante o período de subjugação colonial: a) A cultura das populações negras africanas representadas pelos vários grupos étnicos existentes em Moçambique: esta aparece como o conjunto de tradições e modos de vida típicos desses grupos étnicos, estendendo-se em todas as regiões rurais e sendo culturais da maioria. Essas culturas tinham/têm as suas práticas bastante diversificadas segundo os costumes e estilos de vida de cada grupo étnico e possuíam/possuem em comum, no entanto, a raiz que é o povo Bantu. b) A cultura colonial: instalou-se nas cidades, nas vilas e em zonas de interesse económico e turístico, representando os valores e as ideologias do aparelho administrativo português e preocupando-se com/pelo reforço
do
sistema
de
opressão
através
da
transformação das populações indígenas para a sua integração na sociedade e cultura portuguesas.
Antropologia Cultural de Moçambique
101
c) A cultura das minorias: ora, por aqui passaram, moraram e deixaram vestígios culturais que hoje perfazem a cultura moçambicana, um conjunto de povos, designadamente hindus, persas, árabes, chineses, etc. Esses povos, embora ostentassem outro estatuto, partilharam com a população indígena as vicissitudes do colonialismo, e hoje não se pode aludir à riqueza da nossa cultura sem considerar esta parte da nossa moçambicanidade. Pese embora prevalecesse a estratificação cultural acima referida, a cultura colonial sempre procurou formas de se sobrepor aos restantes estratos culturais, utilizando para além de dispositivos repressivos, meios ideológicos para dissociar e desintegrar a população indígena das suas origens e da sua cultura. Por exemplo, a designação da população africana por nomes pejorativos como “ macacos, selvagens, primitivas, pretos, etc ”, por um lado, e a política
de assimilação praticada pelas autoridades coloniais, por outro lado, tinham a finalidade não só de legitimar a dominação e a imposição da cultura colonial mas também de ridiculizar ou inferiorizar a cultura dos dominados levando os dominados a se conformarem com a dominação. Na sua obra “ Lutar por Moçambique”, Mondlane refere que para ascender ao estatuto de assimilado os africanos deveriam: i.
Saber ler, escrever e falar português correctamente.
ii.
Ter meios suficientes para sustentar a família.
iii.
Ter bom comportamento.
iv.
Ter a necessária educação, hábitos individuais e sociais de modo a pode viver sob a lei pública e privada de Portugal.
Antropologia Cultural de Moçambique
v.
102
Requerer à autoridade administrativa área, que o levará ao governador do distrito para ser aprovado.
Na verdade, a assimilação denotou grotescos complexos de inferioridade que os africanos foram tendo comunidade
portuguesa,
isto
é,
identificar
diante da com
a
africanidade ou com a moçambicanidade e orgulhar-se por isso não era coisa de gente socialmente aceitável. Em poucas palavras, para ascender à assimilação os africanos deviam negar a sua africanidade, as tradições da sua terra para serem admitidos como cidadãos portugueses de direitos e deveres iguais aos brancos. Em conclusão, há uma cultura moçambicana que decorre da fusão dos vários povos que habitaram esta parte oriental da Africa, porém, as tradições dos povos originais têm sido marginalizadas ao longo da história, por vezes, designadas misteriosas e atrasadas, e outras vezes, manipuladas como instrumentos de atracção turísitica.
Sumário Ao falarmos da cultura moçambicana é necessário ter em conta que o actualmente conhecido por povo moçambicano tem a raiz basilar no povo Bantu, porém, com o decurso do tempo, esse povo foi-se mesclando tanto com outros povos de tal modo que hoje podemos dizer que a cultura moçambicana é a simbiose ou a fusão entre as culturas das populações africanas dos diversos grupos éticos deste país e as de origem europeia e asiática, isto é, as culturas portuguesa, árabe, hindu, persa, etc., cujos povos por aqui passaram, viveram e/ou vivem o que faz com que seja (é) incorrecta a ideia de que os negros são os donos absolutos
Antropologia Cultural de Moçambique
103
desta terra, pois a história dá-nos conta da congregação de outras raças que se mesclaram com os negros para conceber uma moçambicanidade heterogénea que incorpora vários padrões de origens.
Exercícios 1. A cultura moçambicana é heterógenea. Discuta as origens da cultura moçambicana. Auto-avaliação
2. Identifique os três grupos etno-culturais que prevaleveram em Moçambique no período colonial. 3. No seu ponto de vista, de que modo a globalização contribui
para
que
muitos
moçambicanos
percam
identidade?
Bibliografia básica
TOMÁS, Adelino Esteves. Manual de Antropologia SócioCultural . Universidade Pedagogica Sagrada Família, sd.
Antropologia Cultural de Moçambique
104
Unidade IV O Parentesco e a Família Introdução Esta unidade debruçará do parentesco, casamento, família, ritos de passagem e religião. Far-se-á um enfoque mais contextualizada para o nosso país – Moçambique. Ao completer esta unidade, você será capaz de:
Definir os conceitos de família, religião, parentesco, monogamia, poligamia, ritos de passagem;
Objectivos
Classificar a família quanto às regras de residência, ao número de cônjuges e quanto à relação de poder;
Utilizar a nomenclatura de parentesco.
Descrever as vantagens e desvantagens do lobolo;
Terminologia
Explicar a importância da religião.
Parentesco, família, religião, ritos de passagem.
Antropologia Cultural de Moçambique
105
Lição n˚1 Parentesco, casamento família em Moçambique
e
Introdução. Nesta lição vamos falar do parentesco, casamento e família em Moçambqiue. Far-se-á um classificação da família quanto às regras de residência, ao número de cônjuges e quanto à relação de poder.
Ao completer esta lição, você será capaz de:
Objectivos
Definir
os
conceitos de
parentesco, família,
clã,
monogamia, poligamia;
Classificar a família quanto às regras de residência, ao número de cônjuges e quanto à relação de poder;
Utilizar a nomenclatura de parentesco.
Familia, parentesco, monogamia, poligamia, matrilocal, neolocal, patrilocal, matrilinear, patrilinear, monoparental, nuclear. Terminologia
Antropologia Cultural de Moçambique
106
O estudo das relações de parantesco dentro da Antropologia ocupa um lugar privilegiado. Nesta parte pretendemos introduzir um conjunto de terminologias técnicas muito frequentemente usadas no estudo do parentesco, ei-las: Parentesco: no sentido restrito refere-se aos laços de
sangue, mas num sentido mais amplo, também aplica-se aos laços de afinidade ou de casamento (parantesco por afinidade ou por casamento) Laços de Parantesco: é a relação que decorre da posição
ocupada pelo sujeito no sistema de parantesco. Pode-se falar de três tipos de laços de parantesco:
Laço de sangue (descendência)
Laço de afinidade (matrimónio ou casamento)
Laço fictício (adopção)
Descendência: relação do sujeito com os seus parentes de
sangue. Embora o critério de descendência seja biológico, em Moçambique a descendência obedece à critérios culturais (de descendência unilateral). Por exemplo, um indivíduo é sempre filho de uma mãe e um pai, mas na zona norte
de
Moçambique
leva-se
em
consideração
a
descendência matrilinear, enquanto no sul considera-se a descendência patrilinear. Nas sociedades
europeias a
descendência é dos dois progenitores (descendência bilateral). A descendência matrilinear é também conhecida como descendência designação
uterina, de
a
patrilinear
descendência
tem
agnática,
também
a
enquanto
a
descendência bilateral (de ambos os progenitores) é denominada cognática.
Antropologia Cultural de Moçambique
107
Descendência unilateral dupla: acontece em sociedades
que não consideram como preponderante a linhagem matrilinear nem a patrilinear, porém, orientam-se pela linhagem patrilinear para uns propósitos (ex: realização de funerais, delegação da herança, etc.), e orientam-se pela linhagem matrilinear para outros propósitos (ex: o cuidado de crianças, a atribuição de apelidos, etc.) Nomenclatura de parante ou terminologa de parentesco:
é o sistema de denominações das posições relativas aos laços de sangue e de afinidade. Exemplos de nomenclaturas de parentesco: pai, mãe, irmão, primo, esposa, cunhado, sogra, enteado, filho, neto, sobrinha, etc. Importa significar
que a nomenclatura de parentesco pode ser descritiva e classificatória.
A nomenclatura de parentesco descritiva é aquela em quye se usa um termo diferente para designar a cada um dos parentes. Exemplo: papá (pai biológico), mamã (mãe biológica), mana (irmã biológica mais velha), etc. A nomenclatura de parantesco classificatória é aquela em que se emprega indistintamente o mesmo termo para designar a um grupo de pessoas com quem se tem um laço de parentesco. Por exemplo, quando se aplica o termo “mamã” para designar à mãe biológica, à irmã da mãe, ou à madrasta. Também estamos perante a nomenclatura de parentesco classificatória quando se trata como irmão, ao próprio irmão biológico, ao primo ou ao filho de uma madrasta. Clã: grupo de pessoas dotado de nome e de descendência
unilateral, isto é, que deriva de um ancestral comum e que segue regras de descendência matrilinear/uterina ou patrilinear/agnática e jamais de ambas simultaneamente.
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Os clãs do sul de Moçambique que seguem a descendência agnática ou patrilinear são designados patriclãs, enquanto os do norte do país que se orientam pela descendência uterina ou matrilinear denominam-se matriclãs. Família: no sentido mais restrito é o conjunto de pessoas
que vivem sob o mesmo tecto. Mas no sentido lato, a família é o conjunto das sucessivas gerações descendentes de antepassados comuns; já na linguagem do senso comum costuma dizer-se que a família é a célula básica da sociedade. Por família, também, pode-se entender como o conjunto de parentes por consaguinidade ou por aliança ou afinidade. No entanto, existe um tipo de classificação da família que se vale dos seguintes critérios: regras de residência, número de cônjuges, relação de poder e parentesco. Quanto às regras de residência, a família pode ser: Patrilocal: aquela que estabelece uma residência conjunta
entre um casal e os pais do homem. Geralmente nas sociedades meridionais de Moçambique há uma tendência de as famílias estabelecerem residências patrilocais devido à estrutura e natureza do poder que se centra nas mãos dos homens. Matrilocal: aquela que estabelece residência conjunta entre
o casal e os pais da mulher. Com frequência acontece nas sociedades setentrionais de Moçambique onde há uma tendência de as famílias estabelecerem residências matrilocais. Neolocal: é a família cujo casal tem uma residência
independente da dos pais de ambos os cônjuges. Este tipo de residência é mais frequente em sociedades urbanizadas onde o estilo de vida exige uma autonomia das famílias.
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Quanto ao número de cônjuges, a família pode ser: Monogâmica: quando a união é de um só homem com uma
só mulher. Poligâmica: é a união de um só marid com várias esposas
ou de uma mulher com vários maridos. Poligínica: é a família em que o homem é quem pratica a
poligamia, isto é, a união de um marido com várias esposas. Poliândrica: é a família em que a mulher é quem pratica a
poligamia, ou seja, a união de uma mulher com vários esposos. Quanto à relação de poder, a família pode classificar-se
em: Patriarcal ou patrilinear: é a família cujo poder é exercido
pelo marido. As famílias patriarcais abundam no sul de Moçambique, sendo que o patriarcado como uma relação de poder incide também no casamento, na sucessão, na herança e na estrutura social das famílias. Matriarcal ou matrilinear: é a família cujo poder é exercido
pela mulher. As famílias matriarcais abundam no norte de Moçambique, sendo que a mulher exerce o poder indirectamente através do seu irmão do sexo masculino. É este a quem cabe zelar pela orientação da vida dos filhos da irmã, cuidar pela iniciação desses filhos e legar-lhes a sua herança em caso de morte. O papel do pai biológico é quase que passivo, pelo que quando o filho porta-se mal ou comete uma infracção, o pai remete a solução dessa situação ao tio materno do filho, isto é, ao irmão da mãe do filho. Quanto ao parentesco, a família pode adquirir as seguintes
classificações: Nuclear: é a família constituida pelo marido, esposa e os
filhos resultantes dessa união, todos morando juntos numa
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residência neolocal. A família nuclear pode ser de orientação, aquela da qual cada um de nós proveio e a
família nuclear de procriação, que é a que cada um de nós funda ou estabelece. Alargda ou extensa: este tipo de família constitui-se por um
casal, os filhos e os familiares colaterais (sobrinhos, netos, primos, irmãos, etc.), todos vivendo numa mesma residência patrilocal, matrilocal ou neolocal. Reconstituída: composta por um homem divorciado ou
viúvo com os filhos e uma mulher (a madrasta), ou por uma mulher divorciada ou viúva com os filhos e um homem (o padrasto), ou ainda, por um homem e uma mulher, ambos divorciados ou viúvos vivendo juntos com os respectivos filhos. Monoparental: aquela composta só pelo pai solteiro ou
viúvo e os filhos, ou só pela mãe solteira ou viúva e os filhos.
Sumário No sentido restrito o conceito parentesco refere-se aos laços de sangue, mas num sentido mais amplo, também aplica-se aos laços de afinidade ou de casamento (parantesco por afinidade ou por casamento). A família, por sua vez, não tem tido um consenso no que diz respeito à sua definição. Assim, no sentido mais restrito é o conjunto de pessoas que vivem sob o mesmo tecto. Mas no sentido lato, a família é o conjunto das sucessivas gerações descendentes de antepassados comuns; já na linguagem do senso comum costuma dizer-se que a família é a célula básica da sociedade. Por família, também, pode-se entender como o conjunto de parentes por consaguinidade ou por aliança ou afinidade. No entanto, existe um tipo de classificação da família que se vale dos seguintes critérios: regras de
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residência, número de cônjuges, relação de poder e parentesco.
Exercícios 1. O que entendes por parentesco? 2. Classifique a família quanto às regras de residência. Auto-avaliação
3. Pode-se falar de três tipos de laços de parentesco. Identifique-os? 4. Classifique a família quanto ao parentesco.
Bibliografia básica
DE MELLO, Luiz Gonzaga. Antropologia cultural, pgs 316339.
BERNARDI, Bernardo. Introdução aos estudos etnoantropoloógicos, pgs 289-294.
TOMÁS, Adelino Esteves. Manual de Antropologia SócioCultural . Universidade Pedagogica Sagrada Família, sd. pgs.
47-57. SANTOS, Armindo dos. Antropologia Geral: etnografia, Etnologia,
Antropologia
2002.pgs. 123-170.
Socal. Universiadade
Aberta,
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Lição n˚ 2 O lobolo em Moçambique: “um velho idioma para novas vivências”
Introdução Na lição de hoje vamos falar de um tema do nosso conhecimento: o lobolo. Faremos uma análise desta prática cultural moçambicana, olhando para a sua essência, as suas vantagens e desvantagens.
Ao completer esta lição, você será capaz de:
Objectivos
Justificar a essência desta prática cultural,
Descrever o processo de lobolo;
Identificar as vantagens e desvantagens da prática do lobolo na sociedade moçambicana.
Família, lobolo, adultério, esterilidade, kutchinga. Terminologia
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O lobolo é uma prática cultural por meio da qual se unem duas
pessoas
(homem
e
mulher)
pelo
casamento
condicionado ao pagamento real ou simbólico de um dote. Este dote pode ser uma enxada, uma cabeça ou várias de vaca, dinheiro em numerário ou outros bens de natureza ou pecuniária. O jovem que tenciona contrair o casamento informa os seus tutores (pais ou padrinhos) sobre a sua intenção e estes marcam uma agenda de visita à família da pretendida noiva com a finalidade de participar-lhes da pretensão do seu filho/afilhado. Uma vez recebidos os hóspedes estabelecemse garantias, designadamente uma lista contendo a descrição dos itens que serão objectos do próprio lobolo. A lista incluir prendas para os pais da noiva, enxadas, dinheiro para os encargos do cortejo nupcial, bem como a menção da data em que o próprio lobolo será pago. Chegado o dia marcado, a família da noiva prepara-se para a cerimónia de maneira especial, pois cumpre-lhe garantir a hospitalidade ao noivo e aos seus acompanhantes. Na hora do pagamento do lobolo, as prendas e todos os objectos descritos na lista são dispostos no meio de uma praça visível. Logo, as duas famílias (a da noiva e a do noivo) reúnem-se para verificar se o número dos objectos está certo, indicado uns aos outros se estão ou não completos. É extremamente importante que haja numerosas testemunhas de mod que se o casamento for mal-sucedido não haja dificuldades de o homem reaver os objectos do lobolo, Ultrapassada esta parte, segue-se o acto religioso, logo, o cortejo nupcial, e em seguida os festejos com abundância de comidas e bebidas alcoólicas. Todos estes actos solenes selam para sempre a união dos dois nubentes. No entanto, dois grandes factores podem ser preponderantes para a
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dissolução do casamento: o adultério e a esterilidade da mulher .
Ora, embora a sociedade moçambicana consinta a poliginia (poligamia masculina) não tolera que a mulher possa estabelecer relações extra-conjugais ou adultérios, sendo estes actos suficientemente justificativos para o homem exigir a dissolução do casamento. A esterilidade feminina é um outro aspecto que legitima a dissolução do casamento. Ora, visto que entre os africanos a finalidade procriativa do casamento prima sobre as outras finalidades (prazer, partilha, afecto, etc), a dificuldade de procriação da mulher é tida como um impedimento à manutenção do casamento, pelo que se declara divórcio. Por conseguinte, o divórcio por adultério ou por esterilidade da mulher dá direito ao marido de exigir de volta os objectos do lobolo. Significação histórica da prática do lobolo
O lobolo como símbolo de união matrimonial permite que uma das famílias envolvidas adquira um novo membro, e a outra, o perca. Deste modo, a mulher adquirida, ainda que conserve o seu apelido (o nome do seu clã) torna-se propriedade do novo grupo familiar, pertencem a este grupo tanto ela como os filhos que gerar. Não é uma escrava, nem a propriedade individual do marido, mas uma propriedade colectiva do grupo. Junod (1996:257) faz as seguintes considerações a respeito dos efeitos do lobolo:
Toda a família do homem toma parte nas cerimónias do casamento, sobretudo no dia em que o lobolo é levado pelo noivo. Os membros masculinos do grupo têm o direito de opinar sobre os bois ou a soma entregue.
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Os irmãos estão sempre prontos a ajudar um dos
seus, mais pobre, ao lobolo. Trabalham assim para o grupo. A mulher adquirida desta maneira é esposa aparente
deles, embora lhes não seja permitido ter relações sexuais com ela. Recebe-la-ão em herança quando o marido morrer (o kutchinga). Os filhos pertencem ao pai, vivem com ele, usam o
seu apelido (o nome do clã) e devem-lhe obediência: os filhos masculinos fortificam o grupo e os femininos são vendidos em casamento para o benefício desse grupo. Algumas vantagens e desvantagens do costume do lobolo para as famílias moçambicanas
O lobolo como uma prática costumeira de alguns segmentos da sociedade moçambicana tem algumas vantagens, a saber.
Ajuda a fortificar a família, a patriarcal, o direito do pai.
Marca diferenças entre casamentos legítimos e casamentos ilígitimos e, neste caso, substitui o registo oficial do casamento.
Dificulta a dissolução do casamento, pois a mulher não pode abandonar o marido sem que a este lhe seja restituido o lobolo.
Obriga os nubentes a terem atenção, um para com o outro.
No
entanto,
o
lobolo
acarreta
também
algumas
desvantagens. Ei-las:
A mulher reduzida a uma situação de inferioridade pelo facto de ter sido paga. a ) A rapariga casa fica a
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mercê da família do marido. Em caso da morte do marido ela pode ser entregue a um velho asqueroso por quem ela não sente qualquer atracção, por causa de uma velha dívida de lobolo; b) a mulher trabalha para o marido e para os parentes dele, que lhe dão muito pouco em troca; c) no que toca aos filhos, mesmo que ela sinta amor por eles, não lhe pertencem, são propriedades do marido ou do seu grupo familiar.
O lobolo atribui quase todos os direiotos ao marido sobre a mulher, incluindo os de ofendê-la, e a mulher perte até mesmo o direito de protestar.
No caso de o lobolo e a suma do dinheiro envolvidos não tiverem sido totalmente pagos, podem levantar-se tensões e irritações que muitas vezes criam sofrimentos para o casal e para as respectivas famílias.
Por tudo o acima descrito, conclui-se que seja falso dizer que o lobolo é um contrato entre duas famílias com a a finalidade
de
garantir
que
a
mulher
seja
tratada
decentemente pelo marido e vice-versa. Parece-nos que em vez de esta prática obrigar os nubentes a prestarem cuidados recípriocos, serve para legitimar comportamentos androcêntricos e machistas de índole patriarcal.
Sumário O lobolo é uma prática cultural por meio da qual se unem duas
pessoas
(homem
e
mulher)
pelo
casamento
condicionado ao pagamento real ou simbólico de um dote. Este dote pode ser uma enxada, uma cabeça ou várias de vaca, dinheiro em numerário ou outros bens de natureza ou
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pecuniária. No entanto, dois grandes factores podem ser preponderantes para a dissolução do casamento: o adultério e a esterilidade da mulher. O lobolo como símbolo de união matrimonial permite que uma das famílias envolvidas adquira um novo membro, e a outra, o perca.
Exercícios 1. O que entende por lobolo. 2. Descreva, em suas palavras, o processo de lobolo em Auto-avaliação
Moçambique. 3. Indique algumas vantagens e desvantagens do lobolo. 4. A prática do lobolo em Moçambique é muitas vezes condenada porque acredita-se que a mulher é vendida. Qual é o ser parecer em relação a este facto.
Bibliografia básica JUNOD, Henri Alexandre. Usos e costumes bantu. Editor Arquivo Hist. de Moçambique, Tomo I, Maputo, 1996. TOMÁS, Adelino Esteves. Manual de Antropologia SócioCultural . Universidade Pedagogica Sagrada Família, sd.
Pgs. 47-57.
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Lição n˚ 3 Ritos, rituais e ritos de passagem Introdução Na lição anterior, estivemos a discutir a questão do lobolo em Moçambique. É uma prática cultural que ainda persiste no nosso país.. Nesta lição faremos referência aos ritos, rituais
e
ritos
de
passagem.
Práticas
estas,
que
acompanham o dia a dia das comunidades moçambicanas. Ao completer esta lição, você será capaz de:
Objectivos
Definir o conceito de religião, rito e ritual.
Identificar os tipos de ritos de passagem.
Explicar a essência dos ritos religiosos e de passagem.
Ritos, ritos religiosos, rituais de passagem. Terminologia
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Ritos, rituais e ritos de passagem
As primeiras elaborações conceptuais sobre os ritos e os rituais datam da época de Arnold von Gennep e de Emile Durkheim quando escreviam suas obras respectivamente “Os ritos de passagem (1909)”e “ As formas elementares da vida religiosa (1912)”. Desde então, o estudo dos ritos e dos
mitos esteve ligado aos estudos das práticas religiosas, isto é, os ritos e os rituais foram/são assiociados ao sagrado e, por isso, se tornaram parte importantíssima entre os temas da Antropologia. Para Durkheim citado por Segalem (2000:14), a religião é um sistema de crenças que envolve ritos e rituais. Deste modo, as crenças religiosas são representações que exprimem a natureza das coisas sagradas e as relações que elas mantêm umas com as outras ou, mesmo, com as coisas profanas. Os ritos são regras de comportamento
que
prescrevem como o Homem deve comportar-se com as coisas sagradas.
Radcliffe-Brown (1989:244) parafreseia Durkheim nos seguintes termos, os ritos religiosos são expressão de unidade da sociedade cuja função e recriar a sociedade ou a ordem social, reafirmando e reforçando os sentimentos dos quais dependem a solidariedade e a coesa social.
Portanto, é através dos ritos, dos rituais e das cerimónias religiosas que os sentimentos sociais e morais são fortalecidos e renovados. Disto segue-se que, a função dos ritos é reafirmar permanentemente os grupos sociais. Outros autores consideram que os ritos, rituais, tabus e interdições são derivados da atitude de respeito pelo sagrado, o qual tem como função primordial manter a solidariedade, a coesão, a ordem e o controlo social (Hamilton, 1999). O rito ou ritual é um conjunto de actos
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formalizados, expressivos, detentores de uma dimensão simbólica (Segalen: 2003:23). Os ritos têm a finalidade de
ligar o presente ao passado, o indivíduo à comunidade (Gennep, 1960:16 ). Por conseguinte, para Gennep, o rito tem uma dimensão colectiva, marca rupturas, descontinuidades e momentos críticos, individuais e sociais que dão sentido ao incompreensível, fornecem meios para dominar o mal, o tempo e as relações sociais. Os ritos de passagem
Os ritos de passagem, segundo Arnold Bon Gennep apresentam uma estrutura universal, e por conseguinte, presentes em todas as sociedades humanas. Dizem respeito aos rituais dos ciclos da vida onde ocorrem mudanças de estatuto que marcam a vida de uma pessoa ou de um grupo. Os ritos de passagem estão ligados principalmente ao nascimento, à puberdade (ritos de iniciação), ao casamento e à morte. No entanto, existem outros ritos de passagem que variam de um grupo social para o outro, por exemplo, entre os cristãos o baptismo, o crisma/a confirmação, a ordenação de um sacerdote, etc., são exemplos de ritos de passagem. Nas organizações sociais de carácter secular, a cerimónia de graduação, a comemoração da data do aniversário, etc., são outros exemplos de ritos de passagem. Segundo Gennep existem três tipos de ritos de passagem; Ritos de separação: aqueles valorizados durante as
cerimónias fúnebres e têm a ver com todos rituais daí resultantes, por exemplo, o velório, o uso de trajes pretos por um certo tempo, a purificação ( Kutchinga), etc. Ritos de liminaridade ou de transição: aqueles por meio
dos quais uma pessoa passa de um estatuto social para o
Antropologia Cultural de Moçambique
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outro. Por exemplo, os ritos de iniciação que como tal permitem passar da vida infantil à uma vida viril ou adulta. Ritos
de
integração
ou
de
agregação:
aqui são
valorizadas cerimónias relativas ao nascimento, ao baptismo ou ao casamento, permitem que a pessoa seja incorporada num dado grupo social, com a celebração de rituais próprios.
Sumário Os ritos desempenham um papel importante na preservação e reprodução cultural. É através dos ritos, dos rituais e das cerimónias religiosas que os sentimentos sociais e morais são fortalecidos e renovados. A função dos ritos é reafirmar permanentemente os grupos sociais. Os ritos de passagem, apresentam uma estrutura universal, e por conseguinte, presentes em todas as sociedades humanas. Dizem respeito aos rituais dos ciclos da vida onde ocorrem mudanças de estatuto que marcam a vida de uma pessoa ou de um grupo. Os ritos de passagem estão ligados principalmente ao nascimento, à puberdade (ritos de iniciação), ao casamento e à morte.
Exercícios 1. o que entende por ritos de passagem? Auto-avaliação
2. Conhece alguns ritos de passagem? Quais? Como é que se manifestam. 3. Identifique os três tipos de ritos segundo Gennep.
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Bibliografia básica JUNOD, Henri Alexandre. Usos e costumes bantu. Editor Arquivo Hist. de Moçambique, Moçambique, Tomo I, Maputo, 1996. TOMÁS, Adelino Esteves. Manual de Antropologia SócioCultural . Universidade Pedagogica Sagrada Família, sd.
Pgs. 47-57.
Antropologia Cultural Antropologia Cultural de Moçambique Moçambique
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Lição n° 4 A religião como um fenómeno sócio-cultural Introdução Esta lição fará referência à religião como um fenómeno sócio-cultural. Far-se-á Far-se-á referência à essência essência da religião, à sua função e suas características fundamentais. Ao completer esta lição, você será capaz capaz de:
Objectivos
Explicar a religião como um fenómeno sócio-cultural; sócio-cultural;
Justificar a universalidade da religião enquanto fenómeno sócio-cultual;
Identificar as funções da religiãi;
Compreender as características da religião;
Religião, fenómeno sócio-cultural, culto, Deus, alma, Terminologia
sociedade..
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Durkheim (1996), embora se tenha baseado em estudos antropológicos de sociedades primitivas, considerava a religião como um fenómeno universal; daí o facto de ter estudado o sistema religioso em diferentes contextos históricos, sociais e culturais, tentando entender a essência comum e as funções que a religião desempenha nas diferentes sociedades e o que explica a sua origem. Segundo este autor, não há sociedade sem religião e muito menos existe sociedade, por mais primitiva que seja, que não apresente um sistema de representações colectivas relacionadas à alma, à sua origem e ao seu destino. Para o autor, a realidade simbólica da religião é o núcleo da consciência colectiva e como acto social, a religião transcende o indivíduo e é a condição primordial da integração e da manutenção da ordem social. Durkheim refere ainda que a religião é um sistema solidário de crenças e de práticas relativas a coisas sagradas, ou seja, separadas, proibidas, crenças e práticas que reúnem numa mesma comunidade moral todos aquees que a ela aderem. Portanto, por detrás de toda a manifestação religiosa (ritos, cultos, crenças adorações, etc.) está a sociedade, pois foi ela que criou a sua concepção religiosa. Deus, por exemplo, que é a concepção mais forte dentro do sagrado, é uma forma de mitificação de meras leis, usos e costumes, valores e tradições de um grupo social. O culto a Deus é no fundo um culto à própria sociedade e a religião é apenas uma forma suprema de consolidar o social, perpetuar a cultura e reafirmar e actualizar simbolicamente os valores colectivos. A religião impõe respeito e é uma das formas de sanção social, pois trata-se de um conjunto de normas super-
Antropologia Cultural de Moçambique
humanas
que
controlam
o
social
das
127
tendências
constrangedoras da ordem social. Edward Tylor (1871) afirmava que para o Homem primevo, tudo é dotado de alma, e esta crença fundamental e universal não só explica o culto aos mortos e aos antepassados, mas também o nascimento de deuses. Para Radcliffe-Brown (1999) a religião estabelece normas consuetudinárias (sanções legais), normais morais (sanção
da opinião pública) e normas sobrenaturais (sanção da consciência), são estas três maneiras de controlar o comportamento humano. Max
Weber
(1997)
considera
que
a
religião
tem
desempenhado um importante papel de controlo social. Para ele, a religião é universalmente uma reacção e a medo, proporciona ao Homem explicações para os problemas angustiante com o mal, injustiça e a morte. À semelhança de Radcliffe-Brown, para Talcott Parsons, a religião tem uma função crucial que consiste em resolver três graves problemas da humanidade: as incertezas cognitivo-emocionais, a escassez de recursos materiais e o desejustamento social. Portanto, a religião pode ser entendida como crença sobrenatural que a sociedade humana admite e celebra, sem provas ou evidências empíricas sobre a sua existência, e envolve doutrinas, sentimentos e ritos socialmente institucionalizados (RAMOS, 1992) Assim, a religião como um subsistema sócio-cultural é composta
por
dogmas
(conjunto
de
verdades
inquestionáveis); moral (normas de comportamento) e liturgia (o ritual relativo ao culto).
Antropologia Cultural de Moçambique
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Características da religião
Existência de entidades sobrenaturais que criaram e controlam o mundo natural e ordem social.
Em qualquer tempo (passado, presente e futuro) há uma efectiva intervenção sobrenatural nos assuntos do mundo, ou seja, as entidades sobrenaturais comandam o destino da humanidade.
Procedimentos de reverências e de súplica por meio dos quais o grupo solicita protecção de forças sobrenaturais. O grupo acredita que a vida e morte e os acontecimentos depois da morte dependem da relação estabelecida entre o grupo e as suas entidades sobrenaturais.
Crenças,
rituais,
acções
e
comportamentos
individuais ou colectivos, regras sociais ou morais são prescritos e legitimados pela
tradição religiosa ou
pela revelação divina.
Em expressão de obediência gratidão e devoção frequentemente na presença de representações simbólicas de entidades sobrenaturais.
Linguagem, objectos símbolos etc., são elementos particularmente identificados com o sobrenatural e podem, eles próprios tornarem-se objectos de reverência/sagrada.
Celebração romarias e eventos que marcam e comemoram episódios importantes: nascimento ou morte de divindades, de profetas ou ídolos. Nestas ocasiões há reprodução de ensinamento, sentimentos de comunidades e reconciliação entre os devotos.~
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Funções Sociais da Religião
Ajuda a superar incertezas quanto ao desconhecido, à impotência face à forças da natureza, à vida, à morte e ao futuro.
Serve para legitimar as desigualdades sociais, a divisão do trabalho, a dominação e a subordinação.
Ao dar respostas à interrogações e preocupações sobre o sentido da vida, o sofrimento, as incertezas, as injustiças sociais e outros males do mundo, a religião contribui para o equilíbrio psico-emocional do Homem e o estimula a uma acentuada participação na sociedade, visando uma maior coesão social.
Gera
um
conforto
afectivo-espiritual,
isto
é,
proporciona consolo, alívio e estabilidade emocional nos momentos críticos e dolorosos da vida. Em períodos de grandes comoções sociais, crises políticas, fome, instabilidades financeiras, etc., a religião funciona como um importante factor de união, de identidade cultural e religiosa.
Sumário Para Durkheim a religião é um fenómeno universal, pois, segundo o autor, não há sociedade sem religião e muito menos existe sociedade, por mais primitiva que seja, que não apresente um sistema de representações colectivas relacionadas à alma, à sua origem e ao seu destino. Para o autor, a realidade simbólica da religião é o núcleo da consciência colectiva e como acto social, a religião transcende o indivíduo e é a condição primordial da integração e da manutenção da ordem social. A religião impõe respeito e é uma das formas de sanção social, pois trata-se de um conjunto de normas super-