LOGÍSTICA E GERENCIAMENTO DA CADEIA DE DISTRIBUIÇÃO
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LOGÍSTICA E GERENCIAMENTO DA CADEIA DE DISTRIBUIÇÃO
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Copidesque Cláudia Amorim Editoração Eletrônica Estúdio Castellani
Revisão Gráfica Ivone Teixeira Projeto Gráfico Elsevier Editora Ltda. Conhecimento sem Fronteiras Rua Sete de Setembro, 111/16º andar 20050-006 – Centro – Rio de Janeiro – RJ Rua Quintana, 753 – 8º andar 04569-011 – Brooklin – São Paulo – SP Serviço de Atendimento ao Cliente 0800-0265340
[email protected] ISBN 978-85-352-2415-3 Nota: Muito zelo e técnica foram empregados na edição desta obra. No entanto, podem ocorrer erros de digitação, impressão ou dúvida conceitual. Em qualquer das hipóteses, solicitamos a comunicação ao nosso Serviço de Atendimento ao Cliente, para que possamos esclarecer ou encaminhar a questão. Nem a editora nem o autor assumem qualquer responsabilidade por eventuais danos ou perdas a pessoas ou bens, originados do uso desta publicação.
CIP-Brasil. Catalogação na fonte. Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ N814L
Novaes, Antonio Galvão, 1935Logística e gerenciamento da cadeia de distribuição / Antonio Galvão Novaes. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2007 – 11a reimpressão. il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-352-2415-3 1. Logística empresarial. 2. Entrega de mercadorias – Administração. I. Título.
06-4472.
CDD 658.78 CDU 658.78
Apresentação da Nova Edição
Esta Terceira Edição apresenta as seguintes inovações: Em primeiro lugar, uma atualização completa do texto, principalmente nos capítulos que contêm dados e comentários fortemente marcados por mudanças rápidas nos últimos anos. Por exemplo, a evolução do comércio eletrônico sofreu alterações substantivas ultimamente, exigindo assim uma revisão das tendências e uma atualização dos dados. Igualmente, tendo em vista os recentes avanços no desenvolvimento de softwares comerciais para roteirização de veículos, foram atualizadas as informações sobre esses produtos, devidamente consolidadas no fim do Capítulo 10. Por outro lado, diversos tópicos abordados no texto precisaram ser ampliados de forma a abranger uma nova realidade ou novas formulações. Assim, introduzimos o case da empresa eToys, no Capítulo 3, que ilustra bem os percalços logísticos de uma firma atuando no comércio eletrônico B2C, mas sem experiência anterior no varejo tradicional, que entrou no mercado em 1997 com grande repercussão na mídia e faliu fragorosamente no início de 2001. Outro case, também acrescentado ao Capítulo 3, é o da empresa Submarino, que, operando no B2C com sucesso e desejando penetrar no B2B, adquiriu, no ano 2000, o controle da empresa argentina Officenet. Atendendo a solicitações de diversos professores da matéria, foram acrescentados dois novos capítulos, voltados à análise e previsão da demanda. O Capítulo 5 aborda os métodos e modelos tradicionais de previsão, sempre com exemplos desenvolvidos de forma detalhada, facilitando, assim, a compreensão do aluno. Já no Capítulo 6, são analisados três cases que abordam problemas atuais relacionados com a melhoria do nível de serviço ao consumidor. O primeiro trata de uma nova forma de se fazerem previsões de vendas para produtos de ciclo de vida curto (produtos de moda, por exemplo). No segundo, é mostrado como determinar os custos, para a empresa varejista, gerados pela falta da mercadoria na loja (out of stock cost).
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Finalmente, o terceiro case mostra como a parceria entre fabricante e varejista, através do VMI, pode melhorar o nível de serviço para o consumidor de um determinado produto, fraldas descartáveis no nosso exemplo. O capítulo sobre operadores logísticos foi bastante ampliado, incluindo agora os chamados 4PLs, que são prestadores de serviços logísticos de última geração (integradores). Uma nova forma de classificar os prestadores de serviços logísticos também foi acrescentada ao texto, juntamente com exemplos tirados da realidade brasileira e internacional. Em razão dos acréscimos substantivos, fomos obrigados a tirar do texto algumas partes menos importantes. Por exemplo, o método de custeio ABC era coberto em dois capítulos na versão anterior, tendo sido condensado em apenas um, na presente versão. O antigo Capítulo 11, Produção e Distribuição de Produtos na Economia Globalizada, embora importante, foi suprimido da presente edição. No entanto, como alguns professores podem considerá-lo necessário dentro de seus cursos, esse tópico está disponível no site da editora. Tendo em vista o novo encadeamento dos assuntos, a ordem dos capítulos foi parcialmente alterada, seguindo agora uma sequência mais lógica, partindo de questões mais abrangentes nos primeiros capítulos, para um enfoque mais particularizado nos cinco últimos. De uma forma geral, além das inserções, atualizações e acréscimos indicados, foi feita uma revisão geral do texto. Todos nós leitores, editores, autores sabemos que, por mais que concentremos nossa atenção no material escrito, algumas imperfeições e mesmo alguns erros acabam por ocorrer ao publicar um livro. Graças a vários leitores, a maioria professores que vêm adotando este livro em seus cursos, pudemos corrigi-los. A eles nossos sinceros agradecimentos. Assim, em cada capítulo revisamos não somente o texto, como também as figuras, as tabelas, as equações e as referências bibliográficas. Finalmente queremos lembrar que o site da editora oferece o Manual do Professor com uma variedade de meios multimídia – como cases, exemplos de aplicações, questões, perguntas, slides etc. – para facilitar as aulas e o acompanhamento do texto. O Autor
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Nota: No site da Editora Elsevier (www.elsevier.com.br) o professor, ou leitor interessado, encontrará questões suplementares e exercícios propostos.
O Autor
ANTONIO GALVÃO NOVAES é engenheiro e professor de Transportes e Logística da Universidade Federal de Santa Catarina. Anteriormente foi professor titular nos Departamentos de Engenharia de Transportes e de Engenharia Naval da Escola Politécnica da USP. Trabalhou na Advanced Marine Technology Division das Indústrias Litton, na Califórnia, na década de 1960 (Logística Militar), e tem atuado no Brasil como consultor de empresas e de órgãos de governo. Do mesmo autor: G
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Logística Aplicada: Suprimento e Distribuição Física (com A.C. Alavarenga), São Paulo: Editora Edgard Blücher, 2000. Gerenciamento de Transportes e Frotas (com A. Valente e E. Passaglia), São Paulo: Editora Pioneira, 1997. Sistemas Logísticos: Transporte, Armazenagem e Distribuição Física de Produtos, São Paulo: Editora Edgard Blücher, 1989. Sistemas de Transportes: Demanda, Oferta e Equilíbrio OfertaDemanda, São Paulo: Editora Edgard Blücher, 1986. Vale a Pena Ser Engenheiro?, São Paulo: Editora Moderna, 1985. Modelos em Planejamento Urbano, Regional e de Transportes, São Paulo: Editora Edgard Blücher, 1982. Métodos de Otimização: Aplicações aos Transportes, São Paulo: Editora Edgard Blücher, 1978. Economia e Tecnologia do Transporte Marítimo, Rio de Janeiro: Almeida Neves Editores, 1976. Pesquisa Operacional e Transportes: Modelos Probabilísticos, São Paulo: Editora McGraw-Hill do Brasil, 1975.
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O Comércio e a Logística
AS ORIGENS DO COMÉRCIO MODERNO O comércio envolve a troca de bens e serviços por dinheiro. Algumas vezes, a transação se faz sem a interveniência do dinheiro, ou seja, troca-se uma mercadoria ou serviço por outra coisa não monetária (escambo). Ao longo de toda a cadeia produtiva, o objetivo final e supremo do processo é o consumidor. Tradicionalmente, este se abastece a partir do varejo, que constitui o negócio final em um canal de comercialização de produtos, canal esse que liga os fabricantes e seus fornecedores a atacadistas e varejistas, e estes últimos aos consumidores finais. Os fabricantes adquirem matéria-prima e componentes dos fornecedores. Por sua vez, os fabricantes vendem seus produtos a atacadistas e/ou a varejistas. Quando há atacadistas atuando no canal de comercialização, estes vendem os produtos aos varejistas. Os varejistas, por sua vez, compram os produtos diretamente dos fabricantes ou dos atacadistas e os vendem aos consumidores finais. Hoje, com a expansão do comércio eletrônico, essa estrutura, antes tão simples, está se alterando sobremaneira. Veremos adiante (Capítulo 3) as principais características desse novo tipo de comércio e seus impactos na Logística, especialmente na distribuição de produtos. No início do desenvolvimento moderno do comércio, as mercadorias eram diretamente intercambiadas nos postos de troca, em uma época em que as moedas não tinham a credibilidade financeira para serem universalmente aceitas. Era a fase do escambo. O ouro servia muitas vezes de moeda, mas,
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por ser um bem escasso, circulava predominantemente nas regiões próximas às suas jazidas.
Armazéns Gerais Na fase colonial, os pioneiros que se aventuravam no Oeste norte-americano necessitavam de um sem-número de mercadorias para suas atividades colonizadoras. Apareceram, nessa época, os armazéns gerais (general stores), que operavam de acordo com certas práticas, destacando-se as seguintes: G
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a comercialização era feita basicamente a dinheiro; a oferta de mercadorias era extensiva, com produtos alimentícios não perecíveis, ferramentas, roupas, sapatos etc.; o comerciante encomendava os itens que achava ser de interesse para seus clientes. A mercadoria permanecia na prateleira até ser vendida. Não havia retorno dos produtos encalhados aos fornecedores, tampouco promoções especiais para liquidação de estoques; não havia variedade de produtos, traduzida em qualidade diferente, marcas diversas etc.
Os armazéns gerais se situavam em pontos nevrálgicos da rede de transportes, como entroncamentos no caminho das caravanas e estações ferroviárias. Muitos desses postos comerciais se transformaram em vilas e, posteriormente, cidades. Como era o suporte logístico nessa fase primitiva do varejo? Os pedidos dos comerciantes eram feitos através dos caixeiros-viajantes, que iam visitando os pontos de venda numa longa sequência, que podia durar dias ou mesmo semanas. Esses caixeiros-viajantes, após organizar os pedidos e retornar às suas bases, transmitiam as encomendas aos fornecedores, que providenciavam então as remessas. As mercadorias eram encaixotadas e despachadas pela estrada de ferro. Num mercado caracterizado pela escassez de oferta, em termos de número de instalações, tipos e variedade de produtos, tal sistema logístico era perfeitamente aceitável. O estoque de produtos encalhados, o grande intervalo entre visitas dos caixeiros-viajantes, o longo ciclo do pedido e a grande oscilação nos tempos de distribuição das mercadorias acabavam por elevar os custos de comercialização. Mas a falta de competitividade e o pioneirismo dessa fase possibilitavam a absorção desses custos por parte dos consumidores, sem maiores problemas.
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Comercialização por Catálogos O estilo de operação dos armazéns gerais, embora atendendo satisfatoriamente às populações rurais, começou a se exaurir com o tempo. Os consumidores queriam maior variedade e estilo um pouco mais sofisticado para roupas, sapatos, produtos de toucador e objetos de decoração da casa. Não foi especificamente o preço final dos produtos que levou os consumidores a buscarem outras fontes de comercialização. Como sempre, fatores tecnológicos (técnicos, no caso) acabaram trazendo em seu bojo novas oportunidades de negócio. Neste caso específico, foi o sistema postal norte-americano que deu impulso a um novo tipo de comercialização de produtos. Além de o correio atender razoavelmente bem às regiões do interior, o governo americano criou um incentivo especial às zonas rurais, com tarifas postais subsidiadas, objetivando a fixação do homem no campo. Essas facilidades e incentivos abriram espaço para o sistema de comercialização de produtos por catálogos e encomendas postais. Em 1872 foi criada, nos Estados Unidos, a primeira empresa que comercializava produtos por meio de catálogos, a Montgomery Ward. Algum tempo depois, em 1886, Richard Sears também entrou nesse nicho de negócios. Em termos logísticos, nota-se uma evolução bastante importante nesse tipo de operação comercial. A centralização dos estoques em alguns pontos do território possibilitava: G
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maior rapidez na distribuição dos produtos ao consumidor final; maior variedade de tipos, marcas, cores e tamanhos; eliminação de intermediários (caixeiros-viajantes, lojistas); possibilidade de redução de preços e a consequente absorção de maior fatia do mercado.
Especialização do Varejo Mas a aquisição por catálogo não substituía plenamente a compra pessoal. A visualização dos produtos através de desenhos e fotos, por melhor que seja, não pode ser substituída pelo contato direto. A escolha de roupas e sapatos, por exemplo, é normalmente antecedida pela experimentação direta – a prova. Uma forma de contornar parcialmente o problema, e ainda hoje adotada pela Sears, é permitir a devolução incondicional do produto dentro de um certo prazo, com o reembolso total da importância paga. O slogan é: “Satisfação garantida ou seu dinheiro de volta”. Por trás desse slogan, há alguns componentes logísticos importantes. Em primeiro lugar, a entrega do produto do varejista ao consumidor, através do correio ou de uma transportadora, exige um grau de confiabilidade elevado.
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Se o produto chega ao consumidor violado, quebrado ou faltando partes, ou se há extravios frequentes, o sistema acaba caindo no descrédito. Por isso, para seu bom funcionamento, é necessário um sistema logístico confiável. Outro problema logístico nesse tipo de comercialização é o retorno da mercadoria devolvida ao varejista. É necessário estabelecer um canal de devolução confiável e prático. Se a devolução for complicada, com burocracia e dificuldades diversas, o sistema cairá em descrédito. Além disso, para o bom funcionamento da venda por catálogo, é necessário que se tenha uma moeda estável. Durante os primeiros anos do Plano Real, com a moeda estabilizada, observou-se no Brasil uma pequena expansão desse tipo de negócio. Caso a moeda permaneça estável por um período longo, esse tipo de comercialização tenderá a crescer no país. Em paralelo à comercialização por catálogo e em função do crescimento e do maior nível de sofisticação da demanda, surgiram as lojas especializadas numa linha específica de produtos (limited line stores). Da mesma forma que um açougue é operado por um profissional que conhece os cortes da carne, sua conservação e as preferências de seus clientes, a demanda por sapatos, por exemplo, passou a exigir certa especialização, com o comerciante mais atento às variações da moda, ao lançamento de novos produtos nos grandes centros etc. Com o crescimento dos centros urbanos, distribuídos espacialmente em torno de um centro comercial (CBD – Central Business District) e com a introdução do bonde e do ônibus como meios de transporte urbano e suburbano, criaram-se as condições, embora parciais, para maior concentração espacial dos negócios. As lojas especializadas, como as de roupas, calçados, móveis e utensílios domésticos, entre outras, se tornaram candidatas naturais a se localizarem nas áreas centrais. O crescimento e a diversificação da demanda, por outro lado, levaram a soluções mistas, baseadas em fatores tecnológicos e de prática profissional. Por exemplo, o clássico farmacêutico do século XIX, que preparava os remédios no laboratório situado no fundo de seu estabelecimento, começou a produzir e a comercializar produtos de beleza e de toucador, aproveitando seus conhecimentos de química e o instrumental disponível. Essa expansão deu origem, nos Estados Unidos, ao drugstore, que incorpora uma farmácia, mas oferece um grande número de produtos de pequeno valor unitário, como filmes fotográficos, jornais e revistas, guloseimas etc. Em fins do século XIX e início do século XX, se tornaram populares, nos Estados Unidos, as lojas de departamentos (department stores). São estabelecimentos varejistas, na época localizados apenas no centro comercial das cidades, e que congregam, num único prédio, setores diversos (departamentos), especializados na venda de diversos produtos, como eletrodomésticos, móveis, roupas, calçados, brinquedos. A ideia por trás desse tipo
de varejo é a de incorporar, às vantagens da especialização já comentadas, as economias de escala obtidas com os expressivos volumes de negócio trazidos por tais investimentos. Assim, em cada setor da loja são colocados vendedores especializados num tipo específico de produto, possibilitando um atendimento dirigido. Embora oferecendo uma grande variedade de produtos, as primeiras lojas de departamentos não podiam ser confundidas em nada com os armazéns gerais existentes no meio rural. Naquelas, as mercadorias eram oferecidas em setores fisicamente separados, bem arrumados, em contraste com a apresentação desorganizada observada nessas últimas. Em termos logísticos, havia também diferenças notáveis. Por comercializar um número muito mais elevado de produtos, o serviço de entrega das compras aos clientes foi reestruturado, com melhor qualificação do pessoal, construção de depósitos especializados, emprego de veículos mais adequados e a consequente melhoria do nível de serviço ao consumidor. De outro lado, o maior volume de vendas levava a um maior poder econômico-financeiro dessas organizações comerciais, garantindo melhores condições na aquisição das mercadorias, nos prazos de pagamento e nas campanhas publicitárias. O desempenho desse tipo de varejo foi tão bom que especialistas em vendas por catálogo, como a Sears, aderiram logo ao novo sistema, lançando lojas de departamentos. No caso da Sears, a nova iniciativa não implicou abandonar a prática anterior, que foi mantida. É claro que, em razão do tamanho dos empreendimentos, esse tipo de comércio ficava restrito a grupos empresariais dotados de capitais expressivos.
O Surgimento do Supermercado O mesmo fenômeno de concentração, contudo, não foi observado com a mesma rapidez no caso dos produtos alimentícios de primeira necessidade. As pequenas vendas ou empórios, os açougues e as padarias, em nível de bairro, eram os estabelecimentos típicos de varejo de produtos de primeira necessidade até as décadas de 1940/1950. Três fatores básicos contribuíam para isso. Em primeiro lugar, havia os hábitos domésticos tradicionais, destacando-se as compras fiadas com caderneta, em que o consumidor acertava as contas com o dono do armazém uma vez por mês, ao receber seu salário. Outro fator importante era o uso bastante restrito da geladeira no âmbito doméstico: somente as famílias ricas podiam se dar o luxo de possuí-las. Assim, a compra de mantimentos era realizada praticamente dia a dia, de forma a evitar as perdas por deterioração e garantir o desejado frescor dos produtos. O outro fator era o baixo nível de acesso ao automóvel. De novo, somente as famílias de maior poder aquisitivo tinham carro. O deslocamento das pessoas até os pontos de varejo ficava assim restrito a pequenas distân-
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cias, em decorrência da elevada frequência das viagens, de um lado, e das pequenas quantidades consumidas, de outro. Com a motorização acentuada da população, que se iniciou no Brasil em fins da década de 1950 com a implantação da indústria automobilística, e com o uso crescente da geladeira no ambiente doméstico, criaram-se condições para o surgimento dos supermercados. A operação dos supermercados está basicamente ligada ao conceito de autosserviço. Em lugar de ser atendido pelo varejista do armazém, que antes conversava com o consumidor e o auxiliava na escolha de produtos e marcas, o cliente do supermercado faz suas compras sozinho, apanhando as mercadorias e pagando ao sair do estabelecimento. Inicialmente eram lojas de produtos alimentícios, mais tarde incorporando outros tipos de mercadorias, como utensílios domésticos, roupas, sapatos e até mesmo eletroeletrônicos. Esse tipo de estabelecimento comercial surgiu nos Estados Unidos na década de 1930, durante o período de depressão. Objetivando reduzir os preços dos produtos de primeira necessidade numa época de grandes dificuldades econômicas, alguns varejistas aproveitaram a disponibilidade de garagens e armazéns, utilizando-os sem quaisquer melhorias ou acabamento, e dispondo os produtos em caixas abertas, diretamente espalhadas no piso. A cobrança era feita à saída, de forma que apenas uma pessoa, o proprietário, controlava todo o movimento. Vantagens logísticas levaram a um crescimento vertiginoso desse tipo de operação comercial. Em primeiro lugar, menores preços acabaram atraindo maior clientela, dando melhores condições de suprimento ao comerciante, que passou a ter maior poder de negociação junto aos fornecedores. Por outro lado, em lugar de buscar margens expressivas de lucro, esse tipo de varejista procurou reduzi-las, buscando ganhar com o maior giro nas vendas. Além disso, o estabelecimento podia ser operado com poucas pessoas, possibilitando o aumento da oferta de produtos sem grandes gastos adicionais com mão de obra. A inovação, que trazia conceitos comerciais e logísticos totalmente novos, atraiu outros comerciantes, trazendo a inevitável competição. A melhoria das lojas e de sua decoração, a maior variedade de produtos e o emprego de pessoal mais qualificado levaram a um aumento nos custos. Num segundo ciclo evolutivo, os supermercados passaram a oferecer também os produtos antes somente oferecidos nos drugstores. Passaram também a comercializar utensílios domésticos e outros tipos de mercadoria, buscando, com isso, aproveitar suas instalações e expandir seus negócios, como também atrair maior clientela, que agora podia abastecer seu lar com um grande número de produtos concentrados num único ponto. Surgiram assim os hipermercados. Os primeiros supermercados, seguindo a tendência geral, se localizaram nas regiões centrais das cidades. Mas a expansão das cidades em direção
aos subúrbios que foi possível nos Estados Unidos graças inicialmente ao bonde e posteriormente ao automóvel criou polos de demanda fora dos centros comerciais tradicionais. Os supermercados foram os primeiros a abrir lojas nas áreas suburbanas. Com a expansão do uso do automóvel, com os crescentes congestionamentos nas vias de acesso ao Centro e as dificuldades de estacionamento, outros tipos de grande varejo, como as lojas de departamentos, também passaram a se instalar nos bairros e subúrbios. A ideia inicial de expandir as instalações de uma única loja à medida que as vendas iam crescendo foi substituída pela criação de várias lojas cobrindo uma região ou mesmo um país. Surgiram então as cadeias varejistas de supermercados, de lojas de departamentos, de roupas, sapatos, joias e outros tipos de produtos. A gestão de tais organizações comerciais é mais complexa quando comparada à operação de uma única loja, exigindo uma administração central mais sofisticada. Uma forma diferente de cadeia varejista que surgiu mais recentemente e se alastrou extraordinariamente é formada pelas franquias. Nesse tipo de comércio, o franqueador transfere ao franqueado todo o know-how do negócio, mas a propriedade do estabelecimento e o capital necessário são do segundo. Esse tipo de operação permite somar, às vantagens da operação especializada, os ganhos de escala das cadeias varejistas, sem contudo exigir aportes de capital muito elevados, de um único empresário.
Os Shopping Centers e as Lojas de Descontos Outro tipo de comércio que merece destaque especial, e que surgiu na fase de expansão na direção dos bairros e dos subúrbios, é o shopping center. De um lado, as lojas especializadas, atendendo a um tipo de consumidor mais exigente na compra de roupas, sapatos, joias, livros, discos e outros produtos, continuavam a existir. As lojas, no entanto, ficavam dispersas na malha urbana, dificultando as compras e apresentando problemas de estacionamento e de acesso. Uma ideia seria reunir, sob um mesmo teto, lojas especializadas, mas sem tirar-lhes sua característica básica, que é a especialização num negócio específico. Por outro lado, agregando outras facilidades, como estacionamento, restaurantes, cinemas, bares, além de áreas de circulação atraentes, ar-condicionado e outras melhorias, a atração da clientela tende a aumentar substancialmente, possibilitando maiores índices de venda por metro quadrado de loja. Esse princípio básico deu origem a um tipo de comércio que se alastrou rapidamente nos Estados Unidos e na Europa, como também no Brasil. O comércio é pródigo em soluções inovadoras, pois há sempre alguém buscando um nicho novo em que possa atuar de forma a ganhar maior participação no mercado. Assim, a especialização e a maior sofisticação dos shopping centers, de um lado, e os custos de comercialização mais elevados das
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lojas de departamentos, de outro, levaram à ideia de estender o conceito básico do supermercado a outros tipos de produtos. Surgiram então as lojas de descontos (discount houses). Nesse tipo de comércio não há maiores preocupações com as instalações do prédio e com seu acabamento. Em geral, as lojas são especializadas em algum tipo de produto, como roupas, sapatos, móveis, eletrodomésticos, e baseiam sua operação nos custos baixos. Mais recentemente, surgiu outro tipo de estabelecimento varejista, também objetivando comercializar seus produtos a baixo custo, os chamados outlets. Basicamente, os outlets são operados diretamente pelos fabricantes dos produtos, que têm assim um contato direto com os consumidores finais, possibilitando conhecer melhor suas preferências e hábitos de consumo. Permitem também aos fabricantes colocar no mercado pontas de estoque e fazer liquidações decorrentes de mudanças nas linhas de produção. É claro que preços reduzidos são o elemento-chave na atração dos clientes. Outra forma de comércio diretamente operada pelo fabricante é a venda direta, em que o vendedor de determinada indústria bate à porta dos consumidores fazendo demonstrações dos produtos e comercializando-os.
Varejo sem Loja e Vending Machines Mais recentemente, com o desenvolvimento dos sistemas de comunicação e da Internet, foi dado novo impulso ao varejo sem loja, originalmente centrado na venda por catálogo e na distribuição via correio, e hoje se apoiando fortemente na Internet. O comércio eletrônico, por sua importância nos dias de hoje, será tratado com maior destaque no Capítulo 3. Nos Estados Unidos se observa um grande volume de comercialização de produtos através do telefone, do fax e, hoje, pela Internet, com a distribuição realizada através das empresas tipo courier (Federal Express, UPS e outras). Esse tipo de comércio tem suas raízes numa estrutura logística muito especial. No caso do varejo sem loja, seja por meio de correio, telefone, fax ou Internet, surge o problema da falta de contato direto do consumidor com a mercadoria. Por exemplo, uma empresa americana líder na comercialização de livros, a Amazon Books, tenta suprir essa falta de contato com a apresentação na tela do layout da capa, juntamente com resenhas e comentários sobre as publicações à venda e oferecendo a possibilidade de devolução do material adquirido. Mas essas medidas não conseguem substituir a análise rápida do conteúdo do texto, que tradicionalmente é feita nas livrarias quando da aquisição de livros. Percebendo essa preferência do consumidor, a empresa passou a apresentar na tela uma seleção de páginas do texto, simulando a leitura rápida que fazemos na livraria, e dando elementos para que o consumidor melhor avalie o conteúdo do livro oferecido. 8
Para finalizar essa rápida discussão sobre as formas de comércio, citamos o varejo por máquina (vending machines). Cigarros, refrigerantes, sanduíches, guloseimas, além de outros produtos, são comercializados nos Estados Unidos, na Europa e no Japão por meio de máquinas operadas com moedas e, mais recentemente, com notas de papel. Essas máquinas não exigem atendentes e são instaladas em locais os mais diversos. Muitas vezes estão localizadas na via pública (como no Japão, por exemplo) ou em locais com escassa vigilância. Para seu uso em larga escala pressupõe-se, assim, um nível de segurança elevado, com baixos níveis de vandalismo e de roubo. Por outro lado, a sustentação desse tipo de varejo depende muito da estabilidade da moeda. Isso porque, quando a moeda perde seu valor muito rapidamente por força da inflação, o sistema fica inviabilizado ou pouco vantajoso. No Brasil, na época da inflação elevada, procurou-se contornar o problema com a venda de fichas especiais em pontos próximos às máquinas (jornaleiros, bares etc.). Essa prática, no entanto, reduz muito as perspectivas desse tipo de comércio, diminuindo suas vantagens competitivas. Mantendo-se a estabilidade da moeda, esse tipo de comércio tende a crescer no país. Não é nossa intenção detalhar demasiadamente as características e os elementos do comércio. Essa introdução visa discutir alguns conceitos importantes, necessários ao entendimento dos aspectos logísticos que serão abordados no texto. Os interessados em se aprofundar na matéria podem consultar a vasta literatura especializada. No Brasil, podem ser encontrados livros, periódicos e trabalhos de pesquisa sobre o assunto nas bibliotecas dos cursos de Comércio e de Administração de Empresas, principalmente. Sobre Logística, além das bibliotecas das faculdades de Administração de Empresas, material bibliográfico específico também pode ser encontrado nos cursos de Engenharia de Produção e de Engenharia de Transportes.
TIPOS DE COMÉRCIO Além dos elementos discutidos na seção anterior, ainda há alguns aspectos específicos sobre classificação do comércio que achamos oportuno enfatizar. Numa primeira classificação geral, podemos dividir as atividades varejistas em dois grupos: varejo com loja e varejo sem loja. O primeiro, que é a versão tradicional, incorpora supermercados, lojas de departamentos, lojas especializadas, enfim todos os estabelecimentos que dispõem de uma instalação predial específica para expor seus produtos, receber os clientes e realizar as vendas. O varejo sem loja, ao contrário, opera de forma diversa, estabelecendo contato com o consumidor de várias maneiras, mas sem dispor de um prédio ou de uma sala para exposição das mercadorias e atendimento dos clientes. Sua importância relativa ainda é pequena, principalmente no Brasil, mas a tendência é de expansão acentuada nos próximos anos. Nessa catego-
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ria se inclui o sistema de venda porta a porta, a mala direta (em que o cliente recebe material promocional pelo correio e faz sua encomenda por telefone ou fax), o sistema de catálogo, o telemarketing (semelhante à mala direta, mas pelo telefone ou, futuramente, pela televisão) e as compras via Internet. Os supermercados, por sua vez, são subdivididos em hipermercados, que são grandes lojas de autosserviço voltadas à comercialização de extensa variedade de produtos alimentares e de bebidas, mas mantendo também grandes áreas para a venda de roupas, artigos esportivos, utilidades do lar, acessórios de automóveis, além de outros itens. Os autosserviços de pequeno porte, de atendimento local (bairros), são muitas vezes denominados minimercados. Finalmente, numa faixa intermediária, aparecem os supermercados propriamente ditos, que são autosserviços oferecendo linha completa de itens alimentares e de primeira necessidade (material de limpeza, utensílios domésticos etc.). Hoje, estão proliferando nas grandes cidades as chamadas lojas de conveniência, a maioria aberta 24 horas por dia, e comercializando uma série de produtos consumidos no dia a dia. Atendem basicamente a situações emergenciais: pessoas sozinhas, profissionais que trabalham em horários especiais, entre outras. No Brasil, muitas dessas lojas operam junto a postos de gasolina, em parte por questões de segurança, mas também para se beneficiar da demanda agregada (pessoas que param para abastecer o carro e aproveitam a oportunidade para efetuar compras).
Importância do Varejo na Economia As atividades varejistas nos Estados Unidos representaram cerca de US$3,5 trilhões em 2002 (Retail Industry Statistics and Research, 2003), aproximadamente 28% do PIB norte-americano, uma participação muito significativa. No período 1986-1995 a movimentação do varejo naquele país cresceu a uma taxa média de 5,5% ao ano (Berman et al., 1998). Devido à crise econômica, essa taxa se reduziu a 3,9% ao ano no período 1995-2002. Na Tabela 1.1 é mostrada a divisão percentual do faturamento do varejo nos Estados Unidos, por setor. Os dados mais recentes de que dispomos sobre o varejo no Brasil são de 2001, extraídos do IBGE (Pesquisa Anual de Comércio, 2001), e apresentados na Tabela 1.2. No caso dos supermercados, a ABRAS – Associação Brasileira de Supermercados – indicou que, em 2002, o setor supermercadista faturou R$79,8 bilhões, cerca de 6% do PIB brasileiro, sendo constituído por 68.907 lojas e empregando 719 mil pessoas. De uma maneira geral o comércio no Brasil corresponde a cerca de 26,1% do PIB, de acordo com os dados do IBGE (Pesquisa Anual de Comércio, 2001). 10
A LOGÍSTICA E AS NECESSIDADES DO CONSUMIDOR As relações interpessoais no comércio varejista não ocorrem de forma aleatória ou sem nexo, mas dependem de um conjunto de forças de natureza econômica, social e tecnológica que estão por trás do comportamento dos fabricantes, dos comerciantes e dos consumidores finais dos produtos.
O Consumidor Final O foco básico do varejo está localizado no consumidor final. Muito embora pequenas firmas e organizações possam comprar diretamente nas lojas de varejo, a tendência geral é de que as empresas, por disporem de setores de compras, crédito e pessoal especializado, adquiram produtos através de atacadistas ou diretamente a partir dos fabricantes. Por isso, o foco principal do comércio é o consumidor pessoa física. Por outro lado, não obstante parte das compras no varejo se destinar ao uso estritamente individual, o processo de decisão sobre o que e quando comprar tem sua base no domicílio. Dessa forma, é muito importante entender os mecanismos mentais e psicológicos que estão por trás dos valores e do comportamento dos consumidores. Que necessidades e/ou expectativas impulsionam o consumidor típico quando pretende adquirir determinado bem ou produto? Tabela 1.1
Comportamento do varejo nos Estados Unidos por setor (2005)
Setor
Participação no faturamento (%)
•
Veículos, peças e acessórios
20,8
•
Artigos de alimentação e bebidas
12,3
•
Restaurantes e bares
9,6
•
Combustíveis, lubrificantes
9,1
•
Materiais de construção e de jardinagem
7,8
•
Varejo sem loja
6,1
•
Saúde e cuidados pessoais
5,1
•
Lojas de departamento
5,1
•
Roupas, calçados, acessórios
4,7
•
Móveis e acessórios para o lar
2,6
•
Artigos eletrônicos e eletrodomésticos
2,4
•
Artigos esportivos, de lazer, livros, artigos musicais
1,9
•
Outros
Total Fonte: US Census Bureau (2006).
12,5 100,0
11
Destacamos seis elementos: G
G
G
G
G
G
a informação sobre o produto, seu preço, uso, restrições de funcionamento, vantagens comparativas etc.; o produto em si mesmo, na forma e na qualidade desejadas; a posse do produto no momento desejado, representado pelo cumprimento dos prazos prometidos e acordados no que se refere à entrega do produto adquirido; a gratificação ou prazer pessoal ou familiar no uso ou consumo do produto adquirido; a relação de confiança e parceria com o varejista, que é concretizada através da atenção pessoal, honestidade, manutenção permanente dos padrões de qualidade etc., por parte do comerciante; a continuidade na relação entre consumidor e varejista, que caracteriza a fase de pós-venda (garantias, serviços de manutenção e consertos etc.).
Tabela 1.2
Comportamento do varejo no Brasil por setor (2003)
Setor
•
Veículos, peças e acessórios
22,3
•
Supermecados e hipermercados
21,0
•
Combustíveis, lubrificantes, GLP
20,8
•
Materiais de construção, ferragens, ferramentas, tintas e vidros
7,5
•
Tecidos, vestuário, calçados
7,3
•
Produtos farmacêuticos, perfumaria, higiene
4,6
•
Eletrodomésticos, discos, instrumentos musicais
4,6
•
Produtos alimentícios, bebidas e fumo
2,6
•
Móveis e acessórios para o lar
2,6
•
Equipamentos e materiais para escritório, informática e comunicação
1,9
•
Livros, jornais, revistas
1,6
•
Outros
3,2
Total Fonte: IBGE, Pesquisa Anual de Comércio, 2003.
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Participação no faturamento (%)
100,0
O Papel da Logística Hoje se observa uma dinâmica nunca antes constatada na oferta de produtos. De um lado, os produtos vão se aprimorando ao longo do tempo, incorporando novos elementos e novas tecnologias, numa rapidez crescente. No caso de produtos envolvendo componentes eletrônicos, esse dinamismo é ainda mais acentuado, mas mesmo produtos de consumo corrente, oferecidos em supermercados, sofrem alterações e melhorias com muita frequência. O leite, por exemplo, inicialmente comercializado nas padarias em garrafas de vidro, passou a ser oferecido em sacos plásticos, e hoje vem em embalagens mais sofisticadas, com vida mais longa, do tipo tetra pak e similares. Por outro lado, um mesmo tipo de produto normalmente apresenta um número grande de variações, em termos de sabor, tamanho, componentes, qualidade e, obviamente, preço. Esse dinamismo, que vai se acentuando com o tempo, gera forte necessidade de informação por parte do consumidor. O marketing, de um lado, procura sanar parte dessas questões através de suas campanhas publicitárias, pesquisas mercadológicas e contato direto com o consumidor. Mas, em que pesem tais esforços, esse elemento importante no comércio varejista – a informação – requer atenção redobrada. A Logística tem um papel muito importante no processo de disseminação da informação, podendo ajudar positivamente caso seja bem equacionada, ou prejudicar seriamente os esforços mercadológicos, quando for mal formulada. Isso porque a Logística é, na empresa, o setor que dá condições práticas de realização das metas definidas pelo setor de marketing. Sem ela, tais metas não têm condições de se concretizar adequadamente. Veremos também que a Logística está muito ligada, hoje, ao produto. Na nova conceituação de cadeia varejista, todo o processo logístico, que vai da matéria-prima até o consumidor final, é considerado entidade única, sistêmica, em que cada parte do sistema depende das demais e deve ser ajustada visando o todo. Por exemplo, a Benetton, que comercializa roupas no mundo inteiro, não tinge seus produtos na hora de fabricá-los, porque o mercado da moda é muito volátil. Os produtos são transportados e armazenados na cor de fundo, cinza, recebendo o tingimento final pouco antes de serem transportados para as lojas. Esse tipo de operação é chamado de postponement em Logística (postergação), e será discutido em mais detalhe no Capítulo 2. Assim, o processo de manufatura e as funções logísticas da empresa são encarados de forma integrada e resolvidos em conjunto. É a Logística que dá condições reais de garantir a posse do produto, por parte do consumidor, no momento desejado. No caso de bens duráveis, é comum no Brasil o vendedor prometer a entrega do produto numa certa data, promessa que não é cumprida por deficiências no sistema de informação, nas operações do depósito ou no transporte. O efeito negativo que tais situações
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acarretam na imagem da empresa ainda não foi convenientemente avaliado no país, mas é, sem dúvida, significativo. Empresas de entrega rápida, como a Federal Express e a UPS, por exemplo, cresceram de forma vertiginosa por oferecer serviços confiáveis, com prazos predefinidos, possibilitando aos varejistas cumprirem suas promessas aos clientes. A gratificação ou prazer, que o consumidor frui no consumo ou no uso do produto adquirido, está basicamente ligada à mercadoria em si, mas a interferência da Logística nesse processo não é desprezível. Aqui, ela entra algumas vezes de forma indireta, subjacente, mas, ainda assim, muito importante. Falhas como, por exemplo, produtos de primeira necessidade vencidos ou deteriorados, bens de consumo durável com partes faltando ou com componentes errados (voltagem diversa da desejada, por exemplo), produto entregue na cor errada, erros na instalação do aparelho etc. prejudicam seriamente o marketing dos produtos comercializados e a imagem das empresas. Aqui fica mais clara a importância de se olhar a cadeia de distribuição como um todo, e não somente uma parte dela. De nada adianta o comerciante alegar que o problema foi causado pelo fabricante ou pelo transportador, pois a imagem fica arranhada, e o comprador vai buscar outras alternativas na próxima vez que fizer uma compra semelhante. A relação de confiança e parceria entre o consumidor e o varejista, embora se apoiando na atenção pessoal, no profissionalismo e na honestidade do comerciante, vai depender em muito do desempenho logístico da cadeia de suprimento no seu todo. À medida que o consumidor vai vivenciando situações positivas no uso ou no consumo dos produtos, à medida que vê atendidas suas reclamações e respondidas suas dúvidas, e à medida que vai conhecendo mais de perto o varejista, acreditando em suas afirmações e promessas, sua confiança no sistema vai aumentando gradativamente. Essa confiança se espalha pela família e pelos amigos, criando uma imagem positiva, com benefícios palpáveis para toda a cadeia de distribuição. Qualquer deslize nas operações logísticas, seja um desentendimento entre dois elementos da cadeia percebido pelo consumidor, seja um atraso não justificável, seja uma falta de cortesia por parte do motorista que faz a entrega ou por parte do instalador, tudo isso vai se somando negativamente e depondo contra os esforços de venda e de marketing das empresas participantes. Finalmente, a continuidade na relação entre consumidor e varejista, na fase de pós-venda, talvez seja hoje o calcanhar de aquiles do varejo de bens duráveis no Brasil. Isso porque, embora os maiores problemas surjam no domínio do fabricante (falta de peças, deficiências na assistência técnica, preços dos serviços muitas vezes abusivos), é o varejista que serve como anteparo direto nas reclamações dos consumidores. Muitas indústrias estão tentando contornar o problema através do atendimento direto às reclamações dos
clientes, como também por meio do ombudsman (ouvidores), mas, na prática, as relações de pós-venda no Brasil ainda deixam muito a desejar.
A TRANSAÇÃO COMERCIAL O Ato Físico da Compra Para satisfazer suas necessidades de produtos de consumo ou de bens duráveis, o consumidor precisa despender alguns elementos importantes, de natureza econômica, física e mesmo psicológica. Podemos listar basicamente quatro elementos que são despendidos pelo consumidor ao adquirir um determinado produto: G
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o dinheiro necessário para a compra; o tempo necessário para obter as informações, o preço e as demais condições da transação, mais o tempo gasto para efetuar a compra propriamente dita e o transporte do produto até o domicílio (em alguns casos); a tensão e o consequente dispêndio de energia decorrentes de uma variedade de situações: dúvidas quanto às possibilidades de uso do produto, dúvidas quanto ao preço e às condições de pagamento, dúvidas quanto ao cumprimento do prometido por parte do varejista etc. Hoje, por exemplo, produtos duráveis como artigos eletrônicos, eletrodomésticos, computadores, periféricos e automóveis apresentam tantas versões e tipos de acabamento, alguns se tornando obsoletos tão rapidamente, que o consumidor se vê em reais dificuldades na hora de comprá-los. Acrescente-se a isso o fato de que os vendedores das lojas muitas vezes não conseguem assimilar e transmitir as informações técnicas e de uso sobre os produtos, quando solicitados pelos compradores em potencial; o esforço de transportar o produto adquirido para casa e, em alguns casos, de montá-lo e testá-lo pessoalmente. Nos Estados Unidos, em razão do custo elevado da mão de obra, boa parte do comércio não entrega os produtos em domicílio. Os compradores transportam-nos pessoalmente em furgões próprios ou alugados. Há, também, diversos produtos que são entregues na forma de kits, devendo o comprador montá-los em casa. No Brasil, a maioria das lojas ainda efetua as entregas em domicílio, quando as mercadorias, em razão do peso ou tamanho, apresentam dificuldades de deslocamento. 15
Obviamente, é o quarto elemento, entre os listados, que está mais ligado à Logística. Aqui aparecem problemas logísticos de natureza variada. Quando o produto é retirado diretamente da loja ou do depósito pelo comprador, há um acordo tácito de que ele passa a ser responsável, dali em diante, pela integridade do produto. Mas a gratificação e o prazer do ato de consumir vão ficar da mesma forma prejudicados no caso de ocorrerem avarias ou quebras do produto no seu transporte ou manuseio. Uma geladeira riscada e uma televisão mal instalada são elementos mercadológicos negativos, mesmo quando de responsabilidade do comprador. No caso de produtos pesados, como geladeiras, máquinas de lavar, televisores de maior porte, o problema se agrava, principalmente no Brasil, onde as pessoas não estão acostumadas nem preparadas para providenciar seu transporte. Algumas questões logísticas importantes ligadas a esse tipo de problema devem ser respondidas. Deve a empresa entregar os produtos maiores e mais pesados na casa do cliente? Se a resposta for positiva, deve cobrar pelo serviço de entrega? Deve manter frota própria ou terceirizar o serviço de distribuição? Qual a frequência de atendimento aos diversos bairros ou zonas de distribuição?
A Visão do Comerciante Do lado do comerciante, sua atuação está ligada a um conjunto expressivo de fatores e condicionantes, a saber: G
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G
G
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obtenção da margem necessária para sobreviver, expandir os negócios, aprimorá-los e modernizá-los, de forma a atender satisfatoriamente às expectativas dos consumidores; oferecimento de um mix de produtos, ou seja, variedade de produtos oferecidos à venda: marcas diversas, tipos, tamanhos; obtenção de vantagens diferenciais sobre seus competidores, como preços competitivos, estrutura logística atualizada, inovações tecnológicas, vantagens extras aos clientes (playgrounds para crianças em supermercados, promoções, sorteios e prêmios); localização e dimensionamento adequados para seu estabelecimento, considerando a demanda atual e sua evolução futura, o posicionamento dos concorrentes, as restrições socioeconômicas dos consumidores etc.; tamanho do mercado em que o estabelecimento está inserido, que condiciona o tipo e o tamanho da unidade varejista e sua expansão. Por exemplo, uma loja de departamentos só é possível em cidades de porte razoável;
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incorporação dos avanços tecnológicos ligados à prática varejista, ao suprimento e à administração do negócio; conhecimento dinâmico das necessidades e anseios dos consumidores, bem como dos avanços relacionados à gestão e à operação varejista; restrições governamentais e institucionais, traduzidas em políticas macroeconômicas e creditícias, leis e códigos de proteção ao consumidor, questões de segurança etc.
A maior parte desses fatores depende, para o bom desempenho geral da empresa, do correto equacionamento dos aspectos logísticos. Por exemplo, o mix de produtos que vai ser oferecido está relacionado com a política de renovação de estoques. O varejista deve evitar, de um lado, custos de estoques excessivos, com produtos encalhados ou de longo giro de comercialização, mas, por outro lado, deve evitar situações de falta de produto, em que o cliente o procura, mas o lojista não o tem para pronta entrega (ver Capítulo 6). Ou seja, as técnicas logísticas vão ajudá-lo a definir um mix de produtos que seja compatível com o nível de vendas esperado e com a prática da concorrência.
EVOLUÇÃO DO PERFIL DA OFERTA E DA DEMANDA Vimos que as decisões relacionadas às compras no mercado varejista estão basicamente focalizadas no domicílio. A família clássica, tomada como referência-padrão nos livros-texto, é formada pelo pai (o chefe da família) e a mãe, mais um filho e uma filha, ambos crianças em idade escolar. Mas será essa a família típica vigente em nosso século? Não, definitivamente. Procuraremos resumir em alguns parágrafos os principais aspectos ligados à evolução do perfil do consumidor nas últimas décadas, que culminou na ampla variedade de tipos hoje observados na nossa sociedade de consumo. Iniciamos nosso retrospecto na Segunda Guerra Mundial, nos Estados Unidos. Ao entrar na guerra, o governo americano mobilizou toda a sociedade do país para a produção bélica. Aviões, navios, tanques de guerra, armas, como também uniformes, víveres, material de primeiros socorros e outros artigos tinham que ser produzidos rapidamente e em larga escala. A urgência e a extraordinária demanda forçaram a escolha de uma estratégia produtiva especial. Essa estratégia consistia em: G
produtos, padrão, uniformes, sem variações de tipo, acabamento, potência etc. O famoso jeep, veículo versátil, ágil e resistente, foi produzido em larga escala e usado pelas tropas nos diversos continentes,
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G
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durante e depois da guerra. Outro exemplo era o avião DC-3, inicialmente um transportador de tropas e equipamentos, largamente utilizado depois da guerra para o transporte de passageiros pelas empresas aéreas emergentes do mundo todo; volume de produção elevado, exigindo linhas de montagem múltiplas, desenvolvimento de novas formas de administração da produção e grande aporte de recursos financeiros; mobilização maciça da população, inclusive mulheres e homens não alistados para a guerra que, após treinamento intensivo, passaram a trabalhar na linha produtiva, de retaguarda.
A mobilização da população exigiu um grande esforço de marketing por parte do governo dos Estados Unidos. De fato, contrário por natureza a qualquer tipo de luta armada e ainda tendo que participar de uma guerra noutro continente, não se poderia esperar reação positiva do povo americano. Mas as mensagens de propaganda bem elaboradas, associadas ao carisma pessoal do presidente Roosevelt, acabaram por mobilizar e empolgar os cidadãos daquele país. Muitos problemas produtivos foram enfrentados e resolvidos durante o conflito. Por exemplo, a fabricação de navios era feita até então por rebitagem, exigindo um tempo excessivamente elevado e grande dispêndio de mão de obra. A solução seria a soldagem dos elementos do casco, mas as primeiras embarcações (petroleiros) assim produzidas se partiram ao meio, no mar. A pressão da guerra forçou o desenvolvimento de pesquisas e soluções de tal ordem que, após o conflito, os estaleiros passaram a usar unicamente a solda, com grande economia na construção de navios. Muitos conceitos administrativos e de gestão do processo produtivo foram também criados ou aperfeiçoados durante a Segunda Guerra. A linha de produção típica, criada por Henry Ford, foi melhorada, o projeto dos produtos foi simplificado visando ao barateamento e à maior agilização da produção, novas técnicas de otimização do processo produtivo e do uso dos equipamentos, como a pesquisa operacional, foram concebidas e desenvolvidas nessa ocasião. Acabada a guerra, e vitoriosos, os americanos tinham à mão um parque produtivo ímpar, devidamente testado e azeitado, pronto a produzir artigos não bélicos. A população, por seu turno, estava mobilizada e receptiva a mensagens de conteúdo patriótico. O governo, por outro lado, percebia a necessidade de desenvolver a economia do país, sob pena de enfrentar uma recessão de graves consequências. Surgiu, assim, um esforço concentrado de marketing com as seguintes características:
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grandes lacunas na demanda de bens duráveis (geladeiras, automóveis) e de produtos industrializados de consumo (conservas, bebidas, laticínios); marketing aproveitando a mobilização de guerra, com o governo reforçando o caráter patriótico do consumo, visando reerguer a economia do país; aproveitamento da capacidade instalada nas indústrias norte-americanas; marketing centrado na família-padrão, composta pelos quatro elementos indicados: pai, mãe e dois filhos; produtos padronizados, sem variações de acabamento, cores etc. O exemplo típico era a geladeira branca de tipo único, que ficou folclórica nas crônicas sobre a sociedade americana.
O resultado desse esforço maciço foi positivo, provocando a expansão da indústria, do comércio e dos serviços nos Estados Unidos, e ao mesmo tempo elevando expressivamente a renda média da população. Mas, à medida que o nível de renda e a demanda foram crescendo, cresceu também o desejo do consumidor por maior diversidade de produtos. Em paralelo, ia aumentando também a competição entre as indústrias e os comerciantes. O resultado foi uma paulatina evolução para produtos mais diferenciados. As geladeiras e os automóveis começaram a ser comercializados com mais cores, inicialmente oferecendo poucas opções, mas logo ampliadas para um leque maior. No caso dos automóveis, a Volkswagen, nos primórdios da indústria automobilística brasileira, produzia carros (a linha Fusca) com algumas cores não metálicas. A mecânica, por sua vez, era única, com um tipo de motor apenas e nenhum acessório. Nessa época surgiram as lojas de equipamentos para automóveis, as quais instalavam rádios, capas para os bancos, calotas especiais e outros complementos, atendendo, assim, a uma demanda mais diferenciada, até então não satisfeita pelas montadoras. Mas não foi somente o aumento da renda e o anseio por maior diversidade de produtos que caracterizaram a mudança de perfil do consumidor a partir da Segunda Guerra Mundial. A população apresentou mudanças profundas em seu perfil etário e em seus hábitos. De um lado, as necessidades econômicas e financeiras obrigaram a maioria das mulheres a trabalhar fora do lar, criando novas expectativas e preferências de consumo. Muitos casais deixaram de ter filhos ou se restringiram a apenas um. Por outro lado, a expectativa de vida da população aumentou bastante nas últimas décadas. Como consequência, os casais idosos passaram a ter maior importância no marketing de produtos. O número crescente de pessoas separadas ou di-
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vorciadas, homens e mulheres, gerou outro tipo de consumidor. Muitos jovens deixaram de se casar cedo, preferindo morar sozinhos, longe da casa dos pais. O mercado de trabalho criou espaço para jovens de grande talento e garra, com salários relativamente elevados, gerando a geração yuppie, com características de consumo muito próprias. As relações homossexuais foram se tornando mais abertas e mais aceitas pela sociedade, ocasionando uniões de pessoas do mesmo sexo, sob o mesmo teto. É claro que cada categoria tem preferências específicas. Por exemplo, é clara a preferência dos yuppies por carros esportes de maior preço, roupas de grife e aparelhos de som sofisticados. Pessoas que vivem sozinhas tendem a comer fora com maior frequência e a consumir mais bebidas. Os casais idosos, em geral aposentados e com renda mais reduzida, tendem a consumir produtos de menor preço. Mas seria somente a preferência por produtos diferentes que caracteriza, hoje, os diversos grupos de consumidores? Na verdade, a alteração no perfil do consumidor é mais ampla. A questão da utilização do tempo, por exemplo, é característica. Com o crescimento do trabalho feminino fora do lar e com o aumento do número de pessoas divorciadas ou solteiras, as compras durante o dia ficaram mais difíceis de se realizar. Como resultado, as lojas e supermercados passaram a ficar abertos durante um período maior, estendendo a operação até às 8 ou mesmo 10 horas da noite. O reforço do atendimento aos sábados, por outro lado, se tornou mandatório, pois é nesse dia em que mais se concentram as compras. Atualmente, mesmo aos domingos, os supermercados permanecem abertos em grande parte do país. Em muitos lugares, por outro lado, em que os dias de pagamento do salário são bem definidos, os supermercados observam acúmulo de vendas em certas épocas do mês. Outro caso típico é formado pelos compradores via Internet. Pessoas que trabalham em atividades com muito desgaste mental ou psicológico, como operadores do mercado financeiro, jornalistas, analistas de sistema, entre outros, requerem um bom tempo para relaxar e reiniciar as atividades após um cansativo dia de trabalho. Voltam tarde para casa e, após a refeição e um breve descanso, partem para a navegação na Internet. Muitas vezes, é na madrugada que acham seus objetos de consumo, fazendo então seus pedidos. Identificar cada tipo de consumidor e entender seus hábitos e anseios é hoje uma necessidade premente para o comércio varejista. Evidentemente, os setores de marketing dos fabricantes de produtos e das grandes empresas varejistas conhecem razoavelmente bem muitas de suas nuanças. Mas não podemos esquecer que as respostas a esses tipos diferenciados de demanda vão acabar se concretizando, na prática, com o apoio da Logística, e nem sempre se pensa nessas questões com a devida atenção e antecedência.
Por exemplo, a grande preocupação com a redução de estoques nos supermercados exige uma avaliação muito criteriosa da oscilação do volume das compras ao longo do dia e da semana. Nos Estados Unidos se observa hoje uma grande preocupação com os impactos negativos da falta do produto nas gôndolas. E as faltas de produto se concentram muitas vezes no fim da tarde e à noite. Como então programar os horários de reabastecimento da loja, levando em conta as restrições de tráfego, o perfil de demanda em cada estabelecimento e a probabilidade de falta dos produtos? Ou seja, à medida que o perfil do consumidor vai se diversificando e a competição no varejo vai ficando mais apertada, o entrosamento entre os diversos setores da empresa, marketing, compras, distribuição física etc. se torna cada vez mais importante. As grandes divisões tradicionais de atuação na empresa, finanças, marketing, vendas, logística, passam a ser tênues, valendo agora o desempenho integrado e otimizado de todos os setores conjuntamente.
COMÉRCIO E MANUFATURA NA CADEIA DE DISTRIBUIÇÃO Tradicionalmente, a manufatura, ou seja, a indústria, é que ditava (e ainda dita em grande parte dos casos) as regras na cadeia de suprimento. A fabricação de produtos requer muita tecnologia e investimentos. Para ser economicamente rentável, a linha de produção tradicional é submetida a uma série de métodos de racionalização e de otimização: estudo de tempos e de métodos para melhor aproveitar a mão de obra, sequenciamento ótimo dos processos e dos fluxos de materiais no chão de fábrica para racionalizar o uso de equipamentos e da capacidade produtiva, lote padrão otimizado para melhor diluir os custos de set-up das máquinas etc. Em razão dos custos e dos investimentos envolvidos na área de produção, as relações internas nas grandes indústrias e os contatos externos com os demais agentes da cadeia de suprimento têm sido tradicionalmente dominadas pelo setor de manufatura. O lançamento de novos tipos de produto, as formas de distribuição, os preços, a sistemática de pagamento e outros tipos de relação fabricante/varejista têm sido estabelecidos pela indústria, sobrando pouco espaço de escolha para o varejista. Nos últimos anos vêm se observando, no mundo, alterações sensíveis nesse processo. De um lado, o uso intensivo da robotização, da informática e da terceirização na produção de componentes tem facilitado, em muito, a flexibilização da manufatura. Hoje, com os instrumentos de gerenciamento da produção e com as técnicas de manufatura disponíveis, é possível atender com mais facilidade as demandas dos varejistas. Mas o elemento primordial nesse novo cenário é a necessidade absoluta de atender às exigências do consumidor final. O varejista, melhor do que ninguém na cadeia de suprimento, é o agente mais capacitado para avaliá-las e
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atendê-las de forma satisfatória. Como consequência, observa-se nos países desenvolvidos uma tendência de transferência de poder dos fabricantes para as grandes cadeias varejistas. O exemplo mais marcante, e que deu início a essa nova fase, é o das relações entre a Wal-Mart, nos Estados Unidos, e a Procter & Gamble, no episódio das fraldas descartáveis produzidas por esta última (ver Capítulo 6). No início, a Procter & Gamble dava as cartas no suprimento e comercialização das fraldas descartáveis, mas as duas grandes empresas acabaram chegando a um consenso. Hoje a Procter & Gamble tem acesso direto em real time aos dados estratégicos de vendas desse produto nas lojas da Wal-Mart, e vai suprindo o varejista de forma automática (VMI – Vendor Managed Inventory ou Estoque Administrado pelo Fornecedor). Outro exemplo de predomínio do varejista na definição da estratégia de operação da cadeia de suprimento é o da empresa Li & Fung, de Hong Kong (ver Capítulo 2).
TENDÊNCIAS DE EVOLUÇÃO DO COMÉRCIO
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Nesta era de grandes transformações tecnológicas, torna-se muito difícil a previsão de tendências. Mas alguns pontos vão se tornando mais claros. Com relação ao setor supermercadista, fala-se muito na eliminação futura dos operadores de check-out (caixas). Os consumidores receberiam, ao entrar no supermercado, um scanner apropriado, e iriam registrando suas compras ao colocá-las no carrinho. Ao sair, os produtos passariam por um processador eletrônico automático, que checaria as mercadorias e debitaria a despesa diretamente no cartão de crédito. Com a eliminação das frentes de caixa, os recursos economizados em mão de obra seriam apreciáveis. No Brasil, apesar dos salários menores, os ganhos seriam significativos em razão da crescente participação dos encargos indiretos nas despesas de pessoal. Mas não é a economia de mão de obra o único ganho desse avanço tecnológico. Ao registrar as compras no computador, associando-as a um cartão de crédito específico, a empresa poderá acompanhar os hábitos de consumo dos clientes ao longo do tempo. Um acerto entre as empresas supermercadistas da região poderia resultar num intercâmbio de informações, possibilitando a análise dos hábitos dos consumidores e trazendo subsídios preciosos para questões importantes como, por exemplo, fidelidade às marcas, fidelidade ao estabelecimento varejista, dias e horários preferidos por categorias diversas de consumidores etc. Por outro lado, o cruzamento desses dados com informações sobre a localização da residência do consumidor na malha urbana pode trazer elementos preciosos para estudos de localização e de dimensionamento das lojas. Por exemplo, um estudo de hábitos de consumo nos supermercados realizado numa região dos Estados Unidos mostrou que, nas sextas-feiras à
noite, havia uma concentração de compras casadas, envolvendo fraldas descartáveis e cerveja. Foi detectado ainda que tais compradores eram predominantemente homens. Uma análise mercadológica foi então realizada, tendo sido identificado o fim de semana, que se iniciava na noite de sexta-feira, como motivação básica por trás da ação do consumidor. As esposas telefonavam para os maridos no fim do expediente, solicitando que passassem no supermercado antes de vir para casa. O objetivo era comprar fraldas, de forma a garantir o consumo no fim de semana. O marido associava então o fim de semana com o ato de assistir programas esportivos na televisão, tomando cerveja com os amigos. Como resultado desse estudo, a cadeia de supermercados em questão alterou o arranjo das gôndolas, aproximando as fraldas descartáveis da cerveja, mas tomando o cuidado de inserir outros produtos com margem mais elevada de comercialização e associados ao lazer de fim de semana, tais como salgadinhos e outras bebidas. O resultado, em termos de aumento de vendas, foi um sucesso. Mas, pensando estritamente sob o ponto de vista dos clientes, que outros benefícios poderiam ser gerados por esse tipo de estudo, de forma a melhor atendê-los? Como resultado da análise dos diferentes perfis de consumo, os consumidores poderiam receber, em suas casas, material promocional ligado diretamente às suas preferências. Por outro lado, a classificação dos clientes de acordo com o montante de compras por mês, fidelidade ao estabelecimento e preferência por determinadas marcas de produtos, por exemplo, poderia servir de subsídio a campanhas de premiação e de descontos mais direcionadas do que as atuais. Um avanço tecnológico, que provavelmente afetará sensivelmente o varejo, é a integração do computador doméstico com a televisão. O consumidor poderá percorrer diretamente as diversas ofertas mostradas na televisão ou poderá deixar o computador pesquisar os produtos por marca, por tipo, por preço ou de acordo com outro critério eventual. Uma vez encontrados os produtos desejados, o cliente fará o pedido diretamente na rede, pagando com cartão de crédito ou com algum outro tipo de moeda digital. Muito embora a Internet já represente certo avanço nessa direção, a interligação televisão/computador parece ser o grande salto mercadológico num futuro próximo. Não é por outra razão que empresas como a Microsoft estão investindo muito esforço e dinheiro no desenvolvimento desse sistema. Mas esse sistema opera somente com TV a cabo e sua disseminação em nosso país vai depender da expansão da demanda. Outro desenvolvimento que poderá facilitar, em muito, a vida do consumidor de roupas e de calçados é o registro num chip de todas as medidas antropométricas e estéticas do cliente. Esse chip, levado na bolsa ou na carteira, seria eletronicamente lido na loja (RFID – Identificação por Radiofrequência). Uma vez escolhido o tipo de roupa ou sapato, bem como sua cor, o
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sistema projetaria numa tela a imagem do consumidor devidamente vestido com o produto. Essa operação poderia ser feita facilmente pelo próprio interessado, eliminando boa parte dos setores de provas hoje existentes nas lojas e seus funcionários. Deve-se lembrar que, ao experimentar as roupas, os consumidores acabam deixando atrás de si um grande número de peças, que posteriormente precisam ser arrumadas e empacotadas pelos funcionários, antes de voltarem ao mostruário. Numa fase tecnologicamente mais avançada, a manufatura poderia produzir a roupa escolhida nas dimensões exatas do cliente, para posterior entrega em sua casa. A questão do postponement, ou postergação, poderá afetar também significativamente alguns tipos de varejo. Há certos produtos cuja variedade é elevada, como livros e CDs, apresentando muitos títulos. Para esses produtos, os métodos tradicionais de gestão de estoques, embora utilizados, não são suficientes. As livrarias e lojas de discos são obrigadas a manter mostruários e estoques suplementares, e, como há um número elevado de varejos desse tipo espalhados geograficamente, o nível de inventário total eleva significativamente o custo de comercialização desses produtos. Uma possível solução seria formada pelos quiosques eletrônicos, que possuiriam terminais ligados a um computador central e acoplados a uma máquina impressora do tipo Xerox. Após analisar o conteúdo no terminal do computador, e pagar a despesa com cartão de crédito, o livro ou o CD seria impresso e encadernado no ato. Haveria então o postponement da fabricação do livro ou do CD. A própria Xerox vem implantando mudanças radicais em seus serviços, ampliando os usos de suas máquinas de forma a gerar, transmitir, receber e processar dados digitalizados. Assim, enquanto a máquina tira uma cópia eletrostática de um documento, a informação digitalizada é transmitida imediatamente ao computador central, possibilitando seu registro magnético e o seu encaminhamento a outros pontos. Dessa forma, o desenvolvimento e a implantação generalizada de quiosques do tipo descrito é apenas uma questão de tempo. A par do grande desenvolvimento tecnológico, inegavelmente importante, não se pode esquecer o grande salto qualitativo que, sem dúvida, vai permear as atividades varejistas num futuro próximo. Nesse contexto, a satisfação do cliente é o elemento-chave das mudanças já em curso. A tendência do varejo é atender às necessidades e desejos do cliente de forma customizada e rápida, mesmo no caso de produtos duráveis, como automóveis, por exemplo. Para que isso aconteça é necessário cortar os estoques, porque seria economicamente inviável estocar em cada concessionária todos os tipos de veículos, com todas as combinações de acessórios e de cores. Hoje, no Japão, na Europa e nos Estados Unidos, é possível entrar numa concessionária e fazer o pedido de um determinado tipo de veículo, com os acessórios e a cor desejados, para entrega num prazo relativamente
curto. No Capítulo 3, abordaremos este assunto em mais detalhes, quando falarmos da customização em massa (mass customization). O pedido do cliente é alimentado no computador, que passa as informações à fábrica. O mais importante nesse processo é que, através de um sistema de fabricação “puxado”, a cadeia de suprimento se mobiliza de forma a entregar o automóvel ao cliente num prazo bastante restrito. Essa integração otimizada entre manufatura e varejo só é possível de se realizar com uma cadeia de suprimento afinada e atualizada. Assim, não é demais enfatizar que o futuro do varejo esteja intimamente vinculado à Logística em termos não somente conceituais, mas sobretudo práticos.
VAREJO 2010 As considerações que se seguem tiveram como base o artigo da Retail Forward (2003). A década de 1990, no que se refere à evolução do varejo, foi caracterizada por mudanças rápidas e abrangentes. Esta primeira década do século XXI, por sua vez, continuará mostrando um forte darwinismo, ou seja, será caracterizada pela sobrevivência dos mais fortes, com um pequeno número de grandes empresas varejistas dominando o mercado global. As empresas varejistas que tenderão a desaparecer do mercado não serão apenas organizações do tipo padrão, tradicionais. Além disso, formatos clássicos de comercialização e diversos segmentos inteiros acabarão sendo substituídos por outras formas mais modernas e flexíveis de comercialização. A visão difusa dos contornos entre os vários agentes do mercado, discutida no interessante livro de Davis e Meyer (1999), vai impregnar fortemente o setor de comércio, quando então muitos fornecedores serão varejistas e muitos varejistas serão também fornecedores. O setor de varejo tende a dominar o mercado. À medida que as grandes cadeias varejistas forem se tornando cada vez mais globais, procurarão novas fontes alternativas de suprimento. Até o final da década, muitos fornecedores notarão que entre seus competidores mais fortes estarão diversos de seus clientes varejistas, que avançarão no comando da produção por meio de marcas próprias, fabricadas dentro das especificações impostas pelo comerciante. Os fornecedores, por outro lado, tenderão a atuar como varejistas, procurando atingir o consumidor final pelo marketing direto e pela Internet. Esses eventos tendem a gerar um ambiente de negócios muito incerto, não visto desde os anos 70, um ambiente no qual os varejistas do mundo todo e seus fornecedores terão dificuldades para planejar suas atividades. De fato, em termos econômicos não se espera um ambiente de negócios estável nesta década e, portanto, as empresas precisarão aprender a planejar dinami-
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camente na incerteza. Além dos desafios econômicos, os varejistas se depararão com consumidores cada vez mais complexos, para os quais será mais difícil compreender seus interesses e valores. O varejo será fortemente dominado pelo comprador em qualquer nível. Os consumidores serão mais pro ativos, mas também mais pragmáticos. O comportamento do consumidor nas suas compras será mais complexo. Cada consumidor terá várias faces. Esse consumidor multidimensional fará suas compras de maneiras diversas, dependendo das considerações do momento, as quais definirão suas decisões de compra e a escolha do estabelecimento varejista. Até 2010 o mercado consumidor será definido fortemente por hábitos de compra e motivação de consumo, que variarão bastante e de forma difusa. Ou seja, muito embora as características demográficas e socioeconômicas continuem a ter influência nas compras dos consumidores, haverá uma grande variedade de fatores indutores externos, veiculados pela mídia e pelo marketing. Assim, cada consumidor será, de fato, um consumidor diferente, dependendo da compra em particular, da motivação, da propaganda, das condições de preço, do financiamento etc. Por exemplo, nos Estados Unidos o leasing de automóveis para pessoa física cresceu muito nos últimos anos porque possibilita maior flexibilidade ao longo do tempo: o comprador tem garantidas as possibilidades de devolução após um determinado período de tempo, a troca por outro novo ou a posse do veículo atual. Hoje já está sendo implantado nos Estados Unidos um processo de leasing para imóveis. No Brasil, as elevadas taxas de juros e as oscilações expressivas nas taxas de câmbio tornaram menos atrativa essa forma de comercialização, depois de uma fase crescente no início do Plano Real. As características demográficas dos consumidores serão um desafio mercadológico para fabricantes e varejistas. O rápido aumento de consumidores da terceira idade tende a mudar o leque de gastos de consumo. Pessoas idosas têm renda menor e tendem a gastar menos com produtos em geral e mais com cuidados de saúde, viagens e lazer. Para entender melhor o comportamento dos consumidores, será necessário levantar e analisar mais informações sobre suas necessidades, preferências e hábitos de compra, em um nível bastante individualizado. Por meio de cartões eletrônicos de identificação ou de crédito, ou por outras formas (como o RFID, ver Srivastava, 2004), as empresas varejistas poderão coletar informações preciosas e, ao mesmo tempo, os consumidores poderão transmitir suas necessidades e anseios aos comerciantes. Por exemplo, um dos problemas atuais mais sérios no setor supermercadista é a falta de produtos na gôndola quando o cliente vai às compras (ver Capítulo 6). Quando isso ocorre, fica difícil para a empresa identificar quantos e quais consumidores não conseguiram comprar os produtos desejados. Em alguns supermercados, os caixas perguntam aos clientes se não encontraram nas prateleiras al-
gum produto que desejavam adquirir, mas esse processo de registro é pouco eficiente. Formas que possibilitem coletar essas informações de maneira prática e eficiente ajudarão em muito os varejistas a se adaptarem às variações da demanda. Quatro formas básicas de consumo desafiarão os varejistas na presente década: 1. Consumo rotineiro, de menor valor e de realização rápida: é caracterizado por frequência declinante de compra ou por abastecimento automático em alguns casos, pelo aumento da fidelidade às marcas e por uma preferência crescente por preços estáveis. Esse tipo de cliente dará preferência a compras concentradas, quando poderá conseguir os produtos de consumo diário e de uso pessoal em uma única viagem, se possível em um único ponto. Os varejistas que desejarem conquistar esse tipo de consumidor deverão focalizar suas iniciativas na criação de mecanismos de entrega de baixo custo, mas altamente eficientes. A consecução desse objetivo se apoiará em processos logísticos criativos e eficazes. 2. Consumo voltado a soluções específicas: buscando produtos, serviços, informações ou suporte necessários para resolver um problema específico ou atingir um determinado objetivo. Por exemplo, um homem gordo que busca um terno ou uma camisa que lhe caia bem, sem que seja forçado a se dirigir a um alfaiate, o que o obrigaria a enfrentar prazos e preços elevados. As soluções para esse tipo de consumidor deverão focalizar a variedade e a oferta de produtos específicos, de forma a garantir que um atendimento completo, em uma única viagem, satisfaça plenamente o consumidor. Serão necessárias maneiras eficientes de comunicação de forma a melhor entender o que esses consumidores desejam concretizar. Os varejistas que quiserem atrair e manter consumidores dessa classe deverão dar ênfase às relações interpessoais com os clientes, e não atuar meramente centrados em transações. 3. Consumo de autoexpressão: reflete a individualidade do consumidor motivada pelas preferências de moda, de gosto e de estilo de vida. Esse tipo de consumo é egointensivo, emocional e cognitivo. É conduzido por desejos em lugar de necessidades. Artigos de beleza e de vestuário sofisticados, relógios de grife, bebidas importadas de maior preço, carnes de corte e maturação especiais são exemplos desse tipo de consumo. 4. Consumo com motivação de descobrimento: caracterizado por um forte componente impulsivo. Muito embora os consumidores estejam se tornando cada vez mais objetivos, procurando otimizar tem-
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po, esforço e dinheiro, eles também buscam sensações, inclusive no ato de comprar certos produtos. Algumas vezes é a mera emoção da caçada, ou seja, encontrar algo que ordinariamente não compraria, a um preço bom o suficiente para não resistir. Os consumidores, quando se comportam dentro desta categoria, buscam uma experiência de consumo gratificante, sendo fortemente influenciados por produtos novos e criativos, estímulo sensorial e a oportunidade de se divertirem. Exemplo desse tipo de varejo é a da empresa sueca Ikea, com diversas lojas de móveis na Europa e nos Estados Unidos (www.ikea.com). Essa empresa procura converter o ato de compra em uma experiência pessoal gratificante, fornecendo pranchetas e demais acessórios de desenho e ajudando o comprador a montar no papel seu próprio arranjo decorativo, tudo com o apoio de atendentes especializados. O desenvolvimento do setor varejista até 2010 será caracterizado por uma real evolução nas formas como os comerciantes criarão valor para os consumidores. A era da eficiência, que conduziu a uma consolidação sem precedentes no setor, está se aproximando do fim. O esforço agora é na direção da cadeia de valor inteligente, em que a tecnologia e as ferramentas de gestão, com foco na demanda, possibilitarão a execução de estratégias de marketing, de gestão e de logística em estreita consonância com os interesses reais dos consumidores. Como essas forças de mudança atuarão ao longo do restante desta década? Alguns aspectos específicos podem ser vislumbrados. Em primeiro lugar, os varejistas tenderão a ampliar o mix de produtos oferecidos a seus clientes de forma a satisfazer as preferências cada vez mais variadas e multidimensionais dos consumidores. Em contrapartida, formas mais sofisticadas de distribuição e reposição de estoques serão implementadas. Grandes empresas como a Wal-Mart, que muitos acham que sofrerá um colapso, sucumbindo sob seu próprio peso, não só sobreviverão, como abrirão novas frentes no mercado varejista. As grandes lojas de departamento, por outro lado, estão presas num círculo vicioso provocado por uma competição crescente dos varejistas de massa1 e por lojas especializadas e de grife, o que tende a levar a consolidações e retrações inevitáveis naquele tipo de comércio. No que se refere ao comércio eletrônico, por sua vez, não se espera um aumento expressivo de participação no movimento total, mas terá efeitos profundos nas operações e na gestão dos negócios. 1
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Comerciantes que se apoiam num elevado giro de estoque e preços baixos, vendendo assim grande quantidade de produtos.
A saturação do mercado varejista está rapidamente se tornando uma realidade, limitando a instalação de novas lojas. Novas localizações de estabelecimentos varejistas estão se tornando menos produtivas, provocando uma divisão da demanda entre um maior número de competidores. Essa situação leva a prazos de retorno dos investimentos mais longos, com riscos crescentes de insucesso. Os varejistas serão cada vez mais forçados a buscar novas formas de atingir o mercado. A expansão dos negócios, conseguida pela conquista de fatias de mercado na mão de competidores, será cada vez mais difícil, pois os grandes participantes tendem a renovar estrategicamente sua atuação de forma a manter seu market share. As lojas de varejo se tornarão mais inteligentes, adotando novas tecnologias para ampliar a utilização de seus espaços e para aumentar a produtividade de seus funcionários. Ao longo do tempo, se poderá notar a substituição de mão de obra por soluções tecnológicas que tenderão a eliminar a interferência direta de pessoal. A utilização do M-commerce, ou seja, comércio eletrônico móvel (Capítulo 3), não será forte no B2C, mas será bastante utilizado no B2B. Alguns sites na Internet apresentam matérias interessantes sobre comércio de uma forma geral. Destacamos os sites www.retailforward.com, www.ideabeat.com, www.durlacher.com, www.idc.com e www.abras.com.br entre outros.
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Da Logística ao Supply Chain Management
NESSES 60 anos decorridos desde a Segunda Guerra Mundial, a Logística apresentou uma evolução continuada, sendo hoje considerada um dos elementos-chave na estratégia competitiva das empresas. No início era confundida com o transporte e a armazenagem de produtos; hoje é o ponto nevrálgico da cadeia produtiva integrada, procurando atuar de acordo com o moderno conceito de SCM – Supply Chain Management (Gerenciamento da Cadeia de Suprimento). Neste capítulo, faremos um retrospecto sucinto da evolução da Logística desde a Segunda Guerra Mundial até os dias de hoje, período em que praticamente todo o processo produtivo e comercial vem sendo reestruturado dentro dos princípios do SCM. Apesar de se tratar de um assunto abordado na maioria dos livros da área, julgamos necessária essa discussão, porque muitas das questões que virão a ser discutidas neste texto, referentes à distribuição de produtos, farão referência a conceitos básicos importantes, abordados neste capítulo.
O QUE É LOGÍSTICA? Na sua origem, o conceito de Logística estava essencialmente ligado às operações militares. Ao decidir avançar suas tropas seguindo uma determinada estratégia militar, os generais precisavam ter, sob suas ordens, uma equipe que providenciasse o deslocamento, na hora certa, de munição, víveres, equipamentos e socorro médico para o campo de batalha. Por se tratar de
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um serviço de apoio, sem o glamour da estratégia bélica e sem o prestígio das batalhas ganhas, os grupos logísticos militares trabalhavam em silêncio, na retaguarda. Foi o que também ocorreu nas empresas durante um bom período de tempo. Uma indústria precisa transportar seus produtos da fábrica para os depósitos ou para as lojas de seus clientes; precisa também providenciar e armazenar matéria-prima em quantidade suficiente para garantir os níveis de fabricação planejados. Por outro lado, em razão das descontinuidades entre o ritmo de produção e de demanda, precisa manter produtos acabados em estoque. Essas operações eram antigamente consideradas atividades de apoio, inevitáveis. Os executivos entendiam então que, no fundo, tais operações não agregavam nenhum valor ao produto. Dentro da organização empresarial, esse setor era encarado como um mero centro de custo, sem maiores implicações estratégicas e de geração de negócios. Em linguagem de hoje, diríamos que esse setor da empresa atuava de forma reativa e não proativa. A maioria das indústrias, por outro lado, surgiu no chão da fábrica, girando em torno do processo de fabricação de uns poucos produtos, com o restante da organização gravitando em torno da manufatura. Ainda hoje, no Brasil e mesmo no exterior, se observa o poder que o setor da manufatura desfruta em muitas indústrias. Isso pode ser observado também nos cursos de Engenharia de Produção do país, os quais, na sua maioria, focalizam predominantemente o processo de fabricação industrial. Esse contexto ainda colabora, em muitos casos, para que algumas empresas considerem as atividades logísticas algo secundário na organização empresarial. Um elemento básico no processo produtivo é o distanciamento espacial entre a indústria e os mercados consumidores, de um lado, e as distâncias entre a fábrica e os pontos de origem das matérias-primas e dos componentes necessários à fabricação dos produtos, de outro. O produto, ao sair da fábrica, já tem um valor intrínseco a ele agregado, mas esse valor está ainda incompleto para o consumidor final. Para que o consumidor possa usufruir o produto em toda sua plenitude, é necessário que a mercadoria seja colocada no lugar desejado. Por exemplo, a geladeira comprada por uma dona de casa só gera seu valor intrínseco quando for instalada na casa da compradora e passar a refrigerar os alimentos da família. O sistema logístico, mesmo o mais primitivo, agrega então um valor de lugar ao produto. Um exemplo anedótico desse importante elemento é o de um torcedor num estádio de futebol, em dia de final de campeonato e de muito sol, que reclama do preço da cerveja ao vendedor ambulante. O vendedor, irritado, pergunta ao comprador por que não vai procurá-la num supermercado, cujo preço com certeza é bem inferior. A existência da cerveja mais barata no supermercado, no caso, não agrega valor para o consumidor, pois seu alcance geográfico está fora de questão naquele momento.
O valor de lugar depende, obviamente, do transporte do produto, da fábrica ao depósito, deste à loja, e desta ao consumidor final. Por essa razão, as atividades logísticas nas empresas foram por muito tempo confundidas com transporte e armazenagem. No entanto, o conceito básico de transporte é simplesmente deslocar matérias-primas e produtos acabados entre pontos geográficos distintos. Com a evolução do sistema produtivo e do comércio, esse elemento, embora importante, passou a não satisfazer isoladamente às necessidades das empresas e dos consumidores. Vejamos um exemplo negativo, antilogístico por excelência, que pode nos ajudar bastante no entendimento do contexto da moderna Logística. No início da década de 1960, quando a indústria automobilística estava sendo implantada no Brasil, as rodovias eram muito precárias. Os veículos que saíam das fábricas, em São Bernardo do Campo, e eram destinados ao Nordeste tinham duas alternativas de deslocamento: ir rodando até o destino pelas estradas não pavimentadas, em caravanas (as carretas especializadas ainda não existiam), ou ser transportados de navio, a partir do porto de Santos. No primeiro caso, o desgaste e os riscos de avaria eram muito grandes. Assim, o transporte marítimo de cabotagem se apresentava como uma boa opção alternativa. A Translor, empresa de transportes pioneira nesse setor e hoje incorporada à operadora logística internacional Ryder, decidiu fazer um embarque maciço de veículos, contratando praça num navio brasileiro para transporte do carregamento até Recife. O navio, o Santópolis, era uma embarcação velha e com manutenção precária. Saindo de Santos, o barco perdeu o hélice logo à altura de São Sebastião, ficando à matroca em alto-mar (sem governabilidade, na linguagem naval). O armador solicitou, então, socorro à Marinha, no Rio de Janeiro. Um rebocador foi enviado ao local e conduziu o navio até a Baía da Guanabara. Lá, ficou esperando para ser docado, enquanto os armadores buscavam um hélice substituto nos estaleiros locais. A Marinha, analisando a carga, concluiu que a embarcação poderia ser docada com os veículos a bordo, devido à baixa densidade do carregamento. O embarcador, no caso a Translor, tentou reaver parte do frete, pois foi obrigada a transferir a carga para outro navio e seguir viagem. O valor dos automóveis embarcados era muito maior do que o valor do navio, gerando custos financeiros elevados. O armador, numa resposta totalmente antilogística, alegou que a “documentação do transporte (o conhecimento) apenas indicava que a carga deveria ser entregue em Recife, mas não dizia quando”. Ou seja, o transportador entregaria o valioso carregamento de veículos em Recife tão logo os serviços de reparo ficassem prontos, talvez uns dois meses após o acidente! No antiexemplo descrito acima – um caso real – notamos que um outro elemento muito importante passou a fazer parte da cadeia produtiva, o valor do tempo. Isso porque o valor monetário dos produtos passou a crescer apre-
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ciavelmente, gerando custos financeiros elevados e obrigando ao cumprimento de prazos muito mais rígidos. Um caso típico de produto com extrema restrição de valor de tempo é o jornal diário. Sua edição tende a ser feita o mais tarde possível, de forma a incorporar as últimas notícias. Mas o valor de sua leitura fica restrito a uma janela de tempo muito curta. Se o leitor não tiver acesso ao jornal logo pela manhã (no caso de um matutino), o valor do produto, para ele, fica prejudicado. Então, todo o deslocamento da redação às bancas e à casa do assinante tem de ser realizado de forma muito ágil e bem planejada. Neste caso, a logística de distribuição do jornal tem um forte valor de tempo agregado ao produto. Hoje, em função da grande preocupação das empresas com a redução de estoques e com a busca da satisfação plena do cliente, que implica a entrega do produto rigorosamente dentro dos prazos combinados, o fator tempo passou a ser um dos elementos mais críticos do processo logístico. No comércio eletrônico, as exigências do consumidor em relação ao cumprimento dos prazos são ainda mais severas (ver Capítulo 3). Admitindo que o produto seja deslocado corretamente desde a origem até o destino dentro dos prazos preestabelecidos, ainda assim não estariam completas as funções logísticas. Um elemento adicional, de grande importância na cadeia de suprimentos, é o fator qualidade. Por exemplo, considere um carregamento de iogurte, saindo de um centro de distribuição e destinado a um varejista. Suponhamos que o sistema de refrigeração do veículo esteja defeituoso ou que foi criminosamente desligado pelo motorista durante o percurso, com o objetivo de economizar combustível. Ao receber o produto no supermercado, a verificação da data de fabricação e do prazo de validade levaria à aceitação do lote. No entanto, poderiam ocorrer reclamações dos consumidores sobre as condições do produto, prejudicando a imagem do varejista. Outro exemplo é a entrega de um determinado bem durável, mas na cor errada. Uma pessoa que tenha comprado uma bicicleta, escolhendo a cor vermelha, acaba recebendo o produto em casa, na cor preta. Mesmo considerando que o produto tenha as mesmas especificações, o mesmo preço e foi entregue no momento prometido, ainda assim o valor de qualidade agregado ao produto, na ótica do cliente, não será o mesmo. Observe que, em ambos os casos, o produto saiu da fábrica sem restrição alguma de qualidade. Ou seja, a qualidade intrínseca do produto foi respeitada. Mas ficou faltando, nesses dois casos, a qualidade associada à operação logística. A logística moderna deve incorporar então um valor de qualidade ao processo, sem o qual o resultado final na cadeia de suprimento passa a ser prejudicado. Hoje em dia, muitas empresas de ponta no exterior estão introduzindo um elemento adicional a suas atividades logísticas: o valor da informação. A FedEx (Federal Express), por exemplo, permite que o cliente rastreie uma
determinada encomenda pela Internet, a qualquer momento. Noutro caso, montadora automotiva na Argentina pressionou o operador logístico situado no ABC paulista a instalar um sistema de rastreamento de veículos e da carga no percurso São Paulo–Buenos Aires. Por que essa exigência? Trabalhando com estoques e prazos apertados, a indústria automobilística em questão não pode tomar conhecimento de situações emergenciais no último instante. Acompanhando a evolução das remessas de componentes, a empresa argentina pode tomar medidas corretivas tão logo constate alguma alteração séria no processo. Esse caso é um exemplo vívido do valor da informação na cadeia logística. Um terceiro caso refere-se à transferência, ao cliente, de informações importantes e de forma gratuita. Por exemplo, o fornecedor muitas vezes incorpora, em seu sistema de código de barras, informações importantes para o comerciante, mesmo que tais informações não tenham aplicação direta em sua empresa. Com isso tende a ganhar a preferência do cliente diante da concorrência, pois está adicionando um valor de informação a seus serviços logísticos. Observamos então que a Logística Empresarial evoluiu muito desde seus primórdios. Agrega valor de lugar, de tempo, de qualidade e de informação à cadeia produtiva. Além de agregar os quatro tipos de valores positivos para o consumidor final, a Logística moderna procura também eliminar do processo tudo que não tenha valor para o cliente, ou seja, tudo que acarrete somente custos e perda de tempo. Movimentos como o ECR e QR1 visam, entre outras coisas, ao enxugamento do processo logístico, com benefícios diretos aos consumidores. A Logística envolve também elementos humanos, materiais (prédios, veículos, equipamentos, computadores), tecnológicos e de informação. Implica também a otimização dos recursos, pois, se de um lado se busca o aumento da eficiência e a melhoria dos níveis de serviço ao cliente, de outro, a competição no mercado obriga a uma redução contínua nos custos. Assim podemos conceituar Logística adotando a definição do Council of Supply Chain Management Professionals norte-americano: Logística é o processo de planejar, implementar e controlar de maneira eficiente o fluxo e a armazenagem de produtos, bem como os serviços e informações associados, cobrindo desde o ponto de origem até o ponto de consumo, com o objetivo de atender aos requisitos do consumidor.
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ECR: Efficient Customer Response; QR: Quick Response.
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Na Figura 2.1 é apresentado um quadro sinóptico contendo os principais elementos conceituais da Logística. A Logística começa pelo estudo e a planificação do projeto ou do processo a ser implementado. Uma vez planejado e devidamente aprovado, passa-se à fase de implementação e operação. Muitas empresas acham que o processo termina aí. Na verdade, devido à complexidade dos problemas logísticos e à sua natureza dinâmica, todo sistema logístico precisa ser constantemente avaliado, monitorado e controlado. Há inclusive uma especialização, denominada auditoria logística, que executa de forma sistemática e permanente essas atividades de avaliação, monitoramento e controle. Processo de planejar, operar, controlar
Do ponto de origem
Fluxo e Armazenagem Matéria-prima Produtos em processo Produtos acabados Informações Dinheiro
De forma econômica, eficiente e efetiva
Ao ponto de destino
Satisfazendo as necessidades e preferências dos clientes
FIGURA 2.1 • Elementos básicos da Logística
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Os fluxos associados à Logística, envolvendo também a armazenagem de matéria-prima, dos materiais em processamento e dos produtos acabados, percorrem todo o processo, indo desde os fornecedores, passando pela fabricação, seguindo desta ao varejista, para atingir finalmente o consumidor final, o alvo principal de toda a cadeia de suprimento. Além do fluxo de materiais (insumos e produtos), há também o fluxo de dinheiro, no sentido oposto àquele. Há, ainda, fluxo de informações em todo o processo (Figura 2.2). Esse fluxo ocorre nos dois sentidos, trazendo informações paralelamente à evolução do fluxo de materiais, mas conduzindo também informação no sentido inverso, começando com o consumidor final do produto (demanda, preferências, mudanças de hábitos e de compras, mudanças no perfil socioeconômico) e indo até os fornecedores de componentes e de matéria-prima.
FORNECEDOR
MANUFATURA
DISTRIBUIDOR
VAREJISTA
CONSUMIDOR
FLUXO DE INFORMAÇÃO
FLUXO DE MATERIAIS
FLUXO DE DINHEIRO
FIGURA 2.2 • Fluxos logísticos
Todos esses elementos do processo logístico devem ser enfocados com um objetivo fundamental: satisfazer as necessidades e preferências dos consumidores finais. No entanto, cada elemento da cadeia logística é também cliente de seus fornecedores. Assim, é preciso conhecer as necessidades de cada um dos componentes do processo, buscando sua satisfação plena. Finalmente, operando num mercado eminentemente competitivo, não basta adotar soluções tecnicamente corretas. É necessário buscar soluções eficientes, otimizadas em termos de custo, e que sejam eficazes em relação aos objetivos pretendidos. Assim, a moderna Logística procura incorporar: G
G
G
G
G
prazos previamente acertados e cumpridos integralmente, ao longo de toda a cadeia de suprimento; integração efetiva e sistêmica entre todos os setores da empresa; integração efetiva e estreita (parcerias) com fornecedores e clientes; busca da otimização global, envolvendo a racionalização dos processos e a redução de custos em toda a cadeia de suprimento; satisfação plena do cliente, mantendo nível de serviço preestabelecido e adequado.
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CADEIA DE SUPRIMENTO E SEU GERENCIAMENTO
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Quando adquirimos um produto, não imaginamos o longo processo necessário para converter matéria-prima, mão de obra e energia em algo útil ou prazeroso. Muitas vezes, produtos complexos como o automóvel requerem matéria-prima de natureza variada (metais, plásticos, borracha, tecidos) e são montados a partir de um número muito elevado de componentes. Noutros casos, como uma bandeja de ovos frescos, o produto é formado pelo elemento básico (os ovos), mas há que se considerar também o suporte de plástico, a etiqueta e o código de barras. Mas, na maioria dos casos, o caminho é mais longo. Uma geladeira, por exemplo, utiliza componentes fabricados por outras indústrias, como é o caso do compressor. A fábrica de compressores, por sua vez, necessita de fios elétricos, metais e outros elementos para sua produção, componentes esses fornecidos por outras empresas. O longo caminho que se estende desde as fontes de matéria-prima, passando pelas fábricas dos componentes, pela manufatura do produto, pelos distribuidores e chegando finalmente ao consumidor através do varejista constitui a cadeia de suprimento. A cadeia de suprimento típica é mostrada na Figura 2.3. Fornecedores de matéria-prima entregam insumos de natureza variada para a indústria principal e também para os fabricantes dos componentes que participam da fabricação de um determinado produto. A indústria fabrica o produto em questão, que é distribuído aos varejistas e, em parte, aos atacadistas e distribuidores. Esses últimos fazem o papel de intermediários, pois muitos varejistas não comercializam um volume suficiente do produto que lhes possibilite a compra direta, a partir do fabricante. As lojas de varejo, abastecidas diretamente pelo fabricante ou indiretamente por atacadistas ou distribuidores, vendem o produto ao consumidor final. Há ainda outros aspectos não considerados na Figura 2.3, como a Logística Reversa e as operações de pós-venda. Quando se fala na cadeia de suprimento, pensa-se imediatamente no fluxo de materiais, formado por insumos, componentes e produtos acabados. Por isso, as setas na Figura 2.3 são orientadas de cima para baixo. Mas esse não é o único tipo de fluxo na cadeia de suprimento, conforme vimos anteriormente (Figura 2.2). Há algumas décadas, as grandes indústrias produziam a maior parte dos componentes necessários à fabricação de seus produtos. Isso ocorria, em parte, porque conseguiam produzi-los com custos mais baixos. De outro lado, por questões estratégicas e de poder econômico, não gostavam de ficar na dependência de fornecedores. A tendência então era a verticalização industrial. Hoje, os conceitos de vantagem competitiva e de core competence (Porter, 1986) estão presentes na definição das estratégias das grandes empresas. É mais proveitoso concentrar as atividades naquilo que a empresa consegue fazer bem, diferenciando-a positivamente dos concorrentes e ad-
Fornecedores de matériaprima Fabricantes de componentes Indústria principal Atacadistas e distribuidores Produto acabado
Varejista
Consumidor final FIGURA 2.3 • Cadeia de suprimento típica
quirindo externamente componentes e serviços ligados a tudo que não estiver dentro de sua competência central (core competence). Assim, não somente componentes e matérias-primas são hoje adquiridos de outras empresas, como também serviços de variadas espécies: distribuição, armazenagem e transporte de produtos e insumos, alimentação de empregados, estacionamento e muitos outros (ver Capítulo 9). É claro que, nesse contexto, é muito importante o adequado entrosamento entre as empresas participantes, com um grau de confiança mútua elevado. A atitude clássica das empresas numa fase preliminar da logística, e que infelizmente ainda perdura em muitas organizações nacionais, era tirar a máxima vantagem de cada situação, visando, com isso, ganhar sempre dos concorrentes, numa perspectiva imediatista. Por exemplo, com a integração mais efetiva das empresas nos dias de hoje, é comum um lote de um certo produto ser entregue atrasado à transportadora, mas com a documentação indicando a data acertada previamente com o cliente, numa tentativa de passar a ineficiência de um dos participantes aos demais elementos da cadeia. Esse tipo de atitude está obviamente ligado ao desbalanceamento de poder entre as empresas participantes. Aquela que fala mais alto, mostrando seu poder, acaba, muitas vezes, impondo situações irregulares aos elos mais fracos da cadeia de suprimento.
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Hoje, a visão desse processo é totalmente diferente. Chegou-se à conclusão de que os ganhos que podem ser obtidos através da integração efetiva dos elementos da cadeia, com a otimização global de custos e de desempenho, são mais expressivos do que a soma dos possíveis ganhos individuais de cada participante, quando atuando separadamente. No jargão logístico, a união dos participantes da cadeia de suprimento, buscando ganhos globais, deve se transformar num processo ganha-ganha, em que todos ganham e não somente uns em detrimento dos demais. Mas, para se chegar a esse estágio de integração plena, com benefícios globais expressivos, o caminho é árduo, requerendo a eliminação de inúmeras barreiras. Uma delas é o esquema organizacional da empresa, que precisa ser revisto, modernizado. Outro requisito é a necessidade de um sistema de informações bem montado e interligando todos os parceiros da cadeia. Também é preciso implantar, nas empresas participantes, sistemas de custos adequados aos objetivos pretendidos, permitindo a transparência de informações entre os parceiros da cadeia. Esse tipo de operação logística integrada moderna é denominado Supply Chain Management (SCM), ou, em português, Gerenciamento da Cadeia de Suprimento. A seguinte definição de Supply Chain Management foi adotada pelo Fórum de SCM realizado na Ohio State University: SCM é a integração dos processos industriais e comerciais, partindo do consumidor final e indo até os fornecedores iniciais, gerando produtos, serviços e informações que agreguem valor para o cliente. É importante notar que o novo conceito de SCM focaliza o consumidor com um destaque excepcional, pois todo o processo deve partir dele, buscando equacionar a cadeia de suprimento de maneira a atendê-lo, na forma por ele desejada. Outro ponto importante a destacar é a integração exigida entre todos os elementos da cadeia de suprimento. Há também o caráter estratégico da Logística, dentro da conceituação moderna do SCM, que discutiremos mais adiante neste capítulo.
EVOLUÇÃO DA LOGÍSTICA Dividimos o processo de evolução da Logística em quatro fases, que analisaremos a seguir. A quarta fase corresponde ao moderno Gerenciamento da Cadeia de Suprimento (SCM).
Primeira Fase: Atuação Segmentada 40
Conforme analisado no Capítulo 1, a moderna Logística praticamente se originou na Segunda Guerra Mundial. Vimos que, após a guerra, a indústria
procurou preencher importantes lacunas de demanda existentes no mercado consumidor (automóveis, eletrodomésticos, bebidas), aproveitando a capacidade ociosa e os novos processos de produção em série. O marketing desses produtos aproveitou o vácuo da desmobilização pós-guerra e foi centrado na família-padrão da época (pai trabalhando fora, mãe de prendas domésticas, dois filhos em idade escolar). Os produtos, por sua vez, eram padronizados: geladeiras de tipo único, na cor branca; a Coca-Cola como refrigerante típico, e assim por diante. Nessa época, não havia ainda os sofisticados sistemas de comunicação e de informática disponíveis hoje. Quando um consumidor procurava determinado produto numa loja, como uma geladeira, por exemplo, o vendedor estava informado da disponibilidade daquele produto no estoque do depósito. Ao vendê-lo, preenchia manualmente uma nota ou um pedido. Esse documento era então enviado ao depósito, que separava a geladeira do estoque e programava sua entrega ao cliente. O nível de estoque era periodicamente revisto. Nos momentos certos, fazia-se uma avaliação das necessidades do produto. O varejista fazia então um pedido ao fabricante ou distribuidor, negociando preços, formas de pagamento e prazos de entrega. Nessa primeira fase da Logística, o estoque era o elemento-chave no balanceamento da cadeia de suprimento. A Figura 2.4 ilustra essa situação. A manufatura produz um determinado produto, no nosso caso a geladeira, e coloca o lote produzido no estoque do depósito da fábrica. À medida que os centros de distribuição, atacadistas ou grandes varejistas, vão necessitando do produto, os pedidos são encaminhados para o fabricante. Esses pedidos são então atendidos a partir do estoque da fábrica. Esse estoque atua então como um pulmão entre a manufatura e os depósitos e centros de distribuição, balanceando os fluxos na cadeia de suprimento. Muitos varejistas, por sua vez, colocam seus pedidos junto aos centros de distribuição ou atacadistas. Os estoques nesses locais servem assim de pulmão entre os depósitos e as lojas de varejo. Além dos três estoques mostrados na Figura 2.4, ainda há os estoques de componentes e de produtos em processamento na fábrica e, para trás, todos os estoques de matéria-prima e de componentes nos fornecedores, e assim por diante. Os produtos que estão sendo transportados nos caminhões entre pontos diversos da rede logística também formam estoques em trânsito. Se pensarmos em todos os estoques ao longo da cadeia de suprimento gerados por essa forma de operação, veremos que a quantidade total de material parado é muito grande. Se considerarmos que o processamento dos materiais ao longo da cadeia produtiva, nas várias etapas, vai agregando valor ao produto (horas de trabalho, energia, capital investido em máquinas e instalações), o custo financeiro de estoque tende a crescer exponencialmente. A racionalização dos estoques passa a ser, assim, uma das estratégias com-
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MANUFATURA
CENTRO DE DISTRIBUIÇÃO
VAREJISTA
ESTOQUE
ESTOQUE
ESTOQUE
Subsistemas otimizados separadamente, com estoques servindo de pulmão FIGURA 2.4 • Primeira fase da Logística
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petitivas mais importantes das empresas modernas que participam da cadeia de suprimento. Na primeira fase da Logística, as empresas procuravam formar lotes econômicos para transportar seus produtos, dando menor importância aos estoques. Ou seja, o enfoque era centrado nas possíveis economias que podiam ser obtidas com o uso de modos de transporte de menor custo, no emprego de veículos de maior capacidade e na busca de empresas transportadoras com fretes mais reduzidos. No que diz respeito aos métodos de controle dos estoques, adotava-se na época tão somente o clássico critério EOQ (Economic Order Quantity, Quantidade Econômica do Pedido). De acordo com esse enfoque clássico, os estoques são renovados de forma a minimizar a soma do custo de inventário, do custo de transporte e do custo para elaborar o pedido. Nessa época, fazer o pedido significava pesquisar os preços e as demais condições de suprimento junto a vários fornecedores, utilizando, para isso, o telefone, o correio ou recebendo os vendedores para entrevistas diretas na própria empresa. É claro que, em tais circunstâncias, o custo de se fazer um pedido era apreciável, pois se gastava muito tempo de recursos humanos nessas operações. Hoje, com as facilidades de comunicação e de processamento de dados, o custo de efetuar um pedido é pouco expressivo, em muitos casos. Naquela época havia também uma preocupação das empresas com os custos logísticos, mas a visão era estritamente corporativa, cada empresa tentando reduzir ao máximo seus custos, mesmo que em detrimento dos outros elementos da cadeia de suprimento. Exemplo típico é o tratamento que se dá muitas vezes às transportadoras, colocando-as numa guerra de fretes e utilizando serviços precários de terceiros, com o objetivo imediato de conseguir níveis de frete mais reduzidos. Essa situação, infelizmente, é ainda observada com certa frequência em nosso país.
Segunda Fase: Integração Rígida Aos poucos, os especialistas em marketing foram inculcando nos consumidores aspirações por produtos mais diferenciados. As geladeiras e automóveis começaram a ser comercializados com mais cores, tamanhos diferentes e com acabamentos diversos. Inicialmente ofereciam poucas opções, mas foram sendo ampliadas. Novos produtos foram sendo incorporados ao lar, como a televisão, os aparelhos de som, o forno de micro-ondas e muitos outros. No setor de supermercados, uma quantidade muito grande de novos produtos alimentícios, como cereais matinais, café solúvel, salgadinhos, bebidas variadas, entre outros, passaram a ser incorporados aos hábitos alimentares dos consumidores. Esse aumento acentuado na oferta de produtos e de opções só foi possível porque os processos produtivos na manufatura foram se tornando mais flexíveis, possibilitando maior variedade, sem aumento significativo nos custos de fabricação. A abertura apreciável do leque de produtos, mais as diferentes opções de cores, tipos e tamanhos oferecidos aos consumidores, ocasionou um aumento acentuado nos estoques ao longo da cadeia produtiva. Com essa abertura, passou a ser necessária maior racionalização da cadeia de suprimento, visando menores custos e maior eficiência. Mas outros fatores também colaboraram para isso. No início da década de 1970 aconteceu a crise do petróleo, encarecendo subitamente o transporte de mercadorias. Como as operações logísticas envolvem deslocamentos espaciais de mercadorias, os custos de transferência e de distribuição aumentaram subitamente, reduzindo as margens de comercialização e encarecendo os produtos. Paralelamente, a concentração crescente de pessoas nas regiões urbanas, juntamente com o crescimento da frota de veículos, gerou a expansão territorial das cidades, os congestionamentos de tráfego e as restrições de movimentação de caminhões no horário comercial. Também nas rodovias, embora com menor intensidade, passou-se a observar congestionamentos mais frequentes, com aumento de custos e redução das velocidades médias. Como resultado, cresceram os custos de transporte e de distribuição de produtos. Também os custos de mão de obra foram aumentando, principalmente nos países mais desenvolvidos, colaborando adicionalmente para a elevação dos custos logísticos. Um outro elemento que gerou novas alternativas de escoamento dos fluxos logísticos foi a utilização intensiva da multimodalidade no transporte de mercadorias. Usos combinados de caminhão, navio, trem, e mesmo avião, começaram a ser explorados, visando à redução de custos e ao aproveitamento da capacidade ociosa nas diversas modalidades. Não se pode esquecer também os efeitos benéficos da introdução da informática nas operações das empresas na década de 1960. No começo, de forma tímida, com o emprego de cartões perfurados e fitas magnéticas, subs-
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tituindo apenas os procedimentos feitos manualmente, mas permitindo o tratamento mais sofisticado de uma variedade de problemas. Por exemplo, os modelos de otimização de estoques, de sequenciamento da produção no chão de fábrica (job shop scheduling), de localização otimizada de centros de distribuição, entre muitos outros, só foram possíveis de serem aplicados, na prática empresarial, com o auxílio do computador. Todos os elementos anteriormente analisados induziram as empresas a uma maior racionalização de seus processos. Os elementos-chave de racionalização foram a otimização de atividades e o planejamento. Nessa época, o setor da manufatura tinha grande poder na indústria. Assim, o planejamento da produção era realizado e implementado pelo setor de fabricação, segundo seus próprios critérios e objetivos, e era alterado sem maiores consultas às demais áreas da empresa. Essa prática, é óbvio, gerava estoques excessivos em toda a cadeia de suprimento. Uma forma de reduzir esses efeitos negativos era ampliar a abrangência do planejamento, incorporando outros setores da empresa, bem como fornecedores e clientes. Mensalmente, os centros de distribuição da indústria consultavam os varejistas, seus clientes, e faziam previsões de demanda. Essas previsões eram então encaminhadas à sede, que compatibilizava as previsões e as encaminhava à manufatura. Esta última elaborava o planejamento da produção e transmitia ao setor de compras as necessidades de matéria-prima e de componentes referentes ao mês seguinte. Os fornecedores recebiam então as previsões de compras, planejava-se a alocação de mão de obra para o mês, e assim por diante. Esse enfoque está por trás de sistemas de programação da produção do tipo MRP e MRP II (Corrêa e Gianesi, 1996). Esse processo de planejamento permitia maior racionalização das operações empresariais, mas era falho num aspecto importante. Não havia nenhuma flexibilidade nessa forma de planejamento: uma vez elaborado, permanecia imutável, pelo menos no papel. Isso porque a manufatura, sempre que precisava alterar a programação da produção, o fazia trazendo transtornos às demais áreas da empresa. Mas não era somente a manufatura a responsável por tais alterações. O setor de vendas muitas vezes fechava novos contratos com clientes ou alterava as programações de vendas em carteira sem consultar a manufatura. Fornecedores, por sua vez, atrasavam a entrega de componentes ou matéria-prima, e assim por diante. Podemos então caracterizar essa segunda fase da Logística como uma busca inicial de racionalização integrada da cadeia de suprimento, mas ainda muito rígida, pois não permitia a correção dinâmica, real time, do planejamento ao longo do tempo. É o que mostra esquematicamente a Figura 2.5. Já há uma integração de planejamento entre os elementos da cadeia de suprimento, mas essa integração ainda não é flexível, assemelhando-se a um duto rígido de PVC ligando as partes.
Transporte
Transporte
MANUFATURA
Transporte CENTRO DE DISTRIBUIÇÃO
Transporte
VAREJISTA
Integração formando um duto rígido, com otimização dois a dois FIGURA 2.5 • Segunda fase da Logística
Terceira Fase: Integração Flexível A terceira fase da Logística é caracterizada pela integração dinâmica e flexível entre os agentes da cadeia de suprimento, em dois níveis: dentro da empresa e nas inter-relações da empresa com seus fornecedores e clientes. A integração das empresas, no entanto, ainda se dá duas a duas. Só na quarta fase é que o conjunto de empresas que forma o Supply Chain se integra de forma abrangente, cobrindo a cadeia de suprimento desde os fornecedores, passando pela manufatura e o varejo, e indo até o consumidor final. Na terceira fase, que começou em fins da década de 1980 e ainda está sendo implementada em muitas empresas, o intercâmbio de informações entre dois elementos da cadeia de suprimento passou a se dar por via eletrônica, através do EDI (Intercâmbio Eletrônico de Dados). Antes, as informações sobre as operações eram levantadas manualmente, depois digitalizadas e passadas ao computador. Assim, quando a informação se tornava disponível, não havia mais condições de agir diretamente sobre grande parte das operações. Dessa forma, as informações serviam basicamente para uma avaliação histórica, importante para a tomada de futuras decisões, mas sem serventia para correções imediatas. O desenvolvimento da informática possibilitou, na terceira fase de evolução da Logística, uma integração dinâmica, de consequências importantes na agilização da cadeia de suprimento. Por exemplo, a introdução do código de barras de forma extensiva nos supermercados possibilitou a integração flexível das vendas com o depósito ou centro de distribuição, fornecendo um importante mecanismo para controle de estoques. À medida que o produto passa pelo check-out, os dados são registrados diretamente no computador. Ao fim de um período determinado, o computador local transmite os dados para o computador central, que faz um balanço entre as vendas e o estoque disponível, definindo as remessas do produto para as lojas da empresa.
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Transporte Transporte Atacadista Consumidor Fábrica
Varejista
Transporte
Fornecedor
Transporte Transporte DUTO FLEXÍVEL ADAPTÁVEL ÀS CONDIÇÕES EXTERNAS FIGURA 2.6 • Terceira fase da Logística
O EDI permite também o intercâmbio eletrônico de dados com fornecedores e clientes. Na segunda fase da Logística, a programação das operações era de difícil correção no dia a dia, pois o planejamento era rígido, cobrindo períodos razoavelmente longos (em geral um mês). Na terceira fase, em contrapartida, a introdução do EDI flexibiliza o processo de programação, permitindo ajustes frequentes. Se, na segunda fase da Logística, associamos a cadeia de suprimento a um duto rígido de PVC, na terceira fase a analogia é com a mangueira flexível, que interliga os elementos da cadeia, mas se adapta instantaneamente às necessidades momentâneas do processo, na medida das necessidades. Na Figura 2.6 é mostrada, de forma simbólica, essa analogia. Na terceira fase da Logística, passa-se a observar maior preocupação com a satisfação plena do cliente, entendendo como tal não somente o consumidor final, como também todos os elementos intermediários, que por sua vez são clientes dos fornecedores que os antecedem na cadeia de suprimento. Outra tendência notada nessa fase é a busca, aparentemente utópica, do estoque zero. Sabemos que estoque zero é impossível de se obter, mas a ideia por trás desse slogan é perseguir reduções continuadas nos níveis de estoque, não se satisfazendo com resultados parciais, ou seja, a redução dos estoques deve ser uma busca permanente, a ser obtida com melhorias paulatinas no processo. Essa forma de atuar de forma sistemática e contínua está ligada à ideia de kaizen dos japoneses (Alvarenga e Novaes, 1994) e foi aplicada com sucesso na Toyota (Shingo, 1996).
Quarta Fase: Integração Estratégica (SCM)
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Nas três primeiras fases da Logística, a integração entre os vários agentes da cadeia de suprimento se dava basicamente em termos puramente físicos e operacionais: troca de informações, fluxo de produtos e de dinheiro, acerto
de preços e de responsabilidades. Na quarta fase da Logística ocorre um salto qualitativo da maior importância: as empresas da cadeia de suprimento passam a tratar a questão logística de forma estratégica, ou seja, em lugar de otimizar pontualmente as operações, focalizando os procedimentos logísticos como meros geradores de custo, as empresas participantes da cadeia de suprimento passaram a buscar soluções novas, usando a Logística para ganhar competitividade e para induzir novos negócios. Os agentes da cadeia de suprimento passaram a trabalhar mais próximos, trocando informações, antes consideradas confidenciais, e formando parcerias. A Logística passou então a ser usada como elemento diferenciador, de cunho estratégico, na busca de maiores fatias do mercado. As razões básicas para isso são a globalização e a competição cada vez mais acirrada entre as empresas. Um elemento novo, que passou a ser bastante utilizado nessa fase, é o postponement (postergação), visando à redução dos prazos e das incertezas ao longo da cadeia de suprimento. Um exemplo típico de postponement é o da Benetton, que encomenda as confecções de suas roupas no Extremo Oriente (China, Coreia, Formosa) e tem de distribuí-las por suas lojas no mundo todo. Sendo a moda bastante volátil, as previsões quanto às cores preferidas pelos consumidores, numa certa estação, podem não se realizar plenamente. Assim, confecções totalmente acabadas podem terminar encalhadas nas prateleiras das lojas, caso sua coloração não esteja de acordo com as expectativas do mercado na hora da compra. Por isso, a Benetton produz muitas de suas roupas em cinza neutro (cor de fundo) e executa o tingimento em locais mais próximos aos centros de consumo, pouco antes de distribuí-las às lojas. O postponement é assim usado estrategicamente, de forma a melhorar a atuação da empresa no mercado, sem prejudicar a qualidade do produto. O estudo de caso apresentado ao fim deste capítulo ilustra bem a adoção desse tipo de estratégia pelas redes varejistas de roupas da Europa. Outro exemplo de postponement ocorre na distribuição de automóveis na Europa e no Japão. Muitos dos acessórios de veículos fabricados na França e destinados à Espanha, por exemplo, vão sendo montados durante a viagem de trem, desde a fábrica até o destino. Limpadores de para-brisa, rádios, frisos e outros componentes, que não exigem mão de obra e maquinário sofisticados, e que podem ser montados fora da fábrica, são agregados ao veículo dessa forma. Ganha-se tempo com isso, mas reduzem-se também os custos de estoque, pois os componentes são entregues à montadora num esquema just-in-time, pouco antes da partida do carregamento. No Japão se observa o mesmo sistema no envio de veículos novos aos Estados Unidos e Europa. A montagem se dá a bordo, aproveitando a longa travessia de navio até o porto de destino. Outra novidade, surgida na quarta fase da Logística, é constituída pelas empresas virtuais, também chamadas de agile enterprises (empresas ágeis)
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no jargão da Logística. São fabricantes de produtos de grande valor agregado, em geral eletrônicos, que se localizam junto a grandes aeroportos e que atuam de forma ágil, tanto na ponta de marketing como na ponta dos fornecedores. Por exemplo, a empresa Dell, fabricante de microcomputadores, que recebe pedidos customizados via Internet. Esses pedidos são automaticamente convertidos em encomendas de acessórios e componentes junto aos fornecedores, também via Internet. Esses elementos são produzidos e enviados rapidamente ao fabricante por via aérea, na forma de carga parcelada. A indústria sem fumaça (smokeless industry) monta o aparelho e o envia rapidamente ao comprador. Na região de Dallas/Forth Worth, no Texas, foi implantado um aeroporto que não atende passageiros, mas tão somente empresas que usam intensivamente o transporte aéreo de mercadorias para agilizar seus negócios. O sistema de comércio eletrônico via Internet, por outro lado, pode ser também equiparado a esse tipo de atuação. Também é característica dessa fase a crescente preocupação, sobretudo na Europa, com os impactos da Logística no meio ambiente. Hoje se fala muito em Logística Verde, sendo muito provável a exigência, num futuro próximo, do selo verde para as operações logísticas. Isso porque a globalização ampliou, e muito, o transporte de insumos e produtos, congestionando corredores importantes e aumentando a poluição ambiental. Também se vem notando um crescente interesse pela Logística Reversa, que trata do processo de recuperação de materiais diversos (alumínio, papel, plástico, baterias, pilhas) através da reciclagem. Para que a reciclagem seja possível e economicamente viável, é preciso dispor de um sistema de coleta, transporte e tratamento do material a ser aproveitado. Causa espécie, no Brasil, o fato de se observar baixíssimo índice de reaproveitamento de papel pela indústria do setor, quando, nos países desenvolvidos, esse índice é bastante significativo. Mas a quarta fase da Logística se distingue principalmente das outras pelo surgimento de uma nova concepção no tratamento dos problemas logísticos. Trata-se do SCM – Supply Chain Management (Gerenciamento da Cadeia de Suprimento). Nessa nova abordagem, a integração entre os processos ao longo da cadeia de suprimento continua a ser feita em termos de fluxo de materiais, de informação e de dinheiro, mas, agora, os agentes participantes atuam em uníssono e de forma estratégica, buscando os melhores resultados possíveis em termos de redução de custos, de desperdícios e de agregação de valor para o consumidor final. Há, assim, uma quebra de fronteiras, que antes separavam os diversos agentes da cadeia logística. Nas outras fases, cada elemento da cadeia de suprimento tinha um papel bem delineado: o fornecedor entregava a matéria-prima para o fabricante, a indústria fabricava o produto e o entregava ao varejista, e este o comercializava em suas lojas. Na quarta fase essa separação já não é mais nítida, havendo uma interpenetração de operações entre elementos da cadeia (Figura 2.7).
Varejista
D
E Consumidor
C A
B
Distribuidor Manufatura
Fornecedor matéria-prima
Fornecedor componentes INTEGRAÇÃO PLENA, ESTRATÉGICA E FLEXÍVEL AO LONGO DE TODA A CADEIA DE SUPRIMENTO (SCM)
FIGURA 2.7 • Quarta fase da Logística
Ao mesmo tempo em que se busca a redução de estoques e maior qualidade do serviço logístico, a competição entre as empresas, num ambiente globalizado, passou também a exigir custos reduzidos e prazos curtos no ciclo do pedido. Para se conseguir essa façanha de melhorar o nível de serviço e ao mesmo tempo reduzir custos, as empresas lançaram mão, em larga escala, da tecnologia da informação (IT, em inglês). Por outro lado, abrindo suas fronteiras antes muito protegidas, e buscando se concentrar nas atividades de seu core competence, as empresas de classe mundial passaram a terceirizar muitas de suas atividades e buscaram parcerias com fornecedores e clientes. O intercâmbio de informações, mais do que nunca, é intenso nessa quarta fase da Logística, mas o que a distingue significativamente das demais são: G
G
G
G
ênfase absoluta na satisfação plena do consumidor final; formação de parcerias entre fornecedores e clientes, ao longo da cadeia de suprimento; abertura plena, entre parceiros, possibilitando acesso mútuo às informações operacionais e estratégicas; aplicação de esforços de forma sistemática e continuada, visando agregar o máximo valor para o consumidor final e eliminar os desperdícios, reduzindo custos e aumentando a eficiência.
Um exemplo clássico desse novo enfoque é a fábrica de motores da Volkswagen, em Resende. Os principais fornecedores simplesmente não en-
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tregam componentes na fábrica: eles participam do processo de fabricação, montando seus componentes nos motores e trabalhando em células na linha principal (Pires, 1998). Esse tipo de integração é denominado consórcio modular. O ECR – Efficient Consumer Response (Resposta Eficiente ao Consumidor) é outro exemplo típico de gerenciamento da cadeia de suprimento e que vem racionalizando a cadeia varejista. Alguns autores preferem situar a Logística como uma parte do SCM – Supply Chain Management. Neste texto, defendemos a ideia de que o SCM é um aprimoramento, ou uma evolução, da Logística. Nas primeiras fases, cada empresa procurava enfocar os problemas logísticos dentro de seus próprios domínios. O SCM levou o processo evolutivo mais longe, integrando efetivamente os elementos que participam da cadeia de forma estratégica e sistêmica. Isso, sem dúvida, é uma evolução, ou aprimoramento, das práticas logísticas tradicionais. Ross (1998) discute com muita propriedade os contornos do SCM e da Logística no Capítulo 1 de seu livro. Para esse autor, a gestão logística (Logistics Management) seria o braço tático do SCM. Então, dentro do conceito do SCM, a Logística é realmente uma de suas partes. Mas, para que se chegasse aos modernos conceitos e práticas do SCM, foi necessário evoluir paulatinamente ao longo das diversas fases, até que se atingisse um estágio em que a Logística estivesse desenvolvida o suficiente para viabilizar o SCM. Hoje, porém, há muito que fazer sob o ponto de vista estritamente logístico, pois muitas empresas ainda se comportam conforme as fases 1, 2 e 3. Para que elas participem efetiva e eficazmente do SCM é necessário que cheguem à terceira fase. Por essa razão, enfatizamos a evolução, porque ainda hoje convivem formulações logísticas convencionais (fases 1, 2 e 3) e estruturas logísticas mais avançadas, operando dentro do conceito de SCM. Ou seja, na prática empresarial ainda se notam muitos processos logísticos isolados, que não fazem parte de uma estrutura do tipo SCM. Por isso preferimos não afirmar categoricamente que a Logística é uma parte do SCM.
PARTICIPAÇÃO DA LOGÍSTICA NA ECONOMIA Wilson (2005) estimou em 8,6% a participação da Logística (comercial, não militar) na economia americana, em 2004. Em 1995, esse índice era de 10,4%, tendo havido assim uma redução de 1,8% no período 1995-2004. Segundo o Centro de Estudos em Logística da Coppead, os custos logísticos domésticos nos Estados Unidos equivalem a 8,26% do PIB (Lima, 2006). Para o Brasil, o Centro de Estudos em Logística da Coppead estima em 12,6% do PIB os custos logísticos, dos quais 7,5% são representados pelo transporte de carga (Lima, 2006). 50
Na Tabela 2.1 é mostrada a composição dos custos logísticos nos Estados Unidos. Os custos de transportes participam com 60,8% dos custos logísticos, seguidos pelos custos gerais (juros, impostos, obsolescência, depreciação, seguros) com 24,7%, e por outros custos (armazenagem, despacho, administração), representando 14,5%.
Tabela 2.1
Custos logísticos nos Estados Unidos (2004) Valores em bilhões de dólares
% do total
Custos gerais
•
Juros
•
Impostos, obsolescência, depreciação, seguros
•
Subtotal
23
2,3
227
22,4 250
24,7
Custos de transporte
•
Rodoviário intermunicipal
335
33,0
•
Rodoviário urbano
174
17,1
•
Ferroviário
42
4,1
•
Hidroviário
27
2,7
•
Dutos (petróleo e seus produtos)
9
0,9
•
Aéreo
31
3,8
•
Subtotal
618
60,8
Outros custos
•
Armazenagem
82
8,1
•
Custos de despacho
26
2,6
•
Administração da Logística
39
3,8
•
Subtotal
Total
147
14,5
1.015
100,0
Fonte: Wilson, 2005.
É importante notar que, nos Estados Unidos, os custos logísticos estão diminuindo em termos relativos. Em 1981, os custos logísticos representavam 16% do PIB norte-americano, caindo para 8,6% em 2004 (Wilson, 2005). Na Figura 2.8 pode-se observar que os custos relativos de transporte caíram aproximadamente 37% no período 1984-2004, enquanto os custos de estoque caíram 55% nesse mesmo período. 51
Custo relativo em relação ao PIB
100 90
80 70 60 Total 50
Transporte Estoque
40 30 1984
1986
1988
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
Fonte: Wilson, 2005.
FIGURA 2.8 • Índices de custos logísticos globais nos Estados Unidos, período
de 1984-2004
52
Essa significativa queda nos custos logísticos é surpreendente. De fato, a cadeia de suprimentos típica de nossos dias é formada por uma rede de empresas produtoras de matéria-prima, de componentes e de subsistemas, as quais alimentam sistematicamente as grandes indústrias. Tempos atrás, muitas das grandes indústrias preferiam produzir os insumos em suas próprias fábricas, adotando a verticalização como estratégia central de suas atividades. Hoje, a tendência é diametralmente oposta. O exemplo clássico é a indústria automobilística moderna, formada por uma rede de fornecedores espalhados, não só pelo país, como também pelo mundo. Ora, essa pulverização do esquema produtivo levou ao aumento das distâncias percorridas, forçando as despesas de transporte para cima, bem como os custos de armazenagem e de inventário. Mas, surpreendentemente, os custos logísticos caíram em termos relativos. Várias razões explicam esse fenômeno. Em primeiro lugar, a desregulamentação dos transportes nos Estados Unidos eliminou muito das ineficiências do setor, tirando do mercado as empresas pouco competitivas e racionalizando a oferta. Acrescem-se a isso os ganhos de escala obtidos graças aos crescentes volumes transportados. Em segundo lugar, o uso intensivo e extensivo da Tecnologia da Informação possibilitou o melhor aproveitamento da frota, do pessoal e das instalações fixas. Por outro lado, as possibilidades crescentes do uso da multimodalidade no transporte de carga possibilitaram a redução dos custos, sem prejudicar os níveis de serviço exigidos pelos clientes. Suponhamos, por exemplo, que um certo componente seja fabricado perto de Paris, na França, para uma montadora de automóveis situada em
BOSTON HAVRE N. YORK
MONTADORA
ANTUÉRPIA PARIS
ROTTERDAM Deslocamento
DETROIT
NAVIO TREM CAMINHÃO FIGURA 2.9 • Combinações multimodais no percurso Paris–Detroit
Detroit. As necessidades da montadora são passadas automaticamente ao fornecedor, via EDI ou Internet. Para enviar o pedido para os Estados Unidos, um sistema do tipo ERP analisa as possíveis combinações de modalidades de transporte, desde a origem até o destino (Figura 2.9). O pedido deve ser entregue na fábrica dentro de uma janela de tempo, ou seja, não antes de uma data t1, nem depois de uma data t2. Dentre as possíveis combinações de percurso e respeitando a janela de tempo, o sistema vai escolher aquela que apresentar menor custo total de transporte. Suponhamos, então, que o sistema tenha escolhido o seguinte percurso: G
G
G
ferrovia, desde a fábrica (Paris) até o porto de Antuérpia; navio porta-contêiner, de Antuérpia até Nova York; ferrovia, de Nova York a Detroit.
Pode acontecer, por exemplo, um atraso do navio na saída de Antuérpia. O sistema, reavaliando os prazos e os custos, pode alterar dinamicamente a sequência, selecionando o caminhão, que é mais rápido, para complementar o trajeto de Nova York a Detroit. Com isso, o SCM pode fazer uso de modalidades de transporte mais econômicas (a ferrovia, no nosso exemplo), mas garantindo o nível de serviço desejado pelo cliente em situações emergenciais.
LOGÍSTICA REVERSA A Logística Reversa cuida dos fluxos de materiais que se iniciam nos pontos de consumo dos produtos e terminam nos pontos de origem, com o objetivo de recapturar valor ou de disposição final. Por exemplo, as latas de alu-
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mínio, de refrigerantes e de cerveja são hoje coletadas por pessoas de baixa renda, compactadas em volumes menores e retornadas às fábricas, num processo de reciclagem economicamente importante, tendo em vista o custo relativamente alto do metal. Esse processo reverso é formado por etapas características, envolvendo intermediários, pontos de armazenagem, transporte, esquemas financeiros etc. Leite (2003) separa os canais de distribuição reversos em dois. Um deles é formado pelos canais reversos de pós-consumo. Os produtos têm vida útil variável, mas, após um tempo de utilização, perdem suas características básicas de funcionamento e têm de ser descartados. Por exemplo, uma geladeira usada, já sem serventia para seu dono original, pode ser vendida para uma firma de conserto e comercialização de equipamentos de segunda mão. Ela é transportada até a oficina, reparada e, uma vez revendida, conduzida ao novo endereço. A geladeira pode também ser desmontada e seus componentes comercializados separadamente, num processo de reciclagem. Entende-se por reciclagem o processo em que componentes de produtos já usados sofrem transformação de forma que a matéria-prima neles contida possa ser reincorporada à fabricação de novos produtos. Exemplo típico é o do aço, em que a sucata proveniente de produtos descartados é misturada ao minério de ferro nos altos fornos das indústrias siderúrgicas. Muitas vezes o produto descartado, no todo ou em parte, já não tem serventia alguma para o processo industrial. Isso ocorre quando a reciclagem é antieconômica ou quando há excesso de oferta no mercado. Nessas circunstâncias, há necessidade de se garantir a disposição final para onde os produtos não mais utilizáveis sejam colocados de forma segura para a população e para o meio ambiente. Por exemplo, a disposição de pilhas e baterias usadas é hoje um problema sério em razão da disseminação do uso de telefones celulares, notebooks, aparelhos de som portáteis etc. O mesmo se dá com pneus. Outro tipo importante de canais de distribuição reversos é o de pósvenda. Nesse caso, incluímos o retorno de embalagens e a devolução de produtos ao varejista ou ao fabricante. Por exemplo, Rogers e Tibben-Lembke (1998) mencionam que cerca de 25% dos produtos vendidos por empresas de catálogo nos Estados Unidos são devolvidos pelos consumidores, seja porque não serviram (no caso de roupas e de calçados), seja porque o comprador não ficou satisfeito, seja por outra razão qualquer. Como esse tipo de comércio se apoia na plena satisfação do consumidor e como o processo de aquisição a distância é mais crítico, os varejistas aceitam esses níveis excepcionais de devolução, que podem chegar a 35% em alguns casos. O leitor interessado em conhecer mais profundamente esse assunto pode ler o texto de Rogers e Tibben-Lembke (1998), disponível gratuita-
mente na Internet. São também referências importantes o livro de Leite (2003) e o artigo de Ferrer e Whyback (2000).
A LOGÍSTICA NO BRASIL
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Com a abertura da economia e a globalização, as empresas brasileiras passaram a buscar novos referenciais para sua atuação, inclusive no domínio da Logística. No entanto, os passos ainda estão muito tímidos, à mercê de uma série de fatores. Há muitas empresas trabalhando ainda na primeira fase, isto é, controlando seus fluxos logísticos através de estoques e tendo seus diversos setores atuando de forma isolada. Outras operam na segunda fase, tentando passar para a terceira fase. Essas empresas estão buscando melhor articulação com seus fornecedores e adotando um planejamento mais integrado de suas operações. Algumas delas já estão interligadas via EDI, de forma a possibilitar maior flexibilização na entrega dos componentes ou produtos acabados. Na quarta fase, em que se observa a integração estratégica otimizada entre os participantes da cadeia de suprimento, notam-se movimentos, como o ECR, mas de resultados ainda incipientes. Deve-se considerar, no entanto, que mesmo nos Estados Unidos, onde essa evolução se iniciou há mais tempo, há também muitas empresas operando na segunda e terceira fases, sendo poucas as que já conseguiram evoluir plenamente para a quarta fase. Uma das limitações observadas nas empresas brasileiras, quanto às possibilidades de evolução em termos logísticos, é sua estrutura organizacional. A clássica divisão da empresa em setores girando em torno de atividades afins (manufatura, finanças, vendas, marketing, transporte e armazenagem) não permite o tratamento sistêmico e por processo das operações logísticas. Em alguns casos, o gerente de transporte e do depósito é promovido a gerente de logística, mas a organização continua a operar de forma estanque entre seus diversos setores. Mais ainda, em razão do poder restrito que o setor de transporte sempre recebeu dentro da empresa, o novo gerente, se tiver capacitação para tanto, praticamente não será ouvido pela administração superior da companhia na solução de conflitos. Acabará por ter unicamente um novo título no cartão de visita, se tanto. Há também casos em que a alta administração da empresa já reconhece melhor as especificidades das funções logísticas, criando uma diretoria específica e recrutando externamente um profissional gabaritado para assumi-la. Mas, muitas vezes, o esquema de poder dentro da empresa acaba engessando o executivo recém-chegado, deixando-o sem ação. Por exemplo, há o caso de uma indústria de porte do setor alimentício que criou uma diretoria de Logística, a qual acabou sufocada pela diretoria de Marketing, cuja área apresenta interfaces importantes com a primeira.
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Muitas vezes, as empresas nacionais, em lugar de se reestruturarem de forma adequada para enfrentar os novos desafios logísticos, simplesmente lançam mão de pseudossoluções, com resultados parciais e incompletos, quando não contraproducentes. Por exemplo, não é incomum ver diretores de empresas comprarem softwares de roteirização de veículos, achando que, somente com isso, vão resolver os problemas logísticos da firma. Há casos, como nas lojas de departamentos, em que os pontos de entrega dos produtos (os domicílios dos consumidores) variam dia a dia, tornando a aplicação de softwares de roteirização pouco prática. Para esses casos, o mínimo a se esperar seria a busca de um aplicativo especialmente voltado para esse tipo de problema ou o desenvolvimento de um programa customizado. Há também o problema da base informacional precária. Os mapas digitalizados e confiáveis, disponíveis nos Estados Unidos e cobrindo as redes viárias urbanas e as rodovias, têm ainda poucos similares no Brasil. Algumas tentativas vêm sendo realizadas, mas os custos de desenvolvimento são caros, uma vez que os órgãos governamentais (prefeituras, institutos de controle fundiário e censitário), que deveriam fornecer os dados básicos, possuem, na maioria das vezes, informações desatualizadas e incompletas. Um outro aspecto que, de certa forma, dificulta os avanços das empresas nacionais na direção da modernização de suas funções, fruto dos longos anos de inflação elevada e de dificuldades econômicas, é a concentração de esforços, por parte das empresas, nas funções puramente financeiras. Numa época não muito distante, com taxas de inflação muito além do razoável, os executivos de maior capacitação e criatividade gastavam uma parte expressiva de seu tempo em malabarismos financeiros, tentando manter suas empresas à tona e deixando de aplicar maiores esforços no aprimoramento de seus negócios. Hoje, ainda se notam resquícios dessas práticas, pois nossa economia está longe de apresentar aquele nível de estabilidade tão almejado pelos brasileiros. O baixo crescimento da economia, por outro lado, com diminuição acentuada na demanda por produtos e serviços, também contribuiu muito para que não sobrasse fôlego às empresas para se modernizar. Essa modernização, embora não exigindo grandes inversões no caso da Logística, requer, ainda assim, algum investimento em pessoal, equipamentos, atualização dos recursos de informática, entre outros. No que se refere à informática e ao tratamento da informação, os problemas encontrados são bastante sérios. Muitas empresas vêm investindo paulatinamente em informática ao longo do tempo (software e hardware), e hoje possuem um número razoável de sistemas autônomos que não conversam entre si e que são utilizados nas atividades rotineiras de operação e de controle. No tratamento da moderna Logística, e principalmente no SCM, é vital o acompanhamento das operações real time ao longo da cadeia de suprimento. Assim, os sistemas computadorizados precisam operar de forma
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integrada. Hoje, a utilização crescente de sistemas integrados de gestão (ERP) tem facilitado essa integração, o que favorece a introdução das modernas técnicas logísticas nas grandes empresas. Nas demais, integrações de sistemas do tipo data warehouse possibilitam também agilizar e modernizar as operações logísticas. Outra questão bastante presente nas relações entre empresas que atuam numa mesma cadeia de suprimento é a dificuldade de se estabelecer entrosamento mais profundo entre elas, com acordos reais de parceria. Muita desconfiança impera nessas relações, com avanços lentos. Pior do que isso, há muitos casos de transferência de ineficiência de um parceiro mais forte para outro mais fraco. Por exemplo, o filho de uma professora da UFSC, que fazia seu doutorado no Canadá, entrou na Internet e comprou um buquê de flores para homenageá-la no Dia das Mães. Para isso, há uma rede virtual de floriculturas espalhadas pelo mundo, possibilitando a entrega em muitas partes do globo. Só que o agente brasileiro, situado em São Paulo, despachou o buquê como encomenda para Florianópolis, e o produto chegou murcho ao seu destino. O valor de qualidade ficou assim totalmente prejudicado. Há também muitos casos de indústrias que entregam produtos à transportadora além do prazo indicado nas notas, forçando o transportador a assumir a responsabilidade pelo atraso. No transporte de produtos resfriados e refrigerados, não são incomuns casos em que o motorista do caminhão desliga o sistema de controle de temperatura da carga para economizar combustível, ligando-o novamente quando se aproxima da cidade de destino. O rol de situações esdrúxulas, como as relatadas, infelizmente é grande. O importante a frisar é que a realização de parcerias com resultados efetivos só pode dar certo quando as relações entre as empresas participantes forem apoiadas em mútua confiança e em ações profissionais permanentes. Há um aspecto adicional que dificulta sobremaneira a evolução das empresas brasileiras na direção da moderna Logística e do SCM. As operações logísticas são muitas vezes complexas e, para que as inter-relações entre os agentes da cadeia de suprimento se desenrolem adequadamente, é preciso dispor de um sistema de custos adequado. Por exemplo, um fornecedor que entenda que a recepção de seus produtos no centro de distribuição do varejista está sendo feita de forma excessivamente lenta deveria apresentar dados concretos sobre os impactos nos custos e na redução de eficiência em seu sistema de distribuição. Para isso, deve dispor de um sistema de custeio que possa evidenciar as principais relações de causa e efeito em suas operações. Só a boa vontade entre as partes, sem que haja transparência nas informações e consistência dos dados, não vai ajudar muito nos entendimentos. Em razão da importância desse assunto, incorporamos um capítulo sobre custeio ABC neste texto. Nessa fase de queda de demanda por produtos e serviços, muitas vezes as empresas competem entre si de forma desleal. Por exemplo, o transporte
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rodoviário de cargas no Brasil está infestado de operadores arrivistas, sem a mínima experiência e tradição na área, e que oferecem seus serviços com fretes excessivamente baixos. Muito embora a busca pela redução de custos seja uma constante na moderna prática logística, a qualidade e a confiabilidade dos serviços são de fundamental importância. Um dos resultados dessa competição ruinosa dos transportadores de carga no Brasil é a pouca evolução observada nos últimos anos nesse setor, salvo algumas honrosas exceções. Isso tem favorecido a entrada no país de grandes operadores logísticos internacionais, como Ryder, Penske, Maclane, TNT, Danzas, sem que boa parte das transportadoras nacionais se capacite para competir efetivamente com eles.
UMA FÁBRICA SEM FUMAÇA Na atual fase de evolução da Logística, em que os problemas da cadeia de suprimento passaram a ser tratados estrategicamente dentro do Supply Chain Management, as fronteiras entre os fornecedores e a manufatura, e entre esta última e o varejo, estão cada vez mais tênues. Antes, era a manufatura que dava as cartas na cadeia de valor, impondo produtos, preços e prazos aos atacadistas e varejistas. Com as experiências vividas pela Wal-Mart e outras cadeias varejistas, o cenário começou a mudar. Muitas das grandes empresas de varejo já não se satisfazem mais em comercializar produtos prontos. É comum definir suas próprias marcas e especificar vários produtos, indo atrás dos fornecedores que lhes ofereçam melhor qualidade, preços mais baixos e um bom serviço logístico. Tarefas, antes de domínio estrito do fabricante, como projeto do produto, acabamento e montagem, estão sendo feitas, hoje, por outros agentes da cadeia de suprimento. Neste estudo de caso, procuramos focalizar um cenário bastante diferente de nossa realidade brasileira. Apesar da crise asiática, ainda temos muito o que aprender com a experiência de alguns países daquela região. À mão de obra barata, que também dispomos, somam-se a agilidade empresarial e uma boa infraestrutura logística, que ainda não temos no Brasil. O caso que apresentamos a seguir é baseado em Young (2000), na entrevista de Victor Fung, presidente da empresa Li & Fung, de Hong Kong, à revista Harvard Business Review (Magretta, 1998; Novaes, 1999) e em Hagel III (2002).
A Empresa
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Li & Fung é a maior trading exportadora de Hong Kong, e uma inovadora no desenvolvimento do moderno gerenciamento da cadeia de suprimento num contexto globalizado. Fundada em 1906, em Cantão, sul da China, pelo avô de Victor Fung, a empresa foi a primeira companhia exportadora chinesa, numa época em que o comércio do país era controlado
por empresas estrangeiras. Sua única vantagem comparativa, na época de sua criação, era que seus membros falavam inglês. No início do século XX, uma carta do Ocidente gastava um mês para chegar à China. Mercadorias, por sua vez, demoravam três meses, no mínimo. Ninguém, nas fábricas chinesas, falava inglês, e os comerciantes americanos, por sua vez, não falavam chinês. Na fase administrada pelo pai de Victor Fung, a empresa atuava basicamente como broker (intermediário), recebendo uma comissão para estabelecer contatos entre compradores e fabricantes de produtos. Mas, como mera intermediária, a empresa estava sendo paulatinamente espremida entre os clientes estrangeiros e as fábricas: recebendo 15% de comissão no início das atividades, o percentual foi caindo cada vez mais, chegando a apenas 3% no início da década de 1970. Em 1976, Victor Fung lecionava na Harvard Business School e foi chamado por seu pai, juntamente com seu irmão William, para dirigir a empresa. A primeira constatação dos dois foi que brokers, como a Li & Fung, não teriam mais do que 10 anos de vida, se tanto. A ideia era transformar o negócio em algo diferente, desenvolvendo e implementando uma nova forma de atuação para a empresa. A firma foi então se transformando, percorrendo vários estágios de desenvolvimento.
Os Três Estágios de Evolução da Li & Fung Num primeiro estágio, abriram filiais em Formosa, Coreia e Cingapura, que passaram a atuar como agentes regionais, buscando fornecedores nesses países. Os grandes clientes ocidentais tinham condições de comprar produtos diretamente dos fornecedores, caso estes estivessem concentrados somente em Hong Kong. Mas o processo se complicava quando os clientes tinham que tratar diretamente com fornecedores de muitos países. Assim, a abertura das filiais aumentava as vantagens competitivas, em razão do maior valor adicionado ao serviço de intermediação. O conhecimento sobre a qualidade dos produtos era também um elemento positivo na atuação da Li & Fung. Por exemplo, os tecidos sintéticos de Formosa eram os melhores, mas Hong Kong era o lugar onde se conseguia o melhor algodão. A empresa organizava então um “pacote” para um determinado cliente, buscando em diversas fontes, nos vários países, os produtos que melhor atendessem às condições de qualidade e de preço. Pouco depois, começou a agregar mais valor ao processo, passando a se responsabilizar por pequenas montagens. Por exemplo, uma grande cadeia americana de lojas de descontos encomendava um kit de ferramentas. A Li & Fung buscava as chaves-inglesas num país, as chaves de fenda noutro, e assim por diante, montando o kit antes de enviá-lo para o cliente.
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Num segundo estágio de evolução da empresa, o salto qualitativo foi maior. Até então, um cliente pedia à Li & Fung algo assim: “Este é o item de que precisamos; por obséquio, vá atrás e ache o melhor local onde comprá-lo para nós.” Já de acordo com o novo modelo, um cliente, digamos um grande varejista de roupas na Europa, procura a empresa com uma demanda diferente: “Para a próxima estação, estamos pensando em lançar algo assim – com este estilo, estas cores, nestas quantidades. Vocês poderiam desenvolver para nós um programa de produção?” O cliente fornece então os sketches preparados por seus estilistas. O passo seguinte, para a Li & Fung, é pesquisar o mercado para encontrar o tipo certo de fibra, de forma a conseguir as cores e os resultados desejados. Os fornecedores produzem amostras e a Li & Fung prepara alguns protótipos. O cliente analisa as amostras e dá sua opinião: “Não, não gostamos deste resultado, queremos este. Vocês têm condições de desenvolver uma programação para nos entregar n peças desta aqui?” A partir da colocação do pedido, Li & Fung prepara um programa completo para a estação, especificando os componentes e o cronograma. Em seguida, trabalha em conjunto com as fábricas, planejando e monitorando a produção de forma a garantir qualidade e as entregas nas datas certas. Essa forma de combinar a manufatura e a distribuição de produtos permaneceu até a década de 1980, quando um novo tipo de desafio mudou de novo a atuação da Li & Fung, levando-a ao terceiro estágio. À medida que os Tigres Asiáticos foram emergindo, Hong Kong foi se tornando cada vez mais inacessível em termos de custo de manufatura, tornando-o pouco competitivo. Um exemplo era a produção de radiotransistores baratos, que passaram a ser fabricados em Formosa e na Coreia, fechando as fábricas de Hong Kong. Nessa ocasião a China começava a abrir suas fronteiras ao comércio e Hong Kong passou a aproveitar a situação para resolver seu problema de custo elevado. Para isso, passou a canalizar a parte da produção intensiva em mão de obra para ser feita do outro lado da fronteira, no sul da China. A Li & Fung criou, para os radiotransistores, pequenos kits, na verdade sacos plásticos, cada um contendo todos os componentes necessários para produzir um aparelho. Esses kits eram então despachados para a China, para montagem. Quando pronto, o produto acabado voltava a Hong Kong para testes e inspeção final. Esse esquema tinha condicionantes muito sérios. Por exemplo, se na preparação dos kits faltasse um único parafuso, toda a linha de montagem parava, aguardando um tempo enorme para receber o elemento faltante. Essa quebra na cadeia de valor, na forma idealizada pela Li & Fung, era um conceito novo na época. Eles a chamaram de manufatura dispersa. Nas palavras de Victor Fung, sua empresa é, na verdade, uma fábrica sem fumaça. Esse método de fabricação logo foi imitado por outras indústrias de
Hong Kong, trazendo novo alento e transformando a economia da região. Entre 1979 e 1997, Hong Kong passou do 21o lugar na classificação mundial de comércio exterior para o 8o lugar. Toda a manufatura acabou passando para a China, ficando Hong Kong com a parte de comercialização, distribuição e serviços em geral: 84% do PIB de Hong Kong passou a ser representado por serviços. Aproximadamente 300.000 pequenas e médias empresas atuam hoje em Hong Kong, com cerca de 40% delas de caráter transnacional, isto é, operando pelo menos em dois países. Algumas possuem 20 a 30 funcionários em Hong Kong, com uma fábrica na China comunista, onde trabalham de 200 a 300 operários. Cerca de 50.000 fábricas localizadas no sul da China, com aproximadamente 5 milhões de trabalhadores, são controladas por empresas de Hong Kong.
Manufatura Dispersa e Cadeia de Valor A dispersão espacial da manufatura de componentes, comum na indústria automobilística, adquire características novas no tipo de operação realizada pela Li & Fung. De fato, a produção de um veículo exige uma preparação de alguns anos, indo desde o projeto do carro, desenvolvimento do maquinário e aparelhamento necessário, como também a definição das especificações das peças e componentes, seguida da contratação dos fornecedores. No caso das operações da Li & Fung, o ciclo dura menos do que um ano. A cada estação, as especificações dos produtos mudam à mercê da evolução da moda. Isso requer uma agilidade muito grande, com a empresa gerenciando fatores logísticos e de transportes, mas também dissecando a cadeia de valor em busca da solução que atenda às exigências do cliente, com o mínimo custo possível. Um exemplo desse tipo de operação foi a produção de uma boneca, similar à Barbie, lançada em meados da década de 1980. O projeto foi realizado em Hong Kong, como também a produção dos moldes, que exigia máquinas sofisticadas. Os moldes foram despachados para a China, onde se processava a injeção do plástico, se fazia a montagem das bonecas também era aplicada a pintura e confeccionadas as roupas. Todas essas operações são intensivas em mão de obra, favorecendo a China como polo produtor. As bonecas eram então enviadas a Hong Kong, não somente para testes finais e inspeção, como também para serem embaladas. Naquela época, não havia na China o know-how necessário para imprimir as caixas com a qualidade requerida. Uma vez embaladas, Li & Fung utilizava as boas facilidades de transportes que servem Hong Kong para distribuir os produtos no mundo todo. Nesse esquema, a empresa se incumbia de executar os dois extremos da cadeia de valor, deixando para os chineses a parte intermediária, intensiva em mão de obra, e que não requeria muito know-how.
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Gerenciar uma cadeia produtiva dispersa, na qual as coisas não acontecem sob um único teto, requer uma real mudança de mentalidade. Mas, tão logo Victor e William descobriram como enfrentar o problema, passaram a pensar em ir além do sul da China. Se os salários fossem menores mais para o interior da China, compensando os custos adicionais de deslocamento, por que não ir até lá? Como resultado dessa abertura, Li & Fung passou a buscar constantemente novas fontes de suprimento. Em 1995, já com um bom capital amealhado nos vinte anos de atuação à frente da empresa, os dois irmãos adquiriram a Inchcape Buying Services – IBS, uma grande trading de origem inglesa, com uma rede bem estabelecida e sediada em Hong Kong, e com filiais na Índia, Paquistão, Bangladesh e Sri Lanka. Com isso, quase dobraram o volume de operações e estenderam sua penetração geográfica a outras regiões do globo. Adicionalmente, a aquisição trouxe consigo uma base de novos clientes europeus, que complementou a carteira de clientes até então predominantemente norte-americana. Esse modelo de manufatura dispersa logo se tornou um novo paradigma para toda a Ásia. Centros mais desenvolvidos tecnológica e empresarialmente, com custos de produção mais altos, passaram a se incumbir do planejamento sofisticado, coordenando a manufatura distribuída regionalmente: Bangkok trabalha com a península da Indochina, Formosa com as Filipinas, e Seul com o norte da China. Hoje, a Li & Fung forma uma rede globalizada, com 68 filiais localizadas em 68 países (www.lifung.com, agosto de 2003), tendo faturado cerca de US$5 bilhões no ano 2002. Considerando uma média, por baixo, de 200 empregados por fábrica, mais de um milhão de trabalhadores estão engajados em trabalhos voltados aos clientes da empresa. Essa é uma das razões que afastam Li & Fung de qualquer segmento da cadeia de valor ligado diretamente à manufatura. Gerenciar diretamente o trabalho de mais de um milhão de trabalhadores seria uma tarefa hercúlea. A empresa perderia toda a sua flexibilidade e teria dificuldade em coordenar e ajustar a cadeia de suprimento na forma como vem realizando hoje. Para Li & Fung, é fundamental que seus fornecedores considerem importante para seus negócios os pedidos feitos pela empresa. Em geral, de 30% a 70% da capacidade de produção de cada fornecedor é direcionada às encomendas da Li & Fung. Para muitos fornecedores, a participação de 30% coloca Li & Fung como seu maior cliente. Por outro lado, Li & Fung não quer a responsabilidade de ter os fornecedores totalmente dependentes de seus pedidos.
Acompanhando um Pedido Típico 62
Um grande varejista europeu faz um pedido de 10.000 peças de roupa à Li & Fung. Para esse caso particular, a Li & Fung decide comprar o fio de um pro-
dutor coreano, para posteriormente tecê-lo e tingi-lo em Formosa. Os japoneses, por sua vez, produzem os melhores zíperes e botões, mas esses componentes são manufaturados na China. Li & Fung se dirige então à YKK, um grande fabricante japonês de zíperes, e coloca um pedido, no qual são especificados os requisitos desse componente a ser produzido na China. Em razão de cotas e das condições trabalhistas, o melhor país da região para produzir as peças de roupa é a Tailândia. Assim, todos os componentes são despachados para lá. Como o cliente europeu exige pronta entrega, o pedido é dividido entre cinco fabricantes tailandeses. Com esse esquema logístico, Li & Fung consegue customizar a cadeia de valor de forma a melhor atender às necessidades de cada cliente. Cinco semanas após o recebimento do pedido, as 10.000 peças chegam às prateleiras das lojas na Europa. Além do perfeito atendimento no que se refere a tamanhos, padrões e quantidades, todas as peças apresentam o mesmo tipo de corte, com suas cores perfeitamente padronizadas. Grandes fabricantes, liderados pela indústria automobilística, vêm aplicando o gerenciamento da cadeia de suprimento em nível globalizado. Hoje, a montagem de produtos, como o automóvel, é relativamente simples. A parte difícil do processo é o gerenciamento dos fornecedores e da distribuição, coordenando o fluxo de componentes e peças. No caso da Li & Fung, a empresa é pioneira em estender aos grandes varejistas a capacidade de gerenciar a cadeia de valor, criando produtos que são manufaturados de acordo com suas especificações e expectativas. Um dos objetivos do comércio, ao lançar mão do gerenciamento da cadeia de suprimento, é conseguir vantagens competitivas sobre seus concorrentes, através da comercialização de produtos atrativos ao mercado, a custos razoáveis e dentro de prazos reduzidos. Os níveis médios de estoque também tendem a cair, em razão da grande agilidade com que são processados os pedidos. Por outro lado, tal prática, ajudando a atender melhor as preferências do mercado, acaba diminuindo significativamente as sobras e as consequentes liquidações de produtos a preços reduzidos.
Compressão do Ciclo do Pedido A moda, incluindo roupas, sapatos e outros produtos do gênero, está sujeita a ciclos bastante apertados. As tendências da moda para uma nova estação são normalmente lançadas nos desfiles dos grandes estilistas europeus. Esses desfiles são acompanhados pelos criadores das principais cadeias varejistas. Com base nas ideias absorvidas a partir dos desfiles de moda, os estilistas dos grandes magazines desenvolvem, em seus ateliês, modelos, padronagens e cores de forma a antecipar as expectativas do mercado. Esse tipo de mercado está fortemente atrelado às preferências do consumidor, que, por sua vez, são influenciadas pelas revistas de moda e pela mídia.
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A tarefa de antecipar as preferências do mercado é uma dura missão. De fato, não poucas vezes os criadores dos grandes magazines erram em suas previsões, elaborando modelos que não vendem nas lojas ou especificando cores um tanto deslocadas em relação às tendências do momento. Assim, quanto mais tarde uma empresa varejista puder colocar seus pedidos de fabricação das peças de roupa ou de calçados, mais tempo ganha para eventuais correções. Isso significa que comprar mais perto do mercado (closer to the market) agrega um valor de natureza mercadológica apreciável para o varejista. Por exemplo, considerando um prazo normal de três meses (13 semanas) para completar o ciclo do pedido, sua redução para cinco semanas significa um ganho de oito semanas, que pode ser usado pelo varejista para melhor avaliar os rumos do mercado. Esse ganho gera maiores lucros, pois aumenta as vendas e reduz em muito os saldos ao fim da estação, que fatalmente levam a promoções e/ou liquidações do produto, com preços bastante reduzidos. O bom gerenciamento da cadeia logística retira tempos e custos supérfluos ao longo do ciclo do pedido. Para se conseguir ganhos apreciáveis no caso de produtos de moda, os entrelaçamentos entre as atividades da manufatura, do distribuidor e do varejista ocorrem com bastante frequência. Por exemplo, a empresa Limited encomenda 100.000 peças de roupa à Li & Fung, numa fase inicial de lançamento da moda, para uma certa estação. Nesse ponto do processo, não se sabe ainda o estilo final ou as cores do produto. Essas informações são fornecidas à Li & Fung cinco semanas antes da entrega. Num primeiro instante, a empresa Li & Fung reserva os fios necessários, ainda sem tingimento, junto ao fornecedor desse insumo. Nas indústrias têxteis, é também reservada capacidade para produzir o tecido e tingi-lo. Já aqui começa uma relação de confiança entre o cliente comprador, o intermediário (Li & Fung) e os fornecedores. Nesse processo de antecipação, os fornecedores ficam sabendo a data em que deverão fabricar os componentes e as quantidades que vão produzir, mas não sabem ainda os detalhes que lhes serão passados cinco semanas antes da data da entrega. O mesmo processo é adotado nas relações com as manufaturas que produzem as peças de roupa. Num primeiro contato, não se conhecem ainda as especificações do produto. A empresa Li & Fung comunica aos fabricantes a quantidade de peças, bem como a data em que o tecido, as tintas e os demais elementos necessários à fabricação vão lhes ser repassados. O fabricante se compromete então a fabricar as peças em três semanas a partir do recebimento dos insumos. Ao longo da cadeia de suprimento, a Li & Fung procura postergar, ao máximo, toda a programação detalhada da produção, de forma a deixar livre para o cliente varejista um tempo extra para afinar sua linha de produtos com relação às tendências do mercado. Nota-se aqui a extrema relevância da atuação da Li & Fung nesse processo: qualquer falha, seja por atraso de algum
componente, seja por erro de concepção ou fabricação, ou outro qualquer, e os prazos acordados com o cliente ficarão comprometidos, desacreditando toda a cadeia de suprimento. A importância de Li & Fung na cadeia de suprimento é evidenciada pelo fato de que, considerando a existência de aproximadamente 15 etapas na cadeia de valor, Li & Fung é responsável por cerca de 10.
Redução de Custos e Crescimento Alavancado O moderno gerenciamento da cadeia de suprimento se preocupa não só com a agilização do processo, como também com a redução dos custos globais. Na linguagem da Li & Fung, a empresa procura atacar os “3 dólares soft”. Um produto que saia da fábrica, digamos, a um preço de US$1, acaba sendo vendido por US$4 nas lojas do varejo. Reduzir os custos de produção de 10 ou 20 centavos de dólar é uma tarefa quase impossível hoje, pois todo mundo vem trabalhando nessa direção há tempo, e não há muito mais gordura a ser queimada. Ou seja, esse US$1 é a parte hard do custo global. É melhor atacar os custos que se distribuem ao longo da cadeia – que constituem os chamados 3 dólares soft. Por exemplo, os fabricantes preferem encher completamente um contêiner, pois os custos unitários de transporte são muito menores do que os correspondentes à carga fracionada. Mas, se pensarmos no valor global da cadeia vista como um sistema, em que se busca a redução do custo total, pode ser mais vantajosa a opção por despacho fracionado. Suponhamos que precisamos distribuir um conjunto de dez produtos, cada um deles produzido por uma fábrica diferente e destinados a dez centros de distribuição. No tratamento convencional do problema, cada fábrica despacharia um contêiner cheio para a transportadora, que descarregaria os 10 contêineres, faria a triagem e o novo carregamento destes, antes de encaminhar os lotes completos para cada centro de distribuição. O que Li & Fung faz é deslocar um contêiner de fábrica para fábrica, cada uma delas carregando um décimo da capacidade da caixa. Depois, o contêiner, contendo o mix de produtos, é encaminhado diretamente ao centro de distribuição correspondente. É claro que o custo de transporte será maior. Também o carregamento dos contêineres precisa ser realizado com maior cuidado. Mas o custo total do sistema será menor, porque a transportadora que atuava como consolidadora da carga é eliminada do processo (Hagel III, 2002).
Organização da Empresa A maior parte das grandes tradings é organizada geograficamente, com as filiais em cada país atuando como centros de negócio. Como resultado, fica
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difícil gerenciar o processo sob o ponto de vista global da cadeia de valor. Isso porque as filiais, em cada país, estarão competindo umas com as outras nos negócios. Dessa forma, tentam definir um cliente-padrão, e procuram produzir sistemas e processos que se ajustem à maior parte da clientela. Ou seja, sua estratégia de negócio gira em torno dos produtos e serviços que oferecem aos clientes. Estão, assim, dando maior ênfase à comercialização da sua linha de produtos, embora afirmem estar focalizando as necessidades dos clientes. Li & Fung, por outro lado, procura organizar para o cliente. A unidade operacional básica da empresa é a divisão. Hoje, a empresa é formada por aproximadamente 60 divisões. Sempre que possível, uma divisão é dedicada a apenas um cliente. Clientes menores, com necessidades semelhantes, são agrupados em divisões específicas. Cada divisão é focalizada nas necessidades do cliente, e são mantidas pequenas e com mentalidade fortemente empresarial. Sua receita varia de US$20 a 50 milhões cada uma. São tocadas por executivos líderes, denominados “pequenos John Waynes”, pela semelhança com o mocinho, montado numa carroça e dando tiros nos bandidos à sua volta. Todas as decisões ligadas a um programa de produção específico são de responsabilidade do gerente da divisão. Para as ações criativas do negócio, é dada ênfase ao comportamento tipicamente empresarial e, por isso, Li & Fung dá aos líderes das divisões liberdade operacional e compensações baseadas em seu desempenho. As divisões podem ser vistas como portfólios: quando o mercado se altera, a empresa pode criar ou fechar uma divisão quase instantaneamente, adaptando-se ao novo contexto com grande rapidez. Uma divisão típica é a Gymboree, uma das maiores de Li & Fung. Seu staff de 40 pessoas tem escritório separado no edifício-sede da empresa, em Hong Kong. Em cada escrivaninha há um microcomputador ligado ao cliente Gymboree. O staff é organizado em times especializados em áreas, como suporte técnico, merchandising, aquisição de matéria-prima, controle de qualidade e despacho. Ada Liu, a gerente da divisão, controla técnicos espalhados pela China, Filipinas e Indonésia, para as compras para o cliente, nesses países. Essas pessoas, que desempenham papel importante no processo, são diretamente recrutadas pela gerente. Empresas trading só conseguem ser eficientes quando pequenas. A Li & Fung tem conseguido crescer rapidamente sem se burocratizar, para isso mantendo suas unidades pequenas e independentes. A administração central da companhia se incumbe do controle financeiro e dos procedimentos operacionais. A Li & Fung possui um sistema operacional totalmente computadorizado para executar e monitorar os pedidos, e todo mundo na empresa usa esse sistema. A direção da firma também controla de perto o capital de giro. Nas palavras de Victor Fung, “estoque é a
raiz de todo o mal”. No mínimo, o estoque aumenta a complexidade do gerenciamento de qualquer negócio. Qualquer descuido, por outro lado, eleva exponencialmente as necessidades de recursos financeiros. No que se refere ao fluxo de caixa, a empresa é bastante conservadora. Victor Fung afirma que poderia aumentar seus negócios de 10% a 20%, desde que desse crédito aos clientes; no entanto, prefere agir com segurança nesse quesito: uma carta de crédito é exigida de todo cliente antes que seu pedido seja executado. Um aspecto importante na administração da empresa está ligado à formação americana dos dois irmãos Fung. Victor diz que precisou, de início, colocar de lado muito do que havia aprendido no Ocidente sobre administração de empresas. A Li & Fung, que seu avô havia fundado, era um típico conglomerado familiar chinês. Mesmo hoje, na Ásia, a maioria das empresas é construída dentro desse modelo; no entanto, esse tipo de organização lida essencialmente com poucas relações internas e externas. Durante a década de 1980, por exemplo, a maioria dos magnatas asiáticos concentrava seus negócios em atividades intensivas em propriedades, como imóveis e navegação marítima. Para esse tipo de negócio, é requerido um pequeno número de decisões, de valor muito elevado cada uma. Por exemplo, o empreendedor decide se constrói ou não um edifício, ou se encomenda ou não um novo navio supertanque. No início de sua atuação à frente da Li & Fung, os dois irmãos foram obrigados a seguir o esquema oriental de administração. Mas a Li & Fung de hoje administra sistemas grandes e complexos, sendo muito diferente da empresa criada em 1906. Num certo momento, mais de 50 compradores da empresa podem estar realizando centenas de transações individuais na sede, em Hong Kong. É um grande número de decisões, de pequeno valor individual. A empresa tem uma atuação extremamente focalizada no cliente, e adota um enfoque sistêmico constante em suas operações. Assim, o aprendizado na Harvard Business School, deixado de lado num primeiro instante, está sendo colocado em prática na atual fase da companhia.
Importância da Informação A informação é, talvez, o ingrediente mais importante na fórmula de negócio de Li & Fung. Diariamente são trocadas informações dos mais variados tipos entre a empresa e seus inúmeros clientes, e entre ela e seus fornecedores. São chamadas telefônicas, fax, intercâmbio de dados via Internet, bem como visitas pessoais in loco. Victor Fung acredita que logo a empresa vai precisar de um sistema sofisticado de informação com arquitetura aberta, de forma a acomodar os diferentes protocolos de fornecedores e clientes. Esse sistema deve ser robusto o suficiente para atuar em Hong Kong e Nova York, mas também em países como Bangladesh, onde o sistema de comunicação é mais problemático.
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Victor Fung descreve o executivo ideal de sua empresa, que vislumbra para o mundo de hoje. Seria um elemento vestindo uma roupa de safári e capacete. Numa das mãos levaria uma machete e, na outra, um computador portátil avançado e um aparelho de comunicação. Na prática, a empresa trata com relatórios convencionais de fornecedores de países emergentes. De outro, a empresa está ligada diretamente aos pontos de venda de grandes varejistas nos Estados Unidos e na Europa, recebendo dados precisos e instantâneos, que lhe permitem reabastecer as lojas do cliente automaticamente. Em outras palavras, a Li & Fung tem de estar preparada para atuar em regiões onde há muito o que fazer em termos de tratamento da informação, e noutras onde já se está operando com tecnologia de ponta.
A Li & Fung na Internet
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Depois de muita pesquisa de mercado, os irmãos Victor e William Fung decidiram abrir o portal www.lifung.com em agosto de 2000 (Figura 2.10). De início, os dois tinham receio de que o portal B2B acabasse competindo com a empresa tradicional. Mas depois perceberam que a Internet facilita bastante a gestão da cadeia de suprimento. A chave, segundo eles, é possuir um forte know-how empresarial conseguido dentro dos conceitos da velha economia, mas ao mesmo tempo ficando aberto às ideias da nova economia. Os estudos de mercado mostraram que havia um importante nicho ainda não explorado, formado por pequenas e médias empresas (PMEs). Cerca de 69% dos grandes clientes da Li & Fung estavam localizados nos Estados Unidos no ano 2000, e 27% na Europa. Assim, focalizaram prioritariamente PMEs norte-americanas: varejistas com vendas individuais de até US$100 milhões por ano e atacadistas com giro anual abaixo de US$50 milhões. Identificaram um potencial de 20.000 varejistas e 2.800 atacadistas, com faturamento global de US$58 bilhões. Nas palavras dos irmãos Fung, o portal que abriram na Internet é mais do tipo B2b, do que B2B, em razão do porte dos novos clientes. Esses pequenos clientes colocam pedidos relativamente pequenos, não apresentando economias de escala, mas tradicionalmente as PMEs eram obrigadas a pagar margens maiores aos importadores, variando de 25% a 30% do valor do pedido. Por outro lado, a Li & Fung cobrava cerca de 6% a 8% de comissão dos grandes clientes do setor de roupas, e 10% a 12% dos demais clientes. Assim, as PMEs eram bons clientes em potencial, desde que bem trabalhadas. A solução foi adotar um esquema de customização em massa (consulte o Capítulo 3). A empresa fornece aos clientes um leque de opções de produtos básicos. Os pedidos das PMEs são agregados em grupos homogêneos à medida que vão sendo colocados no site da Li & Fung. Formado um lote,
FIGURA 2.10 • O portal da empresa Li & Fung na Internet
passa-se à manufatura distribuída nos moldes usuais da empresa. Há assim um ganho de escala apreciável. Depois, os produtos de cada cliente são submetidos à diferenciação, variando as cores, os bolsos, o acabamento, a etiqueta etc. (no caso de roupas). Com isso a Li & Fung consegue cobrar comissões de 10% a 15%, bem menores do que as PMEs estavam acostumadas a pagar aos importadores.
Reflexões No Brasil, temos uma diversidade de recursos humanos, com regiões extremamente carentes de emprego, em contraste com outras já bem desenvolvidas. Treinar pessoal para executar tarefas simples, como as observadas no contexto asiático, não parece de difícil execução. Na verdade, já existem iniciativas no Brasil, voltadas ao setor de confecções, e coordenadas por grupos nacionais e internacionais. O que falta para que esse esquema de “manufatura dispersa” possa ser implantado no país, coordenado não por empresários orientais, mas por empreendedores brasileiros? Em primeiro lugar, seria necessário criar a competência técnica e operacional, à maneira da Li & Fung, que possibilitasse gerenciar a cadeia de suprimento dispersa, de forma eficiente em termos logísticos. A infraestrutura logística, por outro lado, representada pelos modos de transportes, portos, terminais, rodovias, burocracia governamental e outros componentes, é bastante deficiente e desarticulada. Além do “custo Brasil”, as deficiências ob-
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servadas impedem, hoje, a compressão do ciclo do pedido, na forma realizada pela empresa Li & Fung. No entanto, é nossa meta competir eficientemente no comércio internacional. Esse exemplo oriental nos deve servir, então, de estímulo.
Questões Propostas
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1. Em qual das quatro fases da Logística você colocaria a empresa Li & Fung? Justifique. 2. As operações da Li & Fung se enquadram dentro dos modernos conceitos de gerenciamento da cadeia de suprimentos? Por quê? 3. Poderíamos classificar a Li & Fung como uma manufatura? Por quê? 4. Considere as seguintes funções logísticas: (a) suprimento, (b) manufatura, (c) transportador (d) distribuidor, (e) atacadista, (f) representante, (g) comerciante e (h) varejista. Quais dessas funções a Li & Fung exerce? Justifique. 5. No texto, se fala muito pouco sobre o transporte de insumos e componentes dentro da região, bem como sobre a distribuição de produtos acabados a partir da Ásia para a Europa e para a América do Norte. Discuta os requisitos e os condicionantes para que esse subsistema logístico consiga oferecer satisfatoriamente o nível de serviço exigido pelas operações da Li & Fung. 6. Como uma empresa do tipo da Li & Fung pode controlar a qualidade dos insumos e dos produtos, bem como os prazos, numa cadeia de suprimento tão dispersa espacialmente? 7. Discuta a questão da confiança entre a Li & Fung e seus fornecedores e clientes. 8. Considere a seguinte situação para a fabricação de um certo tipo de roupa no Brasil, destinada à exportação: (a) planejamento e coordenação em São Paulo; (b) tecido produzido em Santa Catarina, na região de Blumenau; (c) zíperes e botões fabricados em Minas Gerais; (d) confecção da roupa no Ceará e no Sul de Minas; (e) despacho pelo porto de Santos. Você acha viável adotar o esquema da Li & Fung para as condições hoje vigentes no Brasil? O custo final seria competitivo? Discutir os efeitos de tal prática no desempenho logístico final, caso esse sistema fosse implantado. 9. Em relação à Questão 6 discuta os condicionantes culturais que favoreceram a adoção da “manufatura dispersa” na Ásia e faça um paralelo com as condições vigentes no Brasil. 10. Em uma época em que um grande número de empresas ponto.com saiu do mercado quase vertiginosamente, a Li & Fung virtual pare-
ce estar indo muito bem. Discuta as vantagens competitivas que a empresa conseguiu incorporar somando seus conhecimentos obtidos na prática direta com o maior alcance propiciado pela Internet.
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Os Desafios do Comércio Eletrônico
O QUE É COMÉRCIO ELETRÔNICO? Vimos, no Capítulo 1, que o comércio é a troca de produtos e de serviços por dinheiro. Excetuando o escambo, em que se troca um tipo de produto por outro, o pagamento nas transações comerciais é feito com papel-moeda, cheques, ordens bancárias, cartões de crédito ou outra forma qualquer de representação do numerário. Quando o consumidor concretiza sua compra, é feito então o pagamento ao comerciante. Essa operação financeira, nas transações convencionais, era realizada e controlada manualmente até um tempo atrás, passando a ser efetuada por meios eletrônicos de forma cada vez mais acentuada nos últimos anos. Nas transações convencionais, as preocupações com segurança são bem menores, uma vez que as partes estão fisicamente presentes na hora da operação, possibilitando a verificação in loco do produto e do numerário. Com o uso acentuado do cheque e do cartão de crédito nas transações comerciais, o nível de segurança para o comerciante diminuiu, sendo parcialmente compensado pelas autorizações por via eletrônica, no caso dos cartões de crédito, e pelo auxílio dos órgãos de informação sobre o crédito dos consumidores, no caso dos cheques. A etapa seguinte na evolução do comércio foi a de incorporar transações via qualquer outro meio eletrônico, tal como fax, Internet, televisão interativa ou telefonia móvel. A primeira forma de transação já tem um histórico razoável, principalmente na América do Norte. As duas últimas, por serem recentes, estão ainda em desenvolvimento, sendo testadas nas suas for-
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mas de comercialização e de troca de dados, bem como no que diz respeito ao gerenciamento logístico e às medidas de segurança. Mais particularmente, é a Internet que vem abrindo hoje um espaço nunca antes imaginado para as transações comerciais. A Internet é uma rede de computadores que, na década de 1980, se espalhou pelo mundo, crescendo explosivamente a partir de 1985. Numa primeira fase, se restringia à transmissão de mensagens (e-mail) através da rede de computadores que lhe davam forma. Em 1989, surgiu a World Wide Web. A WWW não é mais do que um conjunto de regras que governam a formação de uma biblioteca de arquivos (textos, figuras, sons e vídeo), que são mantidos nos computadores que dão corpo à Internet, podendo ser transmitidos de um endereço para outro. O nome “web” (teia, em inglês) vem do intricado universo de possibilidades de interligações entre os arquivos disponíveis na rede. Posteriormente, por volta de 1993, surgiram softwares que tornaram mais amigável a navegação na Web. O conceito de browse,1 introduzido pela Netscape nessa época, possibilitando a passagem de um site para outro com um simples clique do mouse, tornou bastante fácil a navegação. A partir de 1994, as possibilidades de negócios na Web foram plenamente percebidas pelos agentes econômicos, iniciando assim uma nova fase, de cunho nitidamente comercial. De repente, a Internet se tornou uma via de duas mãos, que pode levar, de forma integrada, mensagens anteriormente transmitidas separadamente pelo telefone, televisão, rádio e correio (Machfoedy e Aistrich, 1999). No Brasil, o tráfego de informações na Web ainda é realizado predominantemente através do sistema telefônico comum. Como consequência, as operações são muitas vezes lentas, desencorajando o consumidor potencial a efetivar suas compras. Já na segunda metade da década de 1990, empresas de telefonia e de televisão a cabo desenvolveram o acesso em banda larga, projetado expressamente para transmitir dados em grande quantidade e velocidade. No mundo, a adesão a essa nova forma de acesso à Internet tem sido muito rápida, crescendo cerca de 120% ao ano. No entanto, até fins de 1998, menos de 1% dos lares norte-americanos que tinham acesso à Internet havia aderido a esse novo sistema. Em fevereiro de 2003, esse índice já havia subido para 33%. Em 2006 (fevereiro), 68% dos usuários da Internet, nos Estados Unidos, utilizavam banda larga. No Brasil, a banda larga atinge apenas 1,9% da população, enquanto esse índice é de 4% no Chile e de 26,2% na Coreia do Sul. Para 2010, a projeção indica cerca de 10 milhões de conexões de banda larga no país (Longo, 2006). Considerando que tais ligações
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Ato de folhear aleatoriamente as páginas e as linhas de um texto na tela.
correspondem a domicílios com renda relativamente alta, seu impacto no comércio eletrônico tende a ser bastante forte. De fato, espera-se um aumento significativo no movimento geral do comércio eletrônico à medida que a banda larga vá sendo adotada em maior escala, como resultado da agilização na comunicação entre os compradores e as empresas vendedoras.
CARACTERÍSTICAS DO COMÉRCIO ELETRÔNICO Os principais elementos que distinguem o comércio eletrônico do tradicional são os seguintes: G
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Comunicação: os serviços de comunicação dão suporte às trocas de informação entre os compradores e os vendedores. No EDI tradicional,2 o meio para troca de informações é tipicamente uma VAN – Value Added Network,3 formando uma rede de propriedade de um provedor particular e adotando, por exemplo, protocolos como o ANSI X12 e UM/EDIFACT. Uma rede EDI desse tipo é fechada, atendendo unicamente os parceiros que participam daquela VAN. Atendendo à necessidade de estabelecer formas de comunicação padronizadas na Internet, a World Wide Web Consortium patrocinou, em 1996, o desenvolvimento do protocolo XML, uma linguagem computacional projetada para transferir grande quantidade de dados através de sistemas eletrônicos de informação. Essa linguagem supera as limitações dos sistemas tradicionais de intercâmbio de dados, fornecendo um meio padronizado para descrever, processar, transmitir e apresentar os dados (Lawrence, Jenningse Reynolds, 2003). A Internet emprega um protocolo próximo ao XML, o HTML (Hypertext Markup Language). Dados: o serviço de gerenciamento de informações, no comércio eletrônico via Internet, desempenha dois papéis principais importantes. Em primeiro lugar, permite que se criem e se mantenham bases de dados necessárias para fornecer informações de diversos tipos aos clientes. Em segundo lugar, um site de comércio eletrônico na Internet permite que se levantem informações sobre os usuários, à medida que navegam pelo site. Uma forma de se fazer isso é a implantação de cookies, que são pequenos arquivos colocados pelo servidor nos computadores dos clientes potenciais e que permitem a recuperação de valiosas informações sobre eles. Utilizando técnicas estatísticas sofisticadas, os analistas descobrem pistas de grande valor para as vendas e
EDI, Electronic Data Interchange, ou Intercâmbio Eletrônico da Dados. Rede com valor adicionado.
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para o marketing, envolvendo perfil do consumidor, preferências, hábitos de compra (horários mais utilizados, dias do mês, volume de compras etc.). Mesmo não fazendo uso dos cookies, os provedores podem colher informações importantes sobre seus clientes a partir de seus hábitos e frequência de compras, faixa etária, sexo etc. Segurança: os mecanismos de segurança hoje existentes na Internet autenticam a fonte de informação e garantem a integridade e a privacidade na troca de informações. Esses mecanismos de segurança são de grande importância nesse tipo de atividade porque, ao contrário das transações tradicionais, o comércio eletrônico não implica a proximidade física entre comprador e vendedor no momento de se efetivar a transação. Infelizmente, à medida que vão sendo conseguidos avanços nas técnicas de segurança eletrônica, os hackers acabam encontrando novas formas de ludibriá-las.
As principais vantagens do comércio eletrônico, quando comparado com a forma de transação tradicional, são: G
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Inserção instantânea no mercado: os produtos ou serviços ficam imediatamente expostos, tanto em nível nacional, como internacionalmente. Esse é obviamente um fator positivo, mas gera muitas vezes expectativas não atendidas por parte da clientela como, por exemplo, a não disponibilidade de entrega dos produtos em muitos lugares. Há casos, no entanto, em que esse grau de agilidade pode trazer problemas para o e-varejista. Em setembro de 2005, por exemplo, um erro no sistema computacional da empresa Submarino.com permitiu que vários consumidores conseguissem descontos maiores do que o previsto no site da companhia. Um DVD de R$14,90, por exemplo, acabava saindo de graça. Ao descobrir a falha, o Submarino cancelou todas as compras efetuadas dessa forma. Mas, nem sempre é possível reaver o prejuízo e, além disso, a imagem da empresa pode ser afetada. Relações mais ágeis: o comércio eletrônico possibilita a agilização das relações entre consumidores e vendedores. Redução da assimetria informacional: no comércio tradicional, o consumidor faz suas decisões de compra apoiado num conjunto restrito de informações sobre preços, qualidade do produto, serviços etc. Isso porque fica limitado, no tempo e no espaço, a um universo menor de opções. Ou seja, a chegada de informações aos inúmeros clientes, provenientes dos diversos varejistas, se dá de forma assimétrica na situação tradicional, isto é, alguns consumidores acabam sen-
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do melhor informados do que outros. A Web diminui de forma expressiva essa assimetria, pois permite a análise rápida e abrangente de ofertas, sem grande esforço. Mas ocorre, é claro, outro tipo de assimetria informacional: somente um grupo menor de pessoas, com acesso à Internet, pode tirar proveito dessa vantagem. Redução da burocracia: o uso e a guarda de papéis são reduzidos, ganha-se tempo, os erros diminuem e muitos custos operacionais e administrativos são cortados. Análise mercadológica facilitada: o registro de informações dos clientes e das transações por via eletrônica permite seu uso posterior no desenvolvimento de novos produtos ou serviços, bem como na definição de novos enfoques mercadológicos.
Apesar das inegáveis vantagens do comércio eletrônico, alguns problemas ocorrem nesse tipo de transação, embora a maioria deles esteja sendo tratada, hoje, de forma a superá-los ou reduzir seus efeitos negativos. São eles: G
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Fraude: as informações pessoais inseridas no site da empresa podem ser utilizadas fraudulentamente por terceiros para efetuar saques em contas bancárias, para realizar compras via Internet ou mesmo para implantar vírus no computador do e-consumidor. Por exemplo, em setembro de 2003 uma mensagem apareceu nas telas dos computadores brasileiros prometendo um home theater ou um vale-compras no valor de R$1.859,00 a quem clicasse num falso link da loja virtual Submarino.com. Na falsa mensagem, que pretensamente teria sido enviada pela empresa, o link remetia o incauto internauta para um site pirata. Tratava-se de mais um golpe para instalação do vírus trojan. As imagens apresentadas no texto eram verdadeiras, mas encontravam-se hospedadas num provedor gratuito, o Tripod. Ao dar atenção ao convite malicioso, o internauta corria o risco de ganhar não um home theater, mas um trojan de presente. Hoje, sistemas de dados com base criptográfica estão reduzindo essas possibilidades de forma significativa. Impostos: uma vez que a Internet forma uma rede global, não restringindo as operações entre países e entre estados ou províncias, aparece o problema da taxação e da cobrança de impostos entre fronteiras. Mesmo dentro de uma determinada região, como controlar as transações via Internet sob o aspecto fiscal? Propriedade intelectual: a proteção da propriedade intelectual se torna um problema maior no comércio eletrônico, pois as informações se tornam disponíveis mais facilmente, possibilitando a cópia ilegal de material escrito, marcas, produtos e serviços.
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Confidencialidade: a troca de informações entre fornecedores e compradores é muitas vezes violada eletronicamente por terceiros, que podem utilizá-las para outras finalidades, sem autorização das partes. Confiança: sendo virtuais por sua própria natureza, tanto o vendedor como o comprador não têm uma base física de referência para dar apoio à transação, em caso de dúvida ou divergência. Por exemplo, o vendedor pode ser uma empresa fictícia, desaparecendo da Internet tão logo ludibrie um certo número de incautos. Nas transações tradicionais, realizadas em lojas ou pontos de venda do fornecedor, o comprador tem um ponto de referência para onde se dirigir em caso de dúvida ou necessidade.
Antes de entrar em mais detalhes sobre o comércio eletrônico, é importante analisar as diferentes formas de troca de informações na Internet, pois esse aspecto é a base de muitos dos conceitos que permeiam essa forma de transação.
Tipos de Informação nas Transações Comerciais Para a realização plena e satisfatória de uma transação comercial, seja ela feita entre duas firmas, seja realizada entre uma pessoa física e uma empresa, observa-se uma troca de informações entre as partes. A demanda por informação é bastante variada, mas podemos classificá-la em quatro grupos principais, que serão discutidos a seguir.
Informações Técnicas
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Esse tipo de informação ocorre na comunicação comprador-vendedor e envolve aspectos técnicos relacionados com o produto. É muito usada nas transações entre empresas, procurando responder às necessidades de informação do comprador, na aquisição de matérias-primas e de componentes necessários à fabricação de seus produtos. É o caso de uma empresa-cliente ao abrir o site de um fornecedor, que oferece uma extensa linha de produtos, com diferentes especificações. O sistema a ajuda, então, a escolher o produto adequado em termos de tamanho, potência, resistência física, resistência à corrosão etc. Esse tipo de informação está ligado a “o quê” buscar ou comprar. Por exemplo, na aquisição de uma ponte rolante, um sistema especialista (expert system) desenvolvido pelo fabricante vai solicitando informações do possível comprador: peso máximo a deslocar, vão do depósito, tipo de material a ser levantado, velocidade etc. Ao fim de uma sessão de perguntas e respostas, o sistema especialista indica o tipo de produto mais adequado às necessidades do cliente.
No caso de vendas ao consumidor, o site MySimon.com, um serviço americano de apoio às compras na Internet, é um exemplo típico (Wise e Morrison, 2000). Suponhamos que o cliente deseje comprar um aparelho DVD. Em primeiro lugar, o site fornece informações gerais sobre DVDs, destacando as especificações mais importantes e as diferenças críticas entre os vários modelos disponíveis. Depois, com o auxílio de um software desenvolvido pela empresa Active Research, o sistema leva o internauta através de um processo de avaliação sistematizada, permitindo que ele faça escolhas entre as diversas opções oferecidas. Uma vez concentrada a análise sobre um subconjunto reduzido de atributos, a MySimon recomenda uma lista de DVDs que melhor atendam às necessidades do consumidor.
Informações Comerciais Uma vez conhecido ou definido o produto ou serviço, o cliente deseja analisar as ofertas de diferentes fornecedores, envolvendo preços, prazos de entrega, condições de pagamento etc. O fornecedor, por sua vez, está também interessado em obter informações sobre os possíveis clientes, tais como características socioeconômicas e hábitos dos consumidores, para formar uma base de dados de marketing, preferências sobre os produtos (próprios e de concorrentes), reclamações mais frequentes etc. Esse tipo de informação está ligado a “quem” buscar e identificar no processo.
Informações Administrativas Depois de realizada a transação, torna-se necessária a troca de informações entre comprador e fornecedor, envolvendo encaminhamento do pedido, transferência de notas fiscais, faturas e outros documentos, informações sobre o andamento do processo etc. Esse tipo de informação está ligado ao “quanto, onde e quando”.
Informações Projetivas Estão relacionadas com o planejamento das necessidades futuras das empresas da cadeia de suprimento, principalmente quando há integração direta entre as partes (just-in-time, ECR). Por exemplo, o fornecedor pode acessar diretamente as informações de planejamento, de vendas e de estoque existentes nas instalações da empresa cliente (ver Capítulo 6). Com os dados assim obtidos, projeta a demanda do produto para os próximos períodos e, com base nessas projeções, efetua a reposição dos estoques de forma automática (Estoque Administrado pelo Fornecedor – Vendor Managed Inventory). Esse tipo de informação se prende ao “e depois?”, nas transações comerciais da cadeia de suprimento.
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Tipos de Comércio Eletrônico O comércio eletrônico vem sendo realizado por meio de EDI há mais de vinte anos. Hoje, boa parte do comércio eletrônico está migrando para a Internet. Os dois tipos principais de comércio eletrônico observados atualmente na Internet são: o B2B, ou comércio eletrônico business-to-business, e o B2C, ou comércio eletrônico business-to-consumer.
Comércio Eletrônico EDI
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EDI, abreviação de Electronic Data Interchange, é a transferência eletrônica e automática de dados entre os computadores das empresas participantes, dados esses estruturados dentro de padrões previamente acertados entre as partes. Na maioria dos casos, as redes de EDI são privadas, atendendo de forma exclusiva as firmas participantes. Outras vezes, a transferência de informações é feita através de uma empresa intermediária, que oferece uma rede de intercâmbio de dados denominada VAN (Value-Added Network). O EDI se tornou especialmente popular nas transações entre grandes empresas, que o utilizam para agilizar suas operações e implementar processos administrativos e operacionais na cadeia de suprimento (Bamford, 1997). Tradicionalmente, a aquisição de insumos e produtos nas grandes empresas se fazia através de um processo manual, intensivo em mão de obra e demorado. Uma transação de compra envolve muitas etapas: pedido ao fornecedor para cotação do produto, recebimento e processamento da cotação, submissão da ordem de compra aos escalões superiores, aprovação do pedido, confirmação da ordem de compra, expedição do pedido, notificação da expedição, envio da fatura e pagamento final. Cada uma dessas etapas pode ser realizada tradicionalmente via telefone, fax ou correio. O EDI permite o intercâmbio automático desses dados, além de outros, conectando clientes, fornecedores, prestadores de serviços e instituições financeiras entre si. O EDI foi primeiramente adotado nos Estados Unidos, na década de 1980, pelos setores de varejo e de transporte. Mais tarde, se expandiu para os setores automotivo, farmacêutico e supermercadista. As grandes companhias formam a maioria das empresas usuárias de EDI. Cerca de 95% das mil maiores empresas americanas, segundo a revista Fortune, utilizam EDI. Para as demais, a porcentagem cai para apenas 2%. No sistema just-in-time, a utilização de EDI é essencial. As três maiores montadoras automobilísticas norte-americanas exigiram que seus fornecedores, de primeiro, segundo e terceiro nível hierárquico (até o fornecedor, do fornecedor, do fornecedor) adotassem o EDI. O mesmo se deu com a empresa varejista Wal-Mart (Bamford, 1997).
Conforme mencionado, o sistema EDI é normalmente operacionalizado por meio de uma rede exclusiva ou por meio de VANs (Value-Added Networks). Além de servir de meio de troca de transações eletrônicas, o EDI provê segurança, recuperação de informações, registro de erros, serviços de auditoria e serviços de apoio aos clientes. É claro que, em razão de sua natureza privada e relativamente exclusiva, esse sistema é inerentemente mais seguro do que a Internet, que é pública e aberta. O fator básico que impede que o EDI seja utilizado mais amplamente nas transações comerciais é o alto custo associado à sua implementação. Também se deve levar em conta os custos relacionados à operação da infraestrutura necessária ao seu funcionamento. Mesmo com essa limitação, o EDI tem melhorado de forma significativa a eficiência das transações business-to-business na cadeia de suprimento.
Comércio Eletrônico B2B Nesse tipo de transação eletrônica, as empresas fornecedoras desenvolvem sites na Internet, através dos quais as empresas clientes podem obter e trocar informações com os fornecedores, como também adquirir os produtos. Assim, o comércio do tipo B2B se caracteriza por ter pessoas jurídicas nas duas pontas do processo, ou seja, a comercialização não é dirigida às pessoas físicas (Cunningham, 2001). Por exemplo, um fabricante de rolamentos permite que uma empresa cliente levante dados sobre as possíveis aplicações de seus produtos, juntamente com os preços, formas de pagamento etc. Ao decidir pela compra de um determinado tipo de produto, a empresa cliente fecha a transação, emitindo uma ordem de compra. Posteriormente, a empresa cliente pode monitorar pela Internet o processamento de seu pedido. Pode também receber a fatura via Internet e trocar informações com o fornecedor, quando necessário. As empresas adquirem, em geral, dois tipos distintos de mercadorias: inputs para o negócio, que estão ligados ao objetivo central da empresa (matéria-prima ou componentes que são utilizados na fabricação de mercadorias diversas, produtos a serem comercializados pelo varejista etc.) e inputs operacionais (suprimentos de escritório, suprimentos para manutenção e serviços). Estes últimos são tradicionalmente adquiridos através de duas formas distintas. Uma delas é a da sistematização das compras, constituída por contratos de longo prazo, negociados com fornecedores qualificados. A outra forma é constituída pelas compras do tipo spot, em que a negociação envolve apenas uma transação, de forma a preencher uma necessidade imediata da empresa, ao menor custo possível (Kaplan e Sawhney, 2000). Segundo o Census Bureau dos Estados Unidos, o comércio entre empresas (eletrônico e não eletrônico, via Internet ou não) é responsável por cerca de 80% do comércio mundial. Esse índice mostra a importância do comércio
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entre empresas no contexto global. No que diz respeito especificamente ao comércio eletrônico B2B no Brasil, sua expansão nos últimos anos é muito expressiva. Em 2005, foi transacionado por meio eletrônico no Brasil um total de R$267,6 bilhões entre empresas (B2B), volume 37% maior do que o observado em 2004. De 2003 para 2004, por outro lado, a taxa de crescimento foi de 30%. Esses índices foram elaborados pela Câmara Brasileira do Comércio Eletrônico, em colaboração com a consultoria E-Consulting. Para 2006, as projeções indicam uma expansão de 36% em relação a 2005, mostrando a forte tendência de crescimento desse tipo de comércio eletrônico. O B2B é dividido normalmente em duas categorias. A primeira, denominada B2B Companies, engloba as transações B2B fechadas, isto é, aquelas permitidas somente entre uma empresa e seus fornecedores previamente cadastrados e vinculados a ela por contrato. A segunda categoria é formada pelos e-marketplaces independentes, que operam os portais abertos a qualquer companhia. O primeiro grupo representa cerca de 79% da receita total transacionada no B2B brasileiro, ficando os e-marketplaces independentes com os 21% restantes. Na categoria B2B Companies, o setor de petróleo e petroquímico vem se confirmando como o dominante nesse mercado. O setor automobilístico, representado principalmente pela Ford, General Motors e Toyota, também vem mantendo uma progressão constante. Segundo a Câmara-e-net, a certificação eletrônica,4 em expansão no país, terá forte impacto na adoção dos negócios eletrônicos entre empresas. Isso porque melhora substancialmente o nível de segurança na Internet. De forma geral, o comércio B2B vem passando por uma sequência evolutiva (Figura 3.1). Numa primeira fase, as transações eram feitas quase exclusivamente por EDI. A comunicação, nesse tipo de B2B, é fechada, cara e exclusiva. Por ser cara, tende a ser utilizada por grandes empresas compradoras nas relações comerciais com seus fornecedores de maior porte (fase I, Figura 3.1). Esse tipo de B2B é geralmente centrado no comprador, em razão do poder normalmente exercido por ele (por exemplo, grandes cadeias varejistas e montadoras de automóveis). Num segundo estágio (fase II, Figura 3.1), o comércio eletrônico B2B passa a ser mais aberto, centrado nos fornecedores que já abriram seus sites na Internet. No início, esses sites visavam mais ao marketing de produtos e serviços, mas logo passaram a vendê-los através da Web. Esse tipo de comércio apresenta características do tipo spot, em que as compras são baseadas nos preços correntes de mercado. As transações refletem um acordo comer4
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A certificação eletrônica se apoia na assinatura digital, formada por uma chave numérica privada e criptografada, de conhecimento exclusivo de seu titular, e uma chave pública, que permite que o documento seja aberto e autenticado por um destinatário autorizado.
Avanço mercadológico e economias de escala
Comunidades comerciais
Hubs verticais Explosão de sites na Internet
Soluções horizontais
IV
III I EDI centrado no comprador
II Sites de vendedores na Internet
V
Integração no Supply Chain (ERP)
Tempo Fonte: Duracher (2000b).
FIGURA 3.1 • Evolução do comércio eletrônico B2B
cial momentâneo, em geral não havendo contratos de longo prazo entre as empresas vendedoras e compradoras, o que explica o nome spot. Os fatores que definem o sucesso ou não desse tipo de comércio para os fornecedores são os ganhos de escala, o profundo conhecimento do setor, a qualidade dos serviços oferecidos e o valor agregado, entre outros. Há, nessa fase, uma explosão de sites de empresas que oferecem produtos e serviços na Internet. Num terceiro estágio (fase III, Figura 3.1), as grandes empresas compradoras no comércio eletrônico B2B passam a dar ênfase à melhoria de seus processos de negócios ao longo da cadeia de suprimento. Para isso, passam a integrar seus recursos de ERP (Enterprise Resources Planning) e outros sistemas internos de gestão aos sistemas de seus fornecedores e clientes. Essa integração tende a reduzir o ciclo do pedido e a melhorar o nível de serviço ao longo da cadeia de suprimento. A execução plena dessa fase é um tanto restrita, no entanto, em razão das dificuldades em intercambiar informações baseadas em protocolos diferentes (SAP, Baan, Oracle, entre outros). Um quarto estágio (fase IV, Figura 3.1) é caracterizado pela ampliação do número de intermediários horizontais no processo de comercialização B2B. Esse tipo de agente oferece soluções visando reduzir as ineficiências no sentido transversal às diversas cadeias de suprimento que competem no mercado, e não ao longo delas. Esses agentes centralizam normalmente suas atividades em torno de serviços mais gerais, tais como os de manutenção e reparos de máquinas, equipamentos, edifícios etc., suprimentos para escritório, agenciamento de viagens para empresas, serviços logísticos, recursos humanos etc. Cada fornecedor possui uma especialidade e, com a especialização, tem condições de oferecer melhores soluções aos clientes.
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Empresas fornecedoras
Empresas compradoras
F1 C1 F2 C2 F3
e-mercados C3
F4 F5
C4
FIGURA 3.2 • Comunidades comerciais (e-mercados) interligando empresas fornecedoras
e compradoras na Internet
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O quinto estágio (fase V, Figura 3.1) é caracterizado pela ênfase nas soluções verticais. Ao contrário dos intermediários horizontais, os agentes verticais procuram focalizar as ineficiências que ocorrem ao longo de uma cadeia de suprimento específica. Por exemplo, são comuns soluções desse tipo nas cadeias automotivas, siderúrgicas, da indústria química etc. Seu objetivo é agilizar as transações de insumos e produtos ao longo da cadeia. A tendência é ampliar o mercado B2B, com a formação de comunidades comerciais contendo espectros mais largos de fornecedores e compradores, e trazendo maiores vantagens econômicas aos participantes (Figuras 3.1 e 3.2). Os Laboratórios Abbot, por exemplo, gastam cerca de US$4 bilhões por ano em compras diversas. Possuem cerca de 250 agentes ou gerentes de compras, espalhados em 17 locais nos Estados Unidos e mais 17 no exterior. Antes de implementar um sistema de compras B2B, havia transações em que se pagavam US$2-3 mil a mais pelos mesmos insumos. Após 18 meses de funcionamento, o novo sistema gerou uma economia de US$9 milhões, tão somente por permitir o compartilhamento eficiente das informações (Reed, 2000). O comércio eletrônico do tipo B2B é bastante desafiante e competitivo, principalmente em termos de resultados financeiros. A razão principal é que as empresas compradoras, dispondo de um número razoável de ofertas, esperam obter descontos significativos em suas compras. Por outro lado, ao utilizarem uma forma ágil e moderna de transação, esperam também prazos mais reduzidos de entrega. Os fornecedores, por sua vez, tendem a estabelecer prazos mais curtos para recebimento dos pagamentos. Como consequência, as transações do tipo B2B tendem a se caracterizar por volumes elevados e margens estreitas de lucro (Wise e Morrison, 2000). Nas grandes corporações, são também comuns as transações eletrônicas entre setores ou divisões da mesma empresa. Por exemplo, um departamento pode requisitar, por via eletrônica interna (Intranet), um determinado componente do almoxarifado ou um serviço de reparo.
Comércio Eletrônico B2C Nesse tipo de transação, o comprador é uma pessoa física que, a partir de um computador pessoal, realiza suas buscas e adquire um produto ou serviço através da Internet. Por exemplo, um consumidor acessa o site de uma livraria, analisa os livros em oferta e acaba comprando um ou mais exemplares. O comércio do tipo B2C é caracterizado pela sua alta volatilidade. De fato, a disponibilidade de sites que oferecem produtos ou serviços varia bastante, com novas empresas entrando no mercado e outras saindo constantemente. A oferta de produtos e serviços também varia, o mesmo ocorrendo com os níveis de demanda, que apresentam oscilações não observadas no comércio tradicional. Como consequência, os preços também oscilam, variando em função da concorrência, das ofertas especiais e das oscilações nos níveis de procura. Assim, embora seja possível definir uma determinada linha mercadológica com o objetivo de gerar uma resposta adequada em termos do número de usuários para um determinado site, muitos provedores são surpreendidos pelo número elevado de clientes durante certos períodos. Outros, por outro lado, amargam situações de falta de clientela, sendo obrigados, em muitos casos, a fechar seu negócio. Em 1998, pensava-se que a Internet se tornaria dominante no futuro comércio B2C, desalojando boa parte do comércio convencional. Por exemplo, antes da Internet um jornal era um jornal, e uma revista era uma revista. Com a Internet, se esperava uma situação idealizada: haveria os clientes tradicionais, comprando jornais e revistas em papel, e novos clientes pagando pelo acesso ao jornal ou à revista na Web, resultando, assim, um aumento do faturamento. O que se observou ao longo do tempo foi diferente: há os leitores na Internet, há os tradicionais consumidores da versão em papel e há os que saltam de uma alternativa para outra. Isso significa, na verdade, que as empresas, de uma maneira geral, têm que manter um contingente de pessoas e recursos de infraestrutura bem maior do que antes, com aproximadamente o mesmo faturamento. Uma das razões dessa volatilidade é que, por ser novidade, os consumidores são impulsionados a comprar na Internet por muitos motivos. Além da exigência por preço e qualidade do produto, o cliente potencial dá muita importância aos fatores logísticos, conforme será discutido adiante (case eToys). Isso vai implicar uma organização adequada da infraestrutura logística, em termos de estoques, distribuição, tratamento da informação, recursos humanos etc. Para analisar as exigências logísticas associadas ao comércio eletrônico, é importante entender as preferências, hábitos e restrições dos clientes potenciais. Mas tal tarefa não é fácil, pois nem sempre se dispõe de dados estatísticos suficientes sobre a questão, mesmo porque esse tipo de comércio ainda está evoluindo e se alterando rapidamente.
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No mundo, os internautas já somam 876 milhões de pessoas e vêm crescendo desde 2002 a uma taxa de 18% ao ano (ebit, 2006). A Ásia representa 36% dos internautas, seguida pela Europa, com 24%, e América do Norte, com 23%. Os 17% restantes correspondem à América Latina, África e demais regiões do globo. Dos internautas nos Estados Unidos, estima-se que mais de 100 milhões sejam e-consumidores, ou seja, 59% realizam compras de produtos e serviços pela Internet. A Tabela 3.1, extraída de um relatório da ONU, mostra a distribuição dos internautas por alguns países selecionados. Os dados referem-se ao ano de 2005. O Brasil está melhor situado, em termos absolutos, do que o México e a Argentina, mas fica um pouco abaixo desses dois países em termos relativos à população. Tabela 3.1
Internautas numa amostra representativa de países (2005) Internautas (milhões)
No de internautas em relação à população (%)
185
61,7
China
95
7,2
Japão
75
58,7
Alemanha
41
49,7
Brasil
22
11,7
México
14
13,0
5
13,9
País Estados Unidos
Argentina
Fonte: ONU (2006), Information Economy Report, 2005.
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O comércio eletrônico B2C, nos Estados Unidos, faturou US$82,3 bilhões em 2005, cerca de 24% superior ao valor observado em 2004 (ebit, 2006). No Brasil, o comércio eletrônico B2C fechou o ano de 2005 com um faturamento de R$2,5 bilhões, valor correspondente a apenas 1,4% do volume norte-americano. No entanto, no período 2004-2005, o movimento financeiro observado no B2C brasileiro cresceu 43%, uma evolução bastante expressiva. Na Tabela 3.2 e na Figura 3.3, pode-se observar o desempenho do B2C no Brasil no período 2001-2006. Observa-se, na Tabela 3.2, as expressivas taxas de crescimento do volume faturado pelo comércio eletrônico B2C no país, nos últimos anos, e essa evolução tende a continuar num futuro próximo. Em paralelo ao faturamento, o número de e-consumidores também vem crescendo expressivamente. Em 2003, havia cerca de 2,5 milhões de e-consumidores no Brasil, passando a 3,3 milhões em 2004 e 4,8 milhões em 2005. De 2004 a 2005, houve, assim, uma expansão de 45% no número de e-consumidores, uma taxa bastante expressiva (ebit, 2006).
Tabela 3.2
Faturamento do B2C no Brasil (excluindo serviços)
Ano
Faturamento (R$bilhões)
Variação em relação ao ano anterior (%)
2001
0,55
–
2002
0,85
54
2003
1,20
41
2004
1,75
46
2005
2,50
43
2006 (*)
3,90
56
Fonte: ebit, 2006. *Previsão
No Brasil, cerca de 58% dos e-consumidores são homens. Mas a participação do sexo feminino, no período 2001-2005, mostrou um crescimento relativo de 3%, fruto, em parte, do maior acesso das mulheres à informática. Em 2005, o valor médio de uma compra do tipo B2C na Internet foi de R$272,00. A venda de automóveis na Internet é um caso à parte, devido aos elevados valores unitários transacionados. Considerando o número de transações, a Tabela 3.3 mostra a participação dos principais produtos comercializados via Internet, no Brasil, na modalidade B2C. Os CDs e DVDs lideram a lista, seguidos de perto por livros, jornais e revistas. Os dois primeiros itens da Tabela 3.3 totalizam quase 40% do movimento total. Pode-se observar, analisando os dados da Tabela 3.3, que a simples exposição de produtos e
Faturamento anual (R$ bilhões)
4,0
3,0
2,0
1,0
0,0 2001
2002
2003
2004
2005
2006
Fonte: ebit, 2006. FIGURA 3.3 • Evolução do faturamento do comércio eletrônico B2C no Brasil
Ano
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serviços na Internet não significa resultados financeiros imediatos. Computadores, por exemplo, seriam teoricamente fortes candidatos a serem comercializados na Internet, como é o caso dos produtos da Dell. Mas, por causa dos elevados valores monetários nas transações, os compradores são mais cuidadosos ao fazer suas compras, com muitas pesquisas por vários sites antes de tomarem a decisão final. Em muitos casos, a compra acaba se realizando presencialmente na loja, servindo a Internet como mera fonte informativa, tendo em vista a desconfiança que muitos consumidores ainda têm em relação às transações na Web. Tabela 3.3
Produtos mais vendidos no comércio B2C no Brasil
Categoria de produto
Participação* (%)
CDs e DVDs
21
Livros, jornais e revistas
18
Aparelhos eletrônicos
9
Artigos de saúde e beleza
8
Artigos de informática
7
Outros
37
*Base para o cálculo: quantidade de pedidos Fonte: ebit, 2006.
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Nos Estados Unidos, os hábitos de compra dos e-consumidores são diferentes dos observados no Brasil. A cultura de comprar por telefone, com base em catálogos (veja Capítulo 1), facilitou a aceitação mais rápida da modalidade B2C naquele país. Assim, as roupas e os aparelhos eletrônicos são os produtos mais vendidos através da Internet nos Estados Unidos. No Brasil, o comércio eletrônico encontrou, no início, certa dificuldade para se firmar e conquistar novos adeptos, mas à medida que as experiências positivas vão se propagando no mercado consumidor as barreiras vão caindo, o valor médio das compras vai aumentando e a fidelização dos clientes vai se tornando uma realidade. Sobre o nível de serviço logístico no atendimento ao cliente brasileiro, medido em relação ao cumprimento dos prazos de entrega, pode-se observar, na Tabela 3.4, que houve uma significativa melhoria de desempenho entre 2001 e 2005, para o B2C. O índice de pleno cumprimento do prazo de entrega passou de 71%, em 2001, para 81%, em 2005, uma evolução bastante significativa. Houve também uma redução das entregas parciais de produtos, com apenas uma parte do pedido dentro do prazo acordado. Esses casos passaram de 5%, em 2001, para 2%, em 2005, conforme mostrado na Tabela 3.4.
Tabela 3.4 brasileiro
Nível de serviço nas entregas de produtos no comércio B2C
Situação
2001
2005
Os produtos foram entregues no prazo prometido
71%
81%
Os produtos não foram entregues no prazo prometido
19%
12%
Apenas parte dos produtos comprados foi entregue no prazo prometido
5%
2%
O produto não foi entregue porque a loja cancelou o pedido
2%
2%
Outras situações
3%
3%
Total
100%
100%
Fonte: ebit, 2006
O comércio eletrônico B2C no Brasil precisa superar certas barreiras psicológicas para efetivamente deslanchar. Em primeiro lugar, ainda há uma certa falta de confiança dos consumidores em relação às firmas que comercializam produtos via telemarketing, correios ou Internet. As vendas por catálogo e correio, por exemplo, geram receitas da ordem de US$80 a US$90 bilhões nos Estados Unidos (Gordon, 1995), mas apresentam uma participação insignificante nas transações comerciais brasileiras. Essa barreira não é devida tão somente às falsificações e clonagem de cartão de crédito no país. Pesa também a falta de confiança na honestidade das firmas vendedoras e no sistema de distribuição, que supostamente deveria entregar o produto ao consumidor no prazo previamente acertado. Constantemente a mídia apresenta casos em que compradores reclamam de firmas fantasmas, que fazem propaganda de serviços e produtos, mas não honram o compromisso, se apossando de apreciáveis somas de dinheiro e desaparecendo antes que a polícia os localize. Mesmo o sistema postal brasileiro, que tem melhorado sensivelmente nos últimos anos, e operando o conhecido serviço Sedex de entrega rápida, só recentemente começou a ser visto como confiável pelo público em geral.
Comércio Eletrônico Móvel (m-commerce) O m-commerce compreende qualquer transação envolvendo valor monetário e conduzida através de uma rede de telecomunicação móvel (Durlacher, 2000a). É também denominado comércio eletrônico sem fio (Wireless Electronic Commerce). De acordo com essa definição, o comércio eletrônico móvel é um subconjunto do comércio eletrônico geral, envolvendo igualmente as transações de B2B e de B2C. Esse tipo de comércio eletrônico utiliza extensivamente a telefonia celular para comercializar produtos e serviços.
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Porém, chamadas regulares por meio de telefone celular de uma pessoa para outra não são consideradas como m-commerce. O mercado de negócios pode ser dividido em três categorias principais, que possuem necessidades distintas no domínio do m-commerce: G
G
G
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organizações voltadas à venda de produtos ou serviços, tais como indústrias, comércio, bancos etc.; organizações voltadas à prestação de serviço, tais como serviços públicos (telefone, eletricidade, pronto-socorro), reparos e consertos, consultoria, táxis etc.; organizações relacionadas com a Logística, como transportadoras, empresas de courier, despachantes aduaneiros etc.
Como exemplo da primeira categoria, admitamos uma empresa que vende bebidas importadas. O vendedor, ao visitar uma empresa supermercadista, tem que responder, no ato, às perguntas do comprador. Suponhamos, por exemplo, que o comprador queira adquirir um lote maior do que o normal, mas exige pronta entrega. O vendedor, através de seu celular inteligente, acessa o sistema computacional de sua empresa, digita as questões pertinentes e recebe a resposta no visor do aparelho. Tem assim o comprador uma resposta no ato, sem longos telefonemas ou promessas de respostas no dia seguinte. Mais do que isso, se o negócio for fechado, o vendedor reserva imediatamente o lote vendido através do celular, evitando que seja comercializado, em todo ou em parte, para outro cliente. No segundo caso, citamos uma empresa de abastecimento de água numa certa cidade. A central recebe um telefonema indicando que há um vazamento num certo local. É designada uma viatura para fazer o conserto. Ao chegar ao local, o encarregado da equipe de manutenção verifica que o conserto do vazamento exige equipamento especial, não disponível na viaturapadrão. Aciona seu celular inteligente, introduz os dados e deixa o computador central fazer uma busca de todos os equipamentos do tipo especial disponíveis na cidade. O computador analisa disponibilidades, distâncias, tempos de resposta etc., e designa um dos equipamentos para o serviço, enviando um veículo de socorro. Evita-se assim o sistema clássico de comunicação direta entre pessoas, que exige processamento demorado, envolve erros etc. Finalmente, no terceiro caso, citamos o exemplo de uma empresa ferroviária. O agente de uma cooperativa de soja está no campo, programando a colheita e o transporte de soja para exportação. Para isso precisa reservar cinco vagões graneleiros para deslocar a soja até o porto de embarque. Através do celular, o cliente aciona o computador central do transportador ferroviário, digitando a demanda para um determinado dia. O computador res-
ponde, indicando a disponibilidade de vagões naquela rota, no dia desejado e nos dias próximos, com os respectivos preços. O cliente faz sua escolha e efetua diretamente a reserva dos vagões. De uma forma geral, o comércio eletrônico móvel está ainda incipiente, não havendo expectativas de demanda tão elevada como no caso do comércio B2B ou mesmo B2C. Mas, para determinadas atividades de negócios, pode significar uma melhoria significativa nas transações comerciais, pois aumenta em muito a agilidade e a confiabilidade do processo.
EVOLUÇÃO DO COMÉRCIO ELETRÔNICO B2C Conforme vimos no Capítulo 1, os norte-americanos já estavam familiarizados, há muitos anos, com o comércio sem loja, formado pelas empresas de catálogo e pelas vendas em domicílio, como a empresa Avon, por exemplo. Mais recentemente, um grande número de firmas passou a comercializar seus produtos a partir de anúncios em jornais e revistas, recebendo os pedidos através de telefone, fax ou mesmo correio. Ainda hoje é muito comum, na América do Norte, buscar artigos eletrônicos, componentes e acessórios nas páginas especializadas de periódicos, fazendo pesquisa de preço por telefone e finalmente encomendando o produto por fax ou e-mail. Veremos mais adiante, neste capítulo, que os grandes impulsionadores do comércio sem loja foram os serviços de encomendas expressas. Isso porque os custos de estoque se reduzem muito ao se estabelecer apenas um ponto central de armazenagem dos produtos, em lugar de se manter um grande número de pequenos estoques nos pontos de venda espalhados pelo território atendido. Assim, o comércio eletrônico B2C na América do Norte, em termos de aceitação por parte dos consumidores, teve uma evolução relativamente mais tranquila. No Brasil, essa experiência anterior, no que diz respeito ao comércio sem loja, foi muito reduzida. As vendas por catálogo têm sido pouco expressivas. As altas taxas de inflação que afetaram a economia brasileira durante anos restringiram, em muito, as transações desse tipo. Por outro lado, a ocorrência de um grande número de casos de firmas fantasmas, que cobram o pagamento antecipadamente e não entregam o produto ao comprador, e de empresas inescrupulosas, que anunciam vantagens e entregam algo diferente do prometido, acabaram por prejudicar, em muito, a imagem do sistema. Também o serviço de correios, hoje bastante melhorado e de maior confiabilidade, emprestava uma imagem ainda mais negativa a esse tipo de comércio, uma vez que muitas encomendas eram desviadas ao longo do serviço postal. Era muito comum, naquela época, o desvio de correspondência que aparentava portar algo de valor como, por exemplo, revistas estrangei-
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ras, que eram vendidas para terceiros, e coisas do tipo. Hoje, a empresa de correios melhorou bastante seu padrão de serviços, e a imagem negativa foi praticamente apagada da mente do público. Muitos desses aspectos tendem a dificultar, ainda que parcial e temporariamente, a disseminação em larga escala do comércio eletrônico B2C no Brasil. Mas as perspectivas são altamente positivas, e essas barreiras psicológicas poderão ser eliminadas, ou reduzidas, com um esforço concentrado de marketing, no momento certo. Apesar do propalado clichê de que a Internet seria a “morte da geografia”, pois tende a eliminar ou reduzir drasticamente os movimentos físicos de pessoas e de mercadorias, na verdade o lugar e o deslocamento espacial ainda terão grande importância na economia. Ou seja, a Logística ainda continua agregando valor em relação ao lugar e, mais do que nunca, ao tempo. Mas, é claro que tanto o “lugar” como o “deslocamento” importam menos hoje do que há uma década. De fato, para o crescente número de empresas que utilizam a informação de forma estratégica, muitas de suas atividades essenciais são executadas através do meio eletrônico. Basicamente, só os insumos e produtos são deslocados ao longo da cadeia de suprimento para trazê-los ao mercado e, assim mesmo, muitos intermediários estão sendo eliminados do processo (Moon, 2000). Uma importante diferença entre o comércio eletrônico e as transações convencionais são o número e os tipos de intermediários. A função básica dos intermediários é melhorar a eficiência no processamento dos produtos, nos serviços e na comercialização ao longo da cadeia de suprimento (Moon, 2000). A rede logística tradicional está associada intimamente com o espaço. O número e a localização de depósitos e centros de distribuição, por exemplo, são um problema estratégico típico. O fator espacial é fundamental na solução desse tipo de problema. Ao passarmos para o comércio eletrônico, os fatores logísticos de cunho espacial ainda são importantes. Mas são menos importantes quando comparados com os vigentes na situação tradicional. De fato, a maior parte das ineficiências que os intermediários da cadeia de suprimento tinham que enfrentar no comércio tradicional envolvia deslocamentos de insumos e de produtos no universo geográfico. A maior ou menor dificuldade em contornar esse tipo de restrição está associada à distância física que separa o fornecedor do comprador, nas diversas etapas ao longo da cadeia de suprimento (fornecedor à manufatura, fabricante ao varejista, varejista ao consumidor). A situação ideal, no comércio eletrônico, é aquela em que a indústria, que fabrica um determinado produto, o entrega diretamente ao consumidor final, sem retenções e sem deslocamentos intermediários. Assim, todas as operações e deslocamentos que não adicionam valor para o consumidor final tenderiam a ser completamente eliminados da cadeia de suprimento. É
claro que, ao se eliminar deslocamentos e operações físicas diversas (carregamento e descarga de veículos, armazenagem, conferências etc.), os custos a eles associados são retirados da cadeia de valor. Em consequência, as operações logísticas associadas com o comércio eletrônico tendem a ser menos onerosas em alguns aspectos, muito embora possam ser mais caras noutros aspectos. Em paralelo à redução de custos logísticos associados ao deslocamento e ao processamento de produtos, as empresas de comércio eletrônico estão revendo a distribuição das margens (lucros) ao longo da cadeia de suprimento e eliminando o maior número possível de intermediários. Esse processo é denominado “desintermediação” (Moon, 2000). Para as empresas que foram desenvolvidas com uma profunda inserção na Web, como a produtora de microcomputadores Dell e a livraria Amazon, a maior parte das funções comuns nos canais de distribuição, como informações sobre os produtos, pedidos dos clientes, indagações dos consumidores, entre outras, é normalmente desempenhada através da Internet. Mas essas firmas se aproveitaram também das facilidades desse novo tipo de comercialização para remover boa parte das ineficiências associadas com o manuseio físico dos componentes e produtos ao longo da cadeia de valor. Como resultado, muitas funções de intermediação foram reduzidas (atacadistas, varejistas, propaganda na mídia), aumentando as margens das empresas ponto-com. Por outro lado, os intermediários que permaneceram na cadeia de suprimento, tais como fornecedores, transportadoras e operadores logísticos, têm sido forçados a oferecer serviços de qualidade superior para poder manter suas posições no mercado.
DESAFIOS LOGÍSTICOS DO COMÉRCIO ELETRÔNICO No comércio eletrônico do tipo B2C, os gerentes de Logística estão sendo obrigados a implementar práticas operacionais diferentes, de forma a atender novas formas de demanda dos consumidores que não existiam uma década atrás. Em primeiro lugar, o despacho de itens soltos nos depósitos está aumentando consideravelmente, quebrando a rotina de expedição em lotes. Na operação tradicional, o fluxo de produtos se processa em caixas, ou pallets, da manufatura para o centro de distribuição do varejista, e daí para as lojas. Agora, no comércio B2C, o manuseio de unidades de estocagem (SKUs no jargão do varejo) é a regra, não a exceção. Embora, em princípio, essa nova sistemática de operação requeira o mesmo tipo de equipamento básico de manuseio utilizado anteriormente, tal como prateleiras, esteiras, carrinhos etc., o número de operações tende a crescer significativamente. Por outro lado, uma vez que essas unidades passaram a ser manipuladas de forma solta, não sendo mais protegidas por cai-
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xas, pallets ou outro tipo de invólucro mais resistente, as operações a elas associadas acabam exigindo cuidados adicionais. Além disso, nas compras de produtos de supermercados via Internet, são bastante frequentes os pedidos simultâneos de mercadorias perecíveis (carnes, produtos congelados, vegetais, frutas) e não perecíveis (enlatados e produtos de limpeza, por exemplo). Isso implica o tratamento separado de um mesmo pedido nas operações do centro de distribuição, o que exige cuidados adicionais e um maior nível de coordenação. Em segundo lugar, no comércio tradicional tem sido aceitável entregar os produtos aos clientes dentro de 24 a 72 horas após a colocação do pedido. Mas, para a maioria das empresas ponto-com, esse nível de serviço não é mais satisfatório (Caltagirone, 2000). Em particular, para o caso de alimentos e produtos de limpeza, a expectativa dos consumidores é de entrega imediata. Em muitos casos, o consumidor não fica satisfeito em saber que seu pedido vai ser entregue no mesmo dia, sem especificar a hora. Assim, a prévia definição de uma janela de tempo para a entrega do pedido é, muitas vezes, obrigatória. É claro que esse requisito coloca restrições adicionais no planejamento das operações logísticas. Devemos lembrar que o planejamento logístico no depósito é agora muito mais dinâmico do que na situação tradicional, pois os pedidos são frequentemente submetidos on-line. Isso é muito diferente das condições que prevaleciam no comércio tradicional, no qual as operações podiam ser planejadas com certa folga, com pelo menos 24 horas de antecipação. Em terceiro lugar, os níveis de demanda no comércio eletrônico têm sido extremamente difíceis de ser previstos. Muitos empreendedores, após terem colocado seu negócio na Internet para comercializar algum tipo de produto, foram surpreendidos ao verem seus setores de expedição congestionados com excesso de pedidos, algumas vezes em número muito acima da capacidade comercial da empresa. Essas situações levam a uma resposta logística deficiente, com atrasos nas entregas, excesso de pedidos suspensos temporariamente por falta do produto em estoque (back orders), reclamações dos clientes e imagem arranhada. Para evitar esses problemas, é necessário que se faça um planejamento cuidadoso, procurando compatibilizar antecipadamente os contornos dos serviços logísticos com os objetivos mercadológicos da empresa. Uma das reclamações mais frequentes no comércio eletrônico é sobre a falta de determinados produtos na entrega de um mesmo pedido. Uma vez que uma das vantagens básicas do comércio eletrônico é a economia apreciável de tempo que traz ao consumidor, a falta de alguns produtos na entrega do pedido é muitas vezes inaceitável para o cliente. Se o consumidor faz um pedido contendo uma lista de produtos a serem utilizados de forma conjunta, a entrega parcial da encomenda pode forçá-lo a uma viagem não esperada
a um supermercado ou a uma loja para adquirir o que está faltando. Por exemplo, quando alguém aciona um supermercado ponto-com, fazendo um pedido com os ingredientes para um jantar em sua casa, e parte da encomenda não é entregue, o consumidor é obrigado a sair correndo para fazer compras de última hora. Sem dúvida, a reação do cliente nessas circunstâncias, em relação à empresa, é normalmente muito negativa. Um case muito interessante sobre esse assunto é apresentado no fim deste capítulo. Trata-se da empresa eToys.com, que foi criada em 1997, conquistou uma posição importante no B2C norte-americano e faliu fragorosamente em 2001. De fato, diversas falhas costumam ocorrer nos bastidores logísticos das empresas que atuam no B2C, e que acabam ocasionando problemas do tipo enfrentado pela eToys. Por exemplo, uma situação bastante comum, principalmente no Brasil, é a defasagem de informação nos registros de entrada e saída do estoque. Numa grande empresa varejista nacional, ao se fazer uma simulação detalhada para analisar estratégias de reposição de estoque, foram observados vários instantes em que o nível de inventário se tornava negativo. Ao analisar, na prática, o motivo da ocorrência, observou-se que as informações referentes aos recebimentos dos produtos eram digitalizadas e registradas no computador dois ou três dias depois do recebimento dos mesmos. Havia, assim, uma defasagem temporal entre entrada física no estoque e registro dos dados. Suponhamos que um cliente X faça, numa tarde, um pedido no site de uma empresa que comercializa produtos de vestuário na Internet. Por exemplo, a empresa pode ser a Lands’ End, uma das maiores firmas de venda de vestuário na Internet (Hallowell, 2000). A encomenda do cliente X é constituída por uma camisa esporte de certo tipo e marca, com um certo tamanho etc. Ele pede também um tênis, de uma certa marca, num certo tamanho. À meia-noite, o computador da Lands’ End processa todos os pedidos do dia. Suponhamos que tenham ocorrido cem pedidos da mesma camisa, na mesma cor e tamanho. O computador junta virtualmente todos esses pedidos, formando um conjunto homogêneo. De maneira semelhante, suponhamos que tenham ocorrido cinquenta pedidos do mesmo tipo de tênis, com o mesmo tamanho. Outro conjunto homogêneo é formado. Para cada item pedido, é então impressa uma etiqueta com código de barras, indicando o número do pedido, a localização no depósito e outras informações necessárias. Na manhã seguinte, um funcionário que faz a apanha (picking), localiza no depósito as 100 camisas que formam o primeiro conjunto. Prende uma etiqueta colante em cada camisa. As mercadorias são então colocadas numa bandeja de plástico, sobre uma esteira rolante. Ao passar debaixo de um scanner, o código de barras de cada camisa é lido e, no computador, é feita a correspondência de cada objeto com os diversos pedidos daquele mesmo produto. O computador registra então o destino de cada unidade no depósi-
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to. Para cada pedido, há um recipiente específico, cuja localização no depósito está devidamente cadastrada no computador. Quando a camisa passa sobre o ponto correspondente ao pedido, a bandeja é girada, descarregando o produto no recipiente destinado ao cliente X. A mesma operação é feita, no setor de calçados, por outro apanhador. O tênis encomendado pelo cliente X chega, por sua vez, ao mesmo recipiente alocado ao nosso consumidor. Posteriormente, todo o conjunto de mercadorias encomendado pelo cliente X (no caso, dois produtos) é empacotado, sendo o pacote colocado noutra esteira rolante. Um outro scanner lê os códigos de barras das etiquetas e vai separando os pacotes segundo as diversas rotas, conforme os destinos geográficos. A mercadoria é então consolidada por rota, sendo transportada aos centros de destino por caminhão. Na época de Natal, o movimento de peças de roupa no depósito da Lands’ End pode chegar a 25.000 itens por hora. Além de todo esse processo de triagem, a empresa ainda oferece um serviço adicional de colocação de monogramas personalizados em boa parte dos produtos adquiridos. Mas não é somente a Lands’ End que opera dessa forma. Outras empresas, como a L.L. Bean, a J. Crew e a Pottery Barn, também possuem depósitos modernos e automatizados, semelhantes ao da Lands’ End (Hallowell, 2000). Da observação sobre o funcionamento de um depósito desse tipo podem-se tirar conclusões importantes. O primeiro ponto a observar é a extrema importância do sistema informacional, para que tudo funcione a contento. Se, por exemplo, o tratamento dos dados dos pedidos for realizado por meio de um sistema computacional que não tenha uma interligação eficiente com o sistema do depósito, é quase certo que ocorrerão problemas sérios. Tais problemas, em razão de sua frequência e intensidade, não serão passíveis de solução manual, caso a caso. Por outro lado, os fornecedores, num extremo, e as transportadoras e centros regionais de distribuição, no outro, precisam estar interligados de forma estreita com a empresa de comércio eletrônico (via EDI ou Internet). Caso contrário, vão acabar faltando produtos nas prateleiras ou ocorrerão problemas sérios nas entregas. Se transportarmos o cenário para o Brasil, a situação se torna ainda mais dramática. Suponhamos, por exemplo, uma firma brasileira do tipo Lands’ End, que estivesse iniciando suas operações em nosso país. É muito improvável que, num determinado dia, houvesse um número expressivo de pedidos da mesma camisa (mesmo tipo, cor e tamanho). Na verdade, poderiam ocorrer alguns dias em que aquele tipo específico de produto não fosse movimentado, apresentando demanda nula. Isso significa que o trabalho dos apanhadores (pickers) seria menos produtivo, pois teriam de percorrer os corredores do depósito carregando pouca quantidade do produto. O mesmo ocorreria com as instalações fixas do depósito (prateleiras, pallets, corredores), cujo aproveitamento seria bem menor, devido ao giro mais lento do estoque. Mas
sabemos que os equipamentos de movimentação e triagem (esteiras rolantes, scanners, marcadores de código de barras etc.), bem como os sistemas computacionais necessários para operá-los, apresentam um forte ganho de escala. Ou seja, como o custo fixo é muito alto, o custo por operação unitária cai fortemente à medida que o volume cresce. Finalmente, na expedição da carga por corredor ou rota, a grande concentração de fluxos nos diversos corredores pode levar à obtenção de fretes mais vantajosos. Assim, nossa firma brasileira tenderia a operar de forma quase manual no começo, evitando investimentos elevados em computação (hardware e software), em equipamentos sofisticados e em pessoal de nível mais alto. Mas, sem um sistema operacional automatizado e integrado, esse tipo de operação tem capacidade bastante reduzida. Em pouco tempo nossa empresa estaria sendo forçada a automatizar suas operações. E, caso não o fizesse por falta de recursos financeiros, as ineficiências decorrentes se encarregariam de alijá-la inexoravelmente do mercado. Além dos aspectos discutidos, é bom lembrar que, no Brasil, onde falta uma tradição mais pronunciada de negócios a distância (venda por catálogos, por telefone ou fax), as empresa ponto-com muitas vezes obrigam o cliente a efetuar depósitos bancários antes que o processamento do pedido seja deflagrado. Essa prática está na contramão dos avanços desse tipo de comércio, e também retarda sua expansão no país. No entanto, o crescimento das operações bancárias na Internet e o uso crescente do cartão de crédito vêm melhorando esse aspecto, pois facilitam o pagamento das compras e agilizam todo o processo. Podemos concluir que as expectativas dos consumidores, no comércio eletrônico, tendem a ser mais desafiantes do que nas transações tradicionais. Essas exigências adicionais vêm desafiando os executivos de Logística das empresas ponto-com, exigindo novas soluções.
CUSTOMIZAÇÃO VERSUS PRODUÇÃO EM MASSA A Revolução Industrial trouxe consigo a produção em massa, que possibilitou o barateamento dos mais diversos produtos e a enorme ampliação dos mercados. É o caso, por exemplo, do automóvel que, no início do século XX, não passava de um hobby esportivo de pessoas ricas e, com Henry Ford, chegou aos lares dos cidadãos de classe média, para mais tarde se tornar um instrumento de locomoção diária. Após a Segunda Guerra Mundial, com o desenvolvimento da tecnologia da informação, da manufatura flexível e da logística, foi possível ampliar o leque de produtos oferecidos e seus opcionais. O consumidor foi ficando cada vez mais exigente em relação à satisfação de seus gostos e preferências pessoais. Até pouco tempo atrás, uma pessoa que desejasse comprar um automóvel ia a uma concessionária e analisava os carros em
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exposição, cotejando as ofertas em termos de motorização, cor, acabamento, acessórios etc. Se não quisesse nenhum dos veículos disponíveis, tinha que esperar pela chegada do produto de sua escolha à loja ou precisava ir atrás de outras concessionárias, até achar o automóvel de sua preferência. Hoje, com a Internet, o comprador pode montar virtualmente seu veículo para, em seguida, fazer o pedido e finalmente indicar o local onde irá recebê-lo. É verdade que o prazo para que o carro chegue às suas mãos é ainda elevado, mas a satisfação de ter o produto exatamente dentro do especificado é algo novo e estimulante. O termo, para esse tipo de venda/manufatura com satisfação plena dos desejos do cliente, é produção customizada. Para o fabricante, no entanto, a customização, embora inevitável em razão da forte concorrência hoje existente no mercado, significa custos elevados. Algumas empresas que atuam na Internet operam de forma quase totalmente virtual, exigindo pouquíssimas atividades físicas. Por exemplo, um site como o Google efetua buscas para seus milhões de internautas, encontrando as informações desejadas à medida que vão sendo solicitadas. A receita vem da propaganda inserida no portal. Para garantir sua posição no mercado, o Google mantém uma equipe de técnicos que trabalha constantemente no desenvolvimento e melhoria do site e dos algoritmos de busca. Por trás dessa operação há um aspecto muito importante, sonhado por todos aqueles que desejam ter suas atividades de negócios na Internet: é o ganho de escala. No jargão de comércio eletrônico, esse ganho potencial é chamado de scalability, que traduzimos livremente por escalabilidade. Os serviços oferecidos na Internet com elevado grau de “escalabilidade” são potencialmente muito eficientes e, portanto, lucrativos. Os grandes investidores de empresas ponto-com procuram, em geral, projetos desse tipo. No jargão do setor, escalabilidade infinita é um termo usado pelos investidores para se referir a um negócio hipotético na Internet que possibilite o atendimento a um número ilimitado de usuários a um custo extremamente baixo ou quase nulo. No caso do site Google, a “escalabilidade” é quase infinita, pois, uma vez instalado o portal, o nível de demanda pode crescer exponencialmente sem que a empresa precise aumentar rapidamente o número de funcionários, a frota de caminhões, os centros de distribuição e os demais requisitos físico-operacionais que fazem parte da grande maioria das atividades comerciais existentes. Uma livraria virtual, como a Amazon, já trabalha com produtos físicos, como livros e CDs. Mas a Amazon não monta nem fabrica os produtos. Ao contrário, já os recebe prontos das editoras para remetê-los aos compradores. O nível de “escalabilidade” é menor do que o da Google, já que há diversas atividades de retaguarda de natureza física (depósitos, estoques etc.) e operacional (apanha, empacotamento, despacho etc.). Mas o grau de “escalabilidade” da Amazon.com não é desprezível, fazendo que suas ações tenham valor relativamente alto no mercado financeiro.
Uma montadora de veículos, por outro lado, trabalha com uma rede enorme de fornecedores, organizada em vários níveis hierárquicos. Há os fornecedores diretos, que fornecem subsistemas para o fabricante, como, por exemplo, o cockpit (painel do carro já montado com todos os instrumentos). Esse fornecedor recebe de outras indústrias os instrumentos do cockpit, e assim por diante. Assim, o nível de “escalabilidade” para uma montadora de automóveis é baixo, pois qualquer variação no mix de produtos demandados ocasiona um efeito extenso na cadeia de suprimento, envolvendo os componentes que formam o veículo, seu transporte, armazenagem, estoques etc., além da informação e do pessoal necessário para movimentar toda a cadeia. Esse é o caso de muitas empresas que atuam no comércio eletrônico B2B e B2C. Seus produtos envolvem um elevado grau de intervenção física. Os fabricantes de veículos, em particular, que produzem produtos complexos e de alto valor agregado, sofrem essa limitação quando os comercializam na Internet. Para esse tipo de indústria, a customização pura e simples, em que cada comprador monta virtualmente o produto a seu gosto, deve ser encarada de forma parcial, procurando satisfazer o cliente, de um lado, mas sem que, de outro, os custos decorrentes tornem a transação economicamente impraticável. Uma forma de se conseguir isso é através da customização em massa (mass customization). A customização em massa, em oposição à produção em massa, parte de uma análise detalhada das preferências dos consumidores para então definir o mix de produtos e as estratégias de marketing mais adequadas. Vamos ilustrar essa estratégia com um exemplo. Uma montadora nacional analisou as informações correspondentes às vendas pela Internet de um de seus veículos populares de maior demanda. Desejava, com isso, encontrar estruturas típicas de preferência dos consumidores para, depois, definir estratégias específicas de marketing. Muito embora o cliente internauta tenha liberdade de montar seu automóvel como quiser, a montadora oferece também alguns pacotes-padrão, cada um deles formado por uma combinação diferente de componentes ou acessórios. Na Tabela 3.5 são mostrados simbolicamente os pacotes oferecidos na Internet, formados por diferentes combinações de componentes e acessórios. Analisando um grande número de casos reais de compras pela Internet, a empresa verificou que apenas alguns dos componentes oferecidos representam uma parcela elevada das escolhas. Por exemplo, observamos que o componente B aparece em 100% dos pacotes oferecidos e, portanto, participa em 100% das escolhas. O componente C, por sua vez, participa em 66,7% das escolhas dos e-consumidores. Assim, um possível esquema de customização em massa seria oferecer um novo pacote formado pelos componentes B e C. Com isso, a empresa satisfa-
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ria pelo menos 66,7% dos compradores. A ideia básica é definir um número reduzido de subpacotes de componentes que possam ser combinados de maneira a formar pacotes mais amplos, e atendendo ao maior número de clientes potenciais. Por exemplo, se a grande maioria dos clientes escolhe espelhos retrovisores e portas acionadas por comando elétrico, essa combinação pode formar um subpacote, em lugar de tê-los como opções independentes. Com isso, a montadora pode juntar essas duas opções numa só, encomendando aos fornecedores um kit único, reduzindo assim os custos de estoque, de controle de qualidade, de transporte etc. A ideia de customização ainda estaria viva, pois a grande maioria dos clientes não notaria a diferença. Tabela 3.5
Composição de diferentes pacotes de componentes
Pacote de componentes
Componentes do pacote A
B
C X
D
P01
30,3
X
P02
25,5
X
P03
10,5
X
X
P04
8,8
X
X
P05
8,2
X
X
X
P06
6,2
X
X
X
P07
5,3
X
X
P08
2,7
X
X
P09
1,0
P10
0,7
P11 P12 Total
100
Ocorrência (%)
X
X X
X
X
X
X
X
X
0,6
X
X
0,2
X
X
X
–
–
100,0
X
E
–
–
–
Mas a análise não para aí. Para cada pacote ou subpacote, seria realizado um estudo minucioso do perfil dos consumidores que adquiriram as combinações de componentes selecionadas. Seriam analisadas suas características socioeconômicas, como faixa etária, renda, região onde reside etc., buscando padrões homogêneos de comportamento. Depois, seria feita uma pesquisa mercadológica de campo junto aos consumidores e concessionárias buscando descobrir as razões das escolhas: segurança, status, conforto, valor potencial de revenda etc. De posse dessas informações, a área de marketing da empresa prepararia programas mercadológicos específicos visando me-
lhor orientar o mercado na aquisição de seus produtos, atuando diferencialmente nos diversos nichos identificados na análise. Outro possível resultado desse tipo de estudo é a análise do lead-time realmente cumprido pela montadora. O internauta que compra seu carro na Internet precisa esperar várias semanas até que o veículo lhe seja finalmente entregue. Muitas vezes esse processo demora de um mês e meio a dois meses no Brasil. Na Europa, as seis montadoras que participam do programa 5DayCar apresentam um lead-time médio de 40 dias. Nos Estados Unidos o prazo é maior, em torno de 60 a 70 dias. Deve-se somar a esse tempo mais dois ou três dias para que a concessionária prepare o carro e, a seguir, o entregue ao proprietário. A análise de mercado que descrevemos sucintamente pode também ser usada para verificar as expectativas de prazo de recebimento (lead-time) dos veículos adquiridos na Internet por parte dos diversos grupos de consumidores. Um estudo realizado recentemente nos Estados Unidos (CNW Marketing, 2003) mostrou haver diferenças nítidas entre grupos diferentes de consumidores. Por exemplo, para os compradores de veículos econômicos, de menor valor, o lead-time esperado era de 21 a 22 dias; já os compradores de carros esportivos, bem mais sofisticados, estavam dispostos a esperar até 54 dias. Pode-se concluir dessa breve análise da customização em massa que, embora o comércio eletrônico tenha introduzido expectativas novas nos consumidores, há formas inteligentes de contornar as consequências logísticas negativas nas grandes cadeias de suprimento, como a da indústria automotiva, por exemplo.
SERVIÇOS LOGÍSTICOS NO COMÉRCIO ELETRÔNICO Embora algumas empresas de grande porte possam preferir a adoção de um sistema próprio de entregas para as compras realizadas através do comércio eletrônico, a grande maioria tende a utilizar serviços logísticos de terceiros (veja o Capítulo 9). Estes são normalmente representados por empresas de entrega rápida, couriers e transportadoras de carga fracionada. Nos Estados Unidos, o conceito de hub-and-spoke que a Federal Express (FedEx) colocou em prática nas suas operações introduziu, no mercado norte-americano, um novo padrão de serviços de entregas rápidas. De um lado, esse sistema possibilitou a uniformização dos prazos de entrega para milhares de conexões nos Estados Unidos. Isso permite aos usuários planejar suas atividades com eficiência e mais economia, reduzindo custos e cumprindo os prazos de entrega prometidos aos clientes. Por outro lado, um sistema de entregas expressas cobrindo todo o território do país, com um nível de serviço uniforme, abre a oportunidade para as empresas usuárias reduzirem significativamente seus níveis de estoque. Isso é conseguido através da concentração dos pontos de estocagem dos produtos em poucos centros de distribuição. A mercadoria é
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deslocada desses pontos para os consumidores finais através de serviços de entregas expressas. Infelizmente, não possuímos no Brasil sistemas de distribuição expressa com o nível de serviço observado nos Estados Unidos. Discutiremos, a seguir, alguns aspectos relacionados com esse assunto, juntamente com possíveis encaminhamentos para sua solução.
Serviços de Entregas Expressas
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Muito embora a empresa UPS (United Parcel Service) tenha iniciado suas operações em 1907, em Seattle, sendo hoje uma das maiores transportadoras de carga fracionada do mundo, sua rival, a Federal Express, ou FedEx, é que teve o mérito de revolucionar o setor, introduzindo modernos conceitos logísticos. A FedEx iniciou suas operações em 1973, com sede em Memphis, no Tennessee, servindo a 210 países. Fatura cerca de US$21 bilhões por ano e entrega milhões de pacotes todos os dias, no mundo todo (ver www.fedex.com). Nos Estados Unidos, a FedEx colocou em prática, no serviço de entregas rápidas, o conceito de hub-and-spoke, especificamente no transporte de carga aérea. A ideia, em si mesma, é muito simples. Agentes da FedEx apanham as encomendas nos diversos pontos do território norte-americano, trazendo-as para as unidades locais. A carga é concentrada em centros regionais e, dali, transportada por via aérea até o hub, localizado em Memphis. Essa cidade foi escolhida como hub porque está localizada no centro do território americano e seu tráfego aéreo é raramente prejudicado por mau tempo. Ao chegar ao hub, os pacotes são descarregados, separados por região e reembarcados nos aviões, que levam as encomendas para seus destinos, de madrugada. Na manhã seguinte, os pacotes são levados a seus destinatários por meio de uma frota de veículos de entrega. O serviço mais sofisticado da FedEx, denominado Priority Overnight, garante a entrega de pacotes até 68kg (150 libras) até as 10h:30 do dia útil seguinte ao despacho. Cobre a grande maioria das cidades norte-americanas. Para as cidades não servidas por esse sistema, a encomenda é entregue no dia útil seguinte, até o meio-dia. Esse esquema de entregas está intimamente ligado às necessidades dos clientes e é compatível com a estrutura logística da FedEx. Além disso, o serviço Priority Overnight apresenta uma cláusula de devolução do frete, nos casos de não cumprimento das condições prometidas pelo operador. De fato, as atividades comerciais nos Estados Unidos se iniciam diariamente às 9 horas da manhã, e as secretárias estão ocupadas até 10 horas ou 10h:30, organizando sua mesa e o expediente do dia. Dessa forma, a janela de tempo estabelecida pela FedEx para as entregas, no caso do serviço Priority Overnight, atende às necessidades dos clientes na grande maioria
dos casos. Há que se considerar ainda que grande parte das encomendas chegará antes do prazo-limite, distribuídas pelo período matutino que o antecede. Por outro lado, o período de tempo disponível para as entregas permite à FedEx organizar seus roteiros de distribuição de forma eficiente. Uma importante consequência desse esquema operacional é a redução efetiva dos níveis de estoque nos depósitos e nos centros de distribuição dos clientes. Tomemos, como exemplo, o setor de venda de livros. Se cada livraria mantivesse um estoque de, pelo menos, dois ou três exemplares de cada título, o nível de inventário total, computando todas as lojas espalhadas pelo país, atingiria um volume muito elevado. Se as editoras puderem manter estoques concentrados em poucos depósitos (se possível, em apenas um), o nível global de inventário ficará drasticamente reduzido. Com um serviço confiável de entregas rápidas à disposição, as editoras e livrarias estão efetivamente reduzindo os estoques nas prateleiras das lojas e atendendo os clientes através de pedidos para entrega posterior. O caso típico é da Amazon.com, que vende livros pela Internet e entrega as encomendas através de operadores logísticos tais como FedEx, UPS, DHL, Correios etc. No Brasil, as empresas FedEx, UPS e DHL, entre outras, estão somente autorizadas a operar nos segmentos internacionais. A empresa FedEx estabeleceu esquemas de parceria com algumas transportadoras no Brasil para o deslocamento de encomendas no segmento nacional de seu serviço de courier. No entanto, não dispomos, até o momento, de um serviço expresso de entregas cobrindo todo o território nacional, com um padrão de serviço nos moldes indicados anteriormente. Com a expansão do comércio eletrônico, estão surgindo novos operadores logísticos voltados à distribuição dos produtos adquiridos na Internet. Entre eles, a Kwikasair, TNT e ebX Express (Malinverni, 2000). O futuro mostrará quais as empresas que permanecerão no mercado e quais se destacarão, apresentando um serviço à altura das necessidades da nova economia.
Serviço Courier Postal A empresa de Correios (ECT) oferece um sistema de encomendas expressas intitulado Sedex. O principal serviço oferecido pelo Sedex cobre todo o território nacional, entregando courier e carga parcelada até 30 kg. O prazo para entrega (lead-time) varia bastante, conforme os locais de origem e de destino. Se a origem e o destino forem capitais de estado, o Sedex se compromete a entregar a encomenda no dia seguinte, mas sem especificar a hora ou o período do dia. Se a encomenda se originar numa capital e se destinar a uma cidade situada no interior de outro estado, é necessário um dia adicional para realizar a entrega. O mesmo ocorre quando a origem for uma capital e o destino estiver localizado no interior do mesmo estado. Finalmente,
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se os pontos de origem e de destino forem cidades localizadas no interior de estados diferentes, o prazo de entrega é de três dias. A ECT oferece ainda outros serviços de encomendas expressas, como o Sedex VIP, com entregas no mesmo dia, o Sedex 10 e o e-Sedex, este último específico para o comércio eletrônico. O e-Sedex oferece três modalidades – Standard, Prioritário e Express – e permite o rastreamento e confirmação das entregas por via eletrônica, bem como a entrega programada para diversos horários (manhã, tarde e noite). No serviço e-Sedex Standard, por exemplo, os produtos coletados nas empresas clientes entre 8 horas de um dia D até 6 horas do dia D+1, serão entregues entre 8 horas e 18 horas do dia D+1. Para o serviço Prioritário, a coleta será feita entre 9 horas e 12 horas do dia D, com a primeira tentativa de entrega no mesmo dia, até as 18 horas, e a segunda tentativa entre 18 horas e 21 horas do mesmo dia. Finalmente, para o serviço Express, a coleta é feita entre 13 horas e 17 horas do dia D, com a primeira tentativa de entrega entre 18 horas e 21 horas do mesmo dia, e a segunda tentativa entre 8 horas e 12 horas do dia D+1. O serviço inclui a logística reversa, ou seja, sempre que não for possível realizar a entrega, devido à recusa do recebimento do produto ou ao insucesso na localização do destinatário, o e-Sedex se incumbe de retornar a encomenda à empresa cliente. As operações do e-Sedex incluem também o recebimento dos pagamentos no ato da entrega e a troca de informações on-line com as empresas ponto-com participantes. Pode-se observar uma diferença importante entre o serviço Sedex, de um lado, e o da empresa FedEx nos Estados Unidos. Hoje, em que grandes indústrias e firmas de serviços estão sendo instaladas ou se transferindo para cidades menores, é altamente desejável para a economia do país que serviços de entrega rápida sejam oferecidos de forma a cobrir todo o território, e não somente atendendo as principais cidades. É claro que as cidades pequenas, situadas em regiões remotas e de pequeno consumo, poderão ser deixadas de lado numa primeira fase. Isso, de resto, também ocorre nos Estados Unidos. A estrutura organizacional e operacional dos Correios no Brasil é adequada para trabalhar com volumes relativamente pequenos, quando comparados com os das contrapartes norte-americanas e europeias. No caso de ocorrer uma expansão muito grande da demanda no comércio eletrônico, a estrutura atual dos Correios vai precisar de uma revisão ampla, principalmente no que se refere ao tratamento da informação e à estrutura operacional.
MONTANHA-RUSSA NO B2C: O CASE ETOYS.COM
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A logística é seguramente um dos elementos-chave no sucesso ou fracasso de um empreendimento do tipo B2C na Internet. Este case ilustra bem isso, e envolve uma empresa fundada em 1997 no auge da explosão ponto-com da Nasdaq, e que faliu fragorosamente em março de 2001.
O Contexto de Atuação da eToys A qualidade do serviço ao consumidor no comércio eletrônico se apoia em quatro pilares (Hallowell, 2002): G
G
G
G
qualidade da navegação na Internet; informações fornecidas ao internauta; apoio ao consumidor, quando necessário; processo logístico eficiente e eficaz.
A análise do case da eToys mostra o fracasso de uma iniciativa que tinha tudo para dar certo, mas que acabou falindo por focalizar apenas os dois primeiros pontos indicados acima. O objetivo da empresa eToys era se tornar o melhor site comercial voltado à família nos Estados Unidos, especializando-se na venda de brinquedos, livros infantis, vídeos, CDs etc. Menos de quatro anos após sua entrada triunfal, quando a eToys acabou falindo em março de 2001, essa visão ambiciosa serviu apenas como uma amarga lição para muitos outros e-varejistas.5 Muitos varejistas que operam na Internet são empresas tradicionais, dispondo de uma rede de lojas, depósitos, serviços de entregas e especialmente experiência na área comercial. É o caso, por exemplo, de Lojas Americanas, Ponto Frio e Livrarias Siciliano, no Brasil, e Wal-Mart e livraria Barnes & Noble nos Estados Unidos. Mas há um certo grupo de empresas varejistas do tipo B2C que só opera na Internet, não mantendo lojas do tipo tijolo-e-argamassa,6 no jargão do setor, ou seja, o atendimento ao consumidor é feito exclusivamente através da Internet. É o caso da Amazon.com e eToys.com, nos Estados Unidos, e da Submarino.com.br, no Brasil. O comércio B2C veio para ficar, principalmente devido à maior facilidade e rapidez para o comprador nas operações de busca, de compra e de recebimento do produto adquirido. Livros, CDs, celulares, brinquedos e mesmo computadores são entregues na casa do cliente dentro de um prazo previamente estabelecido. Vejamos o contrário, um exemplo de uma consumidora que se dirige fisicamente a uma loja tijolo-e-argamassa. É época de Natal, e a consumidora deseja comprar alguns presentes, mas ainda tem uma série de questões a serem respondidas antes de finalizar a aquisição. Ao chegar à loja, verifica que o estacionamento está lotado, com uma fila de carros esperando vaga. Nossa compradora em potencial leva o 5
Tradução do inglês de e-tailers, que são os varejistas (retailers) que comercializam produtos na Internet. 6 Tradução de brick and mortar, expressão em inglês.
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automóvel para um estacionamento pago e tem de percorrer uma boa distância a pé para chegar à loja. O estabelecimento está cheio de gente, e a consumidora procura um atendente para fazer algumas indagações. Mas todos estão ocupados, atendendo outras pessoas, e pedem que espere. A mulher continua procurando e encontra um dos objetos de seu desejo na vitrine. Depois de muito esperar, um atendente lhe responde que é o último em estoque, mas já está vendido. A consumidora se conforma e vai atrás de outros produtos de sua lista. Na hora de pagar, a moça da caixa lhe diz que a operadora de seu cartão de crédito está fora do ar. E a compradora em potencial é obrigada a pagar em cheque, depois de várias tentativas de registro da compra através do cartão, por parte da atendente... Fazendo as compras na Internet tudo é mais fácil e rápido. Não é preciso sair de casa, os produtos lhe são entregues na data certa, o pagamento com cartão de crédito é tranquilo. Sim, mas não tanto. As empresas que operam sites de B2C gastam grandes importâncias de dinheiro para atualizar e melhorar sua imagem junto aos internautas. Grande parte do faturamento dessas empresas vai para o setor de marketing. Gastam somas expressivas com outros provedores para instalação de banners7 e links que veiculam propaganda de suas atividades e que dão acesso ao site da empresa. Mas nem sempre os serviços de logística, envolvendo processamento dos pedidos, entrega dos produtos e atendimento ao cliente, estão à altura. A partir de sua criação em 1997, em Los Angeles, Califórnia, a eToys.com cresceu rapidamente, aumentando seu quadro de funcionários de 13 pessoas para 235 durante o ano de 1998. Mas, simultaneamente com o aumento da popularidade junto aos consumidores, veio o aumento das despesas, e, no fim de 1998, depois de 14 meses de operação, a empresa tinha um déficit acumulado de 17,5 milhões de dólares. Em fevereiro de 1999, anunciou o plano de abrir o capital para conseguir, na bolsa de valores, mais recursos financeiros para suas atividades. Déficits de empresas desse tipo, nos primeiros anos de operação, são normalmente aceitos pelos investidores. Os analistas de mercado se apoiam no conceito de “escalabilidade”, já definida. Conforme enunciado anteriormente, a “escalabilidade” representa o potencial de aumento do lucro da empresa à medida que o número de acessos ao site vai crescendo. Para empresas de elevada “escalabilidade”, perdas nos primeiros anos de operação podem ser compensadas de muito no futuro, e os investidores se apoiam nessa ideia. Já as empresas que comercializam produtos na Internet, o fator de “escalabilidade” também existe, mas é menor. Isso porque a comercialização de produtos envolve custosos estoques, pessoal no depósito para embalar e
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Banners são as faixas de propaganda colocadas nos sites de outras empresas.
despachar os pedidos, transporte, atendimento aos clientes e diversas outras atividades logísticas, cujo custo cresce diretamente com a demanda. A eToys dedicou o ano de 1999 à expansão de suas atividades. Acelerou a implantação de um segundo depósito e adquiriu a empresa BabyCenter por mais de 150 milhões de dólares. Em agosto daquele ano assinou um acordo de marketing com a American Online. Em função desse acordo, a eToys se tornou a varejista líder de produtos infantis nos sites da AOL, comercializando brinquedos, livros, vídeos, além de outros produtos do gênero. Ainda naquele mês, tornou público o plano de expandir suas atividades para o Reino Unido, estabelecendo um depósito de distribuição em Swindon, perto de Londres. Os executivos da eToys planejaram diversas outras formas de ação para melhorar suas margens de lucro. Uma ideia era a de comercializar produtos de outras categorias com maiores margens, tais como artigos esportivos e roupas. Pensaram também em criar produtos de marca própria, que poderiam gerar lucros bem mais elevados. Mas esse esforço excessivo elevou sobremaneira os custos. Em 1999, 37% do faturamento foi despendido em propaganda. Os custos relacionados com atendimento ao cliente, processamento dos pedidos e despesas com cartões de crédito totalizaram outros 33%. Junto com Amazon e eBay, a eToys figurava como um dos sites mais visitados durante a época de Natal de 1999. Cerca de 1,5 milhão de consumidores utilizavam o site da eToys para suas compras. A empresa atingia assim o ponto mais alto na montanha-russa de nossa analogia. Mas os investidores já começavam a perder a fé na atuação da empresa bem antes da crise da Nasdaq. Em janeiro de 2000, a eToys indicou um prejuízo de 62,5 milhões de dólares para o quarto trimestre de 1999, muito alto quando comparado com um déficit de 8,2 milhões observado no mesmo período do ano anterior. As ações da empresa, que atingiram o valor unitário de US$84,35 em outubro de 1999, caíram para US$26,25 no início de janeiro, chegando a US$13,06 por ação pouco depois. Para acalmar os investidores, a eToys agiu agressivamente em 2000. Anunciou planos de abrir seu site para propaganda de terceiros, eliminou a terceirização dos serviços de logística e, em junho, conseguiu levantar 100 milhões de dólares no mercado financeiro para capitalizar a empresa. Mas, em novembro do ano 2000, as ações da eToys caíram para um valor de apenas US$2,56 quando os analistas previram que a empresa não iria conseguir lucro positivo até 2004, um prazo dois anos além do prometido por seus executivos. No entanto, os administradores da eToys tinham a esperança de retomar seu nível de crescimento nas festas de Natal de 2000. Mas de nada adiantaram seus esforços. No dia 15 de dezembro de 2000, a empresa anunciou que iria reduzir drasticamente seu quadro de funcionários para compensar os prejuízos ocor-
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ridos no trimestre anterior. Em janeiro de 2001, 700 funcionários da eToys já haviam sido dispensados, o que representava 70% de sua força de trabalho. Na mesma ocasião, a divisão inglesa fechou suas portas. Pouco antes de falir, a empresa cancelou abruptamente as entregas de seus produtos no Canadá. Em fevereiro de 2001, os executivos da eToys comunicaram aos investidores que as ações da empresa haviam perdido totalmente seu valor de mercado e que iriam fechar suas portas em março. Subitamente, as ligações telefônicas passaram a ser atendidas por uma gravação e ninguém mais da firma podia ser contatado por telefone ou por outro meio. A eToys havia falido e atingia, nesse ponto, a curva mais baixa da montanha-russa de nossa analogia.
Problemas Logísticos
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As empresas B2C gastam grandes somas de dinheiro em marketing e no desenvolvimento de seus sites, mas muitas vezes ignoram aspectos importantes de atendimento ao cliente e de solução dos problemas logísticos. Por exemplo, a Eve.com, um e-varejista norte-americano que vende produtos de beleza na Internet, tentou vender perfume, mas logo descobriu que esse tipo de produto era considerado “material perigoso” pelas autoridades. Para enviá-lo pelo operador logístico UPS era necessária uma licença especial. A licença levou meses para ser obtida, com impactos negativos nas operações. O setor de logística da empresa deveria ter participado dos planos comerciais da administração, tomando assim as providências cabíveis de licenciamento, com a devida antecedência. Muitas empresas B2C têm falhado, com frequência, nas entregas de seus produtos por ocasião das principais festas, principalmente a do Natal. Um levantamento feito pela eToys mostrou que 90% dos pedidos no mês de dezembro chegavam ao seu destino dentro do prazo estabelecido. Mas esse índice, aparentemente razoável, embora não ideal, mostrava, na verdade, que a empresa havia quebrado o compromisso com 10% dos clientes, que representavam, em termos absolutos, muitas famílias insatisfeitas. A difusão de rumores, principalmente os negativos, é muito rápida, e esses 10% podem significar a destruição da credibilidade da empresa se nada for feito para eliminar os problemas logísticos observados na vida real. Mas havia ainda outro parâmetro nesse processo que complicava ainda mais a imagem da eToys. Um levantamento realizado por uma consultoria independente verificou que, de forma geral, as empresas B2C puras (isto é, que somente operam na Internet) tinham conseguido um nível médio de 65% de atendimento cem por cento correto nas entregas, contra um índice de 80% para os varejistas do tipo tijolo e argamassa. Esse resultado compara-
tivo foi considerado indesculpável pelos analistas, e suas opiniões acabaram se refletindo negativamente sobre os consumidores, através da mídia. Mas deixemos os próprios consumidores falarem por si próprios. O Wall Street Journal, na sua edição interativa de 30 de dezembro de 1999, publicou a seguinte queixa de uma consumidora (Hallowell, 2000) Minha experiência com a eToys foi um desastre. Uma amiga e eu fizemos juntas um pedido com o objetivo de reduzir o custo de despacho e transporte. Pedimos três itens, todos eles listados como “disponível em estoque”. Logo recebi um e-mail confirmando a transação. Alguns dias depois recebi outro e-mail dizendo que um dos itens estava em falta (mas eles haviam afirmado que tinham no estoque) e que eu precisava decidir o que fazer dentro de 72 horas ou, de acordo com a “lei federal”, meu pedido seria cancelado. Eu imediatamente respondi que desejava cancelar o pedido. Minha amiga foi a uma loja e comprou o item desejado (por um preço melhor). Vários dias depois o item que eu havia cancelado chegou pelo correio! Liguei para a eToys e me disseram que havia ocorrido um “problema no sistema”, o que fez com que meu e-mail fosse ignorado e ocasionando o envio do brinquedo por engano. Uma outra amiga minha teve exatamente a mesma experiência... O mesmo Wall Street Journal, na edição de 13 de dezembro de 1999, relatou a reclamação de Melissa Cicci, de 41 anos, mãe de duas crianças (Hallowell, 2000): A Sra. Melissa Cicci procurou o avião da Barbie em todas as lojas e finalmente o encontrou no site da eToys. Um pouco antes do dia de Ações de Graças8 de 1999, ela fez seu pedido. O site da eToys lhe sugeriu que comprasse também as pilhas para o brinquedo, e ela assim o fez. Mas alguns dias depois a Sra. Cicci recebeu más notícias: a eToys dizia que havia despachado as pilhas, mas que o avião estava em falta e seria enviado tão logo a empresa recebesse nova remessa do produto. As baterias foram logo entregues pelo Correio Expresso. “Assim, eu tive que pagar 3 dólares para cobrir o custo de despacho e transporte, quando as pilhas custaram 2,98 dólares”, ela disse.
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O Dia de Ações de Graças (Thanksgiving Day) é uma festa muito importante nos Estados Unidos, e cai na segunda-feira da segunda semana de outubro.
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A Sra. Cicci enviou então um e-mail para a empresa reclamando da situação e argumentando que o site indicava que o avião estava disponível quando ela fez o pedido. Mas não obteve resposta. Depois de mais duas mensagens por e-mail e três ligações telefônicas para o serviço de atendimento ao consumidor, lhe disseram que o brinquedo lhe seria enviado e que ela seria ressarcida pelo custo da remessa das pilhas. O avião da Barbie foi finalmente entregue pela FedEx 19 dias depois que a Sra. Cicci fez o pedido.
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A leitura dessas duas reclamações mostra algumas deficiências sérias na logística da empresa. Em primeiro lugar, o sistema de informação sobre níveis de estoque, de todos os setores da firma, deve ser único e deve ser atualizado real time, isto é, instantaneamente quando é feita uma operação qualquer. Por exemplo, quando o comprador clica com o mouse adquirindo um determinado produto, o sistema computacional deve alocar imediatamente o item para aquele pedido em todas as bases de dados da empresa. Se os pedidos forem arquivados numa base de dados do setor de vendas, por exemplo, sendo posteriormente transferidos em batch (lotes) para o computador do depósito, pode ocorrer que outros clientes, que já entraram no sistema através de outros canais, tenham bloqueado a disponibilidade do item. Assim, o cliente, que entrou no sistema depois, pode ficar sem o produto. O ideal é ter um sistema de informação único, centralizado, ao qual todas as operações devem ficar interligadas real time. Por aí se percebe quão importante é dispor de um sistema atualizado e eficaz de tecnologia de informação. Mas pode também ocorrer a situação contrária. O encarregado do depósito recebe do fornecedor um lote de um determinado produto, o qual é fisicamente colocado no estoque, mas as informações são deixadas para serem cadastradas mais tarde, podendo ocorrer no dia seguinte ou mesmo dois ou três dias depois. Isso costuma acontecer em períodos de pico, quando há sobrecarga de trabalho no armazém, e o gerente acaba alocando o funcionário para outras tarefas antes que tenha tempo para digitar as informações da remessa recém-chegada. O consumidor, ao acessar o site, recebe a informação de que o produto está em falta, quando, na verdade, está disponível no estoque. Problemas desse tipo são evitados com RFID (identificação por radiofrequência). Essa tecnologia permite que as informações sejam lidas e transferidas para o computador no instante do recebimento das mercadorias, sem maiores esforços e atualizando imediatamente no computador o nível de estoque. Outro aspecto importante a ressaltar é o efeito negativo das reclamações dos consumidores no desempenho logístico da empresa. O grande segredo do comércio através da Internet é a redução da mão de obra especiali-
zada. No comércio do tipo tijolo-e-argamassa são necessários vendedores especializados em todas as lojas, atendentes nos caixas, gerentes, pessoal para decorar, arrumar e limpar o estabelecimento, vigilantes e muitos outros. No esquema B2C os custos correspondentes a esse pessoal são quase totalmente eliminados. Mas, quando o sistema logístico é falho, o número de e-mails e de ligações telefônicas de clientes insatisfeitos cresce exponencialmente. E a dificuldade não está em somente ouvir as reclamações. O problema mais sério ocorre posteriormente à ligação, quando a queixa é transmitida ao setor competente e algo concreto precisa ser realizado em resposta à queixa do consumidor. Quando o sistema logístico é falho, ocorre muitas vezes um pingue-pongue na troca de informações dentro da empresa e entre os funcionários do setor de atendimento e o cliente insatisfeito, levando ao desgaste da imagem da organização e à elevação excessiva dos custos. Assim, a eToys deveria ter resolvido eficazmente seus problemas logísticos, pois simplesmente o aumento do corpo de funcionários do setor de atendimento ao consumidor não só não resolvia o problema como agravava exageradamente os custos. Um outro fator que se reflete no desempenho logístico da empresa é a experiência anterior nesse tipo de atividade. As lojas tradicionais do tipo tijolo-e-argamassa, quando decidem atuar também na Internet, trazem consigo toda a experiência logística obtida durante os anos que operaram de forma tradicional. Essa experiência relevante inclui normalmente administração de estoques, compras, distribuição física, transporte, atendimento ao cliente etc., o que lhes dá uma certa vantagem quando vão operar na Web. Já vimos que o fator de “escalabilidade” é muito importante nos empreendimentos ligados à Internet. O nível de “escalabilidade” é alto para serviços envolvendo apenas troca de informação. Já para as empresas que comercializam produtos físicos na Internet, o fator de “escalabilidade” também existe, mas é bem menor. Isso porque os custos logísticos são elevados e dependem muito de soluções racionais, otimizadas, o que nem sempre é conseguido por e-varejistas puros. Uma solução adotada pela eToys no início de suas atividades foi terceirizar todas as operações logísticas, incluindo controle de estoques, tratamento dos pedidos, despacho, transporte etc. Outras empresas desse tipo seguiram o mesmo caminho. Mas isso, nas palavras de um executivo do setor, é “dançar com o diabo”. A razão dessa afirmação é a ocorrência de um conflito de interesses entre o operador logístico e o e-varejista: o primeiro procurando reduzir seus custos de forma a aumentar o lucro, e o segundo desejando continuamente adicionar maiores recursos e maior valor ao sistema. Na verdade, a terceirização é uma tendência atual na logística. Mas, para contratar bem, é necessário que o contratante domine satisfatoriamente o processo, possuindo know-how adequado das operações logísticas. É o que
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ocorre com boa parte das empresas líderes do tipo tijolo-e-argamassa, que, ao ampliar sua atividades para a Internet, já possuem um sistema logístico devidamente testado. E, algumas vezes, esse sistema logístico já foi terceirizado, mas continua sendo monitorado e avaliado de perto pela empresa contratante. Quando percebeu as dificuldades em resolver satisfatoriamente seus problemas logísticos, a eToys decidiu desfazer o acordo com a Fingerhut, uma subsidiária da Federated Department Stores, e implantar um sistema logístico próprio. Assim, resolveu instalar um depósito com cerca de 40.000 m2 no estado da Virgínia e duplicar a área coberta do centro de distribuição no Sul da Califórnia. Mas os problemas financeiros acumulados e a inexperiência nas operações logísticas, que se refletiu negativamente no nível de serviço inadequado ao consumidor, pesaram mais fortemente, levando a empresa à falência.
A eToys Hoje
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A falência da eToys não impediu que continuasse a funcionar na Internet. Digite www.etoys.com e você vai ver que ela ainda está lá. A Figura 3.4 mostra o portal da eToys na Internet. Na verdade, não se trata da eToys inicial, mas de uma nova empresa, a eToys Direct, sucessora daquela. No início era uma pequena empresa na Internet denominada Brainplay.com. Em 1999, suas operações chamaram a atenção de varejistas de porte e acabaram formando uma joint venture com a Consolidated Stores, que possuía uma subsidiária chamada KB Toys. Juntos lançaram a KBtoys.com na Internet em junho de 1999. No Natal daquele ano, a nova empresa foi classificada como o 12o site do setor mais visitado nos Estados Unidos. E o Wall Street Journal classificou a empresa como o melhor varejista de brinquedos do ano. Em 2001 adquiriram a maior parte dos ativos da falida eToys, incluindo seu depósito principal, na Virginia. Em maio de 2004 foi formada a eToys Direct, separando-se da KBtoys.com, e logo se expandindo através da aquisição de boa parte do acervo da My Twinn Doll Company e, em 2005, adquirindo a Silvestri, Inc., especializada no comércio por atacado de artigos de presentes, acessórios para decoração do lar e outros produtos do gênero. A eToys Direct opera hoje em paralelo com os sites eToys.com, MyTwinn.com e KBtoys.com, vendendo brinquedos, jogos eletrônicos e presentes, ao que parece, com boa aceitação por parte dos consumidores e sem problemas financeiros. Assim, a eToys, que subiu e desceu vertiginosamente na montanha-russa do comércio eletrônico, acabou atingindo um patamar estável.
FIGURA 3.4 • O portal da nova empresa eToys na Internet
Questões Propostas 1. Uma empresa que vende produtos na Internet, por exemplo, brinquedos como a eToys.com, pode oferecer teoricamente melhores preços para seus consumidores, quando comparados com os das lojas tijolo-e-argamassa. Por quê? 2. Faça um resumo das falhas da eToys no que se refere aos pontos identificados como os quatro pilares da qualidade do serviço ao consumidor, no B2C. 3. Faça uma comparação entre duas situações: (a) uma empresa varejista do tipo tijolo-e-argamassa com vários anos no mercado e que decide operar também na Internet, como, por exemplo, a Ponto Frio; e (b) uma empresa que nunca operou no varejo e decide entrar nesse setor operando somente na Internet, como, por exemplo, a Submarino.com. Que vantagens e desvantagens você identifica em ambas as situações? Quais os principais problemas logísticos que podem ser enfrentados em cada caso e como solucioná-los? 3. Uma empresa tem um site na Internet para vender somente bilhetes eletrônicos de empresas aéreas, fazendo a reserva do voo, cobrando o valor por meio de cartão de crédito e enviando o tíquete eletrônico ao consumidor, por e-mail. Uma outra empresa vende entradas de teatro, de cinema e de jogos esportivos pela Internet e os entrega
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na casa do comprador. Qual das duas empresas tem maior nível de “escalabilidade” e por quê? 4. Por que, na sua opinião, muitos empreendedores que criam empresas B2C puras, como a eToys.com, frequentemente evitam investir diretamente em logística, preferindo deixar esse tipo de atividade a cargo de terceiros? 5. É muito comum, no mercado, uma empresa bem-sucedida comprar os ativos de uma firma que faliu, pois isso lhe dá oportunidade de adquirir equipamentos e instalações por um bom preço, muitas vezes de boa qualidade e bem localizados. Mas a eToys Direct não somente comprou os ativos da eToys, como também adotou o seu nome. Tendo sido um caso rumoroso de ascensão e queda (a montanha-russa de nossa analogia), com bastante repercussão na mídia e no mercado, não lhe parece que o mais lógico seria mudar o nome, de forma a acelerar o esquecimento do ocorrido? Por que, na sua opinião, a eToys Direct decidiu manter o nome da eToys em seu site?
SUBMARINO.COM: DO B2C AO B2B O Submarino.com é uma empresa virtual pura que, desde 1999, atua com sucesso no mercado de comércio eletrônico no Brasil, Argentina, México, Portugal e Espanha.
A Empresa Submarino.com
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Lançada em junho de 1999, com capital inicial de US$2,5 milhões, a Submarino.com é uma loja virtual de B2C internacional, pois opera no Brasil, Argentina, México, Portugal e Espanha. Não possui lojas brick-and-mortar, operando exclusivamente na Internet. É líder na venda de livros, CDs, brinquedos, jogos, vídeos e DVDs, aparelhos eletrônicos, software e celulares, entre outros produtos (Applegate, 2001). O sucesso alcançado pela Amazon.com no Natal de 1998 acentuou o interesse de empreendedores em investir em negócios na Internet. A ideia de replicar o modelo de negócio da Amazon na América Latina emergiu como uma oportunidade potencial atraente. De fato, muitas cidades médias e pequenas não dispõem de livrarias e lojas de música com ampla oferta de livros, CDs etc. No entanto, a região servida pelo Submarino.com é bastante heterogênea em termos de língua, de hábitos e de preferências. Por exemplo, vender equipamentos de esqui para argentinos e chilenos faz sentido, mas tais produtos não têm utilidade para os brasileiros, à exceção de uma minoria que pratica o esporte em nível internacional. Adicionalmente, a infraestrutura logística na América Latina é relativamente pobre quando comparada com a vigente nos
Estados Unidos e na Europa. A consultoria McKinsey, por exemplo, verificou que as entregas das compras no B2C latino-americano demoravam cinco dias em média, contra dois dias nos países desenvolvidos. E os pedidos eram cumpridos integralmente em 55% dos casos, contra um índice de 75-85% nos países desenvolvidos. Outro aspecto levantado pela empresa McKinsey foi que apenas um cliente latino-americano entre mil atendidos num site de B2C se tornava um consumidor fiel. Esse índice era cerca de dez vezes menor do que o observado nos Estados Unidos e na Europa. Apesar dessas desvantagens, em fins do ano 2000 o Submarino já tinha estabelecido uma posição de liderança nos mercados B2C brasileiro, argentino, mexicano e português, mas era apenas o terceiro na Espanha. Em dezembro daquele ano a empresa tinha 600 empregados, sendo que metade da força de trabalho operava no Brasil. Em fevereiro de 2001, foi realizada uma reestruturação da firma, reduzindo o total de funcionários para 547, sendo que 164 atuavam em marketing e vendas, 119 em atendimento e serviços ao consumidor, 86 no desenvolvimento de produtos, 46 na administração da empresa e os 132 restantes noutras funções. As operações da Submarino.com são altamente descentralizadas. Cada um dos gerentes dos cinco países onde atua a empresa supervisiona o depósito local, as operações de atendimento ao cliente, o gerenciamento de produtos, o web design e o conteúdo do site. Utilizando um conceito do moderno SCM, a ideia é pensar globalmente e atuar localmente.
Desempenho da Empresa Submarino.com Visando os consumidores, a filosofia do Submarino.com é agregar valor aos clientes internautas, para isso apresentando no seu site uma grande variedade de produtos, preços competitivos, entrega em domicílio e conteúdo informacional. Há formas variadas de pagamento: dinheiro, cheque contra entrega do pedido, boleto bancário, cartão de crédito e transferência bancária on line. O serviço de atendimento aos clientes opera 24 horas por dia, sete dias na semana. A empresa prepara embalagens para presente e faz despachos internacionais. As consultas on line passaram de 1,8 milhão no último trimestre de 1999, para mais de 13,6 milhões um ano depois. No mesmo período, o valor médio dos pedidos passou de US$26 para US$36. A fidelidade do consumidor, por outro lado, pôde ser medida através das vendas repetidas de um mesmo consumidor, que representaram 59% das operações, contra 32% um ano atrás. No ano 2000, o Submarino foi escolhido por votação como o melhor site de B2C no Brasil (Applegate, 2001). As empresas que atuam no B2C são forçadas a investir acentuadamente nos primeiros anos de atividade. Em novembro de 1999, a Submarino completou a primeira fase de inversões, totalizando US$14,3 milhões. Em feve-
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reiro de 2000, levantou mais US$71,3 milhões e, em princípios de 2001, fez mais um aporte de US$20 milhões. As vendas cresceram rapidamente, passando de US$0,9 milhão, no quarto trimestre de 1999, para US$6,5 milhões um ano depois. Mas, como quase todas as empresas atuando no B2C, o lucro tarda a aparecer. Só recentemente, em 2003 segundo a E-bit, a Submarino apresentou um lucro líquido de R$2,3 milhões, contra um prejuízo de R$7,7 milhões em 2002. Os resultados financeiros de Submarino.com também variam em função das regiões onde atua. Em razão dos custos de mão de obra e de marketing mais elevados em Portugal e na Espanha, o desempenho financeiro e o potencial das operações nesses países se apresentaram menos satisfatórios do que os correspondentes na América Latina.
A Empresa Officenet.com
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Na Argentina, a empresa Officenet iniciou suas operações no comércio B2B em 1997. Seu campo de atuação era o suprimento de material de escritório para pequenas e médias empresas. Seus criadores, A. Freire e S. Bilinkis, fizeram um levantamento desse mercado nos Estados Unidos e na Argentina e concluíram favoravelmente sobre seu potencial (Kuemmerle, 2004a). Nos Estados Unidos, os atacadistas desse tipo de produto conseguiam comprar a preços mais baixos e ofereciam maior facilidade de compra, já que os clientes podiam concentrar suas aquisições numa única transação. Parte dos atacadistas utilizava catálogos de seus produtos, atingindo com sucesso pequenas e médias empresas. Assim, a ideia de lançar um sistema de venda por catálogo, de material de escritório para pequenas e médias empresas na Argentina, pareceu atrativa para Freire, Bilinkis e seus financiadores. A logística na Argentina apresentava muitos problemas. Era comum um pacote destinado a uma determinada cidade acabar numa outra localidade, situada em região diametralmente oposta. Nas palavras de Freire, “a única certeza ao mandar uma carta pelo correio era de que ela nunca chegaria ao seu destino” (Kuemmerle, 2004a). Nessa época, ninguém, incluindo o Correio, investia em logística. Por outro lado, a corrupção corria solta. Era comum, em muitas firmas, o recebimento de propinas por parte de seus funcionários, ao selecionarem os fornecedores da empresa. Assim, a introdução da compra por catálogos abriria espaço para transações mais impessoais e mais profissionais. Em julho de 1996, Freire e Bilinkis apresentaram um plano preliminar de negócio aos investidores e, depois de uma viagem de estudos aos Estados Unidos e da preparação do projeto detalhado, receberam um aporte de capital de US$2 milhões, em 1997. Contrataram, inicialmente, 23 funcionários e
selecionaram 80 fornecedores. Conseguiram bons preços dos fornecedores e mais US$180.000 de verba para propaganda e elaboração de catálogos. De fato, a primeira fase de operação da Officenet não envolvia a Internet, sendo as vendas realizadas somente por meio de catálogos impressos. Embora os clientes não estivessem acostumados aos catálogos, sua apresentação de fácil manuseio conquistou rapidamente as empresas clientes. Mas logo foram constatados alguns problemas não existentes nos Estados Unidos. Enquanto, na América do Norte, uma empresa do mesmo tipo, faturando 40 milhões de dólares por ano, conseguia realizar suas cobranças com apenas um funcionário, a Officenet tinha que alocar cerca de 10% de seu quadro de funcionários para desempenhar a mesma função. Isso ocorria porque era tradição, no cenário empresarial argentino, postergar ao máximo os pagamentos a terceiros. Outro problema era a entrega do produto aos consumidores. A Officenet teve que montar sua própria rede de entregas para garantir o nível de serviço prometido aos clientes. Mas, para isso, tiveram que impor um valor mínimo para os pedidos e foram forçados a limitar geograficamente a área de atuação da empresa. Em setembro de 1999, a Officenet já havia alcançado 15% do mercado de suprimento de material de escritório na Argentina, com US$30 milhões anuais de faturamento. Nessa época abriu seu site na Internet (versão 1.0), com uma migração imediata de 15% da demanda para esse novo canal de vendas. Os executivos da Officenet perceberam então que era necessário introduzir melhorias urgentes no sistema, envolvendo o processo de cobrança, o replanejamento das rotas de entrega, a introdução da automação no depósito e o aumento de pessoal no setor de marketing e de vendas. Em janeiro de 2000 lançaram a versão 2 de seu site na Internet. Freire e Bilinkis pensaram em expandir as atividades da Officenet para o Brasil, mas desistiram devido ao tamanho do mercado brasileiro, três vezes maior do que o da Argentina. Além disso, diferenças culturais e de língua colocavam outras dificuldades. Pensaram também em expandir as atividades da Officenet, na Argentina, para o comércio B2C. Lembraram, no entanto, que o custo médio de atendimento de um pedido do tipo B2B, na Officenet, era de 40 dólares, para um valor médio de compras de 190 dólares. No B2C o valor médio dos pedidos é significativamente menor, conforme dados da Submarino.com apresentados na seção anterior. Além disso, o nível de fidelidade dos consumidores no B2C é bem menor do que no B2B. De qualquer forma, a ideia de estender ao Brasil as atividades B2B da Officenet falhou por falta de aporte do capital necessário, perto de US$30 milhões. Ao fim desse processo, a empresa Officenet aceitou uma oferta de compra por parte da Submarino.com.
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A Aquisição da Officenet pela Empresa Submarino
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Em dezembro de 1999, a Officenet alcançou 21,4 milhões de dólares de vendas líquidas e vendeu 13% de suas ações para a Submarino, sendo 4 milhões em dinheiro. Em fevereiro de 2000 vendeu os 87% restantes de suas ações por US$9 milhões em dinheiro, e a diferença em ações do Submarino.com. No total, a operação de compra custou 31 milhões de dólares, com a Submarino assumindo 100% do controle da Officenet e passando esta última a deter 4,5% das ações da Submarino (Kuemmerle, 2004b). Em agosto de 2000, a Officenet se tornou líder do varejo de suprimentos de escritório para pequenas e médias empresas na América Latina, com US$36 milhões de vendas, sendo que 40% do total comercializado via Web. Depois da venda, a Officenet continuou suas operações normais na Argentina, com a diretoria pensando em realizar uma oferta pública oficial de venda de ações na Nasdaq, mas o mercado explodiu antes. Foi decidido então seguir um caminho mais cauteloso, mantendo a Submarino e a Officenet operando como se fossem negócios independentes, com suas próprias diretorias, mas sob um único conselho de administração. No entanto, após a integração entre as duas empresas, ocorreram algumas alterações importantes nas operações da Officenet. Em janeiro de 2000, a Officenet estava testando a versão 2 de seu site na Internet, mas as vendas na Web eram ainda tímidas. Como as vendas na Internet eram mais lucrativas, a Officenet se valeu da experiência da Submarino, e passou a dar incentivos para operações on line, endereçados a gerentes de contas e clientes que fizessem suas compras na Web. Em agosto de 2000, 40% de todas as vendas eram realizadas on line. Mas a Officenet ainda operava com catálogos impressos e mantinha um sistema de telemarketing para fechar compras, atividades essas de custo elevado. Em agosto de 2000, a Officenet iniciou suas operações no Brasil, compartilhando espaço de armazém no novo centro de distribuição da Submarino, localizado nas vizinhanças de São Paulo e mantendo em estoque 2.200 SKUs. Nessa ocasião, seus diretores anunciaram planos de entrar no Chile, México e Espanha nos próximos dois anos. Desde suas operações na Argentina, a Officenet oferecia uma série de informações e serviços grátis em seu site, tais como notícias e ferramentas diversas para download. Por exemplo, orientações sobre a forma correta de selecionar fornecedores, como organizar uma agenda diária, como conduzir entrevistas com empregados em potencial etc. Já na fase sob a égide da Submarino.com, a Officenet ampliou suas ofertas, incluindo reserva de voos, cursos de língua inglesa etc. Tais serviços envolvem parcerias com empresas especializadas, que repassam parte das receitas para a Officenet, na forma de comissões.
Muito embora a ideia dos controladores das duas empresas fosse uni-las operacionalmente com o tempo, logo notaram que, de fato, eram dois negócios diferentes, com segmentos de clientela distintos e modelos econômicos e de atuação diversos. A Submarino era uma empresa de B2C pura, enquanto a Officenet atuava no B2B e realizava comercializações dentro e fora da Web. Ademais, em fins de 1999 havia um certo otimismo em relação ao B2B. Por exemplo, analistas de mercado nos Estados Unidos estimaram em cerca de US$1.705,00 os gastos anuais de um cliente médio de B2B na América Latina, contra apenas US$306,00 para consumidores de B2C, o que valorizava as operações da Officenet. Para a Officenet, a Web era uma plataforma importante, mas não a única. Outra diferença importante entre a Submarino e a Officenet era a situação financeira de ambas. Muito embora seja sabido que investimentos no B2C têm um prazo muito mais longo de retorno, ainda assim havia uma grande discrepância entre as duas empresas: enquanto a Submarino faturava cerca de 15 a 20 milhões de dólares em 2000, a Officenet projetava uma receita de 40 milhões de dólares para o mesmo ano. Apesar das diferenças, a experiência da Submarino na Internet e a tradição da Officenet no B2B num setor importante, que é o do suprimento de material para escritório, têm trazido um resultado sinergístico importante para ambas. Dessa forma, apesar das diferenças, os executivos das duas empresas decidiram permanecer unidos sob uma mesma holding.
Questões Propostas 1. Por que a Officenet decidiu implantar seu sistema de vendas na forma de catálogos impressos e não diretamente na Internet? 2. Que problemas logísticos a Officenet enfrentou ao lançar seu empreendimento? 3. Por que, na sua opinião, a Submarino se interessou em comprar a Officenet? Quais as vantagens que auferiu com a aquisição? Em termos logísticos, havia alguma vantagem? 4. Por outro lado, por que os dirigentes da Officenet ficaram tentados em vender sua empresa para a Submarino? 5. A transação entre a Submarino e a Officenet foi uma fusão ou simplesmente uma compra do controle da empresa? Por quê? 6. Em termos logísticos, quais as principais diferenças em operar por meio de catálogo impresso ou através da Internet? 7. Abra o site da Officenet (www.officenet.com) e faça uma análise das informações e ofertas ali disponíveis. 119
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122
4
Canais de Distribuição
CONCEITUAÇÃO O processo de abastecer a manufatura com matéria-prima e componentes é denominado Inbound Logistics na literatura internacional. Mais frequentemente, no Brasil, é chamado de logística de suprimento. É uma parte importante da Logística, por seu cunho estratégico e pela grande importância econômica a ela associada pelos governantes e pelas empresas quando da instalação de novas unidades industriais. Para as atividades de varejo, no entanto, é o segmento da Logística que desloca os produtos acabados desde a manufatura até o consumidor final, denominado distribuição ou Outbound Logistics, que assume importância mais imediata. Na prática, a distribuição de produtos é analisada sob diferente perspectiva funcional pelos técnicos de Logística, de um lado, e pelo pessoal de marketing e de vendas, de outro. Os especialistas em Logística denominam distribuição física de produtos ou resumidamente distribuição física os processos operacionais e de controle que permitem transferir os produtos desde o ponto de fabricação até o ponto em que a mercadoria é finalmente entregue ao consumidor. Em geral, esse ponto final da distribuição física é a loja de varejo, mas há muitos casos de entrega do produto na casa do consumidor, situação essa observada principalmente com produtos pesados e/ou volumosos. Assim, os responsáveis pela distribuição física operam elementos específicos, de natureza predominantemente material: depósitos, veículos de transporte, estoques, equipamentos de carga e descarga, entre outros.
123
Já o pessoal de marketing e de vendas encara a cadeia de suprimento focalizando mais os aspectos ligados à comercialização dos produtos e à sua propriedade. A maior parte dos produtos comercializados no varejo chega às mãos dos consumidores através de intermediários: o fabricante que produz o objeto, o atacadista ou distribuidor, o varejista e eventualmente outros intermediários. Sob esse enfoque, um canal de distribuição representa a sequência de organizações ou empresas que vão transferindo a posse de um produto desde o fabricante até o consumidor final (Rolnicki, 1998). Por exemplo, o canal de distribuição de um determinado produto pode envolver os seguintes setores: G
G
G
G
Fabricante Atacadista Varejo Serviços pós-venda (montagens, assistência técnica)
Uma determinada cadeia de suprimento é constituída por canais de distribuição que, segundo Stern et al. (1996) constituem conjuntos de organizações interdependentes envolvidas no processo de tornar o produto ou serviço disponível para uso ou consumo.
124
Há um certo paralelismo e uma correlação estreita entre as atividades que constituem a distribuição física de produtos e os canais de distribuição, conforme pode ser visto na Figura 4.1. Em função da estratégia competitiva adotada pela empresa, é escolhido um esquema de distribuição específico. As atividades logísticas relacionadas à distribuição física são então definidas a partir da estrutura planejada para os canais de distribuição. A definição do canal (ou canais) de distribuição, com os serviços a ele associados, não prescinde, por outro lado, de uma análise criteriosa de suas implicações sobre as operações logísticas. Algumas vezes, as soluções imaginadas no papel podem se revelar muito onerosas na prática. Assim, como quase tudo em Logística, é necessário adotar um enfoque sistêmico na definição dos canais de distribuição e na estruturação da distribuição física decorrente. Outro aspecto importante a considerar é que os canais de distribuição selecionados por uma empresa são de difícil alteração, mantendo-se fixos por muito tempo, pois envolvem outras empresas, agentes, acordos comerciais etc. Uma vez definidos os canais de distribuição, podem-se identificar os deslocamentos físico-espaciais a que os produtos serão submetidos, detalhando-se, a partir dessa análise, a rede logística e o sistema de distribuição
Distribuição Física
Canal de Distribuição
Depósito da Fábrica
Fabricante
Depósito (centro de distribuição)
Atacadista
Depósito Varejista
Varejista
Transporte
Transporte
CONSUMIDOR FINAL FIGURA 4.1 • Paralelismo entre canais de distribuição e distribuição física
física decorrentes. A rede logística é composta pelos armazéns, centros de distribuição, estoque de mercadorias, meios de transportes utilizados e a estrutura de serviços complementares. Iniciaremos nossa análise pelos canais de distribuição e, posteriormente noutro capítulo, abordaremos as questões ligadas à distribuição física (Capítulo 8).
TIPOS E FUNÇÕES Evolução das Formas de Distribuição Por que existem intermediários no processo de comercialização de produtos? Os grandes varejistas, por exemplo, poderiam fabricar eles mesmos os produtos que comercializam. Mas, na prática, oferecem aos consumidores uma gama razoavelmente ampla de mercadorias. Dedicar-se à fabricação de uma variedade de produtos, numa situação dessas, implicaria aportes excepcionais de recursos financeiros, além de forçar a empresa a atuar fora de seu core competence. Uma forma intermediária utilizada por grandes varejistas para penetrar, ainda que marginalmente, o setor da manufatura é encomendar a fabricação de produtos com marcas e especificações próprias. Por exemplo, a empresa Marks and Spencer, tradicional varejista da Grã-Bretanha, comercializa roupas com sua marca St. Michael, as quais são produzidas por fabricantes selecionados, dentro de especificações rígidas por ela definidas. A situação inversa, com a manufatura se incumbindo de todas as funções do canal, inclusive as vendas no varejo, também não é economicamente produtiva. Isso porque, para atingir um volume de vendas que justificasse as instalações e as equipes na ponta do varejo, a empresa seria eventualmente forçada a comercializar produtos de seus concorrentes. Uma loja de eletro-
125
domésticos, por exemplo, oferece televisores de diversos tipos e de diversas marcas. Provavelmente, não seria a situação desejada por qualquer indústria. Se fosse forçada a tanto, uma indústria talvez acabasse optando por lojas de menores dimensões, oferecendo somente seus produtos, o que não seria economicamente viável e não atenderia aos interesses dos consumidores. Por trás dessa especialização, está o ganho de eficiência que a empresa pode obter através da concentração no seu core competence. Cada tipo de negócio pode obter um retorno maior quando concentra seus investimentos no seu ramo principal de atividades. Assim, a utilização de intermediários na cadeia de suprimento se justifica por sua maior eficiência na colocação dos produtos no mercado. Considerando a cadeia de valor, um canal de distribuição pouco eficiente seria logo substituído por outro mais produtivo. É o que se vem observando hoje, à mercê da evolução da tecnologia da informação. As formas como as empresas estruturam seus canais de distribuição têm se alterado substancialmente nas últimas décadas, fruto do ambiente cada vez mais competitivo, da maior atenção dirigida ao consumidor final, do uso crescente da tecnologia da informação, da maior diversificação da demanda e da distribuição física mais ágil e mais confiável. Questões de natureza estratégica, derivadas da dinâmica crescente observada no ambiente de negócios, passaram a preocupar os executivos. Por exemplo, é possível utilizar os canais para criar barreiras à entrada de concorrentes? Até que ponto certos canais favorecem uma maior intimidade com os consumidores, em contraposição a outras formas de distribuição? Com que intensidade os canais utilizados conseguem amortecer as incertezas da demanda no processo de suprimento da empresa? No processo de distribuição dos produtos, desde a fábrica que o produz, até o consumidor final na cadeia de suprimento, podem ocorrer situações diversas, formando canais típicos de comercialização. As principais situações são as seguintes: G
G
G
G
G
126
o fabricante abastece diretamente as lojas de varejo; o fabricante abastece seus próprios depósitos ou centros de distribuição e, a partir desses pontos, abastece as lojas de varejo; o fabricante abastece os centros de distribuição do varejista que, por sua vez, abastece as lojas; o fabricante abastece os depósitos do atacadista ou distribuidor que, por sua vez, abastece as lojas; o fabricante distribui seus produtos para o centro de distribuição de um operador logístico, que posteriormente faz as entregas às lojas de varejo;
G
o fabricante entrega o produto diretamente no domicílio do consumidor final, utilizando o correio ou serviço de courier (vendas pela Internet, telefone ou fax; vendas por meio de catálogo e outras).
Objetivos e Funções dos Canais de Distribuição A definição mais detalhada dos objetivos dos canais de distribuição depende essencialmente de cada empresa, da forma como ela compete no mercado e da estrutura geral da cadeia de suprimento. No entanto, é possível identificar alguns fatores gerais, que estão presentes na maioria dos casos. São eles: garantir a rápida disponibilidade do produto nos segmentos do mercado identificados como prioritários. Mais especificamente, é importante que o produto esteja disponível para venda nos estabelecimentos varejistas do tipo certo. E uma vez identificados os tipos de varejo adequados para o produto, garantir que o sistema de distribuição física mais apropriado seja selecionado para atingir esse objetivo; u intensificar ao máximo o potencial de vendas do produto em questão. Por exemplo, buscar as parcerias entre fabricante e varejista que permitam a exposição mais adequada do produto nas lojas. Definir quem fará o arranjo da mercadoria nas lojas (fabricante ou varejista). Prever, se necessário, equipes para demonstração in loco. Analisar a necessidade de promoções especiais do produto etc.; u buscar a cooperação entre os participantes da cadeia de suprimento no que se refere aos fatores relevantes relacionados com a distribuição. Por exemplo, definir lotes mínimos dos pedidos, uso ou não de paletização ou de tipos especiais de acondicionamento e embalagem, condições de descarga (tempos de espera, tamanho dos veículos, equipamentos), restrições de tempo nas entregas (períodos para recebimento dos produtos, restrições diversas); u garantir um nível de serviço preestabelecido pelos parceiros da cadeia de suprimento; u garantir um fluxo de informações rápido e preciso entre os elementos participantes; u buscar, de forma integrada e permanente, a redução de custos, atuando não isoladamente, mas em uníssono, analisando a cadeia de valor no seu todo, conforme será visto no Capítulo 7. u
Dentro da moderna visão do Supply Chain Management, os canais de distribuição desempenham quatro funções básicas (Dolan, 1999, Figura 4.2):
127
G
G
G
G
indução da demanda; satisfação da demanda; serviços de pós-venda; troca de informações;
Em primeiro lugar, as empresas da cadeia de suprimento precisam gerar ou induzir a demanda para seus produtos ou serviços. Em seguida, comercializam esses produtos/serviços, satisfazendo a demanda. Os serviços de pós-venda vêm em seguida. Finalmente, o canal possibilita a troca de informações ao longo da cadeia, incluindo os consumidores, que fornecem um feedback valioso para os fabricantes e varejistas da cadeia.
Cadeia de Suprimento
Demanda: indução
Demanda: satisfação
Serviços pós-venda
Informações nos dois sentidos
Consumidor FIGURA 4.2 • Funções dos canais de distribuição
Canais Verticais
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Os canais de distribuição eram tradicionalmente vistos, numa primeira fase, como estruturas mercadológicas verticais, onde a responsabilidade ia sendo transferida de um segmento da cadeia de suprimento para o seguinte, como um bastão é passado numa corrida de revezamento. A Figura 4.3a mostra esse tipo de distribuição. O fabricante envia um caminhão carregado com seu produto (lotação completa) ao armazém do atacadista, onde a carga é desconsolidada. O atacadista vende o produto a diversos varejistas. O varejista estoca a mercadoria nas lojas e a vende ao consumidor final. Serviços pós-venda (instalação, atendimento a reclamações, informações sobre uso etc.) são realizados diretamente pelo varejista, quando solicitados pelos clientes finais. Em termos logísticos, essa forma de estrutura do canal de distribuição se insere dentro da fase 1, conforme discutido no Capítulo 2. Os estoques nos diversos segmentos do processo, conforme vimos, exercem a função de
pulmão (buffer). Nesse tipo de estrutura vertical, os demais elementos da cadeia de suprimento, além do varejista, desempenham papéis de apoio, atuando nos bastidores do processo. O atacadista desconsolida lotes completos, de vários fabricantes, e vende os produtos em pequenos lotes aos varejistas. No entanto, o atacadista e o fabricante não têm acesso direto ao consumidor. É o varejista que interpreta as preferências do consumidor, as tendências da demanda, as necessidades de serviços pós-venda etc. Mesmo considerando outras formas de distribuição, como as representadas nas Figuras 4.3b e 4.3c, a satisfação das necessidades do cliente é sempre exercida, nesse tipo de distribuição, pelo último elemento da cadeia de suprimento, aquele que atende diretamente o consumidor. Um consumidor que compra diretamente do varejista (Figuras 4.3a e 4.3c) poderia ter preferido obter informações técnicas diretamente do fabricante, em razão, digamos, da maior sofisticação tecnológica do produto adquirido. Mas, na distribuição vertical, é o varejista o elemento encarregado dessa função. Muitas vezes, essa atribuição de fornecer informações técnicas aos consumidores é deixada por conta dos vendedores das lojas. Estes nem sempre conseguem absorvê-las na sua plenitude, em razão da crescente complexidade e variedade dos produtos. Como resultado, não conseguem transmitir o que lhes é solicitado pelos clientes, em muitos casos. Essas restrições puderam ser contornadas com a revolução tecnológica e informacional da década de 1990. Basicamente, e como resultado desses avanços, a manufatura e a distribuição de produtos mudaram radicalmente naquela década. Partindo da fase 1 da Logística, passando pelas fases inter-
Manufatura
Manufatura
Atacadista
Setor de vendas do fabricante
Manufatura
Varejo
Varejo Consumidor
Consumidor
(b)
(c)
Consumidor (a)
FIGURA 4.3 • (a) Canal único no pequeno varejo; (b) canal único, tipo “Avon”;
(c) canal único típico do grande varejo
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mediárias, atingimos finalmente a fase 4, correspondente ao moderno Supply Chain Management, conforme discutido no Capítulo 2. Serviços sofisticados de distribuição de carga fracionada, como os da FedEx e UPS nos Estados Unidos, que se apoiam em sistemas de computação avançados, possibilitam às empresas despachar pedidos pequenos com prazos de entrega muito reduzidos. Com isso, os consumidores podem adquirir produtos diretamente dos fabricantes ou distribuidores, sem ser penalizados com prazos e burocracia excessivos. A manufatura flexível, por outro lado, permite aos fornecedores fabricar seus produtos em lotes bem menores do que antes, com custos quase iguais aos da produção em grandes lotes. Os papéis de alguns intermediários na cadeia de suprimento, incluindo principalmente o atacadista e o distribuidor, estão sendo revistos. Em muitos tipos de comércio, a participação desses intermediários está ameaçada. Novas formas de canais diretos estão surgindo. Os canais indiretos, por sua vez, estão se tornando mais curtos (menor número de intermediários). Todas essas mudanças visam obter maior valor final para o consumidor, tirando partido das mudanças tecnológicas e de mercado observadas atualmente. O que mudou efetivamente foi a forma de enfocar o problema da distribuição. Em lugar de resolver a questão procurando escolher os intermediários da cadeia de suprimento para se chegar ao consumidor final, agora o processo se inverteu. Parte-se do consumidor final, analisando-se suas necessidades e preferências, bem como as vantagens oferecidas a ele pela concorrência, e se vai atrás da melhor estrutura de distribuição que possa atendê-lo satisfatoriamente. Ou seja, parte-se do consumidor e não do fornecedor, e o foco da análise se concentra nas funções do canal de distribuição e não nos intermediários em si. A escolha do canal não é realizada ao fim do processo de planejamento da empresa, mas deve ser formulada como uma parte integrante de sua estratégia competitiva geral. Discutiremos, a seguir, as tendências mais importantes observadas hoje na estruturação dos canais de distribuição.
Canais Híbridos
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Neste tipo de estrutura, uma parte das funções ao longo do canal é executada em paralelo por dois ou mais elementos da cadeia de suprimento, quebrando o esquema vertical rígido descrito anteriormente. Por exemplo, a divisão Vacutainer, da indústria americana Becton-Dickinson, fabricante de agulhas para coletar sangue, seringas e acessórios, negocia a venda de seus produtos diretamente com os setores de compras dos grandes hospitais. Quando a transação é consumada, a indústria entrega ao hospital uma lista de seus distribuidores autorizados. O distribuidor escolhido se encarrega, por sua vez, da distribuição física dos produtos adquiridos, formalização
Indústria
Setor de vendas do fabricante
Distribuidor externo
Funções de geração da demanda
Distribuição física
Unidades de serviço (ext. e int.) Serviços pós-venda
C o n s u m i d o r FIGURA 4.4 • Canal híbrido
dos pedidos, armazenagem e entrega dos lotes ao hospital nos tempos certos e nas quantidades desejadas. O fabricante, que dispõe dos especialistas com o know-how sobre o uso dos produtos comercializados, se encarrega dos serviços de pós-venda. A estrutura do canal de distribuição é a indicada na Figura 4.4. Quais as razões para esse tipo de canal híbrido? De um lado, a Becton-Dickinson valoriza o contato direto com os grandes consumidores, não somente por questões mercadológicas, mas também para melhoria de sua linha de produtos e desenvolvimento de novos itens. Para os grandes hospitais, a aquisição de lotes maiores lhes traz descontos expressivos, que não conseguiriam se comprassem através dos atacadistas. A utilização de distribuidores por parte da Becton-Dickson é vantajosa, pois eles atendem um grande elenco de fornecedores e conseguem oferecer assim serviços logísticos com mais eficiência e com menores custos. A adoção de um canal híbrido traz consigo o problema da compensação financeira aos elementos da cadeia de suprimento que realizam novas funções. Agora, o elemento da cadeia de suprimento que tem relacionamento direto com o cliente não é mais responsável por executar todas as funções do canal. Então, torna-se necessário realizar uma compensação monetária entre os elementos da cadeia, o que obriga as partes a uma grande transparência na troca de informações e maior precisão no cálculo dos custos envolvidos. Além disso, é necessário definir esquemas de parcerias bem estruturados, com compromissos de médio e longo prazo e objetivos claros. Um dos problemas encontrados em canais híbridos do tipo descrito é a duplicidade de atuação de alguns dos elementos da cadeia de suprimento. Por exemplo, no caso da empresa Becton-Dickison, os distribuidores traba-
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Indústria A
Indústria B
Distribuidor (Híbrido)
Funções de geração da demanda
Funções parciais (A)
(Vertical)
Funções integrais (B)
C o n s u m i d o r FIGURA 4.5 • Conflitos de atuação em canais híbridos
lham também para outros canais concorrentes. Suponhamos que o distribuidor em questão execute suas funções de forma integral para o fabricante B (Figura 4.5), isto é, trabalhe nesse canal dentro de uma estrutura tipicamente vertical. Para o fabricante A, no entanto, a estrutura adotada é híbrida, na forma descrita anteriormente. Nesse esquema é provável que a margem do distribuidor seja maior no canal B, em razão do maior número de funções que desempenha. Além disso, como as vendas dos produtos fabricados por B dependem exclusivamente do distribuidor, este tenderia a dar mais atenção ao canal B e, com o tempo, forçaria uma margem maior em A, colocando em risco toda a estratégia global de gerenciamento da cadeia de suprimento implantada no canal A. Na prática, a adoção de um canal híbrido de distribuição exige uma forte liderança de um dos participantes da cadeia de suprimento. Algumas vezes é o fabricante que exerce essa liderança, mas hoje se observa uma tendência crescente de o varejo assumir esse papel em alguns setores importantes da economia. Algumas vezes, um dos elementos da cadeia de suprimento assume parte das funções sem provocar alterações significativas na estrutura do canal. Por exemplo, a empresa sueca SKF, que produz rolamentos, oferece um catálogo computadorizado denominado CADalogue, no qual os possíveis consumidores encontram recomendações sobre as dimensões adequadas para emprego de seus mancais esféricos (Dubois e Gadde, 1997). Esse sistema sugere um tipo específico de rolamento a partir das especificações de uso fornecidas pelo consumidor. Outras indústrias oferecem informações similares em CD-ROM ou disquetes. Isso acontece porque as informações técnicas sobre os produtos se tornaram muito complexas e voláteis1 para que possam 132
1
Voláteis porque a tecnologia associada aos produtos muda muito rapidamente.
ser satisfatoriamente transmitidas pelos distribuidores ou varejistas. Quanto melhor for atendido o consumidor, maior o valor agregado na cadeia de suprimento. Assim, o fabricante não elimina o apoio dado ao cliente pelos demais elementos do canal de distribuição; ele apenas agrega mais valor à cadeia de suprimento.
Canais Múltiplos Uma outra forma de melhorar o desempenho no gerenciamento da cadeia de suprimento é utilizar mais de um canal de distribuição. Isso ocorre em função da diversidade de tipos de consumidor. Por exemplo, o comprador em potencial de um microcomputador pode adquiri-lo por telefone ou pela Internet, a partir de uma lista publicada numa revista de informática, ou poderá se dirigir a uma loja especializada, que lhe pedirá um preço um pouco mais alto, mas onde conseguirá informações mais detalhadas e atendimento personalizado. Assim, o consumidor que já tem um conhecimento mais aprofundado do produto, de seus possíveis usos e eventuais problemas, sendo ao mesmo tempo mais sensível ao preço, poderá ser atraído a fazer sua compra através de uma lista publicada na mídia. Já outro comprador, que não acompanha de perto as evoluções tecnológicas dos produtos de computação, pode necessitar de um maior volume de informações para escolha da marca, do tipo e da versão da mercadoria procurada. Esse tipo de estruturação dos canais de distribuição melhora as condições globais de competitividade da cadeia, mas não é isento de problemas. A grande incógnita é a área cinzenta do mercado consumidor que fica entre dois ou mais tipos de cliente. Enquanto o preço cobrado na loja especializada não for exagerado, representando adequadamente o valor atribuído pelo consumidor aos serviços por ela oferecidos, não haverá problemas. Mas pode acontecer, e acontece frequentemente, que o comprador em potencial procure a loja e obtenha todas as informações de que necessita. Posteriormente, já sabendo o que deseja, faz seu pedido através do telefone ou da Internet, conseguindo um preço mais em conta. Uma forma de contornar esse tipo de problema, garantindo até certo ponto a fidelidade do cliente, mas que é válido apenas para alguns tipos de produto (computadores principalmente), é a possibilidade de atualização do equipamento (upgrade) após certo tempo de uso. Comprando num estabelecimento especializado, o comerciante pode garantir a troca ao cliente ou lhe dar serviços de montagem e manutenção grátis, sempre que o consumidor necessitar. Outro ponto importante é a garantia do produto, em que o contato pessoal com o comerciante pode trazer mais confiança ao comprador. Dessa forma o varejista pode criar uma ligação mais estável e mais duradoura entre seu estabelecimento e o consumidor.
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Indústria
Atacadista “A” (Produtos P1 e P2)
Grande Consumidor (P1 e P2)
Varejista “B” (Produto P2)
?
Pequeno Consumidor (P2)
FIGURA 4.6 • Conflitos de atuação em canais múltiplos
Há também casos em que o elemento de um dos canais penetra no outro canal, prejudicando o conjunto. Admitamos que um dos canais seja direcionado para grandes consumidores, que adquirem quantidades maiores, a preços unitários mais reduzidos. Os clientes desse canal compram normalmente um produto mais sofisticado P1 e, ocasionalmente, um número menor de unidades de um produto P2 para alguns setores da empresa. O distribuidor A é encarregado de atender com exclusividade esse mercado (Figura 4.6). O distribuidor B, por outro lado, se dedica a atender pequenos consumidores, vendendo somente produtos do tipo P2. Se o produto P1 apresentar maior complexidade tecnológica e de operação em relação ao produto P2, é de se esperar que o distribuidor A obtenha uma margem relativamente mais atrativa ao vender o produto P1, que representa sua linha mercadológica principal. Mas, nesse caso, como as despesas fixas já estão praticamente cobertas pela linha P1, o distribuidor A poderá reduzir o preço do produto P2, criando um conflito com o distribuidor B. Isso porque clientes de B tentarão adquirir o produto P2 dessa fonte, a preço mais vantajoso. Os grandes clientes de A, por sua vez, ficariam presos a esse distribuidor, porque a empresa B não pode vender o produto P1. Esse tipo de conflito surge quando há a combinação de dois fatores: mercados com fronteiras mal definidas associados à diferenciação de preços. Uma forma que pode ser utilizada para administrar esse tipo de conflito em canais múltiplos é demarcar nitidamente os produtos e modelos para serem comercializados em cada canal. No caso discutido acima, o produto P2 poderia ser alocado tão somente ao canal B, separando os produtos por canal. 134
PROPRIEDADES DOS CANAIS DE DISTRIBUIÇÃO Extensão e Amplitude A extensão de um canal de distribuição está ligada ao número de níveis intermediários na cadeia de suprimento, desde a manufatura até o consumidor final. Cada patamar de intermediação na cadeia de suprimento forma um nível do canal. O chamado canal de nível zero (Kloter, 1993) não possui níveis intermediários, com o fabricante vendendo seu produto diretamente ao consumidor. É o caso da Avon, que comercializa seus produtos através de suas próprias vendedoras, de porta em porta. As empresas que vendem por meio de catálogo diretamente aos consumidores são outro exemplo de canal de nível zero. Os grandes varejistas, por seu lado, compram os produtos diretamente dos fabricantes e os revendem em suas lojas. Nesse caso tem-se um canal de um nível, uma vez que há apenas um intermediário na cadeia, o varejista. As grandes cadeias de supermercado constituem um exemplo típico de canal de um nível. Há casos com dois intermediários, formando canais de dois níveis. Por exemplo, os minimercados de vizinhança normalmente adquirem os produtos a partir de atacadistas que, por sua vez, os adquirem dos fabricantes. Podem ocorrer canais com mais níveis, embora sejam menos frequentes. A amplitude, também chamada largura do canal, definida para cada segmento intermediário da cadeia de suprimento, é representada pelo número de empresas que nela atuam. Três tipos de amplitude são normalmente observados na prática (Dolan, 1992): Distribuição exclusiva (amplitude unitária) u Distribuição seletiva (amplitude múltipla, mas controlada) u Distribuição intensiva (amplitude múltipla, aberta) u
Na distribuição exclusiva, existe apenas uma empresa atuando em cada região demarcada pelo fabricante do produto. Isso pode ocorrer no nível de atacado, existindo um distribuidor ou atacadista autorizado para cada região. No nível do varejo, há somente uma firma varejista autorizada a vender o produto aos consumidores em cada distrito, conforme demarcação realizada pelo fabricante ou pelo distribuidor. Na distribuição seletiva existe mais do que uma firma atuando num mesmo mercado, mas de forma controlada. Ou seja, em lugar de designar apenas uma empresa para comercializar seus produtos, o fabricante seleciona algumas. O objetivo principal é aumentar as condições de acesso aos produtos e garantir um certo nível de competição entre os comerciantes, distribuidores ou varejistas, conforme o caso. Na terceira alternativa, distribuição intensiva, o fabricante tenta colocar seu pro-
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duto através do maior número possível de revendedores, não restringindo o número de participantes nas diversas regiões onde é comercializado o seu produto. A escolha de uma das alternativas descritas depende essencialmente do tipo de produto. Três tipos básicos de produto são normalmente considerados (Bucklin, 1963): produtos de consumo frequente; u produtos que envolvem pesquisa antes da compra; u produtos especiais. u
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O primeiro tipo é constituído pelos produtos que consumimos no dia a dia, como, por exemplo, xampu para o cabelo. A aquisição de um vidro de xampu é um evento rotineiro e pouco excitante. O consumidor, embora tenha alguma preferência por uma determinada marca e um certo tipo de produto, frequentemente não hesita em comprar outra mercadoria com preço e qualidade semelhantes, quando não encontra sua primeira escolha no ponto de venda. Nesses casos, procura-se aumentar ao máximo a amplitude do canal, pois o volume comercializado está fortemente ligado à disponibilidade do produto nos pontos de venda. Esse tipo de produto está normalmente associado à distribuição intensiva. Há produtos que somente são adquiridos após alguma pesquisa. Por exemplo, quando compramos um conjunto estofado para a sala de estar, alguns membros da família se envolvem no processo, analisando anúncios nos jornais, discutindo modelos e cores, e visitando algumas lojas do ramo antes de decidir pelo fechamento do negócio. Esse tipo de compra não é tão frequente como no caso anterior, e envolve importâncias relativamente maiores. Para esse tipo de produto, não seria econômico para o fabricante ter a mercadoria disponível em qualquer loja, pois isso encareceria demais os custos de comercialização e de distribuição. Mas o produto deve ser exposto à venda em pontos acessíveis aos clientes potenciais, para pesquisa e avaliação. Como consequência, o fabricante normalmente seleciona um determinado número de revendedores, ou seja, escolhe uma distribuição seletiva. Alguns tipos de produto, de alto valor e adquiridos esporadicamente, atraem o comprador pela marca, em razão de sua qualidade, do status a eles associado ou do caráter específico de seu desempenho. Por exemplo, certas pessoas desejam adquirir não um relógio de boa qualidade, mas um Rolex. Ou uma caneta Mont Blanc especial. Para esses tipos de produtos diferenciados, o comprador vai atrás do representante para adquiri-los. O fabricante prefere então escolher um único varejista em cada distrito ou região, concen-
trando as atenções sobre esse tipo de cliente através de um único representante (distribuição exclusiva). Nesses casos, o comerciante vai até mesmo ao escritório ou residência do comprador para mostrar o produto e vendê-lo.
Encurtando os Canais Hoje, com a revolução no tratamento e no uso da informação e com a ampliação do comércio eletrônico, nota-se uma tendência de utilização de canais mais curtos na cadeia de suprimento. De todos os intermediários, são os atacadistas os mais propensos a ser eliminados da cadeia de suprimento. Com o advento de sistemas logísticos de entregas rápidas, associados ao intercâmbio eletrônico de informações, os varejistas têm menos dificuldades em colocar seus pedidos diretamente junto aos fabricantes. E, do lado da indústria, com a disponibilidade de tecnologia avançada de tratamento da informação, o monitoramento e o atendimento dos pedidos individuais dos lojistas e dos consumidores são hoje perfeitamente factíveis. Em alguns tipos de mercado, os fabricantes lançam mão de distribuidores e de atacadistas visando atingir regiões geograficamente mais distantes ou para dar maior cobertura a seus consumidores a partir dos estoques dos intermediários e, principalmente, para atender os pequenos varejistas. Para esses últimos, que necessitam de maior assistência no abastecimento de suas lojas e condições mais flexíveis de crédito, a utilização de distribuidores ou atacadistas ainda é um fato. Mas o aumento da concorrência e o avanço dos grandes varejistas na divisão dos mercados vêm obrigando os grandes atacadistas e distribuidores a manter uma postura mais proativa, oferecendo serviços mais avançados de informação e resposta rápida no atendimento dos pedidos dos clientes. Um dos problemas enfrentados atualmente pelas grandes indústrias é administrar a transição de uma estrutura tradicional, com vários intermediários no canal, para uma estrutura enxuta, com um canal bastante mais curto. Nos casos em que um atacadista ou distribuidor vem atuando por um longo período de tempo, é relativamente difícil eliminá-lo de uma hora para outra. Isso porque boa parte das funções ligadas à estocagem do produto ao longo da cadeia e o papel de intermediário financeiro são frequentemente executados pelo atacadista ou distribuidor. Sua substituição repentina pode significar investimentos maciços em infraestrutura e riscos de insucesso não desprezíveis para a cadeia de suprimento. A eliminação de funções intermediárias no canal de distribuição é realizada com maior facilidade quando o mercado está crescendo, porque então fica mais fácil repartir o bolo de forma diferente da atual. Mas, muitas empresas, premidas por margens mais reduzidas, menores fatias do mercado (market share) e aumento de custos frequentemente decidem por cortes
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precipitados nas atividades de distribuidores e atacadistas, no canal de distribuição. É comum, por exemplo, eliminar o intermediário nas relações com grandes clientes, deixando para o atacadista ou distribuidor somente os pequenos varejistas. Com o tempo, os pequenos varejistas, enfrentando um diferencial de preço ainda maior em relação a seus grandes concorrentes, tendem a ser eliminados do mercado. O fornecedor verá então reduzida sua clientela, passando a negociar com um número restrito de grandes e fortes clientes. Para manter o mercado razoavelmente equilibrado, em condições próximas à que opera hoje, o fornecedor pode eliminar a intermediação de uma vez, assumindo os riscos e os custos inerentes, ou ajudar na reestruturação das operações do atacadista ou distribuidor. Outra boa ocasião para proceder ao enxugamento do canal de distribuição é o momento de lançar uma nova linha de produtos bastante atrativa. Em outras palavras, o momento certo para o enxugamento deve ser tal que a demanda “puxada” ao longo da cadeia é suficientemente forte para compensar a súbita falta da demanda “empurrada”, exercida pelo distribuidor. A demanda puxada pode ocorrer em função de uma linha nova de produtos, como foi dito, ou por uma mudança radical nas operações logísticas, através da adoção das técnicas do gerenciamento da cadeia de suprimento.
DEFININDO OS CANAIS DE DISTRIBUIÇÃO Ao se montar, ou reestruturar, uma cadeia de suprimento, em sua totalidade ou parcialmente, uma das questões estratégicas que se coloca é sobre o melhor canal de distribuição ou melhor combinação de canais que coloca um produto no mercado da forma mais competitiva possível. Uma vez implementados os canais de distribuição e a logística de distribuição a eles associada, a segunda questão está ligada à melhor forma de mantê-los em operação, garantindo os níveis de serviço inicialmente planejados. Para definir os canais de distribuição para um determinado produto, são seguidas algumas etapas, analisadas a seguir.
Etapa 1: Identificação dos Segmentos Homogêneos de Clientes
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A ideia básica óbvia é agrupar os clientes com necessidades e preferências semelhantes dentro de canais específicos. Por cliente entendemos especificamente um usuário final, raramente um intermediário na cadeia de suprimento. Por exemplo, empresas que produzem refrigerantes focalizam o consumidor final quando definem seus canais de distribuição, e não o comerciante. Já as empresas que produzem garrafas plásticas para refrigerantes vão focalizar como cliente não o consumidor final, mas as indústrias que produzem a bebida. A ideia fundamental é não cometer um erro imperdoável segundo a
moderna visão do Supply Chain Management: encarar o cliente mais próximo como cliente final, dando pouca importância aos elementos seguintes da cadeia. Por exemplo: um fabricante de iogurte, fornecedor de uma empresa supermercadista, que somente está preocupado em passar seu produto pela inspeção de qualidade do varejista, sem se importar, de fato, com a qualidade intrínseca do produto vista pelo consumidor final. Em muitos casos, o agrupamento dos clientes em classes homogêneas já está definido pelas práticas do mercado. Por exemplo, a venda de produtos de petróleo é canalizada aos consumidores finais, pessoas físicas, através dos postos de gasolina. Mas há outros consumidores finais importantes, constituídos por indústrias, empresas transportadoras, órgãos do governo etc. que são abastecidos diretamente pelas distribuidoras, formando outro canal de distribuição. No caso de bebidas, especificamente o chope, o fabricante normalmente abastece o distribuidor, que, por sua vez, tem um canal direcionado aos bares e restaurantes, em paralelo a outro que atende pessoas físicas, para o caso de festas, casamentos e eventos semelhantes. No entanto, muitas vezes a empresa precisa definir seus canais de distribuição a partir do zero, seja porque o produto é novo, seja porque está entrando num mercado muito diverso daquele onde está habituada a atuar.
Etapa 2: Identificação e Priorização das Funções Uma vez definidos os canais, a empresa precisa identificar que funções devem ser associadas a cada canal de distribuição. Parte-se de uma definição de funções mais geral e, a seguir, detalham-se suas características. Tipicamente, as funções são enquadradas em oito categorias: Informações sobre o produto: a evolução tecnológica, a crescente preocupação com a saúde, a atenção com os aspectos ecológicos, além de outros fatores, vêm exigindo por parte dos consumidores informações de melhor qualidade e em maior quantidade. u Customização do produto: alguns produtos requerem modificações técnicas para se adaptarem a condições específicas do mercado ou às exigências dos clientes. Por exemplo, o fornecimento de produtos alimentícios para clientes em países islâmicos deve atender a um conjunto de exigências religiosas e culturais que precisam ser respeitadas. A venda de automóveis para um país com severos controles antipoluição deve contemplar a introdução de equipamentos para absorção de gases nos veículos. Outras vezes, um grande cliente varejista acerta um esquema de fornecimento de um determinado produto com o fabricante, ostentando uma marca própria e com características específicas definidas pelo primeiro. u
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Afirmação da qualidade do produto: certos produtos requerem, além da garantia normal, uma afirmação explícita de sua qualidade e confiabilidade quando comercializados em certos canais. Por exemplo, uma empresa que comercialize um produto químico de uso geral pode ser forçada a garantir um nível de qualidade mais apertado no fornecimento do produto à indústria farmacêutica, em razão dos riscos de vida e implicações de saúde sobre seus consumidores finais. u Tamanho do lote: esta função está intimamente associada ao desembolso de recursos por parte dos clientes, considerando as despesas com aquisição, os custos de manuseio e os custos de estocagem do produto. Por exemplo, comercializando um determinado produto para uma grande cadeia de supermercados, o fabricante pode fornecê-lo em pallets plastificados, contendo um número razoável de caixas, cada uma contendo, digamos, duas dúzias de unidades. Já o fornecimento a pequenos varejistas, por sua vez, pode ser feito em caixas. u Variedade: alguns canais de distribuição exigem diferentes especificações de um mesmo produto. Por exemplo, uma loja de produtos eletroeletrônicos da Rua Santa Efigênia, em São Paulo, que atende tanto a capital como o interior, em que as voltagens têm respectivamente 110 e 220 volts, necessita ser abastecida com ambos os tipos do produto. Já uma loja situada num bairro pode oferecer apenas o tipo adequado à sua região de influência. u Disponibilidade: alguns tipos de clientes exigem maior disponibilidade de tipos de um mesmo produto. Por exemplo, numa região onde há forte concorrência com outras marcas, pode ser conveniente oferecer o produto em tamanhos diversos e com características diferentes (sabores, aditivos, desempenho). Já numa região de menor renda e hábitos menos sofisticados, uma menor variedade pode ser satisfatória. Esta função é definida analisando-se as incertezas associadas aos níveis de demanda do produto e os custos de estoque e de distribuição relacionados a cada alternativa. u Serviços de pós-venda: os clientes necessitam de serviços diversos como instalação, manutenção de rotina, consertos, atendimento de reclamações etc. Muitas vezes a disponibilidade e a qualidade desses serviços de pós-venda afetam sensivelmente a comercialização do produto. A natureza e a intensidade desse tipo de função vão depender do tipo de produto. Por exemplo, a comercialização de artigos eletrônicos, como computadores (hardware e software), está muito associada aos upgrades que periodicamente são lançados no mercado. Nesses casos, um permanente envolvimento com os usuários é de fundamental importância para o sucesso da empresa. u
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u
Logística: boa parte das funções discutidas anteriormente tem impacto direto nas operações logísticas da empresa. Por exemplo, certos serviços de pós-venda requerem programação de visitas técnicas, cadastramento e monitoramento de informações. Há necessidade de transporte próprio ou de terceiros, de facilidades para armazenagem dos produtos, de sistemas de levantamento, de tratamento da informação e de muitas outras operações e facilidades mais ou menos complexas.
A definição das funções para cada canal deve ser feita preferencialmente com base em informações diretamente colhidas junto aos clientes.
Etapa 3: Benchmarking Preliminar Uma vez definidas e detalhadas as funções associadas ao canal (ou canais) de distribuição, é importante fazer uma análise do projeto, confrontando-as com as melhores práticas dos concorrentes e verificando principalmente o nível de satisfação dos requisitos sob a ótica dos clientes da cadeia de suprimento.
Etapa 4: Revisão do Projeto Combinando os resultados da análise realizada nas etapas 2 e 3, são definidas algumas opções, compreendendo alternativas possíveis de canais de distribuição e de suas respectivas funções. A definição dessas opções deve ser baseada nos objetivos da empresa, observando-se os requisitos desejados pelos consumidores e devidamente balizados em relação às práticas dos concorrentes (benchmarking, etapa 3).
Etapa 5: Custos e Benefícios Nesta fase são avaliados, de forma sistemática, os custos e os benefícios associados a cada opção gerada na etapa 4. Adicionalmente, é importante estimar a divisão do mercado (market share) e os investimentos previstos para cada alternativa. Confrontando-se todos os elementos de investimento, de custo e de benefício, chega-se à escolha da opção que melhor atenda aos interesses da empresa.
Etapa 6: Integração com as Atividades Atuais da Empresa Normalmente, a empresa que lança um determinado produto no mercado já produz, ou comercializa, outros produtos. Assim, torna-se necessário integrar o projeto de distribuição, resultante da etapa 5, à estrutura de canais
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existentes na empresa. É possível que sejam necessárias certas melhorias nas funções hoje desempenhadas ao longo dos canais existentes, de forma a compatibilizá-las com os requisitos do novo produto. Nessa fase, os fatores estratégicos de longo prazo adquirem grande importância. Basicamente, é preciso indagar se a estrutura de distribuição preconizada garante vantagem de mercado e se tem condições de permanecer estável por um prazo longo. Como vimos, alterações substantivas na estrutura dos canais são onerosas e de consequências algumas vezes imprevisíveis.
ESTUDO DE CASO: A EMPRESA BOMFRIO A Empresa A fábrica BomFrio, pertencente a um grupo industrial de grande projeção nacional, está sendo instalada na região de Joinville, em Santa Catarina, e vai brevemente produzir aparelhos de ar-condicionado. A direção da empresa nomeou um grupo de analistas, envolvendo o gerente de marketing, dois representantes de vendas, um engenheiro do produto e um especialista em logística, para definir e analisar os canais de distribuição do produto. O grupo de trabalho identificou preliminarmente dois segmentos homogêneos de clientes, a saber: G
G
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clientes institucionais: órgãos do governo e grandes empresas, que adquirem lotes relativamente grandes do produto, por meio de licitações públicas ou pedidos de grande porte; consumidores formados por famílias ou pequenas empresas, que adquirem quantidades relativamente pequenas do produto (normalmente uma ou duas unidades), sem necessidade de licitação.
Inicialmente o grupo propõe o atendimento dos clientes do tipo 1 diretamente pelo setor de vendas do fabricante. Para isso seria criado um corpo de vendedores para atuar junto aos órgãos do governo e às grandes corporações, com o objetivo de conseguir contratos de fornecimento de aparelhos de ar-condicionado. Os consumidores de menor expressão, do tipo 2, seriam atendidos por lojas de varejo. Numa primeira análise, o gerente de marketing da indústria sugere que a melhor forma de distribuição para esse tipo de produto, por sua natureza e em função da atuação dos concorrentes, deveria ser uma distribuição seletiva. Assim, o grupo definirá o número de pontos de venda por região, dentro do território nacional, considerando população, renda per capita e o possível market share em cada área. O gerente de marketing propõe também que a indústria abasteça diretamente os varejistas em todo o território nacional. Assim, haveria canal de nível zero para os clientes do tipo 1 e canal de um nível para o varejo.
O técnico de logística faz seus cálculos e mostra que o abastecimento direto a todos os varejistas dentro do território nacional exigiria muitos recursos, de um lado, e seria antieconômico, por outro lado, visto que o mercado básico da empresa estaria inicialmente localizado nas regiões Sul e Sudeste do país. Sugere, como alternativa, que a empresa selecione um distribuidor exclusivo por região, à exceção das regiões Sul e Sudeste, em que os varejistas seriam abastecidos diretamente pelo fabricante. Esses distribuidores abasteceriam os varejistas de suas regiões e atuariam de forma exclusiva para a BomFrio, tendo direito a uma margem a ser definida posteriormente. Depois de discussões acaloradas, os membros do grupo concordam com a proposta do técnico de logística. Dessa forma, o varejo ficaria dividido, em termos geográficos, num canal de um nível, nas regiões Sul e Sudeste, e num canal de dois níveis, nas demais regiões do país. O homem de marketing faz a ressalva de que a empresa deverá encurtar os canais de dois níveis para um nível, à medida que a região atendida for criando volume de demanda suficiente para justificar economicamente a mudança. Um dos representantes de vendas diz que está preocupado com o atendimento às pequenas empresas. Argumenta que o grupo de vendedores da indústria BomFrio, que atende diretamente os clientes institucionais, não terá tempo nem disposição para atender as pequenas empresas. Sugere que se criem representantes regionais (dealers) que comercializariam o produto atuando diretamente junto às pequenas e médias empresas (sem lojas). Seria, assim, um outro canal de um nível. Na Figura 4.7 são apresentados, de forA – Regiões Sul e Sudeste B – Outras regiões
Indústria
B Setor de vendas do fabricante
Distribuidor regional
A Representantes (dealers)
Varejistas
Varejistas
Grandes clientes
Clientes: pequenas empresas
Consumidor pessoa física
Consumidor pessoa física
Canal 1
Canal 2
Canal 3
Canal 4
FIGURA 4.7 • Canais de distribuição propostos para a empresa BomFrio
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ma esquemática, os quatro canais que foram propostos nas reuniões do grupo de trabalho. Assim, a etapa 1 para definição da estrutura de distribuição foi concluída, isto é, foram devidamente identificados os segmentos homogêneos de clientes devidamente agrupados em canais específicos. A seguir, o grupo passou a analisar as funções associadas aos canais de distribuição. No que se refere às informações sobre o produto, foram levantados alguns aspectos importantes pelo gerente de marketing. Em primeiro lugar, o condicionador de ar BomFrio foi projetado de forma a produzir um ruído quase imperceptível mas, para garantir essa vantagem competitiva, o equipamento tem de ser montado sobre uma base especial. Como consequência, será necessário estudar uma forma de levar essa informação ao comprador pessoa física, como também aos clientes formados pelas pequenas empresas, que mostre claramente esse requisito, mas ao mesmo tempo não afugente o consumidor potencial, em razão do gasto extra com a instalação da base. Foi lembrado pelo especialista em logística que os dealers, voltados ao atendimento de pequenas empresas, poderiam facilmente oferecer o serviço de instalação da base. O mesmo não se poderia esperar dos varejistas, visto que tal atividade exigiria pessoal especializado, fora das funções normais do varejo. No que se refere à variedade, além da fabricação em duas voltagens (110 e 220 volts), o gerente de marketing lembrou a necessidade de se ter pelo menos três capacidades de refrigeração diferentes, medidas em BTUs por hora. Todos concordaram. Mas um dos representantes de vendas argumentou que os aparelhos fabricados pelos concorrentes e instalados à beira-mar acabavam se oxidando em pouco tempo, prejudicando seu desempenho e sua estética. Sugeriu então que os aparelhos destinados às praças litorâneas deveriam sair da fábrica com um tratamento especial, para evitar a ferrugem. O engenheiro do produto ponderou que essa diversificação implicaria um processo adicional no chão de fábrica, envolvendo maior custo de produção, maiores estoques, maiores dificuldades na distribuição etc. O gerente de marketing sugeriu então que toda a linha do produto saísse da fábrica com o tratamento indicado. Isso eliminaria parte dos problemas levantados pelo engenheiro e traria uma vantagem competitiva extra para o novo produto. Nesse momento todos perceberam que essa questão era um tanto complexa. Isso porque havia custos e benefícios a cotejar, como também era necessário o levantamento e a análise do que os concorrentes estavam planejando fazer nesse domínio (benchmarking). Ficou assim criado um subgrupo de trabalho, composto pelo engenheiro de produto, o especialista de logística e o gerente de marketing, para detalharem e analisarem a questão, devendo trazer depois os resultados para discussão em grupo. 144
Questões Propostas 1. A ideia de encurtar o canal 4 (Figura 4.7), eliminando futuramente o distribuidor regional, não é normalmente fácil de se executar. Discuta as vantagens e desvantagens de adotar desde o início a mesma estrutura de distribuição do canal 3, para todas as regiões do país. Admitindo que o esquema da Figura 4.7 seja adotado, quais as dificuldades, custos e investimentos que você vislumbraria para proceder ao encurtamento do canal, digamos, daqui a cinco anos? 2. Por que separar os clientes pequenas empresas dos clientes pessoas físicas? Os primeiros não poderiam adquirir o produto diretamente das lojas? Quais as vantagens e desvantagens de efetuar essa separação? 3. Um conflito mercadológico entre os dealers e os varejistas, que formam os canais 2 e 3 da Figura 4.7, poderia ocorrer com certa probabilidade. Por quê? O que poderia ser feito para evitá-lo? 4. Outro conflito, entre os dealers e o corpo de vendas do fabricante, poderia ocorrer, como decorrência de uma área cinzenta entre os dois mercados, principalmente no que diz respeito aos clientes médios (são grandes ou são pequenos?). Analisar a questão, propondo soluções para contornar o problema. 5. Identificar, no presente caso, as seguintes funções: a) customização do produto; b) afirmação da qualidade do produto; c) variedade; d) serviços de pós-venda; e) serviços logísticos. Foram explicitados pelo grupo da BomFrio de forma completa e adequada? 6. Admita que você foi designado como líder do subgrupo incumbido de analisar o problema do tratamento do produto contra ferrugem. Delineie uma sequência de tarefas para estudar a questão, especificando os objetivos, a metodologia a ser empregada e os resultados de cada tarefa. Considere os aspectos ligados à logística, à manufatura, ao marketing e às vendas. 7. Faça um confronto entre as estruturas logísticas necessárias para atender os canais 3 e 4 indicados na Figura 4.7. 8. De uma forma geral, você considera satisfatórios os resultados definidos até o momento pelo grupo de estudos da BomFrio? Por quê? Por exemplo, onde o grupo trouxe a visão do cliente para a elaboração de suas propostas? Você acha que ficou faltando alguma coisa ou se poderia simplificar a estrutura proposta? 9. Como proceder ao benchmarking da estrutura de distribuição definida pelo grupo considerando os principais concorrentes da BomFrio?
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ESTUDO DE CASO: DRUGSTORE.COM, UMA DROGARIA NA INTERNET Muitas empresas varejistas tradicionais estão entrando na Internet para oferecer seus produtos on-line aos consumidores (B2C). A operação simultânea de comércio tradicional (do tipo bricks-and-mortar, ou tijolos e argamassa), com vendas via Internet, pode ampliar o nível dos negócios da empresa. No entanto, em razão das diferenças de atitude e expectativas dos consumidores, e dos conflitos observados na operacionalização dos dois sistemas, muitos problemas logísticos sérios costumam ocorrer nessas situações híbridas. Uma forma totalmente diferente de atuar nesse setor é implementar um serviço na Web totalmente independente das operações convencionais, do tipo “tijolos e argamassa”. Um caso muito interessante é o da empresa de comércio eletrônico Drugstore.com, que é uma drogaria virtual americana. As informações sobre este caso foram extraídas de Nolan (2000) e Shah (2000), bem como do site www.drugstore.com. Buscando um Nicho na Internet Um grupo de 12 funcionários iniciou os trabalhos de planejamento e implantação da Drugstore.com em agosto de 1998. Seu fundador, Jed Smith, é um produto da era da informação. Ao se formar na universidade, foi trabalhar no setor de alta tecnologia, começando na Oracle e, depois, na Tribe Computer Works. Com seu pai, fundou a CyberSmith, mas, procurando novos desafios no e-commerce, deixou essa empresa em janeiro de 1998. De início, fez uma lista dos produtos mais adequados para comercialização na Internet. Logo descartou produtos comercializados em supermercados. Seu raciocínio se apoiava no custo relativo da expedição e de entrega, referido à margem bruta gerada por esses produtos. A distribuição de produtos volumosos e/ou pesados, com margem pequena, não lhe pareceu atraente. Além disso, geralmente o consumidor precisa ir ao supermercado, em pessoa, para adquirir frutas, iogurte e carne. Nessa circunstância, raciocinava Smith, uma esticada do cliente para pegar outros produtos nas gôndolas parecia ser a situação mais provável. Lançando mão de um relatório da revista Supermarket Business Review, que mostrava as margens brutas de cada categoria de produto, verificou que os setores de beleza e saúde e de remédios sem receita2 apresentavam margens de 30% a 50%, enquanto os demais produtos ofereciam margens de 20% a 27%. Além disso, formavam pacotes de pequeno tamanho e eram fá2
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Nos Estados Unidos, há normalmente dois tipos de remédios nas chamadas drugstores: aqueles que somente são vendidos com a apresentação da receita médica, sendo então preparados por um farmacêutico responsável, e os que podem ser apanhados diretamente nas prateleiras, não exigindo receita. O controle das vendas do primeiro tipo de remédio, ao contrário do que acontece no Brasil, é bastante rigoroso.
ceis de enviar. Notou também que o setor de beleza e saúde envolvia valor informacional bastante expressivo para os consumidores, que podia ser bem explorado na Internet. Mas, ao observar o comportamento dos consumidores, Jed Smith notou que seria também necessário oferecer remédios sujeitos a receita médica. A razão era a mesma que prevalecia nos supermercados: se o cliente precisasse ir a uma drugstore qualquer para comprar esse tipo de remédio, aproveitaria também para fazer outras compras. Além disso, as aquisições de remédios com receita são repetidas ciclicamente: o farmacêutico guarda o documento e prepara uma nova dose quando solicitado pelo paciente. Para isso, o médico estipula a frequência e a duração do tratamento, ao emitir a receita. Ou seja, a reposição do remédio em ciclos de 30 e 60 dias pode levar a uma expressiva economia de tempo e de deslocamento para a clientela. Assim, a ideia de implementar uma drogaria virtual acabou conquistando o jovem empreendedor.
O Setor Farmacêutico nos Estados Unidos O mercado representado pelas drugstores americanas inclui mais de 50.000 unidades comerciais e fatura cerca de US$165 bilhões por ano, assim divididos (Nolan, 2000): G
G
G
G
G
G
Remédios com receita Remédios sem receita Produtos para cuidados pessoais Vitaminas e energéticos Produtos de beleza e cosméticos Total
90 bilhões 20 bilhões 20 bilhões 20 bilhões 15 bilhões 165 bilhões
A empresa líder do setor é a Walgreens, com 2.549 lojas e faturamento de US$15,3 bilhões em 1998, seguida pela CVS, com 4.122 lojas e faturamento de US$15,2 bilhões, e pela Rite Aid, com 3.821 unidades e US$12,7 bilhões de faturamento naquele ano (Shah, 2000). Além da drugstore.com, outras empresas se lançaram também na Internet. A Soma foi a primeira, em 1999, seguida pela drugstore.com e, em seguida, pela PlanetRx. Para a maioria da população americana, as despesas de tratamento médico, tanto para o trabalhador como para sua família, são normalmente cobertas pelo empregador ou, nos casos de trabalho autônomo, pelo sindicato. Para isso, é recolhida uma certa importância do salário de cada funcionário, a qual é complementada pela contribuição do empregador. A administração
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dos serviços de atendimento médico é terceirizada, sendo gerida por organizações específicas, designadas genericamente por MCO (Medical Care Organizations). À medida que o consumo de remédios vendidos contra receita foi crescendo, atingindo níveis elevados no início da década de 1990, surgiram novas organizações especificamente voltadas à administração dessa parte do processo. São genericamente denominadas PBM (Pharmaceutical Benefit Management) e cuidam aproximadamente de 89% de todas as receitas de medicamentos nos Estados Unidos. Uma drugstore convencional apresenta as seguintes características médias (Shah, 2000): está instalada num prédio de aproximadamente 800m2, atendendo pessoas que moram num raio de percurso de cinco minutos de carro e faturando cerca de US$4,6 milhões por ano. A Tabela 4.1 mostra o mix típico de produtos vendidos em drogarias do tipo “tijolos e argamassa”, nos Estados Unidos.
Organização da Empresa Em novembro de 1997, Jed Smith procurou apoio financeiro para montar seu negócio. Uma primeira versão de seu plano foi apresentada aos investidores em janeiro de 1998. Estes últimos manifestaram interesse, mas não ofereceram recursos imediatos para o projeto. Logo depois, um dos executivos do grupo de investidores sondou o diretor-presidente de uma grande cadeia de drogarias tradicional e este mostrou preocupação com a possível entrada de um concorrente na Internet. Essa reação confirmou para os investidores as possibilidades reais do empreendimento. O plano definitivo de Drugstore.com acabou sendo aprovado pelos investidores em junho de 1998. Tabela 4.1
Distribuição da receita nas drugstores americanas
Categoria
% do faturamento
Remédios com receita
48
Remédios sem receita
13
Cosméticos, higiene, artigos de beleza
10
Comestíveis diversos
9
Outros
20
Fonte: Shah, 2000.
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Um pequeno grupo de executivos e técnicos foi escolhido a dedo, iniciando imediatamente a estruturação e o planejamento das atividades da nova empresa. Adicionalmente, foram contratados 40 farmacêuticos, necessários para a preparação dos remédios com receita.
Kal Raman, o executivo responsável pelas operações da Drugstore.com, com experiência anterior em empresas varejistas tais como Wal-Mart e Blockbuster, iniciou suas atividades analisando as interfaces da firma com os consumidores. Notou que o site na Web deveria ser muito mais do que um simples catálogo de produtos. Deveria ser dinâmico, voltado a facilitar as buscas e decisões dos usuários. O grupo de técnicos voltados ao planejamento da interface com os consumidores totalizava sete pessoas. Do outro lado do sistema, os processos de suprimento, preparação das remessas e expedição não fugiam muito dos procedimentos logísticos observados nas empresas do tipo “tijolos e argamassa”, mas precisavam ser cuidadosamente planejados. Assim, 18 funcionários, com experiência nas operações de retaguarda de empresas varejistas, foram recrutados por Kal Raman. Por volta de novembro de 1998, os técnicos da empresa já haviam definido os produtos a serem colocados nas prateleiras virtuais da Drugstore.com. Totalizavam 17.000 SKUs,3 ao contrário de uma drogaria convencional típica, que apresenta cerca de 3.000 SKUs. Para o preparo dos remédios contra receita, são necessários cerca de 3.500 componentes, catalogados e numerados pela NDC (National Dispensing Committee). Na prática, cerca de 90% das receitas são preparadas com aproximadamente 200 componentes. No dia 15 de dezembro de 1998, o setor de beleza e saúde, mais o de remédios sem receita, ficaram prontos. Em fins de janeiro de 1999, o setor de remédios contra receita também foi implementado. Finalmente, em 2 de fevereiro de 1999, a drogaria virtual Drugstore.com foi aberta ao público, na sua forma plena. Os produtos são classificados por setores: beleza e cuidados com o corpo, nutrição e bem-estar, cuidados pessoais, primeiros socorros, farmácia etc. (veja Figura 4.8 e o site www.drugstore.com, na Internet). A foto de cada produto, junto com as demais informações relevantes, é colocada no site da empresa. Tão logo o consumidor termine os procedimentos de compra, um pedido eletrônico é remetido para o centro de distribuição, no qual os produtos adquiridos pelo consumidor são retirados das prateleiras, checados e expedidos. Um dos aspectos vitais a observar, por parte do pessoal do centro de distribuição, é a data de validade dos produtos, que tem de ser efetivamente observada em 100% dos casos. A empresa afirma, em seu site www.drugstore.com, as vantagens de o consumidor adquirir produtos e remédios em sua loja virtual. Em primeiro lugar, é oferecida uma variedade de produtos muito maior do que numa drogaria do tipo “tijolos e argamassa”. A empresa argumenta, por outro lado, 3 SKU (Stock Keeping Units) representa as unidades de estocagem dos diversos produtos comercializados. Por exemplo, há várias marcas de xampu, com vários tipos, diversos tamanhos de embalagem etc. Cada combinação diferente, envolvendo marca, tipo, tamanho etc., implica um local específico para estocagem no depósito. Daí a importância do número de SKUs na logística de distribuição, pois afeta o espaço de armazenagem necessário, custo de estoque, equipes de manuseio e controle etc.
149
que seus preços são competitivos. Em terceiro lugar, destaca os aspectos informacionais positivos de seus serviços: apresentação de dados relevantes sobre os diversos produtos, possibilidade de interação com funcionários da empresa por e-mail ou telefone e realização de compras a distância, com entrega dos produtos na casa do cliente. Lembra, por outro lado, que o consumidor tem a seu dispor uma loja aberta 24 horas por dia, sete dias por semana, acessível diretamente de sua residência ou escritório.
FIGURA 4.8 • Página de rosto da drogaria virtual drugstore.com
À medida que o consumidor se torna um cliente fiel da Drugstore.com, o sistema vai personalizando o atendimento, preparando listas de compras customizadas, relembrando, por meio de e-mail, as datas de reposição de remédios etc. A empresa também fornece a seus clientes informações sobre itens momentaneamente não disponíveis no estoque. Para isso, dados extraídos do sistema de controle dos centros de distribuição são coletados a intervalos de 24 horas e exibidos no site da firma. Isso evita desgastes com os consumidores, que ficam irritados quando adquirem algum produto na Internet, para depois serem informados que o mesmo não está disponível (ver, por exemplo, o caso da eToys, no Capítulo 3).
150
Evolução da Empresa Nos primeiros seis meses de 1999, cerca de 168.000 consumidores foram atendidos na loja virtual da Drugstore.com, com uma receita bruta de US$4,2 milhões, representando uma média de gasto de US$25 por transação. Desde sua fundação até janeiro de 2001, mais de um milhão de clientes fizeram suas compras na Drugstore.com.
Em fevereiro de 2000, a Drugstore.com adquiriu a Beauty.com, Inc., uma empresa ponto-com líder no varejo on-line de produtos de beleza de prestígio. Por outro lado, a Drugstore.com mantém uma parceria estratégica com a Amazon.com, com o fim de intercambiar funções diversas de marketing nos sites das duas empresas. Em termos econômico-financeiros, a Drugstore.com, como a maioria das empresas ponto-com, tem apresentado déficits continuados. Nos primeiros seis meses de 1999, a empresa apresentou um prejuízo operacional de US$29 milhões. Na Tabela 4.2 são mostradas as principais informações econômico-financeiras para esse período. Apesar do déficit operacional, a empresa vem ampliando seus serviços e aumentando suas vendas. Comparado com outros concorrentes na Internet, o site da Drugstore.com tem apresentado um nível de visitas bastante razoável. Em junho de 1999, apresentava 1,6 ponto, enquanto o Planetrx.com tinha 0,9 ponto4, o Vitaminshoppe.com, 0,6, o Enutrition, 0,3 ponto e o Healthshop.com, 1,5 ponto. O Mothernature.com, por sua vez, superou o nível da Drugstore.com, com 2,2 pontos (Nolan, 2000).
Tabela 4.2 Informações econômico-financeiras sobre a drugstore.com (primeiros 6 meses de 1999) Itens
Valores (US$1.000)
Receitas
4.202
Despesas com vendas
5.551
Lucro bruto (prejuízo)
(1.349)
Despesas operacionais:
•
Marketing e vendas
•
Desenvolvimento dos produtos oferecidos
5.942
•
Despesas gerais e administração
3.955
•
Amortização de compensações com base no estoque
2.276
•
Total das despesas operacionais
Prejuízo operacional Receita de aplicações financeiras (juros) Despesas com aplicações financeiras (juros) Prejuízo líquido
16.517
28.690 (30.039) 1.033 (40) (29.046)
Fonte: Nolan, 2000. 4
Cada ponto representa cerca de 600 a 650 mil visitantes por mês.
151
Estrutura Logística
152
Procurando concentrar inicialmente suas atividades naquilo que constitui seu core competence, a Drugstore.com acertou uma parceria com a empresa Walsh Distribution, localizada no Texas, para realizar as operações logísticas. Essa empresa ficou encarregada da distribuição dos produtos que não exigiam receita. Para distribuição dos remédios vendidos contra receita foi escolhida uma empresa tradicional da área, a RxAmerica, também localizada no Texas. A Walsh Distribution recebia os pedidos encaminhados eletronicamente pela Drugstore.com, empacotava os produtos e os despachava via UPS (empresa de entrega rápida dos Estados Unidos) ou via correio. Da mesma forma, se incumbia do recebimento e estocagem, em seu depósito, dos produtos adquiridos dos fornecedores. A Drugstore.com, por sua vez, mantinha um grupo de especialistas nas dependências da Walsh, com a função de monitorar a qualidade dos produtos e a expedição das encomendas. Na sede da Drugstore.com, situada no estado de Washington, se localiza um grupo de farmacêuticos, que atende os clientes que solicitam o serviço “Pergunte a seu Farmacêutico”, oferecido no site da empresa. Todos os remédios vendidos contra receita são adquiridos da RxAmerica, que foi formada através de uma joint-venture das empresas American Stores Company e Long’s Drugs. Os farmacêuticos da Drugstore.com executam todas as fases do tratamento dos pedidos de remédios com receita, mas deixam para os seus colegas da RxAmerica o preparo físico dos medicamentos e seu empacotamento. Em janeiro de 2000, a Drugstore.com inaugurou seu centro de distribuição próprio, localizado em Bridgeport, no estado de New Jersey, com cerca de 27.000m2, deixando de operar com operadores logísticos como a Walsh Distribution, mas realizando a entrega das encomendas via empresas de courier tradicionais. A expedição e a entrega de um pedido são cobradas à parte do preço do produto, variando com a categoria do produto (com receita ou sem receita) e com o tempo de atendimento (lead-time). Na Tabela 4.3, são mostradas as características logísticas de atendimento dos pedidos de produtos sem receitas. A taxa de expedição/entrega depende da urgência do pedido. Quatro tipos de serviço são oferecidos: padrão, 3 dias, 2 dias e 1 dia (overnight). Há um tempo para processar o pedido, isto é, fazer a apanha dos produtos, dar baixa no estoque etc., seguido pelo empacotamento, etiquetagem e expedição. No caso do pedido padrão, a variação no lead-time é significativa, pois oscila de cinco a nove dias. No caso de remédios com receita, o lead-time é expressivamente maior (Tabela 4.4). Isso ocorre porque a farmácia virtual só pode iniciar o processo
após a autorização expressa do médico, que é feita por telefone ou fax. Além disso, como a Drugstore.com não faz o preparo físico dos medicamentos, operação realizada pela RxAmerica, há ainda um tempo adicional de preparação e transferência dos produtos. Esse tempo é menor para reposições (refill), conforme mostrado na Tabela 4.4. Por outro lado, o preço da expedição e entrega, para medicamentos com receita, é bem menor do que os cobrados para produtos sem receita. Isso ocorre em razão de serem, tipicamente, de pequeno volume e pouco peso. Tabela 4.3 Drugstore.com: taxas e tempos de expedição, produtos sem receita médica Expedição padrão
Expedição de 3 dias
Expedição de 2 dias
Expedição de 1 dia (overnight)
Taxa de expedição (US$)
5,99*
12,99**
15,99
29,99
Processamento do pedido (dias)
1a2
0a1
mesmo dia
mesmo dia
Expedição e entrega (dias)
4a7
2a3
2
1
Lead-time total (dias)
5a9
2a4
2
1
*Grátis para compra de $49,00 ou mais. **Ou $6,99 para compra de $49,00 ou mais. (Informações de junho de 2006)
Tabela 4.4 Drugstore.com: taxas e tempos de expedição, produtos vendidos com receita médica Expedição de 3 dias
Expedição de 2 dias
Expedição de 1 dia (overnight)
1,99
9,99
12,99
19,99
Expedição padrão
•
Custo de expedição (US$):
a) Primeira vez
•
Autorização do médico (dias)
8 a 10
5a7
4a6
3a5
•
Processamento farmacêutico (dias)
9 a 11
6a8
5a7
4a8
•
Processamento logístico (dias)
10 a 12
7a9
6a8
5a7
6a8
4a5
3a4
2a3
16 a 20
11 a 14
9 a 12
7 a 10
b) Reposição (refill)
•
Processamento farmacêutico (dias) Lead-time total (dias)
(Informações de junho de 2006)
153
O Problema do Reembolso Um dos problemas enfrentados pela Drugstore.com foi o do reembolso das despesas com remédios vendidos contra receita médica. Nos Estados Unidos, cerca de 80% da população tem cobertura de seguro de saúde, de forma que as despesas com remédios são geralmente reembolsadas. As organizações denominadas PBM (Pharmaceutical Benefit Management) recebem os formulários preenchidos pelas drogarias, verificam os contratos de seguro e liberam os reembolsos para os varejistas. No início, as drogarias on-line preenchiam os documentos de maneira igual às farmácias tradicionais. Logo, porém, as PBMs começaram a cancelar os contratos com as drogarias virtuais. Isso significava que as pessoas seguradas tinham que pagar antecipadamente as despesas dos remédios ao adquiri-los da Drugstore.com, para depois preencher a papelada e conseguir o reembolso junto à PBM. A Drugstore.com foi então obrigada a negociar com a empresa Rite Aid, que serve a mais de 50 milhões de pessoas nos Estados Unidos e que, por sua vez, mantém contratos de parceria com a maioria dos planos de saúde do país. Na verdade, a empresa Rite Aid desejava ter um parceiro na Internet. Como consequência, hoje, cerca de 25% dos US$200 milhões gastos em propaganda anualmente pela Rite Aid faz menção aos serviços da Drugstore.com, de uma forma ou de outra.
Estrutura do Canal de Distribuição O mercado de comercialização de remédios com receita, em que a Drugstore.com opera, é bastante complexo, formando um canal de distribuição híbrido, com diversos participantes atuando em paralelo, como também na vertical. Em linhas gerais, podemos agrupar a atuação desses agentes em cinco categorias distintas: I)
agentes conceituais que tratam do diagnóstico e do tratamento das enfermidades (hospitais, médicos); II) agentes controladores que tratam do seguro de saúde, dos recursos financeiros e do controle do sistema; III) fabricantes e distribuidores que fornecem os produtos ao varejo; IV) varejistas; V) consumidores. O agente conceitual de maior importância nesse processo é o médico, que exerce suas atividades no seu consultório ou no hospital. Cerca de 700.000 médicos atuam profissionalmente nos Estados Unidos, sendo que 70% das consultas resultam numa receita para aquisição de medicamentos. 154
I - Agentes conceituais
II - Agentes controladores Empregador
Hospitais
HMO
Fabricante remédio
Seguro (MCOs) Distribuidor
PBM
Médicos
III - Fabricantes e distribuidores
IV - Varejistas farmácia.com
Internet
Logística
Consumidor
FIGURA 4.9 • Estrutura do canal de distribuição americano para comercialização
de remédios com receita médica
Dentro da categoria II, o processo se inicia com a empresa empregadora do usuário, que normalmente mantém seguro de saúde para seus funcionários. Além das seguradoras, há as HMOs (Health Maintenance Organizations),5 que respondem por mais de 75% dos gastos com saúde no país. Conforme já mencionado, os reembolsos das despesas com remédios são controlados e processados pela PBM, seja através da farmácia, seja diretamente com o consumidor, no caso de não haver convênio da PBM com o varejista. A categoria III envolve os agentes ligados à produção e ao suprimento de remédios, especificamente os laboratórios e os distribuidores, que abastecem o varejo. A categoria IV, por sua vez, corresponde às atividades varejistas, e a V, ao consumidor final.
Questões Propostas 1. Num mercado envolvendo US$165 bilhões por ano, com concorrentes bricks-and-mortar muito fortes, como a Walgreens, a CVS e a Rite Aid, Jed Smith decidiu implantar uma drogaria ponto-com. Resuma sua estratégia e as justificativas para tal decisão, pensando convencer um investidor hipotético a dar suporte financeiro ao projeto. 5
Organizações de Manutenção da Saúde.
155
2. Que vantagens comparativas um consumidor tem ao comprar produtos através da Drugstore.com, considerando: a) apenas remédios com receita; b) apenas produtos e remédios que não exigem receita; c) mix de produtos dos dois tipos? 3. Qual o papel estratégico dos remédios vendidos contra receita no negócio da Drugstore.com? 4. Por que Jed Smith decidiu terceirizar as operações logísticas num primeiro instante e, posteriormente, resolveu implantar e operar seu próprio centro de distribuição? 5. Analise e critique as estruturas de cobrança de taxas de expedição e o lead-time, hoje prevalecentes na Drugstore.com. 6. Leia os trabalhos de Machline e Amaral (1998) e de Almeida (2002) e compare o mercado farmacêutico brasileiro com o americano. Procure, na Internet, empresas ponto-com que operam com produtos similares no Brasil e faça uma comparação com a Drugstore.com no que diz respeito aos canais de distribuição.
BIBLIOGRAFIA Almeida, M. (2002). ‘Medicamentos no Brasil: Os Desafios para Distribuição e Comercialização”, Revista Grupemef, no 70, dezembro de 2002, Almeida, Ana M.P. de (1999). “Sistemas de Canais de Distribuição: Um Estudo de Caso na Indústria Alimentícia Mineira”, Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, SP, vol. 8, n. 8, p. 51-60. Bucklin, J.P. (1963). “Retail Strategy and the Classification of Consumer Goods”, Journal of Marketing, janeiro, 1963. Dolan, R.J. (1992). “Distribution Policy”, Publicação 9-585-045, Harvard Business School.
156
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157
5
Previsão da Demanda
CONCEITUAÇÃO E CARACTERÍSTICAS O planejamento do processo de distribuição depende da antevisão da forma como a demanda dos produtos vai evoluir no futuro. O varejista precisa definir um plano de pedidos aos fornecedores e, estes, precisam programar as encomendas de matéria-prima e de componentes necessários à fabricação de seus produtos. É necessário também prever a mão de obra necessária, instalações fixas, depósitos, recursos financeiros e um sem-número de variáveis que exigem tempo para serem concretizadas. Dessa forma, projeções da demanda bem elaboradas e robustas podem significar ganhos competitivos, econômicos e financeiros para a empresa e para a cadeia de suprimento em que ela se insere. Alguém poderia argumentar que os modernos processos de suprimento, como o JIT, o VMI (Estoque Gerenciado pelo Fornecedor), o Quick Response, entre outros, acabaram eliminando a necessidade de se fazerem projeções, visto que o processo de fabricação e suprimento de produtos funciona não mais na modalidade empurrada (push), mas puxada (pull), respondendo direta e dinamicamente à demanda dos consumidores. Essa afirmação está longe de ser verdadeira. De fato, o sistema pull não funcionará se o planejamento na ponta do varejo, que atende diretamente o consumidor, não se apoiar em projeções bem fundamentadas. Isso porque toda mudança na programação das encomendas de produtos por parte do varejista e do fabricante, com seus pedidos de componentes e matéria-prima aos fornecedores, consome tempo e a
159
resposta desses agentes não é instantânea. O que se faz, na prática, é definir um esquema de previsão o mais preciso possível e ir ajustando as projeções de forma suave e dinâmica ao longo do tempo. O case Sport Obermeyer, apresentado no Capítulo 6, e que envolve um processo dinâmico de previsão da demanda de roupas esportivas, ilustra bem esse ponto. Embora extremamente necessária, a previsão da demanda, por envolver desdobramentos futuros que dependem de aspectos políticos, econômicos e sociais, não só do país, como também do exterior, está necessariamente sujeita a erros. Por outro lado, dependendo dos objetivos da organização, as projeções da demanda podem envolver prazos (ou horizontes) variados. Quando se trata de decisões estratégicas, as projeções são normalmente de longo prazo. Por exemplo, uma montadora de automóveis que pretende instalar uma nova fábrica no país precisa estimar os níveis de venda de veículos por alguns anos. Há também as decisões táticas, que envolvem prazos de alguns meses, normalmente menores do que um ano. Por exemplo, o gerente do depósito de uma cadeia varejista precisa determinar a mão de obra necessária para operá-lo em função dos fluxos de mercadoria, para isso necessitando de projeções mês a mês, durante um determinado período. Finalmente, há o planejamento operacional, feito em nível semanal ou mesmo diário. Por exemplo, o encarregado do transporte no depósito tem que definir as necessidades diárias de veículos para a distribuição física, acionando transportadores autônomos sempre que necessário, para que se apresentem ao serviço no momento programado. Ao se fazerem previsões da demanda, não se pode esperar resultados precisos, pois tudo que envolve decisões humanas (comprar ou não comprar um produto, por exemplo) está sujeito a muitos fatores, como variação na renda dos indivíduos, preços, linhas de crédito, mudanças de hábitos, propaganda etc. Dessa forma, o encarregado de elaborar as projeções deve ter sempre presente alguns pontos importantes, a saber (Chopra e Meindl, 2003; Gonçalves, 2004): G
G
160
As previsões estão sempre sujeitas a erros. Assim, sempre que possível, o analista deve estimar o valor esperado da projeção (valor médio) e uma medida do erro. O case Sport Obermeyer, apresentado no Capítulo 6, ilustra bem este ponto. As projeções de longo prazo são usualmente menos precisas do que as de curto prazo. Isso ocorre porque a economia, os hábitos do consumidor, os efeitos políticos internos e externos etc. normalmente sofrem mudanças num ritmo mais lento ao longo do tempo. Assim, dentro do prazo de algumas semanas ou de alguns meses não se esperam, em geral, mudanças bruscas externas, a não ser as resultantes de
G
causas catastróficas (um terremoto ou um golpe de estado, por exemplo). Mudanças significativas devidas à sazonalidade (alternância entre modas de verão e de inverno e entre safras agrícolas, por exemplo) são normalmente previsíveis dentro de certos limites. Quando se fazem projeções de dados mais agregados, os resultados são normalmente mais precisos. Isto, é claro, se a agregação for feita de forma lógica. Por exemplo, a projeção das vendas de automóveis, com dados agregados ano a ano para todo o Brasil, vai mostrar um erro relativo muito menor do que a previsão realizada separadamente, estado a estado. Muitas vezes, no entanto, os dados desagregados são obtidos de formas diversas, a partir de bases heterogêneas, com periodicidades diferentes etc. Nessas condições, a agregação desses dados, na sua forma bruta, não vai melhorar a precisão dos resultados, e possivelmente poderá torná-los pouco úteis para o uso.
Um aspecto que associa positivamente esta característica com a anterior, é que os dados desagregados, de maior erro, são normalmente utilizados para previsões de curto prazo (táticas ou operacionais), enquanto os dados agregados são mais utilizados em projeções de longo prazo (estratégicas), para as quais não se requer muito detalhamento.
REQUISITOS Ross (1998) indica seis requisitos básicos para a elaboração de uma previsão satisfatória da demanda: G
G
Horizonte da previsão: os executivos de uma empresa ou organização precisam definir linhas de ação cobrindo períodos variáveis, dependendo da natureza das decisões – estratégicas, táticas ou operacionais. Dessa forma, não tem sentido adotar uma projeção de dez anos para apoiar as decisões operacionais diárias do gerente de uma loja de supermercado. Por outro lado, as projeções para balizarem decisões estratégicas (construir novas lojas, por exemplo) não devem cobrir alguns poucos meses, sendo necessárias previsões envolvendo vários anos. Nível de detalhe dos dados: muitas vezes o analista encontra dados num nível de desagregação inadequado para seus objetivos. Por exemplo, para definir em que bairros a empresa vai implantar novas lojas de supermercado numa determinada cidade, é necessário ter informações sobre densidade populacional, distribuição espacial da renda etc. Mas, se os dados disponíveis são apresentados tão somente em nível municipal, as informações mais desagregadas, em nível de
161
G
G
G
162
bairro, precisam ser estimadas indiretamente. A renda familiar, por exemplo, está correlacionada com o consumo de energia elétrica domiciliar, que é um tipo de dado disponível por região e que pode ser conseguido através da concessionária. A desagregação da renda por bairro pode então ser feita indiretamente, com base no consumo de energia. Tamanho da amostra: normalmente o analista, ao fazer suas previsões, se depara com a falta parcial de dados, que cobrem muitas vezes um período de tempo insuficiente para dar consistência às projeções. Noutras vezes se observam mudanças de critérios no registro dos dados ou na forma de classificá-los. Por exemplo, uma grande empresa supermercadista, que agrupa as lojas de acordo com distritos previamente definidos e que, num certo momento, resolve mudar os limites desses distritos, altera assim a forma de agregação das informações. Por ocasião da elaboração das projeções, haverá dificuldade em homogeneizar os dados. Mas há também situações com excesso de informações, e então o analista deve lançar mão de um processo estatístico de amostragem. De uma maneira geral, quanto mais variáveis forem utilizadas nas projeções, maior o número de elementos (valores amostrais) a serem incorporados na análise. Controle das previsões: as previsões da demanda vão cobrir um horizonte mais ou menos longo e, como estão sujeitas a erros, é necessário controlá-las periodicamente, modificando-as quando necessário. Por exemplo, uma empresa projeta as vendas de um determinado produto com base nas informações disponíveis no momento. Após um ano de operação, observa-se que a matéria-prima básica utilizada na fabricação do produto sofreu um ajuste de preço inesperado, o que vai obrigar a um aumento no seu preço. É feita então uma revisão das projeções de vendas para os próximos anos, e assim sucessivamente. Grau de estabilidade: a demanda por alguns tipos de produtos é bastante estável ao longo do tempo, como é o caso do consumo de gêneros alimentícios básicos, entre outros, o sal, o açúcar, o pão. Para outros produtos, o consumo varia muito em função de variáveis exógenas diversas. É o caso de bebidas alcoólicas, roupas, eletrodomésticos, automóveis etc. que dependem da situação econômica do país, da evolução da moda e de outros fatores. Pode-se afirmar como princípio básico associado a este fator que, quanto mais variáveis aleatórias explicarem a evolução da demanda de um determinado produto, maior peso deverá ser atribuído a eventos recentes. Por outro lado, quanto mais estável se mostrar a variação da demanda ao longo do tempo, maior peso deverá ser atribuído aos dados históricos.
G
Planejamento organizado: muitas empresas improvisam o processo de previsão da demanda, adotando métodos diversos de projeção ao longo do tempo, mudando os técnicos que elaboram as análises e não mantendo registros históricos da evolução do processo nem tampouco dos dados utilizados. O ideal, na empresa, é organizar a estrutura de planejamento escolhendo os métodos de previsão com critério e mantendo a memória metodológica e informacional do processo. As mudanças não justificadas na sistemática de elaboração das previsões acabam criando resistências dentro da organização. Não é incomum diretores e gerentes adotarem, nesses casos, suas próprias previsões, gerando desacertos, estoques excessivos ou falta de insumos e produtos.
CLASSIFICAÇÃO DOS MÉTODOS DE PREVISÃO Os métodos de previsão são classificados de formas diversas, dependendo de aspectos básicos que caracterizam a demanda. Listamos, a seguir, as principais classificações, sem a preocupação de sermos exaustivos, para depois analisá-las com mais detalhe adiante, com a inclusão de exemplos. As classificações discutidas e analisadas neste texto não são exclusivas entre si, podendo haver técnicas que se enquadrem simultaneamente em mais de uma categoria: G
G
G
Métodos qualitativos de previsão, em contraposição a métodos quantitativos. Técnicas endógenas de previsão, em contraposição a técnicas exógenas. No primeiro caso, são utilizados dados históricos da própria empresa. No segundo caso, são utilizados dados externos à empresa. Por exemplo, o consumo de pneus no país está ligado à frota total de veículos. Mas uma relação forte é observada entre consumo de pneus e consumo de combustível, pois ambas as variáveis dependem da quilometragem percorrida pela frota. Então, se dispusermos de projeções confiáveis do consumo de combustível, podemos inferir indiretamente o consumo de pneus através dessa variável. Pode-se, obviamente, lançar mão de técnicas mistas, envolvendo os dois tipos de dados. Comportamento estável versus comportamento dinâmico da demanda. A demanda nunca é representada por um valor determinístico, pois, como dissemos, está sujeita a variações de diversos tipos. Mas, mesmo sendo uma variável aleatória, a demanda é considerada estável quando é governada por uma regra bem definida. Por exemplo, a variação temporal da demanda da Figura 5.1 é representada por um
163
900 média = 589 800
Valores mensais
700 600 500 400 300 200 100 0 0
6
12
18
24
36
30
Meses FIGURA 5.1 • Variação da demanda com média constante
valor médio fixo (no caso, igual a 589 unidades), um desvio-padrão facilmente calculável e um tipo de distribuição (no caso, a distribuição normal). Os dois exemplos da Figura 5.2, por sua vez, também apresentam evolução estável da demanda, pois ambos podem ser explicados por funções bem definidas, apresentando tendências nítidas de evolução. Já os produtos de ciclo de vida curto, analisados no case
4500 4000 3500 Tendência exponencial
Valor
3000 2500 2000 1500 1000 Tendência linear
500 0 0
5
10
15
20 Tempo
164
FIGURA 5.2 • Variação da demanda com tendência
25
30
35
40
G
Sport Obermeyer (veja Capítulo 6), mostram um comportamento nitidamente dinâmico, pois sua demanda vai mudando ao longo do tempo em função de variáveis de difícil previsão. Demanda dependente e demanda independente. O consumo de pneus ilustra bem a diferença entre esses dois tipos de demanda. O consumo de pneus na fabricação de automóveis caracteriza uma demanda dependente, pois cada auto sempre recebe cinco unidades. É, assim, uma variável nitidamente dependente da fabricação de veículos.
MÉTODOS DE PREVISÃO A escolha do método mais apropriado para se fazer uma determinada previsão da demanda vai depender da análise criteriosa dos requisitos listados anteriormente, vis-à-vis a situação real do problema. Procuraremos analisar os métodos mais comumente empregados no processo de distribuição. Existem também no mercado softwares especialmente desenvolvidos para essa finalidade. Sistemas do tipo ERP (Enterprise Resource Planning), como SAP, Oracle, Baan e outros, têm rotinas de previsão embutidas.
Métodos Qualitativos Os métodos qualitativos envolvem processos mentais de julgamento sobre possíveis desdobramentos de ações internas e externas, visando definir prováveis cenários futuros para a tomada de decisões. Essa definição fica mais clara com um exemplo. Uma empresa X, fabricante de automóveis, atua num certo país e divide o mercado local com uma única indústria concorrente Y. Um elemento importante na competição entre as empresas concorrentes é o market share, ou seja, a divisão do mercado entre as duas rivais. Verificou-se que, neste exemplo, as variáveis que comandam as vendas dos automóveis são o seu preço e o número de lojas de empresas concessionárias existentes no país. Hoje, a situação vigente nesse mercado é a mostrada na Tabela 5.1, observando-se que a montadora X detém 55% das vendas.
Tabela 5.1
Informações sobre o exemplo de mercado de automóveis
Número de concessionárias
Preço cobrado por carro ($)
Vendas no anobase (autos)
Empresa X
40
21.500,00
330.000
55
Empresa Y
25
20.000,00
270.000
45
600.000
100
Total
Market Share (%)
165
Os executivos da empresa X se reúnem para decidir as ações que a organização vai tomar em relação ao próximo ano. Na primeira parte da reunião, um dos diretores faz um relato do que conseguiu levantar sobre a situação da concorrente, a empresa Y. Diz que o volume total de vendas da rival é baixo quando comparado à capacidade de produção de sua fábrica. O gargalo é o limitado número de concessionárias no país. Há um plano da concorrente para implantar mais cinco lojas, mas não chegaram ainda a um consenso sobre sua localização. Por outro lado, houve uma mudança de gestão na empresa, com um novo presidente vindo recentemente do exterior. E o executivo anda revendo tudo dentro da companhia. A empresa Y apresentou prejuízo nos dois últimos anos, razão da mudança na sua administração. Em conclusão, o diretor conclui que a empresa Y não está em condições de aumentar o número de concessionárias no próximo ano. Outro diretor comenta a questão da disputa de mercado adotada pela empresa Y com relação ao preço do produto. Ressalta que essa política foi a grande responsável pela redução de seus lucros no corrente ano. Visando aumentar o market share, a empresa Y reduziu sensivelmente o preço de seu automóvel, mantendo-o 7% abaixo do preço da concorrente. Acrescentou que há duas correntes na administração da empresa Y: uma, que advoga um incentivo monetário adicional (a cobertura do seguro do veículo por um ano, no valor de $500,00), e outra que insiste em manter o preço no valor atual. A seguir, o diretor de vendas informa que, se o preço do automóvel Y for reduzido para $19.500,00 (preço atual, menos o valor do brinde de $500,00), o market share da empresa X cairá para cerca de 51,5%. O presidente lembra que há um projeto em curso de implantar brevemente mais três concessionárias da marca X. Com isso, respondeu o diretor de vendas, o market share da empresa se manteria em torno de 54,5%, bastante próximo do atual. O diretor-presidente argumenta então que a empresa X não pode perder espaço para a concorrente. Ao contrário, deve aumentar o market share para desencorajar novas investidas predatórias da rival. Por outro lado, o preço um pouco mais elevado de seu produto é entendido pelo mercado como resultado da qualidade da marca e, assim, não vê com bons olhos qualquer redução de preço. Alguém pergunta então se não seria possível instalar mais uma concessionária no próximo ano. O diretor de vendas responde afirmativamente, mas que isso dependeria de o setor de manufatura garantir o nível necessário de produção, visto que a fábrica já está próxima de seu limite de capacidade. Com 44 concessionárias, se o preço do veículo X for mantido no nível atual e o preço do veículo Y cair para $19.500,00, estima-se o market share da empresa X em 55,5%. 166
E se a empresa Y mantiver o preço atual, com mais quatro concessionárias nossas, o que aconteceria?, pergunta o presidente. Nosso market share subiria para perto de 59%, responde o diretor de vendas. “Pois então é o que proponho fazer”, respondeu o presidente. “Vamos manter o preço do carro e implantar mais quatro concessionárias.” O mercado vai crescer a uma taxa de 5% neste próximo ano, completa o diretor de vendas. Isso significa um total de 630.000 veículos. Se o concorrente diminuir o preço, ficaremos com 54,5% do total ou 343 mil veículos aproximadamente, uma expansão de 4%. Mas, se eles mantiverem o preço, poderemos chegar a 372 mil veículos, um aumento de 12,7% em nossas vendas. Vamos nos programar então para esse segundo cenário, concluiu o presidente. As projeções de vendas foram assim realizadas pela empresa X dentro de um esquema nitidamente qualitativo e, ao que tudo indica, de forma consistente e eficaz. Mas alguém poderia argumentar que foram utilizados números na análise (o preço dos veículos e a quantidade de concessionárias). E a presença desses números não daria ao processo decisório a característica quantitativa? Na verdade não foram utilizados modelos quantitativos, matemáticos ou estatísticos, apenas hipóteses mais ou menos subjetivas, o que dá ao processo uma característica qualitativa.
Métodos Quantitativos, Variáveis Endógenas Os métodos quantitativos de previsão, com variáveis endógenas, utilizam dados históricos da própria empresa. Essa forma de se fazer previsões se apoia na ideia de que as condições que prevaleceram no passado continuarão ocorrendo num futuro próximo. Fatores externos, de ordem econômica, política ou concorrencial, não terão tempo para alterar significativamente os rumos da empresa no curto e médio prazo. E, assim, a evolução da demanda tende a seguir o processo observado na própria história da empresa. Para realizar esse tipo de previsão, parte-se de uma série histórica levantada na própria firma e analisa-se inicialmente o comportamento da demanda ao longo do tempo, para isso observando visualmente sua evolução. Podemos utilizar planilhas eletrônicas do tipo Excel ou outras, obtendo gráficos elucidativos do padrão de demanda para o caso em estudo. Depois de analisar visualmente o comportamento da demanda, escolhe-se um modelo de previsão adequado ao caso observado. Séries Históricas sem Variações Sazonais Nesse tipo de análise se observam variações aleatórias na demanda e possíveis tendências de expansão ou contração. Na Figura 5.1 é mostrado o gráfico de variação da demanda com valor médio constante (média de 589 unidades por mês). Nesse caso, as únicas variações esperadas nos valores da demanda são de natureza aleatória. O grau de aleatoriedade é medido através do desvio-padrão,
167
que permite estimar o erro da previsão. O desvio-padrão, calculado para a série de 36 meses mostrada na Figura 5.1, é igual a 103,3.1 Admitindo 95% de certeza (isto é, em 95% dos casos observados a previsão ficará dentro de certos limites), uma tabela da distribuição normal fornece o valor de 1,96 para a variável normalizada. Então, o erro será igual a ± 1,96 × 103,3 ≅ ± 202 unidades. A demanda para o próximo mês ficará, então, entre 589 – 202 = 387 (mínimo provável) e 589 + 202 = 791 unidades (máximo provável). Diz-se que o nível de demanda apresenta tendência quando seu valor for mudando sistematicamente ao longo do tempo. Na Figura 5.2 observamos duas situações. Numa delas a tendência se manifesta de forma linear, ou seja, uma reta pode ser satisfatoriamente ajustada aos dados históricos. Na outra, observa-se uma concavidade na curva, mostrando que a hipótese linear não é correta. Previsões com tendência são normalmente realizadas com base em regressão, que é um processo estatístico bastante conhecido e utilizado em aplicações reais. Nesses dois casos, como a demanda só depende de uma variável – o tempo – utilizamos a regressão simples. Havendo duas ou mais variáveis explicativas (chamadas variáveis independentes), utilizamos a regressão múltipla. Inicialmente vamos analisar o caso com tendência linear exibido na Figura 5.2. Os valores da demanda cobrindo um período de 36 meses são apresentados na Tabela 5.2.
Tabela 5.2 Mês (t)
168
1
Demanda com tendência linear (Figura 5.2) Valor
Mês (t)
Valor
Mês (t)
Valor
1
608
13
1019
25
1282
2
667
14
1008
26
1426
3
855
15
1084
27
1320
4
637
16
1145
28
1537
5
734
17
982
29
1315
6
698
18
989
30
1505
7
807
19
1182
31
1607
8
824
20
1181
32
1586
9
767
21
1218
33
1535
10
875
22
1265
34
1765
11
898
23
1344
35
1587
12
913
24
1394
36
1687
A média e o desvio-padrão foram calculados no Excel.
A fórmula para ajuste através da regressão linear simples é a seguinte: (5.1)
Dt = a + b × t,
onde Dt é o valor da demanda observado no mês t (ver Tabela 5.2), t é o tempo em meses, sendo a e b constantes a serem ajustadas estatisticamente através da regressão. Para ajustarmos a expressão 5.1 aos dados históricos, utilizamos um pacote de estatística denominado Statistica, versão 6.0, em que os dados para análise são importados diretamente do Excel. Os resultados da regressão são apresentados na Tabela 5.3.
Tabela 5.3
Resultados da regressão, tendência linear
Elemento
Valor ajustado
Estatística t
a
576,78
22,75
b
30,75
25,73
Graus de liberdade
34
R2
0,950
Na regressão, R2 é o coeficiente de determinação, que representa o quociente entre a variância explicada pela regressão e a variância total. Quanto mais perto da unidade estiver R2, melhor o resultado do ajuste. No caso, tem-se R2 = 0,950, valor bastante satisfatório para análises desse tipo. A estatística t (chamada também t de Student) é utilizada para verificar se o coeficiente ajustado tem significância estatística. Para utilizar o teste t é preciso conhecer os graus de liberdade do processo de ajuste estatístico. Neste caso, ajustamos dois coeficientes através da regressão: a e b. Utilizamos, por outro lado, 36 conjuntos independentes de dados, correspondentes a cada mês, conforme indicado na Tabela 5.2. Então, dos 36 graus de liberdade iniciais, dois foram utilizados para determinar os coeficientes a e b, restando, assim, 34 graus de liberdade. Entrando numa tabela da distribuição de Student,2 vemos que o valor crítico, para 34 graus de liberdade, com nível de confiança de 99%, é 2,576. E os valores da estatística t, tanto para a como para b, são bem superiores a 2,576, indicando serem esses dois coeficientes estatisticamente significativos com 99% de certeza. Uma vez de posse da expressão 5.1 ajustada, podemos fazer previsões. Isso pode ser feito aplicando diretamente a expressão 5.1 com os valores de a e b extraídos da Tabela 5.3 ou através do pacote estatístico. Para o mês seguinte (mês 37), o modelo linear de previsão indica o seguinte resultado: 2
Disponível em livros de Estatística.
169
•
Valor esperado (média):
1715
•
Valor mínimo (com 95% de certeza):
1663
•
Valor máximo (com 95% de certeza):
1766
Normalmente a demanda está relacionada ao comportamento de pessoas, representando, na maioria dos casos, vendas de produtos e serviços. Por outro lado, a demanda depende muito da expansão da economia de um país ou região, que faz crescer o nível de renda da população. E essas duas variáveis básicas – população e renda – normalmente crescem de forma exponencial. Em função disso, grande parte dos casos de evolução da demanda mostra tendência exponencial, como a mostrada na Figura 5.2. Para esses casos a expressão genérica para evolução da demanda é a seguinte: Dt = a × (1 + )t,
(5.2)
onde Dt é o valor da demanda observado no mês t, t é o tempo em meses, sendo a e β constantes a serem ajustadas estatisticamente através da regressão. O coeficiente β representa a taxa média de expansão da demanda por unidade de tempo (no caso, a unidade de tempo é o mês). Os valores da demanda, para o caso de tendência exponencial mostrado na Figura 5.2 e cobrindo um período de 36 meses, são apresentados na Tabela 5.4.
Tabela 5.4
170
Demanda com tendência exponencial (Figura 5.2)
Mês
Valor
Mês
Valor
Mês
Valor
1
685
13
1023
25
1874
2
665
14
1128
26
2145
3
871
15
1150
27
2195
4
700
16
1349
28
2112
5
765
17
1282
29
2305
6
643
18
1373
30
2465
7
915
19
1544
31
2513
8
927
20
1518
32
2653
9
897
21
1677
33
2910
10
1053
22
1659
34
3098
11
972
23
1667
35
3064
12
685
24
1786
36
3407
Neste caso, o modelo matemático não é linear. Uma vez que a regressão exige linearidade da função a ser ajustada, torna-se necessário línearizar a função. Isso é feito aplicando logaritmos à expressão 5.2: ln(Dt) = ln(a) + ln(1 + ) × t
(5.3)
Antes de aplicar o pacote de estatística, determinamos, no Excel, os logaritmos neperianos dos valores da demanda. Para tornar mais clara a análise, vamos reescrever a expressão 5.3 da seguinte forma: Dt* = a* + * × t ,
(5.4)
onde Dt*= ln(Dt), a* = ln(a) e β* = ln(1 + β). Efetuando a regressão linearizada simples indicada em 5.4, obtivemos os resultados apresentados na Tabela 5.5. O valor R2 = 0,982 é bastante satisfatório e os dois coeficientes ajustados (a* e β*) são significativos a 99% de acordo com a estatística t. Calculando os inversos dos logaritmos, obtemos a = INV(ln(a*)) = 611,43
e
1 + β = INV(ln(β*)) = 1,0491
e a taxa de crescimento exponencial da demanda é β* = 1,0491 – 1 = 0,0491 ou 4,91% ao mês. A expressão ajustada da demanda é, então, Dt = 611,43 × (1,0491)t Tabela 5.5
(5.5)
Resultados da regressão, tendência exponencial
Elemento
Valor ajustado
Estatística t
a*
6,41581
275,07
*
0,04794
43,61
Graus de liberdade
34
R2
0,982
Uma vez de posse da expressão ajustada 5.5, podemos fazer previsões. Isso pode ser feito aplicando diretamente a expressão 5.5 ou através do pacote estatístico. Para o mês seguinte (mês 37), o modelo exponencial de previsão indica o seguinte resultado: 171
•
Valor esperado (média):
3.603
•
Valor mínimo (com 95% de certeza):
3.436
•
Valor máximo (com 95% de certeza):
3.778
Incorporando a Sazonalidade: Médias Móveis Muitos tipos de produto apresentam oscilações da demanda devidas a fenômenos sazonais, tais como clima, colheita, época de festas etc. Assim, sorvetes, refrigerantes e cerveja têm seu pico de demanda no verão, roupas de inverno vendem durante os meses frios, e artigos alimentícios de Natal (panetone, castanhas) nas festas de fim de ano. A curva que representa a demanda desses tipos de produtos tende a apresentar oscilações de forma repetida, como, por exemplo, a mostrada na Figura 5.3. O método de previsão baseado na média móvel, que vamos analisar nesta seção, permite incorporar essas oscilações sazonais no modelo de previsão. Na Figura 5.3 e na Tabela 5.6 temos a variação das vendas de um produto ao longo de 18 meses. Observamos que a demanda apresenta uma oscilação periódica de três meses, muito embora se notem também variações aleatórias ao longo do tempo. Mas o ciclo trimestral é bastante nítido no gráfico. A média móvel, cujo cálculo discutiremos a seguir, visa separar o efeito sazonal dos demais fatores que atuam no processo de previsão, facilitando o ajuste do modelo. 1600 Média móvel trimestral
Demanda
1400 1200 1000 800 600 400 200 0 0
3
6
9 Meses
FIGURA 5.3 • Demanda com variações sazonais
172
12
15
18
Tabela 5.6 Tempo t (meses)
Exemplo de média móvel trimestral Vendas do produto
Média móvel trimestral
1
614
–
2
1288
781,7
3
443
812,7
4
707
859,3
5
1428
876,7
6
495
919,7
7
836
819,3
8
1127
787,0
9
398
737,7
10
688
787,3
11
1276
816,3
12
485
846,7
13
779
831,7
14
1231
813,0
15
429
823,3
16
810
807,3
17
1183
826,3
18
486
–
Sejam D1, D2, ..., Dn os valores da venda do produto nos meses 1,2,...,n, mostrados na Tabela 5.6. Seja m a periodicidade da média móvel. No nosso exemplo, fazemos m = 3, que é o ciclo nas variações da demanda observado na Figura 5.3, ao longo dos meses. Para determinar os valores da média móvel, tomamos a sequência de valores dados por: D1 + D2 + D3 D2 + D3 + D4 D3 + D4 + D5 , , , ... 3 3 3
(5.6)
Ou seja: 1. Somamos os três primeiros valores e calculamos a média aritmética; 2. Subtraímos o primeiro valor (D1) da série, adicionamos o seguinte (D4) e calculamos a média aritmética; 3. Repetimos essas operações até se esgotarem os valores das vendas. Assim, para os valores apresentados na Tabela 5.6, são feitos os seguintes cálculos:
173
D1 + D2 + D3 614 + 1288 + 443 = 781,7 = 3 3 D2 + D3 + D4 1288 + 443 + 707 = 612,7 = 3 3 D1 + D2 + D3 443 + 707 + 1428 = 859,3 etc. = 3 3 Cada valor calculado da média móvel é colocado na linha correspondente à posição média. Ou seja, o primeiro valor da média móvel é calculado considerando as demandas D1, D2, D3 e, assim, a respectiva média móvel é colocada na posição média entre 1, 2 e 3, ou seja, a posição 2, e assim por diante. Os resultados desses cálculos são apresentados na terceira coluna da Tabela 5.6. Observamos, na Tabela 5.6, que a média móvel não apresenta valores nas extremidades da série. Assim, para cálculo de médias móveis com periodicidades maiores,3 é preciso dispor de uma série de dados mais ampla, visto que há uma perda sensível de informação nas extremidades. O próximo exemplo ilustra bem esse aspecto. Uma vez determinados os valores da média móvel trimestral, colocamo-los no gráfico da Figura 5.3. Observamos que a média móvel tende a suavizar bastante as oscilações sazonais da demanda. Noutras palavras, a média móvel filtra as informações contidas nos valores originais, reduzindo de muito, ou mesmo eliminando, os efeitos sazonais. Mas, qual a utilidade dessa constatação? É o que veremos a seguir num caso mais realista. Uma indústria fabrica um produto que é utilizado intensivamente na agricultura, e cujas vendas apresentam variações sazonais com ciclo anual (12 meses). A Figura 5.4 e a Tabela 5.7 apresentam os valores históricos da venda do produto durante um período de 60 meses. Na Figura 5.4, que representa esses dados ao longo do tempo, observamos que: G
G
174
Há uma nítida repetição de um padrão de oscilação da demanda ao longo dos anos, indicando que as vendas do produto apresentam uma variação sazonal de doze meses; Observa-se, também, uma tendência de crescimento da demanda ao longo do tempo, mas as oscilações sazonais tornam difusas as informações sobre essa característica importante da série histórica (isto é, a tendência).
Tabela 5.7 t (mês)
Média móvel de doze meses
Ano
Vendas
Média móvel de 12 meses
t (mês)
Ano
Vendas
Média móvel de 12 meses
1
1
605
–
31
3
1795
1978
2
1
252
–
32
3
2938
1979
3
1
1622
–
33
3
2524
1989
4
1
2588
–
34
3
2249
2047
5
1
2518
–
35
3
1441
2091
6
1
2252
1630
36
3
1165
2113
7
1
1786
1639
37
4
830
2125
8
1
1991
1640
38
4
286
2113
9
1
1680
1647
39
4
1939
2124
10
1
1872
1678
40
4
4054
2154
11
1
1343
1676
41
4
3485
2180
12
1
1056
1670
42
4
2648
2193
13
2
707
1661
43
4
1943
2191
14
2
268
1696
44
4
2787
2194
15
2
1709
1738
45
4
2663
2182
16
2
2954
1764
46
4
2609
2164
17
2
2494
1766
47
4
1748
2160
18
2
2187
1778
48
4
1327
2204
19
2
1675
1791
49
5
805
2204
20
2
2406
1792
50
5
321
2230
21
2
2192
1801
51
5
1799
2231
22
2
2178
1835
52
5
3830
2222
23
2
1372
1874
53
5
3457
2242
24
2
1201
1890
54
5
3152
2249
25
3
857
1900
55
5
1953
–
26
3
205
1944
56
5
3101
–
27
3
1816
1972
57
5
2666
–
28
3
3353
1978
58
5
2510
–
29
3
2964
1984
59
5
1982
–
30
3
2381
1981
60
5
1413
–
Vamos mostrar, com este exemplo, como se separam os efeitos da sazonalidade, da tendência de expansão da demanda e do componente aleatório.
175
4500
Vendas mensais
4000 3500 3000 2500 2000 1500 1000 500 0 0
6
12
18
24
30
36
42
48
54
60
66
Meses FIGURA 5.4 • Demanda com variação sazonal de doze meses
A média móvel de doze meses é calculada da mesma forma com que foi determinada a de três meses, mas tomando agora 12 elementos sucessivos da série e depois tirando a média aritmética. O primeiro valor da média móvel é dado por: D1 + D2 +...+ D11 + D12 = 1630 , 12 que é colocado na posição 6 da Tabela 5.7, e assim sucessivamente. Notamos, no entanto, que, sendo a periodicidade de ordem par (m = 12 neste caso), o valor acima indicado deveria ser colocado, na Tabela 5.7, entre as posições 5 e 6, de forma a manter a simetria posicional. De fato, ao colocar o valor 1630 na linha 6, ocorre uma situação de assimetria dos valores utilizados em relação àquela posição: cinco posições para trás (de 1 a 5) e seis posições para a frente (de 7 a 12). Há uma maneira mais correta de calcular e localizar os valores da média móvel para os casos em que m é par. No entanto, como a periodicidade é relativamente alta (m = 12), o erro ocasionado pela assimetria é pouco significativo. Livros de estatística (Spiegel, 1972, por exemplo) costumam apresentar métodos mais completos para cálculo da média móvel. Os valores da média móvel de 12 meses extraídos da Tabela 5.7 são colocados agora na Figura 5.5, junto com os dados originais da demanda. Observamos que a curva da média móvel de doze meses não apresenta mais as flutuações mostradas no gráfico original. Esse processo é denominado regularização de séries temporais (Spiegel, 1972). Notamos agora, com bastante clareza, que há uma nítida tendência de crescimento da demanda ao longo do tempo. E podemos medir essa tendência aplicando regressão sobre os valores da média móvel. 176
4500
Valores observados
Vendas mensais
4000
Média móvel de 12 meses
3500 3000 2500 2000 1500 1000 500 0 0
6
12
18
24
30
36
42
48
54
60
Meses FIGURA 5.5 • Gráfico da média móvel de doze meses
A regressão, neste caso, é idêntica à da expressão 5.2, sendo a variável dependente, agora, a média móvel: MMt = a × (1+ )t
(5.7)
Aplicando a regressão aos valores da média móvel extraídos da Tabela 5.7, em função do tempo t, foram obtidos a = 1563,09 e β = 0,007466, com R2 = 0,965, sendo os dois coeficientes estatisticamente significativos com 99% de certeza. A equação 5.7 traduz, então, o efeito regularizado da tendência de crescimento da demanda, isolando-o das oscilações aleatórias e sazonais. Vamos determinar agora os coeficientes de correção que levam em conta as variações sazonais. Em primeiro lugar, calculamos os valores estimados da média móvel, mês a mês, para isso utilizando a equação 5.7, com os valores de a e β determinados através da regressão. Esses valores estão lançados na coluna (d), da Tabela 5.8. Na coluna (c) da Tabela 5.8, repetimos os valores históricos das vendas, extraídos da Tabela 5.7. Dividimos agora os valores da coluna (c) pelos valores da coluna (d), e lançamos os resultados na coluna (e), formando assim o coeficiente g, na Tabela 5.8. O coeficiente g representa a relação entre a venda do mês t e a média móvel estimada para aquele mês. Uma vez calculados os valores de g, na Tabela 5.8, calculamos os coeficientes médios de ajuste mensal relacionados à sazonalidade. O cálculo é realizado mês a mês, conforme mostrado na Tabela 5.9. Para o mês 1 (janeiro), tomamos os valores de g correspondentes às linhas 1, 13, 25, 37 e 49 da Tabela 5.8, que representam o primeiro mês de cada ano. Tiramos a média aritmética desses cinco valores e a lançamos na última coluna da Tabela 5.9. Repetimos a operação para os meses restantes, e o resultados são os coeficientes de ajuste sazonal, denominado fmês.
177
Tabela 5.8 (a) Mês
(b) Ano
Coeficientes de flutuação sazonal
(c) (d) (e) Vendas Média móvel* g**
(b) Ano
(c) Vendas
(d) (e) Média móvel* g**
1
1
605
1575
0,384
31
3
1795
1968
0,912
2
1
252
1586
0,159
32
3
2938
1983
1,482
3
1
1622
1598
1,015
33
3
2524
1998
1,263
4
1
2588
1610
1,607
34
3
2249
2013
1,117
5
1
2518
1622
1,552
35
3
1441
2028
0,711
6
1
2252
1634
1,378
36
3
1165
2043
0,570
7
1
1786
1647
1,085
37
4
830
2058
0,403
8
1
1991
1659
1,200
38
4
286
2074
0,138
9
1
1680
1671
1,005
39
4
1939
2089
0,928
10
1
1872
1684
1,112
40
4
4054
2105
1,926
11
1
1343
1696
0,792
41
4
3485
2120
1,644
12
1
1056
1709
0,618
42
4
2648
2136
1,240
13
2
707
1722
0,411
43
4
1943
2152
0,903
14
2
268
1735
0,155
44
4
2787
2168
1,285
15
2
1709
1747
0,978
45
4
2663
2184
1,219
16
2
2954
1761
1,678
46
4
2609
2201
1,186
17
2
2494
1774
1,406
47
4
1748
2217
0,788
18
2
2187
1787
1,224
48
4
1327
2234
0,594
19
2
1675
1800
0,930
49
5
805
2250
0,358
20
2
2406
1814
1,327
50
5
321
2267
0,142
21
2
2192
1827
1,200
51
5
1799
2284
0,788
22
2
2178
1841
1,183
52
5
3830
2301
1,664
23
2
1372
1855
0,740
53
5
3457
2318
1,491
24
2
1201
1868
0,643
54
5
3152
2336
1,350
25
3
857
1882
0,455
55
5
1953
2353
0,830
26
3
205
1896
0,108
56
5
3101
2371
1,308
27
3
1816
1911
0,950
57
5
2666
2388
1,116
28
3
3353
1925
1,742
58
5
2510
2406
1,043
29
3
2964
1939
1,528
59
5
1982
2424
0,818
30
3
2381
1954
1,219
60
5
1413
2442
0,579
*Estimada através da expressão 5.7. **Divisão da coluna (c) pela coluna (d).
178
(a) Mês
Finalmente, o modelo de previsão da demanda é formado pela junção do ajuste da tendência, dado pela equação 5.7, com a correção de sazonalidade dada pelo coeficiente fmês: Dt = fmês × a × (1 + )t
(5.8)
com a = 1563,09, β = 0,007466, e onde o coeficiente fmês corresponde aos valores indicados na Tabela 5.9. Podemos, agora, aplicar o modelo para determinar as previsões mensais para o sexto ano. Os valores de t variam agora de 61 a 72, fornecendo o componente de tendência na Tabela 5.10 (coluna b). Os valores do coeficiente fmês foram extraídos da última coluna da Tabela 5.9. Finalmente, as previsões de venda mensais são calculadas multiplicando as colunas (b) e (c) da Tabela 5.10 e lançadas na coluna (d). O total de vendas do produto previsto para o sexto ano é de 30.600 unidades, sendo as previsões mensais indicadas na coluna (d) da Tabela 5.10. Tabela 5.9
Determinação do coeficiente de ajuste sazonal fmês
Mês
Ano
fmês
1
2
3
4
5
1
0,384
0,411
0,455
0,403
0,358
0,402
2
0,159
0,155
0,108
0,138
0,142
0,140
3
1,015
0,978
0,950
0,928
0,788
0,932
4
1,607
1,678
1,742
1,926
1,664
1,724
5
1,552
1,406
1,528
1,644
1,491
1,524
6
1,378
1,224
1,219
1,240
1,350
1,282
7
1,085
0,930
0,912
0,903
0,830
0,932
8
1,200
1,327
1,482
1,285
1,308
1,320
9
1,005
1,200
1,263
1,219
1,116
1,161
10
1,112
1,183
1,117
1,186
1,043
1,128
11
0,792
0,740
0,711
0,788
0,818
0,770
12
0,618
0,643
0,570
0,594
0,579
0,601
A Figura 5.6 mostra a variação da demanda ao longo do tempo, onde se pode observar visualmente que o ajuste do modelo à série histórica de vendas é bastante satisfatório. É apresentado também o gráfico de projeção das vendas para o sexto ano, notando-se que acompanha satisfatoriamente o esquema observado historicamente. Na literatura especializada são encontrados métodos de cálculo das médias móveis mais sofisticados, como o da média móvel ponderada, além de outros. O livro de Pole, West e Harrison
179
5000
Previsão
Valores observados Valores estimados pelo modelo
4500
Vendas mensais
4000 3500 3000 2500 2000 1500 1000 500 0 0
6
12
18
24
30
36
42
48
54
60
66
72
Meses FIGURA 5.6 • Ajuste do modelo de médias móveis aos valores observados e projeções
(1994) apresenta processos bastante avançados de análise de séries temporais, com vários exemplos de aplicação. Tabela 5.10 Previsões das vendas utilizando o método das médias móveis (a) Mês
(b) Componente de tendência
(c) fmês
1
2460
0,402
989
2
2479
0,140
347
3
2497
0,932
2327
4
2516
1,724
4337
5
2535
1,524
3863
6
2554
1,282
3274
7
2573
0,932
2398
8
2592
1,320
3421
9
2611
1,161
3031
10
2631
1,128
2968
11
2650
0,770
2040
12
2670
0,601
1605
Total * Coluna (b) multiplicada pela coluna (c)
180
(d)* Previsão das vendas
30600
Previsão Dinâmica: Método do Amortecimento Exponencial A utilização do método de médias móveis, embora bastante robusto e adequado, apresenta três limitações. Em primeiro lugar, o cálculo da média móvel, principalmente com componente sazonal, exige o registro de uma série extensa de dados, como, por exemplo, o caso que acaba de ser analisado. Em segundo lugar, à medida que se faz necessária uma grande quantidade de dados históricos, possíveis mudanças na tendência de evolução da demanda ficam diluídas na grande quantidade de dados passados. Ou seja, a grande quantidade de dados históricos mascara os possíveis efeitos súbitos de mudanças na demanda. Finalmente, o método da média móvel dá igual peso às informações antigas e às recentes. Hoje, com a grande volatilidade observada no mercado consumidor, sujeito a oscilações econômicas e impactos políticos, tanto internos como externos, tornou-se necessária a utilização de métodos de previsão mais dinâmicos, que deem maior peso às mudanças observadas recentemente. O método de amortecimento exponencial é um deles. Ele permite que o analista aloque pesos para ponderar dados históricos passados e informações recentes, de maneira a melhor refletir formas de evolução da demanda, incluindo tendência e sazonalidade. Por outro lado, ao contrário da técnica de médias móveis, o método de amortecimento exponencial requer poucos registros de dados para fornecer previsões. O processo de previsão da demanda é dinâmico, pois permite ajustá-lo facilmente às novas condições de mercado observadas no momento da análise. Num certo momento t, o valor da projeção exponencialmente amortecida, para o período t+1, é dada pela seguinte expressão: At+1 =
Dt + (1 – ) At
com 0
1
(5.9)
onde At+1 é a previsão exponencialmente amortecida para o período t+1, Dt é a demanda realmente observada no momento t, e α é uma constante de amortecimento. No início da série, como ainda não temos o valor de At, fazemos A1 = D1. O valor de α é escolhido de forma a dar maior ou menor peso aos valores recentemente observados. Quanto mais próximo da unidade estiver o valor de α, maior o peso atribuído à demanda recente. De fato, se α = 1, as informações passadas, acumuladas no valor de At, não vão afetar a previsão, visto que At é multiplicado por zero na expressão 5.9. Ao contrário, quando α = 0, somente a demanda atual Dt afetará a previsão. A escolha do valor de α depende muito das observações passadas, mas alguns autores indicam fórmulas para ajustá-lo (Ross, 1996). 181
Quando a série apresenta tendência, como vimos anteriormente, é possível agregá-la ao modelo de amortecimento exponencial, melhorando a qualidade das previsões. Para tendência linear, a fórmula modificada é a seguinte: At+1 =
(Dt + St) + (1 – ) (At + St)
com 0
1
(5.10)
onde St é o valor da tendência observada no período t, dada por: St = S0 + t,
(5.11)
sendo S0 e β constantes ajustadas por regressão. Para tendência exponencial, a fórmula do modelo de amortecimento exponencial modificado é a seguinte: At+1 = Dt + (1 + tx) + (1 – α) At (1 + tx) = = [ Dt + (1 – ) At] (1 + tx), com 0 1,
(5.12)
onde tx é a taxa de expansão da demanda por unidade de tempo. Tomemos um exemplo ilustrativo, em que dispomos dos dados de vendas cobrindo um período sucessivo de 60 meses. Os dados são apresentados na coluna (b), da Tabela 5.11. Uma análise preliminar desses dados mostrou que as vendas vêm crescendo a uma taxa média mensal de 1,5% ao mês, ou seja, há uma tendência exponencial com tx = 0,015. Adotando α = 0,45, e aplicando recursivamente a equação 5.12, obtemos os valores das previsões de vendas, mês a mês, segundo o modelo de amortecimento exponencial, e que estão indicados na Tabela 5.12. Conforme visto anteriormente, A1 = D1 = 600 neste caso. Na Figura 5.7 são mostradas as variações das vendas e das previsões amortecidas durante os 60 meses. Observa-se o bom ajuste do modelo aos dados observados. Mas as vantagens deste método estão centradas, de fato, no caráter dinâmico das previsões. Para ilustrar esse ponto, vamos supor que, inesperadamente, no mês 25, as vendas cresçam 50%, mantendo essa proporção durante o período de um ano. O resultado é mostrado na Figura 5.8. Observamos que as previsões acompanham a curva da demanda, passando para um patamar superior, paralelo à primeira, sem que seja necessário refazer o ajuste do modelo. De fato, o modelo é autoajustável, dando um caráter dinâmico às previsões. Notamos também uma certa defasagem na resposta do modelo ao repentino crescimento da demanda. Isso ocorre porque o salto brusco nas vendas pode representar uma situação isolada e momentânea (uma campanha de liquidação de estoques, por exemplo), seguida da volta à situação normal imediatamente depois. Mas, à medida que as vendas continuam elevadas, o modelo vai se aproximando rapidamente da curva de dados reais. O mesmo ocorre no processo inverso, quando o nível de vendas retorna à situação inicial. 182
Tabela 5.11 Modelo de amortecimento exponencial, com componente tendencial Mês t
Dt
At
Mês t
Dt
At
1
600
600
31
968
1014
2
603
609
32
1106
1008
3
605
615
33
1057
1068
4
636
620
34
1083
1079
5
595
637
35
996
1097
6
650
627
36
1072
1067
7
636
647
37
1061
1085
8
639
652
38
1178
1091
9
590
656
39
1194
1147
10
715
636
40
1286
1186
11
779
681
41
1218
1249
12
716
736
42
1286
1254
13
669
738
43
1274
1287
14
758
718
44
1356
1301
15
808
747
45
1148
1345
16
755
786
46
1326
1275
17
843
784
47
1258
1318
18
774
822
48
1240
1310
19
778
813
49
1298
1298
20
789
809
50
1405
1317
21
814
812
51
1248
1377
22
897
825
52
1410
1339
23
907
825
53
1509
1391
24
973
875
54
1431
1466
25
919
933
55
1454
1472
26
970
940
56
1478
1486
27
941
968
57
1464
1505
28
981
970
58
1511
1509
29
956
990
59
1604
1532
30
1011
989
60
1593
1588
Métodos Quantitativos, Variáveis Extrínsecas Em muitos casos as variações da demanda são mais dependentes de fatores externos à empresa do que simplesmente em função dos dados históricos ob183
servados internamente a ela. Por exemplo, citamos anteriormente o caso do consumo de pneus, que está fortemente ligado ao consumo de combustíveis, pois ambas as variáveis dependem da quilometragem percorrida pela frota. Se dispusermos de projeções confiáveis do consumo de combustível, poderem inferir indiretamente o consumo de pneus através dessa variável exógena. Muitas vezes a venda de produtos está relacionada com a expansão da economia, sendo o PIB de um país ou de uma região uma boa variável exógena para explicar o fenômeno. 1800 1600 1400
Vendas
1200 1000 800 600 400
Demanda observada Demanda estimada pelo modelo
200 0 0
6
12
18
24
30
36
42
48
54
60
Meses FIGURA 5.7 • Ajuste do modelo de amortecimento exponencial
Nosso exemplo está relacionado novamente com a venda de automóveis, e envolve regressão linear simples. Uma empresa X, fabricante de automóveis, possui uma fábrica num determinado país e disputa o mercado local com uma concorrente Y. As duas comercializam um único tipo de veículo, da mesma classe. Os executivos da empresa X precisam estimar as vendas de veículo para o ano próximo de forma a planejar a produção, os planos de venda e o fluxo de caixa. Foi observado que as vendas de veículos dependem fortemente da evolução do PIB do país. São disponíveis dados anuais nos últimos 12 anos, conforme mostra a Tabela 5.12. Observa-se que o país em questão mostrou uma fase de expansão econômica entre os anos 2 e 4 e, depois, sofreu uma crise durante alguns anos, com a economia voltando a crescer entre os anos 8 e 12, mas a taxas menores. 184
1800 1600 1400
Vendas
1200 1000 800 600 400
Demanda observada Demanda estimada pelo modelo
200 0 0
6
12
18
24
30
36
42
48
54
60
Meses FIGURA 5.8 • Ajuste do modelo de amortecimento exponencial quando ocorre
um repentino salto na demanda
Tabela 5.12 Evolução das vendas de automóveis em função do PIB (1) Evolução do PIB em relação ao ano anterior (%)
(2) PIB acumulado (ano 1 = 1000)
(3) Total de autos vendidos no país
1
–
100,0
15701
2
+ 8,1
108,1
16597
3
+ 7,2
115,9
18277
4
+ 11,2
128,9
19778
5
+ 1,6
130,9
22237
6
– 6,0
123,1
18776
7
– 2,0
120,6
19830
8
+ 1,0
121,8
19209
9
+ 1,5
123,6
19916
10
+ 2,8
127,1
19939
11
+ 3,5
131,6
21354
12
+ 5,0
138,1
22078
Ano
Para a análise precisamos do PIB acumulado, que é obtido admitindo-se um valor-base igual a 100 para o ano 1, e depois aplicando sucessivamente as taxas percentuais, ano a ano. Por exemplo, para o ano 2 temos:
185
PIB do ano anterior: Acréscimo de 8,1%: PIB, ano 2: PIB do ano 3: PIB do ano anterior: Acréscimo de 7,2%: PIB, ano 3:
100,0 8,1 108,1 108,1 7,8 115,9
E assim por diante. Os valores acumulados do PIB estão lançados na coluna (2), da Tabela 5.12. Para relacionar a venda de autos com o PIB do país, adotamos a seguinte função: Dt = c × (PIBt)b ,
(5.13)
onde Dt representa o total de autos vendidos no ano t (coluna 3, Tabela 5.12), PIBt é o PIB acumulado correspondente ao ano t, sendo c e b constantes a ajustar via regressão. Para fazer o ajuste dessa regressão simples, linearizamos a expressão 5.13, o que é feito aplicando logaritmos: lnDt = ln c + b ln(PIBt)
(5.14)
Utilizando o pacote Statistica, obtivemos os resultados indicados na Tabela 5.13. Tabela 5.13 Ajuste estatístico da expressão 5.14 por meio de regressão Elemento
Valor ajustado
Estatística t
ln c
4,469412
8,979
b
1,124
10,855
Graus de liberdade
10
R2
0,922
No caso, observa-se R2 = 0,922, valor bastante satisfatório para análises desse tipo. Entrando numa tabela da distribuição de Student, vemos que o valor crítico para dez graus de liberdade, com nível de confiança de 99%, é 3,169. E os valores da estatística t, tanto para ln c como para b, são superiores a 3,169, indicando que esses dois coeficientes são estatisticamente significativos. 186
A partir de ln c apresentado na Tabela 5.13, tiramos c = 87,30 (valor da função inversa ln), e assim a função ajustada da demanda é Dt = 87,30 × (PIBt)1,12
(5.15)
Se aplicarmos a expressão 5.15 para os doze anos passados, entrando para isso com os valores acumulados do PIB mostrados na Tabela 5.12, obterem os valores estimados da demanda. Representando os valores reais e os estimados no gráfico da Figura 5.9, observamos que o modelo apresenta um bom ajuste aos dados reais. 25000
Demanda anual
20000
15000 Demanda real Demanda estimada 10000
5000
0 0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
Anos FIGURA 5.9 • Ajuste do modelo de previsão baseado em variável exógena
Suponhamos agora que as previsões econômicas para o país em questão indiquem um crescimento do PIB de 5,5% para o próximo ano. Adicionando 5,5% ao PIB acumulado do último ano (138,1, na Tabela 5.12), obtemos PIB13 = 145,7. Aplicando a expressão 5.15, obtemos a previsão de venda de 23.125 automóveis para o próximo ano. Como dividir a demanda entre as montadoras X e Y? É comum nas análises de mercado utilizar o conceito de market share (MS) ou índice de divisão do mercado (Cooper e Nakanishi, 1998). Neste caso, admitimos que as condições de equilíbrio entre as empresas X e Y permaneçam no próximo ano. Hoje, a empresa X absorve 55% da demanda. Assim, a previsão de vendas para o próximo ano, para a empresa X, será igual a 0,55 × 23.125 = 12.719 veículos. 187
BIBLIOGRAFIA Arnold, J.R.T. (1999). “Administração de Materiais”, Editora Atlas, São Paulo. Ballou, R.H. (2001). “Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos”, Bookman Editora, Porto Alegre. Chopra, S. e Meindl, P. (2003). “Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos”, Prentice Hall, São Paulo. Cooper, L.G. e Nakanishi, M. (1988), “Market-Share Analysis”, Kluwer Academic, Norwell, Mass, EUA. Dias, M.A. (1993). “Administração de Materiais: Uma Abordagem Logística”, Editora Atlas, São Paulo. Gonçalves, P.S. (2004). “Administração de Materiais”, Editora Campus, Rio de Janeiro. Pole, A., West, M. e Harrison, J. (1994). “Applied Bayesian Forecasting and Time Series Analysis”, Chapman & Hall, Nova York. Ross, D.F. (1998).“Distribution Planning and Control”, Kluwer Academic Publishers, Boston. Spiegel, M.R. (1972). “Estatística”, Editora McGraw-Hill do Brasil, São Paulo.
188
6
Focalizando o Nível de Serviço ao Consumidor
Vimos, nos Capítulos 1, 2 e 3, como o consumidor final ocupa, cada vez mais, as atenções dos elementos que formam o SCM. No Capítulo 1, quando discutimos as tendências do varejo para o horizonte de 2010, mencionamos que o comportamento do consumidor, nas suas compras, tende a ser cada vez mais complexo. E os problemas já estão surgindo, exigindo soluções criativas e eficazes. Neste capítulo abordaremos três casos envolvendo soluções de problemas relacionados com o nível de serviço oferecido ao consumidor final. O primeiro trata do processo de compatibilização da oferta com a demanda, para o caso de produtos de ciclo de vida curto, focalizando o case Sport Obermeyer. No segundo, é analisado o comportamento do consumidor quando não encontra, na loja, o produto que deseja adquirir. Finalmente, o terceiro caso mostra como a parceria entre fornecedor e varejista, através do VMI, pode melhorar bastante o nível de serviço ao consumidor.
EQUILÍBRIO OFERTA-DEMANDA: PRODUTOS DE CICLO DE VIDA CURTO Fruto da crescente competição global, do desenvolvimento mais rápido de novos produtos e da flexibilização dos processos de manufatura, uma variedade muito grande de produtos está hoje disponível no mercado, desde roupas e brinquedos, até produtos mais caros, como eletrônicos e automóveis.
189
De um lado, essa crescente variedade beneficia o consumidor, mas, de outro, dificulta as decisões dos fabricantes e varejistas no momento em que têm de prever os níveis de demanda de forma a planejarem a produção e fazerem as encomendas. O resultado desse ambiente cada dia mais difuso é que previsões errôneas são bastante frequentes e, paralelamente a elas, observa-se um crescimento exponencial dos custos delas decorrentes. Com isso, fabricantes e varejistas estão sendo forçados a encarar saldos expressivos de produtos encalhados, que acabam sendo vendidos com elevados descontos, diminuindo os lucros e prejudicando a comercialização de produtos mais nobres. De fato, muitas vezes os saldos em oferta, com preços reduzidos, ocupam lugares escassos nas gôndolas, absorvem as atenções do setor de logística e consomem tempo precioso dos vendedores, impactando negativamente a venda de produtos mais lucrativos. Observa-se, assim, uma procura acentuada por formas mais robustas de previsão e programação da produção, que efetivamente incluam as tendências de evolução futura do mercado na sua formulação. Isso porque os dados históricos de vendas, embora importantes, não dão a necessária segurança quanto ao futuro, sendo necessários métodos de previsão que explicitamente incluam outras variáveis, além das históricas.
Produtos Funcionais e Produtos Inovativos
190
Boa parte dos produtos comercializados nas lojas tem ciclo de vida longo. Por exemplo, uma determinada marca de margarina é formada por componentes que mudam ao longo do tempo, como a inclusão de vitaminas e antioxidantes. A embalagem sofre também mutações, mas tais alterações são realizadas pelos fabricantes em intervalos mais longos, normalmente bem superiores a um ano. Da mesma forma, roupas não afetadas pela moda, tais como meias, lingerie, sapatos masculinos etc., também apresentam ciclo de vida longo. Tal tipo de produto é denominado funcional porque o fator preponderante que prevalece na sua compra é a simples função que cumpre na vida diária do consumidor, e não a fruição da inovação. Mas há uma série de produtos de ciclo de vida curto, normalmente próximo a um ano ou menos. São exemplos: roupas e sapatos da moda, computadores pessoais, CDs de música popular, brinquedos, bijuterias. Esses produtos são denominados inovativos, prevalecendo o fator novidade no momento de sua compra. Estão nessa categoria produtos novos recém-lançados no mercado e produtos fortemente sujeitos às variações da moda, como vários tipos de roupas, entre outros. A demanda para produtos funcionais é mais previsível, embora fatores exógenos muitas vezes atrapalhem o processo de previsão. No caso de pro-
dutos inovativos ligados à moda, principalmente roupas, calçados femininos e acessórios, por exemplo, a previsão da demanda é bem mais difícil. Além disso, as vendas ocorrem durante um período relativamente curto e o processo de produção é muito apertado, como foi visto no case Li & Fung, no Capítulo 2. Nesses casos, métodos de abastecimento, como o Quick Response e o Just in Time, não funcionam a contento, pois seria necessário que os fabricantes tivessem uma capacidade muito grande para produzir as mercadorias, em resposta à demanda concentrada em períodos bastante curtos. E essa capacidade excessiva ficaria ociosa em boa parte do ano. É preciso considerar também os efeitos para trás na cadeia de suprimento. Por exemplo, a empresa Computadores Dell, que monta seus computadores a partir dos pedidos dos clientes, encomendando as peças e componentes a seus fornecedores à medida que as solicitações vão chegando, teve problemas com alguns deles devido aos excessivos lead times (Fisher et al., 1994). A Tabela 6.1 mostra as principais características que diferenciam o processo de comercialização de produtos funcionais e inovativos. Tabela 6.1 Características de comercialização de produtos funcionais e inovativos Características da demanda
Produtos funcionais (demanda mais previsível)
Produtos inovativos (demanda mais difícil de prever)
•
Ciclo de vida do produto
Mais de 2 anos
3 meses a 1 ano
•
Margem
5% a 20%
20% a 60%
•
Variedade do produto
baixa
alta
•
Erro médio na previsão da demanda
10%
40% a 100%
•
Taxa de ruptura (stockout)
1% a 2%
10% a 40%
•
Desconto médio forçado ao fim da estação
0%
10% a 25%
•
Lead time para novos produtos
6 meses a 1 ano
2 semanas
A Tabela 6.1 mostra alguns aspectos importantes. Em primeiro lugar, observa-se que os produtos inovativos apresentam erros médios de previsão bem mais elevados do que os funcionais. Essa discrepância veio se agravando ao longo do tempo em razão da grande diversificação da produção, com produtos e tipos bastante variados. O efeito desses erros ao longo do tempo foi o crescimento excessivo das remarcações de preços, que ocorrem ao fim da estação, quando o varejista não conseguiu vender todo o estoque do produto. Os descontos no preço dos produtos em liquidação aumentaram exponencialmente entre 1970 e 1995. Quando, por volta de 1970, o total de descontos era de 7% a 8% do faturamento total, esse índice subiu para cerca de
191
31% em 1995 (nos Estados Unidos), significando prejuízo, uma vez que as margens de lucro eram apertadas. Se o varejista tentasse passar esse custo adicional para o preço dos produtos na estação seguinte, outras cadeias de suprimento concorrentes poderiam lhe tirar uma fatia de seu market share. Observa-se também na Tabela 6.1 que as taxas de ruptura (falta do produto nas gôndolas, também chamado stockout no jargão do setor) são bem pequenas para produtos funcionais (1% a 2%) e muito altas para produtos inovativos (10% a 40%). Além dos custos de estoque, falta de produtos (rupturas de estoque) e perdas de margem por remarcações excessivas, é preciso considerar também os problemas logísticos deles decorrentes. No que se refere aos estoques excessivos, além dos custos diretos de administração do inventário há os custos para trás na cadeia de suprimento, incluindo matéria-prima, transporte, perdas de material, impostos etc. Quando há falta de produto, por outro lado, a empresa pode perder consumidores de forma definitiva, que acabam indo comprar produtos similares em varejistas concorrentes. Caso a empresa decida repor rapidamente o estoque nas lojas, o custo logístico, além do custo de produção, tende a aumentar em função do caráter emergencial do ressuprimento, eventuais faltas de matéria-prima, restrições de capacidade produtiva dos fornecedores, utilização de modos de transportes mais caros (o avião, por exemplo) etc. No caso das perdas decorrentes das remarcações excessivas por sobra de produtos, deve-se considerar o aumento do custo logístico e do custo administrativo decorrente do maior número de itens a controlar. De fato, os produtos com redução de preço devem ser reetiquetados e o sistema computacional tem que ser alimentado com instruções específicas. Por exemplo, muitas vezes o produto em liquidação só pode ser vendido à vista, trocas e devoluções podem não ser aceitas etc.
O Case Sport Obermeyer
192
Há situações em que os métodos convencionais de previsão da demanda não atendem às necessidades práticas das empresas. É o caso de produtos de ciclo de vida curto ou inovativos. Um processo não convencional, utilizado pela empresa Sport Obermeyer, procura contrabalançar, ainda que parcialmente, as limitações dos métodos clássicos e se apoia em dois elementos básicos. Em primeiro lugar, é necessário incorporar, na análise, as oportunidades perdidas de venda de produtos. Isso porque os erros de previsão, decorrentes da grande desagregação de tipos e variedades de produtos, geram não somente estoques excessivos de alguns itens, como também ocasionam falta de outros, que são muitas vezes bastante lucrativos. É o que mostra a Tabela 6.1, indicando taxas de ruptura muito altas para produtos inovativos (10% a
40%). Muitas empresas não contabilizam as vendas perdidas, em parte devido à dificuldade de levantar tais dados. Mas, hoje, já se fazem pesquisas importantes sobre essa matéria (Zinn e Liu, 2001). O próximo case apresentado neste capítulo aborda esta questão. Em segundo lugar, não se deve fazer previsões agregadas, incluindo na mesma análise produtos funcionais e produtos inovativos. Muitas vezes essa separação é difícil na prática, principalmente quando as informações sobre vendas vêm agregadas por departamentos (roupas, calçados etc.), sem distinguir se os produtos são funcionais ou inovativos. Para os produtos funcionais, a análise clássica, com base em dados históricos, é normalmente suficiente. Já para os produtos inovativos, é necessário lançar mão de um processo híbrido, misturando informações históricas com a previsão de experts. Por exemplo, a empresa Timberland, fabricante de calçados, desenvolveu um sistema sofisticado de planejamento e produção, interligado com informações de vendas, que vai atualizando as previsões de demanda para os diferentes produtos. Para trás, na cadeia de suprimento, tal sistema ajuda a reduzir o lead time no abastecimento de couro tingido, o que levou a reduções expressivas na ruptura de estoque dos produtos acabados e nas remarcações de fim de estação. Um caso interessante de análise da demanda por produtos inovativos ocorreu com a firma americana Sport Obermeyer, fundada em 1950, uma das empresas líderes no varejo de roupas para a prática de esqui e de esportes em geral. A fabricação das roupas comercializadas pela Sport Obermeyer é realizada no Extremo Oriente, na Europa, no Caribe e nos Estados Unidos. A maior parte dos produtos da Sport Obermeyer é redesenhada anualmente, de forma a incluir mudanças no estilo, nos tecidos e na cor. Na segunda metade da década de 1980, a empresa começou a ter problemas no processo de terceirização da fabricação. Em primeiro lugar, à medida que suas vendas cresciam ano a ano, a Sport Obermeyer passou a ter dificuldade em fechar contratos de produção com manufaturas de ponta no setor. Com isso, passou a contratar a produção um ano antes do início da nova estação, e suas encomendas eram feitas com base em previsões especulativas de seus executivos, que procuravam prever o que os varejistas iriam encomendar à empresa. Nessa ocasião, a Sport Obermeyer lançou uma nova linha de roupas de esqui para jovens, que teve grande sucesso de vendas. Os varejistas revendedores passaram a exigir entregas antecipadas desses produtos, porque uma parte substancial das vendas passou a ser realizada no fim das férias de verão, época em que os estudantes se preparam para a volta às aulas e para a estação fria (outono/inverno), na América do Norte. Para suas projeções, a Sport Obermeyer se apoiava num comitê de gerentes de setores diversos da empresa, os quais, a partir de discussões detalhadas das tendências do mercado, chegavam a um consenso sobre as previ-
193
Demanda real
4000
3000
(Erro médio da previsão: 55%) 2000
1000
0 0
1000
2000
3000
4000
Demanda projetada Fonte: Fisher e Raman, 1999. FIGURA 6.1 • Case Sport Obermeyer: discrepância entre previsões e demanda real
(método convencional)
194
sões da demanda para os variados estilos e cores dos produtos. No entanto, o resultado desse processo ao longo dos anos não tinha sido nada animador. Por exemplo, numa determinada estação, alguns tipos de parkas femininas venderam 200% a mais do que o inicialmente previsto, exigindo grandes esforços de produção emergencial, enquanto outros estilos do mesmo produto não chegaram a vender mais do que 15% da estimativa inicial. Em média, essas previsões geravam um erro de 55% nas previsões, quando comparadas com as vendas reais (Figura 6.1). A primeira coisa que os executivos da Sport Obermeyer fizeram foi analisar a forma como os gerentes do comitê de previsão atuavam. A filosofia básica que norteava os trabalhos desse comitê era o consenso. Eles discutiam exaustivamente os diferentes aspectos relacionados com o mercado na próxima estação e, então, convergiam para a definição das previsões de vendas relacionadas com os estilos e cores. Descobriu-se logo que as previsões de consenso raramente refletiam realmente a visão média do grupo. Os membros dominantes, geralmente os executivos seniores, influenciavam fortemente nas previsões. Além das várias medidas usuais de racionalização do processo produtivo, a Sport Obermeyer persuadiu seus mais importantes clientes varejistas a colocarem seus pedidos mais cedo, assim municiando a empresa com informações preciosas sobre as perspectivas de comercialização de seus diversos
4000
produtos de demanda previsível
Peças realmente vendidas
3500
produtos de demanda incerta
3000 2500 2000 1500 1000 500 0 0
200
400
600
800 1000 1200 1400 1600 1800
Previsão inicial (peças) Fonte: Fisher et al., 1994. FIGURA 6.2 • Case Sport Obermeyer: separação dos tipos de produtos em função
da dificuldade de previsão da demanda.
produtos. Para isso, a Sport Obermeyer convidou cerca de 25 varejistas líderes a se reunirem em Aspen, famoso centro de esqui do Colorado, para apresentar-lhes uma prévia da nova linha de produtos para a próxima estação, ouvir as opiniões e obter pedidos antecipados. Mas, infelizmente, essa iniciativa não reduziu em nada o problema do número crescente de rupturas de estoque e de remarcações de preços. Numa primeira análise das informações de vendas, os analistas da Sport Obermeyer verificaram que, para uma parte razoável dos produtos, as previsões eram bem razoáveis, com os valores realmente observados diferindo menos de 10% das projeções iniciais. Essas previsões são representadas por bolas brancas na Figura 6.2. Os executivos se perguntaram então se seria possível saber antecipadamente quais previsões tendiam a ser mais precisas, separando-as das mais instáveis, antes que se conhecessem os valores reais das vendas. Mudou-se, então, a forma de se fazerem as previsões. Foi pedido a cada participante do comitê que fizesse uma previsão independente para cada estilo e cor de produto. A princípio houve certa inquietação do grupo sobre esse novo processo. Todos estavam acostumados a chegar a um consenso de forma colegiada, depois de longas discussões. Mas, com a nova sistemática, passaram a ser responsáveis pelas suas próprias previsões. O resultado
195
do processo de projeção individualizado mostrou alguns resultados surpreendentes. Em primeiro lugar, os dados obtidos permitiam avaliar estatisticamente a precisão das previsões, através do cálculo dos desvios-padrão. Em segundo lugar, observou-se que as previsões relacionadas com certos tipos de produto, com estilos ou cores diferentes, tinham um comportamento muito interessante: as médias das previsões eram bastante próximas, mas sua dispersão em torno da média variava muito. Por exemplo, considerando o caso das parkas femininas, as previsões para dois estilos A e B apresentavam médias próximas quando considerados conjuntamente os dados de todos os membros do comitê. Os desvios-padrão, no entanto, eram muito diferentes entre os dois estilos A e B. As estimativas dos membros do grupo para a parka A ficavam próximas da média, mas as correspondentes à parka B oscilavam muito em torno do valor médio, para cima e para baixo. É o que mostra, exemplificadamente, a Tabela 6.2. Uma outra conclusão interessante foi que a variância calculada a partir das previsões individualizadas dos membros do comitê, para os produtos do tipo A, coincidia quase perfeitamente com a variância dos valores reais de vendas. Esse fato levou a uma primeira constatação importante: aqueles tipos de produto para os quais as previsões dos membros do comitê ficavam perto da média, com baixo desvio-padrão, podiam ser separados dos demais, visto que os valores reais das vendas não fugiam significativamente das estimativas do grupo. Na Figura 6.2, esses produtos são identificados por bolas brancas.
Tabela 6.2
Previsões divergentes entre os diversos avaliadores
Avaliador
Número projetado de parkas do tipo A
Número projetado de parkas do tipo B
1
1.200
1.500
2
1.150
700
3
1.250
1.200
4
1.300
300
5
1.100
2.075
6
1.200
1.425
Média
1.200
1.200
Desvio-padrão
65
572
Fonte: Fisher et al., 1994.
196
Sobravam os produtos de demanda incerta, do tipo B, cujo processo de previsão tinha que ser solucionado pela Sport Obermeyer. Uma primeira análise desses produtos mostrou que, muito embora a demanda ao nível do varejo era difícil de se prever por parte da Sport Obermeyer, o comportamento dos varejistas, ao fazerem seus pedidos, era muito similar entre si. Muito provavelmente chegavam a esse consenso através de suas associações, troca de opiniões, análises independentes do mercado etc. Os analistas da Sport Obermeyer observaram que, de fato, os pedidos dos clientes varejistas traziam informações novas, de grande valor para as previsões da empresa. Numa primeira análise, os analistas lançaram mão dos primeiros 20% dos pedidos encaminhados pelos varejistas e utilizaram esses dados para melhorar as previsões realizadas pelo seu comitê. A consequência disso foi que a precisão das previsões melhorou consideravelmente. Isso pode ser visto comparando as Figuras 6.1 e 6.3. A primeira espelha os resultados das previsões inicialmente produzidas pelo comitê e, a segunda, os resultados híbridos, envolvendo as projeções do comitê melhoradas com os dados dos primeiros 20% dos pedidos. Observa-se que os pontos resultantes se situam bem mais próximos da reta de erro zero.
Venda total de parkas femininas (peças)
4000 3500 3000 2500 2000 1500 1000 500 0 0
500
1000
1500
2000
2500
3000
3500 4000
Previsão melhorada, incorporando dados dos primeiros 20% dos pedidos Fonte: Fisher et al., 1994. FIGURA 6.3 • Case Sport Obermeyer: resultados das previsões da demanda
quando considerados 20% dos pedidos iniciais
197
198
Uma vez descoberto esse importante resultado, a questão era agora integrar o processo de planejamento das vendas com o processo de produção e de logística, de forma a reduzir ao máximo os custos de remarcação de preços e de rupturas de estoque. A equipe de analistas observou que o processo de fabricação das parkas, como dos demais produtos, ia mudando de característica à medida que a estação de vendas progredia. Antes, não se fazia nenhuma distinção: uma vez definidos os lotes de cada produto, iniciava-se o processo de fabricação, e os produtos acabados iam sendo enviados aos varejistas à medida que iam ficando prontos. No início da estação, antes de entrarem os primeiros pedidos dos varejistas, o planejamento da produção é normalmente não reativo, uma vez que as decisões relacionadas com a produção são baseadas tão somente nas previsões elaboradas internamente. Mas, à medida que os pedidos vão chegando à Sport Obermeyer, a produção vai incorporando os efeitos de feedback, em resposta ao comportamento real do mercado. Ou seja, inicia-se uma fase dinâmica, de entrosamento do processo produtivo com as reações do mercado. Coerentemente com essa nova estratégia, a Sport Obermeyer mudou seu esquema de planejamento-produção. No início, quando ainda não chegaram os pedidos dos varejistas, a empresa inicia a produção dos itens de fácil previsão, aqueles representados por bolas brancas na Figura 6.2. Ou seja, a manufatura não fica ociosa e reserva sua capacidade de produção futura para os produtos de maior dificuldade de previsão (as bolas pretas, na Figura 6.2). À medida que os pedidos vão entrando, refazem-se as projeções, juntando as previsões feitas internamente com as quantidades estipuladas nas encomendas. Essas reformulações são relativamente complexas, pois envolvem revisões nas quantidades encomendadas aos fornecedores, matéria-prima necessária, lead-time e outros elementos. Esse processo foi denominado na empresa risk-based production sequencing, sequenciamento da produção baseado no risco. A Figura 6.4 mostra os resultados das previsões quando se adotou o novo método. O erro médio, que antes era de 55% (Figura 6.1), caiu para 8% após a implantação do novo sistema de previsão. Depois de realizar um levantamento dos benefícios econômicos desse processo, a Sport Obermeyer observou que os resultados positivos de sua adoção eram reais. Quando se adotava o processo de melhoria das previsões, incluindo somente os valores individuais dos membros do comitê (processo não reativo), o custo médio se situava em torno de 11% das vendas. Mas, ao adotar plenamente o processo reativo de sequenciamento da produção baseado no risco, as perdas caíram para menos de 2%. Outro aspecto importante a observar neste case é a metodologia empregada para determinar o nível de previsão a ser adotado para cada tipo de
Demanda real
4000
3000
(Erro médio da previsão: 8%) 2000
1000
0 0
1000
2000
3000
4000
Demanda projetada Fonte: Fisher e Raman, 1999. FIGURA 6.4 • Case Sport Obermeyer: resultados das previsões da demanda após
a implantação do novo método
produto (variando o tipo, o estilo e a cor), a partir dos dados estatísticos levantados. Suponhamos que, para a parka B, as estimativas individuais dos membros do comitê, mais as informações dos pedidos, levaram a uma média de demanda n = 1.200 e um desvio-padrão σ = 100. Suponhamos que a margem (lucro) na venda de uma peça da parka B seja de L = $14,50. Por outro lado, admitamos que o prejuízo ao produzir uma unidade e vendê-la com grande desconto na liquidação seja de S = $5,00. Admite-se que a demanda é regida por uma distribuição normal, de média n e desvio-padrão . De acordo com os conceitos básicos de microeconomia, a empresa deve produzir parkas do tipo B de forma que o lucro marginal de comercializar uma parka iguale o prejuízo marginal de vendê-la na liquidação. Na Figura 6.5, que representa a distribuição normal em questão, deseja-se achar o nível de produção n* que garanta essa igualdade. A área da parte da curva à esquerda de n* representa a probabilidade P1 de se ter uma demanda real menor ou igual a n* e, nesse caso, haverá produto encalhado. A parte da curva à direita de n*, por sua vez, representa a probabilidade p2 de se ter uma demanda real maior do que n*, havendo então comercialização plena. Essas duas probabilidades podem ser obtidas em tabelas da distribuição normal ou a partir de programas de computador de estatística (ou do Excel). Assim, de acordo com as propriedades de microeconomia, o número de parkas do tipo B a produzir é dado por
199
Valor médio f(n)
p2
p1 n
n´ n (nº de peças)
FIGURA 6.5 • Ponto de equilíbrio entre o lucro marginal e o prejuízo marginal
n* tal que p1 × S = p2 × L
(6.1)
Mas, uma vez que p2 = 1 – p1, substituindo essa expressão em 6.1 e simplificando, obtemos p1 =
14,50 L = = 0,743 L + S 14,50 + 5,00
(6.2)
O nível n* que, conforme a distribuição normal ao nível de 95% de certeza, produz um valor de p1 igual ao da expressão 6.2, é dado por: n* = n +
× 1,96 × ,
(6.3)
Onde n é o nível médio previsto, σ é o desvio-padrão e ξ é a variável normal normalizada. Entrando numa tabela da distribuição normal com p1 = 0,743, obtemos ξ = 0,652, o qual, colocado na expressão 6.3, fornece n* = 1200 + 0,652 × 1,96 × 100 = 1.328 peças.
200
Assim, para a parka B, a empresa deveria providenciar a produção de 1.328 peças. O método adotado pela Sport Obermeyer não é universal, sendo específico para a empresa, pois está muito relacionado com as características dos produtos por ela comercializados e com um ciclo de vida bastante particular. Mas uma conclusão importante se pode tirar deste caso: hoje, a competição entre cadeias de suprimento tem levado a buscas de soluções inovadoras que justificam, muitas vezes, gastos apreciáveis no desenvolvimento de aplicações de novas tecnologias e formas de planejamento. De fato, já existem no mercado softwares especializados nesse tipo de análise, como, por exemplo, os da ProfitLogic, comercializados em associação com a empresa Oracle, entre outros.
AVALIANDO OS IMPACTOS DA DEMANDA NÃO ATENDIDA Muitas vezes, as empresas se empenham bastante em prever a evolução futura da demanda por seus produtos, mas negligenciam outro aspecto importante, com sérios impactos no relacionamento com seus clientes. Os consumidores vão à loja em busca de algum produto oferecido pelo varejista, mas não o encontram. Há assim uma frustração de consequências muitas vezes desastrosas para os comerciantes, que precisa ser avaliada e mitigada. No jargão da Logística, quando essa falha ocorre para um determinado produto, há uma ruptura de estoque. E esse problema de falta do produto no momento da sua procura não é nada trivial. Segundo Zinn e Liu (2001), citando um estudo de 1996, cerca de 8,2% dos itens (SKUs) à venda num supermercado, numa tarde típica, não estavam disponíveis nas gôndolas devido à ruptura de estoque. Em 1968 a situação era pior, quando a média de stockouts era de 12,2%. Corsten e Gruen (2004) confirmam a taxa de stockout relatada por Zinn e Liu, em torno de 8%. Movimentos como o ECR, no setor supermercadista, e o Quick-Response, tendem a produzir menores níveis de ruptura de estoque. De uma forma geral se dá, hoje, muita importância a esse assunto na logística moderna, pois a competitividade entre as cadeias de suprimento no SCM não deixa espaço para situações que não agreguem valor ao consumidor, e os stockouts, além de gerarem custos, impactam negativamente nas preferências e expectativas dos clientes. Além dos efeitos gerados pelo processo contínuo de redução de estoques nas empresas, outros fatores contribuem também para que haja ruptura de estoques nas atividades logísticas. Abordamos, a seguir, os principais.
Fatores que Geram Rupturas de Estoque Disputa por Espaço nos Pontos de Venda Nas grandes cadeias varejistas, ocorre hoje uma grande disputa, entre os fabricantes de produtos e os gerentes das lojas, por espaço nas gôndolas. É nas gôndolas ou prateleiras dos pontos de venda que as mercadorias são ofertadas aos consumidores, num display importantíssimo para a comercialização dos produtos. Os espaços são diferenciados entre si em função da posição na loja, altura da prateleira, visibilidade etc. Em muitos casos, de forma a permitir a exposição de um maior número de produtos nas gôndolas, os varejistas restringem as marcas e as variedades das mercadorias em oferta. Por exemplo, um supermercado oferece apenas duas marcas de creme dental e, além disso, reduz as variedades disponíveis em termos de conteúdo, tamanho etc. Além da competição entre fabricantes, que disputam espaço nas gôndolas, o varejista se vê obrigado a manter um estoque relativamente baixo de cada tipo de produ-
201
to, tanto na gôndola como no depósito da loja, em razão de o espaço disponível ser restrito. E essa disputa entre fabricantes, associada à falta de espaço, pode levar a rupturas de estoque mais ou menos sérias.
Variação Temporal da Demanda Os consumidores têm hábitos diferenciados de compra, mercê de suas atividades domésticas e profissionais, congestionamento nas lojas (por exemplo, muitas pessoas evitam fazer suas compras em horários com longas filas nos caixas e circulação interna deficiente). Alguns clientes têm pouca disponibilidade de tempo e vão fazer suas compras em dias e momentos específicos. Suponhamos, por exemplo, que uma consumidora trabalhe fora e vá ao supermercado após o trabalho, às 18:30. Suponhamos, por outro lado, que o produto que ela procura é reabastecido na loja logo pela amanhã, antes de sua abertura. O produto vai sendo vendido ao longo do dia e, às 19 horas, quando a consumidora chega ao supermercado, a probabilidade de ocorrer uma ruptura de estoque é bem maior do que a observada no período da manhã, por exemplo. Assim, o efeito negativo da ruptura de estoque para essa senhora pode ser muito grande e, se a situação se repetir com frequência, a consumidora pode deixar de adquirir aquela marca ou mesmo comprar naquele supermercado. De uma forma geral, a maior incidência de rupturas de estoque costuma acontecer nos períodos de pico da demanda. Os sábados e as sexta-feiras à tarde são normalmente períodos críticos. No Brasil, é comum também ocorrerem picos nos dias de pagamento de salários, principalmente em cidades como Brasília e Florianópolis, onde há uma grande incidência de funcionários públicos, que recebem seus contracheques em dias certos do mês. E, é claro, nos últimos dias antes das festas importantes, como Natal, Dia das Mães etc.
Nível de Serviço Deficiente por Parte do Fornecedor
202
A programação do reabastecimento dos estoques, por parte da empresa cliente, depende de uma série de fatores e variáveis. Os bons fornecedores, em geral, oferecem um esquema bem definido de entregas dos pedidos, indicando antecipadamente prazos e demais condições. Mas, muitas vezes, a empresa cliente se vê obrigada a adquirir produtos de firmas novas no mercado ou de menor credibilidade. Isso ocorre quando os principais fornecedores tentam impor aumentos exagerados de preços ou quando a demanda está muito exacerbada e os principais fabricantes não conseguem atender plenamente as necessidades da empresa compradora. Nessas situações, podem acontecer casos em que o produto, prometido de ser entregue numa certa data, sofra um atraso expressivo, gerando rupturas de estoques nas lojas do varejista.
De uma forma geral, as novas sistemáticas de reabastecimento implantadas através do ECR, Quick-Response, VMI etc., dependem, para dar bons resultados, de um nível de serviço avançado por parte das empresas participantes (clientes e fornecedores), além do emprego de soluções tecnológicas e de métodos de gestão atualizados. Caso contrário, as falhas que vão surgindo ao longo do processo tendem a afetar negativamente o comportamento do consumidor, o qual, no limite, poderá riscar definitivamente um determinado produto ou um varejista da sua lista de preferências.
Ineficiências Devidas ao Varejista Da mesma forma que os fornecedores são algumas vezes responsáveis por perturbações na cadeia de suprimento, os varejistas também costumam provocar situações de ruptura de estoque nas suas próprias lojas. Zinn e Liu (2001) comentam que os estoques das lojas são compostos por duas partes: a parcela disponível nas gôndolas, à qual o consumidor tem acesso, e a parcela mantida no depósito da loja. Mesmo que a empresa empregue um sistema eficiente de reposição de estoques, como o VMI ou o Quick Response, de nada adianta haver produtos no depósito da loja se as gôndolas ficarem vazias. Ou seja, a gerência da loja tem de exercer um controle rígido sobre seus funcionários, de forma a não permitir que isso aconteça. Corsten e Gruen (2004) afirmam que 72% das situações de ruptura de estoques observadas eram de responsabilidade do varejista. Elas eram causadas por práticas falhas das lojas, no que se refere ao processo de elaboração dos pedidos e nos métodos de reposição dos estoques. Observou-se que, diversas vezes, os gerentes encomendavam muito pouco e, outras vezes, muito tarde. Problemas no processo de reabastecimento ou de planejamento da cadeia de suprimento, de responsabilidade dos fornecedores, representavam apenas 28%. Outras situações de ruptura podem também ocorrer nos casos em que os registros dos níveis de estoque no computador apresentam erros em relação às quantidades físicas reais. Essas divergências podem levar a situações inesperadas, quando o sistema computacional indica um estoque positivo, mas, na prática, está ocorrendo falta do produto.
Comportamento do Consumidor em Relação à Falta do Produto Os consumidores reagem diferentemente quando, procurando o produto de sua escolha numa loja ou supermercado, não o encontram. Zinn e Liu (2001) assim classificam as possíveis situações representadas pelo consumidor na hora da compra de um determinado produto:
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G
G
G
G
204
Situacional, em que a não disponibilidade do produto na prateleira ou na gôndola é uma situação ocasional, sem grande impacto nas decisões de compra do consumidor. Isso ocorre quando o cliente não tem urgência em comprar o produto, muitas vezes porque ainda dispõe do mesmo em sua casa, podendo deixar para comprá-lo numa outra oportunidade; Consumidor específico: aquele cuja postura em relação às compras é fortemente condicionada por um fator específico. Por exemplo, consumidores que buscam vantagens econômicas e que decidem escolher um produto não tanto em função da marca, de suas propriedades, do tamanho da embalagem etc., mas sim em função das ofertas de preço. Outra situação típica é do consumidor que prepara antecipadamente uma lista detalhada do que vai comprar, registrando não somente o produto, como também a marca e o tamanho da embalagem. Sua reação ao stockout é bem específica, pois tende a reagir de forma mais severa à falta do produto de sua preferência (Schary e Christopher, 1979); Ponto de venda específico: muitas vezes a distância do domicílio do consumidor à loja impõe a escolha de um estabelecimento em especial. Isso ocorre muito com idosos, com pessoas apresentando dificuldade de locomoção e com indivíduos sem tempo para procurar lojas mais distantes; Condições sociodemográficas: diferentes faixas etárias, sexo, profissões, horários de trabalho etc. impactam diferentemente as reações dos consumidores à falta de produto na hora da compra.
Quando o consumidor entra num ponto de venda para comprar um determinado produto e não o encontra, sua reação pode se dar de diversas formas (Figura 6.6). A ordem das decisões mostrada na Figura 6.6 não é fixa. O consumidor pode primeiro analisar o preço e depois selecionar a marca, mas pode ocorrer o contrário se ele for fiel a uma marca específica. No entanto, a sequência indicada na Figura 6.6 representa razoavelmente bem as situações típicas. Assim, supomos que a primeira etapa no processo de decisão do consumidor é verificar a disponibilidade da sua marca preferida. No caso de encontrar o que quer, ele executa a transação, adquirindo o produto. Caso o produto não esteja disponível, mas sendo o consumidor fiel à marca, ele pode aceitar uma outra oferta da mesma marca, com características diferentes de tamanho, qualidade e preço. Trata-se de um consumidor que prioriza a marca em relação a outros atributos. No caso de não haver produto de sua marca predileta, o consumidor pode decidir por outra marca. Sua decisão será baseada prioritariamente em preço, podendo comprar um produto de preço maior, igual ou menor em relação ao que tinha em mente. Aqui, a reação do consumidor pode ser muito diferente quando se comparam essas três possibilidades. Se o preço for
(e) Transação
(a)
Outra marca?
Sim
(a)
Sim
Compra produto de maior preço
Compra produto de mesmo preço
Não Consumidor procura o produto
(a)
Disponível? Sim Não
(b) Substitui produto?
(a) Critério de preço (b) Leal à marca (c) Postergação da compra (d) Desistência (e) Compra efetiva
Não
Fonte: Walter e Grabner, 1975.
FIGURA 6.6 • Reações do consumidor ao não encontrar o produto que deseja
(c)
(d)
Compra produto de menor preço
Compra produto de outro tamanho
Volta à loja noutra ocasião Procura loja de outro varejista
205
igual, apesar de não estar comprando seu produto preferido, o consumidor pode encarar a situação com certa benevolência, dizendo a si mesmo que, da próxima vez, voltará a adquirir sua marca predileta. Se o preço for menor, o cliente poderá entender a situação como uma oportunidade de testar outro produto mais econômico e, se a experiência for positiva, pode até mesmo mudar de marca. Mas, se o preço for maior, poderá se sentir frustrado, culpando o varejista por impor-lhe um produto não tanto confiável e ao mesmo tempo explorando a situação ao cobrar-lhe um valor adicional. Cada uma dessas reações pode gerar efeitos diversos nas preferências futuras do consumidor, que pode inclusive procurar outro varejista. Há situações em que o consumidor não transige em relação a marca, tamanho e outros atributos. Nesse caso ele pode postergar sua compra, voltando numa ocasião futura para adquirir o produto. Caso não encontre o produto numa segunda ou terceira visita, sua reação vai se agravando. Os varejistas procuram conquistar a fidelidade dos clientes, incentivando-os a voltarem sempre. Para isso emitem cartões de crédito próprios, oferecem prêmios e outras vantagens, tentando manter sua clientela fiel. Ora, se o cliente volta à mesma loja pela segunda ou terceira vez, há uma grande probabilidade de ser realmente um consumidor fiel. E se sentirá marginalizado se os produtos que costuma comprar naquela loja começarem a faltar sem razões plausíveis e de forma repetida. Essa pessoa acabará procurando outras opções de compra junto aos concorrentes, com toda certeza. Corsten e Gruen (2004) relatam os resultados de uma ampla pesquisa, envolvendo 29 países e mais de 71.000 consumidores. A partir desse levantamento, os pesquisadores chegaram aos resultados médios mostrados na Tabela 6.3, sobre as decisões tomadas pelo consumidor quando não encontra o produto de sua preferência no supermercado. Tabela 6.3 Decisões do consumidor frente ao stockout do produto de sua preferência Ocorrência (%) Decisão do consumidor
•
Desiste da compra
9
15
10
17
25
•
Posterga a compra
15
22
21
21
9
•
Substitui por outra marca
26
8
18
20
25
•
Compra outro produto da mesma marca, com 19 preço e/ou conteúdo e/ou tamanho diferentes
12
19
13
20
•
Compra o produto em loja de concorrente
43
32
29
21
Fonte: Corsten e Gruen, 2004.
206
Geral Cosméticos Xampu Café Salgadinhos
31
Observa-se que o comportamento do consumidor varia bastante com o tipo de produto. Por exemplo, as compras de artigos da categoria de cosméticos são bem mais sensíveis ao stockout: em 43% dos casos a consumidora vai procurar o produto noutra loja quando não o encontra na primeira tentativa. Uma explicação possível é a grande atenção que o sexo feminino urbano atribui à beleza. Assim, a vinculação de uma consumidora com uma determinada marca e tipo de produto é muito mais profunda do que ocorre, por exemplo, com o xampu. No caso de salgadinhos, por outro lado, a variedade de tipos no lar é bastante comum, e a troca por um produto da mesma ou de outra marca não traz preocupações maiores.
Prejuízos Decorrentes das Rupturas de Estoque Na avaliação do custo de ruptura de estoque, frequentemente são adotadas simplificações que mascaram, na realidade, seus possíveis efeitos negativos. Uma forma simplificada de incorporar tais impactos é adotar um nível de serviço considerado aceitável, por exemplo, supor que as situações de ruptura de estoque não devem ultrapassar 3% da movimentação total. Outra forma é atribuir um valor monetário médio para os casos em que há falta do produto. Outra maneira corrente, mas incompleta, de medir o impacto negativo provocado pela falta do produto na gôndola ou na prateleira do varejista é atribuir um valor igual ao faturamento não conseguido por não se ter vendido a mercadoria. Se o produto tem um preço de R$30,00, digamos, e deixaram de ser vendidas 500 unidades/ano devido ao stockout, então haverá um impacto negativo de 500 × 30,00 = R$15.000,00 nas contas da empresa. A literatura especializada apresenta outras formas mais consistentes para o cálculo desse impacto econômico. Encontram-se, na literatura, métodos simples, mas robustos, de contabilização dos impactos econômicos gerados pelas rupturas de estoque. Em primeiro lugar, o levantamento dos dados necessários para uma análise desse tipo não é uma tarefa fácil e envolve pessoal e custos significativos. Isso porque as reações dos consumidores variam muito em função do tipo de produto (ver Tabela 6.3), das condições socioeconômicas e da faixa etária. Em segundo lugar, mesmo com as pesquisas de campo, os resultados não são completos, embora possam dar uma indicação razoável das principais variáveis do problema e dos custos resultantes. A pesquisa junto aos consumidores é feita normalmente na saída do check-out (caixa), no caso de supermercados e de outros estabelecimentos varejistas de autosserviço. Pergunta-se, em primeiro lugar, se o cliente verificou, nas suas compras, a falta de algum produto que desejava adquirir. Caso haja ocorrido um ou mais casos de stock-outs, pergunta-se, a seguir, qual o
207
208
seu comportamento subsequente em relação ao ocorrido. As perguntas são simples e diretas, do tipo mostrado na primeira coluna da Tabela 6.3. Suponhamos o caso de um cosmético – um creme amaciante para as mãos – , disponível em vidros de 50g e cujo preço é de R$23,80. Há, em oferta, um tamanho maior, da mesma marca, com conteúdo líquido de 75g e preço de R$30,00. Uma marca concorrente oferece um produto similar, de pior qualidade, com embalagem de 50g e preço de R$19,00 por unidade. As reações dos consumidores à falta do produto, medidas a partir das entrevistas, com as respectivas probabilidades, são apresentadas na Tabela 6.4. Quando o cliente compra o produto de outra marca, com preço menor, o varejista tem um prejuízo igual à diferença dos preços, ou seja, 19,00 – 23,80 = – R$4,80. No caso de o consumidor adquirir um produto da mesma marca, a um preço maior, o resultado é positivo. Uma situação diferente ocorre quando o consumidor afirma que deixou para comprar o produto para uma próxima visita à loja. Muita coisa poderá ocorrer nesse período, como, por exemplo, encontrar o produto com o mesmo preço ou com preço menor noutro varejista e adquiri-lo. É muito difícil determinar com precisão a probabilidade de volta à loja, para futura aquisição do produto. Para isso, seria necessário acompanhar os passos do cliente continuadamente, situação essa impraticável. Assim, lançou-se mão de uma estimativa de autoria de experts da empresa: o retorno do consumidor à loja, seguida da compra do produto, ocorreria realmente em 60% dos casos. Portanto, o valor esperado do ganho é igual a 0,60 × 23,80 = R$14,28, no caso efetivo de retorno e – 0,40 × 23,80 = – R$9,52, no caso de não retornar, com saldo líquido de 14,28 – 9,52 = + R$4,76. Quando o consumidor procura a loja de um concorrente para comprar o produto ou desiste da compra, o varejista perde totalmente a venda, e a perda do faturamento é igual ao preço da mercadoria. Cada valor representando a expectativa de ganho, ou prejuízo, é multiplicado agora pela respectiva probabilidade, resultando nos valores apresentados na última coluna da Tabela 6.4. A soma dos valores da última coluna fornece o prejuízo unitário da ruptura de estoque desse produto (creme amaciante para as mãos), no caso, igual a R$12,01 por unidade. Suponhamos, por outro lado, que a loja venda uma média de 3.600 unidades do produto por ano, e a pesquisa levou a uma estimativa de 310 casos de stockouts no mesmo período. A receita com a venda do produto é assim de 3.600 × 23,80 = R$85.680,00. O prejuízo estimado seria de 310 × 12,01 = R$3.723,10 ou 4,3% do faturamento. Com as margens reduzidas, devido à crescente competitividade entre as cadeias de suprimento e à necessidade de se cortar custos que não agreguem valor ao consumidor final, percebe-se a importância do correto tratamento desse tipo de problema. Há que se considerar ainda o fato de que o prejuízo
calculado através desse processo não contabiliza totalmente os resultados negativos para o varejista e para a cadeia de suprimento. Por exemplo, se a situação de falta de produto começa a ocorrer com frequência, mesmo para mercadorias diferentes, a lealdade do consumidor com o estabelecimento varejista e com a marca pode ficar abalada. E há um elemento que todo varejista preza, que é o hábito de o consumidor voltar à sua loja para as compras. O mesmo ocorre com os fabricantes, que dão grande importância ao consumidor fiel à marca.
Tabela 6.4
Estimativa dos prejuízos ocasionados por um stockout
Decisões do consumidor
Probabilidade
Expectativa de ganho ou prejuízo ($)
Impacto ponderado ($)
•
Substitui o produto por outro de outra marca, com preço menor
0,07
19,00 – 23,80 = – 4,80
– 0,34
•
Compra produto da mesma marca, 0,13 com preço maior
30,00 –23,80 = + 6,20
+ 0,81
•
Posterga a compra para a próxima 0,23 visita à loja
0,60 × 23,80 – 0,40 × 23,80 = + 4,76
+ 1,09
•
Vai comprar em loja de concorrente
0,45
– 23,80
– 10,71
•
Desiste da compra
0,12
– 23,80
– 2,86
•
Resultado econômico esperado por peça em stockout
1,00
– 12,01
Baseado em Walter e Grabner, 1975
PARCERIA ENTRE FORNECEDOR E VAREJISTA ATRAVÉS DO VMI O sistema de reposição de estoques pelo fornecedor, denominado VMI (Vendor Managed Inventory ou Estoque Administrado pelo Fornecedor) no jargão de Logística, é bastante utilizado no setor varejista, mas também é adotado em empresas industriais. Nessa forma de suprimento, o fornecedor é responsável pelo controle de estoque do cliente através de um sistema de intercâmbio de informações, tal como EDI. Em geral, traz diversas vantagens. Entre outras, destacam-se a redução do nível médio de estoque no cliente, com a consequente redução de custos, a redução nos níveis de ruptura de estoque (stock-out) e a forte diminuição do lead-time. Para o fornecedor, esse sistema reduz também seu nível de estoque, pois, tendo acesso direto aos dados do cliente, não precisa se apoiar fortemente nos seus próprios dados históricos. Para o consumidor, além da redução das rupturas de estoque,
209
a redução nos custos de inventário e de pessoal obtidos com o VMI pode levar a reduções apreciáveis no preço final do produto. Normalmente, as previsões de demanda são realizadas de comum acordo entre o fornecedor e o cliente, melhorando bastante a precisão das projeções. Grandes cadeias varejistas internacionais, como Wal-Mart, K-Mart e JCPenney, estão entre as pioneiras na adoção do VMI. Apesar de o VMI beneficiar potencialmente também os fornecedores, como mencionado, muitos demoraram a adotar o novo sistema por estarem céticos quanto às suas vantagens, mesmo porque eram forçados a atender muitos clientes na modalidade tradicional, o que exigia formas bastante diferenciadas de planejamento da produção. E normalmente os clientes mais entusiastas do VMI são, em geral, os grandes compradores, com impacto significativo no processo de gestão da manufatura da empresa fornecedora.
O VMI na Reposição de Fraldas Descartáveis da Procter & Gamble A Procter & Gamble (P&G) é uma empresa industrial listada no ranking das 100 maiores da revista Fortune e fabrica um total de aproximadamente 300 marcas de produtos, muitos dos quais líderes de venda em sua classe. Além de expandir suas atividades através da incorporação de outras empresas, boa parte do crescimento da P&G pode ser atribuída ao desenvolvimento de produtos pioneiros e tecnologicamente avançados como, por exemplo, o primeiro detergente sintético para lavagem de roupas em 1946, a primeira pasta dentifrícia fluorada, em 1955 e a primeira fralda descartável, a Pampers, em 1961. Em 1985, a P&G resolveu fazer um up-grade de sua fralda descartável Pampers, cujas vendas correspondiam a 30% do mercado. Assim, a empresa introduziu a Pampers “Blue Ribbon” naquele ano e, para isso, teve que investir cerca de US$500 milhões para remodelar suas instalações produtoras e retirou cerca de US$100 milhões de equipamentos obsoletos de fabricação desse tipo de fraldas. Gastou também US$225 milhões em propaganda e promoções na fase de lançamento da nova marca, distribuindo amostras de fraldas para 90% das jovens mães, quando elas saíam da maternidade. A partir da metade da década de 1980, as vendas totais de fraldas descartáveis nos Estados Unidos cresceram a uma taxa média anual de 3,8%, chegando a um faturamento de quase 4 bilhões de dólares. Ao mesmo tempo, marcas próprias1 de fraldas descartáveis e marcas regionais foram conquistando maiores fatias do mercado. Em 1993, esses concorrentes chegaram 1
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O termo marca própria se refere aos produtos que são fabricados especialmente para uma grande rede varejista seguindo especificações próprias, tais como a marca propriamente dita, a embalagem, os tamanhos e tipos, além de outras características intrínsecas e extrínsecas do produto.
a ocupar 22% do mercado norte-americano de fraldas descartáveis, com preços 15% inferiores aos produtos similares da P&G e da concorrente Kimberly-Clark. Para enfrentar a competição, a P&G colocou as fraldas descartáveis no seu programa de preços baixos todos os dias, cortou os custos entre 15% e 20%, e reduziu os preços em 8%. Pouco depois, a P&G cortou os preços de suas fraldas Luvs em 16%, para isso eliminando extras como alças na embalagem, promoções para os consumidores etc. Mas, mesmo assim, o preço da fralda Luvs ficou 17% acima do praticado pelos fabricantes menores. Como consequência, a P&G acabou cortando em mais 5% o preço das fraldas Pampers, a terceira redução de preços num só ano. A maior concorrente, Kimberly-Clark, acompanhou rapidamente a P&G, reduzindo em 7% o preço de suas fraldas. Nessa época, as fraldas descartáveis da P&G representavam a categoria de produto mais importante e mais rentável da empresa. No entanto, mesmo com todos os seus esforços, o market share da P&G no mercado norte-americano havia caído de forma apreciável. Considerando seu apogeu em 1987, quando participava com 53% do mercado de fraldas descartáveis, seu market share foi reduzido a 42,4% em 1993, uma redução apreciável. Observa-se, assim, que o mercado de fraldas descartáveis é muito competitivo, e variáveis diversas, tais como tecnologia do produto, marketing, processo de fabricação, controle de custos e logística, além de outras, são fatores importantes na obtenção de um market share satisfatório para a empresa. Os produtos da P&G eram vendidos através de diversos canais, como lojas, atacadistas, grandes cadeias varejistas, além de outros. O uso crescente das vendas promocionais era uma tendência naquele período, com a P&G competindo com outros fabricantes por espaço, nas gôndolas e displays, para as frequentes promoções. A aquisição antecipada de mercadorias para as promoções, com bons descontos, era a norma do setor. Nesses casos, os produtos permaneciam estocados por mais de três meses à espera do momento oportuno para as promoções. Nessa época, o presidente Nixon impôs o controle de preços, visando reduzir os níveis de inflação nos Estados Unidos. A inflação, combinada com taxas de juros mais elevadas e grandes descontos obtidos dos fabricantes na aquisição de grandes lotes, tornou a compra antecipada de produtos bastante atrativa para as grandes cadeias varejistas. Essa prática levou os fabricantes a manterem grandes estoques, de forma a atenderem a demanda em grandes lotes. As compras pelas redes varejistas passaram a ser, de certa forma, espasmódicas, com grandes flutuações nos volumes ao longo do tempo, tornando muito difícil a previsão da demanda por parte dos fornecedores. Além disso, e dentro dessa prática de procurement, o pessoal de vendas da P&G ganhava polpudas comissões ao efetuar transações de grande volume. E o impacto desse procedimento no planejamento e controle da produção, aumentando apreciavelmente os cus-
211
tos de manufatura, levou os executivos da P&G a iniciarem um processo de reformulação radical de suas relações com os clientes varejistas. Assim, a P&G decidiu testar, em 1985, um novo sistema de reposição de estoques de fraldas descartáveis, trabalhando juntamente com uma cadeia varejista de médio porte. Esse teste envolvia a utilização de EDI para transmitir dados diários de vendas de fraldas do varejista para o sistema computacional da P&G, que calculava as quantidades de reposição, que eram então enviadas ao cliente no dia seguinte. Esse método visava substituir o sistema tradicional, em que o cliente calculava periodicamente suas necessidades de reposição e encaminhava o pedido ao fabricante. Os resultados desse projeto-piloto foram bastante positivos, com apreciável redução do custo de estoque, melhoria do nível de serviço aos consumidores, principalmente através da redução das taxas de ruptura de estoque (falta do produto na gôndola) e redução de custo de pessoal para o varejista (no controle de estoque e no setor de compras). O segundo teste da P&G foi em 1986, envolvendo uma grande cadeia varejista, com resultados bastante satisfatórios, o que levou a P&G a expandir o novo sistema para todo o setor. Hoje, o sistema VMI é largamente utilizado nas grandes cadeias varejistas.
Um Exemplo de VMI Uma cadeia varejista possui várias lojas numa cidade, vendendo fraldas descartáveis da marca Neném Feliz, produzidas por uma grande indústria. Numa fase anterior, cada loja fazia periodicamente o levantamento do estoque e comunicava o resultado à administração central. Lá se fazia a análise das necessidades de reposição dos estoques das lojas, o setor de compras negociava o preço e depois providenciava o pedido. O fornecedor planejava a entrega e, no dia aprazado, a mercadoria era entregue no CD do varejista, a partir do qual as lojas eram abastecidas. Numa segunda etapa, o varejista estabeleceu a ligação de seu CD com o computador do fornecedor, via EDI. Os pedidos passaram a ser enviados ao fornecedor por EDI, mas era o varejista que determinava as quantidades necessárias para reposição de seus estoques. Esse sistema é o RMI, Retail Managed Inventory ou Estoque Gerenciado pelo Varejista. Como vimos no caso da Procter & Gamble, essa sistemática gera pedidos em grandes volumes para facilitar as compras, reduzir os custos de transporte e garantir preço unitário menor para o varejista. É comum também nessa modalidade que o varejista solicite ao fornecedor formas customizadas para o produto, tais como embalagens especiais, por exemplo. Pedidos emergenciais, para cobrir falhas de previsão dos gerentes das lojas, também são frequentes. Além disso, 212
no caso em questão, o produto era entregue separadamente às lojas, em resposta direta aos seus pedidos. Visando evoluir para o VMI, os executivos do fabricante e da cadeia varejista se reuniram para traçar um plano de trabalho. Alguns pontos importantes foram definidos: G
G
G
G
estabelecer um firme compromisso entre a alta administração das duas empresas visando chegar a um resultado efetivo e satisfatório para ambas; alocar todos os recursos humanos, materiais e financeiros necessários para alcançar os objetivos desejados; formar uma equipe de projeto com plenos poderes, seguindo um plano de trabalho e um cronograma a serem previamente definidos; o objetivo central do projeto seria prioritariamente estabelecer um nível de serviço elevado para os consumidores, além da redução dos níveis de estoque e das rupturas.
Essa preocupação dos dirigentes das duas empresas fazia sentido, pois alguns fracassos em tentativas anteriores mostraram várias dificuldades na implantação desse sistema. Um ponto falho básico era a falta de liderança na condução do processo. As diretorias designavam as equipes, que depois ficavam soltas, sem poder atuar sobre a estrutura administrativa e operacional das duas firmas. Os gerentes, não querendo perder poder, boicotavam o novo projeto, e a alta administração não tinha disponibilidade de tempo nem motivação para interferir nas contendas. Outro ponto negativo era a inconsistência dos dados. Muitas vezes, o registro de unidades em estoque, no computador, não coincidia com o estoque físico, devido a vários fatores. Era necessário, então, ir a fundo e sanar todas as possibilidades de falhas no registro e na sistemática de armazenagem dos produtos no CD central e nas lojas. Um terceiro elemento que precisava ser contornado era a tradição dos gerentes da cadeia varejista em não respeitar os lotes encomendados. Ao perceberem que a demanda era maior do que imaginavam, colocavam pedidos emergenciais junto ao fornecedor, que, quase sempre, procurava atendê-los. Essa prática tinha respaldo na equipe de vendedores do fabricante, que recebia comissões em função do volume vendido, sem qualquer consideração sobre eventuais impactos negativos no processo produtivo e nos seus custos. Finalmente, a equipe do projeto sabia que o seu sucesso dependeria de um acompanhamento diário e detalhado do processo, não somente na fase de planejamento e implementação, como também no monitoramento dos resultados. Assim, após as reuniões estratégicas da alta administração das
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duas empresas e da designação da equipe, passou-se ao trabalho, que seguiu, em linhas gerais, os seguintes passos: G
G
G
G
G
G
G
G
G
214
reunião inicial da equipe, envolvendo elementos da área comercial das duas empresas, do setor de logística e da área de informática, visando detalhar a programação dos trabalhos; análise detalhada dos pontos vulneráveis no registro, alocação física, controle de estoque e correções; definição da política de estoque, considerando os níveis de atendimento ao consumidor, lotes de entrega, forma de embalagem etc.; definição do conteúdo e da forma das mensagens a serem trocadas por EDI, envolvendo níveis de estoque, pedidos extras, avisos de entrega e de recebimento etc.; realização de testes efetivos de VMI tão logo o sistema estivesse pronto, elegendo uma loja-piloto e acompanhando detalhadamente o processo; análise dos resultados pela equipe do projeto, identificando pontos fracos, realizando as alterações necessárias e testando novamente o sistema; apresentação dos resultados em reunião conjunta das duas diretorias; decisão quanto a estender o projeto às demais lojas e, paulatinamente, a uma série de outros produtos. Para isso, seria feita uma classificação ABC dos SKUs dos diversos produtos do mesmo fornecedor e, a seguir, a definição do sequenciamento adequado; antes de estender o projeto a todas as lojas, planejar e implantar o sistema de cross-docking, no CD da empresa varejista.
No caso em análise, o projeto-piloto de implantação do VMI na reposição de estoques das fraldas descartáveis Neném Feliz produziu resultados satisfatórios, como mostra a Tabela 6.5. Os valores indicados na Tabela 6.5 referem-se apenas à loja submetida ao projeto-piloto. Três elementos são utilizados na avaliação dos resultados: o nível de venda do produto; o estoque médio, medido em dias; e o nível de ruptura, medido em porcentagem do volume vendido. Observa-se que o nível de estoque caiu bastante após a introdução do VMI, o mesmo acontecendo com os índices de ruptura do estoque. Esse último índice é difícil de medir na prática, pois o consumidor, não encontrando o produto na gôndola, pode decidir por uma entre várias atitudes, conforme discutido na seção anterior.
Tabela 6.5
Resultados obtidos com o projeto piloto de VMI RMI (Estoque Gerenciado pelo Varejista)
VMI (Estoque Gerenciado pelo Fornecedor)
Mês → Nov
Dez
Jan
Fev
Mar
Abr
Vendas (*)
100
130
92
98
105
112
Estoque médio (dias)
42,7
43,9
39.1
16,6
20,2
18,3
Nível de ruptura (%)
3,8
9,2
9,1
5,3
4,7
4,5
(*) Nível relativo, sendo o valor de novembro = 100
Além dos benefícios listados na Tabela 6.5, que se referem tão somente à loja sujeita ao teste-piloto, o sistema VMI, se adotado juntamente com crossdocking no CD do varejista, pode gerar redução apreciável do estoque do produto no depósito, liberando também espaço vital para outras atividades. Uma vez implementado o sistema VMI, o processo segue uma rotina diária de atividades, com ciclo de 24 horas, conforme pode ser visto esquematicamente na Tabela 6.6. O processo começa no instante em que uma consumidora-padrão vai à loja, num momento crítico que ocorre, no caso, na parte final do expediente, quando as vendas do dia reduziram bastante o nível de estoque do produto na loja. Sua compra é registrada no caixa. Ao fim do expediente, o sistema computacional da loja consolida todas as vendas do produto registradas no dia e envia, por EDI, o nível de estoque resultante para o computador do fornecedor. Este último realiza as atividades que lhe cabem durante o dia seguinte e, ao fim da tarde, um carregamento do produto, cobrindo as necessidades das lojas, é descarregado no CD do varejista, num processo de cross-docking pré-agendado. Além dos benefícios de redução dos níveis de estoque e de ruptura do mesmo, o processo VMI traz também outras vantagens às empresas participantes. Em primeiro lugar, por controlar mais de perto as vendas, os níveis de estoque e as rupturas, o sistema reduz os níveis de erros das estimativas. Assim, nas épocas de festas e noutras ocasiões específicas, os gerentes conseguem estimar com mais acuidade as tendências da demanda. Em segundo lugar, pode-se conseguir reduções significativas nos custos de transporte, principalmente quando as entregas do produto deixam de ser feitas loja por loja, passando a ser realizadas na forma consolidada no CD do varejista (crossdocking). Um outro ponto muito importante nesse processo é a liberação dos vendedores da indústria e dos compradores do varejista para atividades mais nobres. A parte repetitiva do processo é realizada agora pelos computadores, ficando o pessoal do setor livre para visitas in loco às lojas, troca de ideias, programação conjunta de promoções, planejamento da introdução de novos produtos etc. Finalmente, o consumidor final é beneficiado, pois encontra o produto desejado, no momento em que necessita dele.
215
Tabela 6.6
Ciclo típico do processo VMI
LOCAL
HORA
AÇÃO
Loja
19:45
A consumidora entra na loja
19:50
A cliente vai até a gôndola e coloca as fraldas no carrinho
20:30
No caixa, o código de barras é lido e a compra é registrada
00:00
O computador da loja consolida todas as vendas do produto, no dia
00:10
Por EDI, o saldo disponível no estoque é enviado ao fornecedor
08:00
Na indústria, o sistema de VDI calcula a reposição necessária
10:00
No depósito, é feita a separação e montados os paletes
13:00
Envia notificação de entrega ao varejista e marca entrega para 17 horas
13:05
Na loja, é preparado o recebimento a partir das informações do EDI
16:00
Veículo sai com o produto de todas as lojas do varejista
17:00
A carga é recebida no CD central do varejista (cross-docking)
17:30
Notas fiscais prontas e veículos saem com a carga para lojas
18:00 às 19:30
Lojas recebem o produto e abastecem as gôndolas imediatamente
19:45
Uma nova consumidora entra na loja para comprar o produto
Indústria
Loja
BIBLIOGRAFIA Clark, T.H. (1995). “Procter & Gamble: Improving Consumer Values Through Process Redesign”, Publicação n. 9-195-126, Harvard Business School. Corsten, D. e Gruen, T. (2004). “Stock-outs Cause Walkouts”, Harvard Business Review, maio 2004. Dong, Y. e Xu, K (2002). “A Supply Chain Model of Vendor Managed Inventory”, Transportation Research Part E, vol. 38, p. 75-95. Emmelhainz, L.W., Emmelhainz, M.A. e Stock, J.R. (1991). “Logistics Implications of Retail Stockouts”, Journal of Business Logistics, vol. 12, n. 2, p. 129-141.
216
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217
7
A Cadeia de Valor e a Logística
HOJE NÃO É MAIS POSSÍVEL atuar de forma competitiva no comércio adquirindo simplesmente produtos dos fornecedores e vendendo-os aos consumidores. Isso porque as vantagens competitivas na ponta do consumo não dependem somente do varejista, mas vêm sendo agregadas (ou mesmo subtraídas, em alguns casos) ao longo de toda a cadeia de suprimento. A maneira correta de atuar de forma competitiva é buscar melhorias contínuas junto aos demais elementos da cadeia, de forma a reduzir custos, melhorar a qualidade dos produtos e o nível de serviço para os clientes finais, os consumidores. Além das melhorias qualitativas naturalmente esperadas ao longo da cadeia de suprimento, um elemento que possibilita análise sistematizada do processo é chamado cadeia de valor, que estudaremos neste capítulo.
OS ELEMENTOS DA CADEIA DE SUPRIMENTO A cadeia de suprimento se estende desde o fornecedor da matéria-prima destinada à fabricação de um determinado produto até o consumidor final, passando pela manufatura, centros de distribuição, atacadistas (quando há) e varejistas (Figura 7.1). A sequência mostrada na Figura 7.1 é composta por: u
Suprimento da manufatura: para a fabricação de um determinado produto são necessários alguns tipos de matéria-prima como, por exemplo, leite para fazer iogurte, plástico ou vidro para produzir gar-
219
Matériaprima
Componentes pré-montados
Componentes soltos
Suprimento da manufatura
Transporte
Manufatura
Transporte
CD do varejista
Distribuição física
Transporte
Loja n
Loja 3
Loja 2
Loja 1
Consumidor Final FIGURA 7.1 • Elementos da cadeia de suprimento
220
rafas, e alumínio para produzir latas de cerveja. Alguns tipos de indústria utilizam componentes pré-montados, que são produzidos por outras indústrias. Por exemplo, compressores para serem incorporados a geladeiras. A indústria também consome componentes soltos, como parafusos, porcas, fios etc. u Manufatura: é o processo de fabricação propriamente dito, normalmente envolvendo várias etapas e podendo ser mais ou menos complexo, conforme o tipo de produto a ser industrializado. Ligados à
manufatura, há normalmente estoques de insumos variados (matéria-prima, componentes), os quais muitas vezes são reduzidos ao máximo através do abastecimento direto na linha de produção, por parte de alguns fornecedores (sistema just-in-time). Quando pronto, e enquanto aguarda distribuição, o produto acabado permanece estocado no armazém ou depósito da fábrica. u Distribuição física: uma vez pronto, o produto é despachado para depósitos ou centros de distribuição, para posterior envio às lojas de varejo. Geralmente, o próprio varejista opera seu(s) depósito(s). Há casos em que a distribuição é feita a partir de um atacadista ou distribuidor. u Varejo: as lojas de varejo, representadas na Figura 7.1, podem pertencer a firmas diversas ou, no caso de cadeias varejistas, a uma única empresa. Conforme visto no Capítulo 1, no caso de franquias há uma situação mista, em que as lojas mantêm uma imagem estética e comercial unificada, embora operadas por pessoas jurídicas diversas. u Consumo: é a fase final da cadeia de suprimento, foco central de todos os seus participantes. u Transporte: aparece em várias etapas da cadeia de suprimento, deslocando matérias-primas e componentes para a manufatura, levando produtos acabados para os centros de distribuição e destes para as lojas e, em muitos casos, entregando mercadorias diversas nos domicílios dos consumidores. A cadeia de suprimento representada na Figura 7.1 apresenta variações, dependendo do tipo de produto e da forma de comercialização.
A IMPORTÂNCIA DA GESTÃO DE CUSTOS Nas fases anteriores da Logística, antes do Supply Chain Management (SCM), se dava muita ênfase à garantia da qualidade, não só do produto, como também dos serviços associados (entrega, atendimento pós-venda etc.). Paralelamente, e como decorrência da forte competição entre as empresas, passou-se a buscar a redução de custos em todos os níveis e de forma sistemática. Na moderna concepção do SCM, a satisfação desses dois objetivos é considerada um fato consumado, ou seja, admite-se que essa condição já foi plenamente atingida dentro da empresa. Isso porque tal padrão é o mínimo que se considera adequado para atuar competitivamente no mercado globalizado. Dessa forma, as empresas que ainda não conseguiram implantar um controle de qualidade adequado ou que vêm apresentando níveis de custo acima da prática de seu setor dificilmente conseguirão atuar de forma integrada e com sucesso na cadeia de suprimento otimizada.
221
Tradicionalmente, as empresas tendem a focalizar seus custos dentro do domínio estrito de suas atividades. A contabilidade gerencial considera todos os custos e ativos internos à firma: matéria-prima, mão de obra, os processos de produção, as instalações, o marketing, vendas, e tudo o mais que diz respeito às atividades fins e de apoio da empresa. Despesas que ocorrem externamente à firma não são normalmente consideradas, primeiro porque são de difícil quantificação e, segundo, porque cada empresa busca as vantagens imediatas para si mesma. Na análise de custo utiliza-se o conceito de valor agregado. Por exemplo, suponhamos um eletrodoméstico, cujos custos são resumidamente os seguintes: Materiais (adquiridos de fornecedores): Mão de obra direta: Custo indireto: Custo de estoque do produto acabado: Total:
R$112,80/unidade R$55,20 R$62,60 R$9,40 R$240,00
Se a indústria vende o eletrodoméstico ao varejista por R$288,00, terá uma margem de R$48,00. No balanço de seus custos, o fabricante gasta R$112,80 ou cerca de 39% da receita, com insumos provenientes de seus fornecedores (materiais), sendo os R$175,20 restantes (61% do preço de venda) o valor agregado pela indústria. Para o fabricante do produto, é muito importante conhecer a composição do custo e sua estrutura. Em primeiro lugar, conhecendo melhor a estrutura de custos, poderá atuar sobre os processos mais significativos em termos de gastos, visando reduzi-los. Com isso, aumentará sua margem ou, se enfrentar competição acirrada, poderá reduzir o preço de seu produto de forma a ganhar vantagem competitiva sobre seus concorrentes. Por outro lado, o conhecimento das relações de causa e efeito na formação dos custos lhe dará condições de prever, com razoável precisão, custos futuros, principalmente quando houver alterações significativas na demanda ou nos preços dos insumos básicos. Por exemplo, suponhamos que o custo indireto anual seja composto por uma parte fixa e uma parcela variável, da seguinte forma: Custo indireto anual (R$) = 752.000 + 25 × N,
222
(7.1)
onde N representa a produção anual do eletrodoméstico indicado acima (número de unidades produzidas). Hoje, são produzidas 20.000 unidades do produto, levando a um custo indireto anual de R$1.252.000,00 ou R$62,60 por unidade fabricada. Suponhamos que um novo cliente, uma grande cadeia va-
rejista que acaba de se instalar no país, peça ao fabricante uma cotação para fornecer 5.000 unidades por ano. A produção do eletrodoméstico seria agora de 25.000 unidades, levando os custos indiretos anuais a R$1.377.000,00 ou R$55,08 por unidade. Haveria, assim, uma economia de R$7,52 por unidade. Esse diferencial poderia ser repartido de forma a aumentar a margem do fabricante e/ou reduzir o preço cobrado do varejista. Suponhamos, por outro lado, que haveria aproximadamente um aumento médio de 3,5% nos preços dos materiais usados na fabricação do produto. Isso ocasionaria um aumento de R$3,95 nessa rubrica de custo. Por consequência, a redução de custo possível, caso o varejista confirmasse seu pedido, seria de R$7,52 – 3,95 = R$3,57 por unidade. Esse tipo de enfoque, que considera o valor agregado, é ainda muito utilizado nas empresas. Mas acaba falhando quando a empresa altera substancialmente suas práticas operacionais externas, forçando seus fornecedores ou seus clientes a adotarem novas formas de produção ou de operação. Shank e Govidarajan (1997) mencionam o caso de uma indústria automobilística americana que decidiu implementar o just-in-time em suas fábricas montadoras. Os custos de fabricação representavam 30% das vendas dos veículos por ela fabricados. A empresa, baseada na experiência japonesa, acreditava que o JIT poderia trazer uma redução de 20% nesses custos de manufatura. Ao implantar o novo sistema, objetivando eliminar os desperdícios e os estoques de segurança, seus custos de montagem começaram a cair sensivelmente. Mas sérios problemas com fornecedores começaram a surgir. Eles passaram a pedir aumentos de preços para os componentes, em níveis superiores à economia de custo obtida pela montadora. Uma análise mais aprofundada do problema mostrou os seguintes aspectos: G
G
G
50% do valor das vendas dos veículos pela montadora eram compostos por compras de insumos dos fornecedores; os fornecedores, por sua vez, gastavam 37% de suas receitas comprando insumos de outros fornecedores, sendo os 63% restantes o seu valor agregado; assim, o valor agregado dos fornecedores correspondia a 63% × 50% = 31,5% da receita da montadora.
O que aconteceu foi simplesmente uma transferência das deseconomias da montadora para seus fornecedores. Como eles não estavam preparados para a mudança e participavam com uma parcela maior no valor agregado do produto final, o resultado global foi pior do que o observado anteriormente. A montadora agiu isoladamente, e como as alterações por ela adotadas mudaram radicalmente as operações de seus fornecedores, as consequências foram negativas.
223
A forma moderna de gerenciar esse tipo de problema, com enfoque em toda a cadeia de suprimento, é a análise da cadeia de valor, cujos conceitos e propriedades analisaremos a seguir.
A CADEIA DE VALOR O conceito de cadeia de valor foi desenvolvido por Michael Porter, professor da Harvard Business School, sendo, hoje, um dos pilares do moderno gerenciamento da cadeia de suprimento (Porter, 1989). Quando um consumidor compra um determinado produto numa loja, a um determinado preço, o pagamento que faz cobre uma série de elementos de natureza diversa, que participam do processo de fabricação, do transporte da mercadoria e dos serviços complementares. De um lado, se somarmos as despesas elementares correspondentes a todos esses fatores, chegaremos a uma determinada importância X, que representa o custo final do produto em questão. Num ambiente competitivo, valor é o montante que os compradores estão dispostos a pagar por aquilo que uma empresa, ou indivíduo, lhe fornece (Porter, 1989). Assim, se uma lata de cerveja tem um custo final, no varejo, de R$0,80, ela pode ser vendida gelada, num estádio de futebol, em pleno jogo, e sob um sol forte de 35°C, por R$3,00. Isso porque o torcedor, com sede, e sem condições práticas de buscá-la em casa ou no supermercado, sabe avaliar a situação e concorda em atribuir-lhe um valor substancialmente maior. Caso contrário, refrearia sua sede, deixando para beber a cerveja em casa ou no bar, após o encerramento do jogo. É claro que, por trás desse exemplo, supomos que haja concorrência perfeita. No caso, a concorrência se dá quando aparecem vários vendedores independentes no estádio. Se um deles exagera na fixação do preço, haverá outros dispostos a disputar-lhe a clientela. A definição de valor não se aplica, portanto, aos casos de monopólio ou a outras situações em que a lei da oferta e da procura não vigora. O valor não é medido pelo custo final, mas sim pela receita total, resultante do preço que a empresa estabelece para o produto, em função do mercado e do número de unidades que ela pode vender. A empresa será rentável quando a soma dos custos envolvidos na geração do produto for menor do que o valor que ela consegue estabelecer para ele.1 A meta de uma empresa moderna, competitiva, é de aumentar ao máximo o valor agregado de seus produtos, ao mesmo tempo em que busca minimizar os custos globais na cadeia de suprimento. 1
224
Algumas empresas conseguem sobreviver durante certos períodos em que o custo supera o valor, compensando o prejuízo durante períodos de alta. Por exemplo, uma exportadora de soja em grãos, que tem lucro durante a estação de safra, e déficit durante a entressafra.
Atividades de apoio
O valor de um determinado produto é composto pela margem e pelas atividades de valor. As atividades de valor são formadas pelos processos físicooperacionais tecnologicamente distintos de que uma empresa lança mão para criar um produto com um determinado valor de mercado. Se subtrairmos do valor do produto a soma dos custos referentes às atividades de valor, teremos a margem. A margem é normalmente dividida (não necessariamente em partes iguais) entre varejista, fabricante, fornecedores, transportadoras, intermediários e todos mais que participam da cadeia de suprimento. Cada atividade de valor utiliza insumos diversos, tais como recursos humanos (mão de obra e gerência), materiais, tecnologia e informação, podendo gerar ativos financeiros, como estoques e contas a receber, e passivos, como contas a pagar. Porter classifica as atividades de valor em duas categorias: atividades primárias (logística de suprimento ou inbound, operações, logística de distribuição ou outbound, marketing e vendas, assistência técnica) e atividades de apoio (infraestrutura da empresa, gerenciamento de recursos humanos, desenvolvimento de tecnologia, aquisição de insumos e serviços). A infraestrutura da empresa compreende as atividades de administração, como gerência geral, planejamento, finanças, contabilidade, assistência jurídica e gerência de qualidade. Graficamente, Porter representa a composição das atividades primárias e de apoio conforme mostrado na Figura 7.2. A cadeia de suprimento é formada por uma sequência de cadeias de valor, cada uma correspondendo a uma das empresas que formam o sistema. Embora as atividades de valor sejam os elementos-chave da vantagem competitiva, a cadeia de valor não é um conjunto de atividades independentes, e sim um sistema de atividades interdependentes. As interligações entre as atividades de valor são formadas por elos, que refletem as relações dentro da
Infraestrutura da empresa Gerenciamento de recursos humanos M Desenvolvimento de tecnologia
A
Aquisição de insumos e serviços
R G
Logística inbound
Operações
Logística outbound
Marketing e vendas
E Assistência técnica
M
Atividades primárias (Fonte: Porter, 1989)
FIGURA 7.2 • A cadeia de valor (Porter, 1989)
225
empresa ou fora dela (Porter, 1989). Um exemplo é a situação da montadora americana, relatada anteriormente. O JIT implementado pela montadora tem efeito sobre o desempenho e os custos de algumas das atividades de valor dos fornecedores. A cadeia de valor completa é muito extensa, pois, como mostra a Figura 7.1, envolve a manufatura, seus fornecedores, outros fornecedores nos segmentos anteriores do processo, varejistas, bem como outros agentes eventuais (atacadistas, representantes, distribuidores). Por essa razão, vamos considerar, no exemplo que se segue, apenas uma parte da cadeia de valor, mas por si só bastante significativa, permitindo a discussão de uma série de problemas importantes. No nosso exemplo, a cadeia de valor inclui o fabricante de um determinado produto e a empresa varejista, entrando também no processo a empresa transportadora. Esta última se encarrega da primeira etapa da distribuição, que vai desde a fábrica até o depósito central do varejista. Não tecemos maiores considerações, no exemplo, sobre a segunda etapa da distribuição, que corresponde à entrega do produto nas lojas e eventualmente na casa dos consumidores, a partir do depósito do varejista. Segundo a prática tradicional, ainda observada em muitos casos, cada empresa da cadeia de valor tenta tirar o máximo de vantagem para si, ignorando os possíveis efeitos sobre os demais coparticipantes. O caso da montadora americana, mencionado neste capítulo, ilustra bem o problema. O gerenciamento da cadeia de suprimento, no entanto, implica o tratamento da cadeia de valor como um todo. Vamos analisar esse problema através de um exemplo.
ANÁLISE DA CADEIA DE VALOR O produto é um eletrodoméstico, pesando 44kg por unidade. A fábrica está localizada na região de Porto Alegre, e o depósito do varejista está situado na Grande São Paulo, numa distância aproximada de 1.120 km. A transportadora cobra um frete de R$96,40 por tonelada de carga ou R$4,24 por unidade, retirando o produto da fábrica em lotes de 568 peças (carreta de 25 toneladas úteis). Sobre os custos de suas atividades de valor, o fabricante incorpora uma margem de 15% calculada sobre o preço do produto pago pelo varejista. São vendidas, à empresa varejista, 20.000 unidades do eletrodoméstico por ano, na modalidade FOB.2 O varejista, por sua vez, incorpora uma margem bruta de 25%, calculada sobre o preço do produto na loja. Essa margem incorpora também os custos de comercialização (lojas, vendedores, gerenciamento, estoque nas lojas) e o lucro bruto da empresa.
226
2 Preço FOB: o preço cobrado pelo fornecedor não inclui o transporte, ficando a empresa compradora com a responsabilidade de contratá-lo e de retirar a mercadoria no depósito do primeiro. Na modalidade CIF, o preço da mercadoria já inclui o frete, sendo o fornecedor responsável pela sua entrega no armazém do cliente.
Admitimos, neste exemplo, que a demanda se distribui de forma homogênea ao longo do ano, não havendo picos sazonais nem variações aleatórias apreciáveis. O custo financeiro considerado na análise é de 30% ao ano. Nesta análise não consideraremos a incidência dos impostos (IPI, ICMS nos estados de origem e de destino, PIS, COFINS e Imposto de Renda) nos custos. Basicamente, o direcionador (veja Capítulo 11) de custo que adotamos como elemento a ser otimizado no exemplo é o lote de despacho da carga, para transferência do produto entre a fábrica e o depósito do varejista.
Estrutura de Custo Na nossa análise vamos considerar os custos das seguintes atividades de valor: 1. Nível do fabricante: custo de materiais (adquiridos de fornecedores); custo de mão de obra direta; custos indiretos; custo de estoque do produto acabado; custo de armazenagem do produto acabado. G
G
G
G
G
2. Nível do varejista: custo de aquisição do produto; custo de transporte (frete); custo de estoque em trânsito; custo de estoque do produto no depósito do varejista; custo de armazenagem do produto; custo de entrega às lojas e aos clientes finais. G
G
G
G
G
G
Desses itens de custo, são considerados constantes na análise os seguintes: mão de obra direta e custo de entrega. São considerados variáveis os seguintes itens: materiais, custos indiretos, custo de estoque do produto acabado na fábrica, custo de armazenagem, custo de aquisição do produto pelo varejista, custo do transporte, custo de estoque em trânsito e custo de estoque no depósito do varejista. Na Tabela 7.1 são apresentados os valores dos principais custos do nosso exemplo. Os custos variáveis são explicados por um direcionador de custo que, no caso, é o lote de despacho L do produto. 227
Tabela 7.1 Valores dos principais itens de custo adotados no exemplo Item
Valor (R$/unidade)
•
custo de materiais
•
custo de mão de obra direta
55,20
•
custos indiretos
62,60
•
custo de armazenagem do produto acabado na fábrica
0,30
•
custo de armazenagem no depósito do varejista
0,30
•
custo de entrega
8,90
112,80
Situação Inicial A situação inicial corresponde a um esquema pouco competitivo, em que cada elemento da cadeia de suprimento age independentemente, buscando maximizar suas vantagens à maneira clássica, isto é, atuando sobre seus custos de forma a aumentar sua margem no processo. A transferência do produto da fábrica para o depósito do varejista é deixada por conta da transportadora, que selecionou uma carreta de 25 toneladas para fazer essa operação. Uma vez que uma unidade de eletrodoméstico pesa 44kg, cada carreta transportará L = 25.000/44 = 568 unidades. Na Tabela 7.2 é apresentada a cadeia de valor para a situação atual.
Situação de Domínio do Varejista
228
A situação que analisamos corresponde a um equilíbrio natural entre os três participantes do processo (o fabricante, o transportador e o varejista), sem que se note qualquer esforço maior na direção de otimização do sistema ou da predominância de um dos participantes nas decisões estratégicas da cadeia de suprimento. Suponhamos agora que o varejista, pelas dimensões de seus negócios, consiga impor suas condições aos demais, de forma a otimizar o processo para si. Como o produto é comprado FOB, as despesas de transporte e de estoque em trânsito são de responsabilidade do varejista, além das despesas de armazenagem e de estocagem em seu depósito, bem como o custo de entrega. Num primeiro momento, o varejista percebe que a utilização de um caminhão grande tem um forte efeito no custo de estocagem do produto em seu depósito. Passa então a negociar com a transportadora, visando reduzir tal parcela de custo. Nessa primeira fase, o fabricante não participa ainda do processo de negociação. Assim, o preço cobrado pelo fabricante ao varejista permanece inalterado e igual a R$274,54, conforme indicado na Tabela 7.2.
Tabela 7.2
Cadeia de valor – situação inicial
Item
Valor (R$/unidade)
Fabricante Custo de materiais
112,80
Custo de mão de obra direta
55,20
Custos indiretos
62,60
Custo de estoque do produto acabado
2,46
Custo de armazenagem do produto acabado
0,30
Margem do fabricante (15% valor de venda)
41,18
Preço de venda para varejista
274,54
Varejista Custo de aquisição do produto
274,54
Custo do transporte (frete)
3,96
Custo de estoque em trânsito
0,45
Custo de estoque do produto no depósito do varejista
2,97
Custo de armazenagem do produto
0,30
Custo de entrega às lojas e aos clientes finais
8,90
Margem do varejista (25% valor de venda)
97,04
Preço final para o consumidor
388,15
Calculando os custos, o varejista percebe que um veículo de 18,1 toneladas de capacidade útil, transportando um lote de 399 unidades, é a escolha que torna mínima a soma de seus custos. Levando em conta a oferta de veículos no mercado automobilístico, o caminhão mais próximo é um baú Scania T 114 GA 360, de 18,2 toneladas úteis, transportando 413 unidades do produto. Mas a transportadora não aceita mudar seu esquema de operação cobrando o mesmo frete. Alega – e com razão – que as economias de escala, ao usar carretas de grande capacidade, são apreciáveis, e que ficaria no vermelho se passasse a utilizar veículos menores, cobrando o mesmo preço. Já sintonizada com as modernas exigências do mercado, a transportadora abre seus custos ao varejista e demonstra,3 de forma inequívoca, seu ponto de vista. Após longas negociações, chegam a um acordo: o varejista aceita pagar um frete de R$104,09 por tonelada ou R$4,58 por peça, contra o valor anterior de R$3,96, um aumento de 15,6%.
3
Situação que decididamente ainda não ocorre no Brasil.
229
230
Caso o varejista insistisse em continuar pagando um frete de R$3,96 por unidade, o que poderia acontecer? Uma possibilidade seria levar a transportadora à falência, levando à sua substituição por outra, e assim sucessivamente. Outra possibilidade seria conseguir a anuência verbal ou contratual da transportadora, a qual, na prática, não cumpriria o prometido. Retiraria a mercadoria nas quantidades e frequências combinadas, mas manteria a carga no seu armazém à espera de consolidação, antes de seguir viagem em caminhões de maior porte. Qual o benefício que o varejista aufere ao aceitar o novo frete solicitado pela transportadora? O custo de transporte apresenta uma forte economia de escala, isto é, o custo unitário por tonelada tende a cair significativamente à medida que a capacidade de carga do veículo aumenta. Mas o efeito no custo de estoque é diametralmente contrário. De fato, quando aumentamos a capacidade de carga do veículo, o lote de despacho aumenta na mesma proporção (admitindo que o veículo viaje lotado) e o efeito no custo financeiro do estoque cresce apreciavelmente. Os efeitos simultâneos desses dois fatores, atuando de forma inversa, acabam levando a uma situação intermediária, de mínimo custo. Assim, o varejista, que tinha antes um custo de transporte mais estoque igual a 3,96 + 0,45 + 2,97 = $7,38, passa a ter um custo de 4,58 + 0,45 + 2,15 = $7,18, mais baixo portanto que o anterior. Analisando seus custos, o varejista sabe que sua margem na cadeia de valor vai aumentar, conforme mostrado na Tabela 7.3. Observa-se que o preço final para o consumidor não foi alterado, pois admitimos que o varejista possa impor suas condições não somente aos demais participantes da cadeia de suprimento, como também aos clientes finais. Nessas condições de vantagem, o varejista aufere agora uma margem de R$97,23, com um acréscimo de apenas de R$0,19 em relação à situação anterior. Insatisfeito com seus ganhos, o varejista procura se apropriar do ganho do fabricante. Observa que a mudança no esquema de distribuição fábricadepósito ocasiona também uma redução nos custos de estoque do fabricante. De fato, na situação anterior havia um custo de estoque de produto acabado na fábrica de R$2,46, custo este que foi reduzido para R$1,78 na nova situação, uma redução de R$0,68 para o fabricante. O varejista, exercendo domínio absoluto sobre a cadeia de suprimento, pressiona o fabricante para reduzir o preço do produto. Ao fim, a indústria concorda em reduzi-lo desde que seja mantida sua margem anterior em valor absoluto, de R$41,18 por peça. A cadeia de valor resultante para essa situação é a indicada na Tabela 7.4. Observa-se que o varejista passa a ter agora uma margem de R$97,99 por unidade vendida, correspondente a 25,25% do preço final de venda do produto. O fabricante continua a auferir sua margem anterior (em valores
absolutos) e a transportadora, por sua vez, está em melhor situação do que antes, porque fatura 15,6% a mais, recebendo um frete que cobre todos os seus custos e lhe dá uma margem aceitável. Nesse quadro em que o varejista exerce domínio absoluto, todos os participantes ganham ou mantêm sua posição inalterada, ou seja, nenhum deles perde, inclusive o consumidor final, que adquire o produto ao mesmo preço vigente antes. Isso se tomarmos a situação atual como referência. Mas esse quadro não é uma boa referência, pois apresenta distorções gritantes. A realidade dos dias atuais é bem diferente. Os competidores, reduzindo seus custos e remarcando seus preços para baixo, vão forçar os participantes da nossa cadeia de suprimento a oferecer preços menores também. Por exemplo, o varejista poderia manter sua margem absoluta de R$97,04 vigente na situação inicial, reduzindo o preço do produto no varejo para R$386,61. Com isso poderia vender mais, diluindo mais facilmente os custos indiretos, e aumentando, assim, sua margem e o seu faturamento.
Tabela 7.3 Cadeia de valor – situação de domínio do varejista (após negociação com transportadora) Item
Valor (R$/unidade)
Fabricante Custo de materiais
112,80
Custo de mão de obra direta
55,20
Custos indiretos
62,60
Custo de estoque do produto acabado
1,78
Custo de armazenagem do produto acabado
0,30
Margem do fabricante
41,92
Preço de venda para varejista
274,54
Varejista Custo de aquisição do produto
274,54
Custo do transporte (frete)
4,54
Custo de estoque em trânsito
0,45
Custo de estoque do produto no depósito do varejista
2,15
Custo de armazenagem do produto
0,30
Custo de entrega às lojas e aos clientes finais
8,90
Margem do varejista Preço final para o consumidor
97,23 388,15
231
Tabela 7.4 Cadeia de valor – situação de domínio do varejista (após negociação com a transportadora e com o fabricante do produto) Item
Valor (R$/unidade)
Fabricante Custo de materiais
112,80
Custo de mão de obra direta
55,20
Custos indiretos
62,60
Custo de estoque do produto acabado
1,78
Custo de armazenagem do produto acabado
0,30
Margem do fabricante Preço de venda para varejista
41,18 273,78
Varejista Custo de aquisição do produto
273,78
Custo do transporte (frete)
4,58
Custo de estoque em trânsito
0,45
Custo de estoque do produto no depósito do varejista
2,15
Custo de armazenagem do produto
0,30
Custo de entrega às lojas e aos clientes finais
8,90
Margem do varejista Preço final para o consumidor
97,99 388,15
Situação de Domínio do Fabricante
232
Suponhamos agora que a indústria que fabrica o produto consiga impor suas condições aos demais, de forma a otimizar o processo para si. Normalmente, numa situação de domínio sobre a cadeia de suprimento, a indústria tende a vender seu produto na modalidade CIF, e não FOB, como anteriormente. Nessa modalidade, as despesas de transporte e de estoque em trânsito são de responsabilidade do fabricante. De forma análoga à situação anterior, a indústria percebe que a utilização de um caminhão de maior capacidade tem forte efeito no custo de estocagem do produto acabado em seu depósito. Negocia então com a transportadora, visando reduzir tal parcela de custo. O fabricante verifica então que um veículo de 13,8 toneladas de capacidade útil, transportando um lote de 314 unidades, é a escolha que torna mínima a soma de seus custos. A transportadora aceita mudar seu esquema de operação somente com alteração no frete. Após longas negociações chegam a um acordo: a indústria aceita pagar um frete de R$119,32 por tonelada ou R$5,25 por unidade do produto. A margem do varejista, em valor absoluto vigente na situação atual, é mantida.
Agora, a cadeia de valor é a indicada na Tabela 7.5. Admitimos, de forma análoga à situação anterior, que o preço final do produto ao consumidor permanece inalterado. Quando comparamos a cadeia de valor da Tabela 7.5 com a correspondente à situação inicial (Tabela 7.2), observamos que o fabricante passa a ter um aumento de R$1,18 na sua margem ou 2,9%. Nessas três situações analisadas, todos os participantes ganham ou mantêm sua posição inalterada, ou seja, nenhum deles perde, inclusive o consumidor final, pois o preço no varejo não se altera. Os casos analisados mostram um aspecto muito interessante. Existem ganhos potenciais nos elos da cadeia de suprimento, quando consideramos conjuntamente dois ou mais participantes, justificando uma atuação conjunta, com o objetivo de aumentar a competitividade global do sistema. Mas os resultados do exemplo indicam que esses ganhos não são tão apreciáveis assim, a ponto de justificar um grande esforço de integração dos participantes da cadeia. Onde estariam então os ganhos possíveis, trazidos pelo moderno Supply Chain Management? Na verdade os benefícios começam a se tornar palpáveis quando a demanda é elástica, ou seja, quando varia significativamente com o preço do produto.
A PARCERIA NA CADEIA DE VALOR As economias de custo, observadas nos elos da cadeia de suprimento entre dois ou mais participantes, são potencialmente elevadas, justificando uma atuação conjunta com o objetivo de aumentar a competitividade global do sistema. Por outro lado, as empresas, tanto indústrias como varejistas, já vêm reduzindo drasticamente os custos de suas próprias atividades. Em terceiro lugar, com o foco na satisfação plena do consumidor, que é o objetivo final de toda a cadeia de suprimento, os participantes da cadeia estão sendo forçados a abandonar suas atitudes individualistas e adotar posições colaborativas, formando parcerias. Numa situação focalizada no consumidor, o objetivo não é mais maximizar a margem de um ou mais participantes da cadeia de suprimento. O objetivo agora é reduzir o preço final para o consumidor, visando ter um maior volume de vendas e aumentar a participação no mercado (market share), conseguindo maior giro e, consequentemente, maiores lucros. É claro que somente a redução no preço ao consumidor final não basta. Em termos logísticos, ainda há muitos fatores a considerar. Mas, nesta análise, estamos destacando a questão da cadeia de valor, com destaque para os custos. Nesta parte da análise, a quantidade consumida do produto é admitida como variando com o preço, seguindo uma curva de demanda. Normalmente, a curva de demanda apresenta um padrão decrescente com o preço, con-
233
Quantidade X Preço 100.000
Demanda (unidades/ano)
90.000 80.000 70.000 60.000 50.000
ajuste por regressão
40.000
situação inicial
30.000 20.000 10.000 0 200
250
300
350
400
450
500
550
600
Preço (R$/unidade) FIGURA 7.3 • Relação preço-demanda típica
forme mostrado na Figura 7.3. Para ajustar a curva, necessitamos de informações sobre os níveis de demanda associados a diferentes preços. Para o nosso exemplo, são disponíveis os dados indicados na Tabela 7.6. Por meio de regressão simples, ajustamos uma curva aos dados indicados na Tabela 7.6: ⎛ p ⎞ Q = 367 ,75 × ⎜ ⎟ ⎝ 1000⎠
−3 , 8
(R2 = 0,959)
(7.2)
onde p é o preço final do produto e Q a demanda anual. O expoente da expressão 7.2 representa a elasticidade da demanda em relação ao preço. A elasticidade é definida a partir de uma pequena perturbação nas vizinhanças de um ponto. Por exemplo, na curva de demanda mostrada na Figura 7.4, consideramos um ponto X e fazemos uma pequena variação, aumentando o preço p de um incremento Δ p, de forma a levá-lo ao ponto X´, com p´ = p + Δ p e Q´ = Q + Δ Q. Por definição, a elasticidade da demanda no ponto P é dada por: ⎛ ΔQ⎞ ⎛ Δp⎞ ε=⎜ ⎟÷⎜ ⎟ ⎝ Qx ⎠ ⎝ px ⎠
234
(7.3)
Tabela 7.5 Cadeia de valor – situação de domínio do fabricante (após negociação com transportadora) Item
Valor (R$/unidade)
Fabricante Custo de materiais
112,80
Custo de mão de obra direta
55,20
Custos indiretos
62,60
Custo de armazenagem do produto acabado
0,30
Custo de estoque do produto acabado
1,35
Custo do transporte (frete)
5,25
Custo de estoque em trânsito
0,38
Margem do fabricante
42,36
Preço de venda para varejista
280,24
Varejista Custo de aquisição do produto
280,24
Custo de estoque do produto no depósito do varejista
1,67
Custo de armazenagem do produto
0,30
Custo de entrega às lojas e aos clientes finais
8,90
Margem do varejista
97,04
Preço final para o consumidor
388,15
Em outras palavras, a elasticidade é igual à relação entre a variação relativa da demanda e a variação relativa do preço. Por exemplo, suponhamos que, ao diminuir o preço em 2%, a demanda aumente 6%. As porcentagens são variações relativas e, então, a elasticidade pode ser estimada dividindo-se a segunda porcentagem pela primeira: ε= Tabela 7.6
6% = −3 − 2%
(7.4)
Níveis observados de demanda em função do preço do produto
Preço (R$/unidade)
Demanda (unidades)
234
98.000
278
40.000
343
30.000
338
20.000
452
10.000
535
5.000
580
2.000
235
100.000 90.000
Demanda (unidades/ano)
80.000 70.000 60.000 50.000 X'
Q' DQ
X
Q 20.000 Dp
10.000 0 200
250
p'
p
350
400
450
500
550
600
Preço (R$/unidade) FIGURA 7.4 • Elasticidade preço-demanda
Ou seja, neste exemplo a elasticidade é igual a –3, significando que uma variação percentual no preço, positiva ou negativa, tem um impacto três vezes maior na demanda, com efeito invertido, daí o seu valor negativo. Segundo Ângelo e Silveira (1994), a elasticidade média da demanda em relação aos preços dos produtos num supermercado típico nos Estados Unidos é de aproximadamente –10. Já nas lojas de conveniência, conforme os citados autores, a elasticidade é da ordem de –5. Os valores da elasticidade dependem muito do tipo de produto, do mercado (concorrência, disponibilidade da oferta), da classe de renda, além de outros fatores. Numa curva de demanda do tipo indicado na expressão 7.2, o valor da elasticidade é igual ao expoente e, portanto, ε = –3,8. No exemplo, o preço inicial do produto é de R$388,15 por unidade, com demanda de 20.000 peças por ano. A curva de demanda é então deslocada de forma a continuar apresentando a mesma elasticidade, mas passando pelo ponto inicial (curva tracejada, Figura 7.3): ⎛ p ⎞ Q = 548,56 ⎜ ⎟ ⎝ 1.000⎠
−3 , 8
(7.5)
onde Q é a demanda anual do produto e p é seu preço. O fabricante, por outro lado, poderá negociar descontos com seus fornecedores se adquirir maiores volumes de matéria-prima e de componentes. Neste exemplo, admitimos os descontos indicados na Tabela 7.7, que levam a custos unitários decrescentes dos materiais utilizados na fabricação do produto. Os custos indiretos, por sua vez, são calculados pela seguinte expressão: 236
(custos indiretos por unidade fabricada) = ⎛ 20.000⎞ 31,30 + 31,30 ⎜ ⎟ ⎝ Q ⎠ Tabela 7.7
(7.6)
Custo unitário de materiais em função do volume de produção
Volume de fabricação (unidades por ano)
Desconto (%)
Custo por unidade (R$)
–
112,80
25.000≤ Q <30.000
5%
107,20
30.000≤ Q ≤50.000
5%
101,80
50.000≤ Q <100.000
5%
96,70
Q ≥100.000
2%
94,80
Q <25.000
Ou seja, 50% dos custos indiretos, ou R$31,30, variam diretamente com o volume produzido, enquanto os 50% restantes são fixos. Observa-se que, para a situação inicial de referência, com Q = 20.000, a expressão 7.5 repete o valor de R$62,60 para os custos indiretos, adotado também nas outras situações anteriormente analisadas. Os custos de armazenagem, tanto no depósito do fabricante como no CD do varejista, também variam agora com o nível de produção, conforme a seguinte expressão: (custos de armazenagem por unidade fabricada) = ⎛ 20.000⎞ 0,24 + 0,26 ⎜ ⎟ ⎝ Q ⎠
(7.7)
Nessa expressão, supôs-se que 20% do custo unitário (ou R$0,06) seja variável, sendo os restantes 80% (ou R$0,24) fixos. Admitimos também que, num primeiro estágio, a indústria possa aumentar sua produção até um limite de 50.000 unidades por ano. Para isso aproveitará a capacidade ociosa existente e passará a operar em três turnos, quando hoje trabalha apenas com um turno. Os participantes da cadeia devem pensar agora nos resultados globais de sua operação integrada, e não nas suas vantagens individuais. A estratégia dos participantes da cadeia logística será então a de maximizar a margem anual global do processo, dada pela seguinte relação: (margem global) = Q × (p – custo manufatura – custo comercialização – custo transporte)
(7.8) 237
Ou seja, subtraem-se do preço os custos unitários de manufatura (fabricante), de comercialização (varejista) e de transporte do produto acabado. A margem global da cadeia é obtida multiplicando a margem unitária pela quantidade Q comercializada. As variáveis do problema são agora o preço p do produto no varejo e o lote de despacho do produto acabado, que é igual a W, a capacidade útil do caminhão. Aplicando um método de otimização para essas duas variáveis, de forma a buscar o valor máximo da expressão 7.8, obtivemos os seguintes resultados: G
G
G
Preço a ser cobrado do consumidor: R$305,30 Quantidade produzida e comercializada por ano: 50.000 Lote de despacho (toneladas): 24,9
Os resultados correspondentes à situação otimizada são apresentados na Tabela 7.8. Vemos que a margem global da cadeia logística analisada é de R$88,08 por unidade vendida. Como ratear essa margem entre varejista e fabricante? É claro que a divisão dos resultados, numa situação real, depende das negociações entre as partes. Neste exemplo, admitimos que a margem de cada um é proporcional aos valores auferidos na situação inicial, mostrada na Tabela 7.2, ou seja, R$26,54 para o fabricante e R$62,54 para o varejista.
Tabela 7.8
Cadeia de valor – Supply Chain otimizada
Item
Valor (R$/unidade)
Fabricante Custo de materiais
101,80
Custo de mão de obra direta
55,20
Custos indiretos
43,82
Custo de armazenagem do produto acabado
0,24
Custo de estoque do produto acabado
0,85
Custo de estoque em trânsito
0,33
Transporte
3,97
Varejista Custo de estoque do produto no depósito do varejista
0,87
Custo de armazenagem do produto
0,24
Custo de entrega às lojas e aos clientes finais
8,90
Custo total Margem global
238
Preço final para o consumidor
216,22 89,08 305,30
Na Tabela 7.9, apresentamos uma análise comparativa dos resultados, mostrando os ganhos potenciais auferidos pelos participantes, dentro do Supply Chain Management, contra os conseguidos nas situações anteriores, não colaborativas. Tanto o fabricante como o varejista ganham com a parceria. O primeiro tem sua margem anual acrescida de 56,6%, enquanto o segundo tem um ganho de 59,6%. O varejista continua ganhando uma parte maior do resultado global. Mas um esquema diferente na divisão do bolo é possível, tudo dependendo de um acerto entre as partes. Todos inegavelmente ganharão, inclusive o transportador. Embora este último não participe diretamente do SCM, admitiu-se que o frete pago cubra não somente os custos correntes, como também lhe proporcione uma margem adequada.
Tabela 7.9
Ganhos potenciais na cadeia otimizada
(Valores em reais)
Melhor situação anterior (sem parceria) (Q = 20.000/ano)
Supply Chain Otimizado (Q = 50.000/ano)
Ganho
Por unidade
Global (R$)
Por unidade
Global (R$)
(R$) (%)
•
Margem do fabricante
42,36
847.200
26,54
1.327.000
479.800 (+56,6%)
•
Margem do varejista
97,99
1.959.000
62,54
3.127.000
1.168.000 (+59,6%)
•
Margem global
–
–
89,08
4.454.000
PARTICIPAÇÃO DA LOGÍSTICA NA CADEIA DE VALOR Nosso exemplo mostrou, ainda que de forma simplificada, como se pode trabalhar sobre a cadeia de valor de forma sistemática e contínua, visando à melhoria da competitividade de toda a cadeia de suprimento. É claro que o processo de melhoria não para aí. Pode-se conseguir reduções adicionais nos custos das atividades de valor à medida que o grupo de empresas que formam a cadeia for aumentando sua participação no mercado e investindo em novas expansões. Algumas medidas possíveis, à medida que o volume produzido cresce como resultado do incremento nas vendas, são: G
G
G
maior diluição dos custos indiretos da manufatura; possibilidade de mudar a tecnologia de fabricação, com alteração do tempo de set up das máquinas e redução dos custos de manufatura; implantação de um sistema ECR ou Quick Response, com reabastecimento das lojas do varejista diretamente pelo produtor, com uso do EDI; 239
G
parcerias com os fornecedores de matéria-prima e de componentes da indústria, visando à otimização e consequente redução nos custos finais.
É importante observar que grande parte das medidas possíveis para melhorar a cadeia de valor depende de um bom equacionamento das atividades logísticas. Mais do que isso, a Logística de hoje, dentro dos conceitos do gerenciamento da cadeia de suprimento, não trata tão somente das operações logísticas clássicas, mas é eminentemente estratégica, ou seja, atua fortemente na concepção, planejamento, implementação e execução dos projetos estratégicos das empresas.
BIBLIOGRAFIA Angelo, C.F. de e Silveira, J.A.G. da (1994). “Precificação no Varejo: A Contribuição da Economia”, in Varejo: Modernização e Perspectivas, p. 31-39, Editora Atlas, São Paulo, SP. Cachon, G.P. (1999). “Competitive Supply Chain Inventory Management”, in Tayur, S. et al. (edit.). Quantitative Models for Supply Chain Management, p. 112-146, Kluwer Academic Publishers, Boston, EUA. Christopher, M. Logística e Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos, Editora Pioneira, São Paulo, 1997. Kotler, P. e Armstrong, G. (1993). Princípios de Marketing, Prentice-Hall do Brasil, Rio de Janeiro, RJ. Morgado, M.G. e Gonçalves, M.N. (1997). Varejo: Administração de Empresas Comerciais, Editora Senac, São Paulo, SP. Porter, M. (1986). Estratégia Competitiva, Editora Campus, Rio de Janeiro, RJ. Porter, M. (1989). Vantagem Competitiva, Editora Campus, Rio de Janeiro, RJ. Shank, J.K. e Govindarajan, V. (1997). A Revolução dos Custos, Editora Campus, Rio de Janeiro, RJ.
240
8
Distribuição Física: Conceitos e Condicionantes
CONCEITUAÇÃO A cadeia de distribuição clássica é formada por um canal de um nível, isto é, entre o fabricante e o consumidor existe um único intermediário, o varejista. Uma vez definidos os canais de distribuição, conforme discutido no Capítulo 4, torna-se necessário detalhar o processo logístico que concretizará, na prática, o projeto mercadológico selecionado. O objetivo geral da distribuição física, como meta ideal, é o de levar os produtos certos para os lugares certos, no momento certo e com o nível de serviço desejado, pelo menor custo possível. Há um certo antagonismo em garantir um nível de serviço elevado, ao mesmo tempo em que se pretende reduzir custos. Isso porque as possíveis melhorias no sistema, de uma forma geral, implicam custos maiores de transporte, de armazenagem e de estoque. Essa visão, no entanto, está presa ao conceito de valor agregado, quando a forma correta de focalizar o problema é através da cadeia de valor, conforme discutido no Capítulo 7. No primeiro caso, as empresas que formam a cadeia de suprimento procuram otimizar apenas as atividades que lhes tocam diretamente, enquanto, no moderno gerenciamento da cadeia de suprimento, o enfoque é o sistema no seu todo. No estudo de caso da trading Li & Fung, de Hong Kong (Capítulo 2), vimos que a empresa procura atuar sobre os “3 dólares soft”, que compreendem as despesas ao longo da distribuição, contra “1 dólar hard”, que corresponde aos custos de fabricação do produto. Nas palavras de Victor
241
Fung, reduzir as despesas de produção de 10 ou 20 centavos de dólar por unidade é uma tarefa quase impossível hoje, pois todas as empresas já vêm realizando campanhas de racionalização de custos há um certo tempo, não sobrando muito espaço para reduções adicionais. Mas, atuando sobre os “3 dólares soft”, ainda é possível conseguir reduções de custos apreciáveis, racionalizando, para isso, os processos logísticos que participam do Supply Chain. A distribuição física cobre os segmentos que vão desde a saída do produto na fábrica até sua entrega final ao consumidor. Algumas vezes, o produto é despachado da fábrica para o depósito de um atacadista. Noutras vezes, o produto é transportado do fabricante para o centro de distribuição do varejista. São também comuns os casos em que o fabricante abastece diretamente a loja de varejo. Na prática, podem também ocorrer outros esquemas de distribuição física, mas os mencionados são os mais comuns. Em muitas atividades varejistas o produto é entregue diretamente ao consumidor na loja, no ato da compra. Mas há muitos casos em que o produto é entregue posteriormente ao comprador em seu domicílio, seja porque é volumoso ou pesado (uma geladeira ou uma televisão, por exemplo), seja porque o varejista oferece esse serviço ao cliente, principalmente nos casos em que a aquisição é feita via fax, Internet ou outra forma remota de compra.
MODALIDADES DE TRANSPORTE NA DISTRIBUIÇÃO DE PRODUTOS Modos de Transporte e Flexibilidade Na Europa e nos Estados Unidos, a distribuição de produtos desde as fábricas até os centros atacadistas ou varejistas pode ser realizada através de modalidades de transportes diversas: rodovia, ferrovia, transporte aquaviário, aéreo e dutos para casos especiais (gás, gasolina, óleo diesel, álcool). Na maioria dos casos, há um leque de opções que o embarcador1 pode utilizar, envolvendo também combinações diversas de modalidades. No Capítulo 2 analisamos um caso simples, mas realista, de um sistema logístico de abastecimento de componentes para uma indústria automobilística situada em Detroit, a partir de um fornecedor localizado na França. A Figura 2.9 mostra a rede de transportes disponível, envolvendo as modalidades rodoviária, ferroviária e marítima, sobre a qual o embarcador pode escolher a melhor opção. E qual será a melhor opção? Será aquela que corres-
1
242
Embarcador é um termo usado no Brasil para designar todo aquele que despacha mercadoria utilizando um meio de transporte qualquer ou um operador logístico. Corresponde ao termo shipper, em inglês.
ponder ao menor custo total de transporte de porta a porta, respeitados, no entanto, os limites mínimo e máximo de tempo (janela de tempo). Ou seja, para a montadora em Detroit não interessa receber os componentes muito cedo, pois isso a obrigaria a estocar, controlar, fiscalizar o material recebido, atividades essas que geram custos, mas também não pode receber os componentes além do prazo, o que acarretaria problemas e eventuais paralisações na linha de produção. Há assim uma flexibilidade modal para o embarcador, flexibilidade essa que pode ser utilizada sempre que houver um elenco de alternativas disponíveis. Mas as possibilidades de otimização do transporte combinado não se exaurem aqui. O computador vai analisando dia a dia as alterações não previstas nas modalidades envolvidas: atrasos, greves, problemas meteorológicos etc. O sistema revê os custos e os novos tempos previstos, mudando a programação de forma a mantê-la de acordo com a janela de tempo inicialmente estabelecida. Por exemplo, se a carga já está num navio a caminho de Nova York, mas com atraso, e a conexão prevista era a ferroviária, o sistema pode reprogramar o segmento terrestre para agora ser feito por rodovia, que é mais rápido, embora com frete mais caro. Ou seja, a rede de transporte multimodal oferece também uma flexibilidade temporal, de grande valia para os embarcadores. A conjugação da flexibilidade modal com a temporal dá aos embarcadores grandes vantagens, pois podem lançar mão de modos de menor confiabilidade, mas de menor custo, refazendo suas programações sempre que for necessário. Aqui é importante introduzir duas definições. Os especialistas da área costumam utilizar o termo transporte intermodal para designar a conjugação de duas ou mais modalidades sem maiores preocupações além da simples integração física e operacional. Por exemplo, um produto pode ser embarcado num navio de cabotagem no Rio de Janeiro, descarregado no porto de Recife e de lá ser transportado por caminhão até seu destino final, digamos Garanhuns. Já o termo transporte multimodal designa muito mais do que uma simples inter-relação física: envolve a integração de responsabilidades (integridade da carga, seguro etc.), de conhecimento (o documento de despacho que acompanha a carga), de programação (horários combinados, cumprimento dos mesmos etc.), de cobrança do frete e demais despesas etc. Na verdade, quando se alcança um estágio de transporte multimodal, toda a integração entre as modalidades fica transparente para o embarcador. O agente de transporte, ou operador logístico, faz a escolha das modalidades de forma integrada, cotejando os possíveis ganhos de custo e as exigências de prazos e de segurança necessárias. No Brasil, não temos essa disponibilidade de opções modais. Nossas ferrovias não formam uma rede com boa cobertura do território nacional. As opções de transporte marítimo também não são amplas. Na distribuição in-
243
terna, a esmagadora parte do transporte de produtos manufaturados é constituída pelo transporte rodoviário. Para os embarcadores, restam poucas opções de transporte conjugado, levando ao uso intensivo de apenas um deles, o rodoviário. Se fizermos uma análise ABC dos fluxos de carga transportados no Brasil, expressos em toneladas/quilômetro, vamos observar que o transporte rodoviário corresponde ao grupo A, a ferrovia forma o grupo B, e as demais modalidades, juntas, constituem o grupo C. A seguir, vamos analisar as características mais importantes das diversas modalidades de interesse para a distribuição de produtos. Não abordamos o transporte dutoviário por ser muito específico, de interesse bem mais restrito.
Transporte Rodoviário Na América do Norte são usadas as siglas FTL (full truck load) e LTL (less than truck load) para indicar as duas formas mais usadas de transporte de carga. A primeira sigla indica um carregamento completo, ou seja, o veículo é carregado totalmente com um lote de despacho. No segundo caso, a capacidade do veículo é compartilhada com a carga de dois ou mais embarcadores. No Brasil, costumamos chamar de lotação completa o primeiro caso, e de carga fracionada o segundo. Operacionalmente, há grandes diferenças entre essas duas formas de transporte de carga. No caso da carga fracionada, a operação mais comum é formada por diversas etapas, a saber: G
G
G
G
G
G
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apanha do lote a ser transportado no depósito do cliente; transporte do lote até o centro de distribuição local da transportadora; descarregamento, verificação, rotulagem e triagem da mercadoria segundo os diversos destinos; transferência da mercadoria até a cidade de destino; descarregamento, verificação e triagem da mercadoria segundo os destinos finais; distribuição local com entrega da mercadoria ao cliente final.
Essas etapas podem envolver mais operações. Muitas empresas de transporte de carga possuem terminais intermediários de trânsito (Novaes, 2001). Por exemplo, uma carga fracionada originada em Porto Alegre e destinada a Salvador pode ser deslocada do terminal da transportadora na primeira cidade e, de lá, para o terminal intermediário de São Paulo. Ali, depois de descarregada, a mercadoria sofre nova triagem para, depois, seguir viagem para Salvador. Algumas vezes pode ser observado
mais do que um terminal de trânsito no percurso de uma determinada remessa. É claro que, com tantas operações intermediárias, o tempo de viagem de porta a porta tende a aumentar, o mesmo ocorrendo com o custo do transporte. Por que então muitos embarcadores utilizam esse tipo de transporte? A razão é simples: as exigências dos clientes por entregas mais frequentes (redução de estoques) e a pulverização dos pontos de destino no território nacional fazem com que os lotes de despacho sejam muitas vezes de proporções reduzidas. Se o embarcador contratasse um veículo completo para levar a carga para uma determinada cidade (ou cidades próximas entre si), o custo do transporte por unidade transportada ficaria muito alto. E se, por outro lado, ele esperasse para formar uma lotação completa, a frequência entre as entregas para um mesmo destino ficaria prejudicada, fazendo com que o cliente recorresse a outro fornecedor. Na transferência de produtos entre a fábrica e um centro de distribuição, seja ele da própria indústria, de um atacadista/distribuidor ou de um varejista, a escolha predominante é o da lotação completa. A razão é óbvia: as quantidades transportadas são maiores, favorecendo a seleção de um veículo maior, totalmente lotado. Há três ganhos principais de custo: (a) o veículo é em geral maior, com custo mais baixo por unidade transportada; (b) por ser mais homogênea, a carga é melhor arrumada dentro do caminhão, com melhor aproveitamento do espaço, reduzindo assim o custo unitário; (c) eliminam-se inúmeras operações intermediárias descritas anteriormente, com expressiva redução dos custos de movimentação da carga. Outra distinção importante que se faz para o transporte rodoviário de carga está relacionada com a estrutura de propriedade do veículo. Uma grande parte da frota brasileira é de propriedade de autônomos, pessoas físicas que fazem serviços de transporte para embarcadores diversos e para empresas transportadoras. São utilizados predominantemente para deslocamentos em lotação completa, mas podem ser utilizados também para transporte de carga fracionada, principalmente na distribuição urbana de produtos. As empresas transportadoras, por sua vez, operam muitas vezes com uma frota própria parcial, completando sua oferta de praça com veículos autônomos. Com isso, evitam permanecer com ociosidade da frota nas ocasiões em que o nível de demanda cai. Há também o caso de indústrias e de empresas comerciais que preferem operar seus próprios veículos, mas essa opção tende a diminuir devido à forte tendência de terceirização (ver Capítulo 9). Uma das grandes vantagens do transporte rodoviário é o de alcançar praticamente qualquer ponto do território nacional, com exceção de locais muito remotos, os quais, por sua própria natureza, não têm expressão econômica para demandar esse tipo de serviço.
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Transporte Ferroviário
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Por operar unidades (os trens) de maior capacidade de carga, o transporte ferroviário é basicamente mais eficiente em termos de consumo de combustível e de outros custos operacionais diretos. Mas, por outro lado, os custos fixos de uma ferrovia são altos: conservação da via permanente, operação dos terminais de carga e descarga, operação das estações, alimentação de energia no caso de via eletrificada etc. Por essa razão, as vantagens comparativas da ferrovia em relação à rodovia começam a aparecer para distâncias de deslocamento maiores. Para pequenas distâncias, os custos fixos não conseguem ser diluídos, onerando os fretes em demasia e tornando essa modalidade não competitiva. Outra especificidade do transporte ferroviário está relacionada com as características de manuseio da carga e com os volumes transportados. No caso de produtos a granel (grãos, minérios, fertilizantes, combustíveis), pode-se construir terminais de carga e descarga bastante eficientes, empregando vagões apropriados que permitem agilizar as operações, barateando os custos. Por exemplo, a Cia. Vale do Rio Doce possui vagões para o transporte de minério que podem ser girados em torno dos engates. Na descarga, um aparelho gira um conjunto de vagões (dois ou três), descarregando o minério por gravidade diretamente numa moega, numa operação extremamente rápida. O mesmo não pode ser feito com produtos manufaturados, exigindo operações bem mais lentas e custosas. Por outro lado, o percurso de um trem de carga típico ao longo da via é relativamente lento. Ao chegar numa estação, o trem pára e espera até que os vagões destinados àquele ponto sejam desengatados e colocados num desvio. Noutros casos (carga fracionada), o trem tem de esperar até que os homens descarreguem e verifiquem toda a mercadoria, para só então seguir viagem. É óbvio que, nesses casos, o tempo total de percurso é normalmente elevado e com grande variabilidade. Essa característica faz com que produtos manufaturados se afastem normalmente da ferrovia. Outra limitação do transporte ferroviário é a existência de vagões com finalidades específicas, que não podem ser utilizados no transporte de outros produtos. Por exemplo, vagões utilizados para transportar fertilizantes não podem transportar combustíveis, e vice-versa. Como normalmente há desbalanceamento de fluxos nos dois sentidos, é comum se observar muitos vagões vazios retornando ao ponto de origem para buscar mais carga. Esse deslocamento de veículos vazios tende a elevar os custos, e consequentemente os fretes ferroviários. Uma forma de contornar esse tipo de problema, e já implantada no Brasil, é a operação de trens unitários. Para ligações envolvendo volumes razoavelmente grandes de carga manufaturada, a empresa ferroviária costuma oferecer serviços diretos (trens unitários), ligando dois pontos sem paradas intermediárias, e com carga/descarga/distribuição ágil nos dois extremos.
Outra forma de utilização eficiente do transporte ferroviário de carga manufaturada na ferrovia, muito utilizada na América do Norte, é o piggy-back. Nesse tipo de combinação ferrovia-rodovia, as carretas ou contêineres são fixados sobre vagões-plataforma, permitindo que se associe a agilidade do transporte rodoviário (tempos reduzidos de carga e descarga) com o menor custo unitário do trem. Após a privatização das ferrovias no Brasil se tem observado uma melhoria constante nos serviços de transporte ferroviário. Muito embora a rede ferroviária seja relativamente pequena quando se considera todo o território nacional, seu potencial junto aos grandes centros produtores e consumidores é grande, dependendo de melhorias de traçado e da via permanente, bem como do material rodante (vagões, locomotivas) e do aprimoramento das operações. No Brasil, a ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres, com sede em Brasília, coordena, regulamenta e controla as operações rodoviárias, ferroviárias e dutoviárias no país, incluindo também o transporte multimodal e terminais terrestres (www.antt.gov.br).
Transporte Aquaviário O transporte aquaviário, como sua denominação indica, envolve todos os tipos de transporte efetuado sobre a água. Inclui o transporte fluvial e lacustre (aquaviário interior) e o transporte marítimo. Este último pode ser dividido em transporte marítimo de longo curso, que envolve as linhas de navegação ligando o Brasil a outros países mais distantes, e a navegação de cabotagem, que cobre a nossa costa. A navegação de cabotagem, por sua vez, é dividida em pequena cabotagem, cobrindo apenas os portos nacionais, e a grande cabotagem, que corresponde às ligações marítimas com países próximos, como, por exemplo, Uruguai e Argentina. Há muitos tipos de navios cargueiros, dependendo do tipo de carga e das características da rota. Um navio cargueiro típico que vemos nos nossos portos é o navio de carga geral. Grande parte das mercadorias despachadas por via marítima não pode ser movimentada como carga a granel, pois alguns tipos não são passíveis de ser manuseados por equipamento automático de transbordo, e outros são transportados em pequenas quantidades. Tomemos o exemplo do querosene, que pode ser transportado a granel se houver grandes lotes a despachar, mas é usualmente transportado em latas, que por sua vez vão acondicionadas em caixas ou pallets, quando são destinadas ao comércio varejista. Hoje, grande parte da carga geral, no transporte marítimo de longo curso, é deslocada em contêineres, que são caixas metálicas padronizadas de diversos tipos. Os contêineres padrões mais comuns têm 12 pés de comprimento (cerca de 3,60m) ou 24 pés.
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O termo carga geral representa qualquer produto que vai embalado ou, no caso de ir solto, que pode ser acomodado junto com outras cargas. Por exemplo, produtos comestíveis enlatados são transportados geralmente em caixas, na forma paletizada ou não, e podem ser estivados (arrumados) nos porões ou cobertas do navio. Barras de aço, por outro lado, não são embaladas em recipientes, mas podem ser estivadas na embarcação junto com outros produtos. Na prática, há produtos que não podem ser estivados próximo, como, por exemplo, produtos alimentícios juntamente com produtos químicos. Outro tipo de embarcação bastante utilizada é o navio graneleiro, voltado ao transporte de produtos sólidos a granel, como soja, milho, minério de ferro e carvão. Esse tipo de produto, em razão de suas características físicas e de valor unitário, não precisa ser acondicionado em recipientes. Tira-se vantagem dessa condição fazendo o carregamento do produto através da gravidade, o que agiliza e barateia as operações. Isso é feito utilizando-se dutos ou esteiras rolantes, que vão despejando a carga diretamente nos porões, sem necessidade do auxílio de guindastes. Na operação inversa, isto é, na descarga do produto, utilizam-se grabs1 para o caso de minérios, carvão etc., e dutos sugadores para grãos. Há também os navios petroleiros, voltados a uma série de insumos e produtos a granel, como o óleo bruto e a gasolina, álcool, óleo diesel etc. Hoje também são comuns, no transporte marítimo, navios construídos especialmente para deslocar produtos específicos. Por exemplo, no transporte de bobinas de papel, automóveis etc., há um tipo de embarcação denominada box-shaped (com forma de caixa), em que o casco apresenta linhas mais retas, permitindo melhor estivagem da carga. É também dotada de rampas, dando condições para que os veículos e empilhadeiras entrem e saiam rodando. Por isso denomina-se também navio roll-on, roll-off. Em termos comerciais e econômicos é muito importante distinguir dois tipos básicos de transporte marítimo de longo curso. De um lado há o transporte conferenciado, formado pelas empresas regulares de navegação que oferecem transporte de carga geral convencional e de contêineres. O comércio marítimo entre as nações originou-se em tempos remotos, formando regras e práticas nem sempre justas e equânimes, muitas vezes baseadas na lei do mais forte. O princípio fundamental desse tipo de comércio é a liberdade dos mares. Por isso, qualquer navio, de qualquer nação ou bandeira,3 desde 2
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Grabs são caçambas de volume apreciável que operam acopladas a guindastes, apanhando uma quantidade razoável de carga por ciclo, desde o porão do navio até um veículo (vagão, caminhão) ou recipiente apropriado (moega ou esteira rolante, por exemplo). 3 Nem sempre a bandeira de um navio, que indica o país onde o navio foi registrado, corresponde à nação onde está localizada a sede da empresa de navegação (armadora). Há países, denominados genericamente de bandeiras de conveniência, como Panamá e Libéria, que oferecem vantagens fiscais para que as empresas de navegação lá registrem seus navios mercantes.
que respeite as regras de segurança, pode, em princípio, entrar e sair de qualquer porto, carregando e descarregando mercadorias previamente escolhidas e cobrando as taxas de frete que seu armador estipular. Essa liberdade dificulta a ação dos governos no sentido de implantar uma regulamentação mais rígida do transporte marítimo e das taxas de frete. No caso do transporte marítimo regular (carga geral) não existe uma entidade internacional independente que regule o processo, como faz a IATA no caso do transporte aéreo. As empresas de navegação que realizam serviços regulares se reúnem em associações, que recebem o nome genérico de conferências de fretes. Daí a expressão transporte marítimo conferenciado. O termo conferência, que vem do inglês conference, indica simplesmente uma associação com objetivos comuns. Fazem parte de uma determinada conferência de fretes as empresas de navegação que mantêm linhas de navegação atendendo uma mesma região geográfica ou rota mercante. As características básicas do serviço de transporte marítimo conferenciado são: G
G
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as empresas transportam qualquer produto classificado como carga geral, com origem/destino nos portos por elas servidos; os navios de uma mesma conferência de fretes têm frequências de viagem preestabelecidas de forma a possibilitar aos embarcadores o planejamento de seus embarques e recebimentos de produtos; o frete é tabelado em função do tipo da carga, do destino e da quantidade transportada.
Uma importante constatação sobre o frete marítimo conferenciado é que está mais correlacionado com o valor da carga e menos com o custo de transporte. De fato, as empresas conferenciadas seguem uma prática oligopolista no estabelecimento das tarifas: para um novo embarcador, por exemplo, que está contratando o transporte pela primeira vez, sua carga é classificada na categoria de maior taxa (carga geral não especificada). O embarcador, à medida que vai ampliando e regularizando suas operações de importação e/ou exportação, pode solicitar ao armador uma revisão das tarifas. Para isso, tem de preencher um formulário onde fornece uma série de informações sobre o mercado, o valor da carga, tonelagens previstas etc. Com essas informações, a empresa de navegação estima qual o nível máximo de taxa de frete que o usuário pode suportar sem invalidar o seu negócio. Com isso pode-se demonstrar estatística e teoricamente que o frete, nesses casos, está fortemente correlacionado com o valor da carga. Essa é uma característica típica de serviços oligopolizados. Hoje, uma boa parte da carga geral é transportada em contêineres no longo curso, principalmente as mercadorias de maior valor agregado. Os na-
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vios de carga geral levam também contêineres. Mas existem navios que transportam exclusivamente esse tipo de caixa. São mais eficientes, principalmente porque os tempos despendidos nos portos é bem menor. Mas sua utilização depende da existência de grandes fluxos de carga conteinerizada, destinados ou originados numa mesma rota. Mesmo sendo oligopolizado, o transporte marítimo conferenciado não deixa de ser importante para o país. De fato, grande parte de nossas importações e exportações envolve muitas origens e muitos destinos, com quantidades de carga que não permitem o emprego de navios em lotação completa. Além disso, as frequências oferecidas por esse tipo de transporte marítimo são muito importantes para um adequado planejamento da produção. Mas há ocasiões em que a utilização de navios em lotação completa se aplica. É o caso dos navios afretados. Dependendo da carga e das quantidades envolvidas, pode ser mais vantajosa para o embarcador a utilização completa de um navio. Em alguns casos a embarcação é de propriedade do embarcador, como ocorre com a frota da Petrobras, por exemplo. Noutros casos lança-se mão do mercado de afretamento. Esse mercado, que se concentra numa bolsa de fretes localizada em Londres, é constituído por um grande número de armadores, que fazem a oferta de praça, e os usuários, que constituem a demanda. Nos diversos cantos do globo operam os brokers, que intermediam as necessidades locais de praça marítima com a bolsa de afretamento em Londres. Uma vez acertadas as condições entre embarcador e armador, é estabelecido um contrato de afretamento. Os dois tipos mais comuns de contrato de afretamento são o contrato por viagem (voyage charter) e o contrato por tempo determinado (time charter). No primeiro caso o contrato é ajustado para a realização de uma determinada viagem entre portos preestabelecidos, com a finalidade de transportar um certo tipo de carga, carregando uma certa tonelagem. Esse tipo de contrato é muito utilizado para o transporte de granéis, sejam sólidos ou líquidos. Nos contratos de afretamento por tempo determinado o armador coloca seu navio à disposição da empresa afretadora por determinado período de tempo. A embarcação é quase sempre guarnecida, isto é, com a tripulação e pertences necessários à navegação e à vida a bordo. O mercado de afretamento é um dos poucos exemplos econômicos de mercado perfeitamente competitivo (ou quase). Na verdade, como em toda situação real, existem fatores de difícil quantificação, além das oscilações normais provocadas pela conjuntura do comércio internacional, que tornam complexa a análise econômica desse tipo de transporte marítimo. A cabotagem, finalmente, é um tipo de transporte marítimo que atende os portos do país e de seus vizinhos com linhas de navegação regulares, incluindo também navios independentes. Estes últimos podem ser embarca-
ções próprias, como é o caso da Petrobras, como também afretadas. A característica básica do transporte marítimo de cabotagem é ser normalmente regulamentado. Ou seja, o governo ou uma agência reguladora define a estrutura de fretes, faz a concessão de linhas e controla a oferta de transportes. Isso porque, cobrindo linhas dentro do território nacional e sendo um serviço de interesse público, é importante que haja o monitoramento de suas operações. No Brasil, a Antaq – Agência Nacional de Transportes Aquaviários, com sede em Brasília, coordena, regulamenta e controla as operações aquaviárias, incluindo os portos nacionais (www.antaq.gov.br).
Transporte Aéreo A expressão “transporte aéreo” nos dá a ideia imediata do transporte de passageiros, tal é sua importância nos dias de hoje. O cidadão comum não visualiza imediatamente que, no setor de transporte de carga, principalmente internacional, a modalidade aérea ocupa um espaço muito importante e apresenta forte tendência de crescimento no mundo todo. Além de transportar carga com velocidades muito superiores às demais modalidades, o transporte aéreo apresenta níveis de avarias e extravios mais baixos, resultando em maior segurança e confiabilidade. Por essa razão, não somente produtos de alto valor agregado, tais como eletrônicos e aparelhos de precisão, são transportados por avião, como também uma série de produtos sensíveis à ação do tempo, como alimentos perecíveis, flores, encomendas, correspondência etc. A importância do transporte aéreo na Logística aumentou muito com a globalização, pois agora as cadeias produtivas estenderam suas ramificações pelo mundo todo, e muitas vezes o fornecimento de componentes e a distribuição de produtos não podem ficar dependendo do transporte marítimo, principalmente quando os embarcadores não conseguem níveis de confiabilidade satisfatórios nos prazos de entrega. Nos últimos trinta anos foram observadas mudanças sensíveis no transporte aéreo mundial. De um lado, a expectativa da utilização do avião supersônico no transporte aéreo se frustrou. De fato, com o crescente congestionamento nas grandes cidades, de nada adianta ganhar umas poucas horas durante o voo quando o acesso ao aeroporto, as longas filas no check-in e as esperas na imigração consomem cada vez mais tempo nas viagens. Os fabricantes de aviões comerciais preferiram percorrer outros caminhos. Desenvolveram os aviões de fuselagem larga (wide-body), que trouxeram melhores perspectivas para o transporte de mercadorias, agilizando o processo de carga e descarga dos aviões e aumentando o volume interno útil. Os níveis de confiabilidade das aeronaves e de seus equipamentos foram sensivelmente melhorados, a tal ponto que os aviões permanecem parados por pouco tempo para manutenção e revisão. Isso aumenta apreciavelmente o
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nível de utilização da aeronave, reduzindo os custo unitários de transporte. Hoje, estão sendo utilizados materiais mais resistentes e mais leves na fabricação dos aviões (fibras reforçadas de carbono, por exemplo), reduzindo também o peso próprio e aumentando a capacidade de carga das aeronaves. Na parte operacional, têm sido implantados processos práticos para agilizar a movimentação da carga nos terminais. Por exemplo, existem aviões para os quais se pode converter rapidamente a configuração interna, de passageiro para cargueiro e vice-versa, permitindo que a empresa aérea utilize o avião com mais flexibilidade, obtendo maior receita e amortizando os custos. Esse tipo de avião é muito utilizado no transporte de correio e de encomendas. São comuns também as versões combi, em que uma parte do avião é destinada aos passageiros, e a carga é acondicionada separadamente. A utilização dos porões de aeronaves de passageiros para o transporte de carga também é muito comum. Os aviões exclusivos para transporte de carga foram dotados de portas amplas e rampas de acesso para veículos e contêineres. A capacidade de carga desses aviões é apreciável para esse tipo de transporte. Um cargueiro MD-11, por exemplo, pode transportar até 92 toneladas de carga, e o Boeing 747, até 112 toneladas. Já o Antonov 223, o maior cargueiro do mundo, leva até 250 toneladas de carga. As turbinas dos jatos de hoje são mais eficientes, mais econômicas e menos barulhentas. É verdade que, no Brasil, as empresas de transporte aéreo de carga utilizam, na sua maioria, antigas aeronaves de transporte de passageiros, já tecnologicamente ultrapassadas, com níveis de ruído elevados. Mas o tráfego aéreo desse tipo de avião não é tão intensivo, o que reduz os possíveis impactos negativos. No Brasil, o transporte aéreo é regulamentado e controlado pela ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil.
COMPONENTES DO SISTEMA DE DISTRIBUIÇÃO A distribuição física de produtos é realizada com a participação de alguns componentes, físicos ou informacionais, a saber: G
G
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G
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instalações fixas (centros de distribuição, armazéns); estoque de produtos; veículos; informações diversas; hardware e software diversos; custos; pessoal.
As instalações fixas fornecem os espaços destinados a abrigar as mercadorias até que sejam transferidas para as lojas ou entregues aos clientes. São também providas de facilidades para descarga dos produtos, transporte interno e carregamento dos veículos de distribuição (plataformas de carga/descarga, carrinhos, empilhadeiras, transelevadores etc.). O segundo elemento é formado pelo estoque de produtos ao longo do processo. O custo do capital dos produtos acabados que permanecem estocados no depósito da fábrica, nos centros de distribuição dos atacadistas, nos distribuidores e varejistas, nas lojas de varejo e nos veículos de transporte passou a ser um encargo elevado para as empresas. Isso porque a oferta de produtos se abriu num leque de opções muito grande, com variedade de tipos, capacidade, acabamento e cores nunca vistos, ocasionando um acréscimo expressivo nos níveis de estoque. A competição entre as empresas e os níveis de juros praticados no mercado financeiro, por outro lado, fizeram com que o custo do capital de giro influísse significativamente na disputa pelo mercado. Como consequência, hoje se nota uma busca constante na redução de estoques, seja na manufatura, com MRP, MRP II, ERP e JIT, seja no varejo, com ECR e Quick Response. Uma vez que os produtos são normalmente comercializados em pontos diversos dos locais de fabricação, sua distribuição implica o deslocamento espacial das mercadorias, requerendo veículos para efetuá-lo. Na transferência de produtos do fabricante até o centro de distribuição do varejista ou depósito do atacadista, são geralmente empregados veículos maiores, com lotação plena. Já no abastecimento das lojas, normalmente são empregados veículos menores, pois as condições de trânsito e de manobrabilidade nas regiões urbanas não permitem o uso de caminhões de grande porte. Outro condicionante é a necessidade de maior frequência nas entregas de produtos às lojas, o que favorece a escolha de veículos menores. Para operar um sistema de distribuição é necessário dispor de informações variadas. Por exemplo, no caso de distribuição para vários pontos de varejo, como é o caso de bebidas, cigarros, biscoitos e outros produtos, é fundamental dispor de um cadastro de clientes, composto pela razão social, endereço, coordenadas geográficas (para uso de SIG4 e de softwares de roteirização) e demais elementos considerados importantes para a operação logística. Outros tipos de informação utilizados na operação da distribuição são: as quantidades de produtos a serem entregues a cada cliente, condições (horários para entrega, tipo de acondicionamento), roteiros de distribuição (sequência dos clientes a serem atendidos), além de outros.
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Sistema de Informações Geográficas.
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Hoje, grande parte das atividades de distribuição é planejada, programada e controlada por meio de softwares aplicativos, que ajudam na preparação dos romaneios de entrega, roteirização dos veículos, controle dos pedidos, devoluções, monitoramento da frota, além de outros. Esses softwares funcionam em computadores (hardware) especificamente instalados para isso ou, seguindo tendência moderna, centralizados num sistema computacional abrangente, muitas vezes como parte de pacotes de gerenciamento amplos, do tipo genericamente denominado ERP (Enterprise Resource Planning). Outros tipos de hardware são também empregados na distribuição de produtos, tais como sistemas do tipo GPS para monitoramento da frota de veículos, computadores de bordo, scanners, coletores de dados de radiofrequência, entre outros. O sexto elemento necessário para operar de forma competitiva um sistema de distribuição física é a disponibilidade de uma estrutura de custos adequada e constantemente atualizada. Tradicionalmente, no Brasil, as transportadoras, de um lado, e os departamentos de transporte das indústrias e das empresas comerciais, de outro, estavam mais acostumados a trabalhar com uma situação muito específica de deslocamento de carga, situação essa denominada transferência de produtos, quando um carregamento em lotação completa é deslocado de um ponto A para outro ponto B. Nesses casos, e para distâncias entre A e B não muito curtas, o custo do transporte, para um determinado tipo de produto, é quase totalmente explicado pela distância e pela quantidade de carga deslocada. Mesmo no caso de carga fracionada, em que os lotes despachados não lotam o veículo, é comum se cobrar o frete em função da distância e da quantidade de carga. Na distribuição física, por outro lado, são bastante comuns roteiros compartilhados por vários clientes, com o veículo realizando uma sequência de entregas numa única viagem. Há clientes que demoram muito tempo para receber a mercadoria, forçando o veículo e sua equipagem a esperar em fila por longos períodos ou empregando rotinas excessivamente burocráticas na recepção do pedido. Essas práticas não implicam nenhum aumento na quilometragem percorrida pelo veículo, mas oneram o custo do serviço como resultado das horas inativas do pessoal e do equipamento alocado à distribuição física. No caso dos operadores logísticos (Capítulo 9), que estão sendo solicitados pela indústria e pelo comércio a desempenhar funções logísticas anteriormente realizadas pelas empresas-clientes, a determinação do custo de um sem-número de atividades novas também passou a exigir um enfoque específico. Torna-se necessário, assim, adotar uma estrutura de custos mais eficaz para os serviços logísticos associados à distribuição física de produtos. Hoje, o emprego de formas de custeio modernas, como o ABC (Activity Based Costing), está se tornando um imperativo, razão por que damos certo destaque a esse assunto no presente texto (Capítulo 11).
Finalmente, para que um sistema de distribuição física funcione a contento e de forma competitiva, é necessário dispor de pessoal devidamente capacitado e treinado. Com a sofisticação dos equipamentos e do tratamento da informação nas atividades logísticas nos dias de hoje, torna-se necessário reciclar o elemento humano em todos os níveis. O motorista e seu ajudante, ao fazerem uma entrega, têm contato direto com o cliente e, se mal orientados ou mal treinados, podem transmitir imagem negativa sobre a empresa para a qual trabalham. Da mesma forma, os empregados que trabalham no centro de distribuição e noutras atividades correlatas precisam estar a par dos conceitos básicos de Logística, de forma a desempenhar suas tarefas em sintonia com os objetivos estratégicos da empresa. A própria administração da empresa deve se reciclar permanentemente, devido às mudanças constantes que se observam na estratégia e nas operações das organizações.
SISTEMA DE DISTRIBUIÇÃO “UM PARA UM” Muito embora possa ocorrer, na prática, um número razoável de situações diversas na distribuição física de produtos, podemos resumi-las em duas configurações básicas, a saber: G
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Distribuição “um para um”, em que o veículo é totalmente carregado no depósito da fábrica ou num CD do varejista (lotação completa) e transporta a carga para um outro ponto de destino, podendo ser outro CD, uma loja ou outra instalação qualquer. Distribuição “um para muitos” ou compartilhada, em que o veículo é carregado no CD do varejista com mercadorias destinadas a diversas lojas ou clientes e executa um roteiro de entregas predeterminado.
Na distribuição “um para um”, o carregamento do veículo é realizado de forma a lotá-lo completamente. Ao carregar o caminhão, vai se acomodando a carga nos espaços disponíveis, visando ao melhor aproveitamento possível de sua capacidade. Esse aspecto é importante, pois na distribuição “um para muitos” não se consegue, com frequência, um bom aproveitamento do espaço dentro do veículo. Isso porque se é obrigado a carregá-lo na ordem inversa das entregas, o que impede a otimização do arranjo interno da carga no caminhão. Na linguagem do pessoal de transportes, este tipo de distribuição “um para um” é denominado transferência de produtos.
Elementos Básicos A distribuição “um para um”, ou transferência de produtos, é influenciada por 14 fatores, quando encarada sob o ponto de vista logístico. São eles:
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G G G G G
G G G G G G G G G
distância entre o ponto de origem e o ponto de destino; velocidade operacional; tempo de carga e descarga; tempo porta a porta; quantidade ou volume do carregamento (medida em toneladas, metros cúbicos, pallets etc.); disponibilidade de carga de retorno; densidade da carga; dimensões e morfologia das unidades transportadas; valor unitário; acondicionamento (carga solta, paletizada, a granel etc.); grau de fragilidade; grau de periculosidade; compatibilidade entre produtos de natureza diversa; custo total.
A distância é um dos elementos que mais influem nessa forma de transporte, pois condiciona a seleção do tipo de veículo, o dimensionamento da frota, o custo e o frete a ser cobrado do usuário. A velocidade operacional é a velocidade média entre os pontos de origem e destino, descontando os tempos nos terminais, ou seja, retirando os tempos de carga e descarga, tempos de espera para a carga ser recebida pelo cliente etc. Assim, para uma transferência entre dois pontos A e B: VOP =
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[tAB
distância entre A e B − (tempo carreg. + tempo descarga + esperas )]
(8.1)
onde tAB é o tempo total da viagem entre A e B. Nas viagens intermunicipais, a velocidade operacional é fortemente condicionada pelas características das estradas (rodovias e ferrovias). As condições de má conservação das rodovias, hoje observadas no país, reduzem bastante a velocidade operacional dos veículos, prejudicando sua produção (menos toneladas/quilômetro realizadas por ano) e acarretando aumento nos custos operacionais. Entende-se por tempo de carga e descarga o tempo total despendido na pesagem, conferência, emissão de documentos, bem como nas operações de carga e descarga propriamente ditas. O tempo de carga e descarga afeta bastante as características operacionais e econômicas da distribuição “um a um”, principalmente para distâncias relativamente curtas. Por exemplo, num percurso de 100km (ida e volta), com velocidade média na estrada de 40 km/h, uma redução de 16 horas para 12 horas no tempo total de carga e descarga resulta num aumento de 27,6% na quilometragem mensal realizada por um veículo. Já para um percurso de 3.000km, ida e volta, esta mesma redução resulta num aumento de apenas 4,6% (Valente et al., 1997).
Uma maneira de reduzir substancialmente os tempos de carga e descarga é utilizar outras formas de acondicionamento, principalmente sua unitização que, no transporte doméstico, é feita normalmente com o pallet. Uma carreta, por exemplo, exige em torno de três horas para ser descarregada manualmente, utilizando, para isso, quatro funcionários. A mesma carreta pode ser descarregada em 25 minutos, com o auxílio de uma empilhadeira e seu operador, caso a carga esteja acondicionada em pallets. O uso extensivo de pallets, no Brasil, depende, no entanto, de alguns fatores, como adoção de padrões uniformes, acordos de troca e principalmente uma visão de parceria entre os integrantes do Supply Chain. O tempo porta a porta é um dos fatores mais importantes para o usuário do serviço de transporte. De nada adianta uma empresa de transporte aéreo oferecer os jatos mais velozes para transferir produtos se a mercadoria sofrer retenções e atrasos excessivos no solo. No caso do transporte marítimo de cabotagem, foi o tempo de porta a porta que acabou reduzindo quase a zero o transporte de produtos manufaturados ao longo da costa brasileira. Os tempos gastos nos portos, ao longo da rota, aumentam de muito o tempo porta a porta, tornando essa modalidade pouco utilizável por produtos de valor unitário mais elevado. Além do tempo porta a porta médio, é importante considerar também sua variabilidade. Por exemplo, suponhamos duas empresas de transporte X e Y, oferecendo serviços de transferência de mercadorias entre Porto Alegre e São Paulo, com as seguintes características (e taxas de frete iguais): a transportadora X oferece um tempo médio porta a porta de 2,5 dias, menor do que o oferecido pela sua concorrente. Mas a variabilidade do tempo, que chega a 5 dias, implica um serviço de baixo nível logístico, visto que tal variação pode ocasionar aumentos expressivos nos custos de estoque. Já a transportadora Y oferece um tempo porta a porta médio um pouco maior, mas garante um padrão fixo permanente, o que torna seu serviço mais atraente para o embarcador (Tabela 8.1). Tabela 8.1
Variação do tempo porta a porta
Transferência de produtos entre Porto Alegre e São Paulo
Empresa “X”
Empresa “Y”
Tempo médio (dias)
2,5
3
Tempo mínimo (dias)
2
3
Tempo máximo (dias)
5
3
A quantidade transportada é outro fator de grande importância na distribuição física de produtos. Quando os volumes transportados são elevados, a empresa pode optar por um serviço próprio de distribuição, operando
257
258
com frota própria ou terceirizada, mas planejada e operada de acordo com suas especificações. É o caso, por exemplo, do sistema de distribuição da Coca-Cola, que atende um número elevado de pequenos varejos, além de grandes clientes, como os supermercados. Quando os volumes não comportam um sistema especialmente implementado para tal, a empresa se vê obrigada a utilizar o serviço de transportadores autônomos ou de empresas transportadoras, compartilhando com outros clientes o uso de veículos e terminais. Nesses casos, o controle do nível de serviço é obviamente mais difícil, visto que as transportadoras são obrigadas a atender clientes diversos, com diferentes tipos de carga e com diferentes prioridades. Outro aspecto importante a considerar é a variação sazonal do volume transportado. Em alguns casos, em que a demanda por determinado tipo de produto aumenta apreciavelmente em certa épocas do ano (no Natal, por exemplo), a oferta de transporte muitas vezes se reduz de tal forma que a empresa se vê na contingência de buscar os serviços de transportadoras menos qualificadas, com níveis de desempenho abaixo do desejado. A não existência de carga de retorno, que possa garantir o frete à transportadora quando o veículo volta ao ponto inicial, pode afetar o nível de serviço oferecido ao cliente. Isso porque, num ambiente de grande concorrência, o transportador autônomo, como também a empresa transportadora em alguns casos, pode negociar o frete admitindo que haja carga de retorno, de forma a cobrir parte de seus custos. Quando não consegue um frete de retorno satisfatório, o transportador pode lançar mão de expedientes tais como lotar o veículo com carga excedente, reter os lotes despachados no seu depósito para esperar carga de retorno, subcontratar o transporte com autônomos que oferecem preços mais baixos, mas operando com veículos velhos e inadequados etc. Assim, mesmo não sendo responsabilidade do embarcador, a questão da carga de retorno (sua disponibilidade ou não) pode afetar sensivelmente o nível de serviço logístico resultante. A densidade da carga afeta a escolha do tipo de veículo mais adequado ao serviço e, por consequência, tem impacto no custo de transporte. Mercadorias de baixa densidade acabam lotando o veículo por volume, e não por peso. Em alguns casos, em que a densidade média é muito baixa, é comum a escolha de carrocerias (baús) especiais, com maior volume. Por exemplo, os caminhões que transportam móveis produzidos na região de São Bento do Sul, em Santa Catarina, apresentam carrocerias mais altas, que avançam por cima da cabine do motorista, visando com isso melhor aproveitamento volumétrico da capacidade do veículo. As dimensões e a morfologia da carga também afetam seu transporte. Há casos de mercadorias com dimensões muito diversas, como, por exemplo, tubos e sofás longos. As formas da carga também afetam seu arranjo, o manuseio e o transporte. É o caso dos móveis citados anteriormente, que
apresentam formas diversas, dificultando a estivagem dos mesmos dentro do veículo e as operações de carga e descarga. O valor unitário da carga pode implicar o uso de veículos especiais e a implantação de sistemas de segurança e de monitoramento adequados, muitas vezes caros. Por exemplo, o transporte de remédios e aparelhos eletrônicos, entre outros, vem sendo submetido a uma frequência constante de assaltos, obrigando as transportadoras a instalar sistemas de rastreamento de veículos e dispor de equipes de segurança permanentes. Mesmo nos casos menos sensíveis, em decorrência da responsabilidade em relação à carga sob sua custódia, muitas vezes as transportadoras cobram um adicional (ad valorem) sobre o frete básico, que é uma taxa proporcional ao valor da carga. O grau de fragilidade da carga tem influência nos cuidados necessários no processo de embalagem do produto, no seu manuseio e no transporte. Um veículo de molas muito duras pode levar a perdas excessivas no transporte de ovos, por exemplo. O uso de pallets pode ficar limitado se o produto não permitir o seu empilhamento de forma a aproveitar todo o espaço do veículo, limitando assim seu uso. No caso de pallets, o grau de fragilidade da carga condiciona o número máximo de camadas empilhadas no depósito, ou CD. Assim, as formas de acondicionamento e de transporte de um determinado tipo de produto vão estar diretamente associadas ao grau de fragilidade do mesmo. O grau de periculosidade da carga tem implicações severas na distribuição de produtos, principalmente nos países mais desenvolvidos. Por exemplo, a distribuição de gasolina na Europa exige veículos bastante sofisticados, com sistema de reaproveitamento dos vapores (para evitar que sejam lançados na atmosfera), controle de vazamentos, válvulas de segurança etc. Essa preocupação com a ecologia e com a segurança acabará um dia chegando ao Brasil, ocasionada por pressões da sociedade. Outro aspecto ligado à distribuição de produtos perigosos é a escolha de rotas de mínimo risco. Estradas secundárias, embora apresentando menores volumes de tráfego, muitas vezes passam dentro ou perto de núcleos urbanos. Nesses casos, qualquer acidente mais grave pode colocar em risco vidas humanas ou destruir edificações históricas. Percorrendo rodovias de alto desempenho, quase sempre com traçado distante de núcleos urbanos, tais riscos podem ser substancialmente reduzidos. No entanto, o risco de acidentes pode aumentar em função dos elevados volumes de tráfego e de velocidades mais elevadas. Qual seria então a rota ideal para transportar um produto perigoso entre dois pontos determinados? Diversos pesquisadores americanos, canadenses e brasileiros (Ramos, 1997) têm abordado essa questão através de metodologias de análise e de modelos computacionais específicos. Além de produtos derivados do petróleo, há ainda uma gama ampla de produtos que requerem cuidados especiais na sua distribuição, tais como tintas, fósforos e outros.
259
Propositadamente, deixamos para citar por último o custo total da distribuição de produtos, pois exige uma reflexão mais pormenorizada. Por se tratar de um enfoque que exige a eliminação de barreiras psicológicas e culturais arraigadas, vamos abordar essa questão tomando, para isso, um exemplo simples. Posteriormente, no Capítulo 11, sobre custeio ABC, retornaremos ao assunto com mais detalhes.
Custos na Distribuição “Um para Um” Em primeiro lugar, a distribuição de produtos do tipo “um para um” apresenta fortes economias de escala. Tomemos um exemplo. Uma empresa produz um eletrodoméstico em Porto Alegre, fornecendo 20.000 peças por ano para um varejista em São Paulo. A distância Porto Alegre–São Paulo é de 1.120km, cada viagem consumindo quatro dias (ida e volta). Uma unidade do eletrodoméstico pesa 44kg. Os valores do custo fixo e do custo variável, para cada tipo de veículo, são apresentados na Tabela 8.2.5 Pode parecer absurdo, mas incorporamos, em nossa análise, veículos utilitários de pequena capacidade, conforme mostrado na Tabela 8.2. Muito embora tal fato não ocorra na prática, o objetivo é dar ênfase à argumentação, mostrando a sensibilidade dos custos com a capacidade do veículo. Para calcular o custo fixo diário, admitimos que o veículo opere durante 25 dias por mês. O custo fixo correspondente a uma viagem completa (ida e volta) é então calculado dividindo o custo fixo mensal (Tabela 8.2) por 25 dias e multiplicando o resultado por T = 4, que é a duração do ciclo. O custo variável de uma viagem completa é obtido multiplicando o custo quilométrico da Tabela 8.2 pela distância percorrida, no caso igual a 2 × 1.120 = 2.240km. Somamos o custo fixo com o custo variável e acrescentamos uma margem de 25% ao resultado para levar em conta os custos de administração e o lucro da transportadora. Depois dividimos o custo assim obtido pelo número de componentes embarcados numa viagem, que é dado pela divisão entre a capacidade útil do veículo, em quilos, e o peso de uma peça (44kg). Os resultados dos custos unitários são apresentados na Tabela 8.3. Caso a transferência fosse realizada com um pequeno veículo utilitário de meia tonelada, o custo de transporte, por peça, seria de R$101,25 (Tabela 8.3 e Figura 8.1). Ao contrário, se fosse utilizado um rodotrem de 45 toneladas, o custo de transporte cairia para R$5,18 por peça. Isso significa que há fortes economias de escala e, sob o ponto de vista estrito de transporte, há razões econômicas fortes para utilizar veículos de maior capacidade, sempre que possível. Assim, se o frete por peça, cobrado pela transportadora, fosse fixo e a 5
260
Os valores monetários apresentados no texto servem apenas um objetivo didático, não devendo ser encarados como reais.
escolha do caminhão fosse deixada a critério da transportadora, o veículo mais econômico seria o maior de todos, no caso, o rodotrem de 45 toneladas. E do lado do fabricante e do varejista, como é que a escolha do veículo se reflete nos custos de estoque? O custo de estoque num dos extremos da cadeia (digamos, no depósito do fabricante) pode ser aproximadamente calculado conforme mostra a Figura 8.2. Sendo L o lote de remessa do produto e ES o esL toque de segurança, o estoque médio é igual a + ES O estoque de segurança 2 pode ser estimado através de um coeficiente corretivo fS > 1. Assim, o estoque L médio é expresso por (1 + fS). O custo de estoque num dos extremos (diga2 mos, no depósito do fabricante) pode ser calculado através da expressão: Tabela 8.2 Veículo
Custo fixo e variável para veículos de carga Capacidade útil (kg)
Custo fixo (R$/mês)
Custo variável (R$/km)
1
500
2.071,00
0,263
2
1.000
2.692,00
0,382
3
3.800
3161,00
0,316
4
4.000
3.266,00
0,412
5
7.800
3.541,00
0,518
6
8.000
3.731,00
0,515
7
10.600
4.473,00
0,583
8
18.200
6.104,00
0,923
9
27.000
6.418,00
0,963
10
45.000
7.188,00
1,380
Tabela 8.3 Veículo
Variação do custo unitário, transporte Porto Alegre–São Paulo Capacidade útil (kg)
Custo unitário (R$/peça)
Valor relativo (%)
1
500
101,25
100,0
2
1.000
70,75
69,9
3
3.800
17,57
17,4
4
4.000
19,87
19,6
5
7.800
12,18
12,0
6
8.000
12,04
11,9
7
10.600
10,49
10,4
8
18.200
9,20
9,1
9
27.000
6,49
6,4
10
45.000
5,18
5,1
261
110
Custo de transporte (R$/peça)
100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 0
10.000
20.000
30.000
40.000
50.000
Capacidade útil do veículo (kg) FIGURA 8.1 • Variação do custo unitário de transporte em função da capacidade do veículo
CD = custo anual de estoque no fabricante =
L (1 + fS) × v × j 2
(8.2)
onde fS é um fator que leva em conta o estoque de segurança, v é o valor unitário do produto (R$/unidade) e j é a taxa de juros anual. Como há estoque também no CD do varejista, esse custo de estoque é calculado através de uma expressão similar à equação 8.2. O estoque médio total é então o dobro do indicado na expressão 8.2. O valor de uma unidade do produto, após retirarmos a margem bruta dos participantes da cadeia, é v = R$216,22. Como a unidade de referência é o kg na equação 8.2, precisamos dividir a expressão por 44 para trabalhar com número de peças. Dessa forma, o custo anual de estoque nas duas pontas (CD do fabricante e do varejista) é dado por: CE = custo anual de estoque nas duas pontas
L (1 + fS) × v × j 44
(8.3)
A taxa de juros para o embarcador é de 30% ao ano. Admitimos fS = 0,5. Os veículos trafegam em lotação completa (lotados por peso) e, por isso, o lote de despacho L é igualado à capacidade W do veículo. O estoque em trânsito, por sua vez, é dado por: 262
CT =
Q× v × T × j , 365
(8.4)
Estoque
L Estoque médio
Estoque de segurança
t FIGURA 8.2 • Variação do nível de estoque no depósito do fornecedor
onde Q é a quantidade transportada anualmente, expressa em número de peças, T é o tempo de deslocamento entre a origem e o destino (em dias). No caso, o tempo de deslocamento entre Porto Alegre e São Paulo (um sentido) é igual a T = 2 dias. Substituindo Q = 20.000 peças por ano e os demais valores em 8.4, obtemos CT = R$7.108,60 por ano. Somando o custo de estoque nos dois extremos com o custo de estoque em trânsito e fazendo L = W, obtemos: Custo anual de estoque = 7.108,60
W (1 + fS) × v × j 44
(8.5)
Na Tabela 8.4 são apresentados os custos anuais de transporte e de inventário para o exemplo em questão, para veículos variando de 0,5 t a 45t de capacidade. A última coluna da Tabela 8.4 mostra a soma dos dois custos. Observamos que, sob o ponto de vista do custo de estoque, quanto menor for o veículo, menor será o custo. No limite, a melhor situação, sob o ponto de vista estrito de custo de estoque, seria uma esteira rolante entre a fábrica e o CD do varejista, situação essa absurda na prática, mas teoricamente ótima. Somando os dois custos, observa-se que o veículo de menor custo global seria uma carreta de 27 toneladas de capacidade (Tabela 8.4, Figura 8.3). As transportadoras brasileiras costumam estabelecer o frete tomando como base a distância, o tipo de carga e a quantidade transportada. Assim, se o frete foi calculado com base num veículo de maior capacidade e o embarcador despachar pequenos lotes, a transportadora fará a consolidação da carga em seu depósito, para isso lançando mão de mercadorias de outros clientes. No entanto, em parcerias com entregas com prazos rígidos, tipo just-in-time ou
263
crossdocking, por exemplo, a utilização de veículos menores, com atendimento exclusivo, pode ser a solução. Nesses casos, o cálculo correto dos custos deve considerar o custo total, envolvendo transporte e estoque, como no exemplo. Tabela 8.4 Custo anual de transporte e de inventário, no exemplo Porto Alegre–São Paulo Veículo
Capacidade útil (kg)
Custo anual de transporte (R$) (1)
Custo anual de inventário (R$) (2)
Soma (1) + (2)
1
500
2.025.056,00
8.214,27
2.033.270,27
2
1.000
1.415.040,00
9.319,94
1.424.359,94
3
3.800
351.305,26
15.511,70
366.816,96
4
4.000
397.496,00
15.953,96
413.449,96
5
7.800
243.534,36
24.357,06
267.891,42
6
8.000
240.702,00
24.799,33
265.501,33
7
10.600
209.788,68
30.548,81
240.337,49
8
18.200
183.987,69
47.355,00
231.342,70
9
27.000
129.718,52
66.814,80
196.533,32*
10
45.000
103.675,73
106.618,94
210.294,67
*Custo total mínimo.
Custo anual (1.000 reais)
2500
2000
1500 Veículo menor custo 1000 Custo total 500
Custo de estoque
Custo de transporte
0 0
10.000
20.000
30.000
40.000
50.000
Capacidade útil do veículo (kg)
264
FIGURA 8.3 • Variação do custo de transporte, de inventário e total – distribuição
“um para um”
SISTEMA DE DISTRIBUIÇÃO COMPARTILHADA OU “UM PARA MUITOS” Nesse tipo de distribuição, o veículo é carregado no CD do varejista com mercadorias destinadas a diversas lojas ou clientes, e executa um roteiro de entrega predeterminado. A situação típica é a mostrada na Figura 8.4: o veículo parte do depósito carregado e percorre uma distância d até o bolsão (ou zona) de entrega. Dentro do bolsão, o veículo realiza n visitas, atendendo diversos clientes e efetuando entregas ou coletas. Terminado o serviço, volta ao depósito, percorrendo novamente uma distância d. Elementos Básicos A distribuição “um para muitos” é influenciada por 15 fatores, quando encarada sob o ponto de vista logístico. São eles: G
G
G
divisão da região a ser atendida em zonas ou bolsões de entrega, sendo cada bolsão alocado normalmente a um veículo; distância d entre o CD e o bolsão de entrega; velocidades operacionais médias: V1: no percurso entre o depósito e o bolsão; V2: no percurso dentro do bolsão; tempo de parada em cada cliente; tempo de ciclo (necessário para completar um roteiro e voltar ao depósito); frequência das visitas às lojas ou aos clientes (diária; dia sim, dia não; semanal etc.); quantidade de mercadoria (medida em toneladas, metros cúbicos, caixas, paletes) a ser entregue em cada loja ou cliente do roteiro; densidade da carga; dimensões e morfologia das unidades transportadas; valor unitário; acondicionamento (carga solta, paletizada, a granel etc.); grau de fragilidade; grau de periculosidade; compatibilidade entre produtos de natureza diversa; custo global. G
G
G
G
G
G
G
G
G
G
G
G
G
G
265
Região servida
Bolsão
Percurso até o bolsão
CD (depósito)
FIGURA 8.4 • Esquema típico de distribuição “um para muitos”
Escolha do Veículo No caso da distribuição “um para muitos”, a escolha do tipo de veículo mais apropriado para um determinado serviço depende de vários fatores, destacando-se os seguintes: G
G
G
G
G
266
distância do bolsão, ou zona de entrega, até o depósito, ou CD; densidade espacial, medida em número de pontos visitados por km2, no bolsão; tempo médio de parada em cada cliente visitado; quantidade média de mercadoria entregue em cada visita; velocidade média de percurso.
Por outro lado, dependendo dos fatores condicionantes e das características do veículo, o roteiro de distribuição num determinado bolsão pode ficar limitado pela capacidade do veículo ou pelo tempo disponível dentro da jornada de trabalho. Suponhamos, para exemplificar, que a empresa aloque um veículo de maior tonelagem, para fazer um determinado roteiro. Se o veículo for totalmente carregado no CD, provavelmente voltará ao depósito, no fim do dia, com uma parte da carga. Isso porque não haverá tempo suficiente para completar as entregas. Uma alternativa seria colocar menos carga no caminhão, mas então a empresa estaria desperdiçando um equipamento caro, visto que
o veículo trafegaria com excesso de capacidade para aquela tarefa. O correto seria escolher um outro veículo de menor capacidade, de menor custo operacional. Uma outra possibilidade seria a adoção de um veículo de pequena capacidade de carga, para uma rota em que as entregas são feitas com certa rapidez. O veículo sairia lotado do CD, mas tenderia a voltar muito cedo para o depósito, já que o roteiro de entregas seria completado bem antes do fim do dia. Uma possibilidade de correção seria obrigar o veículo a realizar mais de uma viagem por dia, mas essa solução nem sempre é aceitável na prática. A situação ideal é aquela que leva a um equilíbrio entre os dois fatores. Isto é, o veículo é plenamente utilizado na sua capacidade, ao mesmo tempo em que trabalha durante todas as horas úteis do dia. Nem sempre se pode chegar a essa solução ideal, mas devemos buscar uma configuração que se aproxime ao máximo dela. No fundo, o que se está buscando é a solução que, atendendo às necessidades dos clientes, apresente o menor custo possível.
Custos na Distribuição Compartilhada A discussão do assunto, usando dois exemplos, facilita o entendimento do problema. Para simplificar a análise, os veículos considerados são somente os indicados na Tabela 8.2. Nosso primeiro exemplo está relacionado com a entrega de bebidas. A distância d, desde o depósito até a zona de entrega, bem como a densidade δ (pontos por km2), agora são variáveis. Os custos foram calculados para d variando de 2,5km até 30km, com incrementos de 2,5km. A densidade δ, por sua vez, variou de cinco entregas/km2 até 15 entregas/km2, com incrementos de cinco entregas/km2. No nosso exemplo, é descarregada uma quantidade média de 160kg de produto em cada visita, sendo que cada entrega dura, em média, 12 minutos. Foi admitida velocidade média de 35 km/h, entre o depósito e o bolsão, para distâncias de até 20km (trânsito urbano). Para distâncias acima de 20km, admitiu-se tráfego intermunicipal com velocidade de 55km por hora. Para cada situação, foi determinado o veículo com menor custo unitário, considerando, para isso, os dez candidatos apresentados na Tabela 8.2. Para cada veículo, são analisadas inicialmente as restrições de tempo e de capacidade, de forma a definir a área A do bolsão. Depois, calcula-se o custo unitário para cada situação, escolhendo-se, ao fim, o veículo que apresentar menor custo. Para nosso exemplo de distribuição de bebidas, todas as situações foram restritas por tempo, sendo selecionados dois veículos: o de 7.800kg úteis, conforme Tabela 8.2, e o de 3.800kg úteis, escolhidos de acordo com as características específicas das zonas servidas, conforme mostra a Tabela 8.5.
267
Tabela 8.5
Seleção do veículo, distribuição de bebidas Densidade (pts/km2)
5
10
15
2,5
7.800*
7.800
7.800
5,0
7.800
7.800
7.800
7,5
7.800
7.800
7.800
10,0
7.800
7.800
7.800
12,5
7.800
7.800
7.800
15,0
7.800
7.800
7.800
17,5
7.800
7.800
7.800
20,0
7.800
7.800
7.800
22,5
3.800 (**)
7.800
7.800
25,0
3.800
3.800
7.800
27,5
3.800
3.800
3.800
30,0
3.800
3.800
3.800
Distância (km)
*Caminhão com 7.800kg úteis, com custos unitários indicados na Tabela 8.2. **Caminhão com 3.800kg úteis, com custos unitários indicados na Tabela 8.2.
268
É interessante notar que o veículo de maior capacidade, o de 7.800kg, foi alocado para distâncias mais curtas. Isso ocorre porque, estando a frota limitada por tempo, o veículo pode ser melhor aproveitado nos bolsões mais próximos ao depósito, já que se perde menos tempo no deslocamento entre o CD e a zona de entrega. Para bolsões situados mais longe, não se pode utilizar veículos maiores sob o risco de retornarem ao depósito com carga não entregue. Por outro lado, a densidade também influi na seleção do veículo, embora com menor intensidade. Bolsões com baixa densidade de entregas por km2 forçam o veículo a rodar mais quilômetros entre paradas, reduzindo a capacidade de entrega e obrigando a utilização de veículos menores. Na Figura 8.5 é mostrada a variação dos custos unitários com a distância d e com a densidade . O custo varia de R$2,45 por visita, para distância de 2,5km e densidade de 15 entregas/km2, a R$3,73 por visita, para distância de 30km e densidade de cinco entregas/km2. É interessante notar, na Figura 8.5, a inflexão das curvas para d > 20km. É o reflexo do aumento da velocidade no trajeto intermunicipal, que melhora o desempenho marginal do sistema. O exemplo seguinte refere-se à distribuição de pacotes. Agora, a quantidade média entregue numa visita é de 5kg, com a parada demorando sete minutos, em média. Refazendo os cálculos, observamos que o sistema também fica restrito por tempo, em todos os casos. O veículo com menor custo
Custo unitário (R$/visita)
4,0
3,5
+
d = 5 visitas/km2 3,0
d = 10 visitas/km2
+
+
+ +
+ +
+
+ + +
+ +
+ +
d = 15 visitas/km2
+ +
+ +
+ +
Tráfego urbano + interurbano
Tráfego urbano
+ +
2,5
+
+ +
+ + +
2,0 0
5
10
15
20
25
30
Distância do bolsão ao depósito (km) FIGURA 8.5 • Custos unitários, exemplo de distribuição de bebidas
unitário, para todas as situações, foi o de 500kg úteis. Na Figura 8.6 é mostrada a variação dos custos unitários em função da distância d e da densidade δ. O custo varia de R$0,95 por visita, para distância de 2,5km e densidade de 15 entregas/km2, a R$1,55 por visita, para distância de 30km e densidade de cinco entregas/km2. É importante notar que, aumentando o quadro de veículos a serem analisados, é possível que o tipo de veículo escolhido seja outro, com configuração diversa da apontada. É preciso frisar que os dez veículos listados na Ta1,6 + +
Custo unitário (R$/visita)
1,5 + +
1,4 +
d = 5 visitas/km2
1,3
+
d = 10 visitas/km2
+ +
1,2 + +
1,1 + +
1,0
+ +
+ +
+ +
+ +
+ +
+ +
+ +
+ +
+ +
+ +
+ +
d = 15 visitas/km2
+ +
Tráfego urbano + interurbano
Tráfego urbano
0,9 0
5
10
15
20
25
30
Distância do bolsão ao depósito (km) FIGURA 8.6 • Custos unitários, exemplo de distribuição de pacotes
269
bela 8.2 são meros exemplos, valendo os resultados apenas como ilustração da metodologia. Outra observação importante é que veículos sabidamente inadequados para a distribuição de produtos, devido a seu tamanho, foram introduzidos propositadamente na análise, conforme se pode observar na Tabela 8.2. Alguns desses veículos não podem trafegar nas regiões urbanas, mas, mesmo que fossem permitidos, não seriam selecionados. Isso porque a restrição de tempo, quase sempre mais severa, força a escolha de veículos menores.
Outros Condicionantes A análise do processo de distribuição que apresentamos não se esgota aqui. Há questões importantes que não foram analisadas e que influem decisivamente na seleção do tipo de veículo e no dimensionamento da frota. É o que discutiremos resumidamente a seguir. A primeira questão a colocar é sobre a natureza das variáveis, a maior parte delas aleatória. Por exemplo, o tempo de percurso entre o CD e o bolsão de entrega não é determinístico, mas varia diariamente em função das condições de tráfego, da meteorologia, do motorista e de outros fatores imprevisíveis. Os tempos de parada nos pontos de entrega também variam, pois dependem basicamente da rapidez no recebimento, do tamanho do lote e das condições de estacionamento na porta do cliente. A quantidade de mercadoria entregue para cada cliente, por sua vez, flutua com os pedidos, podendo variar de caso para caso, oscilando no tempo e também em função das variações sazonais da demanda. A análise estatística dos tempos que compõem o ciclo de um roteiro vai fornecer o tempo médio de ciclo (TC) e seu desvio-padrão σTC. Como o tempo de ciclo é formado por uma série de tempos estatisticamente independentes, a distribuição resultante pode ser representada por uma normal. É o que mostra a Figura 8.7. Define-se um nível de confiança estatístico para fins de dimensionamento do sistema, digamos, 98% de certeza. Entrando numa tabela estatística da distribuição normal, podemos extrair o limite superior esperado para a variável considerada, no caso o tempo de ciclo TC. Para nível de confiança de 98% e distribuição monocaudal, temos TCMÁX = TC + 2,05 ×
TC
(8.6)
onde TC é o tempo de ciclo médio, σTC é o desvio-padrão de TC e 2,05 é o máximo valor esperado de TCMÁX com 98% de certeza (Figura 8.7). 270
Probabilidade
Distribuição normal
Probabilidade de exceder TCMÁX
TC
TCMÁX Tempo de ciclo
FIGURA 8.7 • Tempo de ciclo regido por uma distribuição normal
Por exemplo, suponhamos TC = 7,6 horas e σTC = 1,3 hora. Então, TCMÁX = 7,6 + 2,05 × 1,3 = 10,36 horas. Suponhamos, por outro lado, que a empresa limite a jornada de trabalho de seus funcionários a nove horas por dia. Será necessário reduzir então as áreas servidas pelos veículos, de forma a garantir a observância desse limite. Um ponto muito importante a considerar quando se dimensiona um sistema de distribuição física é o correto equilíbrio entre as horas normais de trabalho da tripulação e as eventuais horas extras. Se impusermos um limite relativamente baixo para a jornada de trabalho, o veículo poderá retornar ao CD muito cedo, ocasionando ociosidade da frota e dos motoristas e ajudantes. Isso ocorre porque a variabilidade dos tempos que compõem o ciclo é geralmente elevada (σTC relativamente alto). Por isso, é melhor lançar mão de alguma hora extra, embora de forma controlada. Há empresas que evitam horas extras, alegando que as tripulações atrasam o serviço propositadamente para receber a compensação. Isso pode ser verdade, mas a subutilização dos veículos, que representam um investimento apreciável, pode levar a custos não competitivos para a empresa. Tudo o que foi discutido para o tempo de ciclo vale também para o carregamento do caminhão. A lotação do veículo é a soma das quantidades dos pedidos emitidos pelos clientes servidos no roteiro. Assim, depois de carregado no CD, o caminhão levará uma quantidade média de carga Q, com desvio-padrão σQ. Se adotarmos um nível de confiança de 98%, o sistema deve ser dimensionado de forma que:
271
Q + 2,05
Q
W,
(8.7)
onde W é a capacidade em peso do veículo. Assim, sempre que a expressão 8.7 não for respeitada, será necessário reduzir a área do bolsão e, consequentemente o número de visitas por roteiro, de forma a garantir que, em 98% dos casos, a restrição seja observada. Ao se dimensionar um sistema de distribuição, é importante lembrar que, sob o ponto de vista do nível de serviço logístico, a restrição de tempo é normalmente mais severa do que a restrição de capacidade. De fato, quando eventualmente ocorrer um excesso de carga no CD, ultrapassando a capacidade física do caminhão, a empresa tem condições de redistribuir a mercadoria excedente noutros veículos, podendo também alocar um veículo extra ao bolsão com excesso de demanda. Isso é possível porque a situação de emergência ocorre antes do despacho do veículo. Já nos casos de excesso de tempo no cumprimento do roteiro, o problema é geralmente constatado tarde demais. Nessas circunstâncias, a mercadoria não entregue acaba retornando ao CD, ocasionando uma degradação na qualidade do serviço. Essa situação deve ser radicalmente evitada dentro da moderna concepção do Supply Chain Management. Outro aspecto que dificulta o dimensionamento de um sistema de distribuição é a variabilidade das condições ao longo da região servida. Em primeiro lugar, a distribuição dos clientes sobre a região não é uniforme. A densidade de pontos visitados por km2 pode variar muito, como também a quantidade de mercadoria solicitada pelos diversos clientes. Dessa forma, o dimensionamento dos roteiros não é uniforme, devendo-se contemplar, na prática, essas variações. Finalmente, devemos lembrar que as restrições geográficas, representadas por vias expressas, rios, lagos, morros escarpados e outras, condicionam muitas vezes a delimitação das zonas ou bolsões. Muito embora os Sistemas de Informações Geográficas já tenham evoluído muito, não é uma simples tarefa a compatibilização, no computador, das características técnicas do problema com os condicionantes geográficos. Tentativas, ainda que parciais, já podem ser encontradas na literatura. Galvão et al. (2004) aplicaram modelos matemáticos para dimensionar um sistema de entrega de carga fracionada (courier) na cidade de São Paulo, resultando uma frota de 81 veículos leves, de 500kg de capacidade, e atendendo os bolsões diariamente. Os bolsões resultantes apresentaram áreas bastante variadas, conforme pode ser visto na Figura 8.8.
272
75
77 79 80
73 74
81
78
76
61 69
68
60
59
58
72
67
66
65 64
57
56
40
39 38 37 36 35
41 55
42
54 52 51
18
43
53
17
4
5
3
6
21
70 31
13
20
63
33 32
14
19
44 45
16 15
71 34
62 48
12 30
2 1
50
46
7
22
11
9 8
47
23 10
25
24
49 29
26
• 81 bolsões • Veículo com 500 kg de capacidade
27 28
Fonte: Galvão et al., 2006.
FIGURA 8.8 • Divisão de uma região urbana em 81 bolsões de entrega
BIBLIOGRAFIA Ballou, R.H. (1999, 4a edição). Business Logistics Management, Prentice-Hall, Upper Saddle River, NJ. Daganzo, C.F. (1996). Logistics Systems Analysis, Springer-Verlag, Berlim. Galvão, L., Novaes, A.G., Cursi, J.E. Souza de, e Souza, J.C. (2006). “A multiplicatively-weighted Voronoi diagram approach to logistics districting”, Computers & Operations Research, vol. 33, p. 93-114. Geoffrion, A.M., Morris, J.G. e Webster, S.T. (1995). “Distribution System Design”, in Drezner, Z. (edit.). Facility Location, pp. 181-198, Springer-Verlag, Nova York, NY. Novaes, Antonio G.N. (2001). “Custos ABC no Transporte de Carga”, in J.V.Caixeta-Filho e R.S. Martins (org.), Gestão Logística do Transporte de Cargas, p. 148-181, Atlas, São Paulo. Novaes, A.G. e Graciolli, O. D. (1999). “Designing Multi-vehicle Delivery Tours in a Grid-cell Format”, European Journal of Operational Research, vol. 119, p. 613-634. 273
Novaes, A. G., Souza de Cursi, J.E. e Graciolli, O. (2000). “A Continuous Approach to the Design of Physical Distribution Systems”, Computers & Operations Research, vol. 27, n. 9, p. 877-893. Valente, A.M., Passaglia, E. e Novaes, A.G. (1997). Gerenciamento de Transporte e Frotas, Editora Pioneira, São Paulo, SP.
274
9
Operadores Logísticos
Mônica Maria Mendes Luna1
INTRODUÇÃO Indícios históricos parecem revelar que a contratação de serviços de armazenagem e de transporte é uma prática por demais antiga. No que se refere à armazenagem, por exemplo, o livro do Gênesis relata a utilização de armazéns (celeiros), controlados por superintendentes em todo o território do Egito, com a finalidade de estocar as colheitas nos anos de fartura, garantindo assim a alimentação durante os sete anos de penúria que se seguiam. Indo um pouco mais adiante na história, podem ser observados contratos de transporte de bens, os quais foram diversas vezes utilizados pelos governos como forma de transferir riscos a terceiros. Apesar da prática antiga, a terceirização de serviços logísticos, na forma conhecida hoje, ganhou força nas últimas décadas, principalmente dentro dos conceitos do Supply Chain Management. Nos Estados Unidos, a Armstrong & Associates2 (2006) estima que, em 2005, o valor da contratação de serviços logísticos de terceiros atingiu o valor de 103,7 bilhões de dó1
Professora Doutora, Departamento de Engenharia de Produção e Sistemas, Universidade Federal de Santa Catarina (e-mail: [email protected]). 2 Estimativa da Armstrong & Associates para 2006, disponível em http://www.3plogistics.com/3PLmarket.htm, acesso em 24/08/2006.
275
lares, um aumento de 16% em relação ao ano de 2004, que foi de 89,4 bilhões. Este valor girava em torno de 15 bilhões de dólares em 1994 (Sink et al., 1996) e, até 1999, cresceu aproximadamente 25% ao ano, quando atingiu o valor de 45,3 bilhões (Wilson & Delaney, 2000). Esse crescimento não é um fenômeno limitado ao território norte-americano, refletindo uma tendência mundial. A Logística, incluindo a prestação de serviços, é, ainda, um setor em fase de crescimento e de transformação. Isso é resultado da propensão mais intensa de as empresas terceirizarem serviços de uma maneira geral, quando antes os realizavam por conta própria. Ao repassar serviços logísticos a terceiros, fazem-no de forma integrada, contratando “pacotes” que incluem, cada vez mais, serviços de maior valor agregado, com forte conteúdo informacional. No Brasil, observa-se a nítida inclinação das empresas a lançarem mão do outsourcing de serviços logísticos. Daí a razão para dedicarmos um capítulo deste livro ao assunto. Iniciaremos com uma discussão sobre o aumento da propensão a terceirizar serviços logísticos, bem como um breve histórico sobre a evolução deste setor. Isso nos permitirá entender as recentes mudanças que desencadearam o processo. A conceituação dos prestadores logísticos, suas origens e a classificação dos mesmos serão discutidas em seguida. Em particular, procuraremos conceituar um tipo específico – o operador logístico – e apresentar um novo ator nesse mercado: o integrador logístico. A forma de contratação desses serviços também evoluiu e tornou o processo de seleção de fornecedores mais complexo. Com o objetivo de estabelecer um referencial prático para o problema de escolher um prestador de serviços logísticos, apresentaremos um modelo conceitual para sua implementação. Por fim, discutiremos as novas tendências e desafios que tendem a incrementar ou restringir a expansão deste mercado. Em especial, trataremos das novas tecnologias de informação e do seu impacto na indústria de prestação de serviço logístico.
OUTSOURCING DE SERVIÇOS LOGÍSTICOS
276
No final da década de 1970 e início dos anos 1980, significativas mudanças econômicas e estruturais passaram a afetar as sociedades comercialmente desenvolvidas e industrializadas. De um lado, observou-se um desenvolvimento acentuado da tecnologia da informação e de comunicação, com impactos pronunciados na gestão empresarial e no mercado financeiro. De outro, se constata a crescente concorrência entre as empresas, que passou a se dar em nível global. A preocupante perda de competitividade das empresas norte-americanas nesse período, frente principalmente às empresas asiáticas, foi
objeto de estudo de uma comissão do MIT – Instituto de Tecnologia de Massachusetts (Duguay et al., 1997). Nesse trabalho, foram apontadas as principais deficiências das empresas americanas, entre as quais: G
G
G
G
atenção voltada para a produção em massa, com separação intra- e interfirmas (visão antagônica à do moderno SCM); adoção de horizontes de curto prazo; deficiências tecnológicas no desenvolvimento de produtos e na produção; falhas na cooperação clientes-fornecedores.
Com o declínio da produtividade e a constatação da necessidade de mudanças, as indústrias lançaram mão de diversas abordagens para suplantar os problemas apontados. No início dos anos 1970, foram desenvolvidos e implantados programas diversos, como os círculos de qualidade, os sistemas de planejamento da produção (MRP e MRP II) e os programas de qualidade de vida no trabalho. Na década de 1980 e início dos anos 1990, surgiram as campanhas para melhorar a produtividade, a busca da excelência, os sistemas flexíveis de produção e o ERP, a robótica, a produção assistida por computador, o sistema just-in-time, a reengenharia, a busca da melhoria contínua ou kaizen, o gerenciamento da qualidade total, a produção classe mundial, entre outros. Seguindo o exemplo dessa verdadeira revolução ocorrida no setor industrial, em que o paradigma da produção ágil/flexível veio substituir o da produção em massa, uma revolução no setor da distribuição também ocorreu. Essa “revolução” é caracterizada, sobretudo, por uma relação mais coordenada entre os vários membros da cadeia de suprimentos e por mudanças organizacionais profundas, com influências significativas nos sistemas logísticos das organizações. A distribuição passa a utilizar, de forma mais intensiva, recursos de tecnologia da informação (TI) para o intercâmbio eletrônico de dados (EDI). As atividades varejistas passam a ter uma maior preocupação com o nível de serviço oferecido ao consumidor. A busca da redução de custos nos canais de distribuição, aliada a uma nova visão de nível de serviço, dá origem ao movimento ECR (Efficient Consumer Response) nos Estados Unidos, em 1992. Uma nova mentalidade surge, buscando maiores economias e melhores resultados, a partir de uma maior eficiência ao longo dos canais de distribuição. Na fase que se sucedeu à Segunda Guerra Mundial, diversos acontecimentos fizeram com que as organizações se reestruturassem. Dentre eles, destacamos: a redução das barreiras alfandegárias e não alfandegárias, o surgimento dos blocos econômicos, o desenvolvimento mais acelerado da tec-
277
278
nologia da informação. Esses acontecimentos permitiram a adoção de estratégias globais, em substituição a estratégias multilocais e/ou multinacionais. O advento das firmas globais ampliou a necessidade de coordenação e de uma logística mais eficiente, para tornarem viáveis suas estratégias corporativas. Para Guillon (1998), as chamadas Global Commodity Chains (GCC) constituem exemplos de firmas globais, que se caracterizam pela sua estrutura organizacional abrangente, garantindo uma coordenação logística eficiente e uma integração das várias funções dispersas pelo globo. Como afirma Detoni (2003), para as empresas que têm sua cadeia de valor dispersa, as estratégias logísticas passam a ser globais e os sistemas tradicionais de gestão não são mais adequados. É esse fenômeno que se denomina globalização da logística, ratificado pelo crescimento da demanda e consequente oferta de serviços logísticos globais. O planejamento logístico deve considerar aspectos globais na definição das tecnologias a adotar, na escolha das fontes de suprimentos (global sourcing), dos fornecedores de serviços logísticos e dos mercados a serem atendidos e, é claro, na análise da concorrência. Exemplos clássicos de firmas globais são a Nike e a Reebok, que deixaram de lado a manufatura e passaram a se ocupar exclusivamente da concepção, da comercialização e da coordenação logística dos produtos que levam suas marcas. Essas empresas subcontratam toda a produção, localizadas normalmente nos países recém-industrializados. A indústria automobilística, também caracterizada por um processo crescente de abandono da estrutura vertical, formou redes globais de fornecedores, e se serve, hoje, de organizações logísticas bastante diferentes e bem mais complexas, quando comparadas com aquelas de alguns anos atrás. Essa maior complexidade dos sistemas logísticos é citada como uma das razões por trás do rápido crescimento da terceirização logística (Dornier et al., 2000). Os serviços logísticos têm desempenhado um papel crítico nas GCCs porque eles não somente proveem conexões geográficas e de transações, mas integram e coordenam o processo de produção globalizado e atomizado. Sem a coordenação e integração realizada pelos serviços, as GCCs não seriam viáveis no atual ambiente econômico altamente competitivo. Mas o aumento da terceirização se deve também a outros fatores. Para Sink & Langley (1996), nesta era de estoques reduzidos e competição globalizada, muitas empresas estão concentrando seus esforços nas atividades centrais (core competence), que são críticas para sua sobrevivência. Essa mudança na estratégia empresarial estimula a demanda por serviços logísticos externos, tanto físicos/operacionais como de administração, quando eles não constituem a competência central da empresa. Esses serviços passam a ser providos, então, pelos prestadores de serviços logísticos. Ao mesmo tempo em que o mercado global oferece mais oportunidades, surge naturalmente uma maior competição entre as empresas. A tercei-
rização de serviços logísticos constitui, principalmente para as sociedades comerciais, uma forma de atingir novos mercados e oferecer um melhor nível de serviço aos clientes. A busca pela redução de custos dos serviços logísticos é, sem dúvida, uma das razões mais importantes dessa tendência. De acordo com Laarhoven et al. (2000), discutindo uma pesquisa realizada com embarcadores em diversos países da Europa, a mais importante razão estratégica para estes últimos estarem interessados em terceirizar suas atividades logísticas é a necessidade de reduzir custos e aportes de capital. Essa razão é citada juntamente com a busca da melhoria do nível de serviço e do aumento da flexibilidade, um maior enfoque nas atividades centrais e a implementação de mudanças. No Brasil, as empresas também terceirizam, visando principalmente reduzir custos, mas, por outro lado, querem melhorar o nível de serviço oferecido através das competências do prestador de serviços. A utilização mais intensiva da tecnologia de comunicação e informação na operacionalização de sistemas logísticos tem exigido maiores investimentos em software e hardware, elementos caracterizados por ciclos de vida curtos. Essas tecnologias permitem reduzir mais facilmente os custos logísticos e aumentar o nível dos serviços oferecidos mas requerem altos investimentos e mão de obra treinada, o que pode constituir riscos para aqueles que começam a utilizá-la. Nesse contexto os prestadores de serviços logísticos representam uma alternativa interessante a considerar.
EVOLUÇÃO DO SETOR O abandono do paradigma da verticalização, nas modernas cadeias de suprimento, cria demandas que são, em grande parte, supridas por outros agentes econômicos. Parte desses agentes surgiu da redefinição ou ampliação de seus antigos negócios (as empresas transportadoras, por exemplo), dando origem aos novos prestadores de serviços logísticos. Outras empresas, por sua vez, nasceram mais recentemente na onda da tecnologia, e oferecem serviços logísticos baseados principalmente na larga utilização da informação e da comunicação, bem como na administração de serviços. Essa última categoria de prestadores de serviços vem ganhando importância à medida que as cadeias de suprimento abandonam a estrutura vertical, o que aumenta a necessidade de coordenação das atividades interfirmas. Os prestadores de serviços logísticos são originários de vários setores: grande distribuição, indústria, setor de transporte e armazenagem e setor de serviços. Detoni (2003) observou que, a exemplo da Europa e Estados Unidos (Lieb & Randall, 1999a; Paché, 1994), a maior parte dos prestadores de serviços logísticos que atuam no Brasil é originária do setor de transporte rodoviário – Águia Branca, Expresso Joaçaba, Ouro e Prata, Transportadora
279
Cometa, TA Logística, Delta Records, Estrada, Hércules, Itamarati, Jamef, Real, Rod. Transbueno e Transportadora Grande ABC – ou são as operadoras logísticas estrangeiras que se instalaram no país – Ryder Logistics, Danzas e TNT Logistics (Tabela 9.1). Tabela 9.1 no Brasil
Origem das empresas de prestação de serviços logísticos
Setor
Número de empresas
%
Transporte rodoviário
52
41,27
Operadores logísticos
24
19,05
Armazém geral/alfandegado
17
13,49
Serviços aduaneiros/despachantes
11
8,73
Transporte aéreo
4
3,17
Indústria
3
2,38
Transporte ferroviário
3
2,38
Transporte marítimo
2
1,59
Outros
5
3,97
Não forneceu informações
4
3,97
125
100,00
Total Fonte: Luna e Novaes, 2003.
A oferta pronunciada de serviços logísticos, por parte das empresas de transporte rodoviário de carga, é, em grande parte, resultado do processo de desregulamentação dos transportes iniciado nos Estados Unidos e, em seguida, disseminado na União Europeia, e do consequente aumento da concorrência no setor. Nos Estados Unidos, o Ato do Transportador Rodoviário (Motor Carrier Act), de 1980, objetivava incentivar a concorrência através da redução de barreiras à entrada de novos contendores e propiciar maior flexibilidade na oferta de serviços. Na Europa, por outro lado, o objetivo da desregulamentação era abrir os mercados de cada estado-membro, eliminando, assim, regras conflitantes, que impediam os fluxos de produtos dentro da União Europeia. A consequência foi, em ambos os casos, o aumento do número de transportadoras, a redução das taxas de frete e a oferta de serviços inovadores. As exigências dos embarcadores com maior poder de negociação perante um setor altamente competitivo,3 passaram a ser mais severas, exigindo melho3
280
Segundo Bowersox & Closs (1996), existiam nos Estados Unidos, em 1980, 17.000 empresas de transporte de carga. Em 1981, um ano após a desregulamentação, esse número passou a 20.500 e, em 1990, já existiam 40.000 empresas atuando nesse setor.
res níveis de serviço, a preços mais baixos. Os transportadores rodoviários tiveram, assim, suas margens de lucro reduzidas, não obstante o aumento de produtividade do setor. Buscando a sobrevivência e melhores nichos de mercado, começaram a oferecer uma gama mais ampla de serviços. Consequentemente, as empresas de transporte rodoviário ampliaram seus negócios, aumentando a rentabilidade e dando origem a grande parte dos operadores logísticos de hoje. No Brasil, esse processo é mais recente. Resultado de um cenário mais estável e da abertura econômica entre os anos de 1990 e 1993, as empresas de transporte começaram a se modernizar, para melhor se adaptarem às exigências de um mercado globalizado. Passaram, assim, a oferecer serviços logísticos de forma a atender à demanda das grandes firmas industriais e comerciais. Essa tendência foi reforçada, a partir da metade dos anos 90, com a chegada dos grandes operadores logísticos internacionais (Ryder, Maclane, TNT, Danzas e Penske Logistics) e de grandes indústrias estrangeiras (montadoras de veículos como Renault, Audi, Chrysler e grandes distribuidores e varejistas, como a Wal-Mart). A instalação dessas operadoras estrangeiras no país, com know-how na prestação de serviços logísticos, junto com empresas industriais e varejistas estrangeiras já acostumadas a utilizar esses serviços, é um fator que desafiou as competidoras nacionais (a maior parte delas formada por transportadoras rodoviárias) a se transformarem em operadores logísticos. Alguns desses operadores estrangeiros encontraram, no Brasil, empresas globais para as quais já trabalhavam no exterior, como é o caso da MacLane Distribuição Ltda., que trabalha com o grupo Philip Morris. Outras entraram no país através da formação de alianças com empresas brasileiras prestadoras de serviços. Citamos o caso da Fedex, que trabalha em conjunto com a Rapidão Cometa. Há, nesse processo, uma transferência de competências entre as empresas estrangeiras, detentoras de know-how em Logística, e as empresas nacionais. Esse é um importante fator indutor de mudanças e que tem provocado a rápida evolução do setor de serviços logísticos em nosso país.
PRESTADORES DE SERVIÇOS LOGÍSTICOS Conceituação de Operador Logístico Diversas definições de prestadores de serviços logísticos são normalmente apresentadas na literatura técnica. Esse tipo de operação é denominado, em inglês, third-party logistics (3PL) ou logistics providers. Em algumas definições mais amplas, o termo é usado para simplesmente descrever o fornecimento de serviços, incluindo as formas mais simples e mais tradicionais, como o trans-
281
porte e a armazenagem (Laarhoven et al., 2000). Ou seja, o termo prestador de serviço logístico abarca todo tipo de atividade logística, por mais simples que seja, não refletindo necessariamente os avanços tecnológicos e operacionais que dão sustentação ao moderno Supply Chain Management. Operador logístico, de acordo com a definição mais específica, é o prestador de serviços logísticos que tem competência reconhecida em atividades logísticas, desempenhando funções que podem englobar todo o processo logístico de uma empresa cliente ou somente parte dele. Mas, qualquer que seja a amplitude da terceirização, o processo deve ser tratado de maneira integrada, de forma a permitir a visão de todo o fluxo. Uma observação feita por Sink e Langley (1997) torna claro o papel dessa categoria particular de prestadores de serviços logísticos: “...para ser consistente com a maioria das interpretações do conceito de Logística, as atividades deveriam ser idealmente conduzidas de uma maneira integrada e coordenada. Essa seria a grande diferença entre o simples prestador de serviços e o operador logístico.” Esse conceito traz a ideia central subjacente às definições citadas por vários autores (Razzaque e Sheng, 1998; Sink, Langley Jr. e Gibson, 1996; Sink e Langley Jr., 1997; Africk e Calkins, 1994). Fica implícito no uso do termo “operador logístico”, a coordenação e a integração de um conjunto de atividades logísticas, mesmo que seja restrito (armazenagem e transporte, por exemplo) e um grau de sofisticação e avanço compatível com o observado nas modernas cadeias de suprimento. A ABML (Associação Brasileira de Movimentação e Logística), por sua vez, apresenta a seguinte definição de operador logístico: Operador logístico é o fornecedor de serviços logísticos especializado em gerenciar todas as atividades logísticas ou parte delas nas várias fases da cadeia de abastecimento de seus clientes, agregando valor ao produto dos mesmos, e que tenha competência para, no mínimo, prestar simultaneamente serviços nas três atividades consideradas básicas: controle de estoques, armazenagem e gestão de transporte. O operador logístico é, assim, responsável por parte do fluxo logístico, devendo propiciar a continuidade deste, mesmo se as demais atividades forem realizadas pela própria empresa, cliente ou terceiro. Em alguns casos, quando o contratante trabalha com vários PSL, torna-se mais complexa a coordenação e integração das relações entre eles. 282
Fourth Party Logistics (4PL) O uso de múltiplos prestadores de serviços especializados em atividades logísticas distintas, a terceirização de atividades com maior número de componentes informacionais e a demanda por um serviço one-stop4 têm levado à criação de empresas especializadas em coordenar esses vários provedores de serviços. Identificadas na literatura recente como fourth party logistics services (4PL) ou lead logistics service providers (LLP), integradores logísticos ou quarteirizadores, essas empresas coordenam os vários 3PLs e oferecem ao cliente uma visão completa do fluxo logístico. No Brasil, algumas empresas desempenham esse tipo de atividade. De acordo com Lieb & Kendrick (2002), o conceito de 4PL envolve o uso de uma empresa não envolvida diretamente com a prestação de serviços logísticos ao cliente, para gerenciar os diversos aspectos da relação dos vários PSL com seu contratante. De acordo com esse modelo de negócios, é comum que o 4PL seja oriundo de empresas de consultoria em logística, de tecnologia de informação ou de prestadores de serviços logísticos, que já trabalhem com a oferta de serviços de mais alto valor agregado e com componentes informacionais. O contrato global celebrado entre a Kuehne & Nagel Lead Logistics e a Nortel Networks é um exemplo de aplicação do conceito de 4PL. A Nortel Networks é uma empresa líder no setor de equipamentos de telecomunicação, com clientes em 150 países. No final de 1990, a empresa começou a adotar um modelo de logística mais ágil, terceirizando vários serviços com PSL, entre elas a Kuehne & Nagel (KN). Entre 1997 e 2001, a Nortel Networks abandonou uma estrutura logística onde predominavam os custos fixos, adotando outra baseada nos custos variáveis. Mas o esforço e o custo de gerenciar um grande número de prestadores de serviços levou a empresa, depois de um processo rigoroso, a contratar, em janeiro de 2002, a KN como integrador logístico. O objetivo era que a KN gerenciasse o desempenho dos múltiplos provedores de serviços logísticos da Nortel Networks no mundo todo, ajudando a empresa a melhor estruturar sua avançada cadeia de suprimentos e otimizar os serviços para os clientes globais. A KN estabeleceu uma nova empresa, a KN Lead Logistics (KNLL) para gerenciar os mais de 200 prestadores de serviços logísticos para a Nortel Networks.5
4 Serviço one-stop é aquele em que o cliente estabelece um contrato de longo prazo com um prestador de serviço, de tal forma que qualquer solicitação de atendimento é feita apenas através dele, sem burocracia, por meio de um único contato (EDI, Internet, fax, telefone). 5 Case disponível em http://logistics.kuehne-nagel.com/cs/KN_case_Nortel_Lead_Logistics_061504.pdf, visitado em 25/08/2006.
283
CLASSIFICAÇÃO DAS ATIVIDADES LOGÍSTICAS As várias atividades logísticas, susceptíveis de serem subcontratadas, podem ser agrupadas de acordo com sua posição na cadeia de suprimentos, na forma apresentada no esquema da ABML (Figura 9.1). Identificam-se dois grandes grupos (logística de suprimento e logística de distribuição) e seis subgrupos, que representam portfólios de atividades de natureza variada. Em geral, os operadores logísticos se ocupam do conjunto de atividades relacionadas a um dos dois grupos, chamados respectivamente de logística de entrada ou de suprimento (inboud logistics) e logística de saída ou de distribuição (outbound logistics). A Rapidão Cometa, por exemplo, tem como especialidades: gerenciamento de centros de armazenagem e distribuição, separação de pedidos (pickings), montagem de kits especiais, gerenciamento de estoques e transporte. Outras empresas têm unidades especializadas na realização de
FORNECEDORES
Atividades específicas da administração de materiais
! Acompanhamento dos pedidos a fornecedores: rastreamento de pedidos rastreamento de veículos ! Recebimento de materiais e componentes
ADMINISTRAÇÃO DE MATERIAIS
Atividades da administração de materiais junto à manufatura
! Apoio à produção: kanban e JIT, preparação de kits de produção abastecimento de linha ! Armazenagem
MANUFATURA
Atividades da distribuição física junto à manufatura
! Prestação de contas
! Controle e pagamento de fretes
! Medidas de desempenho
! Identificação de volumes
! Controle de estoques ! Identificação de volumes ! Expedição de materiais e componentes ! Gestão de informações logísticas ! Estudos de viabilidade ! Prestação de contas ! Medidas de desempenho
! Armazenagem
! Conferência física, quantitativa e documental ! Montagem de kits comerciais de produto acabado ! Roteirização ! Geração e controle de documentos ! Expedição industrial ! Distribuição direta da fábrica, transferência para centros de distribuição
! Abastecimento de gôndolas
! Serviços de atendimento ao consumidor
! Conferência física, quantitativa e documental
! Retirada de pallets vazios
! Gestão de informações logísticas
! Nacionalização de produtos importados
! Gestão de informações logísticas
! Armazenagem
! Prestação de contas
! Controle de estoques
! Medidas de desempenho
! Coleta de mercadorias devolvidas
! Embalagem ! Unitização ! Separação (pick/pack) ! Montagem de kits comerciais ! Identificação de volumes ! Roteirização ! Geração e controle de documentos ! Expedição de produtos
! Rastreamento de veículos
! Distribuição direta da fábrica, de CDs e transferência entre CDs
! Crossdocking
! Crossdocking
! Controle e pagamento de fretes
! Rastreamento de veículos
! Gestão de informações logísticas
! Controle e pagamento de fretes
! Prestação de contas
! Gestão de informações logísticas
! Medidas de desempenho
284
! Entrega direta do fornecedor ao consumidor
! Desconsolidação
! Transporte primário
! Armazenagem
! Entrega de produtos secos ou refrigerados
! Unitização: paletização de produto acabado e semiacabado ! Conteinerização
CONSUMIDOR
Atividades da distribuição física junto ao consumidor
! Recebimento de produto acabado e semiacabado
! Gestão de informações logísticas
CLIENTE
Atividades da distribuição física junto ao cliente do fornecedor
Atividades específicas da distribuição física
! Embalagem de produto acabado ou semiacabado
! Conferência física, quantitativa e documental
! Paletização de materiais e componentes
DISTRIBUIÇÃO FÍSICA
FIGURA 9.1 • Classificação das atividades logísticas segundo a ABML
! Prestação de contas ! Medidas de desempenho (performance)
atividades de logística de entrada, dando apoio à produção, de forma a assegurar que todos os componentes cheguem à linha de produção no momento certo, sejam aqueles fabricados localmente, sejam os que têm origem noutros pontos do país ou do exterior. Empresas como a TNT Logistics, que prestam serviços para a Fiat e para a GM, têm competências destacadas na logística de entrada e muitas abastecem a linha de produção num sistema just-in-time. A terceirização dessas atividades é muito comum na indústria automobilística. Ainda observando a Figura 9.1, podemos constatar que a mesma atividade logística pode ser encontrada em várias fases da cadeia, como é o caso do transporte e da armazenagem. Assim, é comum que alguns operadores se especializem em determinadas atividades que são encontradas em vários pontos da cadeia de suprimentos. Levando em conta a natureza das atividades logísticas oferecidas pelos prestadores de serviços logísticos, Colin e Fabbe-Costes (1995) assim as classificam: G
G
G
G
G
G
G
transporte, envolvendo os diferentes modos e serviços auxiliares, no caso do transporte internacional; armazenagem de produtos; manipulação de produtos, incluindo embalagem, identificação, composição de kits etc.; operações industriais, que incluem intervenções intrínsecas no produto, como montagem final, testes de qualidade etc.; operações comerciais, como recebimento e tratamento de pedidos, de pagamentos, realização de propaganda etc.; serviços de cunho informacional, como administração de estoques, rastreamento de veículos etc.; consultoria em engenharia e administração logística.
Segundo os mesmos autores, para descrever o conjunto de atividades logísticas realizadas pelos PSLs é necessário combinar três critérios: G
G
G
a natureza das atividades (descrita anteriormente); características de circulação dos produtos: canais de distribuição, restrições físicas (peso, volume, temperatura) e restrições de gestão (frequência, valor dos produtos, rotatividade de estoques); área geográfica servida.
Dessa forma, a gama de prestações de serviços oferecida por um PSL pode ser estruturada a partir da combinação desses três aspectos.
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Classificação dos Prestadores de Serviços Logísticos A maioria das taxonomias encontradas na literatura para classificar os PSLs é baseada na combinação dos elementos discutidos na seção anterior. E, naturalmente, à medida que surgem novas ofertas de serviços logísticos, outras propostas de classificação vão sendo apresentadas pelos estudiosos da área. Dentre as pesquisas que sugerem classificações para os prestadores de serviços logísticos a partir de algumas variáveis, uma das mais referenciadas é aquela sugerida por Africk & Calkins (1994), onde dois grupos básicos de prestadores de serviços são identificados, gerando um terceiro grupo denominado híbrido. O parâmetro que diferencia os dois tipos principais de PSL é a base da oferta de serviços. Assim, temos: G
G
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PSLs baseados em ativos: são empresas que detêm ativos tangíveis (próprios ou alugados) e oferecem outros serviços logísticos como ampliação natural de sua atividade central, como é o caso de uma companhia de armazém que pode fornecer serviços de embalagem, etiquetagem ou montagem final, além dos serviços tradicionalmente ofertados aos clientes; PSLs focalizados na administração e na informação: são empresas baseadas na administração de atividades que, geralmente, não detêm ativos tangíveis, mas fornecem a seus clientes recursos humanos e sistemas para administrar toda ou parte das suas funções logísticas.
O tipo híbrido ou integrado, conforme Africk & Calkins (1994), corresponde ao PSL que oferece os serviços logísticos físicos e administrativos ao mesmo tempo. A Figura 9.2 mostra os vários tipos de operadores, em função da combinação da base da oferta de serviços e do grau de cada um. Têm-se, assim, os prestadores de serviços básicos, como as transportadoras e armazéns tradicionais, que oferecem baixo grau de complexidade e serviços não customizados (ou pouco). Em segundo lugar, temos os prestadores de serviços logísticos físicos, que constituem uma outra categoria, com baixa complexidade administrativa, mas com ativos altamente especializados ou com alto grau de especificidade. Aqui podemos incluir as empresas que investem em equipamentos de transporte ou armazenagem de produtos ou serviços com características específicas, comum na indústria química e de alimentos. Os prestadores de serviços de administração, ao contrário, se caracterizam por um baixo nível de comprometimento com ativos e maior complexidade na oferta de serviços baseados nos recursos humanos. Nesse caso, estão incluídos os consultores em logística, os fornecedores de sistemas de gerenciamento de estoques ou sistemas mais complexos, de gestão empresarial ou, ainda, as empresas que oferecem assessoria aduaneira.
Aumento da complexidade e customização
SERVIÇOS FÍSICOS
Contratos de serviços logísticos físicos
Serviços básicos
Contratos de serviços logísticos integrados Contratos de serviços logísticos de administração
Aumento da complexidade e customização SERVIÇOS DE ADMINISTRAÇÃO PSL baseados em ativos
PSL baseados na administração
Híbridos
Fonte: Africk e Calkins, 1994.
FIGURA 9.2 • Os vários tipos de prestadores de serviços logísticos
Finalmente, o último tipo, o prestador híbrido, é representado pelos grandes operadores logísticos que administram o processo logístico das sociedades comerciais e industriais, ao mesmo tempo em que oferecem serviços físicos, caracterizados por um alto grau de personalização dos serviços oferecidos. Ou seja, nesse caso os serviços físicos e administrativos são combinados de forma a atender às necessidades dos clientes. Uma classificação para os PSLs, baseada em pesquisa da oferta efetiva de prestação de serviços logísticos no Brasil, é proposta por Luna e Novaes (2003). Usando ferramentas de análise estatística multivariada, a pesquisa analisou 107 empresas, caracterizadas segundo 58 variáveis. Com base nos resultados obtidos foram identificadas três dimensões que explicam as grandes diferenças entre essas empresas. A primeira dimensão, chamada de fator arco (ligações entre facilidades), caracteriza uma oferta de serviços baseados em gestão de transações e informações, menos concentrados em uma facilidade logística ou mais dispersos, e inclui as variáveis: G
G
G
G
G
serviços de gerenciamento, basicamente transações, inclusive com a oferta de escritórios no exterior; serviços diferenciados como JIT, Kanban, baseados em entregas em curto prazo e em pontos variados; serviços de transportes, como milk-run, distribuição etc; tecnologias de transportes, como rastreamento e roteirizadores; tecnologias aplicadas aos armazéns, como EDI, WMS, VAN etc.
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A segunda dimensão, chamada fator propriedade de ativos, caracteriza a oferta de serviços básicos. As empresas se diferenciam umas das outras por deterem ativos. Esta dimensão é também considerada na classificação de PSLs proposta por Africk & Calkins (1994). Na verdade, as três variáveis seguintes caracterizam os serviços básicos: G
G
G
frota própria; armazéns próprios; equipamentos de movimentação manual, que não exigem treinamento de pessoal para sua utilização e são usados principalmente na movimentação de cargas unitizadas em pallets.
Esta dimensão está bastante relacionada com a origem da maior parte das empresas prestadoras de serviços logísticos, transporte rodoviário e serviços de armazenagem. A terceira dimensão, chamada fator nó, representa uma dimensão que está relacionada com atividades de mais alto valor e mais concentradas em uma facilidade, seja pelo know-how, seja pelo valor que agrega aos produtos, pois é composta de: G
G
G
G
G
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serviços de armazenagem, que incluem controle de estoque, embalagem, montagem de kits; número de funcionários, maior quanto mais é necessário manipular produtos; número de armazéns de clientes, que em geral é transferido a terceiros quando estes detêm know-how e tecnologia para manipular os produtos; equipamentos de movimentação mecânica, caracterizados por elevado grau de cuidados no manuseio dos produtos, exigindo maior treinamento de pessoal; relação inversa com número de clientes, o que caracteriza um relacionamento mais próximo com poucos clientes.
Esse fator apresenta uma maior exigência em relação ao conteúdo do serviço oferecido. Na Figura 9.3 são apresentadas as posições de duas empresas típicas segundo esses três fatores. Nota-se que há diferenças significativas na oferta dos serviços oferecidos por esses PSLs. Observe que a TNT Logistics, comparada com a Rapidão Cometa, se destaca por oferecer atividades de mais alto valor e mais concentradas em facilidades de propriedades de clientes, não detendo tantos ativos como algumas empresas concorrentes. Na verdade, a TNT gerencia 592.600m2 de área de armazéns de seus clientes.
Fator nó (facilidades logísticas) TNT Logistics
Fator propriedade de ativos
Fator arco (ligações entre facilidades)
Rapidão Cometa
FIGURA 9.3 • O posicionamento de duas empresas segundo a estrutura de oferta
(adaptado de Luna e Novaes, 2003)
A Rapidão Cometa, com mais de 1.900 veículos e com área de armazenagem própria superior a 120.000m2, é uma empresa que se caracteriza pela propriedade de ativos e por atuar nos chamados arcos da rede logística, ou seja, nas ligações entre as facilidades e na realização de atividades de distribuição física. Essa estrutura permite diferenciar as empresas PSL que atuam no Brasil em função da oferta de serviços e da estrutura oferecida. Uma análise do mercado permite um melhor conhecimento dos PSLs e facilita o processo de escolha do prestador logístico a contratar. Para as empresas que oferecem serviços logísticos, essa análise permite a identificação do seu posicionamento estratégico em relação aos concorrentes. Na verdade, as três dimensões principais identificadas caracterizam grupos de ofertas de serviços (fator nó, fator arco e fator propriedade de ativos) e podem ser vistas como competências das empresas. Em meio a uma oferta ampla e variada, os embarcadores dispostos a terceirizar suas atividades logísticas se deparam frequentemente com uma complexa questão: como selecionar um PSL? Sem dúvida, faz-se necessário avaliar os PSLs, mas essa é apenas uma das etapas do processo de terceirização. Há toda uma série de questões que devem ser tratadas. Com o objetivo de estabelecer um referencial prático para o problema, discutiremos, a seguir, um modelo conceitual simples.
O PROCESSO DE TERCEIRIZAÇÃO E A ESCOLHA DE UM PSL O processo de terceirização das atividades logísticas, como realizado atualmente, é resultado de uma nova configuração das relações na cadeia de suprimentos. A terceirização, ou outsourcing nos moldes atuais, tem conse-
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quências mais amplas para as organizações. E essa evolução das relações logísticas tem trazido resultados positivos, mas também tornou-se fonte de sérias falhas e desapontamentos para muitas organizações. O insucesso, num processo de terceirização, tem impacto significativo para a organização. Lambert et al. (1999) destacam alguns, entre os quais estão os custos do insucesso da parceria – constituídos pelos custos diretos envolvidos na implementação e no gerenciamento da parceria – e os custos de oportunidade – relativos ao não engajamento noutra possível relação de maior sucesso. Sem dúvida, não são desprezíveis os riscos inerentes a um processo de aquisição de serviços, mas um planejamento adequado do processo pode reduzi-los significativamente. Esse planejamento deve iniciar-se com a identificação da necessidade de mudança do sistema logístico da organização e da possibilidade de terceirização de algumas atividades (ou todas) que o compõem. A análise do impacto da transferência dessas atividades para um terceiro é uma etapa importante no processo decisório. Além disso, se a empresa opta pela terceirização, há que se avaliar a forma como se dará a transferência das atividades logísticas aos terceiros e como será monitorado o desempenho. Para simplificar o entendimento das várias etapas, usaremos uma abordagem temporal, na qual a análise do processo se inicia com o desejo de mudança e finaliza com a avaliação dos resultados e com a realimentação do processo.
Por que Terceirizar e quais Atividades são Objeto de Terceirização?
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A primeira etapa de um processo dessa natureza se inicia com a questão de por que terceirizar e quais as atividades que podem ser terceirizadas. Já identificamos diversas razões apontadas como motores do processo de externalização das atividades logísticas. Todas as razões citadas para explicar o aumento do nível de subcontratação de serviços logísticos, observado na moderna economia, constituem fatores que devem ser levados em consideração quando da tomada desse tipo de decisão. Em termos mais teóricos, três razões principais são apresentadas para que as empresas busquem soluções externas, para atividades antes realizadas por elas próprias: a necessidade de manter o foco nas funções que formam as competências centrais da empresa, uma relação custo/eficiência desfavorável das atividades objeto de subcontratação e problemas financeiros (Brandes, Lilliecreutz e Brege, 1997). Em qualquer dos casos, a organização deve acreditar que a terceirização seja uma alternativa viável para a obtenção de melhorias no seu sistema logístico ou que leve à adequação deste às atuais demandas do mercado.
Mas há situações em que a terceirização não é possível ou não é indicada. Por exemplo, onde há operações que exigem investimentos muito específicos e difíceis de se tornarem rentáveis, operações que precisam de competências muito específicas ou, ainda, operações que demandam uma manipulação de informações julgadas estratégicas ou confidenciais e operações consideradas críticas para a organização. Uma fábrica de helicópteros localizada no Sul da França, por exemplo, terceiriza grande parte de suas atividades logísticas de suprimento mas, em alguns casos, é obrigada, ela mesma, a realizar tais atividades, dado o caráter confidencial e de segurança que envolve alguns equipamentos vendidos. É o caso, por exemplo, de alguns helicópteros de guerra fornecidos para as forças armadas de outros países. Nas indústrias químicas, nem todas as atividades logísticas são objeto de terceirização. Uma grande empresa fabricante de polímeros só considera a terceirização de atividades logísticas na movimentação de materiais embalados, que apresentam pouco perigo de contaminação. É considerado estratégico para a empresa o controle do serviço, por se tratar de produtos muito sensíveis. Nessa primeira etapa do processo de terceirização, a preocupação é com aspectos estratégicos, ou seja, o impacto da terceirização para a empresa de forma genérica, que definirá o que pode ser objeto de terceirização e o que não deve ser terceirizado. O estudo do impacto dessa decisão sobre a organização constituirá o próximo passo desse processo.
Como Avaliar se a Empresa deve Terceirizar Serviços Logísticos? Uma vez definido que uma atividade pode ser terceirizada, o próximo passo é analisar se as vantagens superam os riscos, ou seja, se a relação benefício/custo é positiva. Os custos de transações, que consistem nos custos decorrentes das trocas contratuais de bens ou serviços entre firmas, devem ser analisados. Para Skjoett-Larsen (2000a), uma transação é definida como uma troca através de uma interface tecnológica. Quando uma transação é efetuada, uma série de custos surge como resultado de “atritos” no sistema econômico. Se os custos de transações são baixos, sugere-se que a atividade seja comprada no mercado. Quando os custos de transações são altos, as atividades devem ser internalizadas. Nos custos de transação incluem-se os custos associados à identificação de possíveis candidatos no mercado, à contratação propriamente dita e ao acompanhamento do desempenho. As transações podem ser caracterizadas por quatro dimensões críticas: frequência, incerteza, especificidade dos ativos e facilidade de medida de desempenho. A especificidade dos ativos é a
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principal característica da transação, definida como investimentos relacionados a uma transação específica e com limitado valor quando usado em aplicações alternativas (Williamson e Aertsen, apud Skoett-Larsen, 2000a). Assim, quanto mais investimentos forem exigidos para atender características de serviços muito específicos, mais altos serão os custos de adaptação dos ativos para atender um único cliente. Isso pode inviabilizar a prestação do serviço, dado que os contratos de serviços têm prazos limitados. Essa dimensão, de certa forma, determina se a empresa deve externalizar ou não as atividades. A busca por um menor custo do serviço foi, por muito tempo, o aspecto principal e único da decisão de terceirizar. No entanto, trabalhos mais recentes mostram uma tendência à utilização de abordagens mais amplas. Assim, por exemplo, custos de monitoramento para interações do tipo embarcador/prestador de serviço e prestador de serviços/consumidor passam a ser incluídos. Custos da implantação de ferramentas que permitam a avaliação da satisfação do cliente final devem ser considerados quando os funcionários da própria empresa perdem o contato direto com o consumidor. Nesses casos, a visibilidade do processo completo de serviço ao cliente deve ser orçada, assumindo que a informação deverá ser obtida a partir dos terceiros e dos próprios clientes. Na verdade, as empresas devem buscar formas eficientes de monitorar o desempenho dos PSLs, para não correrem riscos de perder mercado devido à má qualidade dos serviços prestados aos seus clientes. Já se tornou comum a oferta de serviços, por parte dos próprios PSLs, visando facilitar esse monitoramento. Na distribuição física, muitos PSLs compartilham com os embarcadores a informação relacionada à posição da carga, ou seja, permitem um acompanhamento em tempo real do serviço que está sendo prestado, de forma a assegurar o cumprimento dos prazos estabelecidos. Mas há que ser considerados também os custos desse tipo de serviço. A decisão de terceirizar será resultado dessa ampla análise dos custos e benefícios totais associados à relação. Ao final dessa etapa, é preciso que o contratante tenha definido claramente quais as vantagens que a organização espera obter com a terceirização, a fim de facilitar a definição dos PSLs e a forma de relacionamento mais adequada.
Que Prestadores de Serviços Logísticos a Empresa deve Considerar na sua Análise?
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Com a tendência de terceirizar “pacotes” de atividades logísticas em lugar de atividades únicas, a relação entre cliente e prestador de serviço também vem mudando. Com demandas por atividades personalizadas, cresce o número de PSLs on demand e, com isso, cresce também a variedade de contratos.
Trabalhos recentes avaliam, empiricamente, a relação entre as várias atividades objeto de terceirização e mostram que as empresas, por razões relacionadas à economia de escopo e de escala, terceirizam múltiplas atividades com um mesmo fornecedor. Uma pesquisa com 372 gerentes de logística revelou que alguns grupos de atividades tendem a ser subcontratados em conjunto (Rabinovich et al., 1999). Por outro lado, pesquisas realizadas por Sink et al. (1996) junto a um grupo de embarcadores permitem constatar que o conceito de serviço completo cria, frequentemente incerteza e receio. Assim, os prestadores foram aconselhados a se concentrar nas suas competências centrais e não tentar oferecer uma solução one-stop. Lieb e Bentz (2005), em suas pesquisas longitudinais sobre a indústria de prestação de serviços logísticos, observam que, apesar de os contratantes indicarem que preferem trabalhar com um único provedor de serviços logísticos, a escala e a cobertura geográfica exigida nos recentes contratos têm tornado cada vez mais difícil um único prestador responder por todos os serviços exigidos. A estrutura de classificação da oferta de serviços no Brasil, apresentada por Luna e Novaes (2003), aponta para a identificação clara de empresas especialistas em alguns serviços e que somente um pequeno número de empresas poderia ser considerado como operadores logísticos que oferecem todos os tipos de serviços. De qualquer forma, é com base na identificação das atividades a serem contratadas que o perfil do prestador de serviços começa a ser esboçado. Uma busca dos PSLs que oferecem os serviços em questão permitirá que a empresa identifique os potenciais candidatos. Há casos em que alguns prestadores de serviços logísticos já desenvolveram competências no desempenho de determinadas funções. Muitas vezes, um PSL não oferece determinados serviços logísticos no momento. Para a empresa contratante, no entanto, mesmo assim pode haver vantagens na sua contratação. Define-se então um serviço customizado, criado sob medida, comum nos casos em que soluções específicas são necessárias. Buscar informações sobre os prestadores de serviços potenciais é uma atividade importante nesse processo e permitirá reduzir a assimetria de informações, principalmente num mercado novo e com uma grande variedade de oferta de serviços. Pode-se sugerir o levantamento de dados junto a organizações profissionais como a Associação Nacional do Transporte de Carga e Logística ou publicações específicas sobre a indústria, como é o caso do Panorama de Operadores Logísticos publicado periodicamente pela Revista Tecnologística. Após a identificação de um perfil do PSL e da identificação de potenciais candidatos, a próxima etapa consiste em selecionar o mais adequado.
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Qual Prestador de Serviço é o mais Adequado?
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Definidos os serviços a contratar e conhecendo a oferta, a próxima etapa corresponde à seleção do prestador de serviço logístico. A contratação tem características particulares, visto o alto grau de incerteza em relação à qualidade do “produto” final e à definição dos recursos necessários para atingir as metas. A utilização de um processo apropriado de seleção de PSL é importante como forma de reduzir os riscos. De acordo com Maltz (1995), a utilização de bons procedimentos maximiza a probabilidade de escolha de um PSL mais adaptado às necessidades da empresa e permite que aqueles que tomam parte no processo decisório possam contribuir e finalmente concordar com a escolha final. Um método normativo pode ser sugerido como forma de orientar esse processo decisório e se chegar a um resultado final com segurança. A primeira etapa deve consistir na identificação das características e competências que devem satisfazer os PSLs. Entre os fatores a serem levados em consideração, devem estar incluídos, em geral: compatibilidade de sistemas de informações existentes no PSL e na empresa contratante; referências de outros clientes, reputação da empresa; estabilidade/saúde financeira da empresa; experiência de trabalho nos negócios, como tempo que atua no mercado; compatibilidade da cultura das empresas; facilidade de comunicação entre as empresas; localização e escopo geográfico; e preço dos serviços oferecidos. A seleção dos PSLs se inicia, normalmente, com a análise e a avaliação de fatores eliminatórios, o que permitirá ao avaliador construir um quadro geral comparativo dos potenciais prestadores de serviços logísticos. O estabelecimento de regras simples permite eliminar aqueles que não satisfazem critérios estabelecidos a priori. Essas regras especificam critérios que o PSL deve obrigatoriamente satisfazer. Por exemplo, o PSL deve estar localizado na mesma região da empresa contratante, deve ter boa reputação no mercado e deve ter uma experiência mínima de dois anos. Aqueles que satisfizerem preliminarmente o conjunto de regras definidas pelos tomadores de decisão serão posteriormente analisados de forma mais detalhada. Os que não passarem no escrutínio inicial serão definitivamente eliminados. Uma análise mais detalhada dos PSLs remanescentes do processo de seleção preliminar pode ser feita utilizando técnicas simples de ponderação, visando estreitar ainda mais o universo de soluções possíveis. É preciso, inicialmente, definir os critérios considerados importantes, que permitirão ordenar as várias alternativas remanescentes. Atribui-se, a cada um dos candidatos, uma nota refletindo cada critério. Essa nota será, por exemplo, a média das notas atribuídas aos PSLs pelos vários analistas do processo. Em geral, usa-se uma fórmula aditiva simples para agregar os resultados dessas avaliações parciais, atribuindo-se um peso a cada critério. É importan-
te que esses critérios sejam claros, que tenham sido considerados relevantes pelos tomadores de decisão e que possam ser efetivamente avaliados na prática. Além disso, é importante que esses critérios não sejam redundantes, de forma a se evitar distorções nas avaliações. Finalmente, deve-se procurar incluir na avaliação todos os critérios julgados importantes pela empresa. Ao final se terá uma classificação comparativa e mais detalhada dos PSLs potenciais. De todos, dois ou três merecerão uma análise posterior mais detalhada. Segundo Sink e Langley (1997), estudos de caso revelam que as equipes de contratação de serviços examinam dois ou três finalistas, aos quais é requisitada uma proposta formal. É fornecido a cada PSL potencial um provável cenário do negócio, para que confirme sua capacidade de atender às demandas da empresa. Em seguida, é feita uma análise das propostas dos serviços a serem oferecidos. Essas propostas fornecerão elementos mais detalhados para a tomada de decisão. A etapa seguinte consistirá na definição das ferramentas gerenciais a utilizar na fase de implementação, de forma a reduzir a distância entre os objetivos almejados e os realmente alcançados.
Quais Ferramentas de Controle Utilizar? Com a seleção do PSL, deverão ser identificadas ferramentas gerenciais para serem utilizadas na parceria. Ambas as partes participam desse processo, e o contrato logístico constitui a principal ferramenta para boa gestão da parceria logística. Ele terá a função de definir como o processo de implementação dessa parceria será conduzido, através da identificação das ferramentas de controle e das medidas de desempenho a serem utilizadas para avaliação dos resultados obtidos. Dispositivos de incentivo e de sanção também deverão ser definidos na fase de elaboração do contrato. É preciso ter em mente que cada acordo é único. Um contrato deve ser elaborado em função das atividades a serem contratadas, dos dispositivos de coordenação, dos controles utilizados na parceria e dos objetivos estipulados no acordo. Os contratos logísticos têm evoluído em decorrência dessa tendência de subcontratar mais atividades e do aumento da incerteza dos resultados a serem obtidos. Algumas diferenças fundamentais entre os contratos logísticos atuais e os tradicionais são abordadas no trabalho de Africk (apud Razzaque e Sheng, 1998). Por exemplo, os contratos atuais são estabelecidos de forma a cobrir maior prazo e são negociados num nível de administração mais alto. Por outro lado, as formas de contratos evoluíram em decorrência de um maior nível de sofisticação, apoiados em verdadeiras parcerias logísticas. A grande mudança está relacionada com a maior flexibilidade dada aos PSLs para a realização dos serviços, que podem assim dispor de formas mais criativas para desenvolver as atividades terceirizadas. Ao mesmo tempo, os con-
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tratos passaram a conter cláusulas de penalidades para os PSLs, no caso de não atendimento dos objetivos propostos (Laarhoven et al., 2000). Os mesmos autores apontam que, embora o PSL tenha um maior grau de liberdade para adotar novas soluções logísticas, geralmente o contrato é extremamente detalhado em termos de preços e níveis de serviços. Por exemplo, o contratante pode exigir informações detalhadas que possam alimentar diretamente seu sistema de gestão de custos. Além disso, vários níveis são identificados e registrados no contrato. Em alguns casos, se o PSL realizar as atividades com desempenho superior ao acordado previamente, receberá uma remuneração mais alta. Caso contrário, será penalizado. Esse tipo de contrato fornece instrumentos para que os serviços oferecidos sejam acompanhados e monitorados permanentemente. Na verdade, a contratação de um PSL não significa uma simples transferência de responsabilidade a terceiros. Ao contrário, o trabalho em parceria é difícil, e uma intensa troca de informações e contínua adaptação são pré-requisitos para o sucesso de um processo de outsourcing de serviços. Um constante monitoramento dos resultados, à medida que o sistema vai sendo executado, reduz os riscos de falhas e permite uma rápida correção das distorções identificadas. O uso dos indicadores na área da logística vem, assim, ganhando importância, na medida em que se torna necessário medir e avaliar o desempenho de atividades logísticas terceirizadas.
Como Administrar a Parceria?
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Apesar das vantagens da terceirização, identifica-se uma grande preocupação com o relacionamento entre as partes depois de iniciada a parceria (Artmann e Martha, 1997; Hutt et al., 2000; Moore e Cunninghan III, 1999; Fabbe-Costes e Brulhart, 1999; Tate, 1996). Depois de definido o “como fazer juntos”, seja pela implementação de comunicação e informação, seja pela formalização de procedimentos entre as empresas, é necessário observar como realmente estas irão cooperar. A definição detalhada dos termos de contrato é importante, mas não é suficiente para garantir o sucesso de um processo de outsourcing, onde avaliações qualitativas dos resultados são indispensáveis. Pode-se ressaltar a importância de todas as questões relacionadas à cultura organizacional, aprendizagem organizacional (Hatchuel, 1994) e os conceitos de confiança (Neuville, 1998), de comportamento cooperativo etc., que vão fazer com que as parcerias obtenham resultados satisfatórios ou frustrantes em relação às expectativas. A confiança entre os parceiros é um conceito importante ao longo de todo o ciclo de vida de uma aliança, mas o excesso de confiança pode ser considerado uma armadilha para os parceiros. Neuville (1998) ressalta a importância de administrar os limites da confiança, e Fabbe-Costes e Brulhart
(1999) afirmam que a confiança supõe vigilância entre os parceiros. Assim, é preciso que as empresas gerenciem permanentemente a parceria e mantenham, ao mesmo tempo, uma política de vigilância, de forma a evitar que os parceiros se afastem dos objetivos fixados previamente. A difusão crescente da tecnologia de informação veio permitir o monitoramento das atividades desenvolvidas pelas empresas contratadas a custos mais baixos, reduzindo a possibilidade, por exemplo, da manipulação de informações fornecidas ao contratante por parte do contratado. A troca constante de informações é considerada um fator crítico para o sucesso dos contratos logísticos, que tendem a ter prazos mais longos e relações mais abertas. Na verdade, como resultado do grande número de fracassos na formação de parcerias ou alianças, os administradores tentam adotar uma abordagem mais construtivista e adaptável a cada caso, daí a difusão dos termos como confiança, comportamento cooperativo, engajamento, clima organizacional e cultura. O próprio envolvimento dos funcionários, ainda na transição das atividades (antes realizadas in-house) para o agente terceirizado, é de fundamental importância, porque, na grande maioria dos casos, a transferência das atividades deve acontecer sem a interrupção dos serviços, e o envolvimento dos funcionários é crucial para o sucesso desse processo. Em geral, as empresas contratadas procuram aproveitar a mão de obra da empresa contratante, mas demissões são comuns, o que gera um clima de insegurança entre os funcionários, que tentarão manter o status quo. As questões trabalhistas merecem atenção especial nesse caso. Outro aspecto importante para o sucesso das parcerias logísticas é o envolvimento da alta administração. Sem dúvida, entre os agentes que decidem e tomam parte da implementação de uma mudança organizacional devem estar os executivos da alta gerência. Um consultor pode, por exemplo, sugerir o outsourcing de atividades como uma alternativa viável, mas os executivos da organização contratante devem estar realmente convencidos da necessidade de mudar. E mudanças mais profundas na empresa podem representar perda de controle para aqueles que fazem parte do grupo dominante na organização, criando, assim, resistências na implementação do projeto. Se a parceria tiver sucesso, os mecanismos de controle e monitoramento devem ser continuamente ajustados. Mas há fatores diversos que podem levar a empresa a reavaliar a decisão de terceirizar e, algumas vezes, a reintegrar as atividades logísticas.
Quando Considerar a Possibilidade de Reintegrar as Atividades Logísticas? A reintegração das atividades logísticas é comum, mas constitui uma decisão crucial para a empresa que, mais uma vez, é obrigada a modificar sua estraté-
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gia. Ainda são pouco discutidos o processo de reintegração das atividades logísticas e os problemas enfrentados nesse processo. Colin e Fabbe-Costes (1995) apontam algumas razões da reintegração, entre as quais a confiabilidade do desempenho das operações e a preservação do know-how. A preservação do know-how tanto pode levar a empresa a optar pela reintegração como, quando considerada em fases anteriores, a restringir o escopo da terceirização. Isso justifica a manutenção e administração, por exemplo, de alguns armazéns de uma rede logística quando todos os outros são terceirizados. Segundo Fabbe-Costes e Colin (1995), muitas empresas adotam essa estratégia por dois motivos. Primeiro, para preservar o conhecimento mais profundo das práticas logísticas e da experiência na gerência das operações. Em segundo lugar, a exploração dessas atividades permite a avaliação de novas técnicas, sem a necessidade de ter que convencer a empresa subcontratada a fazer investimentos de risco. Lieb e Randall (1999, a e b) afirmam que a razão mais citada pelos contratantes para o término dos contratos logísticos é o mau desempenho dos prestadores de serviços logísticos. Além dessa, os autores citam: fusão do cliente com outra companhia; fechamento do mercado servido; percepção do cliente de que a relação foi prejudicada; violação de um contrato de aliança. Também são citados problemas trabalhistas e insolvência do cliente. Lambert et al. (1999) destacam, por outro lado, as expectativas não realistas do contratante em relação aos serviços prestados. Do ponto de vista da empresa que contrata os serviços, muitas vezes o questionamento é centrado nas questões estratégicas, em que se pergunta se os objetivos estratégicos considerados na primeira etapa do processo de terceirização foram realmente alcançados. Sempre que esses serviços forem reintegrados na empresa, deve-se realizar um novo diagnóstico de sua estrutura logística e avaliar as razões do insucesso, antes de contratar outro PSL.
DESAFIOS AOS OPERADORES LOGÍSTICOS Operadores Logísticos e o Comércio Eletrônico
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O mercado dos prestadores de serviços logísticos, sem dúvida, ainda é um mercado em crescimento, mas é, principalmente, um mercado em transformação. Observa-se uma grande dinâmica na oferta de serviços e uma busca das empresas por nichos de mercado mais rentáveis. A tendência de oferecer serviços on demand está relacionada a essa dinâmica. A disseminação do uso de tecnologias de informação e comunicação, como é o caso do comércio eletrônico, principalmente em países emergentes como o Brasil, é um dos fatores que afetam essa dinâmica.
No que se refere ao comércio B2C (business-to-consumer), a perspectiva é de aumento substancial nos próximos anos. Se o comércio B2C cresce, o B2B (business-to-business) é ainda mais representativo. Na verdade, essa última forma é ainda mais antiga e vem permitindo uma redução significativa dos custos de transação. Mas o crescimento do varejo eletrônico faz com que as empresas tenham que reconfigurar seus sistemas logísticos para atender as novas características da demanda. Para o comércio B2C, essas características incluem: grande número de pequenos pedidos, maior dispersão geográfica, prazos curtos de entrega, maior dificuldade de previsão da demanda etc. A maior dificuldade em atender essas demandas faz com que as empresas busquem novas soluções, destacando-se o outsourcing da distribuição física. Essa nova forma de comércio gera a necessidade de adaptação dos canais de distribuição para atender um mercado de dimensões ampliadas, muitas vezes global. Assim, como visto nos Capítulos 3 e 4, a função do canal, relacionada com a distribuição física, passa, em muitos casos, a ser realizada por prestadores de serviços logísticos. Pode-se citar o caso da Dell Computadores do Brasil Ltda., onde a venda é realizada pela Internet para todo o Brasil e a entrega fica a cargo dos PSLs. Na realidade, para a grande maioria das empresas, a implantação de uma estrutura logística voltada ao atendimento de um mercado geográfico mais amplo torna-se inviável, principalmente se considerarmos as novas características dessa demanda. Mas, como o comércio eletrônico constitui um dos nichos de mercado mais visados pelos prestadores de serviços logísticos, as firmas ponto-com já começam a fazer parcerias com empresas de encomendas expressas, que dispõem de maior capilaridade para atender pessoas físicas. Mas, não são somente os varejistas os responsáveis pelo aumento do comércio B2C. Os fabricantes também têm lançado mão do comércio eletrônico para aumentar a lucratividade de seus negócios. Com o poder nos canais de distribuição passando para as mãos dos grandes varejistas, a margem de lucro dos fabricantes vem sendo reduzida e, como resultado, estes últimos passam a buscar canais de distribuição mais rentáveis. Uma das alternativas tem sido o sistema desenvolvido por empresas de tecnologia de informação, chamado business to business to consumer (B2B2C), no qual a empresa faz o elo entre a indústria, o comércio tradicional e o virtual e, em parceria com PSLs, oferece uma solução completa de comércio eletrônico e de logística. Um exemplo dessa iniciativa é a parceria feita pela Ezconet e a Rapidão Cometa6 para atender fabricantes de eletroeletrônicos que procuram formas de atingir o consumidor final sem a figura do distribuidor. Através da Internet e de ferramentas do e-commerce, revendedores acessam catálogos e efetuam o 6
Consulte: http://www.rapidaocometa.com.br/site/downloads/cometa-abril2006.pdf.
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pedido, que será entregue pelo PSL ao cliente final. O prestador de serviço logístico, além de ser responsável pela distribuição, também realiza atividades de armazenagem, preenchimento de pedidos e logística pós-venda. As expectativas do comércio eletrônico fazem com que os embarcadores passem a subcontratar não somente a entrega final ao consumidor, mas todas as atividades relacionadas à distribuição física, como forma de garantir os níveis de serviço atualmente exigidos. Isso amplia a gama de serviços logísticos oferecidos, à medida que novas atividades vão sendo incorporadas. Nessa linha, destacam-se: o postponement ou postergação, em que os PSLs passam a realizar atividades de finalização do processo de produção, como montagem final de produtos; os serviços de logística pós-venda, como é o caso da coleta e posterior devolução de aparelhos submetidos a conserto etc. (veja Capítulo 2).
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302
10
Roteirização de Veículos
NO CAPÍTULO 8, analisamos o problema da distribuição física com base em aproximações. Tais aproximações são de grande valia na fase de planejamento logístico, quando são analisados e dimensionados os bolsões e a frota de veículos necessários para realizar um determinado tipo de serviço de distribuição se produtos. No entanto, quando o enfoque é operacional, isto é, na fase em que o sistema já foi dimensionado anteriormente nos seus contornos gerais, o problema é mais específico, pois se conhecem as localizações precisas dos clientes e suas demandas. Para esses casos, um problema muito frequente na distribuição física é o da roteirização de veículos.
CONCEITUAÇÃO Um problema real de roteirização é definido por três fatores fundamentais: decisões, objetivos e restrições (Partyka e Hall, 2000). As decisões dizem respeito à alocação de um grupo de clientes, que devem ser visitados, a um conjunto de veículos e respectivos motoristas, envolvendo também a programação e o sequenciamento das visitas. Como objetivos principais, o processo de roteirização visa propiciar um serviço de alto nível aos clientes, mas ao mesmo tempo mantendo os custos operacionais e de capital tão baixos quanto possível. Por outro lado, deve obedecer a certas restrições. Em primeiro lugar, deve completar as rotas com os recursos disponíveis, mas cumprindo totalmente os compromissos assumidos com os clientes. Em segundo lugar,
303
deve respeitar os limites de tempo impostos pela jornada de trabalho dos motoristas e ajudantes. Finalmente, devem ser respeitadas as restrições de trânsito, no que se refere às velocidades máximas, horários de carga/descarga, tamanho máximo dos veículos nas vias públicas etc. Na prática, problemas de roteirização ocorrem com bastante frequência na distribuição de produtos e de serviços. Alguns exemplos são listados a seguir: G
G
G
G
G
G
G
G
entrega, em domicílio, de produtos comprados nas lojas de varejo ou pela Internet; distribuição de produtos dos CDs para lojas de varejo; distribuição de bebidas em bares e restaurantes; distribuição de dinheiro para caixas eletrônicos de bancos; distribuição de combustíveis para postos de gasolina; distribuição de artigos de toalete (toalhas, roupa de cama etc.) para hotéis, restaurantes e hospitais; coleta de lixo urbano; entrega domiciliar de correspondência etc.
ROTEIRIZAÇÃO SEM RESTRIÇÕES
304
Quando a separação dos clientes, pelos diversos roteiros, já foi realizada previamente, a questão da restrição de tempo e de capacidade está resolvida. Assim, não precisamos nos preocupar com tais restrições, tudo se passando como se o sistema não fosse restrito por tempo ou por capacidade. Nesses casos, o problema que resta a ser resolvido é o de encontrar a sequência de visitas que torne mínimo o percurso dentro do bolsão. Num caso simples, como o da Figura 10.1, em que há poucos clientes a serem visitados no roteiro, o problema pode ser resolvido facilmente por inspeção. Quando o número de clientes aumenta ou quando a distribuição dos pontos de visita assume esquemas mais complexos, a resolução do problema passa a exigir métodos mais sofisticados, tratados no computador. Na literatura técnica, o problema de roteirização sem restrições recebe o nome de PCV – Problema do Caixeiro-Viajante (Novaes, 1989). Isso porque o autor que primeiro analisou a questão exemplificou a metodologia através de aplicação a um caso em que um caixeiro-viajante tem de visitar um determinado número de cidades localizadas numa região, devendo achar a sequência que minimize o percurso total. Há vários métodos heurísticos para resolver um PCV. De uma forma geral, esses métodos podem ser agrupados em duas categorias:
Roteiro de visitas
CD
Bolsão de distribuição
Clientes
FIGURA 10.1 • Roteiro simples (12 clientes) num bolsão de distribuição
G
G
métodos de construção do roteiro; métodos de melhoria do roteiro.
Métodos de Construção do Roteiro Os métodos de construção partem de um ou dois pontos, e vão formando o roteiro através do acréscimo paulatino de pontos adicionais. A sistemática mais simples é ir ligando cada ponto ao seu vizinho mais próximo. Elege-se um deles como ponto inicial e se procura, dentre os demais pontos, aquele que estiver mais perto do primeiro. Toma-se o segundo ponto e faz-se o mesmo procedimento, tomando o cuidado de excluir todos aqueles que já fazem parte do roteiro. Esse método não é dos mais eficazes, mas é rápido e fornece uma solução, que pode ser adotada como configuração inicial para aplicação dos métodos de melhoria. Na Figura 10.2 é mostrado um roteiro com 36 clientes. Elegeu-se, para início da construção do roteiro, o ponto mais ao sul, conforme indicado na figura. Tomando sempre o vizinho mais próximo para formar a sequência de visitas do roteiro, obtém-se o resultado mostrado na Figura 10.2, com L = 55,69km. Se tomarmos um outro ponto como início do percurso, o roteiro resultante pode ser diferente. Em geral, a solução obtida com um método desse tipo não é satisfatória, exigindo a aplicação de um método de melhoria sobre o resultado assim obtido. Por exemplo, a solução de um PCV não pode apresentar percursos cruzados no roteiro. O roteiro da Figura 10.2 apresenta três cruzamentos desse tipo. A razão para essa afirmação pode ser entendida através da observação da Figura 10.3. Um teorema da geometria afirma que um lado do triângulo é menor ou igual à soma dos outros dois lados. Então, tomando o triângulo ICK da Figura 10.3, o lado IK é menor do que a soma IC + CK. De forma análoga, se tomarmos o triângulo JCL na Figura 10.3, o lado JL é menor do que a soma dos lados JC + CL. Mas, se essas duas relações são verdadeiras, então as ligações IK e JL dão um resultado me-
305
36 clientes
Ponto inicial L = 55,69 km FIGURA 10.2 • Aplicação do método do vizinho mais próximo para obtenção
de uma solução inicial para o PCV
lhor do que as ligações anteriores, IL e JK, conforme mostrado na Figura 10.3, ou seja, sempre que ocorrer um cruzamento pode-se substituí-lo, com vantagem, pela ligação não cruzada. Além desse tipo de redução da extensão do roteiro, existem outras possibilidades não tão aparentes, que são exploradas através de métodos de melhoria. Um processo de construção mais eficiente do que esse que analisamos é o método de inserção do ponto mais distante. Seja, por exemplo, o caso dos seis clientes mostrados na Figura 10.4a, e tomemos o ponto 1 para iniciar o roteiro. Procura-se inicialmente o ponto mais distante do ponto inicial, no caso o cliente 4. Ligam-se os dois pontos, formando o roteiro embrionário I
I J
J
C
K
K L
IK £ IC + CK
JL £ JC + CL
306
L IK + JL
FIGURA 10.3 • Eliminação de cruzamento num roteiro do PCV
£ IL + JK
4
4
3
3
6
2
3
6
2
5
1
(a)
(b)
(c)
4 3
3
6
2
6 5
1
(e)
5
1
4
3
2
6
2
5
1
4
(d)
4
1
6
2
5
(f)
5
1
FIGURA 10.4 • Método de inserção do ponto mais distante (PCV)
mostrado na Figura 10.4b. A seguir, busca-se o ponto mais distante do roteiro parcial já montado. É o ponto 5, levando ao roteiro parcial 1-4-5 mostrado na Figura 10.4c. Dentre os pontos ainda não incluídos no roteiro, busca-se novamente o mais distante dos arcos (ligações) que formam o roteiro parcial. É o cliente 3, conforme mostrado na Figura 10.4c. Esse novo ponto é inserido no arco mais próximo, no caso, o arco 1-4. Temos então o roteiro parcial 1-3-4-5, conforme Figura 10.4d. Repetindo a operação, notamos que o ponto mais distante do roteiro é o cliente 6. Esse ponto está mais próximo do arco 1-5 e, por isso, é colocado entre esses dois clientes, como mostrado na Figura 10.4e. Finalmente, o ponto restante é o cliente 2, que está mais próximo do arco 1-3, sendo inserido entre esses dois pontos, completando assim o roteiro (Figura 10.4f). Problemas maiores, com muitos clientes, são obviamente resolvidos com o auxílio de computador. Outros métodos de construção de roteiros são relatados na literatura especializada. O leitor interessado nesse assunto poderá consultar, por exemplo, Laporte (1992).
Métodos de Melhoria do Roteiro Os métodos de melhoria partem da solução obtida com o auxílio de um outro método qualquer e procuram aperfeiçoar o resultado assim obtido, utilizando, para isso, uma sistemática predefinida. Os dois métodos de melhoria mais utilizados são o 2-opt e o 3-opt, desenvolvidos por Lin e Kernighan (1973). O método 2-opt, mais simples, tem a seguinte evolução computacional:
307
Etapa 1. Começamos com um roteiro qualquer, de preferência um roteiro gerado com o auxílio de um método de construção. Etapa 2. Removemos dois arcos do roteiro e tentativamente reconectamos os nós que formam esses dois arcos, alterando as ligações (Figura 10.5). Se essa nova ligação produzir um resultado melhor, isto é, gerando um roteiro de extensão menor do que o anterior, substituímos o roteiro inicial pelo novo roteiro e repetimos a etapa 2. Caso contrário, continuamos com o roteiro anterior e tentamos outros dois arcos, repetindo a etapa 2, e assim sucessivamente. Etapa 3. O processo termina quando não se conseguir nenhuma melhoria, ao se fazerem todas as trocas de ligações possíveis. Na Figura 10.5 representamos simbolicamente um roteiro qualquer. Num certo momento do processo, estamos considerando quatro nós, sendo que o nó J é o seguinte do ponto I no roteiro, e o nó L vem logo após o ponto K. Suponhamos que o roteiro (a), da Figura 10.5, tenha extensão La. Alteramos agora as ligações dos arcos I, J, K e L, gerando a nova sequência mostrada simbolicamente na Figura 10.5b, com extensão Lb. Se Lb < La, a alteração produziu uma melhoria, e então deixamos de lado o roteiro (a) e adotamos (b) como roteiro básico. Se, ao contrário, Lb ≥ La, isso significa que a alteração não produziu nenhuma melhoria, e então o roteiro (a) continua servindo como roteiro básico. O processo continua, realizando todas as combinações possíveis de pares de nós, até que não se consiga mais obter nenhuma melhoria. Nesse ponto o computador pára, mostrando o roteiro final otimizado e sua extensão.
K
K L
L
arcos a modificar
J
J I
I
(a) roteiro básico
(b) roteiro modificado
FIGURA 10.5 • Dois pares de nós (I –J e K-L) rearranjados no método 2-opt, para solução
308
do PCV
1
3
2
roteiro básico
4
1
5
• • •
6
7
7 = possíveis combinações dos nós
FIGURA 10.6 • Possíveis recombinações dos nós no método 3-opt
O método 3-opt é conceitualmente semelhante ao 2-opt, com a diferença de que as alterações são agora realizadas tomando três pares de arcos de cada vez. Outra diferença importante em relação ao método anterior é que agora são possíveis sete alterações diferentes para cada configuração básica, conforme pode ser visto na Figura 10.6. Embora mais complexo do que o 2-opt, o método 3-opt fornece resultados mais precisos. Tomemos, como exemplo, os 36 clientes da Figura 10.2. Aplicou-se o método 3-opt para melhorar o resultado obtido anteriormente com o método do vizinho mais próximo, gerando o roteiro da Figura 10.7, com uma redução de 21,6% na distância percorrida. Poderíamos ter aplicado primeiro o método 2-opt, para então aplicar o método 3-opt sobre o roteiro resultante. Alguns autores não recomendam isso, sugerindo que se aplique o 3-opt diretamente sobre o resultado obtido com o auxílio de um método de construção.
36 clientes
L = 43,68 km FIGURA 10.7 • Roteiro obtido através da aplicação do método 3-opt sobre o resultado
inicial apresentado na Figura 10.2
309
O PCV – Problema do Caixeiro-Viajante – apresenta dificuldades crescentes de resolução (tempo de processamento) quando o número de clientes aumenta. Problemas de pequeno porte são facilmente resolvidos, enquanto problemas maiores, com número de pontos visitados maior do que 100, requerem tempos de processamento apreciavelmente mais elevados.
ROTEIRIZAÇÃO COM RESTRIÇÕES Já vimos, no Capítulo 8, que a resolução da maioria dos problemas de distribuição física fica condicionada aos limites de tempo ou de capacidade do veículo. Muitas vezes é preciso roteirizar os veículos sem que haja uma prévia divisão da região em bolsões. Nesses casos, o processo de roteirização é diferente dos anteriormente vistos. A roteirização, nessas situações, ocorre simultaneamente com o processo de divisão da área em bolsões ou zonas de entrega. Na literatura, são descritos métodos diversos para resolver esse tipo de problema, muitos deles envolvendo modelos matemáticos razoavelmente complexos. Neste texto, escolhemos dois métodos relativamente simples, um deles bastante eficaz e muito utilizado. São eles: G
G
método de varredura; método de Clarke e Wright.
Método de Varredura É um método fácil de se usar e de computação rápida. Mas é menos preciso que o método de Clarke e Wright e deve ser utilizado com certo cuidado, de forma a evitar distorções nos resultados. Algumas limitações ficarão claras através do exemplo. Segundo Ballou (1999), o método de varredura apresenta precisão de 10%, tomando como referência a solução ótima absoluta. Esse nível de precisão pode ser aceitável em situações em que as características do problema mudam muito rapidamente, sendo preferível obter uma solução razoável, num prazo curto, do que a solução ótima, num período de tempo incompatível com as necessidades reais. Ballou ( 1999) indica que há situações em que os encarregados da elaboração de roteiros têm que desenvolvê-los, muitas vezes, num prazo de uma hora após terem recebido os dados sobre os pontos de entrega e as quantidades a transportar. O método de varredura consta da seguinte sequência de procedimentos:
310
Etapa 1. Tomando o depósito como centro, definir um eixo passando por ele. Esse eixo geralmente coincide com a linha horizontal (eixo das abscissas, Figura 10.8a);
Etapa 2. Vá girando o eixo em torno do CD no sentido anti-horário (ou horário, se assim o preferir) até que a linha inclua um cliente (Figura 10.8a). Etapa 3. Teste o cliente em potencial, verificando se pode ser incluído no roteiro em formação: (a) o tempo de atendimento do novo cliente excede a jornada de trabalho permitida por dia?; (b) a quantidade de mercadoria a transportar para o novo cliente excede o limite de capacidade do veículo? Se ambas as restrições não forem violadas, o novo cliente poderá ser incorporado ao roteiro, e o processo (etapas 2 e 3) continua. Etapa 4. Se o novo cliente não puder ser incluído no roteiro em formação, é sinal de que as possibilidades desse roteiro se esgotaram. Nesse caso, fechamos o roteiro e iniciamos um novo. O processo termina quando todos os clientes tiverem sido incluídos num roteiro (Figura 10.8b). Etapa 5. Para cada roteiro, aplicar um método de melhoria (o 3-opt, por exemplo) de forma a minimizar os percursos. Vamos aplicar o método de varredura a um problema contendo 60 clientes distribuídos numa região, conforme mostra a Figura 10.9. Para cada cliente, são disponíveis (Tabela 10.1): (a) coordenadas x e y da localização; (b) quantidade q de mercadoria demandada por entrega. As coordenadas x e y têm sua origem no CD da empresa. O tempo de descarga em cada cliente foi admitido uniforme e igual a 15 minutos. Não há restrição, no entanto, em se adotar tempos de entrega diferenciados por cliente. O CD está situado ao sul, relativamente longe da região de distribuição. As coordenadas do CD são (0,0). A distância média do CD aos clientes é de 77,6km, estando o ponto mais próximo a uma distância de 75,2km e, o mais distante, a 79,8km. Se aplicarmos o método de varredura, com o eixo girando em torno do CD, conforme recomendado nas instruções, os roteiros resultantes ficarão extremamente alongados na direção do depósito. Isso não é bom, pois a forma ideal para os bolsões não deve apresentar distorções acenRegião atendida
Região atendida
Clientes
Clientes Roteiro 2 Ângulo variável
Roteiro 3
Roteiro 1 Eixo
CD
CD
(a)
FIGURA 10.8 • Método de varredura: evolução
(b)
311
tuadas numa das dimensões. Neste caso, devemos adotar então outro centro para o eixo. Escolhemos o centro de gravidade dos pontos de entrega da região, que é representado pelo ponto CG, na Figura 10.9. Tabela 10.1 Coordenadas e demandas dos clientes, exemplo de roteirização, Figura 10.9 no
312
x (km)
y (km)
Q (kg)
no
x (km)
y (km)
Q (kg)
1
1,26
55,65
203
31
2,67
56,26
175
2
1,52
55,12
125
32
1,86
55,38
228
3
2,66
55,01
183
33
3,48
54,07
177
4
2,33
56,20
208
34
0,83
55,38
133
5
2,79
55,80
141
35
0,83
54,88
162
6
3,27
56,23
188
36
2,40
55,41
243
7
2,53
56,67
209
37
2,44
54,04
310
8
3,26
55,62
215
38
3,67
55,86
39
9
0,50
55,78
300
39
3,20
55,73
167
10
3,67
55,63
172
40
2,04
55,42
274
11
1,34
55,04
267
41
1,43
55,82
68
12
3,77
55,41
251
42
3,01
55,00
199
13
3,29
55,69
128
43
3,37
55,35
206
14
3,41
55,30
230
44
1,36
54,93
150
15
3,14
55,67
158
45
1,07
56,43
307
16
3,54
56,02
254
46
2,27
54,77
173
17
0,84
55,14
207
47
3,54
54,16
198
18
2,82
55,81
189
48
2,70
55,19
159
19
1,29
55,98
147
49
1,36
56,32
253
20
2,27
54,99
223
50
2,48
56,93
91
21
3,40
54,49
171
51
2,13
56,54
198
22
2,29
56,12
112
52
3,49
55,36
216
23
2,37
55,16
340
53
1,92
55,50
225
24
1,40
54,15
175
54
2,44
54,25
315
25
3,59
54,32
309
55
2,62
56,01
303
26
0,70
55,55
75
56
3,17
56,35
252
27
1,38
54,16
220
57
1,69
55,28
76
28
2,03
53,80
286
58
3,55
55,11
159
29
2,21
53,70
218
59
1,47
56,17
187
30
3,32
56,43
165
60
0,90
54,65
94
Região de distribuição
CG Pontos a serem visitados (60 clientes)
CG – centro de gravidade FIGURA 10.9 • Localização dos clientes e do centro de gravidade (CG) numa região
de distribuição
Adotamos, para este caso, um veículo de quatro toneladas de capacidade útil e limitamos a jornada de trabalho a oito horas por dia. A distância entre dois pontos quaisquer foi estimada multiplicando-se a distância em linha reta por um fator k1 = 1,40, que leva em conta a não linearidade do percurso real do veículo. Aplicando o método de varredura, com o eixo girando em torno do centro de gravidade CG, obtivemos sete roteiros, todos eles restritos por tempo. O carregamento máximo dos veículos chegou a apenas 1,8 tonelada, significando que o caminhão escolhido tem sobra de capacidade. O resultado preliminar da aplicação do método de varredura é apresentado na Figura 10.10. Pode-se observar que os roteiros apresentam muitas interseções e ziguezagues desnecessários, exigindo a aplicação de um método de melhoria em cada roteiro, separadamente. Notar que, ao considerarmos individualmente cada roteiro, recaímos na categoria anterior, isto é, roteiros sem limitações de tempo ou de capacidade. Isso acontece porque essas duas restrições já foram consideradas no método de varredura, não sendo necessário incorporá-las mais nesta fase da roteirização. Para cada um dos sete roteiros mostrados na Figura 10.10, aplicamos o método de melhoria 3-opt, resultando no esquema mostrado na Figura 10.11. Os resultados obtidos com o método de varredura são os seguintes: G
G
G
Número de roteiros (no de veículos): 7 Quilometragem total diária da frota (km): 1.101,9 Custo médio por cliente visitado (R$): 16,58
313
Região de distribuição
R3
R2
R1 R4
CG R7 R5
R6
R1, R2...: roteiros
FIGURA 10.10 • Roteiros resultantes da aplicação do método de varredura
Região de distribuição R2
R3
R1 R4 CG
R7 R5
R6
R1, R2...: roteiros
FIGURA 10.11 • Roteiros obtidos com o método 3-opt, aplicado sobre os roteiros gerados
com o método da varredura
314
Método de Clarke e Wright Esse método (Clarke e Wright, 1963) tem sido muito utilizado, e com grande sucesso, na resolução de problemas isolados, como também aparece embutido dentro de muitos softwares de roteirização. Isso porque permite incorporar, de forma eficiente, diversos tipos de restrições, e utiliza uma forma
engenhosa de construção de roteiros. Segundo Ballou (1999), enquanto o método de varredura produz um erro médio de 10%, o de Clarke e Wright reduz esse nível a 2% do ótimo absoluto. Como a maioria dos métodos de roteirização, o método de Clarke e Wright tem como objetivo gerar roteiros que respeitem as restrições de tempo e de capacidade, mas visando, ao mesmo tempo, minimizar a distância total percorrida pela frota. À medida que o método vai construindo os roteiros de forma inteligente, buscando reduzir ao máximo a distância percorrida, o número de veículos necessários para realizar o serviço tende também a ser minimizado, reduzindo assim os investimentos e o custo de operação. O método de Clarke e Wright baseia-se no conceito de ganho. Partimos da pior situação, em que um veículo sai (hipoteticamente) do CD somente com a mercadoria destinada a um único cliente. Após fazer a entrega, o veículo volta ao depósito. É claro que essa situação vai levar a um número excessivo de veículos e a uma quilometragem elevada para a frota. Suponhamos, por exemplo, que o cliente j seja atendido logo em seguida ao cliente i. Segundo essa regra conservadora, o veículo faria as duas viagens na sequência mostrada na Figura 10.12 (a). Sendo dD,i e dD,j as distâncias entre o CD e os clientes i e j, o veículo faria um percurso para atendê-los igual a: L = 2 × dD,i + 2 × dD,j
(10.1)
Uma possibilidade de melhoria desse esquema seria juntar os dois clientes i e j num único roteiro. Nesse caso, conforme é mostrado na Figura 10.12 (b), o veículo faria um percurso igual a: L´ = dD,i + di,j + dD,j
(10.2)
Ao integrar os clientes i e j num único roteiro, faremos uma economia de percurso (ganho) igual à diferença L – L´: gi,j = L – L´ = dD,i + dD,j – di,j
(10.3)
Na escolha de dois pontos i e j para formar uma sequência no roteiro, procura-se selecionar o par com maior ganho gi,j. Há combinações, no entanto, que violam as restrições de tempo ou de capacidade, não sendo por isso factíveis. A análise da relação 10.3 mostra duas propriedades interessantes: G
o ganho tende a crescer quando os pontos i e/ou j se afastam do CD, pois as parcelas dD,i e dD,j têm valores positivos;
315
G
o ganho tende a crescer quando os pontos i e j estão mais próximos, pois então a parcela di.j, que aparece com sinal negativo na relação 10.3, tem valor absoluto menor. (a)
i
Entregas separadas
(b)
i
Roteiro combinado
j
j
D (depósito)
D (depósito)
L = 2´ dD,i + 2´ dD,j
L' = dD,i + di,j + dj,D
FIGURA 10.12 • Integrando dois clientes num roteiro compartilhado
O método Clarke e Wright se inicia com a análise de todas as combinações possíveis entre os nós, dois a dois. Em seguida, são ordenadas as combinações, na ordem decrescente dos ganhos gi,j. Tendo em vista as considerações anteriores, as combinações com maiores ganhos tendem a ser formadas por pontos distantes do CD, mas próximos entre si, ou seja, os roteiros vão sendo formados a partir dos pontos mais distantes do depósito, vindo paulatinamente na direção do CD. Essa propriedade ficará mais clara através da análise de um exemplo. O método de Clarke e Wright consta das seguintes etapas: Etapa 1. Combinam-se todos os pontos (que representam os clientes) dois a dois e calcula-se o ganho para cada combinação através da relação 10.3. Etapa 2. Ordenam-se todas as combinações i, j, de forma decrescente segundo os valores dos ganhos gi, j. Etapa 3. Começamos com a combinação de dois nós que apresentou o maior ganho. Posteriormente, na análise de outras situações, vai-se descendo na lista de combinações, sempre obedecendo à sequência decrescente de ganhos. Etapa 4. Para um par de pontos (i, j), tirado da sequência de combinações, verifica-se se os dois pontos já fazem parte de um roteiro iniciado: (a) se i e j não foram incluídos em nenhum dos roteiros já iniciados, cria-se então um novo roteiro com esses dois pontos; 316
(b) se o ponto i já pertence a um roteiro iniciado, verificar se esse ponto é o primeiro ou último desse roteiro (não contando o CD). Se a resposta for positiva, acrescentar o par de pontos (i, j) na extremidade apropriada. Fazer a mesma análise com o ponto j. Se nenhum dos dois pontos satisfizer essa condição separadamente, passar para o item (c); (c) se ambos os pontos i e j fazem parte, cada um deles, de roteiros iniciados, mas diferentes, verificar se ambos são extremos dos respectivos roteiros. Se a resposta for positiva, fundir os dois roteiros num só, juntando-os de forma a unir i a j. Caso contrário, passar para a etapa 5; (d) se ambos os nós i e j pertencerem a um mesmo roteiro, passar para a etapa 5. Etapa 5. Cada vez que acrescentar um ou mais pontos num roteiro ou quando fundir dois roteiros num só, verificar se a nova configuração satisfaz as restrições de tempo e de capacidade. Se atender aos limites das restrições, a nova configuração é aceita. Etapa 6. O processo termina quando todos os pontos (clientes) tiverem sido incluídos nos roteiros.
Um Exemplo de Aplicação do Método Clarke e Wright Vamos aplicar o método de Clarke e Wright ao problema anteriormente resolvido pelo método de varredura e contendo 60 clientes, cujos dados são apresentados na Tabela 10.1 e na Figura 10.9. Nesse exemplo, a região de distribuição está situada ao sul do CD, relativamente distante deste, com as distâncias entre o depósito e os clientes na faixa de 75,2 a 79,8 km. Trata-se de um caso de entrega de mercadorias numa cidade diferente do local onde está instalado o CD. Os veículos saem pela manhã, trafegam pela rodovia até a cidade de destino, fazem a distribuição e retornam ao depósito no fim do dia. Fazendo as combinações dos pontos dois a dois, temos 60 × 60 = 3.600 situações. É calculado o ganho para cada situação. Em seguida, ordenam-se as combinações na sequência decrescente dos ganhos. Tomemos os 20 maiores ganhos, cujos dados são mostrados na Tabela 10.2. Verificamos que o maior ganho corresponde a juntar os nós 7 e 50, conforme mostrado na Figura 10.13a. Temos assim o roteiro-embrião que, partindo do CD, visita o cliente 50, depois o 7, retornando em seguida ao CD. O segundo maior ganho, mostrado na Tabela 10.2, corresponde à junção dos pontos 30 e 56. Esses clientes não fazem parte do roteiro embrioná-
317
rio anterior. Então, de acordo com a etapa 4a, iniciamos um outro roteiro embrionário, ligando o CD ao ponto 30, este ao cliente 56, daí retornando ao depósito (Figura 10.13b).
Tabela 10.2 Método de Clarke e Wright: 20 maiores ganhos No
318
Ponto i
Ponto j
Ganho
No
Ponto i
Ponto j
Ganho
1
7
50
10,65
11
31
50
9,50
2
30
56
10,19
12
7
30
9,48
3
6
30
10,03
13
6
16
9,47
4
50
51
10,03
14
7
56
9,46
5
6
56
9,92
15
45
49
9,44
6
7
51
9,83
16
16
38
9,43
7
30
50
9,61
17
16
56
9,35
8
16
30
9,58
18
4
50
9,28
9
50
56
9,55
19
4
7
9,26
10
7
31
9,52
20
31
56
9,23
O terceiro maior ganho, conforme a Tabela 10.2, corresponde à ligação 6-30. Como o cliente 30 já está na extremidade de um dos roteiros embrionários, atendendo ao estipulado na etapa 4b, fazemos a junção, ligando os pontos 6 e 30, conforme mostra a Figura 10.13c. Passamos ao quarto ganho, que corresponde à ligação 50-51, conforme a Tabela 10.2. De forma análoga, seguindo as instruções da etapa 4.b, ligamos o ponto 51 ao 50, conforme mostra a Figura 10.13d. Passando agora ao quinto ganho, vemos na Tabela 10.2 que corresponde à ligação 6-56. Observamos, no entanto, que ambos os clientes já estão incluídos num dos roteiros embrionários e, então, seguindo as instruções da etapa 4d, passamos ao ganho seguinte. O sexto ganho, correspondente à ligação 7-51, apresenta a mesma característica, uma vez que ambos os clientes já pertencem a um roteiro iniciado. O sétimo ganho, por sua vez (ligação 30-50), apresenta um cliente situado num roteiro, e o outro, num roteiro diferente. Os dois pontos não são extremidades de seus respectivos roteiros. Se fossem, essa propriedade permitiria a união dos dois roteiros, mas não é o caso na presente situação. Assim, aplicamos as instruções da etapa 4c, pulando para a etapa 5. O oitavo ganho, correspondente à ligação 16-30, contém um ponto que já faz parte de um roteiro (cliente 30) e outro que ainda não foi incluído em
50
50 Região de distribuição
7
7
30
Região de distribuição
56
(a)
CD
(b)
CD
50
50 7
30
Região de distribuição
51
(c)
CD
7
30 56
56
Região de distribuição
6
(d)
CD
FIGURA 10.13 • Evolução do método de Clarke e Wright
nenhum roteiro (cliente 16). No entanto, o ponto 30 não é extremidade de seu roteiro, o que elimina sua utilização (etapa 4c). O nono ganho também é eliminado porque os dois pontos (50 e 56) já fazem parte de roteiros abertos, e um deles (o ponto 50) não é extremidade de seu roteiro. O décimo ganho (pontos 7 e 31) permite a inserção do ponto 31 (etapa 4b, Figura 10.14e). O décimo primeiro ganho (ligação 31-50) é eliminado, pois os dois pontos já fazem parte do mesmo roteiro (etapa 4d). O décimo segundo ganho também é eliminado porque os dois pontos (7 e 30) fazem parte de roteiros diferentes e não estão (ambos) na extremidade dos respectivos roteiros. O décimo terceiro ganho permite anexar o ponto 16 ao ponto 6, visto que este último é um dos extremos de seu roteiro. O ganho décimo quarto é eliminado porque o ponto 7 não é extremo de seu roteiro. Uma vez que os pontos 45 e 49 não pertencem a nenhum dos dois roteiros abertos até agora, o décimo quinto ganho nos leva a abrir mais um roteiro (etapa 4.a, Figura 10.14g). O décimo sexto ganho permite ligar o ponto 16 ao 38 (etapa 4b). Os ganhos 17, 18 e 19 não são aproveitáveis (etapas 4d, 4b e 4b, respectivamente). O ganho 20, que envolve os pontos 31 e 56, permite juntar dois dos roteiros já abertos (etapa 4c, Figura 10.14.h), formando um roteiro maior, e assim sucessivamente. 319
50 51
50 7
30 31 56
Região de distribuição
51
7
6
Região de distribuição
30 31 56
6
16
(e)
(f)
CD
CD
50
50 51 45
49
7 31 56
30 6
Região de distribuição
51 45
7
49
16
Região de distribuição
30 56
6
16 38
(g)
CD
(h)
CD
FIGURA 10.14 • Evolução do método de Clarke e Wright (cont.)
Para simplificar a exposição, deixamos de falar, em cada etapa, sobre a verificação das restrições. Antes de se fazer qualquer acréscimo num roteiro, seja adicionando um ponto, seja juntando dois roteiros já abertos, o computador soma todos os tempos correspondentes ao ciclo do veículo e verifica se o tempo total está dentro do limite previamente estabelecido. O mesmo é feito com o carregamento, somando-se os pesos das mercadorias dos clientes, em cada roteiro, e verificando se a lotação está dentro da capacidade de carga do veículo. Caso uma das restrições, ou as duas simultaneamente, não seja respeitada, aquele ganho não é considerado, passando-se para o seguinte na lista. A aplicação do método de Clarke e Wright ao exemplo resultou nos seis roteiros mostrados na Figura 10.15. Muito embora não se notem tantos cruzamentos e ligações subótimas, quanto os apresentados pelo método de varredura, ainda assim é necessário aprimorar os resultados através de um método de melhoria, no caso o 3-opt. Após aplicar o método 3-opt, os roteiros melhorados são os mostrados na Figura 10.16. Os resultados gerais são os seguintes: G
G
G
320
Número de roteiros (no de veículos): 6 Quilometragem total diária da frota (km): 950,7 Custo médio por cliente visitado (R$): 14,24
Região de distribuição
R1
R2 R3 CG R4
R5
R6 R1, R2...: roteiros FIGURA 10.15 • Roteiros obtidos com o método de Clarke e Wright
Região de distribuição
R1
R2 R3 CG R4
R5
R6 R1, R2...: roteiros FIGURA 10.16 • Roteiros (Figura 10.15) melhorados pelo método 3-opt
321
Comparando os resultados obtidos através das duas metodologias, observamos que o método de Clarke e Wright é mais preciso. De fato, os seguintes benefícios são obtidos pela utilização do segundo método em relação ao primeiro, na aplicação analisada: G
G
G
Redução no investimento em veículos (1/7): 14,3% Redução na quilometragem da frota: 13,7% Redução no custo unitário: 14,1%
IMPACTOS DAS RESTRIÇÕES DE TEMPO E DE CAPACIDADE Na distribuição física de produtos, os impactos das restrições de tempo e de capacidade são muitas vezes dramáticos, mudando a solução do problema em função de variações em alguns dos fatores que governam o processo. Essa característica dos problemas de distribuição nem sempre é bem entendida no momento de planejar um sistema de entregas de produtos. Vamos mostrar esse ponto através de um exemplo. No exemplo que analisamos anteriormente, correspondente a um caso com 60 pontos de entrega, a região de distribuição estava situada relativamente distante do CD, com as distâncias entre o depósito e os clientes na faixa de 75,2 a 79,8km. Trata-se de um caso de entrega de mercadorias numa cidade diferente do local onde está instalado o CD. Os veículos saem pela manhã, trafegam pela rodovia até a cidade de destino, fazem a distribuição e retornam ao local de origem no fim do dia. Vimos que, neste caso, o problema é restrito por tempo. Isso porque os veículos consomem boa parte do tempo na viagem entre as duas cidades, sobrando um tempo relativamente escasso para realizar as entregas, que consomem, em média, 15 minutos cada. Vamos analisar agora o problema da distribuição, em que é atendida a mesma região e os mesmos clientes, mas supondo o CD localizado junto à zona de entrega. Ou seja, trata-se agora de um problema de distribuição urbana. O CD continua localizado ao sul da região. A distância média do depósito aos clientes é agora igual a 3,8km, observando-se uma distância mínima de 1,2km e máxima de 5,7km. Todas as demais informações do problema permanecem as mesmas, sendo alterada apenas a localização do CD. Nessas condições, com veículo de quatro toneladas de capacidade, o método de Clarke e Wright gerou três roteiros, todos eles restritos por capacidade. As principais características dos roteiros são apresentadas na Tabela 10.3.
322
Tabela 10.3 Características dos roteiros gerados pelo método de Clarke e Wright (veículos de 4t, jornada de 8h/dia) Roteiro
Número de clientes
Tempo de ciclo diário
Lotação do veículo (t)
1
21
5h42min
3,9
2
22
6h
4,0
3
17
4h36min
3,9
Sendo de oito horas a jornada diária normal de trabalho, observamos que os tempos de ciclo mostrados na Tabela 10.3 são baixos, variando em torno de 50% do tempo disponível. Isso mostra que os veículos estão subdimensionados, sugerindo a utilização de caminhões de maior porte. Tentativamente, aumentamos a capacidade do veículo para oito toneladas, mas a aplicação do método de roteirização mostrou que o sistema passou a ficar restrito por tempo. Finalmente conseguimos uma solução razoável, com veículos de seis toneladas de capacidade e operando 8½ horas por dia. Para essa configuração foram definidos dois roteiros, cujas características são apresentadas na Tabela 10.4. Os roteiros gerados pelo método de Clarke e Wright foram submetidos ao processo 3-opt, resultando nos roteiros mostrados na Figura 10.17.
Região de distribuição
R1
R2
FIGURA 10.17 • Aplicação do método de Clarke e Wright: veículo de 6 t e jornada de 8½h
323
É importante observar que a definição das condições operacionais para um sistema de distribuição física é um processo relativamente complexo, que transcende a mera aplicação de métodos de roteirização ou de softwares especializados. De fato, há muitas variáveis em jogo e, além disso, os resultados são muito sensíveis a mudanças nas condições operacionais.
Tabela 10.4 Características dos roteiros gerados pelo método de Clarke e Wright (veículos de 6t, jornada de 8½h/dia) Roteiro
Número de clientes
Tempo de ciclo diário
Lotação do veículo (t)
1
31
8h18min
5,9
2
29
7h48min
5,9
SOFTWARES DE ROTEIRIZAÇÃO Hoje se dispõe, no mercado, de um número razoável de softwares de roteirização, que ajudam as empresas a planejar e programar os serviços de distribuição física. A publicação OR/MS Today, do Institute for Operations Research and Management Sciences, realiza periodicamente uma pesquisa junto a fornecedores de softwares de roteirização e usuários (Hall, 2006). Apresentamos, nesta seção, um resumo das principais características de alguns dos roteirizadores mais conhecidos. Não é nossa intenção recomendar nem tampouco discriminar qualquer fornecedor, mas apenas fornecer alguns dados preliminares, para apreciação dos leitores. Para mais informações, pode-se consultar diretamente os sites dos fornecedores na Internet.
Tendências Tecnológicas
324
Há algum tempo, os despachantes localizados nos depósitos e centros de distribuição só conseguiam falar com os motoristas dos veículos através de rádio, e assim mesmo quando estavam dentro da área de alcance das transmissões. Muitas vezes, no entanto, o contato só era realizado em algumas ocasiões em que o motorista conseguia um acesso telefônico e ligava para a sede. Hoje, as possibilidades são muitas e a oferta ainda está crescendo: telefones celulares, pagers alfanuméricos, scanners portáteis e pequenos computadores de bordo. Muitos veículos são hoje equipados com RFID e rastreadores, muitas vezes dispondo de receptores GPS (Global Positioning System), que fornecem a latitude e a longitude do caminhão real-time. O GPS, combinado com uma base geográfica de dados (GIS) e comunicação por satélite, permite ao despachante localizar o veículo, na rede viária, a qualquer instante. Essa faci-
lidade permite alocar o veículo mais próximo e disponível a uma tarefa emergencial. Também é usada largamente na alocação dos veículos para apanha real time de pacotes e documentos. A Internet vem também sendo usada cada vez mais em associação com a roteirização de veículos. Por exemplo, permite aos usuários visualizarem informações sobre seus pedidos. Permite também que os clientes submetam seus pedidos eletronicamente. Uma tendência que está se firmando, embora ainda embrionária, é a Internet móvel ou sem fio (veja Capítulo 3). As pessoas, carregando pequenos aparelhos de mão, podem acessar uma gama muito grande de informação. Assim, os motoristas dos veículos de distribuição poderão não somente se comunicar com a sede, como também obter informações sobre tráfego e sobre condições de tempo, como adicionalmente trocar mensagens com os clientes e solicitar socorro, quando necessário.
Evolução dos Softwares Nos dois anos desde a pesquisa anterior da OR/MS Today, ocorreram algumas mudanças importantes no setor de roteirização de veículos. Por exemplo, aumentaram as possibilidades de aplicação utilizando softwares diretamente na Internet, destacando-se nessa vertente os setores tradicionais, como atacadistas e distribuidores de produtos alimentícios, bem como serviços de entregas domiciliares de eletrodomésticos. Diversos softwares de roteirização, por outro lado, se tornaram mais sofisticados, utilizando sistemas de comunicação de dados sem fio (wireless data communication) e algoritmos genéticos na otimização de rotas. Observa-se também um incremento razoável no número de aplicações ao setor de serviços, refletindo a maior orientação da economia nessa direção. Segundo Hall (2006), a palavra-chave nos sistemas de roteirização de veículos atuais é a integração. Por exemplo, módulos para previsão das entregas, para planejamento da utilização das docas nos depósitos, para programação das equipes de carga/descarga etc. integrados com o software de roteirização e de alocação de veículos e tripulação estão em alta no mercado. Outra tendência é integrar o planejamento e a execução das atividades de transportes dos clientes com as do operador, de modo a diminuir a ociosidade, reduzir custos e aumentar o nível de serviço. Anteriormente, o setor de produção de softwares de roteirização focalizava a distribuição dentro de um prazo mínimo de 24 horas. Ou seja, o planejamento ocorria num dia, e as entregas eram realizadas no dia seguinte. Hoje, muitos clientes indagam constantemente sobre a situação de seus pedidos, perguntam quando os produtos serão entregues e querem saber onde está a carga. A razão para isso é fundamentalmente a busca por estoques cada
325
vez menores, o que obriga as empresas a controlarem estreitamente a distribuição dos produtos, de forma a evitar situações emergenciais irreparáveis. Por isso, a tendência atual dos softwares de roteirização é de executarem a programação e o monitoramento na modalidade real time.
Selecionando um Software de Roteirização Para escolher um software adequado às condições reais da empresa, o ideal é definir uma ou mais situações para testar os sistemas disponíveis no mercado. Muitas vezes, a empresa constata a inadequação do software após tê-lo adquirido, com prejuízos apreciáveis. Mas, nem sempre há condições de se montar situações realistas para teste, principalmente quando o projeto ainda não foi operacionalizado ou quando estão sendo realizadas modificações profundas no sistema existente. No entanto, algumas observações e sugestões podem ajudar nesse processo de seleção: G
G
G
326
Praticamente todos os softwares de roteirização não são sistemas que podem ser instalados pelo usuário e utilizados imediatamente, sem apoio técnico. Normalmente requerem a participação de um ou mais consultores, com o objetivo de adaptar o caso em questão ao formato próprio do produto e treinar o pessoal que irá utilizá-lo na empresa. Esse tipo de serviço extra precisa ser devidamente avaliado e comparado, em termos de prazos e de custos. Alguns softwares exigem simplificações para resolver certos tipos de problema e, em alguns casos, essas situações não ficam muito claras na hora da aquisição. Por exemplo, uma empresa jornalística brasileira analisou um software para roteirizar as entregas domiciliares de jornais. Cada roteiro tinha um número grande de pontos de entrega, mas o software restringia esse número a 50. A solução, caso a empresa optasse pelo produto, seria agregar, no computador, locais de entrega próximos, como se fossem um único ponto, de forma a reduzir o problema aos níveis exigidos pelo sistema. A pergunta que se deve fazer, nesses casos, é qual o efeito que tais simplificações podem ter na precisão final dos resultados. De repente, pode ser mais vantajoso adotar um método mais simples e mais barato, e que dê a mesma precisão conseguida com tal aproximação. Todos os roteirizadores operam sobre uma representação digital da rede viária (ruas, no ambiente urbano e rodovias, nas ligações interurbanas). Para bem utilizar um software de roteirização, essa base de dados, representando a rede viária, deve ser confiável e atualizada. O
G
fornecedor do software, se não dispõe dessa base de dados, deve indicar como adquiri-la. Em algumas aplicações, os clientes não são fixos, mas variam diariamente. É o caso, por exemplo, das lojas de departamento, que oferecem serviço de entrega a seus consumidores. Os pontos de entrega mudam continuamente, o que dificulta a elaboração dos roteiros, uma vez que o sistema não pode usar um cadastro dos clientes previamente preparado, na forma usual.
Na Tabela 10.5 são apresentadas informações sobre os principais softwares de roteirização disponíveis no mercado internacional. Os dados foram extraídos do trabalho de Hall (2006).
327
328 Tabela 10.5 Informações gerais sobre softwares roteirizadores Produto
Empresa
Ano do lançamento
Preço (US$)
Instalação
(licença p/ 50 rotas)
Custo (US$)
Tempo necessário para Instalação (50 rotas)
A.MAZE
GEOCOMtms
1999
n.d.
n.d.
n.d.
ArcLogistics Route
ESRI
1999
12.000
n.d.
n.d.
Descartes Delivery
Descartes
1981
n.d.
n.d.
n.d.
Direct Route
Appian Logistics Software
1996
25.000
100/hora
16 a 24 horas
ETMS – EDGAR
Edgar Manag. Consulting
1973
n.d.
taxa anual
n.d.
GalaxyFlow 4.2
SAITECH, Inc.
2005
n.d.
125-250 / hr
2 semanas
ILOG Dispatcher
ILOG, Inc.
1997
n.d.
n.d.
n.d.
ILOG Transp. PowerOps
ILOG, Inc.
2005
n.d.
n.d.
n.d.
Network Analyst
ESRI
2005
2.500
n.d.
n.d.
Optrak4
Optrak Distribution Software
2001
a partir de 28.000/ano
incluído na licença anual
10 dias
Paragon Routing & Scheduling System
Paragon Software Systems, Inc.
1997
62.000 (100 rotas)
94 – 116/hr
80 horas
PlanOp
Carmen Systems
1997
22.000
140/hora
20 horas
REACT
MJC2 Limited
1995
n.d.
n.d.
n.d.
Roadnet Transportation Suite
UPS Logistics Technologies
1983
n.d.
120/hora
80 horas
SHORTREC Suite
ORTEC
1981
n.d.
175/hora
2 a 5 dias
STARS 4.2
SAITECH, Inc.
1995
n.d.
125 – 150/hr
2 dias
TourSolver for MS Map/Point Scheduling
Magellan Ingenierie
2002
a partir de 4.000
n.d.
n.d.
TruckStops Routing & Scheduling
MicroAnalytics
1984
9.500
n.d.
24 a 48 horas
TS
RouteMatch Software
1999
n.d.
n.d.
n.d.
Versa Trans RP
Versa Trans Solutions, Inc.
1982
n.d.
n.d.
4 horas
Fonte: Hall, 2006.
(Continua)
Tabela 10.5 Continuação o
Produto A.MAZE
N de organizações que utilizam o software
Tamanho máximo da aplicação No de visitas por dia
N de veículos
o
N de CDs
Ilimitado
Ilimitado
Ilimitado
Instalações mais significativas
o
entre 1e 100
NAPA, Purolator, Craft Oil, Pepsi, Galderma, Hogan Harwoods, McPherson Oil, Tanguay Furnitures
ArcLogistics Route
Ilimitado
Ilimitado
Ilimitado
entre 500 e 1000
n.d.
Descartes Delivery
Ilimitado
Ilimitado
Ilimitado
n.d.
Coca-Cola (Rep. Checa), Schwan´s, Ashley Furniture, Old Dominium Freight Lines, Ferreligas, Tomra
Direct Route
Ilimitado
Ilimitado
Ilimitado
entre 500 e 1000
Walgreens, Ryder, Schneider, Kraft, Dunkin Donuts, Tru-Value, Atrium, Goldkist, Swift, Ruan, Simmons
ETMS EDGAR
limitado pela capacidade memória
limitado pela capacidade memória
limitado pela capacidade memória
entre 1e 100
Fort Worth School District, San Francisco Unified School District
GalaxyFlow 4.2
Ilimitado
Ilimitado
200
entre 1e 100
Grandes transportadoras carga parcelada
ILOG Dispatcher
limitado pela capacidade memória
limitado pela capacidade memória
limitado pela capacidade memória
entre 1e 100
TNT Express, JB Hunt, Schneider National
ILOG Transp. PowerOps
limitado pela capacidade memória
limitado pela capacidade memória
limitado pela capacidade memória
entre 1e 100
n.d.
Network Analyst
Ilimitado
Ilimitado
Ilimitado
> 1000
n.d.
Optrak4
40.000
1.000
1
entre 100 e 500
Total Elf, Shell, Matthew Clark Wholesale, Robert Horne
Paragon Routing & Scheduling System
20.000
3.000
500
entre 100 e 500
McLane, TNT, Ryder Canada, Spirit Delivery, Safeway, Ryder BrandsMart
PlanOp
Ilimitado
Ilimitado
Ilimitado
entre 1e 100
Correio Austrália, Schweppes Austrália
REACT
Ilimitado
Ilimitado
Ilimitado
entre 1e 100
n.d.
Roadnet Transportation Suite
Ilimitado
Ilimitado
Ilimitado
> 1000
Anheuser Busch, Office Depot, Pepsi, Sysco, Mohawky Industries, Apria Healthcare
SHORTREC Suite
Ilimitado
Ilimitado
Ilimitado
entre 100 e 500
Coca-Cola, InBev, BP, DHL, Yellow Transportation, Phillips, Royal Ahold.
STARS 4.2
Ilimitado
150
30
entre 1e 100
New Nihon Oil, Takenaka Corporation
TourSolver for MS Map/Point Scheduling
n.d.
n.d.
n.d.
entre 100 e 500
n.d.
TruckStops Routing & Scheduling
Ilimitado
Ilimitado
Ilimitado
> 1000
The Home Depot, Chicago Tribune, fastenal, King Provision
TS
n.d.
n.d.
n.d.
entre 100 e 500
Iowa Department of Transportation, South Carolina Department of Transportation
Versa Trans RP
Ilimitado
Ilimitado
Ilimitado
entre 500 e 1000
Buffalo-NY, Orleans parish – LA, Davis County, Albuquerque, Fort Wayne, Dayton
Fonte: Hall, 2006.
32
BIBLIOGRAFIA Ballou, R.H. (1999, 4a edição). Business Logistics Management, Prentice-Hall, Upper Saddle River, NJ. Clarke, G. e Wright, J.W. (1963). “Scheduling of Vehicles from a Central Depot to a Number of Delivery Points”, Operations Research, vol. 11, p. 568-581. Daganzo, C.F. (1996). Logistics Systems Analysis, Springer-Verlag, Berlim. Durlacher Research Ltd. (2000). “Mobile Commerce Report”, www.durlacher.com. Geoffrion, A.M., Morris, J.G. e Webster, S.T. (1995). “Distribution System Design”, in Drezner, Z. (edit.). Facility Location, p. 181-198, Springer-Verlag, Nova York, NY. Jaillet, P. (1988). “The Probabilistic Vehicle Routing Problem”, in Golden, B.L. e Assad, A.A. (edit.). Vehicle Routing: Methods and Studies, Elsevier, Reino Unido. Hall, R.W. (2006). “Vehicle Routing – On the Road to Integration”, OR/MS Today, junho de 2006. Laporte, G. (1992). “The Traveling Salesman Problem: An Overview of Exact and Approximate Algorithms”, European Journal of Operational Research, vol. 59, p. 231-247. Lin, S. e Kernighan, B.W. (1973). “An Effective Heuristic Algorithm for the Traveling – Salesman Problem”, Operations Research, vol. 21, p. 498-516. Novaes, A.G. (1989). Sistemas Logísticos: Transporte, Armazenagem e Distribuição Física de Produtos, Editora Edgard Blücher, São Paulo, SP. Novaes, A.G. e Graciolli, O.D. (1999). “Designing Multi-vehicle Delivery Tours in a Grid-cell Format”, European Journal of Operational Research, vol. 119, p. 613-634. Novaes, A.G., Souza de Cursi, J.E. e Graciolli, O. (2000). “A Continuous Approach to the Design of Physical Distribution Systems”, Computers & Operations Research, vol. 27, n. 9, p. 877-893. Ramos, F.B. (1997). “Avaliação de Riscos na Escolha de Rotas para o Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos”, Dissertação de Mestrado, Departamento de Eng. de Produção e Sistemas, Universidade Federal de Santa Catarina. Syslo, M.M., Deo, N. e Kowalik, J.S. (1983). Discrete Optimization Algorithms, Prentice-Hall, Englewood Cliffs. Valente, A.M., Passaglia, E. e Novaes, A.G. (1997). Gerenciamento de Transporte e Frotas, Editora Pioneira, São Paulo, SP.
330
11
O Custeio ABC na Logística
IMPORTÂNCIA DOS CUSTOS NO SCM Nos capítulos anteriores apresentamos exemplos que envolviam custos na distribuição de produtos, mas deixamos de detalhar propositadamente alguns aspectos importantes. Isso porque tal detalhamento depende do conhecimento de uma série de componentes e fatores que serão analisados no presente capítulo. É importante lembrar que o gerenciamento da cadeia de suprimento (SCM) pressupõe a visão integrada de custos, considerando conjuntamente todos os componentes da cadeia, inclusive os estoques. Um exemplo simples (Rushton e Oxley, 1989) nos ajuda a entender melhor a importância do enfoque integrado na cadeia de suprimento. Um fabricante de brinquedos plásticos embalava o produto em caixas de papelão e fornecia a mercadoria em pallets a um grande varejista. A utilização de pallets, no caso, era uma exigência da empresa varejista. Uma análise, por parte da indústria, mostrou que a embalagem de papelão era desnecessária, pois seu custo era significativo em relação ao baixo valor do produto. Este, por sua vez, tinha rigidez suficiente para ser diretamente embrulhado, juntamente com o pallet, numa proteção plástica, eliminando as caixas de papelão. Por outro lado, segundo o setor de marketing da empresa, a embalagem não agregava nenhum valor mercadológico ao produto. Consequentemente, a caixa de papelão foi eliminada pelo fabricante. No centro de distribuição do varejista, no entanto, o produto era empilhado em até três camadas de pallets. Com a eliminação das embalagens de
331
papelão, a superfície superior das unidades paletizadas passou a ser irregular, impedindo o empilhamento dos pallets. Com isso, o varejista foi obrigado a adquirir recipientes metálicos para armazenagem dos brinquedos, com custos muito superiores aos da embalagem de papelão. O preço final do produto ao consumidor foi consequentemente aumentado, prejudicando as condições de competitividade da cadeia de suprimento diante dos concorrentes. Faltou ao fabricante a visão de parceria e integração, que possibilitaria buscar uma solução em conjunto com o varejista. Para uma correta análise da cadeia de valor precisamos adotar uma metodologia de cálculo de custos adequada. Devido à complexidade das operações logísticas na cadeia de suprimento, os métodos tradicionais de cálculo de custos deixam a desejar. Devido à importância do assunto para o gerenciamento da cadeia de suprimento, apresentaremos, neste capítulo, os conceitos básicos do método ABC (Activity Based Costing ou Custeio Baseado em Atividades) aplicados à Logística. Essa metodologia de análise de custos foi desenvolvida a partir do trabalho do prof. Robert S. Kaplan, da Harvard Business School (Kaplan, 1995, 96, 97 e 98), e tem apresentado resultados satisfatórios em diversas aplicações à indústria, ao comércio e às empresas de serviços.
GASTO, CUSTO E DESPESA O livro-texto sobre contabilidade de custos, de Eliseu Martins, apresenta, logo no início, uma discussão sobre alguns conceitos básicos essenciais. Qual a diferença entre custo e despesa? O que vem a ser gasto? Ao leitor interessado em se aprofundar na questão de custos recomendamos a leitura desse texto (Martins, 2000).
332
Gasto, segundo Martins, é o sacrifício financeiro arcado pela empresa para a obtenção de um produto ou serviço qualquer. Esse sacrifício pode ser originado pela entrega efetiva do produto ou serviço, ou pela promessa de entrega futura. Já a noção de custo está diretamente ligada à produção de bens ou serviços. A empresa adquire matéria-prima, componentes e outros insumos necessários à produção. Essas aquisições geram gastos diversos. O custo é um gasto que só é reconhecido efetivamente como tal no momento de sua utilização na fabricação de um produto ou na execução de um serviço. Por exemplo, admitamos que um operador logístico possua uma frota de 200 veículos e faça, num certo momento, uma aquisição maciça de pneus, aproveitando uma oferta especial do fabricante. O gasto na aquisição dos pneus é lançado na contabilidade financeira, mas o custo correspondente ao consumo de pneus só se realiza quando o pneu, colocado na roda de um veículo, é consumido ao prestar serviço. Segundo Martins, custo é assim um gasto relacionado com um bem ou serviço que se concretiza na produção de outros bens ou serviços.
Despesas, por sua vez, representam gastos com bens ou serviços consumidos, direta ou indiretamente, em atividades voltadas à obtenção de receitas. Por exemplo, a comissão de vendedores é uma despesa, pois está relacionada à obtenção de receitas através das vendas. A contabilidade de custos é uma atividade relativamente recente, pois, até a Revolução Industrial, praticamente só existia a contabilidade financeira ou geral. Antes da Revolução Industrial, a grande maioria das empresas tinha atividade nitidamente comercial. Os produtos eram produzidos artesanalmente. As empresas adquiriam os produtos dos artesãos ou intermediários e os comercializavam em suas lojas. Naquela fase, a contabilidade era bastante simples: verificando os níveis de estoque no início e no fim do período, e a quantidade de produto recebida durante o mesmo, o contador calculava a receita total de vendas. Para isso multiplicava a quantidade pela diferença entre preço pago pelo consumidor e o gasto na aquisição dos bens. Tinha assim o lucro bruto, do qual deduzia as despesas de manutenção da loja durante o período (empregados, impostos, aluguel, despesas financeiras). O resultado era o lucro líquido da firma. Na indústria, a situação é bem mais complexa, pois há transformação de matéria-prima em produtos e ocorrem gastos diferenciados com energia, mão de obra e equipamentos. Se uma indústria produzir somente um tipo uniforme de produto, vendendo-o em quantidades mais ou menos iguais e com iguais condições de pagamento e de preço, o sistema convencional ainda pode ser aplicado satisfatoriamente. O problema ocorre quando a fabricação começa a se diversificar em termos de produtos, tipos de acabamento, formas de comercialização etc. Para essas situações, torna-se necessária uma contabilidade de custos mais sofisticada. Hoje, as empresas estão operando num ambiente extremamente competitivo. Nesse contexto, a correta identificação dos custos incorridos na fabricação dos produtos e na prestação de serviços permite definir preços mais justos aos clientes, evitando que os concorrentes eventualmente ofereçam o mesmo bem ou serviço a preços mais convidativos. É claro que uma boa contabilidade de custos não faz milagres se não for acompanhada pela racionalização dos métodos e aprimoramento da produção. Mas ajuda, em muito, a identificação dos problemas e dos pontos críticos, que geram custos muitas vezes fora do normal.
CUSTOS DIRETOS E INDIRETOS Suponhamos que um operador logístico possua um centro de distribuição com atividades diversas e atendendo vários clientes. Três tipos diferentes de serviços são oferecidos:
333
G
G
G
serviço A: recebimento, conferência, armazenagem, picking e entrega de produtos; serviço B: embalagem de produtos segundo especificações dos clientes; serviço C: crossdocking, realizado numa ala especial do depósito.
Vamos supor que os seguintes itens de custo, calculados mensalmente, precisem ser alocados aos três diferentes serviços oferecidos pelo operador logístico: G
G
G
G
G
G
mão de obra no depósito; salários de supervisão; depreciação de equipamentos (empilhadeiras, carrinhos, paleteiras etc.); material para embalagem de produtos; aluguel do prédio; energia elétrica.
Analisando separadamente cada tipo de custo, observa-se o seguinte: G
G
G
G
G
G
334
Mão de obra: a maior parte dos empregados é alocada às tarefas na medida das necessidades, não havendo especialização de função. Há, no entanto, registro dos tempos consumidos em cada atividade pelos trabalhadores. Supervisão: parte das tarefas de supervisão corresponde aos chefes de equipe, que têm suas atividades devidamente registradas. Mas há também os supervisores gerais, que acompanham as atividades de toda a empresa. Depreciação de equipamentos: a empresa não registra os tempos de utilização dos equipamentos por tipo de serviço. Assim, empilhadeiras são utilizadas no descarregamento de veículos, tanto no serviço tipo A como do tipo C. Material para embalagem de produtos: esse item é perfeitamente identificado em relação ao tipo de serviço (B) e ao cliente. Aluguel do prédio: é um gasto único mensal, sendo impossível alocá-lo de forma precisa aos tipos de serviço oferecidos. Energia elétrica: da mesma forma que o aluguel, trata-se de um custo global, com desembolso mensal único.
Alguns desses custos podem ser relacionados diretamente com o produto ou serviço. Por exemplo, o material para embalagem está diretamente relacionado com o serviço “B” e com os clientes que o utilizam. Da mesma forma, os custos de mão de obra podem, nesse caso, ser diretamente relacionados com as atividades e com os serviços, já que há um sistema de apontamento no depósito. São assim denominados custos diretos com relação aos serviços oferecidos. Outros itens de custo não permitem que se faça uma alocação objetiva aos diferentes serviços. Qualquer alocação dos mesmos será feita de maneira estimada, algumas vezes arbitrária e subjetiva. Por exemplo, o custo de aluguel pode ser rateado pelos diferentes serviços de acordo com a área utilizada, mas pode haver diversos serviços que utilizam a mesma área. Por exemplo, o descarregamento de veículos na doca de recebimento atende os serviços “A” e “C”, indiscriminadamente. Esse tipo de custo é denominado custo indireto. Observa-se que a maioria dos custos relacionados anteriormente (supervisão, depreciação de equipamentos, energia elétrica, aluguel) recai na categoria de custos indiretos. Isso vai exigir que se elejam fatores de rateio de tais custos, de forma a alocá-los aos diversos serviços. Alguns custos indiretos podem ser separados em duas ou mais partes, de forma a permitir que uma ou mais parcelas resultantes possam ser transformadas em custos diretos. Por exemplo, vimos que as atividades de supervisão envolvem a supervisão direta no depósito, por parte dos chefes de equipe, e a supervisão geral. O primeiro tipo de atividade, por ser devidamente registrado, permite a determinação de custos diretos. Já a segunda deve permanecer como custo indireto. Essa quebra de alguns custos indiretos mostra um aspecto muito importante da contabilidade de custos: uma vez que a contabilidade financeira é desenvolvida e aplicada com outros objetivos, muitas vezes somos obrigados a desdobrar itens lançados pela primeira, de forma a compor uma estrutura de custos adequada aos propósitos da empresa.
CUSTOS FIXOS E VARIÁVEIS Outro conceito importante é o de custo fixo e custo variável. Ao se produzir bens ou serviços, certos custos vão variar diretamente com a quantidade produzida. Por exemplo, o custo mensal de mão de obra para descarregar manualmente um certo tipo de caminhão vai estar diretamente relacionado com a quantidade de carga movimentada naquele período. Igualmente, o custo mensal de combustível de um determinado tipo de veículo de distribuição está diretamente relacionado com a quilometragem mensal percorrida. Tais itens são denominados custos variáveis, pois variam em função do volume produzido ou de outra variável operacional qualquer.
335
Por outro lado, o aluguel mensal do depósito tem um valor previamente determinado, e não varia com uma produção maior ou menor durante o mês. É, assim, um custo fixo. Notar que a noção de custo fixo não implica uma rigidez absoluta. Por exemplo, o custo de consumo de energia elétrica no depósito pode variar um pouco mês a mês, mas é fixo, pois sua variação não pode ser explicada pelo volume de serviço produzido. Muitas vezes, os custos podem ser subdivididos em componentes fixos e variáveis. Por exemplo, o custo mensal de manutenção dos veículos de distribuição é formado por uma parcela constituída pelos gastos com peças de reposição. Essa parcela pode ser relacionada à quilometragem do veículo, sendo assim um custo variável. Admitindo que a empresa possua frota própria e tenha uma oficina mecânica para atender seus veículos, os gastos com mão de obra na oficina, depreciação de máquinas e ferramentas etc. formam outro conjunto de gastos que não variam com a quilometragem. Essa parcela será, então, um custo fixo. As despesas também podem ser fixas ou variáveis. Por exemplo, a remuneração mensal do pessoal de vendas pode incluir uma parcela fixa e uma parte que varia proporcionalmente ao montante das vendas. Lembramos que as despesas envolvem todos os gastos ligados às atividades voltadas à obtenção de receitas.
CUSTO MARGINAL
336
O conceito de custo marginal é de fundamental importância nas análises econômicas ligadas ao setor público. Isso porque, segundo a economia do bem-estar (Wellfare Economics), o preço a ser cobrado pelo uso de um serviço público, e que maximiza o bem-estar, está diretamente ligado ao custo marginal. No setor privado, a determinação do custo marginal pode também ser de grande utilidade, em muitos casos. Suponhamos que um determinado serviço prestado por uma empresa gere um custo total mensal conforme a curva mostrada na Figura 11.1. O custo total apresenta uma parcela fixa e outra variável em relação ao volume oferecido. Num certo momento, a empresa está operando com um volume mensal VA, correspondente ao ponto A na Figura 11.2. Suponhamos que um cliente potencial deseje contratar os serviços da empresa. Se isso ocorrer, o volume mensal produzido passará para VB, correspondente ao ponto B, na Figura 11.2. Os custos totais passariam então de CA para CB. Admitindo que o acréscimo ΔV = VB – VA seja pequeno relativamente a VA, a diferença de custo ΔC = CB – CA representa o custo marginal de se atender o novo cliente. Vamos ilustrar o conceito de custo marginal com um exemplo simples. Uma empresa transportadora faz regularmente a transferência de produtos de uma cidade A para uma cidade B, situadas dAB = 1.000 quilômetros entre
Função custo
Custo
Custo variável Custo fixo Volume produzido
FIGURA 11.1 • Função custo
Custo
CB CA
DC
B A
DV VA
Volume V VB
FIGURA 11.2 • Variação marginal do custo
si (Figura 11.3a). Os caminhões retornam vazios de B para A. A empresa, que utiliza caminhões de 18 toneladas, está considerando transportar uma carga de retorno, apanhando-a na cidade C, próxima de B, e transportando-a para A (Figura 11.3b). O custo fixo de transporte é de R$288,00/dia e o custo variável é de R$0,61 por quilômetro rodado. A nova operação implica um tempo adicional de deslocamento entre B e C de três horas, um tempo de carregamento e esperas de quatro horas em C, e mais cinco horas para descarregar em A, totalizando 12 horas ou meio dia. A distância entre B e C é de
B
B dBC
dAB
dAB
C
dBA dCA A A Situação (A) FIGURA 11.3 • Serviço marginal: carga de retorno
Situação (B)
337
dBC = 150km. A viagem entre C e A apresenta distância e tempo praticamente igual ao do trecho entre B e A. Qual o custo marginal dessa operação? O custo marginal é simplesmente a soma do custo fixo de meio dia com o custo variável correspondente a 150km, ou seja: CM = 288,00 × 0,5 + 0,61 × 150 = R$235,50 por viagem
(11.1)
Admitindo que o veículo trafegue lotado, transportando 18 toneladas, o custo marginal da carga de retorno é de 235,50/18 = R$13,08 por tonelada. Admitindo que a viagem A-B-A (sem a carga de retorno) consuma quatro dias, sendo percorrida uma distância total de 2 × 1.000 = 2.000km, o custo de transporte é dado por: C = 288,00 × 4 + 0,61 × 2.000 = R$2.372,00 por viagem,
(11.2)
importância que, dividida pela capacidade do caminhão (18 toneladas), leva a R$131,78 por tonelada. Ou seja, neste caso o custo marginal de transportar uma tonelada de carga de retorno é somente 9,9% do custo básico. Isso mostra que a transportadora tem uma ampla faixa de manobra para negociar fretes de retorno, sem incorrer em prejuízo. Deve-se lembrar, no entanto, que toda atividade marginal não pode ser intensificada indiscriminadamente, pois, caso contrário, acabará distorcendo os resultados econômico-financeiros do negócio. Por exemplo, se a tarifa de retorno for muito baixa, pode atrair uma demanda exagerada. Com o tempo, o que era puramente marginal passa a constituir uma parcela importante dos serviços, aumentando outros gastos não considerados no cálculo do custo marginal (instalações, pessoal, administração etc.).
CONTABILIDADE DE CUSTOS: EVOLUÇÃO
338
Há métodos diversos de contabilização de custos, muitos deles largamente utilizados há bastante tempo, como o RKW de origem alemã, desenvolvido no início do século e adotado em muitos países, inclusive no Brasil. Pela sua atualidade e abrangência, focalizaremos neste texto a metodologia ABC (Activity-Based Costing) ou Custeio Baseado em Atividades. Quando os administradores de uma empresa do Texas, fornecedora de toldos e suprimentos industriais, decidiram analisar a margem obtida na venda de produtos para seus diversos clientes, utilizando para isso o método de custeio ABC, ficaram surpreendidos com os resultados. Chegaram à conclusão de que cerca de 70% de seus clientes e 80% de seus produtos apresentavam margens insatisfatórias. Contrapondo esses resultados com as análises
convencionais do setor financeiro da empresa, o contraste mostrou-se gritante, pois esses relatórios indicavam que 95% dos clientes e produtos eram razoavelmente lucrativos. Por que essa forte discrepância entre os dois enfoques? O objetivo básico do método de custeio ABC é quebrar a caixa-preta dos custos indiretos, inclusive administração, e dos custos operacionais fixos, ligando-os diretamente aos clientes, produtos e pedidos. Um cliente, que nos parece lucrativo à primeira vista, pode se tornar bastante deficitário quando consideramos despesas individualizadas, associadas à venda, processamento dos pedidos, estoque e distribuição. Isso porque muitas vezes alguns clientes apresentam características bastante peculiares, muito diferenciadas, acarretando custos excessivos que ficam diluídos no contexto geral, sem que a empresa os perceba. Muito embora a análise de custos tenha sido um elemento muito importante na gestão das empresas desde a Revolução Industrial, foi somente nos últimos anos que tomou uma feição diferente, mais sofisticada. Isso ocorreu porque, entre outras coisas, os custos de administração cresceram muito ultimamente. Antes, logo após a Segunda Guerra, o custo direto de mão de obra e de materiais significava mais de 90% do custo do produto, com os custos indiretos totalizando apenas 10%. Hoje, as despesas indiretas e de administração podem representar mais de 50% dos custos de um produto (Figura 11.4). Além dos custos operacionais fixos e de administração, há que se levar em conta também as situações excepcionais, muito comuns numa era alta(baseado em Cokins, 2000) 100%
Custos indiretos
Materiais Componentes de custo
(direto)
Mão de obra direta
0% convencional
hierárquico
integrado
Estágios na evolução das empresas FIGURA 11.4 • Evolução relativa dos custos ao longo do tempo
339
mente competitiva, que exige resposta rápida às solicitações dos clientes. Por exemplo, muitas vezes a empresa é obrigada a fazer pedidos emergenciais a seus fornecedores, de forma a atender a uma solicitação inesperada de um cliente importante, ocasionando aumento nos custos. Outras vezes, para atender a uma linha de produtos ampla, é obrigada a manter em estoque insumos de giro muito lento. Há casos em que as especificações muito particulares de um cliente exigem controles de qualidade específicos, com custos elevados. A lista de casos semelhantes é bastante extensa. Na sua primeira geração, o método de custeio ABC enfocava o problema de apropriação de custos dentro dos departamentos em que a empresa é tradicionalmente dividida. Ou seja, procurava interligar os custos diversos de um departamento da empresa com os objetos de custeio, sem, contudo, quebrar os limites interdepartamentais clássicos. Numa segunda geração, denominada ABM (Activity-Based Management, ou Gestão Baseada em Atividades), o enfoque passou a ser o processo, isto é, o desenrolar de um serviço específico voltado a um cliente externo, desde a entrada do pedido até a satisfação final do consumidor/cliente. De uma forma geral, os objetivos do método ABC são (Cokins, 1996): G
G
G
G
reduzir ou eliminar, se possível, custos que adicionam pouco valor ao produto ou serviço; aumentar a eficiência e a eficácia das atividades que adicionam valor; encontrar as raízes que causam os problemas e corrigi-los, lembrando que custos excessivos são sintomas que encobrem deficiências diversas; remover distorções causadas por falhas na interpretação das relações entre causas e efeitos, levando a alocações errôneas de custos.
UM EXEMPLO SIMPLES
340
A literatura sobre custeio baseado em atividades apresenta um exemplo padrão, que nos ajuda a melhor entender os conceitos e objetivos desse método (Kaplan, 1998; Kaplan e Cooper, 1998). São consideradas, no exemplo, duas indústrias quase iguais. A indústria A produz um milhão de canetas esferográficas por ano, todas iguais, na cor azul. O fabricante B, por sua vez, também produz um milhão de canetas por ano, mas de tipos, tamanhos e cores diferentes. Esse segundo fabricante, num ano típico, produz cerca de 1.000 variedades diferentes de canetas. Alguns tipos especiais de caneta, fabricados sob encomenda para serem oferecidos como brinde por grandes empresas, não passam de 100 a 200 por ano. Mas a indústria B também produz canetas comuns (azul, preta e vermelha), cuja produção anual atinge cerca de 100.000 unidades.
Apesar de ambas produzirem a mesma quantidade de canetas, a indústria B precisa de muito mais recursos para fabricar seu variado mix de produtos. Relativamente à empresa A, a indústria B necessita de maior equipe técnica de planejamento e de controle da produção, mais empregados para programar e fazer o set up das máquinas, inspecionar a qualidade dos produtos, acompanhar a execução dos pedidos, projetar novos produtos e aperfeiçoar os existentes, negociar com os fornecedores, inspecionar a matéria-prima e os componentes recebidos e atualizar as bases de dados do sistema de informação da companhia. Adicionalmente, a empresa B vai operar com níveis bem mais elevados de tempo de espera entre os diversos processos de fabricação, tempos de set up, horas extras dos funcionários, bem como de estoque de insumos e de rejeitos. Mesmo apresentando o mesmo output físico, o custo de aquisição da matéria-prima para a empresa B tende a ser maior, visto que coloca pedidos menores para uma série de itens, ao contrário da indústria A, que consome uma variedade bem menor de insumos. Finalmente, é de se esperar que a firma B apresente um custo de administração maior, já que tem maior trabalho nos setores de marketing e vendas, finanças, contabilidade e compras, principalmente. A análise tradicional de custos começa com a escolha de um fator explicativo básico, de natureza físico-operacional, que permita à gerência e à diretoria da empresa a gestão econômico-financeira do negócio. Esse fator explicativo é normalmente algo que exprime o volume de produção. No caso da fabricação de canetas, a escolha natural seria o número de canetas produzidas. No caso da indústria A, não haveria maiores problemas em calcular o custo unitário: basta dividir a soma do custo total pelo número de canetas produzidas para se obter o valor unitário. Já para a empresa B, o cálculo requer maior detalhamento. Para isso, parte-se dos conceitos clássicos de custo fixo e de custo variável. A empresa B consegue medir as quantidades de matéria-prima utilizadas em cada tipo de caneta. Isso porque, no projeto da caneta, estão especificadas as quantidades de cada insumo, o que possibilita calcular o custo unitário da matéria-prima. Por outro lado, medindo no chão de fábrica as sobras e as perdas de materiais, se chega a uma estimativa do custo adicional correspondente. Assim, pode-se avaliar, com precisão satisfatória, os custos unitários de matéria-prima para cada tipo de caneta produzida. Como esse custo é proporcional ao número de itens, esse elemento é um custo variável. De forma semelhante, é possível calcular os custos variáveis de utilização das máquinas na fábrica, de mão de obra direta, e de outros fatores de produção. Outros gastos, como as despesas de administração, por exemplo, não estão diretamente ligados a um determinado tipo de produto, mas sim à operação da empresa como um todo. São custos fixos, pois não variam diretamente com a quantidade produzida. Mas a empresa precisa estimar de algu-
341
342
ma forma esses custos, individualizando-os para cada tipo de produto. Como o fator explicativo clássico, neste exemplo, é o número de canetas produzidas, a forma tradicional de alocar o custo de administração a cada produto é realizar o rateio com base nesse elemento. Por exemplo, suponhamos que um determinado tipo de caneta tenha uma produção de 200.000 itens, ou seja, 20% do total. Tomamos 20% do custo de administração e dividimos esse valor por 200.000, obtendo assim a parcela alocável à atividade em questão para o tipo de produto considerado. O mesmo é feito para outros tipos de custo fixo, tais como gastos com energia, vigilância, informática, seguro e outros. No caso da empresa B, a menos de uma pequena diferença no custo da matéria-prima e nos custos variáveis, o resultado do processo de custeio levaria a valores quase iguais para todos os tipos de canetas fabricadas. Se os preços das canetas forem estabelecidos com base nesses custos estimados, poderão ocorrer distorções sérias. Em geral, os produtos mais elaborados terão seus custos subestimados, enquanto os produtos de menor dificuldade de fabricação terão seus custos superestimados. Por que isso acontece? Hoje, na era da informação, os custos fixos têm uma participação muito grande nos custos do produto, quando comparados com os custos variáveis. Isso acontece por várias razões. Em primeiro lugar, os custos de mão de obra direta caíram para uma porcentagem relativamente baixa na formação do custo dos produtos (Figura 11.4). Segundo, a competitividade global e crescente entre as empresas tem levado a produzir itens mais sofisticados, em termos tecnológicos e de acabamento, bem como a esforços de marketing e serviços de pós-venda mais diferenciados. Em terceiro lugar, a atual tecnologia de computadores e de sistemas de informação tem levado a um crescimento exponencial nas atividades de obtenção e uso de dados e de informações no domínio empresarial. Esses avanços nas operações e na gestão das empresas ocasionaram um aumento expressivo nos custos fixos. Por outro lado, os preços das matérias-primas não cresceram na mesma proporção dos demais custos, e o impacto do custo da mão de obra vem caindo em decorrência da automação industrial. Dessa forma, os custos variáveis, diretamente alocáveis aos diferentes tipos de produto, passaram a ter menor participação no cômputo dos custos de produção. Assim, uma fábrica de canetas da década de 1940 tinha uma estrutura de custos baseada predominantemente nos custos variáveis. Mas, para a indústria B de nosso exemplo, esse tipo de cálculo de custos seria extremamente prejudicial, pois levaria, de um lado, a custos subestimados para os itens especializados e de baixo volume, e, de outro, a custos superestimados para os produtos de tipo comum e de volume elevado. O que fazer então para corrigir essa distorção?
O MÉTODO DE CUSTEIO ABC Eventos, Transações e Atividades Um dos objetivos do método ABC é ir a fundo na explicação da composição dos custos da empresa e da cadeia de suprimento. A meta principal dessa técnica de custeio é alocar custos que reflitam ou “espelhem” a dinâmica físico-operacional da empresa (Ostrenga et al., 1993). De uma maneira geral, os recursos da empresa são consumidos na realização de atividades diversas, e estas são executadas para gerar produtos ou serviços que, por sua vez, vão ser alocados a clientes diversos. Temos então três estágios: G
G
G
consumo de recursos pelas atividades; relacionamento das atividades com os diversos produtos ou serviços; alocação dos custos aos clientes que consomem os produtos ou serviços. Os clientes são o objeto das ações comerciais da empresa.
Mas, o que são atividades? Toda atividade é originada de um evento que, por sua vez, gera uma transação, levando finalmente à realização da primeira (Figura 11.5). Os eventos indicam as ações da empresa relacionadas com a manufatura de produtos ou com a prestação de serviços. Por exemplo, um operador logístico pode oferecer, como um de seus serviços, a coleta de mercadorias no depósito de seu cliente. Esse é um evento (Figura 11.5). Num determinado momento do dia, um funcionário do cliente telefona ao operador logístico e solicita a apanha da mercadoria, fornecendo o local da coleta e a quantidade. Foi estabelecida então uma “transação”. Mais tarde, um veículo do operador logístico é alocado para efetuar a coleta, executando assim uma “atividade” (Nakagawa, 1994). As relações entre recursos e atividades, e entre as atividades e os objetos, podem ser entendidas como um corte vertical nesse processo, que cruza com o corte horizontal, conforme mostra a Figura 11.6.
Direcionadores Basicamente, o relacionamento entre os recursos utilizados pela empresa, as atividades e os objetos das ações da empresa (produtos, serviços, clientes) se apoia num conceito triplo: Eventos
Transação
Atividade
Coleta da carga
Pedido do cliente
Realizar a coleta
FIGURA 11.5 • Evento, transação e atividade
343
Recursos
Direcionador de recurso
Evento
Transação
Atividades
Medidas de desempenho
Direcionador de atividade
Objetos de processo Baseado em Nakagawa (1994)
FIGURA 11.6 • As atividades na interseção de dois cortes
G
G
G
as atividades de uma empresa consomem recursos físicos e operacionais de vários tipos. A relação entre recursos e atividades é comandada por direcionadores de recursos (resource drivers); as atividades podem ser relacionadas, de forma direta ou indireta, com custos; os objetos das ações da empresa podem ser relacionados às atividades através dos direcionadores de atividades (activity drivers).
Os registros contábeis de uma empresa típica refletem normalmente duas dimensões: G
G
344
as categorias de custo que são normalmente exigidas para comunicação externa (com o Fisco ou com os acionistas, por exemplo), como depreciação de máquinas ou equipamentos, salários e obrigações trabalhistas etc.; as unidades organizacionais da empresa que incorrem no custo. Por exemplo, os salários são usualmente subdivididos por departamento: vendas, administração, fábrica, expedição etc.
De uma forma geral, iniciamos a aplicação do método ABC buscando, na contabilidade da empresa, as contas de interesse. Mas, para a correta aplicação do método ABC, é preciso abandonar a visão estrita de “conta/centro de custos”. É preciso adotar, em contrapartida, a visão de “processo/ativida-
Vendas
Operações
Financeiro
1 recebimento do pedido
2
sequência do processo
3 verificação do cliente
coleta da carga 4
5 entrega
cobrança
6 pós-venda
FIGURA 11.7 • Estrutura departamental versus estrutura por processos
de”. Portanto, o primeiro passo importante na aplicação do custeio baseado em atividades é reorganizar as inter-relações para que tenham uma orientação para “processos/atividades” (Ostrenga et al., 1993). Por exemplo, na Figura 11.7 são mostrados, de forma bastante simplificada, três departamentos de uma empresa que presta serviços logísticos: vendas, operações e setor financeiro. Na visão tradicional, as contas seriam levantadas na contabilidade, de forma a agrupá-las ao longo das colunas da Figura 11.7. Por exemplo, os salários seriam desagregados em “setor de vendas”, “setor de operações”, e “departamento financeiro”. Já no enfoque ABC, procura-se definir um processo, isto é, uma sequência lógica de atividades, procurando associá-las aos custos: salários, depreciação de veículos, consumo de combustível etc. Uma vez completada essa análise preliminar, buscamos as relações entre os recursos utilizados e as atividades. Na Figura 11.8 são mostrados, como exemplo, três recursos: combustível (óleo diesel), veículos (caminhões) e pessoal utilizado nas operações de carga e descarga na doca do CD. Duas atividades, por sua vez, são mostradas na Figura 11.8: entrega dos produtos aos clientes e carregamento dos veículos de distribuição na doca. O consumo de combustível dos veículos está relacionado com a atividade 1, mas não está ligado à atividade 2, pois os caminhões permanecem parados enquanto são carregados. Já que os veículos são utilizados nas duas ativida-
345
Recurso 1
Recurso 2
Recurso 3
combustível
veículos
mão de obra carga e descarga
entrega dos produtos aos clientes
carregamento do veículo na doca
Atividade 1
Atividade 2
FIGURA 11.8 • Relação entre recursos e atividades
des,1 o custo de capital destes deve ser ligado a ambas. Finalmente, o pessoal de operação nas docas está relacionado tão somente com a atividade 2. Notar que ainda não realizamos nenhum cálculo de custo, como também não os alocamos às diversas atividades. Isso é feito posteriormente, depois que definirmos os direcionadores. Para cada relação recurso/atividade devemos selecionar um direcionador de recurso (resource driver), escolhido cuidadosamente entre os possíveis fatores explicativos, de forma a melhor representar a relação de causa e efeito específica para cada caso. Por exemplo, a utilização de uma empilhadeira no CD pode ser relacionada com o tempo de uso da mesma (R$/hora-máquina). Já a atividade expedição pode estar associada ao número de notas de despacho, o esforço do setor de compras ao número de pedidos, e assim por diante. A escolha de um direcionador de recurso para uma atividade específica reflete um compromisso, até certo ponto subjetivo, entre precisão e facilidade de mensuração. No exemplo da Figura 11.8, tanto para o recurso veículos como para o custo de mão de obra, carga/descarga, o direcionador mais adequado é o tempo de operação da atividade. Por outro lado, o recurso combustível/veículos está diretamente relacionado com a quilometragem. A atividade entrega dos produtos aos clientes utiliza os recursos 1 e 2, mas não o 3. Observamos que a atividade 1, entrega dos produtos aos clientes, se relaciona com os recursos através de dois direcionadores diversos. O recurso 1, combustível, é explicado pela quilometragem, enquanto o recurso 2, veículos, tem como direcionador o tempo de uso. Quando essa situação ocorre, é necessário analisar o processo com mais detalhe. Pode ocorrer que uma das 1
346
Mesmo parado na doca, o veículo está sendo utilizado, pois seu uso fica bloqueado para possíveis usos em outras atividades.
Recurso 1
Recurso 2
combustível (veículos)
capital (veículos)
Atividade 1
entrega dos produtos aos clientes
percurso CD – bolsão
percurso dentro do bolsão
entrega aos clientes
Ativ. 1.1
Ativ. 1.2
Ativ. 1.3
FIGURA 11.9 • Desdobramento de atividades no método ABC
relações envolva custos substancialmente maiores do que a outra. Nesse caso pode-se abandonar o direcionador de menor importância, ficando apenas com o mais significativo. Caso os dois não sejam desprezíveis, torna-se necessário subdividir a atividade em duas ou mais. De fato, a atividade entrega dos produtos aos clientes pode ser melhor representada através da sua subdivisão em três atividades, a saber: G
G
G
percurso do veículo desde o CD até o bolsão e vice-versa; percurso dentro do bolsão; entrega propriamente dita aos clientes, representada pelas paradas nos pontos de descarga (Figura 11.9).
Agora, a interligação entre recursos e atividades fica mais explícita, permitindo a escolha de apenas um direcionador para cada relação. Assim, o custo de combustível dos veículos, para a atividade 1.1, na Figura 11.9, pode ser explicado pela quilometragem percorrida no trecho entre o CD e o bolsão, e vice-versa. O custo de combustível dentro do bolsão, por sua vez, está ligado à quilometragem percorrida dentro do bolsão. Finalmente, o custo relacionado com as entregas propriamente ditas está ligado ao tempo de parada nas visitas aos clientes.
Tipos de Direcionadores Normalmente os direcionadores, no método ABC, são de três tipos:
347
G
G
G
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direcionadores de transação; direcionadores de duração; direcionadores de intensidade.
Os direcionadores de transação se referem ao número de operações repetitivas. Por exemplo, número de set ups da máquina, número de pedidos, número de veículos descarregados na doca etc. Esse tipo de direcionador pode ser usado quando todos os outputs da operação imprimem, mais ou menos, o mesmo nível de esforço sobre a atividade. Por exemplo, a elaboração de um pedido, com o apoio dos modernos sistemas de EDI (Electronic Data Interchange), exige praticamente o mesmo esforço para a maioria dos insumos, não dependendo, portanto, do tipo de produto e de sua quantidade, mas tão somente do número de vezes que é executado. Os direcionadores de duração estão relacionados com o tempo de execução da atividade. São utilizados quando ocorrem variações apreciáveis no tempo de execução de uma determinada atividade, em função do tipo de produto. Por exemplo, um produto que é transportado em pallets vai requerer um tempo de carregamento do caminhão na doca de despacho muito menor do que outro tipo de mercadoria solta. Outro exemplo típico é o tempo de set up das máquinas, que pode ser de 10 minutos para um certo produto e de seis horas para outro. Finalmente, os direcionadores de intensidade consideram diretamente a quantidade de recursos necessária para realizar uma determinada atividade. Tal situação ocorre quando a realização da atividade for muito complexa ou muito específica. Nesses casos é melhor medir diretamente os recursos consumidos na atividade. Por exemplo, quando os produtos exigem controle de qualidade em níveis muito diversos, tanto os direcionadores de transação como os de duração podem não refletir adequadamente o esforço aplicado. Podemos, então, determinar o número de homens-hora do pessoal alocado ao controle de qualidade em cada caso, calculando os salários, horas extras e encargos sociais, e estabelecendo valores de custo unitário para cada tipo de produto separadamente. Os direcionadores de intensidade são os mais precisos, porque refletem melhor o consumo dos recursos de produção, mas são os que consomem mais tempo e homens-hora para levantar. Uma vez definidas claramente todas as atividades e seus custos, é necessário alocá-los aos objetos. Os objetos podem ser produtos ou tipos de serviço, podendo ser representados também por clientes diversos. Para isso são definidos direcionadores de atividade, que possibilitam o rateio dos custos aos diversos objetos considerados. Na Figura 11.10, é exemplificada uma relação desse tipo, em que a atividade “entrega aos clientes” é alocada aos varejistas I, II e III por meio de um direcionador de atividade formado pelo tempo total de parada (tempo médio de parada × no de visitas).
entrega aos clientes
atividade
tempo de parada x nº de visitas
varejista I
varejista II
direcionador
varejista III
objeto
FIGURA 11.10 • Alocação de atividade aos objetos
Uma vez definidas as relações entre recursos e atividades, e entre atividades e objetos, passa-se à quantificação dos custos ABC. Esse processo será ilustrado mais adiante, através de um exemplo.
Quando Aplicar o Método ABC? Duas regras simples ajudam a buscar uma resposta para essa questão (Kaplan e Cooper, 1998). Em primeiro lugar, verifique se a empresa apresenta setores ou atividades com gastos elevados em recursos indiretos ou de suporte, e verifique também se esses gastos vêm crescendo ao longo do tempo. Para os casos em que a maior parte dos gastos é formada por mão de obra direta e utilização direta de insumos (principalmente materiais), sendo possível ligá-las aos diferentes produtos por meio dos métodos convencionais de custeio, o emprego do método ABC é menos justificado. Em segundo lugar, verifique se a empresa apresenta intensidade muito diversificada no que diz respeito a tipos de produto ou serviços, classes de clientes e uso de processos. Por exemplo, a empresa pode oferecer produtos de baixo valor e em grandes volumes, ao mesmo tempo em que comercializa produtos de valor elevado, em pequenas quantidades. No lado mercadológico, a empresa pode estar trabalhando com clientes institucionais, que adquirem grandes volumes e exigem acentuado esforço de vendas, mas ao mesmo tempo vendendo no varejo, com consumidores do tipo pessoa física. Também é possível ocorrer a manufatura de um produto com a marca e especificações impostas pelo varejista, o que pode exigir processos de fabricação especiais ou longos set ups das máquinas. Todas essas situações favorecem a utilização do método ABC. 349
EXEMPLO DE CUSTEIO ABC NA TRANSFERÊNCIA DE PRODUTOS A transferência de produtos, ou distribuição um para um, ocorre quando se deslocam mercadorias da fábrica para o depósito do cliente ou para outro destino qualquer, mas transportando um carregamento completo de cada vez. Ou seja, o veículo parte de um ponto de origem e leva a carga para um ponto de destino. Daí a expressão um para um (veja Capítulo 8). Neste exemplo vamos considerar uma pequena transportadora que atende dois clientes I e II, fornecendo serviços regulares de transferência de carga, assim discriminados: Cliente I: transferência de 1.000 toneladas de carga por mês entre as cidades A e B, distantes 100km entre si. O tempo médio de carregamento do veículo na origem é de cinco horas, e o tempo de descarga no destino é de oito horas, incluindo as esperas; Cliente II: transferência de 400 toneladas de carga por mês entre a cidade A e a cidade C, distante 300km da primeira. O tempo médio de carregamento do veículo é de duas horas, e o tempo de descarga em C é de três horas, incluindo as esperas.
350
Nos dois serviços não há carga de retorno, voltando os veículos vazios para a cidade A. A velocidade média nas rotas é de 40km/h. Por outro lado, a transportadora aloca permanentemente 12 veículos de oito toneladas úteis ao serviço I, e 10 veículos do mesmo tipo para o serviço II. De acordo com o cálculo da transportadora, o custo direto de cada veículo é de R$3.600,00 por mês, incluindo os custos variáveis (combustível, pneus, manutenção etc.) e os custos fixos (depreciação, salários e obrigações do motorista, licenciamento, seguro do veículo etc.). Esse custo é calculado pela transportadora da seguinte forma: a) quilometragem mensal estimada de 5.000km por veículo e custo variável unitário de R$0,22 por quilômetro rodado; b) custo fixo mensal de R$2.500,00 por veículo, levando a um total de 0,22 × 5.000 + 2.500 = R$3.600,00 por veículo e por mês. Dessa forma, o custo alocado pela transportadora ao cliente I é 12 × 3.600,00 = R$43.200,00, e ao cliente II, 10 × 3.600,00 = R$36.000,00. Essa forma de calcular os custos está correta? Por outro lado, se surgir um terceiro cliente solicitando uma proposta para um outro serviço de transferência de carga, como a transportadora faria a estimativa de custo? Observe que a transportadora já faz esses dois serviços há um certo tempo, o que lhe permitiu ir ajustando a frota às necessidades de forma paulatina, até chegar ao esquema de operação atual. Mas uma situação diferente pode implicar outra estrutura de custos, e nossa pequena transportadora talvez não esteja preparada para responder a contento às solicitações de novos clientes.
Vamos recalcular os custos seguindo a metodologia do custeio ABC. Em primeiro lugar, ao analisar o processo de transferência de carga, observamos que há operações que não apresentam relação alguma com a quilometragem percorrida pelos veículos. Neste exemplo, são as operações de carga e descarga do veículo, incluindo as esperas, durante as quais os caminhões ficam parados, com o motor desligado. O custo dessas operações está relacionado somente com a duração (tempo) e com a tonelagem movimentada. Por outro lado, o deslocamento dos veículos nas duas rotas tem seus custos relacionados com a duração (tempo), a distância percorrida e a tonelagem. Temos, assim, três recursos utilizados, a saber: G
G
G
duração da atividade; quilometragem percorrida; tonelagem transportada.
As atividades neste exemplo são somente três: carregamento do veículo, deslocamento do veículo da origem ao destino (e retorno) e descarga do veículo no destino. A seguir, vamos quantificar esses recursos por atividade.
Carregamento dos Veículos Para cada viagem do cliente I são gastas cinco horas para completar o carregamento do veículo. Em cada viagem são transportadas oito toneladas de carga, e portanto são necessárias 1.000 ÷ 8 = 125 viagens por mês para transportar as 1.000 toneladas do cliente I. Assim, são gastas 5 h × 125 viagens = 625 horas por mês no processo de carregamento dos veículos, serviço I. Normalmente se observam variações nos tempos de carga e descarga, devidas a fatores diversos (equipes de manuseio da carga mais ou menos eficientes, esperas mais ou menos longas, tempo variável na liberação dos documentos etc.). É normal, portanto, dar uma folga nessa estimativa. Adotamos, assim, uma margem de 10%, levando a um total de 1,1 × 625 = 687,5 horas por mês despendidas no carregamento dos caminhões, no serviço I. Fazendo o mesmo cálculo para o cliente II, obtemos 1,1 × 2 × 400/8 = 110 horas por mês. Qual o custo unitário dessa atividade? Admitimos que a frota esteja disponível para operação 10 horas por dia, 25 dias por mês, num total de 250 horas mensais. Descontando 15 horas mensais para serviços de conserto, manutenção, lavagem dos veículos etc., chega-se a uma disponibilidade de 235 horas úteis por veículo e por mês. O custo fixo mensal é igual a R$2.500,00 por veículo, levando a um custo unitário de 2.500,00 ÷ 235 = R$10,64 por hora, valor este colocado na Tabela 11.1. Observar que os custos quilométricos não aparecem nessa atividade, visto que o veículo perma-
351
nece parado, com o motor desligado durante todo o processo de carregamento. Observar também que não foram adicionados os custos de movimentação da carga na doca, os quais seriam cobertos pelo embarcador.
Deslocamento do Veículo entre a Origem e o Destino (e Retorno)
352
Cada viagem de ida e volta de um veículo, entre os pontos A e B, cobre um total de 200km, no caso do serviço I. Na realidade, a quilometragem real tende a ser um pouco maior do que a estimada diretamente com base na distância rodoviária. De fato, os caminhões têm que trafegar nas vias urbanas até o depósito do cliente e na cidade de destino, são levados periodicamente à oficina mecânica, algumas vezes ocorrem desvios esporádicos da rota por impedimentos nas rodovias etc. Uma margem de 10% na quilometragem seria uma estimativa razoável para levar em conta essas variações. Assim, a cada viagem do tipo I alocamos 1,1 × 200 = 220km. Para atender o cliente I são necessárias 125 viagens por mês (ver seção anterior). A quilometragem mensal total é então igual a 220 × 125 = 27.500km. Para atender o cliente II, por sua vez, a quilometragem mensal total é calculada de forma análoga, sendo igual a 1,1 × 600 × 400/8 = 33.000km. Qual o custo unitário dessa atividade? O custo unitário variável é de R$0,22 por quilômetro rodado, e então o valor mensal correspondente para o serviço I é igual a 0,22 × 27.500 = R$6.050,00. A velocidade média de tráfego é 40km/h e, portanto, o tempo mensal total de deslocamento dos veículos, para o serviço I, é igual a 27.500 ÷ 40 = 687,5 horas. Já calculamos o custo fixo horário na seção anterior, ou seja, R$10,64/h. Assim, o valor mensal do custo fixo relacionado ao deslocamento dos veículos é dado por 687,5 × 10,64 = R$7.315,00. Somando o custo quilométrico com o custo fixo, obtemos 6.050,00 + 7.315,00 = R$13.365,00, que representa o custo mensal de deslocamento da frota de veículos alocada ao serviço I. Como são transportadas 1.000 toneladas/mês, o custo unitário é de 13.365,00/1.000 = R$13,36 por tonelada. Repetindo o cálculo para o serviço II, obtemos um custo unitário de R$40,09 por tonelada transportada. O direcionador para essa atividade é a tonelada-quilômetro (t/km), que é o produto da distância pela tonelagem transportada. Para o serviço I, a distância por viagem é 2 × 100 = 200km, levando a um custo unitário de 13,36 ÷ 200 = R$0,0668 por t/km. Para o serviço II, temos uma quilometragem 2 × 300 = 600km por viagem, levando a um custo de 40,09 ÷ 600 = R$0,0668 por t/km. Ou seja, os custos de deslocamento dos veículos nos serviços I e II, por t/km, são iguais. Por que ocorre a igualdade desses custos? Como os caminhões alocados aos serviços I e II são iguais, o custo fixo por hora é o mesmo para os dois ca-
sos. Por outro lado, a velocidade média nas duas rotas é a mesma e, portanto, o tempo de deslocamento é diretamente proporcional à quilometragem percorrida. Isso leva ao mesmo valor de custo por t/km. Se os veículos fossem diferentes ou se as velocidades médias variassem da situação I para a II, os custos unitários seriam diferentes. O valor unitário do custo desse direcionador de atividade é colocado na Tabela 11.1.
Descarga dos Veículos Seguindo passos análogos ao apresentado na seção referente ao carregamento dos veículos, chega-se ao mesmo valor unitário de R$10,64 por hora de descarga. Faça os cálculos e explique a razão dessa igualdade. Esse valor é também colocado na Tabela 11.1. Tabela 11.1 Direcionadores de atividade e respectivos valores unitários Atividade
Direcionador de atividade
Valor unitário (R$)
•
Carregamento do veículo
Horas de operação
10,64
•
Deslocamento do veículo na rota (ida e volta)
Toneladas × km
0,0668
•
Descarga do veículo
Horas da operação
10,64
Passamos agora a calcular os custos ABC para os serviços I e II (Tabelas 11.2 e 11.3). Na primeira coluna das Tabelas 11.2 e 11.3, são listadas as atividades e, na segunda coluna, são explicitados os direcionadores de atividade. Na terceira coluna são colocados os quantitativos referentes aos diferentes direcionadores. Finalmente, a partir dos custos unitários dos direcionadores e dos respectivos quantitativos, obtêm-se os valores do custo ABC para cada atividade. Somando-se os custos ABC de cada atividade, chega-se ao custo ABC de cada cliente. Tabela 11.2 Cálculo do custo ABC para o cliente I Atividade
Direcionador
Quantitativo
Custo unitário (R$)
a) Carregamento do veículo
TC *
687,5
10,64
7.315,00
b) Deslocamento do veículo na rota (ida e volta)
t/km**
1.000 × 200 = 200.000
0,0668
13.360,00
c) Descarga do veículo
TD***
(1.000 ÷ 8)× 8 × 10,64 1,1 = 1.100
Total:
Custo ABC (R$)
11.704,00 32.379,00
*TC = tempo de carregamento total, em horas por mês. **t/km = toneladas-quilômetros mensais = ton. transportadas por mês × distância ida e volta. ***TD = tempo de descarga total, em horas por mês.
353
Tabela 11.3 Cálculo do custo ABC para o cliente II Atividade
Direcionador
Quantitativo
Custo unitário (R$)
a) Carregamento do veículo
TC *
110
10,64
1.170,40
b) Deslocamento do veículo na rota (ida e volta)
t/km**
400 × 600 = 240.000
0,0668
16.032,00
c) Descarga do veículo
TD***
(400 ÷ 8) × 3 × 1,1 = 165
10,64
1.755,60
Total:
Custo ABC (R$)
18.958,00
*TC = tempo de carregamento total, em horas por mês. **t/km = toneladas-quilômetros mensais = ton. transportadas por mês × distância ida e volta. ***TD = tempo de descarga total, em horas por mês.
Assim, o custo de uma tonelada de carga transportada para o cliente I é de R$32.379,00 ÷ 1.000 = R$32,38/t, e para o cliente II, 18.958,00 ÷ 400 = R$47,39/t. Na Figura 11.11 são mostrados os valores do custo empírico, isto é, aquele estimado pela transportadora, confrontados com os valores do custo ABC. Observamos que, para ambos os clientes, o custo ABC foi mais baixo do que o custo estimado empiricamente. No caso do cliente I, o custo ABC mensal é 25% inferior ao custo empírico, e, no caso do cliente II, 47,3% menor! Na soma geral, o custo ABC apresentou-se 35,2% menor do que o custo estimado pela transportadora. Vamos analisar os motivos dessa discrepância. 50000
Custeio empírico
45000 Custeio ABC
Custo mensal (R$)
40000 35000 30000 25000 20000 15000 10000 5000 0 Cliente I
354
Cliente II
FIGURA 11.11 • Comparação do custo empírico e ABC para clientes I e II
Em primeiro lugar, a transportadora estimou em 5.000km a quilometragem mensal percorrida para cada um dos caminhões de sua frota. Vimos que a quilometragem mensal total da frota, no serviço I, é igual a 27.500km. Como são alocados permanentemente 12 veículos a esse cliente, cada veículo percorre uma média de 27.500km ÷ 12 = 2.291,7km/mês, índice este bem abaixo da quilometragem estimada pela transportadora. Para o serviço II, são cobertos 33.000km mensais pela frota de 10 veículos, levando a uma média de 3.300km por veículo e por mês, índice este também bem abaixo do valor adotado pela transportadora. Assim, o custo variável (R$/km) estimado pela transportadora está bem acima do real. Outro aspecto importante a considerar é a folga temporal observada no aproveitamento dos veículos. Conforme estimativa apresentada, cada veículo fica disponível para as operações de transporte durante 235 horas por mês. No caso do cliente I, cada viagem consome um tempo total dado por: Carregamento do veículo: Viagem de ida (100km ÷ 40km/h): Descarga do veículo: Viagem de retorno (100km ÷ 40km/h): Total:
5,0 h 2,5 h 8,0 h 2,5 h 18,0 h
São realizadas 125 viagens por mês para atender o cliente I, levando a um total de 125 × 18,0 = 2.250 horas de utilização mensal da frota no serviço I. Uma vez que são alocados 12 veículos ao serviço I, a disponibilidade mensal da frota para o serviço I é então 235 × 12 = 2.820 horas/mês. Há assim uma folga de 2820 – 2250 = 570 veículos-horas por mês, ou cerca de 20% da disponibilidade de tempo. Essa folga observada no serviço I pode ser necessária para acomodar variações diversas nas operações. Por exemplo, é possível que o cliente I não mantenha um planejamento rígido de solicitações para os serviços da transportadora. Nesse caso, ela é obrigada a manter veículos de plantão para atender chamadas fora do programado. Isso explica, em parte, a alocação de frotas específicas para cada um dos dois clientes. No entanto, seria conveniente analisar diretamente as operações por um determinado período de forma a verificar se a transportadora poderia atender o cliente I com 11 caminhões, em lugar de 12. Fazendo a mesma análise para o serviço II, observamos que são gastas 20 horas para realizar uma viagem redonda entre A e C, e que são realizadas 400/8 = 50 viagens por mês. Assim, são consumidas 20 × 50 = 1.000 veículos-horas por mês. Por outro lado, a disponibilidade de tempo da frota, composta por 10 caminhões, é igual a 235 × 10 = 2.350 horas mensais, havendo uma folga de 2.350 – 1.000 = 1.350 h/mês ou 57,4% da disponibilidade. Observa-se, assim, que a frota alocada ao serviço II apresenta grande folga. É
355
possível que o cliente II não tenha uma programação organizada, solicitando os serviços da transportadora em momentos imprevisíveis, não permitindo assim que se faça uma alocação mais racional dos veículos. Uma possível iniciativa de gestão da transportadora seria juntar as frotas I e II de forma a reduzir o número total de caminhões e, consequentemente, reduzir os custos. Mas, para tal, seria necessário melhorar o sistema de programação dos atendimentos aos clientes, buscando melhor entrosamento e troca de informações entre as empresas, implantar um sistema de custeio apropriado, além de outras medidas operacionais e de planejamento adequadas. Observe que a análise de custeio ABC pode levar à identificação de pontos falhos na operação da empresa. Essa observação levou à evolução do ABC para o ABM (Activity Based Management ou Gestão Baseada em Atividades), em que o processo não se exaure com a determinação dos custos, mas é empregado adicionalmente para identificar falhas na operação e indicar possíveis soluções (Develin, 1995). A seguir, apresentaremos uma aplicação do método de custeio ABC à operação de um CD ou depósito.
EXEMPLO DE CUSTEIO ABC APLICADO A UM CENTRO DE DISTRIBUIÇÃO O CD tem uma área de 5.000m2 e movimenta 15.600 toneladas de produtos por ano. Um CD pode apresentar as mais diversas formas de arranjo de suas instalações, com funções bastante variadas. No nosso exemplo, vamos considerar uma situação clássica, em que o armazém desempenha quatro atividades básicas: G
G
G
G
recebimento de produtos; inspeção e controle; armazenagem; expedição.
Para realizar as atividades são necessários recursos diversos. Neste exemplo são considerados quatro recursos, a saber: G
G
G
356
G
mão de obra direta; pessoal de supervisão; equipamentos (empilhadeiras, carrinhos etc.); instalações fixas (prédio).
Alocação dos Recursos às Atividades A análise ABC começa na contabilidade. O analista vai rever as contas, buscando aquelas que se relacionam com o objetivo do estudo, e agrupando-as em categorias. Gastos que são logicamente relacionados entre si, ou que são gerados de forma similar, são naturais candidatos a ser considerados juntos. Por exemplo, contas relacionadas à mão de obra que frequentemente são juntadas num único grupo são: salários (parte fixa), incentivos (parte variável dos salários), horas extras, FGTS, INSS, seguro de acidentes no trabalho, auxílio médico etc. No nosso exemplo, os gastos anuais levantados na contabilidade da empresa foram agrupados em quatro categorias de acordo com os recursos utilizados, como mostra a Tabela 11.4. Tabela 11.4 Gastos anuais agrupados por recurso Recurso utilizado
Tipo de gasto
Custo anual (R$)
Mão de obra direta
Salários e obrigações
262.000,00
Pessoal de supervisão
Salários e obrigações
66.000,00
Equipamentos
Depreciação e custos de operação dos equipamentos
132.000,00
Instalações fixas (prédio)
Depreciação, operação e conservação do prédio
164.000,00
Total
624.000,00
Os equipamentos utilizados para movimentação da carga no armazém são carrinhos, empilhadeiras e transelevadores. Os gastos com o prédio envolvem depreciação do mesmo, manutenção, iluminação e energia, seguro, vigilância e limpeza. Os serviços de vigilância e limpeza são terceirizados, razão pela qual não estão incluídos nos gastos com pessoal. A segunda etapa do processo é buscar relações de causa e efeito entre a utilização dos recursos e as atividades. Para isso consideramos separadamente cada tipo de recurso, um por um, e procuramos entender como se relacionam com as atividades e como essas relações podem ser quantificadas. Torna-se necessário definir então os direcionadores de recurso adequados. Neste caso, foi adotada a seguinte lógica para especificar os direcionadores de recursos: Mão de obra direta: a forma mais simples e aceitável de relacionar a utilização de pessoal com as respectivas atividades é o número de pessoas envolvidas. Na empresa, no entanto, além da mão de obra regular, empregada em tempo integral, é utilizado também pessoal avulso. A maneira encontrada para medir a utilização da mão de obra de forma única foi calcular
357
uma equivalência com o empregado de tempo integral. Suponhamos, por exemplo, que sejam gastos, com pessoal avulso, R$3,00 por hora de atividade, e com empregados full time, em média R$4,00 por hora de trabalho. Então, um trabalhador avulso equivale a 3,00/4,00 = 0,75 empregados full time. Ou seja, se numa determinada atividade são gastas 200 horas com pessoal avulso e 80 horas com empregados full time, tudo se passa como se estivessem sendo utilizados 0,75 × 200 + 80 = 230 empregados equivalentes full time. Para determinar a alocação de pessoal às quatro atividades básicas, foram consultados os supervisores e um grupo representativo de empregados sobre como os trabalhadores do armazém gastam seu tempo, chegando aos resultados mostrados na Tabela 11.5. O direcionador de recurso escolhido, para gastos com a mão de obra direta, é a quantidade de pessoal, medida em empregados equivalentes full time. Na Tabela 11.5 é mostrado também o rateio dos gastos de pessoal, segundo o direcionador selecionado.
Tabela 11.5 Alocação dos custos de mão de obra direta Atividade
Recebimento
Inspeção e controle
Armazenagem
Expedição Total
Direcionador de recurso (no empregados equivalentes)
10
10
18
13
51
Direcionador de recurso (%)
19,6%
19,6%
35,3%
25,5%
100%
Rateio do custo por atividade
51.352,00
51.352,00
92.486,00
66.810,00
262.000,00
Tabela 11.6 Alocação dos custos de supervisão
358
Atividade
Recebimento
Inspeção e controle
Armazenagem
Expedição
Total
Direcionador de recurso (%)
35%
25%
20%
20%
100%
Rateio do custo por atividade
23.100,00
16.500,00
13.200,00
13.200,00
66.000,00
Pessoal de supervisão: para este recurso é mais difícil relacionar o número de pessoas com as atividades, porque o número de supervisores é pequeno e a distribuição do tempo por atividade é mais diluída. Por exemplo, um supervisor pode estar atendendo a um setor num certo momento
e, logo depois, ser chamado para resolver um problema noutro local do armazém. Por essa razão, os analistas decidiram pelo rateio baseado nas estimativas de utilização do tempo, fornecidas pelos próprios supervisores. A atividade que consome maior tempo dos supervisores é a recepção (35%), seguida por inspeção e controle (25%), armazenagem (20%) e expedição (20%). Dessa forma, o rateio deste recurso pelas atividades é o apresentado na Tabela 11.6. Equipamentos: foi observado que os equipamentos do armazém são utilizados, quase em 100% dos casos, em atividades específicas. Por exemplo, o sistema de transelevadores é exclusivamente utilizado na armazenagem. As empilhadeiras são utilizadas predominantemente no recebimento dos produtos, e assim por diante. Um dos princípios básicos do custeio ABC é procurar alocar os custos de forma direta, sempre que possível. No caso, foi feita uma lista dos equipamentos utilizados no armazém, registrando o tipo e o número de registro de cada um. Depois foram levantados, na contabilidade, os valores correspondentes à depreciação, para cada unidade de equipamento. Os gastos de energia e manutenção, por outro lado, foram lançados tomando-se como base os tempos de utilização de cada equipamento, tempos esses registrados pelo encarregado do setor, em fichas individualizadas. Ao fim, foi estimado, para cada equipamento, o custo anual de depreciação e de operação. Depois, foram alocados às atividades os respectivos equipamentos e custos, gerando os resultados mostrados na Tabela 11.7.
Tabela 11.7 Custos de depreciação e operação de equipamentos por atividade Atividade
Recebimento
Inspeção e controle
Armazenagem
Expedição
Total
Valor do custo por atividade
25.000,00
7.900,00
58.100,00
41.000,00
132.000,00
Instalações fixas (prédio): os gastos incluem depreciação do edifício, manutenção, iluminação e energia, seguro, vigilância e limpeza. Foi concluído que o melhor direcionador de recurso para este item é a área ocupada. De um total de 5.000m2 de área útil do armazém, 1.250m2 são ocupados pela recepção, 500m2 pela inspeção, 2.500m2 pela armazenagem e 750m2 pela expedição. O custo anual deste item é R$164.000,00. A alocação dos custos pelas atividades é mostrada na Tabela 11.8. 359
Tabela 11.8 Alocação dos custos de depreciação e manutenção do prédio Atividade
Recebimento
Inspeção e controle
Armazenagem
Expedição
Total
Direcionador de recurso (área ocupada, m2)
1.250
500
2.500
750
5.000
Direcionador de recurso (%)
25%
10%
50%
15%
100%
Rateio do custo por atividade
41.000,00
16.400,00
82.000,00
24.600,00
164.000,00
Uma vez alocados os recursos às atividades, somaram-se os custos, fornecendo os valores mostrados na Tabela 11.9.
Tabela 11.9 Desagregação dos custos por recurso e por atividade (R$) Atividade Recurso
Recebimento
Inspeção e controle
Armazenagem
Expedição
Total
Mão de obra direta
51.352,00
51.352,00
92.486,00
66.810,00
262.000,00
Pessoal de supervisão
23.100,00
16.500,00
13.200,00
13.200,00
66.000,00
Equipamentos
25.000,00
7.900,00
58.100,00
41.000,00
132.000,00
Instalações fixas (prédio)
41.000,00
16.400,00
82.000,00
24.600,00
164.000,00
Total
140.452,00
92.152,00
245.786,00
145.610,00
624.000,00
Alocação das Atividades aos Produtos
360
Um dos objetivos da análise ABC é a avaliação mais precisa do nível de lucratividade na comercialização de produtos ou na prestação de serviços. Para isso, precisamos alocar corretamente os custos aos diferentes objetos do processo, sejam eles produtos, serviços ou clientes. No nosso exemplo, seguindo as tendências que estão no varejo (movimento ECR – Efficient Consumer Response), vamos efetuar a análise de custo e lucratividade por categoria de produto. A empresa em questão trabalha com três categorias básicas de produtos: produtos alimentícios não perecíveis, produtos enlatados e artigos de higiene e beleza. Para determinar a margem líquida de cada categoria e, a seguir, analisar sua lucratividade, temos que alocar os custos a cada objeto. Isso é feito através dos direcionadores de atividade, que serão analisados a seguir:
Atividade “recebimento”: analisando in loco o recebimento de produtos na doca, foram observadas variações expressivas no tamanho do lote, nas características do veículo e na forma de acondicionamento da carga. No entanto, constatou-se que uma parte significativa do trabalho nessa atividade era gasta com procedimentos administrativos. Além disso, o pessoal encarregado desses procedimentos recebia salários bem mais altos do que aqueles que trabalhavam na doca. Esses fatos indicavam que as atividades administrativas provavelmente influem mais na composição do custo de recepção do que a movimentação de carga na doca. Foi feita então uma análise gráfica, relacionando os custos mensais de recebimento com a tonelagem de carga desembarcada e com o número de notas recebidas. Verificou-se que o custo de recebimento do produto estava mais correlacionado com a segunda variável. Concluiu-se, então, que o melhor direcionador para esse tipo de atividade era o número de notas recebidas. Consequentemente, foram levantados dados, por categoria de produto, cobrindo um período de um ano. Um total de 13.700 notas foi recebido no ano de estudo, sendo 6.570 referentes a produtos alimentícios não perecíveis, 2.330 a enlatados e 4.800 a artigos de higiene e limpeza, conforme mostra a Tabela 11.10. Os custos referentes à atividade “recebimento” foram então alocados às categorias de produto, utilizando como direcionador de atividades o número de notas recebidas.
Tabela 11.10 Alocação dos custos de recebimento às categorias de produtos Categoria de produto
Produtos alimentícios não perecíveis
Produtos enlatados
Artigos de higiene e beleza
Total
Direcionador de atividade (no de notas)
6.570
2.330
4.800
13.700
Direcionador de atividade (%)
48%
17%
35%
100%
Rateio do custo por categoria
67.417,00
23.877,00
49.158,00
140.452,00
Atividade “inspeção e controle”: depois de um estudo sobre os procedimentos do setor, concluiu-se ser muito difícil encontrar uma variável física ou operacional que servisse de direcionador para essa atividade. Devemos lembrar que, no custeio ABC, procuramos o direcionador de atividade que tenha, sempre que possível, três características importantes: (1) que seja intimamente relacionado com o objeto ao qual vamos alo-
361
car o custo; (2) que seja altamente correlacionado estatisticamente com o custo da atividade; (3) que seja fácil de coletar ou que não exija gastos elevados para ser obtido. Analisando esta atividade in loco, foi observado que os tipos de produto movimentados no centro de distribuição requeriam esforços diferentes de inspeção e controle. Preferiu-se definir então um “fator de complexidade”, da seguinte forma: G
G
G
Produtos alimentícios não perecíveis: Produtos enlatados: Produtos de higiene e limpeza:
3 1 5
O fator de complexidade deve ser ponderado pelo respectivo número de notas, levando então ao direcionador de atividade para cada categoria, conforme Tabela 11.11. Na Tabela 11.12 é mostrada a alocação do custo da atividade “inspeção e controle” aos produtos.
Tabela 11.11 Valores do direcionador da atividade “inspeção e controle” (1) Fator de complexidade
(2) No de notas
(3) = (1) `(2) (Direcionador de atividade)
Produtos alimentícios não perecíveis
3
1.650
4.950
Produtos enlatados
1
750
750
Produtos de higiene e limpeza
5
4.800
24.000
Total
–
7.200
29.700
Categoria de produto
Tabela 11.12 Alocação dos custos de inspeção e controle às categorias de produtos Produtos alimentícios não perecíveis
Produtos enlatados
Artigos de higiene e limpeza Total
Direcionador de atividade (fator de complexidade ponderado)
4.950
750
24.000
29.700
Direcionador de atividade (%)
16,7%
2,5%
80,8%
100%
Rateio do custo por categoria
15.389,00
2.304,00
74.459,00
92.152,00
Categoria de produto
362
Atividade “armazenagem”: a primeira constatação foi de que a empresa não tinha registro do tempo de permanência das diversas categorias de produto no armazém. Falava-se que o estoque girava, 24 vezes por ano, correspondendo a uma permanência média de 15 dias. Mas esse índice era geral, não havendo dados desagregados por categoria. Por outro lado, todos os produtos são estocados em pallets, havendo um registro eletrônico de sua movimentação na entrada e na saída da armazenagem. Idealmente, o melhor direcionador para essa atividade seria o produto do número de pallets pelo tempo médio de permanência no estoque, calculado para cada categoria de produto. Na falta de dados de permanência dos produtos no estoque, pensou-se, numa primeira avaliação, em escolher a movimentação de pallets como direcionador dessa atividade. Analisando mais atentamente o armazém, observou-se que havia posições de pallets reservadas para cada uma das três categorias de produtos. Conversando com o gerente do centro de distribuição, percebeu-se que essa alocação não era aleatória, mas respondia satisfatoriamente às necessidades reais. Foi concluído então que o número de posições de pallets, alocado a cada categoria de produto na área de armazenagem, refletia razoavelmente o volume e o tempo de permanência no estoque, adotando-o então como direcionador dessa atividade. Resultou nos valores indicados na Tabela 11.13.
Tabela 11.13 Alocação dos custos de armazenagem às categorias de produtos Produtos alimentícios não perecíveis
Produtos enlatados
Artigos de higiene e limpeza
Total
Direcionador de atividade (no de posições de pallets)
725
317
358
1.400
Direcionador de atividade (%)
51,8%
22,6%
25,6%
100%
Rateio do custo por categoria
127.317,00
55.547,00
62.922,00
245.786,00
Categoria de produto
Atividade “expedição”: para esta atividade foi relativamente fácil encontrar um direcionador. A expedição dos produtos para as lojas não é feita usualmente em pallets, visto que a demanda é distribuída no tempo e o número de pontos de venda é relativamente elevado. As remessas são feitas em caixas, nas embalagens provenientes dos fornecedores. Assim, o número de caixas despachadas foi escolhido como direcionador dessa atividade, como mostrado na Tabela 11.14. 363
Tabela 11.14 Alocação dos custos de expedição às categorias de produtos Produtos alimentícios não perecíveis
Produtos enlatados
Artigos de higiene e beleza
Total
Direcionador de atividade (no de caixas enviadas)
330.000
173.000
700.000
1.203.000
Direcionador de atividade (%)
27,4%
14,4%
58,2%
100%
Rateio do custo por categoria
39.897,00
20.968,00
84.745,00
145.610,00
Categoria de produto
Uma vez alocados os custos ABC a todas as atividades e categorias de produto, podemos representá-los num quadro (Tabela 11.15). Na Figura 11.12 é mostrada a estrutura geral do método ABC aplicado a este caso.
Método ABC e Sistema de Custeio Tradicional A análise da lucratividade, por categoria de produto, é mostrada na Tabela 11.16. É apresentado o faturamento anual para cada tipo de produto, do qual são subtraídos os custos e as despesas de aquisição, comercialização e administração, gerando uma margem bruta para cada caso. A seguir, é subtraído o custo ABC de distribuição, obtendo-se a margem líquida.
Tabela 11.15 Custo ABC por categoria de produto e por atividade Categoria de produto Atividade
Artigos de higiene e beleza
Total
Recebimento
67.417,00
23.877,00
49.158,00
140.452,00
Inspeção e controle
15.389,00
2.304,00
74.459,00
92.152,00
127.317,00
55.547,00
62.922,00
245.786,00
39.897,00
20.968,00
84.745,00
145.610,00
250.020,00
102.696,00
271.284,00
624.000,00
Armazenagem Expedição Total
364
Produtos Produtos enlatados alimentícios não perecíveis
Observa-se que os artigos de higiene e beleza apresentam uma margem bruta menor, de 3,7% sobre o faturamento, levando a uma margem líquida negativa, de –0,4%. As demais categorias apresentam resultados aceitáveis. No método de custeio tradicional, os custos são muitas vezes alocados aos produtos através de rateios baseados no volume ou em outro parâmetro de custo. Por exemplo, a contabilidade fornece à direção da empresa o custo agregado do CD, no caso igual a R$624.000/ano. Uma forma de ratear esse custo é tomar como base os custos de aquisição, comercialização e adminis-
Mão de obra direta
Empregados equivalentes
Recebimento
No de notas recebidas
Supervisão
Rateio estimado
Inspeção e controle
Fator de complexidade
Equipamentos
Alocação direta
Armazenagem
N de posições de pallets
Produto 1
Produto 2
o
Produto 3 Instalações fixas
RECURSOS
o
2
DIRECIONADOR DE RECURSO
N de caixas despachada
Expedição
m de área
ATIVIDADES
DIRECIONADOR DE ATIVIDADE
PRODUTOS
FIGURA 11.12 • Estrutura do método ABC aplicado a um centro de distribuição
tração. Os resultados estão indicados na Tabela 11.17. Notamos que a categoria “artigos de higiene e beleza”, que apresentava lucratividade de –0,4% no método ABC, apresenta, no método convencional, uma margem líquida pequena, mas positiva, de 2,0% (Figura 11.13).
Tabela 11.16 Margem por categoria de produto (base: custo ABC) Categoria de produto Item
Produtos alimentícios não perecíveis
Produtos enlatados
Artigos de higiene e beleza
Total
Faturamento anual
20.400.000
12.000.000
6.600.000
39.000.000
Custo de aquisição, comercialização e administração
18.400.000
10.800.000
6.355.000
35.555.000
Margem bruta
2.000.000
1.200.000
245.000
3.445.000
Margem bruta sobre vendas
9,8%
10,0%
3,7%
8,8%
Custo de distribuição
250.020
102.696
271.284
624.000
Margem líquida
1.749.980
1.097.304
- 26.284
2.821.000
Margem líquida sobre vendas
8,6%
9,1%
- 0,4%
7,2%
Essa discrepância entre os dois resultados pode ter consequências sérias na gestão da empresa. Por exemplo, medidas visando à reestruturação do setor de higiene e limpeza poderiam ser adiadas, perdendo-se um tempo precioso. Além de fornecer custos mais precisos, o emprego inteligente do método ABC ajuda a identificar atividades e procedimentos com problemas. Para isso, pode-se lançar mão do benchmarking (veja Capítulo 12), com-
365
Margem líquida sobre vendas (%)
10 8
Categoria de produto 1 - Produtos alimentícios não perecíveis 2 - Enlatados 3 - Artigos de higiene e beleza
6 4 2
Método de custeio convencional
0 1
2
3
ABC
–2
Categoria de produto FIGURA 11.13 • Margens líquidas: método ABC e sistema tradicional
parando o desempenho da empresa com empresas líderes do mercado. Associações, como a ECR, têm promovido iniciativas desse tipo, com resultados promissores.
Tabela 11.17 Margem por categoria de produto (custeio tradicional) Categoria de produto Item
Produtos alimentícios não perecíveis
Produtos enlatados
Artigos de higiene e beleza
Total
Vendas anuais
20.400.000
12.000.000
6.600.000
39.000.000
Custo de aquisição, comercialização, vendas e administração
18.400.000
10.800.000
6.355.000
35.555.000
Margem bruta
2.000.000
1.200.000
245.000
3.445.000
Custo do CD
322.925
189.543
111.532
624.000
Margem líquida
1.677.075
1.010.457
133.468
2.821.000
Margem líquida sobre vendas
8,2%
8,4%
2,0%
7,2%
CUSTEIO ABC NO BRASIL
366
Khoury e Ancelevicz (1999) fizeram um levantamento da utilização do método ABC em empresas nacionais. Apesar de o estudo ter sido feito com base nas respostas a questionários enviados pelo correio, o que obviamente limita seu alcance, os resultados são bastante elucidativos. Quinhentos questionários, com 24 perguntas, foram enviados para as maiores empresas não financeiras que operam no território nacional. Desse total, 283 empresas responderam, 57% do total. Das que responderam, 78% eram indústrias, 16% empresas
comerciais e 6% empresas do setor de serviços. Em termos de tamanho, 35% possuíam entre 2.000 e 5.000 funcionários. Do total, 93% das empresas já tinham ouvido falar do sistema de custeio ABC. Um percentual não desprezível de 9% dos entrevistados rejeitou o método ABC. Finalmente 18% estavam implantando ou utilizando o novo sistema de custeio. Apenas 7% das empresas não tinham ouvido falar do sistema de custeio ABC. Outras 34% não tinham interesse em adotá-lo. O setor de comércio destacou-se pelo desconhecimento do método ABC, por um lado, e, de outro, por considerá-lo adequado apenas para indústrias. O setor de serviços, que deveria considerar importante manter um sistema de custos mais preciso, foi o que menos se interessou por ele. Cerca de 28% das empresas pesquisadas, segundo os autores, estavam avaliando o sistema de custeio ABC, principalmente por considerarem que esse método proporcionaria melhor identificação das causas de aumento ou redução de custos. Também mencionaram um maior grau de precisão que poderia ser conseguido com o custeio ABC, sobretudo na definição dos preços de produtos e serviços. Não obstante, 9% das empresas decidiram não utilizar o ABC. Mais de um quarto delas justificaram a opção, alegando complexidade e o alto custo de implantação. Duas empresas que responderam ao questionário já haviam utilizado o sistema ABC, mas decidiram abandoná-lo. As principais razões para tal decisão foram a dificuldade na identificação dos direcionadores de custos, manutenção trabalhosa do sistema e renovação na diretoria financeira, em que o novo ocupante decidiu abandonar o processo de implantação. Um total de 33 empresas, das que responderam ao questionário, estava implantando o método de custeio ABC. Além dessas, mais 17 firmas já o estavam utilizando, totalizando 50 empresas, 18% do total pesquisado. Nenhuma delas era do setor de serviços. Os dois outros setores estavam representados por, pelo menos, uma empresa. A utilização do sistema ABC no Brasil é bastante recente, visto que 40% das empresas que o empregam começaram a operá-lo há menos de seis meses, à época da pesquisa. A utilização do método de custeio ABC não está livre de controvérsias. Khoury e Ancelevicz (2000) analisam as opiniões a favor e contra a utilização desse método de apropriação de custos. Alguns autores afirmam que o ABC tem ido longe demais, criando uma imagem e expectativas muito além do que realmente pode oferecer na prática. Somos de opinião que o sistema de custeio ABC pode ajudar, em muito, as empresas que atuam no setor de Logística, sejam elas firmas industriais ou comerciais com deficiências nessa área, sejam operadores logísticos, que dependem de um correto equacionamento de seus serviços para enfrentar a competição e oferecer um bom serviço a seus clientes. Na verdade, por se
367
tratar de um sistema de formulação mais sofisticada, requer dados de melhor qualidade e mais desagregados. Empresas com operações deficientes, sistemas precários de registro de informações e atividades mal definidas e sem controle precisam passar primeiro por uma reengenharia, para depois serem submetidas a uma reestruturação do seu sistema de custeio. Hoje, estão disponíveis no mercado softwares que ajudam na implementação desse método de custeio. Esses softwares, embora não resolvam o problema per se, aliviam muito o esforço associado aos cálculos. Internacionalmente podemos citar os softwares: Acorn Systems (www.acornsys.com), FlexABM (www.crgroup.com), TRAC (www.abctrac.com), SmartABM (www.decisionscape.com) e QPR Cost Control (www.qprtools.com). Nenhum deles foi testado pelo autor, razão pela qual não tecemos maiores comentários sobre eles.
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369
12
Produtividade, Eficiência e Benchmarking de Serviços Logísticos
AS ATIVIDADES LOGÍSTICAS, dentro dos modernos conceitos do Supply Chain Management, ganharam conotação estratégica ímpar, colaborando efetivamente para a conquista de novos mercados, para a melhoria da competitividade e para o aumento do market share das empresas participantes da cadeia de suprimento. Dessa forma, medir a eficiência e monitorar permanentemente o desempenho das empresas e subsistemas da cadeia de suprimento passam a ser atividades de grande importância nesse contexto. Neste capítulo discutiremos inicialmente os conceitos de produtividade e de eficiência aplicados a problemas de logística. A seguir, analisaremos a eficiência de unidades logísticas utilizando uma metodologia recente, denominada DEA – Análise Envoltória de Dados (Data Envelopment Analysis). Finalmente, abordaremos a questão do benchmarking, em que se procura melhorar o desempenho de empresas ou subsistemas, tomando-se como referência as melhores práticas, isto é, aquelas que conseguiram apresentar melhores níveis de produtividade e de eficiência.
MEDINDO A PRODUTIVIDADE A produtividade de um sistema de produção (uma empresa, um setor da economia ou mesmo uma nação) é definida como a relação entre o que foi produzido e os insumos utilizados para tal, num certo intervalo de tempo (Moreira, 1991). Um sistema de produção é qualquer conjunto de elementos (ou
371
partes) que atuam de forma integrada e harmônica para transformar insumos diversos em produtos ou serviços (Moreira, 1991). No domínio empresarial, podemos analisar a produtividade dos diversos setores da empresa ou considerar um conjunto de firmas atuando num certo ramo de atividade, ou mesmo a produtividade de um setor da economia. Os insumos que o sistema utiliza e que geram produtos ou serviços são também chamados de fatores de produção. Os sistemas de produção podem ser vistos como sistemas de conversão de insumos em serviços ou produtos. Essa conversão de insumos em outputs pode ser de vários tipos. Por exemplo, uma ferrovia utiliza vagões, locomotivas, pessoal, energia, via permanente etc. (fatores de produção) para gerar transporte de passageiros e de carga, medidos respectivamente em passageiros/km e toneladas/km (serviços). Uma empresa varejista utiliza área de lojas, check-outs, funcionários, veículos de transferência e distribuição, depósitos etc., para gerar faturamento de vendas de um determinado mix de produtos. Na maioria dos casos, os sistemas de produção consomem mais do que um insumo. Podemos então calcular a produtividade considerando apenas um dos fatores de produção por vez. Nesse caso a produtividade é dita parcial. Noutras vezes, consideramos simultaneamente todos os insumos, estabelecendo, para isso, uma soma ponderada desses inputs de forma a se ter uma medida única dos mesmos. Essa medida da produção é denominada produtividade total dos fatores (Moreira, 1991) e, obviamente, fornece mais informação sobre o desempenho do sistema. O problema é definir pesos adequados para os diferentes insumos, visto que há infinitas possibilidades e, muitas vezes, a escolha dos pesos é feita com certo grau de subjetividade. No entanto, existem metodologias um pouco mais sofisticadas que permitem medir com maior rigor a produtividade total dos fatores para sistemas de produção.
Índices de Produtividade
372
É comum definir um ou mais índices de produtividade para um determinado sistema de produção. Em alguns casos, são escolhidos índices parciais e, noutros, índices totais. Os resultados servem então para comparar as diversas unidades que formam o sistema em estudo. Os índices podem servir também para comparar os elementos do sistema com outras unidades externas, de desempenho semelhante. Por exemplo, tomemos o caso de operadores logísticos operando no país (Revista Tecnologística, março e junho de 2000). Um índice parcial, de interesse para comparações, é o faturamento por m2 de armazém. Calculando esse índice e o colocando num gráfico, obtemos o resultado mostrado na Figura 12.1. Notamos que uma boa parte das empresas de pequeno porte,
com faturamento até cerca de R$15 milhões por ano, apresenta índice de faturamento por área de armazenagem abaixo de R$200/m2. Mas outra parte das empresas situadas nessa faixa de faturamento apresenta valores bem mais elevados. À medida que o faturamento cresce, observa-se uma tendência de aumento no valor do índice, tendência esta indicada pela reta, que foi ajustada por regressão. Observa-se que, para faturamento tendendo a zero, o índice esperado seria de R$200/m2. Por outro lado, para faturamento da ordem de R$150 milhões por ano, o índice esperado é da ordem de R$450/m2. Há, portanto, uma tendência de crescimento do índice com o tamanho da empresa. Ou seja, há economias de escala nesse processo. Por que, no entanto, ocorrem oscilações tão pronunciadas nesse índice de produtividade, ao longo da faixa de variação do faturamento? Em primeiro lugar, devemos lembrar que há diferenças apreciáveis no desempenho dos operadores logísticos. Muitas empresas têm anos de experiência no setor, algumas também no exterior, enquanto outras são bastante novas, com até dois anos de atividade. É óbvio que a tradição e a experiência têm um papel muito importante na geração de resultados. Mas há um outro aspecto que talvez explique melhor a razão para tal disparidade. Tomemos, como exemplo, o caso da empresa Delara Transportes. Apresenta um índice elevado, de R$1.428/m2 , para um faturamento anual de R$65 milhões (Figura 12.1). Ora, apesar de oferecer serviços logísticos, a empresa é uma transportadora tradicional e, portanto, uma boa parte de seu faturamento é representada pelos resultados obtidos no transporte de mer-
Faturamento e armazenagem
1750
1500
Delara Transportes
1250
1000
750
tendência
500
Ryder
250
Colúmbia 0
0
25
60
75
100
125
150
Faturamento (milhões de reais) FIGURA 12.1 • Operadores logísticos – variação de índice de produtividade
com o faturamento
373
cadorias. E, muito embora o transporte de cargas necessite de instalações de armazenagem para a triagem dos produtos, as necessidades de área são bem menores do que no caso de operadores logísticos, que oferecem espaço para estocagem de mercadorias durante prazos bem mais longos, de semanas e até meses. Esse caso mostra a dificuldade em se analisar a produtividade com base em índices desse tipo. Para se ter uma visão mais precisa do processo, seria necessário desagregar os dados de faturamento e de utilização da área de armazenagem por tipo de serviço, no caso transporte, de um lado, e estocagem de produtos, de outro. Mas isso nem sempre é fácil de se fazer. A desagregação do faturamento é relativamente simples, mas a utilização da área do armazém é mais complicada visto que, normalmente, ambas as atividades compartilham das instalações fixas, não permitindo uma identificação imediata das áreas utilizadas em cada caso. Noutras situações, índices parciais do tipo analisado podem canalizar informações bastante interessantes para a análise da produtividade. Por exemplo, para empresas supermercadistas, o índice de faturamento por m2 de loja é bastante utilizado nas análises comparativas. Na Figura 12.2 é mostrada a variação desse índice em função do faturamento, para as 50 maiores empresas supermercadistas brasileiras (ABRAS, 1998). Pode-se observar que o comportamento desse índice de produtividade é bem mais estável para supermercados do que para operadores logísticos. Para supermercados de menor porte, nota-se uma dispersão grande em torno da tendência média (cerca de R$10.000,00 de faturamento por m2 de loja). Mas, à medida que o porte
Índice de produtividade: faturamento/área de loja
25.000
20.000
15.000
tendência 10.000
5.000
0 0
1.000
2.000
3.000
4.000
5.000
Faturamento (milhares de R$)
374
FIGURA 12.2 • Supermercados: índice de faturamento por m2 de loja
6.000
7.000
vai crescendo, a variação do índice vai se afunilando, mostrando maior uniformidade de comportamento. Outros índices parciais são usualmente determinados, servindo de base para as avaliações e comparações. Por exemplo, faturamento por funcionário, faturamento por check-out (no caso de supermercados) etc. No caso específico de centros de distribuição, Frazelle e Goelzer (1999) citam como índices de produtividade o número de caixas ou pallets embarcados anualmente, dividido pelo total de homens/horas empregado no mesmo período; índice de falhas, medido pelo número de caixas ou pallets despachados com erros, dividido pelo número total de unidades despachadas; densidade de armazenagem, representada pelo número total de caixas movimentadas, dividido pela área de estocagem do armazém etc. Os índices parciais, embora forneçam elementos importantes para a análise de produtividade, apresentam o inconveniente de representar aspectos isolados do comportamento do sistema de produção. Assim, a análise da produtividade total, sempre que for possível e prática, atende melhor às necessidades do analista. Uma metodologia muito utilizada para se conseguir tal análise integrada é a da função de produção, normalmente ajustada aos dados por meio de métodos estatísticos (regressão múltipla).
Função de Produção É uma representação matemática da transformação de insumos (fatores de produção) em produtos. De maneira geral, uma empresa utiliza uma série de fatores de produção (mão de obra, instalações fixas, energia etc.), representados genericamente pelas variáveis x1, x2, ...xn, e transforma-os em produtos (físicos ou serviços), representados pelas variáveis y1, y2, ...ym (Figura 12.3). A função de produção permite analisar a produtividade de um conjunto de empresas de um determinado setor, e é definida como a relação entre o que foi produzido e os insumos utilizados num certo intervalo de tempo (De Neufville e Stafford, 1971). O desafio desse tipo de análise é definir
X1 X2
Y1
PROCESSO
Y2
. . .
. . .
Xn
Ym
Insumos
Produtos
FIGURA 12.3 • Transformação de fatores de produção (insumos) em produtos ou serviços
375
uma função matemática que possa representar adequadamente o processo de transformação de um determinado setor da economia. Normalmente, a função de produção é ajustada aos dados através de métodos estatísticos. Um problema que ocorre frequentemente nesse tipo de análise é que, muitas vezes, o output não é caracterizado por uma única variável. No caso dos operadores logísticos, cuja produtividade analisaremos mais adiante neste capítulo por meio do método DEA, são considerados dois outputs: o faturamento e o número de clientes atendidos pela empresa. Os métodos clássicos só permitem considerar, em geral, uma única variável como output. Ao se ajustar uma função de produção, teoricamente não se deve lançar mão de variáveis de natureza monetária. Isso porque os valores monetários atribuídos aos insumos e aos produtos são, via de regra, condicionados externamente pelo mercado, ficando sujeitos a variações sensíveis e introduzindo ruído no ajuste da função de produção. Os princípios de microeconomia nos dizem que, para um determinado setor e para uma determinada tecnologia, o processo de transformação, considerando somente variáveis não monetárias, guarda uma estrutura lógica global que nos permite fazer análises amplas e estudar tendências. Ou seja, as empresas que atuam com sucesso num determinado setor da economia, como, por exemplo, o supermercadista, procuram otimizar seus fatores de produção, atuando sobre variáveis sob seu controle, a saber: G
G
G
G
376
variáveis tecnológicas (EDI, softwares do tipo ERP, sistemas de rastreamento de veículos, roteirizadores, armazéns automatizados etc.); variáveis operacionais (ECR, controle de estoques, recursos humanos etc.); variáveis econômicas e de marketing (preços, promoções, propaganda etc.); variáveis de serviço (nível de serviço ao cliente, mix de produtos, controle de faltas de produtos nas gôndolas, atendimento satisfatório às reclamações etc.).
A Figura 12.4 mostra mais claramente os contornos de uma função de produção. O processo de produção adotado pelas empresas do setor analisado vai definir uma estrutura de custos que se apoia nos preços (valores) dos insumos. O processo produtivo propriamente dito, representado pela parte tracejada da figura, vai gerar produtos e serviços. Estes, por sua vez, são precificados através de uma estrutura de preços, gerando receitas. Finalmente, os produtos e serviços são colocados no mercado, onde o consumo lhes dá um valor final. O processo produtivo propriamente dito, levando em conta
3 Insumos (mão de obra, instal., equipamentos etc.)
2
Função custo
1
Valor $ dos insumos
5
4
Produtos físicos ou serviços
Processo produtivo
Função receita
Função de Produção
6
Valor $ dos 7 produtos
FIGURA 12.4 • Estrutura genérica de uma função de produção
tão somente as variáveis não monetárias, é representado, como dissemos, por uma função de produção. É importante frisar que a função de produção não mede o desempenho médio de um setor. O que se procura medir é a chamada fronteira de máxima produtividade, representada pelo máximo desempenho possível em cada situação existente no mercado. Na Figura 12.5 representamos genericamente o processo produtivo de um setor qualquer, considerando apenas um input e um output. Para um certo valor x1 do insumo, o gráfico mostra três empresas A, B e P com desempenhos diversos. A empresa A é a menos eficiente, pois, com o mesmo nível de insumo das demais, produz menos output. A empresa B, por sua vez, consegue extrair melhores resultados de seus fatores de produção, mas não é considerada eficiente porque a empresa P supera as demais nessa faixa de operação. Ou seja, não é encontrada nenhuma outra empresa que, utilizando o mesmo nível de insumo, consiga produzir mais do que a empresa P. A empresa P está então na fronteira de produtividade. Se unirmos todos os pontos da fronteira através de uma curva, teremos a função de produção desse conjunto de empresas. Todas as empresas que
Função de produção
Y P
Produtos
Y*
(fronteira)
B Região não viável
Região de soluções viáveis
A X1 FIGURA 12.5 • Fronteira de máxima produtividade
insumo X
377
estiverem na fronteira, sobre a curva de produção, serão consideradas eficientes. Para ajustar uma função de produção a um conjunto de dados, precisamos selecionar, de início, as variáveis da mesma e, a seguir, escolher um tipo de função matemática para representar o processo. Esse tipo de modelo é denominado paramétrico no jargão estatístico. Veremos que a DEA, a ser apresentada e analisada mais adiante neste capítulo, é uma abordagem não paramétrica, pois não requer a escolha a priori de um tipo de função matemática. Há vários tipos possíveis de função de produção. Eles foram exaustivamente estudados, juntamente com suas propriedades, por Shephard (1970), num livro muito citado na literatura científica, mas de leitura um tanto difícil em razão das formulações matemáticas. Um tipo de função de produção muito utilizado pelos economistas é a Cobb-Douglas, em que os insumos aparecem na forma multiplicativa, com expoentes ajustados por meio de regressão múltipla: y = a x 1b x 2c x 3d
378
(12.1)
onde x1, x2, x3 são as variáveis independentes, que, no caso, representam os insumos; y é a variável dependente, representando o output, e a, b, c, d são coeficientes a determinar por meio da regressão. Certo cuidado deve ser tomado para evitar que as variáveis do segundo membro da equação 12.1 sejam muito correlacionadas entre si, pois tal condição pode prejudicar o ajuste estatístico. Vamos ajustar, a título ilustrativo, uma função de produção ao sistema formado pelos operadores logísticos que atuam no Brasil, conforme levantamento efetuado pela Revista Tecnologística (março e junho de 2000). São 59 empresas de tamanho variado. A maior, a Ryder do Brasil, teve um faturamento de cerca de R$128 milhões, enquanto a menor, a Empate Logística, apresentou um faturamento de R$210 mil. Preliminarmente, antes de ajustar a função de distribuição, algumas observações precisam ser feitas. Em primeiro lugar, toda pesquisa baseada em questionários, como a realizada pela Revista Tecnologística, depende de dois fatores importantes para seu sucesso: a participação efetiva dos entrevistados, medida pela quantidade das respostas, e a precisão das informações, resultante da veracidade das mesmas e da atenção que a empresa dedicou ao preenchimento do formulário. Muitas vezes o questionário é encaminhado a um setor com pouca afinidade com o objeto da pesquisa, resultando num preenchimento incompleto e mesmo incorreto. Em segundo lugar, diversas empresas omitem dados preciosos como, por exemplo, o faturamento. A internacionalmente conhecida e importante
operadora logística DHL Worldwide Express, por exemplo, deixou de participar de nossa análise por não ter preenchido o campo referente ao faturamento, o mesmo ocorrendo com algumas outras firmas. Em terceiro lugar, muitas das empresas que se dizem operadores logísticos no Brasil são basicamente transportadoras em fase de evolução para a nova atividade ou são operadores logísticos incipientes, sem suficiente experiência técnica e comercial para posar como prestadores de serviço já estabilizados nesse setor (ver Capítulo 9). Apesar das restrições, a pesquisa realizada pela Revista Tecnologística foi feita com bastante cuidado e reflete com boa aproximação o que ocorre atualmente no setor. Na análise foram adotadas as seguintes variáveis: G
output F (variável dependente): Faturamento anual da empresa, em milhões de reais; inputs: (variáveis independentes): T: tempo de atuação no mercado, em anos; NF: número de funcionários; AR: área total de armazenamento, em milhares de m2; NV: número total de veículos, incluindo carga seca, baú, sider, refrigerado, tanque e utilitários; NE: número total de equipamentos de movimentação interna, incluindo empilhadeiras (elétrica, a combustão, manual) e paleteiras; NS: número total de serviços oferecidos, incluindo armazenagem, controle de estoque, embalagem, montagem de kits e conjuntos, gerenciamento intermodal, JIT, importação/exportação, logística reversa, distribuição, distribuição porta a porta e transferência, conforme classificação da revista; NT: número total de recursos tecnológicos específicos utilizados pela empresa, incluindo WMS, ERP, EDI, VAN, consultas de serviços pela Internet, código de barras, radiofrequência, coletores, existência de rastreamento da frota e roteirizadores, conforme classificação da revista. G
G
G
G
G
G
G
G
O número de clientes atendidos pela empresa, que faz parte dos dados levantados pela Revista Tecnologística, não foi introduzido na regressão porque preferimos considerar essa variável como output e não como input. No caso do processo clássico de regressão clássica, só podemos ter uma variável como output. Mais adiante, neste capítulo, analisaremos o mesmo problema com o método DEA, que permite considerar mais de uma variável como output. Aí, então, essa variável fará parte dos outputs.
379
A função de produção a ser ajustada via regressão, do tipo CobbDouglas, tem a seguinte expressão: F = a T b 1 NF b 2 AR b 3 NV b 4 NE b 5 NS b 6 NT b 7
(12.2)
onde a, b1, b2, ..., b7 são coeficientes a determinar por meio da regressão múltipla. Para o ajuste da função de produção (12.2) foi utilizado o pacote Statistica, versão 5, após linearização das variáveis por meio de logaritmos. Foram obtidos os resultados apresentados na Tabela 12.1. Um parâmetro importante para avaliar a robustez do ajuste é o coeficiente de determinação R2, também chamado de coeficiente de correlação linear múltipla. Esse coeficiente representa a fração da variância da variável dependente explicada pela regressão. Quanto mais perto da unidade for seu valor, melhor o ajuste. No caso, obtivemos um valor R2 = 0,949, bastante satisfatório.
Tabela 12.1
Resultados do ajuste preliminar da função de produção*
Variável
Coeficiente
Intercepto
a
0,586
0,561
T
b1
0,284
2,883
NF
b2
0,496
6,852
AR
b3
0,341
6,226
NV
b4
0,192
–0,338
NE
b5
0,234
3,153
NS
b6
–0,078
–0,338
NT
b7
–0,145
–1,153
2
0,949
Coef. de determinação
R
Valor do coeficiente
Estatística t (Student)
–
*Amostra constante de 59 casos.
Os coeficientes de três variáveis, no entanto, não apresentaram os sinais algébricos esperados. De fato, as variáveis NV (número de veículos), NS (número de serviços oferecidos pelo operador logístico) e NT (número de recursos tecnológicos utilizados pela empresa) deveriam ter efeito positivo na produção de receita da empresa. No entanto, por terem seus coeficientes com sinal negativo (Tabela 12.1), haveria redução no faturamento sempre que os valores dessas variáveis fossem aumentados. 380
Na verdade, o grau de significância estatística dessas três variáveis na amostra não nos permite tirar nenhuma conclusão sobre seus efeitos na geração de receita para as empresas. O grau de significância dos coeficientes pode ser analisado através da estatística t, de Student. Entrando na tabela apropriada, disponível nos livros de estatística, com grau de liberdade G = 51 (G = no de casos na amostra, menos o número de coeficientes ajustados = 59 – 8), observamos que os coeficientes b1, b2, b3, e b5 são significantes a 1%, enquanto os coeficientes b4, b6 e b7 não o são. A porcentagem indica a margem de erro envolvida no ajuste, mostrando que as variáveis T, NF, AR e NE explicam bem o processo. Como consequência da análise estatística, foram excluídas da função de produção as variáveis não significantes, e ajustada novamente a equação, resultando nos valores apresentados na Tabela 12.2. Observa-se que, agora, todos os coeficientes têm o sinal algébrico esperado, sendo significantes a 1%, de acordo com a estatística t, de Student. Tabela 12.2 Resultados do segundo ajuste da função de produção* Variável
Coeficiente
Valor do coeficiente
Estatística t (Student)
Intercepto
a
0,263
3,068
T
b1
0,255
2,726
NF
b2
0,483
6,812
AR
b3
0,343
6,449
NE
b5
0,205
3,341
2
0,947
–
Coef. de determinação R
*Amostra constante de 59 casos.
A função de produção ajustada é então a seguinte: F = 0,263 T0,255
NF0,483
AR0,343
NE0,205
(12.3)
Um aspecto muito importante a verificar nesse tipo de análise é caracterizado pelos possíveis ganhos de escala. Suponhamos, por exemplo, que todas as quatro variáveis explicativas (T, NF, AR e NE) sejam acrescidas de uma porcentagem pequena constante, digamos 5%. Três situações podem ocorrer. O faturamento resultante pode sofrer um acréscimo percentual menor do que os 5%. Nesse caso, dizemos que o ganho de escala é negativo. Tal situação ocorre quando as empresas já estão no limite máximo de produção, operando com deseconomias ocasionadas por capacidade insuficiente, tecnologia ultrapassada, operações congestionadas etc. A outra situação possível ocorre quando o acréscimo no faturamento for maior do que os 5%. Nessa situação, dizemos que há ganhos positivos de
381
escala, significando que, com a tecnologia disponível e com as práticas correntes, as empresas tendem a melhorar seu desempenho ao ampliar seus negócios. O último caso corresponde ao empate, quando o acréscimo percentual no faturamento for igual ao acréscimo percentual nas variáveis explicativas. Dizemos então que o ganho de escala é nulo. Na formulação Cobb-Douglas, o fator de escala, que representamos por k, é igual à soma dos expoentes das variáveis independentes. Ou seja: K = 0,255 + 0,483 + 0,343 + 0,205 = 1,286 > 1,
(12.4)
significando que as empresas de serviços logísticos apresentam ganhos de escala positivos e significativos. No entanto, o modelo Cobb-Douglas mede um ganho de escala médio e fixo, envolvendo todos os elementos participantes. Na prática, é importante avaliar a eficiência de escala individualmente para cada empresa participante, o que é possível, em parte, com o método DEA, como veremos mais adiante. Um problema conceitual sério, ligado ao ajuste de funções de produção por meio de técnicas de regressão linear, é o da não garantia de que a função ajustada represente efetivamente a fronteira de máxima produtividade. A regressão múltipla convencional ajusta uma curva média passando pelo meio dos dados. Resulta então que haverá um certo número de empresas situadas acima da função ajustada e outras abaixo (Figura 12.6). Na verdade, a função correta é aquela que representa a fronteira, conforme mostra a Figura 12.6. Há métodos matematicamente sofisticados para ajustar estatisticamente funções de produção de modo a se evitar esse viés. Um deles é o da fronteira estocástica (Aigner et al., 1977), cuja descrição foge ao escopo do presente texto. Mesmo com tais limitações, é muito comum ajustar uma função de produção utilizando regressão múltipla, da maneira como foi apresentado neste capítulo. Uma vez ajustada, a função de produção estabelece uma relação direta entre os fatores de produção e o output, permitindo analisar a produtividade do setor. Suponhamos, por exemplo, um operador logístico que apresente as seguintes características: G
G
G
G
382
G
Faturamento (milhões de reais): Tempo de atividade (anos): Número de funcionários: Área total de armazenagem (1.000 m2) Número total de equipamentos de movimentação interna:
40,0 5 120 180 38
Produção (Y)
Fronteira superior (função de produção)
Ajuste médio (regressão) Empresas
Insumos (X) FIGURA 12.6 • Tipos de ajuste da função de produção
Entrando com os valores dos inputs na função de produção (12.3), obtemos um faturamento previsto de R$50,1 milhões. Ou seja, a produtividade do operador logístico está cerca de 20% abaixo da média apresentada pelo setor, em condições semelhantes de operação.
CONCEITO E MEDIDA DA EFICIÊNCIA Quando o sistema produtivo é medido por apenas um insumo e apenas um produto, o cálculo da produtividade é imediato: basta dividir a quantidade do segundo pelo valor do primeiro. Por exemplo, um fazendeiro que cultiva apenas soja, utilizando como insumo básico a terra, mede sua produtividade em toneladas do cereal (ou sacas), por hectare e por ano. Quando se tem mais de um insumo e/ou mais de um produto, o cálculo da produtividade torna-se mais complexo. Vimos que se pode medir a produtividade para esses casos através de índices que, no conjunto, permitem comparar os elementos que compõem o sistema de produção em análise. Por exemplo, no caso dos operadores logísticos, podemos calcular o faturamento por m2 de área de armazenagem, faturamento por funcionário, faturamento por serviço prestado, e assim por diante. Esses índices diversos permitem ao analista fazer comparações entre as empresas do setor. Nos casos em que se tem apenas um output, podemos também juntar todos os efeitos dos insumos numa única expressão, formando uma função de produção. Nos casos de múltiplos inputs e outputs, a análise ficará bem mais simples se conseguirmos reunir todos esses índices numa medida única de produtividade. De uma maneira geral, podemos colocar todos os outputs numa única expressão, para isso dando pesos aos diversos elementos. Chamando de Y o output agregado, a expressão é a seguinte: Y = u1 y1 + u2 y2 + ... + us ys ,
(12.5)
383
onde y1, y2,... ys são os outputs diversos e u1, u2, ... us são os pesos. De forma análoga, os insumos podem ser ponderados, formando uma única expressão: X = v1 x1 + v2 x2 + ... + vM xM
(12.6)
onde x1 x2 ... xM , analogamente, são os insumos diversos, e v1, v2 ... vM são os pesos. A produtividade P pode então ser medida através da relação entre Y e X: P=
u y + u 2 x 2 +...+ u S y S Y = 1 1 X v1 x 1 + v 2 x 2 +...+ u M y M
(12.7)
Conhecidos os pesos, pode-se calcular o valor da produtividade para cada empresa do grupo analisado. A partir da produtividade, podemos medir a eficiência de cada empresa. A eficiência é medida comparando-se as produtividades de cada empresa com a máxima produtividade observada. Ou seja, sendo P1, P2, ... PN as produtividades das N empresas consideradas e P* a máxima produtividade observada, a eficiência da empresa E é dada pela relação: ϕE =
PE P*
(12.8)
Uma outra forma é atribuir, sem perda de generalidade, o valor unitário à produtividade máxima P*. Com isso, a produtividade de uma empresa E qualquer é dada pela relação: ϕE =
u1 y1 + u 2 y 2 +...+ u S y S v1 x 1 + v 2 x 2 +...+ v M x M
(12.9)
onde ϕE é sempre menor ou igual à unidade. Nesse tipo de formulação ocorre um problema: como escolher convenientemente os pesos u1, u2 ... uS dos outputs e v1, v2 ... vM dos inputs? A Análise Envoltória de Dados (DEA) permite que se faça isso de forma bastante engenhosa.
ANÁLISE ENVOLTÓRIA DE DADOS – DEA
384
A Análise Envoltória de Dados (DEA) foi desenvolvida na década de 1970 por Charnes, Cooper e Rhodes (1978), tendo hoje larga aplicação na análise de produtividade e eficiência de empresas e órgãos públicos, servindo também de apoio para estudos de benchmarking. Para melhor entender os conceitos envolvidos, lançamos mão de uma analogia.
Analogia com os Cavaleiros da Távola Redonda O rei Artur reunia seus cavaleiros em torno de uma mesa redonda, onde eram discutidos assuntos diversos de interesse da corte e de seu seleto clube masculino. Eram participantes sir Lancelot, apaixonado pela rainha Guinevere, sir Kay, um bravo cavaleiro, sir Galahad, um místico que andava em busca do Santo Graal, além de sir Blamour, sir Hors, sir Hector e outros mais. Numa noite de chuva, o rei Artur propôs uma gesta. Cada cavaleiro tinha que desafiar todos os outros de três formas diferentes, escolhendo livremente as armas. Posteriormente, seriam realizados os embates e avaliados os resultados. Sir Blamour foi o primeiro a lançar o repto. Era um cavaleiro truculento e desafiou os demais na maça, no porrete e na lança. O segundo a se manifestar foi sir Kay, um cavaleiro-padrão: escolheu a espada, o espadachim e a lança. Sir Lancelot, que estava distraído pensando na amada, foi pego de surpresa pelo rei Artur. Não tendo dado maior atenção ao assunto, imitou sir Kay, desafiando igualmente os demais na espada, no espadachim e na lança. Galahad, um contemplativo, mudou completamente o quadro: desafiou os colegas a cantarem a balada mais bonita, a recitar de cor a poesia mais longa e a jogar xadrez. O rei Artur participou do torneio como juiz. Sua intervenção como desafiante não era oportuna em razão de sua idade, mas principalmente porque mantinha ligações estreitas com Merlin, o mago da corte, dotado de poderes sobrenaturais. Depois de registrados todos os desafios e realizarem as disputas durante um mês seguido, o rei Artur anunciou os resultados. Sir Galahad conseguiu vencer todos os outros naquilo que colocou como desafio, mas perdeu no resto. É um eficiente isolado, pois suas armas nada têm a ver com os valores do grupo. Sir Lancelot, distraído com seus devaneios, perdeu na espada e na lança, e ganhou no espadachim. Também não conseguiu vencer os demais nos outros desafios. É um ineficiente, embora com bom desempenho nos domínios de Cupido. Sir Blamour era truculento, mas pouco ágil. Ganhou nas suas armas, mas perdeu nas demais. É também um eficiente isolado. Sir Kay, por sua vez, não somente ganhou em suas armas, como também venceu a maioria dos concorrentes noutras armas. É um lutador eficiente, e foi indicado por Artur como uma das referências para o benchmarking dos não eficientes. A partir desse exemplo, podemos tirar algumas conclusões importantes. Em primeiro lugar, havia uma tecnologia comum, que condicionava, na época, a disponibilidade de armas e de seu uso. Mas, dentro dos limites dessa tecnologia, alguns participantes conseguiam uma combinação melhor das armas, tirando melhores resultados delas. Em segundo lugar, havia uma cultura-padrão permeando o ambiente. As gestas, os torneios, o romantismo e outras manifestações da época formavam um ambiente propício a esse tipo de atividade. Fosse o ambiente um mosteiro beneditino, certamente o com-
385
portamento seria diverso. Ou seja, a época, o ambiente e a cultura desempenham um papel importante nesse embate. Finalmente, temos que considerar também as habilidades individuais. Alguns participantes conseguiram perceber suas vantagens competitivas e se esforçaram em aperfeiçoá-las ao máximo. Analisaram também seus competidores e procuraram melhorar seu desempenho nas armas mais utilizadas. Definiram, assim, uma estratégia para melhor se situar nesse ambiente altamente competitivo. Outro aspecto muito importante que se pode tirar desse exemplo é a questão da referência. Não há uma medida de eficiência absoluta, em relação à qual o desempenho dos participantes deva ser medido e avaliado. A referência é formada pelos demais participantes, ou seja, a valoração que o grupo finalmente vai dar às diversas armas e aos cavaleiros surge, não por um édito do rei Artur, mas em função dos pesos que cada um vai dando ao escolhê-las. Nesse processo, uma arma pode ter um peso maior simplesmente porque muitos a escolheram. O desafio de cantar uma balada, lançado por sir Galahad, acaba sendo ignorado pelos demais porque é um ato isolado, sem uma ressonância geral na corte. Esse princípio está embutido no processo de benchmarking, hoje muito utilizado: a referência é formada pelas empresas que apresentam as melhores práticas num determinado setor. Não há um referencial absoluto, mas sim uma avaliação comparativa, visando às melhores práticas possíveis num dado contexto. Voltando ao nosso problema de medir a eficiência de empresas com DEA, podemos afirmar que a melhor escolha dos pesos a serem dados aos inputs e aos outputs do processo produtivo deve partir dos próprios participantes. É claro que tal escolha não pode ser totalmente livre. Se um operador logístico valoriza, digamos, o serviço de armazenagem e opta por instalações de maior área, deixando em segundo plano os demais fatores de produção, pode haver outra empresa que consegue jogar com mais de um fator ao mesmo tempo (tecnologia da informação, por exemplo), acabando por suplantar a primeira na competição. Veremos, a seguir, como a DEA resolve essa questão.
Fundamentos da Análise Envoltória de Dados Nas regras da análise envoltória de dados, cada participante recebe a denominação DMU (Decision Making Unit, Unidade Decisória). Isso porque, dependendo do problema, os participantes podem ser empresas, organizações, departamentos e mesmo pessoas físicas. Assim, o termo DMU é mais abrangente. Neste texto vamos também utilizar, sem perda de generalidade, a denominação simplificada unidade ou, em alguns casos, empresa, juntamente com o termo clássico DMU. Cada empresa vai procurar otimizar sua eficiência, para isso escolhendo convenientemente os pesos dos insumos e os pesos dos outputs da relação 12.9. 386
Suponhamos que, num certo momento, seja a vez da empresa E de lançar seu repto no jogo competitivo. Essa empresa vai procurar valorizar seu processo produtivo, selecionando os pesos de forma a tornar máxima sua eficiência relativa ϕE. Mas, ao escolherem os pesos, as demais empresas participantes vão também aplicá-los aos seus inputs e outputs. Considerando uma outra empresa participante qualquer, denominada genericamente G, duas coisas podem acontecer: (a) ao aplicar os pesos de E nos inputs e outputs de G, o resultado pode ser melhor para a última, ou seja, a eficiência ϕG resultante é maior do que ϕE; (b) alternativamente, aplicando os pesos de E nos inputs e outputs de G, a eficiência resultante para a última pode ser menor do que ϕE. Na condição (a), a empresa E vai tentar mudar a composição de seus pesos de forma a vencer a empresa G (ou seja, ela procura um arranjo tal que obtenha uma eficiência maior do que ϕG). Mas, ao fazer isso, pode acontecer que uma terceira empresa do conjunto analisado passe a vencê-la. Assim, é possível que a empresa E não consiga obter a eficiência máxima igual a 1, pois, qualquer que seja sua escolha de pesos, haverá outra (ou outras) que conseguirá um arranjo melhor. Nesse caso, a empresa E não é eficiente. Por outro lado, na condição (b), se a empresa E conseguir achar uma combinação de pesos tal que, aplicados às demais participantes, leve a eficiências sempre piores, ela será considerada eficiente, com ϕE = 1. A análise envoltória de dados resolve esse problema através de um modelo de programação linear (Charnes et al., 1994). Havendo N empresas no conjunto analisado, o DEA resolve N problemas separados de programação linear. Cada problema corresponde ao enfoque segundo um dos participantes. Pode acontecer que a empresa E consiga ser eficiente (ou seja, obtenha ϕE = 1) quando escolhe seus pesos (ou seja, quando ela é a desafiante), mas perde sempre (isto é, obtém valor de ϕE sempre menor do que 1) quando as desafiantes são as demais. Nesse caso, ela é uma eficiente isolada (como sir Galahad, no nosso exemplo). Há empresas, no entanto, que não conseguem vencer as demais nem com suas próprias armas (ou seja, com seus próprios pesos). São denominadas ineficientes (como sir Lancelot). Finalmente, há aquelas que vencem com seus próprios pesos e conseguem vencer muitas outras nas armas de suas oponentes. São as eficientes, que servirão de base para o benchmarking das não eficientes. Na literatura, há diversos trabalhos sobre o tema. Sobre comércio, há o artigo de Donthu e Yoo (1998), em que os autores aplicam DEA a uma cadeia de restaurantes, e o de Novaes e Borges (2000), em que é feita a aplicação da análise envoltória de dados a supermercados. Frazelle e Hackman (1993) aplicaram o método DEA na análise de desempenho de centros de distribuição, com resultados satisfatórios, conforme relatado em Frazelle e Goelzer (1999).
387
Exemplo: Eficiência de Operadores Logísticos Voltemos ao caso dos operadores logísticos brasileiros, cujos dados foram levantados pela Revista Tecnologística (março e junho de 2000). Vamos aplicar o método DEA para avaliar a eficiência dessas empresas. Consideramos dois outputs em nossa análise: G
G
F: faturamento, em milhões de reais por ano; NC: número de clientes atendidos pela empresa.
Como inputs foram consideradas as mesmas variáveis adotadas no ajuste da função de produção, a saber: G
G
G
G
G
G
G
388
T: tempo de atuação no mercado, em anos; NF: número de funcionários; AR: área total de armazenamento, em milhares de m2; NV: número total de veículos, incluindo carga seca, baú, sider, refrigerado, tanque e utilitários; NE: número total de equipamentos de movimentação interna, incluindo empilhadeiras (elétrica, a combustão, manual) e paleteiras; NS: número total de serviços oferecidos, incluindo armazenagem, controle de estoque, embalagem, montagem de kits e conjuntos, gerenciamento intermodal, JIT, importação/exportação, logística reversa, distribuição, distribuição porta a porta e transferência, conforme classificação da revista; NT: número total de recursos tecnológicos específicos utilizados pela empresa, incluindo WMS, ERP, EDI, VAN, consultas de serviços pela Internet, código de barras, radiofrequência, coletores, existência de rastreamento por satélite para a frota e roteirizadores, conforme classificação da revista.
Uma regra prática para aplicação de DEA é que a quantidade de DMUs analisada deve ser maior ou igual a três vezes o número total de variáveis, incluindo inputs e outputs. No caso, temos 59 DMUs e nove variáveis (dois outputs e sete inputs). Assim 9 × 3 = 27, menor portanto do que o número de DMUs disponíveis. Foi utilizado o software Ideas (1995), versão 5.1, para avaliar os 59 operadores logísticos da amostra. Na aplicação da análise envoltória de dados pode-se optar por um tipo de modelo mais restrito, em que se admitem ganhos de escala constantes (modelo CRS, no jargão DEA) ou um modelo em que os ganhos de escala não são restritos (modelo VRS). Pode-se optar também por
duas versões: aquela orientada ao output (output oriented), em que se procura maximizar o output com os mesmos inputs disponíveis, ou a orientada ao input (input oriented), em que se procura reduzir o consumo dos inputs de forma a manter o mesmo nível de output. Na nossa aplicação, adotamos o modelo VRS, com orientação ao output, por melhor representar o contexto competitivo em que se inserem as atividades dos operadores logísticos. Dos 59 operadores logísticos analisados, 29 foram selecionados pelo método DEA como eficientes. Tomando os 20 primeiros, que englobam empresas com faturamento anual acima de R$13 milhões, os resultados são os apresentados na Tabela 12.3. Na Figura 12.7 é mostrada a variação da eficiência DEA com o porte da empresa, medida pelo seu faturamento anual. Uma questão importante é a seguinte: a eficiência dos operadores logísticos tende a melhorar com o faturamento? Em termos microeconômicos, a resposta é naturalmente afirmativa. A análise envoltória de dados confirmou essa hipótese. Observa-se, na Figura 12.7, que a faixa de variação da eficiência vai se alargando à medida que o faturamento cai. Os grandes operadores logísticos têm eficiência de 100% ou perto desse valor. Já para as empresas menores, muito embora se notem várias com eficiência plena, observa-se uma grande dispersão de valores, com casos em que a eficiência apresenta valores muito baixos, ao lado de outras com eficiência elevada. De fato, todas as grandes organizações foram, um dia, pequenas empresas que se mostraram eficientes e cresceram. Junto com elas, muitas outras não conseguiram competir e acabaram deslocadas do mercado. 100
Embage
Cesamar
Ryder
Eficiência DEA (%)
80
60
40
20
0 0
25
50
75
100
125
150
Faturamento anual (milhões de R$) FIGURA 12.7 • Eficiência DEA dos operadores logísticos em função do faturamento
389
Há empresas que, embora não eficientes, estão próximas da fronteira de eficiência. Na Figura 12.7 observamos que a empresa Cesamar, com faturamento de R$35 milhões, apresenta uma eficiência de quase 90%, estando próxima da envoltória superior. Uma empresa pequena, a Embage, com faturamento de R$1 milhão, também se situou próxima da envoltória superior, com eficiência de 91%.
Tabela 12.3 Eficiência dos 20 maiores operadores logísticos (2000) Nome da empresa
Faturamento (milhões R$)
Eficiência (%)
Ryder do Brasil Ltda.
127,7
100
Colúmbia Sistema Integrado de Logística
106,5
100
Usifast Logística Industrial S.A.
67,3
100
Delara Transportes
65,0
100
Deicmar
65,0
100
Danzas Logística e Armazéns Gerais
48,9
100
TM Transmobra
36,0
100
Cesamar Logística
35,0
89
Delta Records
29,7
69
Friozem Logística
28,0
43
Catlog Logística Transportes
24,0
100
Coimex Logística Integrada
23,0
100
TDS JIT
22,0
100
OTM Serviços de Logística
20,4
100
Abrange Logística
20,0
36
Metropolitan Logística
17,2
76
Exata Logística
15,0
100
Expresso Mirassol
15,0
72
Transportadora Grande ABC
14,0
28
CSI Cargo Logístico Integral
13,2
100
BENCHMARKING
390
Originalmente, a expressão benchmark refere-se a um marco geográfico de referência fixo, com coordenadas e altitude conhecidas, utilizado para balizar levantamentos topográficos. De forma mais geral, benchmarking pode ser entendido como o processo de aferir medidas contra padrões predefinidos, numa bancada (bench). Mais particularmente, benchmarking é definido
como sendo os procedimentos sistemáticos utilizados para identificar as melhores práticas observadas num determinado setor e modificar a atuação de um determinado participante de forma a atingir um nível de desempenho superior (Bowersox e Closs, 1996). O benchmarking de empresas se apoia em duas premissas básicas. Em primeiro lugar, admite-se que as firmas devam buscar aperfeiçoamentos contínuos em todas as facetas de suas operações, se quiserem sobreviver. Isso significa que a empresa deve corrigir ou aperfeiçoar os processos, ou as atividades, que estejam apresentando problemas, antes que se deteriorem completamente. Deve-se evitar, assim, a busca de uma solução tardia, em que se procura corrigir o sistema depois que acabou se degradando de forma irremediável. A segunda premissa é que as melhores práticas devem ser buscadas externamente à empresa, sempre que possível. Tradicionalmente, as empresas avaliavam seu desempenho fazendo comparações internas. Assim, os administradores comparavam a produtividade das unidades regionais entre si, atribuindo prêmios às mais produtivas, de forma a estimular as demais a aumentarem a produção. Essa estratégia dava resultados numa época menos competitiva e economicamente estável. Hoje, tal política pode ser potencialmente desastrosa, eventualmente levando a firma a um forte grau de endogenia, afastando-a das melhores práticas observadas no mercado e tornando-a pouco competitiva. No entanto, é recomendável que as empresas iniciem o bechmarking internamente, procurando homogeneizar suas várias unidades e fazendo o upgrade das menos eficientes de modo a se aproximarem das eficientes. Uma vez vencida essa etapa, é necessário realizar um benchmarking externo, tomando como referência as melhores práticas do mercado. A experiência da Xerox, vivida em princípios da década de 1980, é normalmente considerada o marco zero do moderno benchmarking de empresas. Na sua primeira fase, o benchmarking visava comparar apenas produtos, expandindo-se depois para todo tipo de serviço, dentre eles os serviços logísticos. O objetivo inicial da Xerox era examinar comparativamente as operações da manufatura, visando reduzir os custos de fabricação (Camp, 1995). Hoje, o benchmarking é largamente utilizado no processo de aprimoramento contínuo das empresas. Em Logística, há diversos casos de benchmarking relatados na literatura. A Gillete, por exemplo, com unidades industriais no México, Chile, Brasil, Colômbia, Argentina, Venezuela, Equador e Peru, avalia anualmente seus gerentes de logística através de 12 indicadores de desempenho, incluindo níveis de falha na expedição e no estoque, tempo de ciclo do pedido, produtividade do CD, densidade de estoque, giro anual do estoque e nível de serviço ao cliente (Frazelle e Gloelzer, 1999). O vencedor de cada categoria é solicitado a ensinar ao grupo de gerentes como conseguiu alcançar o sucesso no ano anterior.
391
Uma das etapas críticas do benchmarking é identificar as empresas eficientes que devem servir de parceiras para referenciação nesse processo. A análise envoltória de dados pode servir de excelente apoio nesse processo. Por ser um método matemático, que incorpora apenas parte das variáveis necessárias a esse tipo de investigação, ela não deve ser vista como uma sistemática autossuficiente. Ao contrário, deve estar associada aos procedimentos usuais de benchmarking, complementando-os. Um dos objetivos do benchmarking é determinar as ações necessárias para tornar eficiente uma empresa considerada não eficiente. A utilização do DEA como ferramenta de análise pode ajudar enormemente nesse processo, muito embora o benchmarking não se limite à aplicação desse método. Não devemos nos esquecer que o computador e os modelos matemáticos são de grande valia para esse tipo de estudo, mas não dispensam outras formas de análise complementares, tanto qualitativas como quantitativas, pois levam em conta apenas uma parte das informações necessárias para se fazer um benchmarking eficaz. Vimos, na descrição do método DEA, que algumas empresas são eficientes, mas atuam isoladamente no mercado, seja porque são grandes demais em relação às outras, seja porque utilizam tecnologias ou estratégias de negócio muito particulares. Por outro lado, há um conjunto de empresas eficientes que servem de referência para o benchmarking das não eficientes. Estas últimas podem ser identificadas no DEA através de um modelo obtido a partir da configuração básica de PL. Esse modelo determina, para cada empresa não eficiente quais as empresas eficientes que devem lhe servir de base para planejar sua reengenharia. Além disso, o DEA indica o grau de participação de cada empresa eficiente no benchmarking de uma outra não eficiente. Através de um exemplo, mostraremos como o DEA determina essas relações.
Benchmarking de um Serviço de Distribuição de Produtos Nosso exemplo trata de uma indústria de bebidas que distribui seus produtos em todo o território brasileiro. A empresa possui 15 unidades regionais, indicadas na Tabela 12.4. As unidades regionais são responsáveis pela comercialização dos produtos na sua área de atuação e pela distribuição deles a partir de seus centros de distribuição. As bebidas são distribuídas a varejistas de tamanhos diversos. Na Tabela 12.4 são apresentadas as variáveis disponíveis para a aplicação do DEA. São elas: Outputs: F: faturamento, em milhões de reais por ano; MS: market share, isto é, a fatia do mercado conquistado pela unidade operacional da empresa na sua região. G G
392
Inputs: AR: área total do depósito (m2); NF: número de funcionários do depósito; CX: caixas de bebidas expedidas; G
G
G
Tabela 12.4 Características das unidades regionais, distribuição de bebidas Faturamento (milhões R$)
Market share (%)
Área do CD (m2)
No de funcionários
No de caixas expedidas (1.000)
125,3
26,0
16.300
150
10.307,6
No
Unidade regional
1
Porto Alegre
2
Joinville
39,0
16,0
5.500
65
3.909,5
3
Curitiba
89,7
25,0
11.500
130
7.606,2
4
Londrina
39,0
25,0
5.000
50
3.028,0
5
Campo Grande
48,2
23,0
6.500
63
4.193,9
6
Cuiabá
31,2
15,0
4.200
55
2.310,0
7
São Paulo
143,0
26,0
17.800
150
10.592,0
8
São José do Rio Preto
73,0
23,5
8.700
92
5.601,5
9
Rio de Janeiro
92,2
27,0
12.100
110
8.032,8
10
Distrito Federal
34,0
19,0
5.000
58
3.411,9
11
Belo Horizonte
83,5
24,0
10.200
103
7.819,5
12
Vitória
56,9
24,0
7.300
70
5.331,3
13
Salvador
79,0
26,0
9.800
85
6.326,6
14
Recife
97,0
21,0
13.800
125
9.511,4
15
Belém
82,5
18,0
14.100
120
8.388,2
A introdução, no modelo, do número de caixas de bebidas expedidas visa caracterizar o esforço externo despendido nas operações de distribuição. A área do depósito e o número de funcionários, por outro lado, refletem as operações internas (carga, descarga, movimentação interna, armazenagem etc.). O método DEA foi novamente aplicado ao presente caso, para isso lançando mão do software Ideas. Adotou-se o modelo voltado aos outputs, do tipo VRS (ganhos de escala variáveis), conduzindo às eficiências indicadas na Tabela 12.5. Das 15 DMUs, ou unidades regionais da empresa, seis são plenamente eficientes (nível 100). Mas algumas DMUs apresentam eficiência próxima da unidade, como as de Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte e Vitória. Outras unidades, como Recife e Campo Grande, apresentam eficiência um pouco maior do que 80, merecendo uma análise de suas deficiências de forma a torná-las eficientes. Finalmente, três DMUs – Belém, Joinvil-
393
le e Distrito Federal – apresentam níveis bem mais baixos de eficiência, exigindo uma atenção maior. Uma vez identificados o grupo de unidades eficientes, de um lado, e o grupo dos não eficientes, de outro, passamos a analisar as relações de benchmarking entre eles. Para cada DMU não eficiente, o DEA fornece as contrapartes eficientes que devem servir de referência para a realização do benchmarking. Por exemplo, para Belém, que tem uma eficiência de 63,4%, o DEA apresentou as seguintes contrapartes eficientes que devem servir de apoio para seu benchmarking: G
G
G
São Paulo Londrina Salvador
Peso 66,5% Peso 23,5% Peso 10,0%
Das três unidades eficientes apontadas pelo DEA para servir de referência para o benchmarking de Belém, São Paulo deve entrar com um peso bem maior, de 66,5%. Londrina participa com peso menor, de 23,5%, e Salvador, com apenas 10%. Tabela 12.5 Eficiência DEA das unidades regionais, distribuição de bebidas Ranking
394
No original*
Unidades regionais (ordenadas segundo o faturamento)
Faturamento (milhões de reais)
Eficiência DEA
1
7
São Paulo
143,0
100,0
2
1
Porto Alegre
125,3
97,4
3
14
Recife
97,0
81,2
4
9
Rio de Janeiro
92,2
100,0
5
3
Curitiba
89,7
94,5
6
11
Belo Horizonte
83,5
98,5
7
15
Belém
82,5
63,4
8
13
Salvador
79,0
100,0
9
8
São José do Rio Preto
73,0
100,0
10
12
Vitória
56,9
93,0
11
5
Campo Grande
48,2
82,0
12
2
Joinville
39,0
63,0
13
4
Londrina
39,0
100,0
14
10
Distrito Federal
34,0
40,0
15
6
Cuiabá
31,2
100,0
*Coluna 1, Tabela 12.4.
Fazendo a contabilização de todas as relações entre DMUs eficientes e não eficientes, chegamos aos resultados mostrados na Tabela 12.6. Londrina, que é uma das DMUs eficientes, foi chamada cinco vezes como referência de benchmarking de unidades não eficientes, com participação média de 64,6%. Em segundo lugar vem São Paulo, também com cinco participações, mas com nível médio menor, de 46,4%. Depois aparece São José do Rio Preto, com seis participações, mas nível médio ainda menor, de 40,2%. Salvador, por sua vez, participa cinco vezes como referência, com nível de 30,7%. Finalmente, Rio de Janeiro foi chamado apenas uma vez, com participação relativa de 26,4%.
Tabela 12.6 Referências para benchmarking, pela ordem de importância Ranking (coluna 1, Tabela 12.5)
Unidades regionais eficientes, referências para benchmarking
No de participações no benchmarking
Participação média (%)
Peso relativo no benchmarking (%)
13
Londrina
5
64,6
35,8
1
São Paulo
5
46,4
25,7
9
São José do Rio Preto
6
40,2
20,4
8
Salvador
5
30,7
14,6
4
Rio de Janeiro
1
26,4
3,3
Notamos que Cuiabá, embora eficiente segundo o DEA, não participou nenhuma vez do benchmarking de unidades não eficientes. É, assim, uma unidade eficiente isolada. Normalmente, as DMUs que se situam na extremidade da escala decrescente de tamanho são classificadas como eficientes pelo DEA devido à falta de outras unidades menores que lhes sirvam de comparação. São, por isso, denominadas outliers nos textos especializados. A unidade regional do Rio de Janeiro, que foi chamada a participar marginalmente do processo de benchmarking das DMUs não eficientes, também pode ser classificada como eficiente isolada. As unidades eficientes Londrina, São Paulo, São José do Rio Preto e Salvador, na ordem, são DMUs de referência para o benchmarking das não eficientes. Assim, podemos fazer uma classificação das unidades regionais, listando-as na ordem de eficiência e participação, conforme mostrado na Tabela 12.7.
Eficiência Virtual Vamos analisar a forma como o DEA relaciona as empresas não eficientes com seus pares eficientes situados na fronteira. Quando uma empresa não é
395
eficiente, mas está próxima da fronteira de produtividade máxima, a análise envoltória de dados permite estimar uma projeção virtual dessa empresa, localizada sobre a fronteira. Por exemplo, o ponto F, na Figura 12.8, representa uma empresa não eficiente. Aplicando uma regra predefinida, o DEA projeta o ponto F para o ponto F´, este localizado sobre a fronteira.
Tabela 12.7 Classificação da unidades regionais segundo a eficiência e a participação no benchmarking
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Categoria
Unidade regional
Eficiência DEA
Eficientes, referências para o benchmarking de unidades não eficientes
Londrina São Paulo São José do Rio Preto Salvador
100,0 100,0 100,0 100,0
Eficientes isoladas
Rio de Janeiro Cuiabá
100,0 100,0
Quase eficientes
Belo Horizonte Porto Alegre Curitiba Vitória
98,5 97,4 94,5 93,0
Eficiência intermediária
Campo Grande Recife
82,0 81,2
Eficiência inferior
Belém Joinville Distrito Federal
63,4 63,0 40,0
Em geral, há três formas de se fazer essa projeção no DEA. Uma delas segue a orientação da maximização dos outputs, mantendo os inputs nos níveis atuais. Noutros casos, se deseja minimizar a utilização dos inputs, mas mantendo o output atual. A terceira envolve uma variação proporcional de todas as variáveis, sejam inputs, sejam outputs. Na nossa aplicação, adotamos a primeira estratégia. É claro que esse salto para a fronteira somente tem condições de ser realizado, na prática, quando a empresa não estiver muito distante da envoltória de máxima eficiência. Além disso, por se tratar de um cálculo teórico, essa projeção deve ser vista como uma aproximação. Por essa razão, a chamamos de eficiência virtual. A Figura 12.8 ajuda a entender o mecanismo de ligação entre uma empresa não eficiente e seus pares eficientes, que lhe servirão de modelo para o benchmarking. O ponto F´, projeção virtual do ponto F na fronteira (tipo 3: variação proporcional), está situado entre os pontos C e D, que representam empresas eficientes. Essas duas empresas, pela sua proximidade na fronteira, vão atuar como referências para o benchmarking. Por outro lado, o ponto F´ está situado numa certa proporção entre os pontos C e D, proporção essa
Output Y
Fronteira eficiente
E
F' D C
F
B
A
Empresas: eficientes não eficientes
Input X FIGURA 12.8 • Eficiência virtual no DEA
que, de forma inversa, mede a participação de cada ponto no benchmarking de F. Na Figura 12.8, o ponto F´ está bem mais próximo de D e, assim, este último participa com maior intensidade no benchmarking de F. Na verdade, num caso com muitas variáveis, os pontos de referência para o benchmarking não se restringem necessariamente a dois, como no exemplo da Figura 12.8.
Benchmarking das Unidades Não eficientes A restrição de espaço não nos permite analisar todos os casos. Como exemplo, vamos considerar a unidade regional de Vitória, que apresentou eficiência de 93%. Escolhemos essa unidade por estar próxima da fronteira de eficiência. Assim, seu upgrade via DEA apresenta maior confiabilidade, pois não implica mudanças muito drásticas nas variáveis. Para DMUs com eficiência baixa, podemos usar os resultados do DEA, mas as variáveis qualitativas passam a ter predominância na avaliação. As unidades eficientes que servem de referência para o benchmarking de Vitória são: G
G
G
Londrina Salvador São José do Rio Preto
Peso 47,2% Peso 31,3% Peso 21,5%
Na Tabela 12.8 são apresentados os dados relevantes para a análise. Observamos que a unidade de Vitória se situa entre Londrina e São José do Rio Preto, no que se refere ao faturamento. Os resultados do modelo DEA mostram que, para chegar à fronteira de eficiência, a unidade regional de Vitória precisaria faturar R$61,2 milhões por ano, ou seja, um aumento de
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7,5%. Admitindo que a demanda total permaneça constante, bem como o nível de vendas dos concorrentes, isso significa um upgrade no market share, atingindo 25,8% do mercado.
Tabela 12.8 Benchmarking da unidade regional de Vitória Objeto do benchmarking Unidade regional
Vitória
Unidades de referência para o benchmarking Londrina
Salvador
São José Rio Preto
Situação atual
Upgrade via DEA
Eficiência DEA (%)
93,0
100,0
100,0
100,0
100,0
Participação no benchmarking de Vitória (%)
–
–
47,2
31,3
21,5
Faturamento (milhões de R$)
56,9
61,2
39,0
79,0
73,0
Market share (%)
24
25,8
25
26
23,5
Número de funcionários
70
70
50
85
92
Área do CD (m )
7.300
7.300
5.000
9.800
8.700
Caixas expedidas (1.000)
5.331,3
5.331,3
3.028,0
6.326,6
5.601,5
Faturamento/funcionário (milhares de R$/pessoa)
812,9
874,3
780,0
929,4
793,5
Faturamento/área de CD (R$/m2)
7.794,5
8.383,6
7.800,0
8.061,2
8.390,8
Faturamento/caixa (R$/cx)
10,67
11,48
12,87
12,47
13,03
2
Índices:
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O modelo DEA, por ser orientado à maximização do output, não aponta para redução dos inputs. O output, representado pelo faturamento por caixa expedida, ainda ficaria 7,9% mais baixo do que o de Salvador, mesmo com o upgrade. Isso significa que a unidade regional de Vitória está vendendo um mix de bebidas com maior percentagem de produtos de menor valor. Uma estratégia de marketing, visando à comercialização das bebidas de maior valor, seria então uma medida a perseguir imediatamente. É preciso frisar, no entanto, que os resultados do método DEA devem ser encarados como mero apoio para o benchmarking. Os números são frios, e esse tipo de resultado não é exaustivo, não incorporando outras variáveis quantitativas e qualitativas que poderiam mudar o julgamento final. Calculamos, a seguir, os índices de produtividade (faturamento por funcionário, por m2 de área e por caixa) para a condição melhorada da uni-
dade de Vitória (upgrade). O faturamento médio por funcionário, atualmente maior do que os índices mostrados por São José do Rio Preto e por Londrina, chegaria mais próximo de Salvador, que é a unidade mais eficiente das três referências, nesse quesito. O faturamento por m2, por sua vez, atingiria, no upgrade, o nível de São José do Rio Preto, o melhor das três referências. O faturamento por caixa expedida, por sua vez, já foi comentado. A conclusão a que se chega é que a unidade de Vitória deve imprimir maior agressividade nas suas atividades comerciais e de marketing, procurando colocar no mercado produtos de maior valor e aumentando seu market share. Apesar das ressalvas, cremos que a aplicação da análise envoltória de dados no benchmarking pode ajudar muito na melhor identificação dos fatores que condicionam a eficiência das DMUs, sejam elas empresas, unidades, departamentos ou outro sistema ou subsistema empresarial.
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