Capítulo 1
O INSUCESSO INSUCESSO ESCOLAR ESCOL AR NO BRASIL DO SÉCULO XX Um processo de exclusão social
(FONTE: Mafalda –http://www.educar.files.wordpress.com/2007/01/ –http://www.educar.files.wordpress.com/2007/01/ mafalda.jpg acesso em 18/01/2009)
(FONTE: http://www.stockxpert.com/browse_image/vi http://www.stockxpert.com/browse_image/view/565036 ew/565036 acesso em 11/05/2009
Neste capítulo, o leitor refletirá sobre os conceitos de fracasso/ insucesso escolar, exclusão social, sucesso escolar improvável; atualizar-se-á em relação aos dados recentes no Brasil sobre repetência , evasão e fracasso/ insucesso escolar e acesso e permanência escolar; aprenderá alguns procedimentos de avaliação e obtenção de indicadores de escolarização, por meio do exercício da metodologia de estudos de casos e narrativas de vida; poderá se identificar como brasileiro numa cultura recente de escolaridade de mais longa duração, popularização de impressos e democratização dos letramentos, letrament os, podendo assumir uma postura protagonista em relação ao muito que a escola pode fazer para minorar a exclusão social.
O INSUCESSO ESCOLAR NO BRASIL DO SÉCULO XX
13
Trusted by over 1 million members
Try Scribd FREE for 30 days to access over 125 million titles without ads or interruptions! Start Free Trial Cancel Anytime.
Trusted by over 1 million members
Try Scribd FREE for 30 days to access over 125 million titles without ads or interruptions! Start Free Trial Cancel Anytime.
Souyla está cursando a 2ª série do 1º grau. Seu pai, ex-operário da construção civil, não qualificado, está aposentado. Ele e sua mulher, dona de casa, são analfabetos, dominam com dificuldade a língua francesa e têm um conhecimento bastante restrito do sistema escolar (de seu funcionamento cotidiano, do desempenho de seus filhos, das aulas que frequentam...). O casal teve onze filhos e viv e na periferia de uma grande cidade. Souyla está indo muito bem na escola (Bernard Lahire, Sucesso escolar nos meios populares — as razões do improvável , p. 11).
É desta maneira que Bernard Lahire, um sociólogo da educação francês, começa seu interessante livro Sucesso escolar nos meios populares — as razões do improvável, dedicado a estudar casos de sucesso escolar que tinham tudo para dar em fracasso escolar, mas que, imponderavelmente, acabaram como casos de sucesso. O caso de Souyla na França lembra muitos casos e contextos familiares brasileiros, confirmados inclusive por pesquisas regulares de letramento1 no Brasil, como é o caso da pesquisa responsável pelo INAF — Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional, levado anualmente a cabo pelo IBOPE para o Instituto Paulo Montenegro e pela ONG Ação Educativa2. Podemos, por exemplo, comparar o caso de Souyla com o brasileiríssimo e comum caso de Zé Moreno, narrado por Ana Maria Galvão (2003: 146-147): Zé Moreno, negro, “daqueles que vão atrás de maracatu”, nasceu em 1925, em um engenho em Nazaré da Mata, cidade da zona da mata pernambucana, onde o índice de analfabetismo era, em 1940, entre a população com mais de 5 anos, de 81% entre os homens e 87% entre as mulheres (IBGE, 1950). Entre os alfabetizados, que o entrevistado denomina “bambambans” ou “os tais”, estavam seu pai, encarregado do engenho, e seu tio. Esses dois personagens marcaram profundamente a trajetória de vida de Zé Moreno. Como eles, o menino também queria saber ler para poder participar mais ativamente dos “serões” em que ocorria a leitura coletiva e oralizada dos folhetos de cordel. Era a experiência do prazer de ler que movia Zé Moreno Este conceito será discutido e aprofundado aprofundado mais adiante. Tomemos, por enquanto, letramento como a participação nas práticas sociais que, de alguma maneira, envolvem
1
Trusted by over 1 million members
Try Scribd FREE for 30 days to access over 125 million titles without ads or interruptions! Start Free Trial Cancel Anytime.
a procurar os meios formais de escolarização. Chegou a frequentar a escola, mas, segundo seu depoimento, nela, onde “só fazia aprender bobagem”, “só viu a Carta do ABC e nem toda”.[...] Zé Moreno migrou para ao Recife aos 16 anos e, depois de trabalhar em pequenos serviços — como em uma padaria, por exemplo –, foi taxista durante a maior parte de sua vida. O fato de ser taxista lhe permitia conversar com muita gente, “conhecer o mundo”. O fato de ser homem e de morar em um centro urbano importante também possibilitou sua inserção em esferas onde as práticas de letramento eram permanentes. Na época em que foi entrevistado, Zé Moreno era um leitor “fluente”: assiduamente, lia revistas, jornais, romances policiais, histórias em quadrinhos, “poesia matuta” (no suporte livro ou no suporte folheto), folheto), possuía livros e outros materiais materiais de leitura leitura na pequena casa onde morava, reconhecia signos da cultura letrada como, por exemplo, o índice e o prefácio de um livro, e distinguia gêneros literários — como a prosa e a poesia. Como se deu sua trajetória como leitor? Além da precária alfabetização inicial, segundo as palavras do entrevistado, foi o “professor mundo” quem lhe ensinou quase tudo.
Entre Zé Moreno e Souyla há mais diferenças que semelhanças. Na história de letramentos de Zé Moreno, as figuras masculinas letradas — o pai, o tio — são marcantes e o despertam para as letras e, mais tarde, para os livros. Souyla convive com analfabetos. Para Zé Moreno, a escola foi inútil e irrelevante e ele logo a abandonou (ou foi abandonado por ela). Na história de Souyla, talvez ela venha a ser fundamental. No caso de Zé Moreno, resta saber de quem é o fracasso: se de Zé Moreno ou se dos “bambambans” da escola. No Brasil dos séculos XIX e XX, a trajetória de Zé Moreno é exemplar. Durante o século XX quase todo, até a década de 1990, a relação da escola com os meios populares é de exclusão e de fracasso. Os dados são impressionantes. Ferraro (2002: 33) vai apontar duas “dinâmicas opostas do analfabetismo” convivendo simultaneamente no Brasil dos séculos XIX e XX: “A queda secular da taxa porcentual de analfabetismo e o aumento, também secular, do número absoluto de analfabetos”. Paradoxal, não? Vejamos os dados na tabela 1. Nela constatamos que, portanto, há um decréscimo progressivo das taxas de analfabetismo no país, que se manteve
Trusted by over 1 million members
Try Scribd FREE for 30 days to access over 125 million titles without ads or interruptions! Start Free Trial Cancel Anytime.
que começa a declinar por volta dos anos 1940 e que se acelera no final do século, de 1990 a 2000, chegando a 16,7% da população. No entanto, o decréscimo é desproporcional ao crescimento populacional. Os gráficos 1 e 2, também retirados de Ferraro (2002: 35), mostram essa dinâmica. Tabela 1: Evolução do número de analfabetos e da taxa de analfabetismo entre
a população de 5 anos ou mais, 10 anos ou mais e 15 anos ou mais, mai s, segundo os censos demográficos. Brasil, 1872 a 2000 3 POPULAÇÃO ANO DO CENSO
TOTAL
NÃO ALFABETIZADA NO
%
7.290.293 10.091.566 18.549.085 21.295.490 24.907.696 27.578.971 30.718.597 32.731.347 31.580.488 25.665.393
82,3 82,6 71,2 61,2 57,2 46,7 38,7 31,9 24,2 16,7
16.452.832 18.812.419 19.378.801 21.638.913 22.393.295 21.330.966 17.552.762
56,7 51,5 39,7 32,9 25,5 18,9 12,8
11.401.715 13.242.172 15.272.632 15.964.852 18.146.977 18.716.847 18.587.446 16.294.889
64,9 55,9 50,5 39,6 33,6 25,5 19,4 13,6
a) População de 5 anos e mais
1872 1890 1920 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000
8.854.774 12.212.125 26.042.442 34.796.665 43.573.517 58.997.981 79.327.231 102.579.006 130.283.402 153.423.442
b) População de 10 anos ou mais
1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000
29.037.849 36.557.990 48.839.558 65.867.723 87.805.265 112.860.254 136.881.115
c) População de 15 anos ou mais
1920 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000
17.557.282 23.709.769 30.249.423 40.278.602 54.008.604 73.542.003 95.810.615 119.533.048
Trusted by over 1 million members
Try Scribd FREE for 30 days to access over 125 million titles without ads or interruptions! Start Free Trial Cancel Anytime.
Gráfico 1: Tendência secular das taxas de analfabetismo entre a população
de 5 anos ou mais, 10 anos ou mais e 15 anos ou mais, segundo os censos demográficos. Brasil, 1872 a 2000.
S O T E B A F L A N A E D %
Tendência secular do número de analfabetos entre a população de 5 Gráfico 2: Tendência anos ou mais, 10 anos ou mais e 15 anos ou mais, segundo os censos demográficos. Brasil, 1872 a 2000.
S O T E B A F L A N A
reproduzem os dados dos censos anteriores. Para os demais censos, censos, ver: IBGE, Censo 1960, 1970, 1980, 1991, 2000. O Censo de 1900 não foi condemográfico, 1940, 1950, 1960, siderado em razão das distorções sobre sobre o analfabetismo resultantes resultantes do sub-recensea-