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100156480
SERGE
GRUZINSKI
A colonização do imaginário Sociedades indígenas e ocidentalização no México espanhol Séculos XVI-XVIII Tradução
Beatriz Perrone-Moisés , ,~;~:..P ..l~,_.~ "'Q w-\~.
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-~ COMPANHIA
DAS LETRAS
Copyright © 1988 by Éditions Gallimard
Sumário
Título original La colonisation de I'imaginaireSociétés indigcnes et occidentalisation siecle
dans le Mexique espagnol
XVI'-XVIII'
Capa Ettore Bottini Preparação Cacilda Guerra Revisão Ana Maria Barbosa Carmen S. da Costa
't..w .•••••~
Dados Internacionais (Câmara
de Catalogação
Brasileira do Livro,
Gruzinski,
SP.
na Publicação
(CIV)
Brasil)
Serge
A colonização México espanhol. rone-Moisés.
-
do imaginário: Séculos
sociedades
XVI-XVIII
São Paulo: Companhia
Título original: La colonisation
indígenas
I Serge Gruzinski
e ocidentalização
; tradução
. .
21
A rede furada
.
33
Um novo olhar
.
41
.
59
de I'imaginaire
1. A pintura
ISBN85-359-0361-5 do México -
Assimilação
Primeiros contatos com europeus Civilização -
9
13
Influências
cultural
2. Índios
3. fndios do México -
espanholas
Beatriz Perrone-Moisés
Introdução
das Letras, 2003.
Bibliografia
1. Índios
.
Prefácio à edição brasileira -
no
Beatriz Per-
5. México -
Religião 4. México-
Colonização
03-1893
do México -
I.
Título.
e a escrita
As transformações
CDD-972
da expressão pictográfica
O último Renascimento
86
····
Índice para catálogo sistemático: 1. México:
Civilização:
História
972
(1y0~.} OJ
r;..,~OO CY.J
['""31 Todos os direitos desta edição reservados à EDITORA SCHWARCZ
LTDA.
Rua Bandeira Paulista 702 cj. 32 04532-002 - São Paulo -
SP
Telefone (l1) 37073500
\J\ V
.
113
3. Os Títulos primordiales ou a paixão pela escrita
.
152
4. A idolatria
colonial
. 218
em questão
. 254
2. Memórias
A idolatria
" \
de encomenda
. 271
5. A cristianização.dc.imagínáric 6. A caJ2tura do sobrenatural
cristão
7. Culturas em suspenso Culturas-cem Interlocutores
postas forçados
Fax (11) 3707 3501 www.companhiadasletras.com.br
Os primeiros
golpes da modernidade
. 295 . 334 . 336 . 381 . 389
embriaguez crônica denunciada pelas Relaciones geográficas seria
4. A idolatria colonial
apenas um dos sintomas mais evidentes da incontrolável decadência dos macehuales. Mas não podemos ignorar o outro aspecto dessa derrocada: a aculturação progressiva dos nobres cristianizados no âmbito dos pueblos coloniais, em torno das igrejas e dos conventos e sob o jugo de um clero cada vez mais numeroso diante de fiéis em vias de extinção. Os oitocentos regulares de 1559 eram 1500 por volta de 1580 e aproximadamen te 3 mil por volta de 1650. Essa aculturação suscitou desde cedo o triunfalismo,
que estimava mal a falta de
meios e de efetivos por parte da Igreja e, mais ainda, as profundas distâncias que separavam as culturas que se enfrentavam. Na realidade, o aparente dilema da anomia e da conversão encobre atitudes mais complexas entre os índios. Escamoteia permanências aparenA adesão mais ou menos sincera das camadas dirigentes à
temente insensíveis às mudanças, tivessem estas sido experimenta-
sociedade dos vencedores, o papel ativo dos índios de igreja, o
das sob a forma relativamente controlável da cristianização ou sob
desaparecimento
do aparato dos antigos cultos substituído por
a forma mais deletéria e incontrolável da morte epidêmica e da
instituições cristãs, a exploração colonial sob suas formas mais
exploração colonial. Observadores mais perspicazes da segunda
diversas e mais brutais e, para culminar, a colossal perda demográ-
metade do século
fica transtornaram
a existência cotidiana de todos os indígenas. As
Desconfiavam que, por debaixo de numerosos traços quase insig-
políticas de "congregações': por sua vez, contribuíram para abalar
nificantes, persistia algo de ameaçador, ainda irredutível.' Con-
o enraizamento
tudo, embora o Concílio de 1585 exigisse mais uma vez -breve-
territorial dos grupos que haviam escapado da
XVI,
como Sahagún ou Durán, não se enganaram.
morte. Ao longo da década de 1620, a população indígena do Mé-
mente, a bem dizer -
xico central atingia seu ponto mais baixo, 730 mil pessoas, repre-
destruição dos templos e dos ídolos e a extirpação do "vômito da
sentando apenas 3% do que fora às vésperas da Conquista.'
idolatria", considerava a questão mais sob o aspecto de uma possí-
Se
a perseguição
dos "dogmatizadores",
a
acrescentarmos a isso os efeitos da anomia causada pelo questio-
vel recaída do que de uma surda continuidade. Na verdade, os pre-
namento das normas e hierarquias tradicionais, se considerarmos
lados investiam de modo bastante frouxo contra as antigas práticas
o impacto da desorientação cultural produzida pela introdução de
e, a partir de 1571,os índios foram retirados da jurisdição do Santo
novos modelos de conduta (os rituais cristãos, o casamento e a
Ofício, passando a ser submetidos
aliança, o trabalho etc.), todos os elementos de uma vertiginosa ago-
jurisdição dos provisoratos de cada diocese ou, mais diretamente
nia humana e cultural pareciam reunidos no final do século
ainda, do juiz eclesiástico do distrito (partido) .Aparentemente, tais
218
XVI.
A
quase que exclusivamente
219
à
instâncias nunca conduziram uma ação tão sistemática e rigorosa
Mas, apesar do grito de alarme que lançavam, não houve campa-
quanto a que a Inquisição pretendia realizar. É também verdade que a Igreja parecia estar açambarcada por
nhas organizadas de extirpação comparáveis às que Jacinto de Ia
outras tarefas que consumiram muita energia, como os conflitos com as autoridades civis, as incessantes rivalidades entre regulares e seculares e as tensões entre as ordens, e no interior destas, entre criollos e peninsulares. Localmente, as divergências que opunham
Serna requeria insistentemente, apenas algumas comissões temporárias, circunscritas a algumas regiões. E, por ironia do destino, longe de se preocupar com os feiticeiros indígenas que Ruiz de Alarcón perseguia, o Santo Ofício acusou o extirpador de idolatrias
párocos a encomenderos, hacendados e alcaldes mayores, o temor de
de ter indevidamente tentado bancar o inquisidor junto a suas ovelhas, crime mais imperdoável, aos olhos do tribunal, que todos os
assustar populações sempre prestes a fugir de pastores muito exigentes (deixando assim de pagar tributos e direitos paroquiais)
erros reunidos daquelas populações incultas. Por cinco anos seguidos, Hernando Ruiz de Alarcón foi encar-
constantemente
regado pelo arcebispo de México, [uan Pérez de Ia Serna, de colher
desarmavam
qualquer intenção de extirpar as
antigas práticas. Essas dificuldades ou considerações predispunham os párocos a respeitar o status quo, a limitar-se ao controle
informações "sobre os costumes pagãos, as idolatrias, as supersti-
moral ou a se fechar num pessimismo inveterado, depreciador dos
dias na tórrida paróquia de Atenango del Río, antes de 1646. Jacinto
índios e justificador de toda a exploração. Outros preferiam cuidar tranqüilamente de seus assuntos, como aquele pároco da região de
de Ia Serna foi um personagem mais importante. Nascido em 1595,
Puebla que se dedicava mais a seus parentes, seus criados e suas duzentas cabeças de gado do que a suas ovelhas indígenas. Rotina, desprezo ou indiferença; sinais de que teriam os índios deixado de ocupar o primeiro lugar nas preocupações da Igreja? Na verdade, a Igreja pós-tridentina, que considerava encerrada a fase da evange-
ções que subsistem e duram ainda hoje em dia". Terminaria seus
doutor em teologia, pároco de Tenancingo e posteriormente, em 1632, da paróquia da catedral de México, três vezes reitor da universidade, visitador general da diocese sob dois arcebispos, De Ia Serna concluiu, em 1656, a redação de seu Manual de ministros de indios, que retomava no essencial o tratado de Ruizde Alarcón,
lização, perseguia outros objetivos e empregava outras estratégias,
acrescentando informações obtidas de seus predecessores e de sua experiência pessoal. Sinal dos tempos e do declínio das ordens,
sobre as quais nos debruçaremos mais adiante.' Essa relativa indiferença nos condenaria à ignorância, se exce-
Ruiz de Alarcón e De Ia Serna pertenciam ao clero secular. O interesse das duas investigações éexcepcional, pois, preocu-
ções não tivessem felizmente confirmado a regra. Pouco importa,
pados principalmente com a eficácia, ambos os autores reelabora-
afinal, se o número de párocos que se dedicou a denunciar e extir-
ram relativamente pouco o material que coletaram. Pelo contrário,
par a idolatria teve pouco eco. Seu testemunho permanece. Sabe-se
abundam as descrições de casos concretos, e os fatos são situados em seus contextos originais. Os homens e as vilas são identificados,
que nem a obra de Sahagún nem as decisões do Concílio de 1585 foram publicadas; tampouco o tratado de Ponce de León e os trabalhos notáveis de Ruiz de Alarcón (1629) e de Jacinto de Ia Serna (1656) alcançaram a honra de serem impressos no século XVII.' Somente alguns autores de menor envergadura tiveram essa sorte." 220
as datas e as circunstâncias, apresentadas à curiosidade do leitor. Preocupados em nada deixar de lado, em chamar a atenção dos outros párocos para todos os pormenores e em "simular uma incansável curiosidade" como um ardil para pegar todos os "dog221
J
matizadores", Ruiz de Alarcón e De Ia Serna se estendem de modo excepcionalmente detalhado sobre os gestos, os rituais e ---:-coisa digna de nota - as invocações pronunciadas pelos índios que perseguiam. Ruiz de Alarcón chegou a registrar sistematicamente seu texto em náuatle. Os tratados apresentam, assim, testemunhos indígenas que, à diferença daqueles colhidos pelos grandes cronistas do século XVI, não são arbitrária e sistematicamente desligados das circunstâncias
de sua produção
para serem integrados
ao
esquema explicativo adotado pelo autor. Nem por isso os extirpadores deixaram de desenvolver uma teoria do paganismo indígena e de sua persistência, mas faziam-no, em larga medida, à margem das informações que registravam. O procedimento tirava do anonimato o informante indígena e, muitas vezes, o curandero perseguido. Longe de ser deixado de lado, era ele, bem mais do que seu discurso ou seus gestos, o objeto do interesse e da repressão conduzida pelos dois religiosos. Essa atenção cuidadosa reflete, na verdade, uma dupla convicção. De um lado, De Ia Serna e Ruiz de Alarcón acreditavam na difusão, no perigo e na realidade parcial do universo pagão que perseguiam sob aparências cristãs. De outro, tinham a convicção de estarem diante de um conjunto complexo, que se impregnava nos mínimos aspectos do cotidiano. Daí um olhar que, longe de se limitar ao espetacular e ao exótico, perscrutava o anódino, anotava as peripécias da investigação, a origem dos informantes e a posição do investigador, com um cuidado que, muitas vezes, buscamos em vão na etnologia recente das sociedades indígenas. Porém, pode-se assinalar, e com razão, que eles, .como seus predecessores, não escapavam dos erros de interpretação nem da obsessão com conspirações clandestinas e líderes ocultos que semeavam o erro e a mentira. Essa documentação preciosa nos obriga a circunscrever nosso olhar, como fizemos na leitura dos Títulos nauas. O que a pesquisa ganha em profundidade, perde incontestavelmente em extensão. 222
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1. Pintura pré-hispânica Museumy
da região de Oaxaca: Codex Zouche-Nuttal.
(Londres, The British
Fragmento relativo à história da Dama mixteca 3-Silex. Note-se o espaço bidimensional, sistematicamente ocupado por signos, e as linhas de contorno espessas e contínuas. A paleta de cores utilizadas compõe-se de azul, violeta, vermelho claro, vermelho sangue, amarelo, preto, cinza e verde. A figura humana é representada de perfil, sendo o corpo uma justaposição de partes, com relativamente poucas variantes. Linhas verticais de cor vermelha (no alto e à esquerda) subdividem e ritmam o espaço.
2. Lienzo de Tlaxcala O conquistador Alvarado e o porta-estandarte de Ocotelulco. Neste episódio da conquista do México, as figuras são ainda traçadas de perfil, mas a investida dos conquistadores é inegavelmente de inspiração ocidental, bem como a forma dada ao glifo do sol, acima das montanhas, e a sucessão dos planos em profundidade.
3. Codex Tlate/olca. (México, ~'
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Instituto Nacional de Antropología e Historia) No centro, o vice-rei Luis de Velasco e o arcebispo de México, Alonso de Montufar; a seus pés, os caciques de México, Tlatelolco, Tacuba e Texcoco. Todos assisti rarn à colocação da primeira pedra da nova catedral de México (1562). Perto de cada cabeça, encontra-se um glifo onomástico. Estilo renascentista e estilo pré-hispânico se superpõem num conjunto de concepção essencialmente autóctone.
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de Bellas Artes)
Página à esquerda: compra de um breviário e de sabão de Castela, gastos de uma viagem a México, compra de um baú e de vinho, gastos da refeição oferecida ao alcalde mayor, ao intérprete e ao notário. Página à direita: compra de tábuas de madeira para o teto da capela, aquisição de ornamentos Iitúrgicos, de um saleiro, prataria e duas selas.
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5. Mapa dos limites de Cuauhtinchan e Totomihuacan. (Paris, Bibliothê-
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que nationale) Embora pintado na época colonial, este "mapa" ainda ilustra o estilo do diagrama "clássico'; tal co-
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mo o definiu Robertson. Ele privilegia a ordem de sucessão dos topônimos, independentemente das distâncias reais que os separam. As montanhas são representadas exclusivamente por glifos compostos de elementos que permitem iden tificar os diversos topónimos. As pegadas representam os itinerários seguidos pelos personagens.
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6. Tenango - Estado de México. (México, Archivo General de Ia Nación) Neste mapa de 1587, observem-se as cruzes plantadas sobre o glifo da montanha (tepetl) no alto, bem como na margem direita, ao lado de uma serpente (coatl), no local chamado Cohuatepec ( = Coatepec, montanha da serpente), como se a cristianização do espaço coexistisse com presenças antigas. Embaixo, à direita, uma nascente cercada de casas. No meio, à esquerda, o glifo colonial do curral ("corral de los religiosos"), com o desenho de um boi. Balizado por pegadas, atravessando de baixo para cima, o "caminho real".
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7. Tecualoya e Santa Ana, Malinalco - Estado de México. (México, Archivo General de Ia Nación) Representações de haciendas, de igrejas e de um engenho. O espaço é esvaziado, para apresentar apenas o essencial. A hacienda é designada por um signo tradicional, o da casa, ligeiramente modificado, mas a igreja, com seu campanário, é uma criação colonial. Neste mapa, de 1594, as inscrições alfabéticas passam a desempenhar um papel essencial na identificação dos lugares. '
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8, Coatlinchan, Embaixo,
quentes,
que os tons esmaecidos que, como
tipo e a utilização
,.
9. Coatlinchan,
.,.
"
fauna (um cervo),
CII.
há mais nenhum
~
das terras,
(México,
de paisagem
da fotografia
Texcoco -
de Coatlinchan
Estado
de uma maneira
com suas casas espalhadas
de montanhas
não reproduzem
explorando
suas árvores
e florestas,
de modo
uma rica paleta
e sua igre-
Tudo isto em tons
fieL Em 1578, são raros
cromática
para distinguir
o
(México, Archivo General de Ia Nación)
pelo glifo de uma igreja com seu campanário;
em compensação,
estilizada
tradicional,
espanhol,
e seus tufos de vegetação,
cuja assinatura
bem
C0l110
ainda com o glifo montanha lembra
aparece
embaixo,
os currais,
(no alto, à direita),
a do mapa anterior.
no
embora
o sua
Mas neste não
(oriente, norte, poniente, sur ; e certifiembaixo, à direita ("Alonso López").
sinal de cor. O mapa é de 1584. É orientado
cado por um notário
AGN)
de México.
é representado
traço seja croqué. A paisagem,
de México.
este, continuam
fi
meio, o lago é representado
o pueblo de Coatlinchan,
um esboço
""'~q~)'
@" O pueblo
fE'
Estado
tradicional:
ja. Em cima, no horizonte,
os pintores
11
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Texcoco -
a estilização
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10. Citlaltepeque, Zumpango - Estado de México. (México, AGN) Neste mapa de 1606, a escrita alfabética ocupa extensões consideráveis, ao passo que os glifos são traçados de modo grosseiro: no centro, o de Citlaltepec (uma estrela Citlali acima de uma montanha, tepetl, tepeci. O traçado da vegetação e das árvores, bem como a irregularidade do traço, revelam a influência predominante do mapa-croquis espanhol sobre o mapa indígena.
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11. Historia Tolteca Chichimeca. (Paris, Btbliothêque Nationalei O relato descreve
a migração
dos Nonoualca
Chichimeca,
rados dos conjuntos
pictóricos
aos quais pertenciam
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Os glifos toponírnicos
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12. San Matías No centro,
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pré-hispânica.
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dos conquistadores
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13, San Matías Cuijingo, século XVII- Estado de México, (México, Archivo General de Ia Nacion.í Nas laterais,
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14.A igreja de Ocoyoacac, século XVII - Estado de México. (México, Archivo General de Ia Nacián.i Apesar da abundância de traços coloniais (roupas, abóbada da igreja, pias batismais ...) e das numerosas referências à iconografia cristã (Espírito Santo, o Cristo e suas chagas), a estruturação do conjunto continua ignorando vazio, sem linha de horizonte.
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15. A Adoração dos Reis Magos, Los Reyes, San luan Temamatla (México, Archivo General de Ia Nación.)
Estado de México.
Diante da virgem, os reis magos São Melquior (Sa Melcho/), São Gaspar (Sa Caçbar) e São Baltazar (Sa Partezal). Esta adoração, inspirada numa gravura européia ou numa pintura colonial, é, na verdade, um glifo toponímico que designa o vilarejo de Los Reyes. Os glifos das casas contornam uma ampliação do glifo colonial da igreja, sobre o qual se encontra gravada a memória de uma imagem familiar, difundida pela arte e pelo teatro religioso da época colonial.
Apesar de estarem atrelados a seus informantes e a suas obsessões, Ruiz de Alarcón, Jacinto de Ia Serna e, em menor escala, Ponce de León nos introduzem em três regiões que, se estão longe de esgotar a variedade da Nova Espanha, apresentam um campo suficientemente diversificado para que possamos multiplicar QS cotejos e adiantar algumas conclusões. A mais setentrional, e incontestavelmente a mais fria, é o vale de Toluca ou, mais precisamente, o sul e o centro dessa região, dominada durante o inverno pelos cumes brancos do Nevado. Não muito distante, a leste, Morelos forma uma rica bacia que desce os contrafortes do Ajusco e vai baixando em direção ao sul, passando de um clima temperado a temperaturas semitropicais e tropicais. Mais ao sul e ainda mais abaixo está o norte de Guerrero, onde, espalhadas por terras ressecadas pelo sol, populações nauas se mesclam a grupos mais antigos, os chontales e os tlapanecas. Um traço comum a todas essas regiões, no início do século XvII: a mortandade, ainda muito mais acentuada do que aquela descrita pelas Relaciones geográficas. E coexistem variantes, ligadas a presenças eclesiásticas mais fortes (no vale de Toluca, em Morelos) ou mais fracas (as muitas regiões desérticas de Guerrero), bem como à penetração variável da economia colonial com suas haciendas, a criação de gado e o cultivo da cana-de-açúcar, ou as minas nos arredores de Taxco e de Zacualpan. Como apreender essa dimensão secreta que invade, segundo Durán e mais tarde Ruiz de Alarcón, o essencial da existência indí-
II 16. "Pintura" confiscada em 1817, em Huitzizilapan General de Ia Nación.)
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Estado de México. (México, Archivo
Adquirida em México, para fazer parte de um ritual terapêutica, esta "pintura" excepcional representa a dança, de origem pré- hispânica, dos índios voladores. Em torno do mastro, de onde os dançarinos se lançavam no vazio, encontram-se uma igreja, uma cruz, um grupo de músicos, e índios fantasiados de animais e de demônios ... Vê-se aí um dos resultados da tradição pictográfica pré-hispânica, e também a manutenção do recurso ritual e expressivo à "pintura".
gena? Escolher o vocábulo idolatria para designá-Ia pode parecer paradoxal, na medida em que sugere que nos curvamos às categorias e obsessões dos evangelizadores do séculb xvt, Mantive-o, apesar disso. Porque, de um lado, certos extirpadores
de idolatria
foram capazes de pressentir o alcance considerável de um fenômeno que excedia amplamente o culto de ídolos propriamente dito, as práticas supersticiosas ou os gestos secretos de magia. Porque, embora não seja plenamente satisfatório, permite evitar os termos
1 I
I l
223
vagos, aparentemente neutros e passe-partoutcomo culto e crença e, mais ainda, os velhos debates sobre magia, feitiçaria e religião que poderiam tornar ainda mais opaca uma matéria em si complexa.
tais que tenham sido as agressões e as exigências dos vencedores de outrora - pensemos, por exemplo, nas da Tríplice Aliança -, elas
Sobretudo, era preciso evitar apresentar o processo de aculturação
respeitavam o equilíbrio das culturas locais em suas relações com o
como um enfrentamento
real, o tempo, o espaço, a pessoa. No máximo, superpunham práti-
de duas "religiões" que conjugariam de
modo simétrico dogmas, crenças e ritos. Isto equivaleria a projetar sobre o mundo indígena recortes supostamente claros mas redutores e talvez sem muita relação com as configurações que nos apresentam essas culturas. Seria falsear a natureza e a globalidade do fenômeno, confinando-o num espaço que transbordou consideravelmente. Do mesmo modo, aliás, que não seria possível reduzir o cristianismo colonial a um catálogo de rezas e gestos ou ao verniz ideológico da colonização. Falar de idolatria é também tentar por meio da referência à material idade do objeto/ídolo e à intensidade do afeto (alatria) - não se restringir a uma problemática das
I 1I I,
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I
II ! I I I
I:
que os choques e os conflitos não punham em xeque. Por mais bru-
cas e usos que provinham
do mesmo conjunto cultural ou do
mesmo fundo mesoamericano. Com o cristianismo foi diferente. Como os antigos invasores, os cristãos queimavam templos e iI?punham
seus deuses. Mas
recusavam a convivência ou a superposição, exigindo a aniquilação dos cultos locais. Não contentes em eliminar os antigos sacerdotes e parte da nobreza, os espanhóis reservavam para si o monopólio do sacerdócio e do sagrado e, portanto, da definição da realidade. Mas, sobretudo, ao utilizar uma linguagem diferente, tão exótica e tão
"visões de mundo", das mentalidades, dos sistemas intelectuais e
involuntariamente hermética que leva a duvidar que a-maioria dos índios tenha podido captar seu alcance exato, o cristianismo e a
das estruturas simbólicas, mas considerar igualmente as práticas, as expressões materiais e afetivas que lhe são intrínsecas. É enfim, e
Igreja mudavam ao mesmo tempo o jogo e suas regras. Foi primeiramente por suas manifestações externas que a cristianização mar-
sobretudo, um meio cômodo e imediato de chamar a atenção para
cou os espíritos e ameaçou o monopólio da idolatria. Pela ocupação
a especificidade de um campo que trataremos de explorar e definir. .:y,,- É evidente que as sociedades postas em contato pela Conquista
do espaço, com a construção de capelas, igrejas e conventos; por suas
se enfrentaram não apenas-nos planos religioso, político e econômi-
adesão dos nobres e dos índios de igreja etc. Com os'antigos templos
co, mas também, e mais globalmente, no domínio de suas respectivas percepções do real. Situada nesta perspectiva, a idolatria pré-
demolidos e os antigos cultos proibidos, a igreja e o cemitério tornavam-se os novos pólos religiosos do pueblo, como ilustram os
hispânica parece ter sido, mais do que uma expressão "religiosa'la tradução de uma concepção propriamente indígena do mundo, manifestando o que, para os índios, constituía a realidade objetiva e
mapas feitos pelos próprios índios. O santo padroeiro escolhido pelos evangelizadores ou pelos indígenas sucedia ao capulteotl em condições que os relatos da segunda metade do século XVII contam
sua essência. A idolatria pré- hispânica tecia uma rede densa e coerente, consciente ou não, implícita ou explícita, de práticas e sabe-
a seu modo. Vencidos, esgotados pela doença, os índios não dispunham de meios para recusar o cristianismo, que além disso lhes tra-
res, nos quais se inscrevia e se desenvolvia a totalidade do cotidiano. Tornava plausível e legítima a realidade que construíam, propu-
zia rituais de substituição adaptados às necessidades de sua sobrevivência. Desde a década de 1530, os franciscanos celebravam no
nham e impunham aquelas culturas e sociedades. Uma realidade
vale do México e na região de Tlaxcala a liturgia das ladainhas para
celebrações, suas missas, suasfestas, o ritmo de seu calendário; pela
I1
I II \l
224
225
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afastar as epidemias e fazer chover ... Num espaço cristianizado, e num tempo cristão, a dominação outrora incontestada da idolatria pré-hispânica foi diminuindo ao longo das décadas do século da Conquista. ..,...Mas nem por isso devemos considerar que as massas estivessem completamente cristianizadas desde o século
XVI,
ainda que as
A tais dificuldades devemos, sem dúvida, acrescentar as modificações e perturbações do tecido social acarretadas pela ConIl? quista. É inegável que o cristianismo e a colonização contribuíram
para distender e às vezes deslocar os laços que uniam o grupo doméstico à comunidade, e não apenas a conjuntos mais vastos de ordem étnica e política. Ao impor um sistema de impedimentos
práticas públicas e cerimônias comunitárias não pudessem se fur-
canônicos e um costume matrimonial uniforme, a Igreja rompia,
tar às formas cristãs. Os rituais da Igreja coexistiam, em muitos
por toda parte, práticas tradicionais de aliança. Tratou de tirar dos
lugares, com práticas autóctones. Como, por exemplo, as bebedei-
nobres e notáveis o controle que outrora haviam exercido sobre a
ras coletivas que pontuavam
circulação das mulheres. Procurou tirar dos adivinhos a possibili-
todas as celebrações e os banhos
rituais que as novas autoridades do pueblo tomavam logo após sua
dade de orientar as alianças ou adiá-Ias. Sem dúvida, é extrema-
designação, sob a direção dos "velhos e dos anciães". 6 A onipresença
mente difícil destrinchar os efeitos dessa empresa. Contudo, na
desses misteriosos detentores da tradição, sempre escondidos sob
medida em que a introdução do modelo cristão correspondeu
um plural anônimo Uos viejos, los ancianos), implica persistências
uma crise das hierarquias sociais, das normas de antanho e da anti-
que seria absurdo querer ignorar ou negar. Seja como for, o domí-
ga ordem, a uma hecatombe demo gráfica e a redistribuições
nio público mostrou-se mais permeável à cristianização do que a
população, pode-se supor que, ainda que não tenha desaparecido, a
Jf< esfera.individual e doméstica. Por muitas razões. Porque a evange'-
simbiose que existia entre o indivíduo, o grupo doméstico e o resto
lização foi, no século
XVI,
um empreendimento
maciço e global.
a de
da comunidade acabou por ser geralmente alterada. Basta, aliás,
Porque, a não ser pela confissão nem sempre praticada, o batismo
percorrer as Relaciones geográficas para encontrar manifestações
e o casamento, a Igreja não tinha como se aproximar do indivíduo. Porque, se a barreira das línguas foi relativamente superada na
sociais ou patológicas, como a embriaguez crônica, que podem evo-
segunda metade do século
XVI,
a dos conceitos e das categorias
car a dissolução dos consensos. Mesmo porque, ao mesmo tempo e pelas mesmas razões, a família nuclear adquiria um novo destaque.
entravava a influência que a Igreja pretendia exercer. Pensamos na insistência no livre-arbítrio do indivíduo e na responsabilidade pes-
Não apenas era a única reconhecida pela Igreja, como a política fis-
soal, e na importância atribuída à família nuclear diante de culturas
butária, segmentando os grupos domésticos e fazendo dos viúvos e
I
que pensavam diferentemente e sociedades que se organizavam de
solteiros contribuintes plenos. Enfim, a introdução da prática testa-
i
outro modo. Pensamos também no silêncio da Igreja quanto às
mentária e da confissão e a difusão da propriedade privada e do tra-
I II
doenças e ao parto, a relação com a natureza e os elementos, o grupo doméstico. É verdade que os altares das casas indígenas tinham
balho assalariado semearam a longo prazo o germe de um indivi-
prontamente dado espaço para as imagens cristãs,' mas o emprés-
Esse feixe de influências dissolventes e de obrigações mais ou
timo era feito dentro de esquemas autóctones, sem uma redefinição da aquisição.
menos efetivas teve, inegavelmente, um impacto sobre a coesão social e cultural das com unidades indígenas. Mais do que favorecer
cal da Coroa contribuiu para reforçá -Ia, modificando a unidade tri-
I
Ii
226
dualismo inimaginável antes da Conquista."
227
sua aculturação e cristianização, parece ter introduzido, num primeiro momento, disparidades de evolução, defasagens em domí-
cônjuge permanecia sendo o detentor exclusivo dos tlapiallide seus
nios anteriormente
Após a extinção da linhagem, os tlapialli deviam receber a mesma
contíguos e complementares.
Nessas condi-j,
ascendentes e inclusive, ao que parece, dós ascendentes de seu sexo.
ções, compreende-se melhor que, à margem da penetração do cristianismo público, coletivo e cerimonial, tenham podido subsis-
atenção dos novos ocupantes da casa e não podiam, em hipótese nenhuma, ser retirados do lugar em que se encontravam. Consti-
tir, relativamente intocados, contextos no seio dos quais o homem
tuíam, portanto, uma espécie de capital material e simbólico que
continuava a buscar na idolatria o sentido de suas atividades e a res-
exprimia a continuidade e a memória da linhagem, a solidariedade das gerações e, ainda que de forma mais indireta, o compromisso
posta para os contínuos golpes da desgraça, da doença e da morte-é .;:.A persistência da idolatria se manifesta, em primeiro lugar, no âmbito doméstico. E de modo completamente concreto. Do centro de Guerrero até Morelos, Índios e índias dissimulavam nos altares
do grupo todo de respeitar esses objetos. Enfim, e sobretudo, garantiam a prosperidade do lar. Jo Os "pacotes" nos revelam os dois primeiros eixos da idolatria:
ou nos "céus" de seus oratórios cristãos os'Tdolos de linhagem", os
a manutenção de uma relação com os ancestrais, que o cristianis-
tlapialli? Dentro de pequenos cestos às vezes fechados à chave, con-
mo negava sistematicamente
servavam, preciosamente guardados, cabaças, estatuetas e sobretu-
pagãos ardiam nas chamas do inferno, e a intermediação
do pequenos objetos, como pulseiras, brinquedos infantis, copal semiconsumido, tecidos bordados, pedras coloridas e, com fre-
objeto que não é uma imagem e não pode ser visto, mas mesmo
qüência, plantas alucinógenas, peyotl e ololiuhqui. Esses conjuntos,
ao afirmar que os antepassados de um
~assim suscita um profundo apego. Para os índios de Morelos e de
para nós heteróclitos, deviam possuir, como as "pinturas", um sen-
Guerrero, nas primeiras décadas do século XVII, os tlapialli mantinham um poder sem comparação com o das imagens cristãs. Seus
tido de leitura que ignoramos.
um
detentores utilizavam todo o seu engenho para escondê-los das
poder cujas emanações eram temidas. Não podiam ser abertos nem tocados por ninguém, tanto que acabavam se reduzindo a pó
investigações dos juizes eclesiásticos. Que não se imagine, porém,
com o tempo. Os cestos domésticos lembram os tlaquimilolli
que serviam para selar a
Fiscalese chantres conseguiam conciliar suas funções na igreja com a guarda cuidadosa desses objetos, até que o extirpador os sur-
aliança do pueblo com seu deus tutelar. Com a diferença de que, neste caso, eram escolhidos pelo fundador da linhagem e permane-
preendesse e os forçasse a confessar. De todo modo, era a manifestação de uma-memória das linhagens que privilegiava a filiação e a
ciam nas mãos de seus descendentes, e não da comunidade. Tais objetos haviam originariamente sido utilizados em rituais e sacri-
unidade de moradia por oposição ao casal e à aliança, e que se encontrava tão afastada da comunidade quanto da família cristã. A
fícios realizados em momentos precisos da existência dos mem-
análise dos tlapialli confirma claramente a persistência da idolatria num domínio que escapava da influência direta da Igreja com mais
Seja como for, encerravam
antes da Conquista, "pacotes-relicários"
de
bros da linhagem, como o culto do fogo doméstico, a estréia do fogo novo e do pulque (sumo fermentado de agave), a inauguração da casa, o parto ete. Sua transmissão seguia as linhas de filiação masculina ou feminina, e não o circuito das alianças, já que cada 228
que seus depositários eram índios pagãos, rebeldes ao cristianismo.
facilidade do que o casal ou a comunidade. 10 i< A casa era, aliás, palco de ritos de passagem e de aliança que representavam algo muito diferente de sobrevivências acessórias. 229
Como os ritos do "batizado" indígena, no qual se banhava o bebê
evocação do dinamismo vital, que estruturava algo muito diverso de uma coleção de "sobrevivências" ou de "superstições". .;Ç Mas confinar a idolatria aos ritos domésticos ou fazer dela a
antes de dar-lhe um nome tirado dos antigos calendários e de furar-lhe as orelhas. O banho e a escolha do nome se referiam à
II
introdução, na criança, de seu80u seja, da força que a ligava individualmente ao cosmo e lhe dava "vigor, calor e valor, enquan-
duplicação de certos ritos comunitários mais ou menos cristianizados significaria desconhecer sua extensão e sua natureza. Na verdade, pode-se perceber que ela se encontra enraizada no seio da maio-
to permite seu crescimento". Se o tonalli correspondente ao dia do nascimento fosse fausto, o banho ocorria imediatamente; se não,
ria das atividades dos indígenas, que se empenhavam em detectar e
era adiado para uma data mais favorável. Entrementes, a criança
em agir segundo as forças divinas favoráveis ou nefastas que circu-
era colocada sob a proteção do fogo do lar, para receber sua irradia-
lavam na superfície terrestre e pesavam sobre todos os seus atos. Assim era com caçadores, pescadores, agricultores, índios que pro-
ção e força. E eis que estamos novamente diante da concepção naua . ..••... do tempo, dos ciclos e do cosmo, que via em cada dia e cada
duziam calou coletavam mel, que pegavam lenha nos montes,
momento a confluência, na superfície terrestre, de forças e influências divinas, cuja natureza era preciso identificar e cujas ameaças às
pequenos comerciantes e vendedores ambulantes. Tudo o que se relacionava à produção e à distribuição dependia da idolatria. Essas
vezes era preciso prevenir. O tonalli exercia dois efeitos considerá-
atividades eram concebidas e praticadas no quadro de uma realidade que nos parece transfigurada, mas que, na verdade, corresponde
veis: A curto prazo, garantia a sobrevivência e o crescimento da criança; a'longo prazo, influenciava sua personalidade. Com-
ao modo como os índios enfrentavam concretamente as imposi-
preende-se que a perda do tonalli fosse considerada um golpe ex-
ções e as dificuldades do trabalho e da produção.i'Do trabalho tra-
tremamente grave contra a integridade do ser e que fosse objeto, ainda no século XVII, de práticas e terapias complexas, destinadas a
dicional, pelo menos. É digno de nota que as novas atividades
localizar, recuperar e reintroduzir
recorrente, por exemplo, para as
tria. Nem as minas, nem o trabalho nas haciendas, nem o repartimiento (essa sangria obrigatória de mão-de-obra indígena) pare-
doenças e a mortalidade das crianças pequenas. O casamento tam-
ciam despertar um eco específico nas preocupações e nas práticas
bém ensejava atos antigos, e era preciso evocar longamente as práticas centradas em torno do fogo doméstico devido à energia divi-
combatidas
na que irradiava, ao calor e à luminosidade que o aproximavam do tonalli. Daí as libações dePui~e e as oferendas que lhe eram dirigi-
das pela Igreja. Essa incapacidade de dar conta de imposições que pesavam cada vez mais sobre a existência indígena é certamente reveladora
tonalli. Essa era a interpretação
introduzidas pelos espanhóis estivessem fora do campo da idola-
no organismo doente o seu
pelos extirpadores.
Não mais, aliás, do que, num
outro plano, as relações conjugais, no sentido em que são defini-
das por ocasião de doenças, da construção de uma casa ou dos primeiros frutos da colheita. Ou seja, a idolatria não se limitava a
do recuo da idolatria. Apesar disso, não se pode reduzi -la a um saber
preencher passivamente os vazios deixados pela penetração parcial
monopolizado por círculos estreitos, perdidos no seio de massas ignorantes e sem cultura. A julgar por seus próprios testemunhos,
do cristianismo. A arquitetura material da casa e dos celeiros, seus ) recantos ocultos, os objetos que guardava e o fogo que se mantinha aceso ofereciam seu suporte imediato e familiar a uma constante'
os índios que semeavam camotes ou cabaças, que cultivavam agave para fazer pulquee os pescadores que jogavam suas redes, todos pos-
I 230
231
" ~
suíam palavras, objetos e gestos destinados a garantir o sucesso de
tinham a ver com a origem social, a idade -
seu empreendimento, ritmar-lhe as fases sucessivas e orientar-lhe o
mas não todas -
desenvolvimento. Sob esta forma, não resta dúvida de que a idolatria não apenas estava intimamente associada às atividades de pro-
casadas. Só uma delas, aparentemente, sabia ler e escrever: Petronilla de Tlayacapan. Parecia haver mais mulheres do que homens
dução e de troca, como representava um saber ainda amplamente disseminado entre as populações indígenas.
especializados em adivinhação. Geralmente, eram mulheres que localizavam os objetos e os animais perdidos, descobriam as com-
Contudo, em alguns domínios havia pessoas que detinham um saber exclusivo. Caso, por exemplo, dos conjuradores de nubes,
há como exagerar a importância
que faziam chover ou afastavam a geada e tinham. poder sobre as montanhas, imensos reservatórios de água e de ventos. '3 Como se
ou a condição -
algumas eram idosas,
algumas eram viúvas, outras,
panheiras desaparecidas e restabeleciam o equilíbrio dos lares. Não dessas mulheres que participa-
vam, como os homens, da transmissão das culturas antigas. Aliás, é
o imenso espaço do céu e dos ventos e seus mecanismos capricho-
a primeira vez que as vemos intervir de maneira tão flagrante no processo de aculturação e de contra-aculturação." Sua competência
sos continuassem pertencendo ao âmbito da idolatria. Quando se sabe da importância crucial da alternância regular da seca e da
geralmente se igualava à de seus equivalentes masculinos, chamados, como elas, de ticitl. «Médico, adivinho, sábio e feiticeiro", espe-
chuva sobre o resultado das colheitas na Nova Espanha, com-
cialista em todos os males, o ticitZcuravacom plantas, instrumentos,
preende-se o quanto o recurso a esses conjuradores replicava uma
manipulações
adesão antiga a uma geografia sagrada, a uma interpretação das forças «naturais", a combates intermináveis dos quais podia depender o destino do grupo. A luta contra a morte e a doença e os perigos do parto também
e invocações. Usando as mãos ou consultando os
grãos de milho, identificava a origem do mal e descobria os meios de -remediã-lo. Se os curanderoscomuns costumavam viver em condições humildes, os que se dedicavam à adivinhação pareciam ser «muito estimados, cuidados e providos do necessário". Na verdade,
eram pontos de fixação da idolatria, igualmente graças a homens e mulheres que conheciam as palavras e as plantas. Neste caso, as mu-
praticantes modestos, formados na prática, era muitas vezes confu-
lheres eram numerosas. Como parteiras, encarregavam -se dos pre-
sa' o que sem dúvida decorria de um século de dominação espa-
parativos para o nascimento, da assistência durante o parto, dos
nholae de cristianização. Assim, alguns curandeiros conseguiam
cuidados ministrados
Ruiz de Alarcón localizava pelo menos duas dezenas delas, em
adquirir grande notoriedade e até esquivar-se da desconfiança do clero.v Conhecemos esses homens e mulheres. Eles confessaram suas práticas. Em contra partida, nenhum «feiticeiro" malfazejo
Morelos e em Guerrero. Quatro pareciam distinguir-se socialmen-
jamais falou -«Eles não confessam nunca", conta Ruiz de Alarcón
te das demais; duas eram casadas com índios qualificados pelo don espanhol e uma outra se chamava dona Catalina Paula (don, na
-,
à mãe e ao recém-nascido.
Protegiam o
tonalli da criança dos ataques de forças nefastas ou desconhecidas ..
a distinção entre os detentores de um saber outrora sacerdotal e os
nenhum daqueles temidos por seus gestos funestos, os semea-
sociedade colonial, era a indicação de um status superior de princi-
dores da morte, o teyolloquani, «o que come o coração da pessoa", o texoxqui, «o que fascina com o 'olhar", o tetlachihuiani, «o que faz
pal ou cacique). Mas nada permite atribuir ao restante dessas índias uma posição na sociedade e, ao que parece, suas funções pouco
com que algo seja feito a alguém", o tlahueliloc, «o malvado, o perverso", o homem-coruja, «aquele cujo coração é torcido", «o que
I
L
232
233
zomba das pessoas': ..Também é verdade que, de acordo com as circunstâncias, o curandero também podia - mas sem que nunca o
vizinhança, os campos ou o espaço mais recuado do monte no qual
reconhecessem - assumir esse papel, dada a ambivalência de suas ~ práticas. Os "feiticeiros" desempenhavam, contudo, uma função
A evocação do real que a idolatria revelava passava por um saber e por um discurso. Estes se exprimiam em cantos e invocações -
nando a agressão, a aflição, o engano e a angústia. O status desses
uma linguagem "de palavras encobertas", palavra litúrgica, indisso-
personagens teria mudado muito em relação ao que era antes da Conquista? É difícil afirmar. Existia então uma categoria marginal,
ciável de uma ação sobre os seres e as coisas, um dizer que se funde
I I
sob uma forma particular, o nahuallatolli,
e se confunde constantemente com lima prática. O nahuallatolli é uma linguagem secreta e esotérica, cujo mistério aparente se deve
que faziam um uso detestável de seus poderes prodigiosos e que os
às metáforas, à ambigüidade e à imprecisão que o caracterizam. Há
índios não hesitavam em eliminar fisicamente. Nesse domínio,
registros de sua utilização em vastas regiões de Guerrero, em More-
como em tantos outros, a cristianização veio embaralhar as cartas,
los e no vale de Toluca. Mas também era certamente utilizado no
já que, na visão dos índios cristãos, os curanderos, sem exceção,
vale do México, na capital e nas demais regiões nauas." O hermetis-
também deviam cair na categoria espanhola de "feiticeiros': Além disso, seus atos eram muitas vezes ambíguos, de modo que costu-
mo do nahuallatolli decorre da exploração de seu registro metafórico mais do que da complexidade de suas construções. A mesma
mava ser difícil determinar com precisão se o índio suspeito era
forma pode designar os mais diversos referentes; xoxouhqui coacihuiztli,,J'afadiga verde-escuro da serpente", por exemplo, pode ser,
mas não coinci-
16
,
os conjuros -,
reprovada e temida de "bruxos, profanadores, ladrões e violadores"
olhos dos índios. Os critérios se superpunham, diam sistematicamente.
il
'F
preciosa, a de explicar e polarizar uma das origens do mal, encar-
"feiticeiro" porque heterodoxo para o cristianismo ou maléfico aos
li
se caçavam cervos e se coletava mel selvagem.
conforme o caso, dor no ombro, no peito ou no estômago, febre, dor de garganta, dor de dente ou nos olhos, fratura, dores de parto
Assim, da parteira ao curandeiro, do "conjurador de nuvens" ao índio em sua lavoura, em sua casa, na beira do rio piscoso, do
etc.Assim como mais de dez expressões diferentes designam o fogo e a água. Apesar disso, porém, trata -se de uma terminologia limita-
guardião da relíquia doméstica ao "devorado r de corações", duran-
da e extremamente codificada, inserida numa estrutura simples e
te o primeiro terço do século XVII a idolatria tecia sua teia antiga, discreta, transparente, protegida ou quase dos olhares espanhóis,
repetitiva: o locutor que pronuncia o conjuro se apresenta como
composta de um agenciamento de saberes e práticas que coloca-
ou entidades igualmente poderosas para ordenar ao adversário que
vam em cena uma realidade indígena, que balizavam o campo da experiência e instauravam uma relação específica com outrem e
combate que pare sua agressão. Nesse roteiro se encaixam as
um ser dotado de poderes ilimitados que invoca o auxílio de forças
expressões metafóricas que designam os protagonistas do drama em curso. Em outras palavras, o nahuallatolli deixa pouco espaço
~ com o mundo. A idolatria não só fornecia uma resposta para a desgraça biológica e social e a precariedade das condições de vida,
para a improvisação, embora tolere, no interior do quadro prede-
como também, e mais ainda, incutia um modo de ver e de agir em
terminado, certa liberdade na escolha das metáforas ou na duração
contextos tão distintos e complementares quanto a ancestralidade, a produção e a reprodução, o corpo doente, o fogo idoméstico, a
da invocação. Tanto que o registro das metáforas não é fechado: expressões emprestadas do cristianismo enriqueceram e renova-
I 234
,I:
IllL
235
ram o repertório, enquanto outras foram criadas para designar o que não se conhecia antes da Conquista, como o gado, vacas e carneiros, por exemplo. 18
de confiscar várias dessas "pinturas". Não foi o caso. Tudo leva a crer, ao contrário, que os conjuradores simplesmente aprendiam e
ficada -
recitavam de cor um número variável de fórmulas, sem se dedica-
explica a homogeneidade geográfica de uma linguagem quentes de Guerrero às planícies de
com as referências ao amoxtli, à "pintura"? Ver aí apenas uma metá-
muito diversas e pueblos distantes várias centenas de quilômetros uns dos outros. Essa combinação garante uma memorização fácil e
fora? Ou a manifestação das origens sacerdotais dos conjuras, como' se, longe de ter sido um saber marginal, de segunda classe, as invo-
uma transmissão oral que podem ocorrer no seio do grupo dom éstico, da linhagem - de pai para filho -, da comunidade, por inter-
cações fossem herdeiras descontextualizadas do saber dos sacerdo-
médio dos "anciães e velhos", ou ainda por meio de contatos mais
tes e da nobreza? Outros indícios que examinaremos adiante apontam neste sentido. Abandonados pelos meios dirigentes indígenas
esporádicos com os "mestres de idolatria" itinerantes. Alguns deles
convertidos ao cristianismo, às vezes conservados por notáveis do
iam de pueblo em pueblo como vendedores ambulantes ou transportadores que cobriam distâncias consideráveis, subiam do ~uldo
interior, o saber e as práticas da idolatria teriam sido parcialmente
Nevado até Toluca ou passavam de Morelos a México. Contribuíam para difundir e manter não somente a "linguagem de
plebeus, vendedores ambulantes, curandeiros e parteiras. Talvez esse rebaixamento de classe explicasse a difusão, o sucesso e a fragi-
palavras encobertas", como também os gestos e técnicas que lhe
lidade da idolatria no século
eram invariavelmente associados. Mas que não se imaginem redes
levaria a negar aos macehualesqualquer
clandestinas e organizadas, como o fizeram os extirpadores, sempre denunciando "cumplicidades': complôs e "contágios".
Conquista. Ora, é lícito supor que detivessem, se não um patrimô-
O nahuallatolli é, evidentemente,
de origem pré-hispânica.
Pelo menos, temos boas razões para supô-Io.
II
rem ao aprendizado de uma arte em regressão.i'O que fazer então
Morelos e até o vale mais frio de Toluca, por regiões fisicamente
19
II
precedentes. As investigações dos extirpadores não teriam deixado
Essa combinação de maleabilidade, permeabilidade e rigidez formal- na qual se encontra a marca indelével da oralidade codique corre das montanhas
4,;;
to, se difundido por camadas mais amplas da população, chegando até as mulheres? Provavelmente não, se considerarmos os capítulos
Corresponderia
a
recolhidos e mantidos por camadas mais modestas da população,
XVII.
Contudo, esta segunda hipótese existência cultural antes da
nio próprio, pelo menos uma abordagem específica, certamente menos formalizada e sistemática do que aquela veiculada pelo ensino nos calmecac e nos telpochcalli. Como, por exemplo, a dos
uma das múltiplas expressões da tradição oral em terras nauas. Seria tentador, nesta hipótese, opor à religião escrita dos cristãos, à
cas disto. É verdade que ignoramos praticamente tudo desse domí-
cultura letrada dos redatores de anais e de Títulos, uma idolatria
nio, a não ser por alguns fragmentos captados pelo filtro dos nobres
essencialmente oral e, portanto, "popular': Mas as divisões pré-his-
e dos antigos sacerdotes, que informaram os religiosos do século XVI. De qualquer modo, o saber exemplar, essencial, continuava
pânicas e coloniais são, como de hábito, bem menos nítidas. Os conjuras, por exemplo, aludem continuamente a suportes pictográficos." Deveríamos deduzir então que a recitação 'dos conjuras requeria o apoio e o conhecimento da "pintura': que teria, portan-
curandeiros e parteiras. E os conjuras parecem também trazer mar-
sendo, aos olhos de todos, o dos sacerdotes e das "pinturas". Daí as referências a elas nos conjuras. Assim, é preferível atribuir às invocações uma dupla filiação, considerando-as ao mesmo tempo
I
I
236
237
como perpetuação e "subalterna", deriva,
e como receptáculo
privados
sacerdotes
de uma forma cultural pré-hispãnica, de outros
locais destituídos,
colonial
meios
de saberes antigos
de expressão,
transformados
tria", 220U ainda pelos tonalpouhque,
Assim, não é aconselhável
"menor"
ensinados
à
por
em "mestres de idola-
que ainda contavam
os dias dos
.subjacente
pronunciavam, significado.
O que implica que, se em alguns planos as culturas j>fazem empréstimos
do cristianismo
estão sujeitas a evoluções
e do Ocidente,
internas,
iniciadas,
indígenas
em outros elas
como vimos, com a
brutal dos antigos cultos à clandestinidade.
nobres e em seguida os notáveis descobriam
Enquanto
progressivamente
os um
extrair deles uma repre-
do mundo, apesar de ser perceptível
e implícito,
visto que a eficácia prima decididamente deixando
de explorar a realidade evocada por essas formu-
lações, por uma palavra idólatra que cria instantaneamente ~ Palavra que é, em primeiro Seja quem for, o usuário que evoca, atribuindo
lugar, a proclamação
de um poder.
do conjuro entra de cabeça na realidade
a si mesmo
indígenas
e dos antigos ao saber corrente,
dos curanderos e das parteiras.
talvez mais
Aqui, a influência
tã e colonial teve um efeito apenas indireto, limitando-se cadear um processo de mistura do dos novos agenciamentos.
cris-
a desen-
interna, antes de atingir o conteúEsta dupla origem
provavelmente
afirma
mais ou menos
"Aquele que conhece a Terra dos Mortos e o Domínio
pragmático,
Primeiramente,
uma titulação
vam, em meio ao caos, os conhecimentos sacerdotes
Cipactonal,
o inventor
como Centéotl, invocação-se
do calendário.
assemelham
Notam-se
cias divinas pré-hispânicas,
mogonia
e a interpretação
ções, Quetzalcoatl,
teotlahtolli, as "palavras divinas" que contavam
dos
a origem do mundo
e a gesta dos deuses. Os conjuros não passam de fragmentos, ções e alusões. Fragmentos, ra saberes estilhaçados, seu contexto
mas sobretudo
porque ele não existe fora de
de uso, fora da ação que exerce sobre a realidade
evoca. O conjuro só é produzido cialmente
cita-
não somente porque o conjuro recupe-
pragmáticos.
que
de modo isolado, com fins essen-
Em outras palavras, é mais um poder sobre,
Pode também
dos Céus", o se identificar
mais as circunstâncias
a um enfrentamento,
são os títulos declarados.
o saber,
(ou "Príncipe dos nauas"),
deus do milho. Quanto
o corpus de uma cos-
que seria a organização
ser Aquele que detém
"Sacerdote, Senhor dos Encantamentos"
explica por que os conjuros não conformam coerente,
as con-
dições de sua ação.
extensa.
dos
sobre o
a questão em sus-
espaço, um tempo e uma escrita exóticos, outros índios conjugae as especulações
de modo
mas que talvez escapasse aos índios que os
O que não nos impede -
penso, por ora -
calendários.
redução
sentação sistemática
procurar
ea
mais numerosos
entre eles os nomes de potên-
como Xólotl, deus das Transforma-
Xipe Totec, Cipactonal
e Oxomoco,
Xochi-
quétzal, Mictlantecutli,
o "Senhor da Terra dos Mortos". E também
as várias manifestações
de uma mesma potência,
Adversário, minações
o Zombador", que remetem
poder supremo,
como "o Jovem, o
"Aquele de quem somos o Povo", denoao todo-poderoso
conhecimento
Tezcatlipoca,
de cujo
dos signos e dos destinos o conju-
rador assim se apropria." Porém, estão ausentes dessas identificações
as divindades
pri-
os seres e as coisas do que um saber, é uma práxis, um estabeleci-
mordiais, como a Terra, o Fogo e Tláloc, bem como o deus tutelar do
mento de relações, mais do que uma especulação
pueblo, o capulteotl, como se as primeiras
não significa podem
ter sido levados
conheciam, 238
que a exclua completamente: a pensar
intelectual.
curandeiros
o conjunto
O que
e outros
dos conjuros que
mas este não era seu objetivo imediato
e habitual.
veis" e este último pertencesse campo de ação do conjurador.
não fossem "personalizá-
a uma esfera comunitária,
distinta do
Isto posto, a escolha e a acumulação
dos títulos não visam transformar
a identidade
do conjurador 239
a
)
[/\
--- --
ponto de fazer dele {encarnaçãà da entidade. Para tanto, seria preciso atribuir aos deuses pré- hispânicos uma personalidade, uma
segregados do restante dos homens comuns, e eram geralmente homens idosos e identificados por sua mecha grossa de cabelos".
individualidade que jamais tiveram. Trata-se, de modo mais mo-
Isto corrobora as ligações sugeridas entre o saber "popular" dos conjuradores do século XVII e o meio sacerdotal. É provável que elas
desto, de afirmar a presença de um poder €~p~rário, exigido pelo (Zi~em questão. Yáotl, "o Adversário-", permite vencer um
existissem desde antes da Conquista, em escala local, no interior de
combate; Quetzacoatl introduz o referente mítico sobre o qual se baseia sua intervenção; Cipactonal aparece em consultas sobre o destino. Todos1eles são.instrumentq. s, mais do que identificações. .--......
conjuntos aparentemente bastante homogêneos. Mas a dominação colonial contribuiu para reforçá-Ias, ao abalar as distinções de status e de função que separavam o: oficiantes pagãos dos~curandeiros
Neste sentido, o Eonjuradjr não se confunde de modo algum com , o Homem-deus pré-hispânico, que recebe em seu coração, por um
e feiticeiros, todos igualmente condenados pelo cristianismo.
~,!
uma parte aa energia divina; de
É dessa auto-afirmação que surge, diante de nós, o universo no qual se move o conjurador. Tudo toma seu lugar ou, antes, é a
que se torna ixiptla, o receptáculo. O conjurador encarna uma rela-
realidade das coisas que então se descobre, se torna presente, tanto
ção completamente
das forças que o auxiliarão como das potências que o ameaçarão em suas respectivas iden tidades, invulnerabilidades QU iras assassi-
período de tempo determinado,
diferente com o divino, mais esporádica e,
digamos, mais pragmática. Existe um denominad~GolllJJm a todos os títulos, o de Tlamacazqui, o (~5ace-rdote",o\Oficia~e", que serve tanto para quali-
nas. Uma vez dotado de sua não-humanidade,
~njurador
pode
manipular à vontade o fundo das coisas, pode seduzir;embriagar, apaziguar, repelir ou destruir. OQnahuallatolli é sua porta de entra-
ficar o conjurador como os seres ou coisas aos quais se dirige. Antes da Conquista, o termo designava um "ministro dos sacrifícios", mas
da, a não ser que escolha. vias paralelas ou complementares, como
também o "demônio que está presente num ídolo ou que faz uma
a embriaguez ou a alucinação induzida, o sono e o sonho ou o êxta-
aparição". Etimologicamente, é""o que oferece algo", noção que se nhas e da chuva: Tláloc Tlamacazqui, que Sahagún traduz por
se atingido pela exaustão e pela penitência." Mas não é nada fácil transmitir por meio de palavras o mundo suscitado pelas invocações, embora ele se baseie parcialmente, e às
Tláloc Provedor, "o que dá aos homens os víveres necessários à exis-
vezes remotamente,
desenvolve de um dos títulos de Tláloc, o deus agrário das monta-
1-tência
física". Tudo leva a crer, portanto, que o termo marca, ao
mitos, ape~
em "palavras divinas" ou, se preferirem, em
de este termo desgastado não ser satisfatório. Em
mesmo tempo, a ligação com o divino, o acesso ao mundo dos deu-! ses e a inclusão numa rede de trocas e de dons vitais entre sacerdo-i \ tes e deuses e entre deuses e homens. 2.4 Ao receberem a denominação
forço o relato da descida de Quetzalcoatl ao inferno na trama das
de tlamacazque, todos - homens, plantas, animais, instrumentos e ferramentas por eles utilizados - passam a constituir uma coleti-
ciadas contra picada de escorpião operam com outras "palavras divinas" (como a história do sacerdote Yappan, por exemplo),
vidade sacerdotal, cuja presença, identidade e natureza são assim estipuladas. De Ia Serna confirma essa referência ao antigo clero
umas apenas evocando o nome divino do escorpião, enquanto
Temimilcingo (Morelos) e em Tlaltizapán, reconhece-se sem es-
I
quando afirma que os tlamacazque de outrora "eram divinos, 240
fórmulas empregadas para tratar fraturas. As invocações pronun-
outras descrevem as dificuldades do animal ou até encenam sobre o corpo do paciente os episódios do drama "fabuloso'." Mas este 241
pano de fundo divino aparece de modo muito mais sistemático e explícito na terminologia das invocações, em que seres e coisas são dotados de nomes-calendários,
que correspondem
ao signo do
momento de sua aparição. Assim, 1Água designa as árvores e objetos de madeira; 1 Morte, as coisas da terra; 1 Sílex, os materiais e objetos minerais; 4 Cana, o fogo; 7 Flor, o cervo; 8 Sílex, o agave etc. Outros signos, também combinações de um algarismo de 1 a 13 e
que seu efeito só seja percebido a posteriori." A idolatria descobre ~o surgimento de algo que já é, pois não se realiza em nossa temporalidade linear. .{A idolatria faz mais do que isso. Impulsiona o conjurador para o tempo dos deuses e simultaneamente opera uma total transmutação do espaço. Ou melhor, ela manifesta o espaço tal como é para
marcam as fases favoráveis à
os índios. Espaço duplo, que os conjurosordenam segundo um eixo vertical e um plano horizontal. O eixo vertical une dois pólos, In
intervenção dos deuses e, assim, servem para designá-los. No total,
Topan e In Mictlan, "o Acima e o Abaixo", ou ainda "o Domínio das
o repertório oferecia 260 denominações possíveis, produzidas pela combinação dos treze algarismos e vinte nomes, cujo conjunto
Alturas e o País dos Mortos". Saber é, justamente, conhecer e controlar "o Acima e o Abaixo". O eixo se subdivide em vários planos:
de um dentre vinte substantivos,
compunha, como vimos, o calendário divinatório. Longe de serem
os "Nove Aléns" de onde vem Tezcatlipoca e as "Nove Regiões dos
arbitrárias, as denominações, ao contrário, exprimem e atualizam
Mortos" para onde despacha suas vítimas. Neste eixo vertical se
a concepção indígena do tempo e da presença divina. Um tempo
manifestam as transmutações essenciais, as transformações de estado, a passagem entre a vigília e o sono, entre a vida e a morte,
calculado a partir de cômputos rituais, produto das influências do tempo divino, que faz confluir, na superfície terrestre, feixes de forças variáveis de acordo com o momento. E uma presença divina
entre a sensibilidade e a insensibilidade,
entre a consciência e a
movediça, cujas manifestações sucessivas são ritmadas pelos ciclos,
embriaguez, entre a ilusão e o vivido e vice-versa. O eixo é o lugar do início e do fim das coisas, é o conduto ascendente e descenden-
sem se cristalizarem em individualidades fixas."
te utilizado pelas influências divinas, o fogo do destino, os ciclos do
A idolatria, por meio da invocação, privilegia portanto o tempo onipresente dos deuses, em detrimento do tempo humano,
tempo. É um espaço que o conjurador percorre instantaneamente, indiferentemente e em todos os sentidos, "nem amanhã, nem
e nele se instala. Em vez de aguardar passivamente o surgimento
depois de amanhã, mas agora mesmo"," Como o eixo vertical é inseparável do plano horizontal, as "Nove Regiões dos Mortos" (ou
das forças, agarra-as na origem. Ao evocar o nome mítico das coisas, provoca sua irrupção no presente e no cotidiano. Rompe, desse modo, a barreira dos tempos e poupa dos cálculos complexos que permitiriam localizar o momento no qual forças positivas ou
o "Nono ~ndo
dos Mortos") se comunicam
com o centro da
Terra, que por sua vez tem ligação com as quatro direções, oeste, norte, leste e sul. Nas quatro extremidades do plano terrestre, como
negativas atingiam a superfície da Terra. A idolatria provoca uma espécie de curto-circuito dos ciclos normais, visando à eficácia ime-
lembra um conjuro para a caça ao cervo, os tlaloque (as nuvens) sus-
diata e à economia de meios. Por isso, não só pode prever como também influenciar o futuro, decifrando o tetzahuitl, "o prodígio, o
pan, a Terra dos Deuses, o deserto, o "paraíso" segundo uma versão
augúrio", essa força latente e extra-humana, ainda por vir mas já presente, pronta para se manifestar e no entanto já ativa, mesmo
mundo; Teoatl, o oceano, água maravilhosa por sua profundidade e sua imensidão; Tlalocan, a morada aquática de Tláloc; as regiões
242
tentam o céu. Sobre a superfície terrestre, encontram-se:
Teotlal-
alarconiana; Tollan, lugar dos juncos e também extremidade do
243
remotas onde o tonalli se perde ... Outro lugar primordial é Chico-
fígado, elas ligam o homem ao cosmo, fazendo dele a "síntese orde-
moztoc -
nada e estável do universo'." Mas basta que duas delas o abandonem
as Sete Cavernas, algumas vezes mencionadas
informantes das Relaciones geográficas-,
pelos
de onde tinham saído os
foricamente, o interior do corpo. Esses lugares e territórios confi-x
a morte. Trata-se, portanto, de um universo excepcionalmente maleável, instável e móvel, em que se confundem as categorias e
guram um espaço-plano em cujo centro está o fogo. Um espaço
classes que o pensamento ocidental distingue. Ou pelo menos o
próximo e remoto, presente no cotidiano, visível no fogo domésti-
pensamento dos clérigos espanhóis, que se assustavam com o que
co, nos quatro cantos do celeiro e da esteira de dormir, um espaço
descobriam e lembravam que o mundo da natureza não pode ser
que está dentro de nosso corpo. Um espaço que se funde com o
confundido com o do livre-arbítrio, nem aVerdade com as "quime-
tempo, sob o signo da instantaneidade e da imediação, como se a idolatria descobrisse e tornasse presente a realidade das coisas. A
ras, ficções e representações diabólicas" que odemônio inspirava aos miseráveis curanderos. Para a Igreja, "não existem transforma-
interpenetração dos tempos e a visualização de um espaço quadri-
ções"," as fronteiras são claras, a não ser que Satanás resolva vir per-
partido nos Títulos primordiales ilustram, duas ou três gerações
turbar a ordem da natureza. Diante dessas barreiras e distinções
depois, a presença dessas antigas percepções e formas, ainda que esvaziadas de sua substância e finalidade abertamente pagãs."
que decorrem de uma apreensão fundamentalmente
vários grupos da humanidade, mas que nos conjurosdesigna,meúl-
binária de um-e
De qualquer modo, o conteúdo dos conjuras se distingue delas
mundo em que o céu se opõe à terra, a natureza à cultura, a essência à aparência e o espiritual ao temporal, a idolatria exibe sua rea-
porque eles circulam num meio menos aculturado do que o dos
lidade pluridimensional, versátil, reversível, indiferente às dicoto-
notáveis dos Títulos e também porque correspondem a uma etapa
mias e às definições rígidas, sem no entanto despencar no caos e na ...;,arbitrariedade. Os extirpadores convertiam essa especificidade em
anterior da evolução global que procuramos delinear. Ignorando i"
para que o equilíbrio seja rompido e surjam a mácula, a doença ou
as limitações do tempo humano e do espaço comum, o conjuro
irracionalidade. A plasticidade é rapidamente colocada no nível da
funda a polissemia dos fenômenos, postula a fluidez dos reinos,
leviandade e da inconstância. Mais uma vez, a lógica de uns se tor-
estabelece a permeabilidade dos seres e das coisas. O fogo, a água, o
nava o disparate dos outros.
vento, as nuvens, o sol e também os animais e as plantas, os lugares
As fronteiras indígenas entre o natural e o sobrenatural não são as nossas. Elas não apenas correspondem a limiares distintos
sagrados, os objetos, as doenças e os poderes divinos adquirem uma essência comum e desvelam sua realidade essencial, no âmbito do tempo e do espaço suscitados pela idolatria. O conjurador revela,
como funcion},m de modo diferente. Possuem uma maleabilidade e uma versatilidade que, sem aboli -las, tendem a tirar muito da per-
então, para si mesmo e para os outros, um universo de transforma-
tinência de nossas distinções e impedem de situar a idolatria no
ções, de metamorfoses, no qual se passa do reino humano ao reino
campo do religioso, dos mitos ou de uma surrealidade, um além,
vegetal, do reino animal ao das coisas ou dos deuses, do sacerdócio
no exterior da vida cotidiana. Como vimos, a idolatria define a rela-
à divindade, no qual os componentes do ser são instáveis e perecíveis." Um universo no qual três forças vitais garantem a vida dos
ção com a produção, com o tempo e com o espaço. Mas ainda há outros domínios em que ela se insere no curso da existência, sem
homens e dos corpos. Concentradas
por isso refleti-Ia. A linguagem da idolatria é, em muitos sentidos,
244
na cabeça, no coração e no
245
l
uma linguagem social, na medida em que está repleta de fórmulas em que se expressam relações de parentesco e de classe que predo-
na, bem como a ambigüidade das relações que o conjurador pode estabelecer com eles. Mas num ponto as coisas parecem mais fir-
minavam nas sociedades indígenas. Ou, para sermos mais precisos,
mes.PDe fato, tem-se a sensação de que é para além da terminolo-
digamos que ela explora especialmente o que essas relações veiculam em termos de deferência e respeito. Nas sociedades de antes da
gia de parentesco que se deve buscar, se não o princípio, ao menos um dos eixos organizadores dos conjuras, e que nos é revelado pelos
Conquista - como no nosso mundo antigo, aliás- essas manifestações eram extremamente importantes. Assim, junto ao termo
na um vasto domínio feminino que inclui "irmã mais velha" e
macehual, empregado em seu sentido pleno de vassalo, encontra-
"mãe". Tlamacazqui, por outro lado, rege um conjunto masculino,
mos vocábulos que designam os nobres e poderosos de antanho, como tecuhtli, pilli, tlaçopilli, que se aplicam tanto aos deuses como
estando ou não associado a "tio(s)". É o único que designa o agen-
termos cihuatl e tlamacazqui. O primeiro, cihuatl, "mulher", desig-
aos animais, às plantas, até à própria pessoa que pronuncia a invo-
te, mas também se aplica a divindades primordiais (como o Fogo), às nuvens e aos instrumentos de cura. Se lembrarmos que outrora
cação. Essa terminologia permite, entre outras coisas, definir arela-
existiam, ao lado dos tlamacazque, as cihuatlamacazque, isto é,
ção entre o paciente e o curandeiro ou os instrumentos
da cura,
sacerdotisas, podemos deduzir que o conjurador recorre a uma
especificando de modo indiscutível a dependência e a hierarquia das posições. Assim, o conjurador manda o ololiuhqui, um alucinó-
divisão ao mesmo tempo sexual - bem marcada pelo termo cihuatl- e sacerdotal, para distribuir e ordenar tais denominações.
geno poderoso, "consolar seu vassalo', que em troca "irá trabalhar para ele e varrer para ele'."
Note-se, ainda, que a cada termo estão associadas cores, por razões
Igualmente desviado de seu uso corrente, o vocabulário do
que às vezes nos escapam. Mas, afinal das contas, não seria banal concluir que o mundo
parentesco serve para marcar as distâncias e as atitudes de deferência entre os seres e coisas evocados pelos conjuros. Do mesmo modo
revelado pela idolatria se ordena segundo critérios que eram os da
que os títulos, permite que o conjurador instaure uma ordem flexí-
latria é inseparável de uma trama social e que, longe de ocupar uma
vel e especifique a posição que ele mesmo ocupa, apresentando-se como filho, sobrinho ou irmão mais velho daquele que invoca,
esfera externa, constitui um modo de expressar, informar e desem-
enquanto as palavras "meu pai" (nota), "minha mãe" (nonan) ou
sociedade e da sociabilidade antigas? Seria banal observar que a ido-
penhar as relações sociais. Significaria esquecer rápido demais um século de presença européia. Constata-se, então, que a idolatria
"meu pai, minha mãe" (nota, nonan) designam potências divinas. Note-se que "tios" e "irmã mais velha" tendem geralmente a ocupar
ção espanhola e pelo cristianismo, quer se trate das hierarquias, das
posições antitéticas. Parecem opor-se no plano do gênero (masculino diferente de feminino), do número (plural diferente de singu-
nobrezas e títulos indígenas, quer das referências sacerdotais ou mesmo das relações de parentesco. As nobrezas estavam em crise,
lar) e das relações com o conjurador, que considera "seus tios" como
privadas do prestígio e da autoridade que legitimavam a deferência
adversários e costuma ser apoiado por "sua irmã mais velha".
e o respeito que lhes eram antigamente demonstrados. O título de
Numerosas exceções, é preciso reconhecer, confirmam a profunda ambivalência dos seres e das coisas que povoam a realidade indíge-
senhor (tlatoani) foi logo banido pela Coroa e o de tecuhtli (chefe) ia pouco a pouco caindo em desuso. O clero indígena, proibido e
246
colonial evoca modelos eminentemente contestados pela domina-
247
perseguido, desaparecera em sua forma antiga. A palavra tlamacazque chegara até a designar os servos indígenas dos espanhóis. A família cristã se impunha insistentemente nas unidades conjugais e famílias nucleares, na fixação do parentesco por aliança e na igual-
adere ao cotidiano indígena, à vida de todos os dias, expressando e ditando modos de agir e de se comportar. Mas ela também enuncia modos de ser, explorando os estados afetivos. A cólera, a ira, a aflição e a angústia são recursos familiares e poderosos dos roteiros
dade entre primogênitos e caçulas. A monogamia e os impedimen-
desenvolvidos pelos conjuros. A cólera e o ódio de uma divindade ou
tos canônicos tendiam a diminuir o papel dos tios, que outrora costumavam se casar com a viúva do irmão, mãe de seus sobrinhos. O
de uma planta alucinógena podem ser a origem declarada de uma
que não significa que a sociedade antiga tenha sido riscada do mapa, mas simplesmente que a idolatria aparece como uma espécie de conservatório das relações sociais e dos códigos que as formavam, e que um hiato cada vez mais profundo se abre entre aquilo que ela evoca e a sociedade transformada do século XVII.36 Além disso, os conjuros possuem um aspecto pragmático que
desgraça ou de uma doença. Mas é igualmente "o feiticeiro [que J deseja [...], provoca a cólera, inquieta ..:: O desejo e a cobiça estão entre as ameaças que é preciso evitar, desativar ou redirecionar.vx Vários registros se confundem aqui: o modo como os índios concebem a dinâmica dos estados emocionais, a tonalidade específica e o papel que lhes atribuem. Pois - isso às vezes é esquecidoos sentimentos
e as paixões, sua representação
e seu modo de
notamos diversas vezes e que faz deles também modelos de condutas apropriadas, de procedimentos adequados e de sentimentos
expressão são produtos culturais, tanto quanto as categorias e os conceitos. É, portanto, difícil traduzi-los na nossa linguagem sem
aprovados. Já observamos a importância atribuída à deferência, ao respeito, nas relações estabeleci das pelo conjurador. Trata-se,
trair sua especificidade no universo indígena. A ira e o ódio não
incontestavelmente, da marca de uma expressão indígena da socia-
para nós, para os espanhóis e para os nauas. Apesar disso, percebe-
bilidade e de umformalismo que, contudo, não diminuem a diversidade das relações estabelecidas. Alguns conjuros explodem numa
se que o desejo ardente e a cobiça podem conter uma forte carga de
violência brutal, que às vezes se aproxima da violência sexual. Ou-
brarmos que, para os nauas, a intensidade do desejo provocava
tros exploram a sedução, trilhando caminhos mais pacíficos mas
uma liberação de energias e forças nefastas. Por outro lado, a afli-
não menos duvidosos. O caçador e o pescador elogiam as qualidades de suas próprias esposas para atrair suas presas ... Com freqüên - .
ção parecia corresponder a uma mistura de frustração material e de sofrimento físico. Uma antropologia dos sentimentos mostraria
cia, transparece a intenção de afastar o adversário sem provocar enfrentamentos violentos, levando-o para "onde há muitas coisas
que a idolatria coloca em jogo estados afetivos e reações psicológicas que são parte integrante da existência indígena, projetando-os
agradáveis e abundância de bens" ou pedindo a ele que se esconda,
para o divino quando explica uma desgraça incompreensível pela
para evitar a destruição. A admoestação e a lembrança do dever a cumprir inspiram outras fórmulas que exigem dos instrumentos uma eficácia infalível, e as alusões à vergonha, ao erro e à infração
ira de um deus. Mas ela também dá uma enorme contribuição para
não deixam de evocar as linhas de conduta preconizadas pelos huehuetlahtolli. Constituem mais uma confirmação de que a idolatria-s,
e a cobiça, considera as perturbações que eles provocam, define e comenta os estados pelos quais a vítima passa. E mais, ao operar o
248
têm, obrigatoriamente,
a mesma ressonância e o mesmo sentido
agressividade destrutiva, um pouco como o mau-olhado, se lem-
organizar e dar coerência à experiência emocional do indivíduo. Explica os perigos que o ameaçam, como a cólera, a ira, o desprezo
249
manipula e interpreta. E, finalmente, ela propõe respostas, que vão
em risco a unidade doméstica e o grupo inteiro. O homem ou a mulher que mantêm relações ilícitas projetam sua mácula, sua
da sedução à violência sexual ou à destruição, e que devem restabe-
"sujeira", sobre os próximos, o cônjuge, a mulher grávida, as crian-
lecer a alegria, a tranqüilidade e a paz. Em outras palavras, por meio de sua linguagem, de seus roteiros e de suas práticas, a idolatria
ças, os animais e as plantas. As manifestações do mal são, neste caso, incalculáveis. Gonzalo Aguirre Beltrán chamou a atenção para a
orienta a estruturação emocional do vivido, quer corresponda à
importância
experiência que o sujeito tem de si mesmo, quer aos contextos e situações que ele enfrenta. A idolatria se insere profundamente
das doenças." Deveríamos certamente estendê-Ia à percepção que
num terreno afetivo, que modela ao mesmo tempo que o expressa.
entrelaçamento de influências, trocas ou conflitos entre potências
Diz quais sentimentos se deve ter e enuncia os estados a serem atra-
divinas anônimas (Tlacatl, a Pessoa, Mahuiztli, o Maravilhoso, o
vessados em contextos correntes como a doença, a caça ou a pesca
Temível) ou identificáveis, mas nunca personalizadas (a Terra, a
com rede. É sem dúvida por isso, mais do que pela lembrança dos
Água, o Fogo), entre bruxos, curandeiros,
"mitos" ou a ressonância social das metáforas, que a idolatria adqui-
Nesse entrelaçamento,
re uma pregnância e uma viscosidade que a tornam praticamente invulnerável ao tempo. A idolatria não é apenas a atualização das
indivíduo não têm peso algum diante da origem externa de um mal que emana das divindades, dos demônios da mata, das nuvens, do
normas, das categorias, das representações, dos modelos cosmogô-
desejo insatisfeito de alguém, da maldade de outro ou, ainda, da
nicos -
perda do tonalli. A noção (cristã) de pecado, de mácula moral do ser não funciona aqui, já que supõe uma autonomia da pessoa que
que De Ia Serna chama de "o escambo das paixões'P'a idolatria as
espaço, tempo ... Ela também sabe acompanhar as varia-
ções do comportamento
humano, conjugando e articulando atos,
crucial da noção de dependência na etiologia naua
os índios têm do mundo que os cerca, que consideram como um
parentes e vizinhos.
a iniciativa pessoal e o livre-arbítrio
do
sensações e sentimentos, propondo, e ao mesmo tempo impondo,
não é percebida como pertinente. O mesmo ocorre com as ativida-
modos de sentir e de reagir. É evidente também que, sob as condutas e paixões, a idolatria atualiza e desenvolve problemáticas
des mais comuns, nas quais o indivíduo depende, bem mais do que de si mesmo, da operação de um conjuro, da consideração de um
inconscientes e que as imagens da mulher e da mãe que ela explora
feixe de forças e do posicionamento espacial e temporal sem o qual
por si só mereceriam um estudo aprofundado.
qualquer ação estaria condenada ao fracasso. Cabe a ele, então,
O conjuro faz a ligação entre as forças, os seres e as coisas. Ele
assumir a não-identidade
do tlamacazqui e ostentar um título, o
verbaliza e põe em prática um outro eixo básico da idolatria, a
rosário de denominações que lhe garantem a força, contanto que
interdependência das pessoas e do mundo. Contrariamente
deixe de ser apenas ele mesmo. Nessas redes densas e homogêneas,
à pre-
gação cristã, que desde o século XVI tentava explicar o livre-arbítrio e a responsabilidade pessoal diante de Deus e dos homens, as
o indivíduo e o grupo
malhas da idolatria, indiferentes a esse discurso, ligam de maneira
encontram a garantia de sua coesão e de sua interdependência, que as crises e conflitos, paradoxalmente, não fazem senão reafirmar.
inextricável os indivíduos entre si e os homens às forças cósinicas.
Tudo se passa e deve se passar no âmbito da vizinhança, até os fei-
Isto se expressa particularmente
tiços. Ao explorar a realidade das coisas e ler a atuação das dependências nefastas, o curandero assume, portanto, um papel insubsti-
na ameaça de mácula, que em
náuatle cobre a idéia de poeira e sujeira. O erro de um pode colocar 250
251
tuível. Mestre na arte de determinar e investigar o campo dos possíveis para apresentar deduções e identificações plausíveis, o curandero interpreta as relações sociais, valendo-se de todos os meios
ro enuncia um comentário que explicita a ação empreendida ao mesmo tempo que prevê seu desenvolvimento e detalha seu pro-
fazê-lo, o curandero se mostra agente de um controle esporádico,
gresso e seus instrumentos. A ponto de ser, às vezes, algo como um manual. A preparação de arcos e flechas, de laços e armadilhas para a caça ao cervo, a espera e a localização da presa e a colocação de
suspeita em
redes e cestos para capturar peixes e pássaros correspondem a eta-
Conjunto de crenças, práticas, gestos, palavras e objetos, aido-
pas distintas e sucessivas da.recitação dos conjuros. O que nos ensinam sobre as técnicas indígenas é geralmente precioso, mas,sobre-
o grupo, nomeando o autor do mal, transformando certeza, produzindo uma explicação."
latria nada tem, portanto, de um suplemento que viria prolongar
tudo, eles confirmam
ou ampliar o real, ou aplicar uma garantia ritual às mais diversas manifestações da atividade humana. Ela é muito mais do que isso,
magia e procedimento material. Pois a idolatria é também uma panóplia de objetos muitas
pois funda a representação do real e a manipulação da realidade assim concebida. É ao mesmo tempo um procedimento intelectual,
vezes rústicos e banais, como cabaças cheias de água, grãos de milho e de copal, lancetas para sangria, ventosas e plantas para o
no sentido de que envolve memória, interpretação, deciframento e previsão. É, por isso mesmo, um saber que serve para pensar o
curandeiro, varas de pesca, redes, cestos, arcos, machados e fornos, objetos rituais e ao mesmo tempo úteis, cuja invocação guia a uti-
a dificuldade de tentar distinguir ritual,
corpo, o tempo, o espaço, o poder, as relações domésticas e a socia-
lização e garante a eficácia. São objetos indissociáveis de uma ges-
bilidade. É, de modo mais geral, um conjunto de códigos, uma gra-
ticulação que une os círculos traçados no solo, o lançamento de
mática cultural que organiza toda a relação com o real concebida e percebida pelos indígenas. Assim, é lógico que a idolatria garanta
grãos de milho e a fricção dos membros doentes no ritmo - em geral quaternário - que marca a sucessão dos atos e dos movimen-
também a expressão e a exploração dos estados emocionais, que fale sobre a possessividade, o ódio, a frustração, a angústia, o pânico, a
tos do ator. Como constitui ao mesmo tempo uma operação intelectual,
agressividade assassina.
uma experiência afetiva
Ela não seria nada disso se não fosse também uma prática, um repertório de ações, comportamentos, até mesmo de estratagemas,
é, como o cristianismo, algo a "ser explicado". Sem ter de ser legiti-
que visam influenciar ou transformar a realidade assim percebida; uma prática orientada para a eficácia, para a obtenção de resulta-
é uma
realização material, a idolatria não
mada ou se legitimar, basta-lhe existir. Para os índios, é da ordem da evidência, constitui sua realidade objetiva, é a matriz que constrói esta realidade. O caráter plausível e indiscutível do produto é
dos tangíveis e imediatos, como a morte, a cura ou a sorte. Uma
ainda mais pronunciado na medida em que corresponde à expe-
prática capaz de antever o futuro a partir da operação de combinações e inventários de signos. Não se pode deixar de considerar que
riência individual e coletiva, confunde-se com a representação do corpo social, com as exigências da vida material e com os impera-
252
t~
de caçadores, pescadores, agricultores e produtores de cal. O conju-
oferecidos pela idolatria, seus esquemas, suas técnicas e seus roteiros, e baseando-se em seu profundo conhecimento do meio. Ao mas preciso, sobre os membros do grupo, do bairro e da vila. Pois ele dispõe dos meios para orientar e explorar as tensões que agitam
I
a idolatria passa por diversas técnicas, como as da cura praticada por curandeiros e as das parteiras, mas também os gestos (e gritos)
253
tivos da produção e da reprodução. O exame superficial dos conjurosmostrou-nos, num domínio específico, de que modo a idolatria pode fundir num todo coerente esquemas cognitivos, referências sociais, afetos e emoções, realização das tarefas mais comuns e eficácia. Essa capacidade explica por que a idolatria se impõe por si só, sem que seja jamais colocado - e isto talvez seja o que mais a distingue do cristianismo dos evangelizadores - o problema da cren-
ça enquanto ato de fé. A idolatria não requer a adesão pessoal, ela enreda a todos num entrelaçamento fluido de dependências, dádivas e sacerdócios multiplicados ao infinito.
para garantir a clareza do raciocínio, banir qualquer alusão ao mundo colonial, não devemos, como fizeram tantos outros pesquisadores, fantasiar um mundo indígena imóvel e milagrosamente preservado dos golpes da aculturação. Ao contrário, temos todas as razões para indagar como a idolatria podia ainda explicar a realidade de modo global, quando tantos elementos novos perturbavam sua ordenação. Devemos igualmente evitar o excesso oposto, isto é, considerar a idolatria como mero amálgama de "superstições", encavalamento de "desvios do espírito" ou de "vícios do
Existe, portanto, uma realidade autóctone, isto é, um campo
paganismo". A idolatria perdura, não devido a alguma misteriosa lei da inércia, mas sobretudo porque ela mantém uma função cog-
indígena dos possíveis e do verossímil que responde a contingências existenciais - a sobrevivência do indivíduo e do grupo - e se
nitiva, social e material nas regiões que percorremos, em Guerrero e Morelos. As necessidades do grupo doméstico e de sua reprodu-
funda numa abordagem específica do espaço e do tempo, da pes-
ção não mudaram em nada após a Conquista. A habitação, as técnicas e o trabalho agrícola em geral pouco evoluíram, e a introdu-
soa humana e do divino e dos elos entre os seres e as coisas. Uma realidade construída a partir de uma percepção e uma interpreta-
ção do gado foi, como vimos, "registrada" pela idolatria, graças à
ção do real que não é a nossa, nem era a do clero católico. A idolatria expressaria a realidade dos índios nauas, com o que esta traz de explícito e de implícito, de consciente e de inconsciente, de verba-
temores e males que atingiam os indivíduos e os grupos só foram agravados pela dominação colonial. Quanto à incidência da nova
lizável e de indizível. Lembremos, neste sentido, os princípios
economia, permanecia ainda marginal ou indireta, ainda que o
subentendidos e hábitos arraigados que organizam a representa-
cultivo da cana -de-açúcar, com seus grandes engenhos (os trapi-
ção do espaço nas "pinturas" antigas e nos desenhos dos Títulos primordialesou, ainda, as injunções secretas que, nos mesmos Títulos,
ches) e seus escravos negros e mulatos, tenha se espalhado por Morelos, e ainda que a rota para Acapulco fosse periodicamente
continuavam produzindo, no século temente cíclico.
animada pela passagem de mercadorias que transitavam do Pací-
XVII,
um tempo predominan-
criação de algumas metáforas. A precariedade da vida cotidiana, os
fico em direção à capital da Nova Espanha. A mudança encontra-se alhures. Nos enormes vazios provocados pela Conquista. No desaparecimento das instituições sacer-
A IDOLATRIA
EM QUESTÃO
As análises acima são enganosas. Podem levar a pensar que um século de dominação espanhola, de epidemias e de cristianização não teria alterado praticamente nada. Embora tenha sido preciso, 254
dotais e educativas dos tempos antigos, que garantiam a difusão, a interiorização e a reprodução de parte dos saberes indígenas. O fenômeno não afetou apenas os filhos da nobreza, pois escolas mais modestas, as telpochcalli, eram igualmente obrigatórias para os filhos dos macehuales. Na melhor das hipóteses, se imaginarmos 255
que sacerdotes clandestinos, nas primeiras décadas, e anciães, sub-
nas às "pinturas", como também às estelas e às paredes pintadas que
seqüentemente, garantiram a manutenção de uma formação míni-
os índios viam o tempo todo, antes de serem destruídas. A repressão dos desvios também se modificou, ou melhor, se
ma, o segredo a que estavam obrigados havia um século teria forçosamente enfraquecido seu alcance. À diferença do tlamacazqui, que outrora ensinava ao pé do santuário," o curandero aparece
desorganizou. De um lado, porque as normas dominantes passa-
como alguém mais isolado, reduzido à discrição, a uma posição
indígena perdeu grande parte de sua competência para as instân-
cambiante e por vezes precária, cujas marcas distintivas são mais
ias espanholas. Segue-se daí, por exemplo, que a expiação, privada de seus prolongamentos tradicionais, como os rituais de confis-
pessoais do que sociais. Tem -se a impressão, de modo geral, de que é a utilização do nahuallatolli que passa a legitimar o status do curandero, e não mais seu nascimento, sua posição social ou a pertinência a um meio sacerdotal. É um poder atrelado a um saber de I
I ,
11
:1
I i ,
,I 1,1
I1
palavras. Porém, como observamos acima, não devemos pensar que a
ram a ser as da Igreja e da justiça régia. E, de outro, porque a justiça
são e os castigos corporais, passou a ligar-se muito mais a suas repercussões materiais do que à perseguição e punição do desviante: a impureza era ritualmente eliminada, cometendo-se outra se preciso, enquanto o culpado era curiosamente ignorado.v possíÉ
vel que esta inflexão esteja relacionada a uma crescente confusão
gente do povo de antes da Conquista sabia apenas aquilo que os
dos papéis. Confinadas à mesma clandestinidade, esferas antes dis-
sacerdotes indígenas tinham a bondade de lhe ensinar. Tudo indica que tenha também existido, então, um saber "popular", coletivo.
tintas e até concorrentes agora se interpenetravam, e os mesmos índios liam os signos, curavam ou provocavam doenças, incitavam
Mas este parece ter estado suficientemente integrado ao conjunto dos conhecimentos de que o grupo dispunha para ter de evocar a
ou acalmavam desejos ... É fato que nem tudo desapareceu no início do século
autoridade dos sacerdotes tlamacazque e se definir a partir dela. É
algumas danças indígenas se inspiravam em liturgias antigas ou as
desse modo que interpretamos as alusões dos conjuros às "pinturas" e aos ministros ligados aos santuários locais, que viviam cerca-
repetiam, que "pinturas" ainda eram conservadas e, sobretudo o que é raramente lembrado -, os objetos do cotidiano subsistiam
dos pelo respeito do grupo que o sustentava. Sendo assim, é com-
por toda parte. É natural que sua aparente insignificância os prote-
preensível que a idolatria tenha sofrido simultaneamente um incontestável enfraquecimento institucional e uma progressiva
gesse das destruições da cristianização, do mesmo modo que os preservaria depois da curiosidade de arqueólogos e historiadores,
perda das referências que propunha. O mesmo descompasso, o mesmo afastamento foram produzidos entre o presente colonial e as referências suscitadas pela ido-
muito pouco interessados em perscrutar tais testemunhos obstina-
XVII,
que
damente presentes do mundo antigo. Isto explica por que a idola-
latria. As metáforas, por exemplo, evocam sistematicamente os gli-
tria resistiu mais no âmbito doméstico, onde conseguiu conservar-se ancorada no meio imediato, ou seja, manter a base de sua plausibi-
fos e as imagens dos deuses representados nas "pinturas", mas com
lidade. Enquanto se quebravam calendários esculpidos e ídolos e se
mais freqüência esculpidos nas paredes dos santuários, já então
demoliam templos, esses objetos anódinos, como recipientes de
demolidos. As cores que pulsam na maioria dos conjuros- amarelo, vermelho, branco e preto, azul-esverdeado - remetem não ape-
barro, cabaças, trançados de palha, pedras de lareira, facas de obsi-
256
diana, incensórios, bordados dos huipiles, objetos miúdos e brin257
quedos de criança, continuavam onipresente funcional,
à idolatria. diríamos,
fornecendo
seu suporte discreto e
Trata-se de um suporte
material,
técnico,
e muito mais, na medida em que a forma des-
ses objetos, as cores com que são pintados, dos e a orientação
que se lhes dá possuem
dade de evocação
indissociável
os gestos a eles associaum sentido, urna capaci-
do uso material
Aqui tudo, sem exceção, é significante.
que deles se faz.
Rachaduras
nos potes, esta-
10s nas vigas e cinzas de lareira são outros signos a serem interprealimentos, material,
tanto quanto parcelas do poder divino. Essa imediação essa espécie de "imanência
cia e evitado a decadência mento
de instâncias
com a linguagem
e políticas
urna idolatria
desalojada
ficaria introduzir
(se é que o é) seja mero refúgio de
de urna camada tão essencialsofisticadas
to essencialmente
doméstico,
pela manutenção
de um substra-
teve efeitos. Antes de mais nada, na
dos saberes e das práticas. A representação
das invocações
o tonalli extraviado
os próprios
lembramos
esquecimento
indígena do
[o cômputo
ta, controlada
O naufrágio
garantindo
do esquecimento.
doméstica,
continuamente
perdida com o desaparecimento dos mais velhos ouo documentos.
a manutenção 258
requer. Contudo,
explície de
E, sem dúvida,
indissoalém da
dizimada
do grupo ou deslocada pela morte
esgarçamento
dos laços familiares.
Mas talvez compreendamos das relíquias
melhor
escondidas
de continuidade,
Saber e prática fragilizados,
pela doença, Faltam
o papel
dos
pelas casas que
mas cuja composição
a idolatria
e
não era, de modo al-
preci-
gum, uma construção
que o
que era cada vez mais alijada dos meios religiosos, culturais e sociais
a utilização dos conjuros exige
de um saber que parece ter desaparecido
não
dos notáveis, caberia investigar os caminhos
origem não temos corno explicar.
objetivo almejado
podem,
fora do tempo de suas cerimô-
antigas é evidentemente
uma aparência
sa apenas pôr em prática a rede de relações e combinações
quando
o que
sua especificidade.
das instituições
garantiam
e dos cantos. O conjurador
na memória
e precisa do tempo, é um modo de percebê-Io
senti-Io que continua
e
nem que saibam
nias"," Corno nos Títulos, mais do que uma representação
nem explicitada.
das "pinturas"
para localizar
o sentido, até para
cerimonial] praticam
domésticos,
atribu-
Ruiz
atingia os cálculos,
começa ou acaba o ano. Só guardaram
"pacotes"
Os índios do povo buscam nela meios para urna
Segundo
diversas vezes: "Não há mais índios
real que se deduz da análise da idolatria não tem de ser legitimada,
to dos sacerdotes,
que serviam
haviam perdido
índios. O mesmo
evolução da memória
ação eficaz sobre os seres e as coisas, e não urna especulação,
l
muitas
ciável das devastações
a perda de certos contextos e de certos componen-
tes da antiga idolatria, temperada fragilização
de Alarcón,
da memória
Entretanto,
por
de fór-
I
chamar
a
Os teste-
rápida de práticas passe-partoute
"para todo tipo de dificuldade':
se não mais
que costumam
dos mais sumários.
quando querem, e por isso praticam
de suas formas mais "nobres". Isso signi-
as manifestações
mulas polivalentes,
divinas", ao contrário,
em descrever um ensino simplificado,
faziam nesses dias. Atualmente,
que a identificavam
urna escala de valores que não tem sentido, já que
se trata, ao contrário, - quanto atenção.
são unânimes
Sabe-se que, no século
"palavras
era, aparentemente,
meio da aprendizagem
quando
e com a expressão do poder. Não devemos supor,
porém, que esse plano "material"
seu aprendizado munhos
tradicionais.
não aprendia
que compreendam
sua importân-
por muito tempo, apesar do desapareci-
normativas
o conjurador
cuja importância
do divino", é, incontestavel-
mente, o que fez com que a idolatria tenha mantido
XVII,
recuperar
que ligam a casa ao cosmo inteiro.v O milho e o pulque são
tadose
parte, junto com os sacerdotes
em grande
inerte e intocável.
Era frágil na medida
que expressava,
de modo que parte das estruturas
sua atualidade
se desagregava
ou desaparecia.
em
que garantiam
Era frágil porque 259
seus axiomas implícitos tempos,
e subjacentes
permeabilidade
-
e dependência
eram cada vez menos cultivados
fluidez dos espaços e dos
vocabulário
dos seres e das coisas-
natureza desse cristianismo.
na memória
gráfica e até cinestésica de outrora.
oral, litúrgica, icono-
Nesse sentido, a leitura dos con-
juras pode ser enganosa. Seria um erro confundir as operações controlar.
mentais que elas designam
As observações
e as práticas que parecem
dos extirpadores
supor que já havia ocorrido
uma sucessão de fórmulas
que ocas. E a realidade
~o século
um afastamento.
risco, assim, de deixar de ser uma memória para tornar-se
as palavras com
semântica
fazem
XVII
A idolatria
corria o
organizada
isoladas, esotéricas, por-
que ela veicula, o de se fender e se dissolver.
Por detrás dos golpes que lemos acima, percebem-se mente as conseqüências
e os limites da evangelização.
as formas mais visíveis dos cultos autóctones, desferiu um duro golpe no monopólio cia uma dominação
simbólica
atacava obstinadamente
a Igreja, como vimos,
da idolatria,
incontestável.
que antes exer-
Mas, enquanto
dentemente,
ristianismo da-cruz)
da fórmula
grau de doutrinação.
Dos'''pintores''
também
se compunha,
ra ramente, confissão),
que criavam glifos cristãos até
os fiéis das visitas remotas. Vimos o lugar que o catolicismo va nas celebrações
públicas,
gressiva, na memória te a composição
no espaço do pueblo e, de forma pro-
comunitária,
a ponto de inspirar parcialmen-
voltaremos
a isto -
com rituais e liturgias, cujas virtudes
explorar, ainda que nem sempre percebessem tido. Nessas condições,
o cristianismo
ços novos, de comportamentos deixar de "contaminar" 260
constitui
podiam
com imalivremente
claramente
seu sen-
uma reserva de tra-
para retomar,
invertendo-o,
o
trinitária),
(batismo,
um cristianismo
lizada da divindade,
a concepção
I igação entre ambas parecem
evi-
nem o dos
os indígenas,
XVI
sem com freqüência que os esvaziavam preensível
a pretensão
do cristianismo
hesitações e contradições que concordavam retomá-Ias,
e mais tarde. Não sure mal-entendidos
à exclusividade.
A ameaça
alhures. Nas disparidades no seio das populações
e no continuum
que desagregava,
que gerava. Pensemos
em abandonar
e "além" fosera com-
que suscitava
nos consensos
a
Tampouco
situa-se certamente
e de atitude
e, portanto,
de "pecado"
original.
persona-
consideravelmente
objeto de interpretações de seu sentido
espo-
do que um ato
cristã do indivíduo
ao longo de todo o século
e, mais
no qual a assistência
preende, assim, que os conceitos-chave
um
do gesto (sinal-
casamento
ter desorientado
nas
nos conjuradores
suas práticas
nos índios que denunciavam
para mais tarde
outros à justiça eclesiás-
tica, nos pueblos inteiros que seguiam os conselhos de um curandepara depois se colocarem
autoridades
eclesiásticas.
ontribuíam,
do lado completamente
Esses adiamentos
no cerne das sociedades
x.eque e minar, em vários domínios,
e de forças divinas que não podia
a idolatria,
(a invocação
a
dos nobres não
le crença. Nunca é demais lembrar o quanto a concepção
/"0
dos Títulos primordiales. No correr das décadas, os
índios foram se familiarizando gens -
ocupa-
o cristianismo
rádica à missa era mais uma declaração de intenção
indígenas,
de seu
Entre os índios, há que distinguir,
e de alguns sacramentos
de assimilação
independentemente
precisar
.ra o dos notáveis que sabiam um pouco de espanhol,
ticas, mas de uma trama extraordinariamente Isto posto, o cristianismo
é necessário
uiacehuales. Entre estes últimos e nos campos, predominava
.ristã mais imediata
densa de relações e
Contudo,
graus de evangelização:
deixava de perceber que não se tratava apenas de crenças e de prácombinações.
LL
ela
os ídolos, os ritos e os antigos sacerdotes,
havia um século, de índios convertidos,
I
facil-
Ao reprimir
dos extirpadores.
Um adversário início do século
XVII.
para pôr em
a predominância
da idolatria."
espetacular
ameaçava
paradoxal,
sucesso dos curanderos, que expandiam particularmente
das
indígenas,
não menos perigoso De maneira
oposto
e inversões de posição
a idolatria
decorria
no
do próprio
sua clientela. A evolução é
para duas categorias
de especialistas, 261
os adivinhos e os "conjuradores de nuvens". Desde cedo, eles foram
us grutas, encomendassem sacrifícios de crianças ou se deixassem
chamados a responder a uma demanda que provinha de meios não indígenas, mas completamente convencidos da eficácia dos
tomar por um pânico coletivo. As diversas formas que a emergência da sociedade colonial
procedimentos empregados. Cônjuges e vizinhos mestiços, mayor-
assumia afetavam a integridade
da idolatria, restringindo
seu
domos das propriedades espanholas da região, vaqueiros mulatos,
ampo, apagando parte de suas referências, pondo diretamente em
escravos negros que trabalhavam nos engenhos de cana e espanhóis dos grandes pueblos e cidades engrossavam uma clientela heteróclita que buscava, na Nova Espanha como alhures, a cura, a
xeque sua plausibilidade. Resta saber se, nessas primeiras décadas do século XVII, nos campos de Morelos e de Guerrero, tais modifica-
fortuna, a leitura do futuro, o controle das variações climáticas, o
tionavam seriamente o conjunto das representações e suas inter-
sucesso amoroso ... O aparecimento
relações. Nessa época, na maior parte dos casos, excetuando-se as cidades e o cristianismo público, a idolatria parece ter conservado,
e, em seguida, o desenvolvi-
mento de uma demanda externa, preocupada unicamente com a
ões acarretavam acomodações e rearranjos parciais, ou se já ques-
rentabilidade e a eficácia imediata, mas ignorante e indiferente ao conjunto dos pressupostos, inter-relações e decorrências coloca-
apesar de tudo, o domínio dos processos que descrevemos. Porque
dos em prática pela idolatria, tiveram um impacto imprevisto. Abriram-lhe uma "segunda carreira", ao mesmo tempo que transformavam seu sentido, seu alcance e sua substância. Contribuíram
tanto, coexistir, até certo ponto, com o que os índios "faziam" de seu
não apenas para diversificar as palavras e os gestos, mas também para desnaturar suas implicações profundas. A idolatria, sob esta
diante da atitude indecisa dos indígenas, expressa por um de seus
forma, teve de se adaptar a novos contextos, levar em conta determinadas censuras e aprender a se dissimular - como, por exemplo, quando o curanderovisitava os conventos para tratar das frei-
não era guiada por nenhum princípio de exclusividade e podia, porcristianismo. Esta aparente coexistência devia preocupar a Igreja na década de 1570.0 dominicano Diego Durán inquietava-se, então, interlocutores: "Eles acreditavam em Deus ao mesmo tempo que praticavam seus costumes antigos e os ritos do demônio". Em meados do século XVII, igualmente escandalizado, De Ia Serna constatava a dupla observância ritual dos índios que perseguia: "Querem
ras. À força de se comercializar, de oferecer serviços, de fixar suas
parecer cristãos, embora sejam idólatras". Se De Ia Serna se engana
tarifas, a idolatria dos conjuros parecia evoluir em direção a para-
ao atribuir-Ihes um comportamento maquiavélico, eivado de hipocrisia e de duplicidade, por outro lado pressente a capacidade que a
gens já bem freqüentadas pelas magias e feitiçarias importadas. Não que o curandero pré-hispânico não vendesse igualmente seu auxílio, mas sua intervenção se inscrevia no contexto de uma cos-
idolatria conservava, de capturar todos os traços que se apresentassem diante dela para inseri-los em sua realidade: "Eles se apegam
mogonia, de uma busca de equilíbrios rompidos. Em meios mestiços ou espanhóis, ele vendia uma receita, um expediente a que se
fortemente às coisas de nossa santa fé e lhes devotam grande veneração] ... ] Querem na maior parte do tempo, em suas invocações,
recorre por curiosidade ou por desespero. É fato que espanhóis,
curas e superstições. imitar os ministros da Igreja e usurpar suas
mestiços e mulatos não hesitaram em passar da locação de serviços para a participação pessoal. Mas sem obrigatoriamente penetra-
funções"," Resta-nos acompanhar esse processo de captação e de absor-
rem a realidade indígena, ainda que adorassem ídolos, visitassem
ção, que constitui uma das molas mestras da idolatria colonial.
262
l~\, _
263
Quando -
dos conjuros adotava termos do cristianismo
a linguagem
a justiça
do céu, os anjos de Deus etc.-,
redes, esvaziava-os
de seu conteúdo
ções. Gestos, sinais-da-cruz,
prendia-os
e os integrava
fórmulas
a suas composi-
cristãs e invocações
trinitá-
os conjurosque
rias tinham um destino análogo, c.om.o comprovam os invocadores
em suas
das chuvas e da geada dirigem às nuvens. Mais deci-
são Simão, devido à idade avançada dos dois
santos. Em certos contextos,
o Espírito Santo passava a designar,
in tototI in spiritu-,
sob a forma "o pássaro, o espírito" -
o agen-
te que ataca o doente e o torna impuro. Num outro registro, a idolatria do início do século co, que também
XVII
desnaturava,
se alimentava conservando
no repertório
diabóli-
dele apenas o princípio
siva ainda era a inserção da Virgem, dos santos e dos anjos entre os
do pacto demoníaco.
E isso nas imediações
da capital
autores potenciais
reino.v'O empréstimo,
às vezes, ultrapassava
o qualificativo
tava um procedimento
específico, a intercessão.
encolerizado!
de males: "Precisamos
saber quem és tu, santo
Talvez sejas Nossa Senhora, ou talvez são Gaspar, ou
talvez são Ioão [... ] Quem é que está irado, são os senhores da terra,
dor implorava
os anjos de Deusi";"
coisas que criastes
Os santos católicos tinham
se deslocado,
melhor, os índios os haviam incluído no grupo das potências gosas e ambivalentes, imagens
de desenvolvida
nas "pinturas"
elementos
novos, abstraí-los
também
peri-
às celebrações
pronta
sobretudo
reto-
introduz
sua personificação.
a
se assemelham
estra-
antigas. Por isso, convém aplacar a cólera
A força invocada
é, sem dúvida,
Não devemos esquecer que a "abertura"
pelo desaparecimento
corroboram
pois muitas das
uma evolução sensível na relação com a divindade
de capturar a orga-
e ado-
menos a mãe de Cristo do que a Terra, mas o pedido de intercessão
latria a outros grupos
para anexar novas forças e
quando
se perdem".
do vice-
Assim, o conjura-
à Virgem: "Sejai minha mediadora,
a capacida-
de que, dessa vez, é a idola-
dos traços. Outros exemplos
de uma idolatria
novos rituais,
nhamente
confirma
de seu contexto e subrnetê-Ios
Com a diferença
tria que rege o arranjo viscosidade
clandestinas,
pelos modos de expressão tradicionais
nizações autóctones.
ou
cuja ira devia ser temida. Um pouco corno as
cristãs que aparecem
marido os ritos de .outr.ora. Tal procedimento
étnicos foi complicada, das instâncias
anteriormente
exercer alguma censura, corno os sacerdotes partir de então, a permeabilidade mos significam
a escrita alfabética.
Infelizmente
da idocolonial,
capazes de
pagãos e as escolas. A
e a sensibilidade
aos emprésti-
ao mesmo tempo uma força e um risco potencial.
Num plano totalmente adotando
no período
e em
diferente,
a idolatria
contra-atacava
Desde 1560, segundo
para nós, o dominicano
Diego Durán.
nã.o achou que pudesse
ser
de um santo "fazendo uma imagem sua, ou, se já a tivesse, fazendo-
litil registrar "estes conjuros [que 1 circulam sob forma escrita". No
lhe uma roupa
século
ou um véu, ou acrescentand.o-Ihe
um enfeite ou
fazendo uma festa em sua homenagem';" Mas é preciso perceber
XVII,
alguns sacristãos copiavam .outras invocações e, impru-
dentes, assinavam
o essencial, ou seja, os graus da captu-
os papéis com seus nomes. Em 1681, um índio
de Iguala foi acusado de possuir+muitos
livros que não eram bons",
ra. O santo cristão era, com freqüência,
apenas uma denominação
inquanto
suplementar
antiga, conforme
su perstições e de suas feitiçarias". Assim, testemunhos
to tradicional: porque,
aplicada a uma divindade "Estes deuses tinham
segundo
buída, davam-Ihes
nomes"
264
Por exemplo,
era também
o concei-
estes nomes e muitos .outr.os,
a coisa de que se ocupavam
deus Velho Xiuhtecutli,
lU
J osé, e de Ximeontzin,
ou que lhes era atri-
a divindade
chamada
do fogo, o
de Xoxeptzin,
são
outros escondiam
"papéis escritos em sua língua, de suas
revelam a existência de uma idolatria
esporádicos
escrita, do mesmo modo que
o utrora existira uma idolatria pintada. 50P.odem.osnos perguntar .olocação p.or escrito dos conjuros (e talvez dos calendários) 10 algum impacto
sobre o conteúdo
veiculado.
se a
teria ti-
O processo 265
teria
congelado um saber ou, ao contrário, contribuiria
para garantir
sua transmissão numa época de epidemias e ,mortandade? Testemunhos isolados se referem a conjurostranscritos sobre "papéis" e transmitidos de pai para filho. Mas a prática da escrita sempre nos leva a camadas da população indígena sensivelmente mais aculturadas, como os chantres, os fiscales e os músicos, que tinham acesso a obras litúrgicas das quais extraíam algumas fórmulas e, às vezes, longas passagens. Aí estaria, certamente, a origem de papéis destinados a combater a febre e que se propunham a aplacar a cólera da "justiça do céu': ou um texto preciosamente conservado por um conjurador em seu oratório no final do século XVI (1587). Exemplo extremo de conjuro que retoma um texto cristão - as Horas de Nuestra Seiiora -, assimilando não só seu vocabulário e suas referências como também seus mecanismos essenciais - a intercessão da Mãe de Deus, a salvação - e, assim, resvalando para um cristianismo indígena que se afasta consideravelmente da idolatria. A invocação vem acompanhada de um desenho que ilustra um movimento análogo: juntos, um de costas para o outro, estão uma águia e um "tigre", como nos brasões concedidos à nobreza
"pacotes sagrados". Trata-se de dois registros desproporcionais, sem termo de comparação, que, percebidos e vividos desse modo, não são, conseqüentemente,
contraditórios. Ao contrário, parece
ser possível e às vezes indispensável para a sobrevivência do grupo articulá-los, coisa que os índios de igreja sabiam fazer melhor do que ninguém. Excetuando-se, evidentemente, uma fração devota (governadores, alguns notáveis), fiel ao pároco, e que se empenhava em denunciar os demais. Mesmo assim, é provável que seus atos refletissem mais conflitos de interesses do que a recusa consciente do universo da idolatria. De fato, nada indica que este grupo realmente concebesse a divindade, a crença e a relação com o tempo e o espaço em termos cristãos e ortodoxos. Quanto ao restante da população rural, a imersão na idolatria aparentemente continuou sendo um dado fundamental de sua existência no início do século XVII - com as nuances produzidas pela diversidade das memórias locais, a eficácia relativa do controle das autoridades eclesiásticas e o laxismo dos párocos. Os índios parecem, basicamente, reagir ao contexto que se lhes impõe. É esse contexto que, de modo geral, determina a ação, seja ela individual,
indígena; no centro, um cálice sob uma hóstia; no alto, à esquerda, um estandarte que imita o de são João Batista; e, sob as patas do tigre, um livro, certamente o das Horas de Nuestra Sehora. Mais
doméstica ou coletiva, cristianizada ou pagã. É ele que impõe os caminhos, o recurso aos anciães, aos chantres ou ao curandero, e não
uma indicação de que a permeabilidade da idolatria pode conter os germes de sua diluição."
idolatria, em termos globais, ainda que se abra para a incorporação de novas forças e para a adoção de liturgias e imagens difundidas
Diante disso, talvez não surpreenda tanto o fato de encontrarmos, entre os índios detidos pela justiça eclesiástica, representantes do pessoal de igreja, aqueles auxiliares tão fervorosos da conver-
pela Igreja. A idolatria do início do século
são. Acontece que era possível conciliar a adesão a parcelas do cristianismo, a práticas para o essencial, com uma apreensão tradicional da realidade, a exemplo daqueles chantres que eram tam-
vava uma ampla predominância,
dinamismo por vezes agressivo. Contudo, vários elementos nos
bém anciães e que colocavam, ao lado dos defuntos, as tradicionais oferendas alimentares. Ou como os fiscales que conservavam
dros institucionais que outrora a mantinham, a permeabilidade que, a longo prazo, abria caminho para a transformação do imagi-
266
a origem dos traços reunidos. Esse contexto continua sendo o da
XVII,
conseqüentemente, não se
parecia muito com uma sobrevivência, na medida em que conseruma sólida credibilidade e um
impedem de considerá-Ia uma estrutura inerte: a perda dos qua-
267
nário indígena e de sua percepção do real e, por fim, um adversário
que pressupunha - e é o que de fato ocorria - a conivência e até
que se empenhava sistematicamente em impor sua experiência do
a colaboração ativa das autoridades
real e seu sobrenatural, ao qual voltaremos em breve.
principales, governadores e alcaldes, que celebravam invariavelmente o ano-novo e a entronização dos novos dirigentes. A idola-
Seria preciso matizar longamente tais conclusões. Será que se aplicam do mesmo modo aos índios de México, por exemplo? Seria
indígenas locais: caciques,
tria mixe e zapoteca continuava sendo o modo de expressão privi-
dos mestiços e dos negros sobre os grupos indígenas que habita-
legiado da vida comunitária, da detenção do poder, da hierarquia dos cargos, e nem os mestiços cons~guiam escapar-lhe. Os índios
vam a capital, o papel dos curanderos que vinham do interior, o
de igreja -
impacto de uma cristianização mais forte. A honestidade nos obriga a reconhecer nossa ignorância acerca do período 1600-50, cujas
comportavam-se como herdeiros do antigo clero. Garantiam o culto dos pacotes sagrados das linhagens e das comunidades, perpetuavam o conhecimento dos treze deuses e dos treze meses, ensi-
interessante medir a influência da presença maciça dos espanhóis,
poucas fontes permitem apresentadas
apenas esboçar algumas hipóteses, já
acima: perda de credibilidade,
empobrecimento,
chantres, organistas, fiscales, alguaciles de doctrina-
navam o uso do calendário e mantinham o controle sobre um espa-
a concorrência do cristianismo com seus milagres e das magias da
ço ainda integralmente marcado por suas conotações sacras. A manutenção da tradição - vivida como uma continuidade
África e da Europa. Também é preciso lembrar que as memórias aí se conservavam melhor do que nas vilas desertas.
que a Conquista não teria interrompido - não impedia o empréstimo. Os índios que viviam nas regiões menos aculturadas e de difí-
voga dos curanderos e diversificação da clientela e, como veremos,
I
Por outro lado, dispomos de numerosas e ricas informações
cil acesso empregavam sistematicamente a escrita alfabética e redi-
Sola, de Ocelotepec e de Juquila e os mixes de Villa Alta. Nessas
giam cadernos de formato pequeno, de oito folhas, em zapoteca, mas também em mixe, em solteca e em chatino. Tais librillos, dos
localidades, descobrimos uma idolatria exuberante, distinta em seu conteúdo,já que corresponde a outras culturas. Mas, principal-
quais uns poucos exemplares sobreviveram, são na verdade calendários que determinam as datas dos sacrifícios e das cerimônias,
mente, menos atingida pela dominação colonial. Conservava suas
como as antigas "pinturas" (algumas das quais ainda em poder dos índios). As comunidades compravam esses manuscritos daqueles
sobre certas regiões do bispado de Oaxaca, sobre os zapotecas de
redes e hierarquias de sacerdotes, que se encarregavam da transmissão dos conhecimentos e da realização do conjunto dos rituais
que os guardavam e copiavam. O completo desvio da escritura a
tradicionais, organizavam penitências e sacrifícios e fabricavam
serviço da idolatria demonstra o quanto as culturas indígenas con-
ídolos. Não que o cristianismo estivesse ausente dessas regiões. Mas estava totalmente submetido à idolatria. Eram os antigos cálculos
servavam, no século XVII, um espantoso poder de captura." Voltemos nosso olhar para a serra otomi de Tututepec, a nor-
que determinavam os dias das oferendas depositadas na igreja, a escolha do altar e o número de velas a acender. O santuário cristão
deste do vale do México e ao norte de Puebla, por volta de 1635. En-
era invadido, por todos os lados, pela idolatria: envolto em fumaça de copal e de penas queimadas, manchado do sangue das galinhas
de papel, de copal e de perus, divindades das montanhas (Ochadapo), das águas (Muye) e das colheitas (Bez-Mazopho).53 Ou seja,
degoladas e escavado de buracos onde se amontoavam oferendas.
uma paisagem muito mais "antiga" que a de Morelos ou Guerrero,
268
contraremos um clero pagão e seus acólitos, santuários, oferendas
269
que nos obriga a distinguir ao mesmo tempo a receptividade dos diferentes meios sociais, dos diversos grupos étnicos e das regiões.
5. A cristianização do imaginário
Cada conjunto possui seu próprio ritmo, seu grau de inércia e suas movimentações. Explicar essas persistências é, ao mesmo tempo, simples e difícil. O isolamento das montanhas, as comunicações difíceis, a barreira das línguas locais (zapoteca, chatino, otomi), a distância dos grandes eixos de comunicação e a ausência de povoamento espanhol entram, inegavelmente, em jogo. No sul do bispado de Oaxaca, além disso, deve-se considerar os excessos da administração espanhola, de uma avidez desenfreada. Sabe-se que foi o peso intolerável dos repartimientos efetuados pelos alcaldes mayores, corregidores e seus asseclas que provocou o famoso levante de Tehuantepec em 1660 e provocou agitações mais ou menos violentas em Nejapa, Ixtepec e Yanhuitlán. Mas, de tudo isto, guardemos a força das comunidades indígenas que conseguiram salvar grande parte de suas terras e impedir a penetração da hacienda européia nessas regiões - de resto, pouco atraentes. Os Títulos zapotecas, bem como as investigações realizadas após a rebelião de Tehuantepec, deixam transparecer um forte sentimento de identidade étnica largamente difundido e a existência de ligações entre grupos tão distintos quanto os chontales, os mixes e os zapotecas. As sociedades indígenas demonstram ter ali uma coesão notável, que encontrava na idolatria um suporte e um meio de expressão sem igual."
Para além dos enfrentamentos
militares, políticos, sociais e
xonômicos, o aspecto mais desconcertante
da Conquista espa-
nhola é, provavelmente, a irrupção de outras percepções do real [ue não eram as dos índios, ~ssim como hoje em dia não são exatamente as nossas. A "realidade" colonial transcorria num tempo e num espaço distintos, baseava-se em outros conceitos de poder e lc sociedade, desenvolvia abordagens
específicas da pessoa, do
divino, do sobrenatural e do além. Na verdade, as distâncias que separavam os sistemas de representação ou os sistemas de poder remetiam a um corte mais global, subjacente e latente, ligado ao modo como as sociedades em confronto percebiam, memorizavam e comunicavam aquilo que concebiam como realidade, ou mel hor, como sua realidade.
E,no entanto, os evangelizadores queriam que os índios aderissem justamente ao aspecto mais estranho dessa realidade exótica, sem referente visível, sem ancoragem local: o sobrenatural cristão. A em presa era, ao mesmo tempo, fácil e praticamente impossível, Fácil 270 271
porque, apesar das distâncias consideráveis que os separavam, os
um significado decisivo (sonho, alucinação, embriaguez), uma vez
dois mundos concordavam em valorizar o surreal a ponto de consi-
que elas encorajavam a produção e exploração das imagens que suscitavam e dos contatos que permitiam estabelecer com outras
derá-lo realidade última, primordial e indiscutível das coisas. Impossível, pois o modo como o concebiam era divergente em todos os sentidos. Os mal-entendidos
se multiplicaram.
Sobre a
forças. Enquanto essas sociedades se mostravam ávidas por decifrar os sonhos, a Igreja combatia sua interpretação,
assim como
ato, no máximo uma transferência de fidelidade a uma força nova,
condenava o consumo de alucinógenos, fontes de "alienação, de visões e de delírios", caminho certo para "a loucura e a luxúria", e
suplementar. Sobre a "realidade" do outro, também. Cada qual não
denunciava a embriaguez sob todas as suas formas, englobando na
tardou em projetar sobre o adversário seus próprios esquemas. Inicialmente, os índios acreditaram reconhecer em Cortés o deus Quetzalcoatl, que regressara do longínquo Oriente cercado de
mesma reprovação formas rituais e sagradas próximas do êxtase e da possessão. A Igreja limitou o âmbito da realidade significante, fazendo daquilo que excluía manifestações do demônio, desvios do
outros deuses, ou então viram nos religiosos a encarnação.dos
bom senso ou mero embuste.' Mas era preciso fazer com que os índios conhecessem os con-
crença, que os índios, de maneira geral, interpretaram
corno um
monstruosos tzitzimime, as criaturas de seu "apocalipse" Evangelizadores e conquistadores, por sua vez, não fizeram por menos e tomaram
os deuses indígenas por manifestações
múltiplas de
Satanás. Nada de espantoso no fato de que o diabo se pusesse a falar
eitos e critérios que organizavam a realidade definida pela Igreja. catecismo e a pregação fóram os principais canais do apostolado los missionários, que continuamente se chocavam com os limites Ia palavra. Como fazer entender e ver seres, figuras divinas e pla-
nos ídolos em que morava, que possuísse os pagãos até a pia batismal ou que fugisse de forma espetacular dos templos onde tinha
nos do além sem nenhum equivalente nas línguas indígenas ou nas
sido adorado. Acusados de instigar os índios à revolta, de colocá -los
representações locais, senão por aproximações que deturpavam
contra o cristianismo ou de provocar deliberadamente as secas, os demônios foram os grandes protagonistas dos primeiros anos. De
seu sentido e sua forma? Tudo levava à confusão e ao mal-entendido. O Mictlán naua, escolhido para representar o inferno cristão,
modo que, longe de ser completamente negada, uma parte das cul-
Ta apenas uma das moradas dos mortos, e ainda por cima gelada.
turas indígenas representava, para os religiosos, a realidade ameaçadora e negra do demoníaco.
céu cristão, designado pelo termo ilhuicatl, tinha pouco em
I
omum com o empíreo indígena e seus treze níveis. In tloque in uahuaque -"o mestre do próximo e do remoto" -, que os religio-
Isso não significa que, por um mecanismo de inversão sistemática, o sobrenatural de um virasse o diabólico do outro. Para tanto,
sos tinham selecionado para significar Deus, qualificava origina-
seria preciso que atribuíssemos lógicas análogas a ambas as partes.
riamente Ometéotl, o Senhor da Dualidade, de que Tezcatlipoca e
É verdade que as duas atribuíam uma função crucial a domínios que
Quetzalcoatl eram duas das múltiplas manifestações. Tonantzin,
nós, em princípio, excluímos de nossa realidade objetiva, mas só
lermo escolhido para denominar a Virgem Maria, tinha outrora
nisso se aproximavam. A Igreja e os índios não associavam as mes-
servido para designar uma das formas da deusa-mãe. E assim por diante. A imensa tarefa que os religiosos empreendiam chocava-se
mas fronteiras ao real. A Igreja, sobretudo, restringia seu território. Em geral, excluía estados aos quais as culturas indígenas concediam 272
.om obstáculos intransp,oníveis. A alternativa era tão simples 273
quanto frustrante: ou utilizar uma terminologia ocidental, total-
tavam esporadicamente pequenas igrejas de paróquia e só tinham
mente hermética para os índios, ou lançar pontes, estabelecendo
acesso a capelas pouco ornamentadas. Mas os religiosos e os artistas europeus nunca passaram de uma minoria. Índios formados desde o final da década de 1520, no ateliê aberto por Pedra de Gante em México, reproduziram e
equivalências que seriam fonte de infinitos mal-entendidos.
O
aprendizado das orações em latim ilustra perfeitamente os problemas da primeira alternativa. Os trabalhos lingüísticos do franciscano Alonso de Molina, os da segunda.
difundiram as pinturas flamengas e espanholas e, mais ainda, as gravuras que tinham diante dos olhos. Suas obras adornaram as
Contudo, por mais que se cercasse de comentários para explicar seu conteúdo e dissipar as confusões, a pregação cristã não per-
primeiras igrejas e as casas dos nobres indígenas. Na cidade do México e no povoado vizinho de Tlatelolco, numerosos êmulos
mitia visualizar as entidades às quais se referia incessantemente. só
logo seguiram seus passos, embora nem sempre tivessem a mesma formação. Eram tantos que, rapidamente, em 1552, o vice-rei Luis
podia atingir uma minoria que possuía livros. Além disso, era tão
de Velasco, preocupado, quis submetê-los ao controle da capela de
esquemática e aproximativa que seu alcance ficava restrito. Os afrescos, as pinturas e as esculturas, em compensação, tiveram uma
São José, onde trabalhavam Pedro de Gante e seus discípulos" Desde meados do século XVI, o entusiasmo dos índios pelas
difusão muito mais ampla. Sabe-se que alguns evangelizadores
representações européias era, portanto, acompanhado pela prolilcração de algo que chamaríamos de cópia "pirata". Ao lado da re-
Daí o recurso imediato a suportes visuais, como nos catecismos testerianos. Porém a visualização gráfica que eles propunham
apresentavam
seus ensinamentos
com quadros, sobre os quais
faziam comentários. Na segunda metade do século
XVI,
produção oficial e fiel da iconografia cristã, espalhada pelas igrejas do vale do México, na região de Tlaxcala, em Michoacán e no bis-
o franciscaI
no Mendieta "pintava em certos lugares todos os mistérios de nossa redenção, para que os índios entendessem melhor, e muitas outras
pado de Oaxaca, surge uma grande produção "independente", cuja 'imperfeição", freqüentemente
coisas das Sagradas Escrituras e do Antigo Testamento". Antes dele, outro franciscano, Miguel Valadés, tinha desenvolvido esse procedimento de maneira sistemática.'
pretação da ~inguagem ocidental do que a alguma falta de habilidalc indígena. Esses trabalhos povoaram de imagens cristãs os orató-
Ao lado das pinturas de retábulo e das esculturas, em quase
rios domésticos que, desde os tempos pré-hispânicos, existiam em Iodas as casas indígenas. A importância desse fenômeno, que mar-
todos os conventos e igrejas, afrescos monumentais expunham aos índios o essencial da iconografia cristã. Alguns chegaram até nós. Se acrescentarmos as obras de artistas espanhóis e estrangeiros,
l
Ou
todo o período colonial, é enorme. Parcialmente livre do con-
Irole das autoridades eclesiásticas, a fabricação de imagens cristãs,
dentre os quais destaca-se Simon Pereyns, de Antuérpia, fica claro
pinturas, estatuetas e ex-votos encheu o universo indígena de
que, a partir da segunda metade do século
representações
XVI,
os índios foram pos-
tos diante de numerosas representações de fabricação ou de inspi-
.,
que costumavam escandalizar o clero. Em 1585,
.lgurnas vozes solicitaram ao III Concílio mexicano que proibisse a
ração européia, sobretudo os habitantes dos centros urbanos e dos
representação
pueblos que abrigavam conventos e igrejas importantes. Era diferente, sem dúvida, o que acontecia com os indígenas que freqüen-
ndios os adoravam "como antes". Em 1616, um padre atacava "as
274
L
denunciada, deve-se mais à inter-
de demônios e animais ao lado dos santos, pois os
\'sI3l11asde Cristo e as imagens pintadas em madeira ou em papel, 275
tão malfeitas e de aparência tão feia que mais pareciam fantoches,
antigas imagens "atrás de uma parede ou dentro do altar". A inte-
rabiscos ou outra coisa ridícula". Ainda no século
um édito da
gração da imagem cristã num campo autóctone, como as "pintu-
Inquisição determinava o confisco das imagens de pilón que os
ras" e os altares domésticos, e as cópias, geralmente feitas por mãos
íridios recebiam gratuitamente quando compravam alguma mercadoria e que amontoavam em seus altares, "imagens cuja repre-
indígenas, com as modificações que se pode imaginar e para escândalo do clero espanhol, explicam por que a especificidade dos
sentação é, para nossos sentidos, tão afastada e tão distinta dos ori-
cânones ocidentais não bastou para entravar a recepção dessas
ginais que existem no céu.." Porém, até 1681, nenhuma ordem
imagens. Na verdade, os cânones se esfumavam parcialmente sob a
regulamentava
XVII,
o trabalho dos escultores indígenas. Portanto, é
projeção das interpretações indígenas, que davam outros sentidos
indispensável ter em mente que a iconografia cristã se difundiu nos
outros contornos às imagens da fé cristã. Mesmo assim, a prega-
meios mais modestos através do prisma deformante e recriador da
ão repetida ano após ano e a multiplicação das imagens cristãs
produção indígena. Do mesmo modo que o cristianismo foi mais
ontribuíram para familiarizar os índios com o sobrenatural ocidental, ainda que sempre dentro dos limites impostos pela estra-
difundido pelos índios de igreja do que pelos padres espanhóis.' A assimilação da iconografia cristã era complicada, menos
nheza das palavras, pelo exotismo dos traços e pelo peso das inter-
por seus limites e suas modalidades de difusão do que por seu esti-
pretações indígenas. Era preciso não somente que os índios pudessem decifrar as imagens, mas que elas se tornassem, para eles, portadoras de uma
lo e seus cânones. Para os evangelizadores, a redução dos cultos indígenas ao demoníaco implicava, ao mesmo tempo, uma condenação moral e uma rejeição estética. Os deuses locais só podiam ser horrendos. O ícone indígena era imediatamente rebaixado à posição de ídolo proscrito e repugnante.
Mas a desqualificação
eo
rebaixamento decretados pelos evangelizadores baseavam-se em . categorias, classificações e divisões desconhecidas pelos índios. Ainda mais na medida em que o clero espanhol, convicto da universalidadede seus valores, raramente se preocupava em explicáIas a suas ovelhas. Isto não deve, contudo, nos levar à dedução de que as reações indígenas foram negativas. De um lado, os índios simplesmente não tinham escolha quanto à atitude adequada, mas, sobretudo, sua concepção do divino não era regida pelo princípio de um monoteísmo exclusivo. Assim, em geral limitavam-se a acrescentar os ícones cristãos a suas próprias efígies, pintando um Crucificado no meio de suas divindades ou, mais prudentemente, ocultando as 276
parcela da divindade. Se o primeiro obstáculo implicava apenas acostumar-se progressivamente com os códigos icônicos e iconorráficos do Ocidente, o segundo exigia que os índios tivessem a .xperiência subjetiva do sobrenatural cristão. Ora, de início a Igreja foi contra os milagres, que, aparentemente, só desempenharam um papel secundário na conversão dos indígenas. A rejeição do milagre, manifesta em franciscanos como Motolinía, Sahagún e o arcebispo Montúfar, correspondia a uma concepção otimista, lriunfalista até, da evangelização. Refletia e sustentava uma opinião . indigenista segundo a qual o entusiasmo dos índios em receber a fé tornara
desnecessárias
intervenções
milagrosas. Percebe-se aí,
igualmente, a influência secreta mas incontestável do erasmismo, • , que inspirou algumas inquietações no arcebispo de México, ]uan de Zumárragá. Tendendo para uma religião sem milagres, discreta em relação às imagens e aos santos, preocupada em ir ao essencial . evitar confusões entre a fé e o paganismo, uma ala da Igreja fran277
ciscana privava o cristianismo dos meios de materializar ou visua-
poderes prodigiosos. Sem nos estendermos sobre o papel exercido
lizar um imaginário muito distante dos índios. Ao mesmo tempo, aliás, que beirava a heresia, aos olhos da Inquisição.
pelos veneráveis na sociedade espanhola e mestiça do século
Contudo, o milagre não esperou pelo encerramento do Concílio de Trento, nem pela chegada dos jesuítas, nem mesmo pela instalação do Santo Ofício ( 1571) para produzir-se em terras mexi-
.ntre esses religiosos de status muitas vezes modesto, que morreram como santos, de uma ortodoxia inatacável, e os curanderos
não podemos deixar de notar o estranho parentesco que surge
canas. Os primeiros franciscanos tiveram, eles próprios, visões,
indígenas, os adivinhos, os "conjuradores de nuvens", que acabamos de encontrar. Tratava-se da mesma função terapêutica - a
praticaram a levitação e ressuscitaram alguns mortos, contrarian-
gracia de curar-
do, aliás, o que afirma Motolinía. Foram muitos os anjos, santos e
de se comunicar com o divino por meio do sonho ou da visão. Uma
demônios que atravessaram a existência dos evangelizadores, independentemente da ordem a que pertenciam. Mas foi apenas no
.inalogia superficial, talvez. Mas pareceria assim aos olhos dos
final do século
XVI
milagre." Apesar de tudo, essa hagiografia respeitava essencialmente o clima da primeira parte do século XVI, na medida em que o milagre nela aparecia muito mais como experiência interior do que
e climática, sobretudo da mesma capacidade
ndios, que interpretavam tais fenômenos em sua própria lingua:m? Que viam "feiticeiros" nos veneráveis e "santos" nos curan-
que uma história, misturada com hagiografia,
resolveu estabelecer as listas desses eventos e registrar até o menor
deiros? É verdade que os veneráveis eram os porta-vozes da Igreja 1,0 rroca e, de modo mais geral, do aparato colonial. Entretanto, não l'
menos verdade que encarnavam, em suas pessoas e no meio indí-
gena, um mundo invisível, um poder divino, um acesso direto e
pedagogia da conversão e do sobrenatural, por intermédio de reli-
lima relação constante com a divindade cristã, Os veneráveis - e -uas relíquias, é preciso lembrar - tornavam-se, assim, a expres,,,\0 próxima, visível, palpável e tangível de uma outra realidade,
giosos cujas vidas exemplares e prodígios chamaram a atenção dos cronistas. Um dos primeiros e mais famosos dentre aqueles que
1'1uela que as imagens evocavam mais remotamente, e os sermões, de forma mais abstrata.'
eram chamados de veneráveis foi, sem dúvida alguma, o agostiniano Iuan Bautista de Moya, apóstolo de Michoacán e de Guerrero,
Por mais convincentes que fossem, os veneráveis ainda interpunham entre os índios e o sobrenatural cristão a barreira de seus
região a que chegou em 1553. Entre 1550 e 1650, de Querétaro ao
I
como instrumento de catequese. Foi apenas na segunda metade do século XV! que ele passou a ser sistematicamente inserido numa
orpos e de sua presença. Para abolir tal distância, era preciso que
os indígenas tivessem a experiência subjetiva do maravilhoso crisEla foi tão precoce quanto o aprendizado da leitura e da escri-
bispado de Oaxaca, do vale de Puebla a Michoacán, esses veneráveis cobriram os campos mexicanos com os ecos de seus feitos. Eles
·1,10.
dominavam os elementos naturais, afastavam tempestades, atraíam
111. Registradas
.a chuva, comandavam as nuvens e plantas, provocavam incêndios
i ndígenas
desde as primeiras décadas da catequese, as visões
foram recebidas com reservas pelos evangelizadores
e os extinguiam a seu bel-prazer e se dedicavam a profecias e adivinhações. Sobretudo, multiplicavam as curas milagrosas, antes e
" irnnciscanos, embora eles reconhecessem que, ao longo da década de 1530,"muitos índios neófitos tiveram revelações e visões nume-
depois de mortos, já que suas relíquias e corpos (despedaçados com rapidez por fiéis excessivamente zelosos) também eram dotadas de
rosas e diversas". E descreviam exemplos, como o globo de fogo que .ipareceu acima do santo sacramento durante uma missa, a coroa
278
L
XVII,
279
de ouro que surgiu na cabeça de um franciscano
que pregava ou o
abertura
trazendo
destinavam
à deusa. Os franciscanos,
das portas de uma igreja. Desde essa época, índios mori-
provincial,
Francisco
eram levados ao além. Por volta de 1535, santa Catarina
santa Madalena repugnante
ofereceram
da idolatria
a dois neófitos
e o caminho
pelo batismo. Em 1537,antes
e
a escolha entre a via
perfumado
e florido aberto
inferno, onde ele fora atormentado
para os sofrimentos
pelo temor e tomado
denunciaram
violentamente
do
por um
Virgem Maria. É provável que o franciscano apenas era natural
e alegre, cheio de delícias". Mas os índios
não
um a um,
Cristo, a Virgem, os anjos, os santos, os religiosos falecidos e o diabo em pessoa, que se manifestaram geralmente
ocorriam
avisos, consolação
à beira da morte, exprimiam
vivos. A experiência
dirigidas
se integrava, assim, a uma pedagogia
do, da morte e do além. Mas ainda era relativamente rádica. As visões indígenas de uma estratégia
deliberada
isolada e espo-
do imaginário
cia franciscana,
mantinha
da de 1540, uma devoção
que a Igreja mexicana,
dessa devoção
piedade mariana
dos naturais
à Virgem da ermida "viria em proa intenção
e os milagres da imagem para estiOs seculares venceram.
da Virgem de Guadalupe
não fosse, em momento
e oficialmente
como milagrosa
podem
ser encontrados
em textos indígenas. de Tlatelolco,
pelo arcebispo Alonso de Montúfar,
espanhóis
piedosos
santuário.
Mas tinha, sobretudo,
280
e damas de alta estirpe
que freqüentavam
por o
recebido o apoio dos índios, que
(k'sCCL1
I
O diário
de Juan
apareceu
sobre o
"Ano de 1556, a Senhora
sobre o Tepeyac", data que assinalava também
uulígena Chimalpahin
e seus ecos
por exemplo, indica que
"no ano de 1555, Santa Maria de Guadalupe
devoção fora encorajada
e menos ainda
lentamente
,Iepcyac" Os Anales de México confirmam:
A
algum, reco-
orno uma imagem de origem divina, "manu divina depicta". Con-
capela pobre ao norte da cidade do México, no exato local onde a Toei, a deusa-mãe.
A devoção
na segunda metade do
antes se erguia um santuário
consagrado
de explorar a
e a piedade dos vice-reis só fizeram crescer em
uuutista, alguacil indígena
numa
a imagem
[que] desse modo se converteriam".
dos espanhóis
'cujo, ainda que a aparição nhecida explícita
confundir
("ela era Deus").
tudo, relatos e tradição oral já se instalavam
sob ainfluên-
tinha se desenvolvido
mas também
a devoção dos indígenas.
rioula e indígena
I
em matéria de milagre. No final da décamariana
para saber que, para eles, não
Não se poderia expressar mais claramente
vol ta do santuário
Sahagún tivesse razão.
diversa era a atitude do clero secular, que afirma-
veito e benefício
indígena. E, mais
Sabe-se que os primórdios
a atitude prudente
Totalmente
In ular
é, talvez, o que melhor esclarece as
adoran-
a Virgem como uma das manifesta-
'om a força que representava
l
o pouco que sabemos acerca das origens do culto da
Virgem de Guadalupe. confirmam
do peca-
de catequese."
etapas da cristianização
precisamente,
ou aos
existiam, mas ainda não participavam
A difusão do culto mariano
conceber
va que a devoção dos espanhóis
reprimendas,
ao visionário
os índios o suficiente
ções de sua antiga divindade,
para vários deles. Tais visões, que
ou mensagens
em relação ao milagre e
do, sob o nome de Tonantzin, a antiga mãe dos deuses, em lugar da
muito
apenas o além cristão. Foram descobrindo,
a devoção, pois os índios acreditavam
tanto, ela era Deus". Além dessa reticência
Ele conhecia
agradável
pela boca de seu
e depois pela de Sahagún,
que aquela "imagem pintada por um índio operava milagres e, por-
medo terrível [... ] e que, em seguida, um anjo o guiara até um local exploraram
ao contrário,
de Bustamante,
que outrora
ao cuItodas imagens, temia-se que os índios continuassem
de morrer, um índio de Cholulacon-
tou que "seu espírito tinha sido arrastado
primeiras
para a Virgem as oferendas
pela
céu que se abriu diante de um índio que esperava devotamente bundos
continuavam
o historiador
em suas Relaciones. Assim, ao que parece,
lcsdc o final do século XVI indígenas
alfabetizados
recolheram 281
a
lembrança
de uma ou de várias aparições,
dos do século, isto é, num momento ricamente indígenas
bem estabelecido.
Talvez tenham
com registros do acontecimento
sitados no santuário, aparentemente,
que situavam
contribuíssem
existido
ntre as manifestações
do vigor com que a Igreja tratou de recupe-
rar o controle sobre a aparição mariana dO,Tepeyac. É digno de nota
"pinturas"
que, como os Títulos primordiales, a Igreja tratasse de forjar um pas-
ou ex-votos que, depo-
para sua divulgação.
não resta nenhum
Terceira fase e coroamento
em mea-
em que o culto já estava histo-
Contudo,
sinal disso.
sado, de cuja autenticidade
também
estava convencida.
Um passa-
do marcado para tornar-se
mais real e mais inabalável do que o pas-
sado histórico, Também como os Títulos, mas a bem dizer em outra
dessa gestação:
a intervenção
do
.scala, os dois padres estabeleciam
uma memória
e apresentavam
clero secular, em 1648, por obra de Miguel Sánchez, que, em Ima-
os fundamentos
gen de Ia Virgen María, Madre de Dias, de Guadalupe, reúne e unifi-
processos são quase os mesmos, embora acionem forças totalmen-
ca os relatos
te desiguais. Testemunham
que circulavam
quase definitiva
na época, dando-lhes
e fornecendo-lhes
uma forma
o fundamento
teológico
que
lhes faltava. Segundo Miguel Sánchez, a Virgem teria aparecido 1531, na colina de Tepeyac, para um índio chamado teria ordenado
Quando,
para uma nova sociedade.
pulações,
Iuan Diego. Ela
tanto
invenções.
deliberadas
Evitemos
Virgem de Guadalupe
diante do bispo, ele abriu
como
inconscientes,
as conclusões
precipitadas.
expandiu-se
gradativamente
lima imagem, contra a vontade
a capa que envolvia as flores, a imagem da Virgem apareceu estam-
110
encontro
da piedade
Os
o peso crucial que este século XVII bar-
roco tem para a história mexicana. Trata -se de recuperações,
em
ao índio que colhesse flores e as levasse para o bispo
do México, Iuan de Zumárraga.
de uma identidade
mani-
mas não de A devoção
em torno de
de parte da Igreja mexicana,
espanhola
e da perpetuação
indo
do culto au-
pada no tecido. Um ano depois (1649), ao publicar a mesma versão,
Ioctone. Foi somente mais tarde, nas últimas décadas do século
mas em náuatle, o padre encarregado
de Guadalupe,
I' primeiras
de atingir
111iIagrosas
do santuário
Luis Lasso de Ia Vega, tinha a intenção
deliberada
um
público indígena, "para que os naturais vejam e saibam em sua língua todo o amor que Vós [isto é, a Virgem modo ocorreu
1 tivestes
aquilo que tinha praticamente
XVII,
que a tradição
da aparição juntou-se
realizadas pela imagem e se espalhou por todas as cama-
lon tcs, para descobrir
sob o
"11 t;10
a extensão do processo sem precedentes
afetava as culturas indígenas:
h indianização
efeito do tempo". A partir de então, os escritos, os sermões, os sone-
I
I
tos e os poemas consagrados
t
I'il) de que a Virgem do Tepeyac apareceu
um nacionalismo teatro edificante
a Guadalupe
crioulo, enquanto se encarregam
alimentam
os retábulos,
de fazer ressoar no mundo
na o relato assim fixado: autos sacramentales Lasso de Ia Vega são montados e a pedido dos índios." A recuperação trodução
tirados
·"llIda maior na medida
da obra de
da transmissão,
sob a forma
e sua reinfixada por
de 1666 estão
que
do sobrenatural
islão. Pois é bem disso que se trata quando os índios se conven-
1IIIdo para ele um sinal prodigioso.
indíge-
lok o, nos arredores dll
crucifixo
tll'lllonstram t~111
A importância
desse passo é
para índios de Xochimilco
e de Tlate-
da .capital. Três anos mais tarde, o traslado
de Totolapan a sensibilidade
relação ao maravilhoso
1\1:111, (.!111
para um dos seus, dei-
em que não estava isolado. Em 1576 e em
l'IHO, Virgens apareceram
•
orais, sua cristalização
Sánchez e Lasso de Ia Vega, e a grande investigação 282
eo
nos pueblospot iniciativa dos padres
das tradições
no circuito
o embrião de
as pregações
XVI
às curas
dns sociais. Devemos voltar a esses anos decisivos, mas pobres em
por eles e de que
desaparecido
do
à
foi acompanhado adquirida
pelos indígenas
cristão. Durante
meio a curas milagrosas,
por prodígios a passagem
que
da capital da ima-
os índios viram mexerem-se 283
os
braços do Crucificado, "uns pensaram que estava vivo e que os abençoava; outros imaginaram que era o verdadeiro Cristo, o que sucumbiu nas mãos dos judeus; e outros acreditaram que fosse Deus e o adoraram enquanto ta1...". Enquanto os agostinianos faziam todo o possível para propagar os milagres do Cristo, os franciscanos, como de hábito, se inquietavam com os progressos da
julgar pelas Relaciones geográficas. Essa penetração e essa territoriaIização do invisível cristão, essa enxurrada de imagens nas primeirHS décadas
do século
XVII
correspondem de maneira incontestável
no desvanecimento das veleidades erasmianas e à extinção das utopias missionárias. Acompanham o surgimento de uma Igreja na qual a hierarquia, o clero secular, os cônegos das novas catedrais e
devoção e requereram a intervenção da Inquisição. Porém - fato significativo -, agora não era mais com a incredulidade ou o paga-
os jesuítas começavam a deslocar as ordens mendicantes da posi-
nismo dos índios da capital que se preocupavam, como ocorrera trinta anos antes, mas com os possíveis desvios da exaltação religio-
Ofício (1571), a chegada dos jesuítas (1572) e a celebração do
Concílio mexicano (1585) acompanham a vitória do maneirismo
sa entre "gente de limitadas faculdades e cuja inteligência não voa
(', posteriormente, de seus avatares barrocos sobre a arte monásti-
alto': Isso indica que, na década de 1580, existia entre os índios de México e dos arredores uma receptividade ao milagre que já não
(':1,que morreria com o século. Muito se disse acerca do abandono dos índios que teria caracterizado esta Igreja pós-tridentina, quan-
era de caráter individual, mas coletivo. Essa parece ser a grande
do, na verdade, ela se empenhava em dedicar-se a eles de maneira
diferença em relação aos milagres registrados na primeira metade do século e um indício do grau de cristianização dos índios da capital, que já tínhamos brevemente investigado.
diferente
\';10 dominante que ocupavam. A instalação do Tribunal do Santo III
e num contexto transformado. Com obreiros cada vez III:1isnumerosos, o clero regular passa de oitocentos para aproxi-
madamente 3 mil indivíduos entre 1559 e 1650 em toda a Nova h:-.panha, enquanto os padres seculares passam de 158 para 451
Outras iniciativas marcam essa década. Um ano após o traslado do Cristo de Totolapan, os dominicanos abriram o santuário do
('Iltrc 1575 e 1622, apenas no arcebispado de México. Contudo,
Sacro monte, em Amecameca, a sudeste do vale do México.
Foi
l'lllbora seja incontestável que a presença eclesiástica em torno dos
que se espa-
lharam por toda a Nova Espanha imagens milagrosas da Virgem e
tudios se adensou, é mais difícil avaliar seus efeitos, tendo em vista I írcq üen te desorganização das populações indígenas devido às
de Cristo e cruzes prodigiosas. Sob o tríplice impulso da Igreja barroca, da piedade espanhola e da devoção indígena, a terra mexica-
pidcmias e às "congregações" Limitemo-nos a supor uma reperI u-são mais efetiva das políticas eclesiásticas, mas sem nos apres-
na cobriu-se então de devoções locais e regionais. O sagrado e o
IIImos em igualar cristianização e aumento de pessoal, e notemos
sobrenatural dos vencedores se enraizaram na paisagem, se pren-
também nessa época, e ao longo de todo o século
XVII,
10
I
deram a colinas (como Tepeyac eLos Remedios, perto de México),
11"1'a Igreja barroca se mostrava disposta a validar as devoções, os I 1IIIos e os milagres que circulavam entre as populações indígenas,
montanhas, desfiladeiros (como Chalma) e minas; se instalaram na costa (Huatulco) e invadiram tanto os centros urbanos (México,
IIH'sl iças e espanholas da Nova Espanha-com a condição de codi11111 los e canalizá-los em celebrações nas quais a pompa barroca
Puebla, Oaxaca) como paragens mais isoladas (a Virgem de
I
Iuquila, em Amialtepec). Imprimiram novos significados a locais que tinham sido, até então, memórias mudas do mundo antigo, a
Lembremos, principalmente, que essa política se inscrevia 111111I:1 Nova Espanha distinta da que havia sido inaugurada pela
284
il'~('mpenhasse um papel decisivo.
285
Sabe-se
Conquista. milhões,
que, em 1585, os índios
enquanto
minoritária,
a população
encontrava
Desde o século
espanhola,
de 2
negra e mestiça, ainda
-se em processo de constante
um número
XVI,
não passavam
branca
e mestiça.
crescimento.
cada vez maior de índios deixava
segunda
cidade
enquanto
Querétaro,
Fundada
do vice-reino,
tinha
no século quase
XVI,
práticas
basta propor individual,
da experiência
a
17 mil indígenas,
Tampouco
ou o aumento
da
É no nível da interiorização
subjetiva que é preciso tentar apreendê-
que se disponha
panhia de Jesus conservou le fenômenos
progressiva.
da cristianização
para explicar o fenômeno.
10,contanto
Puebla,
dessa infiltração
a intensificação
mestiçagem
suas cidades e seus pueblos em direção aos centros com expressiva população
modalidades
de meios para isso. Pois bem, a Como registro de um número
sobrenaturais
-
visões, no caso -
considerável
vivenciados
por
indígenas e colhidos por seus membros
no decorrer de seu aposto-
atraíam milhares de índios. Cada vez mais em contato com os espa-
"Ido. São particularmente
para o período
nhóis e os mestiços,
precisamente
uma religiosidade procissões
Celaya, Valladolid em Michoacán eles eram levados a se integrar
coletiva e pluriétnica,
anuais -
autos-de-fé
as procissões
da Inquisição
assim uma sociedade começavam
a ser construídas
suntuosas.
ilustrada
autoridades
em lugar dos conventos
caciques indígenas,
civis e eclesiásticas,
além das multidões
nobrezas
indígenas
os espanhóis
de índios, mes-
pobres". Enfim, se as do que ha-
por uma socie-
de pobladores
iam pouco
a pouco
descendentes
arruinados
em que no-
desalojando
Nesse mundo
não deve surpreender
os mais
que o culto da
do mesmo modo que a imensa maioria das
aliás, associasse todos os grupos étnicos e que
florescesse, como tantos outros, nas cidades e em seus arredores. Mas não basta observar
fenômenos
modo como a Igreja buscou a conquista
286
até agora considerados
II
globais para perceber e a colonização
nário indígena. Gerais demais, ou excessivamente temunhos
deliberada,
que arrastava comunidades
exemplares,
recor-
com ares de psicodrama
inteiras, ou parte delas, a esta-
to -,
vas gerações
devoções marianas,
experiências
e
e as fortunas,
Virgem de Guadalupe,
Eles narravam
tido os índios aos
ricos comerciantes
os homens
mais misturado,
12
icndo a uma dramatização I olctivo,
como o~ jesuítas organizavam
em torno das visões que tinham
e
dade que sugava vorazmente
urbano,
que
nossa atenção.
corporações
eram poupados
dos conquistadores.
"lia pregação
1I t Iais se dirigiam.
Surgia
e que rece-
não eram, em geral, nem sombra
viam sido, tampouco
o período em que concentramos
1580-1610,
tios de depressão e excitação extremas - a moción, o arrebatamen-
compostas
tiços, negros, mulatos e, já presentes, "brancos
pelos
pelas catedrais
biam sob suas naves todas as camadas da população: confrarias,
-,
abundantes
Mostrei alhures, em detalhes,
pelas grandes
Christi
e pelas beatificações
nova, urbana,
ainda mais a
pontuada
de Corpus
e Zacatecas
o
do imagi-
lacônicos, os tes-
não permitem
esclarecer
as
em que se mesclavam
\ visão, a estandartização 1;110. Evidentemente, 1 t 111
de seus delírios e modelos de interpreta-
aplicavam
fusões muito distintos,
os mesmos
convicção
rcproduzi-los
11'111
11,10
no espírito
do visionário,
1II1Iicuda e "transportada".
nos
e redifun-
a ponto de alguns deles pode-
quase que com perfeição. Codificação,
IIIli IS C delírios indígenas se superpõem
estereó-
a ponto de se confundirem,
pelo menos no da comunidade
E o que encontramos
II'II'I-Ilsticacristã, o inferno e seus demônios,
aí? O essencial da
o paraíso e os santos.
1lllt:lgonismo entre o bem e o mal assume todos os avatares ima-
I'
1\ j t' vc is e inspira inclusive oposições \I
a estados e
com freqüência
que temos razões para crer que os
tlld los acabavam por interiorizá-Ios,
« )
esquemas
cuja especificidade
upa. Mas esses modelos e esquemas eram difundidos
llidns com tamanha
I
o ter-
às vezes o pânico. Os jesuítas traziam para os índios a incitação
'1)1"
"i!
a dor, as lágrimas, a estupefação,
11l1\'lIl11as principais:
o cromatismo,
secundárias,
que enfatizam
as intensidades
luminosas, 287
e
os odores, os sons e os materiais cas, que reafirmam
de todas as formas a dualidade
veis de serem depois comunicadas
sua lógica imperturbável
de outro modo, com os demais membros
o feio, o sulfuroso,
aqui no extremo oposto tria, em que prevalecem, permeabilidade
\1-
\
combinações.
esquema
simples e simplificado
questão
do purgatório
A visão cristã, ao contrário, -,
,r~ t
-
dualista,
e da mensagem
na. Compreende-se,
Ia penetração
da idola-
dos deuses, a sutis e as
opera com um
veja-se a freqüente
de estrutura
dessas associações
cristãos. Ao apostar
e desses esquemas
o na
repetitivos,
a
no afetivo, no subjetivo,
a experiência
indígena
do
I.õ":'"
&-. q!)
do pecado e da danação, dissipa-as por meio
rituais, como a confissão e a penitência,
plena assimilação Digamos,
da temática
na intenção
conduzindo
à
cristã da salvação e da redenç~ de determinar
com mais precisão
o
fenômeno, que os jesuítas teriam apresentado a índios ternporaria...• {t-.'- I ('('mente perturbados uma possibilidade de estruturar seus delírios, -l'- <..f:.I'
;\\!.>
sob a forma de uma série de sintomas cristianismo.
O fato de as culturas indígenas
~
de meios para incorporar,
interpretar
r
transtornos
contribuía
. '.
Remeto, aqui, às páginas dedicadas
'"
)
certamente
mas cristãos se prestavam, de perseguição.
288
e atribuir
significado
para o sucesso
então, àqueles
Os esque-
e, mais do que
as psicoses alucinatórias cultural
É ela que permite
ao
da empresa.
à crise da idolatria.
Essa reforrnulação
essencial, em vários sentidos.
tomados
não disporem,
por exemplo, a ilustrar
isso, a resolver os acessos delirantes, delírios
restauradores
parece
e os ser
fazer das crenças
sob o controle
Compreende-se
tenha se tornado
XVI
ardente
e da
indígena imagens, e também
das emoções e das angústias. O exemescala, um processo de
muito maior que se realizava na Nova Espanha de fins e início do
XVII,
entre 1580 e 1650. Parece-me
com mais nitidez o desenvolvimento
marianos e das imagens milagrosas lrata-se da adesão dirigida I
indígeo suporte
um vetor privilegiado
pio jesuíta ilustra, grosso modo em pequena envergadura
que
igualmente
e diante do pecado -
(cmores, numa estruturação
\~além cristão. Explora as emoções, como o medo e a angústia, inteà problemática
cristão,
diante da divindade
Itermite perceber
os limites da palavra e da imagem pintada,
da comunidade
no imaginário
registros. Ela ultrapassa
v ,.." de técnicas
\!5
ndutas -
mesmo
pois que introduzia
ped.~gogia jesuítica do il!@ginári2'..ope@, assim, nos mais diversos
~ ~ ,g gra-as
~
que, nessas condições,
evitação da
que resume
e compartilhadas,
vigilante dos padres da Companhia. .rculturação,
estruturadas)," passí-
assim, que a visão tenha se tornado
do sobrenatural
do século
para instalar
-(1l \.J
-
como vimos, a ambivalência
múltiplas
numa
e o alarido. Estamos
dos seres e das coisas, as transformações
interiorização
o.
o obscuro
os jesuítas percebiam-no?
essencial do sobrenatural
-q
riências subjetivas (ainda que culturalmente
e sua resolução
e rígida, classifica invariavelmente
conexas, expe-
ristãs em relação ao além, e de suas representações
em duplas antitéti-
última em proveito do bem, de Deus, da Virgem etc. .# O sistema, com única categoria
«;) I
se organizam
que floresciam
das massas indígenas
ristão, da invasão de um sobrenatural
mente em solo mexicano.
que ele
dos cultos
por toda parte. ao sobrenatural
exótico e de seu enraíza-
Mas nem por isso devemos negar a exis-
11\llciade manifestações
propriamente
indígenas,
sem as quais os
processos que acabamos
de descrever não teriam sido senão uma
III I posição
infrutífera. onsiderando o que vimos, dir-se- ia que a Igreja empreendia,
II p:l
rtir do final do século
IIIIS
espíritos, auxiliada pelas dificuldades
II
111em recuo.3eria
a conquista
e irresistível
e impasses de uma idolapouco mais de 5 mil
não detinha o monopólio
assim como a idolatria
di; demoníaco que lhe era imputado. III~M'Sespanhóis,
tranqüila
esquecer que a Igreja -
1"111 rcs por volta de 1650 I I 11,1 I ocidental,
XVI,
não detinha
do sobrenao monopólio
Soldados, artesãos e campo-
bem como escravos ou ex -escravos africanos, tra-
I.lil" I com eles crenças
ilícitas e práticas
clandestinas,
que o Tri-
1111111 II do Santo Ofício tratava mais de conter do que de extirpaf 289
Se
.i) Para descobrir espaços que escapavam do controle que a Igreja pretendia exercer sobre o sobrenatural, é preciso voltar a
dos do século XVII, apresentava.a 1 milhão de índios usos em geral bastante heterodoxos.
.ucnção para as ~ias
Em momento algum a dominação da Igreja chegou a ser de fato ameaçada. Contudo, desde o início ela reencontrou, em solo americano, seus "adversários" costumeiros, os hereges e os judeus.
praticando a adivinhação, espanhóis, negros, mulatos e mestiços .rrrogavam-se poderes comparáveis aos dos conjuradores indíge-
Os primeiros eram muito poucos e, provavelmente, nunca tiveram
Ili,lis não se baseavam numa concepção relativamente homogênea
penetração no mundo indígena. Exceto por um grupo de piratas protestantes que tiveram o azar de cair nas redes da Inquisição e algumas pálidas réplicas de erasmismo, ou até de luteranismo, que
,10 mundo. De modo geral, tinham rompido os elos que as ligavam
•..
fi)
li iabo e, mais ainda, "obrigando os demônios a falarem com eles",e
lias. Contrariamente
IDS
à idolatria e ao cristianismo, as magias colo-
meios e às sociedades em que haviam surgido, fossem aldeias
rhéricas
ou africanas. Além desse desenraizamento
irremediável,
I i11 ham
,.).
ques contra a Igreja não passavam de manifestações individuais, esporádicas e triviais. Lembremos, sem exagerar-lhe o impacto, a
.1" forma caótica e suas formas erarnrnúltiplas.Algumas --------.._. -
~0 .q
presença de uma comunidade judia clandestina, que era a única a encarnar uma religião distinta do catolicismo e, pelo mero fato de
~
11111'10 com o diabo, seus vôos noturnos e o sabá, embora cobras e
era mera fachada, sobretudo
devido ao
nhóis' mestiços e negros, seus subterfúgios e sua habilidade em contornar as obrigações impostas pela Igreja tiveram grande influência sobre o comportamento dos índios, que descobriram com eles as saídas do concubinato e da bigamia para a imposição do casamento monogâmico
(,;.0
-
menor freqüência, espanhóis, representantes da Coroa, alcaldes mayorese corregidores, mineiros, mestiços e mulatos com que cruzavam nas cidades ou nos pueblos,"
~ ~a"\i I~
----
e indissolúvel. É sempre bom lembrar
que, para os índios em geral, o~ianismo era tanto o dos padres quanto as versões que lhes ofereciam os índios de igreja e, com
S' ~ .... "(,1'
Ihlvam orações cristãs. Outras, ainda, retomavam, completamente
gens e seus fundamentos. A atenção dos índios das cidades se dirigia a esses espanhóis e portugueses que levavam uma vida dupla, barulho que faziam os éditos da Inquisição e os autos-de-fé. Por outro lado, é incontestável que o mau comportamento desses espa-
" (r ~I .:1
ruspiravam de perto na liturgia católica e "abusavam da eucaristia, .1,)Sí3 nto óleo, dos altares e de outras coisas sagradas". Outras detur1IIIcom algumas modificações, o modelo da bruxa européia, seu
em que o cristianismo
{' \.:-:-
~igens aLmais~d~er:.s_'!§,~seE~el~mento~ _h_~vi~IE ~v2.1uído práticas se
existir, a única a colocar em xeque, aberta e radicalmente, suas ori-
----~----~----------~
(
~
co]Qpiais. Multiplicando os pactos com o
polemizavam sobre o casamento dos padres ou a confissão, os ata-
~
-,-
-
acrescentarmos a esses grupos os mulatos e os mestiços, estaremos diante de uma população de mais de 400 mil almas que, em mea-
290
upos em geral substituíssem os gatos da península. Tradições ibé-
Ill'OSe mediterrâneas misturavam-se, enfim, com crenças, amuleIII~
c técnicas divinatórias originárias da África. Apesar de hetero-
l'lll'as, as práticas e crenças podiam se sobrepor, se duplicar e se Mas continuavam sendo, basicamente, práticas e crenças, ! 111 jamais desembocar na constituição de uma apreensão globa-
1111Id~
li:" utc ou totalizante do mundo. Produziam um amálgama instáj'l, comparável àqueles amuletos que juntavam indistintamente 1,1.lIII,IS de origem indígena, escapulários e ímãs. Um produto que IJ 111) Iilava a resolver
!iHl v.iriáveis
problemas biológicos ou sociais, com elemensegundo os lugares e as etnias predominantes, sem
i" 111.1is atingir a extensão e a coesão do cristianismo ou da idolatria. i ;1' 11IOdo que as adesões e rejeições eram individuais, variáveis, 111"" olllí
nuas e frágeis, já que nenhuma autoridade poderia garan291
n I'
Assim, a magia e a feitiçaria ofereciam a todos a sedução de
tir a validade ou a superioridade de determinada forma de adiviFalta-nos espaço para investigar o significado e a função da
.IOS
valores e bens que a existência lhes negava. Daí a sensação de
feitiçaria e da magia coloniais, de origens tão misturadas. Embora
que é principalmente
lançassem mão de conceitos e práticas vindos de toda parte, sua finalidade era uma só. Num universo institucionalmente rígido e
111ticas, '(\ de que a eficácia imediata é mais importante do que a coe-
a função pragmática que caracteriza essas
como a sociedade colonial, com freqüência ofere-
~"cia das crenças e dos traços, e a improvisação dos meios, mais IIIiportante do que a tradição. Os clientes - pois aqui é preciso
ciam um meio (ilusório ou não) de atacar as desigualdades produ-
I.ilnr em termos de mercado e de mercadoria - estavam dispostos
zidas pela dominação espanhola nas massas indígenas, engrossadas
li
por um número crescente de escravos africanos e, principalmente,
IlIilis numerosos do que se imagina. chegavam até a "idolatrar" com
hierarquizado
,,' híbridos de todo tipo ..Escravos negros, que, no século XVII, empregavam todas as suas forças para sobreviver num meio desconheci-
~ 9\1
,.,
l'USsaberes e de sua eficácia. Forneciam um acesso fantasmático
nhação ou de manipulação.
c~ ,,?, J..'*-1
~
~",4'- tf' .~ V
I
tudo para atingir seus objetivos, tanto que espanhóis, certamente
ndios, para conseguirem o impossível. Daí provinha uma proIIISUO de gestos, substâncias, amuletos, fórmulas e circuitos ocultos
"~
1
do e hostil, buscando vingar-se ou proteger-se da opressão de seus
que, assim como a corrupção, conferiam dinamismo e plasticida-
senhores. Mestiços, que não tinham lugar nem no mundo dos
,lI' ~ sociedade colonial. Além do pragmatismo, havia ainda uma
brancos n~
Illl'ocupação com a rentabilização e a comercialização das práticas
no dos índios. Escravos mulatos, que podiam esperar
que seus filhos fossem emancipados, contanto que se fundissem, se possível, nas massas mestiças e indígenas. Índios ladinos, acultura-
I
11.\5crenças, pois, por mais modesto que fosse, e por mais vital que
dos o bastante para compartilhar a vida dos mestiços e dos mula-
111~se considerado, o serviço da magia garantia o sustento de vários humens e mulheres. Também nesse sentido, a magia muitas vezes
tos, mas inelutavelmente
11,1apenas um sistema de defesa, à disposição dos numerosos
condenados,
como eles, a ocupar os
degraus mais baixos da sociedade mexicana. E, por fim, não esqueçamos dos brancos pobres, sem futuro, das espanholas órfãs, viúvas ou abandonadas, entregues à própria sorte, quando não à prostituição. Todos eles compunham uma camada da população insuportavelmente alijada do poder e das riquezas, nas mãos dos poderosos do vice-reino. Numa sociedade enrijecida, muitas vezes só o sexo permitia saltar as barreiras sociais e étnicas. Conseqüentemente, as magias eróticas eram instrumentos indispensáveis das
-
111~sl'rdados da sociedade colonial. Nela, as separações nítidas e fixas 1\1li' li Igreja insistia em impor aos índios eram pulverizadas, numa 11111 índe de crenças e práticas. Era essa paisagem movediça e varia1111, ~'ontraditória em suas regras e desconcertante em seus critérios, 1\111' os índios descobriam e aprendiam a conhecer. Não há como t ~.ll\erar a importância deste fator suplementar de desorientação, 1.1"1' se juntava ao hermetismo do cristianismo e à ano mia do sécuI11x VI. Era preciso ser um grande clérigo para perceber que os alume as beatas que tinham o apoio momentâneo de fiéis nos Idos XVI e XVII não passavam de perigosos heterodoxos. Como
estratégias amorosas, que teciam cumplicidades secretas e laços poderosos entre a curandeira indígena, a bruxa mulata e a mulher
/IIII'/OS
espanhola, que Solange Alberro analisou de modo admirável. E,
1111l11'rinm os índios distinguir os feiticeiros europeus condenados
para manipular desejos, recorria-se a todas as culturas, indiferentemente.
1",111 Igreja daqueles espanhóis que, com a autorização de bispos e IlIlIlllios locais, podiam exercer as funções de saludadores, ensal-
15
292
I'
293
madores e santiguadores, doenças
ou seja, de curandeiros
com rezas e bênçãos?
"muitas superstições"
Embora
que tratavam
admitisse
a presença
l.
A captura do sobrenatural cristão
de
nessas práticas, a Igreja aceitava sua existên-
cia. Seria igualmente
os curanderos indígenas
difícil distinguir
dos
veneráveis e, mais ainda, dos monges giróvagos, dos frayZesque descobriam
minas,
prediziam
fugidos, dos ermitões as fronteiras
naufrágios
suspeitos
da heterodoxia
e encontravam
perseguidos
podiam
diversas
exemplo. E, finalmente, contentes
em admitir
daquelas
a realidade
ou pronunciadas
determinadas
pensemos
r
.; ~
esmagadora
I:::. }
f
empréstimo,
~ Espanha
f\
maioria
,1 f'Y'-l
lembrar
C
da população
,.Aue se aproximasse
~j
tinham
com as magias importadas
em
de "contaminar"
uma viscosidade
tudo a esquemas
dos de eficácia a curto prazo. Se a idolatria
~~ t' facilmente
permeável
-10.
esvaziava de toda substância
delas, reduzindo
da
da Nova
se contentava
controlá
a capacidade
em que eram praticadas,
ria que sistematicamente
(
o~mestiça
extraordinariamente
Os progressos
bem, a do
O cristianismo
branca
a norma, sem jamais conseguir
terrenos \
que conheciam
diante do qual a Inquisição
_As magias coloniais tinham
recorriam
Tudo isso só podia
e da confusão.
era um conglomerado
aos empréstimos,
em
ou melhor, acabava impelin-
direção
da justaposição
PUCiSP
pela Igreja, por
da feitiçaria indígena,
deixar perplexos os recém -conversos, do-os com mais força numa
NadL' G
nos párocos do interior que, não
ao auxílio de curanderos e desenfeitiçadores.
Blb1~CJtc.ca
Mas
ser ainda mais sutis, quando
orações eram desviadas para fins particulares circunstâncias
escravos
pela Inquisição.
os
,I.IS
simplifica-
podia conviver
mais
já estava derrota-
,1.\. Mas seria preciso ignorar sua permeabilidade
e sua persistente
, .1 pacidade
, ,'SSO
senão pela escolha da microanálise
, liSOS
precisos, sempre fornecidos Domingo
~. Jf. f J' ~
~os índios, o de desarticularem
\
cJ> r<Í,)
junto ~mento
~
o ~~ 'I/'
de crenças, esparsas e contraditórias, de uma sociedade
r. '
~..• ,'* )
/
"Xi
qtO
sua percepção
inédita.
do mundo que refletem
num cono surgi-
do real por
Hernández
e pelo estudo de alguns
por nossos extirpadores.
era natural
de Tlaltizapán,
uma aldeia
nuua encravada no coração das terras quentes e férteis da região de I:\lcrnavaca,
na margem direita do rio Yautepec. Lá havia conquis-
1,1110 uma reputação
do que com o cristianismo,
'( '«Por outro lado corria muito mais o risco de ser tragada por elas. E
de integrar traços exógenos à representação
,'l.I suscitada. Também neste caso, não se pode esperar captar o pro-
U'
~
de longe poderiam
cristão e a voga das magias vin-
fazer crer que a idolatria
deleté-
o que quer
do sobrenatural
espalhara
de santidade
rapidamente
-
"era tenido por santo" -
,1,\ curar as doenças". Corriam os primeiros anos do século
XVII.
Estando ele nas últimas, duas pessoas vestidas com túnicas brancas
16 -
apareceram e o levaram para muito longe dali, a um outro lugar onde estava um doente, e lá eles lhe sopraram ar. Em seguida leva295
294
que
depois que ele recebeu "do céu a virtude