Universidade Federal de Santa Catarina Centro Tecnológico Departamento de Arquitetura e Urbanismo ARQ5615 - Teoria Urbana II Professora Marina Toneli Siqueira Matheus Lima Alcantara Fichamento “
Operação Urbana Consorciada:
Diversificação urbanística participativa ou aprofundamento da desigualdade?” (Ermínia MARICATO e João Sette Whitaker FERREIRA - 2002)
A utilização das Operações Urbanas Consorciadas no Brasil está intimamente ligada à condição de país no capitalismo capita lismo periférico, onde a desigualdade social é aguda e a “promiscuidade” entre o estado e as classes dominantes é explicitada pela injustiça social, pelas leis que beneficiam poucos e pela grande parcela da população que não participa do mercado (em especial o imobiliário) nem dos planejamentos. Como instrumento de aplicação de política urbana, as Operações Urbanas Consorciadas podem se associar à ideologias diversas (como é o caso de São Paulo), evidenciando seu caráter por vezes “esquizofrênico” e, por vezes, incondizente com uma política urbana de fato progressista e de cunho social. Além disso, sua própri a implantação é resultado de ideologias diversas, comuns à vida urbana e ao jogo de poderes do mercado imobiliário. Sua implantação portanto, é produto direto dos interesses de investidores, do estado (logicamente carregado de ideologias próprias) e da mobilização da sociedade civil. Segundo os autores, uma das grandes dificuldades de se tornar as Operações Urbanas Consorciadas um instrumento efetivo do urbanismo de consequências socialmente conscientes, é justamente sua concepção, como idéia “importada”. Mais uma vez, a cidade brasileira é o “lugar fora das idéias” e tal instrumento é a “idéia fora do lugar”. O contexto brasileiro é totalmente diverso dos contextos onde as Operações Urbanas foram criadas (com outro nome), logo sua aplicação gera resultados diversos. diversos. Após a crise do modernismo, fica claro que o estado não é capaz de resolver sozinho a questão urbana, portanto são necessários novos instrumentos para lidar c om as realidades locais, e as Operações aparecem justamente neste contexto pós-moderno, com o intuito de sanar o déficit de arrecadação do estado, pela co-participação e “co-responsabilização” dos agentes responsáveis pela produção do espaço urbano. Infelizmente, devido à cultura do privilégio das classes dominantes no Brasil, só existe a socia lização dos prejuízos, enquanto os lucros são privatizados. A partici pação fraca da sociedade civil nos processos p rocessos (tanto por questões culturais, tanto por questões de simples falta de acesso, afinal, grande parte da sociedade nem se encontra de fato dentro da cidade formal) facilita a privatização da esfera pública pelas classes já mais privilegiadas, direcionando investimentos para áreas já valorizadas, aproveitando-se do efeito em cascata da especulação imobiliária nos locais.
O exemplo mais palpável em São Paulo, como demonstrado pelos autores, são as CEPAC’s (Certificado de Potencial Adicional de Construção) que servem como moeda de barganha para garantir as Operações e é de onde o estado consegue tirar recursos para a intervenção propriamente dita através das OUC. Visto que os certificados podem ser adquiridos por qualquer um (quer possua ou não lote na área de intervenção), seus preços variam, e a arrecadação do estado termina por fim em provir de pura especulação imobiliária (agora em espaços ainda não existentes). Apesar da eficiência em arrecadação de recursos, a sua aplicação é limitada a áreas já valorizadas, visto que a especulação não é mais produto, e sim regra para a aplicação das OUC. Desta forma, a sua utópica utilização para reurbanização de favelas ou recuperação de cortiços é a última das prioridades, visto que não existe plano urbanístico para as operações, e sim plano de arrecadação, pois quanto mais longe das áreas de moradia social a OUC se encontra, maior o lucro através das CEPAQs, dificultando ou i mpossibilitando sua aplicação em periferias ou áreas que realmente necessitem de revitalização, pois são menos valorizadas pelo mercado imobiliário.
“[...] ou alguém imagina que a iniciativa privada compraria CEPAQs no Jd. ângela ou em Guaianazes?” As OUCs se tornam para os investidores e proprietários um investimento muito rentável, pois a “dinamização” da área traz lucros e mais investimentos pelo estado através de outros projetos não englobados pelas Operações (anterior, concomitante ou posterior à sua aplicação), por outros investimentos privados, pelo próprio investimento do estado através da Operação (que é obrigado a investir a arrecadação na área delimitada) e pela valorização oriunda da especulação imobiliária na área, garantindo o retorno do dinheiro investido, independente da existência ou não do caráter social do projeto urbano. Como alternativas às OUCs, são mencionados o IPTU progressivo (que ganha bastante resistência até hoje em toda a América Latina) que tem grande potencial de arrecadação , a definição de Zonas Especiais de Interesse Social, os zoneamentos e Planos Diretores Participativos que contem de fato com a participação da sociedade civil e movimentos sociais. Todas estas ferramentas têm o intuito de diminuir a desigualdade social e a segregação nas cidades, que em conjunto com os Estudos de Impacto de Vizinhança, Ambiental e de Tráfego são ferramentas básicas de defesa do poder público contra o impacto do setor privado no meio urbano. Por fim, fica clara a natureza política e social dos processos urbanos, onde o “Urbanismo de Pensamento Fraco” de Yves Chalas parece ser a única saída no mundo após a modernidade (se ela de fato acabou). Por serem processos humanos, são dotados de contingências, culturais, mercadológicas e sociais, e a forma principal de aprendizado é a própria prática do urbanismo. Desta forma, encontrar o melhor caminho pode significar diminuir privilégios de grupos específicos e ir de encontro com pa drões solidificados à séculos na sociedade brasileira.