in: Psicossociologia: Análise social e intervenção (de André Lévy, André Nicolaï, Eugène Enriquez e Jean Dubost); belo horizonte; 2001; autêntica; págs.: 027 ~ 044
O PAPEL DO SUJEITO HUMANO NA DINÂMICA SOCIAL (1) Eugène Enriquez
O tema que abordarei tem retido minha atenção há vários anos (2). A razão é simples: como muitos outros autores, fiquei irritado com o sucesso das teses sobre a morte do sujeito (desenvolvidas por discípulos dogmáticos de Michel FOUCAULT) e com as teses sobre a história como processo sem sujeito (L. ALTHUSSER). De minha parte, pareceu-me sempre aberrante aberrante fazer desaparecer desaparecer o indivíduo indivíduo humano do movimento movimento da história, história, pois, em maior ou menor grau, ele participa da dinâmica de uma determinada sociedade, como psique, como lugar de condutas significativas e como ser em interação contínua com outros, em grupos e organizaçõ organizações. es. Fazer desaparecer desaparecer o indivíduo ou o sujeito (voltarei (voltarei mais tarde à distinção que é possível fazer entre esses dois termos), sob o pretexto de que o pensamento "de direita" só tinha encarado a história sob o ângulo da ação dos grandes homens, pareceume o sinal do triunfo de teorias que enaltecem, mesmo sem dizê-lo, um determinismo absoluto dos processos sociais. Seguindo essas abordagens, o indivíduo só pode endossar condutas enunciadas como legítimas por sua nação, sua classe ou sua raça. O indivíduo torna-se, assim, um ser falado, um ser agido; ele nunca é um ser falante nem um autor de seus atos. É contra essa tendência reducionista, que nega a interrogação de D. LAGACHE, segundo a qual "o papel das personalidades individuais na história não pode ser descartado a priori", que decidi me manifestar. No momento atual, meu propósito é susceptível de ser considerado como modismo. As grandes determinações sociais estão enterradas (sem dúvida um pouco precipitadamente demais) e, ao invés, só se fala do indivíduo, do sujeito, do aumento do individualismo. No entanto, não é porque esse tema voltou violentamente que vou abandoná-lo. Com efeito, por um lado, fui um dos primeiros a abordá-lo e não tenho nenhuma razão para me desdizer; por outro outro lado lado,, a argu argume ment ntaç ação ão que propo proponho nho se afas afasta ta da qu quee tem tem sido sido habit habitua ualm lmen ente te apresentada. Para ir diretamente ao cerne do assunto, gostaria de partir de uma consideração trivial: todo indivíduo nasce em uma sociedade que instaurou, em parte voluntariamente, em parte inconscientemente, uma cultura. Em outras palavras, é impossível analisar a conduta de um indivíduo sem referi-la à conduta dos outros para com ele, conduta estruturada social e culturalmente culturalmente.. Nessas Nessas condições, condições, para retomar a terminologia terminologia de C. CASTORIAD CASTORIADIS, IS, todo indivíduo é fundamentalmente heterônomo, isto é, ele só existe e só pode funcionar no interior de um social dado, de uma cultura particular que desenvolve suas "significações imaginárias" (CASTORIADIS) (3) específicas e que lhe dita, em parte, sua conduta. Nessas condições, é preciso pressupor, logicamente, a anterioridade dos processos sociais, já que
nascemos sempre em um grupo, em uma etnia, em uma classe, em uma nação etc. Essa emergência acontece, além disso, numa sociedade que é, ela própria, heterônima, já que ela não se pensa como sendo o produto da ação histórica e da atividade psíquica de seus membros, mas como estando submetida a um Sagrado Transcendente, que pode tomar a forma de totens, de antepassados e de Deuses, ou de um Deus único, que lhe deu direito à existência. Uma tal sociedade heterônima tem, portanto, tendência a só produzir indivíduos heterônimos, conformados a seus votos e a seus ideais. Não é necessário, no entanto, ir muito longe nesse sentido, ou seríamos constrangidos a nos alinhar à tese que quero combater: combater: a do determinismo determinismo social que traz, ao mesmo tempo, o esvaziament esvaziamentoo da história (já que a história tem um sentido predeterminado, quer seja por Deus, BOSSUET, BURKE, DE MAISTRE, quer pelo desenvolvimento das forças produtivas, MARX, LENIN) e o do papel do indivíduo i ndivíduo em um processo que q ue se desenvolve segundo uma lógica lógi ca implacável. De fato, as sociedades nunca são totalmente heterônimas. Elas crêem em seus Deuses e em seus mitos, mas só até certo ponto (Paul VEYNE (4) teve razão ao perguntar se os gregos acreditavam em seus mitos). Freqüentemente, elas souberam mantê-los "à maior distância possível" (5), a fim de que eles desempenhassem seu s eu papel de garantia das vidas psíquica e social, social, mas deixassem deixassem também, a cada homem, "a possibilidade de saber que alhures, num lugar-tela, se projetam os desejos mais insatisfeitos e ficar seguro de que esse alhures não virá invadir o aqui da vida cotidiana" (6). Só quando os religiosos cedem ao desejo de instaurar um Estado teocrático, que pode exigir o sacrifício de seus membros pela causa que encarna, é que a distância não pode mais ser mantida e que é possível situar a sociedade completamente (ou quase completamente, porque toda sociedade comporta falhas, zonas inexploradas, portadoras de mudanças possíveis) do lado da heteronomia. Notemos que as sociedades modernas, desde a Renascença e, sobretudo, desde a Revolução Francesa, souberam deixar sua parte ao religioso sem lhe atribuir uma autoridade essencial sobre as consciências nem um papel central na organização. Elas se tornaram, mesmo sem percebê-lo, cada vez mais fundadoras delas mesmas e afastaram um pouco seu aspecto heterônimo e, em certos casos, fanático (7). Quanto ao indivíduo humano, ele também só é parcialmente heterônimo. Embora exista, em toda sociedade, um discurso dominante, esse discurso é modulado diferentemente pelos diversos grupos e classes que compõem essa sociedade e, às vezes, até mesmo se choca, não a um contra-discurso organizado mas, como dizem FRITSCH e PASSERON, choca-se a condutas que se referem a outros valores e hábitos, ignorando soberanamente a ideologia dominante. Além disso, não se pode esquecer que o discurso, por mais totalitário que seja, não reina totalmente sobre as consciênciase os inconscientes e que ele provoca fenômenos de rejeição, a médio ou a longo prazo. É claro que conseqüências danosas podem decorrer de tal discurso. Mas, como FREUD aponta: não parece que se possa levar o homem, seja lá por que modo, a trocar sua natureza pela de um térmita; ele sempre estará inclinado a defender seu direito à liberdade individual, contra a vontade da massa (8). Enfim, devemos nos lembrar que cada indivíduo é um desvio em relação a todos os outros, outros, na medida em que sua psique se estrutura progressivamente, apoiando-se nas funções corpor corporais ais,, em pessoa pessoass e grupos grupos sempre sempre difere diferente ntes. s. Dev Deve-s e-se, e, portant portanto, o, conclui concluirr que o
indivíduo mais heterônimo (mais conformado aos imperativos sociais) está sempre em condições de demonstrar, como evocava FREUD, uma "parcela de originalidade e de autonomia". Acrescentarei ainda que o indivíduo desempenha sempre, de maneira invisível, pelo menos de imediato e, às vezes, sem sabê-lo, um papel essencial nas transformações sociais. O que escreve CASTORIADIS a respeito do nascimento do capitalismo esclarece esse ponto: Centenas de burgueses, visitados ou não pelo espírito de Calvino e pela ideia de ascese intra intramu munda ndana na,, se põ põem em a acum acumula ularr riqu riquez ezas as.. Milha Milhare ress de arte artesã sãos os arru arruin inad ados os e de camponeses esfaimados encontram-se disponíveis para entrar nas fábricas. Alguém inventa uma máquina a vapor, outro um novo tear. Filósofos e físicos tentam pensar o universo como uma grande máquina e buscam encontrar suas leis. Reis continuam a se subordinar e a debilitar a nobreza e criam instituições nacionais. Todos os indivíduos e grupos em questão perseguem fins que lhes são próprios. Ninguém visa à totalidade social enquanto tal. No entanto, o resultado, o capitalismo, é de uma ordem completamente diferente (9). Assim, se os processos psicogenéticos pressupõem, então, os processos sociais, como sublin sublinha ha CAST CASTOR ORIA IADI DIS, S, este estess últim últimos os nu nunc ncaa regul regulam am comp comple leta tame ment ntee a condu conduta ta individual, sempre imprevisível, ainda mais porque não são desprovidos de ambigüidade, de ambivalência e de contradição (salvo no caso da "horda primitiva" ou de uma sociedade que erigiu um Estado total, dominando os homens pelo terror e pela opressão interiorizados). Tendo argumentado que a heteronomia completa não pode existir, fico mais à vontade para me distinguir de uma certa tendência do pensamento contemporâneo, relativa ao papel do indivíduo e do primado do individualismo. Poderei também precisar as diferenças que estabeleço entre indivíduo e sujeito (mesmo observando que essas diferenças podem ser de natureza ou simplesmente de grau). De fato, a individualização, objeto de tantas preocupações, é, mais freqüentemente, apenas um elemento do processo processo de massificaçã massificação. o. Se cada um deve manifestar manifestar sua singularidade, singularidade, deve fazê-lo porque todos os outros estão submetidos à mesma injunção. Um diretor de pessoal de uma grande empresa dizia recentemente a seus gerentes: "Todos "Todos vocês devem se tornar criativos". Assim, cada um deve ser criativo à sua maneira, mas a criatividade tornase uma norma irrefutável. E esse diretor continuava: "Quero ver vocês todos como uma única única cabeça cabeça". ". O con confor formis mismo mo está está direta diretamen mente te implica implicado do em uma tal con concep cepção ção do individualismo. Assim, em nossa época, não é bom fazer parte dos que não são combatentes, "matadores frios", vencedores que querem ir até o fim, que gostam de tomar iniciativa e gostam do risco, que estão prontos a se "exaurir" pelo triunfo da equipe, do seu serviço, da sua organização. Uma nova ética puritana se organiza: o vencedor deve experimentar uma ascese, deve se sacrificar (sacrificar sua vida, seu tempo, sua família) pela organização da qual ele veste a camisa. camisa. Ele deve gozar com essa renúncia, renúncia, pois não há tarefa tarefa mais elevada do que desempenhar a missão que lhe foi confiada. Nessa ética, o elemento esportivo predomina, porque o homem de sucesso não é o homem nobre nem o virtuoso, mas é o homem da performance mensurável, performance sempre a recomeçar, a vitória nunca sendo definitiva. Ao contrário, ela pode ser bem efêmera. O winner [vencedor] sempre pode se tornar o loser [perdedor]. Max WEBER não se enganava quando escrevia: "Quando o exercício do dever profissional não pode ser ligado a valores espirituais e culturais mais
elevados, o indivíduo renuncia, em geral, a justificá-lo". Nos Estados Unidos, onde seu paroxismo predomina, a busca da riqueza, desvestida de seu sentido ético-religioso, tende, hoje em dia, a se associar a paixões puramente agonísticas, o que lhe confere, na maioria das vezes, características de um esporte (10). Assim, quando se fala do indivíduo, indivíduo, tem-se no pensamento pensamento um indivíduo indivíduo conformado, que deve funcionar segundo comportamentos que agradem à sociedade. Esse movimento de conformismo não fascina somente os indivíduos que trabalham na indústria e no comércio. Tem repercussões e impacto profundo em todos os membros da sociedade, pelo próprio fato da empresa ter conseguido vender sua paixão pela eficácia ao conjunto do corpo social e, assim, ter exportado seus valores para fora de seu campo restrito. Todos os indivíduos devem ter agora o espírito espírito de empresa, empresa, quer se trate de pessoas que trabalhem trabalhem na empresa, empresa, nas universidades, nos hospitais. A adesão à "cultura da empresa" torna-se dogma; o "culto da empresa", um novo ritual. É particularmente perturbador o fato de que esse movimento não apenas invade todos os campos da vida social, mas que, além disso, não se restringe a pessoas susceptíveis de obter satisfações tangíveis, financeiras ou de prestígio, ou ainda, posições de poder. Ele atinge, igualmente, os que W. REICH, naquele tempo, designava por "zé-ninguém" (11), os que tendem a se tornar transmissores dos ideais da sociedade. REICH mostrava que o "zéninguém" admirava tanto os que ele acreditava serem grandes, aqueles a quem chamamos vencedores, que ele se desfazia de sua capacidade de liberdade e de produção de ideias, para depositar seu destino nas mãos dos outros, algumas vezes mostrando-se mais "realista que o rei". O "zé-ninguém" está sempre, igualmente, na primeira fila para aplaudir os grandes e dar consistência a todos os movimentos autoritários de tipo mais ou menos fascistizante. Como escreve REICH: O grande homem sabe quando e em quê ele é "zé-ninguém". O "zé ninguém" ignora que ele é "zé-ninguém" e tem medo de ter consciência disso. Ele dissimula sua pequenez e sua estreiteza de espírito por trás de sonhos de força e de grandeza, atrás da força e da grandeza de outros homens. Orgulha-se dos grandes chefes de guerra, mas não se orgulha de si mesmo. Admira o pensamento que ele não concebeu, em vez de admirar o que ele concebeu (12). Por isso é que ele pode propagar a "peste" emocional, a renúncia ao pensamento como prazer de representação ininterrupta e processo destinado a todos os homens. O processo de individualização, favorecendo a singularidade na massificação buscada e aceita por grandes, médios ou pequenos homens, é, então, a condição de produção e de representação de indivíduos que se situam mais na heteronomia do que na autonomia. Resta-me, Resta-me, depois de descrever esse fenômeno, agora bem conhecido, tentar interpretá-lo interpretá-lo e demarcar sua abrangência. Só com essa condição será possível refletir sobre o que constitui o surgimento do sujeito. Esses indivíduos heterônimos (levando-se em conta que a heteronomia total não existe nesse mundo) precisam, para existirem, idealizar a sociedade e os ideais que ela propõe. Em outras palavras, eles funcionam (mais do que vivem) sob a égide da doença do ideal. Quanto
mais os ideais são necessários à constituição constituição do sujeito, pois lhe fornecem uma base e o poder de escolher entre ações legitimadas pela sociedade, ou por suas próprias exigências pessoais, tanto mais a doença d oença do ideal (a idealização) desempenha um papel fundamental na edif edific icaç ação ão de uma uma soci socied edad adee e de indi indiví vídu duos os hete heterô rôni nimo mos. s. Por Por qu quee a idea ideali liza zaçã çãoo desempenha um papel tão importante? Porque ela nos tranqüiliza profundamente: tranqüiliza profundamente: uma sociedade idealizada, i dealizada, apresentando-se como objeto maravilhoso, é a melhor garantia de nossa estabilidade psíquica. Ela transmite uma mensagem de serenidade: a ordem social existe e nos preserva de toda interrogação fundamental a seu respeito (especialmente sobre o caos originário, sempre ameaçador); o mundo criado não é contestável, a sociedade dá um sentido preestabelecido a nossas diversas ações e nos indica, portanto, o que devemos fazer e como seremos recompensados. A idealização permite a cada um sentir-se parte interessada no devir social e ser liberto de seu desamparo original, evocado por FREUD no Futuro de uma Ilusão, angústia de estar sem proteção e ser abandonado, abandonado, rejeitado rejeitado pelas autoridades autoridades tutelares tutelares que assumem o papel de pais benevolentes. Além disso, ela lisonjeia nosso próprio narcisismo. Se adoramos chefes que encarnam ideais fortes ou sociedades aparelhadas de virtudes admiráveis, nós próprios nos tornamos admiráveis. Miramo-nos no espelho que nos no s é estendido pelo próprio objeto de nossa admiração. A idealização é, assim, o mecanismo central que permite a toda sociedade instaurar-se e manter-se e a todo indivíduo viver como um membro essencial desse conjunto, correndo um mínimo possível de riscos. É por isso que o indivíduo pode aceitar recalcar seus desejos, reprimir suas pulsões, aderir profundamente às injunções sociais e, às vezes, ser um agente ativo desses processos de recalque, de repressão e de adesão. Ele troca sua liberdade pela segurança de manter seu narcisismo individual, apoiado pelo narcisismo grupal ou social (pois cada grupo ou cada sociedade quer formar um "nós" indissociável). É necessário precisar esse último ponto. Vivemos em sociedades nas quais, de fato, os ideais são são múlt múltipl iplos, os, con contr trad adit itór órios ios,, nas nas qu quai ais, s, difici dificilm lmen ente te,, eles eles susc suscita itam m a acei aceita taçã çãoo ou a identificação. Vivemos um déficit de ideais transcendentes, enquanto o século XIX nos tinha dado como ideal o progresso infinito do espírito humano em sua vontade de domínio científico do mundo. De fato, estamos divididos e angustiados. Perdemos progressivamente nossos marcos identificatórios. É o momento em que as identidades pessoais começama deteriorar deteriorar e as sociedades sociedades tentam redefinir identidades identidades coletivas coletivas fortes, fortes, mesmo se os ideais que elas têm a nos propor são, freqüentemente, ideais vazios e desprovidos de sentido. (Com efeit efeito, o, qu quee senti sentido do po pode de ter ganha ganharr por ganh ganhar ar,, produ produzi zirr po porr produ produzir zir,, cons consum umir ir po por r consumir?) Ora, a tentativa de refazer identidades coletivas fortes, provocando a idealização (quando as causas a defender e os projetos a realizar não são evidentes), está cheia de perigos. A identidade coletiva, o narcisismo social, tem como futuro possível a xenofobia, o racismo, o fanatismo. G. DEVEREUX expressa-o muito bem: O ato de formular e de assumir uma identidade coletiva maciça e dominante, e isso, qualquer que seja essa identidade, constitui o primeiro passo para a renúncia `definitiva' à identidade real. Se somos apenas um espartano, um capitalista, um proletário, um budista, estamos perto de não ser absolutamente nada e, portanto, de simplesmente não ser (13).
Reencontrar a coesão, graças a identidades coletivas fortes, é se voltar ao grupo de pertinência, ao nosso "nós", é imputar os problemas ao outro, sem se dar conta de que, atra atravé véss desse desse proc proces esso, so, nó nóss própr próprio ioss no noss disso dissolv lvem emos os enqu enquant antoo po port rtado adore ress de uma uma identidade irredutível à dos outros. É recusar (como já apontei anteriormente) o fato de que somos o produto de identificações múltiplas, de que podemos ter marcos identificatórios mutáveis ao longo de nossa vida e de que, graças a esse jogo identificatório, podemos escapar à pré-formação desejada pela sociedade e não nos tornar indivíduos totalmente heterônimos. A identidade coletiva favorece ainda, como mostrou FREUD (14), o "narcisismo das pequenas diferenças", que tem como efeito "unir "un ir uns u ns aos outros, pelos p elos vínculos ví nculos do amor [e eu mencionaria os da fascinação, da sedução ou da obrigação], uma massa maior de homens, com a única condição de restarem ainda outros de fora para serem alvos de ataques". Esse "narcisismo" permite "uma satisfação cômoda do instinto agressivo e através dela a coesão da comunidade se torna mais fácil para seus membros". Não podemos, no entanto, esquecer que esse "narcisismo grupal" pode até chegar ao racismo exacerbado e, daí, daí, ao fana fanati tismo smo reli religio gioso so e políti político co que perm permit itee a indiv indivídu íduos os de uma uma cultu cultura ra não não suportarem o menor desvio da parte de outros que compartilham a mesma cultura. Com efeito, quanto mais uma cultura se quer unificada, mais intolerante ela se torna e mais ela deseja a morte dos outros ou, ao menos, a sua conversão. Ela é animada pelo ódio e por uma alucinação coletiva, na qual se forja uma imagem dos estrangeiros (ou dos desviantes) como perseguidores onipotentes e, portanto, seres a eliminar. O indivíduo que adere sem falha a esse tipo de cultura só pode se sacrificar por ela e comportar-se de forma heterônima. Vê-se, portanto, que, quanto mais a identidade coletiva existe, exist e, menos o questionamento ques tionamento é possível e menos os indivíduos podem tentar aceder à autonomia. O indiv indivídu íduoo indiv individu idual aliza izado do (e não não indiv individu iduad ado, o, a indiv individu iduaç ação ão esta estando ndo do lado lado da constituição do sujeito), o indivíduo singular, preso na massificação obtida pelo apego às identidades coletivas, não pode ser considerado como sujeito humano. Tal indivíduo só sabe repetir, reproduzir, recriar o funcionamento social tal como ele é (salvo a reserva já feita, mas sobre a qual faço questão de insistir, de que um tal indivíduo, totalmente pré-formado e definido pela sociedade, sempre tem em si mesmo os recursos para se libertar das malhas do social). A essa figura do indivíduo individualizado opõe-se seu inverso: a figura do sujeito. O sujeito humano é aquele que tenta sair tanto da clausura social quanto da clausura psíquica, bem como da tranqüilização narcísica, para se abrir ao mundo e para tentar transformá-lo. Quando digo que o sujeito transforma o mundo, as relações sociais, as significações das ações, não quero identificá-lo ao grande homem que tem uma visão globalizante, que visa à transformação da totalidade enquanto tal. Quero simplesmente dizer que cada um, aceitando as determinações que o fizeram tal como é, tem como projeto voluntário, nos lugares da vida cotidiana, em sua vida de trabalho, em suas relações sociais de todos os dias, tentar introduzir uma mudança em si mesmoe nos outros, por mínima que seja, a respeito de qualquer tipo de problema. O sujeito é um ser criativo. Para definir criatividade, o melhor é citar WINNICOTT (15):
A pulsão criativa pode ser vista em si mesma; bem entendido, ela é indispensável ao artista que deve fazer obra de arte, mas ela está igualmente presente em cada um de nós, bebê, criança, adolescente, adulto ou velho, que pousa um olhar surpreso em tudo o que vê; ela está presente em quem faz, voluntariamente, qualquer coisa, seja uma lambuzada com seus excrementos, seja um choro intencionalmente prolongado para saborear sua musicalidade. Essa pulsão criativa aparece tanto na vida cotidiana da criança retardada, que sente prazer em respirar, quanto na inspiração do arquiteto que, de repente, sabe o que quer construir e pensa então nos materiais que poderá utilizar, ut ilizar, a fim de que sua pulsão criativa tome forma e figura, e que o mundo possa testemunhá-la. A referência a WINNICOTT significa que não me interesso particularmente pela vontade quee os gran qu grande dess ho home mens ns têm têm de tran transf sfor orma marr toda todass as vari variáv ávei eiss do mund mundoo (uma (uma tal tal preocupação é a de um espírito "elitista"); levo a sério, em compensação, a vontade de cada um de fazer mudar as coisas (pequenas e grandes) e o desejo de criar, aqui e agora, uma novidade irredutível. Os artistas não se enganaram a esse respeito. HUNDERTWASSER declara a seus alunos: Se vieram para aprender, é ainda pior, porque vão aprender coisas que não lhes são próprias, que não correspondem a vocês e que estragarão suas vidas. A única maneira de se encontrarem enquanto artistas é através de sua própria ação criadora (16) e isso pode ser feito somente em suas casas, não na escola!. Paul KLEE escreve: O que quero ensinar a meus alunos não é a forma fechada, imobilizada; é a formação, a gestação, o nascimento, o primeiro movimento indistinto da matéria, antes que ela se fixe em natureza morta... morta... Quanto mais longe mergulha mergulha o olhar do artista, artista, mais seu horizonte se alarga do presente ao passado. E mais se imprime, em lugar de uma imagem da natureza, aquela única que conta, a criação enquanto gênese. Marc Marcel el DESC DESCHA HAMP MP excl exclam ama: a: "A "Ala larrgu guei ei a mane maneir iraa de resp respir irar ar"" e o po poet etaa Victo ictor r SEGALEN, em seus Conselhos a um viajante, assim se expressa: Evita escolher um lugar de asilo... chegarás, meu amigo, não ao charco das alegrias imortais, mas aos remansos cheios de em briaguez do grande rio diversidade. O sujeito é, portanto, um ser capaz, ao mesmo tempo sapiens, demens (objeto da hybris), ludens e viator, homem portanto de sabedoria e loucura, do jogo e da vagabundagem, respirando a plenos pulmões um ar salubre, dando "um sentido mais puro às palavras da tribo" (MALLARMÉ), interessando-se mais pela germinação das coisas do que pelos resultados resultados tangíveis, inebriado pela diversidade da vida e capaz de percebê-la percebê-la;; portanto, portanto, homem que sabe desposar suas contradições e fazer de seus conflitos, de seus medos, de suas metamorfoses metamorfoses a própria condição de sua vida, sem dominar o caminho que toma nem as conseqüências exatas de seus atos; homem apto a recolocar em jogo sua vida e a correr riscos.
Foi por isso que chamei esse sujeito de criador da história (17). Porém, é preciso parar um momento, porque uma armadilha nos espera aqui: o criador de história, em particular o grande homem, freqüentemente é apenas um "indivíduo individualizado", preso na ganga dos ideais, mesmo se tem a aparência de um sujeito que teve uma influência primordial na dinâmica social. Os grandes homens correspondem efetivamente à definição de pessoas que querem criar coisas voluntariamente. No entanto, estão presos à fantasia do dominação total que os leva a negar a alteridade do outro (e, aliás, a sua própria alteridade). Michel SERRES, a esse respeito, propõe uma visão totalmente negativa: Não digo: digo : há loucos perigosos no po poder der e um só bastaria. Mas digo: no ppoder oder só há loucos perigosos. Todos jogam o mesmo jogo e escondem da humanidade que eles preparam sua morte sem acasos, cientificamente (18). Essa visão é radical radical e não posso compartilhar compartilhar inteiramente inteiramente dela. O que não impede que ela tenha uma parte de verdade. Com efeito, entre os grandes homens, pode-se identificar os megalômanos ocupando uma posição paranóica, os manipuladores ocupando uma posição perversa, os sedutores ocupando uma posição histérica. Caracterizemos rapidamente esses três tipos. O megalômano, um pouco paranóico, sente-se eleito por Deus, pela natureza, para reali realiza zarr uma uma missã missãoo salva salvado dora ra,, para para lava lavarr o mund mundoo de sua sujei sujeira ra,, faze fazendo ndo-o -o tomar tomar consciência de sua culpabilidade, assegurando-lhe a redenção, recriando-o apenas pela palavra e instalando-se num imaginário enganoso (no qual tudo se torna possível). Assim, Assim, há o exemplo, estudado por FREUD (19), do presidente Woodrow WILSON, identificado a seu pai, pastor presbiteriano que lhe havia reservado o papel de salvador do mundo. WILSON acreditava-se eleito por Deus (seu pai encarnando a palavra divina) para propor, depois da guerra de 1914-1918, os fundamentos de uma paz geral e definitiva entre as diferentes nações em guerra. Sabe-se o que aconteceu com esse projeto grandioso: o desmembramento do império austro-húngaro deu à Alemanha a hegemonia da Europa Central e foi um dos fatores da segunda guerra mundial. Essa desagregação da Europa Central tem ainda, atualmente, efeitos devastadores (aumento dos nacionalismos e do anti-semitismo). "Eis as conseqüências dos atos `virtuosos' daquele que se tomava como o Jeová dos Hebreus", segundo FREUD e BULLITT (20), do homem que declarava, durante a campanha para a sua eleição à presidência dos Estados Unidos, a um de seus detratores: Lembre-se de que Deus quis que eu fosse presidente dos Estados Unidos e que nem você nem nenhum mortal pode impedi-lo (21). Assim também HITLER, caso bem conhecido e, ao mesmo tempo, complexo demais para ser evocado em poucas linhas, quis fazer do alemão o povo eleito e, para isso, deveria fazer desaparecer o outro povo que se considerava objeto da eleição divina, o povo judeu. Poderse-iam citar muitos outros nomes; basta o de STALIN, obcecado com a força pela força, inventando complôs, incapaz de viver sem inimigos e fazendo seu povo pagar pelo fruto de seu delírio paranóico. Quanto ao manipulador perverso, esse está, por sua vez, possuído pela fantasia do domínio total dos seres e das coisas, crê falar a linguagem da verdade, reduz as relações humanas a relações relações de objetos, objetos, só considera considera o mundo sob o ângulo econômico. econômico. LENIN, que não tinha
interesse algum pelos outros, que queria dobrar o mundo à sua vontade, que tomou o poder contra os mencheviques, graças a um golpe de força (porque o perverso não ama o real e, ao contrário, denega a realidade), que estava pronto a utilizar qualquer meio para chegar a seus fins, é um bom exemplo exemplo desses chefes perversos; a um nível mais irrisório, os tecnocratas, tecnocratas, recém-saídos das grandes escolas, quiseram dobrar o mundo a seus modelos e a suas equações. O sedutor histérico é o novo tipo de grande homem em voga. Ele vê o mundo como um grande teatro e tem o papel de escrever a peça mais persuasiva, de assegurar a mise-enscène mais ao gosto da mídia e de ser o ator com melhor desempenho. O teatro é também para ele um terreno de esportes, como já indiquei anteriormente. Ele é histérico na medida em que erotiza o conjunto das relações sociais, onde gosta da performance por ela mesma (ela dá satisfação a seu eu grandioso, que toma a si mesmo por ideal), só pensa em termos de estratégia, tem gosto pelo instantâneo, pelo acontecimento (Bernard TAPIE declara: sou um ser dos acontecimentos). O surpreendente é que esse homem não se reivindique capaci capacidad dades es carismá carismátic ticas as excepc excepcion ionais ais,, como como WILSON WILSON ou HITLER HITLER,, ou capaci capacidad dades es manipulatórias, nem uma força de pensamento e de ação, como LENIN: ao contrário, ele se proíbe de ser excepcional. Sua mensagem é simples: "Sou admirável porque o quis e qualquer um de vocês pode se tornar admirável, se fizer como eu, se tiver tanta coragem quanto eu". O grande patrão italiano C. de BENEDETTI exprime muito bem essa posição: Na Itália, meus aliados (...) são as pessoas comuns, porque sou, a seus olhos, uma demonstração do possível (...). Se elas tomarem um grande patrão italiano, AGNELLI por exemplo, não podem sonhar em se tornar AGNELLI. AGNELLI a gente nasce, não se torna. Em contrapartida, é possível tornar-se DE BENEDETTI, há milhares de empresários na Itália que podem querer isso e esperá-lo. Partem de uma situação similar à minha e o tempo necessário para isso não parece uma duração mítica, mas uma duração realista. Pode-se compreender o sucesso de um tal modelo, pois ele promete a qualquer um, com a condição de ser corajoso, poder ser um verdadeiro chefe de empresa (e o que é mais glorioso atualmente que chegar a esse lugar?). Poderia Poderia acrescenta acrescentarr à minha panóplia de "caractere "caracteres" s" os antigos antigos burocratas burocratas obsessivos que fizeram sua carreira à sombra de grandes homens (os apparatchiki) e que um dia se tornam uma mistura de manipuladoresperversos e de sedutores-histéricos, como GORBATCHEV. Mas uma tal evolução e uma tal mistura de estilo é ainda muito nova para ser descrita e explicada de maneira rigorosa. Tentarei em outra ocasião. Em todo caso, se os megalômanos-paranóicos podem parecer mais ou menos "doidos" segundo a concepção de Michel SERRES, os outros escapam a essa denominação. Eles se apresentam, ao contrário, como indivíduos perfeitamente normais. Mas, talvez, de uma normalidade esmagadora. M. CHIRAC declarou um dia: "Eu não sonho, não tenho dúvidas morais". Podemos nos perguntar se essa falta de fantasia não é um pouco perigosa para quem fala e para aqueles a quem ele se dirige. A psicanalista Joyce McDOUGALL (22) caracteriza essas pessoas como "caracteriais de tipo normal". Ela descreve a seu respeito: O caracterial caracterial de tipo normal criou para si uma carapaça carapaça que o protege de todo despertar despertar de seus conflitos neuróticos e psicóticos. Ele respeita as ideias recebidas como respeita as
regras da sociedade e não as transgride jamais, nem mesmo na imaginação. O sabor da madeleine não desencadeia nada nele e ele não perderá seu tempo em busca do tempo perdido. Mesmo assim, ele perdeu alguma coisa. Essa normalidade é uma carência que atinge a vida fantasmática e que afasta o sujeito dele mesmo. Em outras palavras, palavras, um indivíduo indivíduo sem fantasias, sem interrogação, interrogação, sem dúvida, dúvida, um sujeito enca encara rapa paça çado do (seg (segun undo do o term termoo de McDO McDOUG UGAL ALL) L) ou enco encour uraç açad adoo (seg (segun undo do a terminologia de REICH) está afastado dele mesmo e, mais ainda, dos outros. Pode-se então perguntar se essa hipernormalidade lhe permite ser sensível à surpresa, ao inusitado, a perceber as coisas e os seres sob outro ângulo, criar seja lá que novidade for. Teríamos, assim, nas duas extremidades: os loucos de poder e os hiper-normais. Eles têm uma influência influência social inegável, pois exprimem em voz alta o pensamento pensamento banalizado banalizado e dão satisfação aos desejos recalcados. São mesmo os mais numerosos entre as pessoas que ocupam postos de responsabilidade. Mas não são verdadeiros criadores de história, no sentido que dou a esse termo, pois falta a ambos, conforme McDOUGALL, "uma certa anormalidade" (uns pecam pelo excesso, outros pela falta) que lhes permitiria "manter os olhos ávidos da infância" (McDOUGALL) e ter vontade "de tudo questionar, de tudo desarrumar, de tudo realizar" (McDOUGALL). São desprovidos da aptidão à transgressão. Não confiam na "imaginação radical" (CASTORIADIS) que jaz em todo ser humano. E, assim, só sabem repetir, reproduzir. São portadores da pulsão de morte, tanto em sua forma violenta como em sua forma sedutora. A noção de sujeito torna-se precisa: precisa: não é apenas alguém que traz um projeto voluntário, é também um ser que atinge "um certo grau de anormalidade" e que está em condições de interrogá-lo, de se lançar no desconhecido, de ter segundo, o termo de FREUD, "uma alma de conquistador", mesmo se nada descobre, mesmo se não provoca mais que um leve impacto impacto sobre o movimento movimento do mundo. É também um homem que demonstra demonstra consistência. consistência. S. MOSCOVICI, MOSCOVICI, a partir de trabalhos trabalhos de Psicologia Psicologia Social Experimental Experimental que desenvolveu com C. FAUCHEUX, insiste sobre essa noção, "que significa, por um lado, o caráter irrevogável de sua escolha e, por outro, a recusa de compromisso sobre o essencial (23). Em certo sentido, o sujeito é um homem movido por uma ideia fixa, como FREUD quando enunciava: "A Psicanálise é a minha causa". Vê-se bem aqui a diferença entre consistência e coerência. Um ser coerente tem uma personalidade compacta, sem falhas. Corre pela vida como em uma auto-estrada. Ele não tem projeto, a não ser o de continuar a fazer funcionar a sociedade tal como ela é. Um ser consistente pode ter dúvidas, tomar caminhos transversais, recolocar em questão algumas de suas ideias (como FREUD ou MARX, remanejando continuamente suas análises e suas teorias). Mas ele conserva o mesmo projeto, que é um verdadeiro projeto existencial: permitir a tomada de consciência, fazer advir o sujeito individual, em FREUD; favorecer a tomada de consciência de situações reais, fazer advir o sujeito coletivo, em MARX. Se o sujeito evolui, ele o faz em sua linha, em sua linhagem, na tradição da qual é herdeiro e que enriquece e deforma. Mas essa consistência deve ser perceptível e deve poder provocar reações e discussões. MOSCOVICI, igualmente, acrescenta que um tal sujeito deve "optar por uma posição clara, visível e, em seguida, criar e sustentar um conflito com a maioria, lá onde a maioria é tentada a evitá-lo."
O sujeito não é homem de comprometimentos. Ao mesmo tempo, é uma pessoa capaz de criar redes de alianças, pois sabe que se ele se encontrar sozinho, se outros não podem se identificar a ele e com sua causa, só poderá fracassar (não é à toa que a criação da Associação Internacional de Psicanálise pode tranqüilizar FREUD e que a criação da 1a Internacional era ardentemente desejada por MARX). A ideia fixa não impede a astúcia (no sentido da Mètis dos gregos) e o aproveitamento da oportunidade, quando ela se apresenta. ARISTÓTELES dizia que o homem de gênio deveria saber utilizar o Kairos, a ocasião. Aqui não se trata de manipulação, porque o sujeito deve estar cheio de furor (de hybris), deve de ve ser ser cap apaz az de sair sair dele ele mesm mesmoo (ek ek-s -sta tase se), ), pa parra fazer azer triu triunf nfar ar suas suas idei ideias as.. ARISTÓTELES já o sabia e o mostra muito bem no "problema trinta", recentemente republicado. Consistência e furor, consistência e astúcia andam juntas. Nem MARX nem FREUD foram pessoas boazinhas; no entanto, souberam conciliar furor, consistência e astúcia, o que não é nada fácil. Uma outra característica do sujeito s ujeito é a de viver como um "exota", " exota", segundo a expressão de V. V. SEGALEN. Para SEGALEN, o exota é aquele que tem a percepção do diverso e o poder de conceber outro, sendo assim aquele que olha o mundo como se o visse pela primeira vez. Ele é, portanto, o homem pronto a ser tomado pela surpresa e pelo inusitado, como também a provocá-los. Está muito próximo do que BLANCHOT evoca a respeito do homem votado ao exílio, à dispersão. BLANCHOT escreve: há uma verdade do exílio, há uma vocação do exílio" e essa vocação "é a dispersão, porque a dispersão, da mesma forma que apela para uma estadia sem lugar, da mesma forma que renega toda relação fixa entre a força e um indivíduo, um grupo ou um Estado, delimita também, diante da exigência do todo, uma outra exigência e, finalmente, interdita a tentação da Unidade-Identidade (24). O "exota", o exilado, exilado, não pode jamais jamais estar colado colado a uma organização, organização, a um Estado, a uma identidade coletiva. É possível ser um "exota" na sua própria sociedade, sentir-se à margem mesmo se a sociedade deseja sua integração. O que é interessante, no momento atual, é que, em vista dos movimentos de migração que se intensificam, serão vistos cada vez mais "exotas" reais, isto é, pessoas vindas de outros países, provenientes de outras culturas, pessoas que, assim, necessariamente, pousarão um olhar novo e surpreso sobre s obre a sociedade que os acolhe e que, quer queiram ou não, questioná-la-ão e a influenciarão, do mesmo modo que serão influenciados por ela. Os "exotas", entretanto, não ficarão presos no processo de idealização. Estarão, ao contrário, presos na necessidade de sublimação, como os "exotas" indígenas que teriam escolhido escolhi do esse destino. Serei breve sobre o processo de sublimação, sobre o qual discorri várias vezes em textos recentes (25). Deixarei de lado o aspecto indispensável da atividade de sublimação na formação do vínculo social, na medida em que é evidente, agora, que nenhuma sociedade poderia ter sido fundada se os homens não pudessem ter passado do prazer sexual direto ao prazer da representação e da imaginação, se eles não pudessem ter passado da satisfação s atisfação das pulsões egoístas àquelas obtidas pelo agenciamento de pulsões altruístas, valorizadas socialmente.
Parece-me mais importante observar que a sublimação implica no reconhecimento, por cada um, de sua própria estranheza, da estranheza dos outros e no desejo de propor, sem vontade de dominação, ao conjunto dos indivíduos com os quais se vive, uma investigação conjunta e partilhada. Sublimar é aceitar sua parte de estranheza, de contradição, de remorsos, de metamorfose ou de êxtase. O fato de poder se interrogar sobre si mesmo, de se descobrir estrangeiro para consigo mesmo (porque o ser humano se constitui na clivagem), permite considerar o outro como menos estranho e mais semelhante a si mesmo. Assim, o outro (ou a coisa) não é mais um ser a dominar, a domar, por nossa atividade intelectual ou física, mas alguém com quem se pode tentar manter relações relações de reciprocidad reciprocidade, e, relações que podem se mostrar difíceis, conflituosas se necessário, mas que tendem a ser as mais simétricas possíveis. A sublimação não impede o ideal, mas ela luta contra a doença do ideal. O sujeito é então aquele que aceita se recolocar em questão, ser questionado, ele não tem necessidade de ligações que lhe sirvam simplesmente de apoio para existir. De fato, sublimar é difícil, porque é viver ao mesmo tempo como ser completo (homo sapiens [homem sábio], homo demens [homem louco], susceptível de ser atravessado por afetos que não controla, que o põem em estado de desordem, sem saber se poderá p oderá aceder a uma nova ordem, homo ludens lu dens [homem jogador] e homo viator [homem viajante], como evoquei precedentemente) e como ser clivado, dividido, mantendo-se em pé diante da angústia provocada pela ausência dos Deuses e pela possibilidade de que o outro não seja um apoio, mas se revele adversário implacável. A sublimação implica, igualmente, na aceitação da tradição, da filiação, da dívida que temos para com os que nos precederam e para com as gerações futuras. Se a dívida não é reconhecida, se o homem cede à tentação de auto-engendramento, estará talvez em condições de se tornar um grande homem. Ele deixará apenas ruínas atrás de si. Para engendrar novidades e a vida, é preciso admitir ainda a violência mortífera que atua na fantasia de auto-engendramento. Sublimar é, portanto, estar consigo mesmo, com os outros, com seus pais e com seus filhos, em uma relação na qual a vida palpita, vida cheia de angústia e de alegria, de possível morte e de transfiguração. Essas pessoas que não cedem às ilusões, que vivem com os outros, não numa interrogação permanente, mas numa interrogação suficiente, colocam-se então numa história coletiva, sabendo que seu lugar nunca estará totalmente assegurado, sentindo-se e querendo-se, em parte, integradas, em parte, exiladas. São talvez elas que provocam as rupturas mais fundamentais, a possibilidade de um caminho para a instauração de sociedades de sujeitos mais autônomos, mesmo quando elas não o sabem e mesmo quando pensam que são apenas "zé"zé-ni ningu nguém ém", ", sem proje projeto to volun voluntár tário io verd verdad adeir eiram amen ente te cons consti tituí tuído do (em (em tal caso caso,, é a realiz realizaçã açãoo de uma vida vida guiada guiada por suas suas própri próprias as exigênc exigências ias e pelo pelo reconhe reconhecim cimento ento do vínculo social que forma o projeto). Essas pessoas, definitivamente, comportam-se como verdadeiros heróis. Utilizo o termo no sentido que lhe deu FREUD: o herói, aquele que teve a coragem "de sair da formação coletiva". Essas pessoas souberam colocar seus ideais, reconhecer a alteridade do outro, reconhecer-se a si mesmas. (O caminho para o outro passa pelo caminho para si). Esse heroísmo é um heroísmo partilhável. Basta que cada um queira tentar ser ele mesmo com os outros. Então, o mundo será composto mais por sujeitos autônomos do que por indivíduos "individualizados" e a dinâmica social será o produto do confronto de homens livres e responsáveis.
Para concluir meu intento, é evidente que as condições colocadas para atingir a plena autonomia indicam que sua ocorrência é fraca. É mais fácil deixar-se guiar que conduzir sua própria vida, mais fácil imitar que inventar, mais fácil idealizar que sublimar. Mas uma outra constatação é necessária: da mesma maneira que o indivíduo totalmente heterônimo não existe, como mostrei na primeira parte de minha exposição, o sujeito inteiramente autônomo também não existe. Simplesmente porque o homem é clivado, contraditório, mistura inextricável inextricável [ue não se desemaranha, desembaraça ou desenlaça ] de pulsão pulsão de vida e de morte, capaz do melhor e do pior, freqüentemente obcecado pelo poder, pelo prestígio e sentindo um desejo de segurança narcísica e, também, porque as sociedades precisam, para se manter, de um mínimo de ilusões e de crenças, de disfarces e de hipocrisia. Cada um de nós é, de fato, em certos momentos, mais um indivíduo pronto a aderir, aderir, incapaz incapaz de se colocar colocar questões, questões, pedindo pedindo amarras amarras fortes, fortes, cedendo cedendo à idealização idealização (dos Deuses, do Estado ou de um outro ser humano, caso contrário, a paixão não seria desse mundo) e, em outros, um sujeito mais autônomo, em condições de questionar o mundo e a si mesmo e de procurar, tateando, seu próprio caminho. Portanto, a ideia de uma sociedade e de um sujeito tendo acedido à autonomia se dilui. O que permanece, em compensação, é a possibilidade de cada sociedade e de cada pessoa entrever a dificuldade do caminho e de, às vezes, arriscar-se por ele. Tanto quanto é impossível chegar à verdade, é impossível atingir a autonomia. Nem por isso a busca da verdade e da autonomia devem terminar. Saber que perseguimos um fim impossível nos chama, simplesmente, para um pouco de modéstia, de humor e de ironia, em relação a nós mesmos e a nossas possibilidades de influência. Talvez seja seja ao atin atingi girr a con onsc sciê iênc ncia ia de no noss ssaas impo imposs ssib ibil ilid idad adees qu quee che hegu gueemos, mos, mais mais freqüentemente, a nos conduzir de maneira autônoma e a não nos deixar prender nas ilusões que o social difunde e das quais o ser humano é particularmente ávido. Se, às vezes, os heró heróis is fica ficam m cansa cansados dos,, em outro outross mome moment ntos, os, po podem dem se reer reergu guer er e no noss surp surpre reen ende derr. Acei Ac eite temo moss o augúr augúrio io e trab trabal alhe hemo moss cotid cotidia iana name ment ntee para para faze fazerr da "vida "vida imed imedia iata ta"" (ELUARD) mais um lugar de surpresas do que um lugar de repetição morna. notas:
01.01.- Traduzido Traduzido de ENRIQUEZ, Eugène. Eugène . "Le rôle du sujet humain dans la dynamique sociale". Revue Européenne des Sciences Sociales. Tomo Tomo XXIX, 89, 1991, p. 75-89, por Sonia Roedel. 02.- Cf. meu texto "Individu, création et histoire". In: Connexions, n. 44, E.P.I., 1984, e o capítulo de minha tese Pouvoir et lien social, Paris: Gallimard, 1980, intitulado "O papel da conduta do indivíduo". 03.03.- CASTORIADIS, C. L'institution imaginaire de la société. Paris: Seuil, 1975. 04.- VEYNE, P. Les Grecs ont-ils cru a leurs mythes? Paris: Seuil, 1975. 05.- ENRIQUEZ, E. "Le mythe ou la communauté inchangée". L'esprit du temps, n. 11, Ed. de Minuit, 1986. 06.- Ibidem. 07.07.- Esse ponto será retomado mais adiante neste texto. 08.- FREUD, S. Malaise dans la civilisation (1929). Paris: PUF., 1970. 09.- CASTORIADIS, C., op. cit.
10.10.- WEBER, M. L'éthique protestante et l'esprit du capitalisme. Paris: Plon, 1964. 11.- REICH, W. Écoute, petit homme.(1948). Trad. franc. Paris: Payot, 1973. 12.- REICH, W. op. cit. 13.13.- DEVEREUX, G. Ethnopsychanalyse complémentariste. Paris: Flammarion, 1975. 14.- FREUD, S., op. cit. 15.- WINNICOTT, D. W. Jeu et réalité. Paris: Gallimard, 1975. 16.16.- Sublinhado por mim. 17.17.- ENRIQUEZ, E. Individu, création et histoire, op. cit. 18.18.- SERRES, M. "La thanatocracie". Critique, março 1973. 19.- FREUD, S. e BULLITT, W. Le président T. W. WILSON. Nova trad. Paris: Payot, 1990. 20.- FREUD, S. e BULLITT BUL LITT,, W., W., op. cit. 21.- FREUD, S. e BULLITT BUL LITT,, W., W., op cit. 22.22.- McDOUGALL, J. Plaidoyer pour une certaine anormalité. Paris: Gallimard, 1978. 23.- MOSCOVICI, S. Psychologie des minorités actives. Paris: PUF., 1979. 24.- BLANCHOT, M. L'entretien infini. Paris: Gallimard, 1970. 25.- Citemos simplesmente o último texto publicado: Idéalisation et sublimation. Psychologie Clinique, n. 3, 1990.