Escola: Espaço do Projeto Político-Pedagógico Os textos, organizados de maneira a aprofundar a compreensão das complexas implicações do projeto político-pedagógico, mesclam-se a várias questões práticas enfrentadas diariamente pelos educadores, como a organização do trabalho escolar e o gerenciamento dos recursos financeiros na escola. Na proposta de fundir teoria e prática, o professor terá em mãos um livro rico em vivências educativas que trafegam pela diversidade multicultural, pelos dilemas dos processos avaliativos e das instâncias colegiadas sem perder de vista o desafio da construção da cidadania no interior das salas de aula e na escola. Escola Espaço do Projeto Político-Pedagógico Coleção Magistério - Formação e Trabalho Pedagógico Esta coleção que ora apresentamos visa reunir o melhor do pensamento teórico e crítico sobre a formação do educador e sobre seu trabalho, expondo através da diversidade de experiências dos autores que dela participam um leque de questões de grande relevância para o debate nacional sobre a Educação. Trabalhando a partir de duas vertentes básicas - magistério/formação profissional e magistério/trabalho pedagógico - os vários autores enfocam diferentes ângulos da problemática educacional, tais como - a orientação na pré-escola, a escola de 1 grau - currículo e ensino, a escola no meio rural, a prática pedagógica e o cotidiano da escola, estágio supervisionado, didática do ensino superior etc. Esperamos assim contribuir para a reflexão dos profissionais da área de educação e do público leitor em geral, visto que neste campo o questionamento é o primeiro passo na direção da melhoria da qualidade do ensino, o que afeta a todos nós e ao país. Ilma Passos Alencastro Veiga Coordenadora
Sumário Apresentação 1. PERSPECTIVA PARA REFLEXÃO EM TORNO DO PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO
Ilma Passos Alencastro Veiga 2. A PERSPECTIVA MULTICULTURAL NO PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO Lúcia Maria Gonçalves de Resende 3. EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA - O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO COMO ELEMENTO ARTICULADOR Rosilda Baron Martins 4. A AÇÃO COLETIVA COMO REFERENCIAL PARA A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO Maria Eveline Pinheiro 5. PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO, AUTONOMIA E REALIDADE ESCOLAR ENTRAVES E CONTRIBUIÇÕES Luzia Borsato Cavagnari 6. AS INSTÂNCIAS COLEGIADAS DA ESCOLA Zilah de Passos Alencastro Veiga 7. AVANÇOS E RECUOS NA CONSTRUÇÃO DO PROJETO POLÍTICOPEDAGÓGICO EM REDE DE ENSINO José Vieira de Sousa 8. A GESTÃO DOS RECURSOS FINANCEIROS NA ESCOLA Ana Maria de Albuquerque Moreira 9. O PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO E A AVALIAÇÃO Benigna Maria de Freitas Villas Boas APRESENTAÇÃO Escola: Espaço do projeto político-pedagógico apresenta um conjunto de trabalhos decorrentes de experiências educativas que envolvem pesquisas, docência e atividades de extensão, destacando-se aquelas relacionadas ao processo de formação continuada dos profissionais da educação. A trajetória acadêmica e profissional do grupo de autores constituiu-se em fator determinante na composição do presente livro por dois motivos fundamentais. De um lado, consolidou a existência do núcleo de pesquisa ligado a uma das linhas temáticas do programa de pós-graduação da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília-UnB, intitulada "Magistério: Formação e trabalho pedagógico"; de outro, propiciou a aproximação de profissionais da educação, articulando professor e aluno, graduação e pós-graduação, universidades e escola. Nessa perspectiva, o elo integrador dos capítulos está fundado nas diferentes vivências educativas e na pluralidade de espaços de atuação profissional, tanto do ponto de vista geográfico como da tipologia das instâncias de intervenção nas práticas pedagógicas analisadas. A temática central da obra aponta, então, para o vínculo entre as proposições teóricas sobre o projeto político-pedagógico e as diversas dimensões inerentes à sua concretização dialética no espaço escolar. Assim, é enfatizada a relação desse projeto com: a gestão tanto na escola como em esferas administrativo-pedagógicas intermediárias, a organização do trabalho escolar, os desafios multiculturais, a construção da cidadania, os dilemas dos processos avaliativos e das instâncias colegiadas e, finalmente, o gerenciamento
dos recursos financeiros na escola. As reflexões aqui apresentadas e postas à disposição dos leitores contemplam a preocupação em aproximar os pressupostos teóricos à multiplicidade das práticas escolares. Não se inclui, todavia, entre os nossos propósitos imediatos, uma estruturação de cunho eminentemente acadêmico que, apresentando pretensões ambiciosas, represente construções paradigmáticas absolutamente originais em relação aos referenciais teórico-conceituais hoje discutidos. Ao contrário, buscamos aprofundar a compreensão dessa questão, na medida em que procuramos contribuir para o entendimento das ainda complexas imbricações do projeto político-pedagógico no contexto das várias possibilidades da organização do trabalho da escola. Finalizando, é importante ressaltar a opção metodológica de construção do livro que, como na construção do projeto político-pedagógico, se pautou no princípio da ação coletiva compartilhada, na medida em que os textos foram objeto de reflexão e enriquecimento, por todos os autores, visando assegurar a unicidade da temática. Os autores 8 1 PERSPECTIVAS PARA REFLEXÃO EM TORNO DO PROJETO POLÍTICOPEDAGÓGICO Ilma Passos Alencastro Veiga* Projeto político-pedagógico: Um convite à reflexão O projeto pedagógico exige profunda reflexão sobre as finalidades da escola, assim como a explicitação de seu papel social e a clara definição de caminhos, formas operacionais e ações a serem empreendidas por todos os envolvidos com o processo educativo. Seu processo de construção aglutinará crenças, convicções, conhecimentos da comunidade escolar, do contexto social e científico, constituindo-se em compromisso político e pedagógico coletivo Ele precisa ser concebido com base nas diferenças existentes entre seus autores, sejam eles professores, equipe técnico- administrativa, pais, alunos e representantes da comunidade local. É, portanto, fruto de reflexão e investigação. Nesse sentido, e mediante observação e análise que se caracterizam por um contato direto do professor-pesquisador com a situação pesquisada e que vão ocorrendo ao longo de
um tempo, no dia-a-dia da escola, os profissionais, do seu cotidiano, observam o que ocorre, ouvem o que é dito, lêem o que é escrito, levantam questões, observam e registram tudo. Documentam o não-documentado, procurando entender como ocorrem no interior da escola e das salas de aula as relações pedagógicas, como é concebido, executado e avaliado o currículo escolar, quais atitudes, valores e crenças são perseguidos, quais as formas de, organização do trabalho pedagógico. Tais dados servem para clarificar ás questões prioritárias e propor alternativas de solução. André ( 1995, p. 111) afirma: Conhecer a escola mais de perto significa colocar uma lente de aumento na dinâmica das relações e interações que constituem seu dia-a-dia, apreendendo as forças que a impulsionam ou que a retêm, identificando as estruturas de poder e os modos de organização do trabalho escolar, analisando a dinâmica de cada sujeito nesse complexo interacional. Esse imprescindível esforço coletivo implica a seleção de valores a serem consolidados, a busca de pressupostos teóricos e metodológicos postulados por todos, a identificação das aspirações maiores das famílias, em relação ao papel da escola na educação da população e na contribuição específica que irá oferecer para "o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho" (art. 2° da Lei n° 9.394/96). A análise do contexto externo consiste no estudo do meio no qual a escola está inserida e das suas interações,, Para fazer a análise do contexto externo, é necessário identificar os principais participantes que interagem com a escola e analisar ás influências das dimensões geográficas, políticas, econômicas e culturais. No decorrer do processo de construção do projeto pedagógico, consideram-se dois momentos interligados e permeados pela avaliação: o da concepção é o da execução. Para que possam construir esse projeto, é necessário que as escolas, reconhecendo sua história ea relevância de sua contribuição, façam autocrítica e busquem uma nova forma de organização do trabalho pedagógico; que "reduza os efeitos da divisão do trabalho, da fragmentação e do controle hierárquico" (Veiga 1996, p. 22). Quanto a concepção, um projeto pedagógico de qualidade deve apresentar as seguintes características: a) ser um processo participativo de decisões b) preocupar-se em instaurar uma forma de organização do trabalho pedagógico que desvele
os conflitos e as contradições; c) explicitar princípios baseados na autonomia da escola, na solidariedade entre seus agentes educativos e no estímulo à participação de todos no projeto comum e coletivo; d) conter opções explícitas na direção da superação de problemas, no decorrer do trabalho educativo voltado para uma realidade específica; e) explicitar o compromisso com a formação do cidadão. No que tange à execução, um projeto é de qualidade quando: a) nasce da própria realidade, tendo como suporte a explicitação das causas dos problemas e das situações nas quais tais problemas aparecem; b) é exeqüível e prevê as condições necessárias ao desenvolvimento e à avaliação; c) implica a ação articulada de todos os envolvidos com a realidade da escola d) é construído continuamente, pois, como produto, é também processo, incorporando ambos numa interação possível. Considera-se que o projeto político-pedagógico da escola não visa simplesmente a um "rearranjo formal da escola, mas a uma qualidade em todo o processo vivido" (ibidem, p. 15). O projeto pedagógico é um documento que não se reduz à dimensão pedagógica, nem muito menos ao conjunto de projetos e planos isolados de cada professor em sua sala de aula. O projeto pedagógico é, portanto, um produto específico que reflete a realidade da escola, situada em um contexto mais amplo que a influencia e que pode ser por ela influenciado. Em suma, é um 'instrumento clarificador da ação educativa dá escola a em sua totalidade. Conforme afirmei em cursos por mim ministrados, 11 (...) a primeira ação que me parece fundamental para nortear a organização do trabalho da escola é a construção do projeto pedagógico assentado na concepção de sociedade, educação e escola que vise à emancipação humana. Ao ser claramente delineado, discutido e assumido coletivamente ele se constitui como processo. E, ao se constituir como processo, o projeto político-pedagógico reforça o trabalho integrado e organizado da equipe escolar, enaltecendo a sua função primordial de coordenar a ação educativa da escola para que ela atinja o seu objetivo político-pedagógico. (Veiga 1996, p. 137) A nova LDB e o projeto político-pedagógico A nova LDB, _Lei n. 9.394/96 prevê no seu art. 12, inciso I, que "os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de elaborar e executar sua proposta pedagógica". Esse preceito legal está sustentado na idéia de que a escola deve assumir, como uma de suas principais tarefas, o trabalho de refletir
sobre sua intencionalidade educativa. Vale chamar a atenção para a variedade terminológica empregada pelo legislador: proposta pedagógica (arts. 12 e 13), plano de trabalho (art. 13), projeto pedagógico (art. 14), o que poderá trazer confusões conceituais e, consequentemente, operacionais. A proposta pedágógica ou.projeto pedagógico relaciona-se à organização do trabalho pedagógico da escola; o plano de trabalho está ligado à organização da sala de aula e a outras atividades pedagógicas e administrativas. Isso significa que o plano de trabalho é o detalhamento da proposta ou projeto (art. 13). Portanto, compete aos docentes, à equipe técnica (supervisor, coordenador pedagógico, diretor, orientador educacional) e aos funcionários elaborar e cumprir o seu plano de trabalho, também conhecido por plano de ensino e plano de atividades. É por esse caminho que vamos construindo o planejamento participativo e a estratégia de ação da escola. O projeto pedagógico aponta um rumo, uma direção, um sentido explícito para um compromisso estabelecido coletivamente. O projeto pedagógico, ao se constituir em processo participativo de decisões, preocupa-se em instaurar uma forma de organização do trabalho pedagógico que desvele os conflitos e as contradições, buscando eliminar as relações competitivas, corporativas e autoritárias, rompendo com a rotina do mando pessoal e racionalizado da burocracia e permitindo as relações horizontais no interior da escola. Para que a construção do projeto pedagógico seja possível, não é necessário convencer os professores, a equipe escolar e os funcionários a trabalhar mais ou mobilizálos de forma espontânea, mas propiciar situações que lhes permitam aprender a pensar e a realizar o fazer pedagógico de forma coerente. E, para enfrentarmos essa ousadia, necessitamos de um referencial que fundamente a construção do projeto. O projeto político-pedagógico explicita os fundamentos teórico-metodológicos, os objetivos, o tipo de organização e as formas de implementação e avaliação da escola. As modificações que se fizerem necessárias resultam de um processo de discussão, avaliação e ajustes permanentes do projeto pedagógico. Ao nos referirmos ao projeto político-pedagógico fica claro que construí-lo, executá-lo e avaliá-lo é tarefa da escola; tarefa que não se limita ao âmbito das relações interpessoais, mas que se torna "realisticamente situada nas estruturas e funções específicas da escola, nos recursos e limites que singularizam, envolvendo ações continuadas em prazos distintos" (Marques 1990, p. 22). 13 É necessário que se afirme que a discussão do projeto político-pedagógico exige uma reflexão acerca da concepção da educação e sua relação com a sociedade e a escola, o que
não dispensa uma reflexão sobre o homem a ser formado, a cidadania e a consciência crítica. O projeto político-pedagógico, ao dar uma nova identidade à escola, deve contemplar a questão da qualidade de ensino, entendida aqui nas dimensões indissociáveis: a formal ou técnica e a política. Uma não: está subordinada à outra; cada uma delas tem perspectivas próprias. A primeira enfatiza instrumentos, métodos e técnicas. A qualidade formal não está afeita, necessariamente, a conteúdos determinados. Demo ( 1994, p. 14) afirma que a qualidade formal "significa a habilidade de manejar meios, instrumentos, formas, técnicas, procedimentos diante dos desafios do desenvolvimento". A qualidade política é condição imprescindível da participação. Está voltada para os fins, os valores e os conteúdos; quer dizer "a competência humana do sujeito em termos de se fazer e de fazer história, diante dos fins históricos da sociedade humana (idem p 14). Para que ocorra a definição do projeto pedagógico com o indispensável embasamento teórico-metodológico, há necessidade de pesquisas, estudos, reflexões e discussões com professores, especialistas em educação, alunos, ex-alunos, determinando o caminho desse processo. A adesão à construção .do projeto não deve ser _imposta e sim conquistada por uma equipe coordenadora, compromissada e consequente. Marques.(1990, p. 21) certamente contribüi para esse entendimento, quando afirma que "a necessária transparência e legitimidade do projeto pedagógico deriva do fato de poderem constituir-se formalmente as diversas instâncias de discussões, publicamente reconhecidas e postas em condições de total publicidade". A legitimidade de um projeto político-pedagógico está devidamente ligada ao grau e ao tipo de participação de todos os envolvidos com o processo educativo da escola, o que requer continuidade de ações. Bussmann (1995, p. 43) afirma: (...) na organização escolar, que se quer democrática, em que a participação é elemento inerente à consecução dos fins, em que se buscam e se desejam práticas coletivas e individuais baseadas em decisões tomadas e assumidas pelo coletivo escolar, exige-se da equipe diretiva, que é parte desse coletivo, liderança e vontade firme para coordenar, dirigir e comandar o processo decisório como tal e seus desdobramentos de execução. Em suma, o processo de construção do projeto é dinâmico e exige esforço coletivo e comprometimento; não se resume, portanto, à elaboração de um documento escrito por um grupo de pessoas para que se cumpra uma formalidade. É concebido solidariamente com possibilidade de sustentação e legitimação.
Construir um projeto pedagógico significa enfrentar o desafio da mudança e da transformação, tanto na forma como a escola organiza seu processo de trabalho pedagógico como na gestão que é exercida pelos a interessados, o que implica o repensar dá estrutura de poder da escola. A autonomia escola, um reexame A autonomia da escola é uma questão importante para o delinearnento de sua identidade. A autonomia anula a dependência "O significado de autonomia remete-nos para regras e orientações criadas pelos próprios sujeitos das ações educativas, sem imposições externas" (Veiga 1997, p. 19). A autonomia não é um valor absoluto, fechado em si mesmo, mas um valor que se determina numa relação de interação social. Nesse sentido, a escola deve alicerçar o conceito de autonomia, enfatizando a responsabilidade de todos, sem deixar de lado os outros níveis da esfera administrativa educacional. A autonomia é importante para a criação da identidade da escola. A autonomia não é, afinal, uma política, mas a substância de uma nova organização do trabalho pedagógico na escola. Essa supõe a possibilidade de singularidade e variação entre as instituições escolares. Para ser autônoma, a escola não pode depender somente dos órgãos centrais e intermediários que definem a política da qual ela não passa de executora. Ela concebe sua proposta pedagógica ou projeto pedagógico e tem autonomia para executá-lo e avaliá-lo ao assumir uma nova atitude de liderança, no sentido de refletir sobre as finalidades sociopolíticas e culturais da escola. (...) o que se requer dos educadores, para essa tarefa, é, fundamentalmente, competência. Construir ética e politicamente a autonomia não teria significado se não se aliassem à perspectiva ético-política a dimensão técnica, o domínio seguro de conhecimentos específicos, a utilização de uma metodologia eficaz, a consciência crítica e o propósito firme de ir ao encontro das necessidades concretas de sua sociedade e de seu tempo. (Rios 1993, p. 18) 15 A autonomia é, pois, questão fundamental numa instituição educativa envolvendo quatro dimensões básicas, relacionadas e articuladas entre si: administrativa, jurídica, financeira e pedagógica. Essas dimensões implica direitos e deveres e, principalmente, um alto grau de compromisso e responsabilidade de todos os segmentos da comunidade escolar.
As diferentes dimensões da autonomia são interdependentes. A Figura l, a seguir, ilustra essas dimensões. Figura 1 - As dimensões da autonomia A autonomia administrativa consiste na possibilidade de elaborar e gerir seus planos, programas e projetos. Envolve, inclusive, a possibilidade de adequar sua estrutura organizacional à realidade e ao momento histórico vivido. Refere-se à organização da escola e nela destaca-se o estilo de gestão, a direção como coordenadora de um processo que envolve relações internas e externas, ou seja, com o sistema educativo e com a comunidade na qual a escola está inserida. A autonomia administrativa traduz a possibilidade de a escola !garantir a indicação dos dirigentes por meio de processo eleitoral que 'realmente verifique a competência profissional e a liderança dos candidatos; a constituição dos conselhos escolares com funções deliberativa, consultiva e fiscalizadora; a formulação, a aprovação e a implementação do plano de gestão da escola (Gadotti e Romão 1997). Convém lembrar que o processo de descentralização é muitas vezes travestido de uma desconcentração que "intensifica o poder, central, pois representa o lançamento de tentáculos deste poder na periferia do sistema (ibidem, p. 1~36j. A autonomia administrativa representa um espaço de negociação permanente por parte dos atores mais diretamente envolvidos. É pela participação, pela intervenção e pelo diálogo que a autonomia se constrói e internaliza. Neves ( 1995) afirma que o eixo administrativo pode ser analisado por meio dos seguintes aspectos: formas de gestão, controles normativo-burocráticos, racionalidade interna, administração de pessoal, ' administração de material e controle de natureza social. "'' A autonomia jurídica diz respeito à possibilidade de a escola elaborar suas próprias normas e orientações escolares, como, por exemplo, matrícula, transferência de alunos, admissão de professores, concessão de graus etc. Mesmo estando vinculada à legislação dos órgãos centrais, a instituição escolar deve policiar-se, também, no sentido de não se transformar numa instância burocrática, por meio de estatutos, regimentos, portarias,' resoluções, avisos, memorandos, os quais acabam por descaracterizar seu papel de proporcionar aos educandos, mediante um ensino efetivo, os instrumentos que lhes permitam conquistar melhores condições de participação cultural, profissional e sociopolítica. . A autonomia financeira refere-se à existência de recursos financeiros capazes de dar à instituição educativa condições de funcionamento efetivo. A educação pública é financiada. A autonomia financeira pode ser total ou parcial. É total quando a escola administra todos os
recursos a ela destinados pelo Poder Público, o que tem encontrado "fortes resistências das entidades de representação da categoria docente, que se sente ameaçada em vários aspectos: perda da estabilidade no emprego, fragilização da articulação sindical e, no limite, privatização das unidades escolares" (ibidem, p. 136). É parcial quando a escola administra apenas parte dos recursos repassados, mantendo-se no órgão central do sistema educativo a gestão de pessoal e as despesas de capital. A nova LDB (Lei n 9.394/96), além de explicitar a incumbência da escola de "elaborar e executar sua proposta pedagógica (art. 12, 1), define também sua responsabilidade em "administrar seu pessoal e seus recursos financeiros" (art. 12, II). 17 A autonomia financeira compreende as competências para elaborar e executar seu orçamento, com fluxo regular do Poder Público, permitindo a escola planejar e executar suas atividades, independentemente de outras fontes de receita com fins específicos, bem como aplicar e remanejar diferentes rubricas de elementos ou categorias de despesas, sem prejuízo de fiscalização dos órgãos externos competentes. Assim sendo, a autonomia financeira engloba duas vertentes: dependência financeira do Poder Público, controle e previsão de contas. O que não deve ocorrer é a redução do processo participativo por parte do Estado visto como "o agente central na alocação de recursos destinados ao financiamento dos serviços educacionais, transferindo essa responsabilidade aos próprios indivíduos, às famílias e às empresas" (Gentili 1998, p. 324). A autonomia pedagógica consiste na liberdade de ensino e pesquisa. Está estreitamente ligada à identidade, à função social, à clientela, à organização curricular, a avaliação, bem como aos resultados e, portanto, à essência do projeto pedagógico da escola. Embora guarde relação com as outras três dimensões, a autonomia pedagógica diz respeito as medidas essencialmente pedagógicas, necessárias ao trabalho de elaboração, desenvolvimento e avaliação do projeto político-pedagógico, em consonância com as políticas públicas vigentes e as orientações dos sistemas de ensino. Caberá à escola: - explicitar objetivos filosóficos, pedagógicos, científicos, tecnológicos, artísticos e culturais; - selecionar e organizar os conhecimentos curriculares, observadas as diretrizes gerais do Conselho Nacional de Educação; - introduzir metodologias inovadoras; - avaliar desempenhos docente e discente , - tomar decisões relativas à concepção, à execução e à avaliação do currículo;
- organizar a pesquisa; 18 - estabelecer cronogramas, calendários, horários; - capacitar docentes e técnicos por meio de cursos, seminários e estágios em universidades e centros de formação de professores; . implantar sistemas de acompanhamento de egressos; - estabelecer critérios e normas de seleção, admissão e promoção de seus alunos e da matrícula dos transferidos; - conferir graus, diplomas, certificados e outros títulos escolares; . fazer articulação com outras instituições como: associações culturais, científicas e sindicais, a fim de garantir aos professores e grupos de pesquisa a liberdade de elaborar projetos; - definir os problemas relevantes, sujeitos à avaliação dos seus pares da comunidade interna; - analisar o impacto das ações previstas e desencadeadas. A autonomia pedagógica abrange, portanto, os seguintes aspectos: poder decisório referente à melhoria do processo ensino-aprendizagem, adoção de critérios próprios de organização da vida escolar e de pessoal docente e celebração de acordos e convênios de cooperação técnica (Neves 1995). A relatividade dessa autonomia evidencia-se quando existem interferências, como, por exemplo, currículos mínimos de cursos predefinidos, e ela se amplia com as possibilidades prescritas na nova LDB (Lei n 9.394/96). Pressupostos norteadores do projeto político-pedagógico É preciso considerar a teoria pedagógica progressista, que parta da prática social e esteja compromissada em solucionar os problemas da educação, do currículo e do processo ensino-aprendizagem da escola. Os pressupostos norteadores são: filosófico-sociológico, epistemológico e didático-metodológico. Os pressupostos filosóficos-sociológicos consideram a educação como compromisso político do Poder Público para com a população, com vistas à formação do cidadão participativo para um determinado tipo de sociedade. A escola guarda relação com o contexto social mais amplo. Ora, para sabermos que escolas precisamos construir, que cidadãos queremos formar, nós temos que saber para que sociedade estamos rumando. Definido o tipo de sociedade que queremos construir, discutiremos qual a concepção de educação correspondente. A educação é direito de todos e não deve se constituir em um serviço, uma mercadoria, sendo transformada num processo centrado na ideologia da competição e da qualidade para poucos. 19 A educação básica deve estar alicerçada nas múltiplas necessidades humanas. Trata-se
de um processo articulador das relações sociais, culturais e educacionais, como sugerido pelas indagações seguintes: - Qual é o contexto filosófico, sociopolítico, econômico e cultural em que a escola está inserida? - Que concepção de homem se tem? - Que valores devem ser defendidos na sua formação? - O que entendemos por cidadania e cidadão? - Em que medida a escola contribui para a cidadania? - Em que dimensão a escola propicia a vivência da cidadania? - A formação da cidadania tem sido o fio condutor do trabalho pedagógico da escola? - Até que ponto a escola se preocupa em colocar o sujeito (aluno) como centro do processo educativo? - Como a escola deve responder às aspirações dos alunos, dos pais e dos professores? - Qual é o papel da escola diante de outros espaços formadores? Os pressupostos epistemológicos levam em conta que o conhecimento é construído e transformado coletivamente. Nesse sentido, o processo de produção do conhecimento deve pautar-se, sobretudo, na socialização e na democratização do saber. O conhecimento escolar é dinâmico e não mera simplificação do conhecimento científico, que se adequaria à faixa etária e aos interesses dos alunos. A análise do processo de produção do conhecimento escolar amplia a compreensão sobre as questões curriculares. O conhecimento produzido pela pesquisa parte do concreto e da prática que precede a teoria, de modo que esta só tem sentido quando articulada.com aquela. O importante é, sobretudo, a garantia da unicidade entre teoria e prática, conhecimento geral e específico, conteúdo e forma e dimensão técnica e política. É preciso muita ¡intencionalidade para provocar mudanças no processo de produção do conhecimento. O conhecimento deixa de ser visto numa perspectiva estática e passa a ser enfocado como processo. Leite (1994, p. 13) aponta duas dimensões básicas do conhecimento: conhecimentoproduto e conhecimento-processo. Ela afirma: Na qualidade de produto, o conhecimento parece ser estático, acabado, evolutivo e acumulativo, pois se resume a um conjunto de informações neutras, objetivas e impessoais sobre o real elaborado e sistematizado no trabalho de investigação da realidade. Na qualidade de processo, o conhecimento é dinâmica, está envolto por um contexto de controvérsias e divergências, traz subjacente uma série de compromissos. interesses e alternativas que contestam sua condição de objetividade e neutralidade. Isso posto, as questões a responder são:
- Qual é, então, nosso papel neste momento, uma vez que há uma compreensão, entre nós, professores e especialistas, de que a construção do conhecimento é condição sine qua non para a formação do educando? - O que significa construir o conhecimento no campo da educação básica? - Como construir um conhecimento interdisciplinar e globalizador, conseguindo, de fato, trabalhar o específico e avançar para a compreensão das relações sociais? - Como avançar a prática pedagógica de forma que o conhecimento seja trabalhado como processo e, dessa forma, contribuir para a autonomia do aluno, do ponto de vista intelectual, social e político, favorecendo a cidadania? - Como a relação entre ensino e pesquisa pode favorecer essa construção? - Como definir o essencial e o complementar na organização do conhecimento curricular? - Em que nível o aluno deve participar da organização dos programas escolares? - De que forma partir do conhecimento trazido pelo estudante, para relacioná-lo com o novo conhecimento? . - Como propiciar a aquisição de conhecimentos e habilidades intelectuais aliada às atitudes de cooperação, co-responsabilidade, iniciativa, organização e decisão? - Como viabilizar a compreensão das relações sociais que o trabalho gera com relações sociais mais amplas por meio de conteúdos curriculares históricos, críticos, criativos, não tomados em si, mas à luz do trabalho em questão? - Qual é a concepção de conhecimento, currículo, ensino, aprendizagem e avaliação? O projeto político-pedagógico construído pela própria comunidade escolar é o definidor de critérios para a organização curricular e a seleção de conteúdos, embora o Estado legitimamente constituído assuma o papel de formulador de políticas integrativas, principalmente com o intuito de preservar a unidade nacional respaldado na legislação que estabelece as prescrições mais amplas, em termos dos fundamentos/princípios e orientações. Quanto aos pressupostos didático-metodológicos, entende-se que a sistematização do processo ensino-aprendizagem precisa favorecer o aluno na elaboração crítica dos conteúdos, por meio de métodos e técnicas de ensino e pesquisa que valorizem as relações solidárias e democráticas. Como sugestões metodológicas, podemos citar: pesquisa de campo, oficinas pedagógicas, trabalhos em grupo, debate e discussão, estudo dirigido, estudo de texto, demonstração em laboratórios, oficinas escolares, entrevista, observação das práticas escolares, visitas, estágios, cursos etc. Os pressupostos didático-metodológicos sugeridos devem pautar-se em um trabalho interdisciplinar que é muito mais do que a compatibilização de métodos e técnicas de ensino e pesquisa. Há necessidade de ampliar a perspectiva de pesquisa como princípio educativo. O que fundamenta o processo de ensinoaprendizagem tem profunda relação com os princípios da pesquisa do cotidiano escolar. Como tudo isso se relaciona com a construção do projeto político-pedagógico e a atividade docente? A nova LDB, em seu art. 13, incumbindo os docentes da tarefa de participar da elaboração, da execução e da avaliação do projeto pedagógico, explicita a
importância da presença dos professores como sujeitos vinculados a processos de socialização, sujeitos que se reúnem numa prática intencionada, na qual têm oportunidade de combinar o fazer pedagógico com a reflexão. Nesse sentido, a ação prático-reflexiva resulta em propostas, planos de ensino e atividades e novas formas de organização do trabalho pedagógico. Isso significa uma enorme mudança na concepção do projeto político-pedagógico e na própria estrutura da administração central. Se a escola se nutre da vivência cotidiana de cada um de seus membros, co-participantes da organização do seu trabalho pedagógico, aos órgãos da administração central, seja o Ministério da Educação, a Secretaria de Educação estadual ou municipal, não compete propor um modelo pronto e acabado, mas definir normas de gestão democrática, como previsto no art. 14, com a participação dos profissionais da educação e da comunidade escolar e local em instäncias colegiadas. Os órgãos centrais devem estimular inovações e coordenar as ações pedagógicas planejadas e organizadas pela própria escola. Em outras palavras, as escolas necessitam receber assistência técnica e financeira (art. 9°, inciso If1), decidida em conjunto com as instäncias superiores do sistema de ensino. Isso pode exigir, também, mudanças na própria lógica da organização de instâncias superiores, implicando uma alteração substancial na sua prática e ampliando, dessa forma, a concepção de gestão democrática. 23 A construção do projeto político-pedagógico Existem vários caminhos para a construção do projeto pedagógico. Enfatizam-se aqui os movimentos do processo de construção desse projeto, marcados por três atos bem distintos, porém interdependentes. a) O ato situacional - descreve a realidade na qual desenvolvemos nossa ação; é o desvelamento da realidade sociopolítica, econômica, educacional e ocupacional. Implica levantar questões, tais como: - Como compreendemos a sociedade atual? - Qual é a realidade de nossa escola em termos: legais, históricos, pedagógicos, financeiros, administrativos, físicos e materiais e de recursos humanos? - Quais são os dados demográficos da região em que se situa a escola? - Qual é a população-alvo da escola? - Quais suas características em termos de nível socioeconômico, cultural e educacional? - Qual o papel da educação/escola nessa realidade? - Qual a relação entre a escola e o mundo do trabalho? - Quais as principais questões apresentadas pela prática pedagógica? - O que é prioritário para a escola?
- Quais as alternativas de superação das dificuldades detectadas? A reflexão de questões dessa natureza leva ao reconhecimento de que: (...) em suas forças e fraquezas, de maneira transparente; a compreensão dos movimentos educativos que se processam no seu interior; o estabelecimento das relações existentes entre o fazer pedagógico e as questões sociais mais amplas, bem como as relações de mútua interdependëncia são fatores determinantes a serem considerados na elaboração do Projeto Pedagógico e da Escola... (Ferreira Neto 1996, p. 21) O ato situacional significa, portanto, ir além da percepção imediata. É o momento de desvelar os conflitos e as contradições postas pela prática pedagógica; é apreender seu movimento interno, de tal forma que se possa reconfigurá-la, fortalecida pela reflexão teórico-prática. b) O ato conceitual diz respeito ã concepção ou visão de sociedade, homem; educação, escola, currículo, ensino e aprendizagem. Diante da realidade situada, retratada, constatada e documentada cabem as seguintes indagações: - Que referencial teórico, ou seja, que concepções se fazem necessárias para a transformação da realidade? - Que tipo de alunos queremos formar? - Para qual sociedade? - O que significa ser uma escola voltada para a educação básica? - Que experiências queremos que nosso aluno vivencie no dia-a-dia de nossa escola? / - Quais as decisões básicas referentes ao que, para que, e a como ensinar, articulados ao para quem? - O que significa construir o projeto político-pedagógico como prática social coletiva? As questões levantadas geram respostas e novas indagações por parte da direção de professores, funcionários, alunos e pais e da sociedade em geral. O esforço analítico da realidade constatada possibilitará a identificação de quais finalidades estão relegadas e precisam ser reforçadas e priorizadas, e como elas poderão ser detalhadas e retrabalhadas. Nesse momento conceitual, devem também ser considerados os eixos norteadores do projeto, discutidos anteriormente. A reflexão sobre o trabalho pedagógico, descrevendo-o, problematizando-o, analisando os componentes ideológicos que o sustentam, vai configurando uma matriz teórica que permitirá a participação de toda a comunidade escolar em sua concretização. Por sua vez, a definição dessa matriz teórica propiciará a revisão do trabalho pedagógico desenvolvido pela escola e, conseqüentemente, da sua própria organização. Para Serafin (1987, p. 205), essa prática é uma "contínua atividade de investigação e reflexão na ação e sobre a própria
ação, uma vez que se vai fundamentando em uma teorização sobre o atuado. Supõe, pois, uma pratica de construção de organização e uma prática dos atores". A escola tem que pensar o que pretende, do ponto de vista político e pedagógico. Há um alvo por ser atingido pela escola: a produção e a socialização do conhecimento, das ciências, das letras das artes da política e da tecnologia, para que o aluno possa compreender a realidade socioeconômica, política e cultural, tornando-se capaz de participar do processo de construção da sociedade. c) O ato operacional orienta-nos quanto a como realizar nossa ação. É o momento de nos posicionarmos com relação às atividades a serem assumidas para transformar a realidade da escola. Implica, também, a tomada de decisão de como vamos atingir nossas finalidades, nossos objetivos e nossas metas. Na operacionalização do projeto pedagógico, o que se faz é verificar se as decisões foram acertadas ou erradas e o que é preciso revisar ou reformular. Tendo em vista as diferentes circunstâncias, pode-se tornar necessário tanto alterar determinadas decisões quanto introduzir ações completamente novas. As decisões básicas para a execução dizem respeito à proposição de medidas de ação coletiva, no sentido do aperfeiçoamento do ato operacional. É preciso ter presente algumas indagações: - Quais as decisões necessárias para a operacionalização? - Como redimensionar a organização do trabalho pedagógico? - Qual o tipo de gestão? ~ - Quais as ações prioritárias? São exeqüíveis? - Qual o papel específico de cada membro da comunidade escolar? - De que recursos a escola dispõe para realizar seu projeto? - Quais os critérios gerais para elaboração do calendário escolar, horários letivos e não-letivos (incluindo os de capacitação)? - Quais as necessidades de formação inicial e continuada dos diferentes profissionais que trabalham na escola?/ - Quais os critérios para a organização e a utilização dos espaços educativos (internos e externos à própria escola)? - Como será feita a organização de turmas por professor, em virtude da especificidade das situações diversificadas inerentes à própria estrutura curricular dos cursos desenvolvidos pela escola? - Quais as diretrizes para a avaliação de desempenho do pessoal docente e não-docente, do currículo, dos projetos não-curriculares e do próprio projeto político-pedagógico da escola? - Qual a relação entre o pedagógico e o administrativo, no processo de gestão? - Qual o papel das instâncias colegiadas da escola, tais como: Conselho da Escola, Conselho de Classe, Grëmio Estudantil, Associação de Pais e Mestres, clubes diversos e outros? - Como se efetiva o acompanhamento de egressos? Os movimentos avaliativos partem da necessidade de se conhecer a realidade escolarpara
explicar e compreender criticamente as causas de existência dos problemas bem como suas relações e mudanças, esforçando-se por propor ações alternativas (criação coletiva). A avaliação é vista como ação fundamental para a garantia do ëxito do Projeto, na medida em que é condição sine qua non para as decisões significativas a serem tomadas. É parte integrante do processo de construção do projeto e compreendida como responsabilidade coletiva. A avaliação interna e sistemática é essencial para definição, correção e aprimoramento de rumos. É também por meio dela que toda a extensão do ato educativo, e não apenas a dimensão pedagógica, é considerada. Para visualização dos atos do processo de construção do projeto Pedagógico e para facilitar a compreensão do relacionamento existente entre eles; apresentamos a Figura 2, a seguir, baseada em Gandin ( 1986, p. 20). Esses três atos do processo de construção de projeto político-pedagógico mantém relações de interdependência ( Figura 2) e refletem propósitos, perspectivas, experiências, valores e interesses humanos concretos, devendo ser levados em consideração ao longo do planejamento. Eles correspondem aos momentos de concepção, incluindo tanto o ato situacional quanto o conceitual e o de execução do projeto mais ligado ao operacional. 27 A avaliação no contexto do processo de planejamento é concebida como acompanhamento da qualidade das decisões. Essas decisões avaliativas são basicamente de dois tipos: - as decisões em nível dos atos situacional e conceitual dizem respeito ao momento da concepção do projeto pedagógico. São decisões pedagógicas, epistemológicas e metodológicas, implicando levantar questões para um profundo conhecimento da situação. O esforço analítico da realidade constatada possibilitará a identificação de quais finalidades precisam ser reforçadas e priorizadas; - as decisões de execução do projeto político-pedagógico dizem respeito, sobretudo ao ato operacional. As decisões básicas de execução visam acompanhar a operacionalização do projeto pedagógico. Nesse sentido, todos os momentos de planejamento (concepção e execução do projeto pedagógico estão permeados por um processo de avaliação . A Figura 3 ilustra o que acabamos de afirmar. As relações de planejamento e avaliação do projeto político-pedagógico implicam que as decisões das várias etapas do planejamento se apóiem em avaliação. A avaliação é ponto de partida e ponto de chegada. , Como se pode notar pela Figura 3, o processo cíclico de planejamento é permeado por um processo cíclico de avaliação. Vasconcellos ( 1991, p. 26) considera que
(...) mais importante do que ter um texto bem elaborado, é construirmos um envolvimento eo crescimento das pessoas, principalmente dos educadores, no processo de elaboração do projeto, através de uma participação efetiva naquilo que é essencial na instituição. Planejar com e não planejar para. (Grifos do autor) Insistimos, então, na importância de se ouvirem as vozes dos professores, dos alunos, dos pais, bem como as dos outros sujeitos envolvidos no processo de construção do projeto político-pedagógico. Acreditamos, conseqüentemente, que alguns avanços significativos encontrados na prática pedagógica de muitas escolas podem contribuir para a construção desse processo, merecendo especial atenção aos seguintes aspectos: o papel da escola, dos profissionais e da clientela, as condições de trabalho, a gestão e o projeto político-pedagógico, a política educacional. Considerando a temática deste estudo e as análises dos relatórios dos participantes de cursos por mim ministrados em escolas públicas e privadas (1995-1996), encaminhamos algumas sugestões que servirão para qualificar as ações mobilizadoras e propulsoras de novas maneiras de pensar e fazer o projeto político-pedagógico: - assumir a competência primordial da escola: educar, ensinar/aprender; - dinamizar os conteúdos curriculares de maneira a provocar a participação do aluno; - lutar pela valorização dos profissionais da educação, fortalecendo sua formação inicial e continuada, propiciando melhores condições de trabalho (salário, concurso para ingresso, tempo remunerado para atividades pedagógicas fora de sala de aula etc). - entender que os alunos provenientes das classes populares são sujeitos concretos que têm uma rica experiência e possuidores de diferentes saberes; - criar e institucionalizar instâncias colegiadas na escola tais como: Associação de Pais e Mestres, Conselho da Escola, Conselho de Classe, Grêmio Estudantil; - criar o Conselho de Diretores de Escolas Básicas, por município, nos moldes do Conselho de Diretores das Escolas Técnicas Federais - Conditec; - definir a política global da escola por meio do projeto político-pedagógico, elaborado de baixo para cima, contando com a participação de todos os segmentos da escola; - desocultar os interesses envolvidos nas decisões, reforçando o diálogo e construindo formas alternativas de superação das propostas oficiais e verticais; - fortalecer as relações entre escolas e Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, Delegacias ou Coordenadorias Regionais e instituições de ensino superior, entre outros; - reivindicar a participação das escolas na definição das políticas públicas para a educação. E para concluir... Como procuramos demonstrar, a construção do projeto político-pedagógico é um ato
deliberado dos sujeitos envolvidos com o processo educativo da escola. Entendemos que ele é o resultado de um processo complexo de debate, cuja concepção demanda não só tempo, mas também estudo, reflexão e aprendizagem de trabalho coletivo. Não é possível, portanto, concebê-lo e instituí-lo por decreto ou resolução de conselhos e colegiados escolares. Assim, discuti-lo na escola não é apenas falar sobre o projeto instituído, mas, ao mesmo tempo, reafirmar que no projeto político-pedagógico está o instituinte, ou seja, "as pessoas concretas com suas intenções e valores, falando uma linguagem instituinte, que projeta e dilata os campos das possibilidades, mobiliza ânimos e energias" (Marques 1990, p. 23). O projeto político-pedagógico, como projeto/intenções, deve constituir-se em tarefa comum da equipe escolar e, mais especificamente, dos serviços pedagógicos (Supervisão Escolar e Orientação Educacional). A esses cabe o papel de liderar o processo de construção desse Projeto pedagógico. Se, por um lado, a coordenação do processo de construção do projeto pedagógico é tarefa do corpo diretivo e da equipe técnica, por outro, é co-responsabilidade dos professores, dos pais, dos alunos, do pessoal técnico-administrativo e de segmentos organizados da sociedade local, contando, ainda, com a colaboração e a assessoria efetivas de profissionais ligados à educação. Finalizando, para que a escola seja palco de inovação e investigação e torne-se autônoma é fundamental a opção por um referencial teórico-metodológico que permita a construção de sua identidade e exerça seu direito à diferença, à singularidade, à transparência, a solidariedade e à participação. Precisamos reconstruir a utopia e, como profissionais da educação, refletir e questionar profundamente o trabalho pedagógico que realizamos até hoje em nossas escolas Bibliografia André, M.E. D..A. A contribuição da pesquisa etnográfica para a construção do saber didático. IN OLIVEIRA, M.RN.S. (Org.). Didática: Ruptura, compromisso e pesquisa. 2 ed., Campinas: Papims, 1995. Bussmann, Antônia Carvalho. O projeto político-pedagógico e a gestão da escola. In: VEIGA, I.P.A. (org.). Projeto político-pedagógico da escola: Uma construção possível Campinas: Papirus, 1995. DEMO, Pedro. Educação e qualidade. Campinas: Papirus, 1994. Ferreira NETO, Augusto. Projeto pedagógico da escola. In: Revista AMAE. Belo Horizonte, 1996.
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grupos culturais numa mesma sociedade, e o segundo à ação deliberada de intervenção entre as diferentes culturas. Nas reflexões que desenvolvo neste artigo, tomarei o multiculturalismo na imbricação dos dois significados, quais sejam, no reconhecimento da diversidade e no caráter intervencionista das ações, desvelando o cotidiano das pessoas, que é identificado como natural e comum a todos, embora não o seja, permeado que é pelas disputas de relações de poder construídas socialmente de forma desigual. A abordagem objetiva traz à tona uma discussão que, mesmo podendo sugerir modismo, evidencia a interseção existente entre o multicultural e as propostas de construções coletivas. Docente da Universidade de Brasília - Faculdade de Educação; assessora de Educação da Unesco: doutoranda da Unesp. 32 Abordar o caráter multicultural como transversalidade de um fazer e um pensar no mundo requer a compreensão de um retrospecto histórico ou pelo menos de fatos que, se não justificam, explicam a faceta relativa à dificuldade comumente encontrada em adotar uma postura multicultural nos mais diferentes campos de atuação e, entre eles, naquele que nos diz respeito, a educação. A chamada "guetificação" que insistem em acentuar pode ser alterada por meio de um esforço conjunto que não se fundamenta em supremacias mas nas articulações. O debate sobre essa temática tem se intensificado nos encontros de educadores e pesquisadores interessados em descobrir nas instituições educativas espaços em que possam predominar a capacidade de mudança mais que o conservadorismo em práticas discriminatórias, a transgressão de limites de especialidades fortalecendo construções interdisciplinares e transdisciplinares e, fundamentalmente, o movimento e o trânsito na rica diversidade cultural, no diálogo entre as culturas e com a consciência de que quase sempre será um processo nada harmônico, como pretendem alguns. Tal preocupação está fundada nos evidentes confrontos macro (entre os chamados países do Primeiro Mundo e os demais) e micro (no interior de comunidades, grupos, instituições etc.) baseados em intransigências étnicas, religiosas, raciais, políticas e culturais de forma mais ampla. Padrões aceitos como únicos colidem-se com as chamadas culturas marginais, vistas como constantes ameaças para a dominante homogeneização cultural. A imposição de significados de dada realidade acaba por se constituir em focos de atrito explícito e muitas vezes velado. A pertinência das reflexões sobre o multiculturalismo
A escola, ao longo de sua história, tem evidenciado uma monocultura que se expressa pela intransigência e pela impermeabilidade em relação tanto às realidades diversas como ao multifacetado mundo das crianças e dos adolescentes. Segundo Sacristán (1995, p. 97), "a cultura dominante nas salas de aula é a que corresponde à visão de determinados grupos sociais: nos conteúdos escolares e nos textos aparecem poucas vezes a cultura popular, as subculturas dos jovens". Os espaços culturais têm se constituído em freqüentes focos de luta, de diferenças e de disputas de poder absolutamente desiguais não em sua essência, isto é, não se voltando às diferenças absolutas, mas àquelas relativas a certos aspectos ou a certas combinações de alguns deles, como, por exemplo, o político, o racial, o religioso, de gênero, de classe social, entre outros. Nas malhas construídas nas relações de poder, essas diferenças acabam se transformando e travestindo de forma a se constituírem em um bloco justificador de discriminações. Conceitos de normalidade e anormalidade, do que é comum e diferente se misturam enquanto os estereótipos "desejáveis adquirem uma supremacia quase absoluta. Certamente, o movimento desintegrador de algumas culturas está fundado na desvalorização da rica diversidade cultural dos povos, atingindo a capilaridade da incompetência do convívio com o outro, que pode ser sintetizada na incapacidade de ser solidário. Há algum tempo, tive a oportunidade de conhecer Hilda Jimenes, uma mexicana que reside em Chiapas e trabalha na universidade dessa mesma cidade, que fica numa região de muitos conflitos culturais. Em seus testemunhos carregados de emoção, ela relata a incapacidade de dois mundos conviverem entre si: o dos índios e o dos chamados homens brancos, nem sempre tão brancos como pressupõem. Na verdade, é uma "brancura" que se constituiu mais na assimilação cultural e menos na questão racial. Em sua fala fica claro que boa parte do povo clama por reformas estruturais, enquanto os ares do neoliberalismo também atingem as cidades e aldeias, reforçando a exclusão. Os chamados diferentes, que não se incluem nos padrões e códigos da modernidade e, como querem alguns, da pós-modernidade, ficam excluídos dos processos de globalização e imersos na crescente massificação que lhes desconfigura as referências identitárias. Acabam não mais se reconhecendo como indivíduos que têm história e raízes. Outra referência mais próxima que também pode ser aqui colocada é o convívio que tive por 18 longos anos na região de Dourados, no Mato Grosso do Sul, com a aldeia dos índios caivás, que ficava praticamente dentro da cidade tornando mais explícitas as opressões. Eram freqüentes os pedidos :de "pão velho" feitos por crianças índias e a presença de seus 34 pais bêbados perambulando pela cidade em situação de mendicância muitos deles exterminando a própria vida, provavelmente por perda de identidade e perspectiva.
Coincidentemente, os fortes exemplos dados referem-se ao índio, mas muitas outras situações poderiam ser apontadas envolvendo o homem do campo, o negro etc. A ignorância sobre diferentes culturas e a constante preocupação em manter o poder aniquilam construções sociais erguidas a duras penas. Após algum tempo de opressão, o próprio grupo se pergunta: Quem somos nós? Quais são nossas verdades? Quais são e onde estão fincadas nossas raízes? E dificilmente encontram respostas para essas perguntas. A problemática apresentada nos coloca frente a frente com uma necessidade muito concreta, a do multiculturalismo. Atualmente, fortalece-se o movimento no sentido de melhor compreender o chamado hibridismo cultural em que, por exemplo, está imerso o povo brasileiro. Poderíamos dizer que o grau de conscientização a respeito ainda é embrionário, mas que já não é mais possível negar que a necessidade de resgate das várias verdades culturais adquire uma forte concretude. A esse respeito, é interessante resgatar uma reflexão de Gaston Kaboré ( 1996, p. 14), presidente da Federação Pan-Africana dos cineastas, oriundo de uma área que cada vez mais se aproxima das questões referentes à educação - a artística. Mais tarde, quando me dediquei ao cinema documental contemporâneo, quis compreender como é que a imagem construía o pensamento, como é que pessoas permanentemente dominadas por uma representação exterior de seu próprio universo podiam pouco a pouco ver-se impedidas de ser elas próprias. Uma coisa tornou-se clara para mim: submersos por imagens vindas de fora, os povos do meu continente não tëm a possibilidade de projetar no ecrã da sua realidade o seu imaginário, a sua sensibilidade, a visão que têm deles próprios e do mundo, e até mesmo as suas ilusões e as suas utopias. São-lhes propostas imagens modeladoras que os impedem de se encontrar a si próprios. Contextualizando essa reflexão de Kaboré à área da educação, metemo-nos a realidade de muitas escolas brasileiras e, ao mesmo tempo, colocamo-nos em conflito com idéias que acabam por privilegiar a homogeneidade, sugerindo movimentos centrados na cristalização e na exclusão, ou seja, na manutenção e na conservação. Analisando algumas realidades, é possível concluir que essa homogeneização ocorre pela necessidade de controle, desconsiderando, inclusive, a história vivencial dos alunos. Professores e comunidade escolar trazem embutido em seu pensar e em seu fazer o princípio de que só existe uma história, a que é escrita, restrita e padronizada nos livros didáticos, quando nós somos, como na África, um continente permeado pela diversidade e pela oralidade de regiões tão fortes em seus valores, dogmas, costumes e princípios.
São ambigüidades que perpassam o pedagógico e, como era de se esperar, atingem a alma da escola e, mais explicitamente, seu papel como instituição que se pretende formadora, "oxigenada" e apta à análise e à crítica. Sem a menor dúvida, a globalização da educação, assim como da economia, se, por um lado, oportuniza a imersão em contextos diferentes, pode provocar, por outro, a descaracterização do regionalizado e, mais particularmente, da identidade local. A constatação do cenário da cultura hegemônica é essencial para qualquer movimento de superação. Assim, a realidade de um mundo multicultural é, hoje, uma das verdades mais latentes e uma questão que necessita ser captada e administrada pelas relações sociais das mais diversas instituições, dentre elas as educacionais. Os espaços educativos nada multiculturais A fragilidade da escola no trato com o multiculturalismo representa a própria fragilidade da relação entre educação e sociedade. Cabe aqui ressaltar que sentimentos maniqueístas fortalecem os antagonismos, visto que tanto a ênfase na igualdade cultural como a ênfase na diferença configuram uma postura que reflete a lógica da autosuficiênciab. As diferenças devem ser analisadas como produto da história, da ideologia e das relações de poder e constituem-se em fato incontestável. 36 A idéia de reconhecimento e complementaridade afasta a anulação de valores, conceitos, princípios e do próprio consenso. Não há acréscimos a partir de uma base hegemônica. As chamadas negociações e os diálogos entre diferentes culturas, na maior parte das vezes, caracterizam-se como processos conflitantes. A pseudo-harmonia que algumas correntes pleiteiam deve ser criticamente analisada, uma vez que pode representar o reforço da manutenção da força cultural hegemônica. Candau (1997) explicita que a desestabilização, a relativização e a própria contestação são ingredientes necessários no encontro entre culturas e, ao defender a transparência e a autenticidade cultural via currículo, considera: - a colocação da cultura como foco central dos currículos, desenvolvendo nos processos de aprendizagem o estudo das diferenças historicamente delineadas; - a sustentação da linguagem como eixo central, buscando sua identidade social; - a busca da articulação entre currículo e experiências vivenciadas pelos alunos; - a consideração da estruturação da vida em comunidade e as diferentes definições do "eu"; - a concepção da história como seqüência de rupturas e deslocamentos; - a ampliação da concepção de pedagogia, compreendendo-a como modo de produção cultural.
Com essas reflexões, fica claro que a escola e sua gestão se vêem diante da necessidade de reestruturar-se e resignificar os princípios do que sejam os processos do ensinar e do aprender na entrada do terceiro milênio. A própria figura do professor, estereotipada ao longo de sua história, está a exigir uma revisão, bem como seu papel, que, longe de buscar suas bases na homogeneidade, funda-se na diversidade como construção social. Cabe esclarecer que no convite de mudança da escola não está apenas essa justificativa. Seria uma grande ingenuidade não identificar existência de apelos que se fundamentam nos valores neoliberais que, ao contrário da inclusão cultural, apregoam, mesmo que algumas vezes não explicitamente, o nivelamento. O grupo que domina" os princípios e movimentos sociais age como um rolo compressor capaz de inverter e lógicas e confundir argumentos. Recentemente, o presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou, em outras palavras, que também não gosta do desemprego, mas que se trata de um fato, da concretude de nossos dias. A fala parece transmitir a infalibilidade ou o absurdo de se contestar o incontestável, quando se sabe que a própria globalização e seus efeitos já estão sendo revistos por países como a França e a Inglaterra, entre outros, significando o tratamento da causa e não das conseqüências. Numa outra direção, em entrevista dada à TV Educativa (28/5/1998), o professor Milton Santos afirmou que estamos vivendo um rico momento na medida em que está se aproximando a possibilidade de alteração dialética social, ou seja, a inviabilidade social do neoliberalismo acabará sendo o elemento dialético disparador e provocador de sua revisão. O Projeto político-pedagógico como indicador de diversidades Muitos são os educadores que entendem como necessidade a identificação e o respeito pelas diferenças e pleiteiam uma escola autônoma e capaz de construir e explicitar coletivamente seus rumos ou, em outras palavras, seu próprio projeto políticopedagógico. Parece que essa reflexão deixou de ser um mero modismo para representar uma proposta capaz de garantir as especificidades culturais, ideológicas, históricas, políticas etc. da escola, avançando, como se refere Santos (1995), em direção ao instituinte. Normalmente, os planos dizem respeito ao instituído e o projeto como rumo deve garantir a revisão do oficial; sem negar o instituído, projeta o instituinte. Os projetos, ao serem pensados e sistematizados, devem considerar sua imersão na diversidade, mesmo que sua origem diga respeito a um nascedouro comum, que freqüentemente é estabelecido em instâncias superiores, como as Secretarias de Educação. Isso porque cada escola é o resultado ao desenvolvimento de suas próprias contradições. 38
ricamente diversa e o referencial estabelecido é, antes, o rompimento com modelos liberais conservadores, que desconsideram a competição desigual. Implica, mesmo, a denúncia de uma matriz teórica, incrustada no fazer dos profissionais, dando a tônica das ações e decisões, mesmo sob a égide de um discurso antagônico. O "engessamento" não se restringe aos profissionais, visto que, não raras vezes, os próprios alunos são também responsáveis pela manutenção de ranços discriminatórios, levando a cultura da não-diversidade a falar mais alto. A necessidade de revisão de posturas não poupa ninguém. Esse é, sem dúvida, um grande desafio que surgiu da própria perplexidade da incompetência de fazer aflorar e efetivamente tornar possível o meramente desejado, o hipoteticamente compreendido. A idéia do fazer coletivizado e inclusivo é conhecida e aceita pelos profissionais da educação, mas a dificuldade de viabilização pode ter seu embrião na rapidez e na intensidade com que temos convivido com rupturas de explicações que, por vezes, estavam cristalizadas e bem instaladas. Santos (1995) destaca que a realidade torna-se "hiper-real" em decorrência da rapidez com que os conceitos se alteram. Acabamos nos anestesiando e passamos a teorizar, crendo que a teoria é a própria realidade com outro nome, ou seja, a teoria se auto-realiza. Em alguma medida, essa ocorrência dificulta a presença de algo que é absolutamente salutar a identificação de perplexidades produtivas, baseadas também na dominação cultural. Caso não ocorram essas perplexidades, reforça-se a incapacidade de promover a conscientização do concreto e de tudo que seja sua referência, ou seja, a cultura do grupo e sua epistemologia subjacente. Melhor ilustrando, podemos trazer como referência a figura do professor que se vê imerso em confusões a respeito de propostas pedagógicas ditas progressistas. É possível ouvir e observar docentes "convictos" de que desenvolvem uma proposta didática construtivista, até porque esta é a tônica atual nas escolas, até organizando ações em suas salas de aula dentro dessa proposta. No entanto, como sua concepção epistemológica não mudou e a cultura da não-diversidade está amparando seus conceitos, o resultado das ações sempre se identifica via reprodução e homogeneização. Da mesma maneira, os referenciais que buscam a cultura da diversidade do coletivo e do multiculturalismo colidem com os referenciais epistemológicos opostos, que se estruturaram no parcelamento das atividades, na fragmentação, no trabalho tecnicista, na homogeneização pela ideologia dominante. A escola precisa ir além do discurso democrático, o que significa, entre outros aspectos, respeitar a concretude de sua comunidade, do efetivo
exercício da democracia, por meio do qual todos - além de serem convidados a participar de um projeto comum vendo respeitados seus limites, reconhecidas suas riquezas e desenvolvidas suas potencialidade - tenham o seu tempo de amadurecimento epistemológico e tornem-se capazes de traçar seu próprio percurso reflexivo. Pesquisadores e especialistas muitas vezes participam do processo de concepção das idéias e mudanças e, se não, têm a oportunidade de conviver com elas num plano que não os denuncia - o operativo. Muitos deles vivem da produção do discurso. A imersão da mudança no cotidiano escolar caberá ao professor e aos demais profissionais que atuam diretamente com o campo de ação. Compartilham, pesquisadores e profissionais, mais uma dimensão da dicotomia teórico-prática, o que dificulta ainda mais os desafios educativos. Se o tempo não for respeitado, administradores, coordenadores, orientadores e mesmo professores, apesar do discurso em prol da construção coletiva de um projeto políticopedagógico, acabarão por cultuar a hierarquia e o privilégio da competência técnica em suas ações. Serão emboscados por suas convicções, que não só o cotidiano escolar sedimentou, mas também o contexto social mais amplo. Diante dessas circunstâncias, como reverter posturas ou instalar outra referência epistemológica interagindo multiculturalmente? Num primeiro momento é necessário que a leitura das ambigüidades seja feita. Criar espaços para confrontos entre o pensar e o agir, identificar diferenças, revisar e revisitar princípios, teorias, categorias e conceitos é prioritário e antecedente. É preciso, ainda, admitir rupturas e produzir superações que incluam o exercício da transcendência do discurso. É necessário que uma outra postura diante da realidade concreta seja processada. Caso a postura que se traduz pelas ações não se altere, mesmo que exista o discurso, o espaço estará propício para a prática autoritária e a anulação das identidades culturais que decorrem da alienação da teoria (Silva Junior 1993). A identificação de processos autoritários só pode ser trabalhada com seu processo oposto, ou seja, pelas ações colegiadas. A hipertrofia do poder é fruto do verticalismo (Cury 1985), verticalismo esse que não nasce na escola, mas, como já foi mencionado, em um contexto mais amplo, no qual governo, família ou grupos menores também são desencadeadores ou desencadeantes. Em meus quase 30 anos de atuação em escola pública pude conviver com diferentes personalidades, nas mais diversas funções, e, certamente, não conheci um profissional ditador em seu núcleo familiar que fosse um democrata no seu espaço de atuação profissional ou vice-versa. Os profissionais da educação, como os demais, podem "representar" uma certa
postura, via discurso, mas vivem a essência que os constitui. Para buscar a coerência entre o dito e o feito é preciso, antes, elucidar o significado mais profundo da relação educativa e das relações do trabalho pedagógico com as outras formas de trabalho social. O significado da educação se constrói na historicidade da prática social. Um procedimento democrático escolar, traduzido por uma gestão democrática, carrega a explicitação de um princípio -"a democracia na escola pública é, antes de mais nada, condição necessária à realização de sua finalidade" (Silva Junior 1993, p. 160). No bojo dessas considerações, a possibilidade concreta da construção coletiva do projeto político-pedagógico da escola nos aparece não como fórmula milagrosa, mas como proposta desencadeadora para uma real superação de um projeto hegemônico, que pressupõe uma concepção de mundo e relações sociais reducionistas e empobrecidas. Em outras palavras, a concepção de projeto político-pedagógico e o multiculturalismo estão mais próximos do que muitos possam imaginar, por serem princípios interdependentes e que se complementam. Não partilhamos da visão, certamente ingênua, que entende a participação como solução dos problemas e das mazelas da escola, até como forma de desvio de atenção de outras questões igualmente relevantes, hipervalorizando um dos aspectos da realidade e desconectando-o e outras dimensões que devem estar imbricadas. "O fato de ser um espaço muito importante não pode levar a vê-lo como único" (Paro 1995, p. 331 ). Mas sem a menor dúvida os espaços de participação efetiva são o berço do respeito ao outro e da valorização das diversidades. 44 Algumas dificuldades nos procedimentos multiculturais No afã de criar os chamados espaços multiculturais, corre-se o risco de se desenvolver condutas reducionistas que tornam esporádicas a preocupação e as ações de apresentação e respeito à diversidade cultural. Não é difícil lembrar de momentos de culminância no bojo das atividades escolares, como palestras e músicas, que servem de vitrines e não interagem com o currículo. São acontecimentos que tendem a ter a efemeridade do momento em que ocorrem. Aí está o grande desafio: a incorporação do multiculturalismo ao currículo, de forma que sua transversalidade possa perpassar os conteúdos tratados no cotidiano do processo de aprendizagem. Essa idéia contradiz a "abordagem da educação compensatória, interpretando
a diferença como déficit, particularmente na área acadêmica" (Candau 1998, p. 185). E pensar currículo é pensar o projeto da escola. No início deste artigo referimo-nos ao princípio de que a educação produz e é produzida pela prática social, o que, por sua vez, representa os movimentos e as expressões de uma sociedade concreta. Com essa perspectiva mais ampla, cabe destacar outro nível de dificuldade - o respaldo de políticas que promovam o multiculturalismo. O direito de educação deve estar diretamente associado ao direito à diversidade. O democrático e justo socialmente não se garante pela igualdade em tudo, mas, também, no poder ser diferente e compor o grande mosaico social, no qual a beleza do conjunto só aparece na diversidade de cada peça. Outra dificuldade diz respeito ao equilíbrio entre o cognitivo e o emocional. Estereótipos não são combatidos apenas emocional e eventualmente, quando eles se apresentam mais explicitamente. Existe uma tendência forte de sermos pendulares em nossas ações, o que pode promover a exacerbação das discussões em torno de situações "festivas", esvaziando e descaracterizando o eixo do multiculturalismo. Até que o pêndulo adquira o equilíbrio necessário, nós, educadores, devemos estar atentos, abertos a críticas e conscientes de que contradições deverão estar presentes na construção de um projeto que se pretenda multidisciplinar. A própria construção do projeto depende da capacidade de diálogos demonstrada pelo grupo, de maneira que devemos nos preocupar com as diferentes formas de diálogos que podem ser travados pelo educadores. Já existe um começo que, sem nenhum excesso de otimismo, pode estar representando o embrião de posturas coletivas mais sólidas nas escolas. Finalizando as reflexões, destaco que vivemos o momento não apenas das intensas dificuldades em entender e denunciar as raízes dos processos discriminatórios, como, também, da necessidade da construção de ações coletivas que as combatam. Não são ações que se associam a atos de heróis isolados, mas do cidadão comum que desfruta do interagir das diferenças. Para tanto, é necessário que a consistência teórica esteja engajada na luta contra as opressões e pela transformação social. De fato, não me refiro a pequenos ajustes, mas à essência da luta democrática, na qual seja levada em consideração a diferença. Segundo Moreira ( 1998, p. 33): À valorização da diferença precisa juntar-se a promoção do diálogo em prol de propósitos comuns. Nesse momento mais dificuldades emergem, tanto teóricas como práticas, já que divergências inconciliáveis entre classes sociais antagônicas precisam ser superadas na difícil construção de uma visão social que se situe além das preocupações particulares de grupos sociais específicos.
Temas de tamanha complexidade só podem ser tratados com o entendimento de que a busca das certezas é limitada, quando se tem a compreensão de que a própria realidade se constitui em espaços de incertezas. A alternativa para minimizar as ambigüidades e as chamadas zonas cinzentas, que se caracterizam pela indefinição e pelo desalojamento paradigmático, é a criação de formas de revisão, e a formação dos profissionais da educação deverá ser um dos espaços revisitados. É evidente que quando o eixo central se refere à identificação de diferenças e conseqüentes transformações sociais, o mais esperado é que as relações sociais se tensionem e os conflitos apareçam. Mas, pelo que vale mais a pena viver senão pelo próprio desafio por uma vida mais digna, de inclusão, em que cada vez mais se construa pelo coletivo, porque o individual ficou fortalecido? Categorias deverão ser renovadas para iluminar a relação teórico-prática, a fim de que se possa melhor responder às complexidades do novo milênio. Bibliografia Amiguinho, Abilis. Viver a formação, construir a mudança. Lisboa: Educa, 1992. Becker, Fernando. A epistemologia do professor: O cotidiano da escola. Petrópolis: Vozes, 1993. Benjamim, Fernanda S. Educação e mudança social: Uma tentativa de crítica. São Paulo: Cortez, 1981. Candau, V.Mt. Pluralismo cultural, cotidiano escolar e formação de professores. ln: Candau, V.M. (org.). Magistério construção cotidiana Petrópolis: Vozes, 1997. _____. Interculturalidade e educação escolar. In: Anais do IX Endipe. Águas de Lindóia, 1998. Casassus, J. Modernidade educativa e modernização educacional. In: Cadernos de Pesquisa n 87. São Paulo: Cortez, nov. 1993, pp. 5-12. CURY, C.R.J. O compromisso profissional do administrador da educação com a escola e a comunidade, Revista Brasileira de Administração da Educação, 3( 1 ). Porto Alegre,jan/jun. 1985, pp. 44-50. GADOTTI, M. Projeto político-pedagógico: Fundamentos para sua realização. In: GADATTI. M. e ROMÃO. J.E. (orgs.). Autonomia da escola - Princípios e propostas. São Paulo: Cortez, 1997. Halbertat, L. Educación para el siglo XXI. In: Educadores del Mundo n 2. Berlim: jul. 1990, PP. Ii-iii. Huberman, A.M. Como se realizam as mudanças em educação: Subsídios para o estudo da inovação. São Paulo: Cultrix, 1973. Kaboré, Gaston. A importância de uma imagem de si próprio. In: Fontes Unesco n.79. Lisboa, maio 1996, p. 14. Lobo, T. Descentralização: Uma alternativa de mudança In: Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro, jan/mar. 1988, vol. 22( 1 ), pp. 14-24.
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Entretanto, sabe-se que existe, no sistema de ensino brasileiro, um espaço para a educação do cidadão - na maioria das vezes como ordenamento retórico, ou seja, presente como objetivo precípuo em todas as propostas oficiais das Secretarias de Educação -, a educação como um dos principais instrumentos de formação da cidadania, sendo esta Texto elaborado com base na tese de doutorado intitulada "Escola cidadã: Análise de seus avanços e retrocessos". Campinas: Unicamp, 1997, Professora adjunta da Universidade Estadual de Ponta Grossa. entendida como a concretização dos direitos que permitem ao indivíduo sua inserção na sociedade. Assim, se a educação como instrumento social básico é que possibilita ao indivíduo a transposição da marginalidade para a materialidade da cidadania, não é possível pensar sua conquista sem educação. Educar, nessa perspectiva, é entender que direitos humanos e cidadania significam prática de vida em todas as instâncias de convívio social dos indivíduos: na família, na escola, na igreja, no conjunto da sociedade. Neste trabalho, busca-se propor um novo enfrentamento da realidade escolar tal como se apresenta, no sentido de superá-la para a apropriação de uma nova escola: uma escola capaz de construir um projeto político-pedagógico. Acredita-se ser uma idéia preciosa porque consolida a escola como lugar central da educação, numa visão descentralizada do sistema; oferece garantia visível e sempre aperfeiçoável da qualidade esperada no processo educativo; sinaliza o processo educativo como construção coletiva dos professores envolvidos; indica a função precípua da escola que, a par de administrar bem, deve sobretudo cuidar da política educativa e liderá-la. Para isso, na primeira parte, discute-se a concepção de cidadania no mundo contemporâneo e apresentam-se algumas reflexões sobre a escola como espaço de veiculação da cidadania ativa, como locus privilegiado de efetivação de tal projeto educativo. Na segunda parte, discutem-se as atribuições das diferentes instâncias decisórias - governo e escola - nesse processo, considerando-se a necessidade de fortalecimento das relações entre a escola e o sistema de ensino para a consolidação da escola cidadã - uma nova escola para um novo tempo. Cidadania-projeto político-pedagógico: Elementos para uma conquista social necessária
No ano em que são comemorados os 50 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a discussão do tema cidadania ocupa cada vez mais espaço nos meios de comunicação, nos segmentos sociais, políticos, culturais e religiosos. Todos, de diferentes tendências ideológicas, em seus vários matizes, exibem arroubos de fé democrática e cidadã. Até o homem comum a discute para reivindicar direitos. Mas basta olhar em volta para perceber que, nas democracias burguesas, a cidadania coexiste, contraditoriamente, com as desigualdades. Os direitos são reconhecidos como naturais; porém, pelas relações de poder e exploração, não é assegurado seu exercício ao cidadão. A política educacional é um exemplo de como o Estado procura produzir uma aparência de igualdade de oportunidades e neutralidade, quando elas estão ligadas ao movimento de uma economia regulada pelo lucro. O Estado surge de uma relação entre iguais, como se emanasse da vontade e dos interesses individuais e não de classe, como poder materializado no direito e nas instituições, constituído por todos os sujeitos sociais, indistintamente. Apresentando-se como elemento neutro, benfeitor/protetor das classes sociais, passa a ser a garantia do trabalhador assalariado e não apenas da burguesia. " Interpondo limites negativos ou promovendo o ajuste social, o Estado, objetivado em instituições, aparece como encarnação de uma racionalidade geral e não capitalista" (O' Donnel 1981, p. 74). 50 Esse paradoxo está no centro do debate atual e abarca questões que dizem respeito a um de seus aspectos mais desconcertantes: a tradição autoritária e excludente nas transformações em curso no mundo contemporâneo. Na década de 1980, as aspirações de uma sociedade mais justa e igualitária ganharam forma na reivindicação de direitos, projetaram-se no cenário político, deixaram marcas em conquistas importantes na Constituição de 1988 - Constituição Cidadã -, e se traduziram na construção de sujeitos políticos, hoje reconhecidos como interlocutores legítimos no jogo político nacional. No entanto, os anos 80, vividos sob o signo da esperança, encerraram-se com o espetáculo de uma pobreza jamais vista na história brasileira. A década de 1990 emerge, apresentando grandes incoerências: uma democracia consolidada nas instituições e nas regras formais do jogo político, mas que convive, cotidianamente, com a violência, a violação dos direitos humanos, a incivilidade nas relações sociais (Telles 1994; Santos 1987). Talvez o mais desconcertante esteja no fato de que as modificações constitucionais, que romperam ou prometeram romper o perfil excludente, estratificado e corporativo das políticas públicas, tiveram, na verdade, o efeito de proteger os já protegidos, já que mais da metade da população ativa, entre o desemprego e o vínculo precário no mercado de trabalho, permanece ä margem dos benefícios sociais. O resultado de tudo apresenta outro paradoxo:
concepções igualitárias e universalistas de direitos reatualizam "a tradição de uma cidadania restrita, assentada na lógica da expansão de privilégios e não na universalização de direitos" (Telles 1994, p. 1 I). É possível falar de uma nova cidadania (Dagnino 1994). Uma primeira distinção emergente do contexto histórico, e que se expressa como diferença conceitual, refere-se a própria noção de direitos: Segundo a mesma autora, a nova cidadania trabalha com uma redefinição da idéia de direitos, cujo ponto de partida éa concepção de um direito a ter direitos (...) concepção que não se limita a conquistas legais ou ao acesso de direitos previamente definidos, ou à implementação efetiva de direitos abstratos e formais, e inclui fortemente a invenção/criação de novos direitos que emergem de lutas específicas e da sua prática concreta.(...) Nesse sentido ela é uma estratégia dos não-cidadãos, dos excluídos, de baixo para cima. (p. 107) Nessa nova configuração de cidadania colocam-se em foco as difíceis relações entre Estado e sociedade, e suas implicações; acumulação e direitos; economia e eqüidade; desenvolvimento e qualidade de vida. Em torno de tais questões armam-se muitas controvérsias, projetos distintos e mesmo antagônicos sobre o que se entende ou mesmo se espera de uma necessária reforma do Estado e de suas relações com a sociedade civil, bem como da redefinição do poder regulador: É um debate que chama a atenção para a dimensão fundacional da crise hodierna, que evidencia as questões clássicas dos direitos, da justiça social e da igualdade. O que parece estar em questão talvez não sejam, propriamente, os princípios universalistas de direitos, mas o diagrama político no qual foram formulados, no pressuposto de uma unicidade e uniformidade da ação do Estado, capaz de compensar os efeitos perversos do mercado. A rigor, o fato implica a ruptura de um padrão burocrático de formulação e gerenciamento de políticas públicas, deslocando-o de arenas propriamente políticas, de representação e negociação, que estabeleçam os termos de compromisso e responsabilidades, publicamente acordados, em torno de soluções sustentáveis nas diversas áreas de intervenção social. Exige que entre Estado e mercado se efetivem fóruns públicos de negociação que possam firmar os direitos como parâmetros no reordenamento da economia e da sociedade, abrigando, no horizonte de propostas para a descentralização e a democratização do Estado, atores diversos nas negociações em torno do uso dos recursos públicos dos quais dependem
economia e sociedade. A construção da cidadania envolve um processo ideológico de formação de consciência pessoal e social e de reconhecimento desse processo em termos de direitos e deveres. A realização se faz através das lutas contra as discriminações, da abolição de barreiras segregativas entre indivíduos e contra as opressões e os tratamentos desiguais, ou seja, pela extensão das mesmas condições de acesso às políticas públicas e pela participação de todos na tomada de decisões. É condição essencial da cidadania reconhecer que a emancipação depende fundamentalmente do interessado, uma vez que, quando a desigualdade é somente confrontada na arena pública, reina a tutela sobre a sociedade, fazendo-a dependente dos serviços públicos. No entanto, ser/estar interessado não dispensa apoio, pois os serviços públicos são sempre necessários e instrumentais. O papel da comunidade não é substituir o Estado, libertá-lo de suas atribuições constitucionais, postar-se sob sua tutela, mas se organizar de maneira competente para fazê-lo funcionar. Surge daí a necessidade da cidadania, que, vai determinar a qualidade do Estado. É ele que tem atrapalhado o processo histórico de formação da cidadania popular, por meio de políticas sociais desmobilizadoras e controladoras, e sem uma sociedade civil que se reconheça sujeito indispensável ao projeto de emancipação. No contexto supracitado, como criar, fazer surgir instrumentações fundamentais da cidadania? 52 A construção da cidadania e de uma cultura baseada nos direitos sociais e políticos constitui, hoje, um dos problemas mais cruciais para o processo de democratização do Brasil. Aí estão envolvidas questões não apenas de formação de atores sociais, capazes de criação de esferas públicas e democráticas, como importantes instâncias de mediação nas relações entre Estado e sociedade. Atualmente, as demandas pela redemocratização do país criaram uma rede de atores múltiplos que, atuando por meio de fóruns de expressão nacional e local (movimentos sociais, Organizações Não-Governamentais - ONGs, entidades sindicais e de assessoria, de defesa dos direitos humanos), articulam uma nova linguagem que expressa o direito a ter direitos. Segundo Benevides (1998, p. 168), a relação entre cidadania e democracia explicita-se no fato de que ambas são processos. Os cidadãos, numa democracia, não são apenas titulares
de direitos já estabelecidos, existindo, em aberto, a possibilidade de expansão, de criação de novos direitos, de novos espaços, de novos mecanismos. O processo não se dá num vazio; a cidadania exige instituições, mediações e comportamentos próprios, constituindo-se na criação de espaços sociais de luta e na definição de instituições permanentes para a expressão política. Nesse sentido, a autora distingue a cidadania passiva - aquela que é outorgada pelo Estado, com a idéia moral da tutela e do favor - cidadania ativa - aquela que institui o cidadão como portador de direitos e de deveres, mas essencialmente criador de direitos de abrir espaços de participação. A vigência da cidadania ativa requer a consciência clara sobre o papel da educação e as novas exigências colocadas para a escola que, como instituição pára o ensino - a educação formal -, pode ser um locus excelente para a construção da cidadania. Uma escola autônoma e de qualidade, em que o saber veiculado oportunize a todos a capacidade de exercê-la com dignidade. A educação, como prática efetiva, representa decidido investimento na construção da cidadania. No entanto, apresenta historicamente caráter restrito, convivendo com uma parte excluída. A igualdade de direitos não só não suprimiu as desigualdades sociais, como as reforçou, ao mascará-las sob o princípio da liberdade. Para que a prática educativa seja práxis, é preciso que se dê ämbito de um projeto que, além da intencionalidade, suponha condições objetivas de concretização. A escola é o lugar institucional do projeto educacional. Deve instaura-se como espaço-tempo, como instância social mediadora e articuladora ' de dois projetos: o projeto político da sociedade envolvente o projeto pessoal dos sujeitos envolvidos na educação. Considerar a formação da cidadania como fundamental para consolidação da democracia subentende que as instituições escolares sejam democráticas, que ali haja tolerância para com os que pensam e agem diferentemente. "A gestão democrática supõe práticas escolares democráticas, sem as quais, preparar a cidadania torna-se um discurso vazio" (Balestreri 1992, p. 11). Tornar-se cidadão está longe de esgotar-se como aquisição legal de um conjunto de direitos, mas se constitui em novas formas de sociabilidade. A escola caracteriza-se como a institucionalização das mediações reais para que a intencionalidade possa tornar-se efetiva, concreta, histórica, a fim de que os objetivos intencionalizados não fiquem apenas no plano ideal, mas ganhem forma real. A escola é o lugar de entrecruzamento do projeto coletivo da
sociedade com os projetos existenciais de alunos e professores. É ela que torna educacionais as ações pedagógicas, à proporção que as impregna com as finalidades políticas da cidadania. 54 Sem negar o valor da educação informal em outros espaços sociais, a escola é o lugar, por excelência, onde o processo de construção do conhecimento se dá de forma sistematizada. Dentre outros desafios, ela deverá construir formas de enfrentamento para as novas exigências da sociedade que se anuncia, caracterizada pelo avanço irresistível e acelerado da revolução científico-tecnológica, com todas as suas contradições, num mundo marcado pelas desigualdades e suas conseqüências em todos os setores. Assim, se a escola cidadã é o horizonte, o ideal a que se quer chegar, então como deve ser essa escola? A partir de que diretrizes, emanadas do sistema, a educação escolar pode contribuir para a construção da cidadania, para a qualidade existencial? São indagações para as quais não se tem certezas definitivas, apenas clareza quanto a alguns indicativos. O que se sabe, entretanto, é que onde está, e para onde está indo, essa escola não se sustenta mais. Na busca de transformação, a escola e a sociedade planejam e realizam ações que viabilizam o processo de qualificação do ensino público. Contudo, muitas vezes essas iniciativas ficam fragilizadas, já que estão presentes vários fatores obstaculizadores como: as formas de gestão, a desconcentração como descentralização, a autonomia outorgada, bem como a falta de recursos necessários para a realização dessas iniciativas configuradas num projeto político-pedagógico. É preciso ter claros a função do Estado, de coordenação geral da política educacional, de garantia da melhoria da qualidade de ensino, de manutenção do sistema etc., e o papel da escola nesse processo. No contexto da redemocratização, é preciso reorganizar os espaços de atuação e as atribuições das diferentes instâncias decisórias governo, secretaria de educação, núcleos/delegacias de ensino, escola - com novos processos e instrumentos de participação, de parceria, de controle. Projeto político pedagógico: Projeto de cidadania. Se a pretensão é inscrever a escola na ordem das mudanças institucionais exigidas pelo atual momento histórico, presume-se a necessidade da construção de um projeto educativo, assumido pela comunidade escolar e estruturado em articulações coerentes. Tal projeto, com uma unidade interna que se expressa na intencionalidade política articulando a ação educativa a um projeto histórico, ao definir a concepção de conhecimento e a teoria da
aprendizagem que orientarão as práticas pedagógicas, confere coerência interna à proposta, articulando teoria e prática (Santiago 1995, p. 164). Segundo Veiga (1995, pp. 11-12), a escola é o lugar de concepção, realização de seu projeto educativo, uma vez que necessita organizar seu trabalho pedagógico com base em seus alunos. Nessa perspectiva, é fundamental que ela assuma suas responsabilidades, sem esperar que as esferas administrativas superiores tomem essa iniciativa, mas que lhe dêem as condições necessárias para levá-la adiante. Para tanto, é importante que se fortaleçam as relações entre escola e sistema de ensino. (Grifo nosso) Para que sejam dadas condições à escola de realizar seu projeto político-pedagógico tornam-se necessárias mudanças em sua concepção de projeto, na postura da escola e na lógica de organização das instâncias superiores, seja da Secretaria de Educação, seja dos Núcleos ou Delegacias de Ensino, implicando uma mudança substancial na sua prática. À luz desse processo de mudança, é possível definir a qualidade da educação sob diferentes perspectivas epistemológicas e distintas dimensões analíticas e praxiológicas. Ressalte-se que as mudanças a seguir indicadas interligam-se, formando uma positiva reação em cadeia, razão pela qual devem balizar o estabelecimento de uma política e linhas de ação, tanto por parte dos sistemas quanto das escolas. São bases da mudança pretendida: 1) A centralidade da escola e, por decorrência, da sala de aula, resgatada como locus por excelência do processo educacional, implica pensar a qualidade da educação nos aspectos políticos e culturais da ação pedagógica, isto é, com a dimensão instrumental da educação. No sistema de ensino, a reflexão sobre a qualidade abrange os aspectos extrínsecos - o contexto político e econômico. Importa em preocupação com a esfera individual, que dá prioridade à subjetividade e à autonomia criadora dos participantes do sistema educacional. Além disso, refere-se à qualidade coletiva, dando prioridade à eqüidade na construção e na distribuição dos conhecimentos socialmente válidos. Perspectivas ou dimensões são dialeticamente articuladas a um conceito abrangente de qualidade de educação, embora apareçam analiticamente distintas. 57 Concebe-se a escola cidadã como aquela que luta pela qualidade da educação para todos, abrangendo a totalidade da ação educacional como processo político-cultural e técnicopedagógico de formação social e de construção, bem como de distribuição de conhecimentos
científicos e tecnológicos socialmente significativos e relevantes para a cidadania. Na situação de trânsito de uma visão autoritária de Estado para uma visão democrática, fica-se diante de uma mudança que significa muito mais que a passagem de um sistema de poder exercido por ditaduras militares para outro sistema de poder exercido por civis. Trata-se de uma nova visão de Estado, caracterizado pela colaboração, pelos acordos e pactos, pela participação cidadã, pelo diálogo social. No caso, a reforma do Estado exigida passa, fundamentalmente, por um processo que gera as capacidades de inovação e de mudança, com o objetivo de estabelecer um Estado com capacidade inovadora e de aprendizado contínuo. Tal tipo de Estado requer não só que suas competências e funções mudem, mas também que seus servidores tenham novas capacidades e habilidades. 2) Novos desafios na administração pública e na gestão da educação, os quais implicam a construção de um referencial mais estável, que ajude na eliminação das administrações relâmpagos, garantindo continuidade da política educacional ao longo de sucessivos governos, avaliação da eficácia no processo de mudança política e retomada de confiança por parte dos professores e da comunidade escolar em geral, nas políticas apresentadas a cada início de governo. A perspectiva sugere também, para a gestão educacional, uma ruptura histórica da atual prática administrativa, efetivada no interior das escolas. Passar de uma administração autoritária a uma gestão democrática da educação implica um compromisso sociopolítico, com o enfrentamento concreto e objetivo das questões da exclusão, da reprovação e do não-acesso, que reforçam, pela escola, a marginalização das classes populares. A busca histórica da contribuição da escola na transformação da sociedade a serviço das classes populares resulta na construção coletiva de um projeto pedagógico ligado à educação popular e á produção de conhecimento sobre ela, nos movimentos, nas organizações e lutas sociais. Tal demanda se embasa em iniciar um processo coletivo de novas aprendizagens, via democratização do saber e socialização do poder. A última via implica a construção de um novo saber por parte dos atores envolvidos, em relação aos pressupostos teóricos, às vivências nas áreas de administração e de gestão. Numa administração escolar verdadeiramente democrática, todos os envolvidos direta ou indiretamente no processo participam das decisões que dizem respeito à organização e ao funcionamento escolar. Em termos práticos, o registro implica uma forma de administrar que abandona o tradicional modelo de concentração da autoridade nas mãos de uma só pessoa, em geral o diretor, evoluindo para formas coletivas que propiciem a socialização do poder de
maneira a atingir-lhe os objetivos. Com base nessa visão, o enfoque da competência administrativa no interior da unidade escolar busca comprometer a todos os envolvidos na gestão da escola, estabelecendo um novo horizonte de relações de colaboração recíproca. Entretanto, é algo a ser conquistado historicamente. A escola que se pretenda cidadã precisa constrüir uma gestão democrática que qualifique os atores como autores de uma práxis histórica de expressão e impulso produtivo de uma educação verdadeiramente pública. 3) Clareza quanto ao ato de inovar. Sem compreensão do enfoque dado ao termo inovar, pode-se cair num ecletismo espontaneísta, gerando atomização de ações que, pela ausência de orientação pedagógica definida, contribui para a diferenciação cada vez maior entre as escolas. A falta de padrões e programas comuns de funcionamento e de conteúdos básicos propostos pode levar á desarticulação do processo, historicamente construído na direção da democratização do saber. Assim, os sistemas de ensino, ao proporem a elaboração do projeto político-pedagógico pelas escolas, devem ter claro que a introdução de uma inovação em um meio/local altera-lhe o equilíbrio. Alguns apóiam a mudança e até podem participar; outros resistem, tornando o conflito inevitávél. No entanto, deve ser encarado como estágio necessário e até construtivo na implementação de inovações. 59 O processo de inovação pressupõe intencionalidade, conhecimento da situação, dos recursos disponíveis, dificuldades e limitações e, principalmente, tempo. Segundo Moacir Gadotti ( 1994, p. 31 ), o tempo de inovação requer "tempo político (momento oportuno); tempo institucional (questão escolar); tempo escolar (calendário - não adianta inovar no final da gestão) e existe um tempo a fim de amadurecer as idéias". Com base em tais colocações, pode-se sentir a perplexidade dos professores e especialistas quando conclamados a elaborar o projeto da escola. As mudanças em educação constituem uma série de processos e uma pluralidade de relações de alto nível de complexidade, que são sempre difíceis de desenvolver com acerto, principalmente pelo fato de que a inovação educativa deve ser pensada como um processo cujo perfil e cujas características devem ser respeitados para que ela se faça séria e comprometida. As tentativas de mudança em educação devem rumar para a inovação, ainda que, a princípio, isso implique conhecer-lhe os significados e processos, refletir e programar sobre velhas práticas com vistas ao novo, que demande tempo (institucional e escolar). Pelo cuidado que requer, as Secretarias de Educação devem evitar posturas fortuitas, próprias de atitudes de centralização e autoritarismo dos dirigentes governamentais. Quase sempre quando são desencadeadas novas tarefas, para as escolas, a cada gestão governamental as
quais nem sempre exigem a participação dos docentes, para as quais não estão preparados, e para cuja compreensão não lhes é dado o tempo indispensável -, elas são vistas mais como uma atividade burocrática, sem repercussão no trabalho escolar. Sabe-se que uma proposta de inovação não se pode esgotar em , meros enunciados de princípios. É preciso que se elaborem perfis de mudanças claros e compreensíveis, em que estejam definidas a filosofia, as metas e as estratégias metodológicas mais adequadas, os meios e os recursos mais plausíveis, assim como os novos papéis e relações entre os sujeitos, a fim de não resultar inoperante. Segundo Leila Jorge ( 1996, p. 39), "além de ser construída e definida socialmente e requerer um cuidadoso 'desenho', a implementação de uma inovação é fundamental, pois significa a transformação em processos e resultados de aprendizagem para todos os sujeitos implicados: professores, alunos, instituição, especialistas e outros". A competência do educador e a participação dos pais e dos alunos têm, como prérequisito básico, a capacidade de entender muito bem os conteúdos da escola e por onde passa o educativo da sociedade. Nesse entendimento deve pautar-se a construção do projeto, a fim de que o mesmo não se torne "modismo" passageiro, um projeto que pode vir a negar a si mesmo e, em decorrência, a não se renovar posteriormente. 4) Projeto político pedagógico como proposta dos sistemas de ensino. A escola cidadã, autônoma e participativa, somente se completa com o desenvolvimento de um projeto político-pedagógico capaz de aglutinar os esforços na busca de melhores resultados para os alunos. O projeto político-pedagógico configura-se como um instrumento de trabalho que mostra o que vai ser feito, quando, de que maneira e por quem, para chegar aos resultados desejados. Deve, para tanto, explicitar uma filosofia e harmonizar as diretrizes da edificação nacional com a realidade da escola, traduzindo-lhe autonomia e definindolhe o compromisso com a clientela. É a valorização da realidade da escola e um chamamento à responsabilidade dos agentes com as racionalidades interna e externa. A idéia implica uma relação contratual, isto é, uma aceitação do projeto por todos os envolvidos; daí a importância de ser elaborado participativa é democraticamente. Não se constrói um projeto sem uma direção política, um norte, um rumo (Gadotti 1994; Veiga 1995). Isso significa que cada sistema educativo caractetiza-se pela relação existente entre finalidades e objetivos, os quais, por sua vez, são produto do sistema de valores e normas implícitas correspondentes às aspirações, às estruturas e às forças determinantes das sociedades que lhes dão origem. Nesse sentido, atrelada a uma proposta políticopedagógica do sistema de ensino, a escola deve ter autonomia para estabelecer seu projeto. A ausência de
uma proposta em nível de sistema pode contribuir sobremaneira para o aparecimento de inúmeras dificuldades na elaboração do projeto político-pedagógico pelas escolas. Segundo Sander (1995, p. 147), a orientação da política educacional deve ser de índole nacional. A política nacional de educação deve traduzir-se num núcleo curricular mínimo que visa preservar a unidade cultural do país, fortalecer a sua capacidade de construção do conhecimento científico e brindar oportunidades iguais de acesso ao desenvolvimento tecnológico. Ao plano nacional de estudos, devem somar-se os conteúdos locais, com o objetivo de preservar e promover a heterogeneidade cultural e satisfazer as necessidades sociais e demandas políticas das comunidades locais. 61 O objetivo da orientação política colocada pelo autor é evitar o debilitamento, no sentido de deixar toda a responsabilidade de uma tarefa educativa ao grupo de educadores da escola. Certamente, ninguém poderá fazer pela escola aquilo que só ela pode fazer. A escola, com o diretor, o corpo docente, os pais, os alunos e os funcionários, o Conselho Escolar, a Associação de Pais e Mestres, tem que examinar a própria realidade específica e local, as dificuldades e organizar-se para vencê-las. Não há plano empacotado por qualquer órgão, por melhor que seja, que possa alterar substantivamente a realidade de cada escola. É preciso considerar que qualquer melhoria do ensino depende, sobretudo, do estimulo à criação de condições e recursos para que as escolas possam melhorar. Nesse sentido, dentro de uma escola, por maior que seja a diversidade de seus componentes, é necessário que todos tenham bem claros os propósitos comuns da instituição e se organizem em função deles. Uma política educacional inteligente e honesta pode, com uma proposta político-pedagógica direcionando-lhe os rumos, suscitar a melhoria do ensino a partir de sua base - a escola. É claro que a autonomia de cada escola de uma rede não exime a administração do sistema de ensino da responsabilidade de fixar as diretrizes e as metas de uma política educacional. Mas, quando as escolas não têm suas responsabilidades claramente definidas, a tendência é a administração regulamentar em excesso, e as escolas ficarem imobilizadas aguardando orientações e ordens. No caso do projeto político-pedagógico em exame, é possível constatar que, em muitos pontos, a ação das escolas ou dos atores escolares fica na dependência de diretrizes, normas ou critérios da administração central ou, até mesmo, na dependência da própria aprovação dos projetos. 5) Descentralização, autonomia e participação. Nunca o discurso de autonomia, cidadania, participação e descentralização ganhou tanta força no espaço escolar. Acredita-se que será
possível apreender grande arte da mentalidade pedagógica recente se a atenção for focalizada nos usos dessas palavras, uma vez que se tornaram sagradas e, como tais, portadoras, nos seus usos, de crenças e modismos intelectuais que condicionam as discussões e as propostas de soluções para os problemas educacionais atuais. 5.1 ) Autonomia. A preocupação com a autonomia tem-se traduzido pela ênfase dada pelos governos na construção, pela própria escola, do projeto político-pedagógico. Será esse o melhor caminho para que as escolas realmente possam ser autônomas? Os tempos são democráticos poderia ser o argumento de uma resposta afirmativa. Nesse caso, é preciso estimular a autonomia da escola, revelando assim que, numa visão administrativa, a autonomia, no máximo, vai ser estabelecida por meio de um regimento que institua alguns mecanismos facilitadores. Mas se for apenas o oposto, tudo continuará do mesmo jeito: apenas uma autonomia concedida pelas secretarias, pelo governo. Essa colocação aponta questões fundamentais em relação à retórica neoliberal na educação. Pode pregar um Estado mínimo e menos governo, exatamente porque a constituição histórica da sociedade capitalista pode ser equacionada com a dispersão de centros de poder e de governo das populações, embutidos numa série de dispositivos institucionais e em inúmeros mecanismos da vida cotidiana. A educação institucionalizada, embora estatal e estatalmente regulamentada, não opera fundamentalmente através de mecanismos diretos de controle social. Assim, a estratégia neoliberal de retirar a educação institucionalizada da esfera pública significa não mais liberdade e menos regulação, porém, precisamente mais controle e governo da vida cotidiana, na medida exata em que a transforma num objeto de consumo individual e não de discussão pública e coletiva (Silva 1994). Do exposto, pode-se inferir que, aparentemente, o governo dá mais liberdade para a escola elaborar o projeto político-pedagógico. Entretanto, é da competência da Secretaria de Educação e das Delegacias/Núcleos de Ensino dar a última palavra, aprovando-os ou não. Nesse caso, menos governo significa mais governo. 63 No quadro dos atuais esforços que têm sido feitos em benefício da autonomia escolar, destaca-se a necessidade de que a administração estadual tenha clara consciência de que essa autonomia não é algo a ser implantado, mas algo a ser assumido pela própria escola: Não pode ser olhada como uma palavra mágica ou como um fato adquirido por declaração ou, apenas, como a criação de determinadas condições administrativas e financeiras. Terá de assentar, isso sim, numa vontade própria clara, consciente e partilhada. A autonomia não será uma situação efetiva se a própria escola não assumir compromissos com a tarefa educativa.
Só assim será participativa, solidária, responsável e, inclusive, conseqüente no quadro de uma inevitável diferenciação de atribuições e saberes. E, com relação a esse ponto (nunca é demais repetir), o destino das reformas, das inovações, é decidido, principalmente, no interior das salas de aulas (Azanha 1995). Transformar as escolas é meta importante e tarefa urgente. Contudo, pode-se temer, legitimamente, que os propósitos de assegurar condições que garantam a autonomia da escola sejam frustrados até mesmo pela força da inércia da máquina técnico-administrativa, desinteressada de um efetivo processo de descentralização. A escola é uma instituição social que detém uma mentalidade própria, historicamente assentada e, como tal, desconfia da inovação e resiste às mudanças. Motivo por que a questão da autonomia não se esgota em um conjunto de condições. A busca da autonomia, em cada escola, é a oportunidade de revisão dos compromissos do magistério com a tarefa educativa. Ter consciência dessas questões apresentadas parece ser uma etapa de fundamental importância para o engajamento dos educadores em busca de uma ação pedagógica autônoma. Cabe aos educadores a condução desse processo, compartilhando com os alunos o desvelamento da realidade que está sendo ofuscada pelos interesses da política neoliberal. Se, por um lado, a escola tem se prestado ao exercício de um papel comprometido com os interesses postos por esse modelo, por outro, existem brechas e espaços que podem ser preenchidos e ocupados como maneira de resistir. No que tange aos projetos das escolas; estudos realizados apontam para avanços obtidos por muitas escolas no desenvolvimento de propostas pensadas e desenvolvidas coletivamente. Resta ~ escolas aproveitar o espaço, garantindo novas possibilidades para o futuro, rumo à construção da escola cidadã. 5.2) Descentralização educativa. Ao contrário da tradição autoritária e paternalista da vida pública, impõe-se hoje um salto qualitativo: passar de uma política em que tudo emana e se espera do governo para uma política de participação de toda a sociedade. Para tanto, requer-se elaboração de planos/programas nacionais, estaduais ou municipais, advindos da mobilização da sociedade civil. Os governos passam, mas a sociedade fica. Como cidadãos, todos têm o direito e o dever de acompanhar e participar da vida pública. O despertar da cidadania é o grande fato político da atualidade. A informação, a cultura, a educação, a mídia e as diversas formas de acesso ao conhecimento constituem um eixo essencial de recuperação da democracia. Não se pode esperar participação efetiva de uma população à qual se vedou o acesso aos instrumentos decorrentes: educação e informação. Em outros termos, o conjunto das áreas que formam os novos espaços deve assumir, numa gestão moderna, um papel essencial traduzindo-se em programas ativos e
dinâmicos, com os meios correspondentes (Dowbor 1994). . É essa uma direção importante em que se destacam do conjunto de medidas importantes as formas de desconcentração e descentralização. As propostas de descentralização não constituem nenhuma novidade. Durante o período autoritário, o discurso da descentralização já aparecia até mesmo sob a forma de determinações legais, quando a centralização se mostrava evidente, como projeto político (como exemplo, a I.ei 5.692171). Algumas manifestações vieram introduzir certas incompreensões quanto ao real sentido de descentralização, dentre elas a que confunde descentralização com desconcentração (Casassus 1995). 65 Ao confundir conceitos e aceitar uma coisa pela outra, estão sendo encobertas as dificuldades do encaminhamento concreto da descentralização. E por quê? Porque a desconcentração não ameaça tanto as estruturas consideradas, quanto a descentralização. Ela sim, em seu sentido e em sua práxis real, significa alteração profunda na distribuição do poder. Em termos concretos, quando se quer transformar um aparato político institucional consolidado em bases centralizadoras, a partir de um movimento oposto descentralizador -, fatalmente se deverá mexer em núcleos de poder bastante fortes. Tais observações parecem encontrar respaldo e, ao mesmo tempo, justificar a tendência dos governos em privilegiar nas ações administrativas a desconcentração, rotulando-as de descentralização. Contudo, isso não quer dizer que se despreze ou se ignore a desconcentração, como legítimo e eficaz instrumento de ação governamental. A desconcentração reflete um processo cujo objetivo é assegurar a eficiência do poder central, refletindo um movimento de cima para baixo, enquanto a descentralização é um processo que assegura a eficiência do poder local, refletindo um movimento de baixo para cima. Na área educacional, aceitar a descentralização significa transformar o paradigma vigente de política, planejamento e gestão da educação. "As mudanças que se impõem retificam o papel nas três esferas administrativas - União, Estados e Municípios - como responsáveis pela oferta de educação básica gratuita e de qualidade a todo cidadão nos termos da Constituição, estendendo-a progressivamente ao ensino médio" (Castro Neves 1995, p. 95). Assim, educação básica do cidadão é, e sempre será, um dever do Estado. A descentralização apenas inverte a pirâmide do sistema, realçando a escola e modificando as atribuições das esferas administrativas. É um aspecto em que são fundamentais outras mudanças: gestão descentralizada e democrática em todos os níveis; diretores eleitos; abertura à participação por meio de conselhos, colegiados e outros; fluxo de comunicação constante entre as diferentes esferas e setores; desburocratização, desregulamentação e
transparência no processo decisório; autonomia financeira da escola, entre outras. 5.3) Participação cidadã. Está comprometida com a conquista da democracia política e a prática efetiva da democracia social, capaz de superar as desigualdades econômicas, políticas e culturais que ameaçam o desenvolvimento humano e a segurança coletiva. Uma estratégia que pressupõe a democratização da gestão escolar deve ser o resultado da consolidação de práticas de discussão coletiva permanente do processo educativo. O assunto é muito complexo e envolve não apenas o próprio problema da participação comunitária, mas também a mudança de mentalidade de todos os envolvidos na tarefa educativa. A escola que se queira cidadã depende da construção/reconstrução do saber, junto com o domínio do instrumental básico de conhecimentos, de atenção ao manejo das informações e às condições e metodologias de aprendizado. Mais que o domínio dos conteúdos básicos, a escola marca pelas relações pedagógicas que proporciona, pela intensificação de possíveis chamados à participação, já que riem sempre encontra o eco esperado e a resposta ativa da população. Por desinformação, desinteresse, acomodação? Talvez. Porém, não se pode esperar grande participação dos cidadãos se eles não sabem onde, como ou para que participar. A participação é hoje uma idéia-força e uma palavra-chave. Ela indica um dos caminhos mais promissores para a promoção do desenvolvimento em termos de justiça social e democracia. Apesar de as recomendações sobre a temática terem começado a aparecer no Brasil por volta da década de 1970, ela foi implementada e mais fortemente estimulada pelo próprio Estado na década de 1990. Nos anos 80, a participação . estimulada pelo Estado objetivava resolver problemas de ordem econômica, para os quais não havia verbas. Na década de 1990, a vertente neoliberal descrê de todas as ações coletivas de solidariedade, trazendo à tona um novo individualismo. Posição com a qual se corre o risco de atomização da sociedade civil, encarada como indivíduos, famílias e não como classes, partidos, movimentos coletivos, o que, provavelmente, dificultará a participação e a própria representação política. Como se depreende do exposto, as relações entre Estado/sociedade civil, nas últimas décadas, comportam várias ambigüidades que marcam o discurso sobre a questão da participação e o papel que lhe é efetivamente reservado. São relações que, embora possam ser conflitivas e tensas, são complementares. Ao Estado cabe abrir canais de participação, mas o exercício pleno da cidadania será ou não assumido pela sociedade civil: é o modo pelo qual os movimentos sociais, os partidos políticos, as entidades organizativas da sociedade, a
comunidade científica e teóricos engajados na realidade social brasileira apontam para o fato de que, no centro do processo político, deve estar o cidadão. 67 6) Organização coletiva dos educadores. Diante dos desafios da profissionalização, pressupõe-se que os educadores, como cidadãos de uma nova época, explicitem os propósitos que definem a intencionalidade e a dimensão das transformações necessárias no ambiente escolar, a fim de que sua atuação não se restrinja a legitimar políticas, programas oficiais ou simples inovações metodológicas que atingem, apenas, o âmbito da sala de aula, sem preocupação com um projeto maior: o de comprometimento de qualquer prática pedagógica com um projeto político-pedagógico. Para tanto, somente o domínio de um corpo teórico consistente, atualizado pela reflexão coletiva, poderá conferir aos professores autonomia de ação, criatividade, possibilidades de um instrumental didático, alternativas metodológicas; em síntese, capacidade de gestão (Santiago 1995, p. 163). Nessa perspectiva, a organização coletiva dos educadores, referente à construção do projeto político-pedagógico, pautar-se-á em concepções claras que, ao conduzirem as mudanças intra-escolares, inscrevam as práticas pedagógicas em projeto histórico consensualmente assumido pelo grupo. O que se espera é que a escola se reorganize com base em uma nova concepção de conhecimento, operando com teorias de aprendizagem e formas de organização do ensino que superem as práticas pedagógicas tradicionalmente centradas na memorização e na reprodução de informações, ou no treinamento do saber-fazer, já que a demanda que hoje se coloca é pela formação de cidadãos pensantes e criativos. A qualidade do ensino ministrado na escola e o sucesso na tarefa de colaborar para a formação de cidadãos relacionam-se estreitamente com a formação (inicial e contínua), as condições de trabalho, a dedicação integral à escola e a remuneração compatível, elementos esses indispensáveis à profissionalização do magistério. A formação contínua é um direito de todos os profissionais que trabalham na escola, uma vez que somente ela possibilita a elevação funcional, baseada na titulação, na qualificação e na competência dos profissionais, e fortalece a relação professor-escola, amparando o desenvolvimento de projetos inovadores escolares. Para tanto, a formação continuada centra-se na escola como parte do projeto político-pedagógico, não se limitando apenas aos conteúdos escolares, mas se estendendo à discussão da escola de maneira geral e às relações dela com a sociedade. Daí a necessidade de passarem a fazer parte dos programas, questões como cidadania, gestão democrática, avaliação, metodologia da pesquisa e ensino,
novas tecnologias de ensino, entre outras. O grande desafio posto para a escola ao construir a autonomia é deixar de lado o papel de mera repetidora (executora de cursos de capacitação) e ousar assumir o papel predominante na formação dos educadores, elaborando o programa de formação, contando com a atuação irrestrita da universidade, com a participação dos profissionais do ensino superior e o apoio da administração central, no sentido de fortalecer uma atuação conjunta na concepção, na execução e na avaliação de programas. Tais iniciativas demandam recursos destinados à educação e a garantia de condições tidas como essenciais: os salários dos professores, em todos os graus de ensino, e o investimento das entidades governamentais, tanto na edição de livros quanto na programação e na disseminação de materiais de ensino, entendidos como um conjunto de meios que, articulados a uma proposta pedagógica, ofereçam melhores condições para o professor avançar, com os alunos, no entendimento de problemáticas relevantes, na organização do conhecimento científico disponível e na generalização. 7) Acordos e parcerias. Na busca de uma pedagogia de qualidade, de construção da cidadania, a universidade pode desempenhar papel primordial, caso se aproprie dos novos e antigos meios de produção e disseminação de conhecimentos, adequando-os às realidades culturais. A universidade não precisará alterar seus objetivos precípuos consubstanciados através do ensino, da pesquisa e da extensão. Em cada uma dessas esferas existe espaço mais do que suficiente para repensar as atividades que ela desenvolve. A instituição de uma política de articulação entre os três graus de ensino pode retomar uma discussão da formação dos professores no que se refere às suas deficiências, à qualidade das licenciaturas e à inadequada formação dos docentes em serviço. Pode ressaltar, ainda, o descompromisso das universidades com o ensino fundamental e a excessiva concentração dos programas de capacitação nas secretarias de educação estaduais e municipais, com uma programação de cursos esporádicos e distantes da realidade dos docentes. 69 Para André (1994, p. 75), "a Universidade, e mais especificamente, a universidade pública, tem um papel fundamental (...) estaria dentro de sua função social oferecer recursos para a concretização. (...) Além de implementar práticas mais efìcazes de formação de futuros professores, poderia oferecer espaço e recursos para um processo contínuo de capacitação docente, organizado em parceria com as Secretarias de Educação".
Os aspectos apontados pela autora alertam para uma direção acertada de desenvolvimento de projetos integrados entre universidade (como agência formadora) e governo (agência contratante), uma vez que, no processo de implantação, certas ações e certos descasos do governo concorrem para inviabilizar a maioria dos objetivos estabelecidos nas propostas. Muitas ações tornam-se carregadas dos falseamentos do ideário neoliberal, o qual é coerente com exigências feitas pelo Banco Mundial ao Brasil. Considerações finais Cidadania é um conceito em evolução, cujas diversas dimensões adquirem relevância variada no decurso do tempo e em virtude do desenvolvimento das formações históricas. Embora percebido sob ângulos diferentes pelas diversas correntes do pensamento que participam da construção ideológica do conceito, o direito à educação, como preparo ao exercício da cidadania, é indiscutível. Esse direito, um dos direitos sociais, constitui-se em instrumento básico para a construção da cidadania, possibilitando assim o exercício dos demais direitos civis, sociais e políticos. A educação, entretanto, não constitui a cidadania, embora seja condição indispensável para que essa se constitua. O momento atual está marcado pela presença de uma sociedade civil ainda longe de conquistar direitos que, no discurso do poder, já estão em grande parte assegurados pelos direitos outorgados ou como conquistas resultantes do grau de mobilização da sociedade. Entretanto, a mobilização ainda não foi incorporada pelo coletivo da sociedade civil como uma prática constante e crítica; tem sido, muito mais, uma organização momentânea em torno de questões pontuais. É lícito dizer que, ainda hoje, estamos muito longe de obter o cumprimento das propostas e de cobrar com mais eficácia a execução das promessas de campanha e d~ propostas de governo. As propostas defendidas pelo Estado refletem a necessidade de dar alguma resposta às demandas geradas pela sociedade. É inegável que mudanças ocorrem em decorrência das medidas adotadas. A normatividade das disposições oficiais, ainda que não implique, necessariamente, alterações significativas no cotidiano escolar, pode provocar modificações implícitas ou explícitas sobre a configuração que ele assume. Pelo supracitado, infere-se o modo contraditório pelo qual o Estado tenta dar alguma resposta às aspirações das camadas populares, fornecendo a possibilidade de se contar com pontos de apoio para se fazer avançar além daquilo que é esperado. Vale dizer: o contexto social em que a escola se encontra é sempre dinâmico, heterogêneo, conflitivo: de um lado, condiciona o caráter da escola e restringe as possibilidades de como atuar; de outro, abre brechas que apontam a direção das potenciais transformações. No caso da construção do projeto político-pedagógico pelas escolas, como uma das
ações implantadas pelos governos na década de 1990, o discurso está pautado em princípios democráticos, de participação, descentralização e autonomia. No entanto, a implementação se deu num período marcado pela política neoliberal, em que a participação e a autonomia não têm o caráter democrático, mas constituem o próprio discurso para legitimar as ações. Considerando contexto, limites, recursos e realidade própria, cada escola tem a possibilidade de definir e desenvolver seu projeto educativo. Ao ocupar seu espaço de autonomia para realizar o trabalho educativo, a escola faz mais que adotar as diretrizes gerais formuladas pela administração central para o sistema público de um modo geral. Com seu projeto, o caminho escolhido tem a sua marca, a escola assume feição própria, adquire personalidade. É necessário, pois, que ela tenha clareza quanto às questões colocadas e que atue no sentido do inesperado, do real aproveitamento de possíveis brechas, incluindo aí a intuição e a sensibilidade de seus educadores. 71 Bibliografia ANDRÉ, Marli Eliza D. Afonso de. Formação de professores em serviço: Um diálogo com vários textos. In: Cadernos de Pesquisa n 89. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, maio de 1994, pp. 72-75. AZANHA, José Mário P. Educação: Temas polêmicos. São Paulo: Martins Fontes 1995. Balestreri, Ricardo Brisolla. O que é educar para a cidadania. In: Educando para a cidadania: Os direitos humanos no currículo escolar. Porto Alegre: Centro de Assessoria e Programas de Educação para a Cidadania-Capec, 1992, PP. 9-13. Benevides, Maria Victória de Mesquita. A cidadania ativa: Referendo, plebiscito e iniciativa popular. In: Ensaios n. 136. São Paulo: USP, 1991. _____. Educação para a cidadania e em direitos humanos. Anais do XI Encontro nacional de Didática e Prática de Ensino. Águas de Lindóia, maio 1998, pp. 165-177. CASASSUS, Juan. Tarefas da educação. Campinas: Autores Associados, 1995. Castro Neves, Carmem Moreira de. Autonomia da escola pública: Um enfoque operacional. In: VEIGA, I.P.A. (org.). Projeto político-pedagógico da escola: Uma construção possível. Campinas: Papirus, 1995. DAGNINO, Evelina. Os movimentos sociais e a emergência de uma nova noção de cidadania. In: DAGNINO, Evelina (org.). Anos 90: Política e sociedade no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1994.
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processo educacional. Orientações que aparecem ao indicar a condução para os problemas educacionais historicamente instalados em nossa sociedade, ou com o propósito de adequar a escola às novas exigências do contexto socioecon8mico que vem se delineando mundialmente. Semelhante encaminhamento ocorre nas distintas reflexões acerca da organização do trabalho pedagógico, resultando em relativo consenso sobre a importância da participação do professor assim como dos demais elementos da comunidade escolar, na definição e na estruturação das diretrizes da ação educacional. Traduzido em discursos aparentemente uníssonos, esse consenso tem expressado, ainda, a necessária formulação de um projeto, estabelecido no interior de cada escola, como procedimento mais eficaz para a consolidação das atuais diretrizes relativas à educação. Diante de tal coincidência de propostas cabe levantar questões que, aparentemente primárias, devem fundamentar a ação dos profissionais da educação: Por que mudar? A que caminhos devem estar direcionadas as mudanças propostas? Qual o papel do professor nessas mudanças? Atualmente, vivemos momentos de intensas alterações no contexto econômico e político mundial, que vêm modificando significativamente as relações sociais e, de forma ainda difusa, refletindo sobre o discurso idealizador da prática pedagógica. Assim, expressões como currículo globalizado, interdisciplinaridade, qualidade do ensino público, participação, trabalho em equipe, formação continuada deixam de caracterizar apenas os discursos progressistas daqueles que vislumbram a concretização de um sistema de ensino que efetivamente contribua para a correção das distorções resultantes do grave desequilíbrio a que hoje o país está amarrado: Penso que numerosas propostas pedagógicas que estão sendo divulgadas por instäncias ministeriais pertencentes ao próprio Governo, que atualmente também está contribuindo com a flexibilização dos mercados de trabalho, adquirem sentido se levarmos em consideração esta interdependência entre a esfera econömica e a educacional. Conceitos e propostas como as de "descentralização", "flexibilidade dos programas escolares '. "liberdade de escolha de instituições docentes" etc. têm correspondência na descentralização das grandes corporações industriais, na autonomia relativa de cada fábrica, na flexibilidade de organização para ajustar-se a variabilidade de mercados e consumidores, nas
estratégias de melhora de produtividade baseada nos círculos de qualidade, na avaliação e supervisão central para controlar a validade e o cumprimento dos grandes objetivos da empresa etc. (Santomé 1998, p. 20) Ao verificar o consenso em torno de proposições que orientam a estruturação de um projeto pedagógico, parece fundamental refletir sobre as bases que alicerçam o trabalho do profissional da educação. Utilizando as reflexões resultantes de pesquisa em andamento, procura-se analisar neste artigo o processo de elaboração e desenvolvimento de projeto político-pedagógico como alternativa de trabalho para a escola pública, refletindo sobre alterações significativas na organização do trabalho pedagógico geradas por meio de ações definidas coletivamente. Ainda que entendido como processo único, analisar o percurso de uma escola no desenvolvimento de seu projeto pode sugerir reflexões e esclarecimentos úteis para o enriquecimento de propostas semelhantes em curso. Sem desconsiderar a necessária participação dos diversos segmentos envolvidos na ação educacional para concretização de um projeto político-pedagógico, o foco desta análise dirige-se para o trabalho efetivado pelos profissionais do ensino no desenvolvimento do projeto da escola. Duas questões foram apresentadas como ponto de partida para essa intervenção: Em que sentido o projeto político-pedagógiço altera significativamente a organização do trabalho escolar? Como os compromissos efetivados coletivamente modificam o conjunto das ações docentes executadas no interior da escola e, conseqüentemente, geram resultados que expressam melhoria da qualidade de ensino? As questões iniciais, orientadas pela observação do cotidiano escolar, indicaram outro ponto merecedor de reflexão mais aprofundada: que elementos contribuem e/ou dificultam a manutenção e a continuidade do projeto político-pedagógico, após sua implantação? Surge uma nova preocupação orientadora deste estudo que vem juntar-se àquela referente às alterações geradas pelo próprio projeto e à possibilidade de sucesso resultante do trabalho realizado no interior da escola; questiona-se, também, sobre os procedimentos necessários à manutenção de uma proposta que resulta da reflexão e do trabalho coletivo dos profissionais da educação em torno de um projeto específico. A primeira parte do presente trabalho situa o projeto político-pedagógico como
elemento articulador da organização do trabalho pedagógico; em seguida, apresenta-se a opção pelo estudo dos aspectos constitutivos da organização do trabalho pedagógico por meio de três eixos orientadores da observação e da análise realizada - gestão, currículo e avaliação. Para condução desta análise, a organização do trabalho coletivo é o referencial para a reflexão sobre esses três elementos. 74 Os indicativos teóricos fundamentam o entendimento dos eixos orientadores propostos e permitem o encaminhamento da seleção e da análise dos dados observados na escola, possibilitando a elaboração de algumas conclusões preliminares aqui apresentadas. Eixos de análise e formulação do projeto político pedagógico Defendendo o delineamento de uma ação intencional, com sentido explícito e compromisso definido coletivamente, a formulação em torno do projeto políticopedagógico afasta-se da concepção de planejamento de ensino estruturado com o objetivo de suprir exigências burocráticas desarticuladas das necessidades e exigências da escola, visando, em seu lugar, à formalização de proposta construída e vivenciada em todos os momentos e por todos os envolvidos com o processo educacional (Veiga 1995). Estabelecendo como premissa básica a organização das relações e práticas exercidas na escola através da reflexão conjunta e comprometida de seus elementos, o projeto políticopedagógico constitui-se em via possível para a modificação de uma estrutura baseada na çompartimentalização e na prática individualizada que se efetiva no interior da escola reorientando-as para uma unidade de objetivos que direcione e conduza a diversidade da ação docente. Com base em tais pressupostos, implementar e concretizar um projeto políticopedagógico não se resume em tarefa simples nem imediata. Ao contrário, exige, além da compreensão acerca de necessárias mudanças, a disposição para o rompimento com práticas já sedimentadas em nossa ação docente. A efetivação desse propósito orienta para a percepção de novas alternativas de organização do trabalho pedagógico, possibilitando o êxito de experiências educacionais baseadas em procedimentos cooperativos e solidários. A proposta de elaboração do projeto político-pedagógico traduz, assim, a busca de alternativas que tem como foco a revisão de práticas estandartizadas usuais na organização do trabalho educativo, permitindo a estruturação de um espaço no qual o professor atue
efetivamente como um profissional com condições de domínio e direcionamento do processo em que está inserido. Ao se discutir a evolução do trabalho educacional com base na reflexão. na discussão e na avaliação coletiva sobre o cotidiano escolar, pretende-se que o resultado desse movimento seja traduzido em objetivos traçados intencional e comprometidamente pelo conjunto dos elementos envolvidos nesse processo. Veiga (1995) apresenta sete categorias de atuação que definem a orientação do trabalho pedagógico: finalidades, estrutura organizacional, currículo, tempo escolar, processo de decisão, relações de trabalho e avaliação. Propõe-se, aqui, reordenar essas categorias em três eixos mais amplos - gestão, currículo e avaliação. Tomando a ação coletiva como base para a organização do trabalho pedagógico, os eixos podem orientar a análise da implantação, do desenvolvimento e da manutenção de diferentes projetos escolares. A reflexão sobre esses eixos de organização do trabalho escolar não pretende polarizar as formas de estruturação da escola. Pretende-se, com base no referencial teórico já construído, possibilitar a análise da realidade encontrada na escola, em diferentes combinações, comparando-as com proposições que têm como alvo uma escola que possibilite a efetivação de propostas democráticas de ensino. As opções relacionadas à gestão escolar delineiam as formas mais amplas de organização do trabalho no interior da escola: as finalidades, a estrutura, as relações e os procedimentos administrativos, definindo formas de hierarquia, controle e acompanhamento do processo e, principalmente, os mecanismos de participação da totalidade dos envolvidos no processo de decisão. Considerando como espaço e função da administração escolar "tudo o que diz respeito ao processo pelo qual se busca alcançar os fins educacionais estabelecidos" (Paro 1992, p. 41 ), propor alternativas para uma gestão democrática significa a estruturação de uma prática administrativa reflexiva que viabilize uma ação social transformadora. 76 Uma prática democrática de gestão tem no planejamento participativo a forma de integrar interesses individuais e garantir a representação de aspirações coletivas. Penin (1992) e Paro (1996), em análises de processos escolares centrados em escolas públicas, levantam fatores que, na realidade atual, apresentam-se como barreiras de difícil transposição para a definição dessa práxis: a excessiva burocracia exigida da direção da escola, a falta de condições técnicas e materiais para a efetivação do trabalho docente e a
realidade de vida das famílias, que as distancia do cotidiano escolar, sobretudo nas áreas de maior carência, formam o cenário da escola atual. E é pela mudança da realidade descrita que a participação da totalidade de seus componentes no processo de gestão escolar é duplamente valorizada: de um lado, quanto ao aspecto estritamente administrativo, visto que define alternativas de solução próprias para os problemas de cada escola e estabelece a formação de níveis mais profundos de comprometimento com o próprio projeto; de outro, relativo ao aspecto político envolvido na ação administrativa, dado que a participação efetiva estabelece o fortalecimento institucional, funcionando como importante elemento de pressão social. Tal encaminhamento propõe o afastamento da organização da gerência escolar distinta da prática pedagógica, que delimita de forma rígida o espaço de ação administrativa e o do exercício da docência. Demarcação essa que impõe duas categorias profissionais dentro da escola: a primeira, apresentada como equipe técnica e administrativa, responsável pela definição da rotina escolar, pela coordenação do planejamento e do desenvolvimento e pela integração da totalidade do trabalho escolar; o segundo grupo, formado pelos professores, responsável pela execução do trabalho escolar. Dessa categorização resulta uma organização na qual o professor não tem participação sobre as decisões tomadas na estruturação da escola, embora estas incidam diretamente sobre a definição do tipo de escola que se apresentará à comunidade em que está inserida: condições de matrícula, decisão sobre aplicação de recursos, organização do espaço físico e dos recursos humanos, calendário e horário escolar, seleção e orientação dos alunos etc. Resulta da separação entre o espaço de tomada de decisões e o de execução uma distinção de responsabilidades sobre o trabalho pedagógico e sobre as relações que se desenvolvem no seu interior. O segundo eixo de análise - o currículo- pode ser entendido como o elemento simbólico que expressa as intenções e representações da escola na produção de sua identidade cultural (Goodson 1995). Segundo Bernstein, trata-se de um "sistema de mensagens, que constitui aquilo que conta como conhecimento válido a ser transmitido" (in Domingos et alii 1986, p. 346). A elaboração do currículo define aspectos voltados diretamente para a prática
pedagógica, marcando o espaço e o papel exercido pelos diferentes elementos envolvidos com o processo educativo: o aproveitamento do tempo escolar, a articulação entre as diversas áreas do conhecimento, os conteúdos e programas, a definição de normas e padrões de comportamento, a escolha de técnicas, de procedimentos didáticos e de avaliação, assim como as intenções relativas aos aspectos valorativos e morais projetados pela escola. Bernstein entende que a escola corporifica a ordem social instituída. A forma, a seleção, a ordenação e a apresentação dos códigos ali definidos têm passado por tratamentos que refletem o grau de homogeneidade ou diversidade das categorias estruturais da escola e dos seus princípios de integração social. A maneira como se combinam os diferentes elementos citados resulta, para o mesmo autor, em duas formas básicas de organização do currículo: a primeira, denominada como currículo-coleção, tem seus conteúdos organizados distinta e isoladamente, baseados em orientações didáticas rígidas e critérios de avaliação independentes entre si; a segunda, o currículo-integração, apresenta conteúdos subordinados a uma idéia central que os agrega a um todo mais amplo. Nessa organização, o processo didático tende à auto-regulação, incluindo a definição comum de critérios de avaliação. 78 A opção sobre a organização curricular a ser desenvolvida na escola influi na definição do papel do professor, do aluno e da relação da comunidade em que se insere. Muito se tem criticado e buscado a superação dos currículos que apresentam seus componentes curriculares como elementos estanques, determinando características independentes para os objetivos de ensino e de aprendizagem. Se o trabalho escolar tende a ser organizado de acordo com referenciais isolados, baseados, inicialmente, nas características de cada componente curricular, pode-se observar que, na sua aplicação, questões do cotidiano, relacionadas ao aprendizado e às características derivadas do contexto, tendem também a ser resolvidas isoladamente, conforme a crença, o entendimento e a experiência que cada educador tem sobre a ação educativa. Problemas relativos a questões comportamentais, estruturação do trabalho intelectual, avaliação, organização do ensino e, conseqüentemente, do aprendizado são, na maioria das vezes, definidos e solucionados individualmente ou de maneira assistemática. Resulta, para o aluno, uma concepção fragmentada sobre o trabalho escolar, de acordo com características da matéria ou do professor, sem relação com o desenvolvimento do conhecimento de maneira mais ampla. Santomé (1998) ressalta a dificuldade, tanto para professores como para alunos, em
entender a lógica e as relações existentes na organização curricular. A impossibilidade de percepção de relações entre os compenentes e os aspectos comuns ao desenvolvimento do trabalho intelectual compromete, ao longo do processo, a formalização de uma concepção clara sobre a construção do conhecimento. Compreender as diferentes aspirações e os projetos sociais que interferem na estruturação do currículo implica definições além de uma visão prescritiva (Goodson 1995). Significa, segundo Moreira (1993), entender o currículo como o espaço em que se efetiva um amplo processo de reflexão, avaliação e critica, com vistas a decisões sobre qual conteúdo ocupará o tempo, a mente e a experiência dos escolares e sobre as formas como estas decisões se efetivarão. Como terceiro eixo a ser considerado na constituição e na efetivação do projeto político-pedagógico, a avaliação é elemento dinâmico que perpassa todo o processo. Integrada ao trabalho escolar, deve refletir sobre dois aspectos: o aproveitamento do aluno, ou avaliação de aprendizagem/rendimento escolar, e a avaliação do plano de ação, englobando a revisão do processo de ensino e o próprio projeto em curso. Em relação ao primeiro aspecto, Freitas ( 1994) demonstra o caráter de eliminação/manutenção que a avaliação assume no processo educacional vigente, confirmando o destino social de acordo com incapacidades ou possibilidades identificadas em cada indivíduo. A ruptura classificatória consagrada pela avaliação funciona, para Bourdieu ( 1996), como "uma verdadeira operação mágica". Seguindo tal entendimento, a classificação escolar exerce um ato de ordenação de duplo sentido: ao mesmo tempo em que institui uma diferença social de estatuto, uma relação de ordem definitiva, exerce o poder de consagração, fazendo com que a escola assuma e pratique funções de racionalização e seletividade dentro do sistema social. A alteração do quadro de insucesso no processo de avaliação do rendimento escolar impõe, segundo Saul ( 1994), a revisão de diferentes ações, atividades e procedimentos que cornpõem o trabalho pedagógico, envolvendo inúmeros objetos além do rendimento escolar do aluno. Coerente com tal pensamento, a avaliação institucional assume significado especial e necessário para o desenvolvimento do projeto político-pedagógico, na medida em que possibilita a análise conjunta de todo o processo. Exercitada sistematicamente, a avaliação institucional enseja a revisão periódica do
projeto, viabiliza a análise do percurso e a identificação de problemas que, reconduzidos pela equipe, reafirmam os objetivos comuns a serem atingidos pela escola. A formalização de tais procedimentos, embora não apareça como uma prática comum na organização do trabalho pedagógico, pode auxiliar a solução de dificuldades que muitas vezes são vistas como problemas isolados, de responsabilidade de cada professor ou profissional envolvido no processo. 82 Vista como a análise planificada, consciente e regular pedagógico a avaliação é, para Perrenoud ( 1993), a forma de a escola alterar conscientemente o habitus instalado na sua estruturação. Reconhecer a gênese das práticas educacionais e das estabelecem no interior da escola, reorganizá-las e reconstruí-las significa alterar o habitus determinante da continuidade desses processos. Para Abramowicz, na estruturação de modelos e democráticos, existe uma relação direta entre participação e pessoas têm de se sentir efetivamente participando, aprendendo a participar e, para tal, compreendendo a realidade onde estão, a fim de que passem do sentir para o compreender e agir" (1992, p. 35). Integrada às opções de gestão e de organização avaliação permite uma ampla análise o processo, oferecendo os subsídios necessários a sua elaboração, execução e revisão do percurso. A intencionalidade expressa na condução dos trës aspectos - gestão, currículo e avaliação - esclarece a definição do projeto de escola que se pretende instituir. Além dos três aspectos, a forma do trabalho a ser realizado pelo conjunto dos indivíduos atuantes no espaço escolar será elemento determinante para a condução do projeto. O projeto político-pedagógico: Da reflexão conjunta a ação coletiva Embora o projeto político-pedagógico seja aponta instrumentos definidores de uma proposta de escola democrática Pimenta (1992) indica aspectos que precisam ser cuidadosamente analisados quando da sua execução: como o professor representa sua visão de educação e de que maneira esta se reapresenta na sua prática docente. Tal questionamento é significativo na medida exercida pelo conjunto dos profissionais de educação na sua prática cotidiana determinará o limite, a crítica e o desenvolvimento de medidas propostas para o sistema de ensino.
Mello (1995) analisa a prática contraditória do professor brasileiro, caracterizada por um profundo "ecletismo pedagógico" através do qual é possível identificar um discurso marcadamente progressista em contraposição a comportamentos conservadores, expressos tanto na compreensão de sua atuação, como no trato com os conteúdos e na interação com os alunos. A referida autora indica, ainda, que o resultado da formação profissional do professor, de sua vivência - ou mesmo a busca solitária pela definição de um modelo que inspire sua prática pedagógica -, vem sendo expresso com base em uma visão pouco reflexiva, sem a devida ação com uma fundamentação teórica que sustente e oriente a evolui de sua prática. Esses aspectos configuram um outro fator dificultador para o desenvolvimento de um projeto político-pedagógico: a visão individual e segmentada sobre educação, resultado de uma rotina compartartimentalizada, isolada e afastada de uma reflexão conjunta que, alimentada pela própria organização do sistema escolar, opõe-se à construção de um modelo orientador da prática agógica em função de objetivos da e para a escola. Dada a importância da concepção de ação coletiva que fundamente a estruturação de um projeto pedagógico, Daibem e Minguili (1995) analisam o trabalho coletivo sob duas vertentes: a tradicional e a histórico-social. Na primeira, reflexo da definição das formas de produção industrial aperfeiçoada pela teoria taylorista, o trabalhador não domina o processo de produção no qual está inserido - lida com uma parte dele e se reduz a essa parte. A classificação em especializados e não-especializados apresenta o trabalho coletivo - ou cooperativo - e forma paradoxal, uma vez que a divisão social do trabalho estabelece também a divisão entre o pensar e o fazer. Diferentemente, o entendimento da vertente histórico-social tem Kosik (1995) os fundamentos para a conceituação de trabalho coletivo. Partindo da análise de totalidade concreta, "o todo estruturado em curso de desenvolvimento e autocriação", o autor analisa a totalidade não ao a soma das partes (fragmentação), mas como o "conjunto de fatos em correlações, em movimento de criações e estruturações. É o homem participando desse movimento, construindo e sendo construído por essa totalidade" (p. 45). 85 A tendência histórico-social opõe-se à visão de que o trabalho j coletivo resulta do consenso e aponta para a compreensão e o enfrentamento das contradições internas e externas ao processo de produção ; como forma de aprofundamento e superação dos seus conflitos. A definição de caminhos para uma escola não pode estar relacionada apenas a
mudanças estabelecidas consensualmente ou sobre atos isolados do processo de ensinoaprendizagem. Superar tal prática indica a necessidade de sua reestruturação, ampliandoa, consciente de seus limites, definindo espaços de resistência e luta que possam se efetivar no trabalho pedagógico. A reflexão e a ação coletiva no estabelecimento de um projeto político-pedagógico Data do final da década de 1980 o movimento efetivado pela escola observada no sentido de desenvolver um projeto educacional que assumisse contornos mais democráticos diante das proposições político-educacionais do período. Dois aspectos são expressivos nos relatos dos professores que viveram esse processo na sua origem: um número significativo de profissionais formando um grupo estável e expressivo na equipe docente, combinado a uma relação compromissada com o trabalho da escola. Indicativos de uma identidade do grupo, caracterizando um perfil de escola perante a comunidade docente, os aspectos citados contribuíram para a organização do professorado na solução de diferentes questões profissionais ou de categoria, bem como a discussão sobre alternativas para a estruturação do seu trabalho. Expressão da organização interna estabelecida é que, mesmo antes da consagração, no Distrito Federal, da prátìca de eleição de diretores, a equipe consegue indicar, entre seus pares, aquele que deveria assumir a direção da escola. Percebe-se que a integração é elemento propício ao desencadeamento, a partir de 1989, de uma proposta que estabelecesse um projeto específico com vistas à definição de soluções para problemas relativos ã qualidade de ensino de 1 e 2 graus. Resultado de discussão e avaliação interna, as primeiras ações visando à caracterização da escola geram uma proposta de trabalho que estabelece as metas orientadoras do trabalho pedagógico. No que se refere â gestão escolar, a proposta encaminha sua ação com base em referenciais de participação coletiva. Da discussão efetivada emerge a formação de Conselhos Representativos das diferentes instâncias envolvidas no processo - professores, pais, alunos sendo o Conselho de Representantes de Professores, o colegiado que se organiza de forma sistemática em relação ao cotidiano escolar. Percebe-se, ainda, uma participação significativa dos pais e alunos; embora expressa em movimentos pontuais ao longo do processo. Em relação ao currículo, o conjunto de profissionais envolvidos no trabalho educativo
propõe alterações significativas na organização das relações de ensino: reestruturam-se o tempo de aula e a distribuição das disciplinas curriculares, definem-se formas e instrumentos para o acompanhamento dos alunos, criam-se canais de comunicação com pais e alunos, além do estabelecimento de momentos regulares de estudo e discussão sobre a rotina e o trabalho docente. As mudanças ocorridas na organização curricular definem também alterações na prática de avaliação da aprendizagem. Aliam-se a tais procedimentos, ações promovidas no sentido de estabelecer um processo e avaliação contínua do processo instalado. Ressaltase, na etapa de instalação do projeto, o acompanhamento realizado em intercâmbio com Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, orientando e alimentando regularmente as questões levantadas pelo grupo da escola na tentativa de aprofundamento teórico baseado no desenvolvimento da prática. 87 Entendida como diagnóstico, a avaliação do estado da escola no momento de elaboração do projeto foi elemento de singular importância ao permitir, entre outras ações, a integração de diferentes setores influentes na organização do trabalho pedagógico e o estabelecimento das metas claras a serem então perseguidas. Além dessa avaliação inicial, o projeto previa a realização de relatórios regulares sobre sua implantação e sua evolução que, apresentados ao grupo, forneceriam uma visão da totalidade do trabalho realizado e propiciariam a discussão dos resultados e a redefinição do percurso. Importante observar que tal movimentação gera, no interior da escola, alterações que passam a orientar a prática docente: a direção colegiada, a discussão coletiva sobre a ação pedagógica e a responsabilidade sobre as decisões tomadas coletivamente. Embora não expressem uma unidade de comportamento, na medida em que se identifica um grupo de resistência à aceitação do projeto, os procedimentos acima indicados, incorporados por parte significativa do grupo, alteram o cotidiano da escola, atingindo, de diferentes formas, a totalidade da equipe. As reuniões regulares do Conselho de Representantes dos Professores-CRP passam a ser o espaço para discussão e tomada de decisão sobre os mais diferentes aspectos de organização da escola. O exercício de proposição e a expressão de diferentes posicionamentos fazem dessa instância o campo de encaminhamento dos rumos da escola.
A sistematização de momentos de discussão coletiva sobre a ação pedagógica principalmente nos horários de coordenação - permite, de um lado, a identificação, a análise e a busca de soluções conjuntas para dificuldades na relação educativa que perpassam a prática docente; de outro, a troca e o enriquecimento de procedimentos didático-metodológicos. Percebe-se que as decisões coletivas geram um comportamento de representatividade e de responsabilidade em torno das ações propostas para a constituição do projeto. Essas decisões nem sempre são consenso entre aqueles que integram a ação educacional. Mas são, Justamente, as contradições detectadas na efetivação das propostas que remetem a novas discussões sobre o cotidiano da escola, fortalecendo a característica de mobilidade do projeto político-pedagógico. Tais procedimentos expressam alguns resultados observáveis em relação ao processo de ensino. Percebe-se freqüência na discussão da prática, evolução de questionamentos e análises em relação ao trabalho docente, além de alterações significativas nos resultados do processo educativo. Essas alterações, no que concerne ao período diurno - espaço de análise deste trabalho -, são expressas na última apresentação da situação anual dos alunos, datada de 1996, demonstrando as mudanças ao longo do período 1989/1996: aumento no número de matrículas, da aprovação anterior e posterior às provas finais e diminuição do número de transferências, evasão e estabilização do índice de reprovação, embora aumentado o número total de matrícula. Assim, a discussão sobre a formulação e o desenvolvimento do projeto propiciou maior integração entre os vários setores da escola e as diferentes equipes disciplinares, resultando em crescente autonomia do professorado e da escola sobre a organização do seu trabalho. Entretanto, as alterações expressivas na organização do trabalho pedagógico e nos resultados desencadeados ao longo do processo não explicam o gradual afastamento do projeto ocorrido no interior da escola nos últimos dois anos. Tal constatação parece já se refletir em dados relativos aos resultados do processo educacional e no relativo desinteresse, por parte da comunidade docente, em relação a alterações de orientações sobre a organização da escola; é possível perceber o esvaziamento do fórum de representação dos professores na gestão escolar, o retorno a práticas Individualizadas na solução das questões do cotidiano docente e a inserção de procedimentos determinados sem referência ao pensado no projeto. Numa análise informal, diferentes profissionais envolvidos com o trabalho da escola
indicam pontos que explicam esse distanciamento: o momento de desinteresse resultante do quadro político-governamental local e nacional, a dificuldade de manter uma equipe estável ao longo dos últimos anos, o despreparo e/ou a falta de aprofundamento e atualização pedagógica, o descompromisso da totalidade da equipe com o projeto, visões políticoeducacionais e interesses diversificados em relação ao trabalho no interior da escola alimentam um quadro de retorno a situações de dispersão de objetivos, apontadas quando do início do projeto. 89 Dessa primeira análise emergem, também, elementos que decorrem da própria estrutura do sistema público e que resumem as mazelas da realidade educacional: a desvalorização do magistério, a falta de condições materiais para o trabalho, as dificuldades de ordem burocrática, a falta de professores que supram as carências do sistema. Problemas que, por si sós, contribuem diretamente para o esfacelamento da organização do trabalho pedagógico. Pode-se considerar que, para tais questões, as soluções passem pela organização da sociedade em busca da melhoria da qualidade do ensino. Porém, parece ser nesse aspecto que o fortalecimento do projeto político-pedagógico pode assumir duplo significado: o primeiro, por ser um espaço que permite a proposição de soluções que superem parte dos problemas mencionados através da análise de situações geradas pela reorganização do trabalho pedagógico; o segundo, por ser uma via de organização da comunidade escolar em torno de interesses comuns. A construção do projeto político-pedagógico: Um percurso inacabado A descaracterização de uma proposta gerada pelo coletivo dos professores, que, na sua evolução, alcançou resultados diretos de melhoria da qualidade do ensino, indica a necessidade de aprofundamento dessa análise, para pontos que possam reorientar encaminhamentos tanto da prática como da reflexão acerca do projeto políticopedagógico. O primeiro ponto diz respeito à concepção de projeto político-pedagógico pelos profissionais nele envolvidos que parecem se afastar do caráter de processo contínuo de sua formulação, estabelecendo uma visão de que o desenvolvimento e a implantação do mesmo são elementos suficientes para sua instalação definitiva. Deriva desse, a falta de produção de elementos que permitam a ampliação e o
aprofundamento sobre os referenciais que marcam a concepção do projeto para a totalidade dos professores da escola. Assim, , ao longo do tempo, o que deveria ser entendido como processo em construção passa a resumir um conjunto de procedimentos de trabalho desconectados de um corpo teórico definido. Os dois primeiros elementos indicam também a importância do projeto como um processo de educação continuada, uma vez que a discussão e o estudo regular e conjunto acabam por viabilizar a concepção coletiva de um modelo educacional que direcione a prática educativa. A falta de clareza no estabelecimento dos referenciais que orientaram o trabalho docente induz ao fácil retorno à atuação individualizada e à utilização dispersa de procedimentos pedagógicos. Esses três primeiros aspectos ganham maior expressão se considerarmos a intensa mobilidade dos professores no sistema público de ensino, quebrando a estabilidade da equipe escolar e exigindo a definição de procedimentos que informem e incluam novos professores no processo reflexivo que concebe e orienta o projeto político-pedagógico. Um último ponto apresenta-se na forma de novo questionamento. Em que medida o conjunto dos professores percebe a relação entre sua atuação na determinação e no acompanhamento de um projeto de escola e a ampliação das possibilidades de domínio do espaço e dos elementos que constituem seu campo profissional? Para Apple ( 1989), a reflexão coletiva sobre a prática docente permite o domínio da produção do trabalho educativo, tornado difuso por procedimentos que afastam o professor da compreensão da totalidade de sua organização. Além disso, o desenvolvimento de oportunidades para 'ampliar o conhecimento crítico sobre as propostas educacionais vigentes possibilita ao professor exercer ações progressistas em sua prática docente. Outros elementos que demonstram influenciar a consolidação do projeto devem ser objeto de maior reflexão papel de liderança exercido pelos diretores que alimentaram, inicialmente, a atuação coletiva nas três instâncias de ação aqui mencionadas; uma proposta de interação universidade/scola - estabelecida no início do desenvolvimento do projeto que ampliou significativamente a construção de um referencial teórico orientador do trabalho; e, por fim, a necessária percepção política de que a superação do distanciamento entre projeto coletivo e propostas individuais depende mais do exercício constante de discussão do que de decisões consensuais. 91
Durante os primeiros anos de implantação do projeto político-pedagógico pode-se comprovar que a ação, coletiva e compromissada dos profissionais da educação gera resultados significativos quanto à qualidade e à melhoria do ensino. Evidencia-se, na análise do projeto, que o conjunto dos professores encontra, com sabedoria e racionalidade, soluções viáveis para a condução do trabalho escolar, refletindo melhorias na qualidade de ensino expressas pela definição de alternativas mais adequadas para a organização do trabalho pedagógico e também pela alteração dos resultados quantitativos de desempenho da escola. Garantidas as condições que propiciem a autonomia do trabalho pedagógico, os professores, voltados para a reflexão sobre sua prática, podem apresentar alternativas que confirmam o pensamento de que é no interior da escola e por meio daqueles que atuam no espaço educacional que podem ser encontradas e efetivadas soluções para os problemas que incidem sobre nosso sistema de ensino. Na realização do projeto político-pedagógico, o cotidiano da escola fornece indicativos que evitam seu enfraquecimento e a dispersão de seus componentes. A avaliação e a discussão sobre o processo orientam sobre os pontos que devem embasar novos procedimentos e reforçar os princípios que fundamentam o pensar e o fazer da escola no sentido de uma prática transformadora. A compreensão sobre o caráter evolutivo do projeto impõe atenção constante por parte daqueles que são, efetivamente, os responsáveis pela sua existência. Assim, torna-se importante reforçar a compreensão, de forma cada vez mais ampliada, e a percepção de projeto educativo como instrumento de autonomia e domínio do trabalho docente pelos profissionais da educação, com vistas à alteração de uma prática conservadora ainda vigente no sistema público de ensino. É essa concepção de projeto políticopedagógico como espaço conquistado que deve constituir o elemento diferencial para o aparente consenso sobre as atuais formas de orientação da prática pedagógica. Bibliografia Abramowicz, Mere. Participação e avaliação em uma sociedade democrática multicultural. ln: Série Idéias n 8. São Paulo: FDE/Governo do Estado de São Paulo, 1992. Apple, Michael. Educação e poder. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989. Bordieu, Pierre. Razões práticas. Campinas: Papirus, 1996. DAIBEM. A.M.L. e MINGUILI, M.G. Projeto pedagógico, trabalho coletivo, interdisciplinaridade: Uma proposta instigadora. São Paulo: Prograd/Universidade Estadual
Paulista. Pró-Reitoria de Graduação, 1995. Domingos Ana Maria et alii A teoria de Bernstein em sociologia da educação. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1986. Freitas, Luis Carlos de. Crítica da organização do trabalho pedagógico e na didática Campinas: Unicamp, 1994. Tese de livre-docência. Fusari, José Cerchi. O planejamento do trabalho pedagógico: Algumas indagações e tentativas de respostas. In: Série Idéias n 8. São Paulo: FDE/Governo do Estado de São Paulo, 1992. Goosson, Ivor F. Currículo: Teoria e história. Petrópolis: Vozes, 1995. Kosik, Karel. Dialética do concreto. 6 impr., Rio de Janeiro: Paz e Tema, 1995. Mello, Guiomar Namo de. Magistério de 1 grau: Da competência técnica ao compromisso político. 11 ed., São Paulo: Cortez, 1995. Moreira, A.F.B. A formação de professores e o aluno das camadas populares: Subsídios para debates. In: ALVES, N. (org.). Formação de professores: Pensar e fazer. 2° ed., São Paulo: Cortez, 1993. PARO, Vitor Henrique. O caráter político e administrativo das práticas cotidianas na escola pública. In: Em Aberto n 53. Ano 11, Brasília: Inep, jan/mar. 1992. _______________. Por dentro da escola pública. 2a ed., São Paulo: Xamã, 1996. Penin, Sonia T. de S. Educação básica: A construção do sucesso escolar. ln: Em Aberto n 53. Ano 11, Brasília: Inep, jan/mar. 1992. PERRENOUD, Philippe. Práticas pedagógicas profissão docente e formação: Perspectivas sociológicas. Lisboa: Dom Quixote/lnst. de Inovação Educacional, 1993. Pimenta, Selma Garrido. A construção do projeto político-pedagógico na escola de 1 grau. In: Série idéias n 8. São Paulo: FDE/Governo do Estado de São Paulo, 1992. Santomé, Jurjo T. Globalização e interdisciplinariedade: O currículo integrado. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. SAUL.., Ana Maria. A avaliação educacional. In: Série Idéias n 22. São Paulo: FDE/Governo do Estado de São Paulo, 1994. VEIGA, Ilma Passos de A. (org.). Projeto político pedagógico da escola: Uma construção possível. Campinas: Papirus, 1995. 94 5 PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO, AUTONOMIA E REALIDADE ESCOLAR: ENTRAVES E CONTRIBUIÇÕES* Luzia Borsato Cavagnari** Introdução Com a ascensão do estado neoliberal e o fenômeno da globalização nos anos 90, há
um deslocamento do paradigma da época anterior: do crescimento e do desenvolvimento para a prioridade à educação. A ênfase a qualidade básica da escola não é uma exigência feita apenas ao sistema educacional brasileiro, mas um alerta mundial. Se até os anos 80 o empresariado exigia do Estado apenas trabalhadores alfabetizados, passa a exigir agora profissionais não apenas com mais anos de escolarização - Ensino Fundamental e Médio mas também com novos conteúdos è métodos de ensino: conhecimentos, valores e habilidades que vão muito além da memorização e dos conhecimentos tradicionalmente transmitidos pela escola ou do simples adestramento para a profissão. Exigem-se capacidade de liderança, abstração, trabalho em grupo, gerenciamento e processamento de informações, criatividade, iniciativa, visão de conjunto do processo produtivo, flexibilidade para se adaptar a situações novas. 95 Por isso, nos anos 90, as políticas para a América Latina e o Brasil concentram medidas para a melhoria da educação básica e procuram responsabilizar a escola pelos resultados do ensino. Do planejamento burocrático e centralizado, a prioridade passa a ser centrada na gestão da escola, em sua realidade imediata. Nesse sentido, medidas de descentralização administrativa e pedagógica, autonomia da escola via construção do projeto político-pedagógico, formação continuada dos educadores, entre outras, ganham força nas políticas educacionais para os países em desenvolvimento, que no caso brasileiro se consubstanciaram no Plano Decenal de Educação para Todos e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei n. 9.394/96. Essas questões, que durante muito tempo se constituíram em bandeira de luta dos educadores progressistas, aparecem presentes no início dos anos 90 sob nova roupagem ideológica, nas propostas dos organismos internacionais (Cepal, Banco Mundial), permeando também os discursos e documentos o oficiais. Sem desconsiderar o peso da marca neoliberal na introdução de mecanismos autônomos de gestão que visam à racionalização, esta é uma questão aceita por todas as correntes de pensamento. Reconhecemos na proposta de autonomia a possibilidade de as escolas avançarem, mas para isso é preciso condições do Estado e o compromisso dos educadores. Para refletir sobre a temática, na primeira parte do texto, buscamos explicitar a importância da conquista da autonomia pela escola, para em seguida focalizar os principais entraves e contribuições constatados pela pesquisa realizada em escolas públicas estaduais. Ao final, abordamos em síntese algumas considerações tomadas com base nos resultados e, sem a pretensão de conclusões definitivas, apontamos possíveis encaminhamentos do projeto político-pedagógico que visem favorecer a real melhoria da escola.
Autonomia: Uma questão de competência e compromisso Sabemos que em qualquer segmento, empresarial, religioso ou social, a autonomia não se constitui em liberdade absoluta, pois a liberdade se dá em relação. Assim, a autonomia da escola é relativa, pois esta não existe independente do contexto; portanto, possui uma relação sistêmica (Rios 1993). Pertencendo a um sistema nacional de educação, as escolas se submetem às diretrizes de uma legislação comum e a um núcleo básico de currículo, que lhes garantem unidade e democratização. Com essas considerações, pretende-se demonstrar que a escola não é uma instituição que se basta a si mesma, nem é um órgão tutelado pelas diretrizes que deve cumprir. Ao mesmo tempo, sabe-se que nenhuma lei por si só garante sua efetividade. E no sistema escolar não é diferente. Assim, somente o estabelecimento de legislação não assegura a autonomia. Segundo Castro Neves (1995, p. 115), "é preciso, simultaneamente, vontade e decisão política dos dirigentes maiores dos sistemas e competência dos agentes pedagógicos da escola em consolidá-la. Autonomia é, portanto, outorga e conquista". Nesse sentido, para ser autônoma, a escola necessita, além da liberdade garantida em legislação, as condições de recursos humanos, materiais e financeiros, e principalmente a competência técnica e o compromisso profissional dos educadores. Para Azanha ( 1995, pp. 144-145), a autonomia não é algo a ser implantado, mas, sim, a ser assumido pela própria Escola. Não se pode confundir ou permitir que se confunda a autonomia da Escola com apenas a criação de determinadas decisões administrativas e financeiras. A autonomia escolar não será uma situação efetiva se a própria escola não assumir compromissos com a tarefa educativa; com relação a esse ponto é preciso lembrar, insistentemente, que o destino das reformas de ensino é decidido no interior das salas de aula. Competência é, pois, elemento fundamental à conquista da autonomia, que resulta da formação inicial e principalmente da formação continuada. Esta, entendida como um processo permanente que começa no período de formação, continua durante a vida profissional, no cotidiano dos professores e realizada preferencialmente no espaço escolar. A conquista da autonomia se dá pela competência em duplo sentido: técnica e política. A primeira corresponde ao que Fusari e Rios (1995, p. 40) definem como "conjunto organizado e sistematizado dos conhecimentos e dos meios e estratégias para socializálos".
A dimensão política consiste no compromisso profissional dos educadores, na clara intenção de assumir a tarefa educativa da escola em sua função social básica: a de ensinar e ensinar bem a todos. Um compromisso do colegiado escolar com o firme propósito de operacionalizar as ações definidas no projeto político-pedagógico. Assim, a autonomia da escola implica outorga, conquista que se obtém pela competência técnica e pelo compromisso profissional. Por outro lado, um projeto ou um empreendimento não se concretiza nem se consolida em ações individuais e solitárias, mas na ação coletiva, solidária e articulada de um grupo. Por isso, à competência e ao compromisso profissional, acrescenta-se a coesão do grupo, pois quanto mais o grupo estiver empenhado em levar a termo objetivos comuns, isto é, identificado com as mesmas causas, mais condições terá de efetivar seu projeto político-pedagógico. Isso não implica eliminação das diferenças, "mas promove-se o ajustamento dos diferentes elementos que não se anulam mutuamente" (Teixeira e Porto 1997, p. 224). A existência de grupos que "vestem a camisa da escola" e que se envolvem na sua construção permite o avanço da escola em direção à sua capacidade e pela responsabilidade da escola e do grupo de educadores de colocar em ação seu projeto político-pedagógico. É ele o elemento balizador da autonomia administrativa, pedagógica, financeira e jurídica; é o instrumento que orienta e possibilita operacionalizar a autonomia na escola. Assim, o projeto político-pedagógico e a autonomia são processos indissociáveis, como o é também a formação continuada, como elemento que promove a competência do grupo. À luz de tais pressupostos, foi possível constatar as dificuldades das escolas paranaenses na implantação do Projeto "Construindo a Escola Cidadã", mas também algumas possibilidades e avanços em seus projetos político-pedagógicos, na tentativa de conquista da autonomia. São subsídios que podem contribuir para a definição de políticas para o setor educacional. 98 Os entraves à efetivação do projeto político-pedagógico Uma proposta de escola autönoma exige que os sistemas de ensino ultrapassem os entraves que se fazem ainda muito presentes e dizem respeito a: 1 ) Rotatividade do corpo docente - Professores que não pertencem ao quadro efetivo representam em muitos casos até mais de 50% do pessoal da escola. Tal fato prejudica substancialmente o desenvolvimento do projeto político-pedagógico, uma vez que esses profissionais ministram aulas em várias escolas a fim de completar suas cargas horárias; não
participam integralmente das atividades da escola e, portanto, muitas vezes deixam até mesmo de conhecer o projeto político-pedagógico, pois encontram-se ausentes da maioria das reuniões. São fatores que resultam em baixo desempenho e menor compromisso dos profissionais com a escola, considerando que não conseguem identificar-se com o projeto ali construído. Com isso, as ações de muitos desses educadores tornam-se fragmentadas, uma vez que não estabelecem a relação do seu projeto pedagógico com o projeto mais amplo. A permanente rotatividade dos professores nos sistemas de ensino é também apontada por Fusari (1993, p. 72), quando afirma: "Além da falta de professores nas unidades escolares, da improvisação, das situações de emergência para tapar a lacuna da ausência de professores, a rotatividade do corpo docente, da direção e dos funcionários, é uma realidade que dificulta a organização pedagógico-administrativa da Escola". É, então, muito diferente a situação de docentes efetivos que há muito tempo pertencem ao quadro de uma mesma escola: comprometem-se com ela, passam a gostar daquela escola, porque sabem que ali estão sua vida e seu trabalho. 2) Falta de espaço coletivo para estudos e discussão periódica entre os professores Sem um espaço preferencialmente institucionalizado de grupos de estudo, fica difícil operacionalizar a formação continuada, base para a efetivação do projeto políticopedagógico. A pesquisa revelou a existência do projeto político-pedagógico e de muitos projetos especiais que ficaram no papel tanto pela dificuldade em integrar os docentes como pela falta do estudo periódico. Nesse ponto, parece existir uma contradição: sendo autônoma, a escola poderia administrar o tempo de forma a privilegiar também momentos para reuniões. Não existindo o espaço garantido pelo sistema para a discussão das práticas escolares, as equipes pedagógicas poderiam romper barreiras, criando, de forma coerente (sem prejuízo para os alunos), maneiras de efetivar sistemática e periodicamente a ação colegiada. Se competentemente utilizado, esse espaço pode ser gradativamente conquistado e, por que não, institucionalizado. É possível perceber, portanto, que o fator tempo é indispensável, mas somente sua concessão ou conquista não favorecerá uma ação para a mudança desejada. É preciso contar com a participação comprometida e responsável de todos os educadores para que o espaço conquistado seja competentemente aproveitado. Além dessa limitação, pois na prática há um reduzido cronograma de reuniões previsto em calendário escolar, as poucas oportunidades que se tinha de reunir o corpo docente, segundo depoimento dos professores, infelizmente eram utilizadas para a discussão de questões administrativas, pouco tempo sobrando para as pedagógicas.
Nesse sentido, a forma de organização da escola não possibilita a ação colegiada e; assim, dificilmente é possível viabilizar um projeto político-pedagógico concebido como "processo permanente de reflexão e discussão dos problemas da escola, na busca de alternativas viáveis à efetivação de sua intencionalidade" (Veiga 1995, p. 13). Sem tempo para troca de experiências e principalmente para o estudo e a possível sistematização das experiências via pesquisa, outra limitação foi possível constatar: 3) Fragilidade dos conceitos teóricos - A evidência de que os educadores não relacionavam suas ações e os objetivos dos projetos por eles desenvolvidos à filosofia, às metas e aos objetivos mais gerais do projeto da escola confirma esse fato. Há ainda, em muitos casos, o reconhecimento pelos docentes de que a ciência da educação pertence aos pedagogos, fato que demonstra a visão fragmentada que ainda persiste no imaginário e na prática dos professores. O despreparo quanto aos fundamentos da educação, como também em relação às formas de representação e participação nas ações colegiadas, é um elemento que entrava uma gestão escolar baseada na autonomia. Também os órgãos intermediários do sistema nem sempre possuíam condições suficientes para orientar as equipes das escolas na elaboração e na posterior análise de seus projetos político-pedagógicos. Por isso, não havia igualdade de critérios para análise, acompanhamento, orientação e avaliação dos referidos projetos. 100 A pouca experiência democrática dos profissionais, sua pouca vivência de participação e sua deficiente preparação teórica para assumir tal responsabilidade, aliadas ao fato de se tratar de uma prática nova para as escolas, constituem elementos obstaculizadores para o ,processo de construção do projeto político-pedagógico. Sem preparo e suficiente formação, tais profissionais têm que assumir, de repente, um novo modo de organização escolar, que por sua vez, integrado a uma política governamental, deve ser implantado a qualquer preço. Daí, mais uma limitação: 4) A implantação apressada de novas políticas educacionais, pelo reduzido tempo com que contam os sistemas de ensino para assimilar e colocar em ação mudanças tão profundas. Esta realidade conduz ao enfraquecimento das propostas, uma vez que inovações exigem novas aprendizagens por parte de todos os envolvidos e, assim, de tempo institucional, tempo escolar e tempo político (Gadotti 1994, p. 31 ). Ao analisar as propostas dos órgãos financiadores internacionais para a educação na América Latina, e suas implicações nas políticas desses países, Torres afirma: "(...) há uma grande pressão para massificar e acelerar os programas, justamente para se lidar com os tempos políticos que são muito curtos. (...) Não se está dando o tempo necessário para experimentar, para provar, o que é essencial, pois estamos fazendo coisas novas e
extremamente complexas no campo da educação" (apud De 'Tommasi et al. 1996, p. 263). Concordando com a autora, percebemos que, além das limitações do tempo político, falta aos sistemas de ensino também a gestão do processo, em que exista maior preocupação com as atividades-meio e não somente com a atividade-fim. São necessários, pois, paralelamente à implantação, ações de preparação, acompanhamento e avaliações periódicas para replanejamento e aperfeiçoamento do processo. Com tais medidas, sistema e escola em interação e aprendizado contínuo poderão garantir a efetividade da proposta. Em decorrência das limitações acima apontadas, uma série de outras dificuldades podem sobrevir, entre as quais a insegurança dos docentes e das equipes pedagógicas, que acaba gerando resistência às mudanças e, muitas vezes, efeitos contrários aos previstos nos planos. Evidências dessa ordem são esperadas; no entanto, não podem permanecer em prejuízo dos alunos e do processo educacional. Uma das condições para a mudança reside na busca da verdadeira valorização do professor, tantas vezes apregoada pelas políticas educacionais. Uma valorização que privilegie preferencialmente a formação continuada, base para o crescimento pessoal e profissional, e a autonomia docente, aliada à necessária melhoria salarial e funcional. A situação de dependência de muitos dos professores, sua visão fragmentada do processo educacional e resistência as mudanças são indicadores da falta de formação contínua, de atualização e de permanente reflexão teórico-prática. Daí sentirem-se inseguros e impotentes para enfrentar os desafios de salas de aula repletas de alunos e com diferentes defasagens educacionais. O projeto político-pedagógico como possibilidade de avanço das escolas: A voz dos professores . A pesquisa encetada nas escolas públicas demonstrou a existência de inúmeros avanços que aconteceram especialmente a partir da introdução de projetos que viabilizaram estudos periódicos da prática cotidiana das salas de aula, e consequente articulação de professores e equipes pedagógicas. Mais uma vez se constata, portanto, a urgente necessidade da criação institucionalizada do referido espaço nas escolas, dado que a formação contínua é base para a construção do projeto político-pedagógico e decorrente autonomia escolar. 102 A mudança de postura em sala de aula, a melhoria do relacionamento professor-aluno, professor-professor, o entusiasmo com que os docentes se referiam às atividades por eles realizadas com base nos resultados obtidos mostraram possibilidades de crescimento profissional e, em conseqüência, elevação da auto-estima do professor. É importante destacar
depoimentos de docentes, dizendo da diferença existente entre aqueles que participaram do projeto e os que não participaram. Nos mesmas nos gerenciamos, nós mesmas nos dirigimos, o projeto deu esta liberdade de nós mesmas caminhamos com as nossas próprias pernas, isso acho que foi importante. Hoje eu não tenho medo de conversar com ninguém, porque o proprio projeto deu esta oondição pare nós. (Professora G) Percebe-se; na fala das professoras, a segurança com que a relação teoria-prática marcou suas vidas. Segurança que, com certeza, levou à autonomia. A professora G demonstrou sua identificação com a escola, dizendo: "Não gostaria de sair desta escola, porque esta escola faz a gente crescer." O valor do conhecimento e sua construção, a maior aproximação dos professores entre si e com os alunos foram para esses e todos os outros participantes da proposta, motivos de realização pessoal e profissional: (...) foi para mim, a melhor coisa que já que me aconteceu dentro do magistério! Porque eu aprendi, porque voce sai, voce... vai aprendendo dentro da sala de aula... erra... acerta... erra... acerta..., e, com a teoria, a coisa ficou muito mais fácil! Fica mais fácil (Professora B) Assim como acontece com o aluno que fica satisfeito ao descobrir que aprendeu, também sucede ao professor a valorização da teoria na busca de soluções para as dificuldades pedagógicas, o "sabor" do conhecimento, a satisfação pessoal e profissional. Tais fatos se verificaram sobretudo porque, a partir da interação dos docentes nos grupos de estudo, o projeto conferiu-lhes um sentido de identidade grupal. Segundo Silva (1996, p. 97): Essa identidade é que garantirá um sentimento e um sentido de nos que terá força ética, ou seja, será condicionadora do comportamento das pessoas mesmo quando estejam agindo isoladamente. O pertencimento ao grupo "X" amplia, por assim dizer. a personalidade pessoal que passa a viver ativa e passivamente, nos demais e com os demais integrantes do grupo. Em outras palavras, o que acontece a um membro do grupo quando age como componente do grupo interessa a todos, pois, de alguma maneira, implica todos. Foi o que aconteceu com o grupo de professores, conforme a afirmação: Houve um entrosamento muito grande entre os professores. Esta união é que fez com que o trabalho aparecesse, porque se cada um trabalha separado, nada acontece. (Professora B)
Assim, aqueles que estudaram, que formaram grupos de estudo, foram os que conceberam a existência do projeto político-pedagógico. Isso porque havia discussões freqüentes, os professores "pensavam escola", respiravam "ares de escola", havia realmente um clima de escola e não de uma repartição pública qualquer. Nesse caso, a reflexão sobre as necessidades da escola de um modo geral se faziam presentes e, assim, havia articulação entre o projeto por eles desenvolvido e o projeto maior. É importante destacar também a reação enfática da professora B ao relatar o seu interesse e o dos professores do seu grupo em participar das palestras para as quais eram convidados: (...) nos íamos também na Universidade assistir (...) palestra de professores que vinham não sei de onde (...) era sobre avaliação... então a (...) dizia: é um convite, não estou dizendo para voces irem, mas a turma ia. Pasme! Pasme! A turma ia, porque queria saber! Então eu acho que isto aí é uma coisa inédita no magistério... por que o professor ir por conta própria, sem que ele tenha sofrido uma pressão, ou seja obrigado, ou porque vai ganhar um dinheirinho? O professor ia porque ele queria! Com essas constatações percebemos que, apesar das inúmeras dificuldades, os avanços aconteceram. Os professores envolvidos no projeto sentiram-se e foram valorizados e, por sua vez, passaram a valorizar mais o espaço onde desenvolvem seu trabalho: a escola. Também os alunos envolvidos nos projetos diziam, com entusiasmo, sentir orgulho da escola onde estudavam, pois a mesma tomou-se conhecida e prestigiada. A competência é, assim, a mola mestra para a obtenção da autonomia que; como afirmamos anteriormente, não se constitui só em outorga, mas também em conquista que se dá pela competência técnica adquirida pelo (...) vocé ve o antagonismo, é nítido! Porque a consciência, a concepção de escola é outra! A partir daí nos passamos a entender a tal da indisciplina, que mata todos os professores, para ver o aluno (...) valorizar a capacidade de cada aluno. Nós aprendemos também a ver que temos 35 alunos, temos 35 problemas diferentes, 35 cabeças pensando de maneira diferente (...) (Professora D) Ao indagar-se o que fez com que os professores crescessem, obteve-se como resposta: Não foi só o envolvimento com o aluno, mas sim, o estudo em grupo. Veja, (...) o que acontecia: nós
íamos para a sala de aula e nós nos chocávamos com ela. O aluno: uma realidade e as novas metodologias uma outra realidade e nós, outra realidade. (...) Recebíamos uma orientação e os alunos não estavam acostumados com aquilo. A gente vinha para o grupo, contávamos aqueles problemas que encontrávamos na sala de aula e tentávamos solucionar, amenizar aqueles problemas, voltando para a sala de aula, agindo de outra forma, tentando melhorar, e assim ia... aos poucos a gente ia melhorando. Mas o estudo em grupo foi fundamental. Foi a esséncia de todo o trabalho, porque se nós não tivéssemos feito este estudo em grupo, nos não tínhamos mudado a nossa maneira de pensar também. (Professora D) Nos últimos anos, os professores têm se assustado com a realidade das salas de aula. Para esse grupo, havia a consciência da necessidade de alterar essa situação, buscando novas práticas que, entre outras coisas, situassem o professor como pesquisador de seu próprio trabalho. Corroborando com as afirmações colocadas anteriormente, outra professora assim justificou o sucesso do projeto: (...) primeiro porque os professores, eles entenderam: este é o primeiro passo; eles se conscientizaram de que realmente a coisa tinha que ser mudada mudar a maneira de dar aula, a maneira de tratar o aluno, porque nós estávamos recebendo um aluno que nós não sabíamos lidar mais, tanto é que eu disse: não sei mais lidar com esses alunos! Tenho tantos anos de experiência de magistério e não estou sabendo mais lidar com esses alunos, e eles também estavam sentindo. Então nós temos que procurar alguma coisa que venha ao encontro ao aluno e que também satisfaça a gente no trabalho, profissionalmente. (Professora B). A fala dos docentes demonstra, assim, a insatisfação com o modo de ensinar, a constatação da importância do estudo em grupo. E, ao descobrirem que havia necessidade de superar o quadro de fracasso escolar, de substituir o trabalho individual pelo trabalho em equipe, de adotar uma postura político-pedagógica que apostasse na capacidade de aprender dos alunos, eles estavam se comprometendo com o projeto político-pedagógico que ajudaram a formular. Por isso, fica mais fácil a defesa do que já se afirmou: não há projeto políticopedagógico que se sustente sem a concomitante formação continuada do professor, formação essa que se realiza no cotidiano, no estudo e no trabalho, na ação-reflexão-ação. Para Kramer
(1989, p. 204), (...) a efetiva formação do professor em serviço se dá através do confronto entre a reflexão sobre os conhecimentos advindos da sua prática e as teorias que explicam, questionam, lançam conflitos e indagações e permitem melhor Compreender essa mesma prática. A síntese vivido/estudado substitui, assim, os grandiosos, porém inócuos, "eventos", "treinamentos", "capacitações", "reciclagens" e estratégias congëneres, por um processo aparentemente lento e silencioso, porém mais mobilizador, crítico e ativo. O grupo de estudos foi instrumento essencial que favoreceu a reflexão teórica e a ação pedagógica do professor, visto que só na práxis os docentes puderam perceber a necessidade de mudar a maneira de trabalhar com os alunos. Essa condição objetiva foi importante, mas não seria suficiente se não houvesse a vontade do profissional para a transformação, como já lembrava Gramsci (1989, p. 47): "Mas a existência das condições objetivas - ou possibilidade, ou liberdade - ainda não é suficiente: é necessário `conhecê-las' e saber utilizálas. Querer utilizá-las. O homem, neste sentido, é vontade concreta: isto é, aplicação efetiva do querer abstrato ou do impulso vital aos meios concretos que realizam esta vontade". As condições objetivas e o querer acontecer propiciaram a valorização do professor e o seu crescimento profissional, além de oportunizar sua autonomia e a coesão do grupo. 105 Senão, vejamos: não havia mais a dependência do diretor, do supervisor ou do orientador educacional para resolver determinadas situações em sala de aula: Nós mesmas nos gerenciamos, nós mesmas nos dirigimos, o projeto deu esta liberdade de nós mesmas caminharmos com as nossas próprias pernas, isso acho que foi importante. Hoje eu não tenho medo de conversar com ninguém, porque o próprio projeto deu esta condição para nós. (Professora G) Percebe-se; na fala das professoras, a segurança com que a relação teoria-prática marcou suas vidas. Segurança que, com certeza, levou à autonomia. A professora G demonstrou sua identificação com a escola, dizendo: "Não gostaria de sair desta escola, porque esta escola faz a gente crescer." O valor do conhecimento e sua construção, a maior aproximação dos professores entre si e com os alunos foram para esses e todos os outros participantes da proposta, motivos de
realização pessoal e profissional. (...) foi para mim, a melhor coisa que já que me aconteceu dentro do magistério! Porque eu aprendi, porque você sai, você... vai aprendendo dentro da sala de aula... erra... acerta... erra... acerta... e, com a teoria, a coisa ficou muito mais fácil! Fica mais fácil! (Professora B) Assim como acontece com o aluno que fica satisfeito ao descobrir que aprendeu, também sucede ao professor a valorização da teoria na busca de soluções para as dificuldades pedagógicas, o "sabor" do conhecimento, a satisfação pessoal e profissional. Tais fatos se verificaram sobretudo porque, a partir da interação dos docentes nos grupos de estudo, o projeto conferiu-lhes um sentido de identidade grupal. Segundo Silva ( 1996, p. 97): Essa identidade é que garantirá um sentimento e um sentido de nós que terá força ética, ou seja, será condicionadora do comportamento das pessoas mesmo quando estejam agindo isoladamente. O pertencimento ao grupo "X" amplia, por assim dizer, a personalidade pessoal que passa a viver ativa e passivamente, nos demais e com os demais integrantes do grupo. Em outras palavras, o que acontece a um membro do grupo quando age como componente do grupo interessa a todos, pois, de alguma maneira, irnplica todos. Foi o que aconteceu com o grupo de professores, conforme a nação: Houve um entrosamento muito grande entre os professores. Esta união é que fez com que o trabalho aparecesse, porque se cada um trabalha separado, nada acontece. (Professora B) Assim, aqueles que estudaram, que formaram grupos de estudo, foram os que conceberam a existência do projeto político-pedagógico. Isso porque havia discussões freqüentes, os professores "pensavam escola", respiravam "ares de escola", havia realmente um clima de escola e não de uma repartição pública qualquer. Nesse caso, a reflexão sobre as necessidades da escola de um modo geral se faziam presentes e, assim, ria articulação entre o projeto por eles desenvolvido e o projeto maior. É importante destacar também a reação enfática da professora B relatar o seu interesse e o dos professores do seu grupo em participar s palestras para as quais eram convidados: (...) nós íamos também na Universidade assistir (...) palestra de professores que vinham não sei de onde
(...) era sobre avaliação... então a (...) dizia: é um convite, não estou dizendo para vocês irem, mas a turma ia. Pasme! Pasme! A turma ia, porque queria saber! Então eu acho que isto aí é uma coisa inédita no magistério... por que o professor ir por conta própria, sem que ele tenha sofrido uma pressão, ou seja obrigado, ou porque vai ganhar um dinheirinho? O professor ia porque ele queria! Com essas constatações percebemos que, apesar das inúmeras dificuldades, os avanços aconteceram. Os professores envolvidos no projeto sentiram-se e foram valorizados e, por sua vez, passaram a valorizar mais o espaço onde desenvolvem seu trabalho: a escola. Também os alunos envolvidos nos projetos diziam, com entusiasmo, sentir orgulho da escola onde estudavam, pois a mesma tornou-se conhecida e prestigiada. A competência é, assim, a mola mestra para a obtenção da autonomia e, como afirmamos anteriormente, não se constitui só em outorga, mas também em conquista que se dá pela competência técnica adquirida pelo saber docente, aliada à competência política, à intenção de melhorar. O saber e o querer fazer, somados ao poder fazer - no sentido da existência de algumas condições materiais, humanas e institucionais - e ao esforço coletivo (identidade grupal) em fazer acontecer, constituíram os elementos necessários à competência geradora das possibilidades. 106 Considerações finais Os estudos e as análises das experiências realizadas nas escolas por meio de seus projetos permitiram-nos formular e confirmar algumas proposições sobre o projeto políticopedagógico, que podem resultar em melhoria das escolas e na real aprendizagem dos alunos. Para tanto, concebermos o projeto político-pedagógico como um processo em que não se desvinculam as ações de elaboração, acompanhamento e avaliação. Ao iniciar um processo de reflexão sobre a escola e a necessidade de seu redimensionamento, os educadores precisam estar motivados e preparados para construir a nova proposta. A valorização profissional, partindo de um plano de carreira com critérios justos de ascensão funcional, garantirá a permanência de bons profissionais nas escolas, evitando a rotatividade, o absenteísmo, a alienação. Articulada a esse aspecto, outra condição que vimos repetindo insistentemente, pelos resultados positivos apresentados pela pesquisa,
diz respeito à formação em serviço realizada na escola, com base na reflexão sobre as práticas pedagógicas, com tempos coletivos de estudos desenvolvidos permanentemente, de forma contínua e sistemática. A análise do contexto escolar, das principais características e dificuldades que entravam a organização da escola, acrescida paralelamente de estudos teóricos e resultados de pesquisa, permitirá formular uma filosofia, metas e objetivos a serem atingidos a médio e curto prazos. Esses objetivos e metas passam a iluminar o plano curricular, regimental e dos órgãos colegiados. Assim, ações da equipe pedagógica participação de todos, inclusive dos funcionários, em amplo ate na e sobre a escola certamente garantirá o compromisso em executar as ações planejadas. Para tanto, solicita-se atenção especial à necessidade de uma coordenação, isto é, de uma "organização comum de trabalho" (Rangel 1997) exercida pelo diretor, pelo supervisor escolar e/ou pela equipe pedagógica, afim de que as decisões e ações referidas à gestão da escola e ao ato de ensinar e aprender se façam de modo fundamentado e articulado. Uma coordenação e uma liderança seguras, competentes e criativas incentivam participação e unificam as ações dos professores, favorecendo o crescimento do grupo e da escola. Esse trabalho implica obviamente capacidade desenvolver a competência técnica, política e humana dos educadores na construção de um projeto de escola autônoma. Nessas ações, a assessoria e a assistência técnico-pedagógica dos Núcleos Regionais de Educação/Delegacias de Ensino se fazem necessárias, pois a atuação do Estado consiste em apoiar as iniciativas das escolas, além de garantir as condições institucionais básicas com equipes estáveis e habilitadas (tanto docentes quanto técnico-administrativas), salários adequados, boas condições de estudo e de trabalho, de estrutura física e material. Em uma proposta de autonomia, as instituições formadoras dos recursos humanos para a educação, tanto nos cursos de pedagogia como nas licenciaturas, devem somar forças com as unidades escolares e os órgãos intermediários, uma vez que seu compromisso não se circunscreve somente formação inicial daqueles que atuarão nas escolas. Taís instituições constituem, junto com a universidade, agências formadoras do educador. Nesse sentido, a articulação escolas/núcleos/secretarias de educação/universidades deve se efetivar, respeitando o saber dos professores das escolas, conferindo a eles a autonomia suficiente para propor, discutir, decidir e colocar em ação os projetos polïtico-pedagógicos das unidades escolares. A satisfação com que os professores e os alunos se referiam aos projetos parciais em que haviam se envolvido assegura nossa convicção da importância do projeto político-
pedagógico como eixo central para a organização do trabalho na escola. Os resultados obtidos por projetos especiais possibilitaram mostrar, num fragmento, quantos seriam os avanços se toda a escola estivesse engajada no seu projeto político-pedagógico de maneira interessada e cooperativa. Assim, em síntese, as possibilidades do projeto político-pedagógico dizem respeito a: - revalorização da escola pública, na medida em que a comunidade intra e extra-escolar se engaja efetivamente para sua melhoria; tendo como referência o projeto políticopedagógico; - construção gradual e progressiva de uma autonomia da escola, que se conquista pela competência e pelo compromisso profissional, e da gestão democrática nas ações pedagógicas e administrativas; - valorização dos educadores, visto que a segurança nas suas atividades didáticopedagógicas favorece a satisfação profissional, o desenvolvimento da auto-estima, o compromisso com a escola e seu projeto, e o incentivo ao trabalho escolar; - redimensionamento da função supervisora que, atuando mais perto dos professores, e baseada nas necessidades específicas dos mesmos em sala de aula, em constante processo de ação-reflexão-ação, contribua para a efetividade do projeto político-pedagógico; - maior coesão do grupo, pelo envolvimento entre seus membros e pelo gosto em participar das atividades escolares, favorecendo a construção de uma identidade coletiva tanto entre os professores como entre os alunos; - desenvolvimento do autoconceito do aluno, pela participação em atividades que estimulam o estudo, favorecendo sua aprendizagem e promoção; - superação de práticas pedagógicas rotineiras, acríticas e desinteressantes; - instalação de verdadeiro "clima educacional" na escola, quando todas as ações convergem para a efetivação do melhor aproveitamento escolar pelos alunos; - alteração progressiva da gestão centralizada para a gestão colegiada e democrática; - promoção da articulação entre a equipe pedagógica e desta com os professores, impedindo a fragmentação e a divisão concepcão-execução. Com tais pressupostos, entendemos que, embora a realidade da escola pública seja ainda bastante complexa, parece possível que a autonomia venha a emergir do interior das próprias escolas por um projeto político-pedagógico assumido por todos, o qual assegure autenticidade a novas propostas. Os aspectos levantados não constituem conclusões definitivas nem se esgotam por si mesmos. São pontos de passagem que se colocam no caminho da democratização da escola pública. O ritmo e a forma dessa caminhada dependem do contexto da sociedade, da política educacional e de cada escola. Sem desconsiderar os demais fatores, acreditamos na potencialidade das escolas e dos
educadores. Acreditamos, porque temos esperança. É a esperança que nos impulsiona a progredir e avançar, apesar de situações adversas. Esperar é desejar, confiar, propor objetivos. Em nada significa acomodação, conclusão ou descomprometimento. Ao contrário: admite a riqueza da processualidade do cotidiano, que não é composto só de entraves, mas de possibilidades. Bibliografia Azanha, José Mário Pires. Educação: Temas polêmicos. São Paulo: Martins Fontes, 1995. CARVALHO, Angelina e DIOGO, Fernando. Projecto educativo. Porto: Afrontamento, 1994, Catro Neves, Carmen Moreira de. Autonomia da escola pública: Um enfoque operacional. In: VEIGA, Ilma Passos A. (org.). Projeto político-pedagógico da escola: Uma construção possível. Campinas: Papirus, 1995, pp. 95-129. CAVAGNARl, Luzia B. O projeto político-pedagógico e a autonomia da escola: Limites e possibilidades. Ponta Grossa: UEPG, 1998. Dissertação de mestrado. De TOMMASI, Lívia; WARDE, Miriam e HADDAD, Sérgio (orgs.). O Banco Mundial e as políticas educacionais. São Paulo: Cortez, 1996. Fusari, José Cerchi. A construção da proposta educacional e do trabalho coletivo na unidade escolar. In: Série Idéias n. 16. São Paulo: FDE, 1993, pp. 69-77. Fusari, José Cerchi e Rios, Terezinha Azeredo. Formação continuada dos profissionais do ensino. In: Cadernos Cedes n 36. Campinas: Papirus, 1995, pp. 37-45. Gadotti, Moacir. Autonomia como estratégia da qualidade do ensino e a nova organização do trabalho na escola. In: Paixão de aprender n 7. Porto Alegre, jun. 1994. GENTILI, Pablo e SILVA Tomaz Tadeu da. Neoliberalismo. qualidade total e educação. 2a ed., Petrópolis: Vozes, 1994. Gramsci, Antonio. Concepção dialética da história. 8s ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1989. Kramert, Sonia. Melhoria da qualidade do ensino e o desafio da formação de professores em serviço. In: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos n165. Brasília, maio/ago. 1989, vol. 70, pp. 189-207. Paraná. Secretaria de Estado da Educação. Superintendência da Educação. Parann: Construindo a escola cidadã. Curitiba, 1992. Rangel, Mary. Considerações sobre o papel do supervisor como especialista em educação na América Latina. In: Silva. Junior, Celestino A. da e RANGEL, Mary (orgs.). Nove olhares sobre a supervisão. Campinas: Papirus, 1997, pp. l47-161. Rios, Terezinha A. A autonomia como projeto- Horizonte ético-político. In: Série Idéias n 16. São Paulo: FDE, 1993, pp. 13-18.
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A escola tem de ser encarada como uma comunidade educativa, permitindo mobilizar o conjunto dos actores sociais e dos grupos profissionais em torno de um projeto comum. Para tal é preciso realizar um esforço de demarcação dos espaços próprios de ação, pois só na clarificação destes limites se pode alicerçar uma colaboração efetiva. Essas palavras permitem compreender que o funcionamento de uma organização escolar é fruto de um compromisso entre estrutura formal e as interações que se produzem no seu interior. Este artigo está centrado nas instâncias colegiadas da escola, enfatizando duas áreas: - a estrutura pedagógico-administrativa da escola: gestão colegiada, tomada de decisão e instância avaliativa; - a estrutura social da escola: relação entre professores, funcionários e participação dos pais e a auto-organização dos alunos. Na verdade, é importante salientar que a análise das instâncias colegiadas da escola deve ter como pano de fundo a concepção de projeto político-pedagógico que se alicerça no princípio da construção coletiva. Assim, a concretização e o encaminhamento das ações têm como exigência a compreensão da dimensão coletiva de gestão democrática. Para Pistrak (1981, p. 137), a dimensão coletiva é concebida integralmente e "crianças e homens em geral formam um coletivo quando estão unidos por determinados interesses, dos quais têm consciência e que lhes são próximos". Dessa forma, quando os educandos e os educadores percebem a escola como um local de trabalho, estudo e auto-organização para realizar suas atividades e seus interesses, eles se envolvem no "coletivo" e a escola se transforma em local de formação, preparação para o trabalho e exercício da cidadania. É necessário considerar, portanto, a inter-relação das instâncias colegiadas. Esse é um desafio: o compromisso e a participação ativa dos integrantes da comunidade escolar, mobilizados pela reflexão crítica, de projetarem-se para o futuro. Conselho Escolar como espaço de debate e decisões No marco das atuais reformas do sistema educativo, falar em Conselho Escolar implica atender a várias questões prévias e, especificamente, técnico-políticas, imprescindíveis na hora de delinear um projeto político-pedagógico. Entretanto, esse projeto
não deve ser concebido como uma fórmula paradigmática e inflexível, mas sim como tarefa que "não se limita ao âmbito das relações interpessoais, mas que se torne realisticamente situada nas estruturas, nos recursos e limites que a singularizam, envolvendo ações continuadas em prazos distintos" (Marques 1990, p. 22). O projeto político-pedagógico inscreve-se, assim, numa visão conjunta, articulando as dimensões da intencionalidade com as de efetividade e possibilidade. E o projeto tem que ser viável: colocado em prática, deve ser exeqüível e assumido coletivamente pelo grupo, ou seja, pelos vários segmentos da comunidade escolar. Mas a concretização do projeto político-pedagógico, no âmbito da concepção de gestão democrática, "não significa reunir todas as pessoas envolvidas de maneira permanente para tomar cada um as decisões que requer a caminhada. É necessário buscar formas representativas e às e9 " vezes operativas, que permitam oportunamente a tomada de decisões (Alfiz s/d, p. 68). Para isso, é necessário criar órgãos de gestão que garantam, por um lado, a representatividade e, por outro, a continuidade e conseqüentemente a legitimidade. Dentre esses órgãos de gestão, o Conselho Escolar é concebido como local de debate e tomada de decisões. Como espaço de debates e discussões, permite que professores, funcionários, pais e alunos explicitem seus interesses, suas reivindicações. A instância de caráter mais deliberativo, de tomada de decisões sobre os assuntos substantivos da escola, proporciona momentos em que os interesses contraditórios vêm à tona (Paro 1995). Examinando com profundidade os múltiplos aspectos que envolvem a participação da comunidade na gestão da escola pública, Paro (idem, p. 154) constatou o seguinte: Embora a participação de pais e alunos nas decisões do Conselho da Escola nem sempre se faça da forma intensa que muitos poderiam esperar, o fato de ser aí o local onde se tomam ou se ratificam decisões de importância para o funcionamento da unidade escolar tem feito com que este órgão se torne a instância onde se explicitam e procuram resolver importantes contradições da vida escolar. Essa compreensão foi importante para desvendar o papel meramente formal desempenhado, muitas vezes, pelo Conselho Escolar e, ao mesmo tempo, vislumbrar um avanço em termos da democratização da escola pública. O que parece importante destacar éo papel que desempenha o Conselho Escolar no contexto das relações sociais que permeiam a realidade da instituição educativa. O Conselho Escolar deverá, portanto, favorecer a aproximação dos centros de decisão
dos atores. Isso facilita a comunicação, pois, rompendo com as relações burocráticas e formais, permite a comunicação vertical e também horizontal. Sob essa ótica, o Conselho possibilita a delegação de responsabilidades e o envolvimento de diversos participantes. É um gerador de descentralização. E, como órgão máximo de decisão no interior da escola, procura defender uma nova visão de trabalho. Conselho de Classe: Instância colegiada de avaliação permanente Saber avaliar... Quem? O quê? Como? Quando? Para quê? Essas cinco indagações nos assaltam quando refletimos sobre a temática avaliação. O propósito aqui não é estabelecer significados a todas elas, mas encaminhar a discussão para o Conselho de Classe, objeto central de análise e recurso metodológico para a reflexão sobre o processo avaliativo. O Conselho de Classe é uma instância colegiada contraditória. De um lado, ele se reduz em grande parte a um mecanismo de reforço das tensões e dos conflitos, com vistas à manutenção da estrutura vigente, tornando-se peça-chave para o fortalecimento da fragmentação e da burocratização do processo de trabalho pedagógico. Por outro lado, o Conselho de Classe pode ser concebido como uma instância colegiada que, ao buscar a superação da organização prescritiva e burocrática, se preocupa com processos avaliativos capazes de reconfigurar o conhecimento, de rever as relações pedagógicas alternativas e contribuir para alterar a própria organização do trabalho pedagógico. É interessante notar que o Conselho de Classe "guarda em si a possibilidade de articular os diversos segmentos da escola e tem por objeto de estudo o processo de ensino, que é o eixo central em tomo do qual desenvolve-se o processo de trabalho escolar" (Dalben 1995, p. 16). Essas afirmações de Dalben enfatizam dois pontos básicos: o primeiro relaciona-se ao seu caráter articulador dos diversos segmentos da escola - nessa perspectiva, preocupa-se com a redução do individualismo e da fragmentação -, e o segundo é direcionado para o processo de ensino em sua relação com a aprendizagem. O que se torna importante destacar é que a tarefa central do ensino é oportunizar situações didáticas para que a aprendizagem ocorra. A aprendizagem é a atividade do aluno e isso exige uma disposição em querer aprender. Nesse sentido, o aluno "presta atenção, observa, faz anotações e exercícios, discute em grupo, estuda, exemplifica, generaliza, faz síntese integradora, expõe com as próprias palavras, toma consciência das dificuldades, usa materiais diversos, avalia etc: ' (Veiga 1996, p. 160). Nessa perspectiva, avaliar é efetivar oportunidades de ação-reflexão, num acompanhamento contínuo dos professores que levará o aluno a novas questões. É preciso ficar claro que o objeto do Conselho de Classe é o ensino e suas relações com a avaliação da aprendizagem.
117 Observando atividades do Conselho de Classe, Paro (1995) percebeu duas tendências a respeito do papel da avaliação na escola: uma, mais tolerante, pouco exigente com relação ao desempenho do aluno, com decisões voltadas mais para a aprovação; outra, mais rigorosa, que só permite a aprovação de alunos que atinjam padrões mais elevados de desempenho. A esse respeito, afirma o autor: "o Conselho de Classe não deixa de constituir um espaço de encontro de posições diversificadas relativas ao desempenho do aluno, que não fica, assim, restrito à avaliação de apenas uma pessoa" (idem, p. 162). Nessa tarefa de reconstrução da prática avaliativa, cabe ao Conselho de Classe dar conta de importantes questões didático-pedagógicas, aproveitando seu potencial de gerador de idéias e como um espaço educativo. É fundamental que os educadores explorem as possibilidades educativas do Conselho de Classe, mesmo enfrentando as adversas condições de trabalho, bem como as exigências burocráticas que têm de cumprir. É preciso enfrentar o desafio urgente e necessário de democratizar realmente a instituição educativa: trazer o aluno e sua família para o interior da escola, propiciando também a democratização de sua permanência. Associação de Pais e Mestres: Esforço de decisões democráticas Outra importante instância colegiada institucionalizada ou não na escola é a Associação de Pais e Mestres (APM). É uma instituição auxiliar que tem como finalidade colaborar no aprimoramento da educação e na integração família-escola-comunidade. Teve sua regulamentação definitiva, na sua estrutura atual, em 1978 (Gadotti 1988; p. 25). Assim, ela veio para substituir a antiga Caixa Escolar que foi criada em 1956 com o objetivo de arrecadar fundos para a assistência escolar. A Caixa Escolar foi hoje retomada em virtude do repasse de recursos financeiros para as escolas públicas. A APM deverá exercer a função de sustentadora jurídica das verbas públicas recebidas e aplicadas pela escola, com a participação dos pais no seu cotidiano em cumplicidade com a administração. Paro ( 1995, p. 137) levanta duas questões norteadoras para a escola: - · A cobrança (facultativa, obviamente) de taxa não poderia conter um certo potencial de participação? - Em que medida a cobrança e a gerência dos recursos não poderiam ser o embrião de uma participação mais efetiva na escola?
O que é preciso ficar claro nas discussões é que a cobrança de taxa da APM não será solucionada tendo em vista os múltiplos problemas da escola. É preciso também, e principalmente, atentar para o fato de que há omissão do Estado com relação à manutenção da rede pública. No tocante à participação, a realidade tem mostrado que a comunidade não compartilha da vida da escola, pois essa também não comunga dos seus problemas porque não está preparada nem pedagógica nem estruturalmente para imprimir esse direcionamento. O que geralmente acontece é que a escola, ao programar encontros de pais e mestres, limitase a reuni-los em atividades de lazer como jogos, cafés e festas comemorativas, que não retratam a realidade em que vivem os jovens e seus pais. Daí a razão de a APM não cumprir o papel para o qual foi criada. As atividades ficam muito restritas à superficialidade que cerca o contexto escolar. E, nesse particular, geralmente as mães que participam mais ativamente tornam-se domésticas, isto é, passam a estender suas atividades do lar dentro da escola. E a escola, nesse momento, perde a grande chance de envolver pais, mães ou responsáveis no seu verdadeiro objetivo que é de formar o aluno para o exercício da cidadania. E isso se consegue também se ela desenvolve um trabalho amplo com a família, para que esta participe das decisões e atividades pedagógicas, acompanhando o estudo dos filhos. Geralmente, a situação precária das escolas públicas cria` um mal-estar entre pais, professores, funcionários e alunos que gostariam de ter uma escola da qual pudessem se orgulhar. A escola, por ser pública, não poderá deixar de criar mecanismos para envolver a comunidade em seu dia-a-dia. Mesmo a escola que atenda às classes menos favorecidas pode desenvolver trabalho com os pais, levando-os a compartilhar das decisões e compreender a importância de sua participação nas decisões em que a escola precisa de sua presença. 119 Para isso, no entanto, o corpo docente, discente, administrativo e, principalmente, a diretoria da escola têm que dar abertura para que os pais possam opinar, reivindicar e compreender a relevância de seu papel na vida da escola. É importante mobilizar a população para uma educação mais democrática e compromissada. Isso fará com que o Poder Público, além de fornecer recursos, propicie as condições de execução dos planos de educação, tendo a população como o eixo propulsor de uma educação despojada do autoritarismo estatal.
Gadotti (1990, p. 167) afirma que uma escola pública deverá "ter a qualidade da escola controlada pela comunidade, cujas decisões a ela caibam, e não sejam entregues aos devaneios e ao lirismo tecnológico do planejadores". A participação de pais, professores, alunos e funcionários por meio da APM dará autonomia à escola, favorecendo a participação de todos na tomada de decisões no que concerne às atividades curriculares e culturais, à elaboração do calendário escolar, horário de aulas etc.; enfim, a definição da política global da escola, ou seja, a construção do seu projeto político-pedagógico. Minasi, um dos educadores que têm se ocupado desse tema, de forma teórica e prática, assim se expressa: "A APM, com a participação de pais, professores, alunos e funcionários, seria o órgão mais importante de uma escola autônoma, estando envolvido na organização do trabalho pedagógico e no funcionamento administrativo da escola" ( 1996, p. 42). É importante salientar que a APM não pode ser concebida como mero instrumento de controle burocrático. Para o mesmo autor, a mudança jamais acontecerá unilateralmente, pois "não há canal institucional que venha a ser criado no sistema público que, por si só, transforme a qualidade da educação pública, se não estiver pressuposta a possibilidade de redefinição e se não existir uma vontade coletiva que queira transformar a existência da prática pedagógica concreta" (idem, p. 115). Reconfiguração e desafios do grêmio estudantil A organização estudantil é a instância onde se cultiva gradativamente o interesse do aluno, para além da sala de aula. A consciência dos direitos individuais vem acoplada à idéia de que estes se conquistam numa participação social e solidária. Numa escola onde a autoorganização dos alunos não seja uma prática, as oportunidades de êxito ficam minimizadas. Para Jélvez (1990b, p. 55), realmente, há um círculo cristalizado que permeia e perpassa as estruturas e o ensino nas escolas: o autoritarismo e o controle que as direções exercem sobre a ação dos estudantes, o ensino acrítico e desvinculado da realidade global que os professores transmitem nas salas de aula e a ausëncia de instâncias que propiciem a participação efetiva dos pais, dos alunos, dos professores, dos funcionários e da direção. É importante reter dessa citação a expressão círculo cristalizado. De fato, é esse círculo que se transforma em vicioso, uma vez que reproduz nos jovens estudantes uma consciência passiva e alienada do contexto socioeconômico e político que o país vive.
Se, por um lado, os alunos caracterizam-se pela passividade e pelo individualismo ligados às relações de estrutura político-social em que vivem, por outro, vale salientar que os movimentos estudantis foram interrompidos pela forma autoritária de gerir a sociedade brasileira, a partir de 1964. Isso trouxe como conseqüência o silenciamento da voz do aluno provocado pelo controle, pelo cerceamento e pela desarticulação do movimento estudantil. Por pressões externas, oriundas da Lei Suplicy de Lacerda ou Lei UNE 4.464/64, a representação nacional dos estudantes foi eliminada, o que provocou a desarticulação dos mesmos. O Decreto-Lei 252/67 vetou a ação dos órgãos estudantis em quaisquer manifestações e movimentos (art. II). A seguir, o Ato Institucional n 5, de dezembro de 1968, sufocou definitivamente os movimentos estudantis e "suspendeu o direito dos cidadãos de equa cionarem seu próprio destino, nos planos pessoal e político-social" (Jélvez 1990a, p. 41).Em fevereiro de 1969, foi promulgado o Decreto-Lei 477, decorrente do AI-5 nas suas Portarias 149-A e 3.524, e aplicado aos professores, alunos e funcionários proibindo qualquer manifestação de 121 caráter político ou de contestação no interior das instituições educativas. Foi nesse clima de controle, ameaça e insegurança individual que se formaram profissionais de nível superior e dentre eles, os professores. Jélvez (1990a, p. 41), ao elaborar uma visão panorâmica da ação repressiva, ameaçadora e controladora, afirma: (...) o "bom comportamento", a imposição da autocensura, o silêncio e a indiferença frente aos problemas nacionais e educacionais, o abandono da atuação e da militância política e social e dos movimentos da sociedade civil foram, certamente, a eficácia dessa legislação e as marcas mais amargas na consciência e no coração dos professores e estudantes, cientes de seus direitos e de sua dignidade, obrigados que foram a permanecer no silêncio e no imobilismo. Foi, portanto, nesse clima de repressão que se desencadearam as atividades de desmobilização e dispersão de professores e alunos. Em 1985, foi sancionada a Lei 7.398/8S, explicitando que a criação e a organização do grêmio estudantil são um direito dos alunos. Essa legislação que institui o grêmio estudantil, de caráter facultativo, elimina a obrigatoriedade do centro cívico, instância de caráter tutelar. A Lei Federal conferiu autonomia aos estudantes do então ensino de 1 e 2
grau, hoje educação básica, para organizarem seus grêmios como entidades representativas de seus interesses, "com finalidades educacionais, culturais, cívicas e sociais" (Art. 1). O grêmio estudantil é caracterizado pelo documento legal como órgão independente da direção da escola ou de qualquer outra instância de controle e tutela que possa ser reivindicada pela instituição. O parágrafo 2 define que compete aos educandos organizar o grêmio estudantil, estabelecendo seu estatuto, que será aprovado ou rejeitado por uma Assembléia Geral convocada para esse fim específico. O parágrafo 3 estabelece que os representantes do grêmio estudantil serão escolhidos pelo voto direto e secreto. O processo de eleição deve ser precedido de discursos, debates, confronto de idéias e explanação de programas, "gerando um saudável hábito de reflexão e participação política visando a um amadurecimento dos estudantes frente a sua própria problemática" (Jélvez 1990b, p. S6). Algumas escolas incentivam, amplamente, a participação política dos alunos, tanto interna como externamente. Nesse caso, o grêmio estudantil é instalado como instituição autônoma dentro da escola. O grêmio estudantil nada mais é que uma entidade representativa, tal como uma associação qualquer. Portanto, não é um órgão tutelar nem algo imposto de cima para baixo. Ele é um mecanismo democrático. É preciso que cada grêmio construa sua própria identidade. Uma característica que nos chama atenção é o aspecto relacionado à importância do intercâmbio entre as diferentes organizações estudantis de várias escolas. Essa troca de conhecimento, experiências e sugestões favorece a participação do aluno na construção do projeto político-pedagógico da escola. É importante lembrar que o grêmio é o reflexo dos alunos, pois os representa e serve de elo de ligação com a direção e a equipe técnica da escola e a comunidade onde está inserida a instituição educativa. O grêmio estudantil não é instrumento de luta contra a direção da escola, mas uma organização onde se cultiva o interesse dos estudantes, onde eles têm possibilidade de democratizar decisões e formar o sentimento de responsabilidade. Eles aprendem a resolver seus problemas entre si, o que evita intromissões em suas vidas (Pistrak 1981, p. 131). Para que aconteça uma verdadeira ação educativa na escola, essa deve, necessariamente, garantir a autonomia dos alunos que interagem no processo educativo. Para tanto, deve adotar mecanismos que levem em conta a importância da participação dos alunos e demais integrantes da organização do trabalho pedagógico. Por isso, concordo com Rios (1993), quando afirma:
Devemos refletir sobre o tema autonomia como projeto. Ora, um projeto é algo que se constrói com vistas ao futuro - ele aponta para algo que está por vir. Nosso pressuposto é. então, o de que a autonomia, assim como a liberdade, é algo a ser construído - não está dada, garantida já em nossa prática. (p. 14, grifos da autora) 122 Como já procurei acentuar, essa concepção de representação estudantil deve ser pensada como processo e produto da ação dos alunos, sujeitos coletivos concretos. Cumpre ressaltar que o projeto político-pedagógico não se concretiza sem que se leve em conta o diaa-dia da escola, com as características socioculturais de seus participantes. É uma maneira de compartilhar da proposta, como atores e protagonistas e, conseqüentemente, com capacidade de atuação autônoma, responsável e compromissada, tendo como horizonte as formas participativas de organização do processo de trabalho pedagógico. Nesse sentido, o projeto político-pedagógico deve ser coletivo, mas favorecendo a interação e a delegação de responsabilidade; autônomo, mas não independente. Reflexões finais Neste artigo, tive a oportunidade de refletir sobre o papel contraditório das instâncias colegiadas da escola. Essas instâncias têm sido instrumento, por excelência, para reforçar a burocratização e a dependência. As causas dessa ênfase, além da visão tecnicista e burocrática de órgãos colegiados, embasam-se nas prerrogativas do cenário educativo que, na concepção pragmatista da sociedade, se sustentam com mais segurança num espaço mais objetivo. O que se observa é que tem sido mais fácil organizar, na escola, as instâncias colegiadas como instrumentos passíveis de ser controlados pelos órgãos centrais da educação. As instâncias colegiadas tutelares e desenvolvidas de forma vertical favorecem a submissão, o individualismo e a dependência. É preciso ter consciência de que a dependência e a submissão no interior da escola efetivam-se por meio "de relações de poder que se expressam nas práticas autoritárias e conservadoras dos diferentes profissionais, distribuídos hierarquicamente, bem como por meio de formas de controle existentes no interior da escola" (Veiga 1995, p. 21 ). Mesmo reconhecendo as amarras e os interesses do sistema educativo em manter o controle da organização do trabalho pedagógico da escola, estou convicta de que é preciso
desencadear um movimento no sentido de organizar o trabalho pedagógico com base na concepção de planejamento participativo e emancipador. E é essa concepção que tem impulsionado muitos profissionais da educação a se debruçarem sobre os fundamentos da gestão democrática, instituindo órgãos colegiados sob a ótica da participação, da solidariedade e da autonomia. Por fim, quero expressar um desejo: que as instâncias colegiadas possam contribuir, de algum modo, para que a escola se preocupe com formas alternativas para a construção de sua identidade, tendo em vista uma educação de qualidade sustentada em concepções cooperativas e solidárias intra e interescolares. Bibliografia ASFIZ. Irene. El projecto educativo institucional. Propostas para um deseno colectivo. Buenos Aires: Aique, s/d. CARVALHO, A. e DIOGO, F. Projecto educativo. Porto: Afrontamento, 1994. DALBEN, Ângela .I.L.F. Trabalho escolar e conselho de classe. 3a ed., Campinas: Papirus, 1995. Gadotti. Moacir. Associações de pais e mestres. In: DAMASCENO, Alberto (org.). A educação como ato político partidário. São Paulo: Cortez, 1988. ______________. Uma só escola para todos: Caminhos da autonomia escolar. Petrópolis: Vozes, 1990. Jélvez. Júlio A.O. Grêmio estudantil: A força (enfraquecida) do estudante. In: Revista da Educação AEC n 74. Ano 19; Brasília, jan/mar. 1990a, pp. 39-41. _______________. Rearticulação e desafios dos grêmios estudantis. In: Revista de Educação AEC n 74. Ano 19, Brasília, jan/mar. 1990b, pp. 54-66. Marques, M.O. Projeto pedagógico: A marca da escola. In: Revista Contexto & Educação n 18. Ijuí: Unijuí, abri/jun. 1990. MINASI, Luis Fernando. Participação cidadã e escola pública: A importância da APM. Campinas: Unicamp, 1996. Dissertação de mestrado. NÓVOA. A. Para uma análise das instituições escolares. In: N6voA, A. (org.). As organizações escolares em análise. 2~ ed., Lisboa: Dom Quixote, 1995. PARO, Vitor Henrique. Por dentro da escola pública. São Paulo: Xamã, 1995. PISTRAK. Fundamentos da escola do trabalho. São Paulo: Brasiliense, 1981. RIOS. Terezinha A. A autonomia como projeto - Horizonte ético-político. In: Série Idéias n 16. A autonornia e qualidade do ensino na escola pública. São Paulo: FDE, Diretoria Técnica, 1993. VEIGA, I.P.A. Projeto político-pedagógico: Uma construção coletiva. ln: VEIGA, I.P.A. (org.). Projeto político-pedagógico: Uma construção possível. 5 ed., Campinas: Papirus, 1995. _____. Ensino e avaliação: Uma relação intrínseca à organização do trabalho pedagógico. In: VEIGA, I.P.A. (org.). Didática: O ensino e suas relações. 2a ed., Campinas: Papirus, 1996. 126
7 AVANÇOS E RECUOS NA CONSTRUÇÃO DO PROJETO POLITICOPEDAGÓGICO EM REDE DE ENSINO José Vieira de Sousa* No âmbito da escola pública, temos observado, nos últimos anos e em vários estados brasileiros, a constante preocupação com a implantação de propostas pedagógicas que se pretendem inovadoras. Tais propostas, embora mantenham certas especificidades decorrentes do contexto sociopolítico e escolar que as originam, deixam transparecer semelhanças teóricas e metodológicas entre si e, naturalmente, alguns distanciamentos - Escola Padrão (São Paulo), Escola Cidadã (Curitiba e Porto Alegre), Escola Plural (Belo Horizonte), Escola Candanga (Distrito Federal) e Escola Cabana (Belém). Entre os pontos comuns a essas propostas, destacam-se sua concepção crítica de educação, seu engajamento com uma prática educativa transformadora do social e sua ênfase no trabalho coletivo e na postura reflexiva sobre conceitos complexos como, por exemplo, democracia, cidadania, currículo e avaliação. - Mestre em Educação pela Universidade de Brasilia-UnB. Docentc da Fundação Educacional do Dist"to FederaUFEDF. 127 Na concepção, na implantação e na implementação dessas propostas políticopedagógicas, o principal dilema reside na preocupação de como assegurar que as mesmas, definidas em nível mais global como, por exemplo, secretarias de educação e outras instâncias intermediárias, sejam realmente refletidas, incorporadas e viabilizadas pela escola, essa última como o verdadeiro locus de realização das políticas educacionais. Isso porque é voz corrente que entre o pensar essas propostas e sua concretude no cotidiano escolar, notadamente em nível de sala de aula, tem se verificado um fosso considerável. O objetivo deste texto está relacionado a esse tipo de preocupação, visto que sua intenção é trazer a público os resultados do trabalho de coordenação do processo de construção coletiva dos projetos políticopedagógicos das escolas públicas vinculadas à Divisão Regional de Ensino de Taguatinga-DRET, instância intermediária do complexo Secretaria de Educação-SE/Fundação Educacional do Distrito Federal-FEDF, em consonância à proposta pedagógica definida pelo Governo Democrático e Popular para a educação no quadriênio 1995-1998, denominada "Escola Candanga: Uma lição de cidadania". O contexto trabalhado e as perspectivas pedagógicas da Escola Candanga
Convém deixar registrados, de início, alguns dados sobre a rede pública de ensino do DF, visando a uma melhor contextualização do trabalho realizado. Ao complexo SFJFEDF estão vinculadas 5352 escolas que ofertam educação infantil, 1° e 2 grau. Intermediando as ações entre o nível central e as escolas, estão dez Divisões Regionais de Ensino (DREs) e duas Coordenadorias Pedagógico-Administrativas (CPAs). O número de escolas subordinadas a cada uma dessas unidades varia e, em decorrência das necessidades do sistema, algumas delas articulam as escolas públicas de mais de uma cidade-satélite do DF. No caso específico da Divisão Regional de Ensino de Taguatinga, o total de escolas públicas coordenadas é de 65, sendo sua composição bastante heterogênea, sob diferentes aspectos. Desse total, 59 são urbanas e seis são rurais, contando três dessas últimas com turmas multisseriadas; 39 estão localizadas em áreas mais centrais e 26 em setores periféricos da cidade. Quanto às modalidades de ensino que ofertam, podemos identificá-las assim: Grupo I - 40 Escolas Classes, cujo trabalho volta-se para a educação infantil e as fases de formação e/ou séries iniciais do 1 grau, Grupo II - l4 Centros de Ensino que oferecem de 5' a 8'série do 1 grau' , Grupo Ill - 11 Centros Educacionais voltados, prioritariamente, para o ensino médio, incluídas aí uma escola voltada exclusivamente para o ensino de línguas estrangeiras e outra voltada para a formação de professores para as fases de formação e séries inicias do ensino fundamental. Um número considerável do conjunto dessas escolas oferta o ensino regular ea modalidade do supletivo. Embora a proposta pedagógica "Escola Candanga: Uma lição de cidadania " tenha sido instalada em 1995 em toda a rede pública do DF,a discussão aqui realizada acerca de sua implantação refere-se ao trabalho feito nas escolas subordinadas a DRET. A Escola Candanga é uma proposta político-pedagógica que tem como referência o Plano Quadrienal de Educação do DF (1995/1998) e os eixos definidos pelo Governo Democrático e Popular para a educação - gestão democrática, democratização do acesso escolar e da permanência do aluno na escola e qualidade na educação. A origem da denominação "candangos" é africana e significa, etimologicamente, mestiços trabalhadores pobres e sem especialização. 129 Na ocasião da construção de Brasília, passou a denominar os pioneiros anônimos que
vinham dos diversos locais do país e se aventuravam na utopia de criar uma nova capital para os brasileiros, em pleno cerrado central, mesclando vários sotaques e componentes culturais. A referida proposta "é revolucionária e não reformista, na medida em que se trata de uma proposta utópica" (Escola Candanga 1995a, p. 20). Sua natureza transformadora a faz assumir o compromisso de questionar a realidade, apontar mecanismos para sua superação e defender a criação coletiva de uma nova cultura escolar que reúna as esperanças de alunos, profissionais da educação e comunidade, com base em significados culturais diversos. A Escola Candanga possui um caráter crítico que questiona o conceito e a função da ideologia no meio social, concebendo o termo crise na perspectiva de um "momento criativo em que o antigo equilíbrio é rompido para dar lugar ao novo" (ibidem, p. 21 ). Lidando com conceitos complexos e desafiadores, redimensiona também as acepções de democracia, cidadania e realidade, reconhecendo essa última como algo dinâmico e comprometido com sua adaptação às novas idéias e não como algo pronto e acabado. Ao conceber a prática da construção coletiva como princípio e a democracia como uma invenção e construção cultural, essa proposta pedagógica distancia-se das concepções neoliberais por defender uma nova qualidade de ensino que, vinculada a valores éticos e humanistas, tenha sua origem na cooperação e não na competição. Sugerindo a construção de um currículo contrário ao tecnicismo e próximo do interacionismo sócio-histórico, vislumbra no professor um mediador do processo ensino-aprendizagem. Assentada em três grandes dimensões - filosófica, socioantropológica e psicopedagógica -, a Escola Candanga defende uma proposta curricular não reprodutora de verdades absolutas e busca "a crítica a estas verdades, porque desvela a aparência e mostra que o saber é também trabalho e, como tal, é produzido no tempo e no espaço pela ação humana" (ibidem, p. 48). Seu processo avaliativo é comprometido com a crítica da ação educativa, a interpretação de avanços e dificuldades do projeto pedagógico e o combate à avaliação classificatória e aos seus reducionismos limitados a aprovar/reprovar os alunos. Trata-se, por fim, de uma proposta pedagógica que adota uma nova lógica de organização curricular e redimensiona o tempo, o espaço e os conteúdos escolares, sugerindo o rompimento com a compartimentalização e a fragmentação das disciplinas. Historicizando o trabalho
Partindo das perspectivas pedagógicas apresentadas anteriormente, é que nos lançamos ao desafio de colaborar na construção dos projetos em rede de ensino, das 65 escolas públicas sob nossa coordenação, no período já mencionado. Para uma melhor compreensão da trajetória do trabalho desenvolvido, tentaremos fazer um breve histórico, apresentando algumas informações que sintetizem sua sistemática de acompanhamento. Basicamente, o trabalho foi organizado em três frentes: a) assessoramento às escolas na elaboração dos seus projetos, através da sistematização de encontros pedagógicos com suas equipes de direção e coordenação pedagógica; b) visitas locais àquelas escolas que solicitavam discussões acerca de sua proposta pedagógica; c) leitura e discussão dos projetos elaborados com as equipes que os sistematizaram, fazendo sugestões de sua implementação na perspectiva da Escola Candanga. Durante o ano de 1995, foram realizados 33 encontros, no período de março a novembro, sendo 11 com cada um dos três grupos, oportunizando discussões teóricometodológicas acerca da elaboração do projeto político-pedagógico e de temas de natureza pedagógica que, contextualizados na realidade de cada escola, objetivavam contribuir para a construção coletiva de sua proposta de trabalho. No final daquele ano, prazo acordado com as escolas para que apresentassem a primeira versão sistematizada de suas propostas, cerca de 10% delas tiveram dificuldades em realizar essa tarefa, o que nos levou, no início de março de 1996, a retomar o trabalho com esse grupo. Na mesma época, com as novas direções escolares eleitas para o biênio 19961997, promovemos encontros para contextualizá-las sobre o trabalho realizado no ano anterior. 131 Os projetos recebidos foram lidos, discutidos e devolvidos às escolas. Na perspectiva do assessoramento que já vínhamos prestando, apresentamos na ocasião algumas sugestões visando auxiliar o estabelecimento de alguns conexões com os referenciais teóricometodológicos da Escola Candanga. Nesse sentido, algumas recomendações gerais foram feitas para a segunda versão dos documentos: a) leitura e discussão, pela comunidade escolar, dos fundamentos político-pedagógicos e das diretrizes operacionais da referida proposta; b) análise do cotidiano das escolas, pelos vários seguimentos da comunidade escolar, inclusive pelos Conselhos Escolares também eleitos no final do ano de 1995; c) contextualização e operacionalização de coordenações pedagógicas interdisciplinares; d) acompanhamento sistemático do rendimento escolar das turmas, por modalidade e grau de ensino, visando combater a repetência e a defasagem da relação série/idade; e) discussão da organização curricular
baseada na transversalidade de temas e substituição de séries por fases de formação. Sendo todo projeto político-pedagógico inconcluso, os encontros pedagógicos mensais com os vários grupos continuaram em 1996. No início de I997, a segunda versão de todos os projetos foi lida e discutida com as escolas. As dificuldades percebidas na ocasião levaram à conclusão de que era preciso ampliar a discussão/capacitação em serviço para as equipes de coordenadores pedagógicos, cujo locus de atuação era a própria escola, com seus pares, no dia-a-dia do fazer pedagógico. Na realidade, estávamos constatando que, apesar de todo o esforço demonstrado, as direções escolares, sozinhas, não conseguiam atingir satisfatoriamente os professores e, por consequëncia, o cotidiano da sala de aula na discussão pretendida. As explicações para esse fato eram as mais diversas, merecendo destaque, neste momento, quatro delas: a) as dificuldades de natureza estrutural, como, por exemplo, número reduzido de pessoal nas equipes de direção escolar e na DRE para acompanhar e sistematizar as discussões com os diversos grupos; b) a relativa rotatividade dos grupos nas escolas, levando à necessidade de o trabalho ser constantemente retomado; c) a não-incorporação efetiva das propostas pedagógicas, por parte dos diversos grupos, tanto daquelas em construção na escola quanto das que estavam em andamento em nível da rede de ensino; d) as dificuldades/limitações, explicitadas ou latentes, no trabalho da Divisão Regional de Ensino, no que tange ao assessoramento que vinha sendo dado ao conjunto das escolas na construção dos seus projetos pedagógicos. Diante desse quadro; outras sugestões foram registradas em relação às possíveis implementações que cada projeto político-pedagógico poderia fazer, em face das especificidades de cada escola e do proposta pela Escola Candanga Por fim, em fevereiro de 1998, em virtude das preocupações já relatadas e pelo fato de no final do ano anterior terem ocorrido novas eleições para as direções das escolas públicas do DF (biênio 1998/1999), sentimos a necessidade de organizar um seminário pedagógico de cinco dias consecutivos com todos os novos gestores, tendo em vista a renovação de 1 /3 do quadro. O referido seminário foi realizado com um duplo propósito: a) socializar a discussão já acumulada nos três anos anteriores sobre a questão do projeto político-pedagógico; b) solicitar, de cada uma das novas equipes, a continuidade das reflexões do projeto em sua
escola, em consonância à proposta da rede de ensino. Ao longo do primeiro semestre, tanto com esse grupo quanto com aqueles que foram reeleitos, continuamos com discussões sistematizadas sobre a construção da identidade da escola sob sua gestão - o projeto político-pedagógico. 133 Eixos norteadores, indagações e pressupostos do projeto político-pedagógico Não sendo o objetivo aqui discutir questões teórico-conceituais acerca do projeto político-pedagógico da escola, faremos apenas algumas considerações a respeito dessa questão, a fim de que os eixos e pressupostos norteadores das propostas construídas pelas escolas públicas em destaque possam ser mais bem compreendidos. Segundo Veiga (1996), na reflexão e na construção desse tipo de projeto, o político e o pedagógico são indissociáveis. Assim, na concepção e ao longo do processo de construção do projeto político-pedagógico há uma intencionalidade explícita, visto que ele "parte da discussão coletiva de seus problemas e da busca de soluções para enfrentar os desafios de garantir, aos alunos, o direito de acesso e permanência na escola. Essa coletivização exige o compartilhamento de ações" (Bordignon e Veiga 1994, p. 51 ). Ao definir seu projeto, a escola, como instituição social cuja função básica é veicular e transformar o saber historicamente produzido nas relações sociais, deve considerar a variedade das práticas culturais nela presentes e distanciar-se de reducionismos interpretatìvos da realidade, visto que qualquer representação do social encontra suas raízes no aspecto ideológico. A escola pública, ao empreender essa tarefa, precisa perceber-se também como local de manifestações das contradições sociais e, para realmente legitimar sua adjetivação de "pública", aperfeiçoar seus mecanismos de atuação, democratizando suas práticas e abrindo-se de forma efetiva para todos aqueles que a procuram. É nesse sentido que a construção dos projetos político-pedagógicos de nossas escolas tem sido orientada na perspectiva da Escola Candanga e dos três pilares básicos definidos pela Secretaria de Educação do DF - qualidade de ensino, democratização do acesso e da permanência do aluno na escola e gestão democrática. Registrados os eixos que, como elementos inter-relacionados, têm sido os orientadores do trabalho ora objeto de análise, são interessantes algumas considerações a seu respeito, a fim de que possamos expressar 134 nossa compreensão sobre cada um deles e a forma como foram discutidos e internalizados pela rede de escolas.
A perspectiva da gestão democrática demanda da escola pública a criação de mecanismos de organização e participação da sociedade civil em suas práticas cotidianas, através de um processo de reflexão com todos os segmentos da comunidade educativa. Esse trabalho sugere a descentralização das tomadas de decisão e o engajamento efetivo de todos aqueles que se utilizam dos seus serviços. Tal processo de envolvimento, por seu turno, gera uma participação efetiva dos indivíduos que, "dando sugestões e influindo nas decisões, (...) podem contribuir para a tão propalada e pouco compreendida autonomia da escola" (Paro 1996, p. 42). O paradigma da gestão democrática pressupõe a viabilização de propostas compartilhadas de ações que estimulem a inovação e a autocrítica das organizações escolares. Essa reflexão, entretanto, só obterá êxito se a escola estabelecer um fecundo diálogo com a comunidade; um diálogo que não se esgote na prática de "marcar reuniões", mas que se traduza, sobretudo, na reflexão coletiva dos seus vários segmentos professores, alunos, pais, corpo técnico-administrativo, auxiliares da educação e a comunidade em geral. Obviamente, correm-se riscos quando é empreendida uma ação de gestão compartilhada. Refletindo acerca dessa questão e tomando de empréstimo os termos utilizados por Gadótti (1994), podemos enumerar três perigos que, em certo sentido, soam como possíveis equívocos: a) o populismo, que pode levar à supervalorização da opinião popular sem nenhuma avaliação crítica do que é proposto; b) o democratismo, que submete a amplos debates quaisquer tomadas de decisão, mesmo quando são elas de caráter eminentemente técnico; c) o centralismo, que sem realizar nenhuma consulta, toma decisões que são de natureza essencialmente política. Evitando promover reducionismos dessa natureza, a escola deve construir seu projeto político-pedagógico partindo de sua singularidade. Precisa, assim, assegurar a participação de todos, potencializar a criatividade e privilegiar a produção do grupo. Desse ponto de vista, é fundamental que a escola atente para a identidade dos sujeitos e as formas como eles podem redimensionar seu trabalho. André ( 1995, p. 90) 135 considera que cada um de nós assume, em suas práticas, "uma identidade pessoal/social, uma marca que o distingue dos outros indivíduos e que o leva a buscar certos objetivos. Mas essa identidade muda, amplia-se," transforma-se em decorrência do momento,
da cultura . No que tange à questão da qualidade de ensino, é preciso que entendamos que a mesma está no processo e que os processos são, essencialmente, relações: relações da escola com as pessoas, com as instituições e com a comunidade. Conceber a qualidade de ensino com base nas relações que os indivíduos estabelecem entre si no cotidiano escolar é perceber os sujeitos em suas singularidades, ou seja, como sujeitos sociais, visto que a multiculturalidade apresenta-se como uma das mais significativas referências dos nossos tempos. Além disso, o estudo da diversidade de situações desse cotidiano deve ser feito em relação a pelo menos três dimensões - pedagógica, institucional e filosófica (ibidem). A construção de um projeto político-pedagógico realmente comprometido com a melhoria da qualidade de ensino passa, portanto, pela percepção da escola sobre a condição dos indivíduos como sujeitos sociais. Especificamente em relação ao aluno, deve oportunizar a apropriação dos conhecimentos humanos e técnicos historicamente produzidos, na perspectiva de melhor contribuir para sua inserção crítica no contexto das relações sociais, em nível macro, como um ser que se humaniza, cada vez mais. Nesse enfoque, a escola não pode restringir suas práticas avaliativas à questão administrativa, uma vez que a perspectiva burocrática não é, de forma alguma, o mundo do conhecimento (Demo 1997). Considerar essa dimensão implica afirmar que não basta, na busca da melhoria da qualidade de ensino, a participação isolada dos agentes educacionais. É preciso a participação efetiva e responsável de grupos que tenham objetivos comuns, visando a uma nova organização da cultura escolar e assegurando, por sua vez, a democratização do acesso e da permanência do aluno na escola, o que não será alcançado se não houver, no interior da mesma, uma reflexão crítica do conceito de cidadania. Promovendo amplos debates, a escola pode criar espaços para a discussão e a (re)significação da concepção de cidadania, efetivamente validando os pontos de vista contraditórios que surgem da reflexão coletiva dos grupos que participam da elaboração de suas respostas. Considerando isso e construindo seu projeto político-pedagógico, a escola pode transformar-se em centro de cidadania, na proporção em que define como objetivo central de suas práticas a cultura do sucesso escolar e a democratização dos mecanismos de acesso e permanência do aluno em seu interior. Está subjacente a essa perspectiva uma práxis educativa fundada nas seguintes premissas: a) a substituição da cultura da repetência e do insucesso pela cultura da competência e do
sucesso do aluno; b) o combate ao estigma histórico, fortemente presente na escola brasileira, segundo o qual uns pensam e outros fazem; c) a adoção e o amadurecimento de práticas coletivas e democráticas de gestão escolar; d) o distanciamento de ações de natureza centralizadora e autoritária. Nessa dinâmica de discussão coletiva, os profissionais da educação refletem acerca do projeto político-pedagógico a ser construído pela escola na qual atuam e descobrem alternativas de (re)valorização do seu trabalho, percebendo-se efetivamente como sujeitos do processo educacional. O desafio lançado, portanto, é o da construção de um projeto que, discutindo as fraquezas e forças da escola, redimensione e revitalize a prática pedagógica. 137 Em outro sentido, é preciso refletir que qualquer proposta de reorganização do trabalho escolar sugere o levantamento de indagações e pressupostos que orientem e assegurem, com a devida coerência, o pensar e o agir dos vários segmentos envolvidos na construção do projeto político-pedagógico. Destacamos, a seguir, as principais indagações apresentadas aos vários segmentos das unidades de ensino vinculadas, rumo à construção dos seus projetos: a) Historicamente, que visões de mundo têm orientado a práxis pedagógica dos nossos sistemas educacionais? b) Que paradigma social tem sido reproduzido ou emergido de nossas práticas escolares cotidianas e como construir a identidade da escola? c) Que concepção de homem está implícita ao processo educacional do qual participamos e que propostas temos para construir o projeto político-pedagógico de nossa escola? d) Que pressupostos e implicações político-pedagógicas levantamos acerca do ato educativo e como mudar as atuais perspectivas do gerenciamento escolar? e) Que elementos concebemos como importantes na construção do projeto pedagógico de nossa escola? Reflexões dessa natureza têm perpassado o nosso trabalho por acreditarmos que, preservando a dimensão coletiva, o projeto político-pedagógico pode instrumentalizar e orientar a comunidade educativa no equacionamento realista dos problemas da escola, além de abrir possibilidades de intervenção em suas práticas. Subjacente a esse entendimento, a proposta político-pedagógica discutida pela DRET em suas escolas, no período de 1995-1998, está fundamentada nos pressupostos filosóficos, epistemológicos, sociológicos e didático-metodológicos, explicitados a seguir. Em termos filosóficos, a visão de homem discutida é a de um ser histórico, engajado e
sujeito de suas próprias ações na totalidade social, sejam elas de natureza social, política ou eminentemente pedagógica, ou seja, a concepção prevalente refere-se a um indivíduo que deve usar suas capacidades intelectuais, psicomotoras e afetivas para a transformação das estruturas e instituições sociais. Na dimensão epistemológica, partimos da tese de que a gênese do conhecimento está no imbricado jogo das relações sociais, sendo 0 conhecimento e a realidade construídos e transformados coletivamente, ocorrendo seu processo de apropriação, sobretudo, via socialização e democratização do saber. Nossa concepção de educação possui, portanto, um duplo sentido: favorecer a assimilação e a sistematização do saber historicamente produzido na teia das relações sociais e fomentar a necessidade de sua (re)elaboração constante, com base na reflexão crítica dos conteúdos da estrutura social. Como pressupostos sociológicos, podemos apontar duas premissas básicas. Primeiro, o reconhecimento de que, em virtude da dimensão histórica da luta de classes, toda sociedade evidencia conflitos, contradições e paradoxos que permeiam as relações pessoais e institucionais. Segundo, o fato de que, não estando ilhada dos jogos e práticas sociais, a escola também não está imune aos problemas gerados nas várias esferas da totalidade social, o que ocorre fundamentalmente em decorrência das relações de poder presentes em seu interior. Quanto aos pressupostos didáticó-metodológicos, entendemos que a sistematização do processo educativo precisa ocorrer oportunizando a todos a assimilação ativa e crítica dos conteúdos, por meio de metodologias participativas e contextualizadas, levando-os a avanços em suas representações do real, sendo o professor um catalisador desse processo; mediatizados por uma relação pedagógica humanizada e humanizante, profissionais da educação, pais e alunos são construtores do conhecimento e da realidade. Em relação a esses pressupostos cabem duas observações. A primeira refere-se à reflexão interdisciplinar que a construção de todo projeto político-pedagógico deve ter, o que é duplamente importante: a) porque pode minimizar as consequências negativas da fragmentação do saber, historicamente presentes na organização do trabalho pedagógico; b) porque, relacionando diversas interfaces do conhecimento, a interdisciplinaridade, concebida para além da questão didático-metodológica e interpretada como construção crítica do conhecimento, contribui para abordagens curriculares e gerenciais mais contextualizadas e abrangentes a seu respeito. A segunda ponderação diz respeito à materialidade escolar. Obviamente, na concepção, na execução e na avaliação de qualquer projeto-político pedagógico a dimensão
material da escola também deve ser posta em relevo, não devendo esse aspecto ser reduzido à "adequação das condições físicas ao ensino". Pelo contrário, sua acepção precisa ser redimensionada e relacionada também à valorização dos profissionais da educação e aos recursos didático-pedagógicos colocados à disposição 139 de professores, alunos e comunidade em geral. Também a organização de tempo, espaço, seriações e a dimensão hierárquica são aspectos relacionados à questão da materialidade da escola, devendo, sem sombra de dúvida, ser analisados na elaboração de qualquer projeto. Pressupondo que ninguém cria do nada, é razoável supor que qualquer projeto pedagógico necessita assegurar certa base material. Contudo, dependendo do seu nível de solidez, ele pode contribuir para a conquista de condições materiais mais favoráveis à sua viabilização, de forma que a escola não resuma suas práticas e forças aos problemas do dia-a-dia, mas aprenda a pensar e propor ações a médio e longo prazos, ou seja, viabilize a construção coletiva do seu projeto político-pedagógico. A persistência de alguns dilemas Pressupondo que todo projeto político-pedagógico demanda um tempo de amadurecimento, é natural que ao longo do período de coordenação do trabalho aqui analisado, situações curiosas tenham surgido e continuem sendo observadas, algumas sugerindo estarmos no caminho certo, outras nos alertando para a necessidade de retomar as discussões. Insistindo com cada uma das escolas na idéia de que o processo de construção do seu projeto político-pedagógico precisa continuar ocorrendo no coletivo, destacamos, a seguir, alguns avanços e recuos constatados na tarefa realizada, a partir de 1995. Nas fragilidades evidenciadas, a necessidade de retomar (sempre) o percurso 1) A primeira dificuldade a destacar refere-se às concepções de projeto expressas por várias escolas, apesar das discussões teóricas feitas com suas equipes de direção e coordenação pedagógica, durante um considerável período de tempo, e de reflexões locais com os diversos grupos. As posições têm se mostrado de forma diversificada, algumas desconsiderando, inclusive, a trajetória e a tradição que a escola possui, ou seja, traços importantes de sua identidade nem sempre têm merecido o devido destaque na concepção de suas propostas pedagógicas. As confusões conceituais sobre o projeto político-pedagógico, no âmbito do trabalho aqui analisado, evidenciam imprecisão terminológica a seu respeito, levando alguns grupos a ele se referirem ora como .`projeto", ora como "plano anual de ação" e ora, ainda, como "cronograma das atividades da escola". Apontamos, como uma das explicações para esses equívocos, o fato de alguns dos projetos, ao serem lidos à luz da crítica a eles necessária,
deixarem transparecer certo "personalismo" de gestão e não o resultado de discussões coletivas refletidas e incorporadas por todo o grupo. O ranço tecnicista na formação dos docentes e gestores escolares apontou, muitas vezes, para o saudosismo autoritário dos já cristalizados "planos de ação anuais", dificultando a compreensão de que a escola, aprendendo a pensar a médio e longo prazos, constrói sua própria identidade. para um certo grupo, o "planejamento anual da escola", embora aqui reconheçamos sua pertinência a uma boa administração, "correspondia" ao projeto políticopedagógico, o que, por motivos óbvios, não poderia ter uma relação de equivalência e sim de complementaridade e/ou coexistência. Acrescente-se a isso o fato de alguns grupos mostrarem, na concepção do projeto político-pedagógico, pouca clareza de que esse, mesmo precisando ter o presente como principal referência e gerador dos elementos que irão definir seus limites e suas possibilidades (Weber 1996), deve voltar-se também para o futuro e considerar o passado. 2) Certamente o amadurecimento das idéias e estratégias necessárias à construção do projeto político-pedagógico da escola precisa acontecer dentro de um grupo. Entretanto, em decorrência de uma gama de fatores, a rotatividade e a constante necessidade de recomposição das equipes de direção e coordenação pedagógica sem dúvida representaram sérios entraves à continuidade do trabalho de elaboração dos projetos ora em destaque. Em dois momentos do trabalho foram substituídos, em nível da rede local de ensino, um considerável número de direções escolares, em virtude de variáveis políticas e do retorno da eleição direta para essa função em novembro de 1995. Agravando essa situação e mostrando a necessidade de aprimoramento do processo democrático em nossas escolas, observamos que várias das direções recém-eleitas pareciam ter mais urgência em atender aos grupos que as apoiaram no pleito eleitoral do que articular, com a coerência necessária, as demandas específicas desses grupos à realidade da escola, traduzida nas necessidades e nos interesses dos seus diversos segmentos, considerando, entre outros fatores, a rotatividade de pessoal. Nesse sentido, é evidenciada pouca compreensão, por parte de alguns grupos, de que a "a ação política da educação se cumpre na medida em que ela se realiza enquanto prática especificamente pedagógica" (Saviani 1991, p. I 00). 141 3) Em relação aos temas predominantes nas discussões das escolas, cabem também alguns destaques. Respaldados pelos encontros sistematizados com as equipes de direção e
coordenação pedagógica durante esses quatro anos, pelas visitas periódicas que realizamos nas escolas e pelas análises dos relatórios escritos-documentos que tivemos a oportunidade de ler, discutir e em relação aos quais sugerimos implementações -, pudemos perceber os dez temas mais refletidos pelas 65 escolas, aqui apresentados em ordem decrescente: a) abordagem conceitual e operacional do projeto político-pedagógico; b) avaliação; c) gestão democrática; d) qualidade de ensino; e) democratização do saber; f) conselho de classe; g) conselho escolar; h) regimento escolar; i) currículo; j) interdisciplinaridade. É bem verdade que os eixos norteadores da proposta pedagógica da rede foram bastante discutidos, embora uma análise mais detalhada dessa questão abra espaço para algumas considerações. Por exemplo, mesmo o eixo da gestão democrática tendo sido objeto de muita reflexão e apesar de termos observado, em muitas de nossas escolas, práticas gerenciais que expressavam coerência entre o dito e o feito, em várias outras, manifestavamse, muito claramente, algumas contradições, talvez pelo fato de que os diretores tinham passado por um processo de eleição e também pela pouca experiência democrática presente no cotidiano de nossas escolas. Por esse ângulo, foi possível constatar que alguns gestores, apesar de veicularem o discurso da gestão democrática, pareciam entender que o caminho para tratar, por exemplo, a indisciplina de adolescentes e jovens adultos e manter a "qualidade de ensino" das escolas sob sua direção seria "aconselhar" os alunos problemáticos a irem para outro estabelecimento de ensino ou, quando muito, para o turno noturno. Essa prática, além de autoritária, revela contradições também em relação ao coletivo que a rede tem tentado construir, com base na democratização do acesso e da permanência do aluno na escola. Ainda em relação à gestão democrática e ao processo de eleição direta para direção de escola, muitas vezes temos constatado, por parte de vários professores que têm ocupado essa função, a verbalização de um compromisso bem mais atrelado aos grupos que asseguraram suas vitórias nas urnas do que à proposta pedagógica da rede de ensino. Ao discutir o conceito de democracia representativa, Santos (1995, p. 270) nos alerta que ela "constitui até agora o máximo de consciência política do capitalismo. Este máximo não é uma quantidade fixa, é uma relação social". O mesmo autor explicita também que o aprofundamento da democracia representativa, na perspectiva de outras formas mais complexas do fazer democrático, conduz ao aumento máximo da consciência possível. Retomando a questão anterior, é preciso, sem nenhuma dúvida, atentarmos para as
potencialidades de a eleição de diretores concorrer para a democratização do espaço escolar, mas devemos também encará-la apenas como um dos componentes desse processo. Talvez por isso, ao serem representantes de determinados grupos, alguns dos gestores tenham expressado pouca familiaridade com a necessidade de compatibilizar e equacionar problemas ligados, simultaneamente, ao ambiente micro, correspondente à sua escola, e o macro, representado pela política educacional proposta para a rede pública de maneira geral. 143 4) Outro dilema que enfrentamos e procuramos minimizar, ao longo destes quatro anos de trabalho, refere-se a aspectos gerais da formação técnico-pedagógica dos profissionais que dirigiam e/ou atuavam na coordenação pedagógica das escolas. Mesmo o trabalho de assessoramento tendo sido sistematizado em uma série de encontros periódicos durante todo o processo, a rotatividade dos grupes e os aspectos cristalizados na formação docente contribuíram fortemente para a persistência de alguns problemas, atestando a pertinência de críticas sobre a contribuição das faculdades de educação na formação do professor. Além disso, é preciso ponderar o fato de a maioria ser composta por especialistas com pouca formação pedagógica, dirigindo e/ou coordenando escolas pela primeira vez. 5) Uma quinta fragilidade verificada relaciona-se à questão da pesquisa do cotidiano escolar, o que demandou um insistente trabalho de reflexão com os grupos sobre a necessidade de professores e gestores do sistema de ensino público conscientizarem-se de que podem e devem ser também pesquisadores. Em decorrência das lacunas deixadas na formação docente, habilidades importantes à pesquisa não se faziam muito presentes, visto que na construção dos projetos político-pedagógicos grande parte dos interlocutores que estavam à frente da discussão com seus pares nas escolas apresentava consideráveis dificuldades em, por exemplo, "realizar observações, fazer registros, coletar informações sem viesá-las, usar esquemas de análise e de sistematização de informações, registrar por escrito suas idéias e práticas bem-sucedidas ou não, saber argumentar" (Marin 1998, p. 480). 6) Constatamos também incoerência entre o discurso veiculado e a prática realizada. Assim, enquanto o discurso propalado tem deixado transparecer a compreensão de que cada escola possui suas singularidades, distinguindo-se das demais em sua prática pedagógica (o que é absolutamente verdadeiro), e que, por isso, cada comunidade escolar precisa amadurecer, coletivamente, sua proposta pedagógica, na prática observamos uma insistência para que fosse fornecido, logo no início dos trabalhos, ou seja, ainda em 1995, um "roteiro prático de
como fazer o projeto". Entretanto, se é verdade que a literatura que aborda essa questão tem apresentado valiosas colaborações ao discutir os componentes do projeto políticopedagógico (Pimenta 1993; Gadotti 1994; Marques 1994; Ferreira Neto 1996 e Veiga 1996; por exemplo), também é verdade que sua proposta é refletir sobre todos eles, evitando promover reducionismos a seu respeito, de forma a não resumi-los à simples condição de um "roteiro" rígido. Diante desse impasse, foi possível observar que, apesar de ter sido empreendido enorme esforço para que todos os segmentos intra e extraescolares debatessem e construíssem, coletivamente, seu projeto político-pedagógico, em várias escolas, os grupos expressaram grande dose de ansiedade, sugerindo que o melhor caminho à realização dessa tarefa seria uma equipe "sistematizar" a discussão e traduzi-la em um documento, que depois seria entregue à DRET, como instância intermediária da SE/FEDF. 7) No se que refere às estratégias adotadas pelas escolas para discutir a construção do projeto político-pedagógico, verificamos que elas foram, até certo grau, diversificadas, destacandose: a) reflexões baseadas na exploração de textos específicos e cartazes abordando a questão; b) discussões, por coordenações de área, entre corpo técnico-pedagógico, direção e professores; c) reuniões extraordinárias com pais e alunos; d) reuniões bimestrais, por ocasião da realização de Conselhos de Classe participativos ou não e outros eventos promovidos pela escola, envolvendo professores, pais, alunos e demais servidores. É preciso ponderar, entretanto, que a prática tem demonstrado que muitas vezes, nesses espaços, os discursos e as tomadas de decisões têm assumido "pesos" diferenciados. Dito de outra maneira, ainda é muito forte a cultura do ouvir e concordar e não a cultura do promover rupturas rumo à decisão e à intervenção no pensar e fazer da escola. 8) Quanto aos segmentos envolvidos nas discussões pelos três grupos de escolas, constatamos que o maior número de encontros foi realizado entre os professores e as direções escolares. Em segundo lugar, a opção foi pela ampliação dessa reflexão para pais, professores e direção, enquanto o envolvimento dos alunos e demais funcionários da escola (corpo administrativo, vigias, merendeiros etc.) e outros segmentos organizados da sociedade civil foi bem menos freqüente. A principal insuficiência que se aponta nesse caso são as
dificuldades consideráveis que a escola ainda apresenta em articular um discurso de reflexão coletiva com uma prática da mesma natureza. 144 Esses dados revelam a necessidade de essa questão ser redimensionada visando a práticas mais coletivas, mesmo se reconhecendo as dificuldades naturais que envolvem a organização do trabalho pedagógico, como, por exemplo, aspectos burocráticos e a utilização do tempo no interior da escola. É razoável supor que essa prática deixa transparecer, no que se refere às formas de organização do trabalho escolar, indícios de um corporativismo que aqui é compreendido como "uma forma de organização de interesses e, sobretudo, uma forma de intermediação de interesses com características muito determinadas" (Almeida 1994, p. 53). 9) Quanto às dificuldades que as escolas alegam ter enfrentado ao longo da construção dos seus projetos político-pedagógicos, apesar de apontadas nas mais diversas naturezas, é possível abordá-las em cinco grupos: a) resistência, insegurança e pouco envolvimento de muitos professores e da comunidade na participação de uma nova proposta de educação; b) inexperiência em gestão democrática, o que seria "determinado", segundo alguns dos interlocutores, pelas gestões passadas que, tendo sido autoritárias e tecnicistas, incentivaram as pessoas ao isolamento dentro dos espaços escolares; c) excesso de atividades docentes, burocráticas e cotidianas, todas sendo encaminhadas ao mesmo tempo e solicitando, simultaneamente, experiência em trabalho em equipe e um ambiente "favorável", condições essas "praticamente inexistentes nas escolas" d) muitas expectativas em torno das eleições diretas para diretores criando um clima competitivo e levando grupos, com interesses diversos, a promover "boicotes" às ações de quem está dirigindo a escola, objetivando comprometer sua competência; e) desconhecimento considerável sobre o que é o projeto político-pedagógico, como construí-lo e a forma como ele poderia . "ajudar a direção no combate aos regimentos escolares autoritários" que não atendem às necessidades da escola. Notadamente sobre essa última dificuldade, cabem três observações. Primeiro, ela deixa transparecer, além das imprecisões conceituais, a não-compreensão de que o projeto político-pedagógico é inconcluso e se faz em processo. Segundo, porque o referido projeto não pode ser revestido de ilegalidade nem tampouco sua finalidade precípua é combater a burocracia", mas (re)interpretá-la e com ela conviver numa outra perspectiva. Terceiro, a função do diretor aí implícita merece ser ampliada. Na realidade, esse profissional nem está
somente subordinado ao Estado nem tampouco vive numa sociedade anárquica, de forma que "é preciso pensar na substituição do atual diretor por um coordenador geral da escola que não seja o único detentor da autoridade, mas que esta seja distribuída, junto com a responsabilidade que lhe é inerente" (Paro 1996, p. 132). 10) Talvez um dos fatores que mais contribuam para os percalços enfrentados pelas escolas na construção do seu projeto político-pedagógico seja a dificuldade de deflagrar ações em seu cotidiano, visando corrigir as disfunções detectadas, após as discussões com todos os segmentos que lhes dizem respeito. Nesse sentido, é bem verdade que grande parte de nossas escolas tem empreendido um trabalho até considerável, procurando combater a' cultura da ausência de participação, da não-delegação de competências e do isolamento dos seus membros em um mesmo espaço e tempo. Obviamente, a superação dessa dificuldade requer a análise detalhada e criteriosa das formas de minimização e/ou resolução dos problemas da escola, levando seus grupos a avançar na consolidação de uma prática pedagógica engajada com a contemporaneidade. Entretanto, a efetivação das ações, infelizmente, nem sempre é traduzida na definição de prioridades e frentes de trabalho condizentes com a realidade trabalhada, visando superar o plano do instituído e avançar rumo à perspectiva do instituinte que caracteriza o projeto político-pedagógico (Gadotti 1994). Em vários projetos analisados, tem sido possível perceber que as propostas de soluções para seus problemas nem sempre deixam transparecer a riqueza das discussões e dos trabalhos realizados na escola com os seus vários segmentos, como atestam os seguintes exemplos: a) "realizar reuniões na escola com professores e especialistas em assuntos diversos' b) "minimizar o impacto da transição da 4' para a 5' série"; c) "corrigir questões disciplinares, visando à melhoria da qualidade de ensino" d) "observar mais o caráter lúdico nas aulas de reforço" , e) "construir um projeto pedagógico que respeite a realidade da comunidade" f) "promover bons conselhos de classe, enfatizando mais os aspectos qualitativos"' g) "incentivar a interdisciplinaridade, fixando quadro na sala dos professores com os conteúdos por série/disciplina" h) "assegurar as propostas feitas pelos alunos". Ao que tudo indica, muitos dos grupos de direção e coordenação pedagógica trabalhados, ao encabeçarem a construção do projeto pedagógico de sua escola, parecem não ter percebido questões mais graves relativas à desvalorização do magistério que, "se bem que alimentada pelo desempenho de cada um, quer por decisão própria quer por imposição,
resultaria, principalmente no caso da escola pública, de orientações políticas pouco comprometidas com a construção da cidadania e da democracia" (Weber 1996, p. 74). Esse fato está associado à pouca clareza em relação a questões mais sérias sobre a formação do professor e suas repercussões no cotidiano escolar, no que tange, por exemplo, ao processo de desvalorização do seu trabalho. 147 11) Por último, porém não menos preocupante ou importante, cabe registrar uma fragilidade constatada em relação à dificuldade que enfrentamos, como DRE, na coordenação desse trabalho. Na perspectiva do assessoramento já explicitado, ao mesmo tempo em que deveríamos nos preocupar em avançar com a proposta da rede de ensino de forma geral, tínhamos que, por uma questão de coerência conceitual e pedagógica, respeitar os tempos e os espaços escolares de cada uma das unidades de ensino coordenadas, no que tange a sua singularidade e dinâmica próprias. Essa dificuldade tem determinado, em várias ocasiões, algumas situações de conflitos e a necessidade de termos que repensar formas de aproximação da escola, procurando não feri-la em sua autonomia, estimulá-la na busca dos caminhos de sua autogestão e, ao mesmo tempo, não perder de vista o processo de acompanhamento de construção do seu projeto político-pedagógico. O tempo de amadurecimento, reflexão, incorporação e viabilização das propostas pedagógicas é ímpar para cada escola e está sujeito à sua própria dinâmica que, por sua vez, não é igual à de nenhuma outra, em virtude das idiossincrasias dos seus atores. Imaginemos esse quadro em relação a um complexo de 65 escolas. No campo das possibilidades e dos avanços, o alcance da reflexão e ação coletivas Dentro da complexidade que toda escola é e possui, ao longo destes quatro anos foi possível constatar, além das fragilidades detalhadas no item anterior, avanços na construção do projeto político-pedagógico da Escola Candanga, notadamente no que se refere ao conjunto de escolas aqui trabalhado. Nesse sentido, podemos destacar: 1 ) Em virtude da necessidade de a escola perceber que o processo de construção do seu projeto político-pedagógico, ou seja, de sua identidade, precisa ser documentado, historicizado e avaliado, observamos uma sensibilização razoável para a questão da cultura do registro do pensado e vivido pela instituição escolar. Assim, temos constatado avanços nessa concepção, uma vez que, registrando sua ação e sua trajetória, essas escolas têm combatido a tendência de fazer muito, falar muito e documentar muito pouco o que é construído em seu cotidiano. 2) Outro avanço significativo refere-se à implantação e à implementação de Conselhos de Classe participativos em nível da rede de ensino local, contando com a
presença de pais, alunos, professores e corpo técnico-pedagógico da escola. 149 Esse exercício tem possibilitado avaliações mais contextualizadas, sob os diferentes olhares do ato de aprender e ensinar, significando um canal para a reflexão da democratização das práticas escolares. Apenas para ilustrar, vale ressaltar que em 1995 iniciamos o trabalho com apenas cinco escolas que adotavam essa modalidade de Conselho de Classe e, em 1997, encerramos o ano letivo com 46, de 1 e 2- graus desenvolvendo essa prática, mesmo havendo a clareza de que seus mecanismos de realização se diferenciam e precisam ser melhorados, à luz cia crítica da prática pedagógica. 3) Com a sistematização do trabalho, observamos que muitas escolas iniciaram o processo de discussão e construção do seu projeto político-pedagógicõ com uma certa timidez e, por que não dizer, descrença expressa pelos seus vários segmentos. Entretanto, ao longo do processo e, principalmente, nos dois últimos anos, tem sido considerável o entusiasmo de muitas delas nesse processo, o que vem sendo demonstrado pelo encontro de alternativas criativas para problemas cristalizados em seu cotidiano, como, por exemplo, os embates decorrentes da necessidade de avaliação da prática docente com os próprios professores, a dificuldade de estabelecimento de vínculos mais efetivos e produtivos com a comunidade e as reflexões acerca da circulação do poder nas várias esferas da gestão escolar. 4) O aumento do interesse em traçar e conhecer um perfil mais aproximado da comunidade a ser atendida pela escola, expresso por parte de quem tem estado à frente de sua direção e coordenação pedagógica. Constatamos que, na busca desse perfil - em seus aspectos socioeconômicos, políticos e culturais -, as escolas têm tentado orientar seu trabalho no sentido de correlacionar as necessidades e os interesses da comunidade às suas possibilidades de atendimento e aos eixos norteadores da proposta pedagógica da rede, procurando considerar os dados coletados na construção do seu projeto. 5) O estabelecimento de parcerias escola-comunidade aumentou consideravelmente nesse período, provocando, inclusive, a utilização dos espaços de muitas escolas em finais de semana e feriados. Esse avanço é muito interessante porque, tendo atendido seus objetivos culturais, lúdicos e políticos, diversos grupos passaram a se envolver mais efetivamente na busca de soluções para os problemas da escola. 6) Em termos de escola e sala de aula, é certo que houve um avanço no sentido de perceber a necessidade de os grupos que atuam nas escolas procederem a uma autoavaliação, no que tange à prestação dos serviços educacionais à comunidade levando-os, inclusive, à discussão de modelos avaliativos institucionais mais consoantes ao momento democrático atual, mediante formas sistemáticas e críticas do fazer docente. Esses exercícios avaliativos
têm se mostrado positivos e na perspectiva de um certo distanciamento dos modelos de avaliação externa e controladora que, tradicionalmente, têm desconsiderado o cotidiano da escola. Nessa dimensão, não só o ato de ensinar e aprender tem sido questionado em várias instâncias, mas também os paradigmas de gestão e as possibilidades de assegurar a participação de todos os segmentos nas decisões da escola através, por exemplo, dos Conselhos Escolares que, contando com representantes dos seus vários grupos, também passam por um processo de eleição direta, quase sempre simultâneo ao das direções. 7) Do ponto de vista da organização estudantil, notadamente as escolas de 2Q grau têm procurado lidar com á necessidade de promover discussões com seus alunos, revitalizando e oportunizando a participação desse segmento em nível de colegiados da escola, de grêmios estudantis, do I Congresso de Educação do Distrito Federal ( 1996) e das discussões e deliberações do Plano Quadrienal de Educação (1995/1998), visto que esses dois eventos demandaram também o engajamento de discentes, em nível de rede de ensino. Paralelamente, temos observado a preocupação dos centros educacionais prioritariamente voltados-para o ensino médio - em propiciar momentos de discussão e ações planejadas visando à conscientização desses grupos, em relação aos processos de despolitização e descaracterização sofridos pela organização estudantil dentro das escolas, em conseqüência da política educacional repressiva, ditada após 1964. 8) Na medida em que as escolas continuam construindo os seus projetos políticopedagógicos coletivamente, elas têm descoberto e procurado viabilizar soluções para os problemas com os quais já conviviam há algum tempo. Nesse sentido, as escolas têm definido, executado e avaliado ações pedagógicas um pouco mais sistematizadas tratando de quesitos diversos, como, por exemplo, revisão dos modelos de gerenciamento e constituição dos seus colegiados, monitoria, recuperação, leitura intertextual, teatro na escola, valorização da vida em programas de 151 terceira idade, tratamento da indisciplina nos seus aspectos pedagógicos, abordagens curriculares interdisciplinares e baseadas em temas transversais etc. 9) Um outro aspecto significativo, sem dúvida, refere-se ao processo de formação continuada centrada na escola que tentarmos desenvolver durante estes quatro anos, traduzido na sistematização dos encontros e das discussões pedagógicas com os diversos grupos. Mesmo reconhecendo que o alcance de tal capacitação, via equipes de direção e coordenação pedagógica, entre professores e alunos, está longe de ser o desejado, diante de dificuldades estruturais, como, por exemplo, o elevado número de docentes e discentes na rede de ensino
local, reconhecemos que a reflexão sobre o projeto político-pedagógico foi possibilitada, em certa medida, em nível de escola. A continuidade dessa discussão nos três últimos anos foi assegurada pelas equipes, notadamente em relação à transversalidade temática proposta pela Escola Candanga, a alguns aspectos pedagógicos importantes para a qualidade de ensino e a certas questões polêmicas relativas ao gerenciamento escolar, na dimensão da gestão democrática. 10) U aguçamento da crítica e da autocrítica em relação às práticas de gerenciamento e à atuação dos órgãos colegiados da escola, revelado na fala e nas ações de diferentes grupos - pais, alunos, direções, coordenadores pedagógicos, orientadores educacionais e outros funcionários da escola -, também deve ser destacado. Certamente, apesar das fragilidades já mencionadas em relação ao paradigma da gestão democrática, reconhecemos que o redimensionamento dessa questão foi bastante influenciado pelas polêmicas levantadas, em nível de escola e da rede local de ensino, a seu respeito. Em conseqüência da reflexão sobre a indissociabilidade do político e do pedagógico na construção do projeto e dos exercícios/ensaios de (auto)crítica de suas práticas gerenciais, temos constatado também um redimensionamento da concepção e da operacionalização dos eventos culturais organizados pelas escolas, percebendo-se em relação aos mesmos, simultaneamente, o afastamento do caráter meramente festivo e a aproximação do compromisso com questões e encaminhamentos, digamos, mais político-culturais. 11 ) Para concluir este item, vale a pena destacar um último ponto: o aumento da capacidade de absorção/expansão da rede, visando à democratização do acesso e da permanência do aluno em seu interior, observado no conjunto das escolas aqui destacadas. Obviamente, a elasticidade do sistema é decorrente de vários fatores, inclusive da pressão que os grupos sociais fazem na perspectiva de exercitar sua cidadania. Mesmo assim, é importante ressaltar que, como eixo orientador dos projetos político-pedagógicos formulados, a democratização do acesso dos espaços escolares foi objeto de constante reflexão durante as várias etapas do trabalho. Desde o início ( 1995), houve preocupação sistemática em desencadear discussões críticas sobre parâmetros importantes na definição dessa questão e busca da melhoria da qualidade do ensino ofertado por essas escolas. Sob esse ângulo, é interessante lembrar que, em um plano mais geral, ou seja, do Distrito Federal, os avanços na qualidade de ensino têm sido reconhecidos nacionalmente, apesar de ainda persistirem muitos dilemas e recuos em seu processo de construção. Mesmo que as avaliações tenham sido feitas utilizando-se da metodologia de "cortes" no sistema de
ensino, "os resultados em termos de melhoria dos padrões educacionais são visíveis e colocam a escola pública do DF em primeiro lugar no sistema de avaliação do ensino (SAEB) promovido pelo MEC em 1996" (Rumos da Mudança 2 1997, p. -15). Assim, constatamos não só um visível crescimento do número de alunos atendidos pelo conjunto das escolas, no período tratado neste artigo,b mas também a busca da elevação da qualidade de ensino da rede local, ainda que a mesma esteja muito distante do desejado. De qualquer forma, a discreta melhora constatada serve de referencial e indicativo para o replanejamento das diretrizes centrais, intermediárias e locais voltadas para a educação pública do DF e, mais especificamente, para as escolas vinculadas à Divisão Regional de Ensino de Taguatinga. 152 Sinalizações Sem dúvida, a concepção, a implantação e a implementação de propostas pedagógicas que se propõem alterar, em um sentido mais amplo, as atuais formas de organização do trabalho pedagógico representam, simultaneamente, um compromisso e um desafio, diante da diversidade e da cristalização de acepções e práticas que convivem no cotidiano escolar nos planos local (escola), intermediário e central. Sob esse ângulo, o exercício feito na coordenação de discussão e construção do projeto político-pedagógico das 65 escolas públicas de Taguatinga-DF, à luz da concepção da "Escola Candanga: Uma lição de cidadania", nos últimos quatro anos, não poderia ir em sentido contrário ao afirmado acima, como demonstram os avanços e recuos discutidos anteriormente. Entretanto, mesmo não nos dando a certeza de que cada uma dessas escolas conseguiu construir, com a clareza, a precisão e a articulação desejadas, a sua proposta, os avanços obtidos na trajetória percorrida deixam-nos a certeza de que é possível a construção coletiva, em nível de rede escolar, procurando superar suas fragilidades e implementar o que tem dado certo. Desse ponto de vista e tendo clareza da especificidade de sua proposta, a escola pode ousar rumo a perspectivas mais críticas e voltadas para a formação de um homem que, assumindo suas referências espaço-temporais, ou seja, sua historicidade, posiciona-se como agente transformador, capaz de imprimir um caráter humanizador às estruturas sociais. Por acreditarmos nisso é que o princípio adotado em nossas discussões com as escolas coordenadas não tem se esgotado no tácito reconhecimento da escola como um feudo das classes dominantes, nem na redução de suas práticas a um espaço de reprodução social. Pelo
contrário, o trabalho tem procurado dialetizar-se, enfatizando a necessidade cta construção coletiva do projeto político-pedagógico, como alternativa à reafirmação da escola como um foco de resistência e elaboração de possíveis contra-hegemonias, via práxis pedagógica. Também tem sido possível perceber que, apesar das dificuldades apresentadas, é possível avançarmos, como rede de ensino, na definição de modelos de gestão escolar mais voltados para a participação e o engajamento coletivo dos vários segmentos da comunidade escolar, buscando suas repercussões positivas no âmbito da sala de aula. Por outro lado, a perspectiva da gestão democrática tem nos levado a verificar que a escola pública precisa criar mecanismos de organização e participação da sociedade civil em suas práticas cotidianas. Essa reflexão sugere um processo de descentralização das tomadas de decisão ea participação efetiva daqueles que se utilizam dos serviços educativos na definição, no acompanhamento e na avaliação do que a escola se propõe realizar com todos os grupos sociais que a buscam. Enfim, buscando reflexões dessa natureza e preservando a dimensão coletiva, a proposta político-pedagógica de qualquer organização escolar deve ser delineada visando instrumentalizar e orientar a comunidade educativa no equacionamento realista dos seus problemas e possibilidades de intervenção em suas práticas pedagógicas, tarefa que se torna mais desafiadora quando empreendida em nível de rede. 155 Bibliografia Almeida, Maria Hermínia Tavares de. O corporatïvismo em declínio? In: Anos 90: Política e sociedade no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1994. André, Marli Eliza D. Etnografia da prática escolar. Campinas: Papirus, 1995. Bordignon, G. e VEIGA. I.P.A. Painel N: O projeto político-pedagógico da escola Relatório. In: O projeto polílico-pedagógico da escola. Brasília: MEGSE, 1994. BRASIL. MEC. Escola plural: Proposta político-pedagógica. Brasília: MEGSEF, 1994. DEMO, Pedro. A nova LDB-Ranços e avanços. Campinas: Papirus, 1997. FAZENDA, Ivani C.A. Interdisciplinaridade: História, teoria e pesquisa. Campinas: Papirus, 1994. Ferreira Neto, Augusto. Projeto político-pedagógico da escola. In: Revista AMAE. Belo Horizonte, 1996. FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DO DF/DEPARTAMENTO DE PEDAGOGIA. Escola Candanga: Uma lição de cidadania. Brasília: FEDF, 1995a. _______________. Escola Candanga-Coordenação pedagógica. Brasilia: FEDF, 1995b. _______________.Escola Candanga - Projeto político-pedagógico. Brasília: FEDF, 1995c _______________. Escola Candanga: As fases de formação. Brasília: FEDF·, 1997. GADOTTI. M. Pressupostos do projeto político-pedagógico. In: O projeto político-
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Ana Maria de Albuquerque Moreira* A elaboração, a execução e a manutenção do projeto político-pedagógico da escola envolvem, em suas discussões e propostas de ação, aspectos fundamentais relacionados com a administração de uma unidade escolar. Entre esses, destaca-se a gestão dos recursos financeiros pela própria escola, o que levanta questões como autonomia e participação. Em 1995, o Ministério da Educação e do Desporto-MEC, por intermédio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação-FNDE, deu início ao Programa de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino-PMDE, que promove o repasse de recursos financeiros da União diretamente às escolas públicas de ensino fundamental. Com isso, surgem possibilidades para a efetivação de políticas e práticas educacionais que reforçam a caracterização da escola como centro do processo de ensino e, como tal, gestora de suas disponibilidades. 159 Essa posição é destacada na vigente Lei de Diretrizes e Bases da Educação que, de acordo com Romão ( 1997), "abriu espaços é instrumentos legais de afirmação da centralidade da unidade escolar (grifo nosso) nos sistemas educacionais". Determina a referida lei, em seu Art. 12, que são incumbências dos estabelecimentos de ensino "elaborar e executar sua proposta pedagógica" (Inciso I), e "administrar seu pessoal e seus recursos materiais e financeiros" (Inciso II). Essas incumbências marcam a necessidade de formulação do planejamento da instituição de ensino, especificando os fins educacionais e encaminhando a gestão, inclusive financeira, necessária à sua execução. A intenção do presente estudo é verificar a aplicação dos recursos financeiros públicos pela própria unidade escolar em direção a uma proposta de qualidade de ensino, que se entende expressa em seu projeto político-pedagógico. Para tanto, vem-se pesquisando a implantação do Programa de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino-PMDE, conhecido como "Dinheiro na Escola", em duas escolas da rede pública de ensino fundamental do Distrito Federal, procurando detectar as possíveis alterações provocadas por uma outra forma de gestão de recursos financeiros federais, feita diretamente pela unidade escolar. Mais especificamente, objetiva-se compreender em que medida a possibilidade de ampliação da autonomia da escola na gestão de seus recursos pode contribuir para o desenvolvimento de um ensino de boa qualidade. É certo que, além dos recursos provenientes do PMDE, as escolas recebem e administram com autonomia outros investimentos destinados ao seu funcionamento, como,
por exemplo, a participação das Associações de Pais e Mestres e os recursos do Suprimento de Fundos, aplicação do governo do Distrito Federal destinada à manutenção e ao desenvolvimento do ensino. Por que então o PMDE? Porque envolve políticas públicas de descentralização/desconcentração no financiamento da educação e possibilidades de a escola ter autonomia para gerir recursos públicos federais. As questões descentralização/desconcentração e autonomia estão presentes nas reformulações implementadas na área educacional no país a partir da década de 1980, inseridas no processo de democratização em oposição ao regime autoritário vivido até então (Costa 1997). Esses conceitos serão abordados neste texto como referencial de análise do PMDE como uma proposta governamental de descentralização. Considerando, ainda, como pressuposto teórico o eixo relativo à gestão na condução do projeto político-pedagógico (Veiga 1995; Pinheiro 1998), a análise dos dados coletados na Secretaria de Educação do Distrito Federal e nas escolas vem sendo elaborada por meio da concepção de gestão democrática da escola, por trazer em seu bojo questões que envolvem autonomia e participação. Procura-se estabelecer relações entre essa concepção e a desconcentração dos recursos financeiros enviados às escolas públicas de ensino fundamental por meio do PMDE. Para iniciar a análise, discute-se primeiramente o que é o Programa de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental. "Dinheiro na escola" O Programa de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino-PMDE foi criado em 1995,~ pelo MEC, com a finalidade principal de enviar recursos federais diretamente às escolas públicas estaduais e municipais de ensino fundamental, para melhorar o atendimento de suas necessidades básicas, tais como: - manutenção, conservação e pequenos reparos da unidade escolar; - aquisição de material de consumo necessário ao funcionamento da escola; - capacitação e aperfeiçoamento de profissionais de educação; - aquisição de material didático e pedagógico. 161 No ano de 1997 foram acrescentadas a essas finalidades: - aquisição de material permanente; - avaliação de aprendizagem; - implementação do projeto pedagógico e
- desenvolvimento de atividades educacionais diversas. O atendimento às escolas beneficiárias se processa por meio de convênios entre o FNDE e as prefeituras rnunicipais ou secretarias de educação. Para integrar o referido programa, é necessário que as escolas organizem suas unidades executoras próprias, entidades de direito privado, sem fins lucrativos, representativas da comunidade escolar e responsáveis pelo recebimento e pela aplicação dos recursos financeiros. No caso de escolas que não contam com as unidades executoras próprias, as prefeituras municipais ou secretarias de educação recebem esses recursos, aplicando-os em benefício das próprias escolas. Essas instâncias também administram os recursos de escolas que não atingem o quantitativo mínimo de alunos. No Distrito Federal, até 1997, as Associações de Pais e Mestres (APMs) funcionaram como unidades executoras. A partir de 1998, cada escola deve formalizar a criação de sua caixa escolar para gestão exclusiva dos recursos recebidos através do PMDE. O valor anual por escola é estipulado de acordo com o número de alunos, procurando-se beneficiar as regiões mais carentes - Norte, Nordeste e Centro-Oeste, com exceção do Distrito Federal. Aspectos particulares do PMDE chamam a atenção para uma reflexão mais profunda, como a relação entre as diferentes esferas administrativas públicas. Interessam, neste momento, aqueles que dizem respeito a uma proposta governamental de descentralização dos recursos federais e seus possíveis impactos em fatores determinantes para a universalização de um ensino de boa qualidade. A gestão democrática da escola pública, configurada em seu projeto político-pedagógico, é um desses fatores. Especifica o Manual de Procedimentos Operacionais Relativos à Transferência de Recursos às Escolas das Redes Estadual e Municipal de Ensino Fundamental, elaborado pelo FNDE, que "todas as ações serão orientadas com vistas à descentralização crescente, com o objetivo último de atingir diretamente a escola, contribuindo para o fortalecimento da sua gestão" (Brasil 1995, p. 10). Descentralização, de fato? 162 Descentralização ou desconcentração? Com relação à sua estrutura econômica e política, o sistema educacional brasileiro foi essencialmente organizado de forma centralizada. Propostas de descentralização desse sistema estão presentes na história da educação brasileira, desde o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova em 1932, passando pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1961 e recebendo maior destaque a partir das décadas de 1970 e 1980 (Oliveira 1994), em paralelo
ao movimento de democratização que tomou vulto no país. Nesse último período, mais especificamente nos anos 80, crescem reformas direcionadas à descentralização, principalmente no tocante às políticas sociais públicas, englobando o setor educacional (Arretche 1996). Na direção da descentralização, a Constituição de 1988 (Art. 21 l, Parágrafo 2~) determina a atuação prioritária dos municípios no ensino fundamental, como estratégia de modernização e qualificação do setor educacional. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, n 9.394/96, além de ressaltar a centralidade da unidade escolar em seu Art. 12, estabelece no Art. 15 que "os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público". Assim, a questão da descentralização se coloca não como uma ação dissociada do compromisso com a qualidade e a eqüidade, mas como uma possível estratégia mediadora para o alcance dos objetivos educacionais. ' Entende-se que um sistema educacional descentralizado, baseado em princípios democráticos de eqüidade no atendimento da população, com maior autonomia para a gestão da escola, poderia direcionar-se, dentro de um compromisso de busca constante, para um ensino de boa qualidade. As iniciativas de descentralização educacional no país foram desenvolvidas seguindo o "mito" de que a descentralização leva à 163 democracia, podendo proporcionar a participação popular na efetivação e no controle dos serviços públicos (Arretche 1996). Nesse sentido, a descentralização do sistema escolar é tida como essencial para a eficiência desse serviço, propiciando maior autonomia para a unidade escolar, inclusive no que diz respeito à devida aplicação dos recursos necessários à sua manutenção e ao seu funcionamento. Porém, essas medidas de descentralização efetivadas no país foram associadas à municipalização do ensino, principalmente do ensino fundamental, mas indicando a inexistência de um projeto nacional de descentralização, com políticas claramente definidas em âmbito federal, estadual e municipal, como ressaltam Almeida ( 1995) e Arretche ( 1996) em relação às demais políticas sociais, excluída a da saúde. Uma proposta nacional de descentralização incluiria, como explica Bordignon ( 1993), uma alteração nas relações estruturais do sistema educacional. Seria, portanto, essencial uma inversão do eixo decisório, passando esse da estrutura vertical para a
horizontal, tendo a escola no centro decisório, interligada às demais instâncias administrativas. A descentralização constitui um movimento de recuperação do poder de decisão, ato político voltado para um fazer pedagógico consciente e compromissado. Diferente da desconcentração, um mero deslocamento do centro de decisão, sem modificações significativas na estrutura do sistema. Costa et alii (1997) discutem os conceitos de descentralização e desconcentração, considerando o primeiro como "a redistribuição entre instâncias governamentais, entre poderes estatais e entre o Estado e a sociedade - de competências, recursos e encargos originários dos organismos centrais", e o segundo como "a perspectiva ou política que tem como finalidade transferir o espaço de decisão do nível central para as unidades executoras" (pp. 21-22). Melchior ( 1997, p. 32) enfatiza a mesma questão, relacionando-a, ainda, à autonomia da unidade escolar: As experiências vividas atualmente, que visam a uma maior autonomia da unidade escolar, não podem ser confundidas com o processo de descentralização. Descentralização, no ämbito das esferas públicas, é uma repartição ou delegação de poder que vai das esferas maiores para as menores. Assim, a União descentraliza para os Estados e Municípios e os Estados para seus Municípios. As experiências vividas de autonomia da unidade escolar são experiências de desconcentração de poderes dos órgãos centrais para a periferia, de órgãos da Secretaria da Educação para as unidades escolares. São ainda experiências limitadas pela legislação centralizadora que ainda vigora no país. Com base nesse pressuposto teórico e na avaliação de políticas públicas educacionais, verifica-se nas ações governamentais a ausência de um projeto nacional de descentralização. Assim, é possível identificar-se o PMDE não como uma proposta descentralizadora e sim como uma ação isolada de desconcentração no repasse de um dentre os diversos recursos financeiros destinados à manutenção e ao desenvolvimento do ensino fundamental. Além disso, não implica uma repartição ou delegação de poder entre esferas administrativas, como será adiante esclarecido na análise da implantação do programa nas escolas. Historicamente, os recursos federais eram transferidos às escolas por meio das secretarias estaduais e municipais de educação. Com o PMDE, abre-se a opção da transferência direta. A arrecadação dos recursos, bem como a determinação de regras para seu repasse e sua aplicação, permanecem como uma atribuição da União; apenas a forma de transferência é que foi alterada. Espera-se que tais iniciativas federais de desconcentração do financiamento da
educação, associadas a uma demanda crescente pela gestão democrática do ensino, abram espaços para uma real descentralização do sistema educacional brasileiro, o que ainda não é possível visualizar. Escola pública democrática: Gestão para a qualidade Os princípios democráticos que passaram a vigorar na sociedade brasileira, principalmente a partir da década de 1980, refletira-se também no crescimento da participação política individual, por meio do sufrágio universal. Tal crescimento reflete a concepção do voto como principal 165 instrumento da participação popular em regimes democráticos: "Já se observou que as eleições sempre valem como passos no rumo da democracia política: por mais precárias que sejam, sempre funcionam como um meio de influência popular e, portanto, de construção (ou consolidação) da democracia política" (Weffort 1992, p. 64). Essa mesma concepção de democracia, associada ao poder do sufrágio universal, estendeu-se também para o campo educacional com os processos de eleição de diretores de escola, que acabaram por se tornar um reducionismo da idéia de gestão democrática. Esse enfraquecimento conceitual foi um dos "desacertos" da forma como foi conduzida a democratização da educação, que acompanhou um movimento político maior da sociedade em oposição ao autoritarismo vivido no país há três décadas. O conceito de autonomia da escola emerge em meio a esse processo como um dos mais importantes focos de atenção, sob diferentes ângulos de entendimento, tanto no âmbito das políticas públicas de educação como no das análises de educadores. Como resultado, diversas concepções de autonomia foram desenvolvidas, muitas delas distantes do que se concretiza na prática cotidiana escolar. Portanto, a compreensão antecipada do conceito é fundamental para a verificação do caminho traçado. Entende-se aqui a definição de autonomia da escola segundo a ótica de Costa et alii (1997, p. 22): Por autonomia escolar, entende-se o reconhecimento ou a construção de sua identidade institucional; em outras palavras, é a capacidade de elaborar e executar um projeto educacional único, referido a uma clientela específica, pautado na participação de todos os atores e direcionado para objetivos que tëm significado para a comunidade. Pressupõe, tam-
bém, a ampliação da liberdade de gestão de recursos materiais, humanos e financeiros, bem como o aumento de controle sobre a aplicação destes últimos. Paro (1993b) considera ainda que a gestão democrática implica, necessariamente, a participação da comunidade, sendo fundamental uma conceituação mais clara do termo participação: a participação nas decisões e na divisão de poder como mais importante do que na execução, que é apenas meio para se atingir o nível das decisões tão necessário à gestão democrática da escola. A questão da participação está intimamente relacionada à proposta de educação formal, com qualidade, direcionada à cidadania. Nessa concepção, o processo educacional desenvolve-se em três momentos principais: no primeiro, encontra-se o indivíduo dotado de um senso comum, com habilidades de raciocínio e conhecimentos fundamentais que lhe garantam a sobrevivência na sociedade da qual faz parte. No segundo, em busca de um conhecimento formal, construído através da história e de especializações que lhe proporcionem condições de trabalho, respeito e uma vida digna em sociedade, o indivíduo passa a integrar o sistema formal de educação, freqüentando uma escola. E no terceiro, na sua saída da escola, quando se espera que tenha desenvolvido um senso crítico que lhe permita atuar, política e economicamente, de forma mais consciente na sociedade, ou seja, ser um cidadão. Com relação à participação, não se pode esquecer que esses três momentos desenvolvem-se dentro da sociedade. Numa perspectiva conservadora, constata-se a idéia de participação apenas no primeiro e no terceiro momentos, relegando o segundo a um plano extra-social, como se o tempo e o espaço de educar fossem ausentes do tempo e do espaço social. Numa perspectiva progressista, a participação poderia ser compreendida como ato presente conscientemente em todos os momentos da formação do indivíduo, motivado por interesses coletivos. Sobre essa base, é viável a construção de uma gestão democrática, que leve em consideração principalmente o "papel social" da escola. As concepções de papel social e qualidade constituem caminhos condutores da gestão escolar (Gracindo 1995). Gestão democrática e projeto político-pedagógico A autonomia da escola e a participação se fortificam, ou mesmo se consolidam, no momento da construção do projeto político-pedagógico, esse concebido como "a própria organização do trabalho pedagógico da escola como um todo" (Veiga 1995, p. 11). Registro da intencionalidade do ato político e pedagógico de educar, o projeto da escola, elaborado coletivamente por representantes de todos os segmentos da comunidade escolar, transpõe os "muros invisíveis" da escola e elimina as distâncias entre o espaçotempo
escolar e o espaço-tempo social, político e cultural, para transforma-los em um único espaçotempo de viver. Como instrumento de planejamento educacional, é no projeto político- pedagógico que são definidas as prioridades e necessidades de uma unidade escolar, para o direcionamento de sua atuação rumo à qualidade de ensino. É, portanto, fundamental para o norteamento do trabalho de administração, entendido como a "utilização racional de recursos para a realização de fins determinados" (Paro 1997). Entende-se, dessa forma, que, para uma análise da aplicação dos recursos financeiros pela unidade escolar, o projeto político-pedagógico, como instrumento de planejamento, é referência necessária à determinação dos fins educacionais para os quais os meios (no caso, os recursos financeiros) serão investidos. Esses fins, quando determinados coletivamente e realizados autonomamente, expressam um projeto real de escola, no qual são colocadas suas concepções políticas, sociais, culturais e de formação humanística (Veiga 1995). Somente por esse caminho podese chegar ao desenvolvimento de um ensino de boa qualidade. Processo esse inconcluso, no sentido de não haver um ponto final previamente determinado para o que se pretende atingir qualidade é um ato de busca permanente. E também dispendioso, exigindo além dos recursos, sua aplicação eficiente e eficaz. A gestão dos recursos financeiros na escola Para estabelecer uma relação entre projeto político-pedagógico e gestão de recursos financeiros é necessário definir a concepção de administração escolar que se tem como fundamento para o tratamento da questão, considerando o fator financeiro um dos integrantes dessa administração e a gestão um dos eixos condutores desse projeto (Veiga 1995). Numa proposta de gestão democrática da escola pública, considerando que esta possua seu projeto político-pedagógico construído com a participação dos vários representantes da comunidade escolar, a administração necessária é aquela que atua direcionada para a consecução dos objetivos pedagógicos discutidos e elaborados no projeto. Trata-se, portanto, de examinar em que medida os fatos e relações que têm lugar no dia-a-dia da escola não apenas concorrem para os fins da educação escolar, mas o fazem de forma racional, ou seja, com os esforços e recursos adequados aos fins e orientados por estes e com o emprego desses recursos e esforços dando-se de maneira econömica, isto é, no menor tempo e com o mínimo possível de dispêndio. (Paro 1997, p. 72)
As diversas atividades desenvolvidas cotidianamente na administração da escola são agrupadas em duas: atividades-meio, que tratam indiretamente do processo educacional, viabilizando-o, e atividades-fim, relacionadas diretamente ao processo pedagógico de formação do escolar, que acontece fundamentalmente em sala de aula (idem). A administração dos recursos financeiros, essencial para a manutenção de um ensino de qualidade, é considerada uma atividade-meio, pois viabiliza o espaço e as condições materiais de desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem, embora não defina seus objetivos educacionais. Diversos motivos levam o aspecto financeiro, na prática, a se constituir na atividade maior da gestão, entre eles: exigências burocráticas; atribulação de atividades exercidas pelo administrador; o estado precário em que a maioria das escolas se encontra, em termos de estrutura física e material, e a carência de recursos. Até mesmo no sentido de procurar superar essas dificuldades, é importante colocar a gestão financeira como atividade-meio da escola, viabilizando uma estrutura física e material que possibilite um ensino de boa qualidade solucionando problemas educacionais como evasão e repetência. E com um projeto político-pedagógico e recursos, ainda que não vultosos, a escola já tem tudo o que necessita para um ensino de boa qualidade? A princípio sim, mas é necessário analisar a concretização dessa relação entre o pedagógico e o financeiro. 168 Primeiramente, na qualidade de uma proposta de política de descentralização implementada pelo governo federal com vistas a garantir autonomia à unidade escolar, percebe-se, até o presente momento, na implantação do PMDE em duas escolas da rede pública do DF que: - o programa se constitui em uma política de desconcentração e não de descentralização, como especificado em seu manual; - a autonomia da escola não é plena e sim relativa; - os encargos burocráticos para a manutenção da escola não foram reduzidos; - a característica de política compensatória não reduz as desigualdades entre escolas de níveis socioeconômicos distintos. Como o programa vem definido pelo MEC, os critérios para a aplicação dos recursos já vêm previamente determinados para a escola executar. Ela conhece suas necessidades e carências, mas tem de adaptar o atendimento de suas prioridades a uma série de determinações estabelecidas pelo FNDE. A correta aplicação, conforme essas normas, é verificada no momento da prestação de contas sobre a execução da verba recebida. Ora, se a descentralização implica a repartição ou a delegação de poderes entre as esferas administrativas, o que se tem nesse caso é, de fato, uma prática de desconcentração, pois o centro decisório permanece inalterado.
Isso se reflete na determinação, feita pelo FNDE, de aplicação da verba segundo o princípio redistributivo dos recursos disponíveis, que especifica o percentual da verba que deve ser aplicado em despesas de capital (ex.: compra de instalações, equipamentos, material permanente) e despesas de custeio (ex.: serviços de manutenção, contratação de serviços de terceiros, material de consumo).' Os recursos já chegam à escola com a aplicação básica definida, sem se levar em conta se suas prioridades referem-se a despesas de custeio ou de capital. Em alguns momentos, o atendimento do que foi determinado no projeto políticopedagógico da escola é inviabilizado em decorrência dessas especificações. 170 Portanto, a autonomia proporcionada à escola para aplicação da verba é, na realidade, relativa, ou seja, uma autonomia controlada. É fundamental e indiscutível que haja controle na aplicação de recursos públicos, mas, no caso, esse controle é exercido na prestação de contas. As limitações impostas pelo governo central para utilização dos recursos não garantem o melhor controle sobre as verbas públicas. Um controle mais eficaz seria exercido pela participação democrática, com a definição das normas de aplicação feita coletivamente pelos Conselhos Escolares, procurando atender às reais necessidades da comunidade e aos objetivos estabelecidos em seu projeto educacional. Uma sinalização positiva é percebida, com a implantação do PMDE, no sentido de buscar alternativas para superação de uma série de entraves burocráticos, até então exigidos para o provimento de necessidades da escola, como materiais de consumo, compra ou reposição de equipamentos. Porém, eliminam-se alguns excessos burocráticos na manutenção das escolas, agilizando-se repasse de recursos, ao mesmo tempo em que outras exigências recaem sobre o gestor: os critérios para aplicação das verbas, os prazos para repasse e execução e a prestação de contas. A intenção de redução da burocracia sofre um desvio em sua condução prática, não sendo na verdade minimizada, mas sim somente transformada. As desigualdades também não são reduzidas entre as escolas pois como as políticas compensatórias são definidas nacionalmente, ignora-se o fato de que a formação econômica e social das cidades brasileiras mantém as desigualdades nos bolsões de miséria em centros urbanos desenvolvidos. O valor determinado por aluno no ensino fundamental é o mesmo em todo o Distrito Federal, que, todavia, possui escolas em boas condições na região urbana e outras em estado precário, freqüentemente na periferia, onde reside a população de poder aquisitivo mais baixo. Completando esse quadro, é fato que essas escolas, localizadas nas áreas mais pobres, recebem recursos referentes apenas aos alunos matriculados no ensino fundamental. Mas elas
atendem também alunos do supletivo no horário noturno. O custo é calculado por aluno no ensino fundamental, porém o benefício é extensivo a todos os que freqüentam 171 a escola. O programa é de atendimento específico a um nível de ensino, porém, na realidade, o custo em questão é diluído indistintamente entre os escolares beneficiados pelo serviço. O programa "Dinheiro na escola" é outra forma de administração financeira para gestores escolares, que muitas vezes ainda não estão capacitados para lidar com recursos públicos. E o que acarreta essa falta de experiência é uma certa dificuldade no entendimento das especificações do programa, como, por exemplo, compreender que tipo de despesas estão classificadas como de capital e de custeio, ou o que seja material de consumo. Lembrando, ainda, que a determinação de prioridades deve ser feita com a participação do Conselho Escolar, que também dá o aval na prestação de contas, e pode incorrer nas mesmas dificuldades do gestor no tratamento de recursos públicos. Com relação à análise da aplicação dos recursos no âmbito escolar, para o que a escola possui relativa autonomia, observa-se: - o estabelecimento de critérios para aplicação de recursos-vem sendo feito de maneira aleatória e localizada; - a ausência de um planejamento de gastos de acordo com o projeto político-pedagógico da escola; - a inexistência de um acompanhamento do retorno obtido com a aplicação dos recursos; - pouca participação da comunidade escolar no processo de determinação das despesas a serem feitas.'' Considerando o quadro de limitações que enfrenta em virtude dos critérios estabelecidos para as despesas, a escola apresenta, ainda, dificuldades na sua gestão financeira, no sentido de otimizar a aplicação dos recursos. Existe uma certa oposição na superação do conceito de que administração financeira da escola não é atribuição dos educadores, teoricamente preparados para lidar somente com os aspectos pedagógicos. A ampliação da autonomia de gestão inclui a dimensão financeira, e os educadores, mais do que quaisquer outros profissionais, entendem as características e prioridades da escola. Romão (1997, pp. 103-104) alerta para esse aspecto: 172 Salvo raras exceções, a maioria dos administradores de sistemas educacionais e dos educadores quase sempre despreza este tema. Deixando-o aos economistas, contadores e pessoal ligado às finanças, esquecendo-se que a falta de controle dos meios educacionais
pelos próprios educadores cem sido uma das principais razões do descumprimento dos mínimos vinculados. A insipiência no trato desse tema é percebida na maneira pela qual as escolas avaliam suas necessidades mais prementes para o planejamento das despesas. Os critérios para aplicação dos recursos, bem como a determinação de prioridades, são feitos de forma aleatória e localizada, não por meio da identificação de problemas, mas pela coleta de sugestões, geralmente entre o corpo docente. As dificuldades são percebidas e supridas isoladamente, o que impede a visão do todo e, principalmente, dos objetivos educacionais que são atingidos com tais despesas. Por exemplo, a compra de material para a festa de uma turma trará benefícios exclusivos a essa turma, quando a escola necessita de aplicações mais efetivas. Além do que, um tipo de despesa como essa, que inclusive não é alta, poderia ser feita com recursos de outras fontes. A ausência de um plano de aplicação, em que os fins educacionais sejam primordiais, faz com que a escola se afaste da administração racional dos recursos financeiros. A busca de um rumo diferente ao se planejarem as despesas, seguindo um projeto de escola, é essencial no sentido de direcionar o caminho a ser seguido por todos os envolvidos no processo educativo. Mas, lamentavelmente, ocorre, na maioria das vezes, um distanciamento em relação aos objetivos educacionais colocados em projeto, no momento da determinação das despesas. As escolas também tendem a iniciar as reuniões com os Conselhos Escolares, para tratar especificamente da verba enviada pelo FNDE, apenas quando recebem os recursos, retardando o estabelecimento de prioridades e agindo de forma emergencial. Investimentos a prazos mais longos são desconsiderados. E, como os recursos chegam às escolas somente no segundo semestre, é mais difícil ainda o estabelecimento de um plano de aplicação e sua execução ao longo do ano letivo. A classificação das despesas entre as diferentes fontes implica também um conhecimento das rubricas orçamentárias: despesas de capital e despesas de custeio. É fundamental que a direção da escola e o 173 Conselho Escolar saibam adequar as despesas à respectiva fonte de recursos para que a gestão financeira seja otimizada. Visando esclarecer tais tipos de dificuldade, a Secretaria de Educação do Distrito Federal, atuando como mediadora entre as escolas e o FNDE, elaborou um manual contendo
recomendações para utilização e prestação de contas dos recursos do Fundo. Ainda assim, o que realmente pode vir a interferir na construção de um ensino de boa qualidade é o entendimento que os profissionais da educação e o Conselho Escolar venham a formar sobre uma aplicação racional dos recursos financeiros. Avaliar esse processo significa acompanhá-lo constantemente com o efetivo engajamento da comunidade escolar, cuja participação vem sendo, em alguns casos, restrita ao referendo da lista de sugestões de gastos, previamente elaborada. Um instrumento de avaliação definido conjuntamente, com vistas à verificação dos benefícios alcançados pela escola após a realização das despesas, nutre a busca permanente pelo ensino de qualidade. Mas, na prática, a prestação de contas também vem sendo cumprida como um ato burocrático, limitado ao mero preenchimento da documentação do FNDE. Diante dos dados levantados até o presente momento deste texto, e dos riscos que a escola enfrenta ao se desviar da conquista de sua autonomia, apresentam-se aqui algumas proposições para uma gestão financeira mais eficiente e eficaz por parte da escola. As ações por ora colocadas não são vistas como soluções finais para os problemas percebidos, mas sim como início de longos caminhos de reconstrução de modelos de administração da escola que privilegiem sua posição de unidade autônoma e não somente executora. Nessa perspectiva sugere-se: - a inclusão, na formação dos profissionais da educação, de conteúdos relativos à gestão dos recursos financeiros, como, por exemplo, cálculo de custo-benefício e outros conhecimentos sobre orçamento público, para que a linguagem e a instrumentação financeira não pareçam inacessíveis ao educador e que também permitam a ele atuar de maneira mais eficaz nesse sentido - a elaboração, a execução e a manutenção coletiva do projeto político-pedagógico como referencial de proposta da escola, incluindo aí seus fins educacionais e a gestão necessária à sua consecução. O projeto é o parâmetro primeiro para condução de todo o processo educativo, englobando as atividades-fim e as atividades-meio da escola. Portanto, seria o instrumento mais importante no momento da elaboração do planejamento de despesas, procurando a otimização dos recursos disponíveis e também documento para pleitear investimentos mais elevados; , - o acompanhamento constante das necessidades pedagógicas da escola, desenvolvendose, assim, percepções mais amplas de investimento, ou seja, as despesas realizadas pela escola apresentariam retorno no trabalho educacional por ela desenvolvido. As carências materiais e físicas não existem por si sós em uma escola, mas são decorrentes dos fins educacionais a que ela se propõe. Conclui-se ressaltando que as análises aqui apresentadas têm a intenção de estimular a percepção crítica sobre a dimensão financeira da gestão educacional, no sentido de fazer da
execução de despesas um ato refletido e intencional, apesar de todas as limitações que ainda permanecem impostas à escola. Do observado, verifica-se a importância de uma aplicação racional dos recursos financeiros, exigindo um processo reflexivo de planejamento educacional, que repercute na construção do projeto político-pedagógico da escola. A elaboração e a continuidade do projeto passam pela gestão e necessitam de uma administração eficiente e eficaz dos recursos. Essa relação estabelece os caminhos para o desenvolvimento de um ensino de qualidade, definindo, clara e criticamente, fins e meios educacionais As alterações propostas nos modelos arcaicos de gestão levam a outras abordagens da prática administrativa: coletiva em lugar de hierarquizada e despótica; contextualizada política e socialmente e não puramente tecnicista, e entendida como um meio e não um fim. 174 As transformações ocorridas na escola, que acompanham um movimento histórico de democratização da sociedade, não se encerram em si mesmas, mas apontam, mais que tudo, para novas e necessárias reflexões com relação à condução da gestão escolar. Sem tais análises corre-se o risco de cair em ações isoladas, em gestão "democratista" e não em gestão democrática, na perpetuação de um ensino em condições críticas em detrimento da evolução de um processo de qualidade de ensino. Bibliografia ALMEIDA, M. Hermínia T. Federalismo e políticas sociais. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais n 28. 1995. ARRETCHE, Marta T.S. Mitos da descentralização: Mais democracia e eficiência nas políticas públicas? In: Revista Brasileira de Ciências Sociais n 3 I . Ano I 1, I 996. BORDIGNON, G..A educação brasileira anda no descompasso da história. In: GADOTTI, M. e ROMÃO, J.E. (orgs.). Município e educação. São Paulo: Cortez/Inst. Paulo Freire; Brasília: Inst. de Desenvolvimento e Educação Municipal, 1993. BRASIL. Manual de Procedimentos Operacionais Relativos às Transferências de Recursos às Escolas das Redes Estadual e Municipal de Ensino Fundamental. FNDFJMEC, 1995. ________________. Relatório Sintético de Atividades - 1995. FNDFIMEC, 1996. _____. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nQ 9.394, 20 de dezembro de 1996. DOU de 23/12/1996 - Seção 1. ________________. Relatório do Programa de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental-PMDE-Biênio 95~76. FNDE/MEC, 1997. COSTA, Vera Lúcia C.; MAIA, Eny M. e MANDEL, Lucia M. Gestão educacional e descentralização. São Paulo: Cortez/Fundação do Desenvolvimento Administrativo, 1997.
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Benigna Maria de Freitas Villas Boas* Há três anos, Craig Kielburger, um garoto canadense de 12 anos, naquela época, fundou a Organização Liberte as Crianças, constituída por crianças e jovens com o objetivo de lutar pelo término do trabalho infantil e encorajar seu envolvimento em atividades comunitárias. Em entrevista publicada pela revista Newsweek, em 4/8/1997, quando perguntado sobre o que desejava fazer quando concluísse seus estudos, Craig afirmou: Eu quero ser um médico. Gostaria de fazer parte dos Médicos sem Fronteira, porque esta organização acredita que, quando se trata de pessoas, estejam elas no Congo ou na Somália, não constituem problema de um país, mas do mundo. É a mesma coisa com a organização Liberte as Crianças - nós não acreditamos que as crianças sejam da Tailândia ou do Brasil; elas são crianças do mundo e, portanto, são de responsabilidade do mundo. Imagina-se que um garoto de 12 anos, que tem iniciativa, sensibilidade e senso de responsabilidade social para criar uma organização como esta, e que, aos 14 anos, tem a capacidade de dar aos adultos a lição anteriormente citada, freqüente uma escola que lhe possibilite pensar e agir dessa forma. Muitas crianças e jovens com a mentalidade do Craig existem pelo mundo afora. Este teve a oportunidade de realizar tal façanha. Quantos outros Craigs poderiam estar dando esse tipo de contribuição social se as escolas em que estudam lhes dessem a chance de desenvolver iniciativas e construir sua aprendizagem, em vez de prescreverem todas as suas atividades! O depoimento de Craig inspirou a elaboração deste texto, cujo objetivo é analisar o papel da avaliação no projeto pedagógico escolar. Falar de projeto político-pedagógico implica falar de avaliação, por ser esta a categoria do trabalho escolar que o inicia, o mantém no andamento desejável, por meio de contínuas revisões de percurso, e por oferecer elementos para a análise do produto final. Inicialmente, é necessário situar de qual projeto pedagógico se fala. Adota-se o entendimento de que o projeto pedagógico é "a própria organização do trabalho pedagógico da escola" (Veiga 1995, p. 22), construída e reconstruída continuamente pela equipe escolar. De que trabalho pedagógico se fala? Do trabalho concebido, executado e avaliado por todos os que atuam na escola, isto é, realizado em parceria. Não do trabalho escolar em que o diretor define todas as regras e as comunica aos professores, aos outros profissionais que atuam na escola, a alunos e pais, mas daquele realizado com autonomia. Construção do projeto político-pedagógico A construção do projeto pedagógico enseja o uso da expressão trabalho pedagógico em substituição ao costumeiro processo ensino-aprendizagem. Esta última inspira-se na
tendência pedagógica tradicional, em que a escola e o professor prescrevem os objetivos, os conteúdos, as atividades, os procedimentos didáticos e avaliativos, assim como determinam o tempo de que os alunos poderão dispor para aprender e até sua localização física na sala de aula. Nesse caso, cabe-lhes apenas cumprir ordens. Avaliam-se objetivos fechados, isto é, previstos, observados, medidos e comparados, tanto em relação ao trabalho de sala de aula quanto ao da escola de maneira geral. A adoção da expressão trabalho pedagógico requer que a escola assuma duas posturas. A primeira é a de que o trabalho pertence a quem o concebe, executa e avalia. Não se aceita que alguém planeje o que outro irá realizar, pois retira-se do executor suas possibilidades de domínio sobre o processo de trabalho, de comprometimento com o mesmo e de senti-lo como algo prazeroso e gratificante. A segunda postura decorre da primeira: é a de se considerar que as atividades do aluno constituem seu trabalho em cujo planejamento, desenvolvimento e avaliação ele deve se envolver. É nesse contexto que ~e situa o projeto políticopedagógico, como o processo e o documento dele resultante que refletem as intenções, os esforços e a responsabilidade de toda a equipe. O trabalho que se pretende seja desenvolvido na/pela escola é aquele de que todos participam desde o momento do seu planejamento, desenvolvendo-se em dois níveis: o trabalho da escola como um todo e o da "sala de aula", entendida esta última como os espaços de aprendizagem ou aqueles onde se dá o encontro professor/alunos. Este texto fará referência ora a um nível, ora a outro, pois o projeto pedagógico da escola é composto por todas as atividades nela/por ela desenvolvidas. Além disso, leva-se em consideração que um nível influencia o outro (Villas Boas 1994). A formulação da proposta pedagógica ou do projeto político-pedagógico não é novidade para muitas escolas. Essa prática vem sendo adotada, porém, sem o apoio, a sistematização e o registro esperados, principalmente em escolas públicas, onde o trabalho costuma ser desenvolvido com mais precariedade (Villas Boas 1993, 1994 e 1996). Por meio de reuniões formais e informais com professores, alunos e pais muitas escolas vêm tentando organizar seu trabalho de forma participativa, com os meios disponíveis. O aperfeiçoamento do processo exige que as equipes escolares se fundamentem teoricamente para que possam analisar ó papel social do trabalho que executam, definir suas finalidades e prioridades a
serem atingidas, assim como registrar todos os seus esforços. Esse processo demanda tempo. Não é à toa que professores, de modo geral, executam os mesmos planos de trabalho durante muitos anos, pois seu tempo é todo preenchido com aulas que, fatalmente, acabam sendo repetitivas. 181 A construção do projeto político-pedagógico é um processo dinâmico e permanente, pois continuamente novos atores se incorporam ao grupo, trazendo novas experiências, capacidades e necessidades, assim como novos interesses e talentos, exigindo que novas frentes de trabalho se abram. É um eterno diagnosticar, planejar, repensar, começar e recomeçar, analisar e avaliar. Estarão os profissionais da educação, incluídos os professores, acostumados a trabalhar sob pressão, preparados para ser os articuladores desse processo tão dinâmico e até mesmo ousado? Importância do projeto político-pedagógico O trabalho pedagógico necessário à sociedade democrática não é o de implementação passiva de diretrizes educacionais e a consequente preparação dos alunos para apenas executarem ordens. A escola tem o direito e o dever de organizar o trabalho pedagógico que contribua para a formação do cidadão. O direito se refere ao respeito pelo trabalho dos profissionais da educação que nela atuam, assim como ao direito do aluno de ter a educação de que necessita como pessoa e não apenas como futuro trabalhador. O dever relaciona-se à razão da existência da escola, que é proporcionar aprendizagem ao aluno. Essa afirmação pode ser interpretada como um lugar-comum. Acontece que a escola não tem cumprido seu papel de garantir a aprendizagem de cada aluno. Vários estudos e dados estatísticos continuam apresentando o fracasso da escola, entendido, via de regra, como fracasso do aluno. A desconsideração desse direito e desse dever tem significado a realização de trabalho padronizado, descomprometido, baseado em relações verticalizadas e na reprodução do conhecimento, por parte de professores e alunos. Em decorrência, nas primeiras séries do ensino fundamental tem início o processo de seleção dos alunos: os que irão continuar com sucesso a trajetória escolar; os que enfrentarão dificuldades constantes, como reprovações e outras resultantes do seu "baixo rendimento' (recuperação de estudos oferecida apenas em forma de uma segunda prova, por exemplo); os que se encaminharão para escolas e cursos de "segunda categoria"; os que abandonarão os estudos. Organizado dessa forma, o trabalho escolar tem sido um dos fatores de exclusão de grande número de alunos do sistema de ensino e de criação de um grupo de cidadãos de "segunda classe", incompatível com a sociedade democrática almejada.
A construção do projeto político-pedagógico pela equipe escolar pressupõe a existência de autonomia, de modo a se eliminarem relações verticalizadas entre a escola e os dirigentes educacionais e dentro dela própria. Até agora, a inexistência dessa autonomia tem conduzido à realização de trabalho padronizado, repetitivo e mecânico, sem levar em conta as expectativas dos diferentes grupos de alunos. O currículo, muitas vezes, restringe-se ao cumprimento das atividades do livro didático, que passa a ser utilizado igualmente por alunos e professores de diferentes localidades. Vivenciando essa sistemática de trabalho durante uma boa parte de sua vida, os alunos aprendem ser natural trabalhar com vistas a cumprir o que já está estabelecido, sem questionamentos. A avaliação que ainda se pratica contribui grandemente para que essa situação se mantenha, pelo fato de apenas o aluno ser avaliado e somente pelo professor. Cada escola é única, no sentido de que atende alunos com características e necessidades próprias e nela atuam profissionais com diferentes experiências de trabalho e de vida e diferentes percepções de sociedade, educação, escola, aprendizagem etc. As condições de funcionamento de cada escola também variam. Cada uma delas é um local singular de trabalho, com seu jeito próprio de organização do espaço físico e distribuição de tarefas. Tudo isso, associado ao fato de que lhe cabe trabalhar com a produção de idéias, conduz à necessidade de ela própria organizar suas atividades, de forma coletiva e criativa, para que seja um espaço compartilhado de experiências. O que lhe dá o direito de ter autonomia não é "ensinar o que quiser, da maneira como quiser e a quem quiser", mas o compromisso de garantir que cada aluno aprenda o que necessita aprender. Ter autonomia não significa desvincular-se do conjunto de normas educacionais básicas, mas criar os melhores meios de aplicá-las. A escola que a sociedade democrática requer é aquela capaz de implementar seu próprio projeto político-pedagógico, elaborado coletivamente, devidamente atualizado, divulgado e avaliado por todos os interessados. Consequentemente, espera-se que os resultados do seu trabalho sejam por ela divulgados. Isso pressupõe competência, seriedade, comprometimento, profissionalismo e rigor. 183 Uma das grandes vantagens da elaboração coletiva do projeto político-pedagógico da escola é possibilitar aos profissionais da educação e aos alunos a vivência do processo democrático. Nisso consiste a formação do cidadão capaz de ter inserção social crítica. É bom
lembrar que a maioria dos profissionais que hoje atuam teve sua formação sob a influência do regime militar instaurado no país em 1964. Portanto, também eles, ou melhor, nós temos a necessidade de aprender a conviver e trabalhar democraticamente. Não podemos exigir de nossos alunos aquilo que não somos capazes de praticar. A formulação conjunta do projeto político-pedagógico cria, pois, um espaço privilegiado de vivência democrática. Papel da avaliação A função avaliativa que se harmoniza com a autonomia escolar preconizada pela construção coletiva do projeto político-pedagógico é a formativa, por ser a que se destina a apoiar o desenvolvimento do trabalho escolar em todas as suas dimensões. Praticá-la significa atribuir ao trabalho escolar o papel de contribuir para o desenvolvimento: 1) do aluno, rejeitando-se qualquer situação de classificação e de rotulação, como, por exemplo, a criação de turmas de alunos de "baixo rendimento", que assim se mantêm durante todo o ano letivo; 2) e do professor, sem o que não haverá o desenvolvimento do aluno. Dá-se destaque aqui ao desenvolvimento do professor, dada a sua proximidade com o aluno. Porém, entende-se que todos os profissionais da educação que interagem com o aluno precisam ter garantidas suas oportunidades de crescimento. A diferença principal entre a avaliação formativa e a somativa não é o momento de seu uso, mas seus propósitos e efeitos. Assim, a avaliação conduzida durante o desenvolvimento de um projeto, um curso ou uma unidade pode ter finalidade somativa ou formativa, considera Sadler ( 1989). Este mesmo autor afirma que a avaliação formativa diz respeito ao uso que se faz das informações sobre a qualidade do desempenho dos alunos com o propósito de apoiar sua aprendizagem (ou a qualidade do trabalho escolar, com vistas ao alcance dos objetivos previstos, eu acrescento). Professores e alunos usam diferentemente essas informações, afirma ele. Os primeiros utilizam-nas para tomar decisões quanto à prontidão, à diagnose e à necessidade de recuperação. Os segundos estão interessados em conhecer os aspectos fortes e fracos de seu desempenho, com o objetivo de reforçar os relacionados ao sucesso e à alta qualidade e melhorar os insatisfatórios (Sadler 1989, p. 120). As formulações teóricas de Sadler sobre a avaliação formativa advêm de suas observações de que mesmo informações válidas e confiáveis do professor acerca do trabalho dos alunos não são necessariamente seguidas. O autor tem observado que os alunos trabalham com vistas à
melhoria de seu desempenho quando conhecem o que deles se espera, são capazes de comparar seu desempenho atual com o desejado e de se engajar em ações adequadas para diminuir essa distância. A contribuição do professor consiste em dizer-lhes o que fazer para atingir o desempenho esperado. O uso de notas e menções não é útil, comenta o autor. Ao contrário, pode desviar a atenção dos critérios de avaliação, além de não se coadunar com a avaliação formativa. Notas e menções não informam os alunos sobre seu desempenho. São úteis as informações que contribuem para eliminar ou reduzir a distância entre o desempenho demonstrado e o esperado. 185 Três aspectos são fundamentais à prática da avaliação formativa: 1) todos os envolvidos (alunos, professores, diretores, coordenadores, supervisores, orientadores e outros que existirem) devem ter a mesma compreensão do padrão de qualidade do trabalho escolar; 2) todos, e de modo particular o aluno, devem ser capazes de julgar a qualidade do que está sendo produzido durante sua produção; 3) todos devem ser capazes de acompanhar adequadamente o desenvolvimento de seu trabalho. No caso do aluno, quando ele alcança esse estágio, diz-se que o processo é o de auto-acompanhamento e não mais de oferecimento de feedback (retorno imediato dos resultados da avaliação) pelo professor. Aprendizes competentes são os que acompanham e controlam seu próprio trabalho e não apenas executam o que outros prescrevem. O alcance dessa competência é possível quando o trabalho escolar é organizado para que o aluno adquira, gradativamente, independência do professor. A participação do aluno na avaliação de seu próprio desempenho, assim como na avaliação do trabalho escolar contribui para a formação desse tipo de aprendiz. Contudo, isso não significa eliminação da necessidade de feedback pelo professor, pois a introdução de outros temas de estudo poderá trazer novas dificuldades (Gipps 1994, p. 73). As contribuições de Sadler ( 1989) e Gipps ( 1994) sobre a avaliação formativa aplicam-se ao trabalho pedagógico como um todo e não apenas à avaliação do aluno. Pode-se, então, concluir que, segundo 0 entendimento de projeto político-pedagógico aqui adotado, todas as dimensões do trabalho e todos os nele envolvidos podem beneficiar-se da avaliação formativa. O auto-acompanhamento do trabalho pelo aluno, tal como entendido por Sadler, corresponde ao que outros estudiosos do assunto denominam de auto-avaliação, componente indispensável da avaliação formativa requerida pelo projeto político-pedagógico construído
pela equipe escolar. Resultados de pesquisas sobre auto-avaliação têm apontado que os alunos são capazes de auto-avaliar-se de forma crítica e reflexiva, sendo, também, altamente conscientes e francos acerca de suas produções e dos processos nelas envolvidos (Rief 1990; Tierney e al. 1991; Hill e Ruptic 1994; Dudley-Marling e Searle 1995). Ao final de contas, quem realiza o trabalho é quem o conhece melhor. Estudantes familiarizados com auto-avaliação geralmente avaliam-se adequadamente e são mais capazes de encontrar deficiências em suas produções do que outras pessoas. Portanto, a auto-avaliação tende a causar mais impacto do que a avaliação conduzida por outra pessoa (Johnson e Rose 1997). A auto-avaliação pelo aluno apresenta vantagens, dentre as quais se destacam: 1) desenvolvimento de responsabilidade pelo trabalho; 2) formação de aprendizes independentes e permanentes, pois o processo os incentiva a tomar decisões; 3) domínio do processo de trabalho, uma vez que os alunos acompanham seu próprio progresso, identificando os conteúdos aprendidos e não aprendidos e os estilos de aprendizagem por meio dos quais obtêm melhores resultados. Eles passam a se sentir "donos" de seu trabalho e, conseqüentemente, a considerá-lo prazeroso. Esse processo é construído desde a entrada do aluno na escola. A prática da auto-avaliação faz parte do processo de trabalho de cujo planejamento e de cuja execução todos participam, de modo especial os alunos, na construção de sua aprendizagem. Vários procedimentos podem ser criados e utilizados, levando-se em conta as diferentes situações e atividades da escola de maneira geral e da sala de aula. O Quadro 1, adaptado da proposição de Johnson e Rose ( 1997, p. 81), ilustra uma das formas pelas quais alunos do ensino básico podem participar da tomada de decisão quanto à maneira de serem avaliados. O menor ou maior número de escolhas depende do nível de maturidade e desenvolvimento dos alunos para compartilhar com o professor a responsabilidade pelo controle da aprendizagem. Outra sugestão é oferecida pelo Quadro 2, para que, ao final de uma semana de atividades, os alunos possam analisar o trabalho desenvolvido. 187 A contribuição do portfolio para a avaliação formativa Um instrumento de que se faz uso na auto-avaliação de forma mais ampla é a pasta avaliativa ou portfolio, como é chamada pelos norte-americanos. Originariamente, o portfolio
é um arquivo ou uma pasta grande e fina em que os artistas e os fotógrafos iniciantes colocam amostras de suas produções para demonstrar suas habilidades. As amostras incluídas ilustram a qualidade e a abrangência de seu trabalho, de modo a ser examinado por especialistas e professores. Essa rica fonte de informação permite aos críticos e, principalmente, aos próprios artistas iniciantes compreender o processo em desenvolvimento e oferecer sugestões que encorajem seu progresso. Seu uso na escola significa assumir o entendimento de que o trabalho do aluno e o do professor não merecem menos do que isso (Valencia 1990, p. 338). No caso escolar brasileiro, substituirei a palavra em inglês por pasta avaliativa, levando em conta que ela reúne as produções de alunos e professores para que eles próprios e outras pessoas conheçam seus esforços, seu progresso e suas necessidades em uma determinada área. A pasta avaliativa aplica-se à avaliação do progresso de cada aluno, do trabalho pedagógico de cada turma e disciplina, incluindo-se nesta última a atuação do professor e do trabalho da escola. A pasta avaliativa do aluno compõe-se: 1) de suas produções, por ele selecionadas e/ou pelo professor; 2) dos comentários do professor e dos seus próprios acerca do progresso e das necessidades que se apresentarem. Assim constituída, ela tem a grande vantagem de permitir o acompanhamento do trabalho pelo aluno e pelo professor, o que representa a realização de uma avaliação conjunta, que fortalece os laços entre ambos e, em conseqüência, torna-os parceiros do processo. A participação do aluno na seleção dos trabalhos que comporão sua pasta assegura-Ihe a oportunidade de decidir sobre quais produções incluir e de justificar a presença de cada uma. Durante esse processo, ele estará fazendo mais do que simplesmente registrar resultados de sua aprendizagem; estará examinando o que e como está aprendendo, os objetivos já atingidos e os que ainda não o foram, os aspectos que precisam ser melhorados e as metas a serem acrescentadas. Para demonstrar que eu ---------------------.eu gostaria de ------------------Fazer um desenho ------------------Elaborar um relatório ------------------Construir uma maquete ------------------Escrever uma peça teatral ------------------Encenar uma peça teatral
------------------Criar um grupo de projeto ------------------Fazer um gráfico ou uma tabela ------------------Entrevistar pessoas ------------------Fazer um mural ------------------Apresentar um relatório oral ------------------Conduzir uma discussão em classe ------------------Escrever um poema Como eu planejo fazer isso: Aluno: Quadro 1: Escolha de atividades pelo aluno Durante esta semana, estava previsto que eu aprendesse Eu aprendi Eu gostaria de ter: O que eu mais gostei foi Agora eu preciso Em seguida, eu Quadro 2: Avaliação semanal pelo aluno 189 A utilização do portfolio como prática de auto-avaliação tem sua origern nos Estados Unidos, onde tem sido adotado para avaliação do aluno e do professor. Sugiro, neste artigo, que seu uso se estenda à avaliação do trabalho pedagógico da escola de forma geral e de uma turma e/ou disciplina. A pasta avaliativa do trabalho pedagógico de uma turma e/ou de uma disciplina reúne amostras de produções dos alunos e resultados de seu desempenho, fotos ilustrativas, dados, comentários dos alunos e do professor em várias situações, planos de atividades, projetos, relatórios diversos etc. Pode ser organizada somente pelo professor ou contar com a participação dos alunos. Green e Smyser (1996, p. 5) apresentam os seguintes aspectos positivos para esse tipo de pasta: 1) O trabalho é contextualizado, pois a variedade de informações coletadas revela não apenas os conhecimentos, as habilidades e os valores dos envolvidos no processo, mas em que ambiente ele transcorre; 2) os professores percebem que a diversidade existente entre os alunos exige diferentes estilos de trabalho, de modo a se atenderem as necessidades específicas de uma turma ou de uma escola; 3) a preparação da pasta requer reflexão sobre a natureza e especificidade do trabalho, de modo que os próprios professores identifiquem suas qualidades e deficiências. "o
desenvolvimento profissional é algo a ser feito pelos próprios professores e não por outros" (green e smyser 1996, p. 6). o fato de os professores terem de expor o que valorizam em seu trabalho e o que esperam desempenhar em sua profissão lhes possibilita examinar se sua atuação está sendo adequada. O conhecimento por si próprio é essencial para que a própria pessoa busque mudança. a pasta avaliativa do trabalho pedagógico dá ao professor a condição de domínio do processo de trabalho, encorajando seu pensamento reflexivo; 4) o diálogo profissional é facilitado entre os professores, beneficiando o trabalho dos novatos na profissão e o dos veteranos. A pasta avaliativa do trabalho pedagógico de uma turma e/ou de uma disciplina pode servir ao propósito de avaliação da atuação do professor, em várias circunstâncias: para fins de progressão funcional, para sua admissão, para dar conhecimento a toda a comunidade escolar, para que se conheça seu desenvolvimento profissional etc. A pasta presta-se, pois, à auto-avaliação pelo professor e à avaliação por outras pessoas, além de possibilitar a continuidade do trabalho, em caso de afastamento do professor. Em qualquer dos casos, comentários reflexivos devem ser incluídos, consideram Green e Smyser (ibid., p. 21), pois a reflexão é ponto-chave para a compreensão do valor da pasta avaliativa. O desenvolvimento profissional do professor é essencialmente um processo pessoal e, conseqüentemente, interior, devendo ser iniciado e conduzido por ele próprio. A autoreflexão, portanto, é o ponto de partida desse desenvolvimento. Naturalmente, é o ponto de partida para a construção de seu portfolio ou de sua pasta avaliativa. A maneira de organizar a pasta avaliativa do professor pode variar, afirmam Green e Smyser (ibid., p. 21). Várias seções podem ser incluídas, de acordo com o propósito que se tenha: uma para informações pessoais, outra para o desenvolvimento do trabalho, outra para apresentar ó plano de desenvolvimento profissional etc. Cada uma delas deve incluir um breve comentário reflexivo que justifique os itens apresentados. Fazendo isso, o professor estará analisando como e por que determinados aspectos revelam a qualidade do trabalho realizado. Pensar sobre o que inserir e o que não inserir força o professor a considerar o que é um trabalho de qualidade e quais são suas evidências. Pela reflexão, o profissional extrai o sentido de uma dada situação , e mantém um "diálogo reflexivo", aberto e amplo consigo mesmo chegando a "ruminar" sobre e com as situações. Com isso, os professores tornam-se "conscientes de seu próprio entendimento intuitivo (...) entram numa confusão cognitiva e exploram novas direções de compreensão e ação", abrindo-se à autocrítica (Schon 1983). Por meio da pasta com amostras do trabalho
desenvolvido com uma turma de alunos ou com uma disciplina, "os professores não apenas coletam informações e itens para incluir num arquivo, mas também pensam, analisam; comparam e fazem comentários, por escrito, sobre seu conteúdo" 191 (l.awrence, Waltman e Gatti 1997, p. 53). Por exemplo, um professor pode incluir na pasta o trabalho realizado por um aluno, anexando seus comentários sobre a produção em si e sobre o progresso alcançado. Fazendo isso, ele está, ao mesmo tempo, refletindo sobre o trabalho pedagógico que vem sendo conduzido e sobre sua atuação. Esse processo corresponde ao que Raven ( 1984) denomina de "ruminar" ou pensar sobre a própria atividade, os nela envolvidos e as circunstâncias do envolvimento. O fato de o professor deixar que a situação do aluno flutue em seu pensamento, no dizer de Raven (idem), provoca o surgimento de elementos importantes a ocuparem sua atenção. Registrar a compreensão desses elementos emergentes poderá ser útil para integrá-los a outros e chegar a análises proveitosas. Seldin e McLaughlan e Mintz (apud Lawrence, Waltman e Gatti 1997, p. 55) sugerem que uma pasta avaliativa da atuação do professor contenha três tipos de informação: 1) material próprio: suas idéias sobre filosofia do ensino e outras reflexões gerais; conteúdos da disciplina com objetivos, métodos, leituras, procedimentos de avaliação etc.; avaliação pessoal da eficácia do ensino, incluindo uma discussão dos conteúdos da pasta; comentários reflexivos sobre o papel e a posição da disciplina no(s) curso(s) que ela integra; 2) material de outrem: formulários de avaliação respondidos pelos alunos; depoimentos escritos de alunos; declarações de colegas que observarem aulas ou analisarem seus materiais de ensino; prêmios e honrarias; videoteipes; 3) produtos do ensino: escores dos alunos em testes gerais; exemplares dos trabalhos dos alunos; exemplares de trabalhos corrigidos com notas e explicação dos critérios para sua atribuição. Já Green e Smyser ( 1996, p. 25) consideram que a maneira de organização da pasta avaliativa do professor não deve ser prescrita. A situação específica do trabalho pedagógico e as necessidades profissionais individuais são os fatores que devem determinar sua organização, recomendam os autores. Reforça esse entendimento o argumento de que a pasta avaliativa do professor deve ser vista como um dos meios de garantir sua autonomia para refletir sobre o trabalho que executa e para organizá-lo, o que não recomenda seu direcionamento. Acredito que realmente cabe ao professor decidir sobre a organização da pasta avaliativa mais adequada a cada situação, após analisar a literatura sobre o assunto. A pasta avaliativa do trabalho pedagógico da escola tem o propósito de apresentar, da maneira mais clara e completa possível, a abrangência e a qualidade das atividades
desenvolvidas em um determinado período. Quase todas as considerações até agora feitas aplicam-se também a esse tipo de pasta. Sua diferença em relação às outras está em sua maior amplitude, o que pode mostrar a conveniência de ter uma pasta para cada serviço ou atividade, como: currículo, biblioteca, supervisão, orientação educacional, alimentação, secretaria, grêmios estudantis etc. Contudo, é necessário que sua integração se faça sentir. As pastas avaliativas do trabalho pedagógico da escola, da turma e/ou da disciplina, da atuação do professor e do desempenho do aluno constituem um procedimento de acompanhamento e avaliação do projeto político-pedagógico, pelo fato de abrangerem todas as dimensões do trabalho. Sugere-se que a pasta avaliativa do trabalho pedagógico da escola seja composta de informações e ilustrações relacionadas aos itens que integram o projeto políticopedagógico. Uma das possibilidades é a formatação da pasta levando em conta os três atos do processo de construção do projeto politico-pedagógico apresentados por Veiga em outro capítulo deste livro: situacional, conceitual e operacional. O importante, porém, é que a própria equipe escolar defina o formato de cada uma das pastas. Recomenda-se que as pastas avaliativas permaneçam em local da escola e da sala de aula de fácil acesso aos que devem examiná-las. Diferentemente dos boletins e diários de classe que ficam longe do alcance dos alunos, principalmente as pastas avaliativas dos alunos são consideradas um instrumento de trabalho de uso constante. 193 O verdadeiro valor da pasta avaliativa não se encontra em sua aparência física, localização ou organização, mas na postura colaborativa que infunde naqueles que a usam. Mais do que um procedimento, ela representa uma filosofia que requer que a avaliação assuma a função de apoiar o trabalho da escola e a aprendizagem. Enfatiza-se o processo eo produto, assim como a participação ativa do professor e do aluno em sua própria avaliação e seu próprio desenvolvimento (Valencia 1990, p. 340). Para que a avaliação formativa tenha condições de ser aplicada adequadamente em sala de aula, é necessário que o trabalho pedagógico da escola faça uso dela. É importante que todos os envolvidos no processo incorporem a cultura avaliativa de promover a aprendizagem não só do aluno, mas de todos os profissionais da educação atuantes na escola, abandonando qualquer forma de classificação e rotulação. A necessidade de construção coletiva do projeto pedagógico implica a de que todos participem também da sua avaliação em todos os momentos e dimensões do trabalho.
A prática da avaliação formativa requer que os objetivos do trabalho pedagógico da escola como um todo e de cada turma apresentem-se de forma explícita e clara para diretores, supervisores, professores, orientadores, coordenadores, pais e alunos. Com relação às atividades desenvolvidas em sala de aula, o desdobramento de cada um de seus objetivos em evidências de aprendizagem facilita o acompanhamento do desempenho do aluno por ele próprio e pelo professor. Esses objetivos são definidos pela escola, em atendimento às necessidades de sua clientela, e não fixados de forma padronizada para todo um sistema de ensino. Tem sido observado que os professores têm autonomia relativa dentro da sala de aula, o que lhes possibilita burlar as regras impostas ao seu trabalho. Archibald e Porter (1994) acreditam que os professores sempre decidirão quando e como seguir diretrizes em suas práticas diárias. Suas decisões são tomadas com base em seus valores profissionais e em sua compreensão acerca das práticas que melhor atendem a esses valores. O poder opera não por meio de coerção, consideram os autores, mas por meio da reestruturação dessa compreensão e, finalmente, da reestruturação dos valores. Portanto, atribuir autonomia à escola para organizar, executar e avaliar seu trabalho, e oferecer-lhe todas as condições para que possa fazê-lo com competência, é o melhor caminho em benefício do aluno e de cada profissional que com ele se relaciona. Planejamento da avaliação O desenvolvimento da avaliação formativa requer que ela seja cuidadosamente planejada. As seguintes questões precisam ter respostas claras: Por que e para que praticála? Que dimensões do trabalho serão avaliadas e por quem? Que procedimentos são mais adequados? Como registrar as informações coletadas? Como e quando usar essas informações? Como envolver os alunos na sua própria avaliação e na avaliação do trabalho pedagógico? Como usar as informações coletadas em sala de aula para replanejar o trabalho pedagógico da escola? As respostas a essas indagações não se encontram prontas. O próprio grupo é que, por meio de estudos e discussões, construirá as práticas avaliativas comuns à escola e aquelas específicas de cada disciplina/atividade. Além disso, é preciso que se perceba a avaliação como uma categoria presente em todos os momentos do trabalho da escola e da sala de aula. Ela é tão poderosa que pode facilitar ou prejudicar o desenvolvimento das atividades. Em cada encontro do grupo para estudos ou tomada de decisões uma pergunta deve ser respondida e a resposta registrada: para que queremos isto? Essa prática conduzirá à explicitação de objetivos e formas adequadas de avaliação.
Planejar a avaliação formativa no âmbito da escola significa ter como foco não apenas o aluno, mas cada atividade desenvolvida, o trabalho e a atuação de todos os profissionais. Além disso, é necessário que sejam analisados todos os momentos do processo e seu produto final. É muito comum a prática da avaliação do aluno em cada ano letivo, porém de forma estanque, sem levar em conta suas necessidades e seu progresso de um ano para outro, mesmo dentro da mesma escola. Isso representa o objetivo atual de avaliar para aprovar ou reprovar. Em cada ano, considera-se o aluno como um novo membro da escola que irá iniciar nova programação. Diferentemente 195 dessa visão, a avaliação formativa implica, ainda, acompanhar a trajetória do aluno dentro da escola, isto é, tanto o seu progresso quanto as suas necessidades enquanto frequentá-la e depois que dela sair. Qual o impacto do trabalho de determinada escola sobre o aluno? Em que ele foi ajudado? O que poderia ter sido feito de forma diferente? Essas questões precisam ser analisadas, para que se possa avaliar adequadamente o trabalho escolar. Isso traz uma responsabilidade enorme para a escola e, conseqüentemente, para a avaliação que se pratica. Cabe, pois, à escola prestar contas à sociedade do trabalho que executa. O planejamento da avaliação como parte integrante da proposta pedagógica da escola pode ser um meio de superação da prática classificatória, seletiva, autoritária e punitiva. Além disso, os problemas éticos que têm sido encontrados poderão ser examinados e eliminados, como os relacionados à avaliação informal, ao fato de apenas o aluno ser avaliado, à interação seletiva e à interferência na trajetória escolar e de vida do aluno (Villas Boas 1998). Por fim, como um ato presente em todos os momentos do trabalho pedagógico, a avaliação precisa ser planejada: o que, por que, para que, como, quem e quando avaliar são decisões a serem tomadas pelo grupo de profissionais da educação que atua na escola. Igualmente importante é saber utilizar os dados obtidos: como organizá-los, analisá-los, divulgá-los e incorporá-los aos novos planos. Essa é a avaliação formativa, destinada a promover o desenvolvimento da escola, dos profissionais da educação e de todos os alunos. Insisto nisso porque esse é o objetivo do trabalho da escola. Articulações finais A autonomia da escola para organizar, desenvolver e avaliar o trabalho que garanta a aprendizagem dos seus alunos e o uso da avaliação formativa têm um propósito comum; formar o aprendiz independente e capaz de colaborar, interagir, inovar, comunicar-se e
enfrentar diferentes situações. Essas capacidades e habilidades são mais fáceis de ser formadas no início do processo de escolarização, quando a criança aprende não apenas os conteúdos programáticos mas os processos que vivencia. Daí, a necessidade de a escola fundamental criar ambiente de construção e participação por parte de todos os que nela atuam. Dificilmente uma instituição de ensino formará um cidadão que pensa e age com independência se ela própria tiver seu funcionamento dependente. A reivindicação da autonomia escolar e do desenvolvimento do trabalho com base na competência, na seriedade e no comprometimento, no profissionalismo e no rigor requer que os profissionais da educação constituam a "profissão para a aprendizagem" que forme "a sociedade para a aprendizagem" (expressões usadas por Harber 1996, p. 219). Ao empregar essas expressões, Barber considera que o alcance do seu sentido não será por meio de prescrições, porque um programa de mudança deve emanar dos próprios professores e não lhes ser imposto. O autor acredita ser de fundamental importäncia os professores (eu amplio sua proposta aos profissionais da educação que atuam em escolas) basearem seu trabalho em pesquisas. Isso não existe no momento, diz ele, naturalmente referindo-se à situação do ensino inglês. Muitos professores duvidam da pesquisa e da teoria e de sua releväncia para o dia-a-dia escolar. Além disso, acrescenta Barber, muitas das pesquisas e dos escritos sobre educação nas duas últimas décadas são irrelevantes e de pouco uso para os professores e aqueles que tomam decisões sobre o futuro da educação. No caso brasileiro, há pesquisas relevantes sobre o trabalho desenvolvido no dia-a-dia escolar, incluindo-se a avaliação. Vem evoluindo a discussão sobre a necessidade da utilização de práticas de investigação com os professores e até pelos professores, com vistas ao seu desenvolvimento profissional e pessoal e como forma de valorização de sua ação. Eles deixam de ser meros informantes e passam a ser parceiros. Adota-se, assim, o princípio político da inclusão de professores nos processos de construção do conhecimento, em contraposição ao da exclusão, presente em outros paradigmas, principalmente nas modalidades em que os professores-alvo da investigação sequer têm acesso aos dados obtidos e às análises realizadas (Marin 1998, p. 477). Nesse processo, a pesquisa passa a ocupar lugar importante na formação continuada não só de professores, mas dós profissionais da educação. Concluo com Nóvoa (1992, p. 3I), que cita Holly e McLoughlin acerca da formação de professores: 197