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psicodinâmica de grupo Gilberto Brofman
A psicoterapia psicodinâmica de grupo é uma modalidade de terapia com eficácia semelhante à da psicoterapia psicodinâmica individual. Ela tem uma ampla gama de aplicações e se baseia no uso da maioria dos conceitos e técnicas psicanalíticas adaptados ao setting grupal, no qual se desenvolvem todos os fenômenos da dinâmica grupal. Este capítulo inclui uma introdução e um histórico com as principais contribuições teóricas e técnicas, um resumo dos fenômenos da dinâmica grupal, bem como uma discussão dos vários aspectos da formação do grupo e da sua evolução. São comentadas, também, as questões em aberto e as perspectivas futuras dessa modalidade de terapia.
É difcil definir “grupo” em poucas palavras, abarcando toda a imensa gama de aões e emoe moões que se desenvolvem no processo de interao grupal e que se denomina dinâmica grupal. O grupo o “meio ambiente” natural do homem (psicossocial). Crescemos e vivemos em grupos nos quais experimentamos as nossas primeiras liões de relacionamento humano, sendo que somente por meio do grupo que adquirimos a nossa identidade e, como em um espelho, reconhecemos a nossa prpria imagem. Dessa forma, a sensao de sentir-se excludo do grupo familiar ou do grupo social constitui uma das mais importantes fontes de sofrimento psquico. A psicoterapia psicodinâmica psicodinâm ica de grupo um mtodo de tratamento psicoterpico largamente utilizado no meio psiquitrico e mdico e, com adaptaões, na educao, nos negcios, etc. Uti-
liza a maioria dos conceitos psicanalticos, como transferncia, contratransferncia, associao livre, resistncia, instintos sexuais e agressivos, sonhos, mecanismos de defesa, etc., adaptados ao setting grupal. grupal. O grupo oferece ao terapeuta, por meio da interao de seus integrantes, um acesso privilegiado aos conflitos e relacionamentos (vnculos) que eles estabelecem, podendo assim abordar e tratar as patologias existentes. Isso constitui a principal diferena entre a psicoterapia psicodinâmica individual individual e a de grupo: enquanto nos grupos as relaões intersubjetivas (vnculos) fazem parte do aqui-e-agora, no tratamento individual essas relaões esto no l-e-ento e so apenas relatadas pelo paciente. As tcnicas grupais para fins teraputicos so utilizadas em vrios contextos. Na psiquiatria, so utilizados grupos de psicoterapia a longo
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prazo com pacientes com transtornos neurticos e de personalidade, com depresso aguda e crônica, com transtorno de pânico, com transtornos alimentares, com esquizofrenia, com transtorno obsessivo-compulsivo, bem como com pacientes com dependncia qumica, alcoolismo, etc. Na clnica mdica, so utilizados grupos com pacientes com câncer inicial e terminal, com HIV/AIDS, com obesidade, assim como com gestantes e com pacientes com patologias crônicas como diabete, hipertenso, etc. Em um contexto geral, so utilizadas tcnicas grupais para grupos de auto-ajuda, ou apoio mútuo, como, por exemplo, os bem-sucedidos AAs (alcolicos anônimos), os NAs (narcticos anônimos) ou os vigilantes do peso. Em situaes de risco, so utilizados grupos com vtimas de diversos abusos, com agressores, assim como grupos para a preveno de estresse ps-traumático, para gestantes, etc. Nesse grande leque de aplicaes grupais, surge recentemente uma nova modalidade: os grupos de apoio pela internet, com resultados ainda no avaliados, porm com um futuro de grande perspectiva. Todas essas modalidades modalid ades de terapias de grupo podem utilizar diferentes abordagens terico-tcnicas: psicoeducacional, cognitivo-comportamental, interpessoal, gestáltica, de apoio, psicodramática, psicanaltica, psicodinâmica e de psicanálise das configuraes vinculares. Seria difcil e está fora do escopo deste captulo abordar todas essas modalidades. O que será apresentado uma modalidade ampla de psicoterapia psicodinâmica (que utiliza todo o referencial psicanaltico), psicanaltico), de longo prazo (um ( um a trs ou mais anos), com pacientes externos (ambulatrios ou consultrios privados), heterogneos (com patologias ou no) e com o objetivo ambicioso de buscar, alm do alvio sintomático, mudanas de personalidade personalidade.. Nessee sentido, concordamos com a opinio Ness de Yalom Yalom e Leszcz (2006) de que essa modalidade “ o cenário em que os terapeutas podem proporcionar o benefcio máximo para os pacientes. As estratgias e tcnicas teraputicas necessárias para esse tipo de grupo so sofisti-
cadas e complexas. Todavia, quando os estudantes as dominarem e entenderem como modificá-las para situaes que envolvam uma terapia especializada, eles estaro em condies de produzir uma terapia de grupo que seja efetiva para qualquer populao clnica em qualquer cenário” (p. xv).
Histórico e principais contribuições O grupo tem sido utilizado como meio teraputico ao longo de toda a histria. Nos primeiros sculos, consistiam geralmente em medidas mdicas e psicolgicas em um contexto religioso. Nos tempos atuais, os primeiros relatos do uso psicoteraputico de grupos aparecem nos Estados Unidos, feitos por mdicos que visavam à psicoeducao. Pratt (1908; 1922) trabalhou com pacientes tuberculosos, Lazel (1921) com esquizofrnicos e Marsh (1933) com pacientes psicticos. A partir da dcada de 1930, ainda nos Estados Unidos, surgem os relatos de grupos que visam no mais ao ensino/educao, mas sim ao insight , utilizando o corpo terico psicanaltico e com vários enfoques distintos, como grupos psicodinâmicos e de psicodrama e derivaes de psicologia humanstica: terapia da Gestalt (Perls), análise transacional (Berne) e grupos de encontros (Rogers). Trigant Burrow (1928) foi o primeiro psicanalista a reunir pacientes neurticos e a utilizar a tcnica psicanaltica. Ele partiu da percepo do ser humano como ser social e do grupo como foco natural de tratamento. t ratamento. Focalizou sua ateno na interao dos pacientes no aqui-e-agora do grupo e denominou seu mtodo como análise de grupo. Outros psicanalistas americanos utilizam a psicanálise em grupos: grupo s: Wender Wender (1940), Schilder (1940), Wolf (1949) (1949) e Slavson, Slavs on, que fundou fundo u a Associao Americana de Psicoterapia de Grupo, em 1942, e denominou seu mtodo como psicoterapia analtica de grupo. Todos eles tinham em comum o foco no paciente individual em
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um ambiente grupal, constituindo o que se chamou de psicanálise no grupo. Em 1911, o psiquiatra Jacob Moreno lança o psicodrama, que utiliza técnicas do teatro para buscar uma visualização cênica dos conflitos intrapsíquicos. Em 1931, ele passa a usar o termo terapia de grupo e, em 1944, ao fundamentá-lo com a teoria psicanalítica, funda o psicodrama psicanalítico. Ele é fundador da Associação Internacional de Psicoterapia de Grupo. Kurt Lewin, a partir de 1936, cria “laboratórios” sociais com a finalidade de descobrir as leis grupais gerais. Ele cunhou a expressão dinâmica de grupo e é o principal nome da vertente sociológica grupal. Na Inglaterra, na década de 1940, a psicoterapia de grupo se expande fortemente para dar conta do grande número de militares acometidos por transtornos mentais, devido à sua participação na Segunda Guerra Mundial. Frutos dessa experiência, surgem os trabalhos de Bion, em que ele conceitualiza o grupo como um organismo com vida mental própria e que funciona em dois planos: o consciente, o “grupo de trabalho”, e o inconsciente, com seus três “supostos básicos”: dependência, luta e fuga e acasalamento. A técnica se concentra na interpretação da transferência do grupo como um todo e na sua relação com o terapeuta. Esse modelo alcançou grande popularidade, inclusive no Brasil, onde predominou nas décadas de 1960 e 1970. Ele caracterizou a psicanálise de grupo e continua a ser utilizado no contexto de consultoria organizacional, aplicado a corporações. É conhecido como Modelo de Tavistock. Poucos anos depois, Sigmund H. Foulkes inicia a prática da psicoterapia psicanalítica de grupo, com enfoque gestáltico. Ele introduziu o conceito de matriz dinâmica grupal, que determina o significado e a importância de todos os eventos, e foi o primeiro a descrever as transferências entre os membros do grupo e de cada um para o grupo como um todo. Foulkes foi fundador da Sociedade Britânica de Grupo Analítico.
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Já na década de 1960, temos a importante contribuição do psicanalista e psicólogo social argentino, Enrique Pichón Rivière, que estudou a dinâmica dos grupos operativos, que são grupos voltados a tarefas objetivas, como, por exemplo, a tarefa de ensino-aprendizagem. Ele definiu um esquema conceitual referencial operativo (ECRO) que segue sendo bastante utilizado na esfera dos grupos operativos. Também, no início da década de 1960, são publicados os primeiros trabalhos dos psicanalistas da escola francesa, principalmente os de Didier Anzieu e René Kaes, que trazem os importantes conceitos de “ilusão grupal” e de “aparelho psíquico grupal”. A ilusão grupal consiste em uma sensação de que o grupo, por si só, preencherá as necessidades de cada um e de todos. Na década de 1970, surgem as contribuições de Irving Yalom, psiquiatra americano com enfoque humanista-existencialista. Nos seus grupos, o insight genético genético e as interpretações do terapeuta perderam espaço, como mecanismos de mudança, em favor das experiências de aprendizagem interpessoal na interação do grupo. Em 1977, no Brasil, o psicanalista David Zimerman acrescenta aos três tipos de vínculos descritos por Bion (amor, ódio, conhecimento) um quarto tipo: o vínculo do reconhecimento. Esse conceito é muito útil no entendimento dos grupos e está ligado ao sentimento de pertinência. Na década de 1980 e 1990, assistimos a um aprofundamento dessa tendência de compreender e ajudar os pacientes de grupo por meio da análise dos vínculos que eles formam. Esse desenvolvimento ocorre principalmente na Espanha, onde, entre outros, o psiquiatra Nicolas Caparrós conformou um modelo analítico vincular, que toma o vínculo como uma unidade mínima básica que condiciona toda a dinâmica grupal (Alonso; Lorenzo, 2004). Na Argentina, um grupo de autores, entre eles a psicanalista Janine Puget, vêm estudando e publicando sobre o que se denominou psicanálise das configurações vinculares (Berenstein; Puget, 1999).
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Dinâmica grupal A existência de um grupo pressupõe uma série de características psicológicas que lhe é intrínseca e, portanto, definidora de o que é um grupo. Esse conjunto de características se chama dinâmica grupal e ocorre em todos os grupos humanos, independentemente da sua finalidade. Um terapeuta de grupo deve compreendê-los adequadamente para minimizar os seus efeitos obstrutivos e maximizar os seus efeitos catalisadores de mudanças e de crescimento emocional. Sem a pretensão de esgotar o assunto, vejamos algumas dessas características: 1. Um grupo não é a soma de seus membros. Ao contrário, ele constitui uma nova entidade que tem leis e uma cultura própria. Tanto é assim que se pode definir os grupos com características “pessoais”, como, por exemplo, um grupo obsessivo, um grupo triste, etc. 2. Os grupos funcionam sempre em dois planos que se superpõem ou predominam de forma alternante. Um é o plano consciente ou, como Bion denominou, o “grupo de trabalho”, em que os participantes estão, de comum acordo, voltados para a realização de uma tarefa. O outro é o plano constituído pela interferência de fatores inconscientes , que o autor denominou de “supostos básicos”, em que desejos reprimidos, ansiedades e defesas podem interferir ativamente na realização da tarefa proposta. A força dessa interferência pode ser vista neste exemplo: uma grande instituição nacional da área da saúde desejava instalar um sistema de informatização sofisticado e complexo. Para isso, contratou um grupo de técnicos, considerados os melhores especialistas do país nas diversas áreas da informática, necessários para a realização dessa tarefa. Durante três meses esse grupo se reuniu muitas vezes e não conseguiu sequer esboçar um projeto. Por sugestão da instituição,
o grupo foi tratado e, só após o entendimento de seus aspectos narcisistas (um grupo de estrelas), ansiedades com a perda de autonomia e outros sentimentos, eles puderam produzir um resultado compatível com as suas imensas capacidades individuais. 3. Um grupo está sempre em movimento, apoiado em duas forças opostas : uma tendendo à sua coesão e outra à sua desinte- gração . A coesão do grupo, apontada por Yalom e Leszcz (2006) como um fator terapêutico primário, inclui sentimentos como os de pertinência (é o “vestir a camiseta”, decorrente de um esprit de corps ) e o de pertencimento (em que cada pessoa é reconhecida pelos outros como membro do grupo, “o meu grupo”). 4. É inerente ao grupo a formação de um campo grupal dinâmico com a presença de fantasias, desejos, expectativas, ansiedades, resistências, transferências, identificações, papéis, etc. Assim como um organismo, o grupo busca sempre um estado de equilíbrio ( homeostasia ) entre essas emoções, tentando mantêlas, especialmente a ansiedade, em níveis toleráveis. Quando esse equilíbrio não ocorre, surgem conflitos no grupo, expressos por reações como subgrupos, perda de coesão, saída de participantes, surgimento de “bodes expiatórios”, ou mesmo a dissolução do grupo. São as chamadas Reações-G (formas de defesa), de acordo com Castilho (1998). 5. Um acontecimento específico do campo grupal é a ressonância . Assim como um diapasão acústico vibra na freqüência da nota musical emitida, um acontecimento ou uma emoção comunicada ao grupo vai ressoar nos demais participantes, produzindo uma associação com significado afetivo equivalente, mesmo que expresso de forma distinta. A ressonância é o equivalente grupal da “livre associação de idéias”, que ocorre em um tratamento individual. Em função disso, deve ser bem percebida e explorada ao longo do processo terapêutico.
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6. O encontro de pessoas no grupo produz um fenômeno que Foulkes denominou de galeria de espelhos , no qual cada participante pode refletir nos outros e ter refletidos pelos outros os vários aspectos de sua imagem social e psicológica. Isso oferece ao indivíduo uma oportunidade ímpar de corrigir identificações patológicas, produzindo novas identificações mais saudáveis. 7. Uma outra característica importante da dinâmica grupal é o desempenho de “papéis” que são adotados, temporária ou permanentemente, pelos membros do grupo: • Bode expiatório: o grupo projeta sua agressividade (ou atribui culpa) a um indivíduo, por dificuldade de enfrentar a causa real desse sentimento. Ele é expulso do grupo ou mantido como “bobo da corte”. • Porta-voz: o portador desse papel mostra o que o grupo pode estar, de forma latente, pensando ou sentindo. • Sabotador: por meio do recurso de resistência, o portador desse papel tenta obstruir o andamento da tarefa grupal. É, habitualmente, assumido por alguém com inveja excessiva e defesas narcisistas. • Vestal: alguém que assume a função de zelar pela “moral e os bons costumes”. O seu exagero tende a obstruir qualquer movimento de criatividade inovadora. • Atuador pelos demais: alguém que, delegado pelo grupo, toma atitudes proibidas (sedução do terapeuta, tentativa de namoro com outra pessoa do grupo, infidelidade conjugal, etc.). O grupo o critica, porém sente prazer pela execução de seus desejos proibidos. • Liderança: o grupo tem no terapeuta ou no coordenador um líder natural, porém, freqüentemente, existe um papel de liderança que é assumido espontaneamente por al-
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gum membro do grupo. Essa liderança pode ter um caráter integrador construtivo ou negativo e obstrutivo. Um sinalizador importante de um grupo que evolui bem e que está em crescimento é a rotatividade dos papéis e das lideranças. O contrário também é verdadeiro: papéis rígidos indicam um grupo estagnado. 8. A entrada ou saída de pessoas em qualquer tipo de grupo é sempre um momento de impacto, que evoca fortes sentimentos nos integrantes. Essa reação pode variar de acordo com o grau de coesão do grupo e com a natureza da entrada ou saída (uma alta exitosa, um abandono precoce, etc). O grupo muda, não é mais o mesmo, reorganiza-se em uma nova composição gestáltica com o estabelecimento de novas configurações vinculares. Um bom desfecho para esses movimentos implica crescimento para as pessoas; o contrário implica frustrações, desânimo e até novas saídas.
Formação do grupo Planejamento Para iniciar um grupo com finalidade terapêutica é preciso fazer um planejamento que deve funcionar como referência ao longo de toda a duração desse grupo. Isso certamente evitará dificuldades futuras como incertezas e mal-entendidos. Algumas questões devem ser respondidas: 1. Qual o objetivo que o terapeuta pretende que os pacientes atinjam (alívio de sintomas, apoio, insight , mudanças caracterológicas, etc.)? 2. Quem são os pacientes-alvo (adolescentes, adultos, pacientes com patologias específicas, pacientes regressivos, pacientes maduros, etc.)? 3. Qual será a técnica utilizada (foco no apoio, no insight , co-terapia ou não, fre-
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qüência de sessão, tempo estimado de tratamento, etc.)? 4. Quem é o terapeuta e qual é sua formação, ou seus recursos, a sua experiência (trabalha com supervisão ou não)? Um aspecto importante do planejamento, que deve ser lembrado, é o fato de que os grupos abertos, nos quais os pacientes entram e saem sem tempo pré-determinado, teoricamente não têm fim e podem durar dez anos ou mais. Em função disso, é fundamental que o terapeuta trabalhe nas melhores condições possíveis: horário adequado, pagamento sentido como justo, pacientes com quem tenha uma boa contratransferência, etc., para que possa estar satisfeito na sua atividade com o grupo. Caso contrário, se a atividade lhe for penosa, haverá um impacto negativo no resultado do tratamento.
QUESTÕES QUE DEVEM SER CONSIDERADAS NO PLANEJAMENTO DE UM GRUPO • Para que serve o grupo? (objetivos) • Para quem é o grupo? (população-alvo) • Como será feito o tratamento? (técnica utilizada) • Por quem será feito o tratamento? (recursos do terapeuta)
Evidências de eficácia, indicações e contra-indicações em psicoterapia psicodinâmica de grupo Os pacientes que têm indicação para psicoterapia psicodinâmica individual também têm indicação para grupo. O resultado de 23 estudos, utilizando ensaios randomizados controlados (ERCs) para comparar psicoterapia individual e de grupo, mostrou que o tamanho do efeito (TE) não exibiu diferença entre as duas modalidades, e ambas apresentaram uma grande diferença em relação ao grupo-controle (McRoberts; Burlingame; Hoag, 1998).
Outro estudo, de Toseland e Siporim (1986), revisou 32 trabalhos experimentais controlados que compararam terapias de grupo e individual. A terapia de grupo foi mais efetiva em 25% deles, e não houve diferenças significativas nos outros 75%. Tschuschke (1999) refere que, após uma revisão geral de estudos de ERCs, as terapias de grupo e individual são simultaneamente efetivas com relação à redução de sofrimento de patologia neurótica, psicossomática ou border- line . A psicoterapia de grupo é mais econômica e estimula a capacidade para desenvolver relacionamentos mais satisfatórios.
Indicações Todas essas pesquisas confirmam, portanto, a idéia de que a psicoterapia grupal e a individual têm a mesma eficácia, porém ainda assim precisamos tentar prever quais são os aspectos dos pacientes que indicam um bom ou mau resultado no grupo. Nesse sentido, podemos pensar em dois aspectos: diagnóstico clínico e carac- terísticas individuais . O diagnóstico clínico , de acordo com a CID10, tem baixo valor como fator preditivo do comportamento interpessoal em grupos heterogêneos (ou seja, como os pacientes vão “funcionar” em grupo). Isso não quer dizer, entretanto, que grupos com portadores de patologias específicas (homogêneos) não sejam efetivos. McDermut, Miller e Brown (2001), revisando 48 trabalhos com diferentes tratamentos para depressão , concluíram que grupos com deprimidos são efetivos, que o tratamento grupal e o individual têm tamanho de efeito (TE) equivalentes e que os grupos com técnica cognitivocomportamental se mostraram ligeiramente superiores aos grupos psicodinâmicos. O grupo é superior ao tratamento individual em: • Prevenção de recaída para pacientes com transtorno de uso de substâncias (álcool e drogas), por melhorar o apoio social (Graham et al., 1996); • Obesidade , com um efeito alcançado em parte por diminuição do estigma (Renjilian et al., 2001);
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• Pacientes com doenças médicas que aprendem a melhorar a auto-eficácia com seus pares (Fawzy; Fawzi; Wheeler, 1996). Essa lista não esgota a questão das indicações por diagnósticos, que necessita de mais pesquisas. Quanto s características pessoais que possam prever uma participação exitosa em grupo, a motivação é a principal delas (Brofman, 1992; Knauss, 2007). Motivação é um conceito que inclui a presença de sofrimento psíquico. Além disso, segundo Knauss (2007), devemos estar atentos para a capacidade de auto-revelação (expor-se no grupo), para a capacidade de feedback (influenciar e se deixar influenciar) e para a his- tória de interações em grupos sociais que, independentemente de ser satisfatória ou não, não con-
tra-indica o grupo. Ao contrário, a maioria dos terapeutas concorda que problemas no domnio interpessoal constituem critérios de inclusão. Por exemplo, solidão, timidez, incapacidade de ser íntimo, competitividade excessiva, agressividade, suspeição, problemas com autoridade, narcisismo, incapacidade de compartilhar, sentimento de não ser amado, medo de assertividade, servilismo e dependência (Yalom; Leszcz, 2006). Os testes psicológicos padronizados, como o teste de Rorschach, o Minnesota Multiphasic Personality Inventory (MMPI) e o teste de
apercepção temática (TAT), não produzirão previsões úteis para a psicoterapia grupal. Contra-indicações Quanto às contra-indicações, segundo Zimmerman (1997a), incluem–se aqueles pacientes que: • Estão pouco motivados para um tratamento longo e difícil. • Sejam excessivamente deprimidos, paranóides ou narcisistas. • Apresentam forte tendência a actings de natureza maligna (p. ex., pacientes psicopatas). • Tenham riscos agudos, principalmente o de suicídio. • Apresentam déficit intelectual ou uma elevada dificuldade de abstração.
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• Estejam no auge de uma séria situação crítica. • Pertencem a uma categoria profissional ou política que representa sérios riscos para uma eventual quebra do sigilo grupal. • Tenham uma história com várias terapias anteriores interrompidas (abandonadores compulsivos).
Pode-se acrescentar a essa lista pacientes com alcoolismo ou dependência química severa. Também, é importante lembrar que muitos desses pacientes listados são contra-indicados em grupos heterogêneos, porém têm indicação para grupos homogêneos (grupos com pacientes com a mesma patologia ou situação de risco).
Seleção Uma boa seleção de pacientes e a composição adequada de um grupo constituem a premissa fundamental para o bom andamento e para o sucesso da terapia de grupo. Essa seleção é feita por meio de entrevistas individuais que têm por objetivo verificar algumas características e condições do candidato. É comum entre os vários autores e corresponde à nossa experiência que não se deve ter pressa nesse processo, mesmo que para isso sejam necessárias, por exemplo, cinco ou seis entrevistas.
AS TAREFAS DA SELEÇÃO INCLUEM • Estabelecer o(s) diagnóstico(s) psiquiátrico(s) • Estabelecer um diagnóstico psicodinâmico que inclua o nível do desenvolvimento psicológico do paciente e sua capacidade para psicoterapia que busca o insight • Avaliar a motivação para um tratamento longo e frustrante em alguns momentos • Obter a história de relações interpessoais em grupos sociais e familiar • Verificar as condições logísticas (capacidade de pagamento dos honorários, de atender às sessões, estabilidade geográfica) • Planejar a composição do grupo
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Composição O funcionamento de um grupo, sua cultura, sua organização gestáltica e sua “produtividade” são fortemente influenciados pela composição (ou agrupamento, como denominam alguns autores) de seus membros. Em função disso, o terapeuta deve tentar compor pacientes que tenham menor probabilidade de um término prematuro (abandono), visando a estabelecer ou manter a integridade grupal, o que facilita a coesão, que é a principal diretriz na composição de grupos terapêuticos (Yalom; Leszcz, 2006). Nesse sentido, o terapeuta tem a difícil tarefa de prever, nas entrevistas de seleção, o comportamento interativo do indivíduo com o grupo e do grupo com o novo membro. Ele deve se valer dos seus sentimentos e contratransferências, que constituem um excelente indicador da complementaridade de papéis possíveis de serem desempenhados e de seu impacto, positivo ou negativo, na integridade do grupo. Alguns princípios, citados por Yalom e Leszcz (2006) devem ser utilizados como guias na composição de um grupo. • Os pacientes recriam seus padrões de relacionamento típicos dentro do microcosmo do grupo. • Variáveis ligadas à personalidade e ao apego são indicadores mais importantes do comportamento no grupo do que o diagnóstico. • Pacientes que sejam rigidamente dominadores ou rejeitadores atrapalharão o trabalho do grupo. • Pacientes ansiosos por envolvimento e dispostos a correr riscos sociais promoverão o trabalho de grupo. • Os pacientes que são menos confiáveis, menos altruístas ou menos cooperativos provavelmente terão dificuldades com a exploração e com o feedback interpessoal e podem necessitar um grupo mais solidário. Para grupos psicodinâmicos de longo prazo, é útil ainda que a composição contemple
uma homogeneidade quanto à capacidade intelectual e à de suportar ansiedade (força de ego) e heterogeneidade em áreas de conflito, dificuldades interpessoais, gênero e nível de atividade.
EXEMPLO CLÍNICO Um paciente de 59 anos, com fortes traos obsessivos, busca atendimento. Ele refere que teve uma experiência bem-sucedida de tratamento grupal, 30 anos antes, com um famoso terapeuta. Est aposentado h um ano e queixa-se de desânimo e falta de objetivos. Após duas sesses individuais, o terapeuta, baseado na boa experiência que o paciente refere, o inclui em um grupo composto de um homem (28 anos) e três mulheres (29, 34 e 36 anos). Na primeira sesso, o grupo abre um espao e o paciente conta sua história. Ele passa a falar em seguida, em um tom professoral e usando uma linguagem erudita, de como o grupo antigo era ótimo e das suas vicissitudes como escritor (ele um escritor amador). Nessa sesso o grupo se mostra receptivo. No segundo encontro esse arranjo se mantm e comea a surgir uma tenso entre todos. O paciente novo se manteve em um papel monopolista at o quarto encontro, quando, abruptamente, abandona o grupo.
Esse exemplo mostra um erro técnico do terapeuta, que não avaliou adequadamente os importantes aspectos narcisistas do candidato, baseando-se mais na história que o paciente trouxe, de boa vivência grupal. Também, não considerou o impacto da diferença de idade que o estimulou a assumir o papel de “professor” (o que detém os conhecimentos) no grupo. O terapeuta falhou na seleção (diagnóstico psicodinâmico) e na composição, além de não ter preparado o candidato. Os pacientes do grupo experimentaram sentimentos de terem sido agressivos e pouco receptivos (culpados), até concluírem que o novato não suportou o setting grupal.
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Preparao A importância de preparar um paciente para ingressar em um grupo terapêutico vem ganhando um espaço crescente na literatura, e isso decorre do fato de que inúmeras pesquisas têm demonstrado claramente que essa atividade contribui na eficácia do processo grupal. Entre esses resultados, estão um aumento da freqüência, da auto-revelação, da auto-exploração e da coesão grupal (Yalom; Leszcz, 2006). A preparação segue-se à seleção e é feita em uma ou, preferencialmente, várias sessões individuais. Ela tem os seguintes objetivos (Yalom; Leszcz, 2006): • Esclarecer concepções errôneas, medos e expectativas irreais; • Prever e reduzir a emergência de problemas no desenvolvimento do grupo; • Proporcionar aos pacientes uma estrutura cognitiva que facilite a participação efetiva no grupo; • Produzir expectativas realistas e positivas sobre a terapia de grupo. Vejamos alguns dos possíveis medos apresentados pelos pacientes (Mascarenhas, 1987):
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grupal se inicie; a partir desse momento, deixam de sê-lo. Além disso, entre os companheiros de grupo, ninguém é casado ou sócio de ninguém. Não se é vizinho ou se trabalha na mesma empresa, não se disputa emprego, amigo ou namorado. É mais fácil se abrir com eles do que com os nossos, assim chamados, melhores amigos. O grupo, geralmente, mantém uma atmosfera de “guarda baixa”. Percebe-se com alívio que certos temas muito íntimos são naturalmente comunicados pelos outros e recebidos, pelo terapeuta, com um olhar de compreensão e não-moralista (como é comum fora da terapia). Portanto, abrir-se em um ambiente social pode ser mais difícil do que em um grupo terapêutico. • Medo de contágio psíquico: “já tenho tantos problemas, sou tão influenciável e ainda vou ter que ouvir problemas e o baixo-astral dos outros”. É compreensível esse temor, pois nos grupos sociais (em que há um certo pudor para se despejar problemas) é assim que acontece, imaginem, então, em um grupo terapêutico “onde as pessoas vão para levar os seus problemas”. Na terapia, rapidamente, se aprende que um problema (ou sintoma) é visto como uma comunicação que embute uma idéia ou um sentimento que lhe dá um sentido, tornando-o, então, digerível. • Medo de não ser bem-recebido e de não estar à altura dos outros: esse temor é freqüente, embora nem sempre revelado a princípio para não causar “máimpressão”. Habitualmente, trata-se de uma reedição do que o paciente costuma viver em seus grupos sociais ou familiar. A terapia lhe ajudará a quebrar esse círculo.
• O tempo compartido: com freqüência, por trás da legítima pergunta do candidato de “quantas pessoas tem no grupo” está a idéia do tempo compartido (sessão de 60 minutos e com seis pacientes = dez minutos para cada um). Essa idéia reflete um desconhecimento da terapia grupal. Quando alguém fala no grupo (paciente ou terapeuta) todos ouvem. Um paciente não “tira” a fala do outro, mas, muitas vezes, diz coisas que os outros não ousariam dizer, facilitando a análise de todos. Além dos medos, outros problemas comuns • Medo de no se abrir no grupo: o ao grupo devem ser abordados na etapa de pretemor é “se já tenho dificuldade de falar paração: com pessoas conhecidas, imagina no meio de estranhos”. Os membros do gru• Freqüência irregular/término premapo só são estranhos até que o processo turo: essas duas questões têm um impac-
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to desestruturante, particularmente em grupos que esto em estgios iniciais, dificultando um ambiente de coeso e estimulando temores de dissoluo. Uma rotatividade elevada cobra do grupo muito tempo e energia, afastando-o de um ambiente de melhor produtividade teraputica. O terapeuta deve prevenir esses eventos, especialmente com pacientes novatos em psicoterapia e/ou com potenciais problemas transculturais.
• Percepção de incompatibilidade de objetivos: no início de um tratamento é freqüente os pacientes não perceberem a congruência entre os objetivos do grupo (coesão, atmosfera de confiança, foco interacional) e os seus objetivos pessoais (alívio do sofrimento). Isso pode ser uma importante fonte de perplexidade e dúvidas, podendo levar a um abandono precoce. • Conforto imediato: ao contrário da terapia individual, é comum os pacientes que ingressam em um grupo não sentirem um conforto imediato. Eles podem se frustrar por não terem tempo suficiente nas primeiras sessões, sentindo-se prejudicados na sua individualidade. Também, podem ficar ansiosos com a interação interpessoal. É preciso ter atenção com aqueles pacientes que vêem na terapia individual uma fonte de gratificação para suas necessidades narcisistas.
Enquadre grupal (setting ) O enquadre grupal é o conjunto de regras e combinações que organizam e possibilitam o processo grupal terapêutico. São as “regras do jogo”. Ele inclui os aspectos práticos do tratamento: local, horário, freqüência e duração das sessões, honorários, férias, número de participantes, grupo aberto ou fechado, etc. Ao mesmo tempo, o enquadre também funciona como um “organizador psicológico” que estabelece limites e funções e proporciona a segurança necessária para os pacientes poderem se desnudar ao longo do tratamento. Ele é um conti-
nente para as interações necessárias. Um exemplo disso está na mudança de “clima” que ocorre entre os pacientes quando saem da sala de espera e entram na sala de atendimento para iniciar a sessão. Dessa função decorre a importância do enquadre ser mantido firmemente estável e constante. Mudanças de horário e falta do terapeuta devem ser evitadas ao máximo. Os principais aspectos do enquadre grupal estão relacionados a seguir: • Grupo aberto ou fechado: grupo aberto é aquele que, sempre que houver vaga, poderá receber novos pacientes. O grupo fechado começa e termina com os mesmos participantes, normalmente ocorrendo em instituições e com tempo predeterminado. Os grupos psicodinâmicos, em sua grande maioria, são abertos e com tempo ilimitado. • Homogêneo ou heterogêneo: esses termos se referem a algumas características básicas na composição dos pacientes. Na prática, se denomina grupo homogêneo os que reúnem pacientes com a mesma patologia (alcoolistas, borderlines , deprimidos, etc.). Os grupos psicodinâmicos abertos com tempo ilimitado são geralmente compostos por pessoas com patologias distintas ou sem nenhuma patologia psiquiátrica, portanto, heterogêneos, mas respeitando uma certa homogeneidade quanto à força de ego e quanto ao nível intelectual e sócio-cultural. • Freqüência e duração das sessões: o enquadre mais freqüente para essa modalidade grupal está entre uma e duas sessões por semana, com tempo variável entre 60 minutos (duas vezes por semana) e 90 minutos (uma vez por semana). • Número de pacientes: esse número varia na literatura, porém a maioria dos autores aponta um limite entre quatro e dez participantes. Além disto, essa é uma variável que depende do estilo e da preferência do terapeuta. Particularmente, apontaria como ideal cinco a sete pessoas. Abaixo de cinco existe uma tendência de se perder a dinâmica grupal, tor-
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nando-se um tratamento individual em grupo. • Idade e sexo: praticamente todos os gru-
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pos psicodinâmicos são mistos quanto ao sexo. Deve-se buscar ter mais de um participante de cada sexo. Quanto à idade, existem variações: alguns preferem trabalhar com faixas etárias mais estreitas, como adultos jovens (20 a 30 anos) ou adultos tardios (acima de 50 anos), enquanto uma maioria vê vantagem em ter no grupo representantes de diversas faixas etárias (20 a 65 anos), pois traria uma gama maior de experiências e ofereceria a possibilidade de se estabelecer pares vinculares: pais/filhos ou avós/netos. Co-terapia e observador de grupo: são duas possibilidades que os grupos oferecem. A co-terapia é mais freqüente com crianças, adolescentes e famílias e exige uma harmonia dos dois terapeutas para não criarem uma atmosfera de rivalidade e competição. A observação de grupos é um recurso de excelente qualidade utilizado em contexto de ensino.
Evolução de um grupo Examinaremos agora alguns aspectos pertinentes à evolução de um grupo: fatores terapêuticos, técnicas, pacientes monopolizadores e silenciosos e término.
Fatores terapêuticos (como funciona um grupo) A experiência clínica e muitas pesquisas já demonstraram claramente que a terapia de grupo ajuda os pacientes. Mais difícil, porém, é responder como ela ajuda. A vivência exitosa de uma pessoa em psicoterapia psicodinâmica envolve uma situação única e complexa de experiências das quais os terapeutas têm apenas uma pálida idéia. Apesar disso, a experiência de 100 anos de prática grupal, corroborada por pesquisas, já apontou uma série de fatores terapêuticos responsáveis
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pelas mudanças que os pacientes apresentam. A sua identificação proporciona uma base racional para que se busquem técnicas e estratégias que facilitem a ocorrência desses fatores. Eles poderão ocorrer em uma composição diferente dependendo do tipo de grupo (curto prazo, longo prazo, insight , apoio, etc.), do momento (fase inicial, fase avançada), das características (força de ego) e das necessidades dos pacientes (Yalom; Leszcz, 2006). Alguns fatores terapêuticos responsáveis pelas mudanças apresentadas pelos pacientes seriam: 1. Instilação de esperança : a esperança de melhora está significativamente relacionada com o resultado positivo na terapia. Também ajuda a manter o paciente em terapia até que outros fatores façam efeito. 2. Universalidade: a descoberta de que a maioria dos pensamentos, problemas, impulsos e fantasias assustadoras e inaceitáveis são comuns à maioria dos pacientes é uma poderosa fonte de alívio e funciona como um facilitador de novas revelações. 3. Compartilhamento de informações: esse fator é constituído pelos aspectos educacionais implícitos em uma terapia. O paciente aprende sobre o funcionamento psíquico, o significado dos sintomas e a dinâmica interpessoal, o que o ajuda a perceber, compreender e lidar com as suas manifestações emocionais. Em alguns grupos (homogêneos, curta duração, etc.) esse fator pode ser central. 4. Altruísmo: a possibilidade de ajudar alguém, que o grupo oferece, tem um impacto positivo importante para a maioria dos pacientes. Alguns vêm à terapia desmoralizados, deprimidos. Descobrir que podem ser importantes para os outros e que têm algo de bom e de valor para dar melhora sua auto-estima. Esse fator inclui o que se denomina processo de reparação. 5. Recapitulação corretiva do grupo familiar primário: a maioria dos pacien-
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tes tm uma experincia insatisfatria com o seu grupo primrio, a famlia. O grupo teraputico se assemelha a uma famlia, com figuras parentais de autoridade (o terapeuta, membros mais velhos) e figuras fraternas. Isso favorece o aparecimento de reaes distorcidas que so as transferncias, que ajudam a compreender os vnculos familiares internalizados que cada um carrega e a corrigilos no aqui-e-agora do grupo.
6. Desenvolvimento de técnicas de socialização: isso pode ser alcanado por meio de um treinamento, como em grupos com pacientes hospitalizados que se preparam para ter alta, ou por meio do feedback proporcionado pelos membros do grupo psicoteraputico. Com freqüência, existe uma discrepância entre a intenção do paciente e o verdadeiro impacto que suas ações produzem nos demais. O grupo ajuda-o a perceber essa diferença, corrigindo-a e facilitando suas interações sociais futuras. Atitudes sociais mal-adaptativas como arrogância ou humildade excessiva são rapidamente assinaladas. 7. Comportamento imitativo: o paciente que ingressa em um grupo tende a ir absorvendo o modelo que o terapeuta e os demais membros lhe oferecem de encarar angústias e incertezas, de enfrentar conflitos e de se relacionar, comunicar e pensar as experiências emocionais que se passam na vida intra e interpsíquica de cada um. Esse processo ajuda a pessoa a desfazer antigas identificações, geralmente patológicas, substituindo-as por novas identificações mais sadias que o ajudam na construção de um sentimento de identidade. Às vezes, esse é o processo que explica a melhora de pacientes silenciosos, que pouco se expõem no grupo. 8. Aprendizagem interpessoal: a aprendizagem interpessoal é um fator terapêutico muito importante. Ela inclui outros fatores como insight , resolução da trans-
ferência e a experiência emocional corretiva. O grupo em seu desenvolvimento normal constitui um microcosmo social no qual, vencidas as resistências iniciais, cada um expõe o seu formato de relacionamento interpessoal por meio de múltiplas transferências como paciente-terapeuta, paciente-paciente e paciente-grupo. Essas transferências surgem a partir de experiências de interações antigas que constroem um modelo vincular interno que molda os padrões de apego da pessoa ao longo da vida. Esse modelo consiste nas crenças da pessoa sobre si mesma, na maneira como ela entende os sinais dos relacionamentos e no comportamento interpessoal, não apenas o seu, mas o tipo de comportamento que ela evoca em outras pessoas. Por exemplo, filhos de pais depressivos podem sentir que devem se manter conectados e apegados aos outros, que não devem fazer exigências e que devem suprimir sua independência e subordinar-se às necessidades emocionais dos outros. Esse modelo induz os outros a tratá-los dessa forma. Uma pessoa com uma auto-imagem negativa pode (por projeção ou desatenção seletiva) achar que outra a trata de forma severa e a rejeita. Além disso, pode desenvolver traços comportamentais como servilismo, antagonismo defensivo e condescendência, fazendo com que os outros sejam, de fato, severos e a rejeitem. São as chamadas “profecias autorealizáveis”. O terapeuta deve estar atento e ser capaz de perceber esses modelos transferenciais para ajudar o paciente, em um primeiro momento, a percebê-los e, depois, a assumir responsabilidade pelo que evoca nos outros para, finalmente, aprender novos padrões de relacionamentos mais satisfatórios, desfazendo esse mapa interpessoal rígido e limitante. Os grupos têm um papel fundamental nessa mudança: primeiro, denunciando a distorção transferencial e,
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depois, produzindo um consenso que ajuda o paciente a mudar a sua visão distorcida. “Se todos estão dizendo, deve ser verdade”. 9. Coesão grupal: a coesão grupal refere-se à atratividade que os membros sentem por seu grupo e pelos outros membros. Em um grupo coeso, os pacientes sentem afeto, conforto e um sentimento de pertencimento ao grupo. Eles valorizam o grupo e sentem que são valorizados, aceitos e amparados pelos outros membros, constituindo um relacionamento terapêutico adequado, que é uma condição sine qua non para uma terapia efetiva; ou seja, a coesão é necessária para que os outros fatores terapêuticos funcionem de maneira ótima. O equivalente a essa condição na terapia individual é a aliança terapêutica. A coesão contribui para produzir um circuito de auto-reforço positivo: confiança – auto-revelação – empatia – aceitação – confiança. Não devemos pensar, porém, que coesão é sinônimo de amor ou de um fluxo contínuo de declarações solidárias e positivas. Ao contrário, é uma condição que permite aos pacientes lidar com conflitos, com hostilidade entre eles e com o terapeuta, fazendo revelações penosas, tolerando e transformando esses sentimentos em uma situação que proporcione crescimento. Além disso, os grupos coesos são mais estáveis e têm maior freqüência e menor rotatividade. Resumindo, a coesão favorece a auto-revelação, a aceitação de riscos e a expressão construtiva de conflitos no grupo, o que facilita muito o sucesso da terapia. 10. Catarse: a catarse, ou manifestação emocional de afetos reprimidos, não é, por si só, um fator de mudança, porém a sua expressão funciona promovendo vínculos de apoio com os outros pacientes do grupo. Um grupo terapêutico sem a expressão franca de emoções pode se tornar um processo acadêmico estéril.
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11. Fatores existenciais: são fatores que pouco aparecem na literatura, porém ajudam a estabelecer algumas reflexões: • Reconhecer que a vida, às vezes, é injusta; • Reconhecer que, não importa o quanto eu me aproxime de outras pessoas, ainda devo enfrentar a vida sozinho; • Enfrentar as questões básicas de minha vida e da morte e assim viver minha vida de forma mais honesta e prender-me menos a trivialidades; • Aprender que devo assumir a responsabilidade completa pela maneira como levo a vida, não importa quanto apoio e orientação eu receba dos outros.
Técnicas utilizadas
Associação livre Na terapia de grupo psicodinâmica (de orientação psicanalítica) é uma técnica central. Os pacientes são encorajados a serem espontâneos na comunicação de seus pensamentos e sentimentos, especialmente em relação aos outros membros. No grupo, a associação livre ocorre em dois planos: o individual (como em terapia individual) e o grupal, em que a comunicação de um tema por um paciente desperta nos outros as suas próprias associações sobre esse tema. Isso é chamado de fenômeno de ressonância. Esse conjunto de associações constrói um tema comum que se denomina de emergente grupal.
Foco no aqui-e-agora Partindo da idéia do grupo como um microcosmo social, e de que os pacientes tenderão a reeditar nesse ambiente seus relacionamentos e condutas, freqüentemente mal-adaptados, o terapeuta deve tentar identificá-los e interpretá-los. Deve respeitar, porém, o momento em que eles estejam maduros para processar
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essas informaes (timing ) e proceder mudanas significativas. Não se interpretam apenas situaes do
aqui-e-agora. Eventos extragrupais trazem idéias muito claras a respeito do funcionamento psíquico dos pacientes, porém o que ocorre no grupo, especialmente os vínculos que se formam, tem uma força dramática (emocional) maior, o que facilita um insight emocional, necessário para mudanças efetivas. Além disso, o que ocorre no aqui-e-agora pode ser validado pelo grupo, o que ajuda muito a diminuir as resistências do paciente.
Feedback Feedback , ou retroalimentação, é um fato exclusivo das terapias grupais. Além do terapeuta, os membros de um grupo trocam informações que reforçam ou questionam idéias e condutas e apresentam percepções distintas às do paciente. O feedback aumenta à medida que o grupo se torna mais coeso. As informações trocadas, às vezes, não são bem colocadas na intensidade ou no tempo adequado ( timing ), mas ainda assim constituem um poderoso estímulo para o insight e a mudança. O terapeuta deve respeitar e encorajar essa troca fecunda entre os pacientes, lembrando que, muito freqüentemente, a resistência entre os membros do grupo é menor.
Interpretação A interpretação ajuda o paciente a adquirir um entendimento das motivações e dos conflitos que estão na base de sua conduta. Em um grupo, as interpretações podem ser dirigidas a um paciente específico, à interação ou ao vínculo entre os pacientes, à interação entre um ou vários pacientes com o terapeuta, a um subgrupo de pacientes ou ao grupo como um todo. De acordo com Zimmerman (1997b), é mais adequado utilizar a expressão atividade interpretativa, que é mais abrangente, do que a interpretação transferencial psicanalítica clássica. Segundo esse autor, essas atividades incluiriam:
• Discriminar as individualidades, ainda que sempre em conexão com o denominador comum do contexto grupal; • Valorizar os aspectos extratransferenciais; • Utilizar constantemente: – perguntas que instiguem reflexões e correlações – clareamentos – assinalação de paradoxos, lapsos, desempenho de papéis, linguagem nãoverbal – abertura de novos ângulos de percepção dos fatos – confrontos com a realidade; • Valorizar a assinalação de como os pacientes utilizam as suas “funções de ego”, como percepção, pensamento, linguagem, comunicação, juízo crítico e conduta; • Valorizar os aspectos positivos da personalidade, como, por exemplo, os que estão nas entrelinhas de muitas resistências e atuações; • Enfatizar o desempenho de papéis fixos e estereotipados presentes no grupo e que são reprodução da vida do paciente; • Valorizar especialmente os problemas de comunicação (mal-entendido, distorções, como se entendem as interpretações, comunicação não-verbal, etc.); • Valorizar os aspectos contratransferenciais, que podem tanto ser um importante veículo de comunicação primitiva como podem levar ao risco de contrair conluios inconscientes com os pacientes; • Produzir, ao final de cada sessão, uma síntese (não é o mesmo que um resumo) das principais experiências afetivas ocorridas, sempre visando à integração e coesão grupal; • Estimular os próprios pacientes a exercerem uma função interpretativa. Em relação a esse tópico, o terapeuta pode achar útil validar interpretações corretas e apontar as incorretas. As transferências, que no caso de grupo são múltiplas, além
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das resistências e actings são aspectos centrais, não-exclusivos, de uma terapia psicodinâmica. A transferência está descrita no fator terapêutico número 8, aprendizagem interpessoal.
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o grupo, expressão da resistência dos demais (porta-voz), etc. O silêncio é visto como um comportamento, no aqui-e-agora do grupo, expressando uma maneira de relacionamento interpessoal. O manejo adequado depende da compreensão da dinâmica do silêncio. Enquanto isso não é possível, o terapeuta deve incluir a conduta do silencioso no contexto das interpretações, Os pacientes sem exercer uma forte pressão para que ele fale monopolizadores/silenciosos e, ao mesmo tempo, sem deixá-lo no esqueOs pacientes monopolizadores têm uma cimento. Existem inúmeras outras configurações que necessidade compulsiva de atrair a atenção do grupo sobre si. Eles podem fazê-lo por meio de têm um forte potencial obstrutivo no processo um discurso prolixo e detalhista ou assumindo terapêutico: o paciente desviador de assunto, o o comando do grupo por meio de interroga- sabotador, o atuador, o queixoso que rejeita ções e observações, utilizando uma conduta se- ajuda, o aborrecido, etc. dutora ou hipomaníaca, entrando excessivamente no tema dos outros ou até mantendo uma postura cronicamente depressiva. Esses pacientes têm uma estrutura fortemente narcisista e, EXEMPLO CLÍNICO por isso, têm uma grande dificuldade de sair da relação diádica com o terapeuta. O grupo Um paciente com 30 anos veio à procura de trafica reduzido a um conglomerado amorfo extamento em grupo. Ele teve em um passado recencluído de decisões e interferências. Uma confite dois episódios depressivos, embora na ocasião guração desse tipo causa um estancamento no estivesse assintomático. Ele ingressou em um gruprocesso terapêutico, pois os pacientes, embopo com três mulheres (26, 28 e 35 anos). Após um ra interajam, apenas perpetuam esse modelo. breve período inicial, em que permaneceu mais É mais efetivo o terapeuta considerar a situquieto, o paciente começou de forma crescente a ação do ponto de vista vincular: o monopolifazer relatos cada vez mais longos e detalhados de zador e os monopolizados. Essa abordagem inúmeros aspectos do seu dia-a-dia: como foram diminui o risco de haver bodes expiatórios e ótimo seu fim de semana, seus passeios, como esilumina o papel de cada um. Não se deseja catava bem profissionalmente e, principalmente, o lar o monopolizador, mas sim abrandar sua esrelato minucioso de suas conquistas amorosas. trutura defensiva e poder comunicar a verdaEssas situações obedeciam a um padrão repetitivo: deira natureza de seus temores e necessidades. o paciente se empenhava na conquista e, assim Embora menos perturbadores do que os que a pessoa se envolvia afetivamente, ele se demonopolizadores, os pacientes silenciosos tamsinteressava e se afastava. As outras pacientes do bém constituem um problema. É um consenso grupo passaram, por sua vez, a ficar mais quietas clínico e experimental que esses pacientes não e a formar uma platia que ouvia atentamente os se beneficiam com o grupo na terapia de longo seus relatos minuciosos e sedutores. Havia um cerprazo. to prazer no grupo com a situação que se criou, a Várias questões podem estar por trás do siponto de, quando ele estava mais quieto ou não lêncio: inibições fóbicas ou esquizóides, expresiniciava a sessão, algum o estimular a falar. Esse são de uma atitude hostil (de desafio ou desdém), arranjo durou alguns meses, com as pacientes desuma forma de resistência à revelação de sentilumbradas (sem luz própria) e, portanto, submetimentos que o paciente não pode reconhecer ou das. Os seus temas apareciam de forma marginal. compartilhar, uso do silêncio para monopolizar
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Considerações sobre o exemplo clínico Apesar das inúmeras interpretações feitas pelo terapeuta, o arranjo não sofria alterações significativas. O paciente aceitava intelectualmente que tinha várias mulheres e que talvez fosse bom ter uma namorada fixa, mas, ao mesmo tempo, admitia que a situação lhe dava prazer e o colocava em destaque perante os amigos. As mudanças mais efetivas iniciaram quando as pacientes começaram a se cansar desses relatos e a estabelecer críticas à sua conduta de “Don Juan”, algumas delas manifestadas com agressividade. Fizeram também uma reclamação do espaço excessivo que o paciente ocupava no grupo. A situação dois anos depois é bastante diversa. O paciente pôde abrandar sua postura narcisista e, depois de algumas tentativas, tem uma namorada estável há um ano. Ele verbalizou ao grupo que, se não se sentisse “no máximo” de seu desempenho, temia ser visto como um “chutador” (uma fraude), e que não tolerava essa idéia. Com a ajuda das interpretações do terapeuta, as pacientes puderam compreender que esse vínculo, que se manteve rígido durante algum tempo, só foi modificado a partir do momento que elas puderam romper a sua passividade, conduta que passaram a adotar com mais freqüência em suas vidas. Nesse exemplo podemos ver algumas situações: 1. Os pacientes podem lidar de formas distintas com sentimentos depressivos. Enquanto o paciente conquistador empregava defesas narcisistas para tentar preencher suas intensas expectativas e as que supunha que os outros teriam dele, as mulheres do grupo adotavam a passividade. 2. Na interação, os integrantes do grupo reproduziram os seus modelos vinculares. De fato, o paciente estabeleceu um papel monopolista sedutor, e as mulheres adotaram um papel submisso, secun-
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dário, o que correspondia aos modelos que adotavam em suas vidas. Esse quadro começou a se modificar, efetivamente, quando as pacientes deixaram de validar a conduta desse homem e passaram a funcionar como espelhos (galeria de espelhos), refletindo a sua imagem e ajudando-o a corrigir as suas distorções transferenciais. O paciente não pôde seguir com suas defesas de onipotência e negação, “se todos estão dizendo, então deve ser verdade”. Com freqüência, os membros do grupo aceitam melhor as colocações de seus pares. As pacientes puderam perceber e aceitar a sua responsabilidade sobre aquele arranjo. As mudanças ocorridas na interação desse grupo se deu por meio da aprendizagem interpessoal com seus três componentes: insight , resolução da transferência e experiência emocional corretiva. A percepção de terem sido capazes de suportar essa crise produziu um aumento na coesão grupal, com mais confiança, auto-revelação, empatia e aceitação.
Questões em aberto e perspectivas futuras A psicoterapia psicodinâmica de grupo tornou-se, em nosso meio, muito popular e foi bastante utilizada nas décadas de 1960, 1970 e 1980 (um verdadeiro boom ), utilizando um modelo teórico-técnico kleiniano, que via o grupo como um todo, não abordando o indivíduo. Com a percepção crescente de que esse modelo não respondia às demandas dos pacientes e dos terapeutas, além de produzir um certo artificialismo, houve um refluxo importante na utilização dessa modalidade terapêutica. Essa crise gerou uma busca de novos modelos teóricos, especialmente o modelo interacional (vincular), com as conseqüentes alterações na técnica.
Psicoterapias
Esse avano na tcnica, a comprovao advinda de inúmeras pesquisas de que a terapia grupal to eficaz quanto a terapia individual, o custo menor, que a torna acessvel a um número maior de pessoas e a possibilidade, exclusiva do grupo, de proporcionar um “treinamento de habilidades sociais” prevem um futuro pleno de possibilidades para o crescimento e desenvolvimento dessa modalidade de terapia. Um aumento da demanda j visvel em algumas reas: pacientes com doenas mdicas, dependncias de substncias e alcoolismo e grupos de auto-ajuda desenvolvidos especialmente em instituies (ambulatrios, reas de cuidados primrios e hospitais). Duas questes, em minha opinio, esto em aberto: a formao de terapeutas grupais e as pesquisas. Existem poucos terapeutas grupais com formao e treinamento adequado, o que decorre, em nosso meio, do pequeno nmero de institutos de formao e certificao. É um erro pensar que conhecer as teorias psicanalticas e ter experincia com tratamento individual torne o terapeuta capaz de coordenar grupos. Esse procedimento, que ocorre com alguma freqüncia, tende a comprometer o resultado final, inclusive com aspectos iatrognicos. As pesquisas com ensaios clnicos controlados vm ajudando a delinear alguns caminhos para a psicoterapia. Busca-se conhecer melhor o que funciona nos grupos, quais os pacientes que tm indicao e que podem obter o melhor resultado, e quais os transtornos (os seus portadores) que respondem de forma eficaz a essa tcnica. J se caminhou bastante, porm ainda h muito por fazer, especialmente, comparando terapias diversas para determinadas patologias. Tambm, necessrio melhorar o dilogo entre clnicos e pesquisadores. Boa parte dos terapeutas no modifica sua conduta com base nos achados de pesquisas. Ao mesmo tempo, os pesquisadores, freqentemente, no se envolvem com questes que se relacionam com a prtica clnica cotidiana. O avano nessas questes contribuir de forma significativa para o desenvolvimento dos grupos.
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Considerações finais Vrios autores contemporneos, como Erikson, enfatizam que a principal razo pela qual as pessoas buscam auxlio psicoterpico em nossos dias no o desejo de verem esclarecido o passado imutvel, e sim sua insatisfao com o presente e o desejo de introduzir nele mudanas que permitam redimensionar suas potencialidades humanas no futuro (Osorio, 1997). De acordo com essa perspectiva, vemos um movimento em que o foco se desloca do “ontem” para o “hoje”, e do “porqu” para o “como”. A psicoterapia psicodinâmica de grupo incorpora essa mudana e chega ao auge de uma longa evoluo, na qual os elementos da vida intrapsquica cedem o centro da ateno para os aspectos interacionais, a vida de relao, e para os vnculos do indivduo. “O foco interacional o motor da terapia de grupo” (Yalom; Leszcz, 2006). Essa mudana de foco vem ao encontro da vocao natural do grupo de criar um microcosmo social em que os pacientes dramatizam (“hoje”) seus modelos interacionais (“como”), permitindo seu exame e sua modificao para vnculos mais gratificantes e sadios. Essa evoluo traduz a busca do que o grupo tem de melhor a oferecer para as pessoas que buscam essa modalidade.
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18 Terapia cognitivo-
comportamental em grupo para transtornos de ansiedade Elizeth Heldt Aristides Volpato Cordioli Daniela Zippin Knijnik Gisele Gus Manfro
A terapia cognitivo-comportamental (TCC) em grupo é uma modalidade de terapia que,
cada vez mais, vem sendo utilizada no tratamento de vários transtornos psiquiátricos em razão da sua confirmada eficácia, de seu custo menor e de possibilitar o acesso a um número maior de pacientes. Particularmente nos transtornos de ansiedade, o seu uso vem se ampliando a cada dia. O presente capítulo descreve a TCC em grupo nos transtornos de ansiedade, salientando os fatores terapêuticos grupais como facilitadores para o uso das técnicas cognitivas e comportamentais. São apresentados os protocolos para TCC em grupo para transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno de pânico e ansiedade social. É abordada a formação de um grupo de TCC, desde a seleção dos participantes até aspectos como a duração da terapia, a estrutura das sessões e o papel do terapeuta. Por fim, são discutidas as evidências de eficácia, as limitações da TCC em grupo nos transtornos de ansiedade, as questões em aberto e as perspectivas futuras. A terapia cognitivo-comportamental (TCC) tem por objetivo o tratamento de problemas
específicos, com objetivos definidos. É uma terapia estruturada, com foco no presente, e com
metas definidas (White; Freeman, 2003; Coon et al., 2007). Fundamenta-se em um modelo terico testvel, sendo que, nas últimas dcadas, inúmeras pesquisas demonstraram sua efi-
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cácia para diferentes transtornos psiquiátricos (Butler et al., 2006; Beck, 2005). A TCC em grupo, tal como a maioria das psicoterapias de grupo, provém da adaptação das técnicas primeiramente utilizadas no formato individual (White; Freeman, 2003). Inicialmente, segundo Yalom e Leszcz (2006), a aplicação da TCC em grupo visava a oferecer a oportunidade de tratamento a um maior número de pacientes, não sendo valorizados os benefícios inerentes da terapia de grupo em si. No que se refere ao uso da terapia de grupo para o tratamento de transtornos de ansiedade (TA), Lazarus (1961) foi quem publicou um primeiro relato sobre a possibilidade de se com-
binar as vantagens das técnicas de dessensibilização com as propriedades da terapia de grupo para pacientes fóbicos. O autor já alertava que fatores não-específicos provavelmente teriam contribuído, em conjunto co m a técnica terapêutica, para a diminuição dos sintomas fóbicos. Em 1974, Hand, Lamontagne e Marks enfatizaram, da mesma forma, a redução de custos do formato da terapia de grupo para pacientes com agorafobia; porém, demonstraram o papel da coesão grupal de um grupo estruturado como um facilitador para a execução das tarefas de exposição in vivo em comparação com pacientes agorafóbicos que receberam a mesma terapia em um grupo no qual a coesão não era estimulada. Desde então, vários estudos de TCC em grupo têm sido testados com resultados favoráveis para uma variedade de condições clínicas, confirmando a eficácia e a eficiência da integração de diferentes terapias, isto é, de adotar uma abordagem pluralista de psicoterapia.
Os fundamentos e as técnicas das psicoterapias cognitiva e comportamental e do tratamento em grupo foram abordados separadamente em capítulos prévios (Capítulos 15, 16 e 17, respectivamente). A proposta do presente capítulo é descrever a TCC em formato de grupo, no tratamento dos transtornos de ansiedade, como
o transtorno de pânico (TP), o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e o transtorno de ansiedade social (TAS), nos quais tem sido utilizada com sucesso. São descritas, ainda, as evidências de eficácia obtidas em estudos empíricos, as questões em aberto e as perspectivas futuras.
Processo e estrutura grupal Segundo Yalom e Leszcz (2006), os fatores terapêuticos da terapia de grupo resultam das interações provenientes das experiências humanas que, por meio de um processo complexo, promovem mudança terapêutica. Entende-se como fator terapêutico o elemento da terapia que contribui para melhorar a condição de um paciente, resultante tanto das ações do terapeuta quanto das ações dos demais participantes ou do próprio paciente.
FATORES TERAPÊUTICOS • Instilação de esperança: o ambiente de grupo desenvolve a expectativa dos pacientes de obterem auxílio • Universalidade: promoção de alívio dos pacientes por perceberem que não estão sozinhos para enfrentar seus problemas • Compartilhamento de informações: auxilia os pacientes a lidarem com a sua doença • Altruísmo: estimula os pacientes a oferecerem apoio e auxílio uns aos outros • Socialização: pela simples convivência em grupo • Aprendizagem social: pela simples observação de como os outros participantes compreendem, interpretam ou reagem diante dos temas tratados no grupo • Catarse: alívio ao ventilar emoções pessoais no ambiente grupal • Reedição corretiva do grupo familiar primário: possibilita reviver no grupo conflitos típicos da família de origem que podem, então, ser abordados e elaborados • Fatores existenciais: os pacientes enfocam situações vitais como perdas, isolamento e frustrações
Psicoterapias
• Coesão: os membros aceitam uns aos outros. Um grupo coeso e bem constituído exerce a função de continente das angústias e necessidades de cada um e de todos • Experiência emocional corretiva: em um ambiente seguro, evocam-se afetos reprimidos, possibilitando sua correção
Os fatores terapêuticos operam em todos os tipos de terapia de grupo, sendo que a interação e a importância de cada um deles variam conforme a base teórica e os objetivos de cada grupo. Na TCC em grupo, os fatores terapêuticos que são observados com maior freqüência e que contribuem para um melhor resultado serão descritos separadamente a seguir, embora atuem de forma interdependente e representem diferentes partes do processo de mudança (Yalom; Leszcz, 2006). Instilação de esperança : trata-se das expectativas em conseguir melhorar. Para Yalom e Leszcs (2006), ter esperança é crucial como motivação para iniciar o tratamento e para se manter em qualquer terapia. Ter uma expectativa elevada em relação à melhora, antes de começar a terapia, correlaciona-se de forma significativa como um resultado positivo no final (Bloch et al., 1976). Incutir esperanças de melhora é um objetivo da entrevista de seleção, oportunidade apropriada para que se faça uma explicação sobre a terapia e o modelo de grupo, seus alcances e limites, vantagens e desvantagens e como se dão as mudanças. Também se observa que a instilação de esperança pode aumentar à medida que um paciente vê a melhora dos outros (“se ele consegue, eu também posso conseguir”). O terapeuta também precisa ter convicção e otimismo, ou seja, compartilhar a expectativa positiva em relação à t erapia. Universalidade: com freqüência, os portadores de transtornos mentais sentem-se únicos e estranhos. Como resultado disso, sofrem isolamento social e não compartilham pensamentos, fantasias ou impulsos por julgá-los inaceitáveis. Já nos primeiros encontros da terapia de grupo, o senso de singularidade é desfeito, desencadeando um forte sentimento de alívio (“não sou só eu; não sou um E.T.”). Além do
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alívio, as revelações produzem uma melhora na auto-estima por diminuir a sensação de inadequação ou incompetência. A universalidade mescla-se com os outros fatores terapêuticos, contribuindo fortemente para a aceitação e o enfrentamento da própria doença, a partir da aceitação da doença dos outros membros. O sentido de universalidade é um passo fundamental da TCC em grupo, sobretudo no início, por auxiliar na tolerância ao aumento da ansiedade que ocorre na primeira fase do tratamento. Compartilhamento de informações: parte do princípio de que a compreensão de um problema pode ser o primeiro passo para o seu controle. As informações podem ser oferecidas por outros pacientes (p. ex., como lidar com um problema específico), ou por parte do terapeuta, que pode fazer explanações sobre tópicos específicos. Também denominado de psicoeducação, esse processo utiliza-se de técnicas e estratégias educativas para promover o entendimento da saúde/doença mental. Recursos audiovisuais e material instrucional facilitam a abordagem da etiologia e epidemiologia da doença, do prognóstico e dos diferentes tratamentos existentes. Saber que se é portador de um transtorno específico não-raro (relatar dados sobre a prevalência do transtorno na população), cujas causas são múltiplas (explicação detalhada sobre a etiologia multifatorial), e que existem opções de tratamento (falar sobre as diversas formas de tratamento, como medicações e psicoterapia) também promove os fatores terapêuticos da universalidade e da instilação de esperança. A psicoeducação na TCC em grupo para os transtornos de ansiedade desenvolvida em grupo propicia um ambiente que facilita o aprendizado. É interessante que ocorra no começo do tratamento e, por provocar impacto imediato em cada participante, deve ser cuidadosamente elaborada. A informação compartilhada tem ação sobre as distorções cognitivas que, muitas vezes, são responsáveis pela fraca adesão ao tratamento. Por exemplo, freqüentemente os pacientes interrompem o uso dos antidepressivos por con-
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Cordioli e cols.
ta própria, o que os induz à recaída. A simples informação prévia acerca da ação da medicação, dos efeitos colaterais e do fato de que não “viciam” produz um efeito importante na adesão do paciente ao tratamento.
Aprendizagem social: ocorre quando os
importância e, com isso, podem vencer sua timidez e suas inibições. Coesão grupal: é o resultado de todas as forças que agem sobre os membros, de maneira que permaneçam no grupo, ou seja, é a “atração de um grupo por seus membros”. Um grupo coeso gera um sentido de pertencimento em seus membros, que são valorizados, aceitos e amparados. A sensação de coesão é uma précondição para que os demais fatores terapêuticos operem no grupo, interferindo positivamente na adesão das lições de casa e na freqüência das sessões. Fazer parte de um grupo aumenta a auto-estima e fortalece a responsabilidade e a autonomia, à medida que cada um contribui para o bem-estar do grupo e internaliza a atmosfera de um grupo coeso. Entretanto, esse sentimento de ser e fazer parte de algo não é fixo, pois flutua amplamente durante a terapia de grupo. Segundo White e Freeman (2003), as faltas e as desistências tendem a ser maiores em um grupo não-coeso. De acordo com estudos prévios, a coesão grupal pode ser uma estratégia útil, desde a combinação até a execução das tarefas de enfrentamento (Hand; Lamontagne; Marks, 1974; Woody; Adessky, 2002). Por exemplo, aumenta a probabilidade de que o portador de TOC freqüente um local evitado (exposição in vivo ) quando acompanhado por outro membro do grupo. Um paciente com TAS pode engajarse em participar de uma festa se outro membro do grupo estiver junto com ele. No caso de grupo de pacientes com agorafobia, a evitação de um membro pode ser de um lugar fechado, como elevador, enquanto a de outro pode ser de lugares abertos, como parques. Quando existe uma coesão grupal, a dificuldade de enfrentamento dos medos pode ser minimizada pela ajuda mútua, por meio da qual um acompanha o outro durante as primeiras exposições in vivo às situações temidas.
membros do grupo aprendem, observando os outros, a lidar com seus problemas. Também é chamado de aprendizagem vicária. As técnicas da TCC caracterizam-se basicamente pelo enfrentamento de situações ou pensamentos que o paciente evita. Quando desenvolvida em grupo, a TCC cria um ambiente propício para que a mudança de interpretações catastróficas e comportamentos desadaptados (esquiva fóbica) ocorra por uma significativa experiência relacional entre os membros. Por exemplo, a exposição interoceptiva para corrigir as interpretações catastróficas em pacientes com TP (indução das sensações físicas que ocorrem durante um ataque de pânico, como taquicardia, tontura e falta de ar), por ser executada em grupo, em meio a um ambiente de apoio e camaradagem, facilita a realização da tarefa por parte de todos os participante que eventualmente não se motivariam a fazê-la sozinhos. Os participantes têm oportunidade de confrontar-se com as sensações e observar as reações e os pensamentos dos outros, inclusive do terapeuta, que também realiza o exercício. Dessa forma, cada membro avalia que a sensação física é a mesma; o que muda para cada indivíduo é a ansiedade desencadeada pela interpretação catastrófica do que está sentindo (ver Capítulo 24). Em grupo, os pacientes portadores de TOC podem observar a forma como outros pacientes fazem exposições e prevenção de rituais que considerariam muito difíceis caso não estivessem em um ambiente de grupo e, com isso, adquirem confiança para eles mesmos realizarem os exercícios. Pacientes com transtorno de ansiedade social A formação de têm a oportunidade de observar seus colegas um grupo de TCC falando em frente aos demais, perceber como A aplicação da TCC em grupo varia de acorinterpretam de forma catastrófica pequenas falhas que para eles mesmos não têm nenhuma do com cada condição clínica, embora existam
Psicoterapias
características gerais em comum. Para que os benefícios da TCC em grupo ocorram de fato, é necessário um planejamento em relação à estrutura do grupo e das sessões. É importante a formulação de um conjunto de objetivos apropriados à situação clínica. Esses objetivos devem estar claros tanto para o terapeuta quanto para os pacientes e precisam ser viáveis dentro do tempo previsto. Segundo White e Freeman (2003), o ambiente grupal favorece a abordagem cognitiva para identificação e revisão de crenças disfuncionais, assim como para o desenvolvimento de técnicas comportamentais, principalmente nos exercícios e nas lições de casa que testam os comportamentos desadaptados. Para os autores, a maior vantagem da TCC em grupo é o fato de ser o próprio grupo que gera as respostas adaptadas.
ESTRUTURA DO GRUPO Independentemente da orientação teórica, todo grupo deve ter regras e combinaçes em três questes-chave: • Seleção e composição • Duração e freqüência • Tamanho do grupo (Zimmerman, 2000)
Seleção e composição
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vista individual e semi-estruturada antes do início da terapia para conhecer as características demográficas dos candidatos, coletar a história clínica (início dos sintomas, diagnóstico principal e co-morbidades, tratamentos prévios, uso de psicofármacos, etc.), bem como avaliar a adequação e a motivação para a terapia de grupo. Se possível, pode-se utilizar instrumentos diagnósticos e escalas para a avaliação da gravidade dos sintomas. A seleção dos participantes de um grupo está conectada à composição grupal; isto é, um grupo é composto por pessoas que apresentem pelo menos uma característica em comum (Zimerman, 2000). Como a TCC em grupo é planejada para populações específicas, tornase fundamental que a inclusão inicie pela homogeneidade diagnóstica em sua formação. Variáveis como idade e sexo também devem ser consideradas. Como os transtornos psiquiátricos específicos que respondem à TCC atingem homens e mulheres, a composição dos grupos, em geral, delimita a faixa etária. Por exemplo, um grupo de TCC para adolescente entre 14 e 18 anos, de ambos os sexos, com diagnóstico principal de TAS. Outro exemplo é um grupo de TCC para adultos entre 18 a 65 anos, de ambos os sexos, com diagnóstico de TOC.
Quem se beneficia com a TCC em grupo?
De fato, a TCC em grupo é uma opção de Quem se beneficia com a TCC em grupo? tratamento que pode ser a melhor escolha em Para quem a TCC em grupo é contra-indicada? determinado momento, independentemente de Qual é o número máximo ou o mínimo de par- tratamentos prévios. Em muitos casos, os paciticipantes? O grupo é aberto (sem prazo para entes podem beneficiar-se mais com o modelo iniciar ou para terminar, o número de mem- de TCC em grupo do que com a mesma terabros é variável e eles podem ingressar e sair a pia em formato individual, sendo que o contráqualquer momento) ou fechado (número de rio também é possível. Portanto, além da indisessões definidas; não ingressam novos mem- cação dos profissionais pelo tratamento em grubros depois do início e o número de partici- po, deve-se considerar a preferência do clienpantes é definido com antecedência)? Essas são te. A motivação do paciente para engajar-se em questões que devem estar claras na mente de um tratamento é fundamental para o sucesso quem está iniciando a seleção de pacientes para da terapia. Um indivíduo motivado é um particompor um grupo terapêutico. A intenção do cipante comprometido com o modelo proposterapeuta é reunir aqueles que se beneficiariam to, aumentando a probabilidade de resultados com um modelo específico de tratamento e que positivos. A princípio, a TCC em grupo é indicada podem contribuir com os demais participantes do grupo. Portanto, é recomendada uma entre- para portadores de transtornos específicos,
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Cordioli e cols.
mesmo na presena de co-morbidades (outras doenas concomitantes). Por exemplo, para integrar um grupo de TCC para TAS, o paciente deve ter esse transtorno como diagnstico principal, podendo apresentar ou no co-morbidades com outro transtorno de ansiedade ou de humor, desde que elas no contra-indiquem sua incluso no grupo. No momento, porm, a prioridade para esse indivduo tratar a TAS.
A falta de motivação para o tratamento ou de disponibilidade de tempo para comparecer às sessões deve ser avaliada. Muitas vezes, é por falha na seleção que ocorrem as desistências precoces. O abandono do tratamento por um participante repercute em todo o grupo, podendo interferir no bom andamento das próximas sessões (Yalom; Leszcz, 2006).
Para quem a TCC em grupo é contra-indicada?
Duração e freqüência
Como já se disse anteriormente, a formao da TCC em grupo está vinculada à homogeneidade diagnóstica. No entanto, a presença de comorbidades é comum (Heldt et al., 2003; Cordioli et al., 2003), e uma contra-indicação pode ser temporária. Por exemplo, se um paciente tem diagnóstico de TP e depressão atual, deve-se definir na entrevista de seleção qual tratamento é prioritário naquele momento. Se os sintomas de depressão, como falta de energia e desânimo, forem intensos, dificilmente o paciente aderirá às tarefas de enfrentamento dos medos inerentes ao pânico. Pode ser prioritário estabilizar os sintomas depressivos, planejando a TCC para os transtornos de ansiedade posteriormente. Entre os critérios de contra-indicação estão as ideações suicidas ativas, psicoses atuais, transtornos de personalidade graves ( borderline, esquizotípico ou evitativo), déficit cognitivo e deficiência física que interfiram nas atividades previstas durante a TCC em grupo. Certos pacientes não se enquadram na estrutura grupal e, em razão de traços de sua personalidade, podem se constituir em um elemento desagregador do grupo (transtornos de personalidade borderline, histriônica, anti-social), ou então podem não conseguir se vincular ao grupo (transtorno da personalidade esquizotípica). Em relação à dependência química, o seu tratamento deve ser prioritário ao de outras comorbidades. Por exemplo, é freqüente que um paciente com TAS utilize substâncias psicoativas para conseguir enfrentar situações como ir a festas ou falar em público. Em um primeiro momento, deve-se tratar a dependência química para depois ingressar em um grupo de TCC específico para TAS.
A TCC caracteriza-se por ser breve, isto é, de tempo limitado. Em geral, a duração da terapia varia entre 12 e 20 sessões (White; Freeman, 2003). Preconiza-se que as sessões sejam semanais, com duração entre 60 e 120 minutos, em local definido e apropriado em tamanho para reunir um grupo de pessoas.
Tamanho do grupo Cabe salientar que os integrantes de um grupo de TCC reúnem-se em torno de uma tarefa e de um objetivo em comum. Portanto, o número de participantes não pode exceder o limite que interfira nas comunicações entre os membros, tanto em qualidade (visual e auditiva) quanto em quantidade (todos devem ter oportunidade de falar no espaço de tempo da sessão) (Zimmerman, 2000). De acordo com publicações prévias, todos os grupos de TCC são fechados, independentes da população a que se destina; ou seja, os membros são os mesmos do início ao fim. Após a seleção, que geralmente oscila entre 8 e 10 pacientes, não se aceita novos integrantes, mesmo que haja desistências no transcorrer da terapia (Heldt et al., 2003; Cordioli et al., 2003).
Estrutura das sessões As sessões de TCC em grupo são estruturadas e adaptadas a partir do modelo básico proposto por Beck (1997) para a TCC individual. As sessões são estruturadas e seguem uma seqüência previamente estabelecida:
Psicoterapias
SEQÜÊNCIA DAS SESSÕES DE TCC Fase inicial • Avaliação do humor ou dos sintomas • Ligação com a sessão anterior: revisão das tarefas de casa • Agenda da sessão (objetivos e procedimentos da sessão)
Fase intermediária
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grupo é definida previamente por meio de protocolos de tratamento para cada transtorno em particular (veja a seguir os exemplos de protocolos para transtornos de ansiedade). Como a divulgação da agenda acontece assim que se inicia a sessão, também se trabalha com a expectativa de cada integrante do que se abordará naquele dia.
Fase intermediária
É a fase em que se utiliza uma variedade de intervenções cognitivas e comportamentais definidas no manual do protocolo específico para cada transtorno. O ambiente grupal pode facilitar o uso das técnicas de TCC, podendo-se utilizar a técnica de exposição in vivo durante a Fase final sessão. Por exemplo, em relação ao medo de • Combinação de novas tarefas individualizafalar em público, é possível simular uma sala das para o intervalo das sessões de aula, na qual um paciente fica à frente de • Síntese dos principais pontos examinados todos, em pé, falando e escrevendo no quadro• Avaliação da sessão pelos membros do grupo negro. Depois da tarefa, se avalia a ansiedade e os pensamentos, tanto do paciente que se expôs quanto dos que estavam assistindo. Assim, é possível identificar os sintomas físicos e afetiFase inicial vos da ansiedade e corrigir as distorções cogniA TCC em grupo é focalizada em objetivos tivas, inclusive dos que permaneceram sentaclaros, a serem atingidos durante o tratamento. dos assistindo o colega. Na condução do grupo de TOC, é incentiPara isso, há um envolvimento com o aprendivada a troca de experiências e auxílio recíprozado de novas habilidades específicas para que o paciente consiga enfrentar de uma forma mais co na realização das tarefas, o que funciona em adaptada a situação em questão. Assim, cada muitos momentos, como na catarse e na ocasessão do grupo está interligada à outra e a as- sião de instilar ou adquirir esperanças de vensociação é realizada por meio da revisão da ta- cer os sintomas e melhorar a auto-estima. Uma refa. Nesse momento, os participantes têm a vez que no TOC a avaliação de normalidade e oportunidade de relatar aos demais como foi a anormalidade muitas vezes fica comprometida, semana, se conseguiu ou não executar aquilo a o grupo oferece oportunidade de revisar esses que havia se proposto. É interessante que to- parâmetros, por meio da observação e questiodos os participantes tenham manuais, cadernos namento das crenças rígidas e supervalorizadas, ou pastas com folhas para registro da tarefa e ao interagir com outros indivíduos com crenças distintas. anotações durante as sessões. O estabelecimento de uma agenda é um processo de organização da sessão que permite um melhor aproveitamento do tempo e asse- Fase final gura que os objetivos daquela sessão sejam, de Nesse momento, é indicado fazer um resufato, atingidos, com a utilização de técnicas cognitivo-comportamentais específicas. Dife- mo da sessão, revisando o que foi proposto na rente da TCC individual, a agenda da TCC em agenda e como se desenvolveram os procedi• Desenvolvimento dos temas da agenda (explanação psicoeducativa, treinamento em técnicas cognitivas e/ou comportamentais, exercícios práticos)
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Cordioli e cols.
mentos. Para ter mais chance de xito, a proposta das tarefas de enfrentamento parte do próprio paciente. A combinao feita no final (e ser o elo com a prxima sesso) e colocada para todos os participantes saberem ao que cada um est se determinando. Com isso, a tarefa assumida como um “compromisso pblico”, o que pode ser um motivador para a sua
realizao. No encerramento, importante oportunizar aos pacientes a verbalizao de como foi para cada um deles a sesso (avalia-
o da sesso), o que ficou de mais importante e suas sugestes. É um momento propcio para o terapeuta identificar algum problema ou dificuldade dos participantes ou do prprio funcionamento grupal.
Protocolos de TCC em grupo Transtorno obsessivo-compulsivo A falta de disponibilidade da TCC para o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), bem como seu custo elevado, fez com que surgisse a idia de se propor a terapia em formato de grupo. Hand e Tichatzky (1979), em um estudo nocontrolado, trataram 17 pacientes portadores de TOC em grupo, com duas sesses semanais. Nas sesses, realizavam exerccios de exposio in vivo , prescreviam tarefas para casa e esti-
mulavam a interao social e a habilidade de resolver problemas. Alm das sesses em grupo, os terapeutas realizavam visitas domiciliares e encontros com os familiares, em um programa que durou 30 semanas, envolvendo de 122 a 147 horas por parte dos profissionais. Foi observada uma reduo na intensidade dos sintomas obsessivo-compulsivos e da ansiedade. Contudo, pelo nmero de horas envolvidas, a terapia proposta se mostrou demasiadamente onerosa, e suas eventuais vantagens deixaram de existir. Espie (1986) tratou, durante 10 semanas, com sesses de uma hora e meia, um grupo de cinco pacientes que haviam feito terapia comportamental individual e haviam recado.
O autor observou uma considervel reduo
na intensidade das obsesses e compulses, que se manteve por at um ano depois do tratamento. Nesse estudo, o pequeno nmero de pacientes tratados impediu a generalizao dos resultados. Enright (1991) realizou um estudo aberto com 24 pacientes portadores de TOC que realizaram um total de nove sesses semanais de uma hora e meia de terapia de grupo. Os grupos eram predominantemente informativos sobre aspectos demogrficos e teorias quanto à etiologia do TOC. Eram ensinadas
estratgias de exposio e preveno da resposta, auto-afirmao, manejo de estresse, etc. Foi observada uma pequena reduo na intensidade dos sintomas do TOC e uma importante melhora no humor, no medo e nas preocupaes caractersticas desses pacientes. O próprio autor reconheceu que foi dedicado pouco tempo à realizao das tarefas de exposio e preveno da resposta e que os problemas continuavam os mesmos, embora as preocupaes e os medos tivessem diminuído. Krone, Himle e Ness (1991) trataram 36 pacientes portadores de TOC em encontros semanais de duas horas, durante sete semanas. Os autores utilizaram psicoeducao e exercícios de EPR em grupo, orientados pelos terapeutas e prescritos para serem realizados em domicílio. Foi observada uma reduo significativa nos sintomas obsessivo-compulsivos, independentemente do uso ou no de medicamentos. Usando uma amostragem maior do que a dos estudos anteriores, Falls-Stewart, Marks e Schafer (1993) realizaram, ao que se sabe, o primeiro estudo controlado de terapia de EPR para o TOC. Foram incluídos 93 pacientes, alocados aleatoriamente para terapia comportamental individual, terapia comportamental em grupo e sesses de relaxao muscular. Todos realizaram 24 sesses durante um período de 12 semanas. As sesses de grupo duravam duas horas, enquanto as individuais duravam apenas uma hora, o que ensejou posteriores críticas na literatura – o grupo de terapia individual teria sido exposto à metade do tempo de terapia ao qual foram expostos os pacientes da terapia em grupo. Tanto o tratamento individual quanto o tratamento em grupo se mostrou eficaz em reduzir os sinto-
Psicoterapias
mas de TOC, e os ganhos foram mantidos por, no mínimo, seis meses. Mais recentemente, Van Noppen e colaboradores (1997) utilizaram a terapia comportamental em grupo para o tratamento de pacientes com TOC, incluindo nas sessões tanto pacientes como familiares, simultaneamente (Multifamily Behavioral Treatment ). Os autores trataram um total de 17 pacientes em três grupos, com 10 a 12 sessões de duas horas, utilizando psicoeducação, demonstrações, realização de exercícios de EPR no grupo e no domicílio, além de estimular a coesão grupal, discussões, sugestões e apoios recíprocos. Os ganhos observados foram comparáveis aos descritos na literatura para a terapia individual, tanto nos grupos exclusivos de pacientes, como nos grupos de pacientes e familiares. Em um novo estudo, Van Noppen e colaboradores (1998) utilizaram a TCC em grupo com tempo limitado em 10 sessões, tendo tratado um total de 90 pacientes, com exposição e prevenção da resposta, modelagem participante e reestruturação cognitiva. Foi observada uma redução significativa nos escores da escala Y-BOCS. Os autores consideraram a TCC em grupo efetiva no que se refere à relação custo/benefício, estimando que os terapeutas despenderam um quinto do tempo que gastariam para tratar o mesmo número de pacientes com a terapia comportamental individual (Van Noppen et al., 1998). Em um estudo mais recente, Mclean e colaboradores compararam os efeitos da terapia cognitiva em grupo com a terapia de EPR, em grupo de 12 sessões semanais de duas horas e meia. Ambas as abordagens foram equivalentes ao final do tratamento em termos de eficácia. Contudo, os resultados foram levemente superiores com a abordagem comportamental (EPR), tanto ao final do tratamento como no período de acompanhamento, três meses após (Mclean et al., 2001). Em nosso meio, foi desenvolvido um protocolo de 12 sessões de terapia cognitivo-comportamental em grupo para tratamento de portadores do TOC, cuja eficácia foi comprovada em um ensaio clínico randomizado, e que se revelou mais eficaz em comparação com o tratamento
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com 100 mg de sertralina (Souza et al., 2006), tendo os resultados se mantido após um período de seguimento de um ano (Braga et al., 2005). O exemplo de 12 sessões descrito a seguir (Quadro 18.1) foi desenvolvido e padronizado em um protocolo denominado “Manual da Terapia”, que contém informações gerais sobre o tratamento, roteiro e temas das sessões, folhas para registro das tarefas semanais, exercícios de EPR e de correção de crenças disfuncionais para cada um dos encontros (Cordioli, 2002). Contêm, ainda, um texto informativo sobre o TOC, vários instrumentos como a Y-BOCS, check list, lista de comportamentos evitativos, escala para avaliação do desconforto subjetivo, gráfico de automonitoração, conceitos e listas de crenças disfuncionais – superestimar o risco e a responsabilidade, supervalorizar o poder do pensamento e a necessidade de controlá-lo, necessidade de ter certeza, perfeccionismo e exercícios para sua correção. O referido protocolo pode ser obtido no site: www.ufrgs.br/toc, no link “Profissionais”. Nas primeiras sessões são feitas demonstrações e exercícios de EP R ao vivo, como tocar em objetos considerados “sujos” ou “contaminados”: trincos de portas, dinheiro, sola dos sapatos, seringas, recipientes de venenos, lixo, brinquedos usados, sem a posterior lavagem das mãos. Ao longo de toda a terapia, a ênfase é no uso de técnicas de EPR, com a associação de técnicas cognitivas a partir da quarta sessão. Uma lista de lembretes auxilia os pacientes a distinguir os fenômenos obsessivo-compulsivos de outros fenômenos mentais e a interromper rituais mentais, ruminações obsessivas ou mesmo rituais manifestos não precedidos de obsessões. No tratamento de obsessões “puras” e ruminações obsessivas, usa-se a psicoeducação sobre o significado das obsessões de conteúdo impróprio ou “ruim” (pensar não significa risco de cometer; quanto maior a importância, maior a permanência das obsessões; o que transforma pensamentos normais em obsessões é o significado atribuído à sua presença na mente, etc.); a exposição a pensamentos considerados inaceitáveis ou “horríveis”, mediante a evoca-
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Q uadro 18.1 Protocolo de TCC em grupo para transtorno obsessivo-compulsivo Sessão
Objetivos e procedimentos Psicoeducação sobre TOC • Epidemiologia, etiologia, impacto na vida pessoal e familiar
1 2
• Identificar obsessões, compulsões e evitações por meio de um check-list • Modelo comportamental do TOC Tarefa par a casa: • Ler o manual sobre TOC • Elaborar a lista dos sintomas (obsessões, compulsões e evitações) • Elaborar uma lista hierárquica dos sintomas, de acordo com o grau de ansiedade
Terapia de exposição, prevenção de resposta (EPR) e habituação Exercícios práticos de EPR durante a sessão: 3
• Tocar em objetos considerados contaminados • Evocar pensamentos evitados (as obsessões) Tarefa pa ra casa: • Combinar tarefas de exposição a partir da lista individual
O modelo cognitivo do TOC • Crenças distorcidas: perfeccionismo, avaliação exagerada do risco e da responsabilidade, necessidade de ter certeza, exagerando o poder do pensamento 4 5 6 7
Técnicas para correção das crenças disfuncionais • Questionamento socrático • Seta descendente • Reatribuição Tarefa pa ra casa: • Realizar as tarefas de EPR, aumentando o grau de dificuldade • Identificar e registrar as crenças disfuncionais; praticar exercícios de correção das crenças • Usar lembretes
O TOC e a família 8
• Sessão em conjunto com os familiares • Psicoeducação sobre TOC e o impacto na família • Como o familiar pode auxiliar nas tarefas da TCC?
Continuação e reforço nas seguintes situações 9 10 11
• • • •
Tarefas de exposição e prevenção de resposta, aumentando o grau de dificuldade Correção de pensamentos disfuncionais Automonitoramento Revisão das informações
Prevenção de recaída e encerramento 12
Fonte: Cordioli, 2002.
• • • •
Estratégias para prevenir recaídas Recursos da comunidade (associações, internet) Combinar sessões de reforço Avaliar o tratamento
Psicoterapias
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ção intencional; a evitação de manobras para Exemplo de uma sessão de afastá-los ou neutralizá-los (compulsões men- TCC em grupo para transtorno tais); a redação de pequenas histórias “catastró- de pânico (resumo da 4a sessão) ficas” ou “horríveis” nas quais o paciente “comete” o pensamento impróprio; e leituras re- Terapeuta : Hoje nós começaremos a trabalhar petidas ou audição de fitas gravadas. os pensamentos. Primeiramente, vaAs sessões são iniciadas com o estabelecimenmos rever a tarefa de casa (praticar to da agenda, seguido da revisão dos sintomas e as técnicas de relaxamento muscudas tarefas individuais de casa. Após isso, é feita lar e respiração). Quem começa a uma breve explanação de um tópico relativo ao falar... TOC pelo coordenador da TCC em grupo, asP : Consegui fazer as duas técnicas e me sim como o estabelecimento individualizado das deu até sono. Tem uma (a respiranovas tarefas de casa, encerrando-se com a avação) que não consigo fazer até o fim liação da sessão por todos os participantes. Como porque eu durmo! complemento às informações, é estimulada a Terapeuta : Qual das duas técnicas funcionou leitura adicional de livros e a visita a sites espemelhor para ti? cializados na internet (www.ufrgs.br/toc). As técP : As duas! nicas cognitivas são introduzidas a partir da quar- Terapeuta : Essas técnicas podem ser realizadas ta sessão e utilizadas simultaneamente e como tanto no ambiente de trabalho como apoio às tarefas de EPR. no ônibus e em outros lugares. É importante vocês aprenderem a fazer corretamente as duas e optarem Transtorno de pânico pela que trouxer melhor resultado no controle da ansiedade. A avaliação da eficácia da TCC em grupo J : Há três dias atrás senti um ataque para o transtorno de pânico (TP) foi realizada leve. É que comecei com diarréia, por Telch e colaboradores (1995). Os autores acho que comi alguma coisa que não randomizaram 156 pacientes para TCC em grume fez bem, mas na hora pensei que po ou para uma lista de espera. Após o trataera do pânico e fiquei gelada, com mento, os resultados demonstraram melhoras tremores e medo de voltar a ter atasignificativas nos sintomas do TP e em vários ques. Fiz o relaxamento e a respiraaspectos de qualidade de vida no grupo que ção. Passou logo. Ainda acho difícil recebeu a intervenção em comparação com os fazer a respiração. Sinto um “zumbipacientes da lista de espera. Em outro estudo do” no ouvido, porém, percebo que com 83 pacientes com TP tratados em grupo o mal-estar tem diminuído na medide TCC, 89% reduziram mais de 50% na escada que vou tentando repetir as técla de evitação fóbica, e os resultados foram mannicas... Lembrei do que a R. falou tidos por três meses e um ano após o término na última sessão, que tem que contida TCC em grupo (Martinsen et al., 1998). nuar, insistir. O protocolo de TCC em grupo para TP (QuaR : Viu só. A dificuldade é no início dro 18.2) foi adaptado do manual de Otto e mesmo. É coisa da cabeça, do penDeckersbach (1998) e tem por objetivo corrigir samento. No domingo eu tentei ir à as interpretações errôneas catastróficas e os memissa e consegui. Sentei bem perdos condicionados das sensações corporais e tinho da porta, mas consegui. Lemevitações. Utiliza-se informações sobre a naturebrei do que a E. ( terapeuta ) falou soza do transtorno, exposição interoceptiva e in bre o ataque, que dura um tempo, vivo , reestruturação cognitiva e treino de habilimas passa e acho que as técnicas esdades para lidar com a ansiedade. A duração é tão me ajudando também, principalde quatro meses, com um total de 12 sessões. mente a respiração.
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Cordioli e cols.
Q uadro 18.2 Protocolo de TCC em grupo para transtorno de pânico Sessão
Objetivos e procedimentos Psicoeducação
1
• Identificação dos sintomas de pânico (manual educativo) • Diferença entre ansiedade normal e patológica • Modelo cognitivo do pânico Tarefa pa ra casa: • Leitura do manual para discussão das dúvidas na próxima sessão Continuação da psicoeducação • Revisão do modelo cognitivo do pânico
Técnicas para enfrentamento da ansiedade: 2 3
• Respiração diafragmática • Relaxamento muscular • Praticar durante a sessão Tarefa pa ra casa: • Praticar o relaxamento muscular e a respiração diafragmática três vezes ao dia e registrar o que sentiu Praticar na sessão a respiração diafragmática e o relaxamento muscular
Correção de crenças distorcidas
4 5
• Identificar pensamentos automáticos • Salientar o papel da hipervigilância das sensações físicas • Descatastrofizar • Questionamento socrático • Seta descendente Tarefa pa ra casa: • Avaliar os pensamentos como hipóteses e não fatos, verificando as evidências que suportam as hipóteses e explorando as novas alternativas de interpretações • Avaliar a possibilidade real de que o “pior” aconteça e, se acontecer, o quanto, de fato, será horrível Correção da interpretação distorcida
Exposição interoceptiva e naturalística
6 7 8
• Provocar, por meio de exercícios físicos, tontura, taquicardia, falta de ar e estranheza • Provocar a exposição interoceptiva com atividades que evocam as sensações de forma natural, em ambiente comum (p. ex., subir escadas) • Identificar a sensação física, o grau de ansiedade e avaliar a semelhança com o ataque de pânico Tarefa pa ra casa: • Provocar as sensações físicas em casa, diariamente, e anotar o grau de ansiedade, bem como a similaridade com o ataque • Elaborar uma lista das situações evitadas, o mais completa possível, com o grau de ansiedade gerada (0 a 10), no caso em que tenha que enfrentá-la
Exposição in vivo 9 10 11
• Hierarquizar a lista das situações: do menor grau de ansiedade para o maior. Tarefa pa ra casa: • Combinar as tarefas de exposição • Aumentar o grau de dificuldade a cada sessão
Prevenção de recaída e encerramento 12
Fonte: Heldt, 2002.
• Abordar a possibilidade de recaídas e orientar as atitudes diante de novos ataques • Combinar a manutenção do enfrentamento das situações fóbicas, independentemente do acompanhamento em grupo • Avaliar o tratamento
Psicoterapias
F : Desta vez até foi mais fácil, pelo
L :
Terapeuta :
Terapeuta : P : Terapeuta : P : Terapeuta :
N :
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Grupo : Participam com comentários bem
menos consegui fazer; o relaxamenhumorados, dando apoio a N. to muscular, principalmente, mas a J : Tu não sabias que tem enfermaria no respiração é mais difícil, me angusshopping ? tia, fico irritada... N : Eu sou muito orgulhoso. Se fizer um Meu trabalho é bastante agitado (é vexame destes, num lugar assim, eu moto-boy), às vezes eu faço uma panunca mais volto lá! rada e tento fazer ali, rapidinho, e Terapeuta : Mas veja bem J., essas estratégias de dá tranqüilo pra fazer, principalmenfarmácia, enfermaria, só mantém a te a respiração. doença! Isso não ajudaria N. a enÀs vezes é preciso parar as atividafrentar o medo! Será que mesmo que des, corrigir a respiração, tentar relaN. tenha um ataque de pânico ele xar a musculatura. Isso por si só é diprecisaria ir para a enfermaria? Agofícil, principalmente para quem está ra, vamos tentar entender e identifiansioso, vigilante em relação ao amcar o que é um pensamento automábiente ou às próprias sensações físitico. Todos nós, independente de ter cas. Todos precisam continuar pratiou não pânico, temos pensamentos cando as técnicas, optar por uma ou automáticos. Nós precisamos identifazer as duas juntas. Depois que vocês ficar os pensamentos automáticos dominarem bem, podem utilizá-las para controlá-los! O pensamento é sempre que for necessário: na missa, “alimentado” por uma crença cenno shopping ou frente a um problema tral. No caso de quem tem pânico é físico, como a gastrenterite da J. Aproo que significa ter o ataque: morrer, veitando os exemplos, vamos comeou enlouquecer, ou desmaiar, ou çar a prestar atenção para o que pascair... sa na cabeça, os pensamentos. Grupo : Todos concordam, é assim mesmo. A terapeuta dirige-se até o quadro e Terapeuta : O trabalho de identificar os pensadescreve o esquema cognitivo do mentos automáticos é importante, pânico e como o pensamento cataspois vocês vão poder questioná-los, trófico automático influencia as rease eles são reais ou não, dando a deções físicas, emocionais e comportavida importância. Não é porque pasmentais. A terapeuta solicita exemsou na cabeça que, de fato, vai aconplos aos membros do grupo. tecer... O pensamento automático é P., o que passa na tua cabeça na hora breve, telegráfico e tem um ponto de do ataque? exclamação no final (Vou morrer! Vou morrer! Vai ser horrível!). Agora, vamos coComo? Do quê? locar um ponto de interrogação e Do coração ou ter um derrame. É questionar (Vou morrer? Será?); avaisso aí... Penso que vou e já fui... É a liar o quanto o pensamento é real ou sensação, pelo menos...de morte né?! é um dos sintomas do pânico. Isso tudo acontece de forma muito L : Eu já usei essa técnica e funcionou. rápida e simultânea! Eu estou só danEu não podia sair de perto da minha do estes exemplos em “câmera lenmãe, eu precisava saber que ela esta” para vocês observarem como tava comigo, até em casa mesmo. acontece. E como é para ti, N., quanUm dia parei e pensei, mas porquê? do vais ao shopping ? Eu preciso é contar comigo mesmo, Nossa! Já começo a ficar suado... O cose eu tiver um ataque, vai passar. O ração bate forte mesmo... Penso que que ela faz é chegar e bater no meu vou desmaiar... Vai ser um fiasco... ombro e dizer “passou, não é?”. É
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Cordioli e cols.
sempre assim, eu juro que vou mor-
P : Não, já fiz vários exames, deu tudo
rer e no acontece, s o pensamento... Terapeuta : De fato, como o nome diz “auto-
J : Mas é muito ruim sentir o ataque, eu
R :
Terapeuta : F :
Terapeuta :
P : Terapeuta : P :
Terapeuta : R : L :
mático”, no depende da vontade. Terapeuta : Porm, quando o primeiro pensamento automático surge, e pode ser acionado por uma sensação física ou determinada situação, precisamos interromper a cadeia dos pensamentos que vem logo atrás. L : Comigo é assim, eu não posso ficar sozinha. Penso que se eu tiver um ataR : que, vou desmaiar, podem roubar meus documentos, vão me levar para J. e F : o pronto-socorro, vou morrer lá, sem Terapeuta : identificação, sem ninguém da minha família, vão me enterrar como indigente... Só de falar já fico gelada... Vocês precisam ter argumentos para interromper a cadeia de pensamentos catastróficos. Eu sento no ônibus, perto da porta é claro, mas às vezes até acontece de eu ficar pensando que estou sozinha e “ai, ai, ai”. Então eu digo “pára com isso” e começo a pensar em coisas que eu tenho para fazer de fato, tipo coisas da aula ou sei lá... E a ansiedade vai passando, ao invés de aumentar. Propõe a tarefa da semana que é identificar o pensamento, avaliar as evidências a favor e contra para encontrar uma nova alternativa (distribui material para ser preenchido em L : casa e escreve no quadro). Vamos fazer um exemplo aqui, agora. O ataque! Penso que vou morrer! Quais são as evidências a favor de R : que tu vais morrer? Eu sinto. São sensações tipo dor no peito, falta de ar, dormência...Penso que já que não foi nas outras pode J : ser nessa, agora! E quais as evidências contra essa Terapeuta : idéia de que tu não vais morrer? Tu não morreste das outras vezes... Tu tens problema de coração?
normal. É só o ataque... O medo!
não quero nem pensar... Então, podemos colocar como evidência contra: tu já sentiste e pensaste que ia morrer, mas de fato não aconteceu; não tens problema cardíaco...E as novas alternativas? O que pensar, qual o melhor argumento? Tu tens é pânico, que não mata, dá medo. E passa, mesmo que não se faça nada. Não consigo ver novas alternativas... Lembram que falei sobre pensamento real? Será que P. não pode pensar “não é infarto ou derrame, estou tendo um ataque porque tenho transtorno de pânico, que vem e passa”, como disse a R.? Vai ficar para tarefa de casa identificar novas alternativas. Veja bem, eu não estou pedindo para vocês enfrentarem as situações, apenas peço para vocês pensarem e escreverem as evidências e novas alternativas para discutirmos no próximo encontro. Muitas vezes, não fazer a tarefa é uma forma de fuga também. É importante que vocês registrem as alternativas para terem mais uma ferramenta, para servir de lembrete depois. Trabalhem os pensamentos reais! O que vocês acharam da sessão de hoje?”. Muito boa! Aprendemos bastante. Eu aprendi... É bem assim que acontece comigo, eu escuto os colegas e me vejo também... Eu aprendi que o pensamento tem força, só que para os dois lados. Nós temos que desenvolver o lado que não é tão catastrófico. Tenho dificuldade de fazer a tarefa, mas vou tentar. Para finalizar, vamos praticar o relaxamento muscular e a respiração. Durante o exercício de respiração, o terapeuta observa como cada um
Psicoterapias
331
está realizando e, depois, faz um breve feedback geral do grupo e individualiza as recomendaes de execuo correta do exerccio.
PAE. O estudo mostrou que 75% dos pacientes recebendo TCC em grupo apresentaram melhora clnica significativa, comparados a somente 40% dos pacientes recebendo PAE. Após um perodo de seis meses de follow-up , 81% dos paAs primeiras sesses so dedicadas para a cientes de TCC em grupo e 47% dos pacientes compreenso cognitiva do medo e para a apren- em PAE foram classificados como melhorados. dizagem de tcnicas para enfrentar a ansieda- Em outro estudo (Hope; Heinberg; Bruch, de (relaxamento muscular e respirao diafragmtica). Aps, trabalham-se os pensamentos automticos, em que os pacientes identifi-
cam e avaliam as evidncias que suportam ou no as interpretaes catastrficas. A exposio interoceptiva realizada por meio da simulao de sintomas fsicos e praticada durante a fase intermediria do tratamento. Para isso, utilizam-se exerccios para provocar sintomas semelhantes aos encontrados durante o ataque de pnico, como o aumento da freqncia cardaca, tontura, dispnia, etc. Aps cada exposio interoceptiva, os pacientes identificam o grau de ansiedade sentido e a similaridade com os ataques de pnico. Na exposio naturalstica, as sensaes so evocadas de forma natural, como, por exemplo, subir escadas. Ao final do tratamento, inicia-se a exposio in vivo de forma gradativa, isto , os pacientes elaboram uma lista hierarquizada das situaes evitadas e as tarefas so combinadas de forma individualizada, iniciando-se pela de menor grau de dificuldade. As sesses seguintes caracterizam-se pela reviso das exposies e pelo aumento do grau de dificuldade das situaes. As últimas sesses preocupam-se com o manejo de recadas que podem ocorrer aps o trmino do tratamento.
Transtorno de ansiedade social A avaliao da eficcia da TCC em grupo
para o transtorno de ansiedade social (TAS) foi realizada por Heimberg e colaboradores (1990), em um estudo comparando TCC em grupo a um grupo placebo de terapia, denominado psicoterapia de apoio educacional (PAE). Nesse estudo, 49 pacientes com TAS foram randomicamente alocados à TCC em grupo ou à
1995), a TCC em grupo foi comparada à exposição isolada (p. ex., grupo de TCC sem reestruturação cognitiva) e a um grupo controle de fila de espera. Ambos os tratamentos ativos foram
mais efetivos do que a fila de espera ao trmino das 12 semanas. O protocolo de TCC em grupo para TAS (Quadro 18.3) uma adaptao de um manual desenvolvido por Heimberg e Becker (2002). So realizadas 12 sesses, uma vez por semana, com uma hora e meia de durao. A TCC em grupo dividida em quatro etapas: (I) uma en-
trevista inicial para orientao, (II) sesses 1 e 2, (III) sessões 3 at 11, e (IV) sesso final. Trata-se de um modelo estruturado de grupo teraputico, com objetivos e tcnicas definidas para cada etapa do desenvolvimento do grupo. O objetivo da TCC em grupo quebrar o ciclo cognitivo-afetivo-comportamental do TAS. O grupo proporciona uma oportunidade de confrontar diretamente o estmulo fbico, de checar as prprias preocupações e interpretações com a percepço dos demais e de aproveitar a presença de outros para criar uma srie de simulações teraputicas (Heimberg; Becker, 2002; Knijnik et al., 2000). A TCC em grupo utiliza trs componentes bsicos: exposiço na sesso, reestruturaço cognitiva e tarefas de casa. As exposições na sesso consistem na parte central do tratamento, com as intervenções cognitivas ocorrendo antes, durante e depois de cada exposiço. Aps as primeiras sessões, a tarefa de casa sugerida de acordo com a exposiço realizada na prpria sesso. Do mesmo modo, os pacientes tambm so solicitados a realizar a reestruturaço cognitiva antes, durante e depois das exposições in vivo. A exposio a situaes temidas útil para romper com o ciclo de TAS, pois possibilita que ocorra o fenômeno de habituaão na sessão,
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Q uadro 18.3 Protocolo de TCC em grupo para transtorno de ansiedade social Sessão Entrevista inicial
Objetivos e procedimentos Objetivos clínicos • Exclusão de pacientes que não se enquadrem em um tratamento em grupo (contraindicações) • Discussão dos medos em situações sociais específicas e de aspectos individuais a serem abordados no grupo • Familiarização de cada paciente com o terapeuta e com a técnica da terapia de grupo • Menção de um possível receio de participar de uma terapia de grupo, bem como as potenciais vantagens desta modalidade terapêutica em relação ao tratamento individual para TAS • Exposição das regras específicas do grupo (contrato terapêutico)
Psicoeducação • Introdução do conceito de TAS (manual educativo sobre TAS) • Desenvolvimento do modelo cognitivo-comportamental do TAS 1
Discussão dos componentes do tratamento (fisiológico, cognitivo e comportamental) • Início de treinamento em reconhecimento de pensamentos automáticos Tema de Casa: • Registro semanal sobre os pensamentos automáticos • Leitura do manual educativo • Revisão do tema de casa da sessão 1
Componente cognitivo 2
• Identificação de distorções cognitivas e questionamento de pensamentos automáticos • Introdução do conceito de erros de pensamentos automáticos do TAS e desenvolvimento de respostas racionais a eles
Componente comportamental • Preparo para iniciar exposições simuladas Tema de Casa 3 4 5 6 7 8 9 10 11
Integração dos componentes cognitivo, comportamental e temas de casa • Revisão de temas de casa dos pacientes que não irão participar da exposição simulada na sessão • Realização de três exposições simuladas (três pacientes), incluindo revisão de tema de casa destes • Combinação de tema de casa para a sessão seguinte • Integração das exposições simuladas (até que a ansiedade comece a baixar e as metas comportamentais sejam atingidas – em torno de dez minutos) com a reestruturação cognitiva (respostas racionais baseadas em evidências pós-exposição) na sessão
Prevenção de recaída e encerramento
12
• Preparo dos pacientes para futuras situações imprevisíveis e possíveis respostas adaptativas • Reforço do uso do aprendizado durante o tratamento para lidar com as dificuldades e com a ansiedade • Avaliação final do progresso alcançado por cada paciente • Marcação de uma sessão individual pós-tratamento
Fonte: Knijnik e colaboradores (2000).
Psicoterapias
permite a prática de comportamentos evitados
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tolerante com as diferenças individuais e encopor longa data (p. ex., convidar alguém para raja os participantes a falarem abertamente. O sair, dar uma opinião para outras pessoas) e gera papel do terapeuta na TCC é ativo. Para o a oportunidade ao paciente de testar na reali- aprendizado, o treino e a utilização das técnidade o seu pensamento disfuncional (p. ex., “eu cas cognitivas e comportamentais, é necessário não vou saber o que dizer quando chegar a que o coordenador fale mais do que em outras minha vez de falar”) (Hope et al., 2000). modalidades terapêuticas, servindo de guia para Muitos portadores de TAS não evitam situa- que os participantes encontrem alternativas ções fóbicas e, sendo assim, repetidas exposi- adaptadas. Ele pode conduzir o grupo em pé e ções, como técnica de tratamento isolada, po- fazer anotações no quadro. dem não ser efetivas para esses pacientes. A Escrever ao mesmo tempo em que fala pode prática da reconstrução cognitiva nas sessões ser um recurso interessante para melhorar o ritseguintes faz a ponte entre essas tentativas frus- mo e a direção dos diálogos. Um dos princitradas anteriores e a mudança de comportamen- pais recursos do terapeuta é o questionamento to e redução da ansiedade. Praticando no gru- socrático: por meio de perguntas investigativas, po e em casa, o paciente passa a ver a situação estimula novas alternativas de pensamento fóbica como menos ameaçadora ou perigosa, (White; Freeman, 2003). Estudos salientam, ainas conseqüências temidas como menos terríveis da, a utilização de humor por parte do terapeuta e eles mesmos como pessoas mais capazes de como um facilitador na condução do grupo de lidar com situações sociais. TCC, com vistas a “quebrar o gelo”. Segundo Assim, conclui-se que a TCC em grupo cons- Hand, Lamontagne e Marks (1974), fazer comentitui uma técnica eficaz para o esbatimento da tários bem-humorados durante uma sessão de sintomatologia do TAS e para a reestruturação exposição ou de explanação educativa melhora cognitiva do paciente, culminando em um ga- o clima grupal, sem, contudo, desvalorizar o sonho importante de habilidades para enfrentar frimento e a dificuldade de cada paciente. situações sociais. Ademais, por ser um tratamento Quando um participante não comparece a em grupo, permite que um número maior de uma sessão sem avisar com antecedência, o tepacientes se beneficie e reduz significativamen- rapeuta pode entrar em contato com ele. Se o te os custos da psicoterapia (Stein; Hollander, paciente estiver realmente decidido a desistir 2002). da terapia, o terapeuta poderá, com a permissão do indivíduo, transmitir ao grupo as razões da desistência na sessão mais próxima. É comum que os participantes queiram saber o porPapel do terapeuta quê da desistência e como ficará o tratamento A melhor prática de TCC em grupo está daquele indivíduo. Se a questão não for em conciliar a coesão grupal e a tarefa, como esclarecida, a coesão pode ser afetada e intermeio de facilitar o movimento de um para ferir no andamento do grupo, comprometenoutro. É fundamental o embasamento teórico do os resultados (Yalom; Leszcz, 2006). sobre o transtorno em questão, bem como sobre os fundamentos da TCC e da terapia de grupo. Porém, o terapeuta é mais que um es- Evidências de eficácia pecialista que aplica técnicas: a cordialidade e Estudos que correlacionem os fatores teraa empatia também exercem influência na pêuticos da terapia de grupo com os desfechos motivação e na adesão de cada participante ainda são raros (Yalom; Leszcz, 2006). Obserao tratamento proposto. Por intermédio de sua conduta no grupo, o vam-se evidências da eficácia da TCC em gruterapeuta modela a participação e a colabora- po para vários transtornos, como depressão ção ativa, gerando respostas adaptativas. O (Oei; Sullivan, 1999; Kaufman et al., 2005), terapeuta ajuda a estabelecer uma atmosfera distimia (Ravindran et al., 1999), transtorno bi-
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Cordioli e cols.
polar (Patelis-Siotis et al., 2001), transtorno de pânico (Heldt et al. 2003), transtorno obsessivo-compulsivo (Cordioli et al., 2003), ansiedade generalizada (Dugas et al., 2003), transtorno de ansiedade social (Taube-Schiff et al., 2007), esquizofrenia (Johns et al., 2002) e ou-
tras condies, inclusive para doenas clnicas
(White; Freeman, 2003). As pesquisas tambm comprovaram que os resultados da TCC em grupo so similares ao da TCC individual (McRoberts; Burlingame; Hoag, 1998; Anderson; Rees, 2007), quando comparados com o uso de antidepressivos (Souza et al, 2006), e há manuteno da melhora em at dois anos aps o trmino do tratamento (Braga et al., 2005; Heldt et al., 2006). As evidências sobre a influência de variáveis como a coeso grupal (o grau de envolvimento, fuga e conflitos) e a aliana (o relacionamento entre os membros e o terapeuta) nos desfechos da TCC em grupo so escassas. Existem estudos sobre fatores terapêuticos grupais como mediadores da TCC para depresso (Kaufman et al., 2005) e para TAS (Woody; Adessky, 2002; Choi; Park, 2006; Taube-Schiff et al., 2007). Os autores so unânimes em afirmar que a coeso grupal é um forte auxiliar para tolerar o aumento da ansiedade que o tratamento em si pode produzir, e o uso da presso do grupo para mudar comportamentos s funciona se houver aliana e clima grupal. A eficácia da TCC em grupo para transtorno de pânico (TP) e transtorno obsessivocompulsivo (TOC) foi testada e adaptada em nosso meio em um hospital público universitário. O objetivo das pesquisas foi o de adaptar um protocolo de TCC em grupo para transtornos específicos (TP e TOC) e avaliar a eficácia a curto (três a quatro meses) e a longo prazo (um ano). Os resultados demonstraram que o protocolo de TCC em grupo eficaz e viável na nossa realidade, com tamanho de efeito de moderado a grande nos diferentes desfechos avaliados, aps o tratamento agudo (Heldt, 2002; Heldt et al., 2003; Cordioli, 2002; Cordioli et al., 2003). Tambm foi verificado que os resultados se mantm no seguimento de
um ano (Braga et al., 2005; Heldt et al., 2006), o que uma comprovao da consistência dos resultados obtidos.
Questões em aberto e perspectivas futuras O uso da TCC em grupo ainda recente em nosso meio. Um dos prováveis motivos para isso a falta de profissionais habilitados nessa modalidade de tratamento. A necessidade de terapias que produzam resultados efetivos, com menor custo, oferecidas a um maior número de pessoas, justifica-se pela crescente demanda dos servios de psiquiatria e saúde mental, especial-
mente por parte das instituies pblicas responsveis pelo atendimento da sade da populao. O atendimento em grupo oferece a possibilidade de ampliar a oferta de atendimento com uma relao custo-benefcio bastante favorvel e, ao mesmo tempo, efetiva. Conseqüentemente, o retorno do interesse em psicoterapias com base no modelo de grupo reflete a tendência atual das políticas na área da saúde mental. Sabe-se, porm, que determinados pacientes no respondem à TCC em grupo, sendo escassos os estudos longitudinais que avaliem preditores de resposta, principalmente aqueles com mais de dois anos de seguimento. Uma hiptese para a resposta desfavorvel seria a de que os protocolos so elaborados para transtornos específicos, quando, na realidade, a presena de co-morbidade freqüente e as pesquisas tendem a excluir pacientes com outra patologia psiquiátrica concomitante à do foco do estudo. Estudos futuros so necessrios para adaptar os protocolos de TCC em grupo para realidades socioculturais diferentes e para outros transtornos para os quais a TCC individual se revelou eficaz, como nos transtornos alimentares, na cessao do tabagismo, na dependência química, etc. Pesquisas longitudinais prospectivas para avaliar a manuteno dos benefícios da TCC em grupo tambm precisam ser incrementadas (Coon et al., 2007).
Psicoterapias
Consideraões finais A TCC desenvolvida em grupo oferece um
335
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