Universidade de Brasília Faculdade de Direito Curso de Especialização em Direito Público (2009) Disciplina: Direito Regulatório Professores responsáveis pela disciplina: Prof. Márcio Iorio Aranha Introdução ao Direito Regulatório; Fundamentos de Direito Regulatório; Setor de Telecomunicações. Prof. Gustavo Kaercher Loureiro Setor de Energia Elétrica
Direito regulatório INTRODUÇÃO AO DIREITO REGULATÓRIO .................................................................................................................. 3 PRESSUPOSTO TEÓRICO DO ESTADO REGULADOR .................................................................................................................. 3 VELOCIDADE DA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA, LINGUAGEM SETORIAL E ESPECIALIZAÇÃO REGULATÓRIA .............................. 4 GLOBALIZAÇÃO, CONHECIMENTO E POLÍTICA PÚBLICA SETORIAL ......................................................................................... 5 MODERNIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO E REGIMES JURÍDICOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ................................. 7 REGIMES JURÍDICOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS REGULADOS: DIVISÃO CONSTITUCIONAL DE TITULARIDADE ................ 10 Autorização de serviços .................................................................................................................................................. 12 FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO ............................................................................................................. 13 DIREITO REGULATÓRIO E ESTADO REGULADOR ................................................................................................................... 13 REGULAÇÃO: OBJETO DE ESTUDO DO DIREITO REGULATÓRIO .............................................................................................. 17 Formas de regulação....................................................................................................................................................... 18 Efeitos das opções regulatórias ...................................................................................................................................... 19 Função normativa conjuntural do Executivo ................................................................................................................. 20 Conceito de regulação .................................................................................................................................................... 30 Regulação versus desregulação ...................................................................................................................................... 34 FASES DA REGULAÇÃO NO BRASIL ........................................................................................................................................ 35 ESPÉCIES DE REGULAÇÃO ...................................................................................................................................................... 38 ESTRUTURAS DE REGULAÇÃO SETORIAL .............................................................................................................................. 42 Conselhos Econômicos .................................................................................................................................................... 42 Conselhos versus Agências ............................................................................................................................................. 45 Agências Executivas versus Agências Reguladoras ....................................................................................................... 47 Autonomia das Agências Reguladoras ........................................................................................................................... 54 SETOR DE ENERGIA ELÉTRICA ....................................................................................................................................... 57 INTRODUÇÃO: ENERGIA, INDÚSTRIA ENERGÉTICA E ENERGIA ELÉTRICA ............................................................................. 57 REFERÊNCIAS HISTÓRICAS ..................................................................................................................................................... 61 Os primórdios (das origens ao Código de Águas).......................................................................................................... 61 O Código de Águas (1934) e seu regulamento (1957) ................................................................................................... 67 Do sistema Eletrobrás à Constituição de 1988 (1962-1988) ......................................................................................... 72 AS BASES DO ATUAL REGIME JURÍDICO: A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E AS PRINCIPAIS NORMAS SETORIAIS .......................... 73 ESTRUTURA INSTITUCIONAL DO SETOR ELÉTRICO ................................................................................................................ 78 A DISCIPLINA JURÍDICA DOS DIFERENTES SERVIÇOS DE ENERGIA ELÉTRICA ........................................................................ 81 Panorâmica regulatória .................................................................................................................................................. 81 Geração de energia elétrica ............................................................................................................................................ 82 Transmissão de energia elétrica ..................................................................................................................................... 83 Distribuição de energia elétrica ..................................................................................................................................... 84 Comercialização .............................................................................................................................................................. 84 Contratos de energia elétrica.......................................................................................................................................... 85 SETOR DE TELECOMUNICAÇÕES ................................................................................................................................... 88 HISTÓRICO NORMATIVO DAS TELECOMUNICAÇÕES NO BRASIL ........................................................................................... 88 Primórdios da regulação do setor de telecomunicações ................................................................................................ 88 Reformas Normativo-Operacionais da década de 1990............................................................................................... 103 Desestatização do Sistema TELEBRÁS ........................................................................................................................ 104 Novos Horizontes .......................................................................................................................................................... 108 TELECOMUNICAÇÕES E SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES .............................................................................................. 108 Conceito Jurídico de Telecomunicação ........................................................................................................................ 110 Conceito Jurídico de Serviço de Telecomunicações ..................................................................................................... 113 CLASSIFICAÇÃO DOS SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES .................................................................................................. 116 Classificação dos serviços quanto ao regime jurídico ................................................................................................. 117 Classificação dos serviços quanto à abrangência ........................................................................................................ 122 Classificação dos serviços quanto à modalidade ......................................................................................................... 123 Classificação dos serviços quanto à forma................................................................................................................... 124 Classificação dos serviços quanto ao âmbito de prestação ......................................................................................... 125 Classificação dos serviços quanto à finalidade ............................................................................................................ 125
UNIVERSALIZAÇÃO DAS TELECOMUNICAÇÕES ................................................................................................................... 132 PROJEÇÕES REGULATÓRIAS PARA O SETOR DE TELECOMUNICAÇÕES ............................................................................... 139 BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................................................................................... 140 MANUAIS REFERENCIADOS .................................................................................................................................................. 144
Introdução ao direito regulatório Pressuposto teórico do Estado Regulador O século XX significou a afirmação dos direitos individuais como instituições jurídicas dependentes do contexto sócio-econômico; significou, em outras palavras, a tentativa de solução do conflito entre a percepção dos direitos, de um lado, como entidades ideais e impalpáveis – liberdades abstratas – e, de outro lado, como configurações tangíveis resultantes de atuação direta estatal conformadora dos direitos – liberdades concretas. O século XX representou o momento teórico de afirmação das garantias constitucionais dos direitos fundamentais, desde que se vulgarizou o entendimento da insuficiência de enumeração de direitos para proteção dos seus titulares. Fala-se, portanto, do século de apresentação do Estado como um componente essencial na definição do conteúdo dos direitos fundamentais mediante enraizamento do conceito de serviço público e da ampliação concreta do rol de direitos dos cidadãos. Em que medida tais conjecturas se relacionam com o conceito de regulação? Na medida em que o Estado Regulador se apropria, como seu pressuposto, da idéia de que o papel interventor estatal, inscrito na regulação de setores assumidos como de interesse público, legitima-se por sua essencialidade (do Estado) na concretização dos direitos a eles (aos setores regulados) relacionados; apropria-se da indissociabilidade entre o enunciado abstrato de um direito subjetivo e o contexto sócio-econômico-político, enfim, cultural, de sua fruição. O pressuposto do Estado Regulador, portanto, é a compreensão da intervenção estatal como garantia de preservação das prestações materiais essenciais à fruição dos direitos fundamentais, sejam elas prestações de serviços públicos ou privados, sobre as quais se aplica a insígnia da regulação, ou sejam elas outros tipos de atividades, tais como o exercício do poder de polícia, atividades de fomento e prestações positivas tradicionais de índole concreta e normativa. O direito subjetivo somente pode ser compreendido atualmente se encarado em comunhão com sua face objetiva, que repousa na determinação de conteúdo a partir da dinâmica do ordenamento jurídico em meio às potencialidades concretas criadas por políticas públicas, por ordens normativas, por investimento empresarial, enfim, por acompanhamento conjuntural do desenvolvimento de um setor de atividades de interesse público como, por exemplo, os setores de saúde, educação, recursos hídricos, energia, telecomunicações e transporte. A plena fruição do direito à saúde em suas diversas dimensões de devido diagnóstico, prognóstico e tratamento médico encontra-se relacionada com as disposições concretas de financiamento da educação universitária médica e de áreas afins, de financiamento das pesquisas universitárias relativas ao desenvolvimento de equipamentos e métodos laboratoriais, de construção de uma rede de energia elétrica confiável para preservação dos equipamentos auxiliares, de edificação de redes nacionais e internacionais de banda larga para telemedicina, do devido equacionamento e acompanhamento da liquidez de sistemas de saúde suplementar, enfim, de uma lista abrangente de atuação estatal e não-estatal concertada segundo uma batuta unificada na figura interventora, mesmo que indireta, do Estado (não do governo) como espaço público de construção de soluções. A complexidade alcançada na determinação de conteúdo jurídico dos direitos fundamentais revela que a precisão de dito conteúdo exige a análise do dispositivo normativo, como cristalização cultural que é, associado aos influxos de transformações das idéias
legislativas, jurisprudenciais, sociais, enfim, da realidade cultural circundante. A determinação de sentido normativo deixou de ser remetida ao ambiente puramente estrutural do fenômeno jurídico1; deixou de procurar extrair de um dispositivo escrito ou doutro elemento cultural cristalizado – jurisprudência, doutrina, costumes – todo o significado regrador da realidade; deixou de crer na possibilidade de alcance de um único significado estático frente a uma realidade dinâmica e multifacetada. Em outras palavras, o conteúdo normativo encontra-se claramente remetido a decisões de normatização secundária, significando que o adensamento do conteúdo dos direitos fundamentais depende, hoje, em grande medida, de decisões estatais influentes sobre os setores tidos como essenciais ao desenvolvimento socioeconômico do país e o fenômeno da regulação ocupa posição privilegiada em tal espaço decisório.
Velocidade da inovação especialização regulatória
tecnológica,
linguagem
setorial
e
O componente inovador de transformação constante do sentido das disposições normativas para atualização do sistema jurídico à realidade existencial foi sobremaneira incrementado nas últimas décadas em razão do fator velocidade. A transformação, antes tida como antípoda do regramento, passou a compor sua essência. Há cada vez menos espaço para a cogitação de regramentos estanques, quando se trata de normatizar setores complexos de atividades ou subsistemas jurídicos, cuja característica central é a constante atualização dos fatores influentes sobre os rumos do setor, dentre eles, o tecnológico. A velocidade de transformação tecnológica é um dos fatores de desestabilização do sistema normativo. Não se quer dizer, com isso, que se exija do regramento respostas às necessidades dos atores setoriais – governo, empresas, usuários/consumidores – para facilitarlhes a consecução de seus objetivos. O ordenamento jurídico, pelo contrário, traduz em preceitos a política pública setorial segundo filtros normativos de nível constitucional e infraconstitucional, direcionando2, portanto, a realidade. Dada a especificidade de cada setor regulado, a eficácia da influência pretendida pelos preceitos normativos é diretamente proporcional a sua sintonia com a linguagem falada no setor, ou seja, com a conformação e dinâmica setorial. A indução de comportamento na direção do interesse público em um complexo setor de atividades depende de visão abrangente sobre o passado do setor e sobre a sua forma específica de ser, algo somente possível de se exercitar por estruturas especializadas e estruturadas para a função de acompanhamento pari passu das alterações conjunturais. A política pública setorial depende, portanto, do conhecimento setorial para produzir regramentos viáveis. Ela depende de acompanhamento do desenvolvimento 1
O direito não mais se restringe a ordenar situações estruturais, voltando sua atenção para a “regulação de situações conjunturais, o que impõe sejam as normas dotadas de flexibilidade e estejam sujeitas a contínua revisibilidade” (GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3aed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 23: conferir também p. 86; 88-89; 136-139). 2 Não se fala em direção no sentido absoluto de crença moderna no devir em detrimento do ser, mas exatamente na constatação de que o estudo da normatização de condutas é um processo próprio ao ser social e não simplesmente de predefinição de condutas individuais capazes de, por si só, esgotarem a realidade. A propósito da persistência do ser, no século inaugurador moderno (séc.XVII), como categoria maior do pensamento a conviver com a proposta racionalista do devir, vide: BAUMER, Franklin Le Van. O pensamento europeu moderno: séculos XVII e XVIII. Vol. I, Lisboa: Edições 70, 1990, p. 47. Não se pode fugir, aqui, entretanto, à crítica de subserviência ao pensamento moderno de substituição da meta contemplativa dos Antigos (de estabilidade) por um fim utilitário e ativista (de movimento) dos Modernos, embora temperado, nesta exposição, pela compreensão de que a previsibilidade não é o único fundamento para o esforço de se influenciar a realidade.
tecnológico para orientar eventuais desígnios utilitaristas de mercado (ou dos atores do mercado) na direção do interesse público.
Globalização, conhecimento e política pública setorial Não é somente o desenvolvimento tecnológico que impõe valorização da perspectiva dinâmica do ordenamento jurídico. O termo globalização, por intermédio de seus inúmeros significados3, exige a adaptação do ordenamento jurídico mediante uniformização internacional, cujo efeito intensificador da superação das fronteiras nacionais gera a cogitação de um direito global4. Em poucas palavras, a globalização é um processo5, que se apresenta com significados complementares nos ramos do conhecimento científico. Comumente, aponta-se a liberdade de mercado internacional como a síntese econômica da globalização orientada por discursos de deificação das economias modernas.6 Aliás, a terminologia adotada para designar o processo de aproximação mundial denota a posição central do aspecto econômico de abertura comercial.7 Para sua instrumentalização, idealizou-se a uniformização normativa, a estandardização social em padrões culturais e a padronização técnica, reflexo tecnológico do movimento de globalização. Neste último item, evidencia-se melhor a importância da linguagem setorial. Ao lado dessas características, costuma-se enumerar também outros fatores como a crescente influência das multinacionais, da tecnologia da informação, do consumismo, da integração regional, da internacionalização dos direitos humanos, das redes temáticas de pessoas8. A rede de influência social sobre a política pública ampliou-se em complexidade e 3
Cf.BECK, Ulrich. O que é globalização? Equívocos do globalismo, respostas da globalização. Trad. André Carone, São Paulo: Paz e Terra, 1999. 4 Sundfeld define o „direito global‟ como o que se opõe ao direito doméstico. “O direito global extrapola largamente as fronteiras do Estado Nacional para buscar suas fontes também fora dele [mas] a simples existência de órgãos e de fontes normativas internacionais nem constitui novidade nem basta para caracterizar uma “nova era”. Esta é derivada, portanto, não do surgimento, mas da intensificação do fenômeno” (SUNDFELD, Carlos Ari. A Administração Pública na era do direito global. p. 157-158. In: SUNDFELD, Carlos Ari e VIEIRA, Oscar Vilhena. Direito global. São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 157-168). 5 A globalização não é um acontecimento estanque, é uma “onda que traduz uma nova cultura (...) é o produto inevitável do chamado „efeito demonstração‟ derivado dos extraordinários avanços da tecnologia” (CHACEL, Julian (org.). A globalização em debate. p. 5. In: Carta Mensal, Rio de Janeiro, v. 46, n. 546, p. 3-14, set. de 2000). Pode-se identificar a globalização como “um processo e não como um fato consumado” (CALDAS, Ricardo W. O Brasil e o mito da globalização. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1999, p. 18). 6 O comentário de Eros Roberto Grau é revelador: “Modernas são a economia japonesa e os regimes de protecionismo econômico interno norte-americano e europeu, que não fazem nenhum exemplo de mercado livre. [§] De modo que ser moderno, hoje, é no mínimo já ter consciência de que o mercado é impossível sem uma legislação que o proteja e uma vigorosamente racional intervenção, destinada a assegurar sua existência e preservação” (GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3aed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 92). Ser verdadeiramente moderno é intervir com vigor, força, conhecimento, prospecção, enfim, é desenhar e implementar política pública. 7 “O termo de origem francesa „mundialização‟ (mondialisation) encontrou dificuldades para se impor, não apenas em organizações internacionais, mesmo que supostamente bilíngues, como a OCDE, mas também no discurso econômico e político francês. Isso se deve (...) ao fato de que o termo „mundialização‟ tem o defeito de diminuir, pelo menos um pouco, a falta de nitidez conceitual dos termos „global‟ e „globalização‟.” (CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã Editora, 1996, p. 24 – Original: La mondialisation du capital. Paris: Syros, 1994). 8 A mundialização significa “que as decisões já não são nacionais ou locais, pertencendo a alguma congregação supranacional de caráter mundial. Mas para a Comissão Internacional de Juristas, o sentido talvez mais importante [da globalização] é que ela evoca as novas redes que os cidadãos estão formando e as relações cada vez mais estreitas, que matêm o movimento de direitos humanos” (CLAPHAM, Andrew. La mundialización y el imperio del Derecho. p. 17. In: La Revista de la Comisión Internacional de Juristas – mundialización, derechos humanos e imperio del derecho. n. 61, 1999, p. 17-37).
extensão, gerando novas exigências de estruturação do Estado e da sociedade. Com a aproximação dos interesses internacionais das fronteiras estatais, o foro de discussão da legislação setorial foi, em parte, deslocado para organismos internacionais e acordos bilaterais. Os países periféricos deixaram de deter as rédeas de opção política e passaram a ter de negociar suas legislações nacionais, gerando o fenômeno do realinhamento constitucional9. A partir de então, o conhecimento detém peso decisivo na determinação da política pública setorial, pois dele depende o convencimento dos demais partícipes da comunidade internacional quanto à necessidade ou irrelevância de cada opção política interna. Somente o conhecimento setorial habilita os países a fazerem frente à crítica de mera recepção dos padrões internacionais10. Isso ocorre porque a globalização carrega consigo a uniformização jurídica. As políticas públicas nacionais não mais podem destacar-se das ponderações internacionais. Ampliado o rol de partícipes na formulação da política pública, também foi potencializada a inovação. No plano privado, a referência à tecnoestrutura de Galbraith11 esclarece o movimento de transformação do mercado, que deixa de ser o mecanismo de alocação eficiente de recursos viabilizado pelo Estado12, e passa a ser dirigido pela inteligência organizada da empresa e, portanto, pelo investimento na criação de necessidades por via de estratégias de marketing. Disso tudo resulta a constatação de valorização do momento dinâmico presente na implementação das políticas públicas. Não é mais suficiente tratar a realidade com previsões abstratas petrificadas em instrumentos normativos perenes, que teoricamente absorveriam a maior parte da carga de litigiosidade. Hoje, é necessário que o Estado trabalhe com a realidade mediante estabelecimento de metas variáveis de acordo com as situações que se põem.13 A política pública encontra-se espelhada na evolução de cada setor de 9
O termo „realinhamento constitucional‟ é utilizado por Oscar Vieira para designar a influência dos fatores de pressão internacionais sobre os sistemas constitucionais nacionais. Conferir: VIEIRA, Oscar Vilhena. Realinhamento constitucional. In: SUNDFELD, Carlos Ari e VIEIRA, Oscar Vilhena (coord.). Direito global. São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 15-48. 10 Ao analisar a globalização sob o tríplice enfoque de regionalização, direitos humanos e economia, Oscar Vieira identifica um realinhamento bidirecional nos movimentos de regionalização (VIERIA, Oscar. op.cit., p. 28) e direitos humanos (VIERIA, Oscar. op.cit., p. 29). Haveria, nestes, uma influência recíproca entre os movimentos citados e as posições políticas dos países da comunidade internacional. Já no que diz respeito à globalização econômica como “liberdade total ao capital internacional” (VIERIA, Oscar. op.cit., p. 17), o autor não consegue identificar o movimento de influência dos países neste fenômeno uniformizador: “Diferentemente dos demais fenômenos da globalização, não temos neste caso [da globalização econômica] a já mencionada via de duas mãos. Há apenas uma assimilação dos padrões internacionais, sob a perspectiva de que são essenciais para se participar do processo de globalização” (VIERIA, Oscar. op.cit., p. 46-47). 11 Cf.GALBRAITH, John Kenneth. O novo Estado Industrial. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1997. Para Galbraith, a substituição do sistema de mercado pelo sistema de planejamento teria modificado a estrutura de poder nas empresas e na sociedade em razão do aumento da escala de produção, do avanço da tecnologia e do conhecimento interdisciplinar, que exigem elevado tempo de maturação dos empreendimentos cada vez mais complexos. A decisão teria migrado da propriedade do capital para sua gestão. O controle, agora, estaria nas mãos do administrador qualificado pelo conjunto de informações necessárias à gestão do negócio mediante a criação de novas necessidades moldadas pelo aparato propagandístico, derrubando por terra a soberania do consumidor. Tal inteligência organizada da empresa constituiria sua tecnoestrutura, cujas decisões técnicas e impessoais – tecnocracia – acabariam por suplantar a liberdade individual de direcionar o desenvolvimento. 12 Bresser Pereira, ao definir o mercado como o mecanismo de alocação eficiente de recursos por excelência, afirma a precedência do Estado moderno ao mercado capitalista na medida em que é o Estado que garante os direitos de propriedade e a execução dos contratos. Cf. PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A reforma do Estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Brasília: Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, 1997, p. 9-10. 13 “Não basta editar uma lei abstrata, genérica e distante, dizendo que nenhuma exploração da atividade industrial pode ultrapassar certo limite de poluição, causando dano à saúde do vizinho. É preciso que o Estado vá trabalhando com a realidade todo o tempo, para definir, nas situações que se põem, o que é ou não uma emissão
atividades relevantes, constituindo um dos elementos necessários para qualificação de tais atividades em direção à produção de bem-estar. Tais considerações situam-se no âmbito do chamado governo por políticas (government by policies) como qualificativo representativo do século XX. Como consequência, a intervenção estatal nos setores relevantes de atividades é um pressuposto para se relacionar a evolução setorial com o adensamento dos direitos fundamentais em sua dimensão concreta. Por tudo isso o conhecimento é tão relevante: conhecimento setorial para ponderação das fronteiras de regulação no gerenciamento normativo da realidade voltado à otimização da eficiência14 dos setores representativos da economia nacional dentro de patamares éticos de desenvolvimento. A introdução de entes de direito público tematicamente especializados – as agências reguladoras –, principalmente a partir da segunda metade da década de 1990, no Brasil, responde, em parte, à referida demanda por um conhecimento setorial capaz de produzir regulação em ambientes complexos e em constate transformação.
Modernização do Direito Administrativo e regimes jurídicos de prestação de serviços Alterada a perspectiva no tratamento da política pública setorial, velhos temas de direito administrativo, que passaram despercebidos enquanto o estudo jurídico não se via ameaçado por novas demandas de otimização e de dinamização15, exigiram maior aprofundamento. O fenômeno da publicatio16, predominante na história administrativa brasileira dos três primeiros quartéis do século XX e de nítida tradição francesa, evidenciou tratamentos jurídicos estanques entre o serviço considerado público e o privado. Esgotadas as forças de divisão precisa entre papel estatal e liberdade individual, o serviço reservado ao Estado deixou de carregar o caráter de exclusividade ao mesmo tempo que a atividade privada passou a comportar interferências públicas, ambos cedendo espaço para a apropriação de um conceito anglo-saxão mais abrangente: o de atividade regulamentada.17 No campo do tratamento jurídico dos direitos fundamentais, a passagem do Estado Liberal para o Estado Social produziu claras transformações de pontos de vista, que obrigaram o mundo jurídico a contemplar a face objetiva de concretização dos direitos ao lado da face subjetiva de sua pura titularidade. Enquanto isso, no que diz respeito à postura estatal frente de poluentes aceitável; assim obter-se-á a paulatina diminuição da emissão de poluentes. É preciso impor graus crescentes de restrições à emissão de poluentes, e para isso a lei é insuficiente. Ninguém imagina que o legislador vá cuidar de regular o nível de emissão de poluentes do bairro do Maracanã no ano de 1998; e, em janeiro de 99, editar outra lei para estabelecer que já é hora de diminuir ainda mais o nível de emissão de poluentes; e, no meio do ano, considerando que aquele nível eleito foi otimista demais, editar nova lei para voltar atrás. Alguém imagina que o legislador possa fazer isso, dedicando-se, ele próprio, a um verdadeiro gerenciamento normativo da realidade?” (SUNDFELD, Carlos Ari. Agências reguladoras e os novos valores e conflitos. p. 1293-1294. In: Anais da XVII Conferência Nacional dos Advogados. Justiça: realidade e utopia. Vol. II, Rio de Janeiro: Ordem dos Advogados do Brasil, 1999, p. 1291-1297). 14 Eficiência que foi elevada à categoria constitucional com a EC19/98: art.37, caput da CF/88. 15 O direito administrativo sempre sofreu os influxos da evolução tecnológica, como bem demonstram as regulamentações municipais do direito de construir, que acompanham a evolução das técnicas de construção e do crescimento correspondente dos riscos. A novidade de hoje está na ampliação sensível deste fenômeno de regulamentação conjuntural para setores da economia, no Brasil, submetidos a escassa regulamentação estatal direta devido à suficiência da autorregulamentação das então empresas estatais. 16 O termo publicatio é utilizado para denotar a transferência da titularidade de atividades das mãos privadas para o Estado. 17 Cf.GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Teoria dos serviços públicos e sua transformação, p. 64. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 39-71.
aos setores da economia, o efeito do mesmo período histórico foi exatamente o inverso, na medida em que ocorreu o fortalecimento do movimento liberal de separação entre o público e privado, agora sob o enfoque da prestação estatal de serviços. O diferencial do Estado Social nesse particular não foi, portanto, o de se alterar a percepção jurídica de segmentação entre prestações públicas e privadas, mas o de ampliar, consideravelmente, o rol de atividades reservadas ao Estado, como ocorreu com as inversões estatais dos setores de energia e telecomunicações de meados do século XX no Brasil como forma de arrogar a si as necessidades da coletividade para promoção de bem-estar. O fenômeno de prestação de serviços e sua normatização não foi enfraquecido pelo pensamento social como ocorreu com a visão individualista dos direitos fundamentais. Nestes, a evolução concreta das tensões sociais da segunda metade do século XIX exigiu participação ativa estatal para reequilibrar as situações jurídicas individuais, facultando a todos usufruírem das previsões abstratas de direitos mediante fornecimento, pelo Estado, das condições de acesso aos direitos de liberdade. Os direitos à vida, à propriedade, à liberdade e à igualdade formal, dentre outros, foram melhor concretizados com o incremento de direitos a prestações positivas estatais, tais como a previdência social, a tutela do hipossuficiente no direito do trabalho, a atividade de fomento a juros baixos para aquisição da casa própria, o acesso gratuito ao Judiciário, dentre outros. Para consecução desses objetivos, embasado na tradição francesa de segregação dos serviços, o Estado assumiu setores de atividades econômicas, buscando compensar o déficit de acesso da população a serviços básicos ou mesmo viabilizar a padronização de atividades produzidas em larga escala. A tradição liberal de separação entre Estado e sociedade deu origem à segregação entre serviços públicos e privados como compartimentos estanques do sistema normativo brasileiro. Não se quer dizer, com isso, que a distinção entre serviços públicos e privados esteja em decadência, pois o que caracteriza o direito brasileiro é exatamente a submissão da Administração a um direito especial destacado do direito comum18, mas a compreensão de que a característica pública ou privada não está eternamente amarrada a um determinado serviço, que pode perder sua essencialidade com o tempo ou mesmo ganhá-la. Além disso, a compreensão de que um mesmo rol de serviços pode conter âmbitos de prestação em regime público, convivendo com formas de prestação em regime privado revela a complexidade da dinâmica regulatória. Um fenômeno muito próximo se fez presente na história jurídicoconstitucional brasileira desde a Constituição Federal de 193419, em que os chamados
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Sobre as características e distinções entre o Direito Administrativo anglo-americano e o Direito Administrativo de matriz francesa, vide: PESSOA, Robertônio. Curso de direito administrativo. Brasília: Editora Consulex, 2000, p. 51-58. 19 O art.149 da Constituição Federal de 1934 estabelecia o dever do Estado e da família de prestar educação. O anteprojeto da Carta Constitucional de 1934 era mais claro, pois previa, no título XI (Da Cultura e do Ensino), no art.112: “O ensino será público ou particular, cabendo àquele, concorrentemente à União, aos Estados e aos Municípios. O regime do ensino, porém, obedecerá a um plano geral traçado pela União, que estabelecerá os princípios normativos da organização escolar e fiscalizará, por funcionários técnicos privativos, a sua execução”. A Constituição Federal de 1937 foi mais clara: “Art.129. À infância e à juventude, a que faltarem os recursos necessários à educação em instituições particulares, é dever da Nação, dos Estados e dos Municípios assegurar, pela fundação de instituições públicas de ensino em todos os seus graus, a possibilidade de receber uma educação adequada às suas faculdades, aptidões e tendências vocacionais”. A Constituição de 1946, por sua vez, assim disciplinou: “Art.167. O ensino dos diferentes ramos será ministrado pelos podêres públicos e é livre à iniciativa particular, respeitadas as leis que o regulem”. A Constituição Federal de 1967 e Emenda nº1 de 1969 seguiram a mesma linha: “Art.168. (...) §2o Respeitadas as disposições legais, o ensino é livre à iniciativa particular, a qual merecerá o amparo técnico e financeiro dos Podêres Públicos, inclusive bôlsas de estudo”. Finalmente, a Constituição Federal de 1988 disciplina: “Art.205. A educação, direito de todos e dever do Estado (...); Art.209. O ensino é livre à iniciativa privada (...)”. Históricos normativos semelhantes podem ser desenhados para os setores de saúde, abastecimento alimentar e sistema financeiro.
doutrinariamente de serviços sociais submeteram-se, e se submetem até hoje, a regimes jurídicos público ou privado conforme a pessoa que os presta. Enquanto os serviços forem definidos, a priori e ad eternum, como públicos ou privados, a realidade de aplicação do direito continuará destoando muito da previsão normativa. Para fugir da decisão casuística e não-programada, mas pressionada pela realidade, o Direito brasileiro absorveu a maleabilidade na percepção da realidade de um serviço, ou seja, na percepção de seu caráter concreto de essencialidade. Os serviços mudam e as necessidades da coletividade também. De que adianta fincar-se a bandeira do serviço público em serviços que sofrem defasagem de interesse social em curto espaço de tempo. É o direito tramando contra sua própria função de orientador de condutas. Um serviço hoje tido por essencial – portanto público –, como a telefonia fixa, pode perder seu status ou ombrear com outros serviços mais abrangentes, como promete o fenômeno da convergência tecnológica no âmbito das telecomunicações. O ordenamento jurídico petrificado ostentaria um serviço morto como palavra de ordem publicista e o restante dos serviços restaria abandonado a sua própria fortuna pelo simples fato de que a imprecisão terminológica entre serviços públicos e privados decorre exatamente da procura exagerada por uma definição eterna e universal do que é público, acorrentando-o em dispositivos exclusivistas.20 Atente-se, por fim, para o fato de que não se está aqui defendendo a extinção da distinção entre regimes público e privado, mas a simples possibilidade de que seus objetos – serviços públicos e privados – sejam melhor ponderados e atualizados às transformações ínsitas à regulação setorial e que não se rendam a definições simplistas21, que substituem a maleabilidade jurídica pela imprecisão terminológica apta às negociações privadas do interesse público. O que se apresenta hoje é mais uma etapa de reaproximação, que demanda correspondência no ordenamento jurídico mediante modernização do direito administrativo. Se por um lado, a prestação exclusiva dos serviços públicos pelas mãos do Estado sofreu críticas de eficiência, universalização e modicidade de tarifas, por outro lado, a complexidade dos setores de atividades e suas inter-relações levaram o Estado a repensar o benefício do sistema exclusivista e segregado entre serviços públicos e privados. A partir daí, a transformação do modelo dispôs-se à coexistência de regimes jurídicos no mesmo rol de serviços para congregar a dinâmica, eficiência e concorrência de preços (não necessariamente a livre concorrência e a livre iniciativa22) com o desígnio público de universalização e continuidade. A etapa atual da regulação foi o caminho aberto para compatibilizar dois sistemas, cuja convivência parecia inaceitável no modelo anterior de absoluto antagonismo entre público e privado.23 A partir de
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“A frustação com estas categorias ubíquas [de público e privado] surge parcialmente porque elas são posicionadas para descreverem oposições em nosso pensamento. No cerne de muitas de suas aplicações aparecem as duas idéias de que o público está para o privado tal como aberto está para fechado e como o todo está para a parte.” – tradução livre do original (STARR, Paul. The meaning of privatization. p. 16. In: KAMERMAN, Sheila B. & KAHN, Alfred J. Privatization and the Welfare State. Princeton: Princeton University Press, 1989). 21 O conceito de serviço público como o “serviço disponível ao público” serviu à justificação da provisão privada de serviços públicos sob a óptica econômica de estratégias de fomento do mercado, mas não se adequa nem satisfaz as exigências jurídicas de orientação da prestação de serviços públicos e privados. Conferir: ROTH, Gabriel. The private provision of public services in developing countries. Washington: Economic Development Institute, 1987, p. 1. 22 Argumentando pela caracterização do modelo regulatório, segundo a ideologia constitucionalmente adotada pela Constituição Federal de 1988 no Brasil, como afeto um ambiente concorrencial, mas avesso ao jogo dos mercados, assim entendido aquele caracterizado pela livre iniciativa e a livre concorrência, vide: CARVALHO, Carlos Eduardo Vieira de. Regulação de Serviços Públicos na Perspectiva da Constituição Econômica Brasileira. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. 23 Daí a afirmação de Eros Roberto Grau de que “a privatização dos serviços públicos instala um autêntico caos em suas teorizações [do direito administrativo], abalando a própria noção de serviço público, que lhe tem servido
então, à sociedade, por suas instituições, foram abertos espaços de atuação no desenvolvimento setorial, principalmente por meio das figuras da audiência pública e da consulta pública. Presente, diretamente, na prestação dos serviços, o Estado não pôde, isolado da sociedade, responder às demandas de rápida evolução social. A modernização do direito administrativo desloca o Estado para o intervencionismo indireto, resultando na entrega de maior poder normativo as instituições reguladoras coerentemente com o novo modelo de prestação de serviços públicos.
Regimes jurídicos de prestação de serviços regulados: divisão constitucional de titularidade As mudanças introduzidas no ordenamento jurídico brasileiro rumo à modernização do direito administrativo, entretanto, precisam ser justificadas em meio às críticas de carência de sintonia entre as mudanças idealizadas e as assimiladas pelo direito, que remontam à discussão de fundo sobre a natureza e o regime jurídico de prestação de um serviço regulado. As emendas constitucionais setoriais de 1995 enfatizaram a imperfeição da tradicional classificação de direito administrativo, que gravava um rol de atividades, em seu conjunto, pelo caráter público ou privado. A pergunta aprofundada após as emendas setoriais encontra-se na cogitação do regime jurídico aplicável aos serviços regulados. Estariam eles, agora, submetidos, ao regime público ou ao privado? Tais serviços regulados, enfim, estariam submetidos, integralmente ao regime público ou a um duplo regime, público e privado? Para compreensão destas indagações, dois conceitos devem ser esclarecidos: regime jurídico; e titularidade constitucional das atividades econômicas em sentido amplo. Regime é o sistema de uma disciplina jurídica. Assim, é o conjunto de regras jurídicas integradas para consecução de uma finalidade comum. Quando esta finalidade é de interesse público em meio a uma relação vertical24 caracterizada pela manifestação de poder extroverso estatal, chama-se dito sistema de regime público. Poder extroverso, por sua vez, é a possibilidade de imposição de deveres ao outro sujeito da relação jurídica sem sua concordância. Decorre do poder público, da prevalência do interesse público e da possibilidade do uso da força física e sua exclusividade pelo Estado. Trata-se da manifestação do poder político assim entendido quando um centro de imputação normativa interfere unilateralmente na esfera jurídica de outrem. Poder extroverso é, portanto, a possibilidade de obrigar unilateralmente a terceiros. Opõe-se, portanto, ao chamado poder interno, que é o poder próprio das relações privadas consubstanciado na possibilidade do sujeito de direitos constranger sua própria esfera jurídica. Um dos elementos fundamentais para determinação do regime a ser aplicado a uma relação jurídica qualquer é a natureza da atividade em jogo. Se a atividade for considerada exclusiva do Estado, ou mesmo privativa do Estado, o regime jurídico aplicável será o público, em maior ou menor extensão conforme o caso. Se a atividade for considerada um serviço social, o regime variará conforme a pessoa prestadora. Finalmente, se a atividade estiver caracterizada como atividade econômica, o regime a ela aplicável será, em regra, o privado, à exceção de atividade monopolista. de sustentáculo” (GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3aed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 125). 24 Diz-se da relação em que o Estado detém uma posição privilegiada, gerando efeitos de subordinação. Cf. SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. São Paulo: Malheiros Editores, 1992, p.68.
Embora a distinção acima apresentada seja relativamente clara, a definição da natureza das atividades não o é. O índice mais seguro para se estabelecer a distinção provém do texto constitucional, embora ele não seja uma fonte autoexplicativa e didática. É dele, portanto, que se extrai a titularidade das atividades em geral. Há atividades que são atribuídas ao Estado de forma exclusiva, tais como as atividades de trato soberano, como jurisdição, normatização, poder de polícia, tributação e orçamento. São de titularidade do Estado e são impassíveis de transferência aos particulares. Próximas às atividades exclusivas encontram-se as atividades privativas do Estado. Elas são de titularidade estatal, mas a própria constituição permite a transferência de sua prestação ao particular. Como a prestação de ditas atividades somente pode ser transferida aos particulares por intermédio de contratos administrativos de concessão ou de permissão (art.175 da Constituição Federal de 1988), o Estado continua responsável subsidiariamente por sua prestação. Dentre as atividades privativas, encontra-se a parcela de serviços regulados essenciais à sociedade em seu conjunto e que abrangem, a depender do autor, todos ou parcela dos serviços de telecomunicações, energia elétrica, mineração, transportes, dentre outros. Há uma categoria especial de serviços, que são de titularidade integralmente tanto do Estado como dos particulares, como os serviços de saúde e de educação. Quando prestados pelo Estado diretamente, ou por intermédio de terceiros, submetem-se a regime público. Se, entretanto, forem prestados por conta e risco dos particulares, submetem-se a regime privado. Finalmente, o campo das atividades econômicas é residual. Enquadram-se nessa categoria todas as atividades não expressamente definidas como atividades exclusivas, privativas ou sociais pela Constituição Federal de 1988. O conceito de serviço público surge assim como um elemento aglutinador das atividades de titularidade do Estado, e por consequência, tidas como essenciais à sociedade. Tradicionalmente, os serviços regulados, no Brasil, foram considerados serviços públicos e, portanto, submetidos, via de regra, a regime especial administrativo (regime público). Com a modificação implementada pelas emendas setoriais de 1995, o tratamento dos serviços exprimiu uma cisão dos setores em atividades submetidas a regime público e atividades submetidas a regime privado, mediante a expurgação do termo serviço público do texto correspondente a cada setor e a introdução de competência da União para autorização de serviços regulados. Ao lado, portanto, dos contratos administrativos de concessão e de permissão de serviços públicos regulados, surgiu a possibilidade de mera liberação de amarras administrativas ao exercício de atividades econômicas reguladas. É sobre essa novidade constitucional que se apoia o modelo brasileiro atual de regulação de atividades essenciais. Em resposta à questão formulada mais acima sobre que regime jurídico deveria ser aplicado aos setores regulados, a prática das instituições reguladoras tomou a frente dos administrativistas brasileiros para revelar o que já se praticava em diversos setores muito antes de ditas emendas constitucionais: a atribuição de regime jurídico público ou privado, não a um setor em seu conjunto, mas a segmentos de atuação concreta intestinos a um setor essencial de atividades. O serviço universal obrigatório passou a se dirigir a um subconjunto de atividades de um setor regulado25: à cobertura de determinadas linhas regulares, no setor de transportes; ao serviço postal de cartas, nos correios; ao atendimento médico patrocinado pelo Estado, no setor de saúde; aos serviços básicos de telefonia, a um serviço universal de TV por 25
Cf.GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Teoria dos serviços públicos e sua transformação, p. 63-64. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 39-71.
assinatura, e à eventual extensão à banda larga, nas telecomunicações; ao gerador em regime de serviço público, no setor elétrico. Autorização de serviços A discussão existente na doutrina brasileira sobre o conceito de autorização de serviços na Constituição Federal de 1988 decorre de acusada incongruência constitucional no emprego do termo. Enquanto o art. 175 trata da prestação dos serviços públicos por concessão ou permissão, os arts. 21, XI e XII e 223 prevêem serviços inscritos na competência da União, mas passíveis de prestação indireta mediante concessão, permissão ou autorização. As hipóteses interpretativas podem ser resumidas em duas: a) a autorização prevista nas emendas setoriais de 1995 nada mais seria do que uma terceira forma de delegação da prestação de serviços públicos e, portanto, o art. 175 teria estabelecido requisitos específicos para prestação de serviços públicos em regimes de concessão e de permissão, remetendo, implicitamente, o tratamento dos serviços públicos prestados por meio de autorização às regras gerais do regime público; b) a autorização prevista nas emendas setoriais de 1995, por outro lado, seria o reconhecimento constitucional de que subconjuntos dos serviços regulados são, na verdade, atividades econômicas em sentido estrito, dependentes do cumprimento de normas administrativas para seu exercício por particulares, resultando na compreensão da coexistência entre serviços públicos (concessão e permissão) e atividades econômicas stricto sensu (autorização) no mesmo rol de serviços regulados26. A par dessas considerações, há ainda a crítica à aplicação prática do instituto da autorização, que, embora qualificado pela doutrina tradicional como ato unilateral, discricionário e precário, apresenta, por exemplo, na Lei Geral de Telecomunicações (Lei nº 9.472/97), característica de vinculação, que seria própria da licença.27 Não se deve esquecer, todavia, que a base argumentativa contra o uso do instituto da autorização para atividades econômicas stricto sensu assenta-se na defesa da discricionariedade como elemento essencial de sua definição e na insistência de que aquele instituto teria significado unívoco. Ou seja, o fundamento teórico que vem sendo utilizado por parcela da doutrina administrativista brasileira para justificar a exclusividade de serviços públicos no rol de atividades reguladas decorre de uma posição intransigente sobre o conceito jurídico de autorização. Essa intransigência não tem sido confirmada, em mais de 10 anos de vigência do atual modelo regulatório brasileiro, pelas agências reguladoras, pela legislação setorial ou mesmo pelo Poder Judiciário.28 A Constituição não esgota o sentido, nem limita de forma apriorística e precisa, a autorização. Ela dificilmente dará a solução didática e unívoca para satisfação do intérprete. Ela muito menos se arvora na condição de carrasco da evolução do direito. Isso não quer dizer que a norma infraconstitucional esteja livre para criar, mas não 26
Autorização seria, neste caso, o “ato do Poder Público que libera o desempenho de atividade econômica, a qual continua sujeita ao seu regime próprio, de direito privado” (NETO, Benedicto Porto. Concessão de serviço público no regime da Lei n. 8.987/95: conceitos e princípios. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 140). Os arts.126 e 131 da Lei Geral de Telecomunicações são exemplos característicos desta concepção: “Art.126. A exploração de serviço de telecomunicações no regime privado será baseada nos princípios constitucionais da atividade econômica”. “Art.131. A exploração de serviço no regime privado dependerá de prévia autorização da Agência, que acarretará direito de uso das radiofrequências necessárias”. 27 Cf.DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas. 3aed., São Paulo: Atlas, 1999, p. 122-129. 28 Em sede da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1668, julgada em 20 de agosto de 1998, e referente a diversos dispositivos da Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97), o Supremo Tribunal Federal pronunciou-se pela constitucionalidade do disposto no art. 65, III e §2º, que tratam expressamente da concomitância de prestação dos serviços de telecomunicações em regime público e privado. No âmbito de transportes, o Recurso Extraordinário nº 220.999-7 resultou no posicionamento da Corte no sentido de não se considerar como serviço público a atividade de transporte aquaviário exclusivamente de mercadorias de empresas privadas.
se pode utilizar da Constituição para embasamento de argumentos totalizantes, que retirem da discussão jurídica o ensaio de soluções melhoradas e desviam a atenção dos aplicadores do direito. A autorização, portanto, tem sido aceita, na prática, embora questionada em teoria, como instrumento de reconhecimento administrativo do cumprimento dos requisitos impostos aos administrados para exercício de atividades já previamente inscritas em sua esfera jurídica privada.
Fundamentos de direito regulatório Direito Regulatório e Estado regulador O posicionamento jurisprudencial e doutrinário que vem se cristalizando no ordenamento jurídico brasileiro acerca de novas formas de tratamento jurídico-administrativo de setores de atividades relevantes transparece especialização suficiente para a cogitação de um ramo de estudos direcionado às especificidades da regulação, à semelhança do ocorrido, em outros tempos, com o direito do trabalho, o direito financeiro, o direito tributário, o direito do consumidor, o direito ambiental. Em busca de elementos comuns que viabilizem uma visão mais ampla e construtiva do fenômeno setorial, o direito da regulação, ou direito regulatório, encontra-se nesse estágio já vivenciado por outras disciplinas e caracterizado pela sedimentação de índices distintivos de seu estudo, cujo ponto de partida é o de formulação de princípios intersetoriais comuns aptos a retratarem um ramo de conhecimento útil à compreensão e solução de questões alinhadas à regulação.29 Algumas considerações já podem ser encontradas sobre o tema.30 Enumera-se, como princípio intersetorial do modelo brasileiro atual de regulação a desintegração vertical31 entre infraestruturas de uso comum e serviços singularizados, viabilizando a chamada transparência informativa, veículo necessário ao controle das subvenções cruzadas. A este, pode-se acrescentar a conexão de infraestruturas, como determinação normativa de manutenção ou edificação de uma infraestrutura essencial para um determinado setor de atividades, e a compatibilização de regimes jurídicos, em que, a partir da tradicional distinção entre os serviços públicos (ou serviços submetidos ao regime público) – essenciais, universais, contínuos e subsidiados por fundos – e os serviços privados (ou serviços submetidos ao regime privado) sujeitos a efetivos dissabores de riscos de mercado32, inserem-se, nos arcabouços normativos setoriais, disposições que viabilizem a convivência de serviços prestados nos dois regimes jurídicos. 29
Cf. ORTIZ, Gaspar Ariño; MARTINEZ, J. M. De La Cuétera; LÓPEZ-MUNIZ, J.L. El nuevo servicio público. Madri: Marcial Pons, 1997. 30 Cf.GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Teoria dos serviços públicos e sua transformação, p. 62. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 39-71. 31 Exemplo esclarecedor da desintegração vertical consta em Grotti: “É o que já ocorre, no Brasil, com os serviços de navegação aérea ou de transporte rodoviário: os aeroportos e rodovias são objeto de monopólio natural, atividade não-competitiva de infraestrutura; essa infraestrutura é utilizada, com liberdade e igualdade de acesso, pelos inúmeros prestadores de serviço individuais” (GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Teoria dos serviços públicos e sua transformação, p. 63. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 39-71). 32 Fala-se, aqui, em riscos do serviço privado em si: se o serviço deixar de ser prestado, o Estado não intervem para prestá-lo ele próprio. Não se está comentando o risco dirigido ao prestador do serviço, pois, neste caso, mesmo o prestador de serviços públicos está sujeito ao risco natural do negócio. A propósito, as definições de concessão e permissão na Lei Geral de Concessões determinam que o concessionário e permissionário de serviços públicos os prestarão por “sua conta e risco” (art.2o, II, III e IV da Lei 8.987/95).
Revela-se mais adequado, todavia, assentar-se o direito regulatório na procura por princípios ou instituições verdadeiramente gerais norteadores da regulação como um todo, ou ainda, distintivos da regulação enquanto tal frente a conceitos próximos, como o de intervenção, de controle e de poder de polícia, e que não pactuem com ideologias ocasionais de escolha do melhor direcionamento econômico da atividade, pois, se se quisesse detalhar o rol de princípios intersetoriais enunciados no parágrafo anterior, dever-se-ia começar pela própria orientação à concorrência como requisito do modelo atual de regulação inscrito na compatibilização de regimes jurídicos, algo que não se afigura essencial para a cogitação da regulação. O esforço de identificação desses índices de regulação setorial dos nossos tempos em detrimento de índices gerais é, certamente, meritório para o desenvolvimento do pensamento setorial, mas não pode macular a regulação com o estigma – certo ou errado segundo cada ideologia que o analisa – da competição e orientação pelo mercado. As instituições de regulação são neutras quanto à aplicação isenta das estações de humor político, embora conscientes de sua presença no jogo político e de seus reflexos no ordenamento jurídico. Em outras palavras, dizer que a „convivência de regimes jurídicos em um mesmo rol de atividades‟ ou a „desagregação vertical‟ são instituições intersetoriais hoje predominantes não significa dizer que a regulação somente seja objeto de estudo do direito regulatório se qualificada por tais índices. Esses índices – desagregação vertical, compatibilização de regimes jurídicos, conexão de infraestruturas – são qualificativos específicos da regulação, mas não são características inerentes a ela, pois orientações regulatórias distintas podem exigir, por exemplo, ordens normativas que privilegiem a duplicação de infraestruturas ao invés do trânsito de serviços por uma infraestrutura única. No Brasil, a conformação regulatória predominante na segunda metade da década de 1990 até os dias de hoje revela a opção por uma forma de regulação com características específicas e que não resume o significado da regulação enquanto objeto de estudo de um direito regulatório que pretenda transcender as configurações presentes no ordenamento jurídico nacional, em que sequer há a previsão de órgãos reguladores para todos os setores regulados. Embora, sob o ponto de vista estritamente constitucional, somente exista a previsão de estruturas reguladoras especializadas para dois setores (serviços de telecomunicações, no art. 21, XI, e pesquisa, lavra, refinação, importação, exportação e transporte de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos e seus derivados, no art. 177, §2º, III), pode-se afirmar que o conjunto da normatização infraconstitucional expandiu consideravelmente esse modelo de regulação assentado em órgãos reguladores para o conjunto dos setores regulados, como se verá mais a frente, com o detalhamento das estruturas regulatórias brasileiras. Apenas a título exemplificativo, no país tido como fonte do modelo regulatório das agências independentes, vale dizer, nos Estados Unidos da América, não há previsão constitucional de nenhuma autoridade administrativa independente.33 O importante, assim, é ter-se em mente que a presença de tais estruturas se insere dentre as formas teóricas possíveis de regulação, quais sejam: a regulação pelo mercado, em que se confia na densidade da concorrência para corrigir distorções; a regulação por órgãos reguladores, em que se criam superestruturas estatais técnicas para acompanhamento setorial; a regulação endógena, alcançada via estatização dos prestadores dos serviços regulados34; a regulação por contrato, que se satisfaz com regras 33
Cf.BURNHAM, William. Introduction to the Law and Legal System of the United States. 4ª ed., St. Paul: Thomson/West, 2006. 34 Em revisão da literatura sobre política regulatória, estudo da Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais salienta a insuficiência da tradicional divisão binomial entre dois tipos de regulação pública: regulação por agência regulatória; e regulação pela estatização. Cf. MELO, Marcus André. Política regulatória: uma revisão da literatura. p. 8-9. In: Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, nº
contratuais acordadas caso a caso e, portanto, em termos jurídico-administrativos, resume-se às normas firmadas em contratos administrativos (concessão e permissão). Segundo essa classificação, o modelo regulatório brasileiro pré-1995 pode ser perfeitamente compreendido como um modelo misto de regulação tradicional via contratos administrativos e de regulação endógena via estatização da prestação dos serviços. Assim, a opção por um modelo de regulação dependerá das peculiaridades de cada modelo regulatório35, dentro das possibilidades abertas pelo texto constitucional36 e, por isso, o conceito geral de direito da regulação não se restringe ao modelo regulatório brasileiro vigente, muito embora suas instituições – desagregação vertical, conexão e compartilhamento de infraestruturas, compatibilização de regimes jurídicos, competição – sejam importantes objetos de estudo. Nenhum deles, entretanto, se apresenta como característica intrínseca à regulação em si mesma. Deve-se, portanto, entender a regulação por suas instituições básicas para, a partir deste núcleo de significado, expandir o conhecimento geral, regional ou setorial a princípios comuns, como os dirigidos à regulação setorial vigente. Assim, a identidade do direito regulatório depende do enunciado do significado da regulação propriamente dita. Em uma primeira abordagem do significado de regulação, é esclarecedor que se faça um exercício comparativo que, embora simplificador de momentos históricos, divisa o aspecto regulador de outras opções de atuação estatal. Como oposição à opção histórica de proeminência da função reguladora estatal, tem-se, de um lado, o papel empreendedor ou prestador de serviços do Estado, ou também chamado Estado provedor de bem-estar, interventor direto e executor. Trata-se, em outras palavras, do papel complementar ou substitutivo do Estado ao mercado como Estado concentrado na atuação social e empresarial, sem que isso signifique inexistência de regulação. Esse tipo estatal é representado pelos termos Estado do Bem-Estar Social (welfare state), Estado Providência (État-providence)37 ou Estado Desenvolvimentista. Inteiramente distinto do Estado Providência, mas ainda oposto à proeminência da função reguladora estatal, tem-se, de outro lado, a centralidade do mercado como mecanismo de alocação eficiente de recursos por excelência. Em tal configuração estatal, ao mercado é dado o papel de coordenador das atividades econômicas e ao Estado, o papel de garantidor unicamente da propriedade e dos contratos essenciais ao bom funcionamento do mercado excluídas funções de intervenção no plano econômico e social. Fala-se, nesse último caso, do Estado mínimo ou abstencionista, cujas funções reguladoras também presentes se ocupam da preservação da fronteira entre a atuação estatal e as atividades econômicas. Como diferencial dos dois modelos ideais de Estado liberal e de Estado social, encontra-se o chamado Estado regulador, que se define pela proeminência não da interferência
50, 2o semestre de 2000, p. 7-43. A distinção tradicional entre regulação via propriedade pública e via agência ou comissão independente é imprecisa sob o enfoque jurídico, pois pressupõe que a existência de bens públicos afasta a técnica de regulação via agência, o que, de fato, pode ser verdade nos modelos de tradição angloamericana, mas não no modelo brasileiro, que comporta um rol mais elaborado de espécies de regulação. 35 Cf.STRAUBHAAR, Joseph. Tendências mundiais, p. 47. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. Telecomunicações: privatização ou caos. São Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 42-47. Relatando as esperadas diferenças entre modelos regulatórios no mundo, cita, em 1993, a experiência da Jamaica, que optara por contratos detalhados ao invés da criação de órgãos reguladores. 36 Cf. CARVALHO, Carlos Eduardo Vieira de. Regulação de Serviços Públicos na Perspectiva da Constituição Econômica Brasileira. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. 37 Cf.ROSANVALLON, Pierre. A crise do Estado-providência. Trad. Joel Pimentel de Ulhôa, Goiânia: Editora Universidade Federal de Goiás e Editora da Universidade de Brasília, 1997.
direta para promoção do desenvolvimento econômico social, nem mesmo da não-intervenção para dinamização do mercado, mas pelo papel de coordenação, de gerenciamento, de controle, de intervenção indireta38, ou sinteticamente, de regulação estatal, entendendo-se esta última como resultado da compreensão do Estado e do mercado não mais como entes estanques ou antípodas, mas como fenômenos interdependentes e essenciais à consolidação dos direitos fundamentais. Assim, a regulação não é, em si mesma, uma característica diferencial do modelo atual de Estado regulador, pois a presença de competências regulatórias no Estado brasileiro não é recente.39 O diferencial moderno inscrito no significado de Estado regulador está na proeminência de uma espécie de regulação estatal presente na conformação atual dada ao Estado. Da mesma forma, o Estado regulador não se consubstanciou em oposição somente a um Estado Social-Burocrático empregador de prestadores de serviços essenciais à sociedade, mas também como opositor a um Estado caracterizado pela inexistência ou aversão à interferência no âmbito econômico e social, ou seja, à crença no mercado autorregulado. O Estado regulador, portanto, não é um Estado intervencionista, nem mesmo abstencionista, no sentido que se costuma atribuir às expressões, mas um Estado que, embora não promova diretamente o desenvolvimento econômico e social (Estado do Bem-Estar Social) nem opte pela entrega dessa função a um terceiro mediante desregulação do mercado (Estado mínimo), atua como “regulador e facilitador ou financiador a fundo perdido desse desenvolvimento”40. O Estado regulador, portanto, é definido pelo caráter dirigente e gerencial de que se reveste a Administração Pública para conformação das atividades essenciais segundo ordens de promoção dos direitos fundamentais delas dependentes. Fala-se, no Estado regulador, de uma Administração Pública gerencial no lugar de uma Administração Pública burocrática. Enquanto, na Administração Pública burocrática, a garantia dos direitos sociais é remetida à contratação direta de servidores públicos atuantes nos diversos ramos das atividades econômicas, na Administração Pública gerencial, o mercado é tomado como instrumento para consecução dos direitos fundamentais mediante acompanhamento conjuntural e ponderado de custos, infraestrutura, serviços, bens públicos, tarifas, áreas de cobertura, dentre outros componentes das opções de investimento de um setor regulado. Em outras palavras, no Estado regulador, há um acompanhamento gerencial da concretização dos direitos fundamentais mediante opções regulatórias de encaminhamento do setor. Nesse sentido, o Estado regulador é um fenômeno recente caracterizado por transcender a visão maniqueísta de oposição entre Estado e mercado, ou entre Estado e sociedade, de conflito entre forças ilusórias que, ao final de contas, são um único substrato utilizado para consecução dos direitos fundamentais. O Estado regulador é um Estado reconciliado com o mercado, entendendo-o não como um ser autônomo e independente, mas como produto de regulação estatal. Da mesma forma, a inserção do mercado na equação regulatória não se presta à extinção da equação em prol da atuação autônoma do mercado. O mercado se justifica enquanto dirigido pela regulação rumo ao interesse público. O pressuposto do Estado regulador é a persistência de ambos.
38
Costuma-se apontar a alteração de postura de intervenção direta para a de intervenção indireta como resultado da crise fiscal do Estado dos anos 80 e 90. Vide: PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A reforma do Estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Brasília: Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, 1997, p. 11-13. 39 Cf.SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da Atividade Econômica: Princípios e Fundamentos Jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2001. 40 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A reforma do Estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Brasília: Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, 1997, p. 17.
O Estado regulador, portanto, é um modelo estatal assentado na atuação concertada de intervenção estatal frente aos reflexos verificados pari passu no setor regulado. Por isso, dizer-se que o Estado regulador envolve atuação administrativa conjuntural, pois dependente de acompanhamento pari passu do desenvolvimento de um setor de atividades essenciais. Assim, tanto o mercado, quanto a intervenção estatal, são colocados, para o Estado regulador, como variáveis, cujo comportamento interfere nos rumos tomados por uma Administração Pública gerencial em prol da consecução dos direitos fundamentais. No Estado regulador, há a substituição da parcela de desenvolvimento econômico e social antes absorvida na estrutura burocrática estatal do Estado Social por um controle indireto regulatório sobre os mercados. A posição do Estado regulador como meio termo entre dois modelos ideais ideologicamente bem definidos – Estado Liberal e Estado Social – explica o porquê do surgimento dessa figura de Estado regulador em conjunto com propostas de desregulação ou desregulamentação, assim entendidas como a diminuição do papel estatal regulamentador das atividades econômicas.41 Dita desregulação nunca foi, entretanto, projetada como uma ode contra a regulação. Pelo contrário, o alvo da desregulação dirigiu-se aos excessos da regulação. Exemplo esclarecedor dessa postura está no fato de que a atividade reguladora foi reforçada pelo inaugurador das privatizações européias, o Reino Unido, onde “os monopólios naturais privatizados exigiam agora redobrada regulação”42. Não é difícil, em meio a todas essas considerações, confundir-se Estado regulador com a regulação que lhe é peculiar, já que esse tipo de Estado se preocupou em encastelar a regulação em sua própria designação. A regulação, em si mesma, não foi erigida como bastião do Estado regulador brasileiro, mas o foi uma forma de regulação: a regulação por intervenção estatal indireta de atividades essenciais e presumivelmente competitivas.43
Regulação: objeto de estudo do direito regulatório Tendo em vista o posicionamento teórico do Estado regulador, já se pode antecipar a conclusão de que o Estado regulador não é o objeto de estudo do direito regulatório, mesmo porque, se assim o fosse, a disciplina jurídica dependeria de um fenômeno político-jurídico situado e datado no tempo e, portanto, fadado a ser superado. O ramo de estudo de direito preocupado com a regulação certamente não se presta ao estudo de um momento histórico somente, mas de um fenômeno jurídico que teve uma de suas manifestações – a intervenção estatal indireta sobre a atividade econômica em sentido amplo – erigida a qualificativo identificador do Estado contemporâneo: a regulação propriamente dita. O objeto de estudo do Direito regulatório é, portanto, a regulação em si mesma, que detém diversas dimensões. É, portanto, relevante, para o entendimento do objeto do direito 41
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A reforma do Estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Brasília: Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, 1997, p. 32 e seguintes. 42 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A reforma do Estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Brasília: Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, 1997, p. 33. “Para a agenda liberal tornavase, agora, necessário, ao mesmo tempo desregular e regular: desregular para reduzir a intervenção do Estado; regular, para viabilizar a privatização”. 43 Há proposta de terminologia específica para os serviços submetidos ao tratamento dito competitivo, em que coexistem regimes jurídicos distintos na prestação da mesma atividade, como ocorre com as telecomunicações, energia elétrica, vigilância sanitária dentre outros. A proposta de Sundfeld segue orientação européia, que passou a chamá-los serviços de interesse econômico geral. Conferir, a respeito: SUNDFELD, Carlos Ari. A Administração Pública na era do direito global. p. 161: nota 6. In: SUNDFELD, Carlos Ari & VIEIRA, Oscar Vilhena. Direito global. São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 157-168. Persiste, todavia, a questão de se saber se a adoção desta terminologia esclarecerá ou confundirá ainda mais o esforço de divisão do regime aplicado a cada tipo de serviço relativo a setores econômicos.
regulatório, o estudo das espécies de regulação. Por esse meio, restará mais claro o fato da regulação, enquanto fenômeno abrangente, transitar entre tipos distintos de intervenção, resguardando-se a concepção mais ampla de regulação como acompanhamento do destino de atividades essenciais à sociedade. Formas de regulação O grau de centralização regulatória de serviços transparece a maior ou menor confiança do Estado no alcance do interesse público, mediante outorga de sua prestação à iniciativa privada.44 Há dois conceitos que evidenciam como a regulação dos serviços públicos opera ao longo da história: controle pela descentralização e controle pela centralização.45 Controle pela descentralização implica a aceitação, pelo Estado, de que suas finalidades possam ser plenamente alcançadas pela ação dos particulares. Fala-se, então, em “regulação desconcentrada”46 como sinônimo de desregulamentação, esta comumente utilizada em diversos significados. Por outro lado, o controle pela centralização denota falta de confiança na iniciativa privada para o alcance espontâneo dos fins patrocinados pelo Estado independentemente de sua intromissão. Fala-se então em “regulação concentrada”47, ou impropriamente, em regulamentação. A par dos conceitos de centralização regulatória ou descentralização regulatória, existe o esforço de distinção quanto às formas de manifestação da regulação, apresentando-se basicamente como: regulação operacional; e regulação normativa. Regulação operacional ou diz respeito a afetar atividades à iniciativa privada ou ao Estado. É a referência ao plano físico-estrutural da regulação dos serviços. Pergunta-se: quem 44
Cf.AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social de serviços públicos. São Paulo: Max Limonad, 1999, p.164. 45 Preferiu-se a utilização do conceito de centralização e descentralização por revelar, na sua ancianidade, a ligação de subordinação à Administração Pública, que é o sentido visado na diferenciação entre controle pela centralização e controle pela descentralização. Para uma análise da centralização como subordinação, vide: URUGUAI, Paulino José Soares de Souza, Visconde de. Ensaio sobre o direito administrativo. Fac-símile da edição de 1960, Brasília: Imprensa Nacional, 1997, p. 346. Para uma análise da centralização como unidade, vide: DEBBASCH, Charles. Droit administratif. Paris: Éditions Cujas, 1972, p. 87-88. Themistocles Cavalcanti, por sua vez, deriva a descentralização da necessidade de especialização em face da complexidade funcional do Estado: CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Tratado de direito administrativo. Vol. II, 5ªed., Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1964, p. 83-84. Finalmente, esmiuçando a evolução dos significados dos termos centralização e descentralização (descentralização política versus administrativa; descentralização da decisão versus da gestão; territorial versus por serviços ou institucional – p. 17 e seguintes) e criticando a concepção unívoca de descentralização como transferência de competências a pessoas jurídicas (p. 59), ressaltando a independência como essencial ao conceito de descentralização (p. 69), vide: ORTIZ, Gaspar Ariño. Descentralización y planificación. Madri: Instituto de Estudios de Administracion Local, 1972. (Colección Estudios de Administración Local). 46 AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social de serviços públicos. São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 165 e ss.; 181 e ss.. “Observamos que a preferência pela expressão “regulação desconcentrada” em detrimento da expressão consagrada “desregulamentação” se prende a que entendemos que a ausência de regulamentação é uma forma de regulação imposta pelo Estado” (p. 165). Aguillar defende a adoção da primeira nomenclatura, pois entende que a liberdade desfrutada pela iniciativa privada nas atividades econômicas desregulamentadas é “consequência de uma política regulatória estatal, uma política de regulação pela desconcentração” (p. 211). O autor não utiliza o termo desconcentração no sentido técnico-jurídico de oposição à descentralização – diferença já sedimentada na doutrina de direito administrativo. Cf.: DEBBASCH, Charles. Droit administratif. Paris: Éditions Cujas, 1972, p. 88-89; DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas; GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva; MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais; MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros; MUKAI, Toshio. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva. 47 AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social de serviços públicos. São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 191 e seguintes.
irá exercê-los? Responde-se pela opção quanto à regulação operacional dos serviços. Regulação operacional, portanto, é a intensidade com que o Estado avoca a si e a suas entidades a tarefa de desempenhar certas atividades.48 Por outro lado, a regulação normativa diz respeito à ampliação ou à restrição das atividades alcançadas por regramento estatal direto.49 Tal distinção entre regulação operacional e regulação normativa permite analisar com maior precisão a forma de concentração regulatória dos serviços públicos e das atividades econômicas. A concentração regulatória pode ocorrer somente no âmbito operacional ou somente no âmbito normativo. A tendência50 mais recente é a de regulação descentralizada operacionalmente e de normatividade complexa, ou seja, de regulação normativa centralizada, mas remetida a autoridades administrativas. Efeitos das opções regulatórias Em síntese, de um lado tem-se a pergunta sobre quem prestará o serviço e então se trata de falar em regulação operacional centralizada – intervencionismo direto51 – ou descentralizada. Por outro lado, questiona-se se há regramento específico da atividade, remetendo-se agora aos conceitos de regulação normativa centralizada – intervencionismo indireto – ou descentralizada. A regulação normativa centralizada permite que sejam identificadas, no Estado, atividades de fomento, regulamentação, monitoramento, mediação, fiscalização, planejamento e ordenação da economia52 sem que ele assuma a prestação direta dos serviços. Assim, a opção pela regulação operacional descentralizada não esgota as opções estatais regulatórias. O fato do Estado não mais intervir sob o ponto de vista operacional – de não mais prestar diretamente uma utilidade à população – não significa que ele esteja intervindo menos. Tanto é assim, que o que caracteriza o conceito de agência reguladora, analisado mais a frente, é a estrutura normativa de maior intervencionismo estatal, pois a política de baixo intervencionismo estatal é abraçada pela forma tradicional de regramento jurídico geral, abstrato e totalizante, que transfere ao Judiciário a solução das peculiaridades geradas pela dinâmica social; é a crença de que a mão invisível do mercado solucionará percentual elevado de transgressões normativas e que o Poder Judiciário lidará com o ilícito remanescente53. Na 48
Cf.AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social de serviços públicos. São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 212. A regulação operacional “é manifestada pela preferência outorgada à iniciativa privada ou às empresas e órgãos estatais para o desempenho de certas atividades de interesse público” (p. 164). 49 A regulação normativa “diz respeito ao poder de regulamentar efetivamente o setor que interessa ao Estado” (AGUILLAR, Fernando Herren. op.cit., p. 164). 50 Fala-se em tendência, pois a opção regulatória estatal não está entre dois pólos, mas em um continuum de centralização e descentralização, como ressalta um pequeno estudo dirigido à Administração Pública Federal: MARCELINO, Gileno Fernandes. Descentralização: um modelo conceitual. Brasília: Fundação Centro de Formação do Servidor Público – FUNCEP, 1988, p. 28. 51 A terminologia intervencionismo direto e intervencionismo indireto também é utilizada, mas não permite todas as combinações possíveis como ocorre com os termos regulação operacional e normativa, centralizada e descentralizada. Adotando os conceitos de intervencionismo direto e indireto, vide: MARQUES NETO, Floriano Azevedo. A nova regulação estatal e as agências independentes. p. 74. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 72-98. 52 Para Floriano Marques, o intervencionismo indireto é caracterizado pela concreta atuação do Estado “no fomento, na regulamentação, no monitoramento, na mediação, na fiscalização, no planejamento, na ordenação da economia” (MARQUES NETO, Floriano Azevedo. A nova regulação estatal e as agências independentes. p. 74. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 72-98). 53 “O Estado tem que se organizar para fazer mais do que editar uma lei geral para vigorar por tempo indeterminado e depois cuidar dos conflitos individuais. E, para isso ele tem de intervir mais. Aqui está a questão. O modelo que conhecemos – a separação de poderes tradicional e as funções que competiam aos Poderes
regulação operacional descentralizada, para a qual o Brasil tem se inclinado, o Estado continua detendo uma margem de manobra normativa, que não se resume a simples opção entre exarar ou não regramento sobre o serviço. Ao optar pela regulação normativa centralizada, o Estado, agora, enfrenta outra questão, tão antiga quanto o conceito de interesse público: a de se definir a forma de controle da prestação dos serviços pelos particulares; a de se saber para onde estará orientada a política estatal de regulação dos serviços descentralizados; enfim, a de se escolher a corrente de pensamento que orientará a regulação. Duas correntes clássicas de pensamento se opõem, sabendo-se que a divisão é didática e imprecisa, comportando diversas subdivisões: uma delas voltada a colocar em primeiro plano a remuneração do capital empregado no serviço para atração de investimentos estrangeiros; a outra, voltada a valorizar os conceitos de interesse público, de adequação do serviço e do bem-estar do consumidor, condicionando o retorno do investimento aos níveis de satisfação e à continuidade do serviço.54 Função normativa conjuntural do Executivo A função regulamentar representa a parte normativa da regulação que cabe ao Executivo, sem, todavia, esgotá-la, pois ela é uma normatividade condicionada à legalidade da medida e, portanto, submissa às diretivas de políticas públicas de regulação exaradas pelo Legislativo. A prescrição de comportamentos para orientação de condutas por intermédio de previsões de situações de fato, ao lado das determinações de diretrizes e metas de desempenho, representam uma margem de manobra normativa em um modelo que exige a coexistência de regimes distintos no mesmo rol de atividades, gerando, com isso uma normatividade complexa. Exatamente no que diz respeito à citada margem de manobra normativa é que dito modelo de normatividade complexa encontra críticas. Elas estão centradas na alegação de que o Executivo estaria invadindo prerrogativas legislativas ao se utilizar da regulamentação de setores para implementação de políticas públicas. O fenômeno se avolumou com a descentralização operacional dos serviços públicos, desviando o foco de preocupação do Estado Social, que era definido pela intervenção direta, para o incremento da produção normativa. O Estado deixou de prestar ele mesmo o serviço, passando-o às mãos dos Judiciário e Legislativo – era perfeitamente coerente com o baixo intervencionismo estatal. Se o Estado não está muito preocupado em gerenciar a realidade ambiental de modo a ir apertando paulatinamente as exigências para melhorar o meio ambiente; se quer deixar os membros da sociedade acertarem suas diferenças independentemente da ordem jurídica, aí pode realmente editar uma norma geral que vigore por sessenta ou mais anos, como o Código Civil, e depois solucionar os conflitos pelo Poder Judiciário [§] Mas, se o Estado quer perseguir concretamente o valor ambiental, vair ter que intervir mais, editando normas seguidamente, dando-lhes conteúdos cada vez menos gerais, tratando de temas cada vez mais particulares. Assim, poderá realizar o gerenciamento normativo dos conflitos (...) Como o Estado é obrigado a intervir [normativamente, em princípio], ele criou as agências reguladoras” – grifos nossos (SUNDFELD, Carlos Ari. Agências reguladoras e os novos valores e conflitos, p. 1294 e 1296. In: Anais da XVII Conferência Nacional dos Advogados. Justiça: realidade e utopia. Vol. II, Rio de Janeiro: Ordem dos Advogados do Brasil, 1999, p. 1291-1297). Tal gerenciamento normativo dos conflitos somente pode ser alcançado por mecanismos institucionais de organização dinâmica e de contato direto setorial, como as agências reguladoras. Planejar e replanejar constantemente: estes são os conceitos basilares da política regulatória normativa centralizada. 54 Themistocles Cavalcanti posiciona-se nitidamente a favor da segunda corrente: “No primeiro grupo encontramse as empresas, alguns contabilistas incapazes de adaptarem os seus conhecimentos ao problema mais geral, e finalmente alguns economistas e financistas clássicos, temerosos de uma intervenção do Estado, no pressuposto de sua incapacidade para administrar (....). Do segundo grupo, são os que se colocam na posição de equilíbrio entre os interesses das empresas e dos consumidores, mas consideram, em primeiro plano, os interesses desses últimos para quem os serviços foram criados e a cujos interesses, portanto, devem atender precipuamente” (CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Tratado de direito administrativo. Vol. II, 5ªed., Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1964, p. 500-501).
particulares, mas, para tanto, ultimou um projeto normativo mais elaborado voltado às especificidades de cada setor econômico. Este projeto evidencia mais nitidamente o papel do Poder Legislativo como formulador de políticas públicas gerais e de estruturação dos setores de interesse público, enquanto o Poder Executivo assume, com clareza, a função normativa conjuntural destinada a acompanhar o setor no seu dinamismo, mas dentro da legalidade. A substituição que o Estado Social determinou na política pública liberal do government by law pela política pública social do government by policies perpetuou-se como exigência de acompanhamento da realidade por produção normativa voltada à política de orientação da conjuntura econômica não mais sob a forma de intervenção direta, mas mediante regulação normativa centralizada em entes estatais autônomos. A questão que surge, neste ponto, está em saber se, de fato, o ocorrido evidenciaria migração de funções do Poder Legislativo para o Poder Executivo, por intermédio das agências criadas para o fim de produção normativa complementar ou se refletiria um aclaramento da sempre existente especialização funcional dos poderes.55 Atividade normativa do Executivo e o princípio da separação de poderes
A hipótese de que teria havido transferência de poderes normativos do Legislativo para o Executivo, ferindo, assim, a cláusula pétrea constitucional brasileira da separação de poderes despreza a evolução de seu sentido histórico sintetizada em Montesquieu56 e fundamentada nas abordagens dadas por Aristóteles57, Bolingbroke58 e Locke59. Dentre as atividades entregues ao Executivo por Montesquieu, estão as ações momentâneas ou instantâneas60, que são, portanto, conjunturais, dinâmicas, instáveis. A capacidade normativa de conjuntura de que fala Eros Roberto Grau61 está inserida no contexto 55
Analisando a posição institucional dos poderes políticos adotada pela Constituição Federal de 1988 do Brasil, vide: FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Conflito entre poderes: o poder congressual de sustar atos normativos do Poder Executivo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994. 56 MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, baron de la Brède et de. O espírito das leis. 2aed., Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1995, p. 118-119. 57 Aristóteles divide em três partes as que devem compor as formas de constituição encarregadas de: deliberação sobre assuntos públicos; funções públicas (executivas); e do poder judiciário. Cf.ARISTÓTELES. Política. Trad. Mário da Gama Kury, 3aed., Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997, p. 151-160. 58 Apontado como o inaugurador da doutrina teorético-constitucional do equilíbrio dos poderes, Bolingbroke a enunciou em escritos exparsos: cf.SCHMITT, Carl. Teoría de la constitución. Trad. Francisco Ayala, Madri: Alianza Editorial, 1992, p. 187. 59 Locke ultima a divisão de funções em divisão de poderes legislativo de um lado e executivo e federativo de outro. Cf.LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Trad. E. Jacy Monteiro, São Paulo: Instituto Brasileiro de Difusão Cultural, 1963, p. 91-93 (Coleção Clássicos da Democracia 11). 60 Cf.MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, baron de la Brède et de. O espírito das leis. 2aed., Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1995, p. 121. 61 Quando o direito passou a funcionar como instrumento de implementação de políticas públicas (regulação não exclusivamente de situações estruturais mas conjunturais), “o direito torna-se contingente e variável. A „lei‟, texto normativo produzido pelo Legislativo, não pode mais ser tomada como categoria absoluta: é necessário, mais do que nunca, distinguir entre lei em sentido formal e lei em sentido material. Interpenetram-se os campos de atuação do Executivo e do Legislativo: aquele a exercitar, amplamente, função normativa; este, a produzir leis-medida. A leitura tradicionalmente desenvolvida da „separação dos poderes‟ perde todo o seu sentido” (GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3aed., São Paulo: Malheiros, p. 136). E continua em outro capítulo: “a instabilidade de determinadas situações e estados econômicos, sujeitos a permanentes flutuações – flutuações que definem o seu caráter conjuntural –, impõe sejam extremamente flexíveis e dinâmicos os instrumentos normativos de que deve lançar mão o Estado para dar correção a desvios ocorridos no desenrolar do processo econômico e no curso das políticas públicas que esteja a implementar. Aí, precisamente, o emergir da capacidade normativa de conjuntura, via da qual se pretende conferir respota à exigência de produção imediata de textos normativos, que as flutuações da conjuntura econômica estão a todo o tempo, a impor (...) [Dita capacidade
de produção normativa por órgãos e entes da Administração para o fim de acompanhamento setorial, exercendo, com isso, função própria – não delegada –, pois inerente à condição dinâmica e flexível do Poder Executivo. Assim, o Executivo exerce função normativa, que difere da função legislativa. Esta última é definida a partir de critério subjetivo – orgânico ou institucional –, em que vale mais para sua definição o conjunto dos atores do Poder Legislativo que propriamente sua função62. Já a função normativa é divisada não a partir dos Poderes estatais – Legislativo, Executivo, Judiciário –, mas das matérias neles inseridas sem caráter de exclusividade. Tanto é assim, que a Constituição Federal de 1988 enuncia, em diversos dispositivos, os atos normativos dos três poderes (CF/88: art. 49, V; art. 97, caput; art. 102, I, a; art. 102, §2o; art. 103, §3o; art. 125, §2o; art. 169, §4o). Não se olvida o fato de que as ações abstratas de análise da constitucionalidade de atos normativos não podem ser suscitadas contra regulamentos em geral do Poder Executivo63, mas a razão deste posicionamento do STF está na questão estrutural em jogo: o juízo destas ações é de constitucionalidade, enquanto a análise dos regulamentos é de legalidade. Dessa forma, o termo ato normativo dos artigos correspondentes ao controle abstrato de constitucionalidade inscritos na Constituição Federal de 1988 não exclui os regulamentos por não serem prescrições normativas, mas em razão do requisito do juízo de constitucionalidade da medida.64 Além disso, se há atos normativos com força de lei para os fins de questionamento de constitucionalidade e de competência do STF65, é porque há ato normativo sem força de lei no sistema jurídico brasileiro. Não há, portanto, delegação de poderes, em sentido próprio, mas utilização de função normativa originariamente atribuída ao Executivo. Isso não significa que ele possa exercê-la quando quiser e independentemente de prévia atuação legislativa. O sistema constitucional brasileiro, em razão das vinculações estruturais da separação de poderes, impõe que o espaço normativo do Executivo esteja previamente aberto por dispositivo de lei e daí a característica de fonte
normativa] somente estará ungida de legalidade quando e se ativada nos quadrantes da lei (...) O exercício da capacidade normativa de conjuntura estaria, desde a visualização superficial dos arautos da “separação” de poderes, atribuído ao Poder Legislativo, não ao Poder Executivo. A doutrina brasileira tradicional do direito administrativo, isolando-se da realidade, olimpicamente ignora que um conjunto de elementos de índole técnica, aliado a motivações de premência e celeridade na conformação do regime a que se subordina a atividade de intermediação financeira, tornam o procedimento legislativo, com seus prazos e debates prolongados, inadequado à ordenação de matérias essencialmente conjunturais. Por isso não estão habilitados, os seus adeptos, a compreender o particular regime de direito a que se submete [um] segmento da atividade econômica” (GRAU, Eros Roberto. op.cit., p. 172-173). Não se pode olvidar, no entanto, que essa argumentação implica o reposicionamento do Legislativo à semelhança da desregulamentação exigida na proposta neoliberal: “substituição de regras rígidas, dotadas de sanção jurídica, por regras flexíveis, meramente indutoras de comportamentos”, gerando “ampliação do conteúdo dos regulamentos (atos do Poder Executivo em geral), instalando uma nova contradição” (GRAU, Eros Roberto. op.cit., p. 98). 62 “A classificação das funções estatais em legislativa, executiva e jurisdicional é corolário da consideração do poder estatal desde o seu aspecto subjetivo: desde tal consideração, identificamos, nele, centros ativos que são titulares, precipuamente, de determinadas funções. Estas são assim classificadas em razão das finalidades a que se voltam seus agentes – isto é, finalidades legislativas, executivas e jurisdicionais. Tal classificação, como vimos, tem caráter orgânico ou institucional.” (GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3aed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 176). 63 Cf.CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. 2aed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 211. 64 Críticas são levantadas contra a ausência de um controle efetivo de constitucionalidade dos atos normativos do Executivo, propondo-se, até mesmo, a criação de uma ação direta de ilegalidade: Cf.CLÈVE, Clèmerson Merlin. op.cit., p. 215. No entanto, a discussão deveria, primeiramente, internalizar a compreensão da submissão estrutural do Executivo à lei ao lado da inovação normativa funcional que lhe é própria. 65 Tratando da Medida Provisória como ato normativo com força de lei e extraindo desta característica a impossibilidade de sua retirada do Congresso Nacional, pelo Executivo, conferir: Ação Direta de Inconstitucionalidade 221/DF, relatoria do Ministro Moreira Alves, j.29.03.1990, DJ 22.10.1993, p. 22.251 e RTJ 151/331-355.
secundária a seguir esmiuçada.66 Esse raciocínio evita a perplexidade comumente verificada na análise da jurisprudência norte-americana ao constatar que o princípio básico de proibição de delegação funcional entre os poderes (non-delegation) somente é aplicado em casos extremos.67 São extremos porque excepcionais, já que os demais casos tidos como de aplicação tímida do princípio, na verdade são de utilização de competência própria do Executivo. A função normativa está assentada na primariedade do enunciado normativo: ela se impõe por força própria, podendo existir em decorrência do exercício de poder originário – Legislativo (em sentido subjetivo) – ou em decorrência de poder derivado – Executivo (em sentido subjetivo).68 O conceito de função normativa, portanto, abarca a função legislativa, a função regulamentar e a função regimental.69 Estas funções não se confundem com a possibilidade de controle dos demais poderes pelo Legislativo, que Montesquieu chamou de poder regulador.70 O art. 25, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Federal de 1988, suscita certas considerações que, aparentemente, indicariam a proibição constitucional da presença de atos normativos do Executivo no novo ordenamento jurídico instaurado. Segundo o dispositivo: Constituição Federal de 1988 Art. 25. Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a: I - ação normativa; II - alocação ou transferência de recursos de qualquer espécie.
Da leitura do art. 25 do ADCT, poder-se-ia extrair a conclusão de que a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, não poderia mais existir lei que atribuísse competência legislativa ao Executivo exceto em caso de sua prorrogação mediante decisão do próprio Legislativo, que, por ser exceção, não se poderia estender ao infinito. É exatamente isso que o dispositivo diz e deve ser precisamente isso o aplicado. O desejo do constituinte de extirpar do ordenamento jurídico dispositivos legais que ferissem o princípio da não-delegação de poderes está evidente no art. 25 do ADCT. Ele significa a proibição de delegação de poder legislativo por lei ao Executivo à exceção, é claro, da previsão expressa constitucional de lei delegada, com as respectivas limitações contidas no art. 68 da Constituição Federal de 1988. 66
Vide texto correspondente à nota 75, p. 24 deste estudo. Cf.MASHAW, Jerry L. Gli atti sub-legislativi di indirizzo della pubblica amministrazione nell‟esperienza degli USA. p. 117-123. In: CARETTI, Paolo & SIERVO, Ugo de. Potere regolamentare e strumenti di direzione dell’amministrazione: profili comparatistici. Bolonha: Il Mulino, 1991, p. 111-140. 68 “Entende-se como função normativa a de emanar estatuições primárias, seja em decorrência do exercício do poder originário para tanto, seja em decorrência de poder derivado, contendo preceitos abstratos e genéricos” (GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3aed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 180). 69 Partindo de definição de Alessi de que os regulamentos são estatuições primárias impostas por força própria, mas emanadas de poder derivado, “em uma tentativa de conciliação de critérios, teremos que a função normativa (material) compreende a função legislativa e a função regulamentar (institucionais) – mais a função regimental, se considerarmos a normatividade emanada do Poder Judiciário” (GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3aed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 181). Assim, “quando o Executivo expede regulamentos – ou, o Judiciário, regimentos –, não o faz no exercício de delegação legislativa (...) Logo, quando o Executivo e o Judiciário emanam atos normativos de caráter não legislativo – regulamentos e regimentos, respectivamente –, não o fazem no exercício de função legislativa, mas sim no desenvolvimento de função normativa.” (GRAU, Eros Roberto. op.cit., p. 184). 70 Cf. MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, baron de la Brède et de. O espírito das leis. 2aed., Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1995, p. 121. 67
Não há nada a ser reparado no enunciado constitucional. Ele não diz respeito ao tema ora analisado do exercício de poder normativo próprio do Executivo mediante abertura legal exigida pela separação de poderes vista sob o enfoque estrutural. Não há delegação de poder normativo, mas reconhecimento e autorização de seu exercício dentro da sistemática de distribuição de funções normativas para o Executivo. Ele – Poder Executivo – não pode exercer competências normativas reservadas ao Congresso Nacional nem que estas lhe sejam entregues por lei, mas não se pode furtar, e portanto deve exercer suas competências normativas abertas por dispositivos legais que definam parâmetros de atuação normativa regulamentar. Atividade normativa do Executivo e o princípio da legalidade
No contexto da regulação, o respeito à legalidade apresenta dois sentidos: a) submissão do órgão ou ente da Administração responsável pela emissão de regulamentos setoriais à correspondente lei definidora de competências; b) respeito aos dispositivos emanados de normas legais ou regulamentares. Este último entendimento ameniza a enraizada polêmica da existência de conflito entre a legalidade e o poder regulamentar, viabilizando o modelo atual de escala industrial de produção de regulamentos por órgãos reguladores. Note-se que não há aqui apologia à produção em escala de regulamentos, mas justificação do modelo de regulação instaurado no Brasil perante o art. 5o, II, da Constituição Federal de 198871: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. O termo lei aqui referido não pode ser compreendido no seu sentido mais estrito e isso não é nenhuma novidade ou argumentação puramente doutrinária: é a própria prática do sistema constitucional brasileiro aplicada pelo Supremo Tribunal Federal. É cediço que um dos argumentos proibitivos de tratamento de matéria penal substantiva por medida provisória é o de que o art.5o, XXXIX, da Constituição Federal de 1988, ao prescrever que “não há crime sem lei anterior que o defina” exprimiu lei em seu sentido “exclusivamente formal”72. Por isso, mesmo a medida provisória – ato normativo com força de lei – não pode tratar de disposições que definam crimes e cominem penas. Se o termo lei do art.5o, XXXIX, da Constituição Federal de 1988 é tão restrito a ponto de inviabilizar o uso da medida provisória, mesmo antes das limitações expressas advindas da Emenda Constitucional n. 32, de 2001 (art. 62, §1º, I, b da CF/88), isso significa que a previsão de lei do art.5o, II, da Constituição Federal de 1988 é, no mínimo, menos restritiva, pois não se pode sustentar que ele não se refira a disposições veiculadas por medidas provisórias. Se assim o é, o argumento comumente utilizado contra a existência de poder normativo do Executivo de que o termo lei do art.5o, II, ou do restante da Constituição Federal de 1988, deve ser interpretado restritivamente é falho, pois, ao menos há níveis de sua extensão: lei estritamente formal do Legislativo; lei, como instrumento normativo com força de lei formal; e – porque não – lei como ato normativo. Ainda, poder-se-ia acenar com argumentos periféricos, como o que se assenta na redação do art. 5o, II, da Constituição Federal de 1988, que proíbe o constrangimento de direitos exceto em virtude de lei. Segundo este argumento, o texto constitucional não resumiria o condicionamento de direitos a comando legal. Toda limitação decorrente de prévia abertura legal, inclusive por ato normativo da Administração, seria, assim, condizente com o texto constitucional, desde que não ultrapassasse o âmbito de atuação permitido por lei. Mas este 71
Para a exposição completa deste argumento com fundamentação exaustiva, conferir: GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3aed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 182-189. 72 Ação Direta de Inconstitucionalidade 221/DF, Relator Min. Moreira Alves, j.29.03.1990, DJ 22.10.1993, p.22.251 e RTJ 151/331-355.
argumento não se sustenta se não estiver clara a questão da delegação inconstitucional de funções legislativas, ou seja, da distinção entre função legislativa e função normativa.73 Sob o ponto de vista estrutural, a legalidade exige lei que atribua74 competência executiva secundária75, pois pressupõe prévia abertura legal, e não simplesmente subordinada, para produção de regulamentos setoriais. A mesma legalidade também justifica a vinculação dos atores setoriais (prestadoras e usuários/consumidores) à orientação emanada da função normativa conjuntural do Executivo (em geral, por meio de superestruturas administrativas autônomas) pela produção de disposições regulamentares – parte da função normativa que foi distribuída entre os poderes estatais no diploma constitucional. A regulamentação emanada do Executivo, neste caso, não desrespeitará a hierarquia normativa, pois mesmo que seja independente de atribuição explícita e pontual de função normativa, afigura-se como atribuição implícita decorrente da destinação de competências de certos setores ao Executivo. A lei em sentido formal – decorrente de processo legislativo – é, portanto, o único caminho constitucionalmente autorizado a abrir espaço à interferência do Executivo na precisão dos direitos, como historicamente ocorre em questões como as de posturas urbanas e regras de trânsito.76 O reconhecimento da existência destes regulamentos problematiza a questão, que deixa de ser analisada e discutida quando simplesmente se nega constitucionalidade aos 73
O trecho a seguir, que parece propositalmente inconclusivo, representa bem a inutilidade do argumento gramatical em face da questão maior de proibição de delegação de funções constitucionais: “Poder-se-ia argumentar, em contrário, que o art. 5o, II, da Constituição não exige tanto [tamanha restrição à atividade normativa da Administração]. Não dispõe ele que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão por comando legal; quer apenas que ninguém seja constrangido senão em virtude de lei. Bastaria assim a lei conferir genericamente o poder ao administrador, para que as normas que este viesse a editar encontrassem conforto constitucional. [§] Mas o problema se reconduz aqui ao da impossibilidade de delegação de funções entre Legislativo e Executivo. Em outras palavras, a interpretação do art. 5o, II, requer necessariamente a consideração do limite a partir do qual se incidiria em inconstitucionalidade por delegação indevida do poder de legislar.” (SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo ordenador. 1aed., 2atir., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 35). 74 Sobre os regulamentos de atribuição, vide: DELPÉRÉE, Francis. Le fonti normative secondarie nel diritto belga. p. 51-52. In: CARETTI, Paolo & SIERVO, Ugo de. Potere regolamentare e strumenti di direzione dell’amministrazione: profili comparatistici. Bolonha: Il Mulino, 1991, p. 47-67. 75 Norma secundária é considerada a “norma cujo titular não possa nunca agir de iniciativa própria ou autonomamente”. Subordinadas são as normas que “encontram seu fundamento na própria Constituição” – tradução livre do original: DELPÉRÉE, Francis. Le fonti normative secondarie nel diritto belga. p. 49-50. In: CARETTI, Paolo & SIERVO, Ugo de. Potere regolamentare e strumenti di direzione dell’amministrazione: profili comparatistici. Bolonha: Il Mulino, 1991, p. 47-67. A competência subordinada existiria se se aceitasse, no Brasil, a presença de poderes implícitos (inherent powers) no Executivo para produzir normas regulamentares em espaços não atingidos por dispositivos legais: sua competência seria subordinada, pois restringível por lei, mas não secundária, pois não necessitaria de prévia abertura legal. A característica subordinada da competência do Executivo brasileiro depende, no Brasil, segundo a teoria hoje predominante, de prévia abertura legal: deve ser, portanto, secundária. A jurisprudência norte-americana se afina com a doutrina brasileira neste ponto: “a atribuição de poder à burocracia, tal como ao Presidente, deve ter fundamento normativo em uma lei” (MASHAW, Jerry L. Gli atti sub-legislativi di indirizzo della pubblica amministrazione nell‟esperienza degli USA. p. 138. In: CARETTI, Paolo & SIERVO, Ugo de. Potere regolamentare e strumenti di direzione dell’amministrazione: profili comparatistici. Bolonha: Il Mulino, 1991, p. 111-140: tradução livre do italiano). 76 Ao analisar o conceito de administração ordenadora como sucedâneo do termo poder de polícia, Sundfeld salienta seu caráter derivado (secundário) capaz de interferir nos contornos da vida privada: “Cada vez mais a lei se ocupa em disciplinar diretamente as variadas facetas da vida privada. A lei pode prever ou não a interferência do Executivo em sua aplicação. Em caso positivo, estaremos diante de normas de direito administrativo (ex.: leis municipais sobre construções urbanas, regras de trânsito, disciplina dos preços na economia). (...) A administração ordenadora surge apenas na primeira hipótese. Assim, inexiste setor que lhe pertença, por natureza. Só existirá administração ordenadora se, quando, como e na medida em que o legislador, ao regulamentar a vida dos indivíduos, houver cominado à Administração um papel ativo em seu cumprimento.” (SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo ordenador. 1aed., 2a tir., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 21).
inúmeros atos normativos do Executivo, que, por serem indesejados, não são menos reais.77 Não menos real também é a constatação da presença de função administrativa no Legislativo quando da implementação de políticas concretas de governo por via de leis formais no auge do Estado Social, resultando nas chamadas leis-medida (Massnahmegesetze). A distinção existente entre lei e regulamento, submetendo este àquela não significa eliminar a função normativa do Executivo, mas parametrizá-la segundo uma hierarquia78 prevista no sistema constitucional sem olvidar a divisão material dos conteúdos normativos entre os poderes estruturais do Estado. Superados os obstáculos à possibilidade de atividade normativa regulamentar – função normativa do Executivo –, enfatiza-se a compreensão de que o Poder Executivo desvia a finalidade desta atividade se substitui manifestações propriamente legislativas. Atividade normativa do Executivo e entes administrativos autônomos
A discussão sobre a plausibilidade jurídica da regulação como ela se apresenta hoje no ordenamento jurídico brasileiro não se esgota na discussão da plausibilidade jurídica da produção normativa do executivo. Há uma questão subsequente: como aceitar a presença de entes administrativos ditos independentes para o desempenho desta função normativa natural ao Executivo se a Constituição Federal de 1988 atribuiu competência exclusiva ao Chefe do Executivo para expedir decretos e regulamentos para fiel execução da lei (art. 84, IV e parágrafo único) e para a direção superior da Administração Pública (art. 84, II)? A primeira parte da questão é dirigida aos chamados regulamentos executivos, que tiveram seu significado restrito doutrinariamente à orientação de atuação da Administração Pública, com fundamento no poder hierárquico do Chefe do Executivo, para instrumentalizá-la ao cumprimento das disposições legais. O enunciado constitucional de competência exclusiva do Chefe do Executivo para expedição de decretos e regulamentos para fiel execução de lei não esgota, portanto, o sentido da função normativa do Executivo. Esta se apresenta incólume no âmbito de preenchimento normativo do ordenamento jurídico que não se resuma a ordens estruturadoras da Administração para viabilização da lei. Persiste a possibilidade de utilização da função normativa do Executivo para regulamentar atividades expressamente atribuídas por lei, em que implicitamente se destina função normativa ao órgão ou ente competente para fazer funcionar o setor mediante preenchimento regulamentar submisso à legalidade, esta sim, fonte definidora da política pública setorial. O art.84, IV, da Constituição Federal de 1988, explicita a condição infralegal, mas não despida de normatividade, do Chefe do Executivo quando da orientação estrutural da Administração Pública a partir da hierarquia inerente ao Poder Executivo. Não há, portanto, proibição ao exercício de função regulamentar por intermédio de entes administrativos com competência atribuída à gestão de um conjunto de atividades, muito embora isto não signifique alienação do Executivo frente à lei em sentido formal. Esse
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“Evidentemente não estou a propor a liberação do Executivo para “legislar”. Pelo contrário, reconhecer o desenho correto do princípio, tal como contemplado pelo direito brasileiro, significa possibilitarmos o controle do exercício da função regulamentar pelo Executivo, ao que se recusam nossos publicistas, sob o argumento de que os regulamentos são inconstitucionais...” (GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3aed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 189). 78 A característica hierárquica atribuída à distinção entre lei e regulamento é “de tipo orgânico” como ocorre no relato de Delpérée sobre o poder regulamentar na Bélgica, em que os poderes legislativo e executivo estão inseridos em uma relação “entre poder soberano e poder subordinado” (DELPÉRÉE, Francis. Le fonti normative secondarie nel diritto belga. p. 47-48. In: CARETTI, Paolo & SIERVO, Ugo de. Potere regolamentare e strumenti di direzione dell’amministrazione: profili comparatistici. Bolonha: Il Mulino, 1991, p. 47-67).
raciocínio evita a perplexidade que se apresenta nas exposições doutrinárias brasileiras sobre o tema, que, cientes da realidade constitucional do país, vêem-se obrigadas a encerrar sua argumentação com o reconhecimento do fracasso histórico do esforço de efetividade das disposições constitucionais do art.84, IV, e parágrafo único, apontando para a “antiga, difundida e tolerada (...) prática de que órgãos autárquicos regulamentem as leis”79. O que falta, portanto, é o aprofundamento dogmático da questão para que fique bem definida a fronteira além da qual o poder normativo do Executivo deixa de ser secundário, transformando-se em inconstitucional. A acusação de inconstitucionalidade total e apriorística de qualquer normatização de entes autárquicos do Executivo levou à ridicularização do argumento jurídico frente à imposição prática da natureza das relações funcionais do Estado. A análise do art. 84, II, da Constituição Federal de 1988, assenta-se em argumentos semelhantes. Ao se dizer que o Chefe do Executivo desempenha a direção superior da Administração Pública, isso não significa subserviência de consciência, nem muito menos disponibilidade de cargos segundo a vontade do Presidente soberano da República: a maior parte da carreira administrativa está fora do alcance do juízo de oportunidade do Chefe do Executivo, pois garantida pela burocracia que a protege. Logo, não há nada de excepcional em permitir-se a presença de conselheiros ou diretores de entes da Administração indireta que não estejam envergados ao gosto e desgosto do Chefe do Executivo. Aspecto inteiramente distinto encontra-se na consideração dificilmente encontrada nos críticos do modelo regulatório atual e pertinente à impossibilidade de análise final de decisão da Administração por ausência de recursos administrativos que cheguem ao Chefe do Executivo, tolhendo o juízo final de oportunidade que lhe teria sido outorgado pelo art. 84, II, da Constituição Federal de 1988. Essa argumentação poderia levar a certa perplexidade se já não se convivesse com modelos de tribunais administrativos afastados da revisão de suas decisões pelo Ministério a que estão vinculados, pois, de fato, o que o art.84, II, diz é que a estrutura da Administração Pública encontra-se submetida às orientações hierarquicamente superiores do Chefe do Executivo. Contudo, o dispositivo constitucional não torna a matéria normativa exclusiva do último escalão da estrutura administrativa, remetendo esta consideração à produção legislativa, de cujo processo, não se deve esquecer, o Chefe do Executivo faz parte. Tais considerações não desconhecem a possibilidade de superação da discussão sobre a constitucionalidade de entidades administrativas regulatórias mediante a referência à previsão constitucional de dois dos atuais órgãos reguladores – ANATEL e ANP80. Previstos na Constituição Federal de 1988, eles encarnariam exceções aos dispositivos de competência reservada ao Chefe do Executivo (art. 84, II e IV, da Constituição Federal de 1988). Esse ponto de vista, que apoia a constitucionalidade de regulamentação infralegal de atividades essenciais na presença de referência expressa a órgãos reguladores revela, contudo, dois problemas: a) somente duas das atuais agências reguladoras seriam regulares e estariam aptas a cumprir suas funções regulamentares; b) mesmo estas duas agências poderiam ter sua autonomia 79
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Reforma do Estado: o papel das agências reguladoras e fiscalizadoras. p. 256. In: Fórum Administrativo, ano 1, nº 3, maio de 2001, p. 253-257. Continua, na mesma página: “igualmente se pode dizer que a prática é antiga, difundida e tolerada. Todos têm presente as circulares e portarias de que certos órgãos da Administração Pública usam e abusam, fazendo “leis” que não raro mais interferem na vida do cidadão que as leis propriamente ditas.” 80 Floriano Marques divide o problema de acordo com o tipo de órgão regulador: a) órgãos reguladores de natureza constitucional (ANATEL e ANP); b)órgãos reguladores criados exclusivamente por lei (ANEEL, ANVS, Câmara de Saúde Suplementar); c)órgãos reguladores de natureza constitucional imprópria, que encontram referência no texto constitucional só que sem designação expressa da sua constituição como órgão regulador em sentido próprio (Banco Central – art.192, IV e Superintendência de Seguros Privados – art.192, II da CF/88). Conferir, a respeito: MARQUES NETO, Floriano Azevedo. A nova regulação estatal e as agências independentes. p. 93-94: nota 49. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 72-98.
questionada por violação da separação dos poderes por via transversa ao implementarem exceção a incisos do art. 84, que funciona como divisor de águas entre o Legislativo e o Executivo. Desta forma, a explicação da autonomia regulatória das agências por meio de normas constitucionais excepcionais peca por privilegiar soluções pontuais, quando a presença de tais entidades já decorre naturalmente da harmonia preconizada entre os poderes por meio de distribuição não exclusiva de funções. O argumento da previsão constitucional „excepcionadora‟ obedece ao pressuposto, acima questionado, de exclusividade de tratamento normativo pelo Poder Legislativo e que não condiz com a complexidade institucional atual. E qual seria, portanto, o efeito jurídico da previsão constitucional de ditos órgãos reguladores? Como não existem termos inúteis no ordenamento jurídico, as previsões concernentes à regulação do petróleo e das telecomunicações devem operar algum efeito. Este efeito está na distinção entre poder normativo secundário e subordinado explicitada linhas acima. Por estarem expressamente previstos na Constituição Federal de 1988 como órgãos reguladores, eles não tem somente a tradicional competência secundária, mas também subordinada, pois a dicção constitucional exige que o tratamento legal de tais órgãos lhes defina com os elementos característicos da regulação setorial. Atividade normativa do Executivo e revisão judicial
Finalmente, a atividade normativa do Executivo, no âmbito da regulação de atividades essenciais, suscita também questões referentes à extensão de sua revisão pelo Poder Judiciário. Sob o enfoque estritamente jurídico-formal, a Constituição Federal de 1988 estipula expressamente a inafastabilidade da jurisdição quanto a qualquer lesão ou ameaça a direito (art. 5o, XXXV). Entretanto, não se pode furtar à discussão do grau de atuação jurisdicional daí decorrente. Em outras palavras, até onde irá, de fato, a revisão, pelo Judiciário, da produção normativa conjuntural do Executivo, que é, por natureza, técnica e, às vezes, fundada em prognósticos da Administração sobre a evolução futura de um setor de atividades? O termo comumente utilizado para descrever o fenômeno de abertura de opções administrativas por meio da definição técnica como argumento de autoridade é o da discricionariedade técnica da Administração Pública. Esse termo transparece a afirmação de que certas decisões, por sua elevada complexidade de ordem técnica, somente poderiam ser tomadas por quem nelas é especializado, deixando ao Judiciário a possibilidade de se pronunciar somente quanto aos erros manifestos. O próprio conceito de discricionariedade técnica é atacado como uma contradição em si, pois reuniria em sua postulação termos que se anulariam, já que a discricionariedade pressupõe espaço decisório aberto por lei, enquanto a tecnicidade carregaria, em si, uma determinação precisa de critérios a serem seguidos, estrangulando aquele espaço que se pretendia previsto na lei, transformando, assim, o ato cogitado em ato vinculado, ou seja, em ato no qual não há margem de opções possíveis a serem tomadas, mas somente um comportamento previamente estabelecido a ser implementado pela Administração Pública. Para compreensão da questão da discricionariedade técnica, é necessário primar por precisão terminológica. Há um grande salto entre os conceitos de discricionariedade externa e discricionariedade interna. A discricionariedade externa, impropriamente inserida em casos de discricionariedade técnica, significa a margem de opções possíveis do administrador prevista em formulação jurídica que contém, dentre outros, dados técnicos. Neste caso, o administrador deve partir dos elementos técnicos já esclarecidos na fundamentação de sua decisão e lançar mão da clássica discricionariedade administrativa aberta expressamente pelo texto legal. Seria
o caso de uma norma que estabelecesse opções para o administrador destruir ou apreender uma substância tóxica. A determinação da natureza da substância é um juízo técnico prévio à opção do administrador entre destruir ou apreender o produto. Logo, a discricionariedade externa pressupõe a solução do significado dos dados técnicos contidos na previsão normativa. Já a discricionariedade interna revela a verdadeira temática da discricionariedade técnica e se define pela cogitação de um espaço discricionário aberto pela dificuldade de se determinar o sentido do termo técnico inscrito na lei. A discricionariedade técnica está na entranha dos juízos técnicos.81 Quem conhece tecnicamente, é verdade, tem condições de decidir melhor sobre o significado objetivo82 de um termo técnico, mas não necessariamente de forma mais adequada ao ordenamento jurídico, que agrega caráter teleológico aos dados técnicos, vinculando-os a uma finalidade específica normativa, cuja prerrogativa de proteção última situa-se no Poder Judiciário. A tecnicidade do tema afasta, na prática, a ponderação científica do juiz sobre os prós e contras da opção por uma ou outra tecnologia (esta é uma constatação fática); ela reserva a órgãos formados por especialistas de cada área a definição da extensão de certos conceitos, como os de substância tóxica, de margem de segurança, de medicamento, de bioequivalência, de interferência prejudicial eletromagnética, mas não inviabiliza – antes indica em face da presença de standards precisos83 –, a necessidade de, a partir de laudos técnicos, verificar a pertinência da decisão tomada frente às determinações legais. Finalmente, deve-se levantar a questão de que tais standards precisos não são assim entendidos por serem predeterminados, mas por estarem remetidos à motivação da decisão administrativa, analisada no controle judicial do ato, que confirmará ou não a determinação concreta dos parâmetros técnicos razoáveis frente ao contato da norma com o plano fático.84 Ditos parâmetros técnicos são esculpidos na motivação da decisão administrativa, o que gera a possibilidade e exigência de revisão judicial dos critérios técnicos utilizados para tomada de posição do administrador. O juízo de legalidade é prerrogativa inafastável do Poder Judiciário, que, por outro lado, deve cingir-se, quanto ao juízo de oportunidade do administrador, à verificação da proporcionalidade da medida. Neste caso, as valorações do administrador, desde que legais, vinculam a atuação estatal mesmo que em detrimento da melhor solução segundo novos parâmetros de quem enxerga, do futuro, o fenômeno completo, muito embora se possa exigir a melhor solução possível segundo o nível de dados disponíveis e assimiláveis no momento da decisão. A par do juízo de oportunidade do administrador, há a opção por critérios técnicos, 81
Salaverría esclarece a distinção entre discricionariedade interna e externa: “há que se furtar ao perigo de se confundirem duas maneiras distintas em que comparece esta mistura de „técnica‟ e „discricionariedade‟ (pois somente a uma delas cabe conceber como genuína „discricionariedade técnica‟). Com efeito, uma coisa é entregarse ao exercício da discricionariedade sobre a base de – entre outros – dados técnicos (econômicos, demográficos etc), e outra coisa distinta é que o espaço discricional irrompa na entranha dos juízos técnicos mesmos” (SALAVERRÍA, Juan Igartua. Discrecionalidad técnica, motivación y control jurisdicional. Madri: Editorial Civitas, 1998, p. 26). 82 A própria objetividade dos dados técnicos é questionável. A “realidade ensina que a técnica não é sempre e necessariamente fonte de regras objetivamente válidas” (SALAVERRÍA, Juan Igartua. Discrecionalidad técnica, motivación y control jurisdicional. Madri: Editorial Civitas, 1998, p. 27). 83 Esta postura é criticável em face da já comentada ausência de objetividade nos critérios técnicos, no entanto, é adotada por juristas de peso. “Se a decisão é técnica, evidentemente há standards, e muito precisos, a serem estrita e rigorosamente atendidos por quem toma a decisão!” (GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3aed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 159). 84 Cf.SALAVERRÍA, Juan Igartua. Discrecionalidad técnica, motivación y control jurisdicional. Madri: Editorial Civitas, 1998, p. 13. O pensamento do autor pode ser resumido assim: a determinação da discricionariedade somente é evidenciada definitivamente in concreto (p. 38) e frente a uma decisão razoável do administrador, que assim afastaria a crítica do arbítrio, cuja garantia para controle está na motivação essencial à ponderação da discricionariedade (p. 44 e seguintes).
que carregam consigo certo grau de hermetismo. Por isso, exige-se consciência setorial do julgador para compreensão das implicações menos óbvias das opções do administrador, bem como se exige ampla motivação da decisão administrativa para permitir o controle judicial. O conhecimento, por parte do julgador, dos meandros técnicos dos setores de atividades relevantes para o Estado é condição para o necessário controle judicial da assim chamada discricionariedade técnica. Em outras palavras, a tecnicidade pode encobrir, no juízo de oportunidade, o juízo de legalidade; pode tomar decisões, no juízo de oportunidade do especialista, que diminuam as opções de legalidade do julgador sem que ele perceba tais decisões, fechando as soluções antes abertas pela legislação. Tais características afloradas no modelo regulatório estatal evidenciam a necessidade do Judiciário, bem como das estruturas postulatórias perante o Judiciário, de se empenharem em tomar consciência das perspectivas abertas pela tecnicidade das questões setoriais, que obscurece a nitidez das fronteiras limitadoras dos juízos de oportunidade, que, por natureza estão vinculados aos parâmetros dos juízos de legalidade. Além da ampla discussão gerada pela discricionariedade técnica, a atividade normativa do Executivo depara-se com a influência de políticas orientadoras de decisões setoriais. O modelo de regulação desloca para órgãos e entes administrativos específicos decisões de intenso caráter prognóstico carregadas de orientações políticas de planificação administrativa. Essa é, por exemplo, a opção pela forma de se implementar a competição em determinado setor. Os casos de implementação de orientações planificadas na esfera do Executivo, ao contrário do que ocorre com a discricionariedade técnica, não se submetem à interferência do Judiciário no cerne das opções políticas, pois disso resultaria restrição, por parte do Judiciário, das funções naturais ao Executivo. Não é, no entanto, o Executivo somente que delimita o cerne de seu poder de orientação política por planificação administrativa. Cabe ao Legislativo estabelecer os standards dentro dos quais o Executivo produz suas políticas próprias, tanto no tocante à sua estruturação85, quanto para normatização de setores relevantes de atividades. A pertinência entre os prognósticos legislativos e executivos inscritos em suas correspondentes produções normativas, por óbvio, encontra-se no campo do juízo jurisdicional. Conceito de regulação Ao se tratar da produção normativa do Poder Executivo, abordou-se apenas uma manifestação regulatória, que é parte do seu significado e, embora seja um dos significados mais característicos da regulação, não a representa em sua integralidade. A regulação é um fenômeno mais abrangente de interferência estatal na atividade econômica em sentido amplo, envolvendo os serviços públicos e as atividades econômicas em sentido estrito. Mas a definição de regulação como um fenômeno fático é insuficiente ao estudo do direito. O objeto de estudo do direito regulatório, por princípio, é algo jurídico e, portanto, para os fins do direito regulatório, a regulação, como objeto de estudo, encontra-se vertida no termo regime jurídico regulatório. O uso do termo regime jurídico regulatório responde à busca de um significado mais palpável à imprecisão terminológica trazida pelo enunciado da regulação. Como explica Sueli Dallari, a regulação foi definida, no século XVIII, como um mecanismo técnico voltado à preservação de uma constante em meio a perturbações exteriores para alcance de estabilidade, por exemplo, um termostato. No século XIX, foi definida como um conjunto de ajustamentos biológicos capazes de preservar o equilíbrio dinâmico de um 85
Cf.MASHAW, Jerry L. Gli atti sub-legislativi di indirizzo della pubblica amministrazione nell‟esperienza degli USA. p. 119. In: CARETTI, Paolo & SIERVO, Ugo de. Potere regolamentare e strumenti di direzione dell’amministrazione: profili comparatistici. Bolonha: Il Mulino, 1991, p. 111-140.
corpo. O século XX trouxe para o termo o significado de mecanismo promotor de correções da atuação de um sistema qualquer por intermédio da avaliação dinâmica das informações recebidas do ambiente regulado. Como teoria dos sistemas, introduziu-se na economia, na sociologia, na ciência política e no direito.86 Na economia, o conceito de regulação tomou matiz próprio ao encobrir a característica sistêmica propriamente reguladora sob o significado projetado a partir do final do século XIX de atividade estatal voltada a suprir as falhas de mercado.87 Já, na tradição anglosaxã, o significado de regulação foi apropriado como o conjunto de atos de controle e direção, assim entendidos como normas legais e outras medidas de comando e controle de intervenção pública sobre o mercado.88 Em âmbito internacional, o Bando Mundial assimilou esse último significado da regulação como controles impostos pelo governo sobre aspectos de negócios, distinguindo-os da propriedade estatal dos meios de produção e da atividade de fomento por incentivos fiscais.89 A regulação, portanto, internaliza em seus enunciados jurídicoadministrativos, direta ou indiretamente, a característica de atuação gerencial da administração, que se torna visível no direcionamento do setor por interferências estatais ponderadas pari passu e por constante reavaliação da pertinência entre o caminho seguido pelo ambiente regulado e os direitos afetados. O mercado e os seus senhores jurídicos – a livre iniciativa e a livre concorrência – podem ser itens diretores de parcela da atuação regulatória, mas não se apresentam como princípios jurídicos exigíveis para o conjunto das atividades reguladas.90 A regulação, portanto, enquanto regime jurídico regulatório, apresenta-se como um conjunto de disposições normativas e administrativas caracterizadas por seu caráter conjuntural de influência ou controle91 sobre o ambiente regulado mediante batimento entre resultados esperados e resultados efetivamente alcançados. O mecanismo regulador presente na origem terminológica da regulação apresenta-se como um diferencial do regime jurídico regulatório, revelando-o como um conjunto de atuações normativas e administrativas capazes de interagir pari passu com os rumos efetivamente detectados no ambiente regulado para redirecioná-lo aos deveres normativos de concretização dos direitos fundamentais. O regime jurídico regulatório transparece, portanto, o conjunto de produções não só normativas92, mas administrativas de diuturna reconfiguração do ambiente regulado, como também do formato estatal de ataque aos problemas nele detectados, entendida a 86
Cf.DALLARI, Sueli Gandolfi. Direito Sanitário. p. 55 e seguintes. In: ARANHA, Márcio Iorio (org.). Direito sanitário e saúde pública: coletânea de textos. Vol. I, Brasília: Ministério da Saúde, 2003. (Série E. Legislação de Saúde) 87 JUSTEN FILHO, Marçal. O Direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002, p. 31. 88 Cf. PROSSER, Tony. Law and the Regulators. Oxford: Claredon Press, 1997. 89 “Regulation means government-imposed controls on particular aspects of business activity. Note: This does not mean that each and every business decision requires prior government approval. Instead, control will usually be exercised through a mix of prior approvals (for example, a request for a tariff increase) or after-the-fact reviews of performance (for example, connection of a specified number of new customers). Regulation is only one form of government control. Governments can also control enterprises through ownership and fiscal incentives).” (BROWN, Ashley C.; STERN, Jon; TENENBAUM, Bernard. World Bank Handbook for Evaluating Infrastructure Regulatory Systems. Washington: World Bank, 2006, p. 16). 90 Cf. CARVALHO, Carlos Eduardo Vieira de. Regulação de Serviços Públicos na Perspectiva da Constituição Econômica Brasileira. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. 91 Definindo regulação como forma de controle estatal, vide: GARNER, Bryan A. (org.). Black’s Law dictionary. 8ªed., St. Paul: West Publishing Co., 2004, p. 1311 92 “Embora a etimologia sugira a associação da função reguladora com o desempenho de competências normativas, seu conteúdo [da regulação] é mais amplo e variado (...) a regulação contempla uma gama mais ampla de atribuições, relacionadas ao desempenho de atividades econômicas e à prestação de serviços públicos, incluindo sua disciplina, fiscalização, composição de conflitos e aplicação eventual de sanções” (MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito regulatório: a alternativa participativa flexível para a administração pública de relações setoriais complexas no Estado Democrático. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 45).
indispensabilidade de atuação estatal no que se refere à preservação dos princípios do serviço público, mediante políticas regulatórias ínsitas aos princípios jurídicos inscritos na ideologia constitucionalmente adotada.93 Dita diuturna reconfiguração é voltado tanto para o ambiente regulado quanto para a própria conformação estatal interventora, na medida em que a projeção da atuação estatal regulatória parte do pressuposto de atuação dinâmica e proativa governamental, ou seja, da consciência, por parte do governo de plantão, de que sua atuação é necessária à concretização dos direitos fundamentais. O depoimento de George Soros sobre a crise financeira iniciada em 2007 e resultante do déficit regulatório do sistema financeiro norte-americano dirige-se ao cerne da questão ao defender a necessidade de um governo que acredite no governo94, vale dizer, de um governo que acredite no seu papel decisivo e imprescindível para aperfeiçoamento do sistema democrático e das relações econômicas a ele subjacentes. Em outras palavras, a regulação integra o modo de ser da liberdade democrática ao representar a convicção de que não existe uma região de atividades econômicas livre de leis; não há um setor desregulado no sentido preciso da palavra. Uma sociedade pautada na liberdade não significa uma sociedade avessa à regulação. Mesmo Friedrich Hayek confirma a onipresença da regulação em qualquer modelo estatal.95 Dentre as categorias de atuação estatal reveladas no estudo do regime jurídico regulatório, encontram-se: fomento, regulamentação, monitoramento, mediação, fiscalização, planejamento96 e ordenação da economia;97 gerenciamento normativo de conflitos;98 regulamentação de atividades inseridas em âmbito de competência estatal;99 ordenação da atividade econômica100, inclusive da atividade monopolista101; outorga de serviços e autorização de uso de meios para universalização ou expansão geográfica, enfim, atividades de índole normativa e administrativa úteis, sob o ponto de vista individual, e necessárias, se vistas em conjunto, ao acompanhamento e redirecionamento de atividades econômicas em sentido amplo. A composição das funções normativa e administrativa em um ambiente de acompanhamento e controle é, em síntese, o diferencial de autonomia do ramo de estudos do direito regulatório. 93
Cf. CARVALHO, Carlos Eduardo Vieira de. Regulação de Serviços Públicos na Perspectiva da Constituição Econômica Brasileira. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. 94 Entrevista dada por George Soros na CNN, Fareed Zakaria GPS, em 12 de outubro de 2008. 95 “In no system that could be rationally defended would the state just do nothing” (HAYEK, Friedrich. The Road to Serfdom. Chicago: University of Chicago Press, 1944, p. 38-39). 96 As funções de fiscalização, incentivo e planejamento constam das raras passagens constitucionais (art. 174, caput da Constituição Federal de 1988) expressamente atinentes à atividade reguladora do Estado. 97 Cf.MARQUES NETO, Floriano Azevedo. A nova regulação estatal e as agências independentes. p. 74. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 72-98). 98 Para uma concepção de regulação como gerenciamento normativo de conflitos, vide: SUNDFELD, Carlos Ari. Agências reguladoras e os novos valores e conflitos, p. 1294. In: Anais da XVII Conferência Nacional dos Advogados. Justiça: realidade e utopia. Vol. II, Rio de Janeiro: Ordem dos Advogados do Brasil, 1999, p. 12911297. “O que é regular? É fazer este „gerenciamento‟ que referi. Não limitar-se à distante edição de normas abstratas capazes de cuidar da sociedade durante oitenta anos sem transformação mais profunda (...)” (SUNDFELD, Carlos Ari. op. cit., p. 1295). 99 Observe-se que, aqui, regulamentação está sendo tratada como meio de regulação estatal. Outra concepção dos termos regulação e regulamentação, guardando sintonia com a terminologia – deregulation x regulation – e a preocupação atual norte-americana de oposição entre regulação estatal (exo-regulação) e regulação social (autoregulação), encontra-se em: GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3aed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 93. 100 Eros Grau define a regulação como a atividade de “dar ordenação à atividade econômica” e a regulamentação como uma sua espécie voltada a dar ordenação à atividade econômica “através de preceitos de autoridade, ou seja, jurídicos” (GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3aed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 96). 101 A relação da regulação com monopólios da União vem inscrita no art. 177, §2º, III, da Constituição Federal de 1988, referente ao petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos.
A regulação, em síntese, é a presença de regras e atuação administrativa (law and government102) de caráter conjuntural pautadas no pressuposto de diuturna reconfiguração das normas de conduta e dos atos administrativos pertinentes para a finalidade de redirecionamento constante do comportamento das atividades submetidas a escrutínio, tendo-se por norte orientador parâmetros regulatórios definidos a partir dos enunciados de atos normativos e administrativos de garantia dos direitos fundamentais envolvidos. Traduzindo-se o enunciado da regulação em termos práticos, a regulação, por exemplo, do Serviço Telefônico Fixo Comutado – atividade submetida a exame e acompanhamento estatal minucioso – faz-se por intermédio de disciplina normativa infralegal da Agência Nacional de Telecomunicações (resoluções), e por atos administrativos pertinentes, tais como autorizações, concessões, atos de fiscalização, monitoramento e mediação de disputas, segundo parâmetros de comportamento das atividades reguladas derivados do enunciado constitucional dos direitos fundamentais à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, minudenciados nas políticas públicas setoriais emanadas da normatização secundária do Ministério das Comunicações (portarias ministeriais) e da Presidência da República (decretos presidenciais), em prol do objetivo de maior aproximação possível entre a prestação efetiva do serviço e a prestação do serviço esperada da integral aplicação de regras e princípios jurídicos. A regulação apresenta-se como o rol de atividades de reorientação diuturna dos atores setoriais – governo, empresas, usuários/consumidores, cidadãos e estrutura regulatória – rumo à maior sintonia possível entre o modelo ideal de funcionamento do ambiente regulado ordenado pelo Direito e o efetivo comportamento das atividades reguladas. Regulação é a reconfiguração conjuntural do ambiente regulado voltada à consecução de um modelo ideal de funcionamento do sistema e dirigida por regras e princípios inscritos e espelhados nos direitos fundamentais. No presente contexto regulatório brasileiro inaugurado em meados da década de 1990, o rol de instituições jurídicas características da regulação resume-se aos conceitos de gerenciamento normativo da realidade, outorgas de serviços, controle de meios, assimetria regulatória e fiscalização. Todos eles são compatíveis com a dinâmica vislumbrada na evolução do direito administrativo para o acompanhamento cotidiano das transformações nas atividades de interesse público. Eles, todavia, não esgotam o substrato de estudo do direito regulatório, que se projeta para além de atividades de intervenção indireta no mercado e alcança, como se viu, atividades de fomento, de planejamento, de intervenção direta, enfim, a interferência estatal em atividades econômicas lato sensu. Regulação, enfim, é intenção de direcionamento conjuntural da atividade econômica no Estado. Tais instituições regulatórias – regulamentação, monitoramento, fiscalização, planejamento, ordenação, fomento, outorgas, alocação de meios – abrem espaço para políticas públicas que não estejam integralmente entregues, por exemplo, ao ideal de otimização funcional por intermédio da concorrência. Uma teoria jurídica de caráter generalizante não serviria a seus propósitos se inviabilizasse sua adequação a tipos de regulação fundados em pressupostos de política pública distintos. Em outras palavras, não se pode propor uma teoria jurídica da regulação que esteja comprometida com ideais, sejam eles de competição ou de monopólio, de mercado ou de planificação estatal, mas como instrumento de reunião dos sucessos e fracassos das políticas públicas de fontes ideológicas distintas. A teoria jurídica da regulação serve de seara de discussão e de orientação a quem não se rende a argumentos
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Cass Sunstein utiliza, indiferentemente, os termos regulation, law and government, government regulation e legal regulation, no sentido de intervenção em atividades de interesse público. Cf. SUNSTEIN, Cass R. Republic.com 2.0. Princeton and Oxford: Princeton University Press, 2007.
unificadores e destruidores da diversidade de pontos de vista, que é característica do estudo científico. Para compreensão dos princípios e das instituições regulatórias, é essencial a perquirição do histórico regulatório brasileiro em geral. Regulação versus desregulação O estudo da regulação nos obriga a cogitar dos nossos pressupostos jurídicos. Enquanto juristas, temos a consciência de que o esquema de forças sociopolíticas detém um componente normativo subjacente, ou seja, de que a realidade de forças sociais, como a vemos hoje, assenta-se em pressupostos de convivência social e em pressupostos estritamente jurídicos, como os conceitos de propriedade, de igualdade, de liberdade. Quando a regulação é lançada para discussão como a presença organizada do Estado em setores relevantes, há o natural questionamento originado de concepções de eficiência econômica, de que a interferência estatal deveria se restringir ao mínimo necessário para preservação da esfera de atuação livre do particular no mercado. A vulgarização dessa concepção econômica leva, indevidamente, à conclusão de que uma opção de política pública setorial poderia ser a desregulação do setor para que o mercado caminhe livre, mas essa não é uma proposta que se sustente quando se parte do pressuposto de que o que se considera como mercado, hoje, não passa de um produto normativo, protegido por direitos de propriedade, de igualdade, de liberdade. Em outras palavras, o substrato dos modelos de negócio, da eficiência e da possibilidade de sucesso do próprio mercado, é um conjunto complexo de disposições normativas que garantem, às expensas dos tributos de toda a sociedade, a lucratividade e a própria viabilidade de um setor de atividades. No setor de atividades mais festejado como a forma de organização social do século XXI – a chamada sociedade da informação, do conhecimento ou de rede103 – é ainda mais evidente que a lucratividade dos negócios do setor depende primordiamente dos pilares jurídicos de proteção dos direitos de propriedade afirmados na normatização setorial e garantidos por caras estruturas executivas e judiciárias de fiscalização e aplicação do direito. A desregulação eventualmente proposta em um determinado setor de atividades relevantes significa, portanto, não a extinção da regulação, mas a diminuição de apenas uma dimensão da regulação estatal, que é a que procura dirigir o mercado ou impor compensações pelos benefícios garantidos pelo Estado para quem nele opera negócios. O primeiro pressuposto, portanto, quando se trata de discutir a regulação é o de que ao se propor a desregulação de um setor, o argumento por detrás da desregulação nunca poderá ser o de que o setor funcionaria melhor sem intervenção estatal. O fundamento para a chamada desregulação resulta, pelo contrário, de uma ponderação sobre os ganhos sociais oriundos da atitude de diminuição da regulação estatal voltada à compensação social ou à orientação do mercado. O afastamento do Estado dessas espécies de regulação somente se justifica se comprovada que a abstenção estatal no direcionamento do setor regulado rumo à compensação social e à eficiência do mercado resultaria em maior eficácia dos direitos fundamentais envolvidos. Não faz parte, portanto, do discurso jurídico, a cogitação da desregulação como um fenômeno apoiado no argumento de que um setor de atividades relevantes tem seu valor e eficiência diminuídos pela simples existência da regulação: um setor de atividades relevantes é um produto da regulação jurídica. 103
Sobre o conceito de sociedade-rede, vide: CASTELLS, Manuel. The Network Society: From Knowledge to Policy. In CASTELLS, Manuel; CARDOSO, Gustavo. The Network Society: From Knowledge to Policy. Washington: Johns Hopkins Center for Transatlantic Relations, 2006, p. 3-21.
O exemplo da internet é marcante quando se trata de evidenciar a insuficiência da afirmação do mercado como um ente vivo inteligente e eficiente, ao invés de entendê-lo como um produto da atuação regulatória, ou seja, de atuação concertada e inteligente do ambiente político-jurídico capaz de formatá-lo em benefício dos direitos fundamentais. Se não fosse uma atuação governamental ativa, o mercado teria enterrado o projeto que deu vida à internet, deixando o mundo preso na idade do papel.104 Por diversas vezes, o governo norte-americano e um centro de pesquisa europeu tentaram convencer a iniciativa privada a encampar o projeto da rede mundial de computadores, mas a resposta foi unânime de que, na década de 1970, o projeto não diria respeito aos negócios de interesse de uma grande empresa de telecomunicações, a AT&T, e, mais tarde, na década de 1980, já com a World Wide Web, seria um sistema “muito complicado”. Em outras palavras, a lógica da iniciativa privada expressou sua visão da internet como um negócio não correlato ao das telecomunicações e, para piorar, considerou complicado tratar da World Wide Web. Se não fosse o investimento governamental em estudos universitários e a necessidade de uma rede eletrônica de informações para o desenvolvimento de tais estudos, o mundo não teria a feição marcante da idade da internet e do seu substrato econômico: a sociedade-rede.
Fases da regulação no Brasil Uma visão histórica das fases de regulação dos serviços públicos no Brasil sofre estudo aprofundado e responsável em Aguillar105 e compõe passo fundamental à compreensão do período atual de conformação da regulação operacional e normativa brasileira. Do Brasil Colônia ao Primeiro Império, vigorou um modelo regulador de serviços públicos comprometido com a concepção patrimonialista de Estado. Daí se identificar com a fase da regulação patrimonialista, “sinônimo de apropriação do Estado por seus governantes”106, cuja legitimidade esteve apoiada na probabilidade de reconhecimento de uma estrutura de autoridade107 representada, no Brasil, pelo caráter tradicional de legitimidade advinda da pessoa do governante assentada na devoção aos costumes. Isso tudo transparecia, nessa fase, um momento em que se entendia o próprio Estado como propriedade privada do soberano e, portanto, remetia a extensão da regulação à vontade subjetiva do detentor do poder político. A prestação dos serviços públicos, nessa fase, é pequena e sua evolução aponta para a correlação entre o fenômeno da prestação de serviços públicos e o da urbanização do país: construção de edifícios públicos civis e militares; medidas de saneamento básico; serviço de iluminação pública; serviço de correios e telégrafos; serviços bancários, com o Banco do Brasil, em 1808. Em grande parte, as atividades eram puramente controladas por regulação normativa sem intervenção direta estatal portuguesa. A única atividade oficial era a chamada feitoria, que visava exploração da madeira para a indústria têxtil européia. O pau-brasil estava submetido a regime de monopólio português, utilizando-se dos mecanismos jurídicos da concessão e do arrendamento para a sua exploração. O Brasil Colônia, portanto, é caracterizado como período de regulação por descentralização operacional – prestação de serviços afastada do Estado – e por centralização normativa – concentração de normatização sobre atividades reguladas –, reforçando-se a idéia de privilégio e monopólio estatal de todas as atividades relevantes. A manifestação de descentralização da regulação operacional somente se 104
“We are used to hearing tales of the unintended bad consequences of government action. The Internet is an unintended good consequence of government action, by the Department of Defense no less.” (SUNSTEIN, Cass R. Republic.com 2.0. Princeton and Oxford: Princeton University Press, 2007, p. 157). 105 Cf.AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social de serviços públicos. São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 163-209. 106 AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social de serviços públicos. São Paulo: Max Limonad, 1999, p.165. 107 Cf.WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1991, p. 140.
justificava, então, pelo desinteresse do governo português em viabilizar, com recursos próprios, a colonização do Brasil.108 A fase de regulação desconcentrada sucedeu a de regulação patrimonialista e está situada do Segundo Império até os anos 30 do século XX. O liberalismo econômico desempenhou seu papel, imprimindo a idéia de regulação normativa descentralizada, ou, em outras palavras, de desregulamentação da atividade econômica109. Da mesma forma, esse movimento também surtiu efeitos na regulação operacional, que passou a ser descentralizada com intensa participação de capital estrangeiro. A idéia do liberalismo econômico extremado de que tudo que o Estado faz, faz mal, e mesmo que fizesse bem, mal faz, serviu de fator de contenção da interferência estatal tanto normativa quanto operacional à exceção das ferrovias e da infraestrutura portuária.110 Da década de 30 ao final da década de 80 do século XX, o advento progressivo do Estado Social legitimou o controle estatal dos serviços de interesse público em face da derrocada do modelo de economia de mercado abstencionista e abriu espaço para a fase de regulação concentrada, cujos postulados também estavam afinados com a irrupção do nacionalismo, que, por sua vez, desempenhou relevante papel na concentração de setores como o de energia elétrica e o de telecomunicações. Em termos jurídico-positivos, foi a primeira referência constitucional ao regime das concessões expressa no art. 137 da Constituição Federal brasileira de 1934111. A legislação federal genérica sobre o regime jurídico da concessão, no entanto, teve de aguardar a Lei 8.987, de 1995, muito embora regulamentações específicas já fossem implementadas desde então. Na década de 30, o regime da concessão foi transformado, tolhendo-se a garantia de juros mínimos ao concessionário mediante o art. 142 da Constituição Federal brasileira de 1934112. Outras referências históricas evidenciam a mudança de perspectiva regulatória como evidencia a edição do Código das Águas (Decreto 24.643/34) e a criação das primeiras „agências‟ estatais no Período Vargas, como órgãos de implementação de planejamento e fiscalização das políticas setoriais: Conselho Nacional do Petróleo; Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica; Departamento Nacional da Produção Mineral; Departamento Administrativo do Serviço Público; Coordenação de Mobilização Econômica; Departamento Nacional de Estradas de Rodagem; Departamento Nacional dos Portos; Comissão Administrativa de Defesa Econômica, embrião remoto do atual Conselho Administrativo de Defesa Econômica; Inspetoria de Obras Contra as Secas. A fase de regulação concentrada, enfim, foi caracterizada como de regulação centralizada operacional e normativa. Já com a volta de Getúlio Vargas, em 1951, ocorreu o que se convencionou chamar de inversões estatais em energia elétrica com a paulatina estatização do setor mediante a 108
Cf. AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social de serviços públicos. São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 165-181. 109 Verificou-se a tendência de passagem do “poder de gerir a coisa pública das mãos privadas do Imperador para inúmeros novos centros de poder” (AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social de serviços públicos. São Paulo: Max Limonad, 1999, p.181). 110 Este fenômeno não foi uniforme, como nada na história o é. Daí Aguillar ressaltar uma manifestação de regulação normativa concentrada nas concessões de construção e exploração de ferrovias a partir da primeira metade do século XIX e na regulamentação da infraestrutura portuária. Cf.AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social de serviços públicos. São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 184. 111 Art.137.A lei federal regulará a fiscalização e a revisão das tarifas dos serviços explorados por concessão, ou delegação, para que, no interesse collectivo, os lucros dos concessionarios, ou delegados, não excedam a justa retribuição do capital, que lhes permitta attender normalmente ás necessidades publicas de expansão e melhoramento desses serviços. (CAMPANHOLE, Adriano; CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Constituições do Brasil. 13ªed., São Paulo: Atlas, 1999. p. 722) – mantida a redação original da época. 112 O art.142 da CF/34 proibiu a garantia de juros aos concessionários. Constituição Federal brasileira de 1934: “Art.142. A União, os Estados e os Municípios não poderão dar garantia de juros a empresas concessionarias de serviços publicos”.
criação da Eletrobrás. Os setores de telecomunicações113, energia, transportes, correios e saneamento básico foram intensamente regulados já durante o Governo Militar tanto normativa como operacionalmente. A fase seguinte é a do Estado Regulador, em que as posturas clássicas do Estado Mínimo (liberal) e do Estado Provedor (intervencionista) abrem espaço para o ideal contemporâneo114 de menor intervencionismo direto e maior intervencionismo indireto, ou, em outras palavras, regulação operacional descentralizada e regulação normativa centralizada e qualificada pela delegação de poderes ao ente regulador, separando-se as figuras do controlador e do prestador.115 Nesta fase, tomou força o princípio da subsidiariedade, gerando outro termo designador daquele momento histórico: o Estado Subsidiário, cujas diretrizes apontam para a revalorização da autonomia individual em detrimento do controle social, para a abertura de espaços nas instituições públicas de participação direta da sociedade, para fomento e regulamentação das atividades privadas, visando otimizar seu sucesso, e para a promoção de parcerias entre o público e o privado como auxílio à viabilização de atividades antes fora do alcance deste último.116 O marco normativo dessa transição para o Estado Regulador encontra-se no início do processo descentralizador117, no Programa Nacional de Desburocratização do final da década de 1970, objetivando dinamizar e simplificar o funcionamento da Administração Pública Federal118. Na década seguinte, o Decreto 95.886, de 29 de março de 1988, deu novo impulso, transferindo “para a iniciativa privada determinadas atividades econômicas 113
Esse período presenciou a criação do Conselho Nacional de Telecomunicações com o Decreto 50.666/61 e a instituição do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/62) revogado em sua maior parte pela Lei 9.472/97. 114 Um dos objetivos fundamentais da Reforma Estrutural do Setor de Telecomunicações proposta e já implementada pelo Governo brasileiro desde 1995 foi “fortalecer o papel regulador do Estado e eliminar seu papel de empresário” mediante a privatização e a criação do órgão regulador. Cf.BRASIL, Ministério das Comunicações. Diretrizes Gerais para a Abertura do Mercado de Telecomunicações. Título II (Os fundamentos da proposta), Capítulo 2 (Os objetivos da reforma), Figura 6. Disponível na internet via WWW. On line: http://www.anatel.gov.br/index.asp?link=/biblioteca/Publicacao/Diretiz1.htm. Esclarecedora a posição exarada pelo Banco Mundial na Americas Telecom 2000, realizada entre 10 e 15 de abril de 2000, no Rio de Janeiro, quando seu representante, Carlos Braga, foi questionado pelo Governo de Porto Rico sobre a ausência de linhas de crédito para empresas estatais prestadoras de serviços de telecomunicações. A resposta revelou a decisão do Banco Mundial em somente fomentar o desenvolvimento de empresas privadas de telecomunicações em mercados livres, pois partiu do pressuposto de que a concentração do serviço de telecomunicações nas mãos do Estado não satisfaria as exigências de tecnologia e dinamização em um mundo globalizado. 115 As transformações implementadas ocorreram porque o controle da regulação pelo próprio gestor do serviço (DNAEE, DNER, TELEBRÁS, ELETROBRÁS) fazia prevalecer o interesse da burocracia (interesse secundário) sobre o interesse do consumidor (interesse primário). Cf. MARQUES NETO, Floriano Azevedo. A nova regulação estatal e as agências independentes. p. 77. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 72-98. 116 Esmiuçando o conceito de Estado Subsidiário, vide: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parceriais na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas. 3aed., São Paulo: Atlas, 1999, p. 24-31. 117 Cf.TÁCITO, Caio. Novas agências administrativas. In: Carta Mensal, Rio de Janeiro 45(529): 33-44, abril 1999, p. 34. 118 O Decreto 83.740/79 estebeleceu um Ministro Extraordinário do Programa Nacional de Desburocratização. Dentre os objetivos do Programa, estava o de “impedir o crescimento desnecessário da máquina administrativa federal, mediante o estímulo à execução indireta, utilizando-se, sempre que praticável, o contrato com empresas privadas capacitadas e o convênio com órgãos estaduais e municipais” (art.3 o, g, do Decreto 83.740/79). Visava, também, o incentivo de uma “política de contenção da criação indiscriminada de empresas públicas, promovendo o equacionamento dos casos em que for possível e recomendável a transferência do controle para o setor privado” (art.3o, h, do Decreto 83.740/79).
exploradas pelo Poder Público”119. O preceito ditado pelo art. 173, da Constituição Federal de 1988, de limitação da interferência do Estado na atividade econômica, exceto se presentes imperativos de segurança nacional ou relevante interesse coletivo, forneceu o arcabouço normativo para a introdução do Programa Nacional de Desestatização por intermédio da Medida Provisória 155/90 convertida na Lei 8.031, de 12 de abril de 1990. As forças políticas favoráveis ao novo modelo de política de descentralização encontraram ambiente favorável para aprovação das Emendas Constitucionais números 6, 8 e 9, de 1995, que possibilitaram a abertura dos setores de petróleo e telecomunicações ao capital estrangeiro e à iniciativa privada nacional mediante privatização de empresas estatais com a venda dos ativos públicos em telecomunicações.120 A partir de então, a assimetria regulatória foi eleita a palavra de ordem para viabilizar a convivência dos conceitos de competição (ou mais propriamente, ambiente concorrencial121) e da universalização. Tal assimetria, em termos gerais, significa a distinção de tratamento regulatório entre os participantes operacionais dos serviços públicos e das atividades a eles conexas. De um lado encontram-se os prestadores de serviços públicos sujeitos ao regime de direito público e, por isso, carregando ônus maiores para implementação dos seus objetivos; de outro lado, os prestadores de serviços em regime privado. Na relação entre eles, a assimetria regulatória desenha um parâmetro de competição, que exige diferença de tratamento normativo para possibilitar isonomia entre prestadores de serviços em regime público e privado. Essa nova estrutura regulatória ampliou a viabilidade do controle social da prestação de serviços públicos em virtude da abertura inserida nas estruturas das atuais agências reguladoras. Todas estas modificações na concepção de prestação de serviços e controle de atividades ainda foram acrescidas das inovações da Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998 – a conhecida Reforma Administrativa –, em que os conceitos de eficiência, produtividade, participação popular e autonomia viabilizaram novas formas de relação do Estado com órgãos, com entidades da administração direta e indireta, ou mesmo, com pessoas de direito privado, mediante contratos de gestão e fixação de metas de desempenho.
Espécies de regulação A regulação, assim entendida como atuação normativa e administrativa diuturna para reconfiguração do ambiente regulado, pode se apresentar em três categorias, a depender do critério de segmentação do que se pretende regular. Fala-se, assim, em regulação regional, geral ou setorial. Entende-se como regulação regional aquela voltada ao controle de atividades econômicas lato sensu, tendo em conta a divisão espacial federativa de poder político. Dita regulação regional pode ser identificada, no sistema brasileiro, nos regimes especiais de tributação.122 Neles, a intervenção por indução reflete uma regulação que leva em conta a disposição espacial de poder político.123 Trata-se também de regulação regional o chamado
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Art.1o, I do Decreto 95.886, de 29 de março de 1988. Para a análise do histórico dos dispositivos normativos da desestatização no Brasil, vide: MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 5aed., São Paulo: RT, 2001, p. 106 e seguintes. 121 Cf.CARVALHO, Carlos Eduardo Vieira de. Regulação de Serviços Públicos na Perspectiva da Constituição Econômica Brasileira. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. 122 CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988, art.151, I. 123 Da mesma forma, as chamadas sanções premiais são intervenção por indução, mas não se caracterizam como regulação regional e sim geral ou setorial dependendo do caso. Incentivos fiscais à indústria, em geral, para investimento em meio ambiente não se configuram regulação regional, mas geral sobre o subsistema 120
federalismo fiscal direcionado às regiões menos desenvolvidas com base na distribuição de percentuais do valor de certos impostos a fundos de desenvolvimento dessas regiões.124 Já, a regulação geral destina-se a implementar o controle estatal sobre a totalidade da economia independentemente da consideração de regiões ou setores125. A regulação geral está desconectada de setores da economia, desligando-se de um rol de prestações setoriais específicas, devendo, portanto, ser encarada como regulação de áreas de interesse estatal, como é o caso das opções políticas geradoras do regime jurídico do consumidor, da concorrência e do meio ambiente. Podem ser visualizadas, no Brasil: em certos entes reguladores estaduais e municipais126; nos mecanismos de controle da concorrência direcionados a todos os setores da economia127; nos mecanismos de proteção do consumidor; nas propostas sobre agência reguladora do meio ambiente128; e nos demais instrumentos fixadores de pautas em subsistemas jurídicos129. Finalmente, a regulação setorial diferencia-se das demais por operar em determinados segmentos de atividades definidas convencionalmente como afins. Temas como educação, saúde, telecomunicações, energia, petróleo, transportes, recursos hídricos, sistema financeiro, dentre outros, justificam a referência setorial. A regulação setorial é, sem dúvida, a mais representativa dos estudos de direito regulatório muito em virtude da coincidência de sua projeção em conjunto com as reformas estruturais do Estado brasileiro de meados da década de 1990. Exemplos históricos de entes estatais voltados à regulação de setores, ou à regulação de atividades específicas de setores, todos de interesse público, demonstram que este tipo de regulação não é recente no Brasil: Comissariado de Alimentação Pública, criado em 1918, de funções emergenciais voltadas a racionalizar as dificuldades de abastecimento advindas da primeira guerra mundial; Instituto de Defesa Permanente do Café, criado em 1923 e sucedido primeiramente pelo Conselho Nacional do Café, de 1931, e em seguida, pelo Departamento Nacional do Café, de 1933, até o aparecimento da autarquia de regulação econômica130 denominada Instituto Brasileiro do Café – IBC, em 1952131; Instituto do Açúcar
ordenamental ambiental. Se tais incentivos fiscais fossem dirigidos à determinado setor, eles se apresentariam também gravados do caráter de regulação setorial. 124 CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988, art.159, I, c. 125 AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social de serviços públicos. São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 214. 126 Como exemplo, vide, mais adiante, nota 196. 127 No Brasil, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). No Reino Unido, a Monopolies and Merger Commission (MMC). Nos EUA, a Federal Trade Commission (FTC). 128 Proposta de Carlos Ari Sundfeld na XVII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. “Talvez já seja a hora de pensar, também, na criação de agências reguladoras do meio ambiente independentes em relação ao Poder Executivo, para substituir os atuais órgãos incumbidos do assunto” (SUNDFELD, Carlos Ari. Op. cit., p. 1291). 129 É o caso do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central do Brasil. 130 À época de criação destas autarquias, costumava-se distinguir, por inspiração do direito italiano, entre autarquias econômicas, voltadas a regular a produção e o comércio, autarquias industriais, autarquias de crédito, autarquias de previdência, autarquias corporativas, autarquias educacionais. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Reforma do Estado: o papel das agências reguladoras e fiscalizadoras. p. 254. In: Fórum Administrativo, ano 1, nº 3, maio de 2001, p. 253-257. 131 O Instituto Brasileiro do Café (IBC) apresentava-se como entidade autárquica criada pela Lei 1.779, de 22 de dezembro de 1952. O art.1o, I, e da Lei 8.029, de 12 de abril de 1990, autorizou o Poder Executivo a extinguir o IBC, o que se concretizou com o Decreto 99.240, de 7 de maio de 1990. Atualmente, o Departamento do Café (DECAF) é responsável pelo planejamento, coordenação e supervisão das políticas públicas concernentes ao setor cafeeiro e integra a Secretaria de Produção e Comercialização na estrutura do Ministério da Agricultura e do Abastecimento.
e do Álcool – IAA, também uma autarquia de regulação econômica, criada em 1933132; Instituto Nacional do Mate, de 1938; Instituto Nacional do Sal, de 1940; Instituto Nacional do Pinho, de 1941; Departamento Nacional de Energia Elétrica – DNAEE, de 1968133, cujas funções foram assimiladas pela ANEEL; Conselho Nacional do Petróleo – CNP134. A eles, são acrescidas as atuais agências reguladoras federais135: AEB136; ANATEL137; ANEEL138;
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O Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) foi criado pelo Decreto 22.789, de 1o de junho de 1933. O art.1o, I, d da Lei 8.029, de 12 de abril de 1990 autorizou o Poder Executivo a extinguir o IAA, o que se concretizou com o art.1o, I, d do Decreto 99.240, de 7 de maio de 1990. O Decreto 99.288, de 6 de junho de 1990, transferiu as atribuições do extinto IAA para a Secretaria de Desenvolvimento Regional da Presidência da República (SDR/PR), que foi transformada em Secretaria do Ministério da Integração Regional (MIR) pela Lei 8.490, de 19 de novembro de 1992. Com a Medida Provisória 987, de 28 de abril de 1995, o Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo (MICT) assumiu os encargos do MIR. Em 22 de dezembro de 1995, o art.2 o, III, b do Anexo I do Decreto 1.757 criou o Departamento de Açúcar e do Álcool integrante da estrutura do então MICT. Finalmente, a Medida Provisória 1.911-8, de 29 de julho de 1999 transferiu para o Ministério da Agricultura e do Abastecimento a competência sobre a matéria de política sucroalcooleira, onde funciona o Departamento do Açúcar e do Álcool integrante da Secretaria de Produção e Comercialização na estrutura do Ministério da Agricultura e do Abastecimento. Atualmente, a política pública sucroalcooleira concentra-se no Programa de Equalização de Custos de Produção nos Estados do Nordeste em detrimento de programas de incentivo específico de plantadores de cana. Tal programa foi instituído pela Resolução nº 5, de 10/12/1998, do Conselho Interministerial do Açúcar e do Álcool (CIMA), criado pelo Decreto sem número de 21/08/1997 revogado pelo Decreto atual de regência do CIMA: Decreto 3.546, de 17/07/2000. 133 O DNAEE originou-se da Divisão de Águas (criada pelo Decreto 6.402, de 28/10/1940) do Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM – (criado na Reforma Juarez Távora, em agosto de 1934) então pertencente ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Com a criação do Ministério das Minas e Energia, em 1961, o DNPM foi vinculado a este ministério. Sua Divisão de Águas foi transformada no Departamento Nacional de Águas e Energia – DNAE (Lei 4.904, de 17/12/1965) e teve sua denominação alterada para Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica – DNAEE pelo Decreto 63.951, de 31/12/1968. 134 O Conselho Nacional do Petróleo (CNP) foi criado pelo Decreto nº395/38 e teve suas atribuições definidas pela Lei 2.004, de 03 de outubro de 1953. 135 Deste rol de agências reguladoras está excluída a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), que assimilou a terminologia aplicada às autarquias autônomas de regulação setorial, mas não detém suas características distintivas. A ABIN não tem personalidade jurídica própria. É um órgão integrante do Subsistema de Inteligência de Segurança Pública (art. 2o do Decreto 3.448/2000), criado no âmbito do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) da Presidência da República (arts. 1o e 3o da Lei 9.883/99), sob supervisão interna da Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Conselho de Governo (art. 5o da Lei 9.883/99) e sob controle externo do Congresso Nacional (art. 6o da Lei 9.883/99). Está sob a direção monocrática de um Diretor-Geral (art. 8o da Lei 9.883/99), ao contrário do modelo das agências reguladoras pautado em colegiados. Assemelha-se, contudo, às agências reguladoras no procedimento de nomeação de seu Diretor-Geral, mediante indicação e nomeação pelo Presidente da República após sabatina no Senado Federal (art. 11, parágrafo único da Lei 9.883/99). O Conselho Especial do Subsistema de Inteligência de Segurança Pública, sob administração da ABIN, é vinculado ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (art. 3o do Decreto 3.448/2000) e tem o seu Regimento Interno aprovado pelo Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, que é a via de interação da Agência com os interessados no exercício de seu direito a autodeterminação das informações pessoais. 136 Agência Espacial Brasileira (AEB) foi instituída pela Lei 8.854, de 10 de fevereiro de 1994, com competência, dentre outras, de estabelecer normas e expedir licenças e autorizações relativas às atividades espaciais (art.3º,XIII) bem como aplicar as normas de qualidade e produtividade em tais atividades (art.3º,XIV). 137 Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) foi instituída pela Lei 9.472, de 16 de julho de 1997, regulamentada pelo Decreto 2.338, de 7 de outubro de 1997, com função de disciplinamento e fiscalização da execução, comercialização e uso dos serviços de telecomunicações e da implantação e funcionamento de redes de telecomunicações, bem como da utilização dos recursos de órbita e espectro de radiofrequências. Tem fundo próprio submetido a sua exclusiva administração (Fundo de Fiscalização das Telecomunicações – FISTEL), criado pela Lei 5.070, de 7 de julho de 1966. 138 Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) foi instituída pela Lei 9.427, de 26 de dezembro de 1996 com a finalidade de regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, em conformidade com diretrizes do Governo Federal e com poderes regulamentados pelo Decreto 2.335, de 6 de outubro de 1997. Sucedeu ao Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE). Tem atribuição de
ANP139; ANVISA140; ANS141; ANA142; ANTT143; ANTAQ144; ANCINE145. O modelo brasileiro tem semelhança com modelos de regulação setorial implantados em outros países. No Reino Unido: OFWAT146; OFCOM147; OFGEM148. Nos Estados Unidos da América: ICC149; FCC150; FERC151. Na Alemanha: Bundesnetzagentur152; dentre vários outros. O
celebrar e gerir contratos de concessão e de permissão no setor e de dirimir, no âmbito administrativo, divergências entre concessionárias e consumidores. 139 Agência Nacional do Petróleo (ANP), instituída pela Lei 9.478, de 6 de agosto de 1997, teve suas atividades regulamentadas pelo Decreto 2.455, de 14 de janeiro de 1998. Como autarquia reguladora da indústria do petróleo, tem funções de normatização, contratação e fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo. 140 Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) foi instituída pela Lei 9.782, de 26 de janeiro de 1999 e teve suas atividades regulamentadas pelo Decreto 3.029, de 16 de abril de 1999. Sua sigla foi mudada de ANVS para ANVISA pela Medida Provisória 2.134-25, de 28/12/2000, produto de modificação das prorrogações da Medida Provisória originária de número 1.814, de 26/02/1999. Autarquia especial vinculada ao Ministério da Saúde, tem por objetivos, dentre outros, promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle de portos, aeroportos e de fronteiras. 141 Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) foi criada pela Lei 9.961, de 28 de janeiro de 2000, também vinculada ao Ministério da Saúde e com a finalidade de promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, normatizando a atuação das operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores, contribuindo para o desenvolvimento de ações em âmbito nacional. 142 Agência Nacional das Águas (ANA) foi instituída pela Lei 9.984, de 17 de julho de 2000, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, integrante do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recurso Hídricos. 143 Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), instituída pela Lei 10.233, de 5 de junho de 2001, autarquia especial supervisionada pelo Ministério dos Transportes com independência administrativa, autonomia financeira e funcional e mandato fixo de seus dirigentes (art.21,§2º) e competência para regulação do transporte ferroviário de passageiros e cargas ao longo do Sistema Nacional de Viação (art.22,I), de exploração da infraestrutura ferroviária e arrendamento dos ativos operacionais correspondentes (art.22,II), do transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros (art.22,III), do transporte rodoviário de cargas (art.22,IV), da exploração da infraestrutura rodoviária federal (art.22,V), do transporte multimodal (art.22,VI) e do transporte da cargas especiais e perigosas em rodovias e ferrovias (art.22,VII). 144 Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), instituída pela Lei 10.233, de 5 de junho de 2001, autarquia especial supervisionada pelo Ministério dos Transportes com independência administrativa, autonomia financeira e funcional e mandato fixo de seus dirigentes (art.21,§2º) e competência para regular a navegação fluvial, lacustre, de travessia, de apoio marítimo, de apoio portuário, de cabotagem, de longo curso (art.23,I), os portos organizados (art.23,II), os terminais portuários privativos (art.23,III), o transporte aquaviário de cargas especiais e perigosas (art.23,IV) e a exploração da infraestrutura aquaviária federal (art.23,V). 145 Agência Nacional do Cinema (ANCINE), instituída pela Medida Provisória 2.228, de 6 de setembro de 2001, autarquia especial supervisionada pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior com autonomia administrativa e financeira (art.5º,caput) e mandato fixo de seus dirigentes (art.8º,caput) e competência para regular as atividades cinematográficas e videofonográficas (art.7º). 146 Office of Water Services (OFWAT), cujo Diretor (Director General of Water Services) vem definido como o regulador econômico da indústria de água e esgoto da Inglaterra e do País de Gales na Parte I, Artigo 1º, Parágrafo 1º, do Water Industry Act 1991 (WIA91), fixando preços pelos serviços de fornecimento de água e de esgoto, fiscalizando a qualidade dos serviços, fiscalizando a saúde das empresas do setor, incentivando a eficiência e a competição. 147 Precedida pela OFTEL (Office of Telecommunications), que fora criada pelo Telecommunications Act de 1984, a Office of Communications (OFCOM), com formato definido pelo Communications Act de 2003, assimilou, dentre outras, as competências da OFTEL e hoje se apresenta como reguladora da indústria de comunicações do Reino Unido, envolvendo serviços de televisão, rádio, telecomunicação e comunicação sem fio. 148 The Office of Gas and Electricity Markets (OFGEM) surgiu da reunião do OFFER (Office of Electricity Regulation) com o OFGAS (Office of Gas Suply), cujas bases normativas remontam ao Gas Act de 1986. Trata-se do regulador da indústria britânica de gás e eletricidade. 149 Interstate Commerce Commission (ICC), festejada como a primeira agência reguladora federal norteamericana, foi instituída pelo Interstate Commerce Act de 1887 destinada a regular transportes em geral, à exceção do transporte aéreo, tendo sido extinta em 1995.
modelo também encontra sintonia no ambiente internacional: UIT153; OMS154; FAO155; UNESCO156; UPU157; IAEA158, e está apoiado na divisão funcional ligada a conjuntos de temas unidos por um conhecimento técnico-científico específico. Das espécies de regulação anteriormente apresentadas, a que maior presença institucional obteve na década de 1990, em âmbito federal, no Brasil, foi a setorial, revelando a preocupação de reestruturação estatal e investimento em instituições capazes de promover o preenchimento normativo de diretrizes regulatórias atualizáveis no ritmo de alteração da própria atividade regulada, ou seja, em instituições capazes de promover à regulação, atuando retroalimentada pelas reconfigurações diuturnas do setor. Visualizado o campo de atividades que demanda intromissão estatal, seja pela natureza da atividade, seja pela finitude159 do meio de sua manifestação, ou mesmo pelo dever estatal de otimização do potencial uso de um bem público, as instituições reguladoras passaram a desempenhar papel nuclear na dinâmica organizacional daquelas atividades. Por força da novidade terminológica das agências reguladoras, o resgate de estruturas administrativas do passado revelará aspectos mais precisos do formato de regulação setorial adotada no Brasil.
Estruturas de Regulação Setorial Conselhos Econômicos A partir da década de 1930, surgiram, no Brasil, os assim chamados conselhos econômicos resultantes da ampliação e da especialização das atividades estatais. A origem160 da preocupação de criação de conselhos consultivos para fornecimento de bagagem técnica às decisões políticas foi evidenciada na Constituição Federal brasileira de 1934, que facultou a criação, por lei ordinária, de Conselhos Technicos e Conselhos Geraes para assistirem os 150
Federal Communications Commission (FCC), instituída pelo Communications Act de 1934 e qualificada como agência independente, responde pela regulação da comunicação interestadual e internacional por rádio, televisão, par de cobre, satélite ou cabo. 151 Federal Energy Regulatory Commission (FERC), foi a sucessora da antiga Federal Power Commission (FPC), que, embora existente desde 1920, adquiriu as características de uma agência governamental independente a partir de 1930. Criada em 1977, a FERC é citada oficialmente como agência governamental independente que regula a transmissão interestadual de gás natural, petróleo e eletricidade dos Estados Unidos da América. 152 Regulierungsbehörde für Telekommunikation und Post (RegTP), trata-se da Autoridade Reguladora para Telecomunicações e Correios da Alemanha, entidade reguladora dos setores de telecomunicações e correios instituída a partir de 1996 com a correspondente Lei Geral de Telecomunicações (Regelungen des Telekommunikationsgesetzes – TKG). Em 13 de julho de 2005, foi renomeada para Bundesnetzagentur. Cf.FARIA, Patrick. A Agência Federal de Redes na República Federal da Alemanha. In: Anais do I Seminário de Regulação de Serviços Públicos - Direito Comparado da Energia Elétrica e das Telecomunicações. Brasília, 2007. 153 União Internacional de Telecomunicações (International Telecommunication Union – ITU). 154 World Health Organization (WHO) – Organização Mundial da Saúde (OMS). 155 Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO). 156 United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO). 157 Universal Postal Union International (UPU). 158 International Atomic Energy Agency (IAEA) – Organismo Internacional de Energia Atômica (OIEA). 159 No setor de telecomunicações, o espectro de radiofrequência e os recursos de órbita são exemplos de bens finitos ou escassos. 160 Já na primeira metade do século XIX, os conselhos administrativos eram tidos como auxiliares dos agentes políticos “para que a deliberação e a ação que [deles] resulta seja ilustrada e acertada; para que esta melhor possa ser fiscalizada; para que a responsabilidade seja mais patente e justa” (URUGUAI, Paulino José Soares de Souza, Visconde de. Ensaio sobre o direito administrativo. Fac-símile da edição de 1960, Brasília: Imprensa Nacional, 1997, p. 126).
Ministérios, chegando mesmo a vincular a deliberação do Ministro de Estado correspondente.161 Embora a Constituição de 1934 previsse expressamente o Conselho Superior de Segurança Nacional (art. 159) e o Conselho Nacional de Educação (art. 152), a repercussão prática da novidade foi tímida, resumindo-se à criação do Conselho Nacional de Educação pela Lei 174, de 1936, e à previsão, na Constituição de 1937 (arts. 57 a 63) do Conselho da Economia Nacional, que não se repetiu nas constituições de 1946 (art. 148, caput) e 1967 (art. 57, VI), inclusive Emenda Constitucional n.1, de 1969 (art. 160, V). Da imprecisão semântica dos conselhos, podem-se extrair, todavia, certos elementos conceituais como o da colegialidade de funções, cuja definição weberiana se dá por sua oposição à autoridade monocrática162. O plural, o corpo, o coletivo, a reunião, enfim, a assembléia decisória fazem parte do significado histórico dos conselhos. Tais características incrementam o caráter institucional de convencimento e discussão, chegando, no direito espanhol, a ser erigido à condição de princípio definidor da natureza dos órgãos consultivos163. A colegialidade permite, assim, maior profundidade das decisões, que é obtida às custas de maior grau de imprecisão e morosidade.164 Ela divide a responsabilidade da decisão, atomizando-a em manifestações parciais.165 Pode-se dizer, portanto, que isenção, profundidade e morosidade identificam a forma colegial de decisão. Entretanto, não depõem, a priori, contra ou a favor do modelo de decisão colegial, mas indicam os limites para sua manifestação. A presença dos conselhos pode ser vista como uma resposta estatal ao desequilíbrio gerado pela especialização do ambiente privado sobre determinados setores tidos por relevantes para o Estado. O conhecimento especial superior dos interessados atores de um determinado setor da economia, que, por serem partes, são naturalmente facciosos, somente pode ser contrastado mediante a presença de conselhos econômicos no ambiente estrutural do Estado para nortearem a regulação estatal. A 161
CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1934: “Art.103.Cada Ministerio será assistido por um ou mais Conselhos Technicos, coordenados, segundo a natureza dos seus trabalhos, em Conselhos Geraes, como órgãos consultivos da Camara dos Deputados e do Senado Federal. §1oA lei ordinaria regulará a composição, o funccionamento e a competencia dos Conselhos Technicos e dos Conselhos Geraes. §2oMetade, pelo menos, de cada Conselho será composta de pessoas especializadas, estranhas aos quadros do funccionalismo do respectivo Ministerio. §3oOs membros dos Conselhos Technicos não perceberão vencimentos pelo desempenho do cargo, podendo, porém, vencer uma diaria pelas sessões, a que comparecerem. §4 oÉ vedado a qualquer Ministro tomar deliberação, em materia da sua competencia exclusiva, contra o parecer unanime do respectivo Conselho.” (CAMPANHOLE, Hilton Lobo; CAMPANHOLE, Adriano. Constituições do Brasil. 13aed., São Paulo: Atlas, 1999, p. 712). 162 Max Weber utiliza o conceito de colegialidade como meio específico de mitigação da dominação. A colegialidade de funções diferencia-se, no pensamento de Weber, da colegialidade de cassação. Nesta última, persiste a decisão monocrática em meio a outras instâncias monocráticas de adiamento ou cassação da decisão. Na colegialidade de funções, a autoridade monocrática é substituída pela autoridade institucional, em que a vontade de um é substituída pela cooperação de alguns. Conferir, a respeito: WEBER, Max. Economia e sociedade. Vol.I, Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1991, p. 178-188. 163 Sobre o princípio da colegialidade, García-Trevijano Fos esclarece que “constitui (....) o último dos que integram as bases fundamentais de toda organização administrativa. Dividíamos os órgãos em ativos, deliberantes, consultivos e de controle. Teoricamente, todos eles podem ser unipessoais ou colegiados com uma única exceção: a dos órgãos consultivos, que têm sempre natureza colegial (....). Os órgãos ativos costumam ser – na administração geral do Estado – unipessoais. Os de controle costumam ser, ao contrário, colegiados.” – tradução livre do original: FOS, Jose Antonio Garcia-Trevijano. Tratado de derecho administrativo. Tomo II, Vol. I, 2ªed., Madri: Editorial Revista de Derecho Privado, 1971, p. 480. 164 Ao analisar os progressos do princípio burocrático monocrático, Weber aponta defeitos e virtudes da forma colegial de decisão: “O trabalho organizado em forma colegial (...) condiciona atritos e retardações, compromissos entre opiniões e interesses contraditórios, realizando-se, portanto, com menos precisão e menos dependência de autoridades superiores e, por isso, de maneira menos uniforme e mais lenta” (WEBER, Max. Economia e sociedade. Vol. II, Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999, p. 212). 165 WEBER, Max. Economia e sociedade. Vol. I, Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1991, p. 183.
existência dos conselhos segue uma constatação de Max Weber, de que o conhecimento técnico dos privados é superior ao da burocracia pública. Daí a importância de uma estrutura poderosa, especializada e independente para o exercício da atividade regulatória, que tenha acesso ao conhecimento técnico produzido em nível dos conselhos, ou mesmo, em nível acadêmico-institucional.166 Opõe-se a tal constatação de imprescindibilidade dos conselhos, sua imprecisão terminológica e consequente aplicação casuísta. No que tange à imprecisão terminológica, tem-se a divisão entre conselhos de especialização, conselhos consultivos e instâncias colegiais controladoras. De um lado, há as corporações de especialização, que são formadas dentro da estrutura burocrática estatal por técnicos habilitados em razão de seus conhecimentos especiais. Ditas corporações ombreiam com as corporações consultivas, que, na classificação de Weber, são formadas por interessados privados no setor em pauta. Por outro lado, as instâncias colegiais controladoras estão presentes nas conformações burocráticas da economia privada, como o conselho fiscal de uma empresa.167 Dita classificação, no entanto, não foi absorvida pela prática institucional brasileira, o que não impede a conclusão de que há ao menos duas formas essencialmente distintas de manifestação dos conselhos: os de produção de massa crítica para outros atores do processo decisório estatal; e os de influência no processo decisório por parte do diálogo estabelecido entre o Estado e o setor regulado, diálogo este inserido na instituição estatal dos conselhos, ou seja, na possibilidade da interferência dos interessados na escolha dos temas e na solução dos problemas referentes ao setor de atividades visado. Seguindo esta classificação, os conselhos integrantes da estrutura estatal diferenciam-se das instâncias colegiais controladoras presentes na economia privada pelo critério da força das decisões. Os conselhos presentes na economia privada fornecem a própria deliberação perseguida, enquanto os da esfera estatal refletem funções basicamente técnicas e opinativas. Emerge destas constatações, que o conceito de conselho, embora tenha hoje perdido sua dimensão inicial, tem sua contribuição de conceito geral do qual derivaram outros atualmente festejados, como o de comissão e o de agência. Antes, os conselhos exerciam função meramente consultiva, mas, com o tempo, alguns deles foram além em face de sua especialização e de sua condição de complexos perenes frente a autoridades efêmeras.168
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“Superior ao conhecimento especial da burocracia é apenas o conhecimento especial dos interessados da economia privada, na área „econômica‟. Isto porque, para eles, o conhecimento exato dos fatos de sua área é diretamente uma questão de sua existência econômica: erros numa estatística oficial não trazem consequências diretamente econômicas para o funcionário responsável, mas erros nos cálculos de uma empresa capitalista causam-lhe perdas, ameaçando, talvez, sua existência. E também o „segredo‟, como meio de poder, está mais seguramente guardado no livro comercial de um empresário do que na documentação das autoridades. Já por isso, a influência oficial sobre a vida econômica, na era capitalista, tem limites muito estreitos, e as medidas do Estado nesta área desembocam tão frequentemente em caminhos imprevistos e despropositados ou tornam-se ilusórias devido ao conhecimento especial superior dos interessados” (WEBER, Max. Economia e sociedade. Vol. II, Brasília. Editora Universidade de Brasília, 1999, p. 227). 167 Ibid., p. 228-229. 168 O trecho a seguir é esclarecedor da abertura conceitual sofrida pelo conceito de conselho: “Enquanto o conhecimento especial em assuntos administrativos era exclusivamente produto de longa prática empírica e as normas administrativas não eram regulamentos, mas componentes da tradição, o conselho dos anciãos, muitas vezes com participação dos sacerdotes, dos “velhos estadistas” e dos honoratiores, era tipicamente a forma adequada de tais instâncias, que inicialmente apenas aconselhavam o senhor, porém, mais tarde, por serem complexos perenes diante dos soberanos alternantes, frequentemente usurpavam o poder efetivo. Assim, o senado romano e o conselho veneziano, bem como o areópago ateniense até sua derrubada em favor do domínio dos „demagogos‟.” (Ibid., p. 228).
A abertura conceitual do termo conselho gerou o surgimento de outros termos que denotam vinculação decisória para se contraporem ao aspecto consultivo agregado aos conselhos hoje existentes. Isso não quer dizer que todos os conselhos do Estado brasileiro estejam maculados com a função meramente consultiva169, mas esta é, sem dúvida, a característica mais difundida.170 O aspecto consultivo dos conselhos inseriu neles a demanda de composição plural para formação de consenso.171 A participação de diversas tendências e interesses erigiu-os a colaboradores e principais enriquecedores da discussão implementada em outras instituições decisórias. Isso é melhor visualizado na recente criação de conselhos no âmbito das agências administrativas reguladoras.172 Conselhos versus Agências A procura por índices de diferenciação entre os conselhos e as agências esbarra na consciência de que os critérios daí extraídos são muito mais apanhados de aspectos formais reincidentes do que propriamente distinções de essência entre as duas instituições. Não se pode esquecer a paulatina evolução conceitual dos conselhos, desembocando na imprecisão dos termos que hoje designam as instituições estatais de controle. Mas esta constatação não chega ao ponto de desmerecer divisões didáticas, que existem para possibilitar a melhor visualização do contexto conceitual de conselhos e agências. Desse modo, no tocante ao seu funcionamento, os conselhos estão voltados à solução de questões específicas em razão das quais houver sido suscitada sua reunião, enquanto as agências possuem um quadro permanente destinado a funcionamento ostensivo. Por isso, em geral, os membros de conselhos não se afastam de outras funções na esfera pública ou privada, ao passo que se exige, dos membros de agências, especial dedicação à atividade que lá desempenham.173 A personalidade jurídica de direito público interno é da essência das agências administrativas, enquanto os conselhos, em geral, consubstanciam-se em órgãos, portanto, centros de competências despersonalizados do Estado. Enfim, a agência, enquanto terminologia, surgiu, no Brasil, na década de 1990, respondendo a uma demanda de precisão terminológica das colegialidades funcionais de caráter regulatório, que eram relegadas 169
São exemplos conhecidos de “conselhos” com função decisória, no Brasil, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e os Conselhos de Contribuintes. O Conselho Nacional de Desestatização – CND, criado pela Lei 8.031/90 e integrado por cinco ministros de estado tem amplos poderes sobre todo o processo de privatização, desde a escolha das atividades ou empresas a serem privatizadas até a forma de privatização e o destino dos recursos. Eventualmente deliberam nas sessões, o presidente do Banco Central e outros ministros de Estado. O presidente do Conselho é o Ministro do Planejamento e Orçamento. Mesmo o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), com atribuição de propor medidas relativas aos recursos energéticos ao Presidente da República (art.2o da Lei 9.478/97), transpareceu vinculação das suas emanações por força do Decreto 2.455/98, que, ao estabelecer as finalidades da Agência Nacional do Petróleo, vinculou-a às diretrizes emanadas do Conselho Nacional de Política Energética (art.2o do Decreto 2.455/98), que foge à característica meramente consultiva em razão de seu funcionamento periódico e função específica de propostas políticas energéticas. Não se quer dizer com isso que suas decisões vinculam sem a necessária aprovação do Presidente da República. 170 A presença, na Constituição Federal brasileira de 1988, do Conselho da República e do Conselho de Defesa Nacional como órgãos meramente opinativos é significativa. 171 Nem todos os exemplos são tão lúcidos assim. O Conselho Monetário Nacional (CMN) tem sua composição restrita a 3 membros do Executivo exclusivamente, quais sejam: Ministro de Estado da Fazenda; Ministro de Estado do Planejamento e Orçamento; Presidente do Banco Central. Funcionam junto ao Conselho Monetário Nacional comissões consultivas estritamente técnicas (Normas e Organização do Sistema Financeiro, Mercado de Valores Mobiliários e de Futuros, Crédito Rural, Crédito Industrial, dentre outros). 172 Como exemplo, a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) comporta um Conselho Consultivo definido como órgão de “participação institucionalizada da sociedade na Agência” (art.33 da Lei 9.472/97). 173 AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social de serviços públicos. São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 226.
a adotarem os conceitos de conselhos ou comitês e que, assim, não transpareciam, de imediato, suas referidas peculiaridades, sofrendo, como sofriam, ingerência política acentuada.174 O caso do Conselho Nacional de Telecomunicações (CONTEL) é exemplo de conselho criado com características autônomas de comissão interministerial175, ou mesmo, de órgão similar à Federal Communications Commission (FCC) norte-americana176, que foi sendo progressivamente esvaziado e suplantado pela Administração direta do Estado. Com isso, pode-se definir agência administrativa como uma autarquia177 especial identificada como instituição estatal de regulação operacional ou normativa, que passou a integrar os aspectos estruturais e organizacionais do Estado para fins de especialização, celeridade e maior autonomia decisória. Tais características das agências administrativas vêm mensuradas para que sua atuação, embora protegida da influência variável da política de governo, permaneça vinculada à política de Estado, pois os aspectos de segregação da agência frente ao Estado somente se justificam para o alcance da finalidade de sua existência, qual seja, a desobstrução do formalismo burocratizante de seus procedimentos178, desde que instrumental ao cumprimento dos fins públicos que qualificam uma autarquia. As agências administrativas dividem-se em duas modalidades no Brasil: agências executivas; e agências reguladoras. Destas, as agências reguladoras alcançaram status evidente na organização (aspecto dinâmico) e estruturação (aspecto estático) do Estado brasileiro de finais do século XX.
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Sobre os conselhos, “continuava a operar, de direito ou de fato, o controle político, pela via de supervisão ministerial e a competência do Congresso, definindo metas e a atribuição de recursos” (TÁCITO, Caio. Novas agências administrativas. In: Carta Mensal, Rio de Janeiro 45(529): 33-44, abril 1999, p. 36). 175 Considerando o CONTEL como comissão interministerial, vide: BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Mandado de Segurança n. 19.227/DF, relator Min. Themístocles Cavalcanti, Tribunal Pleno, unânime, j. 09/04/1969. 176 Murilo César Ramos analisa a semelhança entre o CONTEL brasileiro e a FCC norte-americana e atesta o processo de centralização ministerial como o fator de extinção do órgão regulador das telecomunicações no Brasil ao falar do “órgão colegiado criado pelo Código Brasileiro de Telecomunicações, emulado, ainda que frouxamente, na Federal Communications Commission (FCC) norte-americana. CONTEL que iria ser esvaziado progressivamente até sua extinção total nos anos 70, substituído de fato e de direito por um Ministério altamente centralizador e concentrador de poder.” (RAMOS, Murilo César. Saúde, novas tecnologias e políticas públicas de comunicações. In: PITTA, Áurea Maria da Rocha (org). Saúde & Comunicação: visibilidades e silêncios. São Paulo: Hucitec, 1995. p. 69-70). 177 Expressão originária do italiano autarchia. O termo “foi usado pela primeira vez pelo publicista italiano Santi Romano, em 1897, para identificar a situação de entes territoriais e institucionais do Estado unitário italiano” (MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 5aed., São Paulo: RT, 2001, p. 77). O conceito basilar de autarquia está na personalidade jurídica dotada de auto-administração e autosuficiência, conforme enuncia a doutrina italiana em face de sua etimologia: “A palavra italiana „autarquia‟ traduz duas expressões gregas distintas e tem dois significados em virtude desta origem distinta: em um primeiro significado, indica a condição de um sujeito que é capaz de bastar a si próprio, de prover suas próprias necessidades (autosuficiência); no segundo, serve para indicar a posição de um ente a quem é reconhecida a capacidade de se governar, de administrar os próprios interesses (auto-administração)” (ZANOBINI, Guido. Corso di diritto amministrativo. Vol. I, 8ªed., Milão: Dott. A. Giuffrè Editore, 1958, p. 124). Tradução livre do original: “La parola italiana „autarchia‟ traduce due diverse parole greche e ha due significati, secondo che deriva dall‟una o dall‟altra di esse: in um primo significato, indica la condizione di un soggetto che è capace di bastare a se stesso, di provvedere da sè ai propri bisogni (autosufficienza); nel secondo, vale a indicare la posizione di un ente cui è riconosciuta la capacità di governarsi da sè, di amministrare da sè i propri interessi (autoamministrazione)”. 178 TÁCITO, Caio. Op. cit., p. 37.
Agências Executivas versus Agências Reguladoras Previstas na segunda metade da década de 1990179, as agências executivas significam um signo, sinal, insígnia, rótulo, enfim, um símbolo identificador da regulação operacional descentralizada. O nome „executiva‟ indica que suas atribuições não são normativas, mas operacionais. Sua criação busca administrar políticas públicas em matéria de serviços públicos, diferenciando-as das agências reguladoras, que se preocupam também com o preenchimento normativo secundário a partir das políticas públicas oriundas do processo legislativo primário. O foco das agências reguladoras, portanto, é a regulação normativa. A diferença entre agências executivas e reguladoras é, portanto, funcional. Agências executivas são autarquias e fundações públicas federais180 que se candidatam a receber a insígnia de agência executiva, mediante submissão a um contrato de gestão, onde se estabelecem metas a serem alcançadas mediante apresentação de um plano estratégico de reestruturação e desenvolvimento e níveis de qualidade na prestação de serviços a usuários. A formação da agência executiva implica processo interno de autonomia181. O rótulo de agência executiva, no entanto, não transforma a natureza da pessoa jurídica de direito público interno, que continua como autarquia ou fundação pública182. O que ocorre é que estas autarquias ou fundações públicas com status de agências executivas são destinatárias de mais um rol de normas que estabelecem prerrogativas especiais derivadas da lei e que não derrogam o regime público – e nem poderiam –, mas amenizam as limitações intestinas à própria estrutura hierárquica da Administração Pública, refletindo-se, por exemplo, na maior autonomia para abrir concursos, desde que haja vagas e recursos disponíveis, podendo editar regras próprias de avaliação dos servidores para progressão funcional, além da impossibilidade, por parte do Executivo, de contingenciamento de recursos. Em troca desses benefícios, surgem deveres específicos da autarquia para com o poder central, deveres estes derivados do contrato de gestão firmado. Por isso, a agência executiva, em si mesma, não é exceção ao regime público, desde que compreendida a extensão do que pode vir a ser tratado no contrato de gestão. As críticas183 dirigidas às agências executivas, portanto, não revelam incoerência de concepção, mas evidenciam o risco da utilização de seu conceito para ultrapassagem de fronteiras impostas pelo regime público. A novidade no sistema das agências executivas está na sua íntima conexão com as propostas recentes de compromisso da própria entidade da administração indireta com o poder central e de aferição de resultados como requisito de sua sobrevivência184, algo caro à 179
Lei 9.649, de 27 de maio de 1998, produto da Medida Provisória 1.549-28, regulada pelos Decretos 2.487 e 2.488, ambos de 2 de fevereiro de 1998. 180 Fala-se em autarquias e fundações públicas federais, pois a lei criadora das agências executivas é federal. Isso não impede a criação de agências executivas semelhantes às federais no âmbito estadual e municipal, desde que existam leis destes entes para embasarem o ato da Administração. 181 TÁCITO, Caio. Op. cit., p. 36. 182 Em razão de sua natureza jurídica de direito público interno, a ela se aplica o rol de características publicistas, tais como: responsabilidade objetiva do poder; controle dos atos estatais; fundamentação dos atos do poder; discricionariedade; publicidade; transparência; supremacia do interesse público; legalidade estrita; processo de produção de atos do poder; dever de prestar contas; licitação etc. A respeito da caracterização do regime de direito público, conferir a obra precisa, embora sintética e introdutória: SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. São Paulo: Malheiros, 1992. 183 Quanto aos efeitos do decreto, qualificando autarquias ou fundações como agências executivas, Di Pietro defende que “dificilmente se poderá ampliar a autonomia dessas entidades, por meio de decreto ou de contrato de gestão [embora deixando em aberto à lei prevista no art.37, §8o da CF/88 a possibilidade de ampliação de dita autonomia], porque esbarrarão os mesmos em normas legais e constitucionais” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 11aed., São Paulo: Atlas, 1999, p. 388). 184 Nas agências executivas, predomina “o sentido de prévio compromisso e a aferição de resultados como requisito de sobrevivência” (TÁCITO, Caio. Op. cit., p. 39).
proposta, cuja tramitação se iniciou no Congresso Nacional em 2004, para aplicação do contrato de gestão também a todas as agências reguladoras brasileiras. A criação de uma agência executiva, enfim, por se tratar tão-somente de signo aposto a uma entidade de direito público preexistente, depende de Decreto do Presidente da República, após o processo previsto na Lei 9.649/98, cuja primeira concretização ocorreu na qualificação do Instituto Nacional de Metrologia, Normatização e Qualidade Industrial (INMETRO) como agência executiva, por meio do Decreto sem número de 29 de julho de 1998. Por outro lado, como instituições de regulação, em regra, setorial, as agências reguladoras ou agências reguladoras e fiscalizadoras brasileiras185 surgiram como mecanismos reguladores normativos, que operam com poderes de supervisão, fiscalização e normatização186 de atividades, sendo dotadas de maior agilidade na implementação de políticas públicas em razão de sua estrutura especializada. Foram um novo passo no processo descentralizador187 da Administração Pública, que se diferenciou dos anteriores pela visível postura de maior desvinculação de suas decisões frente a pressões políticas, como também à tentativa de redirecionamento da política regulatória para os interesses dos usuários dos serviços concedidos, permitidos ou simplesmente fiscalizados. A inserção dos serviços em um regime especial, que partilha a competição com os desígnios sociais, fez com que as agências reguladoras brasileiras desempenhassem três tipos de regulação: regulação dos serviços públicos, que são de titularidade do Estado; regulação das atividades econômicas stricto sensu, que são de titularidade dos particulares; e regulação social, mediante vinculação do setor ao dever de generalidade dos serviços, de cumprimento da função social da propriedade afeta ao serviço, ou mesmo, de potencialização do uso de bens públicos essenciais ao serviço regulado. Como se pode notar, as categorias regulatórias variam, mormente segundo critérios de escopo da atividade reguladora: regional, geral, setorial, sobre serviços públicos, sobre atividades econômicas em sentido estrito, rumo à princípios de regulação social, dentre outros. A singularidade das agências reguladoras na estrutura administrativa do Estado brasileiro não está isolada como política pública, mas inserida no flanco de um movimento de objetivos mais abrangentes, cuja compreensão é exigida para formação de visão multifacetada sobre este fenômeno estatal. Por detrás da criação das agências reguladoras, há política pública voltada à consecução de medidas que aumentem a atratividade do mercado brasileiro para o financiamento de infraestrutura. Em outras palavras, a introdução do modelo de agências reguladoras na Administração Pública brasileira resultou da identificação de um déficit de
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FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Reforma do Estado: o papel das agências reguladoras e fiscalizadoras. In: Fórum Administrativo, ano 1, nº 3, maio de 2001, p. 253-257. 186 No Brasil, as agências reguladoras manifestam-se por diversos atos (súmula, aresto, ato, portaria, consulta, resolução). Destes, somente a resolução tem propriamente caráter normativo qualificado como um poder nãodelegado e “temperado” (CUÉLLAR, Leila. As agências reguladoras e seu poder normativo. São Paulo: Dialética, 2001, 142) ou mesmo como uma espécie de alargamento do poder normativo do Executivo por intermédio de lei-quadro (loi-cadre) correspondente (BRUNA, Sérgio Varella. Agências reguladoras: poder normativo, consulta pública e revisão judicial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 73). Nos EUA, têm-se como exemplos da diversidade de atos produzidos no âmbito das agencies norte-americanas dotadas de poder normativo: rules, adjudicatory orders, licenses, policy statements, manuals, circulars, memoranda, advisory opinions, waivers, recommendations, regulations (MASHAW, Jerry L. Gli atti sub-legislativi di indirizzo della pubblica amministrazione nell‟esperienza degli USA. p. 117. In: CARETTI, Paolo & SIERVO, Ugo de. Potere regolamentare e strumenti di direzione dell’amministrazione: profili comparatistici. Bolonha: Il Mulino, 1991, p. 111-140). 187 TÁCITO, Caio. Op. cit., p. 34.
regulamentação traduzido nos seguintes aspectos188, cuja concretização persegue: política tarifária definida e estável; marcos regulatórios mais claros, que detalhem as relações entre os diversos atores de cada setor, seus direitos e obrigações; mecanismo ágil e eficiente para a solução de divergências e conflitos entre o poder concedente e a concessionária; garantias contra os riscos econômicos e políticos dos investimentos em setores econômicos. Ditos aspectos contribuíram para a criação de entes reguladores setoriais dotados de atributos de especialidade, imparcialidade e autonomia decisória. As novas características de maior autonomia e promoção dos interesses dos usuários são, portanto, comumente esclarecidos por sua motivação de aproximação ao mercado e de incentivo à competição, argumentos estes que fugiriam à tradição jurídico-institucional brasileira.189 O modelo adotado na década de 1990, no Brasil, entretanto, não se rende a dita simplificação. Nem mesmo a afirmação de semelhança entre dito modelo e o praticado nas commissions190 norte-americanas191, inicialmente esboçadas nas chamadas railroad commissions192, é convincente, já que o pressuposto existente no modelo brasileiro de titularidade de grande gama de atividades prestacionais pelo próprio Estado não encontra, segundo uma abordagem jurídico-formal, similar no modelo norte-americano. Pode-se, entretanto, afirmar que as agências reguladoras servem como modelo regulador alternativo à regulação pelo próprio mercado ou à regulação por intermédio de contratos administrativos. As agências reguladoras vieram nesse contexto de satisfação da demanda por prestação de serviços públicos e fiscalização de serviços privados mediante regulação. Enfim, o modelo brasileiro de agências reguladoras assimila, em uma mesma estrutura administrativa, duas formas de regulação de setores, quais sejam: controle de
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MORAES, Luiza Rangel de. A reestruturação dos setores de infra-estrutura e a definição dos marcos regulatórios. In: PAULA, Tomás Bruginski de; REZENDE, Fernando (coordenadores). Infra-estrutura: perspectivas de reorganização (Caderno de Regulação). Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 1997, p. 12. 189 Fala-se, então, da dificuldade de assimilação do novo modelo de “instituições independentes e com grande autonomia de ação” (Ibid., p. 5). 190 Parker assimila o conceito de commission ao de independent agency. Também registra a qualificação de quarto poder atribuída às independent agencies norte-americanas pelos órgãos de cúpula dos poderes Legislativo e Executivo. Conferir: PARKER, Reginald. Administrative Law. Indianápolis: The Bobbs-Merrill Company, 1952, p. 94: nota 62. 191 Deve-se atentar para a consideração de Caio Tácito sobre a impropriedade da aproximação exagerada entre os conceitos de agências reguladoras do Brasil e as commissions dos EUA, pois ela seria “antes terminológica do que real” (TÁCITO, Caio. Op.cit., p. 37). Há, entretanto, aproximações úteis à compreensão das agências reguladoras: a) o interesse no estudo do conceito de public utility commission regulation está na discussão e fixação do grau de interferência do Poder Judiciário nas suas decisões. A análise dos limites dos clássicos cases envolvendo as commissions norte-americanas pode ser conferida em: CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Tratado de direito administrativo. Vol. II, 5ªed., Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1964, p. 496-499. Desta discussão surge a extensão do poder revisório judicial frente à discricionariedade do ato administrativo regulatório estatal; b) a origem da cogitação das commissions aproxima-se muito do objetivo das agências reguladoras brasileiras, pois aquelas foram introduzidas com intuito de otimizar o controle das atividades estatais delegadas, outorgando-se poderes de regular e de controlar de forma contínua as concessões públicas por órgãos com conhecimento técnico necessário ao direcionamento de determinados setores de atividade econômica; c) as commissions também partilharam o momento histórico de retirada do Estado da interferência operacional na economia, remetendo à função legislativa a definição de standards, cuja regulamentação ficaria a cargo de órgão técnico especializado. 192 Estas primeiras comissões estaduais norte-americanas ainda não detinham caráter imperativo, mas simplesmente de estudos e consultas. Tais comissões podiam ser vistas nos estados de Rhode Island (1836), New Hampshire (1844), Connecticut (1853), Vermont (1855) e Maine (1858). Comissões de caráter mandatório foram inauguradas em 1855, no estado de Minnesota e Massachussets. Somente em 1871, o estado de Illinois instituiu a primeira comissão com poderes de fixação de preços de serviços. Conferir, a respeito: MELO, José Luis de Anhaia. Problemas de urbanismo: o problema econômico dos serviços de utilidade pública. São Paulo: s/e, 1940, p. 101.
andamento das atividades setoriais pelas agências; transferência da prestação dos serviços públicos de um determinado setor para empresas privadas e sua consequente regulação por intermédio de contratos administrativos acompanhados pari passu por estruturas dotadas de conhecimento técnico. O ano de 1995 foi decisivo para introdução do modelo de agências reguladoras no Brasil e a Lei Geral de Concessões e Permissões (Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995) foi um marco fundamental, que, coerente com o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado proposto pelo Executivo em 1995, determinou, no seu art.29, I, ser incumbência do poder concedente regular e fiscalizar o serviço concedido e, no art.30, previu que a fiscalização do serviço seria feita por órgão técnico do poder concedente ou por entidade com ele conveniada e, periodicamente, por comissão composta por representantes do poder concedente, da concessionária e dos usuários. Um parêntese para retomada do tema das comissões, que em nada se aproximam das commissions norte-americanas, para que se evidencie que, no Brasil, elas têm caráter de ajuste periódico dos interesses em jogo, possibilitando um ambiente interativo de construção de soluções e de levantamento de problemas. Afiguram-se, portanto, em meio de sensibilização da agência reguladora para questões relevantes na óptica dos partícipes do processo, como também em meio para alcance de consenso na diversidade. Não foi somente a Lei Geral de Concessões e Permissões que marcou o ano de 1995. As modificações constitucionais foram decisivas e transpareceram, basicamente, nãodiscriminação entre capital nacional e internacional aliado à abertura para o controle privado de atividades antes reservadas ao Estado, como a possibilidade de concessão dos serviços locais de gás canalizado (Emenda Constitucional n. 5, de 15/08/95), a extinção do tratamento diferenciado dado às antes consideradas empresas brasileiras de capital nacional (Emenda Constitucional n. 6, de 15/08/95), a retirada da referência constitucional à predominância de armadores nacionais e navios de bandeira e registros brasileiros e à reserva da navegação de cabotagem e da navegação interior às embarcações nacionais (Emenda Constitucional n. 7, de 15/08/95), a possibilidade de concessão, permissão e autorização de serviços de telecomunicações não mais taxados, a priori, de públicos, juntamente com a previsão de criação de um órgão regulador do setor (Emenda Constitucional n. 8, de 15/08/95) e a retirada da proibição dirigida à União de conceder qualquer tipo de participação na exploração de jazidas de petróleo ou gás natural simultaneamente à introdução da previsão de órgão regulador do monopólio de pesquisa e lavra de jazidas de petróleo e gás natural, de refinação do petróleo, sua importação, exportação e transporte (Emenda Constitucional n. 9, de 09/11/95). Todas essas modificações implementadas pela política pública setorial fizeram com que o sistema brasileiro de regulação migrasse do modelo de estruturas integrantes dos respectivos Ministérios ou da Presidência da República, com dependência orçamentária e decisória, para um modelo pautado progressivamente na titularidade de instrumentos de regulação e fiscalização setorial por parte de autarquias especiais, com orçamentos próprios e relativa autonomia financeira do Poder Executivo.193 Dessas considerações preliminares resulta a identificação das agências reguladoras brasileiras como formas de regulação setorial com personalidade de direito público interno, e 193
Caio Tácito enumera as características comuns às agências reguladoras: “constituídas como autarquias especiais, destacam-se da estrutura hierárquica dos Ministérios e da direta influência da conduta política do governo; gozam de autonomia financeira, administrativa e especialmente de poderes normativos complementares à legislação; dotados de poderes amplos de fiscalização, operam como instância administrativa final em litígios sobre matéria de sua competência; e respondem, fundamentalmente, pelo cumprimento de metas fixadas e pelo desempenho das atividades dos prestadores de serviço, segundo as diretrizes do Governo e em defesa do interesse da comunidade” (TÁCITO, Caio. Op. cit., p. 42).
função normativa secundária, que excepcionalmente exteriorizam caráter operacional, como no caso do mecanismo da intervenção, revelando a finalidade de fiscalização da prestação dos serviços públicos concedidos ou permitidos, dos bens escassos correspondentes e das atividades privadas afins. As agências reguladoras brasileiras passaram por um processo de especialização.194 Elas transpareceram a especialização funcional exigida por seu objeto de análise e, assim, compõem a equação de edificação do correspondente subsistema jurídico.195 Existem, no Brasil, agências federais, estaduais ou municipais, de acordo com a competência político-administrativa do poder concedente. Visualizando-as a partir da especialização funcional, as agências federais apresentam-se, hoje, como setoriais, remetendose aos setores de telecomunicações, energia elétrica, petróleo e gás natural, vigilância sanitária, saúde suplementar, recursos hídricos, transportes terrestres, transportes aquaviários, dentre outros. No campo estadual e municipal, inaugurou-se uma maior presença de agências de regulação geral, como a ADM196, embora convivendo com agências setoriais, como a AMSS197 e a CSPE198, ou mesmo, multissetoriais199, tais como ASEP200, AGERGS201, ARCE202, ARCON203, ARSEP204 e AGERBA205. O modelo estadual tende a formar núcleos de 194
Sobre o fenômeno de especialização das agências reguladoras, conferir: MORAES, Luiza Rangel de; WALD, Arnoldo. Agências reguladoras. In: Revista de Informação Legislativa, Brasília 36(141): p. 143-171, janeiro/março 1999, p. 151. 195 O subsistema jurídico apresenta-se como um “conjunto de regras, normas, princípios, finalidades e pressupostos adstritos a um dado setor da vida humana” (MARQUES NETO, Floriano Azevedo. A nova regulação estatal e as agências independentes. p. 84. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 72-98). 196 Agência Municipal de Desenvolvimento, criada pela Lei Municipal nº 1.565, de 30/12/1996, de Niterói, com o intuito de formulação de políticas de desenvolvimento econômico-social do Município. 197 Agência Municipal de Serviços de Saneamento de Cuiabá (AMSS), criada pela Lei Complementar nº41, de 23/12/1997. Embora tivesse caráter operacional, por ter reassumido os serviços de água e esgoto de Cuiabá antes exercidos pela Companhia de Saneamento do Estado, o fim que motivou sua criação como agência, substituindo a anterior Secretaria de Saneamento, foi o de regular e controlar as delegações para prestação dos serviços públicos de saneamento no município de Cuiabá. 198 Comissão de Serviços Públicos de Energia, criada pela Lei Complementar nº 833, de 17 de outubro de 1997, do Estado de São Paulo, e inaugurada em 14 de abril de 1998 para exercer funções de regulação dos serviços concedidos pelo poder concedente estadual com funções delegadas da Agência Nacional do Petróleo ou da Agência Nacional de Energia Elétrica, mediante convênios. 199 Para uma exposição sobre as vantagens do modelo multissetorial das agências estaduais, vide: CONFORTO, Gloria. Descentralização e regulação de gestão dos serviços públicos. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro, FGV, 32(1):27-40, jan/fev 1998. 200 Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos do Estado do Rio de Janeiro (ASEP-RJ), criada pela Lei Estadual nº 2.686, de 12/02/1997, cabendo-lhe o exercício do Poder Regulador sobre as concessões e permissões de serviços públicos nas quais o Estado do Rio de Janeiro figure, por disposição legal ou pactual, como Poder Concedente ou Permitente. 201 Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (Agergs), criada pela Lei Estadual nº 10.931, de 09/01/1997, alterada pela Lei 11.292, de 23/12/1998, onde consta expressa comunicação à Assembléia Legislativa do teor de audiência pública sobre avaliação dos indicadores de qualidade dos serviços e de pesquisa de opinião (art.14, §1o). 202 Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Estado do Ceará (ARCE), criada pela Lei nº 12.786, de 30/12/1997, destina-se à direção, regulação e fiscalização dos serviços públicos delegados no Estado (art. 3o da Lei estadual nº12.786). 203 Agência Estadual de Regulação e Controle de Serviços Públicos (ARCON), criada pela Lei estadual nº 6.099, de 30/12/1997, cuja função é de regular e controlar a prestação dos serviços públicos cuja exploração tenha sido delegada a terceiros (art. 1o da Lei 6.099/97). 204 Agência Reguladora de Serviços Públicos do Rio Grande do Norte (ARSEP), criada pela Lei estadual nº 7.758, de 09/12/1999, mediante transformação da Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado do Rio Grande do Norte (ASEP-RN), criada pela Lei nº 7.463, de 02/03/1999, com finalidade de regular, controlar e fiscalizar os serviços públicos delegados (art. 2o da Lei 7.758/99).
competência setorial específicas em razão de sua potencial relação de fomento com a União, já que, no modelo brasileiro, a atividade reguladora vinculada à gestão dos serviços públicos pode ser transferida da União para os Estados-Membros da Federação por intermédio de convênio206, em face no disposto no art. 241 da Constituição Federal brasileira de 1988, com redação dada pela Emenda Constitucional nº19/98, que autoriza a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos. A possibilidade de convênio, no entanto, depende da existência de lei, autorizando a gestão associada dos serviços pretendidos, como ocorre com o setor de energia elétrica, em que a lei regente207 permite a execução das atividades complementares de regulação, controle e fiscalização dos serviços e instalações de energia elétrica pelos Estados e pelo Distrito Federal, mediante convênio de cooperação. O convênio, por sua natureza, não transfere a titularidade do serviço do ente regulador, que pode retomá-lo a qualquer momento, exigíveis as devidas compensações. A partir do momento em que foram introduzidas no modelo regulatório brasileiro, as agências reguladoras fizeram aflorar o conceito de otimização funcional, que vem exigir dois requisitos para sua implementação208: autonomia da agência reguladora; e escolha de instrumentos que incentivem a eficiência produtiva e alocativa. Fala-se muito em independência da agência reguladora, cuja origem tem como referência natural a distinção da doutrina norte-americana entre as regular ou oldline agencies e as independent agencies209, mas para maior precisão terminológica, o ideal seria a utilização do conceito de autonomia, mais condizente com a necessária interpenetração estrutural do Estado.210 Tal autonomia não deve ser entendida como arbítrio do colegiado decisório – autonomia sem vínculo finalístico. 205
Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos de Energia, Transporte e Comunicações da Bahia (AGERBA), criada pela Lei estadual nº 7.314, de 19/05/1998. 206 Os convênios são acordos entre entes públicos ou entre estes e privados para consecução de objetivos comuns dentro de competências institucionais comuns para o alcance de resultado comum em um ambiente de mútua colaboração entre os partícipes. Conferir: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Parcerias na Administração Pública. Concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas. 3aed., São Paulo: Atlas, 1999, p. 177179. Assim, os convênios diferenciam-se dos contratos pelos aspectos: a)estrutural, que se refere ao conteúdo da vontade expressa pelas partes. Nos contratos, as partes visam a objetivo diverso, no acordo, ambas pretende alcançar o mesmo fim; b) funcional, pois ligado ao interesse que se pretende satisfazer. No contrato, as partes compõem seus interesses; no acordo, elas os unificam por serem comuns; c) teleológico, que diz respeito à satisfação específica do interesse público. O contrato é finalístico. A Administração Pública é uma das partes, que obtém a satisfação do interesse público mediante a prestação da outra parte. O acordo é instrumental, pois o atingimento do interesse público se dá pela via da cooperação entre entidades públicas; d) patrimonial, referente à transferência econômica, que está presente nos contratos e é estranha ao acordo de natureza pública. Nestes últimos, os recursos continuam afetados ao interesse público que os motivou. 207 Lei 9.427, de 26/12/1996, art. 20, caput. O mesmo ocorre com o setor do petróleo, em que a Lei 9.478, de 06/08/1997 prevê, no seu art. 8o, VII e XV a possibilidade de fiscalização das atividades integrantes e a aplicação de sanções por Estados ou pelo Distrito Federal mediante convênio. De fato, a Comissão de Serviços Públicos de Energia – CSPE, criada pela Lei Complementar 833/97, no Estado de São Paulo, tem competências no setor de eletricidade, por delegação da ANEEL, no setor de petróleo e gás, por delegação da ANP, e no setor de gás canalizado, como longa manus estadual, que é o poder concedente deste serviço (art.25, §2o da CF/88). A lei brasileira de telecomunicações não abre tal possibilidade. 208 MORAES, Luiza Rangel de; WALD, Arnoldo. Agências reguladoras. In: Revista de Informação Legislativa, Brasília 36(141): p. 143-171, janeiro/março 1999, p. 145. 209 PARKER, Reginald. Administrative Law. Indianápolis: The Bobbs-Merrill Company, 1952, p. 95. 210 “Independência é uma expressão certamente exagerada. No mundo jurídico, preferimos falar em autonomia. Mas garantir a independência é fazer uma afirmação retórica com o objetivo de acumular o desejo de que a agência seja ente autônomo em relação à Administração Pública, que atue de maneira imparcial e não flutue sua orientação de acordo com as oscilações próprias do Poder Executivo, por força até do sistema democrático.” (SUNDFELD, Carlos Ari. Agências reguladoras e os novos valores e conflitos, p. 1296. In: Anais da XVII Conferência Nacional dos Advogados. Justiça: realidade e utopia. Vol. II, Rio de Janeiro: Ordem dos Advogados do Brasil, 1999, p. 1291-1297).
Ela é exatamente definida pelo seu fim de promoção do interesse público visualizado preponderantemente, quanto aos serviços, no interesse do usuário e da sociedade e, quanto à política industrial, de um lado, na eficiência da atividade regulada e de outro, na vinculação da atividade ao fim de incremento do espaço público. Estes fatores, sob um ponto de vista jurídico, prevalecem sobre outros objetivos de maximização do lucro e concentração de empresas em setores mais rentáveis do mercado, do ponto de vista das prestadoras, e maximização das receitas fiscais, do ponto de vista do Estado.211 A autonomia característica das agências reguladoras não se restringe à idéia abstrata de menor vinculação política. Ela demanda conformações estruturais e organizações concretas, que se manifestam na personalidade de direito público interno, na autonomia de objetivos, de instrumentos, orçamentária, financeira e na autonomia decisória, que engloba o processo de indicação e inamovibilidade de seus membros e irrecorribilidade das suas decisões. O primeiro passo para visualização de um grau de independência das agências está na sua natureza jurídica de pessoa de direito público interno, revelando, assim, seu destaque da Administração direta como autarquia federal, estadual ou municipal, conforme o ente político – União, Estados-Membros, Distrito Federal ou Municípios – a que estiver ligada. Argumentos como o descrédito do dirigismo estatal absoluto, a ineficiência e comprometimento político das atividades desempenhadas pelas empresas estatais e as pressões internacionais de abertura dos setores econômicos são carregados de preconcepções de mundo que valorizam um dos inúmeros aspectos exaltados no momento histórico da opção pela introdução das agências reguladoras na década de 1990 no Brasil. Eles teriam feito com que uma das características apontadas ou desejadas para as agências reguladoras fosse a sua autonomia do poder público central. Pode-se enunciar, ainda, como outra causa da autonomia das agências frente ao poder público central, a busca por um espaço público, cuja presença somente pode ser sentida quando este não se confunde com os interesses de governo. Ao controlar o órgão regulador, a Administração Direta do Estado faz prevalecer o interesse político sobre a eficiência e qualidade da prestação do serviço, sobre o próprio interesse público de modicidade das tarifas e sobre o interesse público no equilíbrio da relação. Apesar da fluidez das análises esboçadas, sob quaisquer dos pontos de vista citados, a questão da autonomia de gestão da agência reguladora apresenta-se como a pedra de toque do modelo idealizado no Brasil. Independentemente do acerto ou equívoco das afirmações anteriores, o fato é que a estrutura desenhada para regulação setorial, no Brasil, permitiu a fixação de um esquema de forças quadripartite: a) produtor da utilidade pública; b) usuário/consumidor; c) Poder Público detentor da rede essencial à prestação do serviço ou titular do monopólio de exploração e, finalmente; d) o próprio ente regulador. O modelo brasileiro posicionou a agência reguladora em local equidistante dos outros três atores do esquema de relativa autonomia. O ente regulador pode sobrevalorizar um dos outros três componentes, mas o fará sob pena de perder sua condição de espaço público de discussão e contato entre os atores setoriais e, portanto, em detrimento da credibilidade perante os demais atores preteridos. O próprio esquema de forças vem simplificado ao extremo, pois não contempla a distinção intestina de interesses, por exemplo, aos próprios usuários/consumidores, já que há usuários e consumidores efetivos e potenciais; há usuários e consumidores assinantes e eventuais. Por exemplo, os usuários e consumidores efetivos detêm o interesse natural de diminuição tarifária,
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MORAES, Luiza Rangel de; WALD, Arnoldo. Op. cit., p. 146.
que poderá levar a diminuir o ritmo de expansão do serviço para aqueles que ainda não o alcançaram, contrastando, assim, com o interesse dos usuários e consumidores potenciais.212 A complexidade do esquema de forças e, em certos setores, como o de telecomunicações, energia, petróleo e saúde, do expressivo peso do poder econômico, aumenta a preocupação com o conhecido risco de captura da agência pelo setor regulado. O esforço em se evitar que as agências passassem a fazer às vezes de meras promotoras do sucesso econômico do setor regulado em detrimento dos valores públicos que as justificaram não necessariamente resultou na conformação dos mecanismos de controle social visualizados nas agências da década de 1990, mas serve como aceno de composição do modelo de regulação setorial para um viés de publicização das discussões. Aqui, a valorização do controle social213 previsto nas estruturas centrais de decisão das agências reguladoras.214 Autonomia das Agências Reguladoras No tocante à relação entre a agência reguladora e o poder público, existem aspectos reveladores do seu grau de autonomia, que auxiliam na compreensão do modelo regulador brasileiro. São eles: o processo de indicação dos membros da agência e de seu afastamento; autonomia orçamentária e financeira; garantia de inamovibilidade de seus membros; irrecorribilidade das decisões de sua competência na esfera administrativa; reserva de poderes normativos suficientes à adequação das metas setoriais à dinâmica de cada atividade. Iniciando por esse último índice de autonomia, o poder normativo das agências reguladoras tratado acima costuma ser acusado de usurpar função reservada ao Poder Legislativo. Poder normativo da Administração Pública somente pode existir sob a égide da submissão das atividades das agências reguladoras à lei, ou seja, à normatização primária. Assim, o poder normativo da agência reguladora não pode ser convertido em criação normativa independente da norma primária sobre a qual se apoia. Por outro lado, a constitucionalidade da lei atributiva de poder normativo à agência reguladora correspondente dependerá da previsão simultânea de “standards suficientes” capazes de afastarem a acusação de “delegação pura e simples de função legislativa”215. Ao lado da reserva de poderes normativos suficientes à otimização dos interesses envolvidos na regulação setorial, existem outros índices úteis a evitar que a agência seja sufocada pela exiguidade de espaço para promoção de estratégias setoriais.
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Prezando pela modicidade das tarifas como a necessária ponderação entre todos os interesses em jogo, inclusive o dos consumidores potenciais na ampliação da área de prestação do serviço e contra o que chama de populismo regulatório, vide: MARQUES NETO, Floriano Azevedo. A nova regulação estatal e as agências independentes. p. 86: nota 38. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 72-98. 213 A radicalização da transparência e da publicidade da atividade regulatória é a forma existente de fazer frente à tendência de captura da agência pelos regulados. Vide: Ibid., p. 89. 214 Entendendo a estrutura organizacional das agências como fortes indicadores da autonomia do órgão regulador, vide: PECI, Alketa; CAVALCANTI, Bianor Scelza. Reflexões sobre a autonomia do órgão regulador: análise das agências reguladoras estaduais. p. 106. In: Revista de Administração Pública, vol.34, nº.5, set/out de 2000, p. 99-118. 215 “Quando reconheço ser constitucionalmente viável que elas [as agências reguladoras] desfrutem de um tal poder [poder normativo], de modo algum estou sugerindo que elas produzam “regulamentos autônomos” ou coisa parecida, pois todas as suas competências devem ter base legal – mesmo porque só a lei pode criá-las, conferindolhes (ou não) poder normativo [§] A constitucionalidade da lei atributiva depende de o legislador haver estabelecido standards suficientes, pois do contrário haveria delegação pura e simples de função legislativa” (SUNDFELD, Carlos Ari. Introdução às agências reguladoras, p. 27. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 17-38).
Os títulos de independência de uma agência reguladora que a qualificam como tal são: independência decisória, independência de objetivos, independência de instrumentos e independência financeira. Destacando-se das nuanças cotidianas das políticas de governo, o Estado implementa políticas públicas por intermédio das agências, mas estas não se podem tornar instrumentos do jogo político em particular.216 A independência decisória consiste em dar condições para que a agência reguladora resista às pressões de grupos de interesse, mediante procedimento compartilhado de nomeação dos dirigentes com participação necessária do Executivo e Legislativo e fixação de mandatos de longo prazo escalonados e não coincidentes com o período eleitoral. Associado a isso, encontram-se regras legais definidoras das formas de perda dos cargos de direção da agência, visando afastá-la, ao máximo, de interferências indesejáveis por parte do governo ou da indústria regulada.217 Esse quadro de proteção expressa dos cargos decisórios das agências reguladoras podia ser visto na legislação de telecomunicações, em que, para proteção do mandato de seus dirigentes, estipulava, até sua alteração pela Lei 9.986, de 18 de julho de 2000, que somente podiam perdê-lo em razão de renúncia, condenação judicial transitada em julgado ou processo administrativo disciplinar.218 A decisão colegiada produz, em tese, os efeitos já mencionados da colegialidade de funções, atomizando a responsabilidade e impondo maior discussão e oportunidade de participação dos interessados na questão mediante mecanismos de consulta pública. As decisões do colegiado não estão sujeitas à revisão na esfera administrativa, submetendo-se, entretanto, à cláusula pétrea brasileira de inafastabilidade da jurisdição. Para o fechamento do modelo, as regras de preenchimento dos cargos de direção das agências prevêem mecanismos de isenção dos seus ocupantes frente aos interesses privados tutelados, tais como regras proibitivas de vínculos dos diretores das agências com os setores regulados219 e regras de incompatibilidades de mandatos, que imponham exclusividade na função dirigente da agência220. Um dos mecanismos de proteção das agências reguladoras contra a confusão entre interesses privados e os desígnios públicos reguladores encontra-se na quarentena, que visa impedir o recrutamento imediato de dirigentes das agências pelo setor
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A independência proposta “deve servir para que o órgão regulador seja um instrumento de política governamental, e não um instrumento de política de um governo” (MARQUES NETO, Floriano Azevedo. Op. cit., p. 87). 217 MORAES, Luiza Rangel de; WALD, Arnoldo. Agências reguladoras. In: Revista de Informação Legislativa, Brasília 36(141): p. 143-171, janeiro/março 1999, p. 146. 218 A previsão expressa da referida proteção estava contida no art. 26, caput, da Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97), mas foi revogado pela Lei 9.986, de 18 de julho de 2000. Para o caso da ANEEL, a Lei 9.427/96 prevê a nomeação compartilhada dos diretores para mandatos não coincidentes, não os protejendo expressamente da demissão ad nutum. Sobre a fragilidade, no Brasil, da proteção do mandato com base em decisões do Supremo Tribunal Federal, vide: SILVA, Fernando Quadros da. Agências reguladoras: a sua independência e o princípio do Estado Democrático de Direito. Curitiba: Juruá, 2003, p. 130-134. 219 A Lei Geral de Telecomunicações proíbe, no seu art.29, que o conselheiro tenha interesse significativo, direto ou indireto, em empresa relacionada com telecomunicações. Além disso, o conselheiro da ANATEL não pode representar qualquer pessoa ou interesse perante a Agência no prazo de um ano após ter ocupado o cargo (art.30). 220 Os diretores das agências não devem ocupar outras funções públicas ou privadas. O caso da Asep (Agência Reguladora dos Serviços Públicos Concedidos) do Rio de Janeiro exemplifica o comprometimento que o modelo de autonomia das agências procura evitar. Cf. PECI, Alketa; CAVALCANTI, Bianor Scelza. Reflexões sobre a autonomia do órgão regulador: análise das agências reguladoras estaduais. p. 112. In: Revista de Administração Pública, vol.34, nº.5, set/out de 2000, p. 99-118.
regulado mediante custeio indenizatório do período em que os ex-dirigentes das agências permanecem tolhidos do pleno desempenho de suas atividades.221 Quanto à possibilidade de exoneração dos diretores das agências reguladoras, o Supremo Tribunal Federal brasileiro pronunciou-se liminarmente sobre a questão, posicionando-se pela impossibilidade de interferência unilateral legislativa na exoneração de dirigentes de agência reguladora222, exigindo-se, no entanto, justo motivo para afastamento de dirigente de agência pelo Chefe do Executivo em virtude da fixação de mandato por lei e da forma complexa de nomeação com participação dos poderes Executivo e Legislativo. Independência de objetivos significa a determinação das finalidades da agência em lei, afastando-a da hierarquia administrativa quanto à identificação de pautas de conduta. Eventualmente, essa autonomia pode vir a ser ampliada mediante um contrato de gestão.223 Ainda, a independência de instrumentos implica o fornecimento de um rol de meios para que a agência reguladora possa dosar a aplicação de sanções com os objetivos perseguidos. A presença da hipótese de fixação de multas, de tarifas, extinção da concessão, permissão ou autorização e intervenção na prestadora de serviço público evidencia a preocupação normativa com a disponibilidade de instrumentos eficazes para atuação direcionada às peculiaridades de cada caso. Finalmente, a independência financeira manifesta-se na presença de recursos materiais e humanos compatíveis com as finalidades a serem atingidas pela agência reguladora. Ela é alcançada, em geral, com a fixação de taxas de fiscalização, preços de utilização de bens escassos e percentuais de tarifas para formação de fundos geridos pelas agências. Mesmo presentes tais entradas de recursos, tem-se verificado a fragilidade de tal independência, tendose em vista que, na dinâmica brasileira de orçamento indicativo, há possibilidade de contingenciamento de recursos pelo Executivo. Há, ainda, dois conceitos que devem ser levados em conta para análise da progressiva autonomia das agências reguladoras e seus limites. Diferencia-se doutrinariamente autonomia de autorregulação. A autorregulação é caracterizada pela gestão de uma atividade pelos próprios regulados.224 Dar autonomia a um ente de direito público interno autárquico para que regule um âmbito de atividades de sua competência é sensivelmente diferente de se prever a gestão de atividades pelos próprios regulados. No Brasil, o setor de comunicação de massa e o setor postal resistem à regulação normativa centralizada acenando com os benefícios da autorregulação. A substituição da exorregulação – regulação pelo Estado – pela 221
Defendendo a tese de pagamento aos ex-dirigentes das agências por período mínimo de 12 meses após o fim do mandato para indenizá-los da restrição do direito individual de trabalhar, vide: MARQUES NETO, Floriano Azevedo. Op. cit., p. 85-86: nota 37. 222 ADIn1949-0/RS, relator Ministro Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, por maioria suspendeu liminarmente a eficácia do art.8o, da Lei 10.931, de 09/01/1997: “Art.8o. O Conselheiro só poderá ser destituído, no curso do seu mandato, por decisão da Assembléia Legislativa”. 223 A independência de objetivos da ANEEL é ampliada mediante um contrato de gestão negociado e celebrado entre a Diretoria e o Poder Executivo, como instrumento de controle e avaliação de desempenho. (art.7o, da Lei 9.427/96). Tal previsão não existe para o setor de telecomunicações brasileiro. 224 O Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária é um exemplo vivo de auto-regulação. Apresenta-se como organização não-governamental – sociedade civil sem fins lucrativos –, fundada em 5 de maio de 1980, constituída por entidades representativas das agências de publicidade, dos veículos de comunicação, de anunciantes e de todas as demais entidades que aderirem ao Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária e se comprometerem a seguir as decisões do Conselho de Ética e do Conselho Superior do Conar (art.9o do Estatuto Social do Conar), tendo por objetivos sociais, dentre outros, zelar pela comunicação comercial, promover a liberdade de expressão publicitária e a defesa das prerrogativas constitucionais da propaganda comercial (art. 5º, I e VI do Estatuto Social do Conar). O desrespeito de suas recomendações dá ensejo a advertências, censuras públicas, suspensão ou eliminação do quadro social (art.15 do Estatuto Social do Conar).
autorregulação sofre críticas doutrinárias por levarem à “institucionalização de autênticas corporações de ofício”225, o que afastaria das instituições de autorregulação o aspecto de espaços públicos. O limite da autonomia de setores regulados apresenta-se no conceito de autorregulação, que não condiz com o poder de polícia exercido pelas agências reguladoras.226 Estas exercem regulação de caráter público227, mas inseridas em ambiente autônomo. O fato de um ente público ter autonomia não desvirtua seu caráter público, pelo contrário, o enfatiza mediante sua isenção de interesses políticos momentâneos em nome de interesses políticos permanentes plasmados no texto constitucional e reproduzidos na legislação infraconstitucional. A crítica à progressiva autonomia das agências reguladoras seria pertinente se a independência fosse total. Daí, embora a legislação setorial brasileira, em geral, fale em independência, o termo jurídico mais apropriado seja sempre o de autonomia regulatória. Esclarecidas as características fundamentais do regime jurídico regulatório, passase à análise de dois dos setores mais relevantes de atividades reguladas.
Setor de Energia Elétrica Introdução: energia, indústria energética e energia elétrica O manejo e a transformação de fontes de energia constituem uma antiga atividade humana. Mesmo a produção de alimentos – que tem por objetivo a obtenção de energia para possibilitar o trabalho humano – é, em certa medida, uma atividade desse tipo. Mas o que caracteriza especificamente a chamada indústria energética é o aproveitamento sistemático e não esporádico de certas fontes de energia e o emprego nelas de certos processos de transformação para a obtenção de certos “produtos energéticos”, aptos para o consumo, em suas diferentes formas. Convencionalmente, coloca-se ao lado da indústria elétrica a indústria do petróleo, do gás, do carvão mineral, da cana-de-açúcar para obtenção do etanol, dentre outras. Cada uma delas, por formas e organizações diferentes, explora economicamente fontes de energia para distintas finalidades. É importante ter presente, porém, que a rápida evolução tecnológica que proporciona o aproveitamento de novas fontes de energia não permite uma definição estanque e imóvel do que seja a “indústria energética”. A cada dia que passa, novas fontes e novos usos para fontes já conhecidas são descobertos. Em termos muito gerais, o “iter” básico do aproveitamento de uma fonte de energia consiste na verificação de sua existência, suficiência e aptidão para aproveitamento econômico (pesquisa de reservatórios de gás, inventário de potenciais hidráulicos), obtenção do recurso
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GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3aed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 95. A escassa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal brasileiro sobre o tema aponta a exigência de natureza jurídica de direito público para o exercício de poder de polícia. A Representação nº 1.169/DF – relator Min. Soares Muñoz, j.08/08/1984 (RTJ 111/87) – apresenta os conselhos federais de fiscalização de profissionais liberais como autarquias corporativas. O Mandado de Segurança nº 22.643-9/SC – relator Min. Moreira Alves, DJ 04.12.1998, Ementário nº1934-01 – determina a submissão dos Conselhos Regionais de Medicina, como autarquias, à prestação de contas ao TCU. 227 Floriano Marques utiliza o termo regulação de caráter público para diferenciar da autorregulação. Conferir: MARQUES NETO, Floriano Azevedo. Op. cit., p. 83. 226
energético primário228 (lavra de jazidas de carvão ou urânio, canalização de correntes d‟água, cultivo e colheita de biomassa), aplicação de processos de conversão que fornecem a energia secundária229 – seja aquela de aplicação imediata, seja aquela destinada a novo processo energético antes de ser aproveitada pelo consumo (refino de petróleo para obtenção de gasolina, diesel; processamento do carvão, enriquecimento do urânio etc.) – transporte e distribuição – entrega da energia ou do combustível – e consumo – utilização para obtenção de outros tipos de energia230. A interação entre as diferentes fontes e indústrias de energia é um traço que se torna cada dia mais importante e presente. Há inclusive medidas comuns para avaliar-se o potencial energético de toda e qualquer fonte de energia. Do ponto de vista produtivo, industrial e econômico, o progresso tecnológico tem permitido inúmeras relações entre as diferentes fontes. Ora são substituíveis entre si (e estão em concorrência), ora são complementares, ora são insumos para outros processos de transformação de energia231. Há, porém, uma diferença interessante entre a indústria elétrica e as demais: ela é a única que se ocupa de um tipo específico de energia, a elétrica, sem se interessar pela fonte. As demais, por sua vez, não se definem pela energia que produzem mas, reversamente, pela fonte que exploram. Considerando-se isso, seria possível dizer, inclusive, que a indústria elétrica é, em parte, dependente das demais indústrias energéticas, pois se aproveita do trabalho delas para obter seu insumo, na medida em que existem usinas geradoras a carvão, óleo diesel, biomassa, minérios radioativos etc. Por fim, um conceito fundamental que propicia uma visão técnica e unificante da indústria energética é o de “matriz energética”. Por tal se entende a consideração em conjunto de todas as fontes de energia que são objeto das diversas indústrias energéticas, segundo seus percentuais de participação no consumo energético nacional total. Para que se tenha uma idéia mais concreta, em termos numéricos, o petróleo e seus derivados respondem por cerca de 38,7% de toda a oferta do país; em seguida vêm a biomassa com 29,7%, a energia elétrica proveniente de fonte hidráulica com 14,8%, o gás natural (9,4%), carvão mineral (6,3%) e o urânio, com uma participação um pouco superior a 1% (1,2%). Se comparada com a matriz energética mundial, em que o petróleo e seus derivados, o 228
Fontes de energia primária são os produtos energéticos providos pela natureza na sua forma direta, tais como petróleo, gás natural, carvão vapor, carvão metalúrgico, urânio, energia hidráulica, lenha e produtos da cana (melaço, caldo de cana e bagaço), resíduos vegetais, animais e industriais para geração de vapor, calor, luz solar, ventos. 229 Por energia secundária entendem-se os produtos energéticos resultantes dos diferentes centros de transformação e que têm como destino os diversos setores de consumo e eventualmente outro centro de transformação: óleo diesel, óleo combustível, gasolina (automotiva e de aviação), GLP, nafta, querosene (iluminante e de aviação), gás (de cidade e de coqueria) coque de carvão mineral, urânio contido no UO2, eletricidade, carvão vegetal, álcool etílico (anidrato e hidratado) e outras secundárias de petróleo (gás de refinaria, coque e outros). É importante referir que também resultam dos processos de transformação produtos não energéticos, sobretudo do petróleo: produtos que, mesmo tendo significativo conteúdo energético, são usados para outros fins tais como graxas, lubrificantes, parafinas, asfalto, solventes e outros. 230
Para que se tenha uma idéia da complexidade envolvida no trato da “indústria energética”, o Balanço Energético Nacional (BEN) usa uma base de dados que considera quarenta e nove formas e grupos de energia, num conjunto total de 47 atividades, dentre os quais produção, estoques, comércio externo, transformação, distribuição e consumo nos setores econômicos. 231 Assim, por exemplo, o gás natural e o petróleo são é ao mesmo tempo insumos para a produção de energia elétrica e “concorrentes” seus, na medida em uma mesma tarefa, como o aquecimento de ambientes ou a cocção de alimentos pode ser realizada por equipamentos alimentados por energia elétrica, gás natural ou derivados de petróleo.
carvão mineral, o gás natural e o urânio respondem mais de 85% da oferta de energia (biomassa e energia de fonte hidráulica contribuem com os restantes 15%), tem-se uma idéia da peculiaridade da posição brasileira, marcada pela presença maciça de fontes de energia renovável. Especificamente com relação à indústria elétrica, os seus “serviços” ou atividades são, basicamente, três: a produção, a transmissão e a distribuição da energia elétrica até os centros de consumo. A energia elétrica produzida nas usinas hidrelétricas, termoelétricas, eólicas etc (i.e., obtida a partir da transformação de outros tipos de energias contidos em determinadas fontes) é levada pelo sistema de transmissão (as grandes torres metálicas situadas normalmente ao longo das rodovias ou áreas despovoadas)232 até os centros de distribuição (subestações), onde tem sua tensão ou voltagem rebaixada para ser entregue, via rede de distribuição, aos consumidores, no chamado ponto de entrega. Assim, usinas geradoras e redes – compostas de fios e equipamentos acessórios como transformadores, subestações, barramentos etc. – são as suas “instalações” básicas. A transmissão e a distribuição são as chamadas atividades “de fio” (“transporte”, de forma imprecisa). AS FASES DA INDÚSTRIA E SEUS EQUIPAMENTOS BÁSICOS (usina hidrelétrica)
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A tensão (voltagem) da corrente elétrica é aumentada para o transporte. Assim é porque desse modo se consegue transmitir de modo mais eficiente a energia elétrica, minimizando a quantidade de “perdas elétricas”. As perdas elétricas, também conhecidas como “perdas ôhmicas”, referem-se à parcela de energia elétrica que é transformada em calor ao ser transmitida.
(figura 1) A estas três atividades que exigem instalações e equipamentos, as normas do setor elétrico acrescentaram outra, de comercialização de energia. O comercializador “puro” não detém ativos de geração, transmissão ou distribuição nem maneja a utilidade mas apenas transaciona-a – com determinados consumidores e sob certos pressupostos - em operações de compra-e-venda (adiante). Passando da descrição das fases da indústria para a caracterização específica do setor elétrico brasileiro, pode-se dizer que os seus elementos mais marcantes são dados (a.) pelo tipo de fonte de onde provém a maior parte da energia elétrica, a água. Os potenciais hidráulicos são cada vez mais distantes dos centros de consumo e situados em bacias hidrográficas submetidas a diferentes regimes climáticos e altamente interdependentes entre si; são explorados normalmente por meio da construção de reservatórios com longos (e diferentes) períodos de regularização, e; (b.) pelo imenso sistema interligado de transmissão de energia elétrica que perpassa a maior parte do território nacional, unindo os centros de produção com os centros de consumo em uma malha elétrica de tal modo configurada que se diz terem as usinas entre si uma interdependência operativa. (c.) pela necessidade de uma operação integrada (planejamento da operação) das usinas e redes, de tal sorte que se aproveitem as vantagens dessa interligação.
(d.) pela necessidade de uma expansão coordenada (planejamento da expansão), também requerido pela configuração “condominial” do sistema elétrico brasileiro. Por isso é que se costuma dizer que o Brasil (mais precisamente: a parte economicamente mais ativa de seu território) possui um sistema elétrico interligado de grande porte, de base hidrotérmica onde predomina a geração de energia elétrica a partir de uma fonte renovável, i.e., da exploração dos potenciais hidráulicos. Essas características são graficamente visualizadas na figura abaixo.
É sobre esta base que opera o direito. Em seus primórdios, incidindo sobre simples sistemas isolados; atualmente, no que se convencionou chamar de Sistema Interligado Nacional – SIN.
Referências históricas233 Os primórdios (das origens ao Código de Águas) A indústria elétrica é um dos tantos eventos proporcionados pelo generalizado avanço das ciências experimentais e das técnicas ocorrido no século XIX e inaugura uma nova era de desenvolvimento, não apenas no âmbito das comodidades da vida privada, mas também no processo produtivo capitalista que ajuda a impulsionar, oferecendo um novo tipo de energia, em concorrência e, mais tarde, substituição, àquela proporcionada pelo carvão ou gás. Originariamente, compunha-se de duas atividades produtivas que tenderiam a separar-se com o tempo: a do material elétrico (fabricação de lâmpadas, condutores e demais equipamentos), estimulada pela política das patentes das invenções industriais; e a do fornecimento da utilidade (geração e distribuição de energia), orientada pela concepção econômica da verticalização das fases e do monopólio de área (i.e., uma só empresa realizava, com exclusividade, as três atividades da indústria e fornecia energia).
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Esta parte está baseada na obra do autor A indústria elétrica e o Código de Águas – O regime jurídico das empresas de energia entre a concession de service public e a regulation of public utilities, Porto Alegre: Fabris, 2007.
Muito rapidamente, e em função de suas características econômicas, a organização empresarial da energia elétrica assumiu, nos países da vanguarda econômica e tecnológica, formas próprias do capitalismo avançado. Associada, várias vezes, a atividades financeiras, a empresa de energia elétrica lançou-se na expansão multinacional, organizando-se a partir do fenômeno então novo da holding company234. No Brasil, a indústria elétrica nasceu como pura atividade privada e, tempos depois, adquiriu em certas áreas do território nacional as mesmas feições que apresentava no mundo desenvolvido. Em 1879 D. Pedro II concedeu a Thomas Edison o privilégio de introduzir no Brasil os aparelhos elétricos, o que foi feito com a inauguração no Rio de Janeiro da iluminação pública da estação central da Estrada de Ferro que levava o nome do Imperador.235 Depois de algumas experiências de curto alcance, em 1883 foi construída a primeira hidrelétrica brasileira, em Ribeirão do Inferno (MG), cuja eletricidade foi utilizada para atividades de mineração do próprio empreendedor (autoprodução). Deste mesmo ano datam os primeiros usos públicos da energia elétrica em mais larga escala: a primeira linha de bondes elétricos do Brasil, instalada em Niterói, e a primeira rede de iluminação pública alimentada por eletricidade, na cidade de Campos, RJ. A partir daí, multiplicam-se as acanhadas iniciativas de iluminação pública com o novo invento obtido quase sempre a partir de pequenas usinas térmicas localizadas nos próprios centros de consumo, dada a precariedade da transmissão de energia e as perdas consideráveis que ocorriam com seu transporte. A indústria deste período é também marcada pela sua destinação: auto-consumo industrial e serviços urbanos de iluminação pública e transporte, admitida, ocasionalmente, a sua comercialização com privados (para usos preponderantemente residenciais). A entrada do capital estrangeiro, já nos primórdios da República, começará a mudar este panorama em certas áreas do país. Data do final da década de 90 do século XIX a chegada da The San Paulo Light and Power, empresa canadense de capital norte-americano que, organizada nos moldes de suas congêneres internacionais, tinha múltiplas atuações, todas elas relacionadas com serviços de infraestrutura tais como ferrovias, telégrafo, telefone e exploração de qualquer tipo de força. Às iniciativas de pequeno porte agregava-se, assim, um vasto complexo empresarial que foi o responsável pelo aumento considerável de escala dos empreendimentos, com a consequente formação de mais extensas malhas de transmissão e distribuição. A política da Light será agressiva no Sudeste e tenderá a eliminar – por compra e incorporação das empresas e respectivas concessões – os concorrentes que se interpunham em sua expansão territorial.236 O panorama institucional do setor na segunda metade dos anos 20 do século passado era o
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Os Estados Unidos tiveram, já no final do Século XIX e início do Século XX, seus grandes conglomerados (Westinghouse, Thomson-Houston, Edison). A Europa repetiu o fenômeno, na Alemanha, com Siemens und Halschke, em 1874, e a Allgemeine Elektrizität Geselschaft em 1883; na Suíça, com a Brown-Boveri, em 1891. A Holanda teve a Philips, ainda na década de 90 do século retrasado. 235 Foram seis lâmpadas de arco acionadas a partir da energia gerada por dois pequenos dínamos localizados a curta distância dos equipamentos. Dois anos depois, os Correios Brasileiros instalaram 16 lâmpadas no Jardim da Aclamação, também no Rio de Janeiro. 236 A Light não será a única grande empresa estrangeira. Já na década de 20 do século XX, ingressa no Brasil a norte-americana Amforp, empresa que dividiria com a canadense, por longo tempo, a parcela mais significativa do mercado nacional, isto é, os grandes centros urbanos. Enquanto a Light concentrava suas atuações no eixo RioSão Paulo, a Amforp, organizada em torno da holding CAEBB, atuava no interior de São Paulo e nas grandes capitais do Nordeste e do Sul, também promovendo um movimento de concentração e incorporação. À mesma lógica reducionista, apenas que com menos intensidade, serão também suscetíveis algumas poucas empresas nacionais.
seguinte: O vigoroso movimento de concentração empreendido pela Light e pela Amforp na segunda metade dos anos 1920 determinou profundas alterações no quadro da indústria de energia elétrica no Brasil. Assim, em 1930, praticamente todas as áreas mais desenvolvidas do país e também aquelas que apresentavam maiores possibilidades de desenvolvimento caíram sob o virtual monopólio das duas grandes empresas estrangeiras.237
O que restou fora do alcance delas era pouco expressivo. Os Estados das regiões Norte e Nordeste, os mais pobres da Federação, certamente não ofereciam nenhum atrativo especial de investimento para as duas companhias. No interior desses Estados, continuaram operando numerosas empresas, de porte reduzido, muitas delas mantidas pelas prefeituras, que atendiam ao diminuto consumo local, fornecendo eletricidade, quase sempre, por intermédio de pequenas unidades termelétricas.238
Desde os primórdios a energia elétrica foi objeto de normas oriundas de todos os entes federativos, seja por tratar-se de fenômeno novo e perigoso, seja por sua importância econômica seja, enfim, por seu peculiar funcionamento. Seria, porém, falsear a realidade atribuir pesos iguais para a regulação proveniente da União, dos Estados e dos municípios. De longe, este último foi o centro de irradiação de normas preponderante, dada a dimensão e a destinação da indústria nascente. A regulação federal (e, subsidiariamente, aquela estadual) teve nesta quadra mais importância política do que dogmática, ao abrir os caminhos do movimento centralizador que se intensificaria com o Código de Águas. Assim, é no contrato municipal que se deve buscar o regime jurídico primitivo da indústria elétrica. Tal ajuste justificava-se menos pela atividade em si mesma considerada, i.e., por sua importância intrínseca, e mais pelas circunstâncias de se estar a oferecer uma utilidade considerada perigosa, empregada em serviços já tradicionalmente comunais (iluminação pública e transporte coletivo) e que, além disso, pretendia ocupar, se possível com exclusividade, bens públicos (o solo municipal, as vias públicas e, eventualmente, o potencial hidráulico). Sobretudo as duas últimas notas dariam a base do contrato: ocupação de bens públicos por uma empresa, para fornecimento de energia elétrica a serviços municipais. Apenas de modo acessório estipulavam-se, em termos parcialmente privatísticos, as condições de atendimento aos privados que desejassem fazer uso desta novidade, ainda um luxo no começo do século XX. Muito significativamente, tinham-se as cláusulas do contrato que disso se ocupavam como “estipulações em favor de terceiro”. Do ponto de vista de um observador moderno, estes contratos contêm estranhas combinações de elementos privatísticos e publicísticos eis que a atividade não se firmara ainda como serviço público. Em particular, o objeto aparta-os nitidamente das modernas concessões de serviço público em que o poder concedente cede temporariamente o exercício de uma função sua para um empresário privado (delegação do exercício de competência ou função pública). Preocupados sobretudo com o fornecimento de energia para serviços públicos comunais e com a cessão de uso do solo municipal, os ajustes não fazem caso de distinguir entre as diferentes fases da indústria (geração, transmissão e distribuição) ou de atribuir importância abstrata à “energia elétrica”. O objeto é a prestação de serviço para a comuna e 237
PANORAMA do Setor de Energia Elétrica no Brasil. Rio de Janeiro: Centro da Memória da Eletricidade no Brasil, 1988. p. 47. 238 Ibidem. p. 47.
também a cessão do uso do solo público municipal para que o empresário realize sua atividade. Mais importante ainda é obter a ocupação com exclusividade. Este o “objeto perfeito” dos contratos deste período (desde a perspectiva das empresas). Não se concedia, primordialmente, a atividade ligada à energia elétrica, mas um uso muito especial e privativo de certo bem público (tanto é assim que, em alguns casos, admitia-se a permanência do empresário explorando o serviço, mesmo depois de expirado o prazo do contrato. Nesse caso, perdia ele, apenas, o privilégio de ocupação exclusiva, para realizar sua atividade privada). A cessão de uso do solo municipal era – neste período marcadamente civilista e contratual – a mais forte justificativa para uma intervenção particularmente intensa do poder público na regulação da atividade: a outorga de exclusividade nessa ocupação permitia e explicava a ultrapassagem das competências puramente “policiais”, em direção a um maior controle de aspectos de gestão da atividade. Regulação barganhada, portanto, em troca do uso exclusivo dos terrenos comunais. As disposições relativas ao serviço e às obras – inclusive para atendimento das necessidades privadas, acessórias – apresentam indubitavelmente traços que diferenciam o ajuste de um puro contrato de direito civil, mesmo para a época. Como regra geral, o contratante era investido de poderes típicos de Estado (desapropriação de terrenos, instituição de servidão administrativa, poderes “de polícia” em face dos usuários etc.), além de isenção de impostos, nos termos da imunidade tributária prevista na Constituição. Também indicam essa especialidade as cláusulas que regulam a instalação dos equipamentos destinados à realização do serviço no solo municipal cedido. Aqui a municipalidade, por contrato, tem amplos poderes fiscalizatórios. Poderia pedir contas, analisar documentos e inspecionar as obras, determinando ao empresário o tipo de equipamento que desejava, os critérios e prazos de construção etc. Quanto ao serviço propriamente dito, as cláusulas costumam prever obrigações genéricas de quantidade e qualidade que poderiam assumir – e de fato assumiam - conteúdos específicos diferentes ao longo do prazo do contrato, permitindo uma (muito) relativa flexibilidade na configuração das obrigações do empresário e uma apreciação maleável do “serviço adequado”. Tudo, porém, dentro dos quadros do contrato, ou, pelo menos, com diretrizes dadas por ele: Condições de “universalização” e continuidade não eram infrequentes, embora a expansão do serviço para as áreas constantes do contrato estivesse normalmente vinculada a certa rentabilidade: o empresário somente estava obrigado a atender novos consumidores quando tivesse assegurado o retorno do capital especificamente investido para propiciar o fornecimento. A isonomia entre consumidores inclusive não era total, na medida em que se previa, expressamente, a possibilidade de ajustes próprios e específicos com privados que, por qualquer motivo, optassem por tal tipo de relacionamento com o empresário. De resto, em boa parte destes contratos, as regras de atendimento eram deixadas à elaboração do empresário. A política tarifária sempre foi o ponto mais sensível da regulação da indústria ao longo de toda a sua vida e por esta época o valor fixado em contrato era lei entre as partes. E os critérios pelos quais era construído não guardavam, declaradamente, relação direta com o custo do serviço, de modo que não se pautavam por um equilíbrio econômico-financeiro entre “entradas e saídas” ou mesmo por qualquer diretriz valorativa, como “justa remuneração”, “modicidade” etc. A variação dos valores, se pactuada, era realizada pela própria concessionária e atendia mais do que ao serviço, ao câmbio (revisões constantes), ou a circunstâncias mais ou menos aleatórias, eleitas pelas partes e aferíveis de tempos em tempos (revisões periódicas). Com efeito, preponderava o sistema da “cláusula-ouro”, i.e., vinculação
do valor do serviço à moeda estrangeira que importava em mecanismos de revisão/reajuste de tarifas determinadas pelas oscilações cambiais. Como se vê, não se estava frente a puros contratos de direito privado e a importância da atividade impunha a admissão de regras que, aperfeiçoadas com o tempo, estão na base de muitas das soluções modernas. Há, porém, que se ter a exorbitância na dimensão correta: as cláusulas e poderes especias existiam porque pactuados e não em função da qualidade de um dos sujeitos ou da natureza da atividade, abstratamente considerada como competência pública. Ademais, existiam na medida em que foram pactuadas: de regra, a Administração não tinha um “poder residual”, decorrente de eventual inalienabilidade de competências. Não há um genérico e apriorístico controle sobre a justa remuneração do empresário, ou sobre suas operações contratuais. A eventual largueza de poderes de que dispõe o poder público decorre da estrutura das cláusulas, mais ou menos abertas, segundo o resultado das negociações. Estes os grandes traços do regime jurídico da indústria elétrica em seu nascimento, i.e., no âmbito dos contratos municipais. Tímida e complementarmente, de início, e agressiva e preponderantemente, depois, a União passou a interessar-se pela atividade. Seu ingresso deu-se, originalmente, pela pela via da regulação – na verdade, fomento – do uso do potencial hidráulico para geração de energia destinada a “serviços públicos federais”. Avançou progressivamente, fazendo uso, em conjunto ou de modo dissociado, de três elementos: “fomento da indústria genericamente considerada”, “destinação da energia elétrica239” e “uso de bem público”. Não é neste período que a atividade, abstratamente considerada, é a causa da regulação jurídica. São elementos extrínsecos que a tornam mais relevante para o Direito. Desses três “motivos para regulação”, foi a circunstância de estar em questão um bem público da maior magnitude, a “hulha branca” (potencial hidráulico), que garantiu a expansão da regulação federal e a centralização da disciplina da indústria, como um todo,240 num processo que culminou com o Código de Águas (1934). O interesse da União estava sobretudo na disciplina do potencial hidráulico. No plano do direito vigente, as disposições mais relevantes encontram-se na Lei 1.145, de 1903 (apenas o art. 23) e em seu regulamento, o Decreto 5.407, de 1904; na Lei 1.316 (apenas o art. 18) também de 1904, e seu respectivo regulamento, o Decreto 5.646, de 1905. A abrangência que estas normas pretendem assumir resulta clara dos próprios textos. A regulação de toda a indústria a partir da geração é o núcleo dos dispositivos. Art. 23. O Governo promoverá o aproveitamento da força hidráulica para transformação em energia elétrica aplicada a serviços federais, podendo autorizar o emprego do excesso de força no desenvolvimento da lavoura, das indústrias e outros quaisquer fins e conceder favores às empresas que se propuserem a fazer esse serviço. Essas concessões serão livres, como determina a Constituição, de quaisquer ônus estaduais ou municipais.
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O seu uso para “serviços públicos federais” (portos, ferrovias etc.) permitiu que a União tratasse de questões de energia elétrica onde, pelo critério da fonte, poderia estar o município (imagine-se a hipótese de instalação de uma usina térmica, que não faz uso de potencial hidráulico, mas que serve a uma repartição pública federal situada em um determinado município). 240 Trabalhava em favor da União uma concepção ainda primitiva da indústria, sem fases demarcadas e que tinha na “usina” não só o ponto inicial como o elemento determinante das demais etapas, “acessórias”, da transmissão e distribuição de energia. Deste modo, a competência para outorga do direito de explorar o potencial hidráulico permitiria a regulação de aspectos próprios dessas outras fases, inclusive, o fornecimento de energia elétrica aos consumidores (cfe. adiante).
Art. 18. Às empresas de eletricidade gerada por força hidráulica que se constituírem para fins de utilidade ou conveniência pública, poderá o Presidente da República conceder isenção de direitos aduaneiros, direitos de desapropriação dos terrenos e benfeitorias indispensáveis às instalações e execução dos respectivos serviços e demais favores também compreendidos no art. 23 da Lei n. 1.145, de 31 de dezembro de 1903241.
Quanto ao conteúdo propriamente dito, a visão de conjunto que ressai desses diplomas mostra um ambiente de oscilação, tanto terminológica – os termos “concessão”, “autorização” e “permissão” continuam sendo intercambiáveis – quanto conceitual, semelhante ao encontrado nos contratos municipais: novamente, um misto de concepções ora mais publicistas (que apontam para a titularidade pública da atividade), ora mais privatistas (que insistem no seu caráter privado). Mesmo com tais oscilações, pode-se individuar no contrato de concessão de uso do bem público o instrumento fundamental de organização da indústria. O primeiro estatuto que tratou exclusivamente de energia elétrica ocupava-se primordialmente dele. É o Decreto 5.407/04 o qual – em estreita conexão com o art. 23 citado – destinava-se a regular “o aproveitamento da força hidráulica para transformação em energia elétrica aplicada a serviços federais”. Do ponto de vista geral, pode-se definir como “barganhada” ou “casuística” a regulação da indústria desse período. Casuística quanto ao conteúdo. Faltante uma regra geral, ajustavam-se as bases do serviço diretamente entre o empresário e o ente público interessado, marginalmente regulado o fornecimento aos privados. Casuística quanto à forma jurídica. Falava-se de “contrato”, de “concessão”, de “autorização”, segundo as conveniências dos envolvidos suas convicções, ou mesmo segundo a configuração da indústria em cada caso. Casuística, por fim, em relação à definição do ente competente para regulá-la. Municípios, União e Estados, cada um por diferentes motivos, habilitam-se a tratar, senão de toda, pelo menos de parte da indústria. Os problemas que acabarão por suscitar o Código de Águas, porém, já começavam a fazer-se presentes no final do período em estudo. A própria expansão da indústria, capitaneada pelas “estrangeiras” Light e Amforp, que faziam um uso crescente e pouco controlado de uma grande riqueza nacional inexplorada, a “hulha branca”, atraía a crítica dos setores nacionalistas. Os aumentos crescentes do custo da energia, feitos quase de modo unilateral pelas empresas, também eram motivo de queixas, tudo imputando-se à “ganância dos trusts estrangeiros”. Além disso, verificaram-se em São Paulo, já no final da década de 20, os famigerados black outs, amplamente comentados pela imprensa da época. Pode-se dizer que desde a década de 20 do século XX, a questão da “energia (hidro)elétrica” ocupou lugar central na agenda política nacional. Dela se ocupará o Código de Águas.
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Enquanto o art. 23 trata das empresas que fornecem a utilidade a serviços públicos federais, o art.18, da Lei do ano seguinte, já se refere genericamente a “empresas de eletricidade gerada por força hidráulica que se constituírem para fins de utilidade ou conveniência pública”. O elemento-chave mantém-se: geração a partir de força hidráulica. A destinação, porém, alarga-se.
O Código de Águas (1934) e seu regulamento (1957) O período que vai da promulgação do Código de Águas até a edição do seu regulamento mais completo, o Decreto 41.019, de 27 de fevereiro de 1957 – esse sim, um verdadeiro Código de Energia Elétrica – pode ser tido, desde a perspectiva estritamente jurídico-conceitual, como homogêneo: é a época clássica das “concessões” e “autorizações”, em que o direito assume como pressuposto básico a prestação do serviço pela iniciativa privada, regulada e fiscalizada pela União federal. Se se trata de serviço público concedido ou se de uma particular forma de atividade privada especialmente controlada e titulada pela União, é questão a ser resolvida. Assiste-se, nesse espaço de tempo, à progressiva centralização e uniformização das regras para a prestação do serviço, elaboradas sob a égide da “concessão fiscalizada” na qual se surpreendem traços da tradição norte-americana e francesa. Antes desse período tem-se a fragmentação e o empirismo dos contratos municipais e depois dele, a estatização da empresa, circunstância que suscitou menos questões jurídicas – ou pelo menos, mitigou a importância dos temas mais candentes, como o da tarifa, substituída por tributos e financiamentos públicos242 – e mais aquelas de tipo técnico-político.243 Neste longo arco de tempo vislumbram-se ainda alguns traços que permitem introduzir-se uma distinção interna, com um primeiro período que vai de 1934 até 1946 (Constituição deste ano) e outro, que se estende entre 1946 e 1957. O marco inicial é, como dito, o Código de Águas. Limitando-se a uma visão de conjunto, pode-se dizer que esta norma é o instrumento fundamental e sistemático do incremento da ação pública sobre uma atividade empresarial, até então realizada por privados submetidos a um regime heterogêneo (municipal), por certo já desviante, em graus variados, do direito privado, mas ainda fragmentário e pleno de lacunas pelas quais transitava a autonomia da vontade. Em termos ainda gerais mas um tanto mais concretos, o Código de Águas é o instrumento de incremento da ação pública federal, que busca dotar a atividade de um regime jurídico publicístico uniforme. Em detrimento de competências públicas estaduais e municipais e da autonomia privada, a União instaura um sistema cada vez mais abrangente – em extensão e profundidade – de intervenção pública na indústria, ou melhor, na atividade de geração de energia a partir de fonte hidráulica com projeção externa.
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Comentando o período: “A questão tarifária e, por extensão, o Código de Águas ficavam, desse modo, fora do eixo de discussão sobre problemas das atividades de energia elétrica.” (PANORAMA do Setor de Energia Elétrica no Brasil. Rio de Janeiro: Centro da Memória da Eletricidade no Brasil, 1988. p. 92) Esse desinteresse pelas questões jurídicas foi levado ao extremo, nos anos seguintes: “Com o Programa de Metas, pode-se afirmar que o perfil do setor elétrico sofreu profunda transformação. [...] O que definiu o final da década de 50 foi que o Estado se incumbiria de toda a expansão e ampliação do parque gerador, não restando praticamente espaço para o capital privado, estrangeiro ou nacional. A partir de então, a discussão passou a ser sobretudo de natureza financeira. No início da década de 1960 brigava-se pelo empréstimo compulsório, pelas tarifas, pela transferência de recursos dentro do orçamento, negociação sobre alíquotas e assim por diante. Toda a rica discussão legislativa da década de 1930 deixava de ter importância, tornando-se secundário o processo de produção normativa do setor – concessões, cálculo de tarifas etc. A relação fundamental passou a se estabelecer entre o governo central e a empresa pública. E foi em torno desses conflitos, dessa dinâmica que ocorreu o desenvolvimento do setor elétrico.” (ELETROBRÁS e a História do Setor de Energia Elétrica no Brasil, A. Rio de Janeiro: Centro da Memória da Eletricidade no Brasil, 1995. p. 48) 243 É, de fato, o período clássico, pois ao final dele “o processo de estatização do setor havia avançado significativamente, e o núcleo da dinâmica institucional tendia a deslocar-se das relações entre o governo e as empresas privadas para a esfera das relações Estado-empresa pública.” (ELETROBRÁS e a História do Setor de Energia Elétrica no Brasil, A. Rio de Janeiro: Centro da Memória da Eletricidade no Brasil, 1995. p. 52)
O núcleo do Código está no potencial de energia hidráulica, tornado propriedade destacável da água onde se situa e com sua exploração submetida a certos títulos (concessão ou autorização) federais. As fases sucessivas da indústria estavam incluídas na respectiva outorga, o que ampliava o universo de intervenção da União, em detrimento, como dito, de Estados e municípios. A partir dessa base, irradiavam-se inúmeras normas pertinentes aos mais variados aspectos da indústria. Nesse ponto, o eixo do Código estava em seu art. 178, que dispunha: Art. 178. No desempenho das atribuições que lhe são conferidas, o Serviço de Águas do Departamento Nacional da Produção Mineral, com aprovação prévia do ministro da Agricultura, regulamentará e fiscalizará o serviço de produção, transmissão, transformação e distribuição da energia hidro-elétrica, com o tríplice objetivo de: a) assegurar serviço adequado; b) fixar tarifas razoáveis; c) garantir a estabilidade financeira das empresas. Parágrafo único. Para a realização de tais fins, exercerá a fiscalização da contabilidade das empresas.
É em torno a esses temas que ocorrerá, por meio das normas posteriores, a “luta pela implementação do Código de Águas”. Nos anos imediatamente seguintes ao Código procura-se, não sem disputas e distorções, sobretudo aplicá-lo (e desenvolvê-lo). A partir da Constituição de 1946 (promulgada apenas dois anos antes da entrada em operação da CHESF, o primeiro grande empreendimento federal na geração de energia elétrica), os traços básicos da legislação permanecem fortes, mas a eles junta-se outra orientação jurídica ditada pelo constante fracasso em realizar plenamente o Código de Águas e pela conjuntura setorial de crise que isto causa. Esta nova orientação regulará a atuação direta estatal, mais confortando-a do que a preparando. De fato, mantendo-se, ainda, sob o domínio da “concessão”, o período que vai da Constituição de 1946 até o Dec. 41.019 de 1957 já acusa os golpes de uma prática que se intensificava, i.e., da crescente estatização do setor, realizada ao longo dos anos 50-70 pela criação de novas empresas estatais e mesmo, em certos casos, pela compra/incorporação de empresas privadas então existentes. No direito deste período aparecem normas sobre financiamentos públicos, arranjos envolvendo a empresa pública, a sociedade de economia mista etc. É importante dizer-se, porém, que essas considerações, se servem para esclarecer a partição, são generalizantes e não revelam aspectos importantes desde a perspectiva institucional. É que, em primeiro lugar, não houve no primeiro período apenas tentativas de desenvolver de modo completo e coerente os princípios do Código de Águas. No trato com a iniciativa privada este diploma foi, por vezes, evitado, contornado pelo próprio direito. As distorções, sempre jurídicas, são também deveras importantes. Por exemplo: enquanto as empresas resistiam às determinações do Código como podiam, sobretudo, ao inventário e tombamento dos bens, à fixação de uma taxa de retorno e ao exame de seus números pelo poder público, este, por sua vez, fazia-lhes uma “guerra” à margem da norma de 1934: congelava as tarifas, impedia novos aumentos das instalações e atendimentos bem como dificultava investimentos das empresas estrangeiras. O resultado mais saliente deste estado de coisas foi o déficit de atendimento, com a sensível diminuição de obras, melhoramentos e manutenções, já no final da década de 30 do século passado (justiça seja feita, não só por conta do Código de Águas, mas também pelas dificuldades de financiamento externo durante a II Grande Guerra, pela própria ideologia do tempo, nacionalista e intervencionista, pouco afeita à iniciativa privada estrangeira, dentre outros fatores). Por conta disso, instituíram-se, em seguida, a prescindir do direito, ou, pelo direito,
mas à margem do Código de Águas, situações de compromisso, deformadoras do sistema apenas implantado. O regulador – o Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica, CNAEE – abrandava certas exigências da legislação para permitir o incremento da indústria e admitia até mesmo o aumento tarifário, sem implementar o regime do serviço pelo custo exigido pelo Código, criando um verdadeiro espaço “paralelo”. O tombamento determinado em março de 1941 e a revisão geral dos contratos anteriores ao Código de Águas não chegaram sequer a ser efetivados244. A Constituição de 1946, que determinou uma nova etapa no setor elétrico, apenas sinalizou ou propiciou uma tendência de atuação estatal direta, ditada mais por necessidade do que por ideologia e assentada no deslocamento do eixo econômico do setor, da tarifa para o imposto (Imposto Único para a Energia Elétrica - IUEE). A intervenção do Estado (União) no setor elétrico, como agente setorial, era preconizada desde há muito e somente ocorreu, de forma consistente e irreversível, algo depois da Carta, com o fracasso da Comissão Mista Brasil Estados Unidos (CMBEU), em 1952. A partir daí a União Federal passará a atuar diretamente no âmbito da geração e transmissão de grande porte, com a utilização dos instrumentos típicos do tempo: a sociedade de economia mista e a empresa pública. A distribuição restaria ainda privada, à qual se juntam, de início timidamente, iniciativas estaduais. Delineia-se, com isso, uma partição de competências informal: geração e transmissão públicas (federais) e distribuição privada (ou estadual), com todas as consequências que isto acarreta (alterações nas fontes de financiamento do setor, via impostos e taxas, entrada de órgãos oficiais de fomento, como o então recém criado BNDES). Como quer que seja, o ponto final deste período está no Decreto 41.019/57, verdadeiro – e único – “Código da Energia Elétrica”. Vale a pena deter-se com certo vagar em tal diploma, não apenas por ser ainda elemento de regulação da indústria (em parte), mas, sobretudo, por constituir-se ele na única norma verdadeiramente orgânica do setor, muito embora seu fundamento formal tenha sido, apenas, a regulamentação do art. 178 do Código de Águas. Ele abarca todos os aspectos relevantes desta indústria, desde a organização dos entes públicos encarregados de controlá-la até a política tarifária, passando por regras gerais sobre outorgas, regime de bens, prerrogativas do concedente, estatuto jurídico do fornecimento de energia e também descentralização das competências públicas, dentre outros. Pretendia o Decreto 41.019 ter espectro amplo, regulador não mais da “energia hidráulica” ou da distribuição e transmissão enquanto acessórios da geração. Seus objetos são os “serviços de energia elétrica”, desimportantes a fonte a partir da qual a geração ocorre ou a autonomia/acessoriedade da rede (art. 2o). Para cada uma destas atividades abraçadas pelo Decreto definições e distinções precisas, até hoje não refeitas pelas normas do setor (arts. 3o, 4o, 5o e 6o).
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O ponto culminante desse desvio foi o Decreto-Lei 5.764, de 19 de agosto de 1943 (infra). Por meio dele, o governo federal resolveu sancionar os contratos anteriores das empresas, apenas substituindo todos os outros poderes concedentes em tais compromissos. Ao mesmo tempo, autorizou, até a assinatura dos novos contratos com a União, o reajustamento das tarifas a título precário, pelo (estranhíssimo) critério de “semelhança e razoabilidade” e não de serviço pelo custo. Na prática este decreto configurava juridicamente uma situação de dualidade no regime tarifário que estabeleceu um mecanismo de convivência entre o Estado, as empresas do setor de energia elétrica e o processo inflacionário da economia brasileira. Como se vê, não houve só implementação do Código, mas também deformação de seus princípios.
Depois de esclarecido o seu âmbito de incidência, seguia-se a disciplina burocrática: quem regula, fiscaliza e, de modo geral, controla estes serviços? Certamente a União, por intermédio de dois órgãos: os já conhecidos Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica (CNAEE) e Divisão de Águas, este último ainda vinculado ao Ministério da Agricultura. De modo genérico, as competências do poder público (governo federal) eram bastante amplas, próprias de um concedente: Art. 120 Compete à Administração Pública resolver sobre: a) as condições técnicas, a qualidade e quantidade do serviço; b) as condições de utilização mais racional e econômica das instalações; c) o acréscimo de capacidade das instalações, e o seu equipamento mais eficiente; d) a extensão do serviço.
Passando da organização geral da indústria para os títulos de exploração, mantinhase a já tradicional dicotomia: concessão/autorização. Deixando de lado a existência da concessão em virtude da potência do empreendimento, a regra que servia para discriminar os dois títulos era a seguinte: onde houvesse oferecimento da atividade a terceiros, i.e., destinação da energia para o “comércio”, para serviços públicos ou serviços de utilidade pública, haveria concessão com delegação de poderes públicos. Em caso de uso restrito, aplicava-se a autorização. Os arts. 65 e 66 do Decreto 41.019 repetiam, com algumas alterações, o esquema do Código de Águas. Ponto importante, a nova norma deixava de tratar a concessão de distribuição como dependência daquela de produção. Os objetos da concessão, portanto, poderiam ser, conjunta ou isoladamente, as atividades descritas nos artigos iniciais do Código (art. 76). Esta concessão, outorgada por Decreto (art. 81 e segs.) e completada por contrato (art. 84 e segs., cfe. adiante), tinha um regime jurídico básico, “legal e regulamentar”, também enunciado em suas linhas gerais: Art. 119 O regime legal e regulamentar da exploração dos serviços de energia elétrica tem por objetivo: a) assegurar um serviço tecnicamente adequado às necessidades do país e dos consumidores; b) estabelecer tarifas razoáveis para a sua remuneração; c) garantir a estabilidade econômica e financeira das empresas.
A situação do usuário parecia aproximar-se daquilo que a doutrina francesa qualificava como “estatuto” e aos concessionários foram dadas, de modo inequívoco, obrigações clássicas do serviço público: Art. 130 Os concessionários de serviços de energia elétrica não podem modificar, por sua própria iniciativa, quaisquer características dos fornecimentos de energia, na geração, transmissão ou distribuição, sem autorização prévia da Fiscalização. [...]
Exigências de continuidade, regularidade e eficiência no serviço eram também marcas deste regime (art. 132). A qualificação do vínculo dos bens com o explorador da atividade restava, porém, ainda um tanto ambígua. Embora tornasse mais orgânica a vinculação do acervo de bens com a atividade que propiciavam, o Decreto 41.019 ainda falava da “propriedade” – do concessionário – “em função do serviço”: Art. 44 A propriedade da empresa de energia elétrica em função do serviço de eletricidade compreende todos os bens e instalações que, direta ou indiretamente, concorram, exclusiva e permanentemente, para a produção, transmissão, transformação ou distribuição da energia elétrica. Parágrafo único. A propriedade abrange a própria fonte de energia hidráulica, quando pertencente ao utente, no caso de águas comuns ou particulares.
Essa propriedade do agente privado, catalogada e inventariada (art. 54), tinha por princípio, porém, a inalienabilidade: Art. 63 Os bens e instalações utilizados na produção, transmissão e distribuição de energia elétrica, constantes do inventário referido nos artigos 54 e seguintes, e ainda que operados por empresas preexistentes ao Código de Águas, são vinculados a esse serviços, não podendo ser desmembrados, vendidos ou cedidos sem prévia e expressa autorização do Presidente da República, mediante decreto referendado pelo Ministro da Agricultura, após parecer do C. N. A. E. E. Art. 64 Para a retirada definitiva de toda ou de partes essenciais das instalações de um serviço de energia elétrica concedido, é necessária a prévia autorização da Fiscalização. Parágrafo único. Dependerá apenas de comunicação à Fiscalização a retirada do serviço ou a modificação das instalações de caráter provisório ou de emergência.
A forma como o Decreto regulamenta a encampação e a fixação das tarifas indica que, mais do que o valor dos bens do concessionário, era o investimento neles feito que servia de parâmetro para essas operações: Art. 62 O investimento reconhecido servirá de base ao cálculo da indenização, no caso de reversão ou encampação, e à determinação das tarifas pelas quais os concessionários cobrarão os serviços que prestarem, quando se tratar de energia destinada a venda. § 1º O montante do investimento inicial será determinado por ocasião da aprovação das obras e instalações (art. 121) e do inventário (art. 56). § 2º As alterações posteriores serão determinadas nas tomadas de contas (art. 29).
Como se vê, a tarifa deveria remunerar não o valor da propriedade, mas o capital invertido na aquisição dela. Art. 58 Investimento das empresas de eletricidade é a importância efetiva e permanentemente empregada na propriedade do concessionário em função da sua indústria (art. 44). Art. 59 O montante do investimento será determinado com base no custo histórico da propriedade em função de indústria, e será expresso em moeda nacional. Parágrafo único. Entende-se por custo histórico a importância real e comprovadamente gasta pelo concessionário e registrada na sua contabilidade.
De outra banda, a “justa remuneração do investimento” era um dos pilares da política tarifária: Art. 164 As tarifas serão fixadas pela Fiscalização: I - sob a forma do serviço pelo custo; II - garantindo a remuneração da empresa sobre o investimento remunerável, avaliado pelo seu custo histórico; III - vedando discriminações entre consumidores dentro da mesma classificação e nas mesmas condições de utilização do serviço.
Mais do que de uma equação econômico-financeira fixada contratualmente, tratava-se de acomodar exigências contrastantes, as do empresário, interessado na melhor remuneração de seu investimento, e de outro, as do público, sempre dirigidas para o menor valor possível. A “tarifa razoável” (art. 78), balanceava estes interesses opostos por meio do conceito de “custo do serviço”, que envolvia a remuneração do capital como um item seu: Art. 165 O custo do serviço compreende: a) as despesas de exploração, tal como enumeradas na classificação de contas; b) a quota de depreciação; c) a quota de amortização ou de reversão, d) a remuneração do investimento; e) as diferenças referidas no artigo 166, §§ 3º e 4º.
Mas, se a base a ser remunerada estava assentada (capital invertido e contabilizado), restava estipular a taxa de retorno. E isto foi feito pelo art. 161, que determinou um retorno da ordem de 10% sobre o investimento. Ficava este item do custo do serviço assim fixado: Art. 171 A remuneração do investimento a ser computada na tarifa será o resultado da aplicação da taxa de remuneração permitida (art. 161) sobre todo o valor do investimento a remunerar (art. 158), independentemente da origem dos recursos com que foi realizado o referido investimento.
A autorização exigia menos atenção, limitada que estava aos empreendimentos de pequena dimensão e sem relevância externa (autoprodução). Não envolvia delegação de poder público, mas poderia tornar-se caduca ou mesmo converter-se em concessão, caso mudasse suas características iniciais. Este, em síntese, o conteúdo do Decreto, editado em um período no qual a iniciativa privada se encontrava “em retirada” do setor elétrico, deixando a cena para as ações públicas: estaduais, nos setores de distribuição de energia (nos respectivos territórios) e geração de pequeno/médio porte; federal, nos setores de transmissão e geração de grande porte (sistema Eletrobrás). Do sistema Eletrobrás à Constituição de 1988 (1962-1988) A partir de 1962, ao lado das empresas estaduais de distribuição e geração de energia que absorviam continuamente as concessionárias privadas, a intervenção pública federal organizou-se em torno do “sistema Eletrobrás”, criado pela Lei 3.898-A deste ano. A partir daí, o setor elétrico não é mais dual: é público – com algumas poucas exceções – e como tal permanecerá até a época das privatizações (anos 90). Durante o período, poucas foram as normas dignas de relevo245, as quais ocuparam-se mais de aspectos pontuais do que de questões de estrutura, o que é plenamente compreensível, dado que a condução da indústria passava a ser feita no âmbito interno destes entes estatais (regulação endógena). Novidade de monta trouxe apenas a Constituição de 1967 (mantida pela E.C. de 1969) no que diz com a indústria elétrica. A Constituição outorgada, ainda que tenha mantido, na essência, as disposições anteriores, acrescentou-lhes uma fundamental inovação que tornou complexa a exegese constitucional das normas do setor elétrico e trouxe para o âmbito do Poder Público ainda mais competências. É que, pela primeira vez em nossa história constitucional, a energia elétrica passou a fazer parte do rol de competências materiais da União Federal: Art. 8º Compete à União: (...) XV - explorar, diretamente ou mediante autorização ou concessão: (...) b) os serviços e instalações de energia elétrica de qualquer origem ou natureza;
Essa regra foi mantida na Constituição de 1988 que trouxe ainda outros dispositivos importantes para a compreensão do setor. 245
Calha referir a Lei 5.899/71 que tratou de disciplinar a inserção jurídica e comercial da usina de Itaipu, então em projeto. Esta Lei está na origem da formação do Sistema Interligado Nacional – SIN.
As bases do atual regime jurídico: a Constituição de 1988246 e as principais normas setoriais Com efeito, a Constituição de 1988 é bastante semelhante àquela de 1967(69) em sua estrutura básica247: também ela configura a indústria elétrica como atribuição da União e mantém as tradicionais competências legislativa e de outorga. Vista em suas linhas gerais, é possível segregar-se a regulação constitucional da indústria em dois momentos distintos, o do bem “fonte” (especificamente, o potencial hidráulico) e o da atividade, “serviços de energia elétrica”, acrescidos tais objetos de um terceiro, as “instalações”. Além de reservar à União a exploração da indústria, a Constituição de 1988 tornou o potencial hidráulico bem público federal (art. 20, inc. VIII e 176), o que configurou uma novidade. Nada obstante essa ulterior centralização, a Constituição reconhece algumas tímidas “aberturas federativas” no âmbito da indústria elétrica. A mais saliente delas248 consta dos arts. 23, inc. XI e 21, XII, “b” in fine: nesses dispositivos, reconhece-se aos Estados-membros e Municípios competências não bem especificadas: enquanto a União, para explorar o potencial hidráulico, deve “articular-se com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos” (art. 21), os Estados-membros e Municípios podem (devem) “registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios” (art. 23, XI).249 De resto, a presença desses entes federativos na indústria resumiu-se a aspectos econômicos. O art. 20, § 1º, reconheceu-lhes direito de participação econômica no resultado da exploração de recursos hídricos localizados em seus territórios para fins de geração de energia elétrica, ou compensação financeira por essa exploração e, especificamente com relação aos Estados-membros, o art. 155 deu-lhes ainda competência tributária exclusiva (art. 155, inc. II; § 2º, inc. X, b e § 3º) – o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, ICMS, substituiu o IUEE. Por fim, os parágrafos do art. 176 (objeto de Reforma pela Emenda Constitucional n. 6⁄95) mantêm as tradicionais informações e condições para a exploração do potencial hidráulico (nacionalidade do empreendedor, dispensa de título250 e participação do proprietário do solo nos proveitos da empresa), ao mesmo tempo em que acrescentam uma orientação finalística, de particular importância: o aproveitamento do potencial hidráulico – 246
Seção baseada na obra do autor, Constituição, energia e setor elétrico, Porto Alegre: Fabris, 2009, caps. IV e
V. 247
Competência normativa: art. 22, inc. IV; competência material, art. 21, inc. XII, b; competência para outorga, art. 176. 248 Ainda que não específico para o setor elétrico, calha lembrar o art. 241, segundo o qual “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.” Esse artigo parece sugerir que seria possível conceber de forma diversa da concessão a participação, p.ex., de empresas estaduais na prestação de serviços (federais) de energia elétrica. 249 Não é fácil apreender o alcance do contido no inciso XI do referido art. 23, que consagra uma instância de competência material comum, cfe. ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988, 2ª ed., São Paulo: Atlas, 2000, p. 131. Para a autora, o inciso XI faz parte da preocupação ambiental da Constituição que dotou a todos os entes federativos de deveres e tarefas neste âmbito. Relaciona-se, assim, com os incisos VI e VII do mesmo artigo. 250 Agora não mais limitada ao uso do potencial para auto-atendimento do sujeito que o explora (como ocorrida nas Constituições anteriores).
qualquer que seja o instrumento jurídico que o viabilize – há de ser feito no interesse nacional (art. 176, § 1º). Essa última circunstância dá margem para a construção de uma hipótese de conciliação entre o art. 176 (que aponta para a titulação do aproveitamento do bem) e o art. 21 (que sugere uma titulação da atividade), construída por meio da figura da concessão de uso de bem público com intuito de interesse público. Feito esse excursus, está-se em condições de enfrentar o núcleo da regulação constitucional da indústria elétrica, composto pelo art. 21, inc. XII, “b” (e, secundariamente, pelo art. 176, caput). Esse é o texto central, em torno do qual se deve arrumar a dinâmica constitucional do setor elétrico: Art. 21. Compete à União: (...) XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: (...) b.) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos.
Dentre todos, esse é o dispositivo que mais ampla e profundamente cuidou das atividades ligadas à produção e oferecimento da utilidade energia. Com efeito, enquanto os demais cuidam de aspectos específicos (questões relacionadas à exploração do potencial hidráulico, aspectos tributários e econômicos, etc.) ou que ultrapassam a indústria elétrica, este a alcança em toda a sua extensão: “serviços e instalações de energia elétrica”, além de “aproveitamento energético dos cursos de água”.251 Aqui há o cometimento à União de uma competência administrativa ou material, espécie que arregimenta inúmeras outras tarefas, acessórias ou instrumentais, as quais são implicitamente conferidas ao ente para levar a cabo a execução do encargo principal. Nesse sentido, por exemplo, poder-se-ia dizer que é ínsita à competência material aquela normativa ou fiscalizatória, enquanto que o inverso não é necessariamente verdadeiro. A principal mensagem normativa do texto é a determinação de uma repartição de competências, em dois planos. No seio do Estado Federal252, ele atribui uma competência administrativa exclusiva à União253, discriminando o que toca ao ente central (União) realizar, sem a “intromissão” dos demais componentes da Federação, Estados-membros e Municípios. Menos evidente, mas não menos importante é a constatação de que essa repartição no âmbito do Poder Público implica, ipso facto, uma repartição de “poderes” no âmbito “público⁄privado”. Assim como aos demais entes federativos não é lícito atuar sponte propria no setor elétrico, também aos privados não é dado ingressar pela via da livre iniciativa, na competência constitucionalmente assinalada à União. Em outras palavras, e deixando a plena justificação dessa assertiva para logo adiante, não assiste direito originário aos particulares para atuar aí; quando e se o fizerem, devem possuir título jurídico habilitante (salvo exceções constitucionais bem marcadas). O qualificativo “exclusiva”, atribuído à competência, opera para todos os quadrantes.
251
O que se segue concentra a atenção na expressão “serviços e instalações de energia elétrica”. Por todos, SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional, 16ª Ed, São Paulo: Malheiros, Título II, Capítulo I. 253 SILVA, cit., p. 496. BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil, 3º vol., São Paulo: Saraiva, 1992, p. 105. Alexandre de Moraes qualifica as competências do art. 21 como “administrativas da União”. MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada, 7ª ed., São Paulo: Atlas, p. 632. ALMEIDA, A repartição de competências, cit., p. 84, fala em competência “privativa”. 252
Isso não significa que esta competência tenha que se manifestar sob as vestes do serviço público. Antes da discussão dessa categoria, há um “momento constitucional” de extrema relevância que é seguidamente desprezado pelas análises de direito administrativo e que consiste, exatamente, na introdução de uma clivagem fundamental entre o público e o privado, no âmbito da atuação direta na arena econômica. A Constituição separa, segrega, reserva algumas atividades produtivas de riqueza para o Poder Público e é por esse dado, assim “puro”, que convém iniciar a análise jurídica, sem a introdução necessária e imediata da categoria do serviço público. Quando uma determinada competência material é atribuída ao Estado, este tem não apenas a responsabilidade de garantir a obtenção da utilidade correspondente (assegurando-se de que terceiros ajam), mas recai sobre ele, mais profundamente, responsabilidade pela própria execução da tarefa (i.é, ele próprio deve agir, direta ou indiretamente, neste último caso mediante delegações de exercício da competência). No caso das normas desse tipo, o termo “compete” significa que o ente competente (e só ele) “tem o dever”. As condições para que surja o dever referido (de prestar) são simples e não envolvem ponderações ou ingentes esforços hermenêuticos de compatibilização entre diferentes comandos, pois a estrutura normativa do art. 21, inc. XII, “b” é típica de uma regra, i.é, correspondente ao esquema “hipótese de incidência”/ “consequência jurídica”: uma vez determinado o objeto da competência (serviços e instalações de energia elétrica), cumpre ao Estado tomar as providências materiais para agir neste âmbito. Com efeito, como lembrado por CANOTILHO, as “normas do direito organizatório” são, fundamentalmente, dentro da tipologia de regras e princípios, regras constitucionais. Estabelecido o locus e o status normativo do art. 21, inc. XII, “b”, é possível proceder ao elenco das questões que suscita, cujas respostas fornecerão não só a ossatura do regime constitucional próprio da indústria elétrica, mas também o panorama articulado dos demais dispositivos antes elencados, em particular o já citado art. 176. O art. 21, inc. XII, “b”, por seu alcance genérico (dirige-se abstratamente a todos os “serviços e instalações de energia elétrica”) e significado (estabelece o elemento básico qualificação jurídica da atividade, ao dizer que ela “compete à União”), é o centro em torno do qual as demais normas gravitam. Uma análise, mesmo perfunctória, do texto normativo sugere três problemas fundamentais de compreensão: 1. o alcance do domínio normativo, expresso pela dicção “serviços e instalações de energia elétrica” (e “aproveitamento energético dos cursos de água”); 2. sentido da expressão que estabelece o comando fundamental: “Compete à União”; 3. o sentido das expressões “explorar diretamente” ou “mediante concessão, permissão e autorização”. Estas questões serão respondidas pelas normas infraconstitucionais que apresentam de forma mais detalhada o específico regime jurídico da indústria e sua organização institucional. Antes, porém, convém fazer um breve inventário das principais leis deste ramo da atividade econômica. Uma das primeiras alterações nos anos posteriores à Constituição Federal de 1988 foi veiculada pela Lei no 8.631, de 4 de março de 1993, e diz respeito à remuneração garantida
dos concessionários, então empresas estatais. Como destaca Antônio Ganim254, os investimentos das empresas concessionárias de serviço público de energia elétrica, desde o advento do Código de Águas, tiveram sua remuneração garantida, inclusive durante o período de construção: Dentre tantas regulamentações em busca da melhoria da situação financeira do setor elétrico, a mais importante e ao mesmo tempo considerada corajosa, foi tomada por meio da edição da Lei no 8.631, de 04.03.1993, que no seu art. 1o, §2o, manteve a tarifa pelo custo, extinguindo o regime de remuneração garantida e a CRC – Conta de Resultados a Compensar, na qual vinha sendo acumulado o valor correspondente à insuficiência de remuneração garantida, que veio a ser quitada pela União Federal através da conversão desse saldo em títulos públicos, denominados no mercado financeiro como ELET´S, que foram utilizados no processo de privatização das empresas do setor elétrico.255
Mais de seis anos após a edição da Constituição Federal de 1988, foi editada a Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que institui o regramento geral das concessões de serviço público, atuando os comandos do art. 175 da Carta Magna. Esta lei serve como referência geral e subsidiária para a regulação setorial que foi, porém, forjada em bases parcialmente diversas. No que tange ao setor elétrico, concomitantemente à edição da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, foi publicada a Medida Provisória no 890, de 13 de fevereiro de 1995,256 que trouxe diversas normas específicas para a indústria da eletricidade. A referida Medida Provisória foi reeditada sucessivamente, convertendo-se, ao final, na Lei no 9.074, de 7 de julho de 1995. Pode-se dizer que foi com tal lei que começou efetivamente a reformulação setorial. É que ela introduziu as figuras que se constituiriam nos pilares da idéia de competição ou de criação de um mercado de energia elétrica: no lado da produção, instituiu a figura do produtor independente de energia – PIE, agente gerador não qualificado como prestador de serviço público e dotado de ampla liberdade negocial (arts. 11 e 12 da Lei 9.074/95, adiante); do lado do consumo criou o consumidor livre (arts. 15 e 16), sujeito qualificado por características de seu consumo e que poderia escolher comprar energia não apenas do distribuidor local, mas de todo e qualquer PIE localizado no Sistema Interligado Nacional. Para viabilizar esta pretendida competição na compra e venda de energia a Lei 9.074/95 dotou os vários competidores do direito de livre acesso às redes de transmissão e distribuição de energia elétrica (adiante). Além destes dispositivos de verdadeiro conteúdo inovador, a Lei no 9.074, de 1995, contém diversas normas específicas sobre as concessões de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, dentre estas as que versam sobre: a) a prorrogação das concessões (arts. 4o, 19 e 22); b) o aproveitamento ótimo e as autorizações no setor elétrico (arts. 5o a 9o); e c) a privatização de concessionárias de energia elétrica (arts. 26 a 30). Do ano seguinte é a Lei no 9.427, por meio da qual foi criada a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, reputada elemento essencial da nova configuração setorial que se pretendia. Além de instituir a referida agência e de prever as suas competências, a sobredita lei: a) contém, para o setor elétrico, atribuições adicionais do Poder Concedente (art. 3º-A); b) traz a definição legal de Pequena Central Hidrelétrica – PCH (art. 26); c) confere regramento aos estudos de viabilidade (art. 28), e; d.) estabelece alguns princípios relativos ao regime econômico-financeiro dos serviços públicos de energia elétrica (arts. 14 e segs.). 254
GANIM, Antônio. Setor Elétrico Brasileiro: aspectos regulamentares e tributários. Rio de Janeiro: CanalEnergia, 2003. p. 26. 255 Op. cit., pp. 26 e 27. 256 Reeditada pelas Medidas Provisórias nos 937, 966, 991, e 1.017, todas de 1995, e esta última foi finalmente convertida na Lei no 9.074, de 7 de julho de 1995.
No ano seguinte, foi editada a Lei no 9.478, de 6 de agosto de 1997, que cuidou da política energética nacional. Entre as suas principais disposições, consta a criação do Conselho Nacional de Política Energética – CNPE e da Agência Nacional do Petróleo – ANP257. O CNPE é formado por Ministros de Estado e por representantes da sociedade civil com o intuito de propor ao Presidente da República políticas nacionais e medidas específicas no setor energético. De 1998 é a Lei no 9.648. Além de reestruturar o Grupo Eletrobrás, este diploma criou o MAE – Mercado Atacadista de Energia Elétrica e o ONS – Operador Nacional do Sistema Elétrico. A regulamentação do ONS e do MAE foi efetuada pelo Decreto no 2.655, de 2 de julho de 1998. Esta Lei, em conjunto com as anteriores (Leis 9.074/95 e 9.427/96) pretendia ter estabelecido um marco normativo caracterizado pela ampla liberdade de ação dos sujeitos privados, delegados dos serviços de energia elétrica. Por força delas, as transações de compra e venda de energia, entre todos os agentes, seriam realizadas em bases livremente negociadas pelas partes (art. 10 da Lei 9.648/98) e as funções regulatórias do poder público deveriam limitar-se a balizar as opções negociais dos sujeitos privados, as quais, por sua vez, seriam os sinais e os fundamentos da expansão da demanda de energia (regulação e expansão pelo mercado). Em 2001, o Brasil passou por grave crise no setor elétrico, chegando a enfrentar, na maior parte de seu território, racionamento de eletricidade. Nesse contexto, foi editada a Medida Provisória no 14, de 21 de dezembro de 2001, convertida na Lei no 10.438, de 26 de abril de 2002. Além de tratar de questões de curto prazo ligadas ao racionamento, como a expansão de energia elétrica emergencial e a recomposição tarifária extraordinária – RTE, cuidou a referida lei de instituir o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica – PROINFA, e a Conta de Desenvolvimento Energético – CDE. Em breve síntese, buscou-se ampliar a oferta de energia de modo a mitigar os efeitos da crise energética de 2001 e prevenir eventuais desabastecimentos de eletricidade nos anos vindouros. Com ela, sinalizase uma inflexão parcial nos rumos até então tomados e que completará no ano de 2004. Neste meio tempo foi editada a Lei no 10.604, de 17 de dezembro de 2002, que criou a subclasse residencial baixa renda, permitindo às camadas menos favorecidas da população o acesso à energia elétrica com tarifas substancialmente reduzidas. Com efeito, em 2004 foram editadas as Leis nos 10.847 e 10.848 258, ambas de 15 de março daquele ano. A doutrina pátria comumente denomina este marco legal de “Novo Modelo do Setor Elétrico”.259 260 Estas normas estabeleceram, sobretudo, um novo modelo no sistema de contratação de energia (compra e venda) e a retomada, pelo Estado, da função de planejamento setorial (adiante). Por fim, no âmbito do Plano de Aceleração de Crescimento – PAC, vale citar a Lei no 11.488, de 15 de junho de 2007, que instituiu o Regime Especial de Incentivos para o
257
Atualmente, a ANP é a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. As referidas leis são objeto de conversão, respectivamente, das Medidas Provisórias nos 143 e 144, de 11 de dezembro de 2003. 259 Por todos, conferir MACHADO, Antônio Carlos Fraga. Evolução da comercialização de energia elétrica: 12 anos de aplicação da Lei no 8.987/95. Revista do Direito da Energia. São Paulo, Instituto Brasileiro de Estudo do Direito da Energia - IBDE. Ano IV, nº 06, novembro de 2007. pp. 42 e ss. 260 Vale observar que outros autores denominam este marco legal de “Novíssimo Modelo do Setor Elétrico”, reservando a expressão “Novo Modelo” para designar a reforma levada a cabo pela Lei no 9.648, de 1998. Entretanto, no presente estudo, a expressão “Novo Modelo do Setor Elétrico” refere-se à reforma de 2004. 258
Desenvolvimento da Infraestrutura – REIDI.261 O aludido regime permite a suspensão da contribuição para o PIS/PASEP262 e da COFINS263, convertendo-a posteriormente em alíquota zero. A aludida lei é regulamentada pelo Decreto no 6.144, de 2007, e, no caso de projetos de energia, aplica-se também a Portaria MME no 319, de 26 de setembro de 2008.
Estrutura institucional do setor elétrico A União não se manifesta no setor elétrico por um único órgão. Por vezes, as suas atribuições são exercidas pelo Presidente da República; em tantos outros casos, suas competências são expressadas por intermédio do Ministério de Minas e Energia; outras vezes, em especial no que tange à política energética, sobressai a atuação do Conselho Nacional de Política Energética – CNPE. A par destes órgãos, o setor ainda conta com a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, o Operador Nacional do Sistema – ONS, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico – CMSE, a Empresa de Pesquisa Energética – EPE e a Câmara de Comercialização de Energia – CCEE, para ficar naqueles mais relevantes. Situado num plano mais amplo do que o elétrico, com a função de formular uma abrangente política energética está o Conselho Nacional de Política Energética – CNPE, criado pela Lei 9.478/97. Suas bases estão dadas nos artigos iniciais desta Lei: Art. 1º As políticas nacionais para o aproveitamento racional das fontes de energia visarão aos seguintes objetivos: I - preservar o interesse nacional; II - promover o desenvolvimento, ampliar o mercado de trabalho e valorizar os recursos energéticos; III - proteger os interesses do consumidor quanto a preço, qualidade e oferta dos produtos; IV - proteger o meio ambiente e promover a conservação de energia; V - garantir o fornecimento de derivados de petróleo em todo o território nacional, nos termos do § 2º do art. 177 da Constituição Federal; VI - incrementar, em bases econômicas, a utilização do gás natural; VII - identificar as soluções mais adequadas para o suprimento de energia elétrica nas diversas regiões do País; VIII - utilizar fontes alternativas de energia, mediante o aproveitamento econômico dos insumos disponíveis e das tecnologias aplicáveis; IX - promover a livre concorrência; X - atrair investimentos na produção de energia; XI - ampliar a competitividade do País no mercado internacional. XII - incrementar, em bases econômicas, sociais e ambientais, a participação dos biocombustíveis na matriz energética nacional. Art. 2° Fica criado o Conselho Nacional de Política Energética - CNPE, vinculado à Presidência da República e presidido pelo Ministro de Estado de Minas e Energia, com a atribuição de propor ao Presidente da República políticas nacionais e medidas específicas destinadas a: I - promover o aproveitamento racional dos recursos energéticos do País, em conformidade com os princípios enumerados no capítulo anterior e com o disposto na legislação aplicável; II - assegurar, em função das características regionais, o suprimento de insumos energéticos às áreas mais remotas ou de difícil acesso do País, submetendo as medidas específicas ao Congresso Nacional, quando implicarem criação de subsídios; III - rever periodicamente as matrizes energéticas aplicadas às diversas regiões do País, considerando as fontes convencionais e alternativas e as tecnologias disponíveis;
261
Sobre o tema, conferir O Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infra-Estrutura – REIDI em projetos de energia. COSTA FILHO, Paulo Gesteira. Revista do Direito da Energia. São Paulo, Instituto Brasileiro de Estudo do Direito da Energia - IBDE. Ano V, no 08, dezembro de 2008. pp. 151 e ss. 262 Programa de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PIS/PASEP. 263 Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS.
IV - estabelecer diretrizes para programas específicos, como os de uso do gás natural, do carvão, da energia termonuclear, dos biocombustíveis, da energia solar, da energia eólica e da energia proveniente de outras fontes alternativas; V - estabelecer diretrizes para a importação e exportação, de maneira a atender às necessidades de consumo interno de petróleo e seus derivados, gás natural e condensado, e assegurar o adequado funcionamento do Sistema Nacional de Estoques de Combustíveis em cumprimento do Plano Anual de Estoques Estratégicos de Combustíveis, de que trata o art. 4º da Lei nº 8.176, de 8 de fevereiro de 1991. VI - sugerir a adoção de medidas necessárias para garantir o atendimento à demanda nacional de energia elétrica, considerando o planejamento de longo, médio e curto prazos, podendo indicar empreendimentos que devam ter prioridade de licitação e implantação, tendo em vista seu caráter estratégico e de interesse público, de forma que tais projetos venham assegurar a otimização do binômio modicidade tarifária e confiabilidade do Sistema Elétrico.
A atuação do CNPE está regulamentada no Decreto no 3.520, de 21 de junho de 2000. O referido conselho edita, com frequência, resoluções no setor energético, que são posteriormente submetidas ao Presidente da República para eventual aprovação. Como regra, as funções típicas do Poder Concedente são exercitadas por meio do Ministério das Minas e Energia, nos termos do art. 3-A da Lei 9.427/96 que estabeleceu uma divisão de competências entre a Agência (art. 3º da Lei 9.427/96) e o Ministério: Art. 3o-A Além das competências previstas nos incisos IV, VIII e IX do art. 29 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, aplicáveis aos serviços de energia elétrica, compete ao Poder Concedente: I - elaborar o plano de outorgas, definir as diretrizes para os procedimentos licitatórios e promover as licitações destinadas à contratação de concessionários de serviço público para produção, transmissão e distribuição de energia elétrica e para a outorga de concessão para aproveitamento de potenciais hidráulicos; II - celebrar os contratos de concessão ou de permissão de serviços públicos de energia elétrica, de concessão de uso de bem público e expedir atos autorizativos. § 1o No exercício das competências referidas no inciso IV do art. 29 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e das competências referidas nos incisos I e II do caput deste artigo, o Poder Concedente ouvirá previamente a ANEEL. § 2o No exercício das competências referidas no inciso I do caput deste artigo, o Poder Concedente delegará à ANEEL a operacionalização dos procedimentos licitatórios. § 3o A celebração de contratos e a expedição de atos autorizativos de que trata o inciso II do caput deste artigo poderão ser delegadas à ANEEL. § 4o O exercício pela ANEEL das competências referidas nos incisos VIII e IX do art. 29 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, dependerá de delegação expressa do Poder Concedente.
A Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL foi criada pela Lei no 9.427, de 1996, originalmente com algumas atribuições típicas de Poder Concedente, a par daquelas regulatórias. Todavia, na reforma levada a cabo pela Lei no 10.848, de 2004, algumas das atribuições da ANEEL retornaram ao MME, de modo a se afirmar que, atualmente, a agência desempenha funções precipuamente regulatórias e fiscalizatórias (art. 3º da Lei 9.427/96). A ANEEL tem atuado de forma descentralizada junto aos Estados, por meio de convênios de cooperação com agências estaduais diversas. As atividades que têm sido objeto de convênios com mais frequência são as de fiscalização e de ouvidoria. Em contrapartida à atuação da agência estadual, a ANEEL repassa recursos financeiros oriundos da taxa de fiscalização. O Operador Nacional do Sistema Elétrico – ONS foi criado pela Lei no 9.648, de 1998, e tem como objetivos precípuos operar o Sistema Interligado Nacional – SIN e coordenar a rede básica de transmissão de energia elétrica. A referida lei elenca suas competências:
a) b) c) d) e) f)
planejar e programar a operação e o despacho centralizado da geração, no intuito de otimizar o SIN; supervisionar e coordenar os centros de operação dos sistemas elétricos; supervisionar e controlar o SIN e as interligações internacionais; contratar e administrar os serviços de transmissão de energia elétrica; propor à ANEEL a expansão das instalações de transmissão, além de reforços nos sistemas existentes; e definir regras para a operação das instalações de transmissão no SIN264.
A Empresa de Pesquisa Energética – EPE é uma empresa pública federal, cuja criação foi autorizada pela Medida Provisória no 145, de 2003, convertida na Lei no 10.847, de 15 de março de 2004. A EPE foi concebida e estruturada para elaborar estudos e pesquisas relevantes para o planejamento do setor elétrico, entre os quais podem ser destacados o Balanço Energético Nacional – BEN e o Plano Decenal de Expansão de Energia – PDE. A EPE deve atender às diretrizes emanadas do MME e os estudos por ela efetuados subsidiarão, na forma do art. 4o, parágrafo único, da Lei no 10.847, de 2004, a formulação, o planejamento e a implementação de ações do Ministério de Minas e Energia, no âmbito da política energética nacional. Uma das atuações da EPE de maior destaque é em exames relacionados à realização de leilões do setor elétrico. Os titulares de empreendimentos termelétricos, por exemplo, antes da realização do certame, encaminham os dados do seu projeto à EPE, que os analisa tecnicamente e aponta aqueles mais atrativos para o SIN. Outra importante atribuição da EPE é a de efetuar estudos de inventário de bacias hidrográficas, identificando potenciais hidráulicos em que podem ser construídas hidrelétricas, elaborando os projetos que darão suporte às respectivas licitações. Com isso, quer-se evitar a assimetria de informações, isto é, que um dos licitantes – o que elaborou o projeto – tenha um conhecimento do empreendimento tão maior do que os seus competidores, de modo que haja verdadeira desigualdade no certame. A Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE, sucessora do extinto Mercado Atacadista de Energia foi disciplinada pela Lei no 10.848, de 2004 e incumbe-lhe, fundamentalmente, a realização das transações de compra e venda de energia de curto prazo, ou “mercado de diferenças” (adiante). Mais especificamente, dentre as atribuições do CCEE, podem ser destacadas: a contabilização e a liquidação dos contratos de energia, tanto daqueles relativos ao Ambiente de Contratação Livre - ACL quanto para o Ambiente de Contratação Regulada – ACR (adiante); e a realização de leilões para compra de energia, na forma do Novo Modelo do Setor Elétrico265.
264
O ONS é um agente de direito privado, sem fins lucrativos, cujos membros são os próprios agentes do setor elétrico nacional. Seu funcionamento é regulamentado pelo Decreto no 5.081, de 14 de maio de 2004. 265 Uma das principais diferenças entre o antigo MAE e a CCEE é que aquele ficava sob o controle dos próprios agentes setoriais. Assim, a comercialização era controlada por membros diretamente interessados nas questões que lhes eram submetidas, gerando distorções diversas. A CCEE, de forma distinta, tem o presidente de seu Conselho de Administração indicado pelo Ministério de Minas e Energia, com poder de veto em face de medidas conflitantes com a política energética.
A disciplina jurídica dos diferentes serviços de energia elétrica Panorâmica regulatória De regra266, refere-se que os objetivos especificamente setoriais são dois, a saber: (a.) a modicidade tarifária; e (b.) segurança e suficiência de abastecimento. Estes dois propósitos devem ainda harmonizar-se com uma exigência de cunho geral, i.e., não especificamente setorial: produção e consumo de energia ambientalmente responsáveis. Para a realização de tais objetivos a disciplina jurídica da indústria elétrica está assentada em algumas bases (princípios), dentre os quais aquela que preconiza competição onde possível e regulação onde necessário. Embora recentemente atenuado ou modificado267, o princípio da competição encontra sua materialização na distinção entre atividades competitivas e atividades monopolistas, no setor elétrico. As primeiras são a geração e a comercialização (art. 2º do Dec. 2.655/98) e as segundas, a transmissão e – sobretudo – a distribuição de energia, consideradas, pelas regras setoriais, os serviços públicos – por excelência – de energia elétrica, por tipificarem, do ponto de vista econômico, monopólios naturais. A coordenação entre o “momento competitivo” e o “momento monopolista” está centrada na idéia de livre acesso às redes dos monopolistas pelos demais agentes setoriais (art. 15, § 6º da Lei 9.074/95). Em termos singelos que serão desenvolvidos mais adiante, os agentes setoriais realizam dois grandes gêneros de transação, a compra e venda de energia propriamente dita (competitiva) e a disponibilização da infraestrutura de rede (monopolista). Elemento indispensável para o estabelecimento dessa orientação é a desverticalização de atividades (art. 20 da Lei 10.848/04; art. 9º da Lei 9.648/98), movimento societário que pretende segregar as atividades e economias das diferentes fases da indústria, com o objetivo de evitar imputações de custos/benefícios de um para outro segmento e o consequente falseamento da concorrência nas atividades de geração e comercialização. A par destas características genéricas, estabelecidas já nos primeiros momentos da reformulação setorial (Leis 9.074/95; 9.427/96 e 9.648/98), algumas outras notas e fundamentos importantes foram estabelecidas pelo chamado “Novo Modelo do Setor Elétrico”, forjado pelas Leis 10.848/04 e 10.847/04. Dentre estes, o elemento mais importante foi a reformulação quase completa dos arranjos contratuais de compra e venda de energia elétrica entre geradores, comercializadores, consumidores livres e distribuidores, com a instituição de dois ambientes distintos de contratação, o Ambiente de Contratação Regulada (ACR) e o Ambiente de Contratação Livre (ACL, cfe. adiante). Além dele, calha lembrar o estabelecimento de uma nítida distinção entre as funções do Poder Concedente e Agência Reguladora (os novos arts. 3º e 3-A da Lei 9.427/96, já referidos) e um reforço das competências públicas no âmbito do setor elétrico, sobretudo com a retomada da atividade de planejamento da expansão. Expostos os traços mais abrangentes, vai-se a um exame dos diferentes agentes setoriais.
266
Sobre a enunciação dos objetivos e princípios do Novo Modelo do setor elétrico, consulte-se, Ministério de Minas e Energia – Proposta de Modelo Institucional do Setor Elétrico, Brasília, DF, 2003. 267 Com a criação, feita pela Lei 10.848/04, de dois ambientes de contratação, o Ambiente de Contratação Livre ACL e o Ambiente de Contratação Regulada- ACR.
Geração de energia elétrica A perfeita compreensão da função de geração de energia elétrica – e mesmo das contratações setoriais – exige a retomada de algumas noções apresentadas na introdução. Como lá referido, a maior parte do território nacional encontra-se servida por uma extensa malha de transmissão de energia elétrica que interliga as diversas unidades de produção e os diversos centros de consumo nacionais. Esta peculiaridade exige distinguir entre a operação e os negócios de um agente gerador. A operação, ou efetiva produção de energia é, de regra, integrada268 e realizada em bases puramente técnicas (i.e., sistêmicas), por um agente central, o Operador Nacional do Sistema - ONS, visto acima. É o ONS que, possuindo uma visão geral do sistema elétrico nacional em tempo real, tem condições de determinar a melhor forma sistêmica de atender ao consumo brasileiro. As decisões de operação das diferentes usinas que este ente toma não levam em consideração questões contratuais deste ou daquele gerador mas apenas exigências de suficiência e economicidade do atendimento da demanda: em termos singelos, o ONS opera o sistema com a atenção voltada para seu bom funcionamento. Consoante com tal característica da operação, as regras setoriais retiram de cada gerador individualmente considerado, a decisão operativa. Ele entrará em operação (“despachará”, no jargão setorial), quando e se a tanto determinado pelo ONS (que considera, para tal determinação, questões de preço de geração, condições dos reservatórios, situação do sistema de transmissão etc.). Contraposto a esta estrita vinculação operacional está o aspecto comercial ou negocial. De regra, cada agente gerador tem disponibilidade sobre o montante e o preço da energia que transaciona e o faz segundo seus interesses comerciais (este enunciado carece ser detalhado, mas é aqui formulado de forma genérica para melhor compreensão do ponto). A compatibilização desta aparente discrepância entre a decisão de produzir e a de comercializar é resolvida, no setor elétrico, pela noção de lastro de energia prevista na Lei 10.848/04 e regulamentada pelos arts. 2º e segs. do Decreto 5.163/04). De modo simples, lastro é a quantidade física de energia que cada agente gerador pode comprometer em seus contratos de compra e venda de energia. É uma grandeza fixa, independente da efetiva geração (realizada segundo comandos do ONS), estabelecida quando da concepção do empreendimento e prevista nos respectivos atos de delegação. Assim, no momento de sua entrada em funcionamento, cada gerador conhece a quantidade de energia que lhe está atribuída, independentemente de seu despacho. A solução das discrepâncias entre os montantes efetivamente gerados e aqueles comercializados por cada agente gerador (com base em seu lastro) é resolvida comercialmente, por meio de um mercado de diferenças (abaixo). Estabelecidas essas premissas de compreensão, pode-se prosseguir no exame das diferentes figuras jurídicas de geração de energia elétrica. A rigor, várias poderiam ser as classificações com consequências jurídicas relevantes. Assim, por exemplo, poder-se-ia estabelecer uma distinção segundo a fonte de energia aproveitada, na medida em que este elemento é base para diferentes regras relativas à outorga e regime jurídico (geração nuclear, eólica, a gás, hidrelétrica etc.). Tradicionalmente, porém, costuma-se estabelecer a seguinte tripartição: (a.) gerador em regime de serviço público; (b.) produtor independente de energia; (c.) autoprodutor.
268
Pela escassa importância, desconsideram-se, nessa exposição, as usinas despachadas descentralizadamente.
Gerador em regime de serviço público é a figura tradicional, concebida pelas regras setoriais desde o Código de Águas (rectius: originada de uma certa interpretação de suas normas) e mantida pelos movimentos de reforma da década de 90, sobretudo para qualificar os empreendimentos então em operação269. Formalmente qualificados como concessionário de serviços públicos, tais sujeitos estavam submetidos a uma política tarifária específica e a um específico regime de contratação, para atender ao mercado das empresas distribuidoras de energia elétrica. Atualmente, porém, no que respeita ao regime jurídico, os concessionários de serviço público não acusam diferenças marcantes relativamente à figura do produtor independente de energia, visto que, como ele, estão também submetidos à operação centralizada e têm disponibilidade para vender sua energia (até o limite de seu lastro) sob diversas formas, tanto em regime de liberdade negocial quanto no plano da contratação regulada (adiante). A figura da produção independente de energia – PIE foi uma novidade introduzida, como visto, para servir como uma alternativa competitiva à geração em regime de serviço público. Formalmente, trata-se de uma concessionário de uso de bem público (quando a geração é hídrica) ou de um autorizado (arts. 5º e segs. da Lei 9.074/95) que pode transacionar sua energia (quantidades e preços) com ampla liberdade negocial, sem as “amarras” tarifárias e regulatórias dos prestadores de serviço público. Já os autoprodutores seriam também, conforme o caso, concessionários de uso de bem público ou agentes autorizados (arts. 5º e segs. da Lei 9.074/95), com vocação eminentemente “interna”, i.e., voltados para o atendimento das necessidades energéticas próprias do agente. Nada obstante essa vocação, a legislação admite que tal sujeito comercialize o excedente de energia produzida, mediante prévia autorização da ANEEL (art. 26 da Lei 9.427/96). Transmissão de energia elétrica O art. 17 da Lei 9.074/95 distinguiu, dentre as instalações de transmissão: (a.) as que se destinam à formação da Rede Básica do Sistema Interligado Nacional; (b.) as de âmbito restrito do agente distribuidor de área; (c.) as de âmbito restrito de um específico agente gerador. Enquanto as hipóteses (b.) e (c.) aderem, juridicamente, à função principal (geração ou distribuição), o caso (a.) configura o típico serviço público de transmissão de energia elétrica por congregar as instalações que possuem uma importância sistêmica e que formam a Rede Básica do SIN. Para este, o regime jurídico é marcado por intensa carga regulatória. Também nessa fase da indústria, como no caso da geração interligada, a operação das linhas de transmissão não é deixada ao arbítrio de cada agente transmissor individualmente considerado, mas entregue ao Operador Nacional do Sistema – ONS, que realiza tal tarefa – como no caso da geração – a partir de critérios sistêmicos relativos à melhor forma de escoamento da energia gerada nos diferentes centros de produção. Para tanto, cada agente transmissor celebra com o Operador contratos de disponibilização de suas instalações, nos quais, fundamentalmente, assume a obrigação de operar suas linhas segundo as determinações deste. 269
Em verdade, pela Lei 9.648/98 (art. 7º) havia a possibilidade de converter-se o regime de serviço público para aquele de produção independente quando da privatização da empresa.
No plano econômico, o serviço público de transmissão encontra-se submetido à política tarifária estabelecida pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL que estipula, para cada agente, uma receita anual permitida – RAP, a ser obtida por meio das tarifas de uso dos sistemas de transmissão – TUSD, pagas por cada acessante da rede (é a contrapartida da obrigação de livre acesso, já referida). Os negócios que suportam este uso são o Contrato de Conexão ao Sistema de Transmissão – CCT e o Contrato de Uso do Sistema de Transmissão – CUST. Distribuição de energia elétrica Tal como no caso da transmissão, a outra atividade de rede configura, via de regra, serviço público concedido270 e é realizada em caráter de exclusividade de área (i.e., na zona demarcada no contrato de concessão não poderá haver outro agente de rede). Diferentemente do caso do agente transmissor, porém, o distribuidor de energia, além de explorar sua infraestrutura (rede), realiza ainda a importantíssima tarefa de venda de energia a certos consumidores. Como já sinalizado, nos termos do art. 15 da Lei 9.074/95, há dois tipos de consumidores de energia elétrica: aqueles que, por suas características de consumo, podem optar por realizar a compra de energia de qualquer agente do SIN a tanto habilitado, e os demais, obrigados a comprar a utilidade apenas do distribuidor (titular da infraestrutura) da área. Estes são os consumidores cativos. Em relação a estes, o distribuidor disponibiliza a rede e realiza o fornecimento de energia em bases reguladas. Neste âmbito, submete-se a uma específica política tarifária (na qual salienta-se a figura da revisão tarifária ordinária) fundada na idéia de modicidade e de equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão de serviços públicos. Também nesse plano o distribuidor obriga-se a garantir que o fornecimento ocorrerá segundo certos padrões e exigências de qualidade, estabelecidas pelo regulador. A par desta primordial tarefa, o distribuidor também tem o dever de garantir o livre acesso às suas redes por parte de acessantes que transacionam energia com eventuais consumidores livres localizados em sua área de concessão. Nesse ponto, realiza uma tarefa em tudo semelhante à transmissão (não vende energia mas apenas cede a infraestrutura) e celebra contratos análogos (CCT e Contrato de uso do sistema de distribuição – CUSD). Comercialização A comercialização – figura introduzida com as reformas de 1995 - requer, apenas, uma autorização da ANEEL (Lei 9.427/96, art. 26) e não envolve, de regra, a titularidade de instalações de energia elétrica. O comercializador realiza, apenas, atos de comércio, i.e., compra e venda de energia elétrica, adquirindo a utilidade de diferentes geradores e (re)vendendo-a a consumidores livres, cfe. adiante.
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As cooperativas de eletrificação rural possuem um qualificação sui generis (autorização ou permissão) que não será tratada aqui.
Contratos de energia elétrica Ponto de convergência de todos os agentes setoriais, a contratação da energia constitui-se na finalidade última e natural da indústria. Em tal denominação ampla estão compreendidas todas as hipóteses em que a utilidade é transacionada. Na atual configuração do setor elétrico brasileiro, são muitas as combinações subjetivas (os contratantes) e objetivas (as modalidades de negócio) de compra e venda de energia, de tal sorte que seria demasiado complexo enumerá-las e analisá-las todas. Fica-se com as possibilidades mais usuais que ainda são em grande número: os geradores de energia elétrica (em particular o PIE e aquele em regime de serviço público) podem vender energia para distribuidores, consumidores livres e comercializadores; os distribuidores fornecem-na a seus consumidores cativos; os comercializadores vendem-na a consumidores livres; em certos casos, os distribuidores transacionam energia entre si e così via. O que segue concentra-se naquelas corriqueiras, agrupadas em dois ambientes negociais distintos, o Ambiente de Contratação Regulada – ACR e o Ambiente de Contratação Livre – ACL. Antes, porém, de explorar esta distinção, convém explicitar uma peculiaridade do setor – mais uma. Para bem compreender o funcionamento dos contratos de compra e venda de energia é imprescindível ter presente o descompasso entre o momento efetivo (“real”) do consumo e o momento contratual, subjacente e anterior. O consumo é uma circunstância empírica, que ocorre e é determinado pela necessidade de energia de determinado sujeito e as possibilidades técnicas de atendimento. A necessidade de energia verificada a cada momento é satisfeita segundo a melhor opção sistêmica (lembre-se da operação coordenada, realizada pelo ONS) e não pelo específico agente com o qual o consumidor realizou a contratação; a dimensão de tal necessidade sequer é necessariamente aquela contratada previamente: no jargão setorial diz-se que o consumidor é atendido pelo sistema e na medida em que necessita da energia. Como se vê, a contratação não determina o funcionamento efetivo do SIN e o consumo ocorre em outras bases. Em socorro de um possível arranjo contratual vêm então as figuras de lastro (já visto) e mercado de diferenças. Lastro: ainda que, por força de determinações da operação centralizada, o agente vendedor não tenha produzido toda a energia que vendeu, o sistema como um todo, garante o atendimento de seus consumidores, reconhecendo seus contratos até o limite do respectivo lastro. Mercado de diferenças: periodicamente são feitos “acertos de contas” entre vendedores e compradores no âmbito do SIN. À semelhança do ONS que coordena a operação, existe, no plano da contratação, um agente centralizador que “conhece” a situação contratual (venda e compra) de todos os agentes do SIN, e a compara, de tempos em tempos, com as efetivas posições que assumiram no jogo da produção e consumo. As – sempre existentes – discrepâncias de um agente, relativamente à sua posição contratual e seu comportamento real são resolvidas por meio de transações “de sobras e diferenças”, no chamado mercado de curto prazo. Apresentada, ainda que sumariamente, esta característica sui generis, pode-se partir para a descrição dos principais ambientes e contratos setoriais: grosso modo, distinguemse os contratos de energia entre livres e regulados, com a criação dos respectivos ambientes – ACL e ACR. No ACL vige o princípio estampado no caput do art. 10 da Lei 9.648/98: Art. 10. Passa a ser de livre negociação a compra e venda de energia elétrica entre concessionários, permissionários e autorizados, observados os seguintes prazos e demais condições de transição: (...)
Participam do ACL os consumidores livres, de regra como compradores, e os geradores (PIE‟s e aqueles em regime de serviço público, e mesmo autoprodutores com excedentes) e comercializadores, todos como vendedores. Relativamente a este mercado, as únicas exigências regulatórias estão na necessidade de apresentação de lastro para contratação e informação das necessidades de consumo dos consumidores livres que aí transacionam energia (art. 3º § 1º da Lei 10.848/04). No ACR as regras são mais estritas e os controles mais intensos. É aí que ocorrem, fundamentalmente, dois tipos de contratação de energia: compras de energia das empresas distribuidoras, necessárias ao atendimento dos respectivos mercados (“suprimento”); fornecimento de energia das distribuidoras a seus consumidores cativos (“fornecimento”). O traço característico da contratação regulada de suprimento consiste na conjugação das compras de todas as empresas distribuidoras de energia em determinados momentos e na consequente organização de uma compra conjunta de todas elas, em face dos agentes vendedores. Este sistema de compras em bloco é todo ele regulado e supervisionado pelo Poder Concedente que (a.) recolhe e centraliza as informações relativas às necessidades de compra de cada distribuidora; (b.) determina as datas das compras; (c.) confecciona os termos dos contratos de suprimento; (d.) estabelece um preço teto para as compras; (d.) promove o leilão de compra de energia, entre os vendedores interessados. Com base neste certame, vencem os vendedores que ofertarem o menor preço, até que se supram as necessidades de compra do conjunto das distribuidoras. Uma peculiaridade adicional destas contratações (ACR) é que todos os vendedores celebram contratos com todos e cada um dos compradores (“contratos cruzados”). Se este é o itinerário padrão, o modelo setorial distingue-se entre as compras de energia necessárias para a manutenção do mercado e aquelas exigidas para sua expansão. A propósito, empregam-se as expressões “energia velha” e “energia nova”. As compras de “energia nova” destinam-se a assegurar a expansão do parque gerador nacional. Elas são, em verdade, o mecanismo que, por via da seleção do melhor contrato de suprimento, realiza a competição pela outorga de novos empreendimentos de geração. Com efeito, a estrutura destas compras é complexa e envolve, em verdade, duas operações jurídicas distintas: a seleção do contratante vendedor que se dispõe a suprir energia pelo menor preço e a outorga da concessão ou autorização para a construção e exploração do (novo) empreendimento que será o responsável pelo suprimento futuro271. Por outro lado, o setor elétrico brasileiro possui inúmeros empreendimentos totalmente ou substancialmente depreciados, razão pela qual optou-se por circunscrever o âmbito da atuação deles ao mercado existente das empresas distribuidoras. É a compra de
271
Os leilões de energia nova foram denominados A-3 (“A” menos três) e A-5 (“A” menos cinco), para empreendimentos que deveriam entrar em operação, respectivamente, em três e cinco anos da realização do leilão. Por se objetivar atender ao princípio da modicidade tarifária, com os benefícios aos consumidores que lhe são inerentes, privilegiou-se como critério para escolha do licitante vencedor a menor tarifa. Foi suplantada, assim, a opção anterior, por meio do qual se sagraria vencedor aquele que oferecesse maior valor pela utilização de bem público – UBP.
“energia velha” que se realiza também periodicamente, e pelo mesmo procedimento do leilão pela menor oferta de preço. Este suprimento (ACR: de energia nova ou energia velha) é destinado ao atendimento do mercado cativo das empresas distribuidoras que, por sua vez, fornecem energia a estes sujeitos. Esta segunda relação de compra e venda no âmbito do ACR encontra-se totalmente regida pelo direito público, em particular, a Lei 8.987/95 e as disposições acerca do regime econômico-financeiro dos serviços públicos de energia elétrica (arts. 14 e 15 da Lei 9.427/96). Em particular, incide aqui o art. 6º da Lei Geral: Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato. § 1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas. § 2º A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço. § 3º Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando: I - motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e, II - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.
Por fim, e como ponto de encontro de todas essas contratações (exceção feita ao fornecimento) de energia, há o já referido mercado de curto prazo, realizado no âmbito da Câmara de Comercialização de Energia – CCEE. Para poder realizar sua função de “acerto de contas”, a CCEE deve (a.) conhecer o panorama total das contratações de compra e venda setorial; (b.) conhecer os resultados da operação do Sistema, realizada pelo ONS e, finalmente, (c.) realizar o fechamento dos negócios de curto prazo. Nos termos setoriais, a CCEE contabiliza e liquida as operações comerciais do mercado de energia: Art. 2º A CCEE terá, dentre outras, as seguintes atribuições: (...) II - manter o registro de todos os Contratos de Comercialização de Energia no Ambiente Regulado - CCEAR e os contratos resultantes dos leilões de ajuste, da aquisição de energia proveniente de geração distribuída e respectivas alterações; III - manter o registro dos montantes de potência e energia objeto de contratos celebrados no Ambiente de Contratação Livre - ACL; IV - promover a medição e o registro de dados relativos às operações de compra e venda e outros dados inerentes aos serviços de energia elétrica; V - apurar o Preço de Liquidação de Diferenças - PLD do mercado de curto prazo por submercado; VI - efetuar a contabilização dos montantes de energia elétrica comercializados e a liquidação financeira dos valores decorrentes das operações de compra e venda de energia elétrica realizadas no mercado de curto prazo; (...)
Os valores pelos quais a CCEE realiza tal liquidação constituem o chamado preço de liquidação de diferenças – PLD, a ser pago por todos aqueles que ou consumiram mais energia do que tinham originalmente contratado ou produziram abaixo do montante que contrataram vender e tiveram seus negócios atendidos pelo sistema. Estes, de forma muito condensada, os principais negócios de compra e venda de energia elétrica. A seguir, são telecomunicações brasileiro.
abordadas
as
características
regulatórias
do
setor
de
Setor de Telecomunicações Histórico normativo das telecomunicações no Brasil Primórdios da regulação do setor de telecomunicações Nem sempre foi da União a competência privativa de operacionalização272 e normatização273 do setor de telecomunicações. Nas constituições anteriores, tratava-se dos serviços de telecomunicações como um todo monolítico. Na Constituição Federal de 1891274, havia apenas a referência à competência tributária da União e dos Estados-Membros para taxar os correios e telégrafos, de onde se deduzia a competência para disciplinar o serviço de telegrafia. As Constituições de 1934275 e de 1937276 dedicavam um único inciso aos serviços de telégrafos, radiocomunicação, navegação aérea e vias férreas. A Constituição Federal de 1946277, por sua vez, divisou a radiodifusão e a telefonia dos tradicionais serviços de telégrafos e de radiocomunicação. Com a Constituição de 1967278 e a Emenda Constitucional n. 1, de 1969, passou-se a disciplinar a competência da União para os serviços de telecomunicações como um todo, sem outras especificações. Inovando, a Constituição Federal de 1988279 introduziu a distinção de tratamento inicialmente entre „serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens‟ de um lado, e os 272
Art. 8o, XV, a da Constituição Federal de 1967 e Emenda Constitucional nº. 1, de 1969; art. 21, XI e XII, a da Constituição Federal de 1988. 273 Art. 8o, XVII, i da Constituição Federal de 1967 e Emenda Constitucional nº. 1, de 1969; art. 22, IV da Constituição Federal de 1988. 274 Constituição Federal de 1891: “Art. 7o É da competencia exclusiva da União decretar: 4o Taxas dos correios e telegraphos federaes; Art. 9o É da competencia exclusiva dos Estados decretar impostos: §1o Tambem compete exclusivamente aos Estados decretar: 2o Contribuições concernentes aos seus telegraphos e correios.” (CAMPANHOLE, Adriano e Hilton Lobo. Constituições do Brasil. 13aed., São Paulo: Atlas, 1999, p. 752-753). 275 Constituição Federal de 1934: “Art. 5o Compete privativamente à União: VIII, explorar ou dar em concessão os serviços de telegraphos, radio-communicação e navegação aerea, inclusive as installações de pouso, bem como as vias-ferreas que liguem, directamente portos maritimos a fronteiras nacionaes, ou transponham os limites de um Estado.” (CAMPANHOLE, Adriano e Hilton Lobo. Constituições do Brasil. 13aed., São Paulo: Atlas, 1999, p. 683-684). 276 Constitução Federal de 1937: “Art. 15. Compete privativamente à União: VII – explorar ou dar em concessão os serviços de telégrafos, rádio-comunicação e navegação aérea, inclusive as instalações de pouso, bem como as vias férreas que liguem diretamente portos marítimos a fronteiras nacionais ou transponham os limites de um Estado.” (CAMPANHOLE, Adriano e Hilton Lobo. Constituições do Brasil. 13aed., São Paulo: Atlas, 1999, p. 599). 277 Constituição Federal de 1946: “Art. 5o Compete à União: XII – explorar, diretamente ou mediante autorização ou concessão, os serviços de telégrafos, de radiocomunicação, de radiodifusão, de telefones interestaduais e internacionais, de navegação aérea e de vias férreas, que liguem portos marítimos a fronteiras nacionais ou transponham os limites de um Estado.” (CAMPANHOLE, Adriano e Hilton Lobo. Constituições do Brasil. 13aed., São Paulo: Atlas, 1999, p. 474). 278 Constituição Federal de 1967 e Emenda Constitucional nº 1, de 1969: “Art. 8o Compete à União: XV – explorar, diretamente ou mediante autorização ou concessão: a) os serviços de telecomunicações;” (CAMPANHOLE, Adriano e Hilton Lobo. Constituições do Brasil. 13aed., São Paulo: Atlas, 1999, p. 384 e 256257). 279 Constituição Federal de 1988: “Art. 21. Compete à União: XI – explorar, diretamente ou mediante concessão a empresas sob controle acionário estatal, os serviços telefônicos, telegráficos, de transmissão de dados e demais serviços públicos de telecomunicações, assegurada a prestação de serviços de informações por entidades de direito
„serviços públicos de telecomunicações‟, de outro, enumerando, expressamente, os telefônicos, os telegráficos, e os de transmissão de dados como serviços públicos. Mais tarde, a Emenda Constitucional n. 8, de 1995,280 introduziu a distinção simplesmente entre „serviços de telecomunicações‟ e „serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens‟. Além dessa distinção entre os serviços nomeados de telecomunicações pelo diploma maior e os apartados deste rol comum e denominados de radiodifusão, promoveu-se a um nítido tratamento diferenciado das concessões, permissões e autorizações de radiodifusão submetidas ao art. 223 da Constituição Federal de 1988. O movimento de segregação entre os serviços de radiodifusão e os serviços comuns de telecomunicações foi seguido de disciplina infraconstitucional dada pela Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97), que submeteu todos os serviços de telecomunicações às suas disposições exceto os serviços de radiodifusão, cujo tratamento normativo permaneceu submisso ao antigo Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/62) à exceção da competência da ANATEL sobre a alocação e questões correlatas ao espectro eletromagnético. Estas distinções visíveis no ambiente constitucional ombrearam com inúmeras outras distinções entre serviços de telecomunicações implementadas em foro infraconstitucional advindas da evolução tecnológica e das peculiaridades de tratamento normativo exigidas por cada espécie de serviço de telecomunicações, que começaram sua especialização a partir do Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962.281 A multiplicação dos serviços de telecomunicações teve reflexos na produção normativa infraconstitucional e infralegal (decretos, portarias, resoluções, atos, dentre outros), gerando vasta regulamentação tanto mais específica quanto mais específicos os serviços a que se referem. Este movimento de submissão incondicional às demandas de evolução tecnológica encontrou certa sistematização normativa na Lei Geral de Telecomunicações – LGT (Lei 9.472/97), cujas disposições divisaram os serviços de telecomunicações em tópicos com efeitos jurídicos distintos capazes de desenhar blocos de serviços com características comuns, hierarquizando serviços e permitindo a racionalização regulamentar por intermédio de conceitos tais como os de público e privado, de interesse coletivo e de interesse restrito. Além destas distinções entre os serviços de telecomunicações, a LGT dispôs sobre três outros conceitos, que refletem o ambiente de transmissão e transporte de informações: as redes de telecomunicações; a radiofrequência; e as órbitas. O histórico do setor de telecomunicações brasileiro revela-se fundamental para o entendimento da evolução de tratamento, por parte do ordenamento jurídico brasileiro, bem como de atuações administrativas daí resultantes, de temas regulatórios vários, como o de universalização dos serviços, fomento, intervenção e estruturas estatais de controle. O telégrafo foi o primeiro serviço de telecomunicações destinado a exploração industrial no Brasil, que se apresentou como um dos pioneiros a entrar na era das telecomunicações já no século XIX. Em 11 de maio de 1852, foi instalada a primeira linha de telégrafo no Rio de Janeiro e, em 1855, um órgão estatal para o setor passou a operar sob a privado através da rede pública de telecomunicações explorada pela União; XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora, de sons e imagens e demais serviços de telecomunicações.”. 280 Constituição Federal de 1988, com a redação da Emenda Constitucional nº 8, de 1995: “Art. 21. Compete à União: XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais; XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens.” 281 Cf.Ato nº. 3.807, de 23 de junho de 1999, da ANATEL, que dispõe sobre a classificação dos serviços de telecomunicações quanto aos interesses que atendem.
insígnia de Diretoria Geral dos Telégrafos Elétricos. A partir de 1858, tornava-se possível o uso público do telégrafo no Brasil. Por sua vez, o primeiro telefone instalado no País passou a operar em janeiro de 1877, tendo sido presenteado ao Imperador D. Pedro II por Graham Bell, que, após inúmeras contendas judiciais, foi reconhecido pelos tribunais norte-americanos como seu inventor. As autorizações para prestação de serviços de telefonia foram inauguradas com o Decreto 7.539, de novembro de 1879, quando um norte-americano chamado Charles Paul Mackie pôde prestar tais serviços no Rio de Janeiro e Vitória por intermédio de empresa constituída em 11 de outubro de 1880, em Nova York, intitulada Telephone Company of Brazil. As cidades de São Luís (MA), Fortaleza (CE), Recife (PE), Maceió (AL), Salvador (BA), Campos (RJ), Ouro Preto (MG), Santos (SP), Campinas (SP), Curitiba (PR), Porto Alegre (RS), Pelotas (RS) e Rio Grande (RS) foram alcançadas poucos anos depois. Outro ator entrou em cena em 1889, com a transferência dos serviços de telefonia do Rio de Janeiro para a empresa alemã Brasilianische Elektricitäts Gesellschaft, que recebeu concessão de 30 anos para exploração do serviço. Também em 1889, foi outorgada concessão para a primeira linha interurbana no país entre as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Em 1907, a empresa alemã foi incorporada pela Rio de Janeiro Telephone Company, com sede nos Estados Unidos. A Rio de Janeiro Telephone Company foi, por sua vez, incorporada, no Canadá, em 1912, pela Brazilian Traction Light & Power, que criou, em 1916, sua subsidiária no Brasil intitulada Rio de Janeiro and São Paulo Telephone Company. Essa última foi a primeira grande empresa de telefonia brasileira, alastrando-se por vários municípios dos estados do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Minas Gerais. Essa subsidiária brasileira da canadense Brazilian Traction passou a se chamar, em janeiro de 1923, Companhia Telephonica Brasileira – CTB como um “braço da operadora de energia elétrica Light”.282 No início da década de 1950, a densidade telefônica era de 1 telefone para cada 100 habitantes283 e a exploração do serviço estava distribuído por pouco mais de 100 empresas, em sua maioria de âmbito local ou regional, algumas mantidas pelos governos municipais. A Companhia Telephonica Brasileira – CTB detinha 78% dos aparelhos instalados no eixo RioSão Paulo, enquanto a ITT e a Bond and Share detinham 12% dos aparelhos instalados, operando no Rio Grande do Sul e na Bahia.284 A partir da década de 1940, as telecomunicações, no Brasil, podem ser vistas em cinco etapas divisadas por Ethevaldo Siqueira285: estagnação (1946-1962); inversões estatais (1962-1967); expansão, melhoramento e integração do sistema (1967-1975); turbulência (1975-1985); embates da desestatização (1985 até meados da década de 1990). A estas, podese acrescentar a etapa de reformas normativo-operacionais (1995-2001), em que a regulação do setor passa a comportar normatização centralizada em colegiado especializado – a 282
PADILHA, Marcos Lopes. Análise setorial: telefonia fixa em perspectiva. Vol.I, São Paulo: Gazeta Mercantil, 2001, p. 15. 283 A título ilustrativo, a densidade telefônica, no Brasil, na década de 1990, apresentou-se com os números a seguir: 1991 (7,1/100hab.); 1992 (7,8/100hab.); 1994 (8,6/100hab.); 1996 (10,4/100hab.); 1998 (13,6/100hab.); 1999 (16,8/100hab.); 2000 (31,13/100hab.); 2001 (37,52/100hab.); 2002 (41,19/100hab.); 2003 (47,17/100hab.); 2004 (57,19/100hab.); 2005 (67,63/100hab.); 2006 (73,44/100hab.); 2007 (83,62/100hab.). Fontes: BRASIL. ANATEL. Relatório Anual da ANATEL 2001. Brasília: Biblioteca Virtual da Anatel, 2001 e ITU. World Telecommunication Indicators Database. Genebra: UIT, 10 de maio de 2004. 284 PADILHA, Marcos Lopes. Op. cit., p. 16. 285 SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. Telecomunicações: privatização ou caos. São Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 14-17. O autor divide a evolução das telecomunicações após 1940 nos seguintes períodos: estagnação (19461962); reorganização (1962-1967); decolagem (1967-1975); turbulência (1975-1985); crise (1985 em diante).
ANATEL. A partir de 2001, a ANATEL deu os primeiros passos para traduzir em atos a horizontalização da normatização do setor de telecomunicações, mediante adoção de modelos internacionais impulsionados pela convergência tecnológica. Iniciou-se a fase de amadurecimento do setor, impulsionada por fatores de globalização econômica, de reestruturação e racionalização normativa, de compatibilização do ordenamento jurídico interno com os modelos internacionais de regulamentação setorial, mas também pela crescente tensão entre regulador e Administração Direta do Executivo, gerando alterações legais e infralegais no setor e contingenciamento orçamentário da Agência por parte do Executivo. Retornando ao histórico do setor, a Constituição Federal de 1946 (art.5o, XII)286 previu a competência da União para exploração, direta ou mediante autorização ou concessão, dos serviços de telégrafos, de radiocomunicação, de radiodifusão e de telefones interestaduais e internacionais. Tendo-se em vista a tradição brasileira de repartição federativa de competências, bem como a previsão da Constituição Federal de 1946 de atribuição de gestão dos serviços de interesses locais aos municípios por força do artigo garantidor da autonomia municipal (art.28, II, b)287, concluía-se pelas competências estadual e municipal, respectivamente, para prestação e controle dos serviços de telefonia intraestaduais (intermunicipais) e intramunicipais. Quanto à fiscalização dos serviços, há que se fazer uma ressalva. Embora os municípios e estados-membros da federação detivessem autonomia e âmbito de competência determinados (serviços de telecomunicações estritamente locais ou regionais respectivamente), eles poderiam sofrer interferência normativa da União em razão de sua interligação com redes de outros estados-membros ou da própria esfera federal. Isso ficou patente na determinação da competência do Conselho Nacional de Telecomunicações (CONTEL) pela Lei 5.070, de 7 de julho de 1966, que criou o Fundo de Fiscalização das Telecomunicações, estabelecendo em seu art. 21, que lhe competia a fiscalização dos serviços de telecomunicações, desde sua implantação e ampliação, até seu efetivo funcionamento, resguardada a competência estadual ou municipal quando sejam estritamente regionais ou locais e não interligados a outros estados ou municípios. Com isso, os preceitos constitucionais permitiram intensa ingerência dos interesses políticos locais no planejamento empresarial dos investimentos no setor, com a consequente demagogia tarifária característica do período.288 Escravo das flutuações políticas, os investimentos nas telecomunicações minguaram, tornando-se obsoletos e sem perspectivas de ampliação.289 Os equipamentos de 286
“Art.5.º Compete à União: XII – explorar, diretamente ou mediante autorização ou concessão, os serviços de telégrafos, de radiocomunicação, de radiodifusão, de telefones interestaduais e internacionais, de navegação aérea e de vias férreas que liguem portos marítimos a fronteiras nacionais ou transponham os limites de um Estado;” (CAMPANHOLE, Adriano e Hilton Lobo. Constituições do Brasil. 13aed., São Paulo: Atlas, 1999, p. 474). 287 “Art.28. A autonomia dos Municípios será assegurada: II – pela administração própria, no que concerne ao seu peculiar interêsse e, especialmente: b) à organização dos serviços públicos locais.” (Ibid., p. 480). 288 “O país passou a viver as consequências de uma desastrosa demagogia tarifária, pois a aprovação das tarifas dependia de duas entidades eminentemente políticas: as prefeituras e as câmaras de vereadores (...) Tem início, assim, o que eu caracterizo como desprivatização, uma vez que, na época, não havia praticamente nenhum interesse manifesto na estatização.” (SILVA, José Antônio de Alencastro e. O Estado é incompetente. p.86. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. Telecomunicações: privatização ou caos. São Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 85-90). 289 O testemunho de 1952, a seguir, é esclarecedor: “No que diz respeito ao serviço de telefones, salvo interesse imediato de cada município, quanto ao serviço local executado por concessão, o serviço interestadual não sofre qualquer fiscalização ou ao menos orientação, gerando-se dessa lacuna situações absolutamente esdrúxulas: ao mesmo tempo que companhias concessionárias de serviços telefônicos negam-se „ad aeternum‟ a permitir tráfego mútuo com serviços telefônicos ou radiotelefônicos oficiais, tal sistema de permutação é estabelecido com companhias outras privadas, concessionárias dos mesmos serviços e concorrentes dos departamentos oficiais; por outro lado, Estados há cujos serviços telefônicos não são ligados aos congêneres de outros, por interesse de terceiros, com prejuízos de toda a sorte para os usuários e quiçá mesmo, para os próprios Governos, que ficam,
telecomunicações eram oligopolizados por duas empresas que forneciam toda a infraestrutura do setor segundo um acerto denominado Acordo das Bahamas, assinado entre as multinacionais Ericsson e IT&T, em que o mercado brasileiro foi dividido entre as filiais brasileiras daquelas multinacionais, a EDB (Ericsson do Brasil) e a SESA (Standard Electric S/A).290 Antes da reorganização operada na primeira metade da década de 1960, os serviços de telecomunicações estavam dispersos por mais de 900 pequenas empresas familiares brasileiras, muitas delas pertencentes aos próprios municípios em que atuavam e que exploravam os serviços telefônicos locais no interior do país mediante concessões municipais. A Lei 2.134, de 14 de dezembro de 1953, previa mecanismos de financiamento abertos pela União para instalação e ampliação de serviços públicos, dentre eles os serviços de linhas telefônicas, urbanas, intermunicipais, ou interdistritais, que viabilizaram a criação de empresas municipais de telefonia local. A Companhia Telephonica Brasileira (CTB) chegou a deter cerca de 75% dos telefones existentes no Brasil com concentração nos centros mais ricos dos estados do Rio de Janeiro, Guanabara, São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo. Rio Grande do Sul, Paraná e alguns estados do Nordeste detinham contratos de concessão com a Companhia Telephonica Nacional, controlada pela International Telegraph and Telephone (IT&T) de capital norte-americano, embora, tal como a CTB, detivesse ínfima participação de capital brasileiro (0,000006%). O motivo desta formatação nacional das poucas grandes empresas de telefonia do país, à época, não decorria de imposição do ordenamento jurídico, mas interessava às empresas pela obtenção de vantagens tributárias. As telecomunicações nos grandes centros urbanos eram ainda muito precárias no início da década de 1960. As ligações interurbanas também encontravam grandes obstáculos.291 Somente São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília encontravam-se interligados por enlaces de microondas. As demais comunicações interestaduais e internacionais eram exploradas via rádio em alta frequência (HF) e via cabos submarinos por concessões da União a multinacionais: a inglesa Western Telegraph; as norte-americanas Radional e Radiobrás; e a italiana Italcable. O telégrafo, por sua vez, era explorado pela União, por intermédio do Departamento dos Correios e Telégrafos – DCT, então do Ministério de Viação e Obras Públicas. Mais tarde, o Decreto-lei n. 509, de 20 de março de 1969, determinou a extinção do Departamento de Correios e Telégrafos – DCT, mediante a transferência de suas atribuições nessa matéria, inteiramente isolados dos demais Estados. [§] Quanto às radiocomunicações, a despeito da legislação própria que honra a seus autores, mas da qual se faz „tábula rasa‟, o que ocorreu permite, sem dúvidas, classificar-se o país como „terra de ninguém‟.” (MIRANDA, Líbero Oswaldo de. Os serviços de comunicações no Brasil. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1955, p. 10-11). “As redes telefônicas espalhamse pelo Brasil afora sem qualquer orientação superior (...) O tráfego mútuo entre as várias redes privadas no país, constituindo assunto de alto interesse coletivo, depende, entre nós, da boa ou má vontade das respectivas empresas, ou do maior ou menor interesse que para as mesmas advenha com a medida. É conhecido o caso de um Estado da Federação que se encontra isolado dos demais no que tange a comunicações telefônicas, isso por que não tem interessado à empresa monopolística vizinha, o tráfego mútuo; assim, para uma ligação telefônica com a capital do país, com qualquer Estado ou com o exterior, o assinante ali localizado precisa recorrer à cidade próxima do Estado vizinho, de onde obterá facilmente, qualquer dessas ligações.” (MIRANDA, Líbero Oswaldo de. Op.cit., p. 50-51). 290 VIANNA, Gaspar. Privatização das telecomunicações. 3aed., Rio de Janeiro: Notrya, 1993, p. 43. 291 A citação a seguir é esclarecedora da precariedade dos serviços de então: “Nos anos 60, uma ligação interurbana, que atualmente pode ser feita de um telefone público, envolvia uma longa espera: era preciso ligar para um telefonista, dar o número do telefone e o nome da localidade a ser contatada e os nomes de quem ia falar e de quem ia ser chamado. Esse diálogo às vezes demorava algumas horas para se transformar numa ligação. Havia um quadro de total deficiência, no qual eram interligadas poucas capitais e apenas as cidades mais importantes do interior” (PADILHA, Marcos Lopes. Op. cit., p. 17).
para a então criada Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, do Ministério das Comunicações. Cabia ao DCT a construção, conservação e exploração dos circuitos de telecomunicações de telegrafia e outros serviços públicos de telecomunicações.292 A deficiência da telefonia, que à época, era o mais sensível representante do setor de telecomunicações, fomentou a reação implementada na década de 1960 mediante reorganização da legislação brasileira do setor com o advento do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/62), que viabilizou a criação da Embratel em 1965. Redirecionamento de aportes de capital de outros setores revelou a preocupação estatal com as telecomunicações293, bem como a intervenção decretada pelo governo federal na CTB em virtude da precariedade dos serviços telefônicos no Rio de Janeiro, que iria resultar na compra das suas ações pela Embratel em 1966. Foi essa época que marcou o início do processo de estatização do setor e de concentração na esfera federativa da União. A Lei 4.117/62 (CBT) previa a criação do Conselho Nacional de Telecomunicações – CONTEL como órgão unificador das políticas de telecomunicações mediante a criação do Plano Nacional de Telecomunicações (Lei 4.117/62, art. 29), veiculado pelo Decreto 52.859, de 18 de novembro de 1963. O processo de centralização federativa dos serviços de telecomunicações intraestaduais e intramunicipais foi formalizado com a Constituição Federal de 1967, que, no seu art. 8o, inciso XV, reproduzido pela Emenda Constitucional n. 1, de 1969, não mais restringia a competência da União a telégrafos, radiocomunicação, radiodifusão em geral e à telefonia interestadual e internacional como fazia a Constituição Federal de 1946. O dispositivo constitucional de 1967 remeteu todos os serviços de telecomunicações à prestação direta pela União ou por intermédio de concessões e autorizações. O Decreto-lei n. 162, de 13 de fevereiro de 1967, instrumentalizou a centralização preconizada pela Constituição, determinando a transição dos poderes concedentes estaduais e municipais para o poder concedente federal. Ao lado disso, o Decreto-lei n. 200/67, representativo da Reforma Administrativa de então, criou o Ministério das Comunicações, revelando a percepção governamental da importância das telecomunicações para os interesses nacionais. A par do movimento de centralização de titularidade dos serviços de telecomunicações na figura da pessoa de direito público interno da União, passos foram implementados no sentido da estatização. Dentre os fatores que a impulsionaram, estavam a meta de integração nacional dos „Objetivos Nacionais Permanentes‟ dos militares brasileiros e a „Doutrina de Segurança Nacional‟ formulada pela Escola Superior de Guerra e pelo Estado Maior das Forças Armadas, que colidiam com o fato de que as concessões das telecomunicações estratégicas brasileiras – internacionais, interestaduais e dos grandes centros urbanos – encontravam-se nas mãos do capital estrangeiro. O modelo então idealizado convergia para a experiência européia de telecomunicações equacionado em uma rede contínua, única, de tecnologias compatíveis e interiorizadas para a integração nacional, 292
Quando da criação da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, estabeleceu-se a transferência gradual dos serviços de telecomunicações então executados pelo Departamento dos Correios e Telégrafos – DCT para a EMBRATEL. Enquanto isso não se ultimasse, a ECT estava autorizada a celebrar convênios com a EMBRATEL para “construção, conservação ou exploração conjunta ou separadamente [dos] circuitos-troncos que integram o Sistema Nacional de Telecomunicações” (art. 16 do Decreto-lei nº 509, de 20 de março de 1969). 293 Como exemplo, tem-se a Lei 4.452, de 5 de novembro de 1964, relativa ao Imposto Único sobre Lubrificantes e Combustíveis Líquidos e Gasosos, que previu, no seu art.8º, a possibilidade dos Estados-membros e do Distrito Federal de direcionarem até 50% de suas quotas de investimentos fixos advindas do Fundo Rodoviário Nacional em instalações de telecomunicações, desde que aprovadas pelo Conselho Nacional de Telecomunicações “para assegurar a sua coordenação com os investimentos federais no setor”.
refletida na previsão de um Sistema Nacional de Telecomunicações (art. 7o, da Lei 4.117/62) a ser administrado pelo Conselho Nacional de Telecomunicações – CONTEL, por intermédio de sua secretaria executiva, o Departamento Nacional de Telecomunicações – DENTEL. A concentração operacional dos serviços de telecomunicações não configurou, entretanto, monopólio de direito, já que não havia previsão jurídica de exclusividade da titularidade estatal de serviços de telecomunicações. A criação da Telebrás, em 1972, como holding do Sistema Telebrás, ombreou com a persistência de uma empresa privada no setor de telecomunicações: a Companhia de Telefones do Brasil Central (CTBC), que chegou a cobrir, em 1993, 80 municípios brasileiros de Minas Gerais, São Paulo, Goiás e Mato Grosso do Sul. O mecanismo do autofinanciamento, já em prática no setor, foi regulamentado pelo Conselho Nacional de Telecomunicações – CONTEL, mediante a Resolução n. 5, de 3 de março de 1966, definindo-se as regras para participação popular no capital das empresas de telecomunicações voltada ao início ou ampliação de suas instalações. Dentre as regras, encontrava-se a proibição de retribuição da participação acionária do usuário por intermédio do mero direito de uso dos serviços, mesmo que este pudesse ser alienado de forma onerosa (art. 3o, da Resolução n. 5/66). Isso abriu espaço para a crescente aquisição de capital controlador destas empresas pelos usuários, gerando, três décadas mais tarde o bloqueio desse tipo de financiamento por não mais restarem margens de negociação que garantissem o controle estatal das empresas do setor. A proibição de retribuição da participação acionária do usuário por intermédio do mero direito de uso dos serviços se explicava como garantia do consumidor dos serviços perante as concessionárias privadas de telefonia, bem como incentivo à manutenção do investimento das concessionárias privadas de telefonia do país, pois, até 1973, quando a Embratel finalizou o processo de aglutinação das mais de 800 concessionárias privadas de telefonia existentes no país, o Fundo Nacional de Telecomunicações servia unicamente aos sistemas de longa distância detidos pela Embratel.294 A reorganização das telecomunicações começa a se refletir na estruturação efetiva do setor a partir de 1967, quando se pôde notar relativa concentração de investimentos e profissionalismo na orientação das telecomunicações, em que ministros conhecedores do setor ocuparam a pasta das comunicações (Hygino Corsetti, Euclides Quandt de Oliveira e Haroldo Corrêa de Mattos), bem como coube ao chamado General das Telecomunicações (General José Antônio de Alencastro e Silva) a batuta da reestruturação da prestação dos serviços de telecomunicações no país, mediante sua atuação como presidente da TELEBRÁS por quase uma década.295 A Embratel, em 1968, já havia interligado o Sul e o Sudeste do país por meio de moderna rede de microondas, estendendo-a, três anos mais tarde, a todas as capitais de estados e territórios brasileiros.296 Em agosto de 1968, implantou um sistema de tropodifusão para integrar a região amazônica, que foi considerado o maior no gênero em operação comercial do mundo e ainda assumiu, entre 1969 e 1973, a exploração dos serviços internacionais à medida
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“O modelo tal qual foi desenvolvido, pressupõe uma distribuição „racional‟ dos fundos de investimento (...) entre as Concessionárias e/ou serviços. Infelizmente, tal não tem sido observado até o momento pois normalmente, o FNT destina-se aos investimentos em sistemas de longas distâncias e o „auto-financiamento‟ para sistemas urbanos apenas.” (HOLLANDA, Jayme Buarque de. Modelo simplificado do setor de telefonia. p. 62. In: BRASIL. MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES. Empresa Brasileira de Telecomunicações (EMBRATEL). Telecomunicações: alguns temas. Rio de Janeiro: Embratel, 1972, p. 53-65). 295 SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. Op. cit., p. 14-15. 296 GARBI, Gilberto Geraldo. O futuro é a privatização. p. 105. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. Telecomunicações: privatização ou caos. São Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 104-108.
que expiravam os prazos de concessão das empresas estrangeiras que os operavam até que, com o encerramento das atividades de telegrafia da inglesa Western Telegraph, em 1973, a Embratel passou a ser a única operadora de serviços internacionais do Brasil. Ela ainda inaugurou, em 1969, o sistema de Discagem Direta a Distância – DDD entre São Paulo e Porto Alegre297 e, em 10 de novembro de 1975, o sistema de Discagem Direta Internacional – DDI.298 A melhoria significativa dos serviços interurbanos e internacionais de telecomunicações com a Embratel permitiu que o governo federal voltasse sua atenção para os serviços locais. A criação da Telecomunicações Brasileiras S.A. - TELEBRÁS, em 1972, pela Lei 5.792 e implementada em 9 de novembro do mesmo ano, consolidou a política de exploração das telecomunicações voltada a uma visão nacional integrada. Em 1974, a TELEBRÁS foi designada, pelo Decreto 74.379, de 8 de agosto de 1974, concessionária geral para exploração dos serviços públicos de telecomunicações em todo o território nacional. De dois milhões de linhas fixas, em 1973, o Brasil passou a 12,4 milhões de linhas, aumentando a densidade de terminais por 100 habitantes de 1,9, em 1973, para 8,1, em 1993. De meados da década de 1970 a meados da década de 1980, as telecomunicações, no Brasil, viveram seu período mais dinâmico e conturbado. Trata-se da fase das conquistas do Sistema Telebrás, com expansão da cobertura dos serviços, utilizando-se de uma infraestrutura reconhecidamente avançada para a época, com o uso de satélites, de fibras ópticas e com o apoio científico de um centro de pesquisa e desenvolvimento tecnológico (CPqD) de reconhecida excelência sediado em Campinas/SP. O patrocínio oficial estatal dos Congressos Brasileiros de Telecomunicações de 1974, 1976, 1978 e 1980 merece especial destaque. Evidenciou-se, por intermédio deles, a preocupação com a discussão ampla e constante do modelo em época conturbada da política nacional.299 No Governo Geisel, deu-se especial atenção à indústria nacional de equipamentos de telecomunicações mediante identificação, controle e redução das importações do setor.300 Ao 297
Até então existiam algumas sub-redes regionais de telefonia interurbanas, embora “em termos nacionais, o serviço pudesse ser quase considerado inexistente” (VIEIRA, Claudio Reis. Telefonia integrada: proposição de um “Plano de Integração do Serviço Telefônico Nacional”. p. 41. In: BRASIL. MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES. Empresa Brasileira de Telecomunicações (EMBRATEL). Telecomunicações: alguns temas. Rio de Janeiro: Embratel, 1972, p. 32-52). 298 PADILHA, Marcos Lopes. Op. cit., p. 19-21. 299 A partir do terceiro Congresso Brasileiro de Telecomunicações, em 1974, até o sexto e último Congresso Brasileiro de Telecomunicações, em 1980, houve o patrocínio, convocação, organização e coordenação dos seus trabalhos pela TELEBRÁS, por determinação da Portaria n.º 227, de 1º de abril de 1974, do Ministério das Comunicações (Ministro Euclides Quandt de Oliveira), que fixou a realização do III Congresso Brasileiro de Telecomunicações para julho do mesmo ano. O método adotado neste primeiro congresso denotava a abertura da discussão: “Iniciada a coleta de sugestões de temas para o III CBTEL, notou-se a impossibilidade de serem abordados em uma única semana a quantidade de temas propostos, a menos que recebessem um tratamento prévio. [§] Se um tal tratamento fosse confiado a um pequeno grupo, os resultados que se obteriam seriam diferentes dos colimados com a realização do Congresso, pois seriam despidos da hetereogeneidade de análise e soluções características dos conclaves. [§] Assim, decidiu-se pela realização de uma semana de Reuniões Preparatórias para as Comissões Técnicas, aberta aos congressistas que dela desejassem participar, quando os temas apresentados seriam analisados e preparados para serem levados ao Plenário do Congresso (...) Cerca de 250 proposições foram triadas, analisadas, divididas, fundidas, ampliadas, rejeitadas, aprovadas e exaustivamente discutidas e estudadas em busca de soluções que se transformaram em 128 propostas de recomendações ao Plenário do III CBTEL (...) Participaram das Reuniões Preparatórias 325 congressistas inscritos, representando 75 entidades, além de cerca de 40 observadores ou auxiliares não inscritos.” (BRASIL. MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES. TELEBRÁS. Anais do III Congresso Brasileiro de Telecomunicações. Brasília: Telebrás, 1974, p. 43). 300 Dentre as medidas adotadas “merecem destaque a Portaria nº. 102 do Ministério das Comunicações, que exigiu a identificação e o uso das fontes nacionais de tecnologia; e a Portaria nº. 661, que levou as multinacionais a
final do período, ainda se colhiam frutos do investimento em pesquisa e pessoal, mediante o lançamento dos satélites BrasilSat-I, em 1985, e BrasilSat-II, em 1986, que ampliaram a cobertura de telefonia, telegrafia e televisão para todas as regiões do País em meio ao chamado Programa de Popularização e Interiorização das Telecomunicações. Finalmente, também contribuiu para o sucesso do Sistema Telebrás o denominado “esquecimento governamental”301 do setor de telecomunicações, fato decisivo para o setor, “pois o governo ainda não tinha descoberto que o Sistema Telebrás poderia ser usado como excelente fonte de empregos para conquistar apoio político ou para compensar correligionários derrotados em eleições”.302 Por outro lado, os recursos para reaplicação no setor minguaram mediante progressiva corrosão do Fundo Nacional de Telecomunicações pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento. A criação, em 1978, da Secretaria de Controle de Empresas Estatais – SEST, pelo Decreto n. 84.128, de 29 de outubro de 1979, juntamente com outros mecanismos centralizadores de meados da década de 1980, tais como a Comissão de Coordenação Financeira – CCF (Decreto n. 94.446, de 12 de junho de 1987) e o Conselho Interministerial de Salários de Empresas Estatais – CISE (Decreto n. 91.370, de 26 de junho de 1985), eliminaram a autonomia que restava no setor de telecomunicações, restringindo-se, inclusive, investimentos de expansão, mesmo quando os usuários estivessem dispostos a pagar por suas linhas.303 Tal prática de planificação da gestão de empresas estatais persistiu nos governos seguintes e o Comitê de Controle das Empresas Estatais – CCE, criado pelo Decreto sem número, de 1o de fevereiro de 1991, e reforçado com a instituição do Programa de Gestão das Empresas Estatais – PGE, pelo Decreto n. 137, de 27 de maio de 1991, não fugiu à regra. Esse comitê era responsável por compatibilizar decisões setoriais relativas às empresas estatais com a política macroeconômica e exercia esse papel com amplos poderes para fixação de tarifas públicas, de salários e gastos com pessoal, de execução e revisão orçamentária, de níveis de financiamento e endividamento, de administração dos bens da União, bem como quaisquer outras questões pertinentes às operações das empresas estatais. A previsão de liberação das empresas estatais que se comprometessem em cumprir programa de gestão por intermédio de contratos individuais de gestão (art. 8º, do Decreto n. 137, de 27 de maio de 1991) com metas de desempenho não as liberou, de fato, das amarras da planificação econômica, pois não foram implementados à época. Duas décadas após a criação da SEST, o projeto de planificação continuou vivo refletido no Programa de Dispêndios Globais – PDGs traduzidos no Decreto n. 2.453, de 6 de janeiro de 1998 e no Decreto n. 2.711, de 6 de agosto de 1998. Todos esses fatores associados à crescente intromissão política casuística minaram a sustentabilidade das estatais do setor de telecomunicações, refletindo na diminuição do crescimento de instalação de novas linhas, que caiu para menos da metade praticada no início da década de 1980.
desenvolver produção de centrais digitais, seguindo especificações técnicas feitas pela Telebrás. Em 1978, pela Portaria nº. 662, foi dado ao Ministério das Comunicações o poder de coordenar a redução das importações de equipamentos de telecomunicações.” (PADILHA, Marcos Lopes. Op. cit., p. 21). 301 GARBI, Gilberto Geraldo. O futuro é a privatização. p. 106. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. Telecomunicações: privatização ou caos. São Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 104-108. 302 SILVA, José Antônio de Alencastro e. O Estado é incompetente. p. 87. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. Telecomunicações: privatização ou caos. São Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 85-90. 303 GARBI, Gilberto Geraldo. O futuro é a privatização. p. 106. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. Telecomunicações: privatização ou caos. São Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 104-108.
O espaço de tempo entre 1985 e 1990 foi um novo degrau na desestruturação do setor público de telecomunicações: os prejuízos deixaram de incidir apenas sobre aspectos objetivos estruturais e passaram a afetar os quadros de pessoal. O depoimento a seguir, embora perigosamente generalizante, transmite a imagem de então do setor: “A partir da Nova República (1985) começaram a chegar ao setor os políticos fisiológicos (...). A regra geral do profissionalismo foi quebrada. A competência deixou de ser o único parâmetro essencial para a escolha dos dirigentes. O populismo e os compromissos partidários passaram a fazer presidentes e diretores da Telebrás e de subsidiárias. As empresas passaram a ser apenas um trampolim para promoção pessoal, visando a futuras eleições ou ao enriquecimento ilícito. (...) Com este aviltamento das funções diretivas, aquilo que deveria ser um sistema holding passa a ser um amontoado de empresas, sem nenhuma coordenação ou planejamento. Cada empresa faz o seu planejamento isoladamente. (...) Ataca a sua espinha dorsal, impedindo o sistema de realizar movimentos indispensáveis para uma administração eficiente e segura. Ela desestimula o gerente competente, o empregado dedicado e o profissional correto, pois personaliza a vitória do apadrinhamento”304.
No âmbito dos serviços básicos de telefonia – transmissão de voz –, foi editado o Decreto presidencial n. 96.618, de 31 de agosto de 1988, aprovando o Regulamento dos Serviços Público-Restritos, terminologia que remontava ao Código Brasileiro de Telecomunicações de 1962.305 A introdução desse Decreto cerca de um mês antes da promulgação da Constituição Federal de 1988 em regulamentação vinte e seis anos tardia evidenciou a tentativa de abrir espaço, no ordenamento jurídico, a uma nova categoria de serviços móveis que não estivesse submetida às limitações prenunciadas no texto constitucional de 1988.306 O Decreto n. 96.618/88 inovou na terminologia do setor de telecomunicações para alterar o conceito tradicional de serviço público restrito, estendendo-o aos serviços “de uso do público em localidades ainda não atendidas por serviço público de telecomunicações fixo local”.307 Tornava-se patente a finalidade de inserção, na clássica categoria dos serviços públicos restritos, das novas modalidades de serviços móveis celulares sob o nome de serviço de radiocomunicação móvel restrito308, visando, com isso, fugir às
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VIANNA, Gaspar. Privatização das telecomunicações. 3aed., Rio de Janeiro: Notrya, 1993, p. 93-94. “Art.6o. Quanto aos fins a que se destinam, as telecomunicações assim se classificam: a)serviço público, destinado ao uso do público em geral; b)serviço público restrito, facultado aos passageiros dos navios, aeronaves, veículos em movimento ou ao uso do público em localidades ainda não atendidas por serviço público de telecomunicação” (Lei 4.117/62). 306 O esforço foi tão direcionado pelo norte de abertura de uma brecha na legislação para tratamento diferenciado aos novos serviços celulares, que a epígrafe do Decreto 96.618, de 1988, pecou por se referir à alínea f do art.6.o do Código Brasileiro de Telecomunicações, que falava de serviços especiais de interesses gerais não constantes das classificações anteriores de serviços de telecomunicações, enquanto o Regulamento veiculado pelo Decreto refere-se expressamente ao art.6.o, alínea b, correspondente ao tradicional serviço público restrito. A cogitação da alínea f do art.6.o para embasar o tratamento diferenciado dos serviços celulares denotou um esforço repentino de solução das dificuldades acenadas pela iminente promulgação da Constituição Federal de 1988. 307 Art.1o, caput do Regulamento dos Serviços Público-Restritos aprovado pelo Decreto 96.618, de 31 de agosto de 1988. Na redação original do Código Brasileiro de Telecomunicações a definição de serviço público restrito era limitada ao serviço “facultado ao uso dos passageiros dos navios, aeronaves, veículos em movimento ou ao uso do público em localidades ainda não atendidas por serviço público de telecomunicações.” (Lei 4.117, de 27 de agosto de 1962). 308 O Serviço de Radiocomunicação Móvel Restrito é trazido nos seguintes termos pelo Regulamento de Serviço Público-Restritos aprovado pelo Decreto 96.618, de 31 de agosto de 1988: “Art.3o Para os efeitos deste Regulamento, e normas reguladoras complementares, são adotadas as seguintes definições: I – Serviço de radiocomunicação móvel restrito é aquele de telecomunicações móvel terrestre, marítimo ou aeronáutico, da modalidade público-restrito, com acesso aos sistemas públicos de telecomunicações; II – Área de prestação de serviço é a geograficamente definida no ato de outorga de cada permissão, dentro da qual o permissionário é obrigado a prestar o serviço, de acordo com as condições legais e regulamentares pertinentes;”. A Portaria nº117, de 07/12/1990, do então Ministério da Infra-Estrutura, evidenciou a intenção governamental de enquadrar nos serviços público-restritos o serviço móvel celular, pois, ao publicar a minuta para elaboração de edital para outorga, mediante permissão, de convocação dos interessados na habilitação para exploração do Serviço de 305
limitações oriundas da proibição constitucional de transferência de serviços públicos de telecomunicações para empresas que não fossem de controle acionário estatal.309 A Constituição Federal de 1988 (art. 21, XII) compactuou com o sistema de centralização operacional dos serviços de telecomunicações, introduzindo, pela primeira vez, a exigência de prestação dos serviços por empresas sob controle acionário estatal, bem como dividindo os serviços de telecomunicações em telegrafia, telefonia, transmissão de dados e radiodifusão, esta última com tratamento constitucional diferenciado. Redação original da Constituição Federal de 1988 (05/10/1988) Art. 21. Compete à União: XI – explorar, diretamente ou mediante concessão a empresas sob controle acionário estatal, os serviços telefônicos, telegráficos, de transmissão de dados e demais serviços públicos de telecomunicações, assegurada a prestação de serviços de informações por entidades de direito privado através da rede pública de telecomunicações explorada pela União. XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens e demais serviços de telecomunicações; Art.223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal. §1º - O Congresso Nacional apreciará o ato no prazo do art. 64, § 2º e § 4º, a contar do recebimento da mensagem. §2º - A não renovação da concessão ou permissão dependerá de aprovação de, no mínimo, dois quintos do Congresso Nacional, em votação nominal. §3º - O ato de outorga ou renovação somente produzirá efeitos legais após deliberação do Congresso Nacional, na forma dos parágrafos anteriores. § 4º - O cancelamento da concessão ou permissão, antes de vencido o prazo, depende de decisão judicial. § 5º - O prazo da concessão ou permissão será de dez anos para as emissoras de rádio e de quinze para as de televisão.
A redação do art. 21, incisos XI e XII da Constituição Federal de 1988 com referência aos serviços públicos de telecomunicações e demais serviços de telecomunicações levou à constatação de que os serviços inscritos no inciso XI seriam numerados e restritos a empresas sob controle acionário estatal, enquanto os demais serviços privados cairiam na vala comum do inciso XII. O art. 21, XI, não se referiria a nenhum serviço de telecomunicação que não fosse considerado essencial e, portanto, público. Sob esse enfoque, o art. 21, XI, teria sua extensão resumida aos serviços de telefonia, telegrafia, dados e demais serviços públicos de telecomunicações, restando inseridos, no art. 21, XII, os serviços de radiodifusão de sons, de sons e imagens, de cabodifusão, de videodifusão, de música funcional, de radiochamada, dentre outros.310
Radiocomunicação Móvel Terrestre Restrito Celular, o nomeou como Serviço de Radiocomunicação Móvel Terrestre Restrito Celular /Serviço Móvel Celular. 309 Esse desiderato vem pormenorizado no seguinte dispositivo do Regulamento dos Serviços Público-Restritos aprovado pelo Decreto 96.618/88: “Art.4o Podem habilitar-se à prestação de Serviço de Radiocomunicação Móvel Restrito: I – as pessoas jurídicas de direito público interno; II – as prestadoras de serviço público de telecomunicações; III – as sociedades anônimas ou as sociedades por cotas de responsabilidade limitada, que atendam às exigências dos artigos 5o, 6o, item II e 11, deste Regulamento”. 310 No art. 21, XII da CF/88, estariam o “maior volume de serviços de telecomunicações. São mais de 3 dezenas de serviços, onde se destacam os de radiodifusão sonora (estações de frequência modulada, onda média, onda curta e onda tropical), de televisão (UHF e VHF), de cabodifusão, de videodifusão (TV por Assinatura), de música funcional e de radiochamada. (...) O outro grupo de serviços foi alinhado no inciso XI do artigo 21. São serviços considerados essenciais para a população e estratégicos para o País e, por isso, expressamente chamados de
Os eventos citados na área de telecomunicações traduzem a postura de reação do Poder Executivo brasileiro à divisão constitucional entre serviços públicos prestados por entes controlados pelo Estado e outros serviços públicos e privados passíveis de prestação por particulares. O Executivo procurava ampliar o leque de serviços passíveis de prestação por particulares. Nesse contexto, houve a tentativa de afastamento dos serviços celulares, então nascentes, da regra constitucional delimitadora da prestação de serviços de telefonia por empresas sob controle acionário estatal (art. 21, XI, constante da redação pré-Emenda Constitucional n. 8/95). O Decreto n. 97.057, de 10 de novembro de 1988 – pouco mais de um mês após a promulgação da Constituição Federal de 1988 –, alterou dispositivos do antigo Regulamento Geral do Código Brasileiro de Telecomunicações (Decreto 52.026/63), acrescentando a possibilidade de emissão, pelo Executivo, de regulamento específico para os serviços público-restritos, que, como descrito linhas atrás, já havia sido editado cerca de um mês antes da Constituição Federal de 1988 (Decreto n. 96.618, de 31 de agosto de 1988). Eles eram uma categoria tradicional de serviços de telecomunicações específicos diferenciados em razão da finalidade e facultados “ao uso dos passageiros dos navios, aeronaves, veículos em movimento ou ao uso do público em localidades ainda não atendidas por serviço público de telecomunicações”.311 Já em 1988, a Portaria n. 525/88312, do Ministério das Comunicações, procurou introduzir no modelo estatal de prestação de serviços de telecomunicações uma concorrência intramonopólio ao autorizar às demais empresas do Sistema Telebrás a exploração dos serviços de comunicação de dados antes restrito à Embratel. Acusou-se313, à época, lobby da Embratel, de introduzir em dita portaria a exigência de que as operadoras regionais somente pudessem utilizar redes dedicadas passíveis de uso viável somente por clientes intensivos, embora a vocação dessas empresas estivesse voltada ao tráfego de varejo não-contínuo em face de sua alta capilaridade. Não fosse isso bastante, a evolução tecnológica já permitia a utilização de redes de dados comutadas e não-dedicadas para criação de redes virtuais permanentes mais confiáveis e mais baratas que as redes dedicadas, praticamente inviabilizando qualquer espécie de ameaça à Embratel por parte das operadoras locais. Em 1990, a Lei 8.029 já esboçava o caminho da desestatização, pois autorizou a TELEBRÁS a reduzir para oito o número de suas operadoras, exceto a Embratel, por meio de fusões e incorporações dentro do Sistema TELEBRÁS, passando, cada uma delas a operar em macrorregiões definidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Todas estas constatações transparecem o momento de embate das correntes pró e contra desestatização do setor de telecomunicações parcialmente paralisado em razão do públicos. Estes serviços foram mantidos sob um regime de exploração integrada, que se fará sob o aspecto administrativo, através de um sistema de empresas sob controle acionário estatal e, sob o aspecto operacional, através de uma rede pública de telecomunicações. Dentre os serviço públicos integrados, a Constituição citou, nominalmente, os serviços telefônicos (no plural, ou seja, todos eles: fixos, móveis, deslocáveis, portáteis, tradicionais, celulares, analógicos, digitais etc), os serviços telegráficos (no plural, ou seja, todos eles, inclusive o fac-símile e o telex) e os serviços de transmissão de dados (mais uma vez, no plural, de modo a abranger todas as subespécies existentes ou por existir)” (VIANNA, Gaspar. Privatização das telecomunicações. 3aed., Rio de Janeiro: Notrya, 1993, p. 148-149). 311 Art. 6o, item 51 do Regulamento do Código Brasileiro de Telecomunicações aprovado pelo Decreto 52.026, de 20 de maio de 1963. 312 Portaria nº 525, de 8 de novembro de 1988: “II – Às demais empresas do Sistema TELEBRÁS, controladas ou associadas, compete: (...) c) Observado o disposto nos itens I e III [competências da Embratel e da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos] da presente Portaria, explorar os serviços: (...) 2 – Intraestadual por linha dedicada telefônico, telegráfico, e de comunicação de dados, especializados e não especializados, em suas áreas de operação;”. 313 REGO, Luiz Carlos Moraes. As lições da liberalização, p. 51. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. Telecomunicações: privatização ou caos. São Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 48-53.
impeachment do ex-presidente Collor em finais de 1992. No segundo semestre de 1992, a FITTEL (Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações) divulgou cartilha contendo os argumentos do Movimento em Defesa da TELEBRÁS. De outro lado, encontravam-se as constatações de analistas do setor, em 1993, que refletiam a deterioração do Estado, acusando-o de ter perdido sua função modernizadora. A radicalização do debate foi rebatida à época e as análises comparativas do atraso brasileiro em telecomunicações evidenciavam a urgência de medidas que revertessem os índices de densidade telefônica e de digitalização das redes. Embora as propostas estivessem, em regra, direcionadas à determinação da melhor forma de desestatização e introdução de modelos regulatórios normativos na estrutura da Administração Pública federal brasileira, houve propostas voltadas a adaptar o modelo monopolista à antiga autonomia gerencial por intermédio do controle pelos resultados viabilizados com o instrumento administrativo do contrato de gestão.314 Em 25 de setembro de 1992, foi assinado pelo Ministro dos Transportes e Comunicações e pelo representante do Banco Mundial para a América Latina e Caribe o Memorando de entendimento relativo à reestruturação do setor de telecomunicações, que incluía subcapítulo específico destinado a resumir o compromisso do governo brasileiro na privatização do Sistema Telebrás. A revisão constitucional de 1993, prevista para ser efetivada uma única vez pelo art. 3º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição brasileira de 1988, foi palco de novos embates representados por três posições políticas para o setor: a manutenção do monopólio estatal; a flexibilização do monopólio estatal; e a privatização do Sistema Telebrás.315 As emendas apresentadas, à época, foram sufocadas pelas mesmas razões que sufocaram o esforço de revisão constitucional como um todo: a proximidade de período eleitoral e a abertura da chamada CPI do Orçamento. A par destes acontecimentos, o setor de telefonia móvel estava em plena pauta do dia patrocinada por movimentos do Executivo para sua paulatina transferência à iniciativa privada. O espaço aberto pelo Decreto n. 96.618, de 31/08/1988, que regulamentava os serviços público-restritos, evidenciava o interesse governamental de dar tratamento diferenciado ao Serviço Móvel Celular, remetendo-o à prestação privatizada. Em março de 1989, editais de licitação para escolha dos fornecedores de terminais do serviço móvel celular da subfaixa “A” foram publicados para São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. A licitação de São Paulo foi anulada por iniciativa da TELEBRÁS, que alegou terem as propostas apresentado preços excessivos, além da impossibilidade de prestação do serviço de telefonia móvel na frequência de 800 MHz, que, à época, estava alocada para o controle de tráfego aéreo. Nos casos de Rio de Janeiro e Brasília, recursos administrativos das empresas derrotadas nas licitações protelaram o início das operações celulares para 1990 e 1991. A Nec, vencedora da licitação no Rio de Janeiro, vendeu seu primeiro telefone celular portátil no Brasil em dezembro de 1990. A Portaria n. 117, de 07/12/1990, do então Ministério da Infraestrutura, publicou minuta da Norma Específica de Telecomunicações – NET, finalmente aprovada pela Portaria n. 31, de 25/02/1991, voltada a disciplinar a forma de permissão da prestação do Serviço Móvel Celular pela iniciativa privada na segunda rodada de licitações dirigidas para as cidades de São Paulo, região de Campinas, Belo Horizonte, Salvador, Recife e Fortaleza,
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Cf.BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Novembro de 1995, item 7 – Estratégia de Transição, §2º, em que se propõe a “operacionalização da cultura gerencial centrada em resultados através da efetiva parceria com a sociedade”. Leia-se aqui sociedade como iniciativa privada. 315 Cf.MARTINS, Marcus Augustus. O Brasil e a globalização das comunicações na década de 90. Dissertação apresentada para obtenção do grau de Mestre em Relações Internacionais. Orientador: Prof. Dr. Eduardo Viola. Instituto de Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade de Brasília. Defesa: 15 de março de 1999, p. 43-44.
indicando a atuação destas permissionárias em subfaixa de frequência316 não-coincidente317 a da prestadora de Serviço Público de Telecomunicações. Esse esforço privatizante, entretanto, foi obstruído por ações judiciais apoiadas na proibição constitucional de prestação de serviços públicos de telecomunicações por empresas que não fossem de maioria acionária estatal.318 Somente em janeiro de 1993, foi definido o vencedor (Nec) da concorrência para o fornecimento de equipamentos do serviço móvel celular para a TELESP. Em razão de recursos administrativos, a operação ficaria diferida para alguns meses mais tarde. Isso não impediu a expansão do serviço móvel celular pelo interior de São Paulo e por outras regiões do país. Em 1994, o serviço móvel celular abrangia várias regiões. Já em meados de 1990, com o intuito declarado de dinamizar a prestação de serviços de telecomunicações, que encontravam obstáculos de investimentos privados a partir do texto constitucional, a equipe chefiada pelo então Ministro das Comunicações319 propôs a prestação dos serviços de telecomunicações não mais centrada na figura do Estado-prestador, mas remetida ao potencial de investimentos privados, que deveriam ser canalizados por nortes de qualidade e universalização das telecomunicações, cuja demanda reprimida via-se caracterizada nos antigos planos de expansão. Os fautores da privatização do Sistema Telebrás promoveram a alteração do ordenamento jurídico brasileiro320, seguindo-se cartilha internacional – The Blue Book – para dinamização setorial.321 Munida dessa nova perspectiva 316
A definição das Subfaixas “A” e “B” vinha estipulada na Norma 004/88 (Regulamento do Serviço de Radiocomunicação Móvel Terrestre Restrito Celular/Serviço Móvel Celular) aprovada pela Portaria nº6, de 16/01/1989, do Ministério das Comunicações. 317 Norma Específica de Telecomunicações (NET), veiculada pela Portaria nº 31, de 25/02/1991: “Edital de Habilitação para a Exploração do Serviço Móvel Celular (...) 3.6 Dados do edital. 3.6.1 Dados obrigatórios. O Edital deve conter, entre outros, os dados a seguir indicados: b) a faixa de frequências para utilização na respectiva área, que será, entre as duas disponíveis na faixa de 800MHz, aquela não destinada à empresa prestadora de Serviço Público de Telecomunicações;” 318 “Na prática, até o início de 1993, só os serviços celulares de faixa A estavam sendo implantados. E todas as tentativas para exploração da faixa B (...) haviam sido impedidas judicialmente por iniciativa de grupos de interesse político-sindicais, com base no inciso XI do artigo 21 da Constituição da 1988” (REGO, Luiz Carlos Moraes. As licções da liberalização, p. 51. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. Telecomunicações: privatização ou caos. São Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 48-53). “Medidas judiciais anularam a desregulamentação dos serviços de telefonia celular” (PADILHA, Marcos Lopes. Análise setorial: telefonia fixa em perspectiva. Vol.I, São Paulo: Gazeta Mercantil, 2001, p. 23). 319 Cf.PRATA, José; BEIRÃO, Nirlando; TOMIOKA, Teiji. Sergio Motta: os bastidores da política e das telecomunicações no governo FHC. São Paulo: Geração editorial, 1999, p. 323-408. 320 Dentre as inovações normativas mais relevantes, estão: a Lei 8.977, de 06/01/1995, que disciplinou o serviço de TV a Cabo e sua outorga; a Emenda Constitucional n.º 8, de 15/08/1995, que possibilitou a prestação de serviços de telecomunicações mediante autorização ou permissão e retirou a exigência de que somente fossem transferidos às empresas sob controle acionário estatal; o Regulamento de Outorga de Concessão ou Permissão para Exploração de Serviços de Telecomunicações em Base Comercial minutado pela Portaria 223, de 1o/09/1995 e aprovado pelo Decreto 1.719, de 28/11/1995; a Lei 8.987/95, que deu novo tratamento aos institutos da concessão e permissão de serviços públicos conforme art.175 da Constituição Federal de 1988; a Lei 9.074/95, que estabeleceu normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões, possibilitando também a transferência da prestação de serviços públicos mediante privatização (as duas últimas expressamente afastadas pela Lei 9.472/97, mas que servem para revelar a direção do esforço histórico do Executivo); a Lei 9.295/96, conhecida como Lei Mínima, que basicamente veio solucionar, a título provisório, a abertura da telefonia móvel celular ao capital privado; a Lei 9.472/97 (Lei Geral de Telecomunicações), que revogou a quase totalidade do antigo Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/62), excepcionando as disposições relativas à radiodifusão e as referentes à matéria penal. A tudo isto, soma-se um conjunto de Portarias do Ministério das Comunicações e Resoluções posteriores da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), que disciplinam a prestação dos serviços de telecomunicações em específico. 321 O texto significativo a respeito é intitulado The Blue Book e é resultado de um esforço conjunto do Telecommunication Development Bureau (BDT) integrante da União Internacional de Telecomunicações (UIT) em colaboração com a Comissão Interamericana de Telecomunicações (CITEL) integrante da Organização dos Estados Americanos (OEA). O livro azul busca sintetizar recomendações oriundas de encontros internacionais
de prestação de serviços públicos, a base aliada do Executivo no Congresso Nacional deu prosseguimento às transformações normativas referentes aos serviços de telecomunicações iniciadas com a retirada do óbice constitucional à flexibilização dos serviços de telecomunicações, que vinham qualificados pela Constituição Federal de 1988 como serviços públicos, tendo adquirido nova feição com a Emenda Constitucional n. 8, de 15 de agosto de 1995. Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 8, de 15/08/95 Art.21. Compete à União: XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais; XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens;
A Proposta de Emenda Constitucional n. 3/95, que deu origem à Emenda Constitucional n. 8/95, de quebra do monopólio estatal das telecomunicações teve rápida tramitação.322 Ela representou um marco normativo de adaptação da legislação às demandas de globalização do sistema de telecomunicações, de certa forma impostas por políticas de empréstimos internacionais323, e voltadas à mudança do papel do Estado na economia, mediante o conceito de Estado Regulador em detrimento do de Estado Prestador. Evidenciouse a transformação da política estatal, abandonando a idéia de regulação operacional centralizada em nome de uma regulação operacional descentralizada. Essa mudança de para potencializar o desenvolvimento do setor de telecomunicações. O trecho a seguir transcrito é significativo quando aplicado ao sistema introduzido no Brasil: “The telecommunication legislation should also set forth the basic policies and requirements that will apply to the services, facilities and operators within its scope. Typically, these provisions might include: public or social obligations that the dominant operator in the public telecommunication network generally has to meet, such as the duty to offer service on a non-discriminatory basis, to provide universal service, to make emergency and disaster relief services available, or to meet predefined quality or reliability requirements” (ITU & CITEL. Telecommunications for the Americas: the Blue Book. Genebra, 2000, p. 9). 322 “Analisada por uma Comissão Especial dentro da Câmara dos Deputados e tendo como relator o deputado Geddel Vieira de Lima (PMDB-BA), de tendência francamente governista, a emenda flexibilizadora trouxe novamente à tona as discussões travadas em 1993, por ocasião da frustrada revisão constitucional. A resistência dos partidos de oposição e sua base de sustentação sindical foi rearmada, assim como os lobbies empresariais a favor da quebra do monopólio, oriundos, sobretudo, do Instituto Brasileiro para o Desenvolvimento das Telecomunicações (IBDT) e da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (ABINEE), além da atuação direta da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), interessada na manutenção do modelo de radiodifusão vigente. As pressões do Poder Executivo, especialmente do Ministério das Comunicações e do Palácio do Planalto, sobre a base parlamentar do governo, e a ação privatizante dos partidos liberais também deram a tônica aos acirrados debates. (...) ao contrário das expectativas, o substitutivo do relator, deputado Geddel Vieira de Lima, sobre a PEC, depois de pequenos ajustes para satisfazer o PFL e o PPB, acabou sendo facilmente aprovado na Comissão Especial, no dia 10 de maio de 1995, com um placar de 22 votos a favor e oito contra. E, apenas duas semanas depois, em 25 de maio, mantido o texto aceito pela Comissão Especial, a PEC n.3 foi também aprovada pelo Plenário da Câmara dos Deputados, sendo promulgado no dia 15 de agosto seguinte pelo Senado Federal, transformando-se na Emenda Constitucional n.8.” (MARTINS, Marcus Augustus. O Brasil e a globalização das comunicações na década de 90. Dissertação apresentada para obtenção do grau de Mestre em Relações Internacionais. Orientador: Prof. Dr. Eduardo Viola. Instituto de Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade de Brasília. Defesa: 15 de março de 1999, p. 57-58). 323 Esclarecedora a posição exarada pelo Banco Mundial na Americas Telecom 2000, realizada entre 10 e 15 de abril de 2000, no Rio de Janeiro, quando seu representante, Carlos Braga, foi questionado pelo Governo de Porto Rico sobre a ausência de linhas de crédito para empresas estatais prestadoras de serviços de telecomunicações. A resposta transmitiu decisão do Banco Mundial em somente fomentar o desenvolvimento de empresas privadas de telecomunicações em mercados livres, pois partiu do pressuposto de que a concentração do serviço de telecomunicações nas mãos do Estado não satisfaria as exigências de tecnologia e dinamização em um mundo globalizado.
perspectiva da função estatal foi acompanhada do fortalecimento da regulação normativa refletida na criação da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL. Reformas Normativo-Operacionais da década de 1990 As modificações normativas descritas acima, acompanhadas das desestatizações, abriram espaço para investimentos privados no setor com a convergência do interesse internacional para a demanda reprimida brasileira de serviços de telecomunicações. Após a abertura introduzida pela Emenda Constitucional n. 8, de 15/08/1995, o Poder Executivo federal tentou regulamentar diretamente por decreto o que chamou de exploração de serviços de telecomunicações em base comercial. O Decreto n. 1.719, de 28/11/1995, aprovou o Regulamento de Outorga de Concessão ou Permissão para Exploração de Serviços de Telecomunicações em Base Comercial. Com base nele, o Ministro das Comunicações aprovou a Portaria n. 327324, de 19/12/1995, que submetia à consulta pública prévia as características técnicas básicas exigidas para a autorização de meios de prestação de serviços de telecomunicações via satélite geoestacionário. Também fundada no Decreto n. 1.719/95, a Portaria n. 48, do Secretário de Serviços de Comunicações do Ministério das Comunicações, submetia à consulta pública prévia a proposta de ato normativo sobre critérios e procedimentos contábeis para a prestação de Serviço Móvel Celular. O Decreto n. 1.719/95 pretendia regulamentar a transferência da prestação de serviços públicos de telecomunicações para particulares conforme autorizado pela Emenda Constitucional n. 8/95, mas foi acusado de inconstitucionalidade, já que a Lei Geral de Concessões (Lei 8.987/95) e a Lei 9.074/95, não se apresentavam como tratamentos legais suficientes para disciplina do setor de telecomunicações.325 Como o art. 21, XI, da Constituição Federal de 1988, exigia a disciplina por lei do regime de autorização, concessão ou permissão inseridos pela Emenda Constitucional n. 8/95, o Supremo Tribunal Federal suspendeu liminarmente a vigência do Decreto n. 1.719/95, em 27 de novembro de 1996 (ADIn 1.435/DF)326, sob o fundamento de que ele desrespeitara a reserva legal imposta pelo texto constitucional. O julgamento no Supremo Tribunal Federal ocorreu quando já em vigor a chamada Lei Mínima (Lei 9.295, de 19/07/1996), que serviu como disciplina legislativa inicial dos serviços de telecomunicações tidos por mais urgentes e de alta atratividade econômica: subfaixa “B” do serviço móvel celular; serviços via satélite; serviços de trunking; serviços de paging; e, regulação da utilização de rede pública de telecomunicações para prestação de serviços de valor adicionado. Quando da aprovação do Decreto n. 1.719/95, não havia sido editada a Lei
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Portaria 327, de 19/12/1995, publicada no DOU de 21/12/1995, p. 21801/21802. A Medida Provisória nº 890, de 13/02/1995, definia, em seu art. 1o, quais atividades econômicas estariam sujeitas aos regimes de concessão e permissão previstos na Lei 8.987, também de 13 de fevereiro de 1995, gerando, com isso, a interdependência entre os dois instrumentos normativos. O inciso III do art. 1 o da MP nº 890/95 previa expressamente a aplicação dos dispositivos da Lei 8.987/95 às telecomunicações. Antes da promulgação da EC8/95, dita medida provisória foi analisada pelo Congresso Nacional, que considerou inconstitucional a inclusão das telecomunicações no rol comum de serviços públicos passíveis de concessão ou permissão da Lei 8.987/95. Como já estava em discussão a EC8/95, uma negociação entre Executivo e Legislativo resultou no compromisso de veto do inciso III do art. 1o da Lei 9.074, de 07/07/1995, que resultou da conversão da última reedição da MP 890, numerada como MP 1.017, de 08/06/1995. Desta forma, as duas leis – Lei 8.987/95 e Lei 9.074/95 – foram reputadas insuficientes para a disciplina das concessões e permissões de serviços de telecomunicações. 326 Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.435-8/DF, relatada pelo Min. Francisco Resek e requerida pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT). Sessão plenária, de 27 de novembro de 1996, por maioria, vencidos os Ministros Francisco Resek (relator), Maurício Corrêa e Néri da Silveira, decidiu pela declaração de suspensão liminar de vigência do Decreto 1.719/95. Ementário de Jurisprudência do STF nº 1957-1, p. 40-60, DJ 06.08.1999. 325
Mínima, que supria, em parte, a exigência de disciplina legal do art. 21, XI, da Constituição Federal de 1988. Cogitou-se, no julgamento, na perda de objeto da ação direta de inconstitucionalidade movida contra o Decreto n. 1.179/95, alegando-se a sua revogação pela Lei 9.295/96, mas prevaleceu afinal a decisão de suspensão liminar de vigência do Decreto questionado. Poucos dias após a decisão do Supremo Tribunal Federal, o Decreto n. 1.719/95 foi revogado pelo próprio Executivo.327 Nos dois meses finais de 1996, já sob o manto da Lei 9.295/96, implementou-se a regulamentação do Serviço Móvel Celular por intermédio do Decreto n. 2.056, de 04/11/1996, como também foram alteradas as regras de privatização do serviço celular pela Medida Provisória n. 1.531. O território brasileiro foi dividido em 10 áreas de concessão para as operadoras da Banda “B”, cuja licitação ocorreu em 4 de junho de 1997, mas que somente foi concluída, em razão de discussões jurídicas e dificuldades de se encontrarem interessados para certas regiões, em 19 de outubro de 1998, quando o consórcio formado pela Tele Centro Oeste da Banda A de telefonia móvel celular e a Inepar arremataram a concessão da área 8 da Banda B de telefonia móvel celular.328 Desestatização do Sistema TELEBRÁS Para o processo de desestatização, a União já contava com o funcionamento do órgão regulador previsto pela Emenda Constitucional nº 8/95, dotado de conhecimento, pessoal e infraestrutura herdados do Sistema TELEBRÁS, o que possibilitou a prévia estruturação estratégica do Estado para o enfrentamento das novas condições de regulação normativa centralizada, que foram impostas no modelo de prestação de serviços de telecomunicações. A Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL foi criada pela Lei Geral de Telecomunicações – LGT (Lei 9.472, de 16 de julho de 1997) como autoridade independente (LGT: art. 9o), assumindo a forma jurídica de entidade integrante da Administração Indireta da União, espécie de autarquia, sob supervisão do Ministério das Comunicações, e com características de ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo de seus dirigentes e autonomia financeira (LGT: art. 8.o, §2o). Em outubro do mesmo ano, o Presidente da República aprovou por meio do Decreto n. 2.338, de 7 de outubro de 1997 o Regulamento da Agência Nacional de Telecomunicações, que viabilizou a instalação efetiva da ANATEL, cujo início de funcionamento aguardou até novembro do mesmo ano pelas nomeações e
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Decreto 2.087, de 4 de dezembro de 1996. Publicado no DOU de 05/12/1996, p. 25.847. As áreas definidas pelo Executivo federal para a subfaixa “B” no país foram: Área 1: cidade de São Paulo, Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano, Diadema e outros 40 municípios da região metropolitana de São Paulo; Área 2: interior de São Paulo; Área 3: Rio de Janeiro e Espírito Santo; Área 4: Minas Gerais; Área 5: Paraná e Santa Catarina; Área 6: Rio Grande do Sul; Área 7: Distrito Federal, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins, Rondônia e Acre; Área 8: Amazonas, Amapá, Pará, Maranhão e Roraima; Área 9: Bahia e Sergipe; Área 10: Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas. 328
preenchimento de 4 dos 5 cargos do Conselho Diretor.329 Em janeiro de 1999, o último cargo vago foi preenchido.330 Coube à ANATEL, por expressa disposição legal (LGT: art. 97), manifestar-se previamente à cisão, fusão, transformação, incorporação, redução do capital ou transferência de controle acionário das empresas concessionárias de serviços públicos de telecomunicações. A par disto, também foi estabelecido pela Lei Geral de Telecomunicações331 a competência da ANATEL para aprovar editais de licitação, homologar adjudicações e decidir sobre a prorrogação, transferência, intervenção e extinção das outorgas voltadas à prestação de serviço de telecomunicações no regime público. Os dispositivos citados exigiram a presença da ANATEL, mediante sua necessária manifestação sobre a transferência do controle societário das empresas federais de telecomunicações, que se deu pelos Atos 672 a 683, de 3 de agosto de 1998. A íntegra dos atos encontra-se na Coletânea Brasileira de Normas e Julgados de Telecomunicações (www.getel.org). Quando da desestatização do Sistema Telebrás (1998), havia uma empresa privada de telecomunicações sobrevivente e três outras operadoras não pertencentes à União, muito embora todas fossem tecnicamente integradas com a rede nacional, quais sejam: 1) COMPANHIA RIOGRANDENSE DE TELECOMUNICAÇÕES S.A. – CRT, do Estado do Rio Grande do Sul, com controle acionário estadual e concessão para exploração de serviços públicos de telecomunicações no Rio Grande do Sul à exceção dos Municípios de Pelotas e Capão do Leão. Em 1996, o Estado do Rio Grande do Sul vendeu 35% de suas ações ordinárias a um consórcio liderado pela Telefónica de España, que, por sua vez, as vendeu para a operadora Brasil Telecom. 2) CENTRAIS TELEFÔNICAS DE RIBEIRÃO PRETO – CETERP, do Município de Ribeirão Preto, adquirida pela Telefónica de Espanha em dezembro de 1999. 3) SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES DE LONDRINA – SERCOMTEL, operadora municipal de Londrina, Paraná, ainda em operação sob o nome SERCOMTEL S.A. – Telecomunicações e SERCOMTEL Celular S.A.332 4) COMPANHIA TELEFÔNICA DO BRASIL CENTRAL – CTBC, única companhia privada do setor controlada pelo grupo Algar, que operava em municípios do Triângulo Mineiro, Goiás, Mato Grosso do Sul e São Paulo. Após a aprovação da Lei Geral de Telecomunicações de 1997, lhe foram outorgadas pela ANATEL concessões de serviços fixos locais e de longa distância nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso do Sul.
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O primeiro Presidente do Conselho Diretor da ANATEL (Renato Navarro Guerreiro), com mandato inicial de 3 anos, foi nomeado pelo Decreto sem número de 4 de novembro de 1997, publicado no DOU de 5/11/1997, empossado no dia da publicação pelo Ministro das Comunicações, Sérgio Motta. Seguindo a ordem do art. 25 da Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97) de não-coincidência de mandatos, os outros 3 conselheiros nomeados nessa data tiveram mandatos de durações distintas: Luiz Francisco Tenório Perrone (mandato de 4 anos); José Leite Pereira Filho (mandato de 5 anos); Antônio Carlos Valente da Silva (mandato de 7 anos), todos também nomeados por decretos do mesmo dia 4/11/1997 e empossados no dia 05/11/1997. 330 O Decreto sem número de 7 de janeiro de 1999 nomeou o último conselheiro (Luiz Tito Cerasoli), fixando para 04/11/2003 o término do mandato correspondente. O termo de posse foi assinado pelo Ministro das Comunicações, João Pimenta da Veiga Filho, em 10 de janeiro de 1999. 331 Art. 22, V da Lei Geral de Telecomunicações, reproduzido no art. 35, VI do Regulamento da ANATEL aprovado pelo Decreto 2.338, de 07/10/1997. 332 A SERCOMTEL é um caso diferenciado do setor no Brasil. Foi instituída, em 1965, como autarquia municipal, tendo sido frustradas as pressões do Ministério das Comunicações, à época, para transformá-la em sociedade anônima, em 1984. Com as alterações iniciadas pela Emenda Constitucional nº 8, de 1995, em 1º de agosto de 1996 a autarquia foi substituída pela SERCOMTEL S.A. – Telecomunicações, sociedade de economia mista municipal cindida, em 1998 em duas empresas: a SERCOMTEL S.A. – Telecomunicações e a SERCOMTEL Celular S.A. Em 2001, foi realizado plebiscito para decisão sobre a privatização da SERCOMTEL Celular, tendo vencido a posição pró manutenção da estatal. Conferir, a respeito: TAVARES, Mário Jorge de Oliveira. Sercomtel: marca de pioneirismo. Londrina: Midiograf, 2003, p. 23; 41; 86, nota 408; 97.
A presença dessas empresas não-integrantes do Sistema TELEBRÁS não o ofuscava. Em 1998, cerca de 91% da base telefônica do Brasil lhe pertencia. No mesmo ano, o governo federal detinha 50,4% de seu capital votante e 21,44% de seu capital total.333 O sistema do autofinanciamento, que fora implementado durante suas três décadas de existência, chegara ao seu limite, inviabilizando sua utilização para novas expansões necessárias para o Sistema. A partir de 30 de junho de 1997, com a Norma 06/97 – Tarifa de Habilitação do Serviço Telefônico Público, aprovada pela Portaria n. 261/97, do Ministro das Comunicações, deixou de existir o autofinanciamento e passou a vigorar o pagamento exclusivo de Tarifa ou Preço de Habilitação. Após o esforço político de alteração das disposições normativas impeditivas da transferência da prestação de serviços públicos de telecomunicações pela iniciativa privada, o Executivo federal ultimou esforços do antigo projeto de desestatização do Sistema TELEBRÁS. A TELEBRÁS, cujas operadoras estaduais, até dezembro de 1997, prestavam serviços de telecomunicações fixos e móveis celulares, sofreu uma reestruturação em janeiro de 1998, em que suas 26 empresas estaduais controladas separaram-se, cada uma, em duas empresas, uma para serviços fixos e a outra para serviços móveis celulares. O conglomerado resultante foi aglutinado em 12 empresas, mediante aprovação da ANATEL334, conforme exigência do art. 97 da Lei Geral de Telecomunicações.335 As operadoras de telefonia fixa foram agrupadas em 3 grandes holdings, enquanto as operadoras de telefonia móvel celular foram agrupadas em 8 holdings. Estas operariam na Banda “A” para competirem com as empresas privadas já instaladas ou em vias de instalação da Banda “B”. A partir de 22 de maio de 1998, com a efetivação da reestruturação, a TELEBRÁS deixou de ter ativos operacionais geradores de receitas, contentando-se com os recursos advindos de aplicações financeiras destinados a mantê-la até sua definitiva liquidação. A cisão resultou em quatro empresas destinadas à prestação do Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC): TELE NORTE LESTE336; TELESP337; TELE CENTRO SUL338; e EMBRATEL339. As oito restantes foram destinadas ao Serviço Móvel Celular da Subfaixa “A”: TELESP CELULAR340; TELE SUDESTE CELULAR341; TELE CENTRO OESTE CELULAR342;
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PADILHA, Marcos Lopes. Análise setorial: telefonia fixa em perspectiva. Vol.I, São Paulo: Gazeta Mercantil, 2001, p. 26. 334 O Ato nº 109, de 23/04/1998, da ANATEL, aprovou a cisão parcial da TELEBRÁS nos moldes do Modelo de Reestruturação e Desestatização das Empresas Federais de Telecomunicações, aprovado pelo Decreto 2.546, de 14/04/1998 e da proposta de cisão parcial aprovada pelo Conselho Administrativo da Companhia, em 15/04/1998. A cisão de fato ocorreu em 22 de maio de 1998. 335 Lei 9.472, de 16/07/1997, Livro III (Da organização dos serviços de telecomunicações), Título II (Dos serviços prestados em regime público), Capítulo II (Da concessão), Seção II (Do contrato): “Art. 97. Dependerão de prévia aprovação da Agência a cisão, a fusão, a transformação, a incorporação, a redução do capital da empresa ou a transferência de seu controle societário. Parágrafo único. A aprovação será concedida se a medida não for prejudicial à competição e não colocar em risco a execução do contrato, observado o disposto no art. 7° desta Lei.” 336 Participação acionária estatal vendida no Leilão das Empresas Estatais Federais de Telecomunicações, de 29/07/1998, na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Relação dos vencedores encaminhada à ANATEL pela Câmara de Liquidação e Custódia (CLC) por meio da correspondência DG109/98, de 30/07/1998. Aprovação da transferência pelo Ato nº 674, de 03/08/1998 da ANATEL. 337 Participação acionária estatal vendida conforme nota anterior. Ato nº 672, de 03/08/1998 da ANATEL. 338 Participação acionária estatal vendida conforme nota anterior. Ato nº 673, de 03/08/1998 da ANATEL. 339 Participação acionária estatal vendida conforme nota anterior. Ato nº 675, de 03/08/1998 da ANATEL. 340 Participação acionária estatal vendida conforme nota anterior. Ato nº 676, de 03/08/1998 da ANATEL. 341 Participação acionária estatal vendida conforme nota anterior. Ato nº 677, de 03/08/1998 da ANATEL. 342 Participação acionária estatal vendida conforme nota anterior. Ato nº 682, de 03/08/1998 da ANATEL.
TELE CELULAR SUL343; TELEMIG CELULAR344; TELE NORDESTE CELULAR345; TELE LESTE CELULAR346; e TELE NORTE CELULAR347. A justificativa apresentada pelo governo foi a de maximizar a atração de capital estrangeiro para o financiamento externo da economia brasileira. As razões oficiais para não se ter optado por uma única empresa nacional capaz de concorrer internacionalmente foram apresentadas como sendo a incompatibilidade de subsídios cruzados com ambientes competitivos, o porte avantajado das três operadoras regionais em comparação com o das congêneres latino-americanas, a focalização dos investimentos dentro de cada região, a facilidade no controle do órgão regulador sobre atores com menor potencial monopolista, a possibilidade de aceno com o incentivo da remoção das restrições geográficas após o cumprimento das metas estabelecidas nos regulamentos, bem como a maior facilidade no processo de privatização, permitindo-se, com isso, a participação de grupos nacionais. No âmbito da telefonia fixa, houve a divisão do Sistema Telebrás em 3 grandes empresas regionais (TELE NORTE LESTE, TELE CENTRO SUL e TELESP) e 1 empresa nacional (EMBRATEL). Àquelas caberiam os serviços locais e interurbanos intraestaduais e interestadual dentro das respectivas áreas de concessão definidas pelo Plano Geral de Outorgas, aprovado pelo Decreto n. 2.534/98,348 enquanto à EMBRATEL caberia a exploração dos serviços intraestaduais, interestaduais e internacionais em todo o território, gerando, assim, um potencial de competição com limites nos serviços intra-estaduais e interestaduais. Sob o argumento de garantia do volume inicial de investimentos oriundos das aquisições de privatização, foi previsto, no Plano Geral de Outorgas – PGO, o limite de um novo entrante em cada região349, inclusive na da EMBRATEL, licitados em 1999. Ao lado disso, para incremento do mecanismo competitivo, o mesmo PGO impôs a exigência de cumprimento das metas de expansão e atendimento contraídas pelas novas operadoras e pelas concessionárias para antecipação de sua liberalização quanto às limitações geográficas e de serviços de telefonia fixa.350 O duopólio foi garantido pelo PGO até 31 de dezembro de 2001 nos serviços local (concessionária regional e nova operadora regional), de longa distância nacional interregional (EMBRATEL e INTELIG) e de longa distância internacional (EMBRATEL e INTELIG). Já, nos serviços de longa distância intraestadual e interestadual intrarregional, o PGO garantiu, até 31 de dezembro de 2001, o limite de 4 competidores (concessionária regional, nova operadora regional, EMBRATEL e INTELIG). Reservaram-se espaços geográficos mapeados segundo o percentual do PIB de cada região e sua densidade para repartição entre as empresas regionais.351 Daí ter-se entregue à TELE NORTE LESTE uma região que se estendia dos Estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais, passando por todos os Estados do Nordeste brasileiro, chegando aos
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Participação acionária estatal vendida conforme nota anterior. Ato nº 679, de 03/08/1998 da ANATEL. Participação acionária estatal vendida conforme nota anterior. Ato nº 678, de 03/08/1998 da ANATEL. 345 Participação acionária estatal vendida conforme nota anterior. Ato nº 680, de 03/08/1998 da ANATEL. 346 Participação acionária estatal vendida conforme nota anterior. Ato nº 681, de 03/08/1998 da ANATEL. 347 Participação acionária estatal vendida conforme nota anterior. Ato nº 683, de 03/08/1998 da ANATEL. 348 O Plano Geral de Outorgas veiculado pelo Decreto 2.534, de 02/04/1998, previu, no art.4o e anexos, quatro regiões subdivididas, as três primeiras subdivididas em setores. O novo PGO foi aprovado pelo Decreto 6.645, de 20/11/2008. 349 Art. 9o do Plano Geral de Outorgas, aprovado pelo Decreto 2.534, de 02/04/1998. 350 Para as autorizatárias de serviços de telefonia fixa, a antecipação de liberalização de 31 de dezembro de 2002 para 31 de dezembro de 2001. Para as concessionárias de serviços de telefonia fixa, a antecipação de liberalização de 31 de dezembro de 2003 para 31 de dezembro de 2001. Respectivamente §§1 o e 2o do art.10 do Plano Geral de Outorgas aprovado pelo Decreto 2.534, de 02/04/1998. 351 Dados constantes da Proposta Básica de Implementação da Lei Geral de Telecomunicações do Ministério das Comunicações, de 23 de outubro de 1997. 344
seguintes Estados do Norte do país: Pará, Amapá, Amazonas e Roraima. Esta região respondia, em 1997, por 39% do PIB nacional. A TELE CENTRO SUL abarcou os Estados do Rio Grande do Sul352, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Distrito Federal, Goiás, Tocantins, Rondônia e Acre, juntos com 25% do PIB nacional. A diferença do PIB seria compensada por sua posição estratégica fronteiriça com os países do MERCOSUL e sua alta taxa de crescimento do setor de telecomunicações. Finalmente, à TELESP coube o Estado de São Paulo, que, sozinho, detinha 36% do PIB brasileiro. À operadora de serviços de longa distância nacional e internacional, de comunicação de dados e de serviços domésticos de telecomunicações via satélite do Sistema Telebrás – EMBRATEL –, cabia o dever de uniformização de interconexão nacional, que, juntamente com sua posição estratégica continental, afastavam intuitos de divisão. Já, no âmbito da telefonia móvel celular, houve a divisão do Sistema Telebrás em 8 holdings, que seguiram as áreas predefinidas para a subfaixa “B” de telefonia móvel celular já instaladas ou em vias de instalação, cujos critérios de mapeamento foram escolhidos segundo a quantidade de usuários interessados em celulares de cada região (demanda reprimida) e no volume de investimentos esperados. Novos Horizontes Todas as subdivisões do antes monolítico Sistema Telebrás, fossem meras conformações acionárias, fossem especializações funcionais (telefonia fixa, móvel, dados), permitiram o surgimento de um cenário definitivamente novo caracterizado pela complexidade das relações entre o ambiente normativo e a realidade de prestação dos serviços de telecomunicações. A inicial normatização criada na segunda metade da década de 1990 vem sofrendo natural estranhamento frente às alterações de um setor marcado pelas inovações tecnológicas. Em face destas modificações, a ANATEL produziu mais de 500 resoluções, criando serviços novos sucessores dos serviços de conformação normativa defasada, como é o caso do Serviço Móvel Pessoal – sucedâneo do Serviço Móvel Celular – e do Serviço de Comunicação Multimídia – sucedâneo dos Serviços Limitados Especializados (SLE) e do Serviço de Rede de Transporte de Telecomunicações (SRTT), dentre diversas outras atualizações pertinentes aos serviços de telecomunicações, ao espectro de radiofrequências e à órbita.
Telecomunicações e Serviços de Telecomunicações O primeiro diploma legal codificador das telecomunicações no Brasil (Código Brasileiro de Telecomunicações – Lei 4.117/62) dispunha dos serviços de telecomunicações em sentido amplo como transmissão, emissão ou recepção de qualquer tipo de significado por processo eletromagnético, divisando entre a transmissão de escritos, por meio de um código de sinais (telegrafia) e a transmissão da palavra falada ou de sons (telefonia). Lei 4.117/62, de 27/08/1962 Código Brasileiro de Telecomunicações Art. 4º Para os efeitos desta lei, constituem serviços de telecomunicações a transmissão, emissão ou recepção de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza, por fio, rádio, eletricidade, meios óticos ou qualquer outro processo eletromagnético. Telegrafia é o processo de telecomunicação 352
Embora a antiga operadora do Sistema Telebrás (CTMR – Companhia Telefônica Melhoramento e Resistência S.A.) somente atuasse efetivamente em Pelotas e adjacências, já que a CRT do Estado do Rio Grande do Sul operava nos demais municípios, a área de concessão foi definida como todo o Estado do Rio Grande do Sul.
destinado à transmissão de escritos, pelo uso de um código de sinais. Telefonia é o processo de telecomunicação destinado à transmissão da palavra falada ou de sons.
O texto do Código Brasileiro de Telecomunicações refletia a conceituação internacional de telecomunicações definida a partir da Conferência de Madrid de 1932, em que também se criou a União Internacional de Telecomunicações.353 O regulamento de telecomunicações internacionais não destoa do conceito inicial atribuído às telecomunicações.354 Na regulamentação da Lei 4.117/62, o Decreto 52.026/63 remetia indistintamente aos conceitos de telecomunicações e serviços de telecomunicações, equiparando os termos e aplicando a definição de serviços de telecomunicações dada pelo Código ao conceito de telecomunicação como toda transmissão, emissão ou recepção de significado por meio eletromagnético. Decreto 52.026, de 20/05/1963 Regulamento Geral do Código Brasileiro de Telecomunicações Art. 4º. Os serviços de telecomunicações, para os efeitos deste Regulamento Geral, dos Regulamentos Específicos e dos Especiais, compreendendo a transmissão, emissão ou recepção de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza por fio, rádio, eletricidade, meios óticos ou qualquer outro processo eletromagnético, assim se classificam: (...) Art. 6º Para os efeitos deste Regulamento, os termos que figuram a seguir têm os significados definidos após cada um deles: 56 - TELECOMUNICAÇÃO - é toda transmissão, emissão ou recepção de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza, por fio, rádio, eletricidade, meios óticos ou qualquer outro processo eletromagnético.
A imprecisão conceitual, que igualava serviços de telecomunicações e telecomunicações, foi afastada com a Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97). Esta firmou o entendimento de que a disciplina normativa deveria estar centrada nos serviços de telecomunicações como o “conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação”355, evidenciando a distinção entre os serviços e a telecomunicação em si. O serviço de telecomunicações é, portanto, algo mais amplo; é a atividade suficiente para o funcionamento das telecomunicações. Tem caráter funcional de conjunto orientado a finalidades. Assim, apresenta-se como o complexo de atividades orientadas à função de realização das telecomunicações; orientadas à transmissão, emissão e recepção de significados por via eletromagnética. Lei 9.472, de 16 de julho de 1997
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Telecomunicação vinha definida como “toda comunicación telegráfica o telefónica de signos, señales, imágenes y sonidos de cualquier naturaleza por hilo, radioelectricidad u otro sistema o procedimiento de señalización eléctrica o visual (semáforo)” (FERNÁNDEZ-SHAW, Félix. Organización internacional de las telecomunicaciones y de la radiodifusión. Madrid: Editorial Tecnos, 1978, p. 26). 354 O atual Regulamento Internacional de Telecomunicações foi aprovado na Conferência Administrativa Mundial de Telegrafia e Telefonia, em Melbourne, de 1988: “2.1. Télécommunication: Toute transmission, émission ou réception de signes, de signaux, d‟écrits, d‟images, de sons ou de reseignements de toute nature, par fil, radioélectricité, optique ou autres systèmes électromagnétiques.” (ITU. Reglement des telecommunications internationales: actes finals de la Conference Administrative Mondiale Telegraphique et Telephonique – Melbourne – 1988. Geneve: ITU, 1989). 355 Art.60, caput da Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97).
(Lei Geral de Telecomunicações) Art. 60. Serviço de telecomunicações é o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação. § 1° Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza.
Entendido o serviço de telecomunicações como o conjunto de atividades orientado à realização das telecomunicações, a perfeita compreensão destas últimas surge como seu requisito conceitual. Enfim, em que consiste a telecomunicação? Conceito Jurídico de Telecomunicação A definição doutrinária clássica é de que telecomunicação é “comunicação à distância, realizada por processo eletromagnético”.356 Embora aparentemente esclarecedora, ela acaba por simplificar demais a questão. Não se sabe que distância é essa. Além disso, pior do que não se saber que distância é essa, trata-se de termo inexistente na legislação. A distância é criação doutrinária decorrente da etimologia da telecomunicação. Poder-se-ia argumentar que essa distância seria mensurável como aquela necessária a configurar a comunicação, contrapondo-se, portanto, ao autoesclarecimento do interlocutor, mas os casos práticos de pessoas que se comunicam de duas salas comerciais vizinhas, cujo espaço entre elas é de poucos metros, evidencia que o termo distância não participa da essência da telecomunicação moderna, embora seja ínsita à sua história. Nos tempos atuais, a introdução do conceito de distância encobre os termos esclarecedores da telecomunicação: transmissão de significados e eletromagnetismo. A prática e evolução da telecomunicação esvaziaram o significado da distância inerente à sua etimologia. Tanto a distância hoje é irrelevante, sob o ponto de vista jurídico, que há possibilidade de telecomunicação nos limites de uma mesma edificação.357 O art. 6o, do Decreto 52.026/63, qualificava a telecomunicação como transmissão de símbolos realizada por processo eletromagnético. Esses elementos conceituais das telecomunicações foram reproduzidos no art. 60, § 1o, da Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97). Para que se identifique a telecomunicação, há necessidade, portanto, da presença de dois elementos conceituais: transmissão e eletromagnetismo. Dos dispositivos legais enunciados e do contexto normativo das telecomunicações, pode-se extrair a necessidade de uma atividade central denominada transmissão. Diplomas legais e infralegais costumam sintetizar seu significado como “emissão ou recepção de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza”.358 Ela traduz o fenômeno de transporte de convenções culturais com ou sem armazenagem intermediária, incluindo aí a emissão e a recepção. Esse transporte é viabilizado pela noção da díade comunicativa, que, por sua vez, vem esclarecida por distinções sociais de espaço e tempo. Utilizando-se o termo sinal em sentido amplo para abarcar toda convenção de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons e informações, pode-se entender por sinal
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ESCOBAR, J. C. Mariense. O novo direito de telecomunicações. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 21. 357 Confirmando esta posição, exemplifica-se dispositivo da Lei Geral de Telecomunicações: “Art.75. Independerá de concessão, permissão ou autorização a atividade de telecomunicações restrita aos limites de uma mesma edificação ou propriedade móvel ou imóvel, conforme dispuser a Agência.”. 358 Art. 4o da Lei 4.117/62; art. 4o e art. 6o, item 56 do Decreto 52.026/63; art. 60, §1o da Lei 9.472/97.
transportado todo “fenômeno físico em que uma ou mais de suas características variam para representar informação”.359 A partir da concepção de transmissão como transporte de convenções, entendidas como variação de características aptas a traduzirem informações, como também a partir da constatação de que toda transferência de sinais adequados a representarem informações implica comunicação, a transmissão de que se fala no ambiente de telecomunicações é, naturalmente, uma transmissão comunicativa, que, no mínimo, comunica a falta de viabilidade da conexão. O silêncio também faz parte da transmissão, pois detém sentido significativo e essencial à comunicação, podendo, assim, ser regulado. Da mesma forma, a transmissão de convenções para si próprio também está no campo das telecomunicações, por ver-se possibilitada pelos elementos de espaço e tempo. A transmissão, por si só, não é suficiente para caracterizar a telecomunicação. Para isso, a transmissão há de ser qualificada pelo processo eletromagnético. Assim, o eletromagnetismo é uma forma de transmissão apta a apresentá-la como telecomunicação. Ele se manifesta a partir de variação de um campo elétrico e de um campo magnético para produção de propagações intermitentes no espaço conhecidas como ondas eletromagnéticas. Ao contrário das ondas mecânicas, produzidas por perturbação em meios materiais, tais como ondas em líquidos, vibração de tambores de caixas de som ou mesmo a voz humana, as ondas eletromagnéticas apresentam-se como propagações, que independem de meio material sensível, o que lhes possibilita serem transmitidas até mesmo no vácuo. A abrangência do conceito jurídico de telecomunicação advém do significado de eletromagnetismo, entretanto não se esgota simplesmente em eletromagnetismo ligado à transmissão de convenções. Delimitar de forma precisa todo o universo de alcance da regulamentação de telecomunicações exige a presença de um conjunto de fatores. Alguns exemplos práticos auxiliam na precisão do conceito jurídico de telecomunicação. O som reproduzido pelo ar, água ou outro meio físico, embora possa ser originado por processo eletromagnético e gere transmissão de convenções, é conduzido por perturbação realizada pela frequência de vibrações eletromagnéticas em meios físicos, produzindo, portanto, ondas mecânicas. Até o momento de transformação das ondas eletromagnéticas em ondas mecânicas, desde que presentes outros fatores abaixo enunciados, está-se diante de telecomunicação. A partir do momento em que há conversão dos sinais eletromagnéticos em efeitos sonoros, não se trata mais de telecomunicação, embora o conceito de comunicação à distância possa estar presente. Da mesma forma, os sinais visuais dos responsáveis pelo táxi aéreo em um aeroporto não significam transmissão de convenções por via eletromagnética, já que o processo em si de criação de significado é meramente mecânico. Os mesmos gestos do responsável pelo táxi aéreo, quando realizados com bandeiras e cones luminosos, também não se traduzem em telecomunicação, porque a finalidade da luz, neste caso, embora ela em si seja frequência eletromagnética, não é a de ser o meio significativo de transmissão da informação. Não se interpretará, no caso, a luz nas suas diversas intensidades, mas o fenômeno mecânico de movimentação das bandeiras e cones luminosos. Neste caso, à semelhança de placas de trânsito iluminadas, não se interpreta a luz, apesar de, às vezes, sua cor ser significativa. Interpreta-se o que a luz permite visualizar: o conteúdo da placa de trânsito ou dos movimentos do responsável pelo táxi aéreo. A luz serve apenas para visualização da placa não importando sua
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PABLO, Marcos M. Fernando. Derecho general de las telecomunicaciones. Madri: COLEX, 1998, p. 38. Tradução livre do original: “fenómeno físico en el que una o más de sus características varían para representar información”.
intensidade. A variação da luz não modifica o conteúdo da placa de trânsito, enquanto que, na telecomunicação, a modulação do sinal portador é essencial para a definição do conteúdo da mensagem. Nas placas de trânsito de luminosidade intermitente, a intermitência tem a função de chamar a atenção do motorista, mas ela, em si, não pretende reproduzir a complexidade do conteúdo da placa, que pode ser o mais diversificado possível. Assim, a modulação do sinal portador deve ser significativa em dois sentidos: carregar significado próprio; e que este significado seja o mais próximo possível do conteúdo total da mensagem. Há, entretanto, outros casos que não se contentam com essa explicação. Letreiros luminosos, que transmitem propaganda de forma semelhante a uma programação televisiva, têm modulação do sinal portador significativa, pois a variação dos pontos de luz modifica o conteúdo da mensagem. Não é suficiente, portanto, a característica de modulação significativa do sinal portador. É necessária a identificação de outro elemento diferenciador: a codificação e decodificação da transmissão. Apesar de estarmos sempre decodificando os sinais externos do mundo, pode-se entender a codificação e decodificação essenciais às telecomunicações como o tipo especial de decifração apto à inteligibilidade das mensagens. Se assim for, o mecanismo de geração dos sinais e sua transmissão para a placa de efeitos luminosos é um fenômeno de telecomunicação, mas não sua percepção pelos espectadores, que não utilizam mecanismos decodificadores para tanto. É bem verdade que a prática social e a complexidade dos fenômenos acabam por minar uma distinção absoluta de telecomunicação, que, como toda definição jurídica, tem certo grau de imprecisão compatível com a mobilidade do objeto descrito. Outro exemplo de aplicação do conceito de eletromagnetismo na transmissão de convenções que não se caracteriza como telecomunicação hoje, mas que pode vir a ser qualificado como telecomunicação mais tarde, é o código Morse passado à distância por holofotes. Neste caso, há codificação e decodificação acompanhadas de modulação significativa do sinal portador, embora binária.360 A única oposição aqui possível para sua caracterização como telecomunicação é a ausência do conceito de rede como conjunto operacional contínuo de circuitos ou pacotes e equipamentos de transmissão. Por isso mesmo, pode-se imaginar telecomunicação por holofotes e receptores de código Morse em rede, muito embora seja fato improvável. Nada improvável, entretanto, é a transmissão de informações operada por via de feixes luminosos segundo as características das telecomunicações. A necessidade de transmissão em alta velocidade, o avanço da tecnologia e a elevação dos custos de instalação dos cabos de fibras ópticas tornaram viáveis as redes que utilizam emissores e receptores entre arranha-céus mediante a tecnologia de FSO (free-space optics)361, evidenciando que o sentido de telecomunicação exige a presença dos fatos para sua precisão conceitual. Logo, há elementos essenciais que caracterizam a transmissão eletromagnética, tornando-a apta para sua classificação como telecomunicação: modulação significativa do sinal portador; codificação e decodificação; conjunto operacional contínuo de emissão e recepção.
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A intensidade do sinal importa, embora importe somente duas intensidades: o sim, ou o não. A duração do sinal também interessa, embora limitada a duas durações: curto e longo. A existência, ou o vazio de existência na transmissão são ambos significativos para a composição do código. 361 WILLEBRAND, Heinz A. & GHUMAN, Baksheesh S. Fiber optics without fiber: beaming light through the air offers the speed of optics without the expense of fiber. In: IEEE Spectrum. Vol. 38, n. 8, New York: The Institute of Electrical and Electronics Engineers, agosto de 2001, p. 40-45. O artigo compara o sistema FSO de comunicação em alta velocidade com as tradicionais tecnologias de fibras ópticas, que demandam cinco vezes mais investimentos de instalação e acenam com maiores facilidades de funcionamento por não exigirem aprovação municipal de uso do solo.
Conceito Jurídico de Serviço de Telecomunicações A partir da definição de telecomunicação, pode-se precisar o conceito de serviço de telecomunicação como o conjunto de atividades pertinente à transmissão de informação por processo eletromagnético, que é aquele que se utiliza do campo eletromagnético para geração de sinais de comunicação, caracterizado pelos conceitos de modulação significativa do sinal portador, codificação e decodificação, e de um conjunto operacional contínuo de emissão e recepção de sinais. Sempre que tais elementos conceituais estiverem presentes, haverá serviço de telecomunicação, exceto os serviços expressamente excluídos por lei. Serviços de Valor Adicionado (SVA): exclusões legais expressas ao conceito de serviços de telecomunicações
A primeira questão que surge para fixação do âmbito de abrangência dos serviços de telecomunicações refere-se à possibilidade de dispositivo infraconstitucional diminuir a extensão de competência inscrita na Constituição e dirigida à União (art. 21, XI). Ao remeter à competência da União a exploração dos serviços de telecomunicações, nos termos da lei, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu a pauta diretiva da evolução do ordenamento de telecomunicações. A reserva legal expressa pelo texto constitucional, embora qualificada por indicativos pouco precisos, tais como a exigência de disciplina sobre a organização dos serviços, criação de órgão regulador e outros aspectos institucionais, não permite a manipulação do conceito de serviço de telecomunicação por disposição legal. O limite de pertinência lógica dos serviços disciplinados por lei regulamentadora do art. 21, XI, da Constituição Federal de 1988 ombreia com a adequação da qualificação dos serviços como de telecomunicações ou de valor adicionado. Por isso, uma das questões mais espinhosas da regulamentação de telecomunicações no Brasil encontra-se na delimitação da fronteira entre os serviços de telecomunicações e os serviços que apenas lhes adicionam valor ou utilizam de suas redes. A Lei Geral de Telecomunicações – LGT (Lei 9.472/97), no seu art. 61, caput, firmou posição a respeito e definiu quais serviços distinguem-se dos serviços de telecomunicações apesar de se aproximarem muito deles. A LGT considerou como Serviço de Valor Adicionado – SVA toda atividade que acrescenta novas utilidades a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde. Essas utilidades devem estar relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações. Apartados dos serviços de telecomunicações, os serviços de valor adicionado submetem-se apenas aos controles necessários à garantia de integridade das vias de telecomunicação e serviços correspondentes, pois seus provedores classificam-se como usuários (art. 61, § 1o, da LGT) com os direitos e deveres inerentes a essa condição. Esses usuários de serviços de telecomunicações são, todavia, especiais. Em geral, têm potencial elevado de utilização de capacidade operacional das redes, gerando maiores cuidados e garantias tanto para disciplina de seu acesso quanto para disciplina de seus limites. A própria LGT, no art. 61, § 2o, garante o acesso dos provedores de serviços de valor adicionado às redes de serviços de telecomunicações. Apesar de não estar expresso no texto da lei, tais redes de disponibilidade obrigatória são as qualificadas como de interesse coletivo. Por isso, a regulamentação de serviços de valor adicionado concentra-se no Serviço Telefônico Fixo Comutado – STFC, no Serviço Móvel Celular – SMC362, no Serviço Móvel Pessoal – SMP e nos serviços conhecidos como de comunicação de massa, tais como TV a Cabo, MMDS, 362
O Serviço Móvel Celular foi, na prática, extinto, devido à migração das últimas prestadoras de SMC para o Serviço Móvel Pessoal em fevereiro de 2004.
DTH e TVA. Provedores de Serviço de Valor Adicionado e operadoras de serviço de telecomunicações contratam a utilização, em geral, de códigos de acesso específicos e o fornecimento do registro das chamadas destinadas aos provedores. O serviço de Provimento de Acesso à Internet ou Serviço de Conexão à Internet foi reconhecido como Serviço de Valor Adicionado em decisões do Superior Tribunal de Justiça (Recursos Especiais 511390/MG e 628046/MG, respectivamente de 19/05/2005 e 09/05/2006). Mesmo antes da Lei Geral de Telecomunicações – LGT, a Norma n. 004/95, aprovada pela Portaria n. 148/95363, do Ministério das Comunicações, dispunha sobre o Uso de Meios da Rede Pública de Telecomunicações para Acesso à Internet, principalmente focada no relacionamento entre as Entidades Exploradoras de Serviços Públicos de Telecomunicações – EESPTs e os Provedores de Serviço de Conexão à Internet – PSCIs. No mês seguinte – junho de 1995 –, o Ministério das Comunicações e o Ministério da Ciência e Tecnologia emitiram nota conjunta, que qualificava o provimento de acesso ou de informações como serviço comercial preferencialmente implementado pela iniciativa privada, reservando-se aos órgãos públicos tão-somente o provimento em situações “onde seja necessária a presença do setor público para estimular ou induzir o surgimento de provedores [privados] e usuários”.364 A opção política por tratar a internet como uma atividade privada de estímulo à atividade comercial em geral resultou ainda mais evidente quando da disponibilização para fins comerciais da Rede Nacional de Pesquisa (RNP) dotada de espinha dorsal (backbone) nacional antes exclusivamente destinada a atender às necessidades de serviços de internet da comunidade acadêmica.365 A própria nomenclatura do serviço, enfim, o qualificava como de caráter privado: “serviços comerciais Internet”.366 Sua ordenação é definida pelo Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGI.br) criado pela Portaria Interministerial n. 147, de 31 de maio de 1995, e atualmente disciplinado pelo Decreto n. 4.829, de 3 de setembro de 2003. Mantida a disciplina normativa específica para os serviços de conexão à internet, a Norma n. 004/97, aprovada pela Portaria n. 251/97, do Ministério das Comunicações, previu o Uso da Rede Pública de Telecomunicações para Prestação de Serviços de Valor Adicionado. Essa norma dirigia-se aos serviços de valor adicionado em geral providos por intermédio da rede pública – hoje restrita a parcela do serviço telefônico fixo comutado – excluídos certos serviços de valor adicionado submetidos a tratamento específico: uso da rede pública para acesso à internet (Norma 004/95); serviços de utilidade pública, caracterizados como aqueles serviços prestados por órgãos da União, Estados-Membros e Municípios ou por entidades sem fins lucrativos voltadas a serviços de emergência (defesa civil, corpo de bombeiros, polícia, dentre outros) e apoio ao cidadão (receita federal, assistência ao idoso, assistência à criança, abastecimento alimentar, dentre outros); e, serviços prestados através de recursos intrínsecos à rede pública de telecomunicações, que complementam o serviço básico prestado pelas então chamadas Entidades Exploradoras do Serviço Telefônico Público. A mesma Norma 004/97 (item 6.1) disciplina os direitos básicos do assinante de serviço público de telecomunicação frente aos serviços de valor adicionado em geral: livre acesso aos serviços dos provedores; e o direito de bloqueio ou desbloqueio destes serviços sem ônus. A ANATEL, ao regular a infraestrutura de telecomunicações do país, regulamenta, por exemplo, os procedimentos de expedição de autorização para realização de experiências com Serviços de Valor Adicionado suportados por sistemas de distribuição de televisão por 363
Portaria nº148, de 31/05/1995. Publicada no DOU de 01/06/1995, p. 7875-7876. BRASIL. MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES. MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA. Nota Conjunta: internet no Brasil. Junho de 1995, item 1.4. 365 Ibid., itens 3.1; 3.2; e 3.3. 366 Ibid., itens 1.2; e 3.5. 364
assinatura (Resolução ANATEL n. 77/1998), o uso de redes de Serviços de Comunicação de Massa por Assinatura para provimento de Serviço de Valor Adicionado (Resolução ANATEL n. 190/1999), a possibilidade de uso do canal de retorno do Serviço de Distribuição de Sinais Multiponto Multicanal para provimento de Serviço de Valor Adicionado (Resolução ANATEL n. 224/2000), a garantia do uso das redes de suporte ao Serviço de Comunicação Multimídia para provimento de Serviço de Valor Adicionado em caráter não-discriminatório e a preços justos e razoáveis (Resolução ANATEL n. 272/2001). Existem outras atividades expressamente excluídas do conceito de serviço de telecomunicações. É o caso do serviço de provimento de capacidade de satélite e do serviço de habilitação ou cadastro de usuário e de equipamento para acesso a serviços de telecomunicações. Ambos apresentam-se como conjunto de operações necessárias à telecomunicação comercial, mesmo que indiretamente, mas foram excluídos do rol de serviços de telecomunicações pelo Regulamento dos Serviços de Telecomunicações, aprovado pela Resolução n. 73/98, da ANATEL. Sem o provimento de capacidade de satélite, os serviços de telecomunicações que dela se utilizam restariam inutilizados. Sem habilitação ou cadastro de usuário e de equipamento para acesso a serviços de telecomunicações, estes serviços perderiam sua viabilidade de difusão de massa. Da mesma forma, sem os serviços oferecidos por usuários comerciais, tais como a oferta de produtos e serviços, que em nada se aproximam das telecomunicações, pouco da capacidade instalada de telecomunicações teria sentido. Enfim, o caminho à procura do sentido do serviço de telecomunicações como conjunto de atividades voltado a prover telecomunicação parece não ter fim sem que se estabeleça uma fronteira pautada em certas características arbitrárias. O texto legal (art. 60, caput, da LGT) fala em serviço de telecomunicações como conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicações. Se levada às últimas consequências, a análise textual da possibilidade de oferta de telecomunicações envolveria todo serviço capaz de se confundir com a utilidade do serviço mínimo de transmissão eletromagnética, levando a considerá-lo tão essencial quanto a própria transmissão. Volta-se, portanto, ao ponto de partida nada alentador de que tudo ligado direta ou indiretamente à telecomunicação seria, por dicção legal, serviço de telecomunicações. A solução desse problema exige raciocínio institucional. O serviço de telecomunicações, como competência estatal expressa, é uma instituição de caráter objetivo, que, por isso mesmo, não tem, nem pode ter, caráter absoluto. Se enunciada no texto constitucional como reserva de atividades da União em ambiente de liberdade individual e respeito à livre iniciativa, ou seja, em ambiente de equilíbrio entre o individual e o social, não se pode daí extrair uma interpretação extensiva do conceito de serviços de telecomunicações. Ditos serviços serão somente aqueles necessários à consecução dos fins sociais estampados na viabilidade de comunicação eletromagnética e de acesso igualitário. Sob esse enfoque, o conjunto de atividades que possibilita telecomunicação deve ser entendido como conjunto de atividades necessárias e suficientes à boa prestação da utilidade de intercomunicação. Assim, o conceito de serviço de telecomunicações permanece ligado umbilicalmente aos conceitos de transmissão e eletromagnetismo. Somente o serviço bastante à realização de transmissão eletromagnética caracterizada pelos elementos citados linhas atrás (modulação significativa, codificação e rede) pode qualificar-se como serviço de telecomunicação. Todos os demais acréscimos de utilidades são serviços que lhes adicionam valor ou refletem passos capazes de vincular o usuário ao serviço central. Fixado o conceito de serviço de telecomunicação a partir dos enunciados constitucional e legal, deve-se deixar claro que o papel da ANATEL na determinação dos serviços não integrantes do conceito de serviço de telecomunicações segue parâmetros
superiores definidos em lei em sentido formal. O papel do Conselho Diretor da agência nesse aspecto encontra-se na orientação de sua estrutura interna e na antecipação de segurança jurídica para os atores do setor de telecomunicações sobre as inúmeras implicações da classificação ou não de um serviço como serviço de telecomunicações. Por isso, a presença, no Regulamento dos Serviços de Telecomunicações (Resolução n. 73/98), de elenco resumido de serviços não caracterizados como serviços de telecomunicações. Há, contudo, naquele regulamento, dispositivo gerador de dubiedade. Trata-se do parágrafo único do art. 3o, que possibilita o estabelecimento, pela ANATEL, de outras situações que não constituam serviços de telecomunicações além das já previstas no caput do mesmo artigo, o que gera imprecisão desnecessária. Ou a ANATEL expressa a exclusão de mais serviços além dos já enunciados no art. 3o, do Regulamento dos Serviços de Telecomunicações, por meio de resolução, que modifique o próprio Regulamento, o que torna inútil a presença do parágrafo único citado, ou ele lá estaria para indicar que a ANATEL poderia fazê-lo por outro ato administrativo qualquer, que, por definição, é incompatível com a normatização ínsita a uma decisão como essa, que delimita a extensão do texto legal e mesmo constitucional. Vê-se, portanto, que o único sentido útil possível daquele parágrafo único é o de esclarecer que o rol de exceções aos serviços de telecomunicações não é taxativo, mas meramente exemplificativo, dependendo, entretanto, de pronunciamento expresso do Conselho Diretor da agência para vincular sua estrutura frente à arguição de novas categorias ali não contempladas.
Classificação dos Serviços de Telecomunicações Analisado o conceito de serviços de telecomunicações como conjunto de atividades suficientes à oferta de telecomunicação, bem como o de telecomunicação como transmissão eletromagnética pautada por diversos fatores (modulação significativa do sinal portador, codificação e decodificação, redes operacionais), o ordenamento jurídico brasileiro de telecomunicações introduz divisões entre modalidades de serviços capazes de suscitar efeitos distintos, tais como aplicação de regimes jurídicos público ou privado, ou mesmo a ampliação ou diminuição do âmbito de liberdade dos prestadores. A partir da reestruturação e codificação das telecomunicações, no Brasil, obtidas por intermédio da Lei 4.117/62 (Código Brasileiro de Telecomunicações – CBT) e do Decreto 52.026/63, que a regulamentou, procurou-se divisar os serviços de telecomunicações segundo três critérios: natureza; fins a que se destinam; e âmbito de aplicação. Quanto à natureza, o Decreto 52.026/63, art. 4º, item 1, previa as seguintes espécies de serviços: telefonia; telegrafia; telex; difusão de sons e imagens; transmissão de dados; facsímile; telecomando; e radiodeterminação. Quanto aos fins visados, tanto o CBT, art. 6º, quanto o Decreto regulamentador, art. 4º, item 2, distinguiam: serviço público, destinado ao uso do público em geral; serviço público restrito, facultado ao uso dos passageiros dos navios, aeronaves, veículos em movimento ou ao uso do público em localidades ainda não atendidas por serviço público de telecomunicações; serviço limitado, executado por estações não abertas à correspondência pública, como, por exemplo, serviços de segurança, regularidade, orientação e administração dos transportes em geral, serviços de múltiplos destinos, serviço rural e serviço privado; serviço de radiodifusão, destinado a ser recebido direta e livremente pelo público em geral, compreendendo radiodifusão sonora e televisão; serviço de radioamador, orientados ao estudo e prática da radiotécnica unicamente a título pessoal sem cunho pecuniário ou comercial; serviço especial, relativo a determinados serviços de interesse geral, não abertos à correspondência pública e não incluídos nas classificações anteriores, como, por exemplo, o de
sinais horários, o de frequência padrão, o de boletins metereológicos, o que se destine a fins científicos ou experimentais, o de música funcional e o de radiodeterminação. Finalmente, quanto ao âmbito, os serviços de telecomunicações eram divididos pelo CBT, art. 5º, e pelo seu Decreto regulamentador, art. 4º, item 3, em: serviço interior, estabelecido entre estações brasileiras, fixas ou móveis, dentro dos limites da jurisdição territorial da União; e serviço internacional, estabelecido entre estações brasileiras, fixas ou móveis, e estações estrangeiras, ou estações brasileiras móveis, que se achem fora dos limites da jurisdição territorial brasileira. A Lei Geral de Telecomunicações – LGT (Lei 9.472/97) inovou nas classificações. Diferentemente do Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962, que distinguia os serviços segundo os fins visados e o âmbito, a LGT destinou especial atenção aos efeitos jurídicos das classificações e divisou os serviços de telecomunicações segundo o regime jurídico e a abrangência.367 As classificações do antigo CBT e da atual LGT têm pouco em comum. O critério dos fins visados constante do CBT e o critério da abrangência costante da LGT estão ambos pautados na presença ou ausência de abertura à correspondência pública em razão da abrangência dos interesses suscitados pelo serviço. Por isso, a antiga divisão detalhada dos serviços de telecomunicações quanto aos fins visados indicada no CBT (serviços limitados, serviços de radioamador, serviços especiais, dentre outros) ter sido remetida, a partir de meados da década de 1990, a mera identificação, pela ANATEL368, de quais deles se submetem, quanto à abrangência, aos regimes de interesse coletivo e restrito. A antiga classificação quanto ao âmbito prevista no CBT foi degradada a mera condição de mapeamento do território para distribuição das outorgas estatais dos serviços de telecomunicações.369 Finalmente, a classificação prevista no Decreto 52.026/63 quanto à natureza do serviço foi assimilada de modo simplificado pela LGT como formas de telecomunicação.370 Classificação dos serviços quanto ao regime jurídico A Emenda Constitucional n. 8, de 1995, ao modificar o art. 21, XI, da Constituição Federal de 1988, trouxe para dito inciso o conjunto de serviços de telecomunicações sem expressa menção ao regime a que se submetiam, chancelando a antiga prática de submissão de parcela desses serviços ao regime privado. O fato de se entender que a referência aberta pela Emenda Constitucional n. 8/95 aos serviços de telecomunicações implica convivência de 367
Esta classificação quanto à abrangência é definida como classificação quanto aos interesses a que atendem os serviços de telecomunicações, conforme dispõe o Regulamento dos Serviços de Telecomunicações aprovado pela Resolução nº 73, de 25/11/1998, da ANATEL. 368 O Ato nº 3.807, de 23 de junho de 1999, da ANATEL, dispõe sobre a classificação dos serviços de telecomunicações quanto aos interesses que atendem, elencando um rol (especial de radiochamada, especial de frequência padrão, TV a cabo, dentre outros) de serviços de interesse coletivo, outro rol (rádio táxi privado, limitado de radioestrada, especial para fins científicos e experimentais) de serviços de interesse restrito, e, finalmente, outro rol (rede especializado, especial de radiodeterminação, limitado especializado) passível de prestação tanto como interesse coletivo quanto como interesse restrito. 369 O Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/62) dividia os serviços em internos e internacionais. A Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97) assimila a distinção para firmar espaços territoriais aptos a abrigar distinções de tratamento normativo. O art. 65, §2o da LGT prevê a utilização dos âmbitos regional, local ou de áreas determinadas para a fixação da exclusividade ou concomitância de prestação de serviços de telecomunicações em regime público ou privado. O art. 69 da LGT indica que as modalidades de serviço de telecomunicações serão definidas pela ANATEL em função também de seu âmbito de prestação. 370 “Forma de telecomunicação é o modo específico de transmitir informação, decorrente de características particulares de transdução, de transmissão, de apresentação da informação ou de combinação destas, considerando-se formas de telecomunicação, entre outras, a telefonia, a telegrafia, a comunicação de dados e a transmissão de imagens.” (LGT, art. 69, parágrafo único).
regime jurídico público e privado no mesmo rol de atividades não significa opção pela inação estatal frente a serviços considerados essenciais. A presença de serviços públicos e privados no mesmo rol de atividades permite o tratamento jurídico compatível com a dinamicidade dos serviços e a mobilidade da evolução social. Ao se permitir a prestação dos serviços de telecomunicações por concessão, permissão ou autorização, a Constituição Federal de 1988 remeteu à legislação infraconstitucional, ou a ponderações dogmáticas constitucionais, a definição do regime de prestação do serviço de telecomunicações. Desde a entrada em vigor da Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97), foram firmados os parâmetros para classificação dos serviços quanto ao regime jurídico: serviços públicos e serviços privados. Antes de se procurar firmar a distinção estes serviços, deve-se ter presente o critério elegido pela LGT para qualificação, pelo Presidente da República371, do rol de atividades submetido a regime público. Ao proibir a prestação de determinada modalidade de serviço de telecomunicações somente no regime privado372, a LGT forneceu o critério material de identificação do serviço público: a essencialidade. Aliás, é exatamente a essencialidade que permite cogitar da aplicação do princípio de direito público de continuidade aos serviços públicos em geral. Portanto, se determinada modalidade de serviço de telecomunicações figurar na realidade social como essencial, perde-se a opção de política de governo do Presidente da República em submetê-la somente à prestação em regime privado. Adiantada a principal consequência da classificação dos serviços de telecomunicações entre públicos e privados, deve-se analisar paulatinamente o tratamento do tema no Brasil. O regime especial de direito público foi sendo construído com a consciência de que certas atividades, por que disseminadas na sociedade por intermédio da figura estatal, mereciam tratamento diferenciado. Mereciam, portanto, um rol de normas próprias. Enquanto os serviços classificados como serviços privados, sofrem incidência de disposições gerais pertinentes à atividade econômica, os serviços classificados como serviços públicos estão inseridos em regime cujo pressuposto de atuação é o de ambiente juridicamente controlado. O regime privado pressupõe liberdade; o regime público, função. No regime público, o espaço de atuação é sempre predeterminado por lei. Por isso, dizer-se que a atividade inserida em regime público é essencialmente normatizada. No Brasil, os serviços privados de telecomunicações estão, em regra, submetidos à necessidade de autorização estatal. Ao contrário do que normalmente ocorreria com atividades econômicas, todos os serviços privados de telecomunicações dependem de autorização, exceto os que forem excluídos expressamente dessa exigência pela ANATEL (art. 131, § 2o, da LGT). O disposto no art. 170, da Constituição Federal de 1988, pode gerar dúvidas quanto à constitucionalidade da exigência de autorização para prestação de serviços privados de telecomunicações. Dita exigência somente pode existir porque a utilização do serviço pressupõe, em regra, uso de bem público (espectro, solo ou subsolo). Além disso, o art. 21, XI, da Constituição Federal de 1988, prevê a prestação de telecomunicação mediante autorização como regra geral, invertendo o tratamento comum das atividades econômicas de atuação livre somente limitadas se afetarem o interesse público. Assim, há dois tipos de atividades econômicas submetidas ao regime jurídico de direito privado. De um lado, as atividades 371
Lei 9.472/97: “Art.18. Cabe ao Poder Executivo, observadas as disposições desta Lei, por meio de decreto: I – instituir ou eliminar a prestação de modalidade de serviço no regime público, concomitantemente ou não com sua prestação no regime privado;” 372 “Não serão deixadas à exploração apenas em regime privado as modalidades de serviço de interesse coletivo que, sendo essenciais, estejam sujeitas a deveres de universalização.” (LGT, art. 65, § 1o).
econômicas em geral, como aquelas que não estão expressamente enunciadas como serviços próprios e privativos do Estado, portanto, remanescentes. De outro lado, as atividades econômicas de definição expressa pelo texto constitucional, como é o caso de parcela dos serviços de telecomunicações submetida, por expressa disposição constitucional, ao regime privado de prestação. A regra para os serviços privados de telecomunicações é da inexigibilidade de procedimento licitatório, a não ser quando o excesso de competidores puder prejudicar a prestação de modalidade de serviço de interesse coletivo (art. 136, da LGT). Essa exigência é esclarecedora, pois, a consideração de parcela dos serviços de telecomunicações em regime privado como de interesse coletivo indica a opção legislativa de entrega das questões pertinentes às interferências entre prestadoras de serviços de interesse restrito aos próprios interessados. Não caberá, no âmbito de serviços de interesse restrito, interferência da ANATEL. Ela deve conceder a autorização, se cumpridas as condições objetivas373 e subjetivas374, e deixar aos interessados a solução das interferências entre seus serviços, desde que sua atuação não atinja serviços públicos ou privados de interesse coletivo. O serviço de telecomunicações considerado público somente pode ser prestado pelo Estado diretamente ou mediante concessão ou permissão (art. 175, caput, da CF/88). Se prestados indiretamente, exige-se que a transferência da prestação seja precedida de procedimento administrativo licitatório (art. 175, caput, da CF/88), exceto casos de disputa inviável (art. 91, § 1o, da LGT)375 ou desnecessária (art. 91, § 2o, da LGT)376, desde que precedidas de procedimento administrativo pautado pelos princípios da publicidade, moralidade, impessoalidade e contraditório (art. 92, da LGT) e que o edital de licitação não tenha incorporado condições desproporcionais à natureza e à dimensão do serviço (art. 92, parágrafo único, da LGT). Nem mesmo a forma de remuneração pelo serviço é livre. No caso dos serviços de telecomunicações, por serem considerados de fruição facultativa pelo usuário, são remunerados por tarifas controladas pela ANATEL (art. 103, caput, § 4o e art. 109, da LGT). A revisão das tarifas é submetida à rígida disciplina normativa e contratual (art. 108, caput e §§ 2o, 3o e 4o, da LGT). Há possibilidade de aquisição de bens por desapropriação (art. 100, caput, da LGT) e de reversão para o patrimônio público dos bens da concessionária ou permissionária afetos ao serviço (art. 102, parágrafo único, da LGT). O poder concedente pode, ainda, intervir na prestadora do serviço público de telecomunicações (art. 110, da LGT) e limitar a transferência da outorga da prestação do serviço (art. 98, da LGT). O próprio vínculo contratual entre Estado e concessionária ou permissionária pode ser extinto unilateralmente pelo poder concedente (arts. 112 a 117 e 123, da LGT). Além disso, aplicam-se os princípios de continuidade e universalização aos serviços públicos de telecomunicações (art. 63, parágrafo único, da LGT). Esses dois itens nada mais são do que dois dos princípios aplicáveis aos serviços públicos em geral: continuidade do serviço público e generalidade na organização do serviço. Continuidade e
373
São condições objetivas previstas no art. 132 da LGT: disponibilidade de radiofrequência e viabilidade técnica do projeto. 374 São condições subjetivas previstas no art. 133 da LGT: constituição da empresa requerente segundo as leis brasileiras, com sede e administração no país; não estar proibida de licitar ou contratar com o Poder Público, não ter sido declarada inidônea ou não ter sido punida, nos dois anos anteriores, com a decretação de caducidade; dispor de qualificação técnica para bem prestar o serviço, capacidade econômico-financeira, regularidade fiscal e regularidade perante a seguridade social; não estar prestando a mesma modalidade de serviço na mesma região, localidade ou área. 375 “Considera-se inviável a disputa quando apenas um interessado puder realizar o serviço, nas condições estipuladas.” (art. 91, §1o da LGT). 376 “Considera-se desnecessária a disputa nos casos em que se admita a exploração do serviço por todos os interessados que atendam às condições requeridas.” (art. 91, §2o da LGT).
universalização serviram, na Lei 9.472/97 (LGT), como guias práticos de determinação da natureza pública de serviços de telecomunicações. A LGT definiu a continuidade do serviço público como obrigação de possibilitar ao usuário a fruição do serviço de forma ininterrupta e em condição adequada de uso (art. 79, § 2o, da LGT). No mesmo sentido, e introduzindo o conceito de regularidade na prestação dos serviços de telecomunicações, o Regulamento dos Serviços de Telecomunicações, previu como prestação adequada a “prestação continuada do serviço” (art. 46, § 1º). Não se pode, entretanto, confundir a continuidade característica dos serviços públicos com os requisitos de qualidade do serviço. Uma coisa é prestar serviço de forma ininterrupta, sem paralisações injustificadas, e em condições adequadas de uso. Todas essas características podem e estão inscritas nos contratos de prestação de serviços aos usuários ou consumidores, sejam de serviço público, sejam de serviços privados de telecomunicações. Outra coisa é aplicar o princípio de direito público da continuidade, que significa que o Estado garante a existência do serviço, mesmo que o concessionário ou permissionário não mais tenha condições de prestá-lo. Da continuidade decorre o dever estatal de manter o serviço operante mesmo que abandonado pela concessionária ou permissionária. É o dever-poder estatal de intervir na empresa privada prestadora de serviço público que descontinuar o serviço. Não significa, assim, simples dever de ininterrupção, que mesmo prestadores de atividades econômicas em sentido estrito contratam com seus consumidores. O conceito de descontinuidade do serviço de telecomunicações é necessário para que o Estado saiba quando deve agir para garantia do serviço, mas o seu oposto não resume o sentido do princípio de direito público da continuidade, que é mais do que o mero cumprimento dos requisitos de regularidade do serviço: é dever de atuação estatal. Exatamente por causa da distinção entre a continuidade geral, como dever de qualidade do serviço, e a continuidade específica do regime público, como dever de garantia estatal do serviço, é que foi aprovado pela ANATEL, pela Resolução n. 30, de 29/06/1998, um Plano Geral de Metas de Qualidade para o Serviço Telefônico Fixo Comutado prestado nos regimes público e privado. A definição do princípio público da continuidade, nos serviços de telecomunicações, está em que sua existência é assegurada pela União (art. 64, da LGT). Ao lado da continuidade, outro princípio de direito público característico do modelo regulatório brasileiro é a exigência de universalização. Ela é um reflexo estilizado do velho princípio da generalidade na organização do serviço público. A generalidade impõe disciplina normativa para um número indeterminado de pessoas, partindo do pressuposto da igualdade entre elas. Por isso, a disciplina normativa justificadora da prestação de serviços públicos orienta a sua difusão pelo maior número possível de pessoas e espaços geográficos do país, caracterizando a universalização prevista na legislação setorial de telecomunicações (art. 80, caput, da LGT). Ela envolve diversos aspectos que variam desde a disponibilidade geral de instalações de uso individual e coletivo de telecomunicações, até o atendimento ao deficiente físico, a instituições de caráter público ou social, a áreas rurais, a áreas de urbanização precária ou insuficiente e a regiões remotas. As metas de universalização dos serviços públicos de telecomunicações encontram-se definidas em decreto do Presidente da República. Ao contrário da continuidade, que tem dois significados, um deles aplicável para ambos os regimes jurídicos de serviços, a universalização é exclusiva do serviço público de telecomunicações. Por isso, há um Plano Geral de Metas de Universalização do Serviço Telefônico Fixo Comutado prestado em Regime Público377, aprovado pelo Decreto 2.592, de 15/05/1998, que prevê índices crescentes de cobertura das regiões do país em razão do tempo e da densidade populacional e que foi substituído, a partir de 1º de janeiro de 2006, por novas metas instituídas pelo Decreto 377
O art. 18, III da Lei 9.472/97 (LGT) diz competir ao Poder Executivo para, por meio de decreto, aprovar o plano geral de metas para progressiva universalização de serviço prestado no regime público.
4.769, de 27/06/2003, bem como pelo acréscimo de metas de implementação da infraestrutura de rede de suporte do STFC para conexão em banda larga por meio do Decreto 6.424, de 4 de abril de 2008. Todas essas características, exceto equilíbrio econômico-financeiro do contrato e manutenção do objeto, porque inseridas em regime de direito público, são alteráveis unilateralmente pelo poder concedente. O regime público permite a modificação unilateral das normas de organização do serviço, gerando, no máximo, a recomposição econômico-financeira do contrato. Para aplicação de todas essas características, o serviço de telecomunicações deve, antes, ser qualificado como público. A Lei Geral de Telecomunicações – LGT prevê a competência do Poder Executivo de, por meio de decreto, “instituir ou eliminar a prestação de modalidade de serviço no regime público, concomitantemente ou não com sua prestação no regime privado” (art. 18, I). Além disso, prevê a competência do Poder Executivo de aprovar, também por decreto, o plano geral de outorgas de serviços prestados em regime público (art. 18, II, da LGT). De fato, o Decreto 2.534, de 02 de abril de 1998, do Presidente da República, aprovou o chamado Plano Geral de Outorgas – PGO, que, no seu art. 1o, atribui somente ao Serviço Telefônico Fixo Comutado – STFC o regime jurídico público de prestação, em concomitância com o regime privado, algo mantido no novo Plano Geral de Outorgas aprovado pelo Decreto 6.654, de 20 de novembro de 2008. A interpretação do Plano Geral de Outorgas – PGO, entretanto, deve levar em conta o critério material de definição dos serviços públicos de telecomunicações. Deve levar em conta, assim, a essencialidade, que é um atributo de nível legal. Como o PGO decorre de ato infralegal (decreto presidencial), o que nele se está a definir é o mínimo espaço público permitido pela LGT, pois esta submetera ao regime público, no mínimo, parte do Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC).378 Em outras palavras, o PGO determinou que a prestação do STFC resultante das desestatizações ocorridas, no Brasil, em 1998, ou mesmo de empresas não privatizadas que estivessem devidamente habilitadas para prestação de serviços de telefonia, fossem submetidas ao regime público (arts. 5o e 6o, do PGO), por intermédio de concessões ou permissões, enquanto as demais prestações de STFC fossem implementadas em regime privado, por via de autorizações. Ao contrário do que a leitura desses dispositivos pode transparecer, ato infralegal do chefe do executivo federal não tem, evidentemente, o condão de transformar um serviço essencialmente público em privado. A competência do Poder Executivo federal no tocante à aplicação do regime jurídico aos serviços de telecomunicações situa-se na esfera puramente estrutural da Administração Pública federal. O disposto no art. 18, I, da LGT, indica que cabe ao Chefe do Executivo federal servir de termômetro quanto à natureza jurídica dos serviços de telecomunicações, que sofrem transformações constantes e rápidas no que diz respeito à sua essencialidade. Em poucos anos, um serviço antes considerado essencial pode sofrer defasagem tecnológica tal que elimine sua utilidade, ou que seja simplesmente substituído por outro antes sequer cogitado em lei. A ordem legal de definição da natureza do serviço de telecomunicações por decreto presidencial, portanto, apresenta-se como abertura legal para acompanhamento administrativo das transformações naturais a um setor dinâmico da economia. É mera ordem do superior hierárquico da Administração Pública federal para reestruturação da máquina administrativa frente às novas demandas de ampliação ou restrição do rol de serviços públicos de telecomunicações. Por isso, a disciplina, por decreto, do rol de serviços públicos de telecomunicações não é decisiva. Ela 378
Lei 9.472/97: “Art. 64. Comportarão prestação no regime público as modalidades de serviço de telecomunicações de interesse coletivo, cuja existência, universalização e continuidade a própria União comprometa-se a assegurar. Parágrafo único. Incluem-se neste caso as diversas modalidades do serviço telefônico fixo comutado, de qualquer âmbito, destinado ao uso do público em geral.
impõe o compromisso do Chefe do Executivo federal com a detecção e acompanhamento da importância social dos serviços. Cabe ao Judiciário, se esse fator não for levado em conta, atualizar o rol de serviços públicos de telecomunicações e julgar os feitos segundo a natureza que visualizar nos serviços em discussão. Exemplo esclarecedor encontra-se no Serviço Móvel Celular – SMC, que foi substituído integralmente pelo Serviço Móvel Pessoal – SMP em 2004. A partir do momento que se detecte sua importância e paridade com o STFC, enfim, sua essencialidade, a prestação de parcela do SMP garantidora da rede operacional básica poderá ser submetida ao regime público. Caberá a decreto do Presidente da República antecipar esse movimento e demonstrar coerência na atualização estrutural da Administração Pública federal ao novo regime a que se submeter o serviço móvel no país. O mesmo raciocínio pode ser aplicado a outros serviços emergentes, como o de banda larga. O critério formal de determinação da natureza do serviço de telecomunicações é, portanto, insuficiente, porque infralegal. A submissão do serviço a regimes distintos predefinidos em âmbito constitucional não pode ser colocado como opção de decreto presidencial a não ser para o fim legítimo de orientação estrutural da Administração Pública federal. Poder-se-ia argumentar que os critérios utilizados para a demarcação do serviço público de telecomunicações seriam políticos, e não jurídicos, devendo obedecer tão-somente aos limites da razoabilidade, e que a opção política da Lei 9.472/97 (LGT) foi a de ampliar o rol de serviços privados de telecomunicações, remetendo a Decreto do Presidente da República a determinação do regime de um serviço de telecomunicações. Mesmo se assim o fosse, haveria um parâmetro de aferição desta razoabilidade. Este parâmetro foi expressamente enunciado pela LGT e recai sobre a essencialidade do serviço. O art. 65, § 1o, da LGT, esclarece que deverão comportar prestação também em regime público as modalidades de serviço de telecomunicações de interesse coletivo reputadas essenciais. Esta parece ser a forma mais adequada de aplicação dos regimes jurídicos aos serviços de telecomunicações no Brasil compatível com a mobilidade do seu objeto. Classificação dos serviços quanto à abrangência A Lei Geral de Telecomunicações – LGT (Lei 9.472/97) introduziu outra classificação, com o fim de compensar excessos da pura aplicação do regime de direito privado aos serviços de telecomunicações não-essenciais. O regime privado pressupõe ausência de compromissos públicos, exceto limitações expressas para proteção do interesse público. Além disso, alguns serviços de telecomunicações submetidos ao regime privado acabam por complementar a utilidade da rede pública de telecomunicações, mediante interconexão, ou mesmo construção de redes paralelas, permitindo maior confiabilidade e variedade de acessos à telecomunicação no país. A categoria de serviços de telecomunicações de interesse coletivo vem tentar aumentar o compromisso desses serviços com a formação de uma rede nacional contínua. Assim, a LGT divide os serviços de telecomunicações, quanto à abrangência de interesses, em serviços de interesse coletivo e serviços de interesse restrito (art. 62, da LGT). O serviços de interesse coletivo são concebidos como serviços, cujo prestador não pode negar acesso de terceiros a suas plataformas. Por configurarem necessidades da coletividade, não se pode restringir o público alvo do serviço. Qualquer um que solicite acesso deve ser atendido, sob pena de descumprimento de cláusulas de concessão, permissão ou autorização.
Todo serviço público de telecomunicações é, por princípio, de interesse coletivo (art. 67, da LGT)379, pois o dever inato ao regime público de generalidade na organização do serviço impede a predefinição de mercados mais atraentes. O serviço de telecomunicações em regime público, portanto, deve dirigir-se a todos que dele necessitem na área que lhe fora outorgada. Não podendo negar acesso, classifica-se, sempre como serviço de interesse coletivo. Por outro lado, os serviços de telecomunicações submetidos a regime privado podem ser classificados como de interesse coletivo ou de interesse restrito conforme o termo de autorização fixado pela ANATEL. O dever de cobertura indiscriminada dos interessados pelo serviço não atinge os serviços de interesse restrito e os diferencia dos de interesse coletivo. Assim, todo serviço de telecomunicações submetido a regime público, no Brasil, é de interesse coletivo. Os demais serviços submetidos a regime privado podem ser de interesse coletivo ou restrito. Se o prestador puder negar acesso aos interessados, configuram-se de interesse restrito, senão, serão de interesse coletivo os que sofrerem compromisso de atendimento indiscriminado perante a agência reguladora. No caso dos serviços de telecomunicações em regime privado, a abrangência do serviço é determinada pela ANATEL no processo licitatório das autorizações correspondentes. Classificação dos serviços quanto à modalidade Outra inovação de classificação da Lei Geral de Telecomunicações – LGT (Lei 9.472/97) foi a concernente à modalidade do serviço. Tanto o antigo Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/62), quanto seu decreto regulamentador (Decreto 52.026/63), utilizavam, de forma esparsa, o termo modalidade para fins de definição do transporte integrado de informações380, de distinção das outorgas e de fiscalização dos serviços381, de identificação da novidade de um serviço382, ou mesmo, de sua aproximação e distinção das formas de telecomunicação383. Procurando dar maior segurança quanto à amplitude do termo 379
É o que se pode extrair expressamente da Lei 9.472/97 (LGT): “Art.67. Não comportarão prestação no regime público os serviços de telecomunicações de interesse restrito.” 380 Antigo Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/62): “Art. 8º. Constituem troncos do Sistema Nacional de Telecomunicações os circuitos portadores comuns, que interligam os centros principais de telecomunicações. §1º Circuitos portadores comuns são aquêles que realizam o transporte integrado de diversas modalidades de telecomunicações. §2º Centros principais de telecomunicações são aquêles nos quais se realiza a concentração e distribuição das diversas modalidades de telecomunicações, destinadas ao transporte integrado.” 381 Antigo Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/62): “Art. 45. A cada modalidade de telecomunicação corresponderá uma concessão, autorização ou permissão distinta que será considerada isoladamente para efeito da fiscalização e das contribuições previstas nesta lei.” 382 Antigo Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/62): “Art. 105. Na ocorrência de novas modalidades do serviço, poderá o Govêrno até que a lei disponha a respeito, adotar taxas ... (vetado) ... provisórias, calculadas na base das que são cobradas em serviço análogo ou fixadas para a espécie em regulamento internacional.” 383 Regulamento do antigo Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/62) aprovado pelo Decreto 52.026/63: “Art. 1o. Os serviços de telecomunicações (...) obedecerão aos preceitos da Lei número 4.117, de 27 de agosto de 1962, ao presente Regulamento Geral, aos Regulamentos Específicos e aos Especiais. §1o. Os Regulamentos Específicos, referidos neste artigo, são os que tratam das diversas modalidades de telecomunicações, compreendendo: a) Regulamento dos Serviços de Telefonia; b) Regulamento dos Serviços de Telegrafia; c) Regulamento dos Serviços de Radiodifusão; d) Regulamento dos Serviços de Radioamador; e) Regulamento dos Serviços Especiais e dos Serviços Limitados; f) outros que se fizerem necessários.”; “Art. 6º Para os efeitos deste Regulamento, os termos que figuram a seguir têm os significados definidos após cada um deles: (...) 27 - RADIOGONIOMETRIA - é uma modalidade de radiodeterminação que utiliza a recepção de ondas radioelétricas para determinar a direção e a posição de uma estação ou de um objeto. (...) 60 - TELEX - é a modalidade de serviço telegráfico, que permite comunicação bilateral, realizado através de máquinas teleimpressoras, no qual a ligação entre correspondentes passa por uma ou mais estações comutadoras.”
modalidade, o art. 41, do Decreto 52.026/63, ilustrava, exemplificativamente, certas modalidades de serviços de telecomunicações: serviço de telefonia público (interior ou internacional); serviço de telegrafia público (interior ou internacional); serviço público restrito (interior ou internacional); serviços especiais; serviço limitado interior; serviço de radiodifusão; e serviço de radioamador. Enfim, o conceito de modalidade prestava-se à identificação básica dos serviços de telecomunicações para sua discriminação quanto à outorga, fiscalização, tarifação e meios de integração. A LGT não destoou desse sentido histórico de índice básico dos serviços de telecomunicações e o reforçou384, trabalhando melhor sua colocação no contexto dos demais conceitos classificatórios de telecomunicações. Ao invés de enunciar, exemplificativamente, modalidades de serviços de telecomunicações, a LGT385 adotou melhor técnica legislativa ao remeter a identificação de cada modalidade de telecomunicação à ANATEL, desde que seguidos um ou mais dos critérios de forma, âmbito de prestação, finalidade, meio de transmissão ou tecnologia empregada. A ANATEL, portanto, tem reserva normativa qualificada para precisão das modalidades de serviços de telecomunicações, levando, em conta aqueles critérios e, caso eles não sejam suficientes, outros atributos a serem definidos pela agência fundamentadamente. Trata-se de uma classificação que envolve diversas outras apenas indicadas na LGT e decorrentes do histórico de tratamento dos serviços de telecomunicações no país: forma de telecomunicação; finalidade; âmbito; meio de transmissão; ou tecnologia empregada. Quaisquer desses atributos e outros pertinentes definidos pela agência reguladora são suficientes per si para discriminação de modalidades de telecomunicação. É na esfera das modalidades dos serviços de telecomunicações que as frentes de atuação da ANATEL tendem a evoluir, mediante maior ou menor peso atribuído à forma, à finalidade, ao âmbito de prestação, à tecnologia empregada, ou aos meios de transmissão. Classificação dos serviços quanto à forma A forma de telecomunicação é definida pela LGT como o “modo específico de transmitir informação, decorrente de características particulares de transdução, de transmissão, de apresentação da informação ou de combinação destas”.386 Exemplificativamente, a LGT introduz como formas de telecomunicação a telefonia, a telegrafia, a comunicação de dados e a transmissão de imagens, em muito se aproximando da antiga classificação do CBT387 quanto à natureza do serviço, que os divisava, também exemplificativamente entre telefonia, telegrafia, telex, difusão de sons e imagens, transmissão de dados, fac-símile, telecomando e radiodeterminação. Cada forma de telecomunicação tem sua história e elementos conceituais próprios. Entendia-se por telefonia o processo de telecomunicação voltado à transmissão de “palavra falada ou de som”.388 Essa antiga definição foi aprimorada e passou a expressar todo processo
384
Lei 9.472/97: art. 18, I; art. 64, caput e parágrafo único; art. 65, incisos e parágrafos; art. 68, caput; art. 81, incisos e parágrafo único; art. 85, caput; art. 87, caput; art. 96, II; art. 103, caput e §2º; art. 127, IV; art. 128, caput; art. 131, §1º; art. 133, IV; art. 136, caput; e art. 164, caput. 385 Lei 9.472/97: “Art. 69. As modalidades de serviço serão definidas pela Agência em função de sua finalidade, âmbito de prestação, forma, meio de transmissão, tecnologia empregada ou de outros atributos.” 386 Art. 69, parágrafo único da Lei 9.472/97 (LGT). 387 Art. 4o, item 1, do Decreto 52.026, de 20 de maio de 1963. 388 Art. 4o, caput do antigo Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/62) e art. 6o, item 57 do Decreto 52.026/63, seu regulamentador.
de transmissão de “voz e de outros sinais”389 “audíveis”390 dentro de limites de velocidade expressos em dispositivos infralegais. A telegrafia caracteriza-se pela “transmissão de escritos, pelo uso de um código de sinais”391 “adaptado a baixas velocidades de transmissão”392. A comunicação de dados, por sua vez, é a “forma de telecomunicação caracterizada pela especialização na transferência de dados de um ponto a outro”393, entendendo-se dado como toda “informação sistematizada, codificada eletronicamente, especialmente destinada a processamento por computador e demais máquinas de tratamento racional e automático da informação”394. Finalmente, outra forma de telecomunicação consiste na transmissão de imagens “transientes, animadas ou fixas, reproduzíveis em tela optoeletrônica à medida de sua recepção”395, consistindo, basicamente, na transformação de ondas em espectro luminoso e vice-versa. Classificação dos serviços quanto ao âmbito de prestação Quanto ao âmbito, os serviços de telecomunicações são divididos em vários degraus de classificação. Um deles segue a antiga classificação do Código Brasileiro de Telecomunicações, que falava em serviços interiores e internacionais, hoje, âmbito nacional e internacional (arts. 146, II, e 150, caput, da LGT)396. Em outro patamar de classificação, falase na configuração geodésica municipal, divisando-se serviços urbanos e interurbanos. Finalmente, outra escala de classificação dos serviços quanto ao âmbito indica subdivisões do âmbito interior: âmbitos nacional, regional, local e de áreas determinadas (art. 65, § 2o, da LGT). Classificação dos serviços quanto à finalidade A antiga classificação dos serviços de telecomunicações segundo os fins visados contida no Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/62)397 e no seu decreto regulamentador398 continua sendo útil à identificação de modalidades de serviços, desde que com as devidas atualizações, já que a Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97) não esmiuçou dita classificação, remetendo-a, portanto, a esforço infralegal da ANATEL. Entendese que, segundo a finalidade, os serviços de telecomunicações classificam-se em serviço público-restrito, serviço limitado, serviço de radioamador, serviço de radiodifusão, e serviço especial. Embora o antigo CBT falasse também em serviço público, a divisão ali implementada não foi assimilada pela nova sistemática da LGT, que introduz classificação específica quanto
389
Art. 3o, XV e XX do Regulamento do Serviço Telefônico Fixo Comutado aprovado pela Resolução nº 85, de 30 de dezembro de 1998, da ANATEL, revogada pela Resolução nº 426, de 9 de dezembro de 2005, em que foi mantida a definição de processos de telefonia, no Regulamento correspondente, art. 3º, XVIII e XXIII. 390 ESCOBAR, J.C. Mariense. O novo direito de telecomunicações. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 30. 391 Art. 4o, caput do antigo CBT (Lei 4.117/62) e art. 6o, item 58 de seu decreto regulamentador (Decreto 52.026/63). 392 ESCOBAR, J.C. Mariense. Op. cit., p. 30. 393 Id., ibid. 394 Id., ibid. 395 Id., ibid. 396 Lei 9.472/97: “Art. 146. As redes serão organizadas como vias integradas de livre circulação, nos termos seguintes: (...) II – deverá ser assegurada a operação integrada das redes, em âmbito nacional e internacional.”; “Art. 150. A implantação, o funcionamento e a interconexão das redes obedecerão à regulamentação editada pela Agência, assegurando a compatibilidade das redes das diferentes prestadoras, visando à sua harmonização em âmbito nacional e internacional”. 397 Art. 6o da Lei 4.117, de 27 de agosto de 1962. 398 Art. 4o, item 2, do Decreto 52.026, de 20 de maio de 1963.
ao regime jurídico entre serviços públicos e privados, algo, aliás, muito mais adequado às previsões da Constituição Federal brasileira de 1988. Serviço público-restrito
O serviço público-restrito foi utilizado pelo Executivo federal como mecanismo para flexibilização da prestação do Serviço Móvel Celular no final da década de 1980. Definido, em 1962, como serviço de telecomunicação “facultado ao uso dos passageiros dos navios, aeronaves, veículos em movimento ou ao uso do público em localidades ainda não atendidas por serviço público de telecomunicação”399, o serviço público-restrito sofreu modificação no seu enunciado, quase trinta anos mais tarde, para alcançar serviços “de uso do público em localidades ainda não atendidas por serviço público de telecomunicações fixo local”400. Com a revogação do Decreto 96.618/88 pelo Decreto 2.198, de 8 de abril de 1997, foi retomada a redação original. Logo, serviço público-restrito apresenta-se como modalidade de serviço de telecomunicações dirigida ao uso de passageiros de navios, aeronaves, veículos em movimento e ao público em geral nas localidades ainda não atendidas pelo serviço público de telecomunicações. Dentre eles, estariam o Serviço Móvel Global por Satélites NãoGeoestacionários (SGMS) e o Serviço de Radiocomunicação Aeronáutica Público-Restrito (SRA). Serviço limitado
Outra modalidade de serviço de telecomunicações definida a partir de sua finalidade é a do serviço limitado. Trata-se do serviço de telecomunicações destinado ao uso do próprio executante como também do serviço prestado a terceiros, desde que para fins próprios internos dos contratantes (art. 2o, § 2o, da Lei 9.295/96). São, portanto, serviços não abertos a correspondência pública, normalmente dirigidos a questões de segurança, orientação, regularidade e gestão de atividades empresariais internas. Os serviços limitados dividem-se em serviços limitados privados e serviços limitados especializados. A terminologia confunde. Todo serviço limitado de telecomunicações é prestado em regime privado no modelo atual da Lei Geral de Telecomunicações. A divisão significa que, enquanto o serviço limitado privado destina-se ao uso do próprio executante, o serviço limitado especializado implica prestação a terceiros, desde que sejam eles uma mesma pessoa ou grupo de pessoas físicas ou jurídicas unificadas pela realização de atividade específica. Por isso, via de regra, os serviços limitados privados são classificados como de interesse restrito, e os limitados especializados, como de interesse coletivo. Podem ser enumerados como serviços limitados privados o Serviço de Radiotáxi Privado, o Serviço Limitado Móvel Privado, o Serviço Limitado de Radiochamada Privado, o Serviço de Rede Privado, dentre outros. Do lado dos serviços limitados especializados, constam o Serviço de Radiotáxi Especializado, o Serviço Limitado Móvel Especializado, o Serviço de Circuito Especializado, o Serviço de Rede Especializado, dentre outros.
399
Art. 6o, b do antigo Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/62). Art.1o, caput do Regulamento dos Serviços Público-Restritos aprovado pelo Decreto 96.618, de 31 de agosto de 1988. 400
Serviço de radioamador
O serviço de radioamador transparece modalidade de serviço de telecomunicações desempenhada a título pessoal por amadores – pessoas físicas ou certas pessoas jurídicas (associações de radioamadores, universidades e escolas) – devidamente autorizados e com licença de estação, visando ao treinamento próprio, à intercomunicação e a investigações técnicas sem fins pecuniários ou comerciais de exploração do serviço.401 Os requisitos para exercício da atividade de radioamador demandam passos sequenciados de obtenção de autorização da agência reguladora, seguida de licença de instalação e funcionamento do serviço de radioamador e do Certificado de Operador de Estação de Radioamador – COER, que habilita pessoa natural com a comprovação de capacidade operacional e técnica para manusear uma estação de radioamador. Até 2006, a disciplina infralegal do serviço vinha expressa no Decreto 91.836/85, com as adaptações de atuação regulatória da ANATEL em virtude da reclassificação dos serviços operada pela LGT. Antes do Decreto 91.836/85, o proponente à prestação de serviço de radioamador deveria obrigatoriamente estar filiado a uma Associação de Radioamadores reconhecida pelo Ministério das Comunicações.402 Esta associação de âmbito nacional reconhecida pelo Ministério era a Liga de Amadores Brasileiros de Rádio e Emissão – LABRE.403 Com a revogação expressa do Decreto 74.810/74 pelo Decreto 91.836/85, e na ausência de qualquer exigência por parte deste último de comprovação de filiação a associação oficialmente reconhecida de radioamadores para emissão de licença de funcionamento de estação de radioamador, estes estão, desde então, liberados da exigência regulamentar de filiação a associação. Serviço de radiodifusão
Apresentado como espécie de radiocomunicação404 caracterizada pela difusão no espectro de radiofrequência de sons ou de sons e imagens para captação gratuita pelos usuários, o serviço de radiodifusão engloba os tradicionais serviços de televisão aberta e rádio, que, por determinação constitucional (art. 221, I, II, III e IV), detêm, preferencialmente, finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas, estão voltados à promoção da cultura nacional e regional, bem como vêm regidos por princípios de proteção da pessoa, da família e de orientação à regionalização da produção cultural, artística e jornalística. Em virtude dessa inclinação nacional de programação enunciada na Constituição Federal de 1988, a propriedade de empresa de radiodifusão também sofre limitações, dentre elas a de ser privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos. Tal limitação, no entanto, foi mitigada com a Emenda Constitucional nº 36, de 28/05/2002, que estendeu a propriedade das empresas de radiodifusão também para pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País. Além dessa limitação já amenizada, persiste a exigência de que ao menos 70% do 401
Regulamento do Serviço de Radioamador, aprovado pela Resolução ANATEL nº 449, de 17 de novembro de 2006: “Art. 3º. O Serviço de Radioamador é o serviço de telecomunicações de interesse restrito, destinado ao treinamento próprio, intercomunicação e investigações técnicas, levadas a efeito por amadores, devidamente autorizados, interessados na radiotécnica unicamente a título pessoal e que não visem qualquer objetivo pecuniário ou comercial.” No presente regulamento, além dos termos e expressões definidos pela legislação de telecomunicações, adotam-se os seguintes: a) Serviço de Radioamador - serviço de telecomunicações destinado ao treinamento próprio, a intercomunicação, e a investigações técnicas, levados a efeito por amadores devidamente autorizados, interessados na radiotécnica a título pessoal, e que não visem qualquer objetivo pecuniário ou comercial ligado à exploração do serviço.” 402 Art.26, parágrafo único, do Decreto 74.810/74, revogado expressamente pelo Decreto 91.836/85. 403 Portaria 498, de 06/06/1975 (DOU 30/06/1975), do Ministério das Comunicações. 404 “Radiocomunicação é a telecomunicação que utiliza frequências radioelétricas não confinadas a fios, cabos ou outros meios físicos” (ESCOBAR, J.C. Mariense. Op. cit., p. 41).
capital total e do capital votante das empresas de radiodifusão pertençam a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos (art. 222, § 1º). A eles cabe, segundo o texto constitucional brasileiro, a gestão das atividades da empresa e a definição do conteúdo de programação. Ainda se exige a comunicação das alterações de controle societário das empresas de radiodifusão diretamente ao Congresso Nacional. Embora a disciplina do uso do espectro de radiofrequências (LGT, art. 19, VIII), das estações transmissoras de radiocomunicação (LGT, art. 162, caput) e das estações de radiodifusão, estas somente quanto aos aspectos técnicos (LGT, art. 211, parágrafo único) sejam de competência da ANATEL, a fiscalização do serviço405, a outorga do serviço e o controle de conteúdo permaneceram sob as atribuições do Ministério das Comunicações.406 Ao lado do Serviço de TV a Cabo (Lei 8.977/95), a radiodifusão não é regida pela Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97), senão em seus aspectos técnicos de uso do espectro. Ainda hoje a radiodifusão é tratada sob a égide do antigo Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962. Lá, o serviço de radiodifusão vem definido como aquele “destinado a ser recebido direta e livremente pelo público em geral”.407 O caráter central do serviço de radiodifusão é expresso na legislação mediante estipulação de livre acesso: não se pode tecnicamente delimitar o público-alvo. Tanto é assim, que ele é utilizado como critério para qualificação do serviço especial de televisão por assinatura conhecido pela sigla TVA. Trata-se de serviço destinado à distribuição de sinais codificados em faixas de UHF com autorização de “utilização parcial sem codificação”.408 A transmissão sem codificação implica, automaticamente, a impossibilidade de delimitação do público-alvo da programação, aproximando este serviço do tradicional serviço de radiodifusão. Nesse sentido, o Ministério das Comunicações recomendou à Agência Nacional de Telecomunicações, como critério decisivo para qualificá-lo como serviço de radiodifusão, a ultrapassagem do percentual de transmissão aberta – não-codificada – de 45% do tempo destinado à irradiação diária das emissoras.409 Serviço especial
Os serviços especiais foram instituídos pelo antigo Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/62 – CBT) e regulamentados inicialmente de forma sucinta pelo Decreto 52.026/63 e posteriormente, de forma sensivelmente mais esmiuçada, pelo
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A Portaria nº 401, de 22 de agosto de 2006, ao regulamentar o Decreto nº 5.220/2004, prevê, em seu art. 114, XIV, como competência da Secretaria de Serviços de Comunicação Eletrônica, “instaurar procedimento administrativo visando a apurar infrações de qualquer natureza referentes aos serviços de radiodifusão, seus ancilares e auxiliares”. 406 A legislação brasileira afasta da agência reguladora as atividades concernentes à outorga dos serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens. Atribui, entretanto, à agência, a competência para elaboração e manutenção dos respectivos planos de atribuição de canais, bem como a fiscalização das estações quanto aos aspectos técnicos (art. 211 da Lei 9.472/97). 407 Art. 6º, d, da Lei 4.117, de 27 de agosto de 1962 (Código Brasileiro de Telecomunicações). 408 Regulamento do Serviço Especial de Televisão por Assinatura – TVA, art. 2º, caput, veiculado pelo Decreto presidencial n.95.744, de 23 de fevereiro de 1988. 409 Os percentuais autorizados de transmissão aberta vinham definidos, todos os anos, por portarias ministeriais e atos da ANATEL, que alteravam de 10% a 35% o percentual de transmissão aberta para as emissoras do Serviço Especial de Televisão por Assinatura (TVA). Em 2003, consulta da ANATEL à Secretaria de Serviços de Comunicação Eletrônica do Ministério das Comunicações obteve o posicionamento, mediante Ofício n. 1.119/2003/SSCE-MC, de 27 de agosto de 2003, de que o limite de 45% de transmissão aberta seria o teto além do qual a TVA perderia o caráter de TV por assinatura e passaria à categoria de radiodifusão. Consultar a respeito a Análise n. 209/2003-GCTC, de 03/09/2003, da ANATEL.
Regulamento de Serviços Especiais, aprovado pelo Decreto presidencial nº 2.196, de 8 de abril de 1997, editado três meses antes da Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97 – LGT). Para que se tenha uma regulamentação condizente com a opção da LGT de disciplina infralegal das modalidades de serviços de telecomunicações segundo sua finalidade, basta a modificação ou revogação do Decreto 2.196/97 por Resolução do Conselho Diretor da ANATEL, que assumiu, por expressa disposição legal (art. 22, IV da LGT c/c art.19, V e X, da LGT) a função de normatização dos serviços de telecomunicações. Enquanto isso, apesar da LGT expressamente ter convalidado a regulamentação editada sobre serviços, atos e procedimentos de outorga pertinentes à Lei 9.295/95 (art. 214, III da LGT), e apesar do Decreto 2.196/97 (Regulamento de Serviços Especiais) estar expressamente referido àquela lei, a inexistência de referência aos serviços especiais na Lei 9.295/95 dificulta argumentar-se pela continuidade de vigência do Regulamento de Serviços Especiais com base na Lei 9.295/95. Seu amparo legal encontra-se, diretamente, na LGT dentro da previsão de paulatina substituição de regulamentação pela agência reguladora (art. 214, I e II, da LGT). Portanto, a prestação de serviços especiais encontra-se, de fato, fragmentada, a espera de regulamentação geral condizente com a nova disciplina de prestação de serviços de telecomunicações da LGT. Enquanto isso não ocorre, o desatualizado Regulamento de Serviços Especiais aplica-se em meio à grande diversidade de regulamentação específica para cada serviço especial.410 O Decreto 2.196/97, que aprovou o atual Regulamento de Serviços Especiais, assenta-se em pressupostos de outorga e conceituação dos serviços especiais trazidos pelo antigo Código Brasileiro de Telecomunicações – CBT (Lei 4.117/62) e por isso, exige sua substituição ou atualização por resolução própria da ANATEL para que referências ambíguas como a do art. 2o, do Regulamento de Serviços Especiais, de 1997, de aplicação das Leis 8.666/93 e 8.987/95, ambas afastadas expressamente do setor de telecomunicações pela LGT (art. 210), possam ser expurgadas da regulamentação. Em meio a esse imbróglio normativo, as referências históricas do antigo regulamento do Código Brasileiro de Telecomunicações e do Regulamento de Serviços Especiais aprovado pelo Decreto 2.196, de abril de 1997, continuam presentes e respondem às demandas de conceituação doutrinária dos serviços especiais. Serviço especial é uma modalidade de serviço de telecomunicações qualificada pela finalidade de produção de serviços de interesse do público em geral, ou seja, de atendimento de necessidades de comunicações de interesse geral, mas caracterizado por não ser aberto à correspondência pública, compreendendo, dentre outros serviços, as seguintes submodalidades: o de sinais horários411; o de frequência padrão412; o de boletins meteorológicos413; o para fins científicos ou experimentais414; o de música funcional415; o de
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Assim, tem-se regulamentação exparsa referente aos serviços especiais: o serviço de paging bidirecional (Resolução ANATEL nº 92/1999); o Serviço Móvel Especializado, cujo regulamento é veiculado pela Resolução ANATEL nº 221/2000; o Serviço Especial de Radiochamada – SER, cujo plano de autorizações vem definido na Resolução ANATEL nº 171/1999; a Norma nº 11/97 relativa ao Serviço Avançado de Mensagens republicada pela Portaria do Ministério das Comunicações 559, de 3/11/1997; a Norma nº 15/97 relativa ao Serviço Especial de Radiochamada aprovada pela Portaria ministerial 558, de 3/11/1997; a Norma nº 06/89 relativa ao Serviço Especial de Radiodeterminação por Satélite – SERDS aprovada pela Portaria do Ministério das Comunicações 228, de 22/11/1989, dentre outros. 411 Serviço Especial de Sinais Horários “é o serviço especial destinado à transmissão de sinais horários de reconhecida e elevada precisão” (Art. 6o, item 39, do antigo Decreto 52.026/63). 412 Serviço Especial de Frequência Padrão “é o serviço especial destinado à transmissão de frequências específicas de reconhecida e elevada precisão, para fins científicos, técnicos e outros” (Art. 6o, item 36, do antigo Decreto 52.026/63). 413 Serviço Especial de Boletins Meteorológicos “é o serviço especial destinado à transmissão de resultados de observações meteorológicas” (Art. 6o, item 35, do antigo Decreto 52.026/63).
radiodeterminação416; o de radiorrecado417; o de radiochamada418; o avançado de mensagem (SAM)419; os de TV por assinatura, dentre eles o de distribuição de sinais de televisão e de áudio por assinatura via satélite (DTH)420, o de distribuição de sinais multiponto multicanal (MMDS)421, o de televisão por assinatura (TVA)422, o de TV a cabo423. As submodalidades são reunidas em grupos definidos a partir de critérios424 de complexidade tecnológica dos sistemas empregados, de população da área de prestação do serviço, e de recursos de infraestrutura e suporte técnico-administrativo relativos à exploração do serviço.
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Serviço Especial para Fins Científicos ou Experimentais “é o serviço especial destinado a efetuar experiências que possam contribuir para o progresso da ciência e da técnica em geral” (Art. 6o, item 40, do antigo Decreto 52.026/63). 415 Serviço Especial de Música Funcional “é o serviço especial destinado à transmissão de música ambiente ou funcional para assinantes” (Art. 6o, item 37, do antigo Decreto 52.026/63). 416 Serviço Especial de Radiodeterminação “é o serviço especial destinado à determinação de uma posição ou obtenção de informação relativa a uma posição, mediante as propriedades de propagação de ondas radioelétricas” (Art. 6o, item 38, do antigo Decreto 52.026/63). 417 Serviço Especial de Radiorrecado “consiste na interligação, por radiocomunicação bilateral, semi-duplex, de estações de base a estações móveis terrestre” (Item 3, da Norma nº 04/1982 aprovada pela Portaria nº 122, de 02/07/1982 do Ministério das Comunicações). 418 Serviço Especial de Radiochamada – SER “é um serviço de telecomunicações destinado a transmitir por qualquer forma de telecomunicação, informações unidirecionais originadas em uma estação de base e endereçadas a receptores móveis, utilizando-se das faixas de frequências de 929 MHz e 931 MHz” (art. 1o, do Plano de Autorizações do Serviço Especial de Radiochamada, aprovado pela Resolução 108, de 05/03/1999, substituída pela Resolução 171, de 08/10/1999 ambas da ANATEL). A norma básica definidora das condições básicas de outorga de permissão deste serviço é a Norma nº 15/97, do Ministério das Comunicações, aprovada pela Portaria nº 558, de 03/11/1997. A radiochamada sem fio é mais conhecida como paging. 419 Serviço Avançado de Mensagem – SAM é o “serviço especial de telecomunicações utilizado para múltiplas aplicações móveis bidirecionais, podendo transmitir dados, voz, ou qualquer outra forma de telecomunicação, utilizando-se das faixas de frequências de 901-902 MHz, 930-931 MHz e 940-941 MHz” (Item 4, a da Norma nº 11/97, aprovada pela Portaria nº 403, de 19/08/1997, do Ministério das Comunicações). 420 Serviço de Distribuição de Sinais de Televisão e de Áudio por Assinatura Via Satélite – DTH [sigla de directto-home] “é uma das modalidades de serviços especiais regulamentados pelo Decreto 2.196, de 8 de abril de 1997, que tem como objetivo a distribuição de sinais de televisão ou de áudio, bem como de ambos, através de satélites [geoestacionários de televisão direta cuja capacidade de segmento espacial deve ser contratada segundo o Regulamento de Serviços de Transporte de Sinais de Telecomunicações por Satélite – STS]” (Item 2.1 da Norma nº008/97 aprovada pela Portaria nº 321, de 21 de maio de 1997, do Ministério das Comunicações). 421 Serviço de Distribuição de Sinais Multiponto Multicanal – MMDS [sigla de Multichannel Multipoint Distribution Service] “é uma das modalidades de Serviços Especiais, regulamentados pelo Decreto 2.196, de 8 de abril de 1997, que se utiliza da faixa de microondas para transmitir sinais a serem recebidos em pontos determinados dentro da área de prestação do serviço” (Item 2.2 da Norma nº 002/97 aprovada pela Portaria nº 43/94 e com nova redação dada pela Portaria nº 254, de 16 de abril de 1997). Consubstanciam evolução do antigo Serviço de Circuito Fechado de Televisão com utilização de Radioenlace – CFTV, em virtude de sua migração para a faixa de frequência destinada ao MMDS de 2500 a 2690 MHz possibilitada pela Portaria nº 44, de 10/02/1992 da Secretaria de Nacional de Comunicações do Ministério da Infra-Estrutura. 422 Serviço Especial de Televisão por Assinatura – TVA “é o serviço de telecomunicações, destinado a distribuir sons e imagens a assinantes, por sinais codificados, mediante utilização de canais do espectro radioelétrico, permitida, a critério do poder concedente, a utilização parcial sem codificação” (Art. 2o, do Regulamento do Serviço Especial de Televisão por Assinatura aprovado pelo Decreto 95.744, de 23/02/1988 publicado no DOU 24/02/1988, p. 2.993-2995). 423 Serviço de TV a Cabo “é o serviço de telecomunicações que consiste na distribuição de sinais de vídeo e/ou áudio, a assinantes, mediante transporte por meios físicos” (art. 2o, da Lei 8.977, de 06/01/1995), inclusive a interação necessária à escolha de programação e outras aplicações pertinentes ao serviço. Persiste a aplicação da Lei 8.977/95 ao serviço de TV a Cabo por expressa ressalva da Lei Geral de Telecomunicações (art. 212, da Lei 9.472/97). 424 Ditos critérios estão enunciados no art. 11, incisos I, II e III do Regulamento de Serviços Especiais aprovado pelo Decreto 2.196, de 08/04/1997.
Serviços por linha dedicada (espécie de serviço limitado)
Com base na característica comum dos serviços especiais e limitados de delimitação do público alvo, bem como da magnitude de investimentos demandados na criação de infraestrutura própria para tais serviços, estes se apresentam como potenciais clientes de exploração industrial425 das redes de telecomunicações. As redes de telecomunicações podem determinar a alocação de sua capacidade ociosa para fins específicos orientados à utilização por pacotes de serviços especiais ou limitados. Quando se utiliza uma capacidade de transmissão de rede de telecomunicações, mediante contrato de exploração industrial, em que se vincula um circuito à exclusiva exploração de um serviço especial ou limitado de telecomunicações, está-se diante do conceito de linha dedicada. Como o próprio nome indica, linha dedicada é o circuito da rede de telecomunicações especificamente voltado e comprometido com a transmissão de informações entre os que compõem o público-alvo de determinado serviço especial ou limitado. Em face dessa característica de viabilização de serviços especiais ou limitados por intermédio de linha destinada exclusivamente ao respectivo serviço, é que o serviço de linha dedicada, em si, insere-se na categoria de serviços limitados: voltados à prestação de serviços a terceiros, desde que para fins próprios internos dos contratantes (art. 2o, § 2o, da Lei 9.295/96) titulares dos serviços especiais ou limitados que se utilizam da linha dedicada. Serviço limitado de linha dedicada, portanto, é a modalidade de serviço de telecomunicação que consiste na disponibilização e operacionalização de circuitos destinados exclusivamente aos fins dos contratantes (prestadores de serviços especiais ou de serviços limitados) mediante exploração industrial de redes públicas de telecomunicações. Tais serviços, que utilizam as redes de telecomunicações por intermédio do serviço limitado de linha dedicada, foram divididos em blocos a partir de regulamentação de 1995: Serviço por Linha Dedicada para Sinais Analógicos – SLDA426; Serviço por Linha Dedicada para Sinais Digitais – SLDD427; Serviço
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A atividade de exploração industrial corporifica “situação na qual uma prestadora de Serviços de Telecomunicações de interesse coletivo contrata a utilização de recursos integrantes da rede de outra prestadora de Serviços de Telecomunicações para constituição de sua rede de serviço” (Resolução ANATEL nº 402, de 27 de abril de 2005, art. 2º, III). Por exploração industrial de rede dedicada entende-se a “modalidade de Exploração Industrial em que uma Prestadora de Serviços de Telecomunicações fornece a outra Prestadora de Serviços de Telecomunicações, mediante remuneração preestabelecida, Linha Dedicada com características técnicas definidas para constituição da rede de serviços desta última” (Resolução ANATEL nº 402, de 27 de abril de 2005, art. 2º, IV). 426 SLDA (Serviço por Linha Dedicada para Sinais Analógicos): regulado pela Norma nº 10/95, aprovada pela Portaria nº 286/95. Valores aprovados pela Norma nº 14/95, veiculada pela Portaria nº 291/95. É a nova denominação para Serviço Especializado de Telefonia por Linha Privativa, Serviço de Comunicação de Dados Não Comutados para Uso Privativo, Serviço Não-Especializado, Serviço Não-Especializado de Transmissão de Sinais para Uso Privativo das Entidades de Segurança Nacional. Consiste no recebimento, transmissão e entrega, pela prestadora, ao assinante, de sinais analógicos entre endereços preestabelecidos por este. “O SLDA é fornecido ao assinante através de circuitos locais ou circuitos intra e interáreas tarifárias, na configuração ponto-aponto (o enlace é entre dois pontos distintos) ou ponto-multiponto (o enlace é entre um ponto e dois ou mais pontos distintos), dotados de características técnicas adequadas à transmissão de sinais analógicos, utilizando frequências na faixa de voz, apropriados para aplicações de telefonia, fax, alarme, supervisão e telessupervisão” (ESCOBAR, J.C. Mariense. Op. cit., p. 186). 427 SLDD (Serviço por Linha Dedicada para Sinais Digitais): nova denominação para Serviço de Comunicação de Dados Não Comutados para Uso Privativo. Regulado pela Norma 11/95, aprovada pela Portaria 287/95. Os valores dos serviços estão na Norma 15/95, aprovada pela Portaria 293/95. Consiste em recebimento, transmissão e entrega, pela prestadora ao assinante, de sinais digitais entre endereços por este preestabelecidos.
por Linha Dedicada para Telegrafia – SLDT428; Serviço por Linha Dedicada Internacional – SLDI429.
Universalização das Telecomunicações A universalização, como meta regulatória, é o instituto de regime jurídicoregulatório mais sensível à afirmação de dependência entre regulação e concretização de direitos fundamentais no conjunto de produções normativas e administrativas de diuturna reconfiguração do ambiente regulado. Até aqui, foram expostos aspectos da regulação do setor de telecomunicações quanto às alterações vivenciadas no modelo regulatório brasileiro, quanto ao espaço de intervenção constitucionalmente autorizado, quanto à definição jurídica de telecomunicações e de serviços de telecomunicações, quanto à segmentação do setor em subdivisões jurídicas de categorias de serviços e, portanto, atributivas de efeitos jurídicos distintos ao exercício de cada subtipo de serviço de telecomunicações. Enfim, de tudo que foi exposto como regime jurídicoregulatório brasileiro das telecomunicações, a universalização apresenta-se como a categoria regulatória mais representativa da relação entre a regulação e o dever de generalidade dos serviços públicos de telecomunicações e consequente concretização dos direitos fundamentais dependentes do acesso à utilidade materialmente fruível das telecomunicações. A universalização dos serviços públicos de telecomunicações é o termo utilizado no direito regulatório para denotar a meta voltada à concretização do clássico princípio da generalidade na organização do serviço público aplicável às concessões e permissões em geral, que, por sua vez, é uma manifestação do princípio da igualdade na organização do setor. A universalização, portanto, significa que a normatização e administração estatais devem ser elaboradas e re-elaboradas para garantia de tratamento isonômico dos usuários dos serviços públicos de telecomunicações. Um dos efeitos mais conhecidos da universalização encontra-se na orientação à expansão geográfica dos serviços públicos de telecomunicações – à zona rural, às zonas fronteiriças, às zonas de baixo interesse econômico, às pequenas localidades –, mas o termo abarca outros conteúdos, como a expansão da base de usuários – ampliação do acesso individualizado, ampliação do número de usuários por habitantes do País –, a expansão de acesso a uma maior diversidade de utilidades – atualmente, acesso à Internet em banda larga430 428
SLDT (Serviço por Linha Dedicada para Telegrafia): nova denominação de Serviço de Telegrafia para Uso Privativo – Serviço Especializado. Regulado pela Norma 12/95, aprovada pela Portaria 288/95, com valores fixados na Norma 16/95, aprovada pela Portaria 294/95. Consiste no fornecimento pela Prestadora ao Assinante, através de circuito local ou circuito intra ou interáreas tarifárias, de transmissão de sinais gráficos, com velocidade de 50, 75, 100 ou 200 bps, na configuração ponto-a-ponto ou ponto-multiponto. 429 SLDI (Serviço por Linha Dedicada Internacional): nova denominação para Serviço de Aluguel de Circuitos Internacionais para Uso Privado. É prestado mediante as seguintes formas: a)SLDIA (Serviço por Linha Dedicada Internacional para Sinais Analógicos); b)SLDID (Serviço por Linha Dedicada Internacional para Sinais Digitais). É realizado entre endereços prefixados pelo assinante. É regulado pela Norma 13/95, aprovada pela Portaria 289/95, e seus valores estão na Norma 17/95, aprovada pela Portaria 295/95. 430 A infraestrutura nacional de banda larga foi objeto de intensa discussão governamental nos anos de 2007 e 2008, resultando na alteração do PGMU então em vigor claramente rumo à expansão da capacidade de tráfego das redes de telecomunicações para garantia de acesso do cidadão à Rede Mundial de Computadores (Decreto n. 4.733/05, art. 4º, II), bem como para implementação de infraestrutura de rede de suporte do STFC para conexão em banda larga (Decreto n. 6.424/08) em substituição às obrigações de universalização para instalação dos Postos de Serviços de Telecomunicações previstos no Decreto n. 4.769, de 27 de junho de 2003 e no anexo à Resolução ANATEL n. 426, de 9 de dezembro de 2005. As metas de instalação do chamado backhaul estendem-se de dezembro de 2008 a dezembro de 2010 (Plano Geral de Metas para a Universalização do Serviço Telefônico Fixo Comutado prestado no Regime Público, art. 13, I, II e III, com a redação dada pelo Decreto n. 6.424/08). No bojo
–, a oferta de serviços em condições especiais conforme as especificidades dos usuários – acesso ao juridicamente pobre, ao habitante da zona rural, ao portador de deficiência física –, a oferta de serviços em ambientes de relevante interesse público – escolas, universidades, bibliotecas, hospitais, postos de saúde, instituições de assistência social –, a oferta de serviços para acesso às atividades de relevante interesse público – aplicações educacionais, aplicações médicas –, ou mesmo a oferta de facilidades ou de intercomunicação a serviços de interesse público – defesa civil, serviço público de resgate a vítimas de sinistros, serviço público de remoção de doentes, corpo de bombeiros, polícia militar e civil. A LGT enuncia, como obrigações de universalização, “as que objetivam possibilitar o acesso a qualquer pessoa ou instituição de interesse público a serviço de telecomunicações, independentemente de sua localização e condição sócio-econômica, bem como as destinadas a permitir a utilização das telecomunicações em serviços essenciais de interesse público” (LGT, art. 79, § 1º), detalhandoas como aquelas referentes “à disponibilidade de instalações de uso coletivo ou individual, ao atendimento de deficientes físicos, de instituições de caráter público ou social, bem como de áreas rurais ou de urbanização precária e de regiões remotas (LGT, art. 80, caput). Em parte, a universalização dos serviços públicos de telecomunicações é suportada por deveres inscritos nos contratos de concessão do Serviço Telefônico Fixo Comutado e no Plano Geral de Metas para a Universalização do Serviço Telefônico Fixo Comutado Prestado no Regime Público (PGMU), aprovado pelo Decreto 4.769/2003, que preveem, por exemplo, metas de cobertura geográfica e de densidade de telefones de uso público. A outra parte da universalização dos serviços públicos de telecomunicações não suportada pelas obrigações pertinentes às concessões em andamento encontra-se remetida ao custeio pelo Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) (LGT, art. 80, § 2º, e art. 81, II), cuja primeira aplicação efetiva ocorreu no âmbito do Programa de Atendimento às Pessoas com Deficiência, aprovado pela Portaria n. 263, de 27 de abril de 2006, do Ministério das Comunicações. No âmbito do citado programa, o primeiro desembolso do FUST somente ocorreu em 2008, após longo período de discussões institucionais envolvendo o TCU, que resultaram nos Acórdãos n. 2.148/2005 e n. 1.613/2006 e limitou o custeio das atividades mantidas pelo FUST à parcela de custo não recuperável com a exploração eficiente do serviço (PCNR).431
do processo de troca do dever de instalação de Postos de Serviços de Telecomunicações (PSTs) pelo de ampliação do backhaul, foram firmados, em acréscimo, compromissos adicionais pelas concessionárias de STFC em termos aditivos aos termos de autorização de SCM e SRTT então detidos pelas concessionárias (Ato do Conselho Diretor da ANATEL n. 1.933, de 7 de abril de 2008 e Termos Aditivos 001/2008/SPV – BRASIL TELECOM, 001/2008/SPV – TELEMAR, 001/2008/SPV – CTBC, e 001/2008/SPV – SERCOMTEL, todos de 8 de abril de 2008), sob o fundamento de que o controle de ditos compromissos projetados para até 31 de dezembro de 2025 seriam melhor garantidos se assumidos pela mesma pessoa jurídica das concessionárias de STFC. Trata-se do compromisso adicional de implementação de banda larga nas escolas públicas urbanas do País. O SRTT é o Serviço de Rede de Transporte de Telecomunicações convertido, nas grandes concessionárias, em Serviço de Comunicação Multimídia (SCM), quando da edição de Resolução ANATEL nº 272, de 9 de agosto de 2001, que veiculou o regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia e determinou que se suspendesse a expedição de autorizações para exploração do Serviço por Linha Dedicada (SLD), do Serviço de Rede Comutada por Pacote, e do Serviço de Rede Comutada por Circuito, bem como facultou a adaptação de tais autorizações à autorização de SCM, tendo-se em vista o disposto no art. 68, caput, da LGT, que veda, a uma mesma pessoa jurídica, a exploração de uma mesma modalidade de serviço, salvo em regiões, localidades ou áreas distintas. As concessionárias de STFC, em sua maioria, fazendo uso do disposto na Res. 272/01 c/c a Resolução ANATEL n. 328, de 29 de janeiro de 2003, adaptaram suas autorizações de SRTT ao regime regulatório do SCM, mas houve operadoras que preferiram manter-se no regime de exploração do SRTT, notadamente, CTBC Telecom e Sercomtel. 431 Os passos tomados para implementação da primeira aplicação do FUST encontram-se expostos em: VERSIANI, Enilce Nara. Um modelo de aplicação do Fundo de Universalização dos Serviços de
O FUST, entretanto, não foi a primeira experiência brasileira regulatória de universalização dos serviços de telecomunicações. Ela remonta ao extinto Fundo Nacional de Telecomunicações (FNT). O Fundo Nacional de Telecomunicações (FNT) era constituído por sobretarifas instituídas pelo Conselho Nacional de Telecomunicações – CONTEL, criado pelo Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962 (art.14), limitadas ao prazo de 10 anos a partir do início de sua cobrança e ao montante de 30% das tarifas de quaisquer serviços de telecomunicações, inclusive tráfego mútuo, taxas terminais e taxas de radiodifusão e radioamadorismo, fazendo parte do orçamento de empresa pública federal (art. 42, § 5o, b), que deveria ser criada pela União para o fim de explorar industrialmente os serviços de telecomunicações (art. 42, caput). Essa empresa pública prevista no Código Brasileiro de Telecomunicações foi efetivada, em 1965, com o nome de EMBRATEL constante do Regulamento Geral daquele Código aprovado pelo Decreto 52.026, de 20 de maio de 1963. Ainda em 1963, o Decreto 53.352, de 26 de dezembro do mesmo ano, regulamentou o Fundo Nacional de Telecomunicações – FNT, determinando que as sobretarifas de telecomunicações fossem definidas, dentro dos limites legais, por portaria do Conselho Nacional de Telecomunicações – CONTEL. A partir de 1966, os usuários dos serviços de telecomunicações passaram a contribuir para o Fundo Nacional de Telecomunicações – FNT, projetando o término de sua cobrança para 1o de maio de 1976. Em 1972, ao lado da autorização432 para constituição, pela Lei 5.792/72, das Telecomunicações Brasileiras S.A. – TELEBRÁS, sociedade de economia mista federal voltada a gerir a participação acionária da União nas empresas de telecomunicações do País, o Executivo federal também foi autorizado433 a transferir ao patrimônio daquela pessoa jurídica as ações e créditos de todas as empresas federais de serviços públicos de telecomunicações e o próprio Fundo Nacional de Telecomunicações – FNT, que ficaria “à disposição da TELEBRÁS”434 para aplicação segundo as diretrizes emanadas do Ministério das Comunicações. A mesma lei facultou435 ao Executivo federal transformar a Empresa Brasileira de Telecomunicações – EMBRATEL em sociedade de economia mista, fato que se consolidou com o Decreto 70.913, de 2 de agosto de 1972, seguido, no mesmo dia do Decreto 70.914, que instituía a TELEBRÁS também como sociedade de economia mista. Em 1974436, foi criado o Fundo Nacional de Desenvolvimento – FND, instituído pela Lei 6.093/74, tendo como uma de suas fontes as sobretarifas dos serviços de telecomunicações destinadas ao Fundo Nacional de Telecomunicações – FNT.437 O Fundo Nacional de Desenvolvimento de então previa aplicação dos recursos que não fossem repassados aos fundos setoriais em infraestrutura, principalmente de minas e energia, Telecomunicações – FUST. 2008. Monografia defendida no VI Curso de Especialização em Regulação das Telecomunicações. Faculdade de Direito. Universidade de Brasília. 432 Art.2o, §3o da Lei 5.792, de 11 de julho de 1972. O Decreto 70.914, de 2 de agosto de 1972 concretizou a criação da TELEBRÁS. 433 Art.5o, da Lei 5.792, de 11 de julho de 1972. 434 Art.10, da Lei 5.792, de 11 de julho de 1972. 435 Art.11, da Lei 5.792, de 11 de julho de 1972. 436 Neste ano, foi implantado o Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento na esteira do modelo de planos e programas nacionais de desenvolvimento introduzidos pela Constituição Federal de 1967 (art.46, III), que consistiam no “conjunto de decisões harmônicas destinadas a alcançar, no período fixado, determinado estágio de desenvolvimento econômico e social” (art.2o, da Lei Complementar nº3, de 7 de dezembro de 1967). 437 Lei 6.093, de 29 de agosto de 1974: “Art. 2º Integrarão o FND: (...) III – as parcelas do (...)produto da arrecadação das sobretarifas a que se refere a alínea a do art. 51 da Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962.”
transportes e comunicações, demonstrando que o setor não estava completamente desassistido438, mas a criação desse fundão – como ficou conhecido à época – evidenciou a submissão das estratégias de investimentos do setor de telecomunicações aos reveses políticos. A desvinculação operada entre as sobretarifas de telecomunicações e os deveres estatais de melhoramento e expansão dos serviços de integração nacional das redes gerou a inconstitucionalização das cobranças, que somente vieram a sofrer posicionamento definitivo do STF em 1990. A corrosão dos recursos vinculados às telecomunicações era progressiva no tempo, iniciando-se em 1975, com 10%, para, em 1979, estabilizar-se em 50% dos valores das sobretarifas.439 Para viabilizar a continuidade das entradas no novo fundo recém-criado, foi promulgada a Lei 6.127, de 6 de novembro de 1974, que prorrogou, por prazo indeterminado, o limite de dez anos fixado no art. 51, da Lei 4.117/62, referente ao período máximo de cobrança das sobretarifas de telecomunicações. O Decreto-lei 1.754/79 determinou o aumento dos percentuais de transferência do Fundo Nacional de Telecomunicações – FNT para o Fundo Nacional de Desenvolvimento – FND fixados em 50%, no ano de 1982, e em 100%, no ano de 1983, bem como houve o endurecimento das regras de movimentação dos fundos nacionais.440 A previsão de extinção do Fundo Nacional de Desenvolvimento – FND havia sido prenunciada pelo Decreto-lei 1.754/79 para o ano de 1983. A partir de então, a totalidade dos recursos do Fundo Nacional de Telecomunicações – FNT passaria a compor a lei orçamentária como “recursos ordinários do Tesouro Nacional, sem qualquer vinculação a órgão, fundo ou despesa”.441 Ocorreu, todavia, que a extinção deste fundão, como era chamado o FND, foi adiantada pelo Decreto-lei 1.859/81 para o ano de 1982, o que antecipou a corrosão dos valores totais do Fundo Nacional de Telecomunicações prevista apenas para 1983.442 Assim, em 1982, o Fundo Nacional de Telecomunicações foi extinto mediante seu esvaziamento, muito embora se continuasse a cobrar as sobretarifas de telecomunicações, que, a partir de então, passavam a integrar o Tesouro Nacional.
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A preocupação com o setor estava esboçada na redução de tributos. O Decreto-lei 1.330, de 31 de maio de 1974, três meses antes da criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento, reduziu a alíquota do imposto de renda das empresas concessionárias de serviços públicos de telecomunicações. O Decreto-lei 1.331, de mesma data, concedeu isenção do IPI dos produtos empregados no sistema de telefonia adquiridos pela Telebrás e por empresas autorizadas ou concessionárias de serviços de telecomunicações. 439 Lei 6.093, de 29 de agosto de 1974: “Art.3o Dos montantes de cada espécie dos recursos de que trata o item III, do artigo 2o, serão automaticamente transferidos para os respectivos Fundos, como subcontas do FND, consoantes as vinculações legais existentes e sem prejuízo das normas que regem sua administração, os seguintes percentuais: I – em 1975 – 90% (noventa por cento); II – em 1976 – 80% (oitenta por cento); III – em 1977 – 70% (setenta por cento); IV – em 1978 – 80% (oitenta por cento); V – a partir de 1979 – 50% (cinquenta por cento).” 440 Decreto-lei 1.174, de 31 de dezembro de 1979: “Art.2º - Do produto da arrecadação a que se referem os itens III e V do artigo 2º da Lei nº 6.093, de 29 de agosto de 1974, serão transferidos à conta do Fundo Nacional de Desenvolvimento, a partir de 1981, os seguintes percentuais: I - em 1981 - 50% (cinquenta por cento); II - a partir de 1982 - 100% (cem por cento); Art.4º - Os orçamentos de todos os fundos de qualquer natureza serão aprovados antes de iniciado o exercício financeiro à que se referirem. (...). Art.5º É vedado empenhar, transferir ou levar a crédito de qualquer fundo, recursos orçamentários que não lhe forem especificamente destinados em lei orçamentária, ou em créditos adicionais.” 441 Decreto-lei 1.174, de 31 de dezembro de 1979: “Art.7º A partir do exercício financeiro de 1983, inclusive, fica extinto o Fundo Nacional de Desenvolvimento (FND), e os recursos que o integram continuarão compondo a lei orçamentária como recursos ordinários do Tesouro Nacional, sem qualquer vinculação a órgão, fundo ou despesa.” 442 Decreto-lei 1.859, de 17 de fevereiro de 1981: “Art.1o A partir do exercício financeiro de 1982, inclusive, fica extinto o Fundo Nacional de Desenvolvimento – FND, criado pela Lei nº 6.093, de 29 de agosto de 1974, e o produto da arrecadação de que trata o Decreto-lei nº 1.754, de 31 de dezembro de 1979, em seu artigo 2º e item II, passará a compor as leis orçamentárias e constituirá recursos ordinários do Tesouro Nacional, sem qualquer vinculação a órgão, programa, fundo ou despesa.”
Em dezembro de 1984, a sobretarifa que recaía até então sobre os serviços de telecomunicações foi substituída pelo Imposto sobre Serviços de Comunicações – ISSC com o advento do Decreto-lei 2.186/84, que revogou expressamente o art. 51, da Lei 4.117/62 e a Lei 6.127/74. Estes dispositivos revogados, respectivamente, criavam o Fundo Nacional de Telecomunicações – FNT e prorrogavam por prazo indeterminado a cobrança das sobretarifas de telecomunicações. O novo tributo incidia sobre os serviços públicos e serviços públicorestritos de telecomunicações, excluindo-se, portanto, dentre outros, os serviços postais, de radiodifusão sonora e de sons e imagens, serviços limitados, serviços de radioamador e serviços especiais. As dificuldades ocasionadas pela ausência da fonte financiadora tradicional do Fundo Nacional de Telecomunicações – FNT passaram a ombrear com o acréscimo daquele imposto de alíquota de 25% sobre o preço do serviço443 incidente, no linguajar de direito tributário, por dentro, o que projetou a alíquota real para mais de 30%. Justiça seja feita que o Decreto criador do ISSC também salvaguardou a obrigação do Estado de arcar com os encargos financeiros das dívidas da TELEBRÁS contraídas até 1984.444 O Sistema TELEBRÁS, em meados da década de 1980, já não detinha mais nenhuma parcela dos recursos antes destinados ao Fundo Nacional de Telecomunicações – FNT. Basicamente, eram três as posições jurisprudenciais ventiladas no julgamento das sobretarifas sobre qualquer serviço de telecomunicação, principais fontes mantenedoras do Fundo Nacional de Telecomunicações – FNT: a) inconstitucionalidade de cobrança das sobretarifas citadas desde sua criação pela Lei 4.117/62; b) constitucionalidade plena; c) inconstitucionalidade a partir da vigência da Lei 6.093/74 até o advento do Decreto-lei 2.186/84, criador do imposto sobre serviços de comunicações. Toda a polêmica foi reforçada pela sucessão de dispositivos normativos que alteraram a destinação dos recursos do Fundo Nacional de Telecomunicações – FNT, culminando com a criação do imposto sobre serviços de comunicações, em 1984. A análise de constitucionalidade das sobretarifas recaiu na determinação de sua natureza jurídica – tributo versus tarifa. Se fossem consideradas acréscimos de tarifas para reinvestimento em expansão e melhoramento dos serviços, integrando, portanto, a propriedade do prestador do serviço tarifado, sua criação pelo CONTEL seria constitucional. Se, por outro lado, elas fossem consideradas cobranças compulsórias estatais qualificadas como tributos, a ausência do requisito de definição, por lei, de fato gerador, contribuinte e alíquota, implicaria sua inconstitucionalidade. A par desses dois argumentos de peso, circulava o argumento da mudança de destinação dos recursos das contestadas sobretarifas de serviços de telecomunicações como decisiva para sua natureza jurídica. Para os defensores da inconstitucionalidade plena ab initio de cobrança de sobretarifa sobre qualquer serviço de telecomunicação da Lei 4.117/62, a mudança de destinação do produto da arrecadação das sobretarifas de telecomunicações não teria alterado 443
Decreto nº 2.186, de 20 de dezembro de 1984: “Art. 1º O imposto sobre serviços de comunicações tem com fato gerador a prestação de serviços de telecomunicações destinados ao uso do público (art. 6º, letras “a” e “b”, da Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962); Art. 2º A alíquota do imposto é de vinte e cinco por cento; Art. 3º Contribuinte do imposto é o prestador do serviço; Art. 4º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço. §1º O preço do serviço será representado pela quantia total paga pelo usuário ao prestador do serviço. §2º O montante do imposto integra a base de cálculo a que se refere este artigo.” 444 Decreto nº 2.186, de 20 de dezembro de 1984: “Art. 9º O Poder Executivo fará consignar, nas Propostas de Orçamento da União relativas aos exercícios de 1986 a 1989, dotação anual equivalente ao valor dos encargos financeiros dos empréstimos, internos e externos, contraídos até 31 de dezembro de 1984 pela Telecomunicações Brasileiras S/A (TELEBRÁS) e suas controladas, para investimentos destinados à expansão e melhoramento dos serviços de telecomunicações.”
sua natureza, pois significaria simples fenômeno financeiro referente ao campo da despesa pública. Logo, as sobretarifas, a despeito das mudanças de legislação, permaneceriam as mesmas e se sua instituição carecesse de constitucionalidade, a mudança de destinação dos recursos não poderia saná-la. A Lei 4.117/62, que previu o Fundo Nacional de Telecomunicações – FNT, apenas autorizou a cobrança de sobretarifas, remetendo sua criação para ato do Conselho Nacional de Telecomunicações – CONTEL, incompetente para criação de tributos. Nessa linha de raciocínio, os defensores da inconstitucionalidade plena das sobretarifas de telecomunicações entendiam que elas se apresentavam, embora com roupagem de preço público, como tributos, conforme definição do Código Tributário Nacional de 1966. As tarifas teriam destinação constitucional expressa voltada a remunerar as concessionárias de serviços públicos de telecomunicações. Como as sobretarifas de telecomunicações não estariam configuradas na legislação para remunerar as concessionárias de serviços públicos (exigência constitucional das tarifas), elas somente poderiam estar inseridas no campo dos tributos. A tese oposta da constitucionalidade plena das sobretarifas de telecomunicações foi esposada com outro embasamento teórico. A diferenciação entre taxa e preço público adviria, para esta corrente, principalmente do caráter compulsório de seu pagamento pela sociedade. A despeito de ser considerado um serviço essencial às funções estatais e, portanto, público, o serviço de telecomunicação tradicionalmente teria sido explorado como monopólio industrial sem a característica básica das taxas, que importam em imposição unilateral de exação. Ninguém estaria obrigado a ter uma linha telefônica. Por isso, as contraprestações ligadas aos serviços de telecomunicações não se poderiam enquadrar como tributos, mas como preços públicos. Tal como na argumentação dos defensores da inconstitucionalidade plena das sobretarifas de telecomunicações, entendia-se que a mudança de destinação dos recursos daí advindos não interferiria na natureza da cobrança, que continuaria a ser preço público. A sobretarifa de telecomunicação seria tarifa adicional. O art. 167 da Emenda Constitucional nº1/69 dispunha sobre o regime das empresas concessionárias de serviços públicos, remetendo à lei a disciplina de tarifas que permitissem a justa remuneração do capital, o melhoramento e a expansão dos serviços e assegurassem o equilíbrio econômico e financeiro do contrato. Como as sobretarifas de telecomunicações estavam destinadas, expressamente, pela Lei 4.117/62445, dentre outras coisas, ao melhoramento e expansão dos serviços, sua cobrança por determinação do Conselho Nacional de Telecomunicações seria constitucional. Considerandose o serviço de telecomunicações à época como monopolizado, a União poderia cobrar um preço social446 para sua expansão e melhoramento e, portanto, acima do custo do serviço. Não se estaria também ferindo os direitos dos acionistas privados das empresas estatais do setor de telecomunicações, pois os valores para reinvestimento e, dentre eles, também as sobretarifas, viriam escriturados em rubrica especial na contabilidade das empresas (art. 102 da Lei 4.117/62). 445
Lei 4.117/62: “Art.101. Os critérios para determinação da tarifa dos serviços de telecomunicações, excluídas as referentes à Radiodifusão, serão fixados pelo Conselho Nacional de Telecomunicações de modo a permitirem: a) cobertura das despesas de custeio; b) justa remuneração do capital; c) melhoramentos e expansão dos serviços (Constituição, art. 151, parágrafo único). §1º. As tarifas dos serviços internacionais obedecerão aos mesmos princípios dêste artigo, observando-se o que estiver ou vier a ser estabelecido em acordos e convenções a que o Brasil esteja obrigado. §2º. Nenhuma tarifa entrará em vigor sem prévia aprovação pelo Conselho Nacional de Telecomunicações.”; “Art.102. A parte da tarifa que se destinar a melhoramentos e expansão dos serviços de telecomunicações, de que trata o art. 101, letra c, será escriturada em rubrica especial na contabilidade da emprêsa.” 446 Cf.Voto do Ministro Torreão Braz na Arguição de Inconstitucionalidade no REO nº107.525-0/PB do antigo Tribunal Federal de Recursos transcrito no RE nº117.315-7/RS do Supremo Tribunal Federal de relatoria do Ministro Moreira Alves, julgado em 19.04.1990, no Tribunal Pleno. Ementário do Serviço de Jurisprudência do STF nº1586-3, p. 599.
Finalmente, havia a posição intermediária447, segundo a qual a inconstitucionalidade de cobrança da sobretarifa das telecomunicações somente ocorreria após a entrada em vigor da Lei 6.093/74, que criou o Fundo Nacional de Desenvolvimento – FND. Segundo esta linha de pensamento, a Lei 6.093/74 teria descaracterizado a natureza e destinação da tarifa, que passara a ser exigida de forma compulsória à semelhança de um imposto. A legalidade da cobrança deste novo tributo somente teria sido alcançada no exercício financeiro seguinte ao da vigência do Decreto-lei 2.186/84, que criou o Imposto sobre Serviços de Comunicações – ISSC. Essa interpretação levava à constatação de que somente parcelas das sobretarifas questionadas eram inconstitucionais, restringindo-se àquelas que tivessem sido transferidas do Fundo Nacional de Telecomunicações – FNT para o Fundo Nacional de Desenvolvimento – FND. Quando o tema foi levado ao Supremo Tribunal Federal (RE 117.315-RS, Tribunal Pleno, julgado em 19.04.1990), os argumentos jurisprudenciais precedentes foram melhor esmiuçados para refletir, basicamente, duas posições: a) inconstitucionalidade plena da sobretarifa, pois constituiria tributo camuflado já que o preço público, para existir, demanda uma correspondência entre o serviço prestado e a cobrança, que deve integrar o patrimônio do prestador; b) constitucionalidade inicial da sobretarifa, como preço público destinado a cobrir a expansão e melhoramento do serviço de integração da rede nacional de telecomunicações como dever estatal fixado no Plano Nacional de Telecomunicações de 1963, mas cuja cobrança tornara-se inconstitucional na medida dos percentuais repassados ao Fundo Nacional de Desenvolvimento e, depois, ao Tesouro Nacional, após o advento da Lei 6.093/74, que adulterou a aplicação dos recursos advindos das sobretarifas de telecomunicações, desviandoas do destino legítimo de melhoramento da rede nacional integrada, que seria de responsabilidade da União. A segunda posição esposada pelo ministro Sepúlveda Pertence sucumbiu frente à posição majoritária do restante do plenário, que votou nos moldes definidos pelo relator do processo, ministro Moreira Alves. As discutidas sobretarifas de telecomunicações previstas na composição do Fundo Nacional de Telecomunicações – FNT estavam dirigidas, originariamente, pela Lei 4.117/62, à cobertura de melhoramentos e expansão dos serviços de telecomunicações, que viriam determinados no Plano Nacional de Telecomunicações a ser elaborado pelo Conselho Nacional de Telecomunicações – CONTEL. Essa constatação era reforçada pela previsão constitucional448 de que os lucros das concessionárias de serviços públicos e, portanto, a margem de tarifa excedente aos custos de prestação (sobretarifa) deveria atender às necessidades de melhoramentos e expansão dos serviços (CBT, art. 102, caput). O Decreto 53.352, de 26 de dezembro de 1963, que regulamentou o Fundo Nacional de Telecomunicações – FNT, determinou a arrecadação conjunta das sobretarifas pelos estabelecimentos arrecadadores dos serviços de telecomunicações (art. 4o, § 1o), bem como a obrigatoriedade de recolhimento das sobretarifas, conforme indicado na Lei 4.117/62 (art. 51, alínea “a”), pelas concessionárias, autorizatárias e permissionárias de serviços de telecomunicações. As sobretarifas deveriam ser recolhidas diretamente do usuário do serviço de telecomunicações no Banco do Brasil a crédito do Fundo Nacional de Telecomunicações 447
Cf.Voto do relator, Ministro Pedro Acioli, na Arguição de Inconstitucionalidade no REO nº107.525-0/PB do antigo Tribunal Federal de Recursos transcrito no RE nº117.315-7/RS do Supremo Tribunal Federal de relatoria do Ministro Moreira Alves, julgado em 19.04.1990, no Tribunal Pleno. Ementário do Serviço de Jurisprudência do STF nº1586-3, p. 592. 448 Constituição Federal de 1946: “Art.151. A lei disporá sobre o regime das empresas concessionárias de serviços públicos federais, estaduais e municipais. Parágrafo único. Será determinada a fiscalização e a revisão das tarifas dos serviços explorados por concessão, a fim de que os lucros dos concessionários, não excedendo a justa remuneração do capital, lhes permitam atender a necessidades de melhoramentos e expansão desses serviços (...)”
dentro de 20 dias da expedição da conta (art. 4o, § 3o). Esse Fundo seria aplicado pela EMBRATEL, e após 1972, pela TELEBRÁS, da forma prescrita no Plano Nacional de Telecomunicações (art. 8o, parágrafo único). Vê-se que as sobretarifas de telecomunicações eram dirigidas ao Fundo Nacional de Telecomunicações – FNT, cuja administração, pautada nas determinações do Ministério das Comunicações, estava a cargo primeiramente da EMBRATEL, seguida da TELEBRÁS, que embora detivesse um domínio quase absoluto das telecomunicações brasileiras, convivia com outras prestadoras menores públicas e privadas. A partir do momento que os serviços de telecomunicações se apresentam como típicos serviços públicos facultativos, sua prestação espelha uma contraprestação de preço público. A relação que daí surge é uma relação de bilateralidade entre o serviço prestado e a contraprestação que o remunera. A essa bilateralidade agrega-se o aspecto contratual dos preços públicos, que os distingue dos tributos, estes típicas cobranças compulsórias estatais. A posição predominante do plenário do Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que quando as sobretarifas de telecomunicações, apesar de inicialmente travestidas de acréscimos às contraprestações pelos serviços de telecomunicações para os fins de sua expansão e melhoramento, não puderam ser caracterizadas como propriedade da concessionária para reaplicação nos serviços, perderam sua característica de preço público, transmutando-se em imposto, que somente poderia ter sido criado por lei definidora dos elementos essenciais à sua cobrança como garantia do contribuinte. Agregam-se a estes argumentos as disposições constitucionais de 1946449, 1967450 e 1969 pertinentes às tarifas de telecomunicações, que determinavam sua fixação no montante necessário para cobrirem as despesas com melhoramentos e expansão dos serviços. Logo, tais objetivos já estariam supridos com o montante das tarifas, não cabendo acréscimos tarifários aos serviços de telecomunicações para os fins de reinvestimento no setor. As tarifas já corresponderiam às necessidades do prestador do serviço para seu melhoramento e expansão. 451
Como se viu, o Fundo Nacional de Telecomunicações, embora tivesse sido efetivamente utilizado pela Telebrás para fins de expansão e melhoramento dos serviços de telecomunicações, foi, ao final, declarado inconstitucional. A regulação do setor somente veio a conviver novamente com metas de universalização inscritas em mecanismo de fomento, em 2008, com a primeira utilização efetiva, embora modesta, do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST).
Projeções Regulatórias para o Setor de Telecomunicações Em 16 de outubro de 2008, o Conselho Diretor da ANATEL aprovou o Plano Geral para Atualização da Regulamentação das Telecomunicações no Brasil (PGR), em que, a partir de análise das áreas técnicas da agência sobre os passos até então tomados no setor, bem como das prognoses administrativas sobre o futuro do setor, enuncia o conjunto de ações estratégicas relevantes para regulação das telecomunicações. O documento aborda inúmeros 449
CF/46: “Art.151. (...) Parágrafo único. Será determinada a fiscalização e a revisão das tarifas dos serviços explorados por concessão, a fim de que os lucros dos concessionários, não excedendo a justa remuneração do capital, lhes permitam atender a necessidades de melhoramentos e expansão desses serviços”. 450 CF/67: “Art.160 (...): II – tarifas que permitam a justa remuneração do capital, o melhoramento e a expansão dos serviços e assegurem o equilíbrio econômico e financeiro do contrato”. 451 CF/69: “Art.167 (...): II – tarifas que permitam a justa remuneração do capital, o melhoramento e a expansão dos serviços e assegurem o equilíbrio econômico e financeiro do contrato;”
tópicos distribuídos em metas de curto (até 2 anos), médio (até 5 anos) e longo prazos (até 10 anos), tais como regulamentação de modelo convergente de outorgas para exploração de serviços e redes de telecomunicações, revisão da regulamentação do FUST e do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (FISTEL), adoção de medidas para proteção da infraestrutura nacional contra falhas e ataques de guerra cibernética, regulamentação da neutralidade de redes, revisão dos regulamentos de remuneração de redes visando a criação de assimetrias regulatórias entre grupos com ou sem Poder de Mercado Significativo (PMS), realização de estudos para revisão da dimensão das áreas de registro do Serviço Móvel Pessoal (SMP), realização de estudos regulatórios, mercadológicos e econômicos para eventual implantação de separação funcional, estrutural e empresarial no setor, revisão do Plano Geral de Metas de Universalização para fixação de novas metas de ampliação das redes de STFC e de suporte à banda larga, elaboração do Plano Geral de Metas de Competição (PGMC), dentre outros. O Plano Geral para Atualização da Regulamentação encarna em si a síntese do direito regulatório aplicado às telecomunicações, assim entendida como atuação normativa e administrativa planejada e paralela aos caminhos tomados pelo setor, tendo-se em vista a previsão regulamentar de reavaliação periódica das projeções e dos passos regulatórios. Procurou-se expor as principais temáticas necessárias à compreensão do arcabouço regulatório das telecomunicações no Brasil sem, contudo, esgotar os temas existentes. Para o aprofundamento das temáticas específicas setoriais, das siglas do setor, da jurisprudência setorial, doutrina e normatização pertinente, recomenda-se a consulta à Coletânea Brasileira de Normas e Julgados de Telecomunicações mantida pelo Grupo de Estudos em Direito das Telecomunicações da Universidade de Brasília (www.getel.org e www.anatel.gov.br).
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