Matthieu Ricard
A arte de
meditar
A arte de meditar 3
sumário
Preácio ................................................................................ 07 I – Por que meditar? ............................................................. 11 II – Sobre o que meditar? ..................................................... 25 III – Como meditar? ............................................................. 31 A motivação .................................................................. 34 As condições avoráveis para a prática da meditação .... 37 Algumas recomendações gerais .................................... 43 Dirigir a mente para a meditação .................................. 46 A natureza eêmera de todas as coisas .......................... 49 Os comportamentos que se devem adotar e os que devem ser evitados ................................................................. 52 A insatisação inerente ao mundo comum .................... 55 Meditação sobre a consciência plena ........................... 57 A calma interior ............................................................ 62 A concentração em um objeto ...................................... 72 A concentração sem objeto ........................................... 77 A arte de meditar 5
Vencer obstáculos ......................................................... 80 Vencer A progressão da calma interior ...................................... 87 Meditação sobre o amor altruísta ................................. 89 Uma sublime troca ....................................................... 99 Aliviar a dor ísica ....................................................... 105 A visão penetrante ...................................................... 113 Administrar os pensamentos e as emoções ................. 121 Dedicar os rutos de nossos esorços .......................... 150 Unir meditação à vida cotidiana ................................. 152 Elementos de bibliograa ................................................... 155 Agradecimentos .................................................................. 157
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prefácio
Devemos ser a mudança que desejamos ver no mundo.
Gandhi Por que azer este tratado tr atado de meditação? Há quarenta anos, tive a sorte de viver ao lado de alguns mestres espirituais que inspiraram minha vida e iluminaram meu caminho. Suas preciosas instruções guiaram meus esorços. Não sou um proessor e sempre serei um discípulo. Mas, requentemente, encontro em minhas viagens pelo mundo pessoas que me alam de seu desejo de aprender a meditar. Tento, na medida do possível, encaminhá-las a mestres qualicados. Nem sempre é possível azê-lo. Então, para todos aqueles que desejam sinceramente exercitar-se na meditação, reuni estas instruções que busquei nas ontes mais autênticas do budismo. Transormar-se Transormar-se interiormente, treinando a mente, é a mais apaixonante das aventuras. É o verdadeiro sentido da meditação. A arte de meditar 7
Os exercícios que se encontram neste livro são oriundos de uma tradição duas vezes milenar. Esses exercícios são independentes uns dos outros e podem ser praticados de maneira gradual, tanto se dedicarmos à meditação somente trinta minutos por dia quanto se o zermos mais intensamente no silêncio de um retiro. Quanto a mim, tive a imensa sorte de encontrar meu mestre espiritual, Kanguiour Rinpotché, em 1967, perto de Darjeeling, na Índia, e de passar, passar, após sua morte, em 1975, alguns anos em retiro num ermitério de madeira sobre estacas na foresta que domina seu monastério. Tive o privilégio, a partir de 1981, de viver treze anos junto de outro grande mestre tibetano, Dilgo Khyentsé Rinpotché, e de receber seus ensinamentos. Depois que ele se oi deste mundo, recolhi-me várias vezes num pequeno ermitério nas montanhas do Nepal, a algumas horas de Katmandu, num centro de retiro undado pelo monastério de Sechen, onde resido habitualmente. Esses períodos estão, sem sombra de dúvida, entre os mais érteis de minha existência. Há dez anos, aproximadamente, participo de vários programas de pesquisas cientícas que colocam em evidência os eeitos da meditação praticada durante longos períodos. Verica-se que é possível desenvolver de orma considerável qualidades como a atenção, o equilíbrio emocional, o altruísmo e a paz interior.. Outros estudos também demonstraram os beneícios que terior se tem com vinte minutos de meditação praticada durante seis a oito semanas: diminuição da ansiedade e da vulnerabilidade à dor, da tendência à depressão e à raiva, melhoria da atenção, do sistema imunológico e do bem-estar em geral. Qualquer que 8 Matthieu Ricard
seja o ângulo sob o qual se considere a meditação – transormaçã transormaçãoo pessoal, desenvolvimento desenvolvimento do amor altruísta ou saúde mental –, ela aparece como um ator essencial para levar uma vida equilibrada e rica de sentido. Seria uma pena subestimar a capacidade de transormação de nossa mente. Todos dispomos do potencial necessário para nos libertar dos estados mentais que mantêm nossos sorimentos e os dos outros, para encontrar a paz interior e promover o bem de todos os seres.
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I POR QUE MEDITAR?
Examinemos sinceramente nossa existência. Como está nossa vida? Quais oram até agora nossas prioridades e o que queremos para o tempo de vida que nos resta? Somos um misto de sombras e luzes, de qualidades e deeitos. Seria essa uma maneira de ser ideal, um ato inevitável? Se assim não or, o que azer? Essas perguntas merecem ser eitas, sobretudo, se sentimos que uma mudança é possível e desejável. Contudo, no Ocidente, devido às atividades que consomem, da manhã à noite, uma parte considerável de nossa energia, temos menos tempo para nos debruçar sobre as causas undamentais da elicidade. Imaginamos que, mais ou menos conscientemente, quanto mais multiplicamos nossas atividades, mais as sensações se intensicam e mais nossa insatisação é estancada. Na realidade, muitos são aqueles que, ao contrário, se sentem decepcionados e rustrados com o modo de vida contemporâneo. Sentem-se desarmados, mas não veem outra solução porque as tradições que preconizam a própria transormação tr ansormação A arte de meditar 11
estão ora de moda. As técnicas de meditação visam a transormar a mente. Não é necessário atribuir-lhes um rótulo religioso particular. Cada um de nós tem uma mente, cada um pode trabalhar com ela.
Devemos mudar?
Poucos são os que armam não valer a pena melhorar seu modo de vida e sua vivência do mundo. Alguns pensam que seus deeitos e suas emoções confituosas contribuem para a riqueza da vida e que é essa alquimia singular que az deles o que são, pessoas únicas; que devem aprender a se aceitar assim, a amar tanto seus deeitos como suas qualidades. Eles correm o risco de viver com uma insatisação crônica, crônica, sem perceber que poderiam melhorar com um pouco de esorço e de refexão. Imaginemos que nos proponham passar um dia inteiro vivenciando o ciúme. Qual de nós aceitaria azê-lo com prazer? prazer ? De outra orma, se nos convidassem a passar esse mesmo dia com o coração cheio de amor pelos outros, acharíamos essa opção innitamente melhor. Nossa mente é requentemente perturbada. Somos aetados por pensamentos dolorosos, dominados pela raiva, eridos pelas palavras duras dos outros. Nesses momentos, quem não desejaria controlar suas emoções para ser livre e mestre de si mesmo? Nós nos privaríamos, de bom grado, desses tormentos, mas, não sabendo como agir, preerimos pensar que, anal de 12 Matthieu Ricard
contas, “a natureza humana é assim mesmo”. Ora, o que é natural não é necessariamente desejável. Sabemos, por exemplo, que a doença é o destino de todos os seres, mas isso não nos impede de consultar um médico quando estamos doentes. Não queremos sorer. Ninguém acorda de manhã pensando: “Tomara que eu sora o dia inteiro e, se possível, toda a vida!”. Em tudo que azemos, seja iniciar uma tarea importante, importante, realizar um trabalho habitual, empenharmo-nos numa relação duradoura, seja simplesmente passear na foresta, beber uma xícara de chá, ter um encontro ortuito, esperamos sempre tirar disso alguma coisa benéca para nós mesmos e para os outros. Se tivéssemos a certeza de que nossos gestos só trariam sorimento, não agiríamos. Temos, sim, momentos de paz interior, de amor e lucidez, mas, na maior parte do tempo, são apenas sentimentos eêmeros que logo dão lugar a outro estado de espírito. Entretanto, compreendemos acilmente que, se treinássemos nossa mente para cultivar esses momentos privilegiados, transormaríamos radicalmente nossa vida. Todos sabemos que seria desejável que nos tornássemos seres humanos melhores e nos transormássemos por dentro, tentando consolar o sorimento alheio e contribuir para o bem-estar do outro. Certas pessoas pensam que a existência não tem sabor sem os confitos interiores. Conhecemos todos os tormentos da raiva, da avidez ou do ciúme. Da mesma orma, todos nós apreciamos a bondade, o contentamento, a alegria de ver os outros elizes. Parece que o sentimento de harmonia associado ao amor ao próximo possui uma qualidade própria que se basta. O mesmo A arte de meditar 13