NOTA
O termo “lenda s” utilizado no título desta obra aplica -se e m sentido am plo, uma vez que o livro é com posto por lendas, c ontos populares e perfis de personagens. Todos os textos são recriações pessoais das histórias que a tradição consagrou, com os ac réscimos mínimos e inevitáveis de toda “recontagem ”, m as que, em mome nto algum, descar acterizam a história original. O livro está dividido em três seções: nas duas primeiras temos lendas indígenas e contos populares, enquanto terceira estão esboçadossobrenaturais os perfis de algumas das mais importantes criaturas na monstruosas ou entidades do folclore brasileiro. Nosso folclore pode ser definido com o uma im ensa obra aberta, enriquecida pela contribuição das mais diversas etnias. Quase não há conto popular corrente entre nós, por exem plo, que não seja uma adaptação de contos de fa das europeus ou de lendas africa nas. Como, porém , além de sere m belas e engraçadas, essas histórias estão definitivamente incorporadas ao arsenal da nossa literatura oral, seria uma tolice pretender excluí-las pelo simples fato de serem importadas. Aquilo que possuímos de mais autêntico e m nosso folclore, contudo, são a s nossas indígenas. Por essa razão, dediquei-lhesd uma seção especial, mesm olendas que elas sej am pratica mente desconhecidas o nosso povo. Estou cer to de que a leitura destas histórias divertidas e srcinais dará ao leitor um a nova e surpreendente visão da extraordinária cultura de nossos verdadeiros ancestrais. E assim, no conjunto, espero ter reunido um bom apanhado de tudo quanto o nosso povo foi capaz d e c riar e tam bém de a ssimilar do grande re pertório universal da narrativa oral e popular. Uma boa leitura.
PARTE I LENDA S INDÍG ENAS
OS FILHOS DO TROVÃO (SAGA DOS TÁRIAS – I)
A lenda da srcem dos tárias, ou filhos do Trovão (tam bém ditos filhos do Sangue do Céu) está longe de ser a mais famosa das nossas lendas indígenas. Contudo, é, seguramente, uma das mais interessantes, razão pela qual foi escolhida paimaginativa ra abrir estados pequena as re presentat iva a mostra da e xtraordinária capacidade nossosmverdadeiros ancestrais. Os tárias – ou tarianas – eram uma tribo do rio Uaupés, situado no Amazonas. Segundo os estudiosos, a palavra “tária” deriva de “trovão”, elemento genésico prim ordial dessa tribo. Vamos, pois, à srcinalíssima lenda que conta a srcem dos tárias. Diz, então, que num tem po muito antigo o Trovão de u um estrondo tão forte que o Céu rachou e começou a gotejar sangue. O sangue caiu em cima dele próprio, Trovão – aqui entendido como um ente personalizado –, e secou sobre o seu corpo. Algum tempo se passou e o Trovão trovejou outra vez, e o sangue que estava sobre ele virou car ne. Mais adiante, um novo trovej ar fez com que aacacarne do seu e fosse cairpedaç sob reosa se Tetransform rra . Ao tocar solo, rnesesedesprendess despedaç oue em milcorpo pedaços, e estes aramo em gente – homens e mulheres. Assustadiços por natureza, os filhos do Trovão correram logo a se meter no interior da primeira gruta, a ssim que anoitece u (e les era m ignorantes das c oisas da Terra , então, ao verem o sol desapare cer , imaginaram que e le nunca m ais retornaria). Quando come çou a am anhecer, porém , tiveram uma grata surpresa: o céu voltava, pouco a pouco, a tomar uma coloração verm elha, sob o ef eito da luz do sol. Eles observaram o sol subir ao céu e, quando ele chegou ao zênite, sentiram fom e. No alto de uma árvore, viram , então, um pássaro ali mentando-se de um fruto. – Façamos o mesmo! – disse um dos filhos do Trovão. Pa ra uma primeira fr ase, não est ava nada m al. Demons trava prudência aliada a uma boa observação. Os tárias – já podemos cham á-los assim – subiram na m esma árvore e foram comer dos mesmos frutos com os quais a ave se alimentava. Empanturraram-se até a noite voltar, quando todos, assaltados novamente pelo medo, foram se m eter no interior da gruta. No dia seguinte, bem cedo, treparam outra vez na árvore para saciar a fome. Debaixo dela, surgiram dois cervos, macho e fêmea, que também começaram a se alimentar que caíam.deDali a pouco, montou sobre o outro, e osdos doisfrutos esqueceram-se tudo o mais.um dos cervos – O que estão fazendo? – disse um dos tárias, que ainda ignorava as coisas deste mundo. Eles observara m bem e re tornar am para o interior da gruta. Ni nguém
conseguia e squece r o que se pa ssara entre os ce rvos, e e stavam todos extraordinariamente inquietos. Durante a noite, a Mãe do Sono – uma das tantas Cys, as m ães divinas indígenas de tudo quanto há na mata – visitou-os em sua gruta para contar-lhes quem eles eram. Depois, transformou-os em cervos, e eles foram correndo para baixo da árvore repetir alegrem ente o que o casal de cervos de verdade havia feito. Quando o dia amanheceu, os pares ainda estavam abraçados, um homem para cada E foimulher. assim que os tárias deram início à sua gloriosa descendência.
OS TÁRIAS APRENDEM A FAZER EMBARCAÇÕES (SAGA DOS TÁRIAS – II)
A lenda dos tárias é tão interessante quanto uma saga islandesa, e comporta vários episódios. Como tantas outras lendas extra viadas mundo afor a, só nã o goza do rec onhecimento universal porqu e lhe faltou quem a desenvolvesse e m am plos e vibrantes Comopainéis. vimos no primeiro conto, os tárias surgiram do Trovão e apre nderam a se re produzir observando as práticas sexuai s dos ce rvos. (Eles haviam sido me tam orfoseados p ela Mãe do Sono naqueles me smos anima is, rec uperando l ogo depois – é o que se supõ e – a antiga form a huma na.) Todas as noites os casais repetiam as práticas aprendidas, de tal modo que não tardaram a surgir seus primeiros filhos. Aos poucos, eles aprenderam tam bém a plantar e a c riar ani mais. Então, um dia, observando o rio Ama zonas, eles pensaram em com o poderiam “andar com o patos sobre as águas”. (A expressão que usaram foi exatam ente esta, po is não sabiam ainda o que fosse “navega r”.) osiraçã dias o, eles m patos argenssobre do rio e ficava m observa ndo, cheiosTodos de adm o irseepos vir tavam ser enoàs dos a água. – Temos de aprender, tam bém , a caminhar sobre as águas! – disse, um dia, o líder supremo dos tárias. Os índios, deixando de lado a observaçã o, passaram então à ação. – Vá, mergulhe e faça com o eles! – disse o cacique, atirando na água um dos tárias próximos. O pobre índio caiu na á gua e e spadanou feit o um desesperado, e, se não fossem os dem ais retirarem -no dali, teria descid o ao fundo com o uma pedra, sem jamais retornar. Mas os tárias eram persistentes e continuaram insistindo, até que um dia um deles, bafejado pela sorte,a oviu passar um pau de ente bubuia flutuando. ref lexo fe liz, ele agar rou-se tronco e ime diatam sentiu que nãoNum a fundava mais. Depois, com um pouco m ais de prá tica, c onseguiu guiar o tronco com as mãos metidas dentro d’água. Então, ele foi para onde quis, e a felicidade inundou sua a lma. Como não havia ninguém por perto p ara adm irar sua fa çanha, o índio retornou à margem e foi correndo à aldeia comunicar a sua fantástica descoberta. – Descobri, irm ãos, um meio de cam inhar sobre as águas! – gritava ele, cheio de orgulho. Logo ao am anhec er todos foram ver a proeza. O tária ati rou-se na água montado emassim sua boia imtárias provisada “a ndou” todocom o rio sem jamsobre ais afundar. E foi que os apre enderam a “por andar o os patos as águas” e, log o depois, a construir a sua prime ira em barc ação, am arrando troncos uns nos outros.
A PRIMEIRA NAVEGAÇÃO DOS TÁRIAS (SAGA DOS TÁRIAS – III)
Continuando com a deliciosa lenda dos tárias, vamos saber agora como os verdadeiros p ais da na cionalidade e mpree nderam a sua prime ira e gloriosa navegação. Depois apre a construir jangada, lança ram-se ansiosam ente de ao tere rio .mNão sendido sabe ao ce rto se uma foi apena s umaosoutárias se foram mais angadas, m as o ce rto é que vá rios indígenas toma ram parte nessa expedição. Consigo levar am um f arne l de viagem . Quando os expedicionários partiram, tudo foi alegria. Porém, quando a última mancha de terra sumiu, eles engoliram em seco. – A terra sumiu! – disse um dos índios, vagamente alarmado. O chefe da expedição, porém, não quis retroceder. – Adiante! – disse ele, apontando o horizonte plano das águas. Então a c oragem retornou aos seus coraç ões, e eles s eguiram alegres e confiantes até a noite e strelada desabar subi tam ente ao seu re dor, como um a cortina negra cheia de f uros. Desta vez, o ânimo de todos decaiu assustadoramente. – Alguém sabe dizer onde estamos? – perguntou o chefe tária, lutando para dar um tom sereno à sua voz . Naturalmente que, naqueles prim órdios da navegação, ainda não havia passado pela cabeça de ninguém dividir tarefas, atribuindo a alguém a função de guia ou piloto. Justamente por isso, todos responderam, numa admirável concordância, que não faz iam a m enor ideia de onde est avam . Para piorar as coisas, um vento forte começou a soprar, empurrando-os ainda mais para as horre ndas e desconhecidas vast idões do rio. Em três dias acabou a com ida e , quando a fom e a pertou para valer, um dos tárias avistou alguns tapurus (pequenas larvas) nos interstícios da jangada. Ele encheu a mão e enfiou tudo na boca. A c areta que fe z era de agra do: a comida e ra boa. As outras mãos colheram avidam ente o re sto dos tapurus, e a ssim os índios saciaram por algum tem po a sua fom e atroz. Os viajantes vagaram, sem remo nem rumo, durante várias luas. Então, quando tudo parec ia perdido, eles viram , ao longe, a sombra da terra. – Terra! Terra! – gritou um deles, dando o prim eiro grito náutico da história dos tárias. Os índios desembarcaram num lugar ermo, muito parecido com sua própria terra. Num a euforia de doidos, eles puseram-se a beij ar o solo e a com eter outras loucuras típicas de náufr agos resgatado s. Depois, com eram alguns ovos que encontrara m e dec idiram fundar um a aldeia ali mesm o. “Três luas depois, a aldeia estava pronta”, diz a crônica srcinal.
BUOPÉ, O NOBRE GUERREIRO (SAGA DOS TÁRIAS – IV)
A extraordinária saga dos índios tárias chega, agora, ao seu vibrante desfec ho. Desta feita ficar em os sabendo com o nossos ance strais tornara m-se grandes conquistadore s. O chefeUcaiari, da primeira expedição dos tárias por chamava-se srcinalmente passando depoisnáutica a ser conhecido Buopé. Ele era um tuixaua, título suprem o de um chef e tár ia, e havia chegado c om seus home ns numa jangada após navegar sem rumo pelo rio Negro. Ao colocar os pés em terra , o nobre guerre iro decidira se estabelece r ali. – Voltar como, se nem sabemos para que lado seguir? – dissera ele aos companheiros. Convicto disso, o chef e indígena mandou, então, construir um a a ldeia e se autoproclamou senhor absoluto da terra, pois assim se fazia em toda parte nos dias antigos. Em três luas, a nova a ldeia e stava pronta. notícia:Mas não dem orou muito e um dos tárias trouxe ao c hefe esta péssima – Grande tuixaua, encontrei rastros de pés humanos próximos da aldeia! Im ediatam ente nasceu no peit o de Buopé a certeza de que estavam sendo vigiados. – Vamos, então, espionar os espiões! – disse ele, tomando o seu tacape. Buopé nã o queria saber de ning uém mais em seus domínios, mesm o que j á estivessem ali muito antes dele. Aquela terra, agora, pertencia aos filhos do Sangue do Céu. Após certificar-se de que as pegadas pertenciam aos membros de uma tribo vizinha, Buopé re uniu ra pidam ente os seus home ns. Alegrem-se, guerra! – anunciou ele,flechas, e todosfund puseram-se confec–cionar grandesterem quantos idades de tac apes, ar cos, as e o reastante de armas então usadas pelos índios. Uma lua depois, os tárias guerrearam contra os seus inimigos nativos, derrotando-os fragorosamente. Além de conquistarem mais uma boa porção de território, os filhos do Trovão conqui stara m tam bém uma porção de mulhere s da tribo venc ida. – Agora, já podemos multiplicar o núm ero de tárias! – disse Buopé, em úbilo. Três a nos transcorr era m até que Buopé e os seus valorosos guerreiros pudessem entender a língua daquelas mulheres. Quando isso finalmente aconteceu, elesdali. descobri ram que outra porção da gente de las vivia num lugar não muito distante – Levem -nos até lá! – ordenou o tuixaua às m ulheres. Im ediatam ente, foi organi zada uma nova expedição de conquista. Quando “fe z mão de lua”, ou s ej a, dentro d e c inco luas, Buopé e os seus chegar am ao
lugar. A batalha durou três dias, e ao cabo dela Buopé era, de novo, o vencedor. – Mais ventres para espalhar a nossa raça! – disse o chefe guerreiro, tomando par a si outra vez as m ulheres dos inimigos mortos. E assim o c hefe tár ia foi conquistando todos os povos às m argens do rio egro, até tornar-se senhor absoluto da região. Quando seus filhos ficaram adultos, ma ndou-os irem guerre ar contra as tribos de c anibais acim a e abaixo do rio. o costume de, após matarDepois, os seuslançava-o inimigos, correnteza ir até as margens do rio Buopé e cuspirtinha dentro de um funil de folha. abaixo, a fim de cham ar m agicam ente a sua gente distante. Então, os anos se passara m e e le envelheceu, perdendo fin alm ente as forças. Uma noite, a Mãe do Sono lhe apareceu outra vez e o fez sonhar que tinha morrido. Buopé viu, por entre as névoas do sonho, que o seu corpo já não fazia mais sombra e que, ao re dor dele, todos choravam . Era o aviso do fim. O nobre tuixaua r euniu seus filhos, deu-lhes as últimas instruções e, quando o sol surgiu, um beija-flor saiu de dentro do seu peito e disparou em direção ao céu. O corpo de Bu opé foi enterrado numarecebeu gruta sec reta, cuj a localização permanece ignorada. Descendente algum autorização de ostentar o seu nome glorioso, e todo aquele que pretendeu utilizá-lo, mesmo sob formas disfarç adas e ridículas, sofre u a maldição implacá vel de tornar-se, por tod os os dias da sua vid a, um pobre-diabo frac assado e rosnado r de maledicê ncias.
M AIRE-M ONAN E OS TRÊS DILÚVIOS
Os tupinam bás cr eem que houve, nos primórdios do tem po, um ser chamado Monan. Segundo alguns etnógrafos, ele podia não ser exatamente um deus, mas aquilo que se convencionou chamar de um “herói civilizador”. Deus ou não, o fato é que Mo nan cr iou os céus e a Terr a, e tam bém os anima is. Ele viveu ent re os home ns, num c lima de cordialidade e ha rm onia, a té o dia em que eles deixaram de ser justos e bons. Então, Monan investiu-se de um furor divino um sido dilúvio fogoplano. sobreDepois a Terra.do fogo, a superfície do Até alieamandou Terra tinha umde lugar planeta tornou-se enrugada com o um papel queimado, cheia de saliências e sulcos que os home ns, m ais adiante, cham ariam de m ontanhas e a bismos. Desse a pocalipse indígena sobreviv eu um único hom em , Irin-m agé, que foi mora r no cé u. Ali, em vez de conform ar-se c om o papel de favorito dos céus, ele pre fer iu converter-se em defe nsor obstinado da hum anidade, conseguindo, após muitas súplicas, am olecer o cora ção de Monan. Segundo Irin-m agé, a ter ra nã o poderia fica r do je ito que estava, a rra sada e sem habitantes. – Está bem, repovoarei aquele lugar amaldiçoado! – disse Monan, afinal. A história, como vemos, é tão quanto o mundo: um serdesuperior uma raça e logo depois a exterm ina,velha tomando, porém , o cuidado poupar cria um ou mais exemplares dela, a fim de recomeçar tudo outra vez. E foi exatam ente o que a contec eu: Monan ma ndou um dilúvio à Ter ra para apagar o fogo (aqui o dilúvio é reparador) e a tornou novamente habitável, autorizando o seu re povoam ento. Irin-m agé f oi encarr egado de repov oar a Terra com o auxílio de uma mulher criada especialmente para isto, e desta união surgiu outro personagem mítico fundamental da mitologia tupinambá: Maire-monan. Esse Maire-m onan tinha poderes sem elhantes a os do prime iro Monan, e foi graças a isto que pôde criar uma série de outros seres – os animais –, espalhandoos depois sobredea ser Terrum a. a espécie de m onge e gostar de viver longe da s pessoas, Apesar ele estava sempre cercado por uma corte de admiradores e de pedintes. Ele tam bém tinha o dom de se m etamorfosear e m criança. Quand o o tem po estava muito seco e a s colheitas tornavam -se e scassas, bastava dar um as palma das na criança -m ágica e a chuva voltava a desce r copiosam ente dos céus. Além disso, Maire-monan fez muitas outras coisas úteis para a humanidade, ensinando-lhe o plantio da m andioca e de outros alimentos, além de autorizar o uso do fogo, que até e ntão e stava oculto nas e spáduas da preguiça. Um dia, porém , a huma nidade come çou a m urmurar . – Este Maire-m onan é um feiticeiro! – dizia o cochicho intenso das ocas. – Assim com o cr iou vegetai s e a nimais, esse bruxo há de criar m onstros e Tupã sabe o que m ais! Então, ce rto dia, os home ns dec idiram aprontar uma armadilha para esse novo sem ideus. Maire- monan foi convidado para uma festa, na qual l he fora m
feitos três desaf ios. – Bela m aneira de um anfitrião receber um convidado! – disse Mairemonan, desconfi ado. – É simples, na verdade – disse o chefe dos conspiradores. – Você só terá de transpor, sem queimar-se, estas três fogueiras. Par a um ser com o você, isso deve ser muito fácil! Instigado pelos desafiantes, e talvez um pouco por sua própria va idade, Maire-–monan aca bou aceitando Muito bem , vam os a isso!o desafio. – disse ele, querendo pôr logo um fim à comédia. Maire-m onan passou incólume pela primeira f ogueira, m as na segund a a coisa foi diferente: tão logo pisou nela, grandes labaredas o envolveram. Diante dos olhos de todos os índios, Maire- monan foi c onsumido pelas c ham as, e sua cabeça explodiu. Os estilhaços do seu cérebro subiram aos céus, dando srcem aos ra ios e aos trovões que sã o o principal atributo de Tupã, o de us tonante dos tupinam bás que os je suítas, ao c hegare m ao Brasil, convertera m por conta própria no Deus das sagradas escrituras. Desses e trovões segundo dilúvio, desta vedelas z arrasador. No fim ra deios tudo, porém,originou-se as nuvens um se desfizeram e por detrás surgiu, brilhando, uma estrela resplandecente, que era tudo quanto restara do corpo de Maire- monan, ascendi do aos céus. *** Depois que o m undo se re com pôs de m ais um cataclismo, o tem po passou e vieram à Te rra dois desce ndentes de Maire-m onan: eles era m filhos de um cer to Somm ay , e se cham avam Tam endonare e Aricon te. Como norm alm ente ac ontece nas lendas e na vida real, a rivalidade c edo se e stabelec eu e ntre os dois irm ãos, e não tar dou para que a fogueira da discórdia acirrasse os ânimos na tribo onde viviam. Tam endonare era bonzinho e pacífico, pai d e fam ília exem plar, enquanto Ariconte era am ante da guerra e tinha o coraç ão che io de invej a. Seu sonho era reduzir todos os índios, inclusive seu irm ão, à condiçã o de escravos. Depois de diversos incidentes, aconteceu um dia de Ariconte invadir a choça de seu i rm ão e lançar sobre o chão um troféu de gu erra . Tam endonare podia ser bom, m as sua bondade nã o ia ao extremo de suportar uma desfeita dessas. Erguendo -se, o irm ão a frontado golpeou o chã o com o pé e logo começou a brotar da rachadura um fino veio de água. Ao ver aquela risquinha inofensiva de á gua brotar do solo, Ariconte pôs-se a rir debo chadam ente. Acontece que a risquinha ra pidam ente converteu-se num jorro d’água, e num instante o chão sob os pés dos dois, bem com o os de toda a tribo, rac hou-se
com o a c asca de um ovo, deixando subir à tona um verdade iro m ar impetuoso. Aterrorizado, o irmã o perverso corre u com sua esposa até um jenipapeiro, e am bos começa ram a escalá-lo com o dois mac acos. Tam endonare fe z o mesm o e, depois de toma r a e sposa pela m ão, subiu com ela numa pindoba (um a espécie de c oqueiro). E assim perm anec era m os dois casais, cada qual trepado no t opo da sua árvore , enquanto as águas cobriam pela terce ira vez o mundo – ou, pelo me nos, a aldeia deles. Quando as águas baixaram, os dois casais adesceram Terra e repovoaram outra vez o mundo. De Tamendonare se srcinou tribo dosàtupinambás, e de Ariconte brotaram os Tem ininó.
A VING ANÇA DE MAIRE -POCH Y
A saga dos descendentes de Monan não terminou com os dois irmãos do conto anterior. Depois deles, vieram outros, e dentre esses sobressaiu-se um certo Maire-Pochy. Apesar da nobre ascendência, Maire-Pochy, por alguma desgraça do destino, nasce ra votado à infelicidade. Além de servo do ca cique, e le er a feio e corcunda. Maire-P ochy gostava de pesca r, e c erto dia trouxe do rio um belo peixe. Ao vê-lo, a filha do seu amo lambeu os lábios de apetite. – Que beleza! Tudo faria para saboreá-lo! Maire-Pochy correu logo a preparar, ele mesmo, o belo peixe no moquém , uma espécie de gre lha na qual os índios assam a carne. O peixe devia ser muito espec ial, pois tão logo a j ovem o com eu, ficou grávida. O m enino nasceu c om uma rapidez inaudita, e logo o pai da j ovem quis saber quem era o pai da c riança . Mas ninguém se a presentou, o que obrigou o cac ique a ter um a conversa com o paj é. – Os miseráveis estão calados, e ninguém quer assumir a paternidade! – disse o m orubixaba. – Como hei de saber quem é o pai da cr iança? O paj é, porém , que tinha rec eitas para todos os males, tinha uma tam bém para este. – É fácil descobrir – disse ele, com uma empáfia serena. – Reúna todos os home ns da tribo e os faça desfilar diante da jovem portando seus arc os. Quando o verdadeiro pai se apresentar, a criança tocará o seu arco. O cacique f ez como o paj é dissera, e todos os home ns saudáveis d a tribo desfilaram diante da j ovem com o bebê a o colo. Mais de ce m índios, de todos os tam anhos, passaram à frente do bebê, m as ele não t ocou o arco de nenhum deles. Então, o terror cresceu na alma do cacique. – Será Anhangá, o espírito mau, o pai da criança? Mas, quando todos já estavam se dispersando, o pajé gritou: – Esperem! Faltou Maire-Pochy , o corcunda! Um coro de risos explodiu entre os índios. – Está brincando? – exclam ou o cacique ao paj é. – Ele é um homem saudável, apesar da aparência – disse o pajé. – Que desfile tam bém ! desfilouo diante da índia e deesticou seu bebê. Assim que ele passouEntão dianteMaire-Pochy dos dois, portando seu arco, o garoto o bracinho e fez vibrar a corda. Um som pare cido com o da ha rpa soou, fazendo calar a tribo inteira. – Afronta e vergonha! – gritou o morubixaba, fuzilando a filha com os
olhos. No m esm o dia, o cacique ordenou que a tribo inteira partisse daquele lugar, abandonand o a filha e o neto junt o com Maire-Pochy . – De hoje em diante, não tenho mais filha! – esbravejou o cacique, antes de pa rtir. Desde aquele dia, a taba florescente converteu-se numa taba-fantasma, habitada a penas pela m ulher, a c riança e Maire-P ochy. Mal sabia, porém , o ca cique que, a o partir, levara consigo uma m aldição, pois terras verdej antes onde ea toda triboasecriação instalou não crescia mais um úniconas talonovas de erva, a água havia secado perecera. – Isto só pode ser uma m aldição de Maire-Pochy ! – disse o cacique. Nas terras onde haviam permanecido o corcunda e a índia, tudo continuava às m il maravilhas: as plantações brot avam por si mesm as, a água c orria fre sca e estuante e os animais procr iavam com o coelhos. Ao saber dos infortúnios do cacique, Maire-Pochy mandou dizer a ele que poderiam vir abastecer-se nas terras onde agora era o senhor. – Maire-Pochy diz que não guarda m ágoa alguma – disse o emissário ao cacique. O morubixaba pensou um pouco e disse: – É, não tem outro jeito, vam os ter de nos humilhar diante daquele miserável! Então apresentaram-se diante do corcunda e da jovem. – Abasteçam-se de tudo quanto quiserem – disse Maire-Pochy , com um ar piedoso. Os esfome ados se lançara m à comida fa rta, espalhada por dúzias de moquéns. Ao experim entarem os pitéus, no entanto, sobreveio ime diatam ente a desgraça, pois tudo não passava de um a a rm adilha. Logo todos com eçaram a se converter em porcos, em grilos e e m mara canãs (espéci e de a rara menor, de plumagem verde). O cacique se converteu num jacaré, enquanto sua esposa virou uma tartaruga. Cumprida vingança, Maire-P ochy àfez subiu às nuvens, apara nunca mais retornar Tecom rra . o o seu antepassado M onan e
O COCAR DE FOGO E OS GÊMEOS MÍTICOS
O filho de Maire -Pochy , o índio vingativo da história a nterior, viveu a lgum tem po entre os tupinam bás antes d e regre ssar aos cé us, de onde, presumivelmente, viera. O prosseguidor da saga dos Monan possuía um cocar de fogo, ou acangatara, que tinha o poder de incendiar a c abeç a da quele que resolvesse experim entá-lo sem a autorização do dono. Apesar disso, não um, ele imprudente disposto a arriscar. Quando as cham as envolveram suafaltou c abeça c orreu para um a lagoa e mergulhou, convertendo -se instantanea mente numa sara cura . Dizem que é por isso que e ssa ave possui até hoje o bico e as patas verm elhas. Quando o filho Maire- Poc hy retornou à sua ve rdadeira casa, que er a o Sol, deixou no mundo um filho que atendia pelo nome de Maire-Até. Certa feita, Maire-Até re solveu fazer um a viagem com sua esposa. Mas a e sposa, a lém de ser meio lenta, estava grávida e não consegu ia acompanhar os passos ansiosos do marido. – Lenta m esm o! – disse a voz de Maire-Até, sumindo na mata. A pobre m ulher c am inhou desatinada a té perder -se no cipo al da florest a. –– Maire-Até, onde está você? Ele foi por ali! – disse, de algum lugar, um a voz fininha. A índia estaqueou, a ssustada. – Quem disse isso? – Siga por aquela vereda, minha m ãe! – disse a vozinha, outra vez. Só então ela c ompree ndeu que a voz vinha de de ntro da sua barr iga. – Você? Então j á fala? – disse ela para o próprio ventre. Um pica-pau que ob servava tud o parou de m artelar o tronco da árvore e balançou a cabeça, desconsolado: – Outra doida! Mas era verdade, sim: o feto mirac uloso, antes m esm o de nascer , já tinha o dom–daVamos, fala. minha m ãe, alcance meu pai! – disse a vozinha, impaciente. A mulher arremessou-se na direção da vereda e continuou a buscar MaireAté, m as ele nã o era ca paz de diminuir o passo e ca da vez distanciava- se m ais. Ao passar por uma moita cheia de frutinhas vermelhas, a vozinha gritou: – Espere, minha m ãe, j unte aquelas frutinhas! Mas a índia estava com pressa e não quis parar por nada deste m undo. – Eu quero as frutinhas! – esbravej ou a criança, sapateando no ventre da mãe. – Elas não prestam, dão dor de barriga! – exclam ou a índia. Ao chegar a um a encruzilhada, e la bateu na barr iga. –Infe Para que lado seu aque pai foi? lizmente, de sde le instante, a vozinha e mudeceu. A índia tentou de todos os modos fazer seu ventre falar outra vez, m as tudo o que c onseguiu extrair dele foram alguns roncos de fome. Então sua alm a c onhec eu o pânico.
Pe rdida! Sim, agora e la estava positivam ente perdid a! Não tardar ia para que os maus espíritos ou as crias monstruosas da floresta viessem atazaná-la! Depois de m uito andar, a cabou enxergando uma oca perdida. – Graças a Tupã, estou salva! Pelo menos era o que ela pensava, pois na tal oca vivia um índio que estava havia a nos sem ver um a índia. Assim que ela pediu a sua a juda, ele pux ou-a para dentro da oca e fez com ela o que bem quis. Resultado: a e sposa de Maire- Até ficou grávida outra ve z. Quando terminou,e oelasentime cobriunto o rosto com as mãos. No seu peito misturava m-setudo a vergonha de vingança . O sentimento de vingança ela votava, antes de tud o, ao seu m arido, que não quisera esperá -la. Quando, porém, decidiu levar a cabo a segunda vingança , contra o seu agressor, descobriu que um castigo sobrenatural já havia descido sobre o ele: na esteira onde ela havia sido abusada, restava apenas, no lugar do índio, um gambá fedorento. A índia abandono u a oc a c erta de que suas desd itas haviam chega do ao fim, mas ainda havia um mal maior guardado. Nem bem deixara o lugar quando deparou-se c om um índio ca nibal. Ele se a presentou com o Jaguaretê e disse que pretendia comê-la. E tal comopelo disse, o fez,e de tal sorte a pobre índia foi devorada o último bocado talassim Jaguaretê pelos da suaque comunidade, conhecendo ali,até finalmente, o fim das suas desditas. Antes de devorar a índia, porém , o ca nibal retirou do ventre as duas crianças – o filho de Maire-Até e o do índio que a havia atacado – e atirou-as no monturo. No dia seguinte, algumas índias piedosas recolheram as duas crianças. Diz a lenda que, ao crescerem, os dois irmãos vingaram a morte da mãe atraindo o índio e os seus sequazes até uma ilha, onde lhes prometeram farta alimentação. Na travessia pela água, os canibais se transformaram em animais selvagens – possivelmente em jaguares, já que, segundo os estudiosos, o nome do líder Jagu are tê ete àosfigura do j aguar. MaireAtérem c riou dois filhos, o legítimo e o ilegítimo. O ilegítimo, com o não podia deixar de ser, er a discriminado em toda parte, sendo cham ado de “o filho do gam bá”. Maire-Até educou-os, porém, da mesma maneira, impondo-lhes as provas rudes da selva. Numa dessas provas, os dois irm ãos deveriam passar por entre duas rochas q ue tinham o poder de esm agar aqueles que tentassem passar entre elas. O filho do gambá foi esmagado ao tentar a proeza, enquanto o filho de Maire-Até saiu-se vitorioso. Penalizado, porém, do meio-irmão, o filho legítimo ressuscitou-o, pois possuía os dons mágicos da desce ndência de Monan, o semideus civilizador. havia, umaãoúltima prova: os utensílios pesca alime de Agnen, um serMas mítico cujainda, a ocupaç principal era furtar a de pescar o peixedeAlain, nto dos mortos. Decidido a ter sucesso no seu furto, o filh o legítimo de Maire- Até tornou-se um peixe e , depois de deixar-se pesca r, furtou tudo quanto quis enquanto o
pescador estava distraído. O filho do gam bá, porém, saiu-se m al ao tentar o m esm o estratagem a, e acabou sendo morto mais uma vez. Felizmente, o seu irmão demonstrou novamente a sua generosidade e, depois de recolher as espinhas do filho do gambá – lem brem os que e le se m etam orfosear a e m peixe –, ass oprou sobre elas e o jovem retornou, desta forma, à vida. Existem várias versões para essas proezas dos gêmeos míticos, que variam muito conform e a tribo, ma s o ce rto é que são dois personagens fun dam entais da religião indígena.
A ONÇA E O RAIO
Os índios taulipangs, habitantes do e xtremo norte do Bra sil, contam a lenda a seguir. Certa feita, a onça passeava pela m ata quando encon trou o raio a fa bricar um porrete. A onça não conhecia bem o raio, pois nunca tinha visto um em terra , muito m enos a f abricar porretes, e por iss o ima ginou que se tratava de algum animal. Então ela c ome çou a pisar mac io e, depois de da r a volta, sem ser vista, pulou sobre o raio. O ra io, porém, escapou com um pulo veloz, sem sofre r nada. A onça, desapontada, indagou: – Quem é você? – Sou o raio, não vê? – Você é m uito forte, não é? – Está enganada, não sou nada forte. Ao escutar isso, a onça inflou o peito e engrossou a voz. – Pois eu sou o animal mais forte destas matas! Quando estou furiosa, não sobra nada inteiro! Então, para dem onstrar a sua força , a onça trepou numa árvore e norm e e com eç ou a deva star tudo, quebrando um por um dos galhos. Depois, desceu para o solo e com eçou a escavá -lo, atirando para c ima tufos de re lva e de terra até estar tudo revirado, com o se um tatu doido tivesse pa ssado por ali. – Muito bem , que achou disso? – disse a onça, arfante. O raio escutou, mas não disse nada. – Vamos, quero vê-lo fazer algo parecido! – desafiou a onça. – Como poderia, se não tenho a sua força? – disse o raio, afinal. Infladaoa de inda m ais confissão raio,vez a onça dem onstraçã forç a, repela volvendo tudodo outra até terentregou-se a berto umaa cnova lareira na parte da mata onde estavam. Enquanto a onça sorria, esbaforida, o raio t omou o seu porrete e com eçou repe ntinam ente a vibrá- lo no chão e por tudo ao redor, fa zendo a onça quicar e rebolar pelo s olo com o um bicho de pano. Um a ve rdadeira tem pestade, segui da de raios e ventania, tornou tudo ainda mais sério, a ponto de a onça achar que o mundo se acabaria. Quando a tempestade finalmente cessou, a onça mal encontrou forças para pôr-se nov am ente em pé e ir c orrendo es conder-se atrás de uma rocha. Mas o raio gostara dacom brincadeira arre fagulha volta na rocha, a certando prec isão oe ra bomessou da onçauma . A onça deu que o pulfeozma ais alto de toda a sua vida, cham uscou a c abeç a no coca r do Sol e desce u à Ter ra outra vez, fugindo a toda a velocidade. O ra io continuou a vibrar o seu porre te e a arremessar c oriscos e fa gulhas
com tanta intensidade par a c ima da pobre bichana que e la viu-se obrigada a procurar refúgio na toca de um tatu gigante. Tudo em vão: o raio varej ou a cova do t atu e ac ertou em cheio, outra vez, os fundilhos da onça. Não havia jeito: onde quer que a onça buscasse refúgio, ali a a lcançava o braç o longo do raio. Ao me smo tempo, começ ou a soprar um vent o frio e a cair uma chuva gelada, e com o a onça j á estava quase sem pelo algum, devido às queima duras, pouco faltou para ela congelar-se. solo. – Depois do fogo, o frio! – gania ela, batendo os dentes, toda enrodilhada no Some nte a o ver a rival arr iada e c ompletam ente vencida foi q ue o ra io se deu por satisfeito. – Muito bem , agora diga quem é o mais forte por aqui! A onça tapou a ca beça para não ter de re sponder, e nquanto o raio partia, a gargalhar. E aqui está, segundo os taulipangs, a razão de as onças temerem tanto os temporais.
KONEWÓ E AS ONÇAS
E j á que se f alou de onças, nada m elhor do que referir a lguma s disputas de Konewó cont ra as onça s, pois os taulipangs, especialmente a s cr iança s, parec em adorá- las com seu ritmo ágil de desenho ani mado. Konewó é um índio que pare cia ter nascido para disputar com as bichana s. Certo dia, e le estava sent ado, encostado a uma árvore , quando uma onça c hegou e perguntou: –– Por sentado, a escorar esta árvore? Paraque queestá ela aí não caia – respondeu Konewó, secamente. – Todas as árvore s estão por cair. Por que não fa z o me smo que eu com aquela outra á rvore ali? A onça viu uma árvore que parecia prestes a ruir e achou que seria uma boa distração ficar escorando-a, pois não tinha nada m elhor para fazer. Depois de encostar-se ao tronco, a onça fechou os olhos, sentindo-se vagam ente virtuosa. “De vez em quando é bom ser útil”, pensou, vaidosa da sua virtude. Mas a virtude logo transform ou-se e m sono, e, quando a onça com eçou a roncar , Konewó er gueu-se e, l igeirinho, am arrou-a a o tronco com cordas trançada s de cipó. Konewó desaparec eu, a re primir o ri so, e a onça só acordou algumas horas depois, completamente imobilizada. Os dias se passaram e ela já estava quase morta de fome quando um macaco surgiu. – O que faz aí, toda amarrada à árvore? – Fui am arrada, não está vendo? – rugiu a fera. – Vamos, solte-me já! – Ah, isso eu não faço, não! Se soltá-la, você m e come! – Não com erei, dou-lhe m inha palavra! O macaco não foi muito atrás da onça, e ela precisou insistir várias vezes para que ele finalmente se decidisse a arriscar o pelo. Com toda a cautela, ele desamarrou e sóna porsua isso escapoudeu vivo. assim que viu a pata peluda eriçara onça, as unhas direção, um Atento, pulo para longe. O m aca co desaparece u dentro da m ata, enq uanto a onça f icou maquinando a sua vingança contra o índio que a aprisionara. Depois de andar muito, far ej ando o rast ro de Konewó, ela f inalm ente enc ontrou o seu desaf eto, desta vez escorado nu ma rocha. – Ah! Aí está você! – disse ela, pulando à frente do índio. – Desta vez você me paga! Konewó olhou serenamente para a onça. – O que quer? – disse ele, friamente. – Vingança! Ao observar , porém, a c alm a do índio, a onça não pôde deix ar de perguntar-lhe: – Ei! O que faz escorado aí nesse pedregulho? – Estou impedindo que ele caia. Todos os rochedos estão por cair.
Konewó, e ntão, olhou para o lado e apontou outro rochedo dez vezes m aior. – Se você fosse um a onça realm ente útil, faria com o eu, im pedindo que aquele rochedo caia. Um a espécie de nuvem estúpida desceu sob re a mente da onça, obri gandoa a ir toma r o seu lugar, m as assim que ela o f ez, o índio ergueu-se. – Espere aí, sabichão, onde pensa que vai? – gritou ela. – Tive um a excelente ideia para poupar-m e trabalho. Vou procurar um tronco paraafazer escora e assim livrar-me de ficar o resto da vida escorando minhauma pedra. A onça sentiu o pedregulho chacoalhar às suas costas e deu um grito: –Traga um a escora para m im tam bém ! Konewó sumiu e nunca mais apareceu com escora alguma. Quanto à onça, das duas um a: ou está lá até hoje , escora ndo o pedre gulho, ou term inou sepultada viva pelo desabamento. *** bém gostava pa ssarhaviam a conversa h ome brancos, pois era creKonewó nça de mtam uitos índios que ades onças sidonos gente antesnsde vi rarem o que são hoje. Certo dia Konewó achou um gambá e introduziu debaixo do seu rabo um punhado de moedas de prata. Depois, andando por ali, cruzou com um homem branco carregando uma rede novinha em folha. – Bela rede! – disse Konewó. – Quer trocá-la por um gam bá que bota moedas de pra ta? – Está m e achando com cara de bobo, é? Então, Konewó ape rtou a barr iga do gam bá, e a s moeda s saltaram por debaixo do rabo. O homem branco fi cou pasmo. – E esse fedorento faz isso muitas vezes por dia? – perguntou ele. – Quantas vezes lhe apertarem o ventre – respondeu o índio, apertando outra vez o bucho do gambá. As moe das saltaram outra vez, e o home m branco fe z o negócio na hora. Assim que o índ io afastou-se, o homem branco e rgueu o rabo do gam bá e quase e nfiou o olho lá dentro. – Vamos ver isto! – disse ele, apertando com toda a força a barriga do coitado. Só que, desta vez, a única coisa que espirrou foi um jato fedorento de fezes. *** Mais adiante, Kone wó aplicou um golpe parecido em outro civilizado.
Depois de pendurar a lguma s moeda s em alguns galhos de um a árvore, cham ou o primeiro que enxergou. – Veja, hom em branco, esta árvore dá dinheiro! – disse ele. O homem em basbacou-s e. Ele estava c heio de m erc adorias que a traíram a cobiça do índio. – Se você me der todas as suas mercadorias, entrego a você esta árvore mágica. O home m branco olhou para o seu fa rnel e depoi s para a árvore, ainda em dúvida.– Quantas vezes por ano ela dá m oedas assim? Estou vendo poucas ali. – É que estou no fim da colheita – disse o índio. – Mas não se preocupe, pois esta árvore dá m oedas o ano todo. Esta já é a décima colheita! Fechado o negócio, o índio tratou de pegar o dinheiro e dar o fora, enquanto o homem branco olhava pa ra a m eia dúzia de m oedas pendu rada s nos galhos altos. Im paciente, ele com eçou a chac oalhar o tronco, e du as m oedinhas caíram unto com uma porção de f olhas. Ainda m ais impaciente, ele conti nuou a c hacoa lhar até que um galho despencou e quase rachou a sua cabeça, e isto foi tudo que ele viu cair, depois do primeiro chacoalhão, da árvore am aldiçoada. *** Mas os golpes prediletos de Konewó er am aplicados mesm o às onças. Certo dia, ele estava sentado à beira de um rio de águas profundas quando uma onça surgi u por detrás. – Que faz aí, bobão? – disse a onça, mais curiosa do que esfomeada. – Estou pensando em mergulhar no rio para apanhar aquele bolo de tapioca que está lá no fundo. Konewó apont ou para o ref lexo da lua sobre a á gua. – Então vá – disse a onça, desconfiada. – Quero ver se consegue apanhálo! Konewó tinha escondido debaixo da tanga um pedaço de bolo e mergulhou para logo em seguida retornar. – Ah, aqui está! – disse ele, dando uma dentada no bolo. A onça lambeu os beiços, mas o índio enfiou ligeiro o resto na boca. – Por que não trouxe o bolo inteiro? – disse a onça, frustrada. – Acontece que sou muito leve – respondeu o índio. – Por que você, que é mais pesada, não desce e traz o restante do bolo? A onça estava tão á vida por provar a quela de lícia que a ceitou na hora o desafio. – Am arre esta pedra ao pescoço – disse o índio. – Ela a aj udará a descer mais rápido, pois há muita correnteza nestas águas. A onça a ceitou, e depois de ter o pedregulh o bem am arrado ao pescoço, mergulhou. Quando chegou ao fundo do rio, porém, constatou que não havia bolo algum por ali. Olhou para cima e viu que o bolo – ou a lua – agora estava boiando na superfície.
E essa foi a última coisa que a de sgraçada viu antes de m orrer afogada. *** Mais uma c om onça. Konewó ia a ndando na m ata quando v iu uma trilha de a ntas. No m esm o instante, um a onça surgiu. – O que espia aí? – perguntou a bichana. –A Não – respondeu o índio. – É oarastro onçaestá lamvendo? beu-se três vez es antes de voltar falar. de um a anta gorda. – Acha que está longe? – Que nada! Vej a, o rastro ainda está fresco! – Então deixe comigo! – disse a onça, preparando-se para uma boa corrida. – Não, espere, tenho um plano m elhor – disse Konewó. – Está vendo aquele m orro elevado e coberto de vegetaç ão? Foi por lá que ela se e scondeu. Eu vou atrás dela, e você fica a qui em baixo. Vou assustá-la e e ncam inhá-la bem na direção da sua boca. A onça adorou a ideia e foi colocar -se na base do m orro, enquant o o índio o esca lava. Ao chegar ao topo, Konewó e ncontrou um pedregulho enorm e e rolou-o até o c omeço da descida. – Aí vai a anta! – gritou o índio. Ao escutar o ruído de a lgo pesado desce ndo, a onça firm ou-se na s pernas. – Que anta enorm e deve ser! – disse ela, lam bendo os bigodes. De repente, porém , surgiu do m atagal inclinado o pedregul ho enorm e, a rolar furiosam ente, e pa ssou por c ima da onça, de ixando-a esm igalhada e fininha como um tapete. E esse foi o fim de mais uma onça.
*** Um a última. Konewó estava sentado em um galho elevado de uma enorme árvore. Ele havia encontrado uma colmeia e e stava se deli ciando com o m el quando uma onça chegou e perguntou: – Que faz aí? – Estou saboreando esta delícia – disse Konewó, lam bendo os dedos dourados de m el. – Também quero! – disse a onça, apaixonada por m el. – Então, façamos o seguinte: eu desço e corto a árvore. Quando ela cair, você a para a c olmeia nos braços e f ica o resto do dia se deliciando. A onça topou e ficou aguardando enquanto o índio metia o machado na árvore. Quando a árvore finalmente começou a inclinar-se, a onça fez menção de sair c orrendo.
– Idiota, fique no lugar! – berrou Konewó. – Apare a colm eia, senão ela vai se estraçalhar. A onça se encheu de coragem e esticou os braços na direção da colmeia. Só que atrás dela vinha a árvore inteira, e foi assim que a pobre felina viu-se esmagada e coberta de picadas de abelhas. *** obrigaKonewó, a contar.segundo a lenda, teve um fim grotesco, ma s que o a mor ao saber Certo dia, ele estava se aliviando, no alto de uma árvore, quando um besouro vira-bosta aproximou-se, lá embaixo. Konewó olhou para o serzinho e disse, apieda do: – Gostou? Aqui dentro tem muito mais! – disse ele, apontando para o traseiro. O vira-bosta subiu, entrou-lhe traseiro adentro e comeu o resto da porcaria, e j unto com ela a s tripas e tudo mais, dando um fim miserá vel ao m aior tapea dor de onça s já surgido nas m atas brasileiras.
O UIRAPURU
Existem diversas lendas s obre e ssa pe quena a ve a mazônica , cuj o ca nto deslumbrante inspirou Heitor Villa-Lobos a compor um poema sinfônico. Esta lenda c onta c omo duas am igas tornara m-se rivais pelo am or de um mesmo ho me m. As duas moças cham avam -se Moem a e Juça ra. Desde crianças, elas eram apaixonadas por Peri, o índio mais belo da aldeia. Não havia índia que não se interessasse únicas que tinham condição de disputar o cobiçado prêmio erampor asele, duasmas amas igas inseparáveis. Apesar de rivais, as duas am igas não escond iam uma da outra a sua pretensão. – Am o Peri perdidam ente – dizia Juçara a Moema. – Também sou louca por ele – dizia Moem a a Juçara. As coisas seguiram assim, numa rivalidade a mistosa, a té o dia em que decidiram consultar o paj é da a ldeia para ver o que pod eria ser feito para resolver o dilem a. – Peri não sabe dizer qual de nós duas prefere – disse Moema ao paj é. – Acontece que já estamos em idade de casar – disse Juçara. Então meditar, a seguinte – Não ohápajé, outrodepois j eito:de vocês terãoelaborou de disputá-lo para proposta: ver quem fica com ele. No dia aprazado, as duas índias, munidas de arco e flecha, apresentaram se na m ata. – Quem acertar o pássaro que eu apontar será a vencedora – disse Peri. De a rco na m ão, as duas índias ficar am à e spera da ordem de Pe ri. – Ali, atirem! – gritou o índio ao ver um a ave branca surgir por entre os galhos. Duas flechas veloz es partiram, silvando no ar, m as some nte uma delas ace rtou a pequena ave. – Aqui está! – disse Peri, tomando nas m ãos a ave alvej ada. flecJuçar has estavam marc adas, e aquel a que e stava e ncravada na ave tinha aAs m duas arc a de a. Desde e ntão, Juçara passou a ser a esposa de Pe ri. Quanto à pobre Moem a, decidiu fugir da a ldeia e ir se e sconder na mata par a lam entar a sua infelicidade. Tupã, apiedado da m oça, dec idiu, então, transform á-la num a ave de c anto maravilhoso. – O seu canto será tão belo que terá o dom de curar a sua própria tristeza – disse o deus. Moema, convertida no uirapuru – que em tupi significa “pássaro que não é pássaro” –, passou a m orar na floresta, e desde então toda ela silencia sem pre que seu canto com eça a soar.
O SURGIMENTO DA NOITE
Alguma s tribos am azônicas cre em que no com eço dos tem pos só havia dia. Era sol de m anhã, sol de tarde e sol de noite, e só quando as nuvens apare ciam é que se tinha um descanso para tanta luz e calor. Mas mesmo sem sol, continuava sempre dia. É que a noite, diziam eles, estava adorm ecida no fundo do rio Am azonas, e a té a li ninguém se anima ra a despertá-la. Naqueles dias,não a Cobra-Grande, personagens folclore amazônico, só vivia à soltaum por dos aí como também mais tinha importantes uma linda do filha. O esposo dessa jovem andava m uito chatea do, pois ela não queria dorm ir com ele de j eito nenhum. A desculpa da esp osa e ra sem pre a m esma : – Deitar por que, se ainda não é noite? O pobre tentava a rgume ntar, dizendo que não seria nunca noite, m as não tinha j eito. – Só deito quando anoitecer – teimava ela. – Mas e quem vai despertar a noite do fundo das águas? – Minha m ãe sabe o segredo. Mande alguém até lá buscar um coco de tucumã. No m esm o instante, o m arido mandou três serviçais até lá. Apesar de m ortos de m edo – pois não há índio que não se ar repie a o escutar o nome dessa e ntidade –, os serviçais foram até a Cobra-Gra nde e relatara m-lhe o pe dido da filha. – Não o abram em circunstância alguma! – sibilou a serpente, entregando o coco aos três. O coco fora selado com uma cobertura de breu, a fim de evitar a tentaçã o da curiosidade. Os emissários retornaram pelo rio na mesma canoa em que haviam partido. Durante o trajeto, o coco começou a vibrar, e um som baixinho, ao mesmo– tempo e fininho, cascacolando lacrada.a orelha ao coco. O que rouco será isto? – disseescapou um dosda trêssua índios, – O que não é para ser visto! – disse o timoneiro, arrancando o coco do curioso. Mas o terceiro tam bém estava curioso e, tomando o coco, colo u nele a orelha. – Tem um monte de coisas aqui dentro! – disse ele. – Talvez sej am joias! – disse o prim eiro. Ao escutar e ssas palavras, o timoneiro tam bém acabou por re nder-se à curiosidade. – Está bem, vam os parar a canoa e ver o que há aqui dentro! A canoa parou bem no meio e eles acenderam fogueirinha para enxergar melhor. Como sem do prerio, acontece, o que m aisuma discursara contra a desobediência re velava-se agora o ma is impaciente po r praticá-la. – Vamos, quebre de um a vez essa porcaria! – disse o timoneiro, de olhos arregalados.
– Não!... Vamos retirar apenas o breu! – disse outro, mais cauteloso. Com uma mecha do fogo eles derreteram , então, a c obertura e finalmente abriram o coco. De repente, uma nuvem negra escapou de dentro e envolveu a canoa e o rio e o mundo todo enquanto os índios cobriam as cabeças, abaixados. Ao mesmo tem po, milhare s de sapos e gril os pularam para fora do coco e se e spalhara m mundo afora , dando à noite a sua inconfundível trilha sonora. A noite se e spalhara por tudo, indo alcançar a c asa onde m orava a f ilha da Cobra-Gra ndeme eu seumesposo. – Veja, arido! – disse ela. – Algo aconteceu! Mas ele não podia ver nada, sequer a sua am ada e sposa. – Se não posso vê-la durante a noite, então jamais teremos a noite! – disse ele, enfure cido. Então, ele fe z menção de a garrá-la, m esmo sem vê-la. – Não, espere! – gritou ela. – Agora teremos de esperar o dia! O m arido ca iu da re de, de desgos to. – E haverá dia, outra vez? – disse ele, desolado. – Sim, ele não tardará – afirm ou a j ovem , confiante. E assim foi. Logo, um a luzinha de spontou na escuridão dos cé us. – Veja, a estrela d’alva! disse apontando a estrelaasque – Agora vou separar a noite do –dia, deela, tal sorte que teremos duasanuncia coisas, o dia. alternadamente. Com o surgimento da noite, havia ocorrido u ma sér ie de m etam orfoses na natureza. Bichos e aves de toda espécie haviam surgido, e quando ela olhou para o marido viu que também ele havia sofrido uma mudança. – Meu adorado! – gritou ela, radiante. – Que cuj ubi lindo você está! O pobre marido havia se transform ado numa galinha preta de penas esverdeadas. – Que besteira é esta? – disse ele ao acordar, agitando as asas e falando já pelo bico. Oh, que maravilha! – disse – A partir de agora, sem pre que o dia nascer,– você cantará para mim e me ela. despertará de uma noite deliciosa de sono! A j ovem parecia m esmo fe liz. Pena que o m arido não pare cesse t ão animado com a mudança. – Quer dizer que vou ser esta ave horrorosa o resto da vida? – Horrorosa?! – exc lam ou a j ovem , ofendida. – Oh, Mãe-d’Água! Sem pre reclamando! Neste momento, os três emissários desastrados reapareceram. Im ediatam ente, o m arido pulou na direç ão deles. M as parou ao ve r que os três em issários tam bém estavam com os corpos cobertos de pelos negros. A jovem começou a rir desbragadamente assim que a luz da aurora lhe permitiu ver m elhor no que os três imprudentes haviam sido convertidos: três macacos de dentes arreganhados. – Muito bem , toleirões, aí está o prêmio da sua im prudência! – disse o marido, sentindo-se muito bem vingado. – Doravante irão pular de galho em galho, de dia e de noite!
Os três macacos deram de ombros, arreganharam os dentes outra vez e saíram pulando para de ntro da selva. Suas bocas estavam pretas e tinham marcas am arelas nos braços, um resquício do breu ar dente que e spirrara sobre e les quando arr omba ram o coco no me io do rio.
A CAB EÇA Q UE VIROU LUA
Os índios kaxináuas e xplicam de um a maneira rea lme nte curiosa o surgimento da lua. A história com eça com uma ca çada à c utia, um roedor das m atas. Dois índios haviam ac abado d e c açá -la e retornavam à oca de um deles. – Hoj e irei apresentá-lo à m inha m ulher – disse o primeiro. Quando chegara m diante da oca , porém, o solteiro não quis entrar. – Tenho vergonha de apresentar-m e assim – disse ele, todo suado e despenteado. O dono da ca sa m andou ele espera r ali fora e r etornou em seguida com alguns itens de higiene. O índio tímido deu um a limpada no suor, ajeitou os cabelos e colocou alguns enfeites. – Pronto, está perfeitamente apresentável – disse o anfitrião, introduzindo o am igo na oca . O m arido ordenou rispidam ente à e sposa que desse de com er a o am igo. – Dê-lhe toda comida que houver! Quero que coma até estourar! A j ovem índia trouxe um alguidar repleto de c omida. Havia m ingau, macaxeira , bananas de todos os tipos, cr uas e assadas, inham e, pipoca e um mundoOde outras com idas. visitante comeu o quanto pôde e depois guardou o resto num farnel para levar para c asa. – Muito obrigado pela acolhida, m as j á é tarde e devo partir – disse ele, afinal. – Vou com você – disse o anfitrião, tomando um facão antes de sair. – Para que o facão? – Vou cortar m adeira. Estou fazendo uma enxada e preciso de um cabo. Os dois partiram e, no meio do caminho, o anfitrião desfez todas as gentilezas ao c ortar fora a c abeç a do outro, sem qualquer e xplicaç ão. A ca beça rolou pelo chão , m as o corpo p erm anece u em pé, rec usando-se avida. m orrer . Enraivecido, o ma tador caiu de facão sobre o corpo até pros trá-lo sem Enquanto isso, a c abeç a, e mbora c aída sobre o solo, perm anec ia viva. – Que está olhando? – rugiu o matador. A ca beça não disse nada , ma s as pálpebras bat eram várias vezes. Diante do que j ulgou uma afronta, o ma tador c ortou um pedaç o de pau com o fac ão, aguçou-o e enfiou a cabeç a na ponta. Depois, colocou o marc o maca bro bem no meio d o cam inho e deu no p é. Logo em seguida surgiu outro índio, também caçador, que tomou um grande susto ao ver aquela c abeç a e spetada na encr uzilhada. – Quero ver direito o que é isto! – disse ele, indo pé ante pé. chegar mais enorme perto, viu c abeç ao aencheu-s inda batia a s terror. pálpebras, derramAo ando lágrimas s, eque seuacoraçã e de – Anhangá! – gritou ele, certo de estar diante de uma visagem. Enquanto fugia, porém , deu-se cont a de que aquela ca beça pertencia a um mem bro de sua tri bo e foi corre ndo contar a os restantes.
– Nosso irm ão foi morto, e sua cabeça j az espetada no meio da mata! Ao sabere m da notícia, todos da tribo juntaram -se e foram ver o prodí gio. Um a m ultidão de índios cer cou a c abeç a com o se fossem consulentes ávidos de um oráculo das matas. Só que a boca, apesar de bater os lábios, não conseguia emitir uma única palavra. Então um índio m ais destem ido arr ancou a cabeça do poste e atirou-a num cesto. – Vamos em bora, na aldeia veremos o que se há de fazer! – disse ele, partindo. Os índios seguiram atrá s do valentão do ce sto, até que , dados alguns passos, a c abeç a var ou a parte de ba ixo do sam burá e caiu quicando no chão. Os que vinham atrás começaram a pular, esquivando-se da cabeça como se fosse de fogo, até que ela parou de rolar ao alcançar um barranco. – Vamos, coloque-a em outro cesto! – disse o líder. A cabeça foi acomodada e a procissão recomeçou, até o instante em que a cabeça , a poder de dentadas, arr ombou a tram a do fundo outra vez. Uma nova e frenéti ca dança re come çou até a lguém sugerir q ue deveri am retornar para enterrar o tronco do índio morto. – Enterrado o corpo, a cabeça sossega – disse o sabichão. Quatro índios retornaram e enterraram o corpo. voltarem, a c ompa nhia dos dem ais, encontrara m-nos aos pulos,Ao pois agora a porém, cabeça para , além de quica r, queria m order a todos. – Coloque-a num cesto forrado e leve-a nas costas! – gritou o chefe a um índio parrudo. O índio fez o que o chefe mandara, e a comitiva retomou a marcha. De repente, porém , escutou-se um berr o agoniado. Todos voltaram -se e viram, estarre cidos, a ca beça ensandecida com os dentes na orelha do í ndio. – Socorro, acudam ! – guinchava o pobre coitado. Então, o chefe tomou uma dec isão re alm ente sábia. – Deixem essa cabeça aí m esmo! Ela deve estar amaldiçoada e só irá espalhar malefícios pela aldeia! Todos concordaram a um a só voz, menos a cabeç a, que ao ver- se só e abandonada com eçou a quicar velozmente atrás deles. Então, foi um espalhar de índios em todas as direções. Alguns buscaram a salvaçã o ao avistarem um rio de á guas revoltas – Mergulhem os! Cabeça nenhuma sabe nadar! Todos caíram na água e brace jara m c om fúri a até alcançare m a outra margem. Estirados na relva, ensopados e sem fôlego, eles relancearam um olhar para a correnteza do rio. – É ela! – gritou um deles. – Anhangá vem vindo! E vinha m esm o. Fazendo das orelhas du as nadadeiras, a c abeç a avança va velozmente, e spalhando água para todos os lados. Então os índios reuniram o que lhes re stava de fôlego e trepar am , com a agilidade de onças, num pé de bac upari. Lá do alto eles viram quando a c abeç a,
após sair da água, sacudin do-se e cuspindo água com o um chaf ariz, com eçou a rolar sinistramente até a ba se da ár vore. Naquela árvore havia, agora, mais índios do que frutos dependurados. – Desçam ou sacudirei esta porcaria até caírem todos! – rugiu a cabeça, adquirindo, subitamente, o dom da fala. Ao ver que ni nguém a obedeci a, a c abeça com eçou a dar m arra das no tronco, como um cabrito, enquanto os índios balançavam no alto como folhas num vendaval. De repente, porém , a c abeç a pa rou, talvez meio tonta c om tudo aquilo. – Antes de descerem , deem-m e algumas frutas, pois fiquei com fom e! – gritou ela. Instantaneam ente com eça ram a chover frut os sobre a ca beça e sfomeada. Ela deu algumas dentadas nos frutos, mas cuspiu tudo, enojada. – Pfúi! Estão verdes! Deem -m e os m aduros! Desses, ela gostou. Pena que, ao engoli-los, eles lhe saíam pelo pescoço cortado, sem nunca matar- lhe a fom e. Mesmo a ssim, continuava com endo-os. Então, um dos índios trepados teve uma boa ideia. los! – Joguem longe os frutos! Assim poderemos fugir enquanto ela vai buscáOs frutos foram arrem essados o mais longe possível, e a c abeç a saiu rolando para apanhá-los . – É agora! – gritou o autor da ideia. Num a só vez, despencaram todos os índios. Nem bem seus pés haviam tocado o solo, pusera m-se a corr er para a a ldeia fe ito lunáticos. Ao chegare m lá, encerr ara m-se todos em suas ocas e ficara m espera ndo o pior, que era a chegada da cabeç a m aldita. Todos espiavam por entre a s fre stas das oca s, até que se escutou, cada vez mais nítido, um tum-tum-tum sinistrovozes c rescer de dentro de da m ata.os sexos. – Anhangá! É ela! – gritaram esganiçadas todos A cabeç a finalm ente surgiu e f oi postar-se no ce ntro da taba. Apena s algumas tochas iluminavam o tétrico c enár io, pois naquele tem po ainda não havia luminária a lguma nos cé us. – Toleirões! Se não me deixarem entrar em suas ocas vou lançar um a maldição que vai reduzir sua aldeia a cinzas! O silêncio, porém, permaneceu, e então a cabeça passou a gritar uma mistura incoer ente de prom essas e am eaças, que só serviu para aterr orizar ainda mais os índios. – Não me deixarão entrar, então, m alditos? Pois saibam que, a partir de hoje, aos céus e me converterei na lua! Minha fizer cabeça será prime a lua, eirameus olhos,subirei as estrelas! Apare cerei em quartos, e quando minha apar ição as m ulhere s sangrar ão, e quando est iver com pleta nos céus o s cãe s e os doidos se porão a uiv ar para mim! Neste instante, um urubu desceu dos céus, farfalhando suas asas negras.
Depois de e nterrar suas unhas a dunca s nos ca belos desgrenhados da c abeç a, a ave subiu, levando-a consigo. Todos viram , aba ndonando suas oca s, quando o urubu gigante de positou a cabeç a no alto do céu. Im ediatam ente e la c ome çou a fosfo rescer em prateado, e das suas órbitas espocaram milhare s de faísca s da m esm a cor que, após se espalharem por todos os quadrantes, se converteram em estrelas. E foi assim que, segundo os kaxináuas, a lua surgiu.
O FURTO DO FOG O
Segundo os índios tembés, nos tempos míticos o fogo tinha um único dono: o urubu-rei. Como o urubu era muito avaro da sua preciosidade, os índios não podiam fazer uso de chama alguma, e quando queriam comer carne só lhes restava o expediente de expô-la longamente ao sol. Isso foi até o dia e m que um índio m ais destem ido resolveu dar um fim àquilo. – Vamos anta enorme . atrair o urubu-rei e a sua tropa inteira – disse ele, m atando uma Depois de sangrarem bem o bicho, eles d eixaram o cadá ver e xposto ao sol, para atrair os urubus. Não dem orou m uito e o urubu-rei, atraído pelo fedor da carniça, desceu sobre a anta. – Viva, temos hoje banquete farto! Vamos lá, com panheiros, há carniça para todos! – disse ele, dando um grasnido. Logo o céu anoiteceu com a chegada de uma verdadeira nuvem de urubus. A bicharada caiu sobre a anta, mas alguém teve a ideia de acender um fogo e preparar a carne na grelha, ou no moquém , com o se diz entre os índios. – Carne moqueada também temtição lá suas delícias! – disse o urubu-rei, retirando de debaixo d a a sa negra um muito bem escondido para acender a grelha. Os urubus, naquele tem po, tinham o dom de se transform ar em gente e , assim, antes de se lançarem à c omilança, desp iram as asas e fi ca ram com a apar ência de home ns (daí, talvez, o gosto que tinham em assar a carne, a o invés de comere m- na crua, co mo hoje norm almente fa zem ). – Ufa! Que calorão! – disse o urubu-rei, despindo o manto de penas. Nus feito gente, os urubus atiraram-se finalmente à carne, e j usto neste instante, irrompendo de dentro da mata, surgiram os índios, de olho aceso no fogo que ardia na grelha. assalto.– Depressa! Apanhem um tição! – gritou o velho pajé, organizador do Um grito de alerta do urubu que vigiava avisou, entre tanto, os dem ais, e logo todos vestiram seus mantos negros de penas e levantaram voo estabana dam ente. Antes de partir, o urubu-rei to mou a última fagulha que a rdia na gre lha e, depois de ocultá-la debaixo d a asa, j untou-se à s dem ais aves no céu. O paj é c orreu alu cinadam ente a té a grelha, rem exeu no b orralho e encontrou um último ca quinho de ca rvão, com uma listrinha lara nja c orrendo pra lá e pra cá. – Aqui! Aqui! – gritou ele aos demais. – Vamos, assoprem, não deixem apagar! Quinze bocas ram ocom car tanta vãozinho c ome çar am alaranja assoprá-lo agoniadamente, masceo rca fizeram forçae que a listrinha acabou por se finar, e o carvão nunca mais se acendeu. – Idiotas! – exclamou o paj é, irado. Quando se a calmou um pouco, po rém , viu que a a nta ainda e stava quase
inteira. – Eles voltarão logo – disse ele, animando-se outra vez. – Desta vez, vou ficar bem próximo da grel ha, e vocês d esapareç am e só surja m quando eu ordenar o ataque! Os tem bés fizera m com o o pajé ordenara , enquanto ele tratava de c avar um buraco bem ao lado da carniça a fim de se enfiar ali dentro. O mau cheiro da anta decom posta era insuportável, ma s quem disse que f urtar fogo era coisa fácil e prazenteira? Dali a pouco, os urubus voltaram, de reacenderam fome. Após despirem casacos pretos, que fediam mais do que aloucos carniça, o fogo e seus recome çaram a banq uetear-se. Enquanto com iam , o paj é aproveitou para irrom per da sua to ca, ágil com o uma marm ota, e m eteu a m ão dentro da grel ha para a panhar um tição. Assustados, os urubus apanharam suas vestes e levantaram voo outra vez. O urubu-rei ainda tentou resgatar o tição, ou pelo menos extingui-lo na mão do paj é, fazendo uma ventania danada com as asas, mas o velho índio cerrara os dedos com tant a f orça que nem um f uracão teria como a pagá-lo. No fim de tudo, os urubus sumiram nos céus, e o pajé viu-se dono do tição, que ainda ar dia em sua m ão. Que Anhang á o ca rre gasse se a quilo não ardia como cComo em mil umespetadas! P rom eteu enlouquecido, o paj é tratou de atea r fogo em todas as árvores de lenho incandescente que encontrava, a fim de preservar a chama, e teria colocado fogo na mata inteira se os demais índios não tivessem corrido para apagar aquelas labar edas todas.
COMO SURG IU O OIAPOQ UE
Os índios oiampis explicam de maneira melancólica o surgimento do rio Oiapoque, no extrem o norte do Brasil. Tudo com eçou num tem po muito antigo, quando a fom e e a doença estavam afligindo a aldeia dos o iam pis. Tarum ã, um a bela índia, estava grávida e decidiu procurar um lugar livre da m oléstia e da penúria para criar seu filho. Com a ba rriga pesada, a pequena índ ia com eçou sua per egrinaçã o solitária pela mata, m as passado s alguns dias sentiu que não teria m ais força s para ir a lugar algum. – Ó, Tupã, não posso mais dar um passo e morrerei com meu filho no ventre! – exclam ou ela, sozinha e e sfome ada no m eio da m ata. Então Tupã, apiedado, transformou-a numa enorme cobra. Tarum ã, c onvertida nessa cobra , encontrou força s para seguir adiante, levando sempre o filho no ventre, até que, um dia, encontrou um lugar aprazível, onde havia água e terra boa para plant ar. – Aqui haveremos todos de viver! – disse ela, pensando em retornar às pressas para avisar a gente da sua aldeia. Antes de re tornar, porém , ela deu à lu z uma menina. – Graças a Tupã não nasceu uma cobrinha! – disse ela, aninhando nas suas dobras o pequeno ser. Tarumã refez todo o trajeto com a menina na garupa até chegar de volta à sua aldeia. Entretanto, viu-se surpreendida pela péssima recepção dos seus. E não era para menos, já que Tarumã ainda ostentava sua figura de cobra gigante. – É a Cobra-Grande! – disse um índio, apavorado. Desde tem pos imem oriais que os índios am azônicos nutrem um medo atroz da nde, um f rio eente, devaum stador, cujde o único alimentar-se de Cobraíndios eGra a nimais. Imser ediatam grupo valentpropósito es surgiu écom arcos e flechas e com eçou a arre messar um a verdadeira chu va de setas para cim a da pobre índia-cobra. Tarum ã não foi atingida, protegida que estava por suas esca mas, m as sua filhinha não teve a mesma sorte e a cabou v ara da por uma flechada ce rteira. Ao ver a filha m orta, a c obra lançou para o ar um silvo de dor e tristeza tão aterr ador que os índios saíram corre ndo em todas as direç ões. Im ediatam ente, um verdadeiro rio de lágrimas brotou das pupilas da cobra, preenchendo todo o sulco que ela a brira durante a sua viagem de ida e de volta. Um rio imenso form ou-se, e a cobra m ergulhou nas suas águas caudalos as, desapar ecendo para sempre.
OS POTES DA NOITE
Dizem os índios tem bés que outrora o cé u não er a tão alto com o agora, e que um dia os passarinhos e todas as a ves do céu, querendo m ais espaço para as suas ac robacias, conv ocar am uma reunião para pôr o assunto em votação. Esse encontro f oi quase tão c oncorrido quanto a fam osa Assem bleia dos Pá ssaros, ocorrida lá para as bandas do Ori ente, e tinha ave de todos os jeitos, até m esm o criaturas qu e de aves só tinham as asas, tal com o o morc ego. Aliás,o telhado o morcego foiu.o único ser provido de asas que repudiou a ideia de suspender do cé – O céu já não está alto o bastante? – disse ele. Mas as aves não queriam saber de céu baixo e aprovaram por esmagadora maioria a elevação da abóbada dos céus. Foi uma trabalheira im ensa, m as as ave s conseguiram, afinal, erguer o grande telhado azul de tal modo que, a partir dali, sobrou espaço para as piruetas aladas de todos os seres amigos do ar. O morcego, porém, foi punido por sua casmurrice, e desde então passou a dormir de ponta-cabeça. – De hoje em diante, dormirá com o céu debaixo dos pés! – disse a coruja, ao decre tar a sentença. Mas, sedesgostosos os pássaros com estavam felizes do cé u, osmas índios continuavam as coisas docom alto. aOsuspensão céu fora suspenso, e daí? em por isso a c laridade diminuíra, j á que não havi a noite, a inda, em parte alguma do universo. Os tembés não aguentavam mais dormir com luz no rosto, e era prec iso fazer a lguma coisa para terem , pela prim eira vez, uma noite de descanso real. Até que um dia um velho índio, chegado dos fundos da mata, trouxe uma grande novidade. – Acabei de descobrir o local onde o mau espírito Azã esconde seus dois grandes potes! Aquilo pare cia história de um velho m aluco, ma s, me smo a ssim, o ca cique decidiu– tirar dúvida.dos potes que guardam a noite? – disse ele. Está afalando – Sim, sim, eles mesmos! – bradou o velhote, sapateando os pés nus sobre o pó. No m esm o instante, o cacique organizou uma expedição à mata para arr ebatar os dois potes. Eles er am negros com o a noite que escondi am e e stavam metidos entre os joelhos do velho demônio, que nunca dormia. Quanto mais se aproximavam, mais escutavam o ruído que havia dentro dos potes. É que dentro estavam guardados, além da noite, todos os seres esparrentos que a povoam, tais com o os grilos, os sapos e toda a f auna gritona das tre vas. – Tirar os potes do meio das pernas do demônio já se vê que não dá – disse o cacique. Então, chamando seu arqueiro mais hábil, ordenou-lhe baixinho: – Vare aqueles dois potes com uma única flechada. O arqueiro rast ej ou no m usgo até encontrar a posiçã o ideal. Quando t eve a
certeza de poder espatifar os dois câ ntaros com uma única flecha da, ele abandonou a posição de c obra ra stej ante e ficou de j oelhos; depois, alçou o arc o e c aprichou bem na m ira para só então disparar a seta. Um zum de vento cruzou a mata e passou por e ntre as per nas do dem ônio, espatifando um dos vasos (o outro, Azã conseguiu proteger, poi s enganava- se quem pensava que ele dormia). De qualquer jeito, um dos potes se espati far a, e seus cacos saltaram na ca ra do demônio, deixando-o momentaneamente cego. Comdeaengolir explosão do primeiro um jato velozcontinuou de trevas javanç orrou ando para por fora e, depois o dem ônio e sepote, espalhar por tudo, toda a selva. Junto com a treva, vinham os habitantes da noite – onças, aranhas, cobras, m orce gos, m osquitos e preda dores de to da e spécie, que se aproveit am da escuridão p ara e spalhar o seu reinado d e terr or e de sangue. Ao verem aquilo tudo cresce r para cim a deles, os índios largara m a correr com quantas pernas tinham, pois a noite se revelara pior, afinal, do que o dia sem fim. Eles só pararam quando chegaram à sua aldeia. Quase junto com eles chegou a noite, e então eles desabaram, exaustos, sobre o chão, pois não havia quem pudesse resistir àquela gostosa escuridão para tirar um bom ronco. Quando estavam no bom do do sono, a barr a do dia come çou a er guer-se out ra ve z, e um raio, porém, de sol feriu o olho cacique. – Danação! Que noite m ais curta é esta? De f ato, a noite fora m uito curta. Então, ele per cebeu que teria de quebrar também o segundo pote, que ainda restara inteiro na selva. O arqueiro, pressentindo o chamado, apresentou-se, solícito. – Você não! – disse o m orubixaba, expulsando o arqueiro fajuto. Então m andou cham ar o urutau, um dos aj udantes de sua predil eção. (Na quele dias, o urutau era ainda um índio, com o todos os outros.) – Vá você até a mata e quebre o segundo pote! Urutau tomou do arc o e se foi, em bora pre ssentisse coisa ruim. Ao chegar perto de Azã, viu que ele ainda esfregava os olhos magoados e aproveitou para arremessar a sua seta sobre o pote. Resultado: o vaso ra chou inteiro, e nova onda de trevas se espalhou por tudo. Assustado, o índio-urutau a briu o compa sso das pernas e com eçou a c orrer com toda a energia, mas acabou enredando os pés num emaranhado de cipós, indo dar de cara na re lva. Então, antes q ue pudesse er guer-se, a treva finalme nte alcanç ou-o. O índio deu um grito e c obriu a c abeç a c om os braç os. Quando destapou-se, porém, foi com um par de asas que o fez. Também um bico enorm e havia cr escido no lugar da boca, e um par de olhos am arelos e arre galados dava agora à sua ca ra um ar perm anente de e spanto. E foi desde este dia que o urutau deixou de ser um índio para converter-se na a ve noturna que hoj e se conhece . De noite, o urutau grita, e durante o dia não faz outra c oisa senão estar e mpoleirado num ga lho e a com panhar, de olh os
arr egalados, a m arc ha do sol pelos céus.
O G AVIÃO E O DILÚVIO
Havia, num tempo antigo, dois irmãos caçadores da tribo dos tembés. Certa feita, decidi ram subir num a á rvore pa ra pegar o ninho do gavião Uiruuet ê. Depois de improvisarem uma escada de varas, chamada mutá, o mais velho prontificou-se a subir. E o fez. Embaixo ficaram sua esposa e o irmão mais novo. De repente, a lgo ca iu do alto e foi enroscar-se nos cabelos do irm ão que ficara e mbaixo. – Deixe que eu desenrosco – disse a esposa do índio que havia subido. Com dedos hábeis, a bela índia pôs-se a vasculhar o cabelo do cunhado. Ao ver tudo isso lá de c ima , o irm ão m ais velho ficou cheio de ciúme . – Estou tonto, suba você! – disse ele ao irmão, descendo. Os dois trocaram de lugar. O irmão mais novo subiu, enquanto o outro, já no chão, cortava a s cordas que uni am os degra us da esca da, desconjunt ando-a toda. Depois, toma ndo a esposa pelo braço, ar rastou-a par a casa, deixando o ovem dependurado no al to, sem meios de desce r outra vez. O j ovem gritou, ma s o irm ão m ais velho deixou-o entregue à própria sorte. – Esta você há de m e pagar! – disse ele, brandindo o punho, lá do alto. Então, sem ter mais nada para fazer, decidiu vasculhar o ninho do gavião. – Há apenas um filhote – disse ele, ao inspecionar o espaçoso ninho. De repente, porém , chegou a esposa do Uiruuetê, agit ando as grandes a sas. Um pequeno tufão quase derrubou o índio, que ficou paralisado de medo, pois agora e ra o gavião ou o abismo. Num primeiro momento, ele preferiu arriscar com a esposa do gavião. – O que quer aqui, criatura pelada? – disse a ave, encostando o bico adunco no nariz achatado do índio. O índio confessou que tinha ido ali para pegar alguns ovos. – Pois daqui não sairá mais – disse a ave, empurrando-o com as asas para o fundo do ninho. O índio sorriu amarelo e disse que fazia muito gosto em ficar por ali. – Com gosto ou sem gosto, é assim que será – disse a esposa do Uiruuetê, atirando aos pés do í ndio o ca dáver de um macaco. – Esfole o bugio até e le ficar parecido com você. O índio começou a esfolar o macaco, mas era tão desajeitado que levou um tem pão para arra ncar a penas um pedaço do p elo. – Olhe lá! – disse a ave, de repente, apontando para o céu. – Agora você vai ver c omo se fa z! Era o Uiruuet ê chegando pelos ares com outro m acac o. O gavião m acho pousou e fincou logo seus olhos arregalados no intruso. – Por que trouxe esta comida imprestável para o nosso filhote? – disse ele à esposa. – Não sabe que a carne dessa ra ça imunda não agra da nem aos urubus? – Ele é o nosso novo esfolador – disse ela, sem se intimidar.
– O quê?! – É isso mesm o. Estou farta de pelar bugios enquanto você voa alegrem ente por aí. At é logo. Ensine-o a pelar os ma cacos que eu vou dar um a volta – disse ela, levantando voo. Uiruuetê e o índio passaram o resto do dia cobertos de pelo e de sangue coagulado enquanto o filhotinho do gavião, aos seus pés, não par ava de piar , louco de fome. – Você gostaria de tornar-se um gavião? – disse o Uiruuetê, ao fim do trabalho. – Está brincando? – disse o índio, nauseado dos pés à cabeça. – É muito melhor do que ser homem – disse o gavião. – Não gostaria de voar? O índio pensou nisso, e de pois no irm ão que o abandonara a li, e e m toda a raç a hum ana que não valia m uito mais do que o irm ão, e tomou final mente a decisão. – Muito bem , serei um gavião! No m esm o instante o Uiruuetê ergueu voo. – Espere aí, eu já volto! O índio olhou para baixo e disse a si mesm o: –Dali Quea pouco, outra coisa possoretornou fazer, sem escada? o gavião comasa umou bando de seus colegas. O índio sentiu o sangue gelar ao im aginar que estava prestes a ser transform ado não em gavião, mas no prato principal dessa espécie. Os gaviões pousaram no ninho e come çaram uma dança, a té que o índio sentiu cr esce r-lhe por to do o corpo u m manto de pe nas. Seus braç os virara m asas possantes, e suas pernas converteram-se em dois mem bros ásperos que terminavam em patas de dedos com unhas aduncas. – O que houve comigo? – disse ele, apalpando-se todo com as asas. – Você agora é um de nós! – disse, triunfante, o Uiruuetê. O índio grasnou algo que ne m mesm o os gaviões entendera m. – Agora vam os tirar a desforra do seu irm ão! O ex-índio aprovou a ideia na hora e lançou-se junto com os outros na direção da a ldeia. Quando chegou próx imo a ela, viu o irm ão pintando-se par a uma grande festa que iria acontecer na taba. Ao verem o bicho pousado, os amigos do índio alertaram-no: – Veja que enorme gavião! Acerte-o com uma flechada! O índio gabola tomou do arc o e disparou uma flecha da, m as o gavião desviou-se com notável destreza. Outra f lecha f oi arr em essada, e de novo o gavião desviou-se. Então, f arto do brinquedo, o gavião-índ io avanç ou sobre o irm ão e e nterrou as garras no seu ca belo. – Socorro! – gritou o desgraçado, ao m esmo tem po em que era suspenso no ar. Ao alcançar uma boa altitude, todos os outros gaviões lançaram-se sobre a presa, picando-o vivo em pleno ar. Uma chuva de ossos foi tudo o que retornou do índio morto à sua a ldeia natal. – Agora trate de retirar seus pais da aldeia, pois vam os atacá-la – disse o
Uiruuetê. O gavião-í ndio chegou à oca dos pais e disse para virem com ele. – Não vam os! Você converteu-se em dem ônio! – responderam . Então o gavião cresceu em tamanho e, depois de agarrar a oca com o bico, suspendeu-a nos ares. Ao vere m aquilo, os dem ais índios tentaram impedir a fuga da oc a voadora, pulando e e stendendo os braços. Os p aj és tomaram dos seus cac himbos e puseram-se a assoprar a fumaça na direção da oca, mas isto só serviu para empurrá-la longe. por entre as nuvens, uma chuvarada Assimainda que amais oca para desapareceu equivalente a dez rios Tocantins sendo despejados do alto começou a desabar sobre a aldeia, submergindo tudo em minutos. Alguns, porém , conseguiram esca par, e scalando p alm eiras. Durante vários dias, imersos em trevas, eles l ança ram coquinhos sobre as á guas para ver se elas haviam baixado, mas o ruído soava sempre próximo. Então, começaram a cham ar-se uns aos o utros, para ver se ainda viviam , e tanto gritaram que o seu vozerio rouco a cabou por transform á-los em sapos. A lenda não especifica se todos os índios sobreviventes se transformaram em sapos, ma s devem os crer que não, poi s doutra f orm a os tem bés, hoje, seriam todos habitantes dos rios.
A CONVERSÃO DE AUKÊ
Aukê é um personagem da tribo Krahó, das margens do rio Tocantins. Mesmo antes de nascer , esse ser si ngular j á a ndava apront ando por aí, com o verem os agora. É que ele não queria nasce r de j eito nenhum. Assim, os meses da gest ação se passavam , e e le pe rm anec ia escondido no ventre da m ãe . Só à noite é que e le dava uma saidinha para ver com o era o m undo, transfo rm ado numa pre á ou numa mas logo ao amanhecer retornava ligeirinho para a sua morada naturalpaca, e aconchegante. Até que um dia não teve mais jeito, e o pequeno Aukê foi obrigado a fazer a sua e ntrada oficial no mundo. Todos o achara m um belo menino, ma s ele cre scia muito rapidam ente. Além disso, tinha o dom realm ente im pressionante de ficar igualzinho a todos os que dele se aproximassem. Assim, ce rta fe ita, a o rec eber a visita do m em bro m ais velho da a ldeia, um velhote de c ostas encurvadas, o m oleque transform ou-se instantaneam ente num ancião igualzinho a ele. – Como vai o nosso menino? – disse ele, gengivando. – Seu velho sujo! – respondeu o moleque, que tinha virado outro velho sujo. Quandoente o velho chegou homenomrost branco, de barba naaté c ara Instantaneam um asaiu, barba preta um c resceu o do indiozinho e le .ficar com a c ara idêntica do homem branco. Só quando corria par a os braços da m ãe é que Aukê voltava a ser um indiozinho normal, pequeno e pra lá de moleque. Essas m etam orfoses, porém , enchiam de terror a aldeia inteira, e logo trataram de enxergar no menino uma encarnação qualquer de Anhangá, ou o Diabo dos homens brancos. Então, quando o m edo e stava bem entranhado, pas sou-se e sta conversa entre o pai e o avô de Aukê, dois índios muito m alvados: – Que faremos com esta cria de Jurupari? – disse o pai. – Só resto de pó.há um jeito – disse o avô, assoprando a m ão como quem sopra um Para quem não entendeu, eles tramavam a morte do menino. Assim, na manhã seguinte, o avô a vistou Aukê brincando no bar ro e lhe disse, com o quem concede o m ais alto privilégio da Terr a: – Venha, m eu netinho! Venha passear na mata com o vovô! Aukê levantou-se e seguiu-o. De sta vez, o peque no Aukê, por algum a razão que só as lendas expl ica m, não se transform ou numa c riatura igual ao avô. Os dois cam inhara m mata adent ro até chegare m próximo a um abismo. – Olhe só como é belo e profundo! – disse o velho, conduzindo o menino até a beira. Aukê olhou superf icialme nte, só par a satisfazer o a vô, pois não achava graç a a lguma naquilo. Neste instante, o velho em purrou o guri e voltou trotando para a aldeia. Felizmente, nem bem começara a cair, o garoto transformou-se numa
folha seca e foi descendo de mansinho até pousar, são e salvo, no solo. No mesmo dia, Aukê voltou para casa como se nada tivesse acontecido. Ao vê-lo, o avô correu p ara abraç á-lo. – Meu netinho! Pensei que tivesse caído e morrido! Todos nós lamentávamos o desastre! A tribo inteira estava c onsternada, si m, m as e ra por ter o m enino de volta. No dia seguinte, o avô levou Aukê para um novo passeio na mata. Ao chegar nasgrande. brenhas, o velho mandou o netinho juntar m adeira e fazer uma fogueiraembem – Fogueira pra quê? – perguntou o menino, torcendo a boca. – Vamos moquear um a carne! O gar oto ficou olhando desconfiado para o velho. Moquear c arne par a que, se o avô não ti nha m ais nenhum dente na boca? O fa to é que, quando a f ogueira estava bem alta e c repitante, o velh o chegou pelas cost as de Aukê e em purrou-o para dentro das labare das. Desta vez, não houve prodígio algum: o guri entrou nas chamas e não saiu mais. A partir o lugar onde Aukêamorrera se tornou de de maldição, e asdaquele pessoasdia, só iam lá em grupos, fim de saciare m alugar sua sede morbidez. Num a dessas excursões, os visitantes deram de cara com uma casinha erguida no lugar onde arde ra a f ogueira. Ha via alguém lá dentro, pois ecoava voz de gente. Assustados, os indígenas voltaram correndo para a aldeia. – Aukê ressuscitou e está morando numa casa! – disse um dos fugitivos. – Onde? – gritou o avô. Um segundo índio, que nã o rec onhecera o velho, esclarec eu: – Lá adiante, onde o avô m alvado queimou vivo o neto. Todos reuniram coragem e voltaram ao lugar. De fato, lá estava a casa, e, ao seu redor, uma grande plantação. De dentro da casa surgiu Aukê, um índio adulto, agora. El e estava c asado com uma índia e am bos passavam muito bem . – Vovô, como está? – disse Aukê, ao reconhecer o velho. Em sua voz não havia o m enor sinal de ra ncor. – Pode entrar sem susto, meu avô, pois não guardo rancor algum. Torneime cristão. O velho ficou desconfiado. Então Aukê levou todos até a beira do rio, para lhes contar uma parábola. Depois que se tornara cristão, ele apre ndera a pregar moral e ac hou que aquela era uma excelente ocasião para isso. Aukê tomou uma pedra e lançou-a à á gua. – Viram como ela vai ao fundo ao cair? Todos balançaram obedientem ente a ca beça. – Assim será a alma de vocês quando m orrerem . Cairá no poço da morte e
não subirá nunca ao c éu. Todos engoliram em seco. Aukê tomou outra pedra, e nvolveu-a numa folha sec a e arremessou-a tam bém na água. A pedra tam bém foi ao fundo, mas a folha dest acou-se e subiu ligeiro à tona. – Aquela folha é a m inha alma. A pedra é o corpo que desce à sepultura, mas a a lma c ristã sobe ime diatame nte a o céu. Depois da pregação, os índios foram levados de volta para a casa de Aukê. Todos dera m graç as a Tupã que o castespingardas, igo se limitara a umapólvora. ameaçaÀvaga. presenteou-os ricamente, dando-lhes facões, sua mAukê ãe ele deu um caldeirão. De pois, despediu-se de todos, fazendo-lhes o sinal da c ruz. – Voltem sem pre que quiserem, meus irm ãos em Cristo, e que Deus os abençoe!
KOIERÉ, O MACHADO CANTANTE
Os índios krahós, do rio Tocantins, possuíam outrora um machado m ágico cham ado koieré . Sua lâmina era feita de pedra, em form ato de â ncora, e e le e ra usado tanto na guer ra quanto nas cerimônias re ligiosas da tribo. Os krahós viviam em guerra com seus vizinhos. O seu maior desafeto eram os krolkametrás, uma tribo rival. Certa fe ita, a s duas tribos estavam se e nfrentando , quando um a flechada certeira bateueooportador dopara ma chado c antante. O valente guerre iro krahó caiu para umalado, machado, o outro. Como um raio, o ma tador correu e apoderou-se da a rm a. – Agora o koieré pertence aos krolkam etrás! – urrou ele, brandindo no ar o machado. Finda a matança, todos voltaram satisfeitos para as suas casas, cada lado levando os inimigos mortos para serem assados nas grelhas. Mas quem ia fe liz mesm o era o novo portador do koieré , que er a c asado com uma bela índia. Antes mesmo de chegar em casa, decidiu que, agora que se tornara um personagem importante da aldeia, deveria arrumar coisa ainda melhor do que a sua bela índia. NãoNadem orou porém, m uito, acabou apareceu uma candidata, e o índio se m udouempara a oca dela. pressa, esquecendo o machado dependurado cima da sua rede. Dura nte a noite, a índia abandonada escutou por entre os interva los dos seus soluços o m achado falar- lhe: – Mam ãe, vam os passear! Índias são m uito maternais. Por a lgum motivo, o ma chado passara a cham á-la de m am ãe, e bastara isso para ela ficar enterneci da com o obje to. Toma ndo-o nos braç os, ela saiu porta afora para passear. Durante a noite inteira a índia enj eitada em brenhou-se pelas m atas, enquanto o ma chado lhe e nsinava todas as cançõe s de a mor e de guerra dos krahós.Logo, toda a aldeia ficou sabendo do caso, e a notícia se espalhou, chegando à a ldeia dos krahós. Então, o irm ão do prim itivo dono do machado decidiu re cuperá -lo. A esta a ltura, o novo dono já ha via retoma do o obje to e foi com r aiva que rec ebeu a visita do em issário. – De forma algum a o restituirei! – bradou ele. Mas o cacique da tribo disse que havia regras que o obrigavam a restituir o objeto aos inimigos. – Anhangá e maldição! – rosnou o novo dono. – Pois saibam que só o restituirei àquel e que m e ve ncer na c orrida de toras! torasuma era uma índios disputavam atravesCorrida sada à sde costas tora competição de m adeira que de ceosrca de um metro detendo comprimento. – Quem me vencer poderá não só levar de volta o m achado com o me matar e com er a carne do me u corpo! – disse o desafiant e, seguríssimo.
O emissário retornou aos krahós e repetiu ao pretendente o desafio. – Corrida de toras nenhum a! – disse este. – Vamos reaver o koieré à força! Então os krahós arm ara m-se de flechas e porret es e rum ara m para a aldeia dos krolkametrás, prontos para mais uma bela dança das flechas. Quando chegar am à divisa da aldeia inimiga, fora m lançados ao ar os brados de guerra das duas tribos valorosas, e as flechas assoviaram de novo, para valer. Mas quem mais trabalhou foi, com o sem pre, o m ac hado má gico, que não parou de ca ntar um segundo enquanto levava adiante a sua obra guerr eira de c eifar vidas, desta vez asAdos seus antigos ce krahós, rta altura, porém , o donos. novo dono do ma chado viu-se ce rcado por algumas dezenas de a dversários e não teve a lternativa senão corr er com machado e tudo. Não sabem os que espécie de c ançã o o ma chado entoou na fuga, m as o fa to é que, ao enfiar o pé num buraco de tatu, o krolkam etrá foi ao chão e pe rdeu, além do ma chado, a própri a vida, estraça lhado pelas lança s adversárias. E foi assim que o koieré voltou à tribo dos índios krahós.
POR Q UE ONÇA NÃO G OSTA DE G ENTE
Os índios kay após explicam da seguinte maneira a razão de a onça de testar gente. Tudo com eçou quando um índio viu-se a bandonado no alto de um ninho de ara ras. Ele subira lá para pegar alguns ovos, m as term inara abandonado p elo irmão depois de, por descuido, ter-lhe jogado pedras em vez dos ovos. O tem po passou, e o índio, que se c ham ava Botoque, j á estava quase m orto de fome quandum o uma onçapara apare ceu. – disse a pintada, ao ver o índio sozinho lá – Quer a ajuda descer? no alto. Apesar de esfom eado, o índio achou m elhor não ir na c onversa da onça. – Não, obrigado. Você quer é me com er! A onça jurou que não o faria. Depois de m uita negociaçã o, Botoque finalm ente desce u, e a onça, c aso raro em episódios desta natureza, nada fez para comer o índio. Em vez disso, deixou que ele montasse nas suas costas. – Vamos para a m inha casa. Lá tem carne assada à vontade! Botoque, m ais m orto do que vivo, foi sacolej ando de br uços nas costas da onça até a ca sa onde ela mcontudo, orava. não gostou de Botoque. Am ulher da onça, – Qual Botoque! – disse ela, antipatizando logo com o forasteiro. Depois, voltando-se pa ra o esposo, alertou-o: – Deixe de ser ingênuo, que eu conheço essa gente! Essa é um a raça mofina e ingrata! Mas a onça fez ouvidos moucos e instalou o índio na casa e mandou-o servir-se à vontade da ca rne a ssada que a bundava por cim a das grelhas. Botoque, que nunca tinha visto carne assada, adorou. Na verdade, a sua gente nã o conhecia sequer o f ogo, e f oi com grande e spanto que e le viu a onça acendê-lo num tronco de jatobá. E a mulher pre recolha lamque ando. – Deixa de sem ser bobo, essa raça é traiçoeira! Então, no dia seguinte, quando a onça saiu para caça r outra vez, a f êm ea começou a azucrinar o índio, tratando-o da pior maneira possível, obrigando-o a esconder-se a té a volta da onça. Quando o f elino voltou, resolveu e nsinar ao a filhado o uso do ar co. – Olha só! – exclam ou a fêmea, levando as duas mãos à cabeça. – Ficou louco de vez? Mas a onça gostava ca da vez ma is da c ompanhia do j ovem , e e nsinou-lhe todas as artes do arco com tamanho gosto que logo Botoque tornou-se quase tão hábil quanto o seu mestre. Então, quando a m ulhernão da teve onçadúvi c ome peressou segui-lo ausência do espos o, Botoque da çou e arra em umnovam a flechaente, da na certeira no pei to dela, ma tando-a na hora. Depois disso, Botoque fugiu, não sem antes levar um farnel inteiro com a carne assada da grelha. Ao chega r na sua aldeia, cont ou tudo quanto se passara
no covil da onça . – Ela sabe m anej ar o fogo e assar carne com o ninguém! A boca dos índios encheu-se de água, e todos pediram a Botoque que os levasse a té lá. – Nós precisamos do fogo! – disse o cacique. Então eles re tornara m às pressas à ca sa da onça. Co mo ela ainda devi a demorar, os índios puseram-se a recolher toda a carne assada, além de assarem as que ainda e stavam cruas e gotej antes de sangue. Depoi s, ensacaram tudo e não deixara nada a onça. Mas ompior foipara terem carre gado consigo o tronco de j atobá onde a onça costuma va a cender o seu f ogo, não deixand o nada ali senão, por descuid o, uma pequena brasinha, que o pássaro azulão recolheu com o bico para levar ao seu ninho a fim de e squentá- lo nas noites fr ias de inverno. Quando a noite caiu, a onça finalmente retornou e descobriu que não havia car ne nem fogo, e que a sua m ulher est ava m orta, varada por uma flecha. – Pobre esposa, você estava certa: essa raça é m ofina m esmo! – disse ele, envergonhado. Desde então, de tanto desgosto, a onça ficou sem fogo algum, e um brilho amarelo nas suas pupilas foi tudo quanto dele restou. Desaprendeu, também, as artes d o arc eo as e dasuas flecgarras ha, dede t alunhas m odolongas que suas arm as passaram a ser apenas as suas presas e aduncas.
O SAP O E A ONÇA
Esta lenda vem da tribo Kay apó e é um exem plar prim itivo da espécie “a união fa z a força ”. Tudo com eçou quando, ce rto dia, a onça encontrou o sapo num char co, tam bém cham ado no Brasil de igapó. A on ça estava furios a de sde que lhe haviam roubado o fogo e não queria conversa c om ninguém , muito m enos com um r eles sapo. –A Bom dona onça – disse o sapo. onça dia, e stava com muita raiva, di sposta a aboca nhar qualquer um que se atravessasse no seu caminho, e só não engoliu o sapo por achá-lo muito asqueroso. – Como ousa dirigir a palavra a m im, ser repugnante e desprezível? – rosnou ela. – Meu amigo, tudo é questão de opinião – respondeu o sapo, fleumaticamente. – As sapinhas não me acham nada repugnante, e não conheço ninguém que m e despreze. – Pois eu o desprezo! – Por favor, não banque a tola. Se m e desprezasse, não estaria aí me ofendendo. Diante disso, a onça ficou ainda mais furiosa. – Desprezível, sim! Quem olha para você com respeito? Ninguém ! – Todos me respeitam . Meu grito, por exem plo, é o que infunde mais terror em toda a florest a. Pe la prime ira vez desde que lhe havi am surrupiado o fogo, a onça arreganhou os dentes sem ser de raiva e despejou uma gargalhada. – Ria e o mundo rirá contigo – disse o sapo, superiorm ente. – Quer dizer que o seu rugido é o m ais apavorante da floresta? – disse a onça, após recuper ar o fôlego. – Pois esta e u pago para ver ! Então a onça trepou nu ma pedra e lançou aos are s o seu urro m ais tétrico e desafiador. Instantaneam ente, uma algazarra de coisas fugindo por terr a, cé u e á gua agitou a floresta. Foi tamanha a balbúrdia que, durante cerca de cinco minutos, só se escutou o eco horre ndo da fe ra e da s criaturas se a tropelando na fuga. Somente quando o último eco do seu grito se desfez no ar a onça desceu lentam ente do seu pedest al de glória. Sua cabeça estava erguida, e um brilho insuportável de soberba fazia com que suas pupilas amarelas cuspissem faíscas de regozijo. Então foi a vez de o sapo demonstrar o poder da sua voz. Depois que a onça abandonara o seu posto, o sapo galgou num pulo a pedra, encarapitando-se no topo. bem , agora o urro do sapo! – anunciou ele, como um mestre balofo–deMuito cerimônias. O ruído do riso da onç a obrigou o sapo a aguardar alguns instantes. Somente qua ndo tudo fez silêncio outra vez foi que o sapo e ncheu bem o papo até torná-lo translúcido e a rre messou, finalm ente, o seu coaxa r rouco de sapo.
Então, aconteceu uma espécie de reverberação total, como se alguém houvesse espalhado pela selva int eira milhare s de c aixas de som am plificada s ao máximo. As árvore s tremeram desde as ra ízes até a s folhas, enquanto o solo chacoalhava. Inca paz de suportar a zoeira terr ificante, a onça levou as duas patas às orelhas, tentando suportar dignamente aquele coaxar colossal. Mas, quando viu que não podia mais suportar, atirou tudo para cima e tratou de dar no pé. – Ei, espere! – gritou o sapo do alto da pedra. – Quer apostar como sou tam bém veloz? Masmais a onça já não escutava mais nada, desaparecida que estava nas brenhas da mata. Só então o sapo lançou u m segundo coaxar, que f oi a ordem expressa par a cessarem todos os outros, já que, na verdade, não só ele havia gritado, mas todos os sapos e a ssem elhados da florest a, tais como a s jias, as rãs, as pere recas, os cururus e o restante da valorosa dinastia dos seres coaxantes. Diz a lenda que, durante a fuga, a onça a cabou perde ndo um olho num graveto – um de talhe m órbido que não tem a m enor importânci a par a o desfec ho deste c onto, ma s que tem para o com eço do seguinte, no qual verem os elucidarse um surpree ndente enigma da nossa fauna.
AS PERNA S CUR TAS DO TAM AND UÁ ou POR Q UE ONÇA N ÃO G OSTA DE TAM ANDUÁ
Se alguém sempre teve a curiosidade em saber por que o tamanduá tem as pernas curtas, é chegada a hora de m atá-la, pois os índios kay após, desde sempre, sabem perfeit am ente a razão. Estes senhores descobri ram que, em priscas e ras, o tam anduá possuía pernas tão longas quanto as da garça. Ninguém na m ata, nem mesm o o coelho, podia vencer o tamanduá num a corrida. Além das pernas com pridas, ele possuía tam bém um gênio perverso, frut o talvez da sua vaidade. Foi este defeito que o fez praticar o ato perverso que dá início, de verdade , a esta narra tiva. Diz-se, pois, que, a o fugir dos rugidos assustadore s de um sapo – ou, a ntes, de um exército de sapos, mas que ela imaginava ser apenas um –, a onça acabou perdendo um dos seus olhos, ao roçá-lo num galho. Caolha e assustada, ela foi surgir a alguns quilômetros de onde sa íra. – Ai, ai! Humilhada e sem um olho! – queixava-se ela, quando o tamanduá a escutou. – O que houve, dona onça? – disse ele, espichando o seu narigão enxerido. – Como “o que houve”? Não está vendo? Perdi um dos meus ricos olhos! – Não se preocupe – disse o tamanduá, assumindo um ar professoral. – Vou re stituí-lo para você. A onça sabia perfeitamente que o tamanduá não era médico nem tinha dom sobrenatural alg um. Nã o havia qualquer com entário em toda a selva que pudesse levá-la a crer nisso. – O tam anduá não passa de um patusco – diziam todas as vozes. Acontece que o desespero faz crescer a esperança até nas pedras, e foi com este sentime nto desatinado que a onça se entregou às artes m édicas do tamanduá. – Por favor, devolva m eu olho e lhe serei eternam ente grata! – disse a felina, e fez muitíssimo mal em dizer, pois qualquer um nas matas sabe que gratidão não é coisa de onça. Sem perturbar-se, o tam anduá espi chou as suas unhas e m pinça e orde nou: – Feche o olho são – falou ele. – Quando acordar, terá outra vez os seus dois olhos. A onça fechou os olhos, expectante, e sentiu uma dor aguda na órbita cheia. Quando abriu-a, novamente, não tinha mais olho algum. Nesse ponto, entra em cena o azulão, aquela mesm a ave que ficara com o último tição de fogo arrebatado à onça por um índio ingrato (ver o conto “Por
que onça não gost a de gente” ). O a zulão sem pre f ora a migo da onça, e por isso, penalizado, decidiu fazer algo para ajudar a bichana. Ligeirinho, o azulão saiu voando por tudo e descobriu os dois olhos perdidos. (O tam anduá, depois de ter cegado a onça, tratara de dar no pé.) De pois, retornou até a felina e disse: – Fique quieta, vou recolocar os seus olhos. – Oh, azulão querido! Serei eternam ente grata a você! – choramingou a onça. Num derealtíssima azulão reintroduziu dois olhos da onçatrabalho em suas spectivasprecisão órbitas, cirúrgica, colando-oso com uma resina de áosrvore. – Pronto, aí está! – disse o azulão. A onça abriu os olhos e viu tudo claro outra vez, inclusive a avezinha, que á estava trepada no topo de um galho altíssimo (pois ela não era boba nem nada). – Agora aquele canalha do tam anduá m e paga! – rugiu a onça, disparando atrás do seu m alfeitor. O tamanduá corria feito um pé de vento, mas a onça, mesmo estando muito atrá s, não desistia, e tanto perseguiu o inimigo que este a cabou cansa ndo. – O j eito é m e esconder neste buraco de tatu! – disse ele, arfante, se enfiando no chão. Miséria era que o buraco fosse infinitamente menor que ele, e por isso suas pernas compridas acabaram ficando de fora. Quando a onça chegou, foi uma festa. – Estas pernas m e pertencem ! – disse ela, e num salto abocanhou e cortou pela metade as pernas do tam anduá. Depois disso, o tamanduá passou a andar com aquelas pernas curtas que todo mundo con hece . Mas, em com pensaçã o, aca bou desenvolvendo os braços, e é c om o seu fam oso “abraç o de tam anduá” que e sse valoroso ma mífero se defende, desde então, da onça e dos seus inimigos.
COMO SURGIRAM AS DOENÇAS
Os índios umutinas explicam o surgimento das doenças como uma solução para evitar a superpopulação das aldeias. Naqueles dias antigos, os velhos não morriam de coisa alguma, nem ficavam doentes, nem perdiam os dentes. Como tinham todos os dentes na boca e um apetite de leão, comiam o dia todo sem produzir nada, tirando o alimento até das crianças. Certa feita, três homens decidiram encontrar um a solução para o problem a (sem se darem contaentão, de que um uma dia e visita les tamà bém tratados como um em e problem a). Foram, fazer Lua, seriam que entre os índios é hom se chama Hári. – Que solução você tem para que não acabe faltando com ida para todos? – disse um dos três futuros velhos. Hári, que er a tam bém um feitice iro, coçou a ca beça e disse: – Infelizmente não posso aj udar. Procurem Mini. Mini era o Sol. Os três índios foram para a casa dele. Depois de muito caminhar, che gara m, afinal, ao seu destino. – Bom dia, Mini. Dê-nos o veneno mais forte que tiver em seu herbanário. O Sol ergueu as sobrancelhas. –– Veneno para Queremos umquê? veneno para acabar com os velhos da nossa aldeia. – Vocês estão loucos? – Não, não estamos. É preciso fazer isso ou nossa aldeia inteira morrerá de fome. Então o Sol reconsiderou e trouxe da sua sala de moléstias uma flecha mágica. Junto com ela vinham várias doença s. Os índios escutara m atentam ente e pa receram satisfeitos. – Mas, cuidado – alertou o Sol. – Só atirem a flecha depois de se esconderem atrás de um a á rvore, pois ela costuma voltar para atingir o seu arremessador. sempreeles acontece, o aviso entrou por um pelo outro. Como Tudo quanto pensavam era fatal em dar um jeito nosouvido velhos edasaiu tribo. Os três índios andaram e a ndara m até chegare m, enfim, à a ldeia. – Vamos experim entar esta flecha de um a vez! – disse um dos três. Após tomar do arc o, o arqueiro fez p ontaria em um velho que estava sentado em baixo de uma árvore desde o raiar do d ia com endo ma ndioca e milho verde. Antes de suspender o arc o, o arqueiro escol heu um a doença . Então a flecha não tardou a voar direto no velho. Ela varou o ventre dele e retornou na direção do arqueiro, que só não foi atingido porque lembrou, no último instante, do aviso do Sol. Osotrês ficar am çou escondidos para vere ao cabou ef eito morre da seta. EmE menos detrês m eio minuto, velho come a se sentir m al ndo. assim os índios saíra m escondidos pela aldeia, da ndo flecha das nos velhos. Então, ce rto dia, outro índio resolveu pedir e mprestada a flecha mágica para caçar animais.
Na pressa, os três índios esqueceram de avisar a ele sobre o vai e volta da flecha, e o caçador partiu alegremente, sem desconfiar do perigo. No m esm o dia m eteu-se na selva e procurou a m elhor caça que pôde. – Tem de ser um bicho daqueles! – disse a si mesmo, enquanto espreitava. Não dem orou m uito e surgiu um veado enorm e, m aior do que um cavalo. O índio assestou a flecha e soltou a corda. A seta foi até o veado, cumpriu com o seu papel de abatê-lo e retornou até o arqueiro. Como este estava desavisado da volta, em vez de esconder-se a trás de um a árvore, ficou p arado no mesm o lugar, rec ebendo a flec hada da vol ta bem no me io do peito.
COMO SURGIRAM AS ESTRELAS
Tudo com eçou quando um grupo de m ulhere s andava na floresta so cando milho para fazer pães e bolos para os seus m aridos, que e stavam na c aça. Um indiozinho que e stava por ali surrupiou da mãe boa pa rte do m ilho e fugiu, escondido. Ao chegar em casa, pediu à avó que pre para sse um pão de m ilho para ele e seus amiguinhos. O bolo foi sovado e assado , e as cr ianças com eram até se fa rtar! De pois, com medo de serem punidos, resolvera m cortar a língua da vó para que ela não pudesse denunciá-los. Em seguida, fugiram para a m ata, onde a marraram uns nos outros todos os cipós que encontraram pendurados nas árvore s. – Chamem o colibri! – gritou um deles. O colibri surgiu, peque nino, batendo as a sas. – Tome esta ponta no bico e suba até o m ais alto céu! – ordenou o garoto. A avezinha tomou a ponta do c ipó gigante e subiu até sum ir nas nuvens. Im ediatam ente, os indiozinhos com eçaram a subir pe la corda, enquanto o colibri a sustentava do alto. Neste meio-tem po, as m ães já tinham chegado à taba e descoberto o que tinha acontecido. Ao olharem para longe, avistaram os meninos subindo aos céus pelo cipó. Juntas, corre ram para a m ata pedindo a eles que desce ssem , pois tem iam que c aíssem. Ao verem que e les não d esceriam jam ais, as mulh ere s pusera m-se a subir pelo mesmo cipó. De r epente, um som pavoroso ec oou nos céus e a c orda ca iu, trazendo unto todas as mães. Antes, porém, de chegarem ao chão, elas transformaram-se em fer as, e foi assim que passaram a viver sobre a terra. Os indiozinhos, por sua vez, com o já e stavam no céu, não cons eguiram mais voltar. Desde então são obrigados, com seus olhinhos brilhantes, a assistir lá de c ima o desfile per pétuo das mã es convertidas em anima is ferozes.
O BATISMO DAS ESTRELAS
Como na maioria das lendas indígenas, tudo se passa num clima meio de sonho: num passe de mágica, ar raias se tornam jatobás, e de j atobás se tornam estrelas. Diz-se, pois, que c erta fe ita um índio foi pesca r com seu filho. Os dois estavam vasculhando as águas de um rio quando o garoto gritou: – Veja, papai, um a arraia! O pai avistou o bicho e, após fazer rápida pontaria, lançou a flecha. – Pimba! – gritou o menino, pulando de alegria. – Vamos assá-la, papai! Estou com muita fom e! O pai ma ndou-o, então, ac ender um a fogueira, enquant o enrolava a arraia numas folhas. Depois de ajeitá-la bem no pequeno forno improvisado, o índio retornou ao rio. – Vou ver se pesco mais alguma coisa – disse ele, enquanto o indiozinho vigiava o assado. Um tem po se pa ssou (não m uito) a té que o garoto b errou: – Papai, a arraia j á assou! Mas o índio sabia que era cedo demais. – Não! É preciso esperar m uito mais! Dali a pouco (bem pouquinho mesmo), o menino de novo: – Papai, a arraia j á assou! – Assou nada! Espera mais um pouco! Mas o menino tanto incomodou, louco de fome que estava, que o índio apareceu com cara de poucos amigos. Depois de retirar a arraia do seu invólucro, constatou que, de fato, ela ainda estava crua. – Está vendo? Coma-a crua, agora! O atiroucomeçou a a rraia longe sozinho para ca sa. O índio indiozinho a gritare voltou e a chorar. No mesmo instante, gritos assustadores e xplodiram por toda a mata, e nchendo-o de terror. Então, sentindo-se indefeso, abraç ou-se a um pé de jatobá e gritou: – Jatobá, m eu avô, sobe comigo! O pé, que e ra pequeno, com eçou a c rescer com o o pé de feijã o do João, levando c onsigo o m enino. Quando estava altíssimo, tão alto que o ga roto podia tocar o c éu, o ja tobá parou de cre scer. Só que a gritaria da f loresta não ce ssara. Quem a prom ovia eram uns espíritos cham ados Kogai, que estavam sem pre a o redor do j atobá. noi te desceu, e, um a a uma, a s Cada estrelas çar aam a surgir c omo pirilamEntão, pos aoa redor do m enino empoleirado. vezcome que um surgia, escutavase dos espíritos algo parecido com um assovio, que é a maneira de estes entes se comunicarem. Quando a primeira estrela surgiu, o assobio lhe disse o seu nome, e depois
foi dizendo o nom e de todas a s outras, inclusive da s constelaç ões. – A Constelação Akiri! As Pequenas Garças! A Tartaruga da Água! Os Rastros da Em a! O gar oto ia retendo na m em ória ca da um dos nome s, e passou toda a noite nesse brinquedo, até que a aurora surgiu. Então, o manto negro da noite foi recolhido rapidam ente pa ra as prof undezas do horizonte, leva ndo consigo todas as suas j oias e os seus adornos. As vozes cessar am , e o ga roto, sentindo-se só e infe liz naquela vastidão sem estrelas, jatobá queindo descesse A árvore obedeceu, que eo garoto pulou,pediu feliz, ao para o chão, levar com à suaele. aldeia o conhecimento adquirira durante toda a noite.
A PESCARIA DAS MULHERES
Esta lenda, um a ver dadeira f arsa silvícola, tam bém é dos bororos e na rra uma divertida disputa entre hom ens e mulhere s. Tudo começou quando os homens, perdendo a sorte ou a habilidade na pesca, com eçaram a retornar, todos os dias, de m ãos abanando do rio. Aquilo já virara rotina, e e ra sob o olhar de ce nsura da s mulheres da a ldeia que e les chegavam de ca beça baixa e sam burá vazio. – Aí desaprendera está, nada de m peixe, outra vez! – disse uma índia velha. – O que houve, seus tolos, a pe scar? Os homens não sabiam o que dizer, m as tanto desaforo escutara m que um dia o ca cique resolveu desafiá- las. – Vocês falam , falam , mas não seriam capazes de pescar nem um lam bari morto! Então a s mulhere s, despeitadas, re solveram mostrar do quanto era m capazes. Toma ndo os arc os das m ãos dos esposos, elas parti ram para dentro da mata, sob o riso geral. Ao chegarem à beira do ri o, elas co meça ram a c ham ar pelas l ontras. – Venham , lontras am igas, precisamos da sua aj uda! As lontras apare cer amdeepeixes f oram que rapidam ente informadas de tud – Tragam o máximo puderem! – disse a líder daso.m ulheres. Ignora-se que e spécie de trato foi fixado entre a s mulheres e as lontras, mas o fat o é que a s lontras m ergulharam nas águas e come çar am a c aça r todos os peixes, atirando-os para a m argem . Foi uma verdadeira chuva de pe ixes, que as mulheres aparavam nos samburás até eles transbordarem. Quando o dia estava term inando elas retornar am , enfim, para a aldeia. Home m algum foi capaz de a creditar no que seus olhos viam . – Vejam , os sam burás transbordam! – Sim, e que peixões! No dia seguinte, os hom ens regressaram ao rio, certos de que a m aré virara Mas e de retornaram, que e les tammais bémuma seriam encherem -se de pei xes. vez,cadepazes mãosdeabanando. – Dá cá isto! – disse a líder das m ulheres, tomando novam ente o arco. As mulheres vol taram ao rio, celebrar am novo pacto com as lontras e, no fim do dia, retornaram com tantos peixes que todos os moquéns da aldeia tiveram de ser acesos para evitar que toda aquela carne acabasse se estragando. – Precisamos descobrir o que elas fazem para arranjar tanto peixe! – disse o cacique. O velho morubi xaba tem ia, acim a de tudo, que a s mulhere s voltassem a com andar os destinos da taba , tal com o se dizia ter acontecido nos velhos dias de opressão f em inina. – Elas sãoum espertas e não permespiá-las, item que mas nos aproximem os enquanto pescam – disse índio que tentou acabou atingido por um a flecha no pé. Então o paj é, senhor dos s egre dos da m ata, foi incum bido de e ncontrar uma solução. Depois de ingerir uma puçanga de e rvas e e ntoar ver sos má gicos,
ele vidrou os olhos e disse, num tom cavernoso: – Chamem a quituiréu! Quituiréu era uma pequena e prosaica a ve, hábil na e spionagem . – Siga as mulheres e descubra por que elas pescam com tanta facilidade – disse o mago indígena à avezinha, que sumiu logo, num pé de vento, para dentro da ma ta. No fim do dia, antes que as mulheres regressassem , a pequena ave espiã retornou. Todos os índios acocoraram-se ao redor do pajé enquanto a quituiréu cochichava cova da sua orelha marrom o grande segredo. Assimnaque o pássaro terminou de pipilar, o pajé arregalou os olhos e anunciou: – As índias trapaceiam junto com as lontras! Então o cacique se pronunciou: – Não façam nada quando elas voltarem da pesca! – Como não? – bradou alguém . – Vamos dar-lhes uma boa surra! – Nada disso – insistiu o cacique. – Façam os de conta que nada sabemos. ão dem onstrem os surpresa ne m cólera . Isso as deixará intrigadas, e é o quanto nos basta, por ora . E assim se fe z. Quando as m ulhere s retornaram de sam burás cheios , os home ns não der am a mínima e c ontinuaram em silêncio, de olhos fitos no ar ou no chão. – O que houve? – disse a índia velha. Na manhã seguinte, os homens anunciaram que iriam tentar nova pescaria. – Podem ir – disse a mulher, certa de que seria outro fracasso. – Graças a Tupã tem os peixe suficiente para as próximas trinta pesca rias fra cassadas de vocês. Mal sabiam elas, porém, que os home ns levava m consigo cordas rec obertas de visgo, uma resina grudenta. Ao chegare m na beira do rio, o quituiréu c ham ou, com sua voz fininha, a s lontras. As lontras, imaginando tratar-se outra vez das mulheres, surgiram das águas aleg rem ente. – Agora, atirem as cordas! – gritou o cacique. Os índios pularam sobre as lontras e começaram a garroteá-las uma a uma . Some nte um a e scapou, fug indo para de ntro da á gua com os olhos arr egalados do mais puro terror. – Muito bem , agora que j á dem os um jeito nesses bichos enganadores, podem os voltar para a aldeia – disse o cacique. – Não vam os pescar? – disse alguém . – Não – disse o cacique. – Antes quero ver a cara das índias quando vierem pescar e forem obrigadas a retornar de samburás vazios. No dia seguinte, as mulheres retornaram, de fato, à pescaria e, ao chamarem as suassócúmplices, viram somenterevelar a lontratodas sobrevivente emergir das águas. A coitada a muito custo conseguiu as atrocidades praticadas pelos homens no dia anterior. – Miseráveis! Eles irão pagar bem caro por isso! – bradou a índia velha. Ora, acontece que essa índia também era entendida em puçangas, e no
mesm o instante determ inou que suas am igas rec olhessem das ma tas uma fr uta chamada pequi. Essa frutinha, produto das matas brasileiras, possui numerosos espinhos que rodeiam o caroço, por debaixo da polpa. – Preparem a beberagem ! – disse a índia, e as outras passaram o resto do dia pre para ndo a poçã o venenosa. Quando o dia acabou, elas retornar am à aldeia. – Ah! Ah! Ah! Onde estão os peixes, hoje? – gritavam os homens, rindo muito. – O rio não estava– para preferim os gastar o tem po que fazendo esta bebida r evigorante di ssepeixe, a índiaentão velha, m ostrando a beber agem elas traziam em grandes cum bucas. – Passem isso para cá! – disseram eles repentinam ente, arrebatando-lhes a bebida. – Estamos loucos de sede de tanto rir! Os home ns ingeriram a bebida e não dem orou muito para c ome çar em a tossir, desesperados. Enquanto se engasgavam, grunhiam feito porcos, tentando se livrar dos espinhos encravados na garganta. E foi assim que os home ns da aldeia aca bara m se transform ando em porcos.
A CURA DA VELHICE
Os índios kadiuéus contam que havia, ce rta fe ita, um padre que tomara a resolução de curar os velhos de todas as suas doenças. – Cure-os da velhice, e os terá curado das doenças – corrigiu-lhe um dia um pajé mais astuto. Esse padre, poré m, não tinha tanto poder assim e decidiu ir procurar quem o tivesse. Era sabido entre os kadiuéus que um certo Gô-Noê no-Hôdi tinha o poder –deVou pôr procurá-lo! fim aos torm– entos da velhice. ente o santo homem, esquecido até do disse imediatam seu deus. – Ninguém sabe direito onde ele vive – respondeu o paj é. – Pois irei descobri-lo! – insistiu o padre, determinado. O padre entrou pela m ata e foi em busca do local onde diziam viver e sse ser poderoso . Enquanto andava, ia conversando com as á rvores, pois rec eber a dos céus este dom . Ao avistar um a á rvore sec a e ve lha, par ou para dirigir-lhe algumas palavras: – Como vai, m inha amiga? – Mal, muito mal! – gem eu a árvore. – Só aguardo, agora, o incêndio que há de vir na flores para m euspois diasvou se aca ! Gô-Noêno-Hôdi. Pode – Isso não háta de server assim, em barem busca de me dizer como faço para encontrá-lo? Então, a ár vore fe z o bom home m entrar e m contato com um espírito das matas, que o guiou até o e sconderij o do xam ã da floresta. Nã o havia na da a li de fabuloso, e tudo parec ia com o nas outras a ldeias. A m ulher que se a proximou do padre era do m esm o feitio das outras. – O que desej a? – disse ela. – Você não é daqui. O padre explicou que procura va o taum aturgo das m atas, e e la apontou-lhe uma c hoça. Im ediatam ente, o padre foi até lá e deu de c ara com um velh o. –– O senhor é Gô-Noêno-Hôdi? Não – respondeu o velho. – Siga adiante até chegar àquela casa. O padre foi e perguntou: – O senhor é Gô-Noêno-Hôdi? – Não, sou apenas o cabelo dele. “Há alguma brincadeira aqui!”, pensou o padre, j á irritado. O padre passou por quatro ou cinco ca sas m ais, escutando s em pre respostas parecidas. “P elo je ito esse suj eito foi deixando um pedaç o de si em cada ca sa”, pensou ele, j á convicto de que, quando encontrasse afinal Gô-Noêno-Hôdi, nada encontraria. Então a voz do espírito lhe disse que a próxima casa era a tal. – Mas cuidado! – alertou a vozinha. – Não fum e nada que ele lhe oferecer! O padre entrou e avis tou-se, finalm ente, com o ser m isterioso, e a primeira coisa que ele fe z foi lhe ofe recer o tal ca chimbo. O padre fez que não viu e começ ou a fa lar.
– Grande sábio, venho em busca de conhecimento. Gô-Noêno-Hôdi não respondeu, ma s lhe ofer eceu um cigarro de palha. A vozinha que estava abrigada na cova da orelha do padre lhe disse que tam bém não ac eitasse, e o padre tam bém fez que não ouviu esse novo oferecimento. Diante disso, o mago silvestre rendeu-se. – Parabéns, você escapou duas vezes de virar um a fera – disse ele. – O cac himbo tinha e xcrem ento de onça, e o c igarro t am bém. Então, perguntou padre o que ele – Queroo sábio um remédio paraaorejuvenescer os queria. velhos e também as árvores. O sábio olhou para dentro da sua choça e gritou: – Minha filha, traga os pentes. Então a vozinha interior gr itou ao padre que nã o a olhasse, pois doutro modo a engravidaria. A m oça entrou com os tai s pentes, m as o padre desviou os olhos para o pó do chão. – Penteie os cabelos do morto com um destes pentes, e ele voltará a viver. Mas faça isso no mesm o dia da sua m orte. O padre ia responder que não pedira um remédio para ressuscitar, mas para rejuvenescer, m as achou m elhor se calar. Decerto que, ao ressuscitar, o morto –voltaria a ser E quanto às jovem. árvores? – disse o padre. – Minha filha, traga a resina – disse o taum aturgo. A filha trouxe, e o padre colou os olhos, de novo, no chão. Qua ndo os ergueu, po rém, viu que a choça se transform ara num a casa bonita, no centro da qual havia um a m esa enorme . – Passe nela a resina – disse o m ago. O padre lambuz ou a m esa, e da m adeira com eçou a brot ar um a vegetação espessa. Dali a pouco, a mesa se converteu numa árvore que cresceu desmesuradam ente a té furar o tet o da ca sa. Agora havi a um a árvore e ncravada bem no meio do salão. o padrea picada a chou que que levava j á era hora Toma os pentes ea resina,Então ele ganhou para de forapar datir. mata, e jándo ia bem adiante quando esc utou às suas c ostas a voz da filha do bruxo. – Espere, espere! O senhor esqueceu o fumo! Pr essentindo uma c ilada, o padre aper tou o passo, sem voltar-se par a trás. A jovem, no entanto, foi mais rápida do que ele e conseguiu ir postar-se à sua frente. – Tome o seu fum o! – disse ela. O padre desceu os olhos, outra vez, para o chão, só que desta vez enxergou, por inadvertência, o dedo do pé da j ovem , e foi o que bastou para ela engravidar. O padre foi informado de que estava proibido, desde aquele instante, de deixar–osDeixem limites-m daealdeia, mas de mesmo insistiu partir. da velhice! ir! Tenho curarassim os velhos e asem árvores Diz a lenda que ele partiu, mas que, logo em seguida, morreu, tendo de retornar à aldeia m isteriosa para criar o seu filho. E lá continua a té hoje , prisioneiro perpétuo de um sonho vão.
COMO SURGIRAM OS BICHOS
Houve um tem po, segundo os índios ofay és, em que o Sol vivia de pendenga com os homens. O principal motivo era a falta de caça. Não havia bicho em parte alguma, e os hom ens reclam avam o tem po todo com o Sol para que este lhes arrumasse o que comer. O conflito evoluiu até que, certa feita, enfurecidos, os índios arremessaram todas as suas flechas contra o Sol, mas nada conseguiram, pois ele era indestrutível. Noutra ocasião, tentaram queimá-lo vivo num incêndio na mata, mas o Sol só conseguiu achar graça naquilo, pois ele já vivia nas chamas. A coisa foi assim até que, c erto dia, f arto daquilo, o Sol resolveu punir os homens. – Eles querem caça? Pois então a terão! No dia seguinte, ele convidou os homens para irem consigo à floresta. – Que haveremos de fazer lá? – disseram os índios. – Lá não tem nada para caçarmos! – Mas tem árvores carregadas de frutos muito saborosos que eu fiz nascer durante a noite – r espondeu o Sol. Os índios, que a ndavam com muita fom e, dec idiram ir ver, afinal. – Aqui está – disse o Sol, apontando-lhes uma árvore enorm e. – Essa árvore é um a j abutica beira, e dela podeis desfrutar dos frut os ma is saborosos. Os índios trepara m nos galhos e come çaram a chupar a s ja buticabas. Em poucos m inutos não havia m ais nenhuma frutinha em toda a árvore. – Onde tem mais? – perguntaram os índios, agoniados. O Sol lhes apontou uma segunda j abuticabeira. Os índios pulara m dos galhos e correram até a outra árvore, começando a escalar os seus galhos. De novo o ruído dos índios chupando as j abuticabas enc heu a floresta. Só que desta vez oa chacoalhá-lo. Sol, postado embaixo da árvore, agarrou o tronco e começou abruptamente Os índios, assustados – pois haviam subido muito alto, até o topo da árvore, para alcançarem as últimas frutinhas –, agarraram -se desesperadamente aos galhos e come ça ram a gritar. – Pare! Quer nos matar? Nesse m omento, o Sol lançou um feitiço sobre eles, e cada qual com eçou a se transform ar em um a nimal antes de desp encare m. O primeiro animal a ca ir foi uma anta. Depois veio uma cutia, e um veado, e uma paca, e uma onça, e, assim, um a série de outros anima is. Apesar de tudo, porém,sendo muitos índios ainda em conseguiram aos galhos, e estes acabaram transformados macacos. se manter presos Os ma cacos arre ganharam os dentes para o Sol, lança ndo sobre e le m il maldições. – Do que reclamam? – disse o Sol, partindo para o céu. – Não queriam
caça? Agora já há caça abundante por toda a floresta! Então um dos ma cac os, enfurecid o, desceu até a terra e c ome çou a pux ar do chão as outras árvores, que eram todas baixinhas, e logo a floresta encheu-se de árvores tão grandes quanto a jabuticabeira. Os macacos puseram-se a entrelaçar as copas das árvores, cerrando o teto da floresta com um manto verde. E foi desde essa época que o Sol viu-se impedido de entrar na floresta.
A ESCADA DE FLECHAS
Os índios kaingangs, do extremo sul do Brasil, contam uma lenda interessante acerca de uma escalada aos céus praticada por eles em dias muito antigos. Naquele tem po, as onças com iam muito mais gente do que hoj e, e os índios não a guentavam mais viver nessa apre ensão. Não se passava um dia sem que algum deles fosse comido vivo por elas ou simplesmente raptado sem deixar vestígios. Velhos e criança s era m as presas m ais comuns, mas a ve rdade é que índio nenhum podia se vangloriar de estar a salvo desses predadores vorazes. Os índios colocava m vigias nas tabas e fortifi cavam -nas com paliçadas, ma s as onças aca bavam com endo os vigias. – Chega! – disse, então, certo dia, o cacique. Depois de c onvocar o fe iticeiro-m or da aldeia, e xigiu que e le apre sentasse uma solução. – Solução boa só há uma: fugir – disse o pajé, sem mais rodeios. O ca cique e nterrou os dedos no cocar . – Fugir? Fugir para onde? De f ato, não havia lugar na terra onde a s onças não pudessem alcanç ar os homens. – Só se nos metermos debaixo d’água – disse o chefe da aldeia. – Ou subirmos aos céus – completou o paj é, muito seriam ente. O ca cique pe nsou que o paj é e stivesse brincando, mas er a ve rdade. Após toma r um a alj ava cheia de flechas, o paj é foi para um descam pado e arre messou a primeira flecha e m direç ão ao c éu. Todos os dema is encolheram se, com rec eio de que Tupã devol vesse a flecha c om um raio fulminante. Felizmente, nada disso aconteceu. Mas o mais espantoso é que a flecha ficou encravada no céu. – Acerte nela – disse o pajé, entregando o arco a outro índio, bom de pontaria. O índio mirou e acertou bem na extremidade da seta encravada, encom pridando-a. E assim fora m todos arr em essando uma flecha a pós outra, até tere m form ado uma escada que des cia do céu até a terra. – Am anhã bem cedo, subiremos todos por esta escada e iremos viver no céu, bem longe da s onças – decr etou o ca cique. Os índios voltaram à taba, a fim de se prepar arem para a escalada do di a seguinte. Quando o sol raiou, toda aesca aldeia estava aoscheia pés da flecf acilitar has, que havia se transform adojánuma da de c ipós, de edescada grausde para a subida. – Vejam , Tupã nos ajuda! – disse o pajé, e todos se animaram . Ao colocar , porém , o pé no primeiro degrau da esca da, o cac ique escutou
o rugido inequívoco de um a onça lá no topo do céu. – Será possível? – exclam ou. – Há onças também no céu? Não, nunca houvera, pelo menos até a noite anterior. Acontece que, enquanto os índios dorm iam , um c asal de onças aproxi mara-se sorra teiramente da escada e trepara nela. A questão agora nã o era mais buscar re fúgio no céu, um lugar tam bém povoado de onças, mas saber quem iria até o alto cortar a escada para que as onças não pu dessem mais desce r para a terra . Demorou um poucoaoatétopo, que cortara um casal valentes seaofereceu. Eles subiram e, ao c hegarem m de rapidam ente escada, qu e foi em bolar-se a os pés dos índios. O casal, porém, jamais pôde descer, e acredita-se que até hoje viva no céu, junto com o casal de onças.
A VITÓRIA-RÉGIA
Uma das plantas mais típicas da vegetação aquática brasileira foi assim batizada em homenagem a uma rainha inglesa. “Vitória-régia” significa “Rainha Vitória”. A m oça que de u origem à lenda, porém , era uma índia infinitam ente mais bela e simpática do que aquela rainha, e é com ela que começamos este conto. Araci era uma índia que tinha um único propósito em sua vida: o de tocar a lua. s as noites, quando surgia cémus,aisespecialm qua ndoe,estava cheiaToda e resplandecente, Aracai lua subia na á nos rvore alta que eente ncontrava na ponta dos pés do galho mais elevado, tentava, por todos os meios, tocar a face do grande a stro pratea do. Ara ci teve m uita sorte, escapando, mais de um a vez, de despenca r para a morte em suas tentativas vãs. Mas nada disso a impressionava, pois teimava, a todo pano, em tocar a lua. Então, ce rta noite, ela re solveu subir num a á rvore que f icava na beira de um rio. Ao escalar o último galho, Araci viu a lua refletida nas águas e imaginou que ela banhava- se no rio. – Viva, hoj e vou poder tocá-la! – disse ela, preparando-se para mergulhar. Ara ci desceu até oelafundo, mas nãodahavi lua alguma a li. Só que ele estava Ao voltar à tona, viu o reflexo lua aainda nas águas. cada vez ma is afastado de si. Arac i nadou, ma s a lua e ra m ais rápida, e nada de alcançá -la. A jovem nadou, nadou e nadou até estar muito longe das duas margens. Só então descobriu que não tinha m ais fôlego nem forç as para retornar à terr a. Ne ste instante, e la soube que seu destino seria o de perecer nas água s. Sabendo inúteis todos os esforços, a be la índia recolheu os braç os e deixou-se a fundar. E assim perec eu a bela Araci, s em alcançar a lua. A lua, porém , que era home m, sentiu rem orsos por não ter aj udado a ovem. astro. – Já que não posso trazê-la de volta, irei ao m enos homenageá-la – disse o No m esm o instante, brotou das águas uma planta esverdeada, que passou a boiar em cima da água. Ela parecia um a enorme bandeja e trazia consigo uma planta m uito bonita, de coloração branca e rosa. Desde então, todas as moças da aldeia passaram a enfeitar-se com as pétalas da planta, consideradas infalíveis para atrair namorado.
B AHIRA E O RAP TO DO FOG O
Histórias sobre raptos do fogo são tão a ntigas quanto o home m. Já vimos anteriorm ente a versão dos í ndios tem bés para o tem a, na lenda “O Furto do Fogo”. Agora, é a vez de conhecermos a versão dos parintintins para esse episódio. Tal com o na prim eira lenda, tam bém aqui o urubu é c onsidera do o dono do fogo. Ele nã o o concedia a ninguém , e os home ns não sabiam o que er a utilizar-se das c ham as para cozinhar um a c omida ou aquece r-se do frio. O sol era a únicaMas fontemesm de calor, e eraeles nelesentiam que os ahomens buscavam remediar suapoder privação. o assim necessidade de terem em aseu o uso direto das chamas. Isso foi assim, até que um dia eles resolveram recorre r a Bahira, um sem ideus civilizador das m atas. – Traga-nos o fogo que o urubu-rei não nos quer conceder. Penalizado dos homens, Bahira armou um plano. Após deitar-se no meio da floresta, fingiu-se de morto, cobrindo o corpo com sinais falsos de putrefação, a fim de atra ir o ape tite do Senhor do Fogo. Quem chegou primeiro foi a m osca vare jeira. Após passea r por todo o corpo inerte do semideus, ela foi levar a notícia ao urubu-rei. Sem hesitar, urubu envergou casac o negro de penas mergulhou na direção da terra. Aoo ver o corpo de B seu ahira, pousou e com eç ou aepre para r o fogo para assá-lo. Bahira, com um olho entreaberto, viu quando o urubu depositou a preciosa cham a sobre os gravetos e, num pulo, apoderou-se dela. – Ladrão! – gritou a ave, agitando as asas. Bahira disparou na corrida e nquanto o urubu dava a os céus o seu grito de alerta: – Aqui, todos! Um a nuvem de urubus desceu dos céus, e todos se puseram no encalço do sem ideus. Bahira enfiou-se num tronco oco e saiu pelo outro lado. Os urubus fizera m o mesm o. Depois, me teu-se num a bre nha de taquaras, e a li os urubus não conseguiram – Ufa, achopenetrar. que consegui! – suspirou baixinho o sem ideus. Então, depois que os urubus já tinham se dispersado, resignados com a derrota, ele a bandonou o seu esconderijo e foi até a be ira do rio. Ao ver uma cobra d’água passar, apanhou-a e, depois de colocar o tição de fogo nas suas costas, disse: – Vá, minha amiga. Atravesse o rio e leve o fogo até os índios. A cobra c omeçou a nadar, m as o fogo em suas costas ardia tant o que ela acabou sucum bindo no me io da jornada. A c orrenteza trouxe o seu corpo enegre cido de volta à m argem onde estava o sem ideus. O ca marão passava por ali , e Bahira o apanhou. é o m ensageiro certo conduzir – disse ele, encravando a c ham– aVocê na s costas do crustáceo, quepara pôs-se a nadao rfogo! rio adentro. Quase no fim do trajeto, porém, ele também sucumbiu à terrível ardência. – Maldição! – exclamou o sem ideus, ao receber de volta o cadáver vermelho do camarão.
Então, ao e rguer e m desespero os olhos para o cé u, avistou a sara cura . – É isto, o fogo irá pelos céus! A ave recebeu o fogo nas costas e levanto u voo, ma s, antes de c hegar à outra margem , fa ltou-lhe o fôlego e e la caiu dentro d’água, queima da. Nesse m omento, Bahira avistou o mensageiro ideal: o sapo-cururu. Diziase que essa criatura dos brejos tinha o hábito de ingerir brasas, pensando tratar-se de vaga- lumes. Bahira o fe z engolir a bra sa e jogou-o na á gua. Desta vez tudo correu bem, e o sapo regurgitou a brasa assim que pulou para terra, entregando-a aos índios com aa suprem a honra de tornar-se pajparintintins. é da a ldeia.Em recom pensa, foi premiado
A MÁSCARA DA SUCURI
Nos dias antigos, os índios parintintins caçavam todo e qualquer animal à mão, pois desconheciam o uso da flecha ou de qualquer outra arma. Assim, quando saíam para caçar, na maioria das vezes se viam transformados eles próprios na caça. Então, certo dia, Bahira, o semideus dessa tribo, decidiu dar mais uma aj uda aos seus protegidos. Cortou uma casca gra nde de árvore e com eçou a modelá-la c om a s mã os até torná-la um a m áscara com as feições i dênticas à de uma sucuri. Ao j ulgá-la pront a, c olocou o artef ato na c ara e viu que todos os macac os trepados nas árvores fugi ram , com os dentes ar rega nhados de puro terror. Bahira m ergulhou então nas águas e desceu a c orrenteza até alcança r um a tribo vizinha rival. Os habitantes daquela aldeia eram exímios fabricantes de flechas e recusavam -se a ensinar sua arte aos índios rivais. Mas Bahira e stava decidido a arr anca r-lhes, se não o segre do da confecç ão das flechas, p elo me nos algumas delas para que os seus protegidos pudessem dispor dessas armas também. Bahira deslizou mais um pouco, sob a corrente, até passar bem ao lado da aldeia. Então, suspendendo a cabeça mascarada, começou a sibilar como uma verdadeira sucuri. Os índios, ao vere m aquela cobra monstruosa, c orrer am até os seus arc os e começaram a alvejá-la com uma verdadeira saraivada de flechas. O sem ideus deixou que as flechas se encr avassem todas na sua m ásca ra, de tal sorte que, quando ele re tornou para a sua aldeia, ma is pare cia a m ásca ra de um porco-espi nho do que a de um a cobra. Os parintintins pegaram as flechas e comemoraram o feito com uma grande elança . Nomais me io da fe sta, porém , um índio decidiu que poderia re petir a proe zapaj c om muito sucesso. “Vou fazer um a m ásca ra para o corpo inteiro e voltar coberto de flec has!” , pensou ele, antegozando o sabor do triunfo. No m esm o instante ele abandonou a festa e foi para a m ata fabricar a sua máscara, e já na manhã seguinte, bem cedinho, mergulhava nas águas do rio para perpetrar seu feito ainda maior. Quando chegou à aldeia rival, o índio pôs-se a silvar e espadanar água para todos os lados. – Vejam , outra sucuri maldita! – gritou o cacique da tribo. Então, de um flecha pontuda – aca mbeça ais pontuda m ortífera das que havia na tomando aldeia –, ele a rrea messou-a bem na do índioe fantasiado de cobra. A seta a travessou a sua c abeç a e ele c aiu morto dent ro d’água, sem a necessidade de mais nenhuma outra flecha. Seu c orpo foi reti rado imediatam ente do rio e a ssado na grelha.
Nesse m eio-tem po, chegara à aldeia Bahira, pois já descobrira tudo o que o índio tramara. – Grande cacique, venho buscar um homem imprudente da minha tribo – disse o sem ideus. O ca cique apontou para a grelha, onde chiavam os pedaç os esquartej ados do pobre índio. – Pode escolher o pedaço que mais lhe agradar – disse o m orubixaba. Bahira f oi até a grelha e encontrou apena s alguns pedaç os que haviam restado festim. Não e ra muita m as Bahira, decidido a levar a ou coisa té o fim, comdoeçou a assoprá-los, a fimcoisa, de que tornassem à vida. Deu m ais meanos certo: só parte do c orpo do índio surgiu. Infe lizmente, o r estante do cor po já havia sido devorado pelos indígenas. No fim das contas, Bahira meteu tudo num cesto e, durante o caminho de retorno, foi lançando os restos do índio pela mata. Ao caírem no solo, eles foram se transforma ndo em anima is, tais com o a c otia e o quati.
COMO SURGIU O DIA
Os índios do Xingu têm uma lenda muito divertida e srcinal par a explicar a srcem do dia. A srcinalidade c ome ça pelo fato de o sol nada ter a ver com a luminosidade ou com o dia, tal com o ac ontece na Bíblia. Ta nto o Sol quanto a Lua estavam ime rsos na m esm a treva dos h ome ns, sendo os vaga- lumes a única fonte de luz naqueles dias, ou antes, naquelas noites. Mas a verda de é que a luz dos vaga-lume s era muito pouca e rare feita, e ninguém mais viver nascolocar trevas. um Então, certa noite, dois gêmeos chamadosaguentava Inaê e Porã resolveram ponto final nesse problema. – Você sabe perfeitam ente que o urubu-rei é o dono da luz – disse Inaê ao Sol. – Até quando vai perm anec er inerte, sem fazer um ac ordo com ele? O Sol, imerso na treva, c oçou a ca beça e disse: – As coisas não são tão fáceis assim. Ter a propriedade exclusiva da luz faz do urubu-rei um ser muito poderoso. Ninguém abre mão de um poder por simples liberalidade. – Ora, o urubu não ficará sem luz, apenas a dividirá conosco! – exclam ou Inaê. – E perderá, assim, o trunfo supremo da exclusividade da luz – com pletou o Sol. – Ora, mas a luz é para todos! – Muito bem , se o urubu-rei não quiser dividir por bem a luz conosco, iremos tomá -la por outro m eio! – exc lam ou o Sol, determ inado. Os gêmeos expuseram então um plano e, na mesma noite, trataram de confeccionar uma anta de madeira, colocando dentro dela um monte de esterco. ão dem orou muito, e os escara velhos começ ara m a e ntrar e a sair da a nta pelas frestas, carregando suas bolas fedorentas. – Muito bem , já temos o bastante! – disse o Sol, mandando embrulhar os escaravelhos. O Sol convocou, então, as m oscas para que levassem o em brulho para o urubu-rei. – O que querem? – disse o urubu a um a das m oscas. Como não entendia o que as moscas diziam, o Sol mandou buscar o japim. O j apim é um pássaro versado no canto de todas as aves, do qual, mais adiante, lere mos uma lenda. Infe lizmente, neste c aso, como se tratavam de moscas, o pássaro tradutor nada pôde fazer. – Melhor cham ar m eu primo – disse o j apim. O urubu-rei fez car a fe ia e mandou cham ar o tal p rimo, u m cer to j oãoconguinho que, a pesar de ser m enor do que o j apim, dizia entender o idi oma dos insetos. A avezinha veio e, na hora, decifrou o zumbido da mosca. – Elas trazem um presente da Terra das Trevas para o Senhor da Luz. – Muito bem , diga então que o presente está aceito, e que voem todos de volta para as trevas! – disse o urubu-re i, apodera ndo-se a vidam ente do em brulho, pois um odor de podridão havia atiçado aquela máscara que recobre o orifício
nasal do urubu e da m aioria da s aves. – Escaravelhos com bolinhos de esterco! – exclamou ele, devorando, em questão de segundos, todo o embrulho. Aquilo fora tão bom que o sobera no decidiu convocar um a reunião de emergência do seu Conselho. – Lá na Terra das Trevas deve ter, por certo, muito mais desses quitutes saborosíssimos! – disse o urubu-r ei aos conselheiros, um bando de urubus que só sabiamNa balançar cabeça de cima para baixo toda vez quepara o reiirfalava. mesm aa hora o urubu organizou uma comitiva até a Terra das Trevas. Junto com ele iriam aves de todos os tipos, e nã o só urubus. Enquanto isso, na aldeia trevosa, o Sol e a Lua já estavam dentro da anta de madeira. – Tudo pela abençoada luz! – dizia o Sol, até que o urubu-rei chegou, afinal, com a sua comitiva. – Queremos mais quitutes daqueles! – ordenou ele, como um conquistador. Im ediatam ente as m oscas lhe apontaram a anta gigante, toda coberta de esca ravelhos e suas bolinhas de e sterc o. Todas as aves se ar remessaram , num voo alucinado, na direção boneco. para espiar no buraco destinado aos olhos, Neste instante, o Soldo aproveitou para ver se o urubu tam bém vinha. Mas o gavião, que ficara no ar, fiscalizando tudo, perc ebeu o per igo e deu o a lerta: – Cuidado, m aj estade! O boneco mexeu os olhos! Mas a gula e ra tanta que nem mesm o o urubu-rei teve ouvidos para escutar a a dvertência. Lo go, todas as aves estavam sobre a anta de m entira, abocanhando t odos os escara velhos que e nxergavam . Então, quando a comilança estava no auge, o Sol espichou o braço para fora e agar rou a perna do urubu -re i. Um grasnido aterrador escapou d a sua garganta, faz endo as outras aves l evantare m voo e de sapare cerem nos céus. Só o urubu-re i permanec eu prisioneiro na desolada Te rra das Trevas, j unto com o acubim, uma avezinha valente que não costumava fugir da luta quando as coisas iam mal. – Solte-m e! – gritava o urubu-rei. – Dê-nos o dia e poderá voltar para o seu reino! O urubu-rei renitiu o quanto pôde, mas teve, afinal, de ceder. – Vá buscar a arara vermelha! – disse o urubu-rei ao jacubim . A ar ara ver melha era a portadora da luz e, depois de alguma s horas, retornou junto com o j acubim. Assim que a ave de penas e scar lates pousou num galho alto, o dia com eçou a ra iar pela prim eira vez para os índios da Te rra das Trevas. Um coro de espanto subiu aos céus, e o Sol foi colocar-se no seu lugar. – Quando o dia terminar, será a sua vez de ir ocupar o lugar do Sol – disse o urubu à Lua.
Os índios do Xingu ficaram tão agradecidos ao urubu-rei que, desde esse dia, passaram a depositar ofer endas regul are s de carne apodrec ida nos lugare s altos da aldeia ao generoso doador da luz.
POR Q UE A TERRA TREME
Os índios kaiapós contam uma lenda que explica a razão dos tremores de terra. Havia, ce rta fe ita, um a índia que era m uito má c om seus filhos. Então o paj é, decidido a pôr um fim à sua malvadeza, transform ou a ela e aos filhos em porcos. (Naquele tem po a j ustiça era meio primitiva, e muitas vezes punia-se, ao mesmo tempo, malfeitor e vítima.) raç a srcem de porcos era diferente outras existentes, e j ustam ente por terem Esta tido uma mágica os índios da decs idiram preservá -los, colocando-os dentro de uma caver na. A ca verna f oi lacra da com pedras e nin guém mais buliu com os porcos, até que um dia aquele m esm o paj é dec idiu descobrir que gosto teria a sua ca rne. – Já estou farto desses caititus! – disse ele, aproximando-se da caverna com u ma faca . Caititus era a única espécie de porco existente na aldeia antes de surgirem os outros. O paj é m atou dois porcos, levou-os escondidos para a a ldeia e com eu-os inteirinhos. Os outros porém, desconfiando do odor di ferente do assado, fora m falar com o filhoíndios, do pajé. – Esses porcos que o seu pai com eu sozinho, de onde vieram? O filho desconver sou: – De longe. – Mostre-nos onde. – Não posso, estou com o pé m achucado. Então um índio colocou o m enino nas costas e ordenou: – Agora leve-nos até lá! Um grupo de guerreiros seguiu-os até chegarem à entrada da caverna. Come ça ram a desobstruir a passagem , deslocando as p edra s. –Quando Queremos provar de também a carneosdesses terminaram abrir, porém, porcosbichos! arreganharam os dentes. – Corram ! Fujam! – gritaram os guerreiros, atirando as lanças para o alto. Todo mundo correu para a parte mais elevada da serra, mas o menino, que estava c om o pé m achucado, n ão teve a mesma sorte e a cabou apanh ado e devorado pelos porcos. Só sobrara m seus ossos. O paj é, ao saber da de sgraça, corre u até lá e conseguiu ressuscitar o m enino, assoprando sobre os ossos. – Esses porcos vão ver só! – disse ele, recolhendo-os e colocando-os outra vez na caverna. Só que, desta vez, ele escavou um subterrâneo profundo, obrigando os porcos desceremcom até as profundezas. Um a vezum lá embaixo, começou aa surrar aabicharada tanta gana que provocou trem or deele terra em toda aldeia, devastando tudo. Desde então, sempre que um novo tremor de terra acontece na aldeia, todos já sabem que são os po rcos do paj é fazendo suas c orrer ias loucas por
debaixo da terra .
A PRIMEI RA COB RA
Nesta lenda, conta-se a origem de um a autêntica cobra indígena, da mesm a e stirpe da Cobra-Gr ande, ser bruto e irra cional que só pensava e m come r e devast ar. Eis com o, segundo os índios kaiapós, a cobra veio ao mundo. A história começou quando um casal de índios, farto de viver na aldeia, resolveu emigrar para outras terras. Depois de muito andarem, acharam um lugar idea l e ali se estabelec eram . Certa tarde, o índ io foi banhar-se num igara pé, que é um pequeno rio . Acontec e que riozinho era enca ntado, e ele logo se viu transform ado na prim eira cobra do mundo. Ao retornar para casa, o homem-cobra deu um susto na mulher, que nunca tinha visto nada parecido na vida. – Socorro! Acuda, m eu m arido! – berrava ela, histérica. – Sossega, sou eu! – sibilou a cobra. A m ulher c ustou a ac eitar o fato de que teria de vi ver par a sem pre a o lado daquele ser horroroso que matava e comia os animais da mata. O tem po passou, e os índios da antiga a ldeia m andara m um mensageiro saber o que fora feito do casal. O índio chegou e encontrou só a mulher. – Como estão as coisas? – disse ele. A m ulher procurou s orrir e disse que ia tudo bem . Mas o m ensage iro, sentindo que e la escondia algo, insistiu: – Onde está o seu m arido? – O pobre morreu! – disse a índia. – Vamos, fale a verdade! – disse o mensageiro. Então ela c onfessou, de um a ve z, que o m arido virara uma cobra. De sta vez, a –pobrezinha vaédeverdade! verdade–. disse o mensageiro, acomodando-se na Pois querochora ver se rede. Dali a pouco, escuto u-se o ruído de a lgo que se arrasta. Era a c obra de volta das suas m atança s. A cr iatura havia aum entado dez vezes de tam anho desde o seu surgimento. O índio ficou tão apavorado que fugiu de volta para a aldeia. Dali a a lguns dias, apar eceu outro índio. – Quero ver como é a cobra – disse ele à esposa do ofídio. E foi escon der-se num j irau, dentro da c asa. Assim que a c obra entrou, espichou a língua fe ndida e captou o odor da presença huma na. – Estou sentindo cheiro de gente! – sibilou a cobra. A cobra , mesm o tendo rec ém com ido um boi inteiro, pediu à m ulher que lhe trouxesse m ais comida. El a trouxe, e a c obra com eu a té em panzinar- se. Depois, pôs-se a cantarolar um canto meio hipnótico que obrigou o índio
escondido a a com panhá-lo. – Eu sabia que tinha m ais alguém aqui dentro! – exclamou a cobra, furiosa. O índio, aterr ado, surgiu com as duas m ãos espalma das. – Calma, amigo, sou da aldeia e vim apenas para ver como estão. Mas a c obra não e stava para falas ma nsas e aboca nhou o índio inteiro. O tem po passou, e os índios ma ndaram um grupo de guerr eiros para exterminar a cobra. Pé ante pé, eles adentraram a casa da índia e, quando a cobra dormia a sono solto, caíram de rijo e m cima dela c om lanças e taca pes, matando-a. A índia c horou e lam entou, ma s o crime já e stava f eito. Ela foi levada de volta para a aldeia, a os prantos, m as o que eles não sabi am é que ela e stava grávida de uma ninhada de cobrinhas, que deu à luz assim que chegou à aldeia. Quando os índios descobriram , m uniram-se de cacetes para abater os filhotes, mas a índia espantou-os todos para a mata. – Vão, escondam -se na m ata! Desde e ntão, as c obras andam à solta por aí.
COM O OS KAIAPÓS DESCERAM DO CÉU
Os kaiapós têm uma explicaçã o para o surgime nto da sua raça. Segundo eles, o mundo sempre esteve dividido em três partes: o céu, a Terra e o subterr âneo. Só que, nos dias antigos, os seres vivos só viviam no céu e não desconfi avam da e xistência de mais nada. Então, um dia, um caçador ce leste, corre ndo atrás de um tatu, viu abrir-se subitamente o chão doto. céu. A caça despencou no abismo, em direção à Terra, deixando-o boquiaber – O que haverá lá para baixo? – disse ele. Então, pendurou-se na extremidade de uma raiz e viu tudo o que havia aqui em baixo. O caç ador ficou tão eufórico com o que viu que corre u para a sua aldeia para transmitir a novidade. – Há um mundo maravilhoso lá embaixo! Há florestas, rios e campos para plantação e criação! A vida devia ser muito chata lá pelo céu, já que seus habitantes não pensaram duas vezes antes de decidirem mudar-se para a Terra. – Mas como faremos para alcançar aquela profundeza? – disse alguém . Depois de pensar um pouco, o ca çador achou a sol ução. – Vamos fabricar uma corda bem grossa e resistente! Para fabricar a corda, porém, era preciso antes plantar algodão. As mulhere s lança ram -se à plantaç ão e, dali a algum tem po, fez-se a c olheita. Os fios foram trançados, e a c orda ime nsa e resistente foi levada até o balcão suspenso do cé u. – Joguem -na! – disse o caçador. A ponta da corda foi atirada no abis mo e ve io se desenroland o até a lcança r o chão da Terra. Imediatamente os índios mais audaciosos começaram a descer, um por um , com o formigas n um barbante. Entretanto, a operação não aconteceu sem incidentes e infortúnios. Muitos dos antigos habitantes do céu, por exemplo, só chegaram mortos à Terra, pois durante a descida, por descuid o ou cansaço, ac abar am despencando do al to. Quando essas notícias che gara m lá em cim a, m uitos dos que a inda fa ltavam descer sentiram -se tomados pelo me do e não quiseram mais fazê-lo. – Está bem, covardes, fiquem aí! – disseram os outros, e cortaram com uma faca a c orda. Desde então, c essou a desc ida dos índios do céu, e os valentes que conseguiram chegar à Terra passaram a ser chamados de kaiapós.
O SURG IMENTO DA PLANTAÇÃO
Esta lenda tam bém é protagonizada por uma criatura c eleste que salvou uma aldeia de morrer de fome. Nos tem pos antigos, segundo os kaiapós, a vida na terra era muito difícil. As pessoas não tinham o que comer, senão lagartas, raízes, orelhas-de-pau e coisas deste tipo. Frutos não existiam, nem ninguém sabia plantar. Quanto à caça, era impraticável, poisumosíndio homens sabiam nem uma vara marmelo. Certo dia, quenão andava pelaempunhar mata de barriga vazia foidesurpreendido por um a chuvarada daquelas. O pé d’água durou pouco, m as bastou para encharcar tudo. O índio, agachando-se, começou a beber das poças para encher, pelo m enos com água, a barriga, quando escutou alguém cham á-lo do alto. – Psiu! – dizia um a voz maviosa. Ele olhou para o alto e viu uma índia lindíssima sentada no ga lho de um a árvore . Ela estava nua e pare cia esconder a lgo entre as pernas. A fome do índio er a tanta que ele não pensou noutra coisa senão em comida. – Por favor, m oça, me dê essa fruta que está escondendo aí! A índia nã o dem orou a entender o equí voco e com eçou a rir. O índio estranhou as formas roliças da jovem, pois na aldeia todas as índias estavam muito m agras. – Quem é você? – disse ele. – Nunca a vi por aqui. – Desci do céu, junto com a chuva – disse ela, torcendo os cabelos reluzentes. – Por quê? – Me cansei de viver lá. Meus pais não tem paciência comigo nem eu com eles. Toma do por um a paixão instantânea , o índio dec idiu ca sar-se com ela. – Venha comigo para a aldeia – disse ele. Então, eles esperar am a noite ca ir e ele levou-a, às escondi das, para a sua casa. – Só apareça quando eu m andar – disse ele, escondendo-a dentro de um a enorme cabaça. O índio morava c om a mãe, um a velha c om c ara de espectro. Seu tem pera mento, contudo, era am ável, e quand o ela descobri u, certo dia, a j ovem dentro da c abaç a, não penso u um instante e m fazer m al a e la, e disse: – Que jovem linda! De onde veio? Então, a índia c ontou quem era e foi logo cham ada por toda a aldeia de Filha do Céu. Ela casou-se c om o índio, e a mbos ficar am vivendo na casa da velha índia. Entretanto, apesar do bom tratam ento, logo a j ovem com eçou a sentir os efeitos da penúria, emagrecendo a olhos vistos. – Isto não pode continuar assim. Vou voltar para o céu e trazer de lá algumas sementes. – Mas como poderá fazer isso?
– Ora, eu dou um jeito! – disse ela, segura de si. – Venha comigo! O ca sal atravessou a m ata a té encontrar uma á rvore de ga lhos resistentes e flexíveis. – Ótimo, esta é perfeita! – disse ela, começando a escalar o tronco. O índio ficou observando-a sonhadoramente, a r elem brar o seu primeiro encontro. – O que está esperando? Suba comigo! – ralhou ela, do alto. Os dois enca rapitaram -se no galho ma is alto, que c ome çou a ver gar a té atingir–oAgora, chã o. desça – disse ela, com a mesma segurança de sempre. – Mas você pode se m achucar! – gem eu ele. – Ah, que bobagem! – disse ela, botando-o pra fora do galho com um empurrão. Assim que o índio caiu, o galho catapultou a jovem para o alto, numa velocidade espantosa. – Me aguarde, eu voltarei! – disse ela, m isturada j á com as nuvens. O tem po passou até que, no pri meiro tem poral, o índio com eçou a c orrer pra todo lado, esperando a descida da amada. Dali a instantes, enxergou-a pendurada num galho. –Ela Mea tirou ajude, pesado! – disse a índia. do isto altoestá um sac o enorm e cheio de sem entes que quase esm agou o marido e de pois desceu, num pul o, com a suavidade que lhe e ra peculiar. – O que está fazendo? O marido estava comendo as sementes com as duas mãos. – Isto não é para com er, mas para plantar! Então e la ensinou o kaiapó a f azer uma roça , e de pois a sem eá -la. – Você não vai acreditar no que vai surgir daqui! – disse ela, vaidosa. Não dem orou m uito e começou a surgir uma plantação enorme de milho. – Puxa, que lindo! – exclamou ele. – Mas e destas outras, por que nada nasceu? – Você que pensa! ela, arrancando de nascerão debaixo do solo tubérculos enormes de batata, inhame–edisse mandioca. – Mais tarde as árvores frutíferas, e m uitas delícias m ais! Os dois se abra çaram, felizes, e de sde então a f ome deixou de af ligir os kaiapós.
O SURGIMENTO DOS PEIXES
Tudo começou com o aparecimento na aldeia de um certo Birá. Era um índio sedutor, o terror da honra de todos os homens. Ele e ra uma am eaça constante, c om o seu sorriso de perm anente desaf io aos rivais. Então, num be lo dia, os índios pediram ao paj é pa ra lança r um feitiço sobre o kaiapó sedutor. A conspiração evoluiu, e o paj é f ez o pobre Birá tomar uma poção m aldita durante um a basta, paj elança que o matar t ransform ou em umao anta. – Não é preciso a anta! – disse chefe da conjura. Então, depois de m atare m o pobre Birá, levara m-no para a aldeia como se fosse uma caça comum. – Hoj e tem moquém de anta com farinha! – anunciou o cacique, pondo o seu cocar mais vistoso. Todas as mulh eres fora m obrigadas a se ser vir dos pedaç os da a nta. Então, quando a c eia tribal term inou, o cac ique e rgueu-se e fez a hedionda revelação: – Mulheres pérfidas! Vocês acabaram de comer Birá, o sedutor maldito! Instantaneamente, as pobrezinhas começaram a vomitar e a chorar. Nos dia seguinte os homincapazes. ens foramGraça caçar,s deixando companhia daspar a mulhere some nte os velhos a Tupã nãonahavia m ais Birá aproveitar-se da ausência deles! As índias, contudo, reuniram-se e decidiram fugir e se jogar no rio. Antes, pintaram seus corpos das maneiras mais diversas, com pintas, riscas e m anchas de todas a s cores. Ao chegarem à beira do ri o e pulare m, transform ara m-se em peixes. – O que estão fazendo? – gritaram os velhos, ao chegarem, depois. Muitos deles lança ram-se na á gua, tentando salvá-las, m as ac abar am transformados em sapos e arraias. Quando os índios retornar am e souberam da desgraça , ficaram duplam ente desolados. Além de perder emmorto. as esposas, sofre ram, ainda, a a fronta de verem-se trocados pela saudade de um Sem mais mulheres, os índios ficaram loucos e com etera m sua última tolice, pois, em vez de se atirar em ao r io, j untando-se assim às suas m ulhere s, foram todos para a mata, onde a cabara m se transform ando em maca cos, cutias e toda espécie de animais silvestres.
O JACARÉ E O MUTUM
Os kanassas, c omo todas a s tribos, possuem várias lendas e tiológicas, ou sej a, que explica m a razão de ser das coisas. Neste conto, ficaremos sabendo como o j aca ré ganhou a sua ca uda, e o mutum, uma pequena a ve das ma tas, o seu topete. Primeiro , o jaca ré. Diz-se que um dia um paj é kanassa chegou à terra do ja caré e encontrou-o ralando ma ndioca. das lend as,achou um j acaré ralando ma ndioca ser ia coisa muito curiosa de se Fora ver, mas o pajé tudo muito natural e foi logo perguntando: – Me diga, j acaré: onde é que você guarda o ralador depois de usá-lo? O j aca ré lançou um olhar frio ao paj é. – Eu o guardo nas costas. – Deixe eu ver como fica – disse o índio. O j acaré olhou para o índio, quase incrédulo, m as re solveu, af inal, fazer o que o outro pedia, só par a se livrar do im portuno. – Não, não fica nada bem – disse o pajé, após observá-lo de todos os ângulos. O j acaré retirou o ralador das cos tas, aborre cido, e voltou a ra lar mandioca. – Experimente colocar em cima do rabo – falou o pajé. Pe rdendo finalmente a c alma, o ja car é exclam ou: – Você está de gozação comigo? – Ponha em cim a do rabo, vam os ver – insistiu o outro. – Só se prometer que, depois disso, irá em bora. O pajé prometeu que iria, e só então o jacaré pegou o ralador e colocou-o em cim a do ra bo, um rabo lisinho com o a c auda das lagarti xas. – Ótimo, ótimo! – disse o pajé, subitam ente entusiasm ado. – Ficou perfeito! Então, antes que o j acaré pudesse fazer algo, o paj é lançou um feitiço sobre eDesde le. e ntão, o j aca ré ficou com o rabo ásp ero e cheio de f raturas, como um r alador de m andioca. *** Agora, a lenda do mutum. O m esmo paj é a ndou mais um pouco pela m ata até encont rar o mutum. Este ser tam bém estava todo atare fado, prepar ando um pequeno enfeit e de penas. O pajé achou que interromper o trabalho do outro era uma boa maneira de dem onstrar a sua a sua c ordialidade, e perguntou ao m utum: – O que estásimpatia fazendoeaí? – Um enfeite de penas para afastar índios chatos – disse o m utum. O paj é, imper turbável, sentou-se e e sperou o mutum term inar a sua obra. – Vamos ver que tal vai ficar.
O m utum olhou para o pajé com impaciênci a. – Vai pôr na cabeça? – disse o pajé. – Sim – disse ele. – Então ponha, o que está esperando? De r epente, o mutu m tem eu estar diante de um louco e re solveu fa zer o que o índio dizia. Depois de colocar o enorme penacho no alto da cabeça, ficou parado, com cara de bobo. – Parece bom – disse o pajé. Acalmado de lá para c á. por esse pequeno afago na vaidade, o mutum começou a voar – Mais rápido! O mutum voou em todos os sentidos, até de ponta-cabeça. Nesse ponto, o topete se desprendeu e c aiu miseravelm ente. – Aí está! – disse o índio, dando um a palm ada na coxa. – Ponha de novo! O m utum r ecolocou o penac ho, e o paj é aproveitou para lança r sobre ele um feitiço. No mesmo instante, o penacho enraizou-se no cocuruto da avezinha e dali nunca mais saiu.
O ÍNDIO Q UE Q UERIA MATAR O S ONO
Certa noite, um índio conce beu o desej o extravagante de matar o sono. – Graças a ele deixo de fazer muitas coisas úteis, perdendo m etade das horas da m inha pre ciosa vida – disse e le aos da aldeia, a ntes de partir pa ra a sua extravagant e c aça da. Os índios fizeram de tudo para dem ovê-lo da sandice, m as ele teim ou e partiu para a floresta. –O Dizem que o sono é láa amazônica que o matarei. índio me teu-se no vem coraçdeãolá. daPois florest e, aga chado e c om um tacape enorme na mão, passou a esperar a chegada do inimigo. Quando a noite caiu ele arregalou ainda mais os olhos. Era preciso estar alerta. A barulheira dos sapos, dos insetos e dos animais caçando e sendo caçados era infernal. Ainda assim, o índio sentia, cada vez mais, que a sua presa se aproximava. Então, quando o sono finalmente chegou, o índio desabou no solo. Quando acordou, viu, desolado, que a sua pre sa tinha fugido. – Maldição! Estava quase nas m inhas mãos! Então pre parou-se par a, na noite seguinte, ter a sua desforra. –O Desta vezum ele chá nãobem me escapa! índio fez forte para manter-se desperto, mas a sua presa, adivinhando a a rtimanha, só foi apare cer quando o di a estava quase nasce ndo. Quando o sono chegou o índio desabou outra vez, com o tacape nas mãos. Dizem que o índio teimoso está até hoje metido nos cafundós da floresta tentando matar o sono.
A VIDA HUMANA
Certa feita, segundo os índios bororo, a pedra e a taquara deram início a um debate para saber qual das duas se assemelhava mais à vida humana. – Sem dúvida alguma, a vida humana se parece mais comigo – disse a pedra, categoricam ente –, pois a vida humana é tão resistente sobre a Terra quanto as pedras. Neste ponto, a taquara contestou: – De. Os forma a, amiga pedra. A vida hum comigo, e não com você homealgum ns morrem com o as taquaras, ao iana nvéssedeparece durarem perpetuamente como as pedras. A pedra alterou-se ligeiram ente. – Ora, tolices! A vida hum ana se parece com igo! Não vê, então, como ela resiste ao f rio e ao c alor, não s e dobrando nem ao vento, nem às intem péries? – Não, não, enganas-te – disse a taquara. – O homem, na verdade, tem bem pouco de pedra. Ele m orre como nós, as taquaras, morrem os, porém renasce nos seus filhos. Então, mostrando à pedra os seus filhos – a taquara estava dentro de um enorm e e ruidoso taquara l –, ela pôs, por assim dizer, um a pedra sobre a questão: – Veja como somosnos parecidos com ossem homens: pele frágil e, finalmente, reproduzimos parar.somos maleáveis, tem os a Então a pedra, re conhece ndo a de rrota, ficou muda e nunca mais disse palavra.
O JAPIM PLAGIADOR
O j apim, tam bém cham ado de xexéu, morava no céu j unto com Tupã, o deus do trovão. Diz-se que, c erta época , um a doença terrível se abateu sobre os ín dios tupis, causando muitas mortes. En tão eles cl am ara m a Tupã par a que m andasse alguma ajuda. – Vá, japim, e cure-os da doença – disse o deus, espantando a avezinha. japim, uma ave ente, azul eele amarela, desceu do céu e foicanto pousar nae aldeia Oinfectada. Im bela ediatam com eçou a entoar o seu b elo original, que apre ndera no céu. Os índios ficaram abismados com a beleza do ca nto, em bora ac hassem aquilo muito pouco. – É belo, sim, mas cantoria não cura nossos males! – reclamou aos céus o paj é. Aos poucos, porém, o canto da ave foi infundindo poderes curativos sobrenaturais nos doentes, curando-os um por um da moléstia. Então, quando a doença foi extinta, o japim anunciou que retornaria aos céus. paj é. – Oh, não, permaneça conosco! – clamaram todos, e, m ais do que todos, o Tupã, do alto da sua bondade, decidiu, afinal, deixar o japim entre os índios. Houve festa em toda a aldeia, e a a vezinha m ilagrosa foi celebrada durante uma sem ana inteira, c omo se f osse o próprio Tupã. Não dem orou muito e o apim, vaidoso, começou a se considerar uma ave sagrada. A partir daí, passou a desprezar a c ompa nhia da s outras a ves, e até m esm o a ridicularizá-las, debochando de qualquer canto de ave que não fosse o seu. Quando as ou tras aves se e nchera m, afinal, dessa história, f oram queixarse a Tupã. Ninguém aguenta m ais a soberbaJádo Graças ela, seupara canto perdeu– todas as propriedades curativas. nãoj apim! há m ais razãoaalguma alguém desej ar a sua presença na t erra . Então, Tupã, dando razão às aves, decidiu punir o japim. – Pois a partir de agora ele perderá o seu canto, só podendo imitar o canto dos outros! Mas as aves achar am pouco, pois queriam bem longe o ja pim e seus deboches. Então, destruíram seu ninho e quiseram corrê-lo da aldeia, obrigandoo a pedir prot eção a os ma rimbondos. – Por favor, deixem -m e construir m eu ninho perto da sua casa! – disse a avezinha. Os deles. ma rimbondos aceitara m, desde que o j apim não arrem edasse o zumbido Desde e ntão, o j apim vive protegido do ataque das outras a ves, em bora am ais tenha r ea dquirido o dom de c antar o seu próprio canto.
PAR TE II CONTOS TRADIC IONAIS
A R APOSA C ARENTE
Um a ra posa m orta que, em vida, tivera um a paixão por ser obsequ iada resolveu força r o favor de um home m bom, indo postar-se no me io da estrada. – Oh, um a raposa m orta! – disse o homem bom, penalizado, ao ver a pobre bichana de olhos vidrados e língua de fora. – Pobrezinha, vou enterrá-la! A ra posa e stava m orta, m as ainda a ssim sentiu uma onda de prazer ao verse a lvo daquele favor. homedomnegócio bom e nterrou ra posa seguiusobre adiante. Mas a ra posa care nte gostouOtanto – houvea até umaebênção o seu túmulo, imagina! – que se desenterrou às pressas e foi correndo postar-se outra vez no caminho do home m bom. – Santo Deus, outra raposa m orta! – disse ele ao ver a bichana estrebuchada sob uma nuvem de moscas. Após expulsar o m osquedo, o homem bom pegou o cadáve r da r aposa, cobriu-o de f olhas e depois partiu. Assim que ele pa rtiu, o focinho da ra posa morta surgiu da folharada. Ela parecia um pouquinho frustrada, desta vez, pois aquela sepultura de folhas não fora como o glorioso sepultamento sob a terra. Mas, ainda assim, fora um alto fa vor, consolou-se a raposa carente, c ontentandose com– m Deenos. favores não hei de m e cansar j am ais! – disse ela, enquanto o homem bom se afastava. Após livrar -se das folhas, ela c orre u por um atalho dentro da m ata e foi esparra mar-se novam ente, bem mais adiante, no cam inho do home m bom. – Será possível? – disse ele, j á contrariado. – Alguém anda exterminando raposas por aqui! Desta vez, havia uma nota de irritação na voz do homem bom quando ele arre dou a defunt a com o pé até a sombra descob erta de um a árvore a ntes de partir. Assim que o homem bom desapareceu, a raposa carente abriu um olho e disse: – As coisas já foram bem melhores, é preciso admitir. Mas, enfim, foi sempre um favor! Oh, como ela ambicionava ser amada! Cega por esse desejo, a raposa carente foi corre ndo encontrar out ro atalho para saborear nem que fosse a última migalha do afeto alheio. Desta vez, porém, ao avistar a raposa morta, o homem bom já estava farto e deu um chute no corpo da ra posa. – Dane-se você! – exclamou ele, irritado. A ra posa c are nte rodopiou e foi cair dent ro da m ata, enquant o o home m bom, a passos firmes e raivosos, foi ser m au em outra parte. Esfolada, a raposa descobri u, então, que força r o afe to é força r o enfa do.
O PEQ UENO HOMEM
Havia um a vez um príncipe que gostava de c açar. Certa fe ita, e le entrou na floresta c om seus irmã os e ac abou perdendo-s e deles. – E esta, agora! – disse ele, olhando para todos os lados. Sem os seus cãe s, o príncipe e ra um zero à e squerda na floresta. Desorientado, errou em todas as direções, só para descobrir que, e m todos os quadra ntes, continuava perdido. Então, após viu toma r um rum o às ce gas, foi dar a terr a de de madeira. gigantes. Isso ele soube quando uma casa que mais parecia umanum montanha Após bater na porta, ele viu-s e diante de um home m gigantesco, que lhe perguntou quem ele era. – Estou perdido, meu amigo, e preciso de abrigo. O gigante, que nã o era muito am igo de intrusos, fingiu ser hospitaleiro a o reconhec er na figura do home nzinho perdido o príncipe do reino vizinho. – Pode entrar – disse, de má vontade. Junto com o gigante m oravam sua e sposa e sua filha. A filha, que tam bém era gigante, cham ava-se Gui mara . O príncipe ficou abrigado n a c asa c olossal, à e spera de que viessem buscálo. Enquanto nãotambém apa reciam abou apaixo nando-se pela princesa gigante. Ela, os porirm suaãos vez, achou, acqualidades bastantes naquele ser minúsculo para por e le se apa ixonar. O pai de Guimara, no entanto, não gostou disso e resolveu complicar a vida do príncipe. – Chegou-m e aos ouvidos que você pretende, num a só noite, erguer um novo palácio para mim – disse o gigante. – Se for verdade, quero vê-lo fazer. Se não for, quero vê-lo morrer. Apavorado, o prí ncipe teve de confirm ar tudo. – Certamente que o farei – balbuciou ele. – Isso, am anhã veremos – respondeu o gigante, desaparecendo. O home nzinho foi chorar as m ágoas para a sua a mada, que tratou de acalmá-lo. – Deixa comigo, belo homenzinho. Sou uma m aga, e posso fazer tudo isso num e stalar de dedos. E de fato, durante a noite, ela construiu um majestoso palácio. Na manhã seguinte, ao ver o palácio, o gigante ficou com cara de palhaço. – Aqui tem truque! – disse ele, m as só para si. Então, o gigante proc urou de novo o home nzinho e o de safiou a limpa r a Ilha da s Feras Bravias, tornando-a um jardim am eno e a prazível. – Se for verdade, quero vê-lo fazer. Se não for, quero vê-lo morrer. O home nzinho correu, então, n ovam ente, à a mada, que tratou de limpar a Ilha das verdade iro Jardim Botânico. O Feras giganteBravias, torceu atransform boca a o ando-a ver o renum sultado. – O que está feito, está feito, mas o que há de ser feito, tam bém há de ser feito. O que ele queria di zer com sua chara da é que pre tendia m atar naquela
mesm a noite tanto o home nzinho insolente qua nto a sua própria filha desobediente. Guimara e o homenzinho, porém , fugiram do quarto antes da c hegada do pai, deixando sob os lençóis duas bananeiras, uma gigante e a outra pequena. Os dois fugitivos ganhara m a noite m ontados num cavalo veloz, levando consigo uma espingarda. Ao de scobrir o logro, o gigante m ontou noutro ca valo veloz e pa rtiu no seu enc alço. Ora , acontece que o cava lo do gigante er a m ais veloz, e não dem orou muito –para que os fugitivosoutro se convencessem que logo s eriam alca nçados. Vamos passar-lhe logro – disse ademulher gigante. Quando o gigante chegou à beira de um rio, foi isto que encontrou: Guimara transform ada num r iacho; o home nzinho, num preto velho; o cavalo, numa árvore; a sela do cavalo, numa réstia de cebolas; e, finalm ente, a espingarda, nu m beija -flor. O preto velho banhava-se no rio. – Diga lá, não viu passar por aqui um casal de fugitivos a cavalo? O pre to velho, jogando água sob re os cabelos com a c ova das m ãos, disse, olhando para as cebolas: – O que eu sei é que plantei estas cebolas, mas não sei se me sairão boas! “Que pensou o gigante, desviando Então,maluco!”, ao ver o beija -flor, corre u até e le. Maso aolhar. avezinha estava tão brava que quase furou-lhe os olhos, o que o obrigou a voltar correndo para casa. – Danação, perdi a pista dos dois! – disse ele à esposa. – Você é um bobo, mesm o! – disse ela. – Então não vê que é tudo truque? Ponto por ponto, a mãe gigante deslindou os truques da f ilha, fazendo com que o gigante, e nfurec ido, montasse no ca valo e par tisse novam ente no enca lço dos fugitivos. Ao vê-lo, a filha se c onverteu numa catedra l e transform ou o am ado num padre, a sela num altar, a espingarda num livro de reza e o cavalo num sino. Ao ver a catedral respl andec ente, o gigante se atirou para dentro. –O Hom de Deus, senhor do viunopor aí minha filha e em um feitio homenzinho? padreem , com o narizo enterra missal, respondeu de poesia: Nada vi, não, Que estou em oração, E quem me azucrina Entra em danação.
Assustado, o gigante retornou, per signando-se todo, e foi contar tudo à esposa. – Seu bobo! – disse ela. – É tudo enganação da marota! E lá sevez, foi de o gigante, se dento da vida da de filha e doApós hometomar nzinho. Desta nonovo entanto, Guimara resolveu mudar tática. um punhado de cinzas, atirou-as para o alto e um a neblina escandinava desceu, com o por m ágica, sobre a floresta. O gigante per deu-se de vez, enquanto o ca sal chegava, f inalm ente, ao
castelo do príncipe. Antes de entrar, porém, a gigante lhe fez esta estranha advertência: – Quando entrar, não beij e a mão de sua tia, ou m e esquecerá para sempre. É claro que a prime ira coisa que o príncipe fe z foi ir corre ndo beija r a mão da tia, o que provocou o i mediato esquec imento da sua a mada. De sde e ntão, Guimara converteu-se num a mulherzinha pequena e triste. Como doi da, e la passou a perambular noite e dia pelas cercanias do palácio, na tentativa inútil de convencer o príncipe de que um dia fora a sua amada.
A M OURA TORTA
Este é um dos contos mais populares do vasto repertório que circula pelo interior do Brasil. Como a imensa m aioria, não é criaçã o brasileira, m as um a adaptação de um dos contos mais divulgados da literatura oral de todo o mundo. Havia, pois, certa f eita, um rei que m andou o filho corre r m undo. O príncipe ganhou a estrada e, depois de encerar m eio mundo, topou com uma velhinha dobrada a c arr egar um f eixe de lenh a. A ca da passo, ela gem ia sob o seu fardo, o queboa encheu de dóque o príncipe. – Deixe, velhinha, eu carrego o seu feixe – disse o príncipe. A velha deu um susp iro e ar riou a c arga . – Obrigada, meu jovem – disse ela, aliviada, porém sem endireitar as costas, pois era corcunda. Então, ela r etirou de seu alforj e trê s lara njas novinhas e e ntregou-as ao seu benfeitor. – Coma estas laranjas sem pre que sentir sede – disse ela. – Mas cuidado: só as c oma quando estiver perto de um curso d’água. O príncipe j urou que a ssim o fa ria, em bora, desd e j á, saibam os que a ssim não o fará . De f ato, ao sentir sede pela eira vez,bela elejdesca uma das laranj as num desca mpado. De dentro del aprim saltou uma ovemscou , dizendo: – Dá-m e água ou m orrerei! Como não havia água por perto, a pobrez inha m orreu de sede feito um mosquitinho. Dali a dois dias o príncipe, que devia ser muito esquecido, sentiu sede de novo e de scascou a segunda laranj a sem ter à vista qualquer c órre go d’água. Um a segunda j ovem , ainda m ais bela do que a primeira, saltou de de ntro e repetiu a ladainha: – Dá-m e água ou m orrerei! Morreu realmente de sede, a pobre. Navelha terceira vez em aque sentiu sede, príncipe lem brou-se, finalmente, aviso da e procurou beira de um rio oantes de descascar a terceira laranja.do – Vejam os desta vez! – disse ele, m etendo a faca. Então um a terc eira j ovem , mais bela do que a s outras duas, surgiu com o mesmo pedido: – Dá-m e água ou m orrerei! Ele tomou-a nos braços e levou-a, às pressas, até as m argens do rio. – Beba, linda j ovem ! – disse o príncipe, instantaneamente apaixonado. Como estava perto de ca sa, o príncipe decidiu ca sar-se logo com e la. Mas com o a j ovem estava nua, não havi a como levá-la, assi m, ao palácio . – Suba no alto desta árvore e me aguarde enquanto vou buscar um a roupa! – disseNua ele.com o estava, a j ovem trepou no galho mais alto e ali ficou sentada, à espera . Um a brisa f resca passando por entre as ram agens refresca va seu corpo , e ela achou aquilo muito bom. O dia passou até que, de re pente, um a m ulher m uito feia aproximou-se da s
margens. Era chamada de Moura Torta, pois, além de feíssima e caolha, tam bém era corcun da. A Moura tinha ido buscar á gua, pois era a criada m ais reles do pal ácio. Ao debruçar -se no rio ela viu, porém , o reflexo de algo n a á gua. Prim eiro lhe pareceu que um a romã m adura e de polpa rosada flutuava na água. Ela tentou apanhá-la, m as a fr uta desaparec eu. – Irra, afundou! – esganiçou a Moura. Depois que a á gua sere nou, ela viu a ima gem de um rosto belíssimo e embasbacou-se. – Nossa, como sou bela! – gritou ela, de alegria e surpresa. Jogando para o alto o cântaro, ela voltou ao palácio disposta a ser tratada de acordo com a sua beleza. – De hoje em diante, quero o m elhor quarto da criadagem e o direito de ser c oncubina do r ei! Um coro de r isos e de desaforos desceu sob re ela. – Toma outro cântaro e vai buscar água, Moura horrorosa! – disse o chefe da criadagem. A pobre voltou à m arge m do rio ce rta de ter sofrido algum de lírio, mas, ao abaixar-se out ra vez para a panhar água, viu a ima gem da m esma jovem a sorrir. –DeAínovo, está! voltou Sou euaooupalácio não sou? ela,opondo asde m que ãos nas com– disse o mesm ara nzel er a ancas. a criatura mais linda do mundo. – A Moura ficou doida de vez! – diziam todos pelos corredores. Então lhe deram um terce iro pote e a a meaç ara m de m orte c aso voltasse sem a á gua e com aquele m esmo teterém de aluada. Na beira do rio, a Moura viu-se linda outra vez, só que, desta vez, a imagem , antes m uda, rom peu numa gargalhada. – Ah, então era você, linda fadinha! – guinchou a Moura ao ver a m oça. – Desça , menina nua! Quero ver tanta be leza de perto! A j ovem desceu, e a Moura com eçou a e logiá-la. –Então, Muitopegando linda, você! deixe eu aj eitar melhor seus cabelos! um aMas lfinete m ágico, espetou-o na os ca beça da j ovem , que virou imediatamente uma pomba. – Xô, desavergonhada! – disse a Moura, enxotando a avezinha. Ao ver, porém, que o príncipe retornava, a Moura despiu-se inteira e subiu ligeira ao topo da árvore. – Voltei, meu am or! Agora, vista isto! – disse ele, carregando vestes dignas de uma princesa. Mas algo acontecera com a princesa. Sua pele alva ficara escura e mosqueada. – O que houve com a sua pele, antes tão clara? – disse ele, frustrado. – Oh,a m respondeu sereuva.am or! Você dem orou tanto que queimei-me inteira ao sol! – – E esse olho vazado? – Foi um espinho, meu adorado! – E esses dentes estragados?
– Comi uma fruta podre e as sem entes arruinaram-m e os dentes! Então a Moura pe diu que ele a levasse a o palácio, que lá ela r ec obraria seu estado anter ior. O príncipe c onsentiu. – Está bem, lá veremos o que se há de fazer. Um a ve z na c orte, a Mou ra obrigou o príncipe a cum prir sua prom essa de casar-s e c om e la. – Recobre ou não a minha beleza, você deve cumprir com a sua palavra! – insistia todo santo dia. Não teve outrotudo jeito,parecia e as núpcias foram marcadas. Então, quando perdido, a pombinha encantada aproximou-se do príncipe, nos jardins do palácio, bem no dia do casamento. Ela deu várias voltas ao re dor do príncipe até que ele a tomou nas m ãos e com eçou a ac ariciar a sua c abeça. – Linda pom binha, se m inha futura esposa fosse ao m enos parecida consigo! De repente, porém, sentiu que havia um caroço na cabeça da ave, e descobriu a c abeç a de um alfinete. Ao puxá-lo, a gra nde surpresa: a pom ba voltou a se transforma r na sua a ntiga a mada. – Você, adorada! – exclam ou ele, abraçando-a perdidam ente. No afim das contas, tudo explicado, príncipe casou-se com de a am ada, enquanto Moura Torta foi lança da viva onuma fogueira, r estando si apenas um amontoado de cinzas.
A RAPOSINHA
Este c onto narra as peripécias qu e um príncipe passou para arrum ar um remédio para o seu pai cego. Diz-se, então, que o príncipe, depois de muito andar, chegou a um lugar onde um grupo de homens ocupava-se em surrar um defunto com um pau. – Monstros! Por que cometem tal atrocidade? – gritou ele, indignado. – Este homem era um caloteiro! – explicou o chefe do bando. –– Mas eleEm está morto! E daí? nossa cidade, a lei é severa para com os corruptos e os desonestos, e nem mesm o os mortos esca pam à punição! – Quanto ele devia? – disse o príncipe, e pagou o que o defunto devia. – Agora, e nterre m-no como a um cristão. Depois disso, o príncipe seguiu adiante até dar com uma raposinha. – Aonde vai, m eu príncipe? – disse a raposa. – Vou em busca de um remédio para os olhos do meu pai. – Pois saiba que remédio para olho de rei cego só há um : cocô de papagaio. – E onde encontro cocô do papagaio? – disse o príncipe. –– No Reino Onde fica dos essePapagaios, reino? naturalmente – respondeu a raposa. A raposa ensinou o caminho e depois completou: – Chegue lá à m eia-noite e escolha o papagaio mais triste da gaiola m ais tosca que houver. O príncipe f oi e enc ontrou o tal reino. Ao entrar nele, viu gaiolas de todos os tipos e form atos pendurada s por toda parte. Todas era m de ouro, e c ada qual trazia dentro um papagaio mais saudável, feliz e tagarela que os outros. Não é preciso dizer que o príncipe agarrou a gaiola m ais bonita que viu. Lá no fim da cidade, no bairro dos papagaios pobres, estava uma gaiola de pau, coberta de excrementos e com um papagaio todo triste no seu interior, que o príncipe nem viu.já ia cruzando o portão da cidade quando o papagaio da gaiola O príncipe de ouro gritou, aler tando os guarda s. – Muito bem , espertinho, o que leva aí? – disse o guarda, um enorm e papagaio. O príncipe explicou o seu dram a a té com over o papagaião. – Muito bem , mas só levará a gaiola se trouxer antes uma espada do Reino das Espadas. O príncipe suspirou e, depois de largar a gaiola, foi em busca do tal Reino. – Sempre essas repetições! – disse ele, chutando uma pedra que quase acertou o focinho da ra posa, que andava pera mbulando pela e strada. – O que resmunga aí, meu príncipe? – disse ela. Ele explicou, e a raposa, desgostosa, a banou a c abeç a. – Tsc, tsc, tsc! Eu não disse para pegar a gaiola m ais tosca? Pois agora vá ao Reino das Espadas e faç a c omo e u digo: entre à meia-noite e pegue a espada
mais fajuta que houver. Não é preciso dizer que o príncipe foi e pegou a espada mais bela que havia, toda de ouro, deixando de lado a m ais feia. Na saída, a espada deu um estalo, e o guarda bar rou a pa ssagem do príncipe. – Vá ao Reino dos Cavalos e m e traga um de lá. Só então poderá levar a espada. O príncipe quase desm aiou de r aiva. E vez, para dos Cavalos. A atirou-se, esta altura,dejáuma sabemos tudoooReino que seAmaldiçoado passou: o príncipe cruzou com a raposa, ouv iu dela um a nova repre ensão e escutou o conselho de e scolher o pangaré mais feio que houvesse no reino. Alguma s horas se passara m, e vem os, agora, o prín cipe m ontado no ma is belo puro-sangue, a deixar o Reino dos Cavalos. Então, o cavalo relinchou, e começou tudo outra vez. – Aonde vai com nosso melhor cavalo? – relinchou o guarda. O príncipe e xplicou. – Pois só pode levar o cavalo se furtar a filha do rei – retrucou o cavalo. O príncipe partiu, ele muito aliviado. O pesadelo das repetições acabado! No ca minho, c ruzou pela última ve z com a raposa. parecia ter-se – Aonde vai? – disse ela. O príncipe explicou mais uma vez. A raposa olhou bem o príncipe nos olhos e disse, m uito solenem ente: – Muito bem , chegou a hora da revelação: eu sou a alma daquele caloteiro que os cobradores surravam. Infelizmente, você não ouviu meus conselhos, e por isso toda e ssa confusão. Então, a raposa disse ao príncip e o que e le deveria f azer, e desta vez ele f ez direitinho. Para com eçar, furtou a princesa. D epois, pegou o pangaré no Reino dos Cavalos, a e spada f erruginosa no Reino das Espadas e o papagaio triste no Reino dos Pa pagaios. Quando já ia no cam inho de ca sa, encont rou seus irmã os, uns malvados que logo conce bera m um plano para se apossarem de tudo o que ele traz ia. – O que está fazendo nesta estrada cheia de ladrões? – disseram eles, falsamente zelosos. – Tome aquele atalho, pois só assim chegará ao nosso palácio são e salvo. Ao tomar o atalho deserto, ele enc ontrou novam ente os irm ãos, que o am arraram e o lançaram numa cova para morrer. – Essas coisas nós mesmos levaremos! – disseram eles, carregando a princesa, o cavalo e o restante que o príncipe trouxera. Ao chegar em diante do rei, p orém , a princesa ficou feia, o papagaio fi cou ainda m ais triste, a e spada desm anchou-se e o ca valo cobriu-se de sarna s. – Patifes! Que gracej o é este? – disse o rei, que apesar de cego não era bobo. – Prendam-nos na mais profunda m asmorra!
Logo que os maus filhos foram aprisionados, o príncipe deambulador chegou, radiante. A raposa, num último ato de gratidão, libertara-o da cova, e ele agora j á podia a presentar-se diant e do pai. Assim que o príncipe c olocou os pés no palác io, a princesa voltou a ser bela, a espada tornou-se de ouro, o cavalo engordou, e o papagaio deixou de ser triste. O rei cego teve seus olhos besuntados e passou, desde então, a enxergar. Quanto ao príncipe, ca sou-se com a princesa e viveu com ela f eliz para sempre.
JOÃO GURUMETE
Este conto também é importado do folclore europeu, constituindo uma variante do “Alfaiate Va lente” dos Irm ãos Grimm . Como e m tantas outras terras, o Mata-Sete tam bém se ac limatou muito bem no Brasil. O conto com eça dizendo que havia, c erta fe ita, por e stes sertões, um sapateiro muito medroso. Um dia, ele derramou um pouco de cola na mesa e, dali a pouco, sete m oscas a cabara m grudadas na m eleca. dos seus colegas, muito amigo de gracejos, inventou logo este bordão para oUm amigo: – João Gurumete, que de um golpe matou sete! Desde e sse dia, o sapateiro m edroso ganhou a fa ma de valente por todo o sertão. Então, ce rto dia, apare ceu uma fera devastando tudo. Ela c omia qualquer coisa que respirasse. E, mais que tudo, adorava o número sete: tinha sete cabeça s, sete línguas, e c omia suas vítimas de sete e m sete. Um dos reis do sertão – naquele tempo havia reis espalhados por todo o sertão, cham ados “coronéis” – m andou sete tropas para liquidar com o bicho, mas ele comeu todas as sete. Então, alguém disse a o reia sete? que João Gurum ete e ra a salvaçã o. – Aquele que deu morte – Sim, ele mesm o. João foi cham ado e intima do a m atar sozinho a fe ra. – Aí está o que você foi inventar! – queixou-se o pobre João ao amigo gozador. – Quero ver agora c omo hei de m e haver com esse m onstro! O amigo, porém , tinha um a solução. – Faça com o lhe digo e derrotará o m onstro. João escutou e foi em frente. Após atrair a fera até uma igreja velha, entrou para de ntro e saiu pela porta dos fundos, ce rra ndo-a com ca deados e trancas. Não tendo outro meio de sair, o bicho se esvaiu de fome, e só então o Gurumete entvezes rou lávalente! para cortar f orao as abeça s as da sete fe ra.cabeças do monstro. – Sete – disse rei,setaoe creceber João Gurumete virou conde, por obra do rei, e viu chover muito dinheiro sobre si. *** O tempo passou até que surgiu um novo monstro pelos sertões. Na verdade, novos monstros, já que er am três. Eles roubavam e matavam. – João Gurumete, é teu o desafio! – disse-lhe o rei, outra vez. O sapateiro covarde e ncheu as ca lças antes de ir ter com o seu am igo. – E esta, agora! Se um já era difícil, que dirá três monstros! Desta vez estou perdido! Mas o am igo sabia todas as m anhas para derr otar monstros. – Faça com o digo e se sairá bem outra vez. Gurumete foi e fez. Depois de descobrir o local onde os gigantes
descansavam da sua ruindade, à sombra de uma árvore enorme, aproveitou a ausência deles e pendurou três pedras pesadíssimas no alto. Quando os três retornaram e foram descansar debaixo da árvore, João cortou a corda da primeira pedra, que foi cair na cabeça do primeiro gigante. – Começaram as graçolas? – disse este, ao sentir uma poeirinha roçar-lhe a testa. – É sem pre assim quando vou tirar uma pestana! Os outros dois se fizeram de surdos, e logo os três roncavam à vela solta. Gurumete cortou a segunda pedra, que foi dar na testa do segundo gigante. – Quem foi o cretino?no – disse que não tolero perturbações meu ele, sono!alisando a testa. – Bem sabem, idiotas, Quase houv e um a briga daquelas, ma s, graç as ao c ansaço, lo go os três voltara m a dorm ir. Então, João c ortou a terce ira corda , e o pedre gulho ace rtou bem no me io dos olhos do terceiro gigante. Acontece que esse terceiro gigante não era de am eaç as, ma s de briga m esmo, e logo a c onfusão com eçou para valer. Depoi s da luta, os três estavam estendidos e mortos sob a árvore. João desceu e cortou fora a cabeç a de cada um dos três, levando-as para o re i. João Gurumete foi agraciado com um novo título e ganhou mais um montão de dinheiro. – Quanto mais, melhor – disse o amigo, em bolsando a sua parte. *** O último desafio de João Gurum ete não foi vencer monstro algum, m as substituir um general do rei que morrera em combate numa guerra feroz. – Se vencer a guerra, lhe darei minha filha em casamento – disse o rei. O amigo de Gurum ete lhe disse que se vestisse c omo e le. – Vista sua farda e monte em seu cavalo. Aj a com o ele, e tudo sairá bem . No acampam ento, soldado algum sabia da morte do general, pois temia-se que o anúncio da morte dispersasse todo o exército. João Gurumete montou no cavalo e surgiu diante da tropa. – O general voltou! – gritavam todos, em êxtase. Neste instante, o cavalo assustou-se com a gritaria e largou a correr na dianteira da tropa. Tudo isso ia m uito contra a vontade de João, que pôs-se a gritar e a espernea r feito doido. – Ouçam, é o grito de guerra do general! – disseram os soldados, eufóricos. Im ediatam ente a tropa j untou-se e seguiu com entusiasm o o seu gener al, destroça ndo em menos de um a hora o exérc ito inimigo. João Gurumete, vitorioso, casou-se afinal com a princesa e, na noite de núpcias, depois de beber muito vinho, come çou a sonhar e a falar bobagens do seu tempo de sapateiro em pleno leito matrimonial, como se estivesse na sua oficina. – Casei-m e com um reles sapateiro, e não com um guerreiro! – reclam ou a princesa ao rei. No dia seguinte, João foi avisado pelo am igo fiel de que iria ter a cabeça cortada caso continuasse com aquelas conversas re les de sapateiro. Ent ão, João
Gurumete deitou-se com um chanfalho do lado, que era uma espécie de espada, e fingiu a noite inteira que guerre ava com o um cavaleiro notável, e só não m atou a esposa porque esta saiu, descabelada, correndo do leito. – Meu m arido é, deveras, um grande guerreiro! – disse ela, entre assustada e admirada. Desde e ntão, João Gurume te apre ndeu a sonhar em silêncio, e foi assi m que continuou a c ortar e rem endar docem ente o couro nos seus ma is lindos sonhos.
A R APOSA E O TUCA NO
Certa feita, a ra posa de cidiu pregar uma peça no tucano. – Ó, amigo tucano, venha com er lá em casa! Envaidecido pelo convite, o tucano aceitou na hora. Quando chegou à casa da raposa, esta lhe serviu um mingau numa esparrela comprida e rasa. – Coma à vontade! – disse a raposa, preparando-se para rir. O pobre tucano tent ou com er o m ingau espalh ado, m as o seu bico não conseguia recabou olhercom na da a não ser um as les gotinhas e, de tanto b ica r a esparre la, ac o bi co enorme racrehado. O tucano partiu, mas decidiu se vingar. – Adorei a sua hospitalidade – disse ele, dias depois. – Agora, é a sua vez de aparecer lá em casa. A raposa, tornando-se subitamente ingênua, aceitou. – Muito bem , lá estarei, na hora marcada. Quando chegou o d ia, a raposa foi obsequiada com o m esm o m ingau, só que ele foi servido numa jarra de gargalo estreito. O tucano enfiou o bico lá dentro e se deliciou à vontade, enquanto a raposa, com seu focinho curto, não conseguia lam ber nem uma gotinha. No fim das contas, a desgraçada ficou com o focinho entalado e acabou morrendo su focada. E foi assim que a raposa, m etida a grac iosa, levou o seu troco.
O PAD RE DESPREOCUP ADO
Havia, cer ta feita, um padre despreoc upado. Sua despreocupaçã o era tam anha que nada e ra c apaz de tirá-lo de sua paz. Na entrada de sua c asa, mandara gravar até e ste dístico para que todos soubessem o quanto prezava a despreocupação: “Aqui nesta casa mora o padre despreocupado”. A sua f am a cre sceu tanto que c hegou aos o uvidos do rei. – Não é possível que num mundo com o o nosso esse homem não se preocupe com nada – disse ele, que não sabia fazer outra coisa no mundo a não ser preocupar-se. O conselheiro rea l tinha um a teoria a respeito. – Este padre é um homem sem bens e sem mulher ou filhos, daí a sua total despreocup aç ão – disse e le. – Quem nada tem a perder , de nada se ar rec eia. – Se for assim, então ninguém é mais feliz do que os m ortos, pois nada mais têm a per der – disse o re i. – Felizes não, alteza. Despreocupados, talvez. Então o rei decidiu tirar a prova do padre despreocupado. – Convoque-o ao palácio. Diga que venha dentro de três dias responder-m e a três per guntas que hei de lhe fa zer. Caso não as re sponda, terá a sua c abeç a cortada. Um mensageiro foi enviado até o padre c om a convocação. Após ler a parte final da m ensagem, o padre conheceu, pela prim eira vez na vida, a pontada aguda da preocupação. – Arre! Morrer é coisa séria! – disse ele, coçando, nervoso, a coroa raspada. Desde e sse dia, o padre despreocupado não so ube m ais o que er a dorm ir nem com er, até que, ao despon tar o terceiro dia, ac ordou em verdade iro pânico. Após vestir às pressas a batina, bateu a sineta, chamando o criado. Explicou-lhe o seu drama e pediu ao serviçal um conselho que nem todas as luzes da sua religião haviam podido lhe dar. –“Virgem Se o meu amo quiser, seu lugar – disse o servo, muito seguro Santíssima! Aíirei estáno a lguém realm ente despreocupado!”, pensodeusi.o padre, adm irado. – Está disposto, então, a morrer em meu lugar? – Não morrerei, bom amo – respondeu o outro, imperturbável. O servo vestiu a batina do padre, raspou o cocuruto e foi ter com o rei. – É você, então, o tal padre despreocupado? – disse-lhe o rei. – Exatam ente, m aj estade. – Continua despreocupado? – Perfeitam ente, alteza. – Então, m e responda isto: quantos cestos de areia há ali naquele m onte? Num canto do salão real, havia um a pequena montanha de areia empilhada. – Há ali, alteza, um único cesto de areia. – Um cesto, só? – Sim, pois basta fazer um cesto grande o bastante para conter toda a areia.
O re i coçou a ca beça por baixo da coroa e aplaudiu, afinal, a re sposta. – Muito bem , agora diga-m e, senhor despreocupado, quantas estrelas há no céu? O padre falso deu um núme ro exato e despropo rcional, na c asa quebra da dos cinquentilhões, se tal c oisa existe, de ixando o re i em basbac ado. – Im possível alguém saber o núm ero exato! O padre de araque, porém, respondeu, imperturbável: – Tão impossível, alteza, quanto alguém saber não ser este o número exato. O re i coçou vezele, a ccerzindo oroa e deu-se por vencido – Vá, passa!outra – disse os olhos. – Agora . responda a última e mais difícil pergunta: o que estou pensando neste exato momento? O criado travestido de padre empertigou-se todo e fulminou: – Vossa Alteza pensa estar falando com o padre, mas fala m esmo é com o seu cr iado.
A CAVEIRA FALANTE
Certa vez , ia um ca çador pela m ata quan do se deparou com uma caveira a descansar sobre a relva. Ao ver que ela continuava viva, perguntou-lhe: – Quem te trouxe até aqui? A caveira bateu a m andíbula, c omo um boneco de ventríloquo, e respondeu: – Minha boca grande me trouxe até aqui! O caçador, assombrado, foi acorrendo com – Maj estade, encontrei um caveira falar falante noomrei. eio do mato! O re i, desconfiado , olhou o caçador de c ima a ba ixo. – É verdade, m ajestade! Até falei com ela! O rei decidiu mandar um soldado junto com o caçador para verificar se a história era verdade. – Se estiver mentindo, passe-lhe a espada! – disse o rei, am ante da severidade. O ca çador e o guarda pene traram outra vez na m ata. Chovia. Depois de chapinhar na lama, o caçador avistou a caveira no mesmo lugar onde a deixara. – Lá está ela! A ca veira, lavada pe la chuva, relu zia. O caç ador aproxi mou-se, cha mando o guarda. – Fala, caveira! – disse ele, num rasgo de coragem . Mas a ca veira, nada. Um ruído ra scante de e spada sendo retirada da ba inha gelou o sangue do caçador. Numa ver tigem de desespero, ele l em brou da pergunta que fizera na outra ocasião. – Quem te trouxe até aqui, caveira? Diga! Silêncio, de novo. Então, o pânico a poderou-se da alm a do ca ça dor. – Fala, desgraçada! Quem te trouxe até aqui? Mas a ca veira nada e aquidestreza, se ac abou tudofora paranum o caç ador. O guarda, manuseando a espada com disse, admirável cortou zás! a cabeça do mentiroso. Depois que o car rasco partiu, a ca veira, virando-se para a cabeç a, lhe disse: – Agora, diga lá, m inha amiga: quem te trouxe até aqui? A cabeça decepada virou-se e disse: – Minha boca grande me trouxe até aqui!
A PRINCES A DE BA MB ULUÁ
Havia, há m uito tem po, uma gruta situada entre duas cidades. El a era assombrada, e toda no ite a ca beça de um a donzela m eiga surgia par a pedir aos home ns que nela se a venturavam que a desenc antassem . A j ovem intitulava-se “princesa de Bambuluá” e fazia seu pedido aos prantos. Muitos tentaram , mas o resultado era sem pre um a sér ie de provas rudes que a cabavam por fa zer o pretendente fugir m ata af ora. Certo surgiu poro ali sujeitinho estava da exausto e nãdia, o sabia m ais queum f azer da vida.amarelo De poisedeenfezado. sentar- seEle à entrada gruta, com eçou a lam entar-se. – Estou cansado de ser feio e fraco! Então, de r epente, su rgiu flutuando a c abeç a da princesa. – Não quer desencantar-m e, belo jovem ? – disse ela, na mais maviosa das vozes. O sujeitinho feioso, que se chamava João, estava topando qualquer coisa, ainda m ais um pedido feito por um a cabeç a tão linda. Im ediatam ente ele ac eitou a proposta, m as, antes de desenca ntá-la, pediu para com er e be ber a lgo. A cabeça linda levou o sujeitinho para o interior da gruta, ond e uma mesa f arta pôs fim à sua fome vá e àaté suao sede. – Agora alto da serra e deite-se debaixo da árvore mais alta que lá houver – disse a bela ca beça . – Haj a o que houver, su porte tudo até o fim. João Amarelo fez o que ela disse e, quando estava deitado debaixo da árvore , viu chover sobre si u ma tem pestade de pauladas, até que ele r olou de volta para a gruta. Pa ra sua surpresa, descobriu que a princesa e stava de sencantada de um terço do corpo , podendo-se ver j á a figura desde a c abeç a até o busto pudicamente coberto. A princesa tratou d os ferim entos do jovem , m as j á na noite seguinte ele teve de re tornar a o seu calvário, n o alto da serr a. –João NãoAmarelo se esqueça, semoutra reclam ou gem er! o busto. foi esuporte suportoutudo a sova vez,arvoltando para– disse a gruta como uma pedra que rola. Para seu consolo, a princesa já estava desencantada até a cintura, c om braç os e tudo. – Mais uma noite e estarei com pletam ente desencantada! – disse ela, enquanto João m ordia os lábios rac hados de apre ensão: será que aguentaria m ais uma sova? Aguentou, sim, m as não foi fá cil. Desta vez, os agressores invisíveis metera m-no dentro de um barril chei o de espinhos e ca cos de vidro e rolara m-no pela noite inteira. Ao ver-se de volta à gruta, porém, todo o martírio foi rec ompe nsado com a visão da princesa de Bam buluá totalmente desencantada. *** A segunda parte com eça com uma viagem que João e a prin cesa fizera m até uma cidade vizinha.
– Agora parto para m eu reino – disse ela. – Enquanto estiver lá, você deverá instruir-se aqui na linguagem dos pássaros e em todos os demais saberes de um homem que pretende ser m eu esposo. João prometeu que estudaria tudo o que fosse preciso. – De ano em ano virei vê-lo, até cumprirem-se cinco anos – acrescentou a princesa. – Minha visita anual será curtíssima, durando apenas um a hora. Adeus. João ficou na c asa de uma prec eptora velha e horrível, ma s que possuía duas filhas j ovens e lindas. Logo nos primeiros me ses, ao ver que o j ovem , apesar de fe io e a marelo, era m uito estudioso, a velha de cidiu ca sá-lo com um a das filhas. – A princesa que arrume outro! – disse ela. Quando fec hou o primeiro ano, a princesa veio ver João, m as a velha ha via lhe dado uma “dormideira”, que é como se chamam, nos contos de fadas, as poções para adorm ecer. Resultado: João não pôde ver a sua adorada princesa, e ela retornou, muito frustrada, à corte. Nos anos seguintes, a coisa se repetiu, e a princesa vinha e partia sem ver seu pretendent e. Então, ao cum prirem -se os cinco anos , ela c hegou à conclus ão de que e le a ha via e squecido. soubepar que a princesaonão queria m ais vê-lo, entrou em pânico e fugiuQuando da ca saJoão da velha a encontrar reino da amada. De pois de andar por tudo, foi dar numa casinha à beira-mar. – Ó de fora, entre já e agora! – disse uma vozinha no interior. João e ntrou e deparou-se com um velho velhíssimo. – Sente-se – disse o fio de voz, que era quase um pipilar. João contou que procurava o reino de Bambuluá. – Sou o Príncipe dos Pássaros – respondeu o velho. – Pode ser que algum de meus súditos saiba lhe indicar o caminho. O velho tomou de um a m atraca e c ome çou a girá-la, réc- réc -réc , e surgiu dos céus uma tam anha nuvem de pássaros qu e o dia quase viro u noite. As aves entrara pelas j anelas e por todos os vãos da casa, e c omeç ara m a a taca r o ovem ,m j ulgando-o um inimigo. Depois que o velho acalmou as aves, fez um inquérito para saber qual delas sabia o c am inho para o r eino de Bam buluá. Nenhuma sabia. – Então só lhe resta ir amanhã bem cedo perguntar a meu pai onde fica – disse o velho. – Seu pai? – exclamou João, incrédulo de que aquele velho ainda pudesse ter pai. – Ele é o Rei dos Pássaros e mora lá, em tal lugar – disse o Príncipe dos Pá ssaros, que, pelo andar da c arruagem , parecia que j am ais chegaria a ser r ei. A ca sa do Rei dos Pá ssaros ficava na enc osta de um morro. O tal rei er a tão velho que m ais parecia uma bola de penas encolh ida j unto à lare ira. – Rei dos Pássaros, preciso saber onde fica o reino de Bam buluá – disse o visitante. Dentre os dedos recurvos do velho pássaro estava um apito de prata, que
ele levou à boca. Um assovio estridente escapou do apito, e nova nuvem de aves tapou o sol e o céu. A passarada quis botar-se inteira, também, contra o forasteiro, m as o Rei impediu o ma ssacre. – Digam onde fica o reino que o jovem procura – ordenou o velho. Infelizmente, ninguém sabia, e só restou ao Rei dos Pássaros sugerir ao visitante que fosse fazer uma visita ao seu pai, o Imperador dos Pássaros. – Como? – disse o jovem , no limite da incr edulidade. – A sua casa fica em tal lugar – disse o Rei. – Ele é im perador, e imperadores sabem de tudo. João saiu e subiu uma colina enorm e até depa rar-se c om um a casinha branca. Desta vez, ninguém mandou-o entrar, o que ele fez por conta própria. Na pequena sala, não havia nada senão uma cabaça suspensa num gancho em cim a do fogo. João olhou para dentro e viu um pe queno pássaro, todo enrolado em ram as de algodão. Era o po deroso Impe rador dos Pá ssaros. – Senhor Imperador, pelo amor de todas as aves do m undo, diga-me onde fica o re ino de Bam buluá ou vou morr er de desgosto e exa ustão! O Im pera dor, movido pela piedade , tomou das ra mas do algodão um osso de ema e assoprou por entre os furos. Um ruído fino mas estridente cortou os ares, e foi tudo de novo, o bando de pá ssaros, depois as bica das no intruso, até que confes saram não saber de nada. Um urubu velho e depenado, no ent anto, que ficar a num c anto, pare cia saber f inalme nte a resposta. – O reino de Bam buluá fica para além do Inferno, m as antes é preciso sobrevoar a caldeira do Diabo. O Im pera dor dos Pá ssaros ordenou a João que dess e um boi inteiro para o urubu com er, pois seria e le a sua m ontaria para transpor o fogo do In ferno. – Ele? – disse João, ao ver o urubu quase pelado. – Dê-lhe de comer e amanhã estará como um gavião – disse o imperador. O urubu comeu o boi inteiro e readquiriu, como por mágica, todas as suas penas. No mesmo instante, João montou nas costas da ave, e puseram -se a caminho do reino da amada princesa. João fe chou os olhos, e tudo o que c onhece u do inferno tra nsposto foi um calor enorme no traseiro. Então, quando sentiu uma brisa divinamente refrescante, reabriu os olhos e viu-se numa campina verde e amena. O urubu deu-lhe a deus, e João seguiu sozinho até a vistar, no topo de um a m ontanha, um palácio realm ente deslumbrante. No caminho do palácio, ele parou na casa de uma velha solícita. – Faça um pouso aqui, jovem andarilho – disse ela. Então, sem dizer nada, a velha sacou um violino estropiado e começou a tocar uma mistura estridente de valsa e mazurca . João pediu para a ve lha lhe dar o instrumento. – Tenho cordas novas – disse ele, pois a princesa lhe dera um conj unto antes de partir. João trocou as cordas e com eçou a tocar ele m esmo. As cord as era m enca ntadas, e log o a velha com eçou a re quebrar- se fe ito doida. Em pouco tem po, todo mundo que passava na rua e ntrava e punha-se tam bém a danç ar
freneticamente. Um a m ensageira ti nha sido enviada ao palácio para pedir comida. Ao chegar de volta, porém, ela a tirou o tabuleiro para cim a e saiu dança ndo junto com os outros. Enquanto isso, no palácio, ma ndaram outra mensageira c om mais comida, imaginando que a primeira tivesse se perdido. Resultado: a segunda tam bém caiu na dança, e todos no palác io ficar am ainda m ais intrigados. – Que alaúza se passa lá embaixo? – perguntou a rainha, afinal. Após juntar-se c om as suas dam as de c ompa nhia, a digníssima senhora foi ver pessoalm ente oo que se passava termera inou, ela atam béme, caindo dança. Logo em seguida, rei foi ver o quee houv com rainha não deunaoutra, caindo ele tam bém na fe sta. Todos estariam dança ndo até hoje se João não ti vesse posto um fim à sua arte. – Minha filha se casa am anhã – esbravejou o rei. – Você há de tocar na festa ou então terá sua cabeça cortada! Quando João chegou ao palácio, a princesa re conhece u nele imediatam ente o antigo benfeitor. Sem pestanej ar, ela a nunciou ao pai q ue não se ca saria m ais com o seu noivo, um oficial enfa donho de bigodes enc erados como ganchos , m as com o seu primeiro e verdadei ro am or, o tocador de rabec a.
A M ENINA DOS B RINCOS DE OURO
Ainda hoj e circula por aí este cont o saboroso, que com eça a ssim. Havia uma menina que gostava de ir bu scar á gua na fonte, sem pre c om seus brincos de ouro. To da a delícia da sua vida e ra ver-se refletida na água c om aqueles dois pingentes dourados, um em cada orelha. Certo dia, ela resolveu tirá-los um pouco, para banhar-se na água, pois tinha m uito medo de per dê-los na c orre nteza. Ao sair, po rém, esqueceu-se de rec olocá-los, e e les ram lá naque m esquecera argem . os brincos am ados, ela voltou Ao chegar emfica casa e ver corre ndo à fonte. Ao re tornar lá, porém , deparou-se com um velho asqueroso. – O que quer, fedelha? – rosnou o velho. – O senhor não viu por aí uns brincos dourados? – Não, mas estou vendo um a bela menina de cabelos dourados! Apesar de velho, ele a inda tinha forç a o bastante para fazer ruindade e , com uma ra pidez espantosa, tomou a m enina e enfiou-a num saco. – Agora, você vai ficar quietinha aí dentro do surrão até eu m andar você cantar! – disse o velho, levando-a na s costas, ao m esm o tem po em que lhe ensinava um a c antiga que ela deve ria re petir sem pre que o velho fosse fazer seus peditórios. Ele dizia: “Canta, canta, meu surrão, senão te meto o porretão!”, enquanto ela tinha de responder: “Metida no surrão de couro, nele hei de sofrer, por causa de uns brincos de ouro, que na fonte ac hei de perder !”. Os dois andara m pra c ima e pra baixo o dia inteiro, e a cada novo pedido do velho uma bordoada no saco f azia a pobre menina repe tir a sua ladainh a: – Metida no surrão de couro, nele hei de sofrer, por causa de uns brincos de ouro, que na fonte achei de per der! Certo dia, as andança s do velho levar am -no à ca sa da m ãe da m enina dos brincos de ouro. Ao reconhecer a voz da filha, a mãe, aflitíssima, convidou o velho para passar a noite na ca sa. –O Ovelho senhor está muitocom cansado. Coma, beba e depois ponha-se a descansar! enca ntou-se tanta ca ridade, e specialmente com aquele negócio de beber. Depois de entornar quase uma pipa de vinho, ele se atirou numa esteira e começou a roncar feito um bugio. Então a mãe, expedita, tratou de abrir log o o surrão e retirar a filha, quase morta, do seu interior. – Filhinha amada! – disse a mãe, enternecida, ao ver a m enina ainda com os brincos de ouro que ela lhe dera no seu aniversário. Enquanto o velho dorm ia, a mãe encheu o surrão de e xcre mentos dos porcos e galinhas da casa, e deixou-o partir no dia seguinte como se levasse ainda no surrão a pobre m enina. –Depois Adeus,demas voltarei, pois de aqui passei muitovoltou bem !a–roer disseasotripas velho.do velho. andar um quarto hora , a f ome – Prepare-se, menina, pois é hora de cantar! Ao chegar a outra casa, bateu p almas e uma senhora a parece u. Como sem pre e le disse ao surrã o:
– Canta, canta, m eu surrão, senão te m eto o porretão! Só que desta ve z o surrã o ficou m udo. – Quer apanhar, fedelha? – disse ele, repetindo o refrão: – Canta, canta, meu surrão, s enão te m eto o porretão! Nada outra vez. Então, tomando o porre te, o velho aplicou um a paulada com tal forç a no surrão que ele explodiu, enchendo-o de titica de porco e de galinha, dos pés à cabeça. O velho, depois me disso, foi com presoou e esem nforca do, para apre nder a nunca mais andar por a í raptando ninas brincos de ouro.
OS Q UATRO LADR ÕES
Segundo Câmara Cascudo, o conto que vamos ler agora é tão antigo “que fazia rir aos cruzados”. “Os quatro ladrões”, de fato, é um dos contos mais dissem inados pelo m undo – sua prim eira apar ição se fe z na Índia, na m ais remota Antiguidade, até encontrar no Brasil a sua moderna versão tropical. Diz-se, pois, que quatro ladrões estavam descansando certo dia debaixo de uma árvore quando vi ram passar um sujeito gordo levando consi go um boi enorme– Vejam e rec honchudo. , am igos! – disse o Ladrão Um . – Ali tem os carne para o ano todo! – Psiu! Vam os passar logo a perna no bobo – disse o Ladrão Três. O Ladrã o Quatro, que não e ra de m uita conversa, si mplesm ente seguiu os demais. Já estavam quase chegando q uando o Ladrão Um teve uma ideia m elhor. – Mesm o estando em quatro, este gorducho ainda pode nos criar problem as. Vamos nos separar e fazer o seguinte. Ele e xplicou direitinho o plano, e logo os quatro estava m espalhados pela mata. O proprietário aparecer pela frente. continuou seu caminho com o boi até o Ladrão Um lhe – Bom dia, senhor cachorreiro! – disse ele, sorridente. O gorducho aper tou os olhos para ver quem era o a utor da bobagem . – Cachorreiro, disse você? Onde há cachorro por aqui? O Ladrão Um fez um a r de pasmo e re trucou: – Ora, e este cãozinho felpudo aqui, o que é? – e passava a mão no cachaço do touro, enquanto a ssoviava. O gordo, m eio assustado, de u as costas e saiu ligeiro, puxando o boi pela corda. – Só dá louco por aqui! Andou alguns e secom deparou o Ladrão – Lindamais m anhã parapassos passear o fila!com – disse este. Dois. – Está m aluco? Que fila? – exclamou o gorducho. – O cão fila, aí. Meus parabéns, deve ser caçador, e dos bons! – Se ele é um fila, você é um vira-lata! – exclam ou o gorducho, levando o boi. Andou m ais um pouco até topar com o Ladrão Trê s. – Ora, viva – disse este. – Já vai cedo pra caça? – Ah, m eu Deus! Que caça? Não vê, então, que levo um boi? O Ladrão Três caiu na gargalhada. – Ah, ah! Boa, esta! Mas que é cão, é! E cão dos bons! O Ladrã o Três pontudo com eçouaqui a alisar as fuça sDeve chatasfarejar do boi.um a cutia a – Este focinho não engana! quilômetros de distância! – Adeus! – disse o gorducho, levando o boi de arrasto. No seu íntimo, porém, crescia cada vez mais a dúvida.
– Será boi mesm o? – disse ele, parando, a certa altura, para conferir. Ele havia c omprado o bi cho na feira, m as agora com eça va a desconfiar de algum logro m uito bem engendrado. Neste ponto o boi mugiu alto, para desfazer a dúvida, e o proprietário acalmou-se. – Graças a Deus! É boi, mesm o! E que mugido! Seguiu adiante, c erto de que um a e pidem ia de loucura grassava por perto. De r epente, porém , surgiu-lhe pe la frente o Ladrã o Quatro. – Ah, aí está! – disse ele, a sorrir. – Pelo latido bem vi que era um senhor perdigueiro! – Que loucura! – exclamou o gordo. – Onde há cachorro algum por aqui? ão vê, então, que é um boi, estrupício? O boi abanou a c auda, nervoso , e o Ladrã o Quatro ar reganhou ainda m ais os dentes. – Ah, ah! Abana o rabo que nem cachorro mateiro! E vem me dizer que é boi! A esta altura o boi, apavorado, pressentindo que ia virar um assado antes do tem po, come çou a deit ar pela boca um a e spuma branca. – Oh, m as que pena! – disse o Ladrão Quatro. – Parece que o seu cão está hidrófobo! Depois desta, o gorducho não quis saber de mais nada: atirou a corda pra cim a e saiu corr endo m ata a fora antes que o buldogue ra ivoso o estraçalhasse. Assim que o gorducho s umiu, os quatro ladrões se re uniram e pa ssara m a fac a no boi. Ao que consta, e stão c arneando o bicho até hoj e.
AV ENTUR AS DE PEDRO M ALAZAR TE I
Pe dro Malazarte é um personagem ladino. Ele e migrou da Espanha e de Portugal para o Brasil e a cabou se aclimatando muit o bem por aqui. É o re i da esperteza e continua popularíssimo por todo o interior do Brasil. Certa feita, Pedro f oi trabalhar em uma fazenda. O patrão gos tava de arr anca r, literalm ente, o couro d os seus em pregados. (Pedro tinha um irm ão que voltara par a casa sem uma tira de couro nas cos tas.) Assim que Malazarte chegou à fazenda, o proprietário lhe deu uma cadelinha. – Já viu, hein! Vá para a plantação e só volte para almoçar quando a cadelinha quiser! Já era m duas da tarde e a cadelinha, esparram ada na sombra, não faz ia menção de se mexer, e a barriga de Malazarte roncando de fome. Então ele assobiou e a pontou para a casa. A ca delinha abriu um boce jo de engolir o mundo. Depois, mastigou o ar três ou quatro vezes e recaiu na modorra. – Já vi a tapeação! – disse Pedro, injuriado. Toma ndo um pe daço de pau, ele apli cou uma lam bada daquelas n os quartos da c adela. Como um raio, a bicha saiu gani ndo e coxea ndo na direção da casa. Pe dro Malazarte a pare ceu, em seguida, na var anda do prop rietário. – Também quero com er – disse ele, sisudo. O proprietário, refe stelado à m esa, torceu o nar iz e disse para Pe dro ir à cozinha “ se a viar com o que houvesse”. Malazarte ra spou os restos das panelas e voltou à plantaçã o com a cadela. Ali pelas oito da noite, quando até o sol já desmaiara de insolação, Pedro viu a cadela dei tada de barrig a para cima , sem dar a m enor most ra de querer retornar. Então ele a açoitou com o pau, outra vez, e a cadela voltou de olhos arre galados para c asa. Antes de deitar, Pedro foi com unicado da tare fa do dia seguinte. – Já viu, hein! Amanhã vai limpar a roça de m andioca! Malazarte pagou os pecados, mas limpou inteira a roça maldita. – Está limpa, meu patrão – disse ele. O fa zendeiro fez cara feia e latiu outra ordem , que par a isso ele er a bom . – Já viu, hein! Amanhã vai trazer o carroção carregado de pau sem nó! Malazarte cortou todo o bananal, que é pau sem nó, e entregou tudo. no dia seguinte, o pa trão m andou me ter o c arro de bois para dentro de um Então, casebrezinho. – Põe tudo lá dentro, mas vê lá, hein, sem passar pela porta! O patrão e ra prec avido. Antes de ir deit ar tratou de passar a chave na porta
do casebre , só para se gara ntir. Depois escondeu m uito bem a c have. Ao chegar ao ca sebre e ver que a porta estava sem jeito de abri r, Pe dro tomou de um mac hado e foi pra c ima da ca rroça e dos bois e picou tudo em pedaços. Depois foi até a j anela e atirou parte por parte para dentro do casebre. – Está tudo lá dentro, meu patrão – disse ele ao fazendeiro. – Então prepare-se que amanhã, antes do sol, você vai à feira vender porco. ponto, o diabopra roncou tripas de Malazarte, decidiu queo era hora deNeste aprontar, também, cimanas do fazendeiro. Ao chegare ele à feira, cortou rabo dos porcos a ntes de vendê -los. Depois, enterr ou-os, às escondidas, num lam açal, na propriedade do faz endeiro, e foi ter com ele. – Acuda, senhor, que a porcada está atolada no barro! O fazendeiro, apavorado, foi correndo salvar o prejuízo, enquanto Malazarte tomava emprestado dinheiro da caseira para comprar as pás para desenterrar a bichada. – Dê-m e logo, foi o patrão quem pediu! – disse ele. O patrão ar rancou da lam a só o rabo do s porcos, e ficou ce rto de que o resto a come ra. Ficou de ocaapetite, ma trêslhe dias, consolado ente com o fato de quea terr o desgosto, tirando-lhe diminuía tam unicam bém o prejuízo. Malazarte aprontou outras para o patrão, e a ca da dia e ra um novo prejuízo. Então, o patrão decidiu que o m elhor era liquidar de uma vez com o patife. – Um ladrão de rês anda por aí – disse ele a Malazarte. – Já viu, hein! Am anhã vou montar guar da no curral. À me ia-noite em ponto, venha m e substituir! Na hora aprazada, Pedro, farejando a tocaia, correu até a esposa do fazendeiro. – Rápido, seu m arido a espera no curral. Leve este bacam arte, pois há ladrão por aí. A velha tomou o bacam arte e se foi ao curr al. Ao se aproximar do cerca do, apanhou uma tal carga de chum bo e vidro moído pela ca ra que desabou morta por terra . Neste instante, Malazarte surgiu, acusadoram ente. – Aqui! Acudam todos, que o patrão matou a esposa! Toda gente c orre u para ver a desgraça . O proprietário, sentindo a c orda da lei no pescoço, ofer eceu um alforj e c heio de dinheiro para Malazarte sum ir e nunca mais falar nada a respeito. E foi assim que P edro Malazarte voltou rico para casa, e c om toda a pele no corpo.
AV ENTUR AS DE PEDR O M ALAZAR TE II
Malazarte andou às voltas com um urubu adivinho. Como tudo isso acontece u, saberem os agora. Andando pela roça, Pedro Malazarte topou, um dia, com um urubu todo machucado. Tinha uma asa partida, uma perna quebrada, e as penas no corpo contavam uma sim, outra não. – Para algo ainda há de servir – disse ele, enfiando o bicho m oribundo para dentro de um saco. Pe dro seguiu viagem até c hegar, noi te alta, a uma casa m uito bonita. – Ô, de casa, tem comida para um viaj ante? – disse ele, batendo palmas. Uma mulher de rosto todo pintado surgiu no vão de uma persiana. – Não tem comida nenhuma, dê o fora! – ralhou ela. Malazarte subiu numa á rvore e viu a m ulher e scondendo num arm ário várias travessas cheias de comida, além de quatro botijas de um vinho gostoso de fazer bico. Malazarte desce u e voltou à carga, batendo palma s. – Se não tem comida, dê-m e abrigo. – Eia, fora! Meu marido não está em casa! – disse ela, azeda. – Não hei de rec eber pela porta da fre nte um homem estranho, como um a desavergon hada! Dali a pouco, chegou ou tro homem , todo em buçado. Es te não er a estranho e foi recebido pela porta dos fundos. O j antar ia no auge quand o o ma rido, chegando de re pente, desce u do cavalo e entrou n a c asa. Assim que a porta da fre nte se fe chou, a dos fundos se abriu e o visitante discreto sum iu. Malazarte a chou que er a a hora ce rta para vol tar a c arga. – Ó, m eu senhor, dá-me comida! Desta vez, ele foi levadode c ondignam ente até a sala antar. A cjanela. omida que veio, porém, era uma lavagem porco perto daquela que de elej vira pela Então, ao se lem brar do urubu , ele com eçou a cochichar a lgo com e le. – Com quem o am igo conversa? – disse o dono da casa, revirando no prato o m ingau fe dorento. – Oh, não é nada, não – disse Malazarte, indiferente. – É só um urubu adivinho. – Urubu adivinho? Esta é forte! Nunca vi tal! Faça-o adivinhar algo! Então P edro c ochichou com o bicho m oribundo, que se r em exeu de ntro do saco, lançando um grasnido lam entável. – Ele diz que dentro daquele arm–ário há comida Mulher, abra j á esse arm ário! ordenou o donoe bebida da casa.de deuses. Torce ndo a boca de todas as form as, a altíssima dam a escanca rou os batentes e retirou a comida apetitosa com a qual ela e o visitante discreto haviam se re festelado um pouco a ntes.
– Ora viva, este urubu é realm ente prodigioso! – disse o dono da casa. Malazarte com eu e bebeu do bom e do m elhor e, antes de se re tirar, ainda vendeu o urub u profeta a o dono da c asa por um a pe quena fortun a. Antes de pa rtir, o urubu deu um silvo, e o dono da c asa quis saber o que era. – Ele acabou de profetizar a coisa m ais importante da vida dele. Malazarte picou a mula e, logo depois, o urubu deu o couro às varas, ou sej a, morreu.
AVENTURAS DE PEDRO MALAZARTE III
Mais duas trapaça s fa mosas do Malazarte. Na primeira, vinha ele por um a picada na mata quando viu um cocô daqueles de positado no c hão. Hom em atento aos sinais do universo, dec idiu que ali havia um para ele, bem evidente. Após tirar o cha péu, colocou-o em cim a do negócio , com o quem prende algo muito valioso, e a ssim e steve até ve r a vançar pela picada o prime iro bobo do dia.O suje ito, bem vestido e c om um ar simplório, aproximou-se, c urioso. – O que tem aí debaixo do chapéu? Malazarte enterrou com mais força o chapéu, como quem tenta impedir a fuga de algo. – Acabei de capturar o pássaro mais raro e valioso de todo o Brasil! O sujeito sentiu água na boca. – Não diga! Deixa eu ver! – Não tem ver, nem meio ver! Quer que o bicho fuj a? – Vale m uito, é? – Pois não disse que é o pássaro mais raro do Brasil? –Malazarte Então eumo irou comna pro, de uma você!pequena Quantofortuna. quer? luaagora, e pediu – Fechado, passe a ave pra cá! Malazarte recebeu o dinheiro e depois disse: – Espere aqui. Vou comprar um a gaiola para que você possa levar o pássaro com segurança. O homem ficou encantado. – Oh, é muita gentileza! Eu fico aguardando! Malazarte apertou bem os cadarços das botinas e deu as de vila-diogo, com o se dizia pra lá de a ntigam ente, que é o mesm o que dizer que se m andou para nunca m ais aparecer. ficou umver tempão cócoras sobtornava o sol, pressionando o chapéu contraOo otário chão, m as, ao que ode outro não re de j eito nenhum, decidiu levar a ave para casa na próp ria mã o. Erguendo muit o de leve a aba do chapéu, ele int roduziu a m ão a té tocar em algo. – Ah, m aganão, tenho-te preso! – disse ele, cerrando os cinco dedos ao redor da c oisa. Então sentiu, aterrorizado, que a coisa se esmigalhara toda, feito sabão. – Mãe das corujas, esmaguei o bichinho! E só ao retirar o cha péu foi que ele viu o cocô fe dido que a garra ra. *** A segunda trapaça do Malazarte foi a seguinte. Estava ele viajando pelo interior quando decidiu parar no caminho para saborear uma sopa de guisadinho com batata, c oisa m uito da sua predileção.
Depois de pegar sua velha paneli nha, ace ndeu um fogo e m andou brasa na fervura. Não dem orou m uito e a sopa com eçou a borbulhar e a largar uma fum acinha branca de dar gosto. Neste instante, aproximou-se um bando de matutos numa carroça. Ligeirinho, Malazarte desmanchou a fogueira até não restar qualquer vestígio de fogo. A pane la, ainda fervente, ficou s obre o pó ra so do chão. Quando os matutos passaram e viram aquela panela fe rvendo sem fogo algum por baixo, deixaram cair os queixos de estupor. –Malazarte Ó, cumpadre, que panela herege quee cose sem fogo? continuou m exendo com éa essa c olher, spalhando a f uma ça olorosa. – É uma panela moderna, im portada pelo mar – disse, com desdém . – E como diacho cose sem fogo? – É o metal. Largou coisa dentro, ele ferve por si. Os matutos ficaram tão abismados que resolveram fazer uma oferta pela panela. – E matuto lá tem fundos para pagar um brinco desses? – exclam ou o Malazarte. Os m atutos retiraram dos bolsos os seus lenços d e quadrados e c ome ça ram a palmear os níqueis, enquanto Malazarte bufava de desprezo. –Então É escusado contar, que não nem colher!uma c anastra velha e um deles, retirando dospaga ocultos da ac arroça carunchada, extraiu d ela um em brulho cheio de notas verdes e graúdas. – Vai entregar os guardados todos? – disse um dos matutos, coçando o cocuruto. – Ó se vou! – disse o da canastra. – Um a panela dessas vale ouro, cumpadre! O matuto pegou os maços de notas e mais os níqueis dos outros e despejou tudo aos pés de Malazarte. – Aí tem dinheiro que chegue? Malazarte deu um a olhada de esguelha e depois suspirou, com o um mártir do mundo. – Vá, é de vocês, mas só depois de eu terminar a minha sopa. Quando não tinha mais um restinho de comida no fundo da panela, foi que ele entregou aos matutos a sua preciosidade. – Adeus, e façam muito bom proveito! Malazarte ca iu na e strada e sumiu. Quanto aos m atutos, estariam com endo comida crua até hoje se não tivessem se resignado, depois de infinitas tentativas, a m eter um as brasinhas debaixo da panela.
O COELHO E A TARTARUGA
Um dos gêneros mais apreciados da literatura oral mundial é o da disputa de velocidade e ntre bichos ou gente. P ode-se dizer que a coisa ve m desde as cavernas, não havendo parte a lguma do mundo onde não se cont e a lguma variante da f ábula que, tam bém no Brasil, conheceu m ais de um a ver são. Diz-se, pois, que o coelho, sem ter mais coisa para fazer, decidiu desafiar alguém para uma corrida. Como detestava perder , escolheu a dedo o seu adversár io: a tartaruga. Pa ra sua surpre sa, no entanto, a rival ace itou o negócio na hora. – Quando quiser – disse ela, serena. – Eu vou pela trilha, e você pelo m ato. Ao ouvir isso, o coelho arreganhou os dentões de raiva e desconfiança. – Ah, quer m oleza, é? Pois só haverá corrida se eu for pela trilha, e você pelo m ato! – Pois sej a – respondeu a tartaruga, aparentando grande contrariedade. O coelho sorriu diante da sua pr ime ira vitória. Mas, por via das dúvi das, decidiu comer uma porção extra de cenouras antes da competição. Na manhã seguinte, quando chegou ao local do encontro, a tartaruga já o aguardava. – Pensei que não vinha mais – disse ela, dando um bocejo. O coelho, então, foi postar-se na trilha de chão batido, enquanto a tartaruga meteu-se no ma to. – Já! – gritou o desafiante. O coe lho corre u com o um r aio pela trilha, levantando um pó de fura cã o. Quando já estava a m ais da m etade do perc urso, olhou para o lado e gritou para dentro da mata: – E aí, moleirona, onde está? Uma voz de tartaruga, adiante dele, respondeu: – Se apresse, dentuço! muito Mais um pouco e cruzo a linha! Branco de terror, o coe lho apertou o passo e c orreu c omo um r aio. Quando faltavam alguns metros, viu um chacoalhar de arbustos, muito adiante, do outro lado da mata. – Andou comendo cenoura demais, gorducho! – disse, outra vez, a m esma voz fanhosa. Louco de pânico, o coelho crio u asas nas patas até alca nçar a linha de chegada . Quando se aproximava, poré m, enxergou o vul to da tartaruga, lá do outro lado, encostada no m arco e de pe rna trança da. Der rotado e humilhado, só re stou ao c oelho abandonar a floresta para nunca mais aparecer. Quando o coelh o fanfa rrã o havia de sapare cido, a tartar uga er gueu a voz, para trás, e saudou as sete outras am igas que, dispostas ao longo do percurso, haviam feito as vezes del a para o rival.
E aqui está com o a tartaruga venc eu o coelho s em sair do lugar.
O TOURO E O HOMEM
Este conto possui várias versões mundo afora. Em vez do touro, como na versão que a gora lere mos, apa rec e, depe ndendo do lugar, o lobo, o leopardo, o tigre, o leã o ou qualquer outro ani mal cé lebre pela sua f orça . Diz-se, então, que, certa feita, o touro, metido nas profundezas da floresta, só ouvia falar do homem e de suas proezas. Como não o conhecia, decidiu, um dia, tirar a prova da forç a de a mbos. Depois perc orre r quilômetros dade m deparar-m ata, ganhoueacom estrada, inal. ! – Muitode bem , agora, certamente,dentro haverei um af homem – disse o touro, de ventas arreganhadas. Andou um pouco pela e strada a té avistar um ser bípede e todo encurvado. – Este, certamente, não é um homem – disse o touro, avistando, na verdade, um pobre velho. Mas, por via das dúvidas, ele dec idiu perguntar: – É você, porventura, um homem? O velho custou a e rguer a cabeça e respondeu, batendo as gengi vas: – Já fui um homem , mas há m uito deixei de ser! O touro, che io de despre zo pelo ex- homem , insistiu: –– Então, diga-me posso encontrar homem ! desencantado. Siga adiante, elesonde estão por toda parte um – disse o velho, O touro em pertigou-se e seguiu adiante até e ncontrar um a m ulher f eia e azeda. – Certamente que você não é o bicho homem! – disse o touro, com ironia. – Só se você for a vaca – disse a mulher, que não andava para graças. O touro fuzilou-a com um olhar irritado. – Diga logo onde encontro o bicho homem! – Siga adiante, chifrudo, e vai dar de focinho com uma dezena deles! Mais adiante, o touro depar ou-se com um molec ote. – É você o bicho homem ? – disse, logo de cara, o touro. –– Ainda não,que maseuserei breve! o moleque, estufandoo otouro, peito. Acontece não em tenho tem po– disse para esperar – respondeu dando adeus. Quando o touro já começava a achar que aquela hi stória de bicho homem não passava de um a invençã o, aparec eu, finalm ente, no fim da estrada, um bicho homem inteiro e acabado. Algo no íntimo do touro lhe disse que encontrara o seu rival. De pois de firmar -se bem sob re a s pernas e preparar os chi fres para um a boa ma rrada, estava pronto para o confronto. – Muito bem , fanfarrão! É você o bicho homem ? – bufou ele. O homem , que e stava c om um bacam arte na m ão, olhou para o to uro e confirmou: – Decerto que sou o bicho hom em . Por que quer saber? – Porque quero que m e prove, agora, que é o mais forte dos anim ais! Ao escutar isso, o homem em pinou o bacam arte e despej ou uma c arga de chum bo na cara do touro, que saiu correndo de vo lta para a mata c om quantas
pernas tinha. Algum tempo se passou até que o touro se curasse das feridas. Então, rec ebeu a visita de um a comissão de a nimais para saber que cois a achar a do tal bicho homem. Apesar de tanto tempo passado, o touro não podia esconder o assombro que a lem brança do encontro ainda lhe ca usava. – De fato, o bicho hom em é o mais forte e tem ível dos animais! – gemeu ele. Depois, fe ridasme na cfez ara,todo a cresce ntou: – Pois semostrando só com umasespirro este estrago...!
O DECRETO DA PAZ
Diz-se, pois, que no tempo em que os animais ainda falavam, todos brigavam e se com iam ainda mais do que hoj e, numa disputa perpétua. Então, ce rto dia, o ga lo, do alto do seu poleiro, avistou a raposa a proxima rse. Ele j á pre para va-se par a dar seu grito de a lerta ao galinheiro quando a raposa, aba nando a c auda, gritou: – Não carece m ais de alerta, compadre galo! O leão, rei da selva, acabou de prom ulgarnão umacdecr eto estabelec endo aepacontinuou z universal entre os abigar chos! O galo reditou numa palavra limpando ganta para abrir o berre iro. – Vamos, com padre, desça daí e venha ler com seus próprios olhos! – insistiu a raposa. – Trago comigo uma cópia do maravilhoso decreto! Mas a última coisa que o galo pensava e m fazer era descer para ler o que quer que foss e a o lado da m aior devoradora de ga lináceos. – Vamos, com padre, não sej a m edroso! Acha, então, que eu seria louca a ponto de desrespeitar um decreto do rei dos animais? Neste momento, o cão de guarda do galinheiro, um mastim do tam anho de uma onça, surgiu ninguém sabe de onde, de dentes arr eganhados, numa corrida veloz para cimoaque da robrigou aposa. Uma cachoeira sali va derr am ava pe los queixos do cãozarrão, a raposa a passardesebo nassequatro patas. Ao ver a raposa fugir, o galo, do alto do poleiro, começou então a gritar e a rir: – Não fuj a, com adre raposa! Mostre ao cão o decreto! E foi assim que furou-se o logro da raposa.
O ADIVINHO
Havia, pois, um sujeito que, cansado de passar necessidade, decidiu um dia fazer-se adivinho. Depois de se apresentar no palácio do rei e provar suas habilidades divinatórias, conseguiu tornar -se hóspede real. A pa rtir daí, o sabichão passo u a levar um a vida boa e cheia de r egalos. Certo dia, porém , o rei decidiu pôr à prova os dotes fabulosos do seu adivinho. Grande adivinho, preciso dos seus serviços! Algum miserável furtou a minha–coroa re al! O adivinho ergueu-se do seu leito de sedas e, depois de envergar o seu manto estrelado e colocar sobre a cabeça o chapéu bicudo de mago, mandou reunir no salão r eal todos os criados do palác io. Ao chegarem lá, deparara m-se todos com uma pequena c riatura colo cada sobre um poleiro. Ela estava e nvolta num pano tam bém estrelado. – Aqui está o galo carij ó de sua maj estade – anunciou o adivinho, num tom cavernoso. – Doravante, ca da um de vós deverá introduzir a mão por deba ixo do manto e ac ariciar as costas do galo. Aquele que o f izer cantar será o culpado do furto da c oroa. um, os criados foram alisar o gritava galo. Cada vez que um deles introduzia a mãoUm por adebaixo do m anto, o a divinho algumas palavra s extravagantes com o estas: – Carijó real, aponta o ladrão assim que o larápio meter-lhe a mão! Ficaram nisso o dia inteiro, até que, encerradas as alisações, o adivinho mandou todos os criados estendere m a m ão com a qual haviam alisado o carijó. De todos os criados, apenas um não tinha a mão suja de fuligem . – Muito bem , é este o ladrão – disse o m ago ao rei, apontando o sujeito das mãos limpas. Um oh! de assombro subiu até a a bóbada do salão e de sceu com o um e co. – Como fez para descobrir? – disse o rei, curiosíssimo. Ascom costas do carij ó estavam besuntadas de fuligem . Todos–osMuito que asimples, alisaramalteza. ficaram as mãos sujas, mas este, temendo ser denunciado, ape nas fingiu alisá-la. E foi assim que, pela prime ira vez naquele reino, um ladrã o teve a ca beça cortada por ter a s mã os limpas.
O CASAM ENTO DA M ÃE-D’ ÁG UA
Havia, pois, um pescador que de pesca dor, ultimam ente, só tinha o nom e, pois não conseguia levar para casa peixe algum. Então, certo dia, obstinando-se em derrotar a maré de azar, ele decidiu permanecer pescando noite adentro, até arr anca r qualquer c oisa que fosse das á guas. – Daqui só saio com um peixão de encher os olhos! – anunciou ele, lançando o anzol. se foi, a noite nadanodemar peixe, que, de repente, lá pelas tantas O dasol m adrugada, um chegou, clarã o see fez e umatéa cantoria de m ulher subiu harm oniosa das águas. Aquilo tinha todo je ito de visagem , e o pe scador se e ncolheu todo, dando quase para se e sconder atrás do sam burá vazio. Mas a c antoria não c essava, até que uma criatura esplendorosamente bela emergiu das águas e foi acomodar-se numa das pedras, um pouco depo is da re bentação. Bem , se o pesca dor queria algo de enc her os olhos, re alm ente c onseguiu o que queria, pois a criatura era realmente deslumbrante. Da cabeça à cintura ela era mulher, e da cintura para baixo era peixe. O pe scador, que nã o tinha m ulher nem peixe, sentiu-se duplam ente recompensado. – Deus é m esmo maravilhoso! – disse ele, depois de blasfemar a noite toda. De r epente, a m ulher-pe ixe m ergulhou e o pescador e ntrou em pânico. – Espere, volte...! – gritou ele. Fez-se o silêncio, até que a cantoria re com eçou, desta vez bem próxima, a ponto de o pescador ficar m eio hipnotizado. Ele entrou no mar, ficando com a água pela cintura, até que a mulher-peixe apareceu bem na sua frente. Com os cabelos m olhados e o tors o com pletam ente nu, era uma visão de sonho ou de pesadelo deleitoso, o que acharem melhor. – Quem é você? – balbuciou ele. –O Sou a Mãe-d’Água, e voupeixe ensiná-lo a pescar – disse a sereiavergou tupiniquim. pescador apanhou tanto naquela noite que o samburá de peso. *** A partir daí, come çou um r oma nce e ntre o pescador e a Mãe -d’Água, que culminou num pedido de ca sam ento. – Sim, eu quero! – disse ela, donzela ingênua e sedenta dos prazeres do matrimônio. – Você irá viver comigo? – perguntou o pescador. – Está vou o. viver em terra com você – disse ela, cedendo. – Mas imponho umabem, condiçã O pescador fr anziu a testa, pois era um tipo truculento. – Só viverei com você enquanto não desfizer da m inha gente do m ar. O pescador suspirou a liviado!
– É claro, jamais falarei mal da sua gente! – disse ele, esquecendo-se logo do que prometera. A par tir de sse dia, os dois foram viver na c abana do pescador. Quando a Mãe-d’Água chegou ao “nin ho de a mor”, entretant o, teve de fazer um esforço enorme para escond er a sua dece pção. “Que pobrez a!”, pensou ela, ao adentrar o ca sebre de duas peça s. Um morma ço sufocante pairava ali dentro. Não h avia c am a nem rede para deitar, só uma esteira atirada no chão batido. A m esa, por sua vez, nada mais do que tábua comprida deitada sobre duas pilhas completavam de tijolos. Dois latõesera vazios de uma óleo de cozinha, postos de cada lado da mesa, a mobília. Mas o que realmente a incomodara fora a mudança no caráter do esposo. Desde a c hegada, ela per cebera que os modos do galante pescador havi am se alterado radicalmente. – Deite-se aí! Tem a esteira inteirinha dando sopa ali. Iara aproximou-se cautelosam ente da e steira toda desfiada. Quando est ava a um passo dela, porém, retroce deu instintivam ente: uma lufada de urina sec a explodira nas suas narinas rosadas com o uma bofetada. – Água e sabão têm por aí, peixinha. Trate de limpar a casa. A Mãevirou-se para o esposo, m as ele j á saíra. E f oi assim que começou o seud’Água martírio terrestre. *** O tem po passou, e o m arido da sere ia foi fica ndo cada vez ma is grosseiro. Já no segundo dia, o tratamento afetuoso mudou. O dia inteiro era um tal de “fa ça isso!” ou “f aça aquilo!” que dava e ngulhos na pobre m oça. Dia após dia, a Mãe-d’Água, obrigada a viver naquela m aloca junto com um home m tão grosseiro, foi p erde ndo todo o encanto p elo ca sam ento. – Então, é isto viver em terra? – dizia de si para si. – O que está reclam ando, agora? – perguntou o marido. Ela desvencil hou-se, enoj ada, m as ele aga rrou-a brutalme nte. – Escute aqui! Comigo não tem choradeira – disse ele. “Onde está aquele pesca dor ingênuo e a dorável?”, pe nsou ela. Então, ela decidiu que, quem sabe tornando o marido rico, pudesse torná-lo novam ente gentil. Graç as aos seus dons mágicos, as bênçã os com eçaram a chover sobre o casal, e logo eles estavam morando num palácio à beira-mar. Pena que e la tivesse de limpar sozinha todos os trezentos aposentos. – Não vou pagar criada alguma tendo uma m ulher em casa! – disse o pescador, com modos ainda piores do que os do tempo da penúria. Então ela desesperou-se de tudo e, a partir daí, não fez mais outra coisa na vida senão pos tar-se, dia e noit e, no j anelão do palácio q ue dava para o m ar e entoar seus cânticos aquáticos de saudade. Infelizmente, as suas árias delicadas e pungentes só conseguiam irritar ainda m ais o marido. Um dia, f inalm ente, ela de cidiu voltar par a casa, custasse o que c ustasse.
*** A Mãe- d’Água sofreu m uito nas m ãos do ma rido ao c omunicar o seu desej o, ma s, perdendo todo o m edo, resolveu enfr entá-lo. – Não suporto mais esta vida em terra! Quero voltar para junto dos meus! – O que quer junto dos peixes malditos? Neste instante, um alívio abençoado desceu sobre a Mãe-d’Água. Ela estava do ma r!finalm ente liberta, pois o m iserável a cabara de m aldizer os seus pare ntes De re pente, o céu ficou n egro e um a onda m edonha com eçou a form ar-se na linha do horizonte. O pesca dor arregalou os olhos ao ver a m assa d’água avança r na direçã o do palácio e, abando nando a esposa, corr eu com o um alucinado para o m orro m ais alto. As água s invadiram tudo, cobrindo o palác io dourado a té o topo, e quando refluíram para dent ro do mar arra stara m consigo a j ovem sereia e o palácio inteiro, até a sua última pedra. E foi assim que a Mãe-d’Água voltou a morar nos seus adorados domínios, enquanto o pescador voltou a ser um pobre-diabo azarado e solitário. Nunca mais conseguiu tirar c oisa alguma do m ar, nem mesm o as tatuíras da a reia, que lhe escorri am ágeis pelos dedos, sem jam ais deixare m-se agarr ar.
OS TRÊS GIGANTES NEGROS
Além de ter deixado influência marcante nos cultos religiosos brasileiros, os africanos no s legar am tam bém algumas lendas d eliciosam ente fa ntásticas, tal como esta dos três gigantes negros. Havia, ce rta fe ita, por estes s ertões, um velho com três filhas. Um dia, a s ovens se enche ram de viver a li e re solveram dar um lustro no mundo. Após percorrerem meio sertão, foram dar num lugar erm o e desconhecido; exaustas, entraram nummeio-tem casebre abandonado e ali curar bolhas dos pés. os Neste po, chegaram tamficaram bém aopara lugar trêsasgigantes ferozes, donos da taper a. Um deles tinha trê s olhos, o outro, dois, e o terc eiro tinha apenas um olho. Ao perce bere m que havia ge nte no ca sebre, quisera m logo saber quem era m as intrusas. – Quem está aí? – disse o Gigante Três. Ao ver o rosto do gigante, as jovens modularam três gritos perfeitos de histerismo. Os gigantes, que e stavam absolutam ente ca lmos, dissera m para elas tam bém se aca lma rem. – Não lhes faremos mal – mentiu descaradam ente o Gigante Dois. a bondade o Gigante lhesdas ofereceu que mPara atavacomprovar qualq uer sede. Neste deles, i nstante, a m aisUm jovem moç asuma lem bebida brou-se do aviso que recebera, a meio caminho, de um pássaro. – Não beba coisa algum a oferecida por gigantes horrendos! Um aviso tão desnece ssário, pensara ela, que se esqu ec era até de a visar as irmãs. Acontece que a s irm ãs era m duas tolas e tomara m logo a beberagem . Resultado: as duas adorm ecera m. No me smo instante, a jovem desperta, nu m ímpeto audaz, com eçou a e ntoar um cântico m ágico afr icano que fez os gigantes fugirem com as m ãos nos ouvidos. Feliz com o triunfo, ela acordou as irmãs, e todas saíram correndo catinga afora. Nem bem haviam começado a correr, porém, e j á os três gigantes surgiram velozes a trás delas, como três m ontanhas negre jando ao sol. – Corram ! – disse a irmã mais jovem. O problema é que não havia mais onde se refugiarem senão numa única árvore que consegu ira re sistir aos fra gores esca ldantes da sec a. – Subam ! – disse a jovem . As duas obedece ram, e logo as três estavam enca rapitadas no topo. Graç as à sua Mãe Oxum, as jovens descobriram, aliviadíssimas, que os gigantes não era m tão altos quanto a á rvore na qual elas haviam trepado. Então c hegou, em primeiro lugar, o Gigant e Três. Apesar de ter tantos olhos, –eleAsnão viu nenhum a das três– fugitivas nas folhage ns ralas. desgraçadas fugiram! disse ele,escondidas seguindo adiante. O chã o tremeu enquant o ele parti a, e voltou a trem er logo em seguida c om a c hegada do segundo gigante. O Gigante Dois m irou bem seus dois olhos sobre a árvore, mas também não viu coisa alguma.
O chã o tremeu, se ac alm ou e voltou a trem er outra vez com as pisadas do terc eiro gigante. Este, que só tinha um olho para enxergar o óbvio, viu logo as três moçoilas escondidas na c opa da á rvore. – A quem pensam que enganam? – rugiu ele. – Desçam já da árvore! Elas não ob edece ram , claro, n em teriam por quê. – Desçam, covardes, e lutem como verdadeiras meninas! – gritou, agar rado ao tronco. Sacando, então, de um machado, o gigante começou a golpear o tronco com fúria. As jovens no alto como bambus, mas nenhuma caiu. – Canta! Canta chacoalharam de novo! – imploraram as irmãs. Então a irmã cantora puxou da memória mais uma cantiga ancestral ioruba e cantou no ouvido do gigante. Desta vez, porém , o grandal hão gostou e com eçou a ac ompa nhá-la. A coisa foi longe, e quando a ca ntoria com eçava a se tornar re alm ente insuportável, aquel e m esm o pássaro que dera o alerta da bebera gem surgiu dos céus e foi pousar na c opa da árvore . – Depressa, leve uma delas! – disse a irm ã cantora, entre as pausas do seu canto. O pássaro tomou no bi co um a das irmã s e levou-a e mbora. Depois , voltou erestante, levou, da m esma seform a, a segun subitamente, da irm ã. Então, aolindo reto rnar para negro. levar a irm ã o pássaro transformou, num príncipe Portando um alfanj e, ele c ortou fora a cabeça do gigante e tomou no s braços a ovem cantora. O príncipe e a jovem casara m-se e f oram eternam ente f elizes. Quanto ao que foi feito das irmãs e dos outros gigantes, isto ninguém jamais se preocupou em saber.
COBRA-NORATO
Certa vez, uma mulher ficou grávida do Boto, o mais famoso sedutor das águas para enses. Um c asal de gêm eos nasceu. Era um lindo casal, só que um casal de cobras d’ água. A m ãe não quis saber deles e foi p edir instruções a um paj é. – Eles são cria da Cobra-Grande! – disse ela, assustada. O paj é, depois de c onsultar seus m anes, disse que ela deveria abandoná-lo s às margens do Tocantins, e assim foi feito. O tem po passou, e a s cobrinhas gêm eas viraram duas cobras gi gantes. Uma delas se chamava Honorato, ou simplesmente Norato, e era uma cobra macho boa e c ordata. Sua irm ã, porém , tornou-se m á e vingativa, e gra ça s ao seu gênio ruim foi chamada Maria Caninana (mal chamada, já que caninana, na língua tupi, quer dizer “cobra não venenosa”). Durante m uito tem po, Cobra-Nora to tentou dem over a irmã da prá tica de maldades, ma s ela não sabi a fazer outra coisa senão a fogar banhis tas e afundar embarcações. – Minha irmã, desta vez você passou dos limites! – disse-lhe Norato, certa feita, depois que ela fora bulir com uma cobra e ncantada que m orava deba ixo do altar de uma igrej a e m Óbidos. Ela sabia que se a c obra saísse dali a igrej a inteira ruiria. Mesm o assim, mexeu com ela e a cobra rem exeu-se. Para felicidade das vel has bea tas, a igrej a não ruiu, ma s ganhou uma rachadura de alto a baixo. – Toma tento, encrenqueira! – disse Norato. – Que tento, nem vento! Quem pensa que é? – silvou a Caninana. Então Norato atrac ou-se c om a irm ã e , depois de um a luta titânica nas águas, matou-a. e ntão, passou a haver umaã,cobra no Tocanti ns, que eraDesde Cobra-Nora to. Após estraç apena alhar as irm ele re sobrenatural cuperou a a legria de viver, tendo adquirido até o há bito de fa zer algum as visitinhas às a ldeias pr óximas do rio, especialmente à noite, tal como seu pai Boto costumava fazer. Cobra-Nora to adorava dançar e, sem pre que havia um bail e, saía das águas para seduzir a lguma moça ribeirinha. Ele tinha o dom de se transportar magicam ente de um lugar par a o outro, e e ra assim que podia ser visto, numa mesma noite, em quatro ou cinco lugares muito distantes. Quando ele a bandonava o r io para fazer suas incursões terre stres, costuma va deixar nas m argens a sua pele de cobra. De dentro dela surgia um rapaz belo e charmoso, irresistível mocinhas. Norato gostava tanto das suasàssurtidas noturnas que desej ou tornar-se um ser humano como os outros. Havia, porém, um sortilégio que o impedia de abandonar as águas. Certo dia, num ba ile, ele pedi u a um a m oça que quebra sse a maldição.
– É simples – disse ele. – Basta que você despeje algum as gotas de leite sobre a minha ca beça e depois dê um golpe sobre ela, o suficiente par a tirar algumas gotas de sangue. – Jam ais poderia feri-lo! – disse ela, em prantos. Norato, porém, arrastou-a até as margens do rio e teim ou para que ela o livrasse do m al. Antes, porém , ele devia a ssumir sua form a original de cobra , e foi aí que tudo deu pra trá s. Ao ver a cobra monstruosa, a pobre m enina saiu corre ndo de volta para a cidade. Norato, pediumesmo a todo mundo o livrasse da m aldição, mas era sem pre a mdesconsolado, esma coisa. Nem a su a mque ãe tivera coragem o bastante para encarar o m onstro e livrá-lo da m aldição. Certa feita, porém , durante um a das fe stas às quais ele c ompa receu, um soldado valente se prontificou a colocar um fim ao sortilégio do amigo. O soldado acompanhou Norato até as margens do rio, levando consigo uma garrafa de leite e a sua inseparável espada. – Pode vestir a pele! – disse ele, ao chegarem ao rio. Norato entrou para dentro da pele e se transform ou, outra vez, na temível cobra. O soldado ficou páli do com o a lua, m as não r ec uou. Depois de a brir a garrafa, despejou algumas gotas de leite na cabeça da cobra e, em seguida, aplicou-lhe umao a valente ladapor namágica, ca beça .Norato Alguma s gotas mdefinitivamente inara m da fe rida, misturando-se leite, e,cuti como tornou-se homem. Desde então, o fabuloso Cobra-Norato deixou de ser cobra. O que foi feito dele depois, ninguém sabe. Há quem diga que virou soldado e foi servir no mesm o batalhão do am igo que o de sencantou, ma s isto deve ser patranha de algum caboclo malicioso.
A FESTA NO CÉU
Este conto é um dos mais famosos do gênero etiológico, ou seja, daquele que explica o porquê de a s coisas sere m com o são. Apesar da sua fa una abundante sugerir um conto puram ente bra sileiro, é c erto que se trata de f ábula importada desde o m ais longínquo Oriente. Esopo, Fedro, La Fontaine e quase todos os fabulistas do mundo recontaram esta lenda que pretende explicar a razão de o sapo – ou, dependendo da versão, a tartaruga ou o jabuti – ter o corpo cheio de re mendos. Diz-se, e ntão, que, ce rta f eita, a nunciou-se um a festa no céu. Todas as a ves foram convidadas, ma s o sapo, ao saber da c oisa, tam bém quis ir. – Você? – disse-lhe um grou, num tom de deboche. – E como pensa chegar ao céu? O sapo piscou os olhos arregalados várias vezes, como quem é surpre endido por uma boa per gunta. – Bem, eu dou um jeito – disse ele, deixando a questão para depois. Mas que ele iria, iria. No m esm o dia, o sapo foi visitar o urubu, que era o tocador de viola oficial dos bailes celestiais. – Olá, compadre urubu – disse ele, saltitando. – Como vai, compadre sapo? – respondeu o urubu, enquanto afinava a sua viola. O urubu tirou alguns acordes, qu ase sem dar pe la presença do am igo, e tornou a fa lar. – É verdade o que andam dizendo por aí? – Dizendo o quê? – Que você vai à festa no céu. –O Sim, toda aascerteza. urubucom dedilhou cordas mais um pouco e não tocou mais no assunto. Dali a pouco, o sapo fez mençã o de par tir. – Bem, já vou indo para a festa. – Já?! Um dia antes? – Claro. Como não tenho asas, devo partir bem antes que os demais. O sapo pa rtiu, saltitando, e nquanto o urubu ficou a sorrir de piedade. – Coitado! Nem todos conseguem se conformar com suas limitações! Verdade é que e le poderia ter id o além da com iseraçã o e ofere cido uma carona ao sapo. Mas isso seria um a amolação, afinal, e ele não e ra tão am igo do sapo assim para incom por ele. Ao ver, e ntão, queodar-se se livrara do sapo, o urubu l evantou-se par a ir fe char a casa. Nesse m omento, porém, o sapo, que não tinha ido em bora coisa nenhuma , retornou escondido e e ntrou de novo pelos fundos, indo m eter -se ligeiro no
interior da viola. – Pronto, agora é ficar bem quietinho! – disse, encolhendo-se todo no fundo do instrumento. Na manhã seguinte, o urubu levantou voo na direção do céu, levando a tiracolo a viola. O sapo fez toda a viagem ali dentro, sem se mexer, e foi assim que chegou ao céu j unto com o am igo car niceiro. Quando a fe sta ia com eçar, o urubu deu os prime iros acorde s na viola e um ronco gr otesco fe z ouvirdireitinho de dentroontem do instrum ento. – Ora, mas euseafinei-a à noite! – disse o urubu, desculpando-se. – Esse tal de urubu j á foi violeiro! Já foi...! – disse, de bico empinado, uma garç a antipática. O urubu fuzilou a garç a c om um olhar e , depois de a finar novam ente, uma por um a, as dez cordas da viola, começou uma nova m odinha. – Coach! – fez algo no tam po, quebrando toda a harm onia dos acordes. Um coro viperino de risos ecoou pelo céu. Só então o sapo, surgindo por entre as cordas, fez a sua aparição triunfal. O urubu, fe ridonas no cor ma das, is profundo idadeoartística, se uito ntiu bem ganas de estrangular o intruso e só nãodao fsua ez va porque sapo foi m recebido por todos. Ah, ah, ah!, ist o é que er a ser e ngraça do!, diziam todos, vertendo l ágrim as de riso, enquanto o urubu, de perna trançada, entortava o bico. Quando tudo cessou, porém, a festa com eçou e se estendeu por todo o dia, entrando noite adentro. O baile foi um sucesso tremendo: todo mundo dançou, comeu, bebeu à vontade, até que, chegada a hora do encerramento, cada qual tratou de partir. Quanto ao sapo, retornou do mesmo modo que viera, dentro da viola do urubu. – Pode vir, amigão! – disse o violeiro, como quem já esquecera o mau gracejo. Quando retorn avam , porém, em pleno ar , o urubu tomou a viola e tocou alguns acordes, chacoalhando o instrumento com tanta força que o sapo saltou para fora, caindo no abismo. O pobre sapo veio rebol ando pelo ar até e sborra char -se nas pedra s, partindo-se em vários pedaços. Diz-se, porém, que Deus ficou tão sentido com a sua sorte que rejuntou todas as partes, recosturando o couro por cima, e é por isto que o sapo tem, até hoje, a pele toda remendada.
O NEG RINHO DO PA STOREIO
Sem dúvida alguma, a lenda mais popular no extremo sul do Brasil ainda é a do Negr inho do Pa storeio, um a história triste e violenta. O escritor gaúcho Simões Lopes Neto foi o maior divulgador da lenda, a qual reconta-se agora, e m outras e inferiores palavra s. Havia, nos tem pos idos, um estancieiro perver so que a dorava m altratar os escra vos. Na estância desse dem ônio, vivia um negrinho cham ado simplesm ente de Negrinho . Não mãe nem pai, ninguém a isso, dizia-se quetendo era afilhado de N ossa Senhorase. lem brara de batizá-lo. Graç as Certo dia, o estancieiro perverso resolveu organizar uma corrida de cavalos. O Negrinho, bom de cavalhadas, deveria conduzir o cavalo do patrão. – Se perder a corrida j á sabe! – am eaçou o estancieiro, m ostrando-lhe o punho. Deu-se, e ntão, a corr ida, e o Negrinho levou a pior. Mas a pior, m esm o, ele aind a estava por levar . O e stancieiro perver so havia perdido mil onças de ouro, e queria se vingar no menino. – Esse tição me paga! – dizia ele, vibrando o relho no ar, em juras de ódio. Nem bem o povaréu se espalhara ao redor dos espetos de carne gorda, o egrinho viu-se am arrado numa estaca, na uqual levou uma horre nda . Láo ficou a noite inteira, e só quand o am anhece foi retirado e levado a umsurra pedaç erm o de cam po. – Vai ficar aqui pastoreando o gado durante trinta dias, pois trinta quadras tinha a cancha r eta onde per deu a corr ida! – disse o patrão, deix ando o Negrinh o sob o sol escaldante, sob o granizo furioso, sob o frio enregelante, e sob tudo o que há de m olesto na m ãe natureza. Durante as noites, o Negrinho provava outra colherada cheia do inferno: cercado por corujas, onças, lobos, javalis ou outros bichos que havia então pelos pam pas, só encontrava algum sossego ao lem brar da sua Madrinha, e aí adorm ecia com um sorriso nos lábios. E foidejusto numa do sofrimento quepequeno a sua ruína se levou completou: um bando ladrõe s dedessas gado,pausas a proveitando o sono do vigia, consigo todo o gado. Não é preciso dizer que, no dia seguinte, o Negrinho provou outra surra daquelas. – Agora vai procurar o gado que deixou levarem! – disse o patrão, mandando-o, noite fechada, para os cam pos aber tos. O Negrinho passou antes na capelinha da sua Virgem Madrinha e levou uma vela para alumiar os ca minhos. Enquanto avançava pelos cam pos, deixava cair um pouco da ce ra incandescente. Os pingos ficavam queimando pelo chão, com o pirilam pos, enquanto ele a vança va. Então,lá, deetanto avança e le finalmente a chouendo o ca mpo do pastoreio. O No gado estava ele se de itour,para dorm ir, a gradec à Madrin ha Celeste. meio da noite, no entanto, o filho do estancieiro, um r apaz ainda pior do que o pai, veio de m ansinho e e spantou, outra vez, os anima is. O laço cantou de novo, e desta vez o Negrinho não resistiu e morreu.
A coisa toda se deu em ca mpo aberto, e o patrão desg raç ado ac hou que o egrinho não me rec ia nem mesmo uma c ova. – Atire-o ali no form igueiro! – disse ao filho. O corpo do Negrinho foi posto sobre o formigueiro, e as formigas caíram em cima, c ome ndo tudo. Quando chegou em casa, o estanciei ro sonhou que e le er a mil estancieiros , e que tinha mil filhos, e mil negrinhos para maltratar, e mil mil onças de ouro para gastar em bobagens. três noites, sonhou o mesmo sonho. navoltar terceira noite, Durante tomado pelo remorsoo –estancieiro ou pelo medo de ser descoberto –, Então, resolveu ao form igueiro para ver se a s form igas haviam com ido todo o corpo. Ao chega r lá, porém , deparou-se com a figura do Negrinh o, em pé sobre o form igueiro, são e sem marca alguma de ferida. Ao seu lado, estava a sua Santa Madrinha, toda serena e fosforescendo em azul. Os bichos perdidos tam bém estavam todos ali. O estancieiro ca iu de j oelhos e m ãos postas, arr ependido, ma s o que ele sentia m esm o era um medo terrível de que algum c astigo caísse sobre si. Enquanto o estancieiro se enchia de medo, o Negrinho montou, em pelo, em cim a de um dos cavalos e saiu a tocar alegre mente a tropa pel as coxilhas. A par tir da quele dia, o Ne grinho passou a ser cham ado de N egrinho do Pa storeio. regado de enc ontrar oisas ele fa z a busca de bom grado, m asEncar sempre pedindo uma velacpar a aperdidas, sua m adrinha.
O Q UERO-Q UERO
Pássaro típico do Rio Grande do Sul, o quero-quero desfruta da mais ampla simpatia e consideração dos gaúchos, apesar do papel ingrato que lhe coube na lenda que explica a razão de possuir este nome. Diz-se, pois, que, dura nte a fuga da Sagrada Fam ília do Egito, José e Maria foram buscar refúgio num oásis, em pleno deserto. En quanto descansava, Maria pediu aos pássaros do oásis que fizessem silêncio, a fim de não atraírem a atenção dos seus perseguidores. – Silêncio, avezinhas! – disse ela, com o dedo nos lábios. Maria tinha nos braços o Divino Bebê, enquanto seu esposo, José, vigiava tudo com olhos de águia. Diante do seu divino pedido, todas as a ves foram silenciando o seu ca nto, uma a uma , até que só restou o canto ensu rdec edor de uma única ave. – Por favor, avezinha! – insistiu Maria. – Quer que os soldados de Herodes nos encontrem? – Quero! Quero! – continuou a ave a berrar, a plenos pulmões. José avistou, então, um grupo de soldados avançando na sua direção e deu um j eito de escond er Maria e o bebê a trás duma s folhagens. soldados de Herodes chegaram começaramparar a investigar o lugar. PorémOs , como e stavam exaustos dem ais,epreferiram as buscas e banhar-se nas águas de um pequeno córrego que passava pelo oásis. Enquanto isso, o pássaro não dava trégua, um segundo, no seu canto. Organizou-se um a c açada à ave, m as ninguém conseguiu espantá-la. Por fim, tanto ela incomodou que os soldados resolveram partir. Quando eles desapareceram, a Virgem lançou, então, esta maldição ao pássaro berrador: – Por quase teres provocado a morte do Divino Redentor, o teu canto será, para sempre, o mesm o! E desde então a ave teimosa nã o faz outra c oisa senão re petir o seu perpétuo refrão: – Quero-quero! Quero-quero!
O PULO DO G ATO
O conto que encer ra esta pequena c oletânea da narr ativa oral brasi leira é , sem dúvida a lguma, um a da s fábulas m ais engenh osas que o espí rito humano j á concebe u. Ela conta com o o gato ens inou, certo di a, o c achorro a pular. Estava, pois, o gato a descansar quando o seu eterno rival, o cachorro, apareceu. – Lá vem você de novo! – disse o bichano, mostrando as unhas. –– Calma! – disse cão,etentando acalmar o gato. Diga logo o queoquer desapareça! O cã o fez uma ca reta im plorativa e disse: – Não brigue comigo, velho am igo, pois vim estabelecer um a paz definitiva entre nós. O bichano ac inzentado moveu a c abeç a par a o lado, descre nte. – É sério! E como prova da m inha amizade, prometo ensinar-lhe todas as habilidades de um cão! – E quem disse que eu quero aprender algo de você? Mas o cão conseguiu convencer o antigo rival de que tinha, de fato, muita coisa a lhe ensinar, e ministrou-lhe a lgumas lições utilíssima s. Diante disso, o gato consentiu em ensinar ao c ão, tam bém , algumas de suas habilidades. – Quero apenas que me ensine a pular! – disse o cão, esperançoso. – Muito bem , conheço todos os pulos da floresta – disse o gato, de boa vontade. O gato passou o dia todo ensinando ao cão todos os pulos possíveis, de todos os animais da floresta. – Bem, é isto – disse ele, depois de ensinar o último pulo. Neste instante o cão arreganhou os dentes e, depois de escolher o pulo mais veloz aprendido, mergulhou na direção do gato. Este, porém, saltou para o alto feito uma m ola de pelos, fez uma espetac ular acrobacia a érea e foi pousar, são e salvo, –mSeu uitotratante! longe do –c ão. ralhou o cachorro. – Este pulo você não m e ensinou! Então o gato, em pertigando-se todo, explicou: – Este é o pulo do gato, bobão. Este eu não ensino a ninguém .
PARTE III PERFIS
ALAMOA
A Alamoa é uma adorável princesa-fantasma que habita, desde tempos imemoriais, as grutas do litoral de Fernando de Noronha. É assim chamada porque, no entendimento do povo, ela é loira como uma alem ã. Pe lo simples detalhe do nome , vê-se logo que se trata de um mito importado. Princesas loiras que vivem encantadas na entrada de cavernas ermas e quase inacessíveis são c omuns no fol clore, e m especial o europeu. o tem po aestá ela ados bandona a gruta vai ora dançar nua nasQuando areias da praia, fimpardea tem atrairpestade, a a tenção matutos. Não edem m uito e a primeira vítima se apresenta, vencida não tanto pelos dotes artísticos da ovem quanto por sua enorm e beleza. Espécie de Iara sedutora, a Alam oa também costuma levar a desgraça aos seus apaixonados. Sob o pretexto de desenterrar um tesouro escondido na mais alta das grutas, ela os c onduz até a entrada, c omo se estivessem hipnotizados. Um a ve z no interior da gruta, o incaut o vê o c orpo da Alam oa se der reter diante dos seus olhos, restando apenas uma caveira de dentes arreganhados. Com uma risada tétrica, a demônia arrasta, então, o caboclo desgraçado para as profundezas da caverna, onde a morte ou uma ronda perpétua de torturas selvagens o aguar da. Na próxima tempestade, a Alam oa, reconstituída em toda a sua beleza, volta a exec utar nas are ias da pra ia o seu cha mado sedutor.
ALMA-DE-GATO
Entidade quase abstrata do nosso folclore, este Alma-de-Gato srcinou-se nos arr edores do Rio Gra nde do Norte e da Pa raíba. Os t errores que e le espalhava nos tem pos antigos, especialme nte e ntre a c riançada , operavam -se quase que e xclusivam ente pela forç a sugestiva do seu nome, j á que j am ais se deixava avistar. Ao longo dos anos, porém, ele acabou associado à figura do gato, geralme c or preta. Emntesedetratando de qualquer mito brasílico, porém, há sem pre um a ave nas redondezas para explicá-lo, pois a floresta, desde sempre, foi viveiro natural de mitos. A ave que, segundo alguns estudiosos, srcinou o Alma -de-Ga to seria um a certa Tinguaç u – literalm ente, “Bico-Grande” –, ave de m au agouro fam osa por dar srcem , depois de m orta, a uma planta ca paz de conce der o dom da invisibilidade a quem mascasse uma das suas folhas. Mas que coisas terríveis faz, afinal, este Alma-de-Gato? Concretamente, nada. O Alma-de-Gato opera de modo exclusivamente psicológico, não existindo nenhum relato acerca dos atos que comete ou dos fins que ele busca. O m áximo que alguma ginaçã infantil exace rbada até hoje foi entrever-lhe o vulto, escuro ima como o deotodos os vultos, e um conseguiu par de olhos a ofuscarem no meio da noite. Porém, ação concreta, nenhuma. O Alma-de-Gato, dizem todos os seus estudiosos, não sequestra crianças nem tam pouco a s devora. Não e xiste relato alg um de violência c ome tida c ontra quem quer que seja. No entanto, nossos moleques interioranos continuam a votar- lhe um medo sistem ático, diante do anúncio v ago de sua pre sença – uma presença que, de tão sutil, é quase um a ausência.
ANHANGÁ
Entidade sobrenatural dos silvícolas que os jesuítas elevaram à condição de Diabo, o Anhangá é um dos espíritos m ais tem idos pelos índios. Rival de Jurupar i, o espírito dos pesadelos, a quem os je suítas tam bém aplica ram a pe cha de demônio, este Anhangá (ou Anhanga, sem acento) era, na verdade , o espírito da caça das florestas am azônica s, e só me tia m edo m esm o nos desafe tos das m atas. Sua figura é gar bosa, apre sentando-se sob a form a de um cervo branco de olhos em brasa, c omdera o detalhe chifre s cobertos pelos.jáAoque, queem parealgum ce, os catequistas tam bém m umdos toque piedoso na suadefigura, momento, o ce rvo passou a possuir uma cruz bem no me io da testa ( de qualquer modo, algo estranho na testa de um dem ônio). Apesar da sua bela a parê ncia, não é m uito aconselhável tentar a vistar o Anhangá, pois diz-se que a sim ples visão deste cervo fa ntasm a é o bastante par a deixar um a pessoa louca. E se alg uém , ainda assim, pretender caçá-lo, é melhor esquecer: o Anhangá é uma criatura tão segura de si que, em vez de fugir do cano de um a e spingarda, põe-se a mastigá-lo tranquilamente, como se fosse cana de açúcar. Segundo os melhores estudiosos, o Anhangá cervo, considerado como nume protetor da florest a, foi confund ido com outro ser de mesm o nome, associado às asso mbraç ões e anas os ma lefícios.a mesma metamorfose ocorrida Repetiu-se, deste modo, Américas, nas florestas da velha Europa pagã, quando Cernunos e outras divindades précristãs, tam bém dotadas de c hifre s, passaram a encar nar, no imaginário cristão, o Diabo. Aqui não foi diferente, e os próprios índios, fascinados m ais pelo me do do que pela beleza, passaram a privilegiar a história que aponta Anhangá como uma versão ca bocla de Satanás, relegando o cervo branco a um segundo e indigno plano. Mas o legítimo Anhangá c ontinuará a ser sem pre o c ervo guardião das florestas.
BOITATÁ
Chamado muitas vezes de Mboitatá, esta criatura é outro dos personagens obrigatórios de qua lquer coletâne a fantástico-zoológica do Brasil. Apesar do nome, o Boitatá nada tem a ver com bois, mas com uma cobra transparente que irradia uma luz ofuscante nas noites tristes das matas brasileiras (isto não impediu, porém, que ele fosse descrito como um touro de olhos coruscantes, c onstituindo este um dos exem plos mais curiosos do poder de mutação aqui, há limites: no de lhe ordeste,operado e mborapelas sendopalavras). cham adoFelizmente, de Batatão,mesmo ninguém ainda se lem brou dar uma c onform açã o de batata. Boitatá significa “Coisa de fogo”, em razão do fogo que dele emana, constituindo-se o anima l, na verdade , numa representaçã o figurada do f ogofátuo. Também é identificado – ou confundido – com a Boiúna e a CobraGrande, mitos aquáticos assemelhados. Apesa r dos fogos-fá tuos existirem em todo o mundo, o Boitatá srcinal resistiu relativam ente bem ao a ssédio da influência e uropeia, per manec endo sem conform ação física ou psicológica huma na alguma. Ele é um a cobra – ou, ma is exatame nte, um e spectro d e c obra –, cuja função ú nica é a de come r e atemorizar. Somente quando o mito abandona as matas, ganhando as cidades, é que o Boitatá começa a degenerar em sua pureza, recebendo adendos extravagantes, importados dos m ais diversos fabul ários (m as que, m esm o neste caso, não fora m suficientes para desfigurá-lo com pletam ente). O Boitatá, dizem , alime nta-se som ente dos olhos das suas vítimas, a ponto de o seu corpo t ranslúcido ficar repleto de olhos cham ej antes. Para esca par à sua fúria, o corajoso deve munir-se de uma boa dose de sangue-frio: permanecer parado e de olhos fechados é o que basta para fazer a serpente se desinteressar dele. Se não funcionar, sugere-se a tática mais rude de arremessar-lhe um objeto de ferro. adiante a deturpaç gou-se, nfim, à, num s mutações propósitos moraisIndo e e cológicos: o Boitatáão, tra che nsform a-se,e dizem pedaç ocom ar dente de madeira a fim de punir os agress ores das ma tas. Apesa r de tudo isso, podem os nos dar por felizes pelo fato de ninguém , no fim das contas, ter c onseguido transform ar o Boitatá e m mais um sátiro das águas, com o sucedeu a o Boto, ou numa sereia suspirante, c omo sucedeu à Cobra-Grande, rebatizada de “Iara”.
BOTO
O Boto é uma espécie de golfinho que, segundo a lenda amazônica, nas noites quentes sai da sua morada aquática para ir se duzir, nos bailes ribeirinhos, as m ulhere s incautas. Assim c omo a Iara, o Boto é um a da s nossas lendas ma is populares e, a o mesm o tem po, menos autenticamente indígenas. Pra ticam ente o único traço a restar do m ito original é o fato de a c riatura em ergir fa ntasticamente das águas para em contato direto e terreno os homensindígena, – ou, mais exatam ente, com entrar as m ulhere s. (Se fosse uma lenda acom utenticamente sem mescla de corrupçã o, o Boto sairia das águas si mplesm ente para devorar e e spalhar a devastação, sem recorre r aos estratagem as sensuais importados e típicos das raças vestidas.) A exem plo da Cobra- Norato – ou tra deturpaçã o do m ito da Cobra-Gra nde –, o Boto, despindo-se de sua aparência aquática, transforma-se m agicamente num galante sedutor, trajado de branco e com um chapéu do qual jamais se desfaz (artefa to impre scindível para esconder o orifício d e respiraçã o que o homem-golfinho possui no topo da cabeça). Seu único objetivo, uma vez fora do seu elem ento, é seduzir as m oças e engravidá-las, gera ndo uma e stirpe da qual se ignora o resultado (não sabemos se os filhos herdam as características do pai ou se nascem efinal m orrem com o humanos quaisquer). O olho seco do bot o-tucuxi é usado até hoj e com o talismã para atrair o am or das m ulhere s que se re cusam a c air na lábia dos homens despidos de qualquer encanto.
BRADADOR
O Bradador pertence à mesma espécie quase abstrata do Alma-de-Gato ou do Pé de garra fa, sendo conhecido apenas pela verda deira paixão qu e nutre pelo escândalo. De fato, nenhuma outra criatura do nosso folclore pe rsonifica melhor e sse traç o espalhaf atoso dos nossos entes sobrenaturais do que e sse personagem habitante do Centro-Sul do Brasil. anôm ala–,de a ssombraç ão – joá assim, que, segun do a boa não se trata deEspécie um f antasma o Brada dor, mesm costuma fazerdoutrina, suas apar ições à m eia-noite em ponto de todas as sextas-feiras. S ó que, em vez de a rra star-se em silêncio, prefere lançar -se numa correria desati nada, ao m esmo tem po em que berra feito um doido varrido. Desde o instante em que o Bradador com eça a sua ronda histérica, cr iatura nenhuma consegue mais dorm ir, gente ou a nimal, devido à estridência dos seus gritos. A questão de o Bradador ser ou não uma alma penada parece estar resolvida a partir do m ome nto em que se busca a sua srcem . Segundo a m aioria dos estudiosos, o Bradador srcina-se, em regra, do corpo mumificado de algum cadáver incorrupto, por isto mesmo, chamado também de “corpo-seco”. Tratar-se-ia, pois, desendo, um corpo andante, como os zumbis haitianos ou as múmias egípcias, e não de um a a lma penada, que é um ser sutil e incorpóreo. O folclorista para naense Francis co Le ite afirm a ter visto, em sua uventude, uma dessas múm ias desenterrada e e ncostada num pé de imbuia, “a com pletar o seu fado m aterial sobre o solo”. (Se viu m esm o, deve ter si do durante o dia, e nquanto ela dorm ia, pois é c onsenso a bsoluto entre os estudiosos que a simples vi são do Bradador ac arreta a m orte ime diata do enxer ido.) A exem plo da Cabra -Cabriola, este m ito parec e tam bém ter sido importado, em bora sej a difícil ima ginar um lugar da Te rra onde não possa vicejar, espontanea mente, um pare nte qualquer da espécie. Em Portugal, por exem plo, existe uma versãodez fe minina do nosso Bradador,Noa Zorra uma criatura possivelmente vezes mais escandalosa. Vale doBerradeira, São Francisco, temos o Gritador.
BRUXA
Pe rsonagem onipresente em todos os rec antos assombrados do mundo , a bruxa, no Brasil, tam bém conheceu um a próspera divulgação. Modelo do qual partem todas as suas parentas – das quais, por aqui, a Cuca parece ser a mais fam osa –, de m odo gera l ela surge c om o aspecto cl ássico da velha horrenda trajada de negro, o nariz com prido com verr uga na ponta, olhos rem elentos, vassoura e m punho, o gato preto ao pé, o c aldeirão fum egante e tc. Esta, porém , é a bruxadaclássi ca europeia. A nos sa tem alguns adendos particulares desconhecidos m aioria das pessoas. Nem todos sabem, por exem plo, que a bruxa tem o poder de se transfo rm ar em coruja , morcego, ou mesmo em uma m ariposa negra. Pou cos de nós sabem, também, que a sétima filha de sete irmãs está fadada a ser bruxa. Também é parcamente sabido – especialmente nas regiões urbanas, lam entavelme nte desinform adas de stas questões transcendent es – que a bruxa tem o poder de se infiltrar nas menores frestas, não adiantando, por isso, passar a chave na porta sem meter algodão nas frinchas. Criança s de a té sete a nos que ainda não r eceber am o batismo são um dos alvos prediletos dessa criatura nojenta, pois ela adora sorver o sangue de bebê pagão.Segundo a c rendice, há um a m aneira infalível de se identificar um a bruxa: se ela cum primentar sem pre com a m ão esquerda, po dem os estar cer tos de se tratar de um a das concubi nas do Diabo, me smo que a c riatura se a presente com uma adorável aparê ncia. No norte do Brasil, não se diz bruxa, mas “feiticeira”, o que não diminui em nada a sua pe riculosidade. Felizmente, por lá, não a contecem os fam osos sabás noturnos, nos quais as bruxas, m ontadas nuas sobre vassouras, cr uzam os céus, tendo ao fundo a silhueta prateada da lua. Pa ra defe nder-se da bruxa, os estudiosos indicam uma sér ie de talismã s. A estrela de cinco ou seis pontas, as palhas sec as do Dom ingo de Ram os, postas em cruz, molho a bruxa Muito não pode de contar antes de operarouosentão seus um males, são de os fios, mais que lembrados. útil,deixar também, é espalhar fac as ou tesouras aber tas, além de punhados de sal , por toda a casa.
CAB EÇA DE CUIA
No Piauí, tem srcem uma criatura bastante srcinal. O ente terrificante se cham a Cabeç a de Cuia e tem feito o terror de muitos nadadores pi auienses. Um dos seus traços ma is ma rca ntes é a onipresença do número 7 na sua biografia. Este núm ero parece estar ligado ao seu destino com o uma m aldição babilônica. Mas onde, exatamente, habita este monstro do Piauí? Ele seaesconde águas rioaldiçoou, Par naíba, e foi para ra ali depois de ter maltratado própri a nas m ãe. Ela odoam obrigando-o passar 49 anos seguidos (7x7) dentro do rio, com o se peixe f osse. O Cabeç a de Cuia é magér rimo, tem o cabe lo escorrido n a testa e sua cabeç a tem a form a, evidentem ente, de uma c uia. Ele chega m ansam ente, com o quem não quer na da, e puxa repenti nam ente para as profundezas o ma tuto desprevenido que estiver, então, se banhando. Diz a lenda que de sete em sete a nos ele tem de com er uma moça virgem cham ada Maria. Quan do não apare ce nenhuma , ele se cont enta e m pescar qualquer um que estiver por ali. Quando tiver comido suas sete Marias, afirmam os entendidos, o encanto se desfará e o Cabeça de Cuia voltará a ser um moço estudioso e filho exem plar.
CABRA-CABRIOLA
Com e ste nom e que soa vagam ente a um a inoce nte cantiga de roda, podem os, na verdade, identificar uma das criaturas mais violentas e repulsivas do nosso folclore . Importada, ao que parece, a Cabra-Cabriola aclimatou-se melhor no ordeste, onde começou a empreender o seu reinado de terror. Como o próprio nome diz, a Cabra-Cabriola é um ser monstruoso que adora ou sejqualquer a, dar saltos e reingenuamente quebros. Por caprina, outro lado, m enos no Brasil,cabriolar, ela não possui feição umaaovez que sua cara se destaca, acima de tudo, pela presença de uma série afiadíssima de dentes e de um par de olhos chamejantes. Sua boca e suas narinas também expelem fogo e fuligem . Seu alimento predileto são as criança s, e não só as de sobedientes. À noite ela gosta de espreitar a c asa onde as m ães, por alguma razão, estão ausentes e, por m eio de estratagem as solertes como o de imitar a voz das m esmas, induz as criança s a a brirem a porta. Um a ve z conseguido o intento, a c riatura invade a casa a os berros, só re stando às suas pequenas ví tima s pularem pelas j anelas ou invocarem o auxílio do seu a njo da guarda. *** Conta-se que, ce rta fe ita, a Cabra -Cabriola e stava à e spreita para mais um ataque nas redond ezas de um a casa onde uma mãe devia sair à noi te par a trabalhar. A m ulher saiu, afinal , e a criatura ne fasta e sperou a lguma s horas antes de ir à porta pedir às cr ianças que abris sem . – Abram , filhinhos! Sou eu, a sua querida mam ãe! – disse a Cabra. Como, no entanto, não tivesse tido o cuidado de disfar çar a voz, viu-se logo expulsa pelos gritos das crianças dentro da casa. –NoFora, Cabra maldita! Beminfernal sabemos que nãoum é aferreiro nossa querida mam ãe! dia seguinte, a criatura procurou e m andou martelar a sua língua até ela ganhar uma compleição mais maleável, capaz de reproduzir a m aviosa voz da m ãe das criança s. Na mesm a noite, ela retornou às cercanias da casa e, depois de a mulher sair e um bom pe daço da noite ter transcorrido , foi bater outra vez à porta. – Abram , filhinhos! Sou eu, a sua querida mam ãe! Desta vez, a sua voz soou tão per feitam ente m aterna e fem inil que a s pobres crianças, sem atentarem para a figura de quem lhes falava, escancararam a porta, aliviadas. Mas quem ficou aliviada mesm o foi a Cabra -Cabriola, a o ver-se senhora da E odo f inal terrível, d igno dos irm ãos Grimm , é mais uma prova segura da situação. im portação m ito.
CACHORRA DA PALMEIRA
Que o padre Cícero espalha bênçãos por todo o Nordeste, é sabido de todos. Mas, como e m todas as coisas sagrada s, há ne le, tam bém , um lado perigoso, com o qual não convém mexer. Ora, ce rta feita um a j ovem resolveu brincar com ele e ac abou mal. A coisa se deu algumas semanas depois do passamento do santo padre do sertão. Uma jovem aca bara de ver m orrer sua cac horrinha e a ndava m uito chatea quando uma velha ta, a indac om inconsolável com ae morte do seu luto mentordaespiritual, travou umabea conversa ela. A senhora stava trajando e, questionada pela j ovem da razão daquilo, disse, m uito indignada: – Ora, por quê! Estou de luto pela m orte do meu Padre Cícero Romão Batista! Então a j ovem , me io debicando, retrucou: – Pois deveria botar luto era pela minha cachorrinha! Dizem que, no mesmo instante, a pobre criatura virou cadela e saiu, feito doida, a corre r pelo sertão. Dizem alguns estudiosos que seu irmão conseguiu capturá-la e que até hoje ela vive enj aulada. P resa noite e dia, passa o tem po latindo e uivando, sem come nada f eito em ( sabe-s eossos. lá a razão), m as somente c arne de ca brito novo, risto quando nãopanela rói os próprios Esta assombraç ão é coisa relativam ente re cente nos anais do nosso folclore: dat a de 1934 e tem se m antido com razoável saúd e na crônica assombrosa do Nordeste, a j ulgar-se pe lo núme ro de poem as de cordel que circulam sobre o tem a, e m todas as feiras nordes tinas. A Cachorra da P alme ira é um m ito que versa, ao m esmo tem po, sobre o tabu religioso e o preconce ito mora l, já que a c adela re mete, especialme nte nos sertões nordestinos, à prostituta.
CAIPORA
Pa ra muitos estudiosos, o Caipora (ou Caapora) é uma simples der ivaçã o do Curupira. Pe rtencente à mesm a classe dos entes protetores da florest a – m ais exatamente, da caça –, ele desenvolveu, contudo, um tipo próprio bastante diferenc iado do Curupira: enquanto este se apre senta com o um moleque fra nzino e de pés invertidos, o Caipora toma a figura de um brutam ontes com o corpo coberto de pe los e montado num gigantesco porco-do-m ato. (No Nordest e, porém, o Caipora temeodoaspecto de um indiozinho perneta, havendo aqui uma curiosa fusão do Saci Curupira.) Caapora, em tupi, significa “habitante do mato”, denominação fiel deste ser que, nos primór dios da c olonizaç ão portuguesa, f oi ignorado pe los jesuítas, tão hábeis em rec ensear os mil disfarc es de que se valeu o Diabo para introduzir-se nas m atas brasileiras. O m áximo que, naqueles di as, se pôde evoca r dele f oi uma espécie de espectro silvestre e sem forma, sem nada que lembre a espetaculosidade de homens peludos cavalgando javalis ou porcos gigantes. Em algumas re giões, o Caipora troca de sexo, e passa a ser “a” Caipora, uma mulher, tam bém protetora da c aça , ma s que não se furta a entrar em intimidades com os ca çadores, chegando a prati car sexo livremente com eles. Depois o rom traição ance engata, po rém, elaletal se torna c iumenta e possessiva, ca paz de punirque a menor c om uma surra de c ipó espinhento. Assim c omo o seu c onfrade masculino, a Caipora tem o hábito de c avalgar porcos e ressuscitar a caça abatida. (Conta-se que, certa feita, um grupo de caçadores estava assando um tatu na m ata quando a Cai pora, pass ando de repente, montada num porco, deu o grito: “Vambora, João!”, e o tatu, tostado e sem vísceras, pulou agilme nte do espeto e saiu-lhe no enc alço, vivinho da silva.) Apesa r de o Curupira ser popular no Rio Gra nde do Sul, nem por isso o escritor gaúc ho Simões Lopes Neto d eixou de m encionar, tam bém , o “hom em agigantado”, dando-nos o conhecimento de que a versão expandida do Curupira, após percorre r todo o Brasil, chegou a a lcança r o e xtremo sul. A expreDizia-se ssão “ caipora” sinônimo de azarado provém personagem. antigamcom enteo de todo caçador infeliz na caçadeste que ele “estava c om o Caipora” , e que todo aquele que se encontrava c om o ser monstruoso estava vot ado, a partir de então, a f rac assar e m toda coisa que intentasse.
CAPELOBO
O Capelobo é um a mistura grotesc a de quase todos os monstros do nosso folclore. Ele tem srcem no Pará e no Mara nhão. No rio Xingu, a sua fam a está tão arraigada que quase não há índio vivo que não lhe guarde o medo mais profundo. A explicação, decerto, está na crença de que todo índio, depois de muito velho, termina se transform ando neste ente bizarro. querserdizer um lobo esdrúxula. fora do esquadro, e éa ovaria que ele pareceCapelobo j ustamente com“lobo a suatorto”, conformação Sua form conforme o local da sua aparição. No Maranhão, além de ter o nome ligeiramente alterado (ali ele se chama Cupelobo), ele possui um focinho de tam anduá, ao c ontrár io das outras r egiões, onde se a presenta c om o focinho de uma anta ou de um ca chorro . O restante do seu corpo também está envolto em controvérsias: enquanto, para alguns, ele possui o corpo de um a anta, para outros possui um corpo sem elhante a o do home m, só que re coberto de pelo s. Há ainda outra excentricidade, que aproxima o Capelobo do Saci: segundo alguns estudiosos, ele possui apenas uma perna – ou, pelo menos, uma única pata –, que Como é redonda comodos a do Pé demonstros, garrafa. o Capelobo também anuncia a sua a maioria nossos chegada por meio de uma gritaria infernal. O Capelobo costuma abra çar-se à sua vítima com o a um velho am igo. Só que as a mabilidades term inam quando ele introduz repentinam ente a sua tromba aguda no crânio d a vítima e põe-se a sugar a quele que par ece ser o seu alimento predileto: o cérebro hum ano. O Capelobo, no entanto, não é somente antropofágico: ele alimenta-se tam bém de filhotes de c ães e de gatos, e pode ser morto se for a tingido, tal como o Mapinguari, bem no meio do umbigo.
CARBÚNCULO
O Carbúnculo é uma espécie de lagarto m ágico que vi ve no Rio Gra nde do Sul. Diz a lenda que um sacr istão da igrej a de São Tom é viu sair a criatura, certo dia, das á guas de uma lagoa vizinha. Ela er a pa recida com um lagarto, só que enorm e, levando na ca beça uma pedra tão bri lhante que faz ia ofuscar as vistas. Apesar da dificuldade em capturá-lo, o sacristão conseguiu apoderar-se dele para casa.infinitas Ali, eleao descobriu, deliciado, Carbúnculo tinha o podere levá-lo de dar riquezas seu possuidor, alémque de otransform ar-se, à noite, numa linda m ulher. O sac ristão, então, passou a de votar todos os seus cuidados à c riatura sobrenatural, esquecido de Deus e dos homens. A invej a, porém , falou mais forte, e os h omens de bem da cidade decidiram prender o ex-sac ristão, condenando-o à m orte. O Carbúncul o, porém , veio em seu socorro e, depois de espalhar a morte e a deva stação, ra ptou o amigo das mãos dos seus carrascos, desaparecendo com ele. Diz a lenda que o sacrist ão vive a té hoj e, no cer ro do Jarau, em meio às riquezas, junto do seu amigo do peito, que à noite continua a se metamorfosear em bela ninfa. O personagem, porém, não é cria nativa dos gaúchos. Segundo os estudiosos, ele está espalhado pelas regiões andinas, e até mesmo Flaubert chegou a invocá-lo em A Tentação de Santo Antão. Pertence ao ciclo das criaturas m ágicas ocult adoras de tesouros, tradição que vem desde os mouros e, ainda mais rem otam ente, do anti go Oriente. Nas lendas m ais antigas, o Carbúnculo só desperta de ce m em cem anos, quando a pedra luminosa c ai da sua testa.
CAVALO-MARINHO
O Cavalo-m arinho é m ais uma da s tantas criatu ras em ersas do rio Amazonas, um rio tão pródigo delas. Ao contrário da maioria dos seus colegas, porém, esta criatura não é feroz nem tem o hábito de sair por aí exercitando os seus dotes sensuais de conquistador. Seu pelo é alvíssimo – uma testemunha ocular afirma que ele possui tanto pelo nas ancas “que parecem um colchão” –, e sua crina, assim como a cauda, é tecida do mum ais apuro ouro.que Ostam olhos sãoé tristes comonteosdourada. do ser humano, e na sua testa brilha estrela, bém naturalme Nosso hipocampo brasileiro não está submetido a Netuno nem a deus algum. É um ser discre to e pac ífico, que emerge e volta para a s águas do Am azonas a seu bel-praz er. Segundo os estudiosos, o Cavalo-m arinho não pode ser criaçã o indígena já que os nativos não conheciam o ca valo até a c hegada dos po rtugueses. Porém , incorporado rapidamente às lendas nativas, o Cavalo-marinho tornou-se popular nas regiões am azônicas, onde continua a fazer suas a parições fugaz es m as inesquecíveis. Ninguém até hoje conseguiu extrair um só fio de ouro da sua crina ou da sua cauda.
CHIBAMBA
Oriundo de Minas Ger ais, o Chibam ba, em bora e stej a associado à mitologia indígena, tem um nome que trai sua srcem africana (“chibam ba”, no dialeto bantu, é o nom e de um a m odalidade de c anto). Sej a c omo for, o q ue precis am os saber ace rca deste person agem é que ele é um ser todo recoberto po r folhas de bananeiras e que sua função terre na é a de fazer sossegarem as crianças choronas. Na averdade, com onas acontece Cuca e éo aBicho-Papão, que fazdo com que s criançastalchoro cess em com o seuaberreiro am eaç a da aoparição Chibamba, e não propriamente a sua aparição, coisa que as faria, certamente, redobrar de intensidade a sua alaúza. O Chibamba não fala nem grita, apenas ronca como um porco e se apre senta executando o s passos da dança que deu origem ao seu nome . Os seus me ios de a tuaç ão são desconhecido s. Sabe- se a penas que a dora saborear uma criança c horona, em bora suspeite-se que is to tam bém não passe de m ais um truque idealizado pelos pais para vere m seus filhos cessare m o alarido.
CHUPA-CABRA
O Chupa-Cabra adquiriu uma notoriedade tão grande desde o seu apar ec imento rec ente na região Sudeste que adquiriu o direito de f igurar na condição de personagem folclórico desta e de vár ias outras coletânea s. Nem poderia ser diferente, já que o folclore, não sendo algo com pleto e acabado, com o são as m itologias, está sem pre apto a ger ar novos sere s e novas lend as. Pr imeiro ente sob rena tural do folclore bra sileiro a tirar sua srcem de um a vida com o feroz a e ntendem os, m ente –, o Chupa-Cabra aindaextraterr guarda eena m si– atalpureza dos mitos recodernam ém -criados, bastando atentar-se para o seu nome de sabor autenticam ente bárbaro. O Chupa-Cabra, segundo a crença, é um ser alienígena feroz, oriundo de algum planeta desconhecido. Possui olhos vermelhos, três dedos de unhas afiadas e as costas cravej adas de espi nhos. Sua m aior paixão parec e ser a de chupar o sangue das c abra s ou de outros animais me nores, como c ães e galinhas, até privá-los da vida. Pouco m ais se sabe acerca dele, pois ainda estamos na primeira percepção bárbara do m ito, do ser misterioso e terrífico que, surgido abruptam ente de re giões ignoradas, parece nã o querer outra coisa senão sac iar a fom e e devastar impunem ente. Nesse sent ido, ainda guarda a pure za da Boiúna e das serpentes aquáticas similares, simples máquinas de matar, singelas e amorais. De qualquer forma, é certo que, com a chegada do Chupa-Cabra, o folclore brasileiro dá um salto gigantesco para o futuro. A partir dele, os monstros passam a cair tam bém dos céus, com o em ergiam antes das águas e da terra, antigos e inesgotáveis viveiros de aberrações, ampliando extraordinariamente as possibilidades da invenção poética.
CUCA
Espécie anômala de bruxa, a Cuca é uma personagem importada de Portugal e da Espanha. No Brasil, goza de grande popularidade graças, em grande parte, à velha cantiga de ninar com que se apavoram, ainda hoje, as crianças do Brasil ( Nana, nenê, que a Cuca vem pegar ). A versão mais prosaica costuma apresentar a Cuca como uma velha corcunda e magérrima, cujo ofício principal é o de raptar as crianças que se recusam a dormir, dentro de um Existe, porémenfiando-as , um a versão, m uito ma saco. is criativa, que enriquece sua figura de detalhes exóticos. Aqui ela é apre sentada com o uma espécie de dragão – ou acaré, com o se via nos velhos episódios televisivos do Sítio do Picapau Amarelo –, com pernas esquálidas de grilo, asas estendidas e uma cauda enorm e. (Na Galícia ou no Minho, exibia-se um a criatura idêntica, nas procissões de Corpus Christi.) Cuca, segundo os estudiosos, provém de “ cabeça ”, ou “ coca ”, do castelhano antigo, um espectro que costumava, nos tempos idos, assombrar os niños de lá.
CURUPIRA
Tal como o Saci, o Curupira é um dos personagens mais populares do nosso folclore. Ape sar de ter -se srcinado de a lguns mitos indígenas, ao longo do tem po o moleque dos pés virados foi ganhando predica dos importados, a ponto de transform ar- se num híbrido de duende e uropeu com mito brasílico. Dois traços seus são fundam entais, e nã o há quem não os conheça: os já ref eridos pés invertidos e a cabeleira ver melha, traço a proximativo que o liga a o Saci, sua carapuça mesma porém, outras características menoscom conhecidas. Um da a delas é o cor. f atoExistem, de e le não possuir orifício al gum no corpo. O Curupira é uma espécie de duende guardião das f lorestas. Quando o tem po está pa ra chuva, ele cost uma bater com um bordão nos troncos das árvore s para a lertá-las s obre a chega da das tem pestades. Outros dizem que é para confundir os intrusos das m atas, tirando-lhes o rumo de casa. Quando Anchieta e seus am igos chegara m ao Brasil, o Curupira já e ra conhecido p elas m atas com o o terror dos índios (apesar de proteger a floresta, ele nunca foi muito amigo dos silvícolas, que lhe devotam grande medo) e só era aplaca do em sua per versidade por generosas o fertas. Curupiras porotodo o mundo, com vários nomes. houver uma floresta, torna-seexistem inevitável seu surgimento. Num mesmo paísOnde ele pode surgir com várias denominações. É assim que o Curupira, saindo da Amazônia, passa a cham ar-se Caipora em outras regiões, sofre ndo, nesta viagem , algumas rudes mutaçõe s. (Este Caipora, ou Caapora, se gundo alguns estudiosos, é um brutam ontes peludo montado num porco-do-mato, podendo ser, tam bém , uma megera ciumenta com os mesmos atributos de fiscal da caça.) Seu traç o mais ma rca nte, os pés virados, é um a c ara cterística c lássica extraída dos bestiários europeus, que os padres portugueses trouxeram na bagagem juntam ente com Tomás de Aquino e Santo Agostinho. Apesar de hábil nas artes de e nganar, o C urupira tam bém pode ser feito de bobo. alguém estiverEle sendo por ele, pelo caminho algunsSe cipós trançados. nãoperseguido re siste ao desej o debasta par arlargar para desfazê-los, um a um, situação que remete, outra vez, aos velhos mitos: Atalanta, em sua corrida, tem de par ar para recolher os frutos dourados que o rival Hipome nes deixa c air ao chão. Mescla que sej a de mitos indígenas e e uropeus, a ver dade é que o Curupira, tal com o o tem po e o povo o plasm aram , continua a ser um a das figuras m ais queridas do nosso ima ginário coletivo.
GORJALA
O Gorjala é um gigante todo preto oriundo do Norte do Brasil. Sua figura está a ssociada à dos gigantes tradicionais d o fabulário universal e se constitui numa espécie de Polifem o ou de um Golias barroca mente exac erbado, provavelme nte importado e aclimatado às nossas florestas, já que nossos índios nunca fora m apaixonados por gigantes. O próprio nome Gorjala remete à indumentária medieval europeia: gorjal era uma peça armadura cavaleiros andantes, destinadapaela proteger garganta, ou adagorja , com odos se dizia arc aicam ente (“Mentes gorj a, avilão!”, era um dos reptos preferidos das velhas gestas portuguesas). Dessa associação, passou-se inevitavelmente à imagem de um ser com a boca desproporcional. Ele costuma ocultar-se nas serr as e nos penhascos cob ertos de fraturas e esca rpas pois adora, nos seus mome ntos de a ção, em pree nder longas caminhadas sobre os abismos e os precipícios, vence ndo-os em largas passadas, como se nada foss em . Espécie de guardião ance stral das florest as, tem função similar à da maioria dos seus colegas de ofício, q ue é a de per seguir até a morte os invasores dos seus verde s dom ínios. Tal comodoo sovaco Mapinguari, o Gorjala tem hábito horripilante de enfiar a sua presa debaixo e ir comendo-a aosopedacinhos. Esta presa é geralm ente um caçador extraviado, e seus gritos lancinantes soam para o nosso colosso de ébano com o o canto harmonioso da m ais afinada da s aves.
IARA
Iara é uma deturpaç ão pseudoindigenista que se f ez à figura da CobraGrande, um dos mitos fluviais mais importantes da Amazônia. Também cham ada de Mãe- d’Água, ela assu miu quase todas as cara cterísticas de um a sereia, che gando a ser a presentada, muit as vezes, com o rabo escam ado delas. O mito do Ipupiara, um homem-marinho que saía das águas para matar os índios, parec e tam bém ter exer cido influência na c onforma ção original da Ia ra. Criaturas saindo de dentro á guas para espalhar aporém, devastaç ãooécauma constante no imaginário indígena. Osdas a créscimos fa ntásticos, com ntorias lúbricas e ofertas de tesouros ocultos para atrair as vítimas, são sempre desenvolvimentos posteriores, fruto da miscigenação operada entre o mito indígena e as lenda s trazidas pelo colonizador europeu. De modo geral, a Iara é apresentada como uma criatura loira e de olhos acintosam ente a zuis (e mbora a lguém tente, ve z por outra, dar- lhe a spectos indígenas, a teimosi a popular retrocede sem pre a o padrão c lássico da m ulherpeixe de traços germ ânicos). Dotada de voz maviosa, é com seu canto arr ebatador que a sereia tenta atrair os ca boclos para o f undo das águas, o nde habita um castelo submerso repleto de riquezas. É ce rto a tradição m ouras enca ntadas, ãs detambém tesou ros submersos ou que escondidos emdas grutas, popularíssima emguardi Portugal, exer ce u grande influência sobre a nossa Iar a. Tam bém não se pode e squecer a influência africana: Iem anj á e Oxum, divindades aquáti cas, não ra ro se a presentam sob a f igura de mulhere s de cor branca e vestes vaporosamente azuis, que rem etem , de um a forma ou de outra, à figura obsessiva da sereia.
IPUPIARA
Se f orm os dar cré dito a um certo Baltazar Ferreira, o Ipup iara, m onstro marinho devorador de gente, de ixou de e xistir em 1564. Esse senhor a firm a categoricam ente ter m atado o monst ro, a e spada, na localidade de São Vicente, naquele distante a lvorec er da nacionalidade. Pa ra não deixar dúvida, ele descr eve a criatura c omo tendo “quinze palm os de comprido”, toda recoberta de pelos, além de ter no focinho “umas sedas m ui grandes com osem bigodes”. José de Anc hieta, pre intere ssado nos disfarc es do dem o, tam bém ouviu falar no ser monstruoso, em bora j am ais o tenha visto, e m uito me nos lutado num corpo a c orpo com e le. O Ipupiara, segundo o me lhor e ntendimento, pertence à classe dos sere s marinhos devastadores, com o a Cobra-Gr ande e a Boiúna. Sem ser um a cobra, ele part icipa da m esma espécie na m edida em que se trata de uma simples máquina de matar, apesar do epít eto que lhe aplicar am de “ homem -m arinho”. Um traço singular é que o Ipupiara , depois de virar os barc os ou as c anoas, só se alime nta dos olhos e do nariz das suas vítima s, lançando fora todo o re sto. (Um cronista m ais antigo – o padre Fernão Cardim – afirm a que o Ipupiara tam se a limentava da genitália e das pontas dos dedos dos pés e das m ãos das suasbém vítimas.) O Ipupiara possui fêmea , tam bém , segundo esse m esm o cronista, de cabelos longos e form osa, um a possível antecip ação da Iara loira com feitio de sereia, que tant o sucesso ainda fa ria. Pa ra esse padre- cronista, o home m-peixe mata da seguinte m aneira: surgi do abruptam ente das águas re mansosas, ele se abra ça à sua vítima , num espavento de re spingos, “beij ando-a” tão fortem ente que a deixa “toda em pedaç os”. De pois, dando “a lguns gem idos, com o de sentimento”, foge com a presa, ou abandona-a, sem mesmo dela se alimentar. Assim como mata, porém, o Ipupiara também pode ser morto de qualquer maneira , o que nos leva a dar a lgum crédito à pre tensa faç anha do sr. B altazar Ferreira.
JURUPARI
Segundo os primeiros colonizadores portugueses, antes mesmo de eles chegar em ao Brasil o Diabo j á reinava com plena soberania em todas as nossas matas. Disfarç ado sob o pseudônimo de Jurup ari, era ele quem arrastava par a o inferno os silvícolas, algo que só começou a ter fim quando Cabral desembarcou em nossas pra ias trazendo c onsigo a Cruz Redentora. Segundo a maioria das versões indígenas, o Jurupari é, de fato, uma entidade m aléfica o âm nome, bito deJurupari, a ção predileto é o“o pesadelo – saoegundo algumas fontes, seu, cuj próprio significa que vem leito” –, o que não impli ca dizer que ele sej a nece ssariam ente o Diabo do s cristãos. Existe um a segunda versão que colo ca o Jurupari com o uma espécie de legislador divino benéfico. Segundo essa mesma versão, Jurupari seria filho do Sol e de uma virgem , tendo vindo ao m undo com a m issão de procurar uma esposa para o pai. Mas a versão mais popular continua a situar o Jurupari como um deus maléfico, antítese de Tupã, espécie de espírito do trovão, que os jesuítas também falsearam, transformando-o no Deus do catecismo. Quanto ao seu aspecto, ninguém até hoj e se pre ocupou em lhe dar uma forma precisa. Alguns modernos, na falta costuma m pintá-lo comilustradores o um ser c oberto de folhas oude dedados flores,mais umaprecisos, ve z que ele provém das profundezas das matas. Como quase tudo, porém , nas florest as e stá associado tam bém às a ves, Jurupari não e scapou de ter uma ligação e streita com elas. Os tupinam bás, por exemplo, acreditam que ele mantinha relações sexuais frequentes com certas aves de m au a gouro, e que e las depois chocavam os seus ovos.
LABATUT
Caso rar íssimo de e ntidade monstruosa derivada de um ser hum ano re al e plenamente identificável, o Labatut é um a hom enagem que o nosso folclore prestou a um a das figuras mais violentas que j á pisaram o nosso solo, o general fra ncês P ierre Labatut, oficial de Napol eão. Antes de morrer e converter-se em monstro, Labatut exerceu diversos cargos na c orte brasileira, a inda sob o reinado de D. P edro I. De ntre outras missões, Labatut partepnas cham adas da Independência, Bahia, além de tertomou c hefiado, osteriorm ente,Guer uma ras expedição desast radana a o Rio Grande do Sul, durante a Guerra dos Farrapos. Muitos soldados que serviram sob o seu comando sofreram maus-tratos, de tal form a que, por m ais de um a ve z, o militar fra ncês viu-se obrigado a enfr entar e debe lar re beliões. Segundo o depoim ento dos seus contem porâne os, Labatut possuía carac terísticas físicas exac erbadas que j á pre nunciavam o monstro do futuro: tam anho agigantado, pés enorm es e a voz retumbante. Mas foi só depois de morto que Labatut foi convertido pela imaginação popular num ente feroz, considerado mais perigoso do que o próprio Lobisomem . Segundo osemais fidedignos estudiosos do assunto,Seu o Labatut é umcoberto ogro dede porte avantajado cabelos com pridos e desgrenhados. corpo está espinhos tão duros quanto os do p orco-espinho, e seus pés sã o redondos com o os de um elefa nte. Ne sse último aspecto, el e guar da um a similitude evidente com o sinistro e inform e P é de garr afa, um a da s criações m ais sutilmente surre ais do nosso panteão nacional de m onstros. Seu rosto emoldurado pelas grenhas revoltas se destaca, acima de tudo, pelo único olho que tem fincado no centro da testa, embora as presas longas e aguçada s que lhe e scapam dos dois cantos da boca exer çam, num segundo momento, um impac to ainda m ais dilace rante sobre a s suas vítimas. Labatut mora e m uma região situada e ntre o Ceará e o Rio Gra nde do orte, es,ali vivemeaneira m estado fome pe rme anente. SeuLabatu a limento criança e sua de de a tacar é sutil insidiosa. t prefpredileto ere c olarsão o as ouvido nas portas ou introduzir o seu olho pelo buraco da fechadura antes de efetuar o ataque.
LOBISOMEM
O Lobisomem dispensa m aiores apresentações. Não há quem não o conheça das suas terrificantes aparições cinem atográficas ou literár ias: o home m transform ado em lobo que, nas noites de lua c heia, sai para a bastecer-se da sua ração regular de sangue humano. Há, contudo, alguns detalhes curiosos que poucos conhecem. Por e xem plo: que o caç ula de um a fam ília de sete filhos home ns será , infalivelme um lobisomem assim com a sétima f ilha de setebem irmãnas está fada da a sernte, bruxa. Diz-se, tam,bém , que aoo sofre r o desencanto, hora em que o galo canta, o home m-lobo pode deixar de finitivam ente de ser lobo, bastando que algum corajoso tire, nesta hora m ágica, um pouco do seu sangue. O Lobisomem , na ver dade, é um ser im portado das regiões europei as onde o lobo, muito mais do que aqui, abunda por todas as florestas. (Não se conhece nas nossas lenda s indígenas algum silvícola que, na s noites de lua cheia, tenha virado lobo para ir sac iar a sua sede de sangue huma no.) Enquanto não vira lobo, ele se a presenta sem pre c om o aspecto de um homem magérrimo, de tez amarelada e aspecto doentio. Às vezes, nos fundões do Bra sil, o nosso ca ipira troca o lobo pelo porc o, mais No “ Inquér ito senhor do Saci” Monteiro Lobato, em ar1917,brasileiro. há o depoimento de um queprom j uraovido ter vispor to um home m transform se em um porco “c alçado d e botinas” e sair por aí a com er sabão e lam ber tac hos de gordura. Aind a assim, o depoente persiste em cham á-lo de Lobisomem. Não existe m ulher-lobisomem . O m áximo que se conseguiu, nesse sentido, foram aproximações inócuas, como a Mula sem Cabeça ou a Cachorra da Palmeira.
LOIRA DO BANHEIRO
Outra invenção recentíssima, em termos folclóricos. Junto com o ChupaCabra , a intrigante Loira vem acrescentar novos e c uriosíssimos elem entos ao folclore urbano, esta parte tão negligenciada pelos estudiosos acadêmicos do imaginário oral e popular. Mas quem é essa figura? A Loira do Banheiro, como o próprio nome diz, é uma entidade misteriosa –públicos, possivelmente um espectroos– que tem seu habitat natural nos banheiros preferencialmente escolares. Também chamada de Mulher-Algodão, pelo fato de ter a boca e as narinas entupidas de a lgodão, ela cost uma apar ecer nos banheiros fem ininos sem pre que alguma fre quentadora desavisada e solitária ali s e introduz (ela nunca apar ec e a mais de uma pessoa e jamais torna categórica a sua existência). As vestes da Loira são bra ncas, dece rto para m isturar-se m ais eficientem ente a os ladrilhos e à s laj otas. Há um meio considerado infalível para invocá-la. Assim, toda garota que quiser travar um conhecim ento mais íntimo com a Loira dever á e ntrar na última cabine do banheiro e puxar a descarga por três vezes, dizendo solenemente: “LoiraQuando um, Loira . O porquê dasdiz-se três reque petições se sabe. a invdois, ocaçLoira ão é três!” feita com sucesso, a Loiranão surge ref letida no espelho, tentando atrair para dentro dele a sua vítima, a fim, decerto, de povoar a sua solidão. Sua presença, por enquanto, está restrita a São Paulo e ao Centro-Sul.
MAPINGUARI
Cria do Am azonas, o Mapinguari é um dos monstros ma is originais da nossa extravagante galeria. As des crições ace rca dele va riam muito pouco de autor para autor, de m odo que podem os traça r um quadro razoavelme nte seguro das suas e xorbitâncias f ísicas. Sua forma bási ca parece ser a de um grande ma caco. Um m acac o naturalme nte peludo, ma s não inteiramente, j á que ele não possui pelo algum na região Este, é o seu calcanhar só podedoserumbigo. m orto se foraliás, atingido nesse local. de Aquiles, pois um Mapinguari Logo acima do umbigo, mais exatam ente na a ltura do estômago, fica a sua boca. Para fechar o quadro das descrições, é preciso dizer, ainda, que ele possui um par de cascos de burro voltados para trás. (Da í a srcem do seu nome indígena Mapinguari, ou seja, “aquele que tem os pés virados”.) Quanto às refeições, o Mapinguari costuma fazê-las durante o dia, preferencialmente por ocasião do pôr do sol. Antes, porém , que caiamos na tentaçã o de enxerga r aqui algum lirismo ec ológico – a criatura genuinamente nacional a devorar o seu honesto repasto à luz do deslumbrante crepúsculo amazônico –, saib am os desde j á que nós, sere s humanos, somos o seu prato
predileto. Um detalhe importante: o Mapinguari só com e a cabeça das pessoas. Os antropólogos não descartam a possibilidade de haver aqui algum simbolismo psicológico ancestral do tipo “aí está o que acontece quando o sujeito vira bicho e perde a cabeça” –, mas o mais provável mesmo é que o Mapinguari simplesmente goste de comer cérebro.
MULA SEM CABEÇA
Não há quem não saiba, por todos estes sertões do Brasil, que m ulher que se casa com padre, cedo ou tarde, vira Mula sem Cabeça. Essa é a gê nese clássica de um a das c riaturas a ssombrosas m ais populares do imaginário brasileiro. A sua contrapartida masculina, o Cavalo sem Cabeça – ou sej a, o homem que se c asa com uma freira –, nem de longe gozou da m esma popularidade, comprovando o triunfo do preconceito machista. (O Brasil parece ser um dos poucos lugaresedo onde a transform m ulher e m mula ou outro a nimal qualquer stá mundo associada diretam ente a ação uma da punição m oral.) Apesar de não possuir cabeç a, no lugar onde e la deveria e star pode-se ver, nas noites a pavorantes em que a criatura surge, o e xpelir irado de j atos de f ogo. Além de lançar fogo pelas ventas invisíveis, ela relincha de maneira mil vezes mais audível do que uma mula norm al. Outro detalhe notável é o fa to de ela c arrega r no pescoço ima ginário o fre io de fe rro. Quem conseguir arr ancá -lo, quebra o f eitiço, voltando a ter nos braços a mulher srcinal. Antes, porém, de tentar a proeza, é preciso tomar o cuidado de esconder bem as unhas e os dentes, pois, por alguma razão, ela odeia estas duas coisas. (Há quem diga que ela se alimenta dessas duas coisas, por mais absurdo quepatadas pareça.)são mortíferas, e seu galope, quase impossível de ser detido, Suas daí a razão de ninguém ainda ter conseguido extrair-lhe o freio orlado de sangue dos dentes invisíveis. O pelo, segundo o entendime nto da m aioria dos estudiosos, é negro. Às vezes, ac rescentam -lhe, por ornato, u ma c ruz de c abelos branc os, para evidenciar a sua srcem sacrílega. J á o ra bo é uma espécie de fa rol traseiro, reluzindo na noite c omo um facho de luz. A Mula sem Cabeç a nos veio de P ortugal e ar redores. A raz ão de o a nimal ser uma mula parece ser a de que os prelados costumavam seguir, em suas andança s piedosas, trepados numa mula, m ontaria ideal para vencer terre nos acidentados.
PAI DO MATO
O P ai do Mato é um a c riatura do nosso folclore que lem bra m uito o deus Pã dos gregos ou, ma is modernam ente, os ents, aqueles guardiões das florestas com f orma to de ár vore e car a de gente. O P ai do Mato é m aior do que qualquer árvore conhecida, anda tod o despenteado, possui uma barbicha, orelhas de cavalo e patas de cabrito. Sua coloração é a mesma de um porco preto enlameado, e sua urina possui uma tonalidade azul. Mas surrealmente o seu traço mais marcante é, sem dúvida alguma, o tamanho dispara tado das suas unhas, que podem alcanç ar até dez me tros de c omprim ento, em bora sua fin alidade pareça ser m era mente ornam ental. A exemplo do Mapinguari, ele tem o seu ponto fraco no umbigo, que a natureza, por a lgum motivo absurdo, re solveu destaca r c om um círculo, tornando-o, assim, um alvo perfeito para a mira dos caç adores ou de qualq uer um que se a nime a enfr entá-lo. (Nã o está desca rtada, c ontudo, a possibilidade de tratar-se de a lguma artimanha natural d estinada a a trair a presunção do oponente, j á que, s egundo a cre nça a rraigad a, nem bala, nem fac a o m atam .) O Pai do Mato é bar ulhento com o a m aioria dos nossos monstros, só que adora também gargalhar estentoreamente, sabe-se lá do quê. É srcinário de P ernam buco e de Rondônia.
PISADEIRA
O estado de São P aulo e os arr edores de Minas Ger ais são a s duas re giões onde a Pisadeira, est a ve rdadeira c ria da noite, costuma surgir par a e spalhar o seu cortej o horrendo de pesadelos . Hoj e é coisa firma da entre os erudi tos que a P isadeira é um m ito importado de P ortugal, com nome e tudo. Mas não é exclusivo de lá nem de lugar a lgum, pois desde sem pre os povos se ac ostumaram à pre sença incôm oda desse maléfico, cuj a distração predileta adormser ecido, impedindo-lhe a respiraçã o. é a de sentar- se sobre o estôma go do Versão popular dos demônios noturnos, a Pisadeira é uma alegoria evidente da indigestão, moléstia noturna que a insaciável fantasia humana dotou de ca usas sobrenaturais. (Não é por aca so que a palavra pesadelo prov ém de “peso”.) O local pref erido da P isadeira são os telhados e as c ham inés, por onde e la se introduz logo no começo da noite para dar exercício, mais tarde, às suas atividades noturnas de perturbadora do sono. Pr ima-irmã do Fradinho da Mão Furada – tam bém este um e nte genuinam ente português – e do noss o brasileiríssimo Jurupari, am bos versados nas artes doopesadelo, a P isadeira ições chispantes cláss icas dae bruxa: nariz adunco cutucando queixo apontado para tem cima,asosfeolhos as gadeias esparra madas. Ap esar de magricel a, ela sabe bem fazer-se pesar quando se acocora sobre o e stôma go da sua vítima (algo que f az com perfe ita naturalidade, á que possui as pernas curtas). Outro a tributo fundam ental da P isadeira são as suas m ãos enorm es, de dedos aduncos e unhas afiadas. Quando ela pousa essas verdadeiras patas de meger a sobre o e stômago do glutão a dorme cido, é a í então que princi pia para ele o m artírio noturno. Mas a coisa pode ser ainda pior: quando a Pisadeira quer mesmo atrapalhar a vida da sua vít ima , ela lhe pressi ona o estômago com firm eza ainda maior, a fim depor provocar morte su focaçum ão vômito que, pela posição do adorme cido, pode levá-lo at é a Na maioria das vezes, porém, após debater-se uma noite inteira, o mais terrível que pode suceder a o com ilão ou beber rão imprudente é a cordar na manhã seguinte com a s face s arra nhadas pelas unhas aduncas da dem ônia e um belo par de olheiras.
PRINCESA DE JERICOACOARA
A exemplo da Alamoa e das Mães do Ouro espalhadas por todo o Brasil, a Princesa de Jericoac oara é outra c riatura da estirpe das prin cesas encantadas, guardiãs de tesouros em grutas ou cavernas, que tanto sucesso fizeram em Portugal, na versão das m ouras enca ntadas. Habitante do Ceará, ela tem sua morada na c idade que a imortalizou, Jericoacoa ra. P or ar tes de a lgum feitiço, a princesa, out rora bela e de slumbra nte, está agora Felizmente, sua cabeça permanece a mesm a dostransformada seus dias de numa belez a,serpente. bem com o os seus pés. Pa ra desencant á-la, é precis o a coragem de um homem de verdade, disposto ao martírio, pois somente com o sacrifício de uma vida humana ela poderá retom ar sua antiga form a (que se faça um sinal da cruz no dorso da cobra com o sangue do sacrificado é o que bast a par a o desm anche do feitiço). Então estarão a bertos, com o por m ágica, os port ões da gruta onde se ocult a o palácio esplendoroso da princesa, re pleto de todas as r iquezas concebíveis deste m undo. A riqueza, entretanto, será para os outros, não para o herói abnegado, a quem caberá apenas a honra e terna de ter libera do a m ais linda das princesas do seu fado infeliz.
Q UIBUN GO
O Quibungo é um dos personagens ma is assustadore s do nosso folclore, embora também não seja criação nativa das terras baianas, onde costuma atuar, mas uma adaptação do antiquíssimo Velho do Saco e de outros personagens assemelhados, espalhados por todo o mundo. (O Homem do Surrão português parece ser o seu protótipo mais próximo.) Seu nome denuncia logo a sua srcem africana, pois Quibungo significa “lobo”.Ao contrário da m aioria dos nossos monstros, o Quibungo vive nos ca mpos ao invés de na s matas. Ele é uma mistura de gente e de bicho, pendendo muito mais para o segundo. Esse raptor de moleques, no ent anto, não c arr ega consigo um saco ou o surrã o legitimam ente lusitano (um a espécie de bolsa ou sacola de couro) par a enfiar as suas vítimas. Ao curvar-se para apanhá-las, uma fenda enorme abre-se nas suas costas, e é nessa caverna lombar que ele as introduz. O buraco torna a fec har-se naturalme nte quando ele e spicha-se tod o outra vez. Rea lmente, de m eter m edo. Descreve-se normalmente esse ser hediondo como uma espécie de lobisomem ou, mais habitualmente, como velho maltrapilho . Felizmente, o Quibungo, à difer ençaum daspreto outras criaturas monstruosas, pode ser m orto como qual quer homem norm al.
SACI-PERERÊ
O Saci-pererê disputa, junto com o Curupira, o título de personagem mais famoso do nosso folclore. Sua figura é conhecida em todo o Brasil, mesmo nas regiões onde ele é menos “cultuado”. Mas nem sempre o Saci teve a figura que hoje conhecemos. Desde a sua primeira versão, ele sofreu um a série radical de alterações e acréscim os, até transform ar- se na ve rsão brasileira dos gnomos e duendes e uropeus que hoje conhecemos. A ver são m ais autenticamente nac ional do Saci é a indígena, que o apre senta como uma simples ave. (Mati ntaper eira é uma das diversas aves às quais se atribui a gênese do mito, mas existe tanta controvérsia sobre o assunto que podemos estar certos de jamais virmos a saber a verdade.) Segundo a c rença, e ssa a ve m isteriosa tem por hábito fazer c om que os viaj antes se pe rcam na floresta, graç as ao poder do s eu ca nto enganador – o q ue também não é nenhuma novidade, já que, espalhadas por toda a América Latina, abundam aves similares, a ponto de m uitas delas tam bém terem se converti do, com o passar dos anos, em clones do nosso Saci (o Crispin arge ntino, ou o Eca co boliviano – com gorro vermelho e tudo – são apenas dois exemplares da enorm e lista que se estende Argentina México). À medida quedao mito desceao para o centro-sul do Brasil, ele vai se transform ando, por força da influência e uropeia e a frica na, até se converter no moleque qu e hoj e c onhecem os. Segue um a bre ve descriçã o do Saci: O Saci é um moleque de uma perna só – muito raramente apresentado com duas – e apar ece geralme nte nu, portando ap enas uma car apuça verm elha na cabeça. (A carapuça mágica é um elemento importado de seus protótipos europeus – os anõ es e duendes tam bém possuem gorros encantados , ca pazes de operar prodígios –, embora alguns nacionalistas inveterados queiram ver na car apuça uma mera adaptaçã o da c abeleira verm elha do curu pira, sem atentar para fato de que também nosso omoleque dos pésa invertidos traçoso alienígenas.) Além deotornar Saci in visível, c arapuça, está umarepleto vez de arra ncada da sua cabeç a, tem o dom de prem iar o ladrão com pedidos má gicos. O Saci é personagem traquinas por exc elência: além de extraviar vi aj antes e de promover toda sorte de bagunças no l ar, gosta m uito tam bém de m ontar em cavalos e prom over disparadas noturnas, fazendo uma maçaroca na s crinas dos bichos. Fuma feito um condenado e perde as estribeiras com todo viaj ante que se rec usa a reabastece r o seu ca chimbo. And a invariavelmente no interior de um rede moinho e pode ser apa nhado se o caç ador de sacis at irar, bem no me io, uma peneira invertida, trançada em forma de cruz, ou um terço ou um rosário de capim. Alguns tam bém o apresentam com as m ãos furadas, ou tro detalhe importado, r etirado edodeseu protótipo português, o Fradinho da Mão(As Furada, irm ão da P isadeira outras entidades m aléfica s do pesadelo. m ãos primofurada s são par a im pedir que a vítima morra sufoca da durante as suas i nvestidas noturnas.)
TUTU
Irm ão do Bicho-Papão e do Boi da Cara P reta, o Tutu é um a c riatura toda negra, sem ter, porém, form a discernível alguma . (A palavra Tutu , segundo Câmara Cascudo, provém do termo africano quitutu, que significa “ogro” ou “papão”.) Apesar de não ser tão popular quanto o Bicho-Papão, que chegou a virar term o prover bial, o Tutu é senhor dos terrore s noturnos infantis na Bahia, em Pe rnam buco, no Rio de Janeiro e eda m criatura, Minas Gera Existem várias modalidades das is. quais a mais singular é a do Tutu-zam bê, que, além de não possuir form a, não possui tam bém a c abeç a. Na Bahia, por sua vez, o Tutu deixa de ser um a m era sombra par a assumir a f orm a explícita de um porco-do-m ato, graç as à sem elhança dos t erm os tutu e caititu. (O caititu, ou queixada , é um a espécie de porc o selvagem , montaria predi leta do Caipora nortista.) Segundo a c rença, o Tutu persegue a s criança s arteiras e, princi palme nte, aquelas que não querem dormir. O m ito, segundo Câm ara Cascudo, é im portado da Europa e da África . Nossas mã es indígenas, ao cont rário, prefe riam invocar, numa admirável lição de delicadeza, o auxílio dos pássaros ou animais de sono prolongado, a fim de que o em prestassem a seus indiozinhos insones. (Acatipuru,
empresta teu sono / para meu filho dormir... / Iacuturu, empresta teu sono / para meu pequeno filho dormir..., diz, com o numa oraç ão, o suave acalanto.)
ZUMBI
O Zum bi é outra criação bra sileira calcada no tipo universalme nte conhecido do morto-vivo, em bora aqui ele sej a um fantasm a incorpóreo, e não um cadáver teleguiado, como estamos acostumados a ver nas recorrentes versões cinematográficas. Apesar disso, tornou-se quase impossível dissociar a imagem de um e de outro, de tal form a que, na m entalidade popular, os dois personagens tornaram-se sósias. Na versão brasileira, porém, odos Zumbi é mmesmo ais “elétrico” gosta de dar susto nas pessoas, enquanto o morto-vivo filmes, quando eestá empenhado em estraçalhar e matar, o faz mergulhado num estado de apatia catatônica. Zumbi acabou tornando-se emblema, também, do maior herói negro da nossa nac ionalidade, o guer reiro Zumbi do s Pa lma res, que nada tinha de apático. Diz a nossa c rendice – e este é um traço r ealmente srcinal do nosso Zumbi – que, quanto mais perto a vítima está dele, m ais ele cresce em estatura, inclinando-se pa ra diante de uma form a sinistra. Graç as à ori gem africana do t erm o – nzumbi, “fa ntasm a” –, o Zumbi é normalmente visto como um homem negro, mas nada impede que possamos ver passeando pelas nossas matas e cidades versões étnicas m ais claras do ser amedrontador. A fam a do Zum bi é m ais consistente nos estados da Bahia, do Rio, de Minas e de Sergipe. FIM
BIBLIOGRAFIA
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