As áreas da Saúde Mental e da Saúde da Família representam, atualmente, as iniciativas mais ousadas e radicais de transformações das políticas públicas de saúde no Brasil. São as frentes mais importantes e inovadoras do SUS. Isso porque são iniciativas que não se reduzem a mera transformação ou aperfeiçoamento do modelo assistencial. Representam, isso sim, verdadeiros processos de ruptura com o modelo biomédico hegemônico, que nos deixou como herança um sistema fortemente hospitalocêntrico hospitalocêntrico,, “especialístico “especialístico”, ”, medicalizador , rigidamente hierarquizado, hierarquizado, assistencialista e curativista correcional. correcional. Um sistema absolutamente voltado para a doença e não para a saúde saúde.. Paulo Amara Amarante nte Prefácio do livro Saúde Mental e Saúde da Família. Famíli a. Editora Olho d’água – 2006 Alice de Oliveira, Marcos Vieira e Socorro Andrade
A Saúde Mental é, por assim dizer, o eixo da Estratégia da Saúde da Família. Na ESF os usuários conhecem os médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e agentes comunitários pelo nome. E os membros da Equipe de Saúde da família também com hecem os usuários pelo nome. Conhecem, a cada dia melhor, suas biografias e o território existencial e geográfico. Na ESF os pacientes deixam de ser números em prontuários; eles são tratados nas tramas que organizam suas vidas. Lancetti e Amarante Saúde Mental e Saúde Coletiva in: Tratado de Saúde Coletiva Hucitec-Fiocruz – 2006 Gastão Wagner se Souza Campos, Maria Cecília Minayo, Marcos Akerman, Marcos Drummond Jr. e ara Carvalho (org.)
INTRODUÇÃO:
PARA QUE POSSAMOS COMPREENDER O QUE É INTEGRALIDADE EM SAÚDE MENTAL, PRECISAMOS PRIMEIRO ENTENDER O QUE É NÃO INTEGRALIDADE, E COMO ESSA SE CONSTITUIU
E, PARA TANTO, É PRECISO DEMOS UM MERGULHO NO TEMPO, MAIS PRECISAMENTE NA HISTÓRIA, ENTENDIDA ESSA ENQUANTO PROCESSO HISTÓRICO.
DEVEMOS PARTIR DA IDADE MÉDIA...
Antes da idade média, na Europa, E uropa, viviam inúmeras civilizações, como as célticas, itálicas, germânicas, bálticas, eslavas, e nórdicas, entre outras. Possuiam uma concepção de mundo baseada em um politeísmo de entidades pagãs
MAS ROMA PASSOU A SER A POTÊNCIA DOMINANTE, E CONSEGUIU DOMINAR TODA A EUROPA, TRAZENDO CONSIGO AS CONDIÇÕES FUTURAS PARA A EXPANSÃO DO CRISTIANISMO
Templo de Diana Évora - Portugal
Teatro Romano Mérida - Espanha
O INÍCIO PROPRIAMENTE DITO DA IDADE MÉDIA E O SURGIMENTO DO FEUDALISMO A Idade Média teve início na Europa com as invasões germânicas (bárbaras (bárbaras), ), no século V, sobre o Império Romano do Ocidente. Essa época estende-se até o século XV, com a retomada comercial e o renascimento urbano. A Idade Média caracteriza-se pela: Economia ruralizada Enfraquecimento comercial Supremacia da Igreja Católica Sistema de produção feudal Sociedade hierarquizada
CONTUDO, RITUAIS ANCESTRAIS,COMO ANCESTRAIS,COMO OS DA FERTILIDADE SUBSISTIRAM DURANTE TODA A IDADE MÉDIA
A ALQUIMIA ERA HERDEIRA DE ANTIGOS SEGREDOS...
OS TEMPLÁRIOS TERIAM TRAZIDO CONSIGO CONHECIMENCONHECIMENTOS DO ORIENTE,MISTERIOSOS ORIENTE,MISTERIOSOS E OCULTOS...
QUE DE ALGUMA FORMA ESTARIAM TRADUZIDOS NAS CATEDRAIS GÓTICAS
A INQUISIÇÃO TENTAVA DOMINAR AS HERESIAS E OS ANTIGOS CONHECIMENCONHECIMENTOS E PRÁTICAS ANCESTRAIS
OS REIS GOVERNAVAM POR DIREITO E UNÇÃO DIVINA
A religião Católica ordenava o mundo, mas também a magia, as forças da Terra, e o místico... Eram duas forças em contraposição, a luta entre uma antiga cultura e uma nova cultura, mas ambas baseadas no transcendente
Visões religiosas panteísticas ou orientais visão monista:
-Unidade do homem com a natureza -Unidade Mente/corpo -Unidade Espírito/matéria -Unidade entre o real e o transcendente -Unidade divino/mundo divino/mundo
O HUMANO NÃO SE CONTRAPUNHA AO NATURAL, AO REAL
Visões religiosas monoteísticas Visão dualista -O divino e o humano -A alma e o corpo -A natureza e o homem -O bem e o mal
A NATUREZA COMO REINO DO DEMONIACO, O ESPÍRITO COMO REINO DO DIVINO
DISTO RESULTOU: UMA VISÃO PROFUNDAMENTE ENTRANHADA NA CULTURA OCIDENTAL DO MUNDO NATURAL COMO ALHEIO AO HUMANO, INDIFERENTE, AMEAÇADOR, DESORGANIZADOR DO ESPAÇO ANTROPOLÓGICO O HOMEM TINHA,POIS, DE CONTROLAR ESSA NATUREZA, SEJA COM SACRIFÍCIOS, SEJA ALIANDO-SE A ELA (PRATICAS TIDAS COMO FEITIÇARIA), SEJA COM A GRADUAL CONSTRUÇÃO MODERNA DA CIÊNCIA OCORREU UMA PROGRESSIVA OPOSIÇÃO ENTRE RAZÃO E NATUREZA. O FENÔMENO DA LOUCURA PASSOU A SER IDENTIFICADO COMO UMA IRRUPÇÃO DA NATUREZA NO HUMANO
Lembremos agora, para não esquecer depois... Freud, como cidadão ocidental, concebeu que uma das partes do aparelho psíquico seria o ID ID,, representante do mundo natural, depósito do irracional e de pulsões destrutivas, fonte da psicose, do desejo de retornar a matéria sem vida, a-humana. O ID teria de ser dominado pelas outras instâncias do aparelho psíquico, o EGO e o SUPEREGO, SUPEREGO, e ter suas pulsões sublimadas em formas compatíveis com a civilização.
Na concepção psicanalítica clássica, estaria entranhada, pois, a dualidade natureza/cultura .
A RENASCENÇA
A renascença corresponde ao período de "renascimento”das letras e das arte como um todo, movimento este iniciado na Itália no Século 14, tendo alcançado seu auge no Século 16, influenciando todas os demais países da Europa. Os termos Renascença ou Renascimento passaram a ser utilizados a partir do Século 15 para designar o retorno da cultura aos padrões clássicos. Tal movimento se iniciou com os estudos dos cânones artísticos da antiguidade clássica. O estudo da cultura clássica já constituía elemento de erudição entre os mais cultos homens da Idade Média e até entre a classe sacerdotal. Por exemplo, as figuras mitológicas pagãs eram utilizadas como elemento estético para finalidades morais e filosóficas.
O homem passou a ser o parâmetro do mundo A história passou por grandes revoluções no período renascentista. A visão do homem sobre si mesmo m esmo modificou-se radicalmente pois, no período anterior, todos os campos do saber humano tendiam a voltar-se para as explicações teocêntricas. Em outras palavras, a visão do homem, basicamente, tinha Deus como ponto de partida para todas as discussões acerca do universo, suas origens e seus mecanismos. Na Renascença, o homem voltou seu olhar sobre si mesmo, isto é, houve o ressurgimento dos estudos nos campos das ciências humanas, em que o próprio homem toma-se como objeto de observação, ao mesmo tempo em
O Declínio do feudalismo A sociedade feudal, a partir da Renascença, teve seus mercados alterados através do nascimento de uma burguesia urbana, que revolucionava os padrões então vigentes na produção. Os centros urbanos se multiplicaram a partir do desenvolvimento das atividades comerciais, substituindo paulatinamente os antigos feudos. Em suma, os fatos ocorridos no período renascentista eram formados a partir das bases da posterior instalação do mundo contemporâneo na história.
MAS, MESMO COM AS MUDANÇAS DA RENASCENÇA, AQUILO QUE HOJE É DITO LOUCURA, TINHA SEU LUGAR DENTRO DA SOCIEDADE NÃO EXISTIA A IDÉIA DE DOENÇA EXISTIA UMA POSITIVIDADE NO DISCURSO LOUCO “Com efeito, no Renascimento, a loucura era representada certamente como uma figura diferenciada da não loucura, mas não obstante isso não era simbolicamte desqualificada, pois desqualificada, pois era positivada como sendo um local essencial de enunciação da verdade. verdade. Foucault nos ensina que no Renascimento exis- tia uma concepção trágica da loucura , onde apesar de sua ex- periência simbólica a loucura se inscrevia no universo da verdade.” Joel Birman, in Cidadania Tresloucada
“...o louco... lembra a cada um a sua verdade; na comédia um cada um, na comédia em que todos enganam os outros e iludem a si próprio, ele é a comédia em segundo grau, o engano do engano. Ele pronuncia em sua linguagem de parvo, que não se s e parece com a da razão, as palavras racionais que fazem a comédia desatar no cômico: ele diz o amor am or aos enamorados, a verdade da vida aos jovens, a medíocre realidade das coisas aos orgulhosos, os insolentes e os mentirosos.” Michel Foucault. A História da Loucura
Contudo, gradativamente, a loucura vai sendo vista de uma forma diferente, cada vez menos portadora da verdade e inscrita no espaço da morte, da não verdade e de ausência de significação de sua experiência. Foucault assinala essa transição como a da: concepção trágica da loucura
concepção crítica da loucura
A extração da pedra da loucura Essa tela mostra a apropriação “científica” da loucura
A nau dos loucos Tolerados e banidos, os loucos vagam pelos rios da Europa. Essa tela mostra a relação dúbia da Renascença com a loucura
MAS A HISTÓRIA TEM SUA MARCHA PRÓPRIA... A população cada vez concentra-se mais nas cidades (burgos) Ali estão reunidos comerciantes, artesãos e outros profissionais que as cidades vão exigindo Eles se tornam uma força social importante, cujos interesses vão entrando em conflito com e estrutura feudal É uma nova classe social que surge: a burguesia Cada classe social tem uma estrutura ideológica que a legitima, lhe identidade e reforça seu poder de hegemonia. A ideo logia feudal era essencialmente religiosa. Já a burguesa vai centrando-se no homem e no poder da Razão.
Essa crença no poder da Razão vai se consolidando no movimento Iluminista. Penso, logo existo.
Rene Descartes
O sujeito foi colocado c olocado no centro do mundo e representado como fundante deste pela sua Razão e como agente crucial para a transformação do mundo mediante o poder de sua vontade. A desrazão, a loucura, foi deslocada, portanto, para e exterioridade do espaço social e da subjetividade. Birman
Sendo assim, enunciar a razão como sendo fundante do su jeito e delinear a vontade como o seu instrumento crucial na transformação do mundo implicou na destituição simbólica do poder social da magia.
Ocorre uma dessacralização do mundo
RAZAO E CIDADANIA
A RAZÃO COMO FUNDANTE DO SUJEITO O SUJEITO COMO O CIDADÃO BURGUÊS LOGO
O LOUCO, COMO DESTITUIDO DE RAZÃO PASSOU A SER UM NÃO CIDADÃO
A loucura passou a ser considerada erro, ausência de sentido. Irrupção de uma natureza selvagem e irracional. O louco passou a ser visto como um ser sem subjetividade
NESSE MOMENTO HISTÓRICO OS LOUCOS PASSAM A SER RETIRADOS DE CIRCULAÇÃO E SÃO COLOCADOS NOS “HOSPITAIS” – LOCAIS QUE ALBERGAVAM A LBERGAVAM LOUCOS, POBRES, “DESAJUSTADOS SOCIAIS”, ERRANTES, ENFIM, TODOS AQUELES QUE NÃO SE AJUSTAVAM A JUSTAVAM À RACIONALIDADE BURGUESA-INDUSTRIAL BURGUESA-INDUSTRIAL QUE SURGIA
A GRANDE EXCLUSÃO
A GRANDE TRANSFORMAÇÃO QUE ACONTECE É A DE UMA NOVA CONCEPÇÃO DO HOMEM E DE SUAS FORMAS DE LIDAR COM O MUNDO NATURAL. A NATUREZA VISTA COMO A-HUMANA, IRRACIONAL, INDIFERENTE AO FENÔMENO HUMANO DEIXA DE SER SOBERANA. AS FORMAS MÁGICO-RELIGIOSAS DE LIDAR COM ESSA NATUREZA, VISTA COMO HOSTIL E INDIFERENTE, QUE IMPLICAVAM NO RECONHECIMENTO RECONHECIMENTO DA FORÇA DESSA NATUREZA, CEDEM LUGAR AO SUJEITO DA RAZÃO, À RACIONALIDADE CIENTÍFICA, CIENTÍFICA, QUE JULGA PODER SUBJUGAR E DOMINAR ESSA NATUREZA PELO PODER DA RAZÃO
O DESAMPARO DO HOMEM FRENTE ÀS FORÇAS NATURAIS IMPREVISÍVEIS, FUNDANDO-SE NA QUESTÃO DA FINITUDE HUMANA, DA MORTE, ENCONTRA NA LOUCURA UM DESAFIO: A LOUCURA É A IRRUPÇÃO DESSA NATUREZA TEMIDA, UMA ZOMBARIA DO PODER DA RAZÃO, A INCOMPREENSIBILIDADE COMPREEN SIBILIDADE FUNDANTE DA ANGÚSTIA HUMANA. LOGO, SUBJUGAR A EXPERIÊNCIA DA LOUCURA À RAZÃO HUMANA TORNA-SE ALGO FUNDAMENTAL PARA A VITÓRIA DA NOVA CONCEPÇÃODO HOMEM QUE ESTÁ SURGINDO. NESSE MOMENTO HISTÓRICO SURGE A PSIQUIATRIA, QUE TRANSFORMA ESSA EXPERIENCIA AMEAÇADORA DA NOVA ORDEM EM DOENÇA MENTAL. A EXPERIENCIA DA LOUCUR FICA CIRCUNSCRITA E REINTERPRETADA COMO ERRO, FALHA, AUSÊNCIA DE SENTIDO.
NESTE MOMENTO A NASCENTE MEDICINA, UM SABER CIENTÍFICO-RACIONAL CIENTÍFICO-RACION AL QUE SURGIA SUBSTITUINDO PRÁTICAS MAGICAS OU POPULARES DE CURA CRIA O
CONCEITO DE DOENÇA MENTAL LOGO, DOENÇA MENTAL NÃO É ALGO EM SI, DADO PELA NATUREZA, MAS SIM UM
CONSTRUTO HISTÓRICO-SOCIAL
PHILLIPE PINEL LIBERTANDO OS LOUCOS
PINEL FOI PRECURSOR DA IDÉIA DA LOUCURA COMO DOENÇA. DOENÇA. TORNOU OS HOSPITAIS ESPAÇOS DE TRATAMENTO, MANTENDO NELES SOMENTE OS LOUCOS. AQUI COMEÇA A LONGA HISTÓRIA DA LOUCURA COMO AUSENCIA DE RAZÃO E SUBJETIVIDADE. COMO ERRO, FALTA DE SENTIDO E VERDADE. A LONGA HISTÓRIA DA EXCLUSÃO DA LOUCURA DOS ESPAÇOS SOCIAIS, QUE PERSISTIU INTACTA POR 140 ANOS