Realismo mágico: uma tipologia Tradução de Fábio Lucas Pierini do original inglês “Magic realism: a typology”, de William Spindler, Fórum for modern language studies, Oxford, 1993, v. 39, p. 75-85. Revisão: Fernanda Cristina de Freitas Sales.
Realismo mágico é comumente associado aos romancistas latino-americanos tais como como Gabrie Gabriell Garcí Garcíaa Márqu Márquez ez,, Alejo Alejo Carpen Carpenti tier, er, Isabe Isabell All Allen ende de e Miguel Miguel Angel Angel Asturias. O termo, contudo, originou-se na Europa nos anos 1920 quando era aplicado não à literatura, mas à pintura. Desde então, os críticos fizeram uso do termo ao tratarem de várias formas de arte incluindo, mais recentemente, o cinema. A falta de uma definição que não seja controversa e a proliferação de seu uso em vários contextos resultou em confusão. Isso, por sua vez, levou ao uso indiscriminado do termo para descrever quase todo trabalho de literatura ou arte que de alguma maneira provêm dos estabelecidos cânones do realismo. A despeito de problemas terminológicos e conceituais, conceituais, os quais persuadiram um número de críticos a abandoná-lo, o termo continua a ter, nas palavras de Frederic Jameson, “uma estranha sedução”. Além disso, é possível argüir, como é o meu caso, que o Realismo Mágico, propriamente definido, é um termo que descreve obras de arte e ficção que compartilham uma certa temática identificável, características formais e estruturais, e que essas características justificam que seja considerado uma categoria estética e literária própria, independente de outras como o Fantástico e o Surrealismo, com o qual é freqüentemente confundido. Este artigo tem como finalidade apresentar uma estrutura que incorporará as diferentes manifestações do Realismo Mágico num só molde, mol de, e ness nessee senti sentido, do, ajuda ajudarr a escl esclare arece cerr a atual atual confu confusão são pela pela disti distinç nção ão entre entre diferentes tipos de Realismo Mágico, ao mesmo tempo mantendo os elos e pontos de contato entre eles. O primeiro a usar o termo foi o crítico de arte alemão Franz Roh. Ele o aplicou a um grupo de pintores que viviam e trabalhavam na Alemanha nos anos 1920 que, depois da Primeira Guerra Mundial, rejeitaram o que viam como a intensidade e o emocionalismo do Expressionismo, tendência que dominou a arte alemã depois da Guerra. Esses artistas, inclusive pintores tais como Carl Grossberg, Christian Schad, Alexander Kanoldt, Georg Schrimpf, Carlo Mense e Franz Radziwill, prescreveram um
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retorno à representação da realidade, porém sob uma nova luz. O mundo dos objetos devia ser abordado de uma nova maneira, como se o artista o estivesse descobrindo pela primeira vez. O Realismo Mágico, como foi entendido então, não era uma mistura de reali realidad dadee e fanta fantasia sia,, mas mas uma manei maneira ra de revel revelar ar o mistér mistério io ocult ocultoo nos obj objet etos os ordinários e na realidade do dia a dia. Em 1927, o escritor e filósofo espanhol José Ortega y Gasset traduziu e publicou o livro de Roh em seu influente jornal Revista de Occidente. O termo Realismo Mágico logoo se torno log tornouu ampla amplamen mente te usado usado por crític críticos os lati latino-a no-amer meric icano anoss no contex contexto to da literatura. O escritor e crítico argentino Enrique Anderson Imbert, por exemplo, escreve que o termo foi utilizado nos círculos culturais de Buenos Aires nos anos 1930 para se referir referir a escritor escritores es europeus europeus como Kafka, Kafka, Bontempe Bontempelli, lli, Cocteau Cocteau e Cherster Chersterton. ton. O primeiro a aplicar o termo à literatura latino-americana foi o escritor venezuelano Arturo Arturo Uslar Uslar Pie Pietri tri.. Naque Naquela la époc época, a, o signi signifi fica cado do geral geralmen mente te acei aceito to de Real Realism ismoo Mágico era ainda baseado na definição de Roh. Em 1949, Alejo Carpentier publicou seu romance O reino deste mundo . Em seu prólo prólogo, go, o roman romanci cista sta cuba cubano no apres apresent entou ou seu seu conce conceit itoo de “o real real maravi maravilh lhoso oso americano”, pelo qual ele se referia não às fantasias ou invenções de um autor em particular, mas ao número de objetos e acontecimentos reais que fazem o continente americano ser tão diferente do europeu. Na visão de Carpentier, os prodígios naturais, culturais e históricos da América são uma inesgotável fonte de verdadeiras maravilhas: “o que é a história da América toda senão uma crônica do real maravilhoso?” Além disso disso,, supunh supunha-s a-see ser ser essa essa reali realida dade de maravi maravilho lhosa sa quant quantit itati ativam vament entee superi superior or à “malfada “malfadada da pretensã pretensãoo de suscit suscitar ar o maravilh maravilhoso oso que caracter caracterizou izou certas certas literatu literaturas ras européias desses últimos trinta anos” (p. 95). Nesse sentido, Carpentier manifestou sua desilusão desilusão com o Surrealismo, um movimento que integrou enquanto vivia em Paris. O Surrealismo era, grosso modo, uma reação contra a excessiva ênfase de um pon ponto to de vist vistaa raci racion onal al requ requer erid idoo pela pelass trad tradiç içõe õess ocid ociden enta tais is de empi empiri rici cism smoo e positivismo positivismo científico. Tinha como objetivo objetivo liberar as forças criativas do inconsciente e da imaginação, e era profundamente influenciado pela obra de Freud. Era o produto de uma sociedade industrial altamente desenvolvida, na qual a habilidade de se espantar e de se encantar com o mistério se perdera. O “real maravilhoso” de Carpentier, por outro lado, enquanto toma a fascinação dos surrealistas pelo “merveilleux” como um ponto de
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a mo mode dern rnid idad adee freq freqüe üent ntem emen ente te coex coexis iste te com com as form formas as popu popula lare ress de reli religi gião ão amplamente amplamente baseadas nas crenças de grupos etno-culturais de origem não ocidental tais como como a nati nativa va e as afro afro-am -amer eric ican anas as.. Ao invé invéss de proc procur urar ar por por um umaa “rea “reali lida dade de separada”, simplesmente oculta sob a realidade existente da vida do dia a dia, como o Surrealis Surrealismo mo pretendi pretendia, a, “o real maravilho maravilhoso” so” assina assinala la a represent representaçã açãoo da realidad realidadee modificada e transformada pelo mito e pela lenda. Nisso, se aproxima das idéias de Jung, especialmente seu conceito de “inconsciente coletivo”, que se refere tanto à fabricação do mito quanto à psicanálise freudiana com sua ênfase ao inconsciente individual, à neurose e ao erótico, o que atraiu os surrealistas. O sentido de espanto com a “maravilhosa” realidade da América, de Carpentier, contudo pode ser visto como uma reflexão sobre o mito europeu do “Novo Mundo” como um lugar de maravilhas, baseada na constante referência à experiência européia como medida de comparação. Isso é claramente visto nas crônicas de descobrimento e conquista, do diário de Colombo à história da conquista do México, de Bernal Diaz del Castillo, que de acordo com Carpentier é “o único livro de cavalaria real e fidedigno já escrito”. Também nos anos 1940, o escritor guatemalteco Miguel Angel Asturias estava se afas afasta tand ndoo do Su Surr rrea eali lism smoo rumo rumo a idéi idéias as e preo preocu cupa paçõ ções es seme semelh lhan ante tess às de Carpe Carpenti ntier. er. Asturi Asturias as esta estava va inter interes essa sado do em como como Maya Maya de Guatem Guatemal alaa conceb concebee a realidade colorida por crenças mágicas: As alucinações, as impressões que o homem obtém de seu meio tendem a se transformar em realidades, sobre todo o lugar onde existe uma determinada base religiosa e de culto, como no caso dos índios. Não se trata de uma realidade palpável, mas sim de uma realidade que surge de uma determinada imaginação mágica. Por isso, ao a o expressá-lo, chamamo-lo “realismo mágico”.
Poucos anos depois da formulação de “o real maravilhoso”, de Carpentier, Angel Flores fez uma palestra sobre “Realismo “Realismo Mágico na Ficção Hispano-Americana” Hispano-Americana” no Cong Congre ress ssoo da Asso Associ ciaç ação ão de Líng Língua uass Mode Modern rnas as em 1954 1954,, em Nova Nova Iorq Iorque ue.. Publicado em artigo subseqüente, contribuiu para popularizar o termo Realismo Mágico entre os críticos na medida em que este veio a sobrepujar “o real maravilhoso”. Flores
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e no irreal” (p. 190) e onde “o tempo existe numa espécie de fluidez atemporal e o irreal acontece como parte da realidade” (p. 191). Isso incluía, segundo ele, as obras de Jorge Luis Borges, Adolfo Bioy Casares, Maria Luisa Bombal, Juan José Arreola, e outros. Baseado na definição de Flores, o Realismo Mágico começou a ser associado a um certo tipo de narrativa que emprega com aparente segurança, descrições realistas de acontecimentos fantásticos ou impossíveis (o exato oposto, de fato, do que o termo original significava). Os termos Realismo Mágico e “realismo maravilhoso” tornaramse mais ou menos intercambiáveis e foram aplicados a um crescente número de escrito escritores res latino-a latino-ameri mericano canoss associ associados ados ao “Romanc “Romancee Novo” Novo” pós-Segun pós-Segunda da Guerra Mundial. Em 1967, o crítico mexicano Luís Leal tentou retornar à fórmula original de Roh de fazer o comum parecer sobrenatural. sobrenatural. Segundo Leal, o escritor de textos realistas realistas mágicos compactua compactua com a realidade objetiva e tenta descobrir o mistério que existe nos objetos, na vida e nos atos humanos, sem lançar mão de elementos fantásticos: “o principal (no realismo mágico) não é a criação de seres ou mundos imaginados, mas o descobrimento da misteriosa relação que existe entre o homem e sua circunstância”. Semel Semelhan hante temen mente te,, o argent argentin inoo Enriq Enrique ue Anders Anderson on Imbert Imbert rejei rejeitou tou a presen presença ça do sobrenatural sobrenatural no Realismo Mágico. Mágico. Este último, para Anderson Imbert, é protonatural ao invés de sobrenatural, em outras palavras, excede de alguma maneira o que é normal, ordinário ou explicável, sem transcender os limites do natural. Ao invés de criar um texto em que os princípios da lógica são rejeitados e as leis da natureza revertidas, as narrativas mágico-realistas, em sua visão, dão aos acontecimentos reais uma ilusão de irrealidade. Neste ponto, terá se tornado evidente que o debate entre críticos tem sido pro provo voca cado do,, numa numa esfe esfera ra maio maior, r, pela pela exis existê tênc ncia ia de duas duas dife difere rent ntes es,, e semp sempre re aparentemente contraditórias, depreensões do termo: (1) o original, que se refere a um tipo de obra literária ou artística que apresenta a realidade a partir de uma perspectiva incomum sem transcender os limites do natural, mas que induz no leitor ou observador um sens sensoo de irre irreal alid idad ade; e; e (2) (2) o uso uso atua atual, l, que que desc descre reve ve text textos os em que que duas duas contrastantes visões de mundo (uma “racional” e outra “mágica”) são apresentadas como se não fossem contraditórias, lançando mão de mitos e crenças de grupos etnoculturais para os quais essa contradição não se manifesta.
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válida. O uso (2), que é o mais comumente empregado pelos críticos de ficção latinoamericana e que agora substituiu substituiu amplamente o primeiro, é baseado, numa considerável extensão, em “o real maravilhoso”. De fato, no contexto latino-americano, Realismo Mágico e “o real maravilhoso” se tornaram agora sinônimos e tem sido mencionados não apenas em conexão com os romances de Carpentier e Astúrias, mas também com a obra de autores tais como Gabriel García Márquez, Juan Rulfo, Carlos Fuentes, Rosario Castellanos, Juan José Arreola, Manuel Scorza, Isabel Allende e José Maria Arguedas. O uso (2) se refere, estilisticamente, estilisticamente, a textos em que o sobrenatural é apresentado como normal e comum, de um modo que flui naturalmente. Estruturalmente, considera a pres presenç ençaa do sobre sobrenat natura urall no texto texto como como esse essenc ncial ial para para a exis existên tênci ciaa do Real Realis ismo mo Mágico. A. B. Chanady, por exemplo, propõe três critérios para determinar se um texto pertence ao Realismo Realismo Mágico Mágico ou não: em primeiro primeiro lugar, a presença no texto de duas duas conflitantes conflitantes visões de realidade, representando o natural e o sobrenatural, o racional r acional e o irracional, ou o “esclarecido” “esclarecido” e o “primitivo”. Em segundo, a resolução dessa dessa antinomia pela aceitação do narrador de ambas as visões como igualmente válidas. Em terceiro, reticência do autor na falta de óbvios julgamentos sobre a veracidade ou autenticidade dos acontecimentos sobrenaturais. Nem o uso (1), nem o uso (2) por si só é suficiente para dar conta de todos os diferentes exemplos de obras mágico-realistas. O uso (1), por exemplo, deixa de fora romances-chave tais como Cem anos de solidão (1967), de Gabriel García Márquez e Homens de milho
(1949), de Miguel Angel Asturias, devido a suas descrições de
acont acontec ecime imento ntoss imp impos ossív sívei eiss ou fantá fantásti stico cos; s; enqua enquanto nto o uso uso (2) excl exclui ui romanc romances es igualmente igualmente importantes tais como Crônica de uma morte anunciada (1981), também de García Márquez, e Os passos perdidos (1953), de Alejo Carpentier, por eles não incluírem incluírem ocorrênc ocorrências ias fantásti fantásticas cas ou sobrenatu sobrenaturais. rais. Dada a existênc existência ia dessas dessas duas duas difere diferente ntess int interp erpret retaç ações ões do Reali Realismo smo Mágic Mágicoo corre correspo sponde ndente ntess a duas duas difere diferente ntess tradições, uma pictorial e principalmente européia e outra literária e principalmente lati latino no-am -amer eric ican ana, a, prop propon onho ho a segu seguin inte te ti tipo polo logi giaa que que unif unific icar aráá as defi defini niçõ ções es apresentadas pelos críticos em ambos os continentes. Ao invés de duas concepções completamente diferentes de Realismo Mágico, as duas depreensões deveriam ser vistas como os dois lados de uma mesma moeda. Há, na verdade, a possibilidade de um terceiro tipo de Realismo Mágico, que discutirei mais adiante. É preciso ser ressaltado
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muito bem cair em diferentes categorias. Essas categorias correspondem, além disso, a três diferentes significados da palavra “mágico”. O Realismo Mágico Metafísico
Essa forma de Realismo Mágico corresponde às idéias de Roh e à definição original do termo. Exemplos desse tipo de Realismo Mágico, conseqüentemente, são comuns na pintura, na qual perspectivas deslocadas, ângulos incomuns, ou inocentes retratos de objetos reais como se fossem de brinquedo produzem um efeito “mágico”. “Mágico” aqui é tomado no sentido de conjurar, produzir efeitos surpreendentes pelo arranjo dos objetos naturais por meio de truques, instrumentos ou ilusão ótica. Essa abordagem pode ser observada em algumas das obras de Giorgio de Chirico, um pintor que teve a mais importante, direta e reconhecida influência sobre os pintores alemães estudados por Roh. Junt Juntoo com com Carlo Carlo Carrà Carrà,, que fundar fundaria ia mais mais tarde tarde na Itáli Itáliaa um movime movimento nto chamado Realismo Mágico , De Chirico estabeleceu um estilo conhecido como Pintura Metafísica , que era caracterizado por suas linhas agudas e contornos, pela qualidade estática e abafada e pela atmosfera sinistra das cenas retratadas. De Chirico explicou o uso do termo “metafísico” para sua obra: é a beleza tranqüila da questão que parece metafísica para mim, e coisas se aparentam metafísicas para mim quando através de sua claridade de cores, a precisão de suas dimensões, formam contrastes com cada “sombra”.
Em literatura, Realismo Mágico Metafísico é encontrado em textos que induzem a um senso de irrealidade no leitor pela técnica do Verfremdung (estranhamento), por meio do qual uma cena familiar é descrita como se ela fosse algo novo e desconhecido, mas sem lidar explicitamente explicitamente com o sobrenatural, sobrenatural, como por exemplo em O processo, de Franz Kafka (1925) e O castelo (1926); O deserto dos tártaros , de Dino Buzzati (1940) e as histórias Tema do traidor e do herói , A seita do Fênix e O sul , de Jorge Luis Borges. O resultado é freqüentemente uma atmosfera estranha e a criação, dentro do texto, de uma perturbadora presença impessoal, que permanece implícita, muito mais do
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protonatural, na caracterização de Anderson Imbert. Exemplos disso são Funes, Funes, o memorável , de Borges, sobre um homem que podia se lembrar de literalmente tudo; e O Patric ickk Sü Süsk skin indd (198 (1985) 5),, no qual qual o pers person onag agem em é dota dotado do de um perfume , de Patr monstruosamente desenvolvido sentido de olfato. O romance de Dino Buzzati, O deserto dos tártaros tem sido freqüentemente comparado com O castelo, de Kafka. É a história de Giovanni Drogo, um jovem tenente que é encarregado do Forte Bastiani, uma fortaleza que guarda a fronteira do norte contra um mítico inimigo do qual não se ouve falar há séculos. Buzzati descreve o regime monástico do forte, onde soldados e oficiais permanecem em estrita prontidão para para a batal batalha, ha, const constan antem tement entee espe esperan rando do o ini inimig migoo inv invisí isível vel que just justifi ificar caria ia a exis existê tênc ncia ia dele deless e a do fort forte. e. Tal Tal como como Kafk Kafka, a, Buzz Buzzat atii apre aprese sent ntaa um mu mund ndoo reconh reconhecí ecível vel como como dent dentro ro dos li limit mites es do real. real. A desp despei eito to de suas suas semel semelha hança nçass superficiais com o mundo do leitor, contudo, esse último não pode evitar considerá-lo estranho e desconcertante. O tempo e a geografia dos acontecimentos são incertos. Uma atmosfera serena e melancólica semelhante àquela das pinturas de De Chirico contribui para produzir um efeito de mistério que é conseguido sem lançar mão da irrupção do sobrenatural na narrativa. O romance de Buzzati, assim como o de Kafka, abre na mente do leitor a impressão de ser confrontado com uma alegoria ou uma metáfora de algo que permanece quase ao alcance e ainda, desconhecido. Realismo Mágico Antropológico
Neste tipo de Realismo Mágico o narrador normalmente tem “duas vozes”. Às vezes ele/ela retrata acontecimentos de um ponto de vista racional (o componente “realista”) e às vezes do ponto de vista do crente em magia (elemento mágico). Essa antinomia é resolvida pelo autor quando adota ou se refere aos mitos e histórico cultural
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Realismo Mágico europeu, que geralmente se aproxima do tipo metafísico. Embora esse tipo de Realismo Mágico seja, a meu ver, sinônimo de “o real maravilhoso”, Realismo Mágico Antropológico é um termo mais exato e prático, pois o coloca dentro de uma categoria maior (Realismo Mágico) do qual é parte e não simplesmente confinando-o a América Latina, como “o real maravilhoso (americano)” faz. Na literatura latino-americana, o Realismo Mágico Antropológico participa de uma tendência mais geral, que reflete uma preocupação temática e formal com o estranho, o inexplicável e o grotesco, e também com violência, deformidade e exagero. Essa tendência aparente em escritores tão diversos como Andrade, Arreola, Asturias, Borges, Cabrera Infante, Carpentier, Cortázar, Fuentes, García Márquez, Lezama Lima, Marech Marechal, al, Onett Onetti,i, Pui Puig, g, Roa Bast Bastos, os, Rulfo Rulfo,, Sábato Sábato e Vargas Vargas Llosa Llosa foi nomea nomeada da por algun algunss críti crítico coss para para enfati enfatizar zar suas suas raíze raízess na tradiç tradição ão lati latinonoamericana da arte e literatura barrocas. Interesses semelhantes, contudo, deviam ser encontra encontrados dos no moviment movimentoo “moderni “modernista” sta” e especia especialme lmente nte nos contos contos do uruguaio uruguaio Horacio Horacio Quiroga Quiroga (1878-1937) (1878-1937).. O “Modern “Modernismo ismo”” teve um profundo profundo impacto impacto sobre sobre
neobarroquismo
escritores tais como Borges, Paz, Cortázar e Lezama Lima. O Realismo Mágico latinoamericano se aplica a essas duas tradições literárias, mas também àquela representada por outros escritores tais como Willian Faulkner e Jorge Amado que, em seus escritos, mostram o contraste entre a claustrofóbica e estagnante atmosfera das comunidades rurais ou provincianas e a vívida imaginação dos que vivem nelas. Em ambos, Faulkner e Amado, as vidas dos personagens são subitamente, mas constantemente obscurecidas pelo passado fortemente escravagista de suas sociedades (o sul dos Estados Unidos e o nordeste do Brasil, respectivamente). Na cultura de descendentes de escravos e outros grupos que vivem em contato em eles, há ecos de crenças mágicas, quase esquecidas, mas ainda poderosas o bastante para influenciar as ações e o comportamento. Pedro Páramo, de Juan Rulfo (1955) e A má hora, de Gabriel García Márquez
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é um fenômeno exclusivamente hispano-americano. Pode ser encontrado também em áreas do Caribe, Ásia e África onde escritores tais como Wilson Harris (Guiana), Simone Schwartz-Bart (Guadalupe) e Jacques Stephen Alexis (Haiti) no Caribe, o indiano india no Sal Salman man Rushd Rushdie, ie, e Amos Amos Tutuol Tutuolaa e Olympe Olympe Bhêl Bhêly-Qu y-Quénu énum m na Áfric África, a, lançaram mão do Realismo Mágico ao compactuarem, em inglês ou francês, com preocupações semelhantes aos dos escritores hispano-americanos. A literatura mais contemporânea das Antilhas e da América Latina, ao que parece, chegam a fixar-se ao mesmo tempo em um contexto nacional e em um contexto universal, ao apelar por arquétipos herdados da cultura tradicional, mas também ao descobrir outros no coração da realidade moderna.
De fato, a força do Realismo Mágico na “periferia” (América Latina, África, Caribe) e sua comparativa fraqueza no “centro” (Europa ocidental, Estados Unidos), poderia ser explicado pelo fato de que mitos coletivos adquirem maior importância na criação de novas identidades nacionais, bem como o fato mais óbvio de que crenças pré-industriais ainda representam uma parte importante na vida cultural e sociopolítica dos países em desenvolvimento. O Realismo Mágico dá o mesmo grau de importância à cultura popular e às crenças mágicas que os ocidentais dão à ciência e à racionalidade. Ao fazer isso, são favorecidas as reivindicações de igualdade daqueles que mantém essas crenças com as elites modernizadoras que os governam. Realismo Mágico Ontológico
Difere Diferent nteme emente nte do Real Realis ismo mo Mágic Mágicoo Antro Antropol pológi ógico, co, o Real Realism ismoo Mágic Mágicoo Ontoló Ontológi gico co resol resolve ve a antin antinomi omiaa sem sem recorr recorrer er a nenhu nenhuma ma perspe perspect ctiva iva cultur cultural al em
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O narrador do Realismo Mágico Ontológico não está intrigado, perturbado ou cético ao sobrenatural, como na Literatura Fantástica; ele ou ela o descreve como se fosse uma parte normal do dia a dia da vida comum. Formalmente, o verdadeiro estilo empreg empregado ado no Reali Realismo smo Mágic Mágicoo Ontoló Ontológic gico, o, no qual qual situa situaçõ ções es im impos possív sívei eiss são são descr descrit itas as de uma forma forma mui muito to reali realista sta,, repres represen enta ta o exat exatoo oposto oposto da técni técnica ca de Verfremdung (estranhamento)
usado no Realismo Mágico Metafísico. Exemplos do tipo ontológico são A metamorfose, de Kafka (1916), Viagem à semente , de Carpentier e algumas das histórias de Julio Cortázar, tais como Axolotes e Carta a uma senhorita em Paris . Esse tipo de texto pode ser interpretado às vezes no nível psicológico e os acontecimentos descritos vistos como o produto da mente de um indivíduo “perturbado”, como em Diário de um louco, de Gógol. Entretanto, eles deveri deveriam am ser ser visto vistoss como como mágic mágico-re o-real alist istas as,, por essa essass visõe visõess “sub “subje jeti tivas vas”” serem serem endos endossa sada dass pelo pelo narrad narrador or “obje “objeti tivo” vo” im impes pesso soal, al, por out outros ros perso personag nagen enss ou pela pela descrição realista dos eventos que acontecem numa estrutura normal e plausível. Ao invés de ter apenas uma realidade subjetiva, o irreal possui então, uma presença objetiva, ontológica no texto. Os contos contos de Julio Julio Cortázar Cortázar freqüente freqüentement mentee compact compactuam uam com ocorrênci ocorrências as estranha estranhas, s, inesper inesperadas adas ou inexplic inexplicávei áveis. s. A antinomi antinomia, a, na maioria maioria delas, delas, é deixada deixada irresoluta em seguida para produzir um efeito perturbador no leitor, como em A noite de barriga para cima acima , O ídolo das Cíclades , Continuidade dos parques e A ilha do meio-dia .
Essas histórias pertencem não ao Realismo Mágico, mas a um modo
específ específico ico relacio relacionado nado à Literatur Literaturaa Fantást Fantástica ica.. Em algumas algumas história históriass de Cortázar Cortázar,, contudo, a antinomia é forçada a apresentar o acontecimento sobrenatural como se não contradissesse a razão. Em Axolotes , por exemplo, o narrador explica no começo da história que ele é um axolote, uma criatura anfíbia do México, e então se põe a contar como ele se tornou um. Ele era um homem que se tornou obsedado pelos axolote
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vidro, em vez do axolote vi minha cara contra o vidro, eu a vi fora do aquário, do outro lado do vidro. Então minha cara se afastou e eu compreendi.
Como Como em A metamorf Kafka, a, em que que no prim primei eiro ro pará parágr graf afoo o metamorfose ose, de Kafk protagonista Gregor Samsa, acorda para se encontrar transformado num inseto gigante, a horri horripil pilant antee trans transfor formaç mação ão é descr descrit itaa quase quase acid acident entalm almen ente. te. Não há antin antinomi omiaa aparente entre o natural e o sobrenatural. A afirmação de que o narrador é um axolote (“Agora sou um axolote”) é declarado no mesmo tom usado para descrever uma ação corriqueira (“Deixei minha bicicleta encostada nas grades e fui ver as tulipas”, p. 426). O corriq corrique ueiro iro e o extra extraord ordin inári árioo são são retrat retratad ados os exata exatamen mente te no mesmo mesmo nív nível el de realidade. Cortázar não quer excitar seu leitor com mistério ou suspense. Nenhuma explicação explicação é pedida, ou apresentada, apresentada, para a incrível ocorrência. O leitor é simplesmente simplesmente convidado a aceitar a realidade ontológica do acontecimento. Conclusões
Realismo Mágico é um rótulo que tem sido aplicado a um número de obras de arte e literatura de diferentes momentos no tempo. Inicialmente, Inicialmente, parece que aqueles que usaram usaram o termo termo,, ou conti continua nuam m a usá-l usá-lo, o, tem tem em mente mente conc conceit eitos os compl completa etame mente nte diferentes. Numa inspeção mais apurada, contudo, é possível detectar semelhanças e ligações entre os diferentes usos. Isso se faz necessário para fins de clareza, para diferenciar entre os vários tipos de obra que são caracterizadas como mágico-realistas. O fato de haver um grau de coincidência entre os três tipos de Realismo Mágico sugeridos aqui, e o fato de que obras de um mesmo autor podem pertencer a diferentes tipos, demonstra que eles estão todos relacionados de diferentes maneiras. Os romances realistas mágicos pertencentes à trilogia I nostri antenati , de Italo
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Tradução de Magic realism: a typology, de William Spindler, por Fábio Lucas Pierini
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do tipo antropológico. O outro romance, O barão das árvores (1957), conta a estranha, mas não completamente impossível história, de que um garoto que sobe em árvores e se recusa a descer pelo resto de sua vida. Apesar desse incomum ponto de partida, o romance não narra qualquer acontecimento sobrenatural. Por essa única razão, deveria ser incluído no tipo metafísico, apesar de o seu tom evocar o humor brincalhão das histórias de aventura (a que Stevenson freqüentemente alude), ao invés da sinistra e melancólica atmosfera da maioria dos romances e pinturas mágico-realistas metafísicos. García ía Márq Márque uez, z, nova novame ment nte, e, é Crôn Crônic ica a de uma uma mort mortee anun anunci ciad ada a de Garc caracterizada pela ausência de sobrenatural. A inevitabilidade de sua trama tem alguma das qualidades das tragédias gregas clássicas. Embora isso aponte para o metafísico, também se adapta bem ao antropológico, porque assume a visão de que a realidade é uma const construç rução ão colet coletiva iva.. Alguns Alguns críti críticos cos cham chamam am a atenç atenção ão para para a seme semelha lhança nça estr estrut utur ural al entr entree o Real Realis ismo mo Mági Mágico co e a hist histór ória ia de dete deteti tive ve,, e embo embora ra tenh tenham am tipicamente em mente escritores argentinos como Borges, Bioy Casares e Anderson Imbert, a trama concisa, perfeita e bem trabalhada de Crônica fornece um bom exemplo dessa relação, sendo de fato uma história de detetive, embora às avessas. Finalmente, o fato de que os romances mágico-realistas antropológicos como Cem anos de solidão e Filhos da meia-noite, de Salman Rushdie (1981) também fazem uso do instrumento estilí estilístic sticoo do Verfremdung (estra (estranha nhame mento nto), ), carac caracte terís rísti tico co do Real Realism ismoo Mágic Mágicoo