Síntese metodológica sobre sociologia histórica comparativa
ESTADOS E REVOLUÇÕES SOCIAIS Theda Skocpol Hugo Loss INTRODUÇÃO O propósito deste paper é sintetizar os principais aspectos do método histórico comparativo utilizado por Theda Skocpol no livr o “Estados e Revoluções Sociais”. Para tanto, dividimos o paper em cinco partes. Na primeira faremos um breve resumo do livro com a única finalidade de orientar o leitor acerca de pontos básicos e essenciais da obra. Na segunda parte introduzimos questões mais superficiais acerca da análise sócio-histórica comparativa. Na terceira parte traremos discussões um pouco mais complexas, com reflexões e questões sobre da forma como deve ser empreendida a comparação. Na quinta parte levantaremos algumas considerações sobre as fontes materiais utilizados pela autora. Finalizaremos o paper com uma síntese da contribuição teórica de Skocpol que pode muito bem nos ajudar no momento em que estivermos fazendo a nossa pesquisa e ao mesmo tempo facilita o entendimento da forma de pensamento/pesquisa da autora. BREVE SÍNTESE Por meio da análise do recorte feito por Skocpol em seu estudo, percebemos que o objeto selecionado para se empreender uma análise comparativa foi um evento. evento. Assim, o objeto de estudo escolhido por Skocpol foi as revoluções sociais. O evento, logo, o objeto, tem de estar muito bem definido pelo pesquisador: Skocpol define revolução como um estado da sociedade como um todo, é uma forma específica que a sociedade inteira assume, portanto, não é possível situar a revolução em um local específico da sociedade, pois a sociedade, em um momento específico, é em si mesma a revolução. A revolução é definida como um processo de mudança tanto social quanto política. Ou seja, para um evento ser caracterizado como uma revolução, a sociedade tem de ter passado por uma alteração simultânea tanto na ordem político-administrativa político-administrativa quanto socialeconômica (tanto a forma de gestão como a forma de produção têm de estar em alteração simultaneamente). A pesquisa de Skocpol foi feita através da comparação entre três casos positivos: França, Rússia e China; e quatro casos negativos: Inglaterra, Japão, Alemanha/Prússia. Lembrando: os casos positivos são os casos em que ocorreu revolução (o evento) e os casos negativos são os casos onde não ocorreu. Assim, a pergunta de Skocpol é: Por que em alguns países ocorreu revolução e em outros não? A partir da comparação Skocpol produziu um modelo geral das revoluções sociais em forma de sistema de causalidade, o qual está sintetizado esquematicamente ao final do paper e que deve ser consultado periodicamente para um melhor entendimento dos exemplos que utilizaremos ao longo do paper. O QUE É COMPARAÇÃO E PARA QUE SERVE? É possível definir sucintamente comparação como um método de pesquisa , pesquisa , uma forma específica de abordar um problema científico. Quando o problema estudado é de
origem histórica, o método comparativo encontra fecundidade heurística quando utilizado para analisar eventos semelhantes que se manifestaram em casos distintos . Este tipo de análise possui dois objetivos principais claramente identificados no livro de Skocpol: i) um objetivo empírico; ii) um objetivo teórico. Embora ambos sejam quase indistintos. O objetivo empírico de uma análise comparativa é identificar recorrências nas causas dos eventos analisados. Tomando como objeto de análise eventos semelhantes presentes em situações ou casos diferentes a análise comparada nos permite identificar se esses eventos partilham de conformidades causais. Assim o objetivo empírico principal é constatar quais são os elementos semelhantes que originaram o mesmo evento em casos distintos. Objetivo principal:
Este livro não se limita a expor isoladamente cada um dos casos, mas pretende compreender e explicar o fio lógico generalizável que percorre a série de revoluções aqui analisadas. pg. 18
O objetivo teórico pode ser entendido como um desdobramento do objetivo empírico. A identificação das recorrências causais presentes no estudo podem levar à construção de um modelo e à possível generalização deste modelo para outros casos particulares. O Estudo comparado produz generalizações as quais servem de modelos para pesquisa de casos particulares. O livro de Skocpol apresenta uma preocupação claramente mais teórica do que empírica: a autora não busca desvendar questões históricas presentes no período estudado, mas sim (partindo da historiografia), construir um modelo teórico que se situe entre os demais modelos que buscam explicar o evento estudado1. A tarefa (...) do historiador comparativista não reside na revelação de novos dados sobre aspectos específicos de vastos períodos de tempo e de diferentes realidades geográficas abrangidos pelo estudo comparativo, mas sim no estabelecimento do interesse e da validade prima facie de uma interpretação global das regularidades causais comuns a diversos casos históricos. pg 11.
O modelo construído deve partir do estudo de análises historiográficas acerca do tema. Para que não ocorra uma defasagem entre a teoria e a história, o pesquisador não deve produzir causas hipotéticas que estejam de alguma forma despregadas dos fatos concretos. Ao mesmo tempo, todos os modelos já produzidos que buscam explicar o evento tomado como objeto devem ser consultados; entretanto, esta consulta deve ser feita respeitando as necessidades do objeto empírico: a resolução do problema deve ser priorizada em detrimento da “fidelidade” aos modelos utilizados. Todas estas [causas] devem provir da imaginação macro-sociológica, inteirada das discussões teóricas atualizadas e sensível aos tipos de provas para os conjuntos de casos históricos. No entanto, a análise histórica comparativa representa uma valiosa baliza, ou ancora, para a especulação teórica. Incentiva o estudioso a explanar os argumentos causais propostos pelas elevadas perspectivas teóricas e a combinar, se necessário, interpretações diversas de modo a permanecer fiel ao derradeiro objetivo – o qual consiste certamente no esclarecimento das regularidades causais de vários casos históricos. pg. 52
Ao abordar a utilidade (ou justificativa) da produção dos modelos, a autora utiliza como argumento a relação entre as ciências sociais e a história. As ciências sociais seriam responsáveis pela construção de modelos gerais, ao passo que os historiadores deveriam 1
Skocpol critica amplamente modelos estabelecidos, como a teoria marxista e a weberiana, principalmente.
aprender estes modelos e utilizá-los em suas pesquisas. Os modelos funcionariam como formas para facilitar e orientar a pesquisa historiográfica direcionando o olhar do historiador para questões e aspectos que podem se tornar relevantes. Agindo desta forma, tanto as ciências sociais serviriam para fornecer um aparato teórico para os historiadores, como os historiadores serviriam para fornecer dados empíricos que devem ser incluídos na construção e questionamento dos modelos depurando os modelos ao reduzirem as falhas e inconformidades com os fatos, já que a construção dos modelos depende amplamente do estudo da historiografia. Skocpol diferencia o modelo teórico extraído da sociologia histórica comparada do sistema causal específico a cada país. O modelo constatado através da comparação e que pode ser derivado aos outros casos é o “ fio lógico geral ” que permeia todos os casos, e não o sistema de causalidade que causou a revolução em tal ou qual país. Por outras palavras: o que se deve aproveitar do fruto da pesquisa histórica comparada é o sistema lógico constatado através da comparação de todos os eventos estudados, e não as relações causais presentes em cada caso ou derivadas da história particular de cada país. pg. 48 Embora Skocpol enfatiz e as regularidades ou os “resíduos”, ela não exclui a análise das especificidades de cada caso. Ao mesmo tempo em que promove uma análise cujo foco principal é a busca por semelhanças e recorrências, Skocpol não se priva de focar as especificidades. Abordaremos este ponto logo a seguir. Objetivo secundário:
ASPECTOS DA ANÁLISE HISTÓRICA COMPARADA Semelhanças e diferenças Apesar do principal objetivo da análise comparativa ser a construção de um modelo extraído da identificação das recorrências causais dos eventos analisados, o estudo histórico comparado deve enfatizar tanto as semelhanças quanto as diferenças dos casos. Percebemos que neste ponto Theda Skocpol dialoga com Reinhard Bendix, pois ela enfatiza tanto as semelhanças dos casos estudados quanto as diferenças Entretanto, a forma como ela faz este tipo de análise (focando simultaneamente as semelhanças e as diferenças) guarda uma estratégia particular a qual deve ser abordada. A estratégia de Skocpol consiste em buscar as especificidades dos casos nas características que lhes são comuns. Ela primeiramente identifica um elemento geral nos casos e posteriormente busca as especificidades contidas neste próprio elemento comum. Por exemplo: ao analisar as conseqüências das revoluções, Skocpol verifica que todos os países formaram Estados fortes e burocratizados, mas essa característica se manifestou de forma diferente em cada caso. Quadro de semelhanças e diferenças
Característica comum
Casos
Tipo de Estado Semelhante
Rússia
A
Fatores que causam a diferenciação de uma característica comum para os casos
Especificidade da característica comum para cada caso
Herança Características Características do Tipo de Estado das crises das revoltas Antigo específico revolucionárias camponesas Regime B*
C
D
A 1
França
A
E
F
G
A 2
China
A
H
I
J
A 3
A: Estado centralizado e burocratizado A1: Estado-partido ditatorial A2: Estado Burguês A3: Estado-partido mobilizador de massas * Apesar das nove letras das três colunas do meio trazerem a impressão de que existe uma distinção padronizada entre os países, na realidade não ocorre desta forma. Por exemplo, Rússia e China são muito mais semelhantes entre si do que em relação à França, embora os valores ilustrativamente representados acima não reproduzam esta idéia.
Em todos os casos analisados, a conseqüência da revolução foi a formação de um Estado centralizado e burocratizado (representado no quadro por A). Mas este Estado, apesar dessas características comuns (centralização e burocratização), apresentava características específicas (A1, A2 e A3 ) geradas pelas especificidades de cada caso particular (três colunas do meio). Podemos perceber que Skocpol constrói critérios comuns para medir as especificidades de cada caso. Ao utilizar os mesmos princípios em todos os casos para justificar as diferenciações, ela acaba unificando os casos em uma outra categoria: “Fatores que causam a diferenciação de uma característica comum para os casos” . Ou seja, não ela não utiliza critérios diferentes para justificar as especificidades dos casos, tal prática poderia inviabilizar a comparação na medida em que os casos não estariam submetidos ao mesmo critério comparativo (tanto para as semelhanças quanto para as diferenças). Devemos enfatizar que, procedendo desta forma, evita-se que as diferenças sejam abordadas a esmo, pois elas são traçadas sob critérios coletivos, os quais acabam unificando os casos em novas categorias: desta forma, uma das dificuldades de promover este tipo de análise (simultaneamente focada nas especificidades e nas generalidades) é identificar os elementos (três colunas do meio) que todos os eventos ao mesmo tempo partilham e se diferenciam. Em suma, Skocpol faz duas coisas: não busca diferenças fora das características semelhantes (ela não diferencia os países por categorias que eles não compartilham); e ela utiliza os mesmos princípios para todos ao buscar as diferenciações (três colunas do meio da tabela). Stuart Mill: método da diferença Skocpol faz uso, explicitamente, do método da diferença enunciado por Stuart Mill. Em sua pesquisa, Skocpol busca contrastar casos negativos aos casos positivos com o objetivo de evidenciar e testar as relações causais constatadas nos casos positivos. Lembrando: os casos negativos são aqueles casos em que o evento estudado não ocorreu, e os casos positivos são os casos em que o evento ocorreu. pg. 50. Veremos a seguir alguns aspectos que foram constatados sobre como Skocpol procede a comparação entre casos positivos e negativos. Seleção dos casos positivos e negativos A seleção dos casos a serem estudados é uma das principais partes do estudo comparado. Tentamos verificar os critérios que Skocpol utilizou para selecionar tanto os casos negativos quanto os casos positivos.
Seleção dos casos positivos: 1 – A chave da seleção dos casos é estar atento ao evento que se pretende abordar,
os casos são selecionados a partir do objeto de estudo. O evento não pode estar em andamento, tem de ter sido finalizado, ou seja, não se pode selecionar um caso em que o evento estudado ainda esteja em curso. pg. 53 2 - O pesquisador comparativista deve ter a sua disposição uma boa quantidade de estudos sobre os eventos; torna-se rasa a comparação entre casos que não foram amplamente abordados pela historiografia e pela sociologia histórica. Assim, o volume da bibliografia sobre o evento é um critério a ser considerado. 3 - Além da quantidade da bibliografia, o pesquisador deve estar atento para a qualidade da discussão bibliográfica. Por outras palavras: o pesquisador precisa estar atento à forma como estão divididas as opiniões dos historiadores acerca do tema. Skocpol afirma que escolheu os casos, pois bibliografia classificava cada um dos casos de forma diferente (França: revolução burguesa, Rússia: revolução socialista; na China não foi nem uma coisa nem outra, é classificada como uma revolução a par do mundo capitalista europeu), ou seja, foram estabelecidas classificações distintas para cada uma das revoluções. pg. 53. Assim Skocpol buscaria identificar o que separa e (principalmente) o que unifica esses casos, visto que a bibliografia os tratava somente como casos distintos. 4 - O principal argumento da autora para a escolha dos casos positivos é que os países partilhavam de semelhanças cruciais tanto no período que precedeu a o evento quanto nas conseqüências do evento. Os casos tinham passados (Antigo Regime) muito semelhantes tanto nas estruturas políticas quanto econômicas; as conseqüências do evento levaram a situações também semelhantes (Estados centralizados). O estopim dos eventos (causas mais diretas e centrais) foi muito semelhante. Os três responderam de forma parecida às necessidades que as situações criaram. pg. 54. No entanto, em alguns pontos (principalmente no 4°) me parece que ela dá como justificativa da escolha dos casos o próprio resultado da pesquisa ou as hipóteses da pesquisa. Os fatores elencados no último tópico fazem parte das constatações presentes no decorrer do estudo. Talvez possamos afirmar que a orientação para a escolha dos casos sejam as próprias hipóteses de trabalho, as quais são formuladas através do estudo da bibliografia historiográfica e a constatação de relações causais genéricas. Por outras palavras: Primeiramente Skocpol estudou a bibliografia sobre revoluções; posteriormente ela formulou hipóteses sobre quais seriam as causas mais genéricas das revoluções (como uma análise paramétrica); armada dessas hipóteses, Skocpol selecionou os casos que mais se aproximariam segundo esses aspectos mais gerais ; a partir desses casos selecionados ela checou as hipóteses e as refinou mais ainda, constatando relações causais mais circunscritas. Sistematicamente: 1 - Estudo da historiografia sobre o evento escolhido 2 Construção de hipóteses e relações causais mais gerais2 3 - Seleção dos casos positivos baseada na semelhança entre casos, semelhança a qual tem como critério as constatações promovidas em 2 4 - Estudo dos casos escolhidos e criação de relações causais mais circunscritas e refinadas. Seleção dos casos negativos:
1 - Parece que ao selecionar os casos negativos Skocpol se pauta em dois critérios essenciais: i) seleciona casos em que não ocorreram o evento (revolução), ii) mas que guardam características semelhantes aos casos positivos. Ou seja, tomando o evento como Percebemos que as causas mais gerais são: semelhança no momento que antecedeu o evento; semelhança no momento que procedeu (conseqüências) do evento; semelhanças nos momentos que serviram de estopim para o evento. 2
marco, a autora olha tanto para o momento que antecedeu o evento quanto para o momento que procedeu ao evento. A partir daí ela seleciona casos negativos que, em alguma altura das suas histórias particulares, se assemelharam com ambos os momentos do caso positivo. Ou seja, os casos negativos têm de ser o mais semelhante possível com os casos positivos. 2 – Duas estratégias podem ser interessantes como “dicas” para a seleção de casos negativos: i) Skocpol chega a selecionar períodos diferentes do mesmo país atribuindo a cada um deles a função de caso negativo e positivo (a Rússia de 1905 seria um caso negativo de revolução enquanto a Rússia de 1917 seria um caso positivo de revolução). ii) Skocpol afirma que se por acaso não existam casos negativos é possível elaborar “conjecturas estratégicas” acerca das causas, mas não desenvolve o assunto. pg. 51. 3 - Um tipo específico e muito interessante de caso negativo são situações em que o evento esteve latente , mas não chegou a se consumar. Um exemplo, baseado na pesquisa de Skocpol, são as “revoluções abortadas” – Rússia de 1905, por exemplo. O evento (revolução) tinha todas as condições para ocorrer, mas acabou não ocorrendo pela falta de uma relação causal específica. Talvez este seja o melhor tipo de caso negativo para se selecionar, pois permite testar perfeitamente uma relação causal essencial para o sistema causal. Contrastando os casos positivos e negativos: sistemas causais e causas isoladas Legenda conceitual: Devemos distinguir: causas, relações causais, sistema causal de cada caso (positivo ou negativo), sistema causal dos casos positivos, sistema causal geral. Cada sistema causal é composto por conjuntos de causas em relações causais. O sistema causal dos casos positivos é o sistema causal constatado através da comparação dos casos positivos antes do contraste com os casos negativos. O sistema causal geral é o produto final da comparação entre casos negativos e positivos. Os casos negativos servem para salientar as relações causais comuns a todos os casos positivos. Depois de identificadas as relações causais comuns são selecionados países em que não ocorreu o evento para verificar se tais relações causais identificadas nos casos em que o evento ocorreu estão presente nos países em que o evento não ocorreu, se estiverem, a conclusão lógica é que esta relação causal identificada não é relevante para o modelo: ela não é uma condição para a ocorrência do evento, ela está, provavelmente, relacionada a outro evento e não ao evento tomado como objeto. A comparação por contraste não deve se focar em uma causa em isolado, mas no sistema causal identificado. O foco em causas isoladas como ponto de comparação pode gerar problemas para a construção do sistema causal geral. Por exemplo, com exceção da Inglaterra, todos os países (positivos e negativos) passaram por situações de pressões externas, mas somente na China, França e Rússia esta causa deu origem à revolução, nos outros países ocorreram ajustes por meio da mesma ordem antes estabelecida (sem alterações sociais ou no máximo com alterações políticas). Ou seja, a mesma causa gerou efeitos distintos nos países negativos e positivos. Desta forma, se Skocpol tomasse a causa pressões externas em isolado, ela provavelmente iria excluí-la do sistema causal, pois ela está presente no Japão e na Alemanha, embora não tenha ocorrido revolução nestes países. A revolução não ocorreu porque estes países conseguiram “lidar com a situação”, pois estavam atuando no s modelos negativos outras causas (burocracia forte e ausência de nobreza local no Japão e nobreza local com baixo poder político na Alemanha). Também devemos perceber que se a autora tomasse como contraste somente a Inglaterra, talvez ela não se atentasse para a combinação causal entre, por exemplo, pressão
externa e fortes poderes locais (ver síntese do argumento da autora no quadro abaixo), pois na Inglaterra não ocorreram pressões externas. Neste ponto podemos perceber como Skocpol se afasta de Barrington Moore, o qual analisa e compara causas em isolado (presença ou ausência de manifestações camponesas, por exemplo). Em suma, O sistema causal é construído conforme se estudam os casos negativos e positivos. Ou seja, não é possível selecionar uma causa presente nos três casos positivos e depois verificar se ela está presente nos casos negativos, pois este tipo de procedimento pode acarretar enganos. O que deve ser comparado não são causas em isolado, mas sistemas causais . Uma saída para este problema pode ser a construção de um sistema causal baseado nos casos positivos; em um segundo momento constrói-se o sistema causal dos casos negativos; e posteriormente sobrepõe-se o sistema causal do caso positivo aos sistemas causais de cada caso negativo: para, assim, verificar onde o sistema causal positivo está errado (ou seja, onde as relações causais identificadas nos casos positivos se apresentam também nos casos negativos) e onde está verdadeiro; produzindo em seguida o sistema causal geral. Retomando um assunto anterior: Esta alternativa facilitaria inclusive a seleção dos casos negativos, pois saberíamos exatamente os pontos chave das relações causais partilhadas pelos casos positivos, assim selecionaríamos casos negativos que testassem esses pontos chave. Por outras palavras: a seleção dos casos negativos pode ocorrer após a construção do sistema causal dos casos positivos, pois os casos negativos selecionados serviriam para checar os pontos chave constatados através do estudo dos casos positivos. Sintetizando: este problema nos leva a entender que podem ocorrer três situações quanto à presença ou ausência de uma causa em um caso negativo: i) uma causa potencialmente verdadeira (que compõem o sistema causal dos casos positivos) pode estar presente em um caso negativo, mas devido o sistema causal do caso negativo, ela se manifestar de uma forma distinta; ii) a causa não estar presente no caso negativo; iii) a causa estar presente no caso negativo e se manifestar de uma forma idêntica aos casos positivos. Somente o último caso nos levaria a excluir a causa do sistema causal dos casos positivos e repensar o modelo. Mas repito que a comparação entre causas assim como a análise de uma causa em isolado não é a forma como procede Skocpol, e sim se deve atentar para os sistemas causais e relações causais; estando atento a estes aspectos, o estudo fechado a uma causa se torna supérfluo. Com efeito, podemos afirmar que, os casos negativos, de fato, são muito importantes para construção do sistema causal geral. Pois, conforme são selecionados os casos negativos, alguns aspectos dos casos positivos são mais bem entendidos. Uma seleção específica de casos negativos pode, inclusive, influenciar diretamente o modelo causal constatado, pois impede que o pesquisador enxergue relações causais que se tornam evidentes quando contrastadas. Casos negativos e a ausência de objeto Como vimos anteriormente, o objeto da pesquisa é o evento escolhido para a comparação. Percebemos que ao escolher o método da diferença surge uma grande dificuldade, pois estaremos estudando nos casos negativos um “não-objeto” ou um “anti objeto”, pois o objeto de análise, por definição, não pode estar presente nos casos negativos. Assim, como constatar um sistema causal na ausência de um objeto tido como efeito de tal sistema causal?
Segundo a lógica de apresentação do argumento de Skocpol: ela primeiramente constrói um sistema causal para cada país positivos em isolado; posteriormente compara dois ou três deles produzindo um sistema causal geral. Por último, ela insere os casos negativos para testar a validade de relações causais constitutivas do sistema causal geral. Temos assim: T1: construção do sistema causal de cada país positivo; T2: comparação dos produtos de T1 e construção do sistema causal dos casos positivos; T3: construção do sistema causal de cada caso negativo; T4: comparação do produto de T2 com o produto de T3; T5: sistema causal geral. O que percebi é que o sistema causal de T3 está diretamente dependente dos resultados do sistema causal constatado em T2 na medida em que T3 é construído com base no que se mostra relevante em T2. Skocpol não busca, nos casos negativos, relações causais que não tenham sido previamente enunciadas e se mostrado relevantes no sistema causal dos casos positivos. Assim, o problema que se coloca ao estudar os casos negativos é verificar em que medida o sistema causal de cada caso negativo corresponde ao sistema causal dos casos positivos. Logo, o objeto a ser recortado nos casos negativos, na verdade, são as relações causais, e não o evento ou a ausência do evento. Ao estudar os casos negativos é necessário buscar neles as relações causais que foram identificadas nos casos positivos estudando como elas se manifestam nos casos negativos. O objeto nos casos negativos são seus próprios sistemas causais, os quais devem ser construídos com base no que foi identificado como relevante no sistema causal dos casos positivos. Nas situações em que é o evento esteve latente, mas não ocorreu (Rússia de 1905, como já foi dito) o procedimento é bem mais fácil, pois basta identificar: i) as relações causais que levaram à quase realização do evento; ii) as relações causais que impediram a consolidação do evento; iii) e, comparando com o sistema causal positivo já identificado, verificar até onde existiam condições que possibilitariam a realização do evento: cada um desses passos possibilita o teste das relações causais necessárias para a ocorrência do evento, tanto positivamente (pontos i e iii) quanto negativamente (ponto ii). Neste caso, portanto, o objeto se torna tanto o “quase evento” quanto as relações causais que
impediram a realização do evento. Câmbio causal entre casos positivos
Uma das grandes contribuições de Skocpol é constatar o quanto a conjuntura internacional pode influenciar na configuração interna dos países. Dentro deste tema, ela percebe como que os países que compõem os casos positivos podem influenciar um ao outro. Visto que a comparação se dá entre eventos semelhantes ocorridos em casos distintos, nada mais lógico do que dizer que um evento ocorrido em um determinado país pode influenciar a ocorrência do mesmo evento em outros. Entre a Rússia e China ocorreu exatamente isto: a formação estatal russa pós-revolucionária influenciou diretamente a formação do Estado chinês (e ao dizer “diretamente” não estamos falando de uma inspiração revolucionária ou em contaminação ideológica, mas sim de influência política e econômica direta). pg. 280 Apesar de um dos casos vir a cumprir o papel de uma variável independente de outro caso, esta situação não pode ser derivado para o sistema causal geral dos casos positivos (por motivos evidentes: a revolução russa jamais poderia ser influenciada por ela mesma).
Desta forma, não creio que seja possível pensar em uma situação em que qualquer caso em si se transforme em uma variável independente presente na construção do sistema causal geral, apesar de termos de atentar para a sua influência em casos particulares construindo a especificidade do caso (influência esta que entraria no estudo das relações internacionais na qual o caso estudado está imerso: estudo este fortemente enfatizada por Skocpol como algo que tem de ser feito na análise histórica comparativa). SOBRE AS FONTES Theda Skocpol utiliza em grande medida fontes historiográficas (ou seja, utiliza documentação direta muito raramente); o mais próximo que Skocpol chega de uma fonte direta é quando analisa textos da época escritos por personagens centrais (Stalin, Mao Tse Tung, por exemplo). Se seguirmos este caminho, nosso trabalho será determinado pelas divisões do campo historiográfico. Problema ilustrativo: digamos que queremos estabelecer uma comparação entre Brasil e Argentina. Uma comparação positiva entre os dois casos será chamada de CP; CP ocorre se X estiver presente tanto no Brasil quanto na Argentina. Mas se um historiador afirmar que X ocorre no Brasil e outro historiador afirmar que X não ocorre? Se "acreditarmos" no segundo historiador CP não ocorre, e estaríamos reproduzindo uma posição da divisão do campo historiográfico. Inevitavelmente, os projetos de análise histórica comparativa de concepção lata baseiam-se quase exclusivamente em “ fontes secundárias” – ou seja, monografias e sínteses de investigações já publicadas em livro ou sob a forma de artigo de jornal por importantes especialistas no domínio histórico ou noutra área cultural. pg. 11
Historiografia e causalidade Talvez, (seria preciso checar), o estabelecimento de relações causais não venha diretamente da sociologia histórica comparativa, mas da historiografia. Estudando a historiografia, o comparativista reconheceria as relações causais principais. Neste sentido, pode-se dizer que a constatação direta de relações causais não é tarefa a ser desempenhada pelo comparativista. As relações causais seriam percebidas e colhidas na historiografia, o comparativista teria o trabalho de agrupá-las, sistematizá-las, organizá-las e, obviamente, comparar. A construção do sistema causal de cada caso seria produto da compilação de relações causais específicas, as quais teriam sido constatadas pela historiografia. CONTRIBUIÇÃO E CRÍTICA TEÓRICA Ao abordar a literatura sobre “revoluções sociais” Skocpol apresenta uma riquíssima revisão bibliográfica acerca do tema. Posicionando-se contra todas as teorias revolucionárias presentes em sua revisão bibliográfica, Skocpol demonstra um argumento que pode inspirar a pesquisa histórica. Como não é nosso objetivo tratar de “teria da revolução” sintetizarei rapidamente o
argumento das teorias da revolução às quais Skocpol se opõem. O modelo exemplar de argumento enfaticamente refutado por Skocpol é o da teoria marxista. Operando uma separação entre a “classe em si” e a “classe para si”, Marx admite como força revolucionária a “tomada de consciência” de uma classe específica (o
argumento de que a revolução é produto da intenção de um grupo está presente em todos os outros autores citados por Skocpol em sua revisão bibliográfica).
Segundo Skocpol para estudar realmente a revolução é preciso duvidar da intenção propriamente revolucionária dos indivíduos/grupos. Não se deve tomar a revolução como um interesse do grupo. Mas deve-se verificar como a situação revolucionária aparece na sociedade e como os grupos, motivados por fins diversos, se orientam nesta situação. pg. 31 A fim de explicar as revoluções sociais é preciso considerar-se como problemático, em primeiro lugar, o aparecimento (não a “geração”) de uma situação revolucionária no seio de um antigo regime. Então se deve ser capaz de reconhecer a complexa e objetivamente condicionada interação das múltiplas ações dos grupos diversamente situados – uma interação que molda o processo revolucionário e dá origem ao novo regime. Só se pode começar a fazer uma idéia desta complexidade examinando simultaneamente as situações determinadas institucionalmente e as relações entre grupos no seio de uma sociedade e, por outro lado, as inter-relações entre sociedades no quadro de estruturas internacionais em desenvolvimento à escala do mundo. Ter tal perspectiva impessoal e não subjetiva – que põe em relevo padrões de relações entre grupos e sociedades – representa trabalhar a partir do que genericamente se denomina uma perspectiva estrutural da realidade histórico-social. Esta perspectiva é essencial para o estudo das revoluções sociais. pg. 31
Esta citação reflete a concepção de pesquisa histórica de Skocpol, de um modo geral. Percebe-se que o sistema social possui um lugar de destaque no pensamento da autora; nada age/existe isoladamente tudo é interdependente. Assim percebemos a grande ênfase dada ao sistema de causas e ao sistema social (presente claramente na definição de “revolução” presente no início do paper) como um todo, focando, por exemplo, a posição do país no contexto internacional. A abordagem de elites pode sofrer esse tipo de crítica: uma elite com vontade de industrializar pode não ser a causa da industrialização.
MODELO DE ORIGEM DAS REVOLUÇÕES: SISTEMA CAUSAL GERAL I - Causas de revolução política: luta entre poder local e poder central
3 - Aumento dos encargos e da tensão entre senhores locais/burguesia e poder central/Estado
2 - Tentativa de recuperação e estabilização promovida pelo Estado
+ 0 - Pressões externas (guerra, imperialismo)
4 - Presença de uma nobreza local terratenente com bastante poder e permeada no aparelho do Estado
1 - Enfraquecimento do poder central/Estado
II - Causas de Revolução social: revoltas camponesas 5 - Enfraquecimento dos aparelhos repressivos: impossibilidade de contensão dos levantes populares
+
6 - Aumento relativo da exploração dos camponeses (maior intensidade e em curto espaço de tempo) [Semelhança com a causa 3]
7 - Corporativismo dos camponeses: construção de instituições corporativas
+
8 - Autonomia política local em relação ao poder central e aos proprietários [Semelhança com a causa 4]
Legenda: Setas: Relações causais +: Relacionado com
As classes camponesas tem papel de empreender uma revolução/modificação social (grupo de causas situadas abaixo do enunciado II) ao passo que as classes altas empreendem uma modificação política institucional (grupo de causas situadas abaixo do enunciado I e acima do II). A revolução ocorre quando os dois sistemas causais (I e II) ocorrem ao mesmo tempo (algo parecido com o conceito de afinidades eletivas do Weber) Estas duas forças sociais realizam o conceito de “Revolução” enunciado por Skocpol (uma revolução é uma mudança ao mesmo tempo política e social). pg. 130