Semana de Arte Moderna - 1922
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nserida nas festividades em comemoração do centenário da independência do Brasil, em 1922, a Semana de Arte Moderna apresenta-se como a primeira manifestação coletiva pública na história cultural brasileira a favor de um espírito novo e moderno em oposição à cultura e à arte de teor conservador, predominantes no país desde o século XIX. Entre os dias 13 e 18 de fevereiro de 1922, realiza-se no Theatro Municipal de São Paulo um festival com uma exposição com cerca de 100 obras e três sessões líteromusicais noturnas. Entre os pintores participam Anita Malfatti (1889 - 1964), Di Cavalcanti (1897 - 1976), Ferrignac (1892 - 1958), John Graz (1891 - 1980), Vicente do Rego Monteiro (1899 - 1970), Zina Aita , Yan de Almeida Prado e Antônio Paim Vieira (1895 - 1988), com dois trabalhos feitos a quatro mãos, e o carioca Alberto Martins Ribeiro, cujo trabalho não se desenvolveu depois da Semana de 22. No campo da escul- Capa de Di Cavalcanti para o Catálogo da Exposição tura, estão Victor Brecheret programação musical traz (1894 - 1955), Wilhelm Haarberg (1891-1986) e Hilcomposições de Villa-Lodegardo Velloso (1899 - 1966). A arquitetura é reprebos (1887 - 1959) e Desentada por Antônio Garcia Moya (1891 - ca.1949) e bussy, interpretadas por Georg Przyrembel. Entre os literatos e poetas, tomam Guiomar Novaes (1894 parte Graça Aranha (1868 - 1931), Guilherme de Almei- 1979) e Hernani Braga, da (1890 - 1969), Mário de Andrade (1893 - 1945), entre outros. Menotti Del Picchia (1892 - 1988), Oswald de Andrade A Semana de 22 não (1890 - 1954), Renato de Almeida, Ronald de Carvalho foi um fato isolado e sem (1893 - 1935), Tácito de Almeida, além de Manuel Banorigens. As discussões deira (1884 - 1968) com a leitura do poema Os Sapos. A
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em torno da necessidade de renovação das artes surgem em meados da década de 1910 em textos de revistas e em exposições, como a de Anita Malfatti em 1917. Em 1921 já existe, por parte de intelectuais como Oswald de Andrade e Menotti Del Picchia, a intenção de transformar as comemorações do centenário em momento de emancipação artística. No entanto, é no salão do mecenas Paulo Prado, em ns desse ano, que a idéia
de um festival com duração de uma semana, trazendo manifestações artísticas diversas, toma forma inspirado na Semaine de Fêtes de Deauville, cidade francesa. Nota-se que sem o empenho desse mecenas o projeto não sairia do papel. Paulo Prado, homem inuente e de prestígio na
sociedade paulistana, consegue que outros barões do café e nomes de peso patrocinem, mediante doações, o aluguel do teatro para a realização do evento. Também é fundamental seu papel na adesão de Graça Aranha à causa dos artistas “revolucionários”. Recém-chegado da Europa como romancista aclamado, a presença de Aranha serve estrategicamente para legitimar a seriedade das reivindicações do jo-
vem e ainda desconhecido ernas no país. Nessa congrupo modernista. ferência, o autor antevê a Sem programa esté- importância de temperar tico denido, a Semana o processo de importação desempenha na história da da estética moderna com o arte brasileira muito mais nativismo, o movimento de uma etapa destrutiva de voltar-se para as raízes da rejeição ao conservadoris- cultura popular brasileira. mo vigente na produção A dinâmica entre nacional literária, musical e visual e internacional torna-se a do que um acontecimento questão principal desses construtivo de propostas artistas nos anos subsee criação de novas lingua- qüentes. gens. Pois, se existe um Com a distância de mais elo de união entre seus tão de 80 anos, sabe-se que, diversos artíces, este é, com respeito à elaborasegundo seus dois princi- ção e à apresentação de pais ideólogos, Mário e Os- uma linguagem verdadeiwald de Andrade, a nega- ramente moderna, a Semção de todo e qualquer ana de 22 não representa “passadismo”: a recusa à um rompimento profundo literatura literatura e à arte importa- na história da arte brasiledas com os traços de uma ira. Pois no conjunto de civilização cada vez mais qualidade irregular de superada, no espaço e no obras expostas não se tempo. Em geral todos identica uma unidade de clamam em seus discursos expressão, ou algo como por liberdade de expressão uma estética radical do e pelo m de regras na modernismo. No entanto, arte. Faz-se presente tam- há de se reconhecer que, bém certo ideário futuris- a despeito de todos os anta, que exige a deposição tagonismos, esse evento dos temas tradicionalistas congura-se como um em nome da sociedade da fato cultural fundamental eletricidade, da máquina e para a compreensão do da velocidade. Na palestra desenvolvimento da arte proferida por Mário de An- moderna no Brasil, e isso drade na tarde do dia 15, sobretudo pelos debates posteriormente publicada públicos mobilizados (cercomo o ensaio A Escrava cados por reações negatique Não É Isaura (1925), vas ou de apoio) e riqueza ocorre uma das primeiras de seus desdobramentos tentativas de formulação na obra de alguns de seus de idéias estéticas mod- realizadores. ■
Semana de arte moderna. Disponível em: http://www.itaucultural. http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/ org.br/aplicexternas/
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enciclopedia_ic/index.cfm?fuseac enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=marcos_texto&c tion=marcos_texto&cd_verbete=344&lst_palavr d_verbete=344&lst_palavras=&cd_ as=&cd_ idioma=28555&cd_item=10 Acesso em: 17 dez. 2008. Diagramação: Juliana Gomes de Souza Dias -
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Sacudindo as estruturas da arte tupiniquim Independência e sorte
Esse era o ano em que o país comemorava o primeiro centenário da Independência e os jovens modernistas pretendiam redescobrir o Brasil, libertando-o das amarras que o prendiam aos padrões estrangeiros. Seria, então, um movimento pela independência artística do Brasil. Os jovens modernistas da Semana negavam, antes de mais nada, o academicismo nas artes. A essa altura, estavam já inuenciados esteticamente por tendências e movimentos como o Cubismo, o Expressionismo e diversas ramicações
Um dos cartazes da «Semana», satirizando os grandes nomes da música, da literatura e da pintura
A Semana de Arte Moderna de 22, realizada entre 11 e 18 de fevereiro de 1922 no Teatro Municipal de São Paulo, contou com a participação de escritores, artistas plásticos, arquitetos e músicos. Seu objetivo era renovar o ambiente artístico e cultural da cidade com “a perfeita demonstração do que há em nosso meio em escultura, arquitetura, arquitetura,
música e literatura sob o ponto de vista rigorosamente atual”, como informava o Correio Paulistano a 29 de janeiro de 1922. A produção de uma arte brasileira, anada com as
tendências vanguardistas da Europa, sem contudo perder o caráter nacional, era uma das grandes aspirações que a Semana tinha em divulgar div ulgar..
pós-impressionistas. Até aí, nenhuma novidade nem renovação. Mas, partindo desse ponto, pretendiam utilizar tais modelos europeus, de forma consciente, para uma renovação da arte nacional, preocupados em realizar uma arte nitidamente brasileira, sem complexos de inferioridade em relação à arte produzida na Europa. Um grupo importante de renovadores
De acordo com o catálogo da mostra, participavam da Semana os seguintes artistas: Anita
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Malfatti, Di Cavalcanti, Zina Aita, Vicente do Rego Monteiro, Ferrignac (Inácio da Costa Ferreira), Yan de Almeida Prado, John Graz, Alberto Martins Ribeiro e Oswaldo Goeldi, com pinturas e desenhos; Marcavam presença, ainda, Victor Brecheret, Hildegardo Leão Velloso e Wilhelm Haarberg, com esculturas; Antonio Garcia Moya e Georg Przyrembel, com projetos de arquitetura. arquitetura. Além disso, havia escritores como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, Sérgio Milliet, Plínio Salgado, Ronald de Carvalho, Álvaro Moreira, Renato de Almeida, Ribeiro Couto e Guilherme de Almeida. Na música, estiveram presentes nomes consagrados, como Villa-Lobos, Guiomar Novais, Ernâni Braga e Frutuoso Viana. Uma cidade na medida certa para o evento
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uma próspera cidade, que recebia grande número de imigrantes europeus e modernizava-se rapidamente, com a implantação de indústrias e reurbanização. reurbanização. Era, enm, uma cidade favorável a
ser transformada num centro cultural da época, abrigando vários jovens artistas. Ao contrário, o Rio de Janeiro, outro polo artístico, se achava impregnado pelas idéias da Escola Nacional de Belas-Artes, que, por muitos anos ainda, defenderia, com unhas e dentes, o academicismo. Claro que existiam no Rio artistas dispostos a renovar, mas o ambiente não lhes era propício, sendo-lhes mais fácil aderir a um movimento que partisse da capital paulista. Os primórdios da arte moderna no Brasil
Em 1913, estivera no Brasil, vindo da Alemanha, o pintor Lasar Segall. RealiSão Paulo dos anos 20 era a cidade zou uma exposição em São Paulo e outra que melhor apresentava condições para em Campinas, ambas recebidas com uma a realização de tal evento. Tratava-se de fria polidez. Desanimado, Segall seguiu de volta à Alemanha, só retornando ao Brasil dez anos depois, quando os ventos sopravam mais a favor. favor. A exposição de Anita Malfatti em 1917, recém chegada dos Estados Unidos e da Europa, foi outro marco para o Modernismo brasileiro. Todavia, as obras da pintora, então anadas com as tendências vanguardistas do exterior, chocaram grande parte do público, causando violentas reações da crítica conservadora. conservadora. A exposição, entretanto, marcou o início de uma luta, reunindo ao redor dela jovens despertos para uma necessidade de renovação da arte brasileira. brasileira. Além disso, traços dos ideais que a Semana propunha já podiam ser notados em trabalhos de artistas que dela particiUm dos cartazes colocados no Teatro Muparam (além de outros que foram excluínicipal de São Paulo, anunciando a Semados do evento). na de Arte Moderna
estrutura, tinha como seu líder o escritor Coelho Neto (1864-1934). Os dois nordestinos, os dois maranhenses, os dois com uma força tremenda junto a seus pares. Eram conterrâneos ilustres, que agora não se entendiam, e que pretendiam levar suas posições até as últimas conseqüências. Revolução em marcha Então, numa histórica sessão da AcaEntretanto, parece ter cabido a Di Cav- demia, no ano de 1924, deu-se o conalcanti a sugestão de “uma semana de fronto fatal. Após discursos inamados e escândalos literários e artísticos, de me- uma discussão áspera entre ambos, diter os estribos na barriga da burguesiaz- ante de uma platéia numerosa, um grupo de jovens carregou Coelho Neto nas cosinha paulistana.” Artistas e intelectuais de São Paulo, tas, enquanto outro grupo fazia o mesmo com Di Cavalcanti, e do Rio de Janeiro, com Graça Aranha. (Paulo Victorino, em tendo Graça Aranha à frente, organiza- “Cícero Dias”) Mário de Andrade, com suas conferênvam a Semana, prevista para se realizar cias, leituras de poemas e publicações em em fevereiro de 1922. Uma exposição de artes plásticas - or- jornais foi uma das personalidades mais ganizada por Di Cavalcanti e Rubens Bor- ativas da Semana. Oswald de Andrade talvez fosse um ba de Morais, com a colaboração de Ronald de Carvalho, no Rio - acompanharia dos artistas que melhor representavam o clima de ruptura que o evento procurava as demais atividades previstas. Graça Aranha, sob aplausos e vaias criar. Manuel Bandeira, mesmo distante, proabriu o evento, com sua conferência inaugural “A Emoção Estética na Arte Mod- vocou inúmeras reações de agrado e de ódio devido a seu poema “Os Sapos”, que erna”. Anunciava “coleções de disparates” fazia uma sátira do Parnasianismo, poecomo “aquele Gênio supliciado, aquele ma esse que foi lido durante o evento. homem amarelo, aquele carnaval alucinante, aquela paisagem invertida” (te- A imprensa, controlada, ignorou o mas da exposição plástica da semana), “escândalo” além de “uma poesia liberta, uma música Entretanto, acredita-se que a Semana extravagante, mas transcendente” que iriam “revoltar aqueles que reagem movi- de Arte Moderna não tenha tido originalmente o alcance e amplitude que postedos pelas forças do Passado.” Em 1922, o escritor Graça Aranha riormente foram atribuídos ao evento. A exposição de arte, por exemplo, (1868-1931) aderiu abertamente à Semana da Arte Moderna, criando uma cisão parece não ter sido coberta pela impna quase monolítica Academia Brasileira rensa da época. Somente teve nota pubde Letras e gerando nela uma polêmica licada por participantes da Semana que trabalhavam em jornais como Mário de como há muito tempo não se via. Dois grupos de imortais se engalnha- Andrade, Menotti del Picchia e Graça Aravam, um deles liderado por Graça Ara- nha (justamente os três conferencistas, nha, que pretendia romper com o passa- cujas idéias causaram grande alarde na do. O outro, mais sedimentado na velha imprensa). Desde a exposição de Malfatti, havia dado tempo para que os artistas de pensamentos semelhantes se agrupassem. Em 1920, por exemplo, Oswald de Andrade já falava de amplas manifestações de ruptura, com debates abertos.
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Yan de Almeida Prado, em 72, chegou mesmo a declarar que” a Semana de Arte Moderna pouca ou nenhuma ação desenvolveu no mundo das artes e da literatura”, tura”, atribuindo a fama f ama dos sete dias di as aos esforços de Mário e Oswald de Andrade. Bem intencionados, mas ainda confusos
Além disso, discute-se o “modernismo” das obras de artes plásticas, por exemplo, que apresentavam várias tendências distintas e talvez não tivessem tantos elementos de ruptura quanto seus autores e os idealizadores da Semana pretendiam. Houve ainda bastante confusão estilística e estrangeirismos contrários aos ideais da amostra, como demonstram títulos como “Sapho” “Sap ho”,, de Brecheret, Bre cheret, “Café Turco”, Turco”, de Di Cavalcanti, “Natureza Dadaísta”, de Ferrignac, “Impressão Divisionista”, de Malfatti ou “Cubismo” de Vicente do Rego Monteiro.
A dispersão
Logo após a realização da Semana, alguns artistas fundamentais que dela participaram acabam voltando voltan do para a Europa (ou indo lá pela primeira vez, no caso de Di Cavalcanti), dicultando a continuidade do processo que se iniciara. Por outro lado, outros artistas igualmente importantes chegavam após estudos no continente, como Tarsila do Amaral, um dos grandes pilares do Modernismo Brasileiro. Não resta dúvida, porem, que a Semana integrou grandes personalidades da cultura na época e pode ser considerada importante marco do Modernismo Brasileiro, com sua intenção nitidamente anti-acadêmica e introdução do país nas questões do século. A própria tentativa de estabelecer uma arte brasileira, livre da mera repetição de fórmulas européias foi de extrema importância para a cultura nacional e a iniciativa da Semana, uma das pioneiras nesse sentido.
Fonte: Enciclopédia Digital Master.
Semana de arte moderna. Disponível em: http://www.pitoresco.com.br/art_ 6
data/semana/index.htm data/semana/index.htm Acesso em: 17 dez. 2008. Diagramação: Juliana Gomes de Souza Dias -
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