EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA E AUTONOMIA DA CRÍTICA.
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significar, também: tensão, problema, sofrimento, dor. Por essas razões, o termo é vinculado mais às atividades do escravo. Contudo, devemos tomar cuidado para não lermos esses usos dos termos com nossos olhos modernos; é preciso empenh o para retroceder mos nosso entendimento ao mundo grego. Em primeiro lugar, trabalho escravo não é trabalho menor; os gregos não viam com preconceito essa atividade. Julgavam-na importante para a estrutura da sociedade. Como diz Arendt (1999: 95): Ao contrário do que ocorreu nos tempos modernos, a instituição da escravi dão na Antigüidade não foi uma forma de obter mão-de-obra barata nem ins trumento de exploração para fins de lucro, mas sim a tentativa de excluir o labor das condições da vida humana.
E isso é bem diferente do que se viu na modernidade. Estabelecer uma equação direta entre essas instituições é, a meu ver, ignorância his tórica. O labor grego era uma escravidão às necessidades do corpo, à manutenção da vida, à condição humana. O desprezo pelo labor, originalmente, resultante da acirrada luta do homem contra a necessid ade e de uma impaciência nã o menos forte em relaç ão a todo esforço que não deixasse qualquer vestígio, qualquer monumento, qualquer grande obra digna de ser lembrada, generalizou-se à medida que as exigên cias da vida na polis consumiam cada vez mais o tempo dos cidadãos e com a ênfase em sua abstenção (skolé) de qualquer atividade que não fosse política, até estender-se a tudo quanto exigisse esforço (Arendt, 1999: 90).
Parece que a melhor expressão da distinção entre trabalho e labor encontramos em John Locke (1993: § 27), quando diz: Embora a terra e todas criaturas inferiores sejam comuns a todos os homens, cada homem tem uma propriedade em sua própria pessoa. Essa ninguém tem qualquer direito senão ele mesmo. O labor de seu corpo e o trabalho de suas mãos, podemos dizer, são propriamente dele.
É de Arendt (1999: 90) o mérito de identificar essa passagem; nela, observa-se Locke argumentando sobre o sentido de propriedade e o que cabe ao propriamente humano; ele entende que labor está ligado ao cor po ; trabalho, às mãos.
Quero ilustrar essa diferença a partir da literatura grega arcaica.