NESTA EDIÇÃO POLÍTICAS PÚBLICAS
Conferência Nacional de Juventude: levante sua bandeira Danilo Moreira Moreira
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4 Editorial
10 JORNADA DE AÇÃO GLOBAL H Che Guevara nas trilhas da revolução latino-americana Augusto Au gusto Buonicore Buonicore
H Che: a legenda da revolução Bernardo Joffily Joffily
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Fórum Social Mundial em novo formato
13 Juventude em tempo e lugar de 29
H Che Guevara: múltipla imagem da dupla face de Che e escritos sobre a construção do socialismo e a juventude 30
mudança: movimentos jovens na América do Sul contemporânea
53 Aracaju: garantindo espaço para os jovens
Pedro Castro e Mary Garcia Castro
H Che: mais vivo do que nunca Roniwalter Jatobá
H Che: símbolo de união da juventude latino-americana Marcelo Buraco
TEORIA
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A construção do Homem no jovem Marx PARTE 4 18
POLÍTICAS PÚBLICAS DE JUVENTUDE
CEMJ realiza 1º Encontro dos Estudantes do Prouni 50
CULTURA
Noel Rosa 70 anos sem um bamba do samba Fernando Garcia
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Juventude.br Juventude.br
AOS LEITORES
ISSN 1809-9564
CHE VIVE !
é uma publicação do Juventude.br é Centro de Estudos e Memória da Juventude – CEMJ
O “Che” tornou-se um símbolo de rebeldia, do caráter sonhador e contestatório da juventude.
Rua Treze de Maio, 1016 - conj. 2 Bela Vista São Paulo Paulo - SP – CEP 01327-000 01327-000
[email protected] www.cemj.org.br Editor: Fábio Palácio de Azevedo Capa e diagramação: Cláudio Gonzalez Assessoria editorial: Fernando Garcia Preparação e revisão de originais: Fábio
Palácio de Azevedo Tiragem: 5.000 exemplares CONSELHO CONSULTIVO CONSULTIVO DO CEMJ:
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N
o dia 9 de outubro de 1967 morria em combate, executado pelo Exército boliviano com apoio técnico-militar da CIA, o comandante Ernesto Guevara de la Serna, o “Che”. Fraco e doente após meses de campanha revolucionária nas selvas da Bolívia, Che foi capturado e, poucas horas depois, executado com uma rajada de balas de metralhadora, na surdina e sem qualquer julgamento. Naquela fatídica tarde de outubro de 67 morria morr ia Ernesto Guevara, o homem, e nascia o mito do “Che”. Quarenta anos depois, por ocasião do último dia 09 de outubro, uma série de homenagens, na forma de lançamentos biográficos impressos e audiovisuais, matérias jornalísticas e resenhas sobre sua vida e pensamento tomaram conta da imprensa mundial, seja para resgatar o exemplo de idealismo e combatividade representado pela figura imensa desse combatente revolucionário, seja para tentar desconstruir esse mesmo exemplo através do velho “truque” mediático de apresentar por trás do mito a pessoa comum, com suas falhas, penas, agruras e insuficiências. Em torno da figura de Che Guevara formou-se um mito carregado de significados. O “Che” tornou-se um símbolo de rebeldia, do caráter sonhador e contestatório da juventude. Ao contrário do que muitas vezes se afirma, esse fenômeno não é mera criação deliberada da indústria cultural. Seria ilusão supor que por trás da força simbólica da imagem do Che nada existe além das maquinações de jornalistas e demais formadores de opinião, interessados em ganhar dinheiro com a imagem do guerrilheiro heróico. Isso ocorre, sim, pois afinal é da natureza do capitalismo essa capacidade de “fagocitar” e transformar em lucros todo tipo de objetos e imagens, mesmo aqueles cujo significado implica uma negação profunda da lógica do “dinheiro pelo dinheiro”, do culto à especulação financeira, do consumismo, do individualismo e de uma ética derrotista, que vê o futuro não como portador do novo mas como eterna repetição do presente. Como afirma Augusto Buonicore em artigo nesta edição de Juventude.br , “o sistema capitalista tem uma incrível capacidade de incorporar alguns elementos da cultura alternativa, até mesmo revolucionária, e transformá-los em objetos de mercado, formas sem conteúdo, neutras, inofensivas”. Mas até mesmo essa lógica mercantil que parasita a figura do Che tem base objetiva para existir. Como afirma o pensador norte-americano Fredric Jameson, mesmo as armações mediáticas, para que possam funcionar a contento, precisam fornecer ao real, por mínimo que seja, um “grão de paga”.
Como forma de contribuir para o conhecimento e a reflexão das novas gerações sobre o legado de Che Guevara, Juventude.br começa a divulgar nesta edição o Dossiê Che, que será publicado em duas partes. Jamais poderiam os chamados “formadores de opinião” supor que engendraram por sua própria vontade esse notável ícone político e cultural portador de valores críticos da sociedade moderna. Nada disso seria possível se o “Che” não representasse, antes de tudo – como afirma o filósofo João Quartim de Moraes –, “uma corrente profunda da opinião crítica de nosso tempo”. É exatamente por conta disso que, como afirma Augusto Buonicore no artigo citado anteriormente, “a personalidade forte de Che não pode ser presa, capturada, na camisa de força do ícone, da marca, do mito”. Trata-se, com efeito, de uma constatação incontornável. O interesse comercial na imagem do “Che” não é causa de nada, mas conseqüência do pragmatismo mercantil que cresce, como erva-daninha, em torno da imagem do guerrilheiro, cuja força está associada antes de tudo à existência de um segmento juvenil, com seus anseios de liberdade e transformação, e sua forma rebelde e irreverente de comunicá-los. É assim que, como assevera Bernardo Joffily em artigo publicado nesta edição de Juvent de Juventude.br ude.br , ninguém como o “Che” “encenou com tanta clareza e contundência os anseios de transformação profunda que agitaram a agitam este século e este continente. Foi o herói dos jovens do mundo inteiro nas jornadas rebeldes de 1968, e de todas as gerações e lutas que se seguiram, até nossos caras-pintadas de 1992 e os outros, que vieram depois”. Quarenta anos depois de sua morte, a juventude de todo o mundo homenageia esse revolucionário que se tornou um ícone das lutas por liberdade e justiça social. Como forma de contribuir para o conhecimento e a reflexão das novas gerações sobre o legado de Che Guevara, Juventu Guevara, Juventude.br de.br começa começa a divulgar nesta edição o Dossiê Che, Che, que será publicado em duas partes. Nesta primeira parte trazemos registros biográficos, estudos e crônicas sobre o significado da figura de Che. Na próxima edição, que circula no primeiro semestre de 2008 – quando a juventude de todo o mundo voltará a lembrar de Che por ocasião da passagem do 80º aniversário de seu nascimento –, Juventu –, Juventude.br de.br voltará voltará ao tema através da abordagem das idéias e da herança teórica do Che.
Foi o herói dos jovens do mundo inteiro nas jornadas rebeldes de 1968, e de todas as gerações e lutas que se seguiram, até nossos caras-pintadas de 1992 e os outros, que vieram depois.
*** Neste momento especial da história de nosso país, quando ganham corpo os debates e o reconhecimento da juventude como segmento social estratégico, Juventude.br estratégico, Juventude.br volta volta à abordagem das políticas públicas destinadas aos jovens. Desta feita trazemos textos de Danilo Moreira sobre a 1º Conferência Nacional de Juventude e de Carla Santos sobre o 1º Encontro de Estudantes do ProUni da capital paulistana, realizado pelo CEMJ em conjunto com entidades estudantis. Esses artigos fornecem vivo testemunho do momento favorável que vivemos em nosso país no que diz respeito às políticas de juventude, quando, seja no Parlamento, seja nos diversos níveis de governo, um amplo consenso nacional vai aos poucos se afirmando em torno da premissa de que é preciso ver os jovens como sujeitos de direitos e importantes atores do desenvolvimento. A fim de retratar como esse novo contexto vem se refletindo a nível dos estados e municípios, inaugura nesta edição a secção Juventude.br inaugura “experiências em políticas públicas de juventude”, na qual daremos a palavra a gestores de juventude dos estados e municípios, visando a divulgar as ricas experiências que vêm ocorrendo em várias partes do país no que concerne à implementação de projetos e programas governamentais destinados ao público jovem. Esperamos, com isso, contribuir uma vez mais com a noção, cada vez mais disseminada na sociedade brasileira, de que apostar na juventude é investir no país.
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A I R Ó T S I H
UBES: 60 ANOS EM DEFESA DO BRASIL
PARTE 1
Rafael Minoro* e Artenius Daniel**
ANOS 50 E 60 Nasce a UNES: um passo à frente na organização do movimento estudantil secundarista!
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em uma música do pernambucano Chico Science (morto em 1997) que diz o seguinte: “Um passo à frente e você não está mais no mesmo lugar”. Com os estudantes secundaristas sempre foi assim. Nunca ficaram parados, constantemente movidos pelo desejo de mudar as coisas. Desde as décadas de 1930 e 1940 eles já se organizavam em diversas regiões do país, dentro das escolas, formando os grêmios dos antigos colégios estaduais, os chamados liceus. Era uma geração herdeira de um movimento construído em meio aos desafios da grande questão colocada no período: o desenvolvimento nacional. De um lado, o projeto nacionalista de Getúlio Vargas; de outro, vendo o desenvolvimentismo de Juscelino Kubitschek e o projeto das reformas de base encampado por João Goulart. De um lado, com os mesmo ideais dos tenentes da Revolução de 30; de outro, na oposição ao golpe de 37, que estabeleceu a ditadura do Estado Novo. Mas é o período que vai da restauração democrática em 1945 ao golpe militar de 1964 que marca em especial a história da participação dos estudantes na vida política do país. Nesse intervalo de anos se constituíram forças, identidades e 6
Em destaque o movimento estudantil secundarista organizado. Durante todo esse período democrático, ele se consolidou como um movimento estruturado, com grande capacidade de mobilização de massas e com uma direção política crítica e contestadora sobre a sociedade, agindo como ator político dos mais relevantes no cenário nacional, influente, criativo e corajoso. tendências democráticas que criaram raízes e consistência política na sociedade brasileira. Elas foram derrotadas em 1964, mas não liquidadas. Entre essas tendências e identidades podemos colocar em destaque o movimento estudantil secundarista organizado. Durante todo esse período democrático ele se consolidou como um movimento estruturado, com grande capacidade de mobilização de massas e com uma direção política crítica e contestadora sobre a sociedade, agindo como ator político dos mais relevantes no cenário nacional, influente, criativo e corajoso. Unidade na diversidade
Mesmo com atuação nos movimentos e grandes campanhas em defesa da meia-entrada e do passe-livre nos ônibus, deslanchadas em anos anteriores pela UNE (os secundaristas eram representados através de um departamento dentro dessa entidade), é no final da década de 1940 que a participação dos então chamados “estudantes secundários” se intensifica e ganha maior coordenação.
Os grêmios já existiam. Depois, foram sendo construídas as uniões municipais e mais à frente as entidades estaduais. Essa rede passou, então, a existir e a funcionar, de fato, articulada. O passo à frente era o movimento criar unidade em uma só entidade, para fortalecer a representação e a luta estudantil. O jornalista Lúcio de Abreu, presidente da UBES em 1950, lembra como teve início o processo da criação da entidade. Depois de inúmeras tentati- vas e contatos, porque toda a comunicação era muito difícil naquela época, foi marca- do a data do 1º Congresso Nacional dos Estudantes Se- cundários, no Rio de Janeiro. A UNE não só deu toda a in- fra-estrutura, como também cedeu a sua sede, na Praia do Flamengo, para que ali se realizassem as plenárias [...] E assim, com uma boa base de organização, foi criada a UNES [União Nacional dos Estudantes Secundários], que elegeu como seu primeiro presidente o potiguar Luiz Bezerra de Oliveira Lima
Colocando um nome diferente da sigla da UNE, o movimento secundarista criava dessa forma mais autonomia, diferenciando-se do movimento universitário, embora fossem parceiros de lutas. Diferentes, mas aliados. Juntos e misturados! Manifestação da greve dos bondes, Rio de Janeiro, 1956.
UNES é registrada
Eleito em 25 de julho de 1948, o primeiro presidente da UBES, Luiz Bezerra de Oliveira Lima, vai no dia 3 de setembro do mesmo ano pessoalmente no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, na Av.Presidente Franklin Roosevelt, 176/2º andar, no Centro do Rio de Janeiro, registrar o Estatuto da UNES. Lá, entre muitos selos, carimbos e rubricas, ele assinala: “inspirada e fundamentada em princípios democráticos, a UNES será a entidade máxima de representação e coordenação dos corpos discentes dos estabelecimentos de ensino secundários do país”. Abaixo a confusão: UNES vira UBES!
Isso foi em 25 de julho de 1948. Mas deu pra ler direito? O Lúcio falou numa tal de UNES ou União Nacional dos Estudantes Secundários. Bom, é que esse foi o nome inicial. Depois, foi trocado para União Brasileira dos Estudantes Secundários. Entendeu? Lúcio, explica aí vai: A mudança visou, fundamen- talmente, evitar a confusão com a sigla da UNE, diferen- ciando e dando personalidade
própria à nossa entidade na- cional. Isso ocorreu no 2º Con- gresso [realizado em 1949], que elegeu para presidente o carioca Carlos César Caste- lar Pinto, que depois passou no vestibular de medicina e transmitiu a presidência para o vice José Teotônio Padilha de Sodré
Colocando um nome diferente da sigla da UNE, o movimento secundarista criava dessa forma mais autonomia, diferenciandose do movimento universitário, embora fossem parceiros de lutas. Diferentes, mas aliados. Juntos e misturados! Tão unidos que a UBES passou a funcionar na histórica sede da Praia do Flamengo, 132. UNES x UBES: a fraude e a divisão da entidade
A UBES vinha desde a sua fundação criando condições para ampliar o seu espaço de influência e representação junto aos secundaristas. Os três primeiros Congressos ocorreram dentro das normalidades da disputa no campo das idéias e, cada vez mais, chamavam a atenção dos estudantes. Mas, como toda a história das lutas democráticas no país em algum momento é
interrompida por um golpe, não poderia ser diferente no caso da UBES, entidade que nasceu “inspirada e fundamentada em princípios democráticos”. O ex-presidente Dynéas Aguiar (1953), hoje vice-prefeito de Campos do Jordão, conta que existiam naquele período, particularmente entre 1950 e 1956, forças reacionárias atuando dentro do movimento estudantil. E foi durante o 4º Congresso, realizado em 1951, em Salvador, que eles resolveram mostrar a cara, desviar o foco do debate de opiniões e apelar para a fraude. Um grupo minoritário de estudantes dissidentes, vindos de Pernambuco e Minas Gerais, liderados por Paulo Barbalho e Aníbal Teixeira (ligados ao Movimento dos Águias Brancas, influenciado pelo Partido Integralista, de Plínio Salgado), ao perceberem a derrota no Congresso criaram uma série de problemas, retiraram-se da plenária final e embarcaram rumo ao Rio de Janeiro. Enquanto isso, lá em Salvador, o pessoal elegia com mais de 80% dos votos o baiano Tibério César Gadelha o novo presidente e se desdobrava para tentar contornar o problema da passagem de volta dos delegados para os seus estados. Dynéas lembra muito bem do ocorrido:
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No Congresso da Bahia acon- teceu o de sempre: a maioria era o pessoal da esquerda e, como de hábito, o pau quebrou. Só que dessa vez o pessoal da direita se retira dizendo que não dava para apresentar a chapa e voa para o Rio. Eles sabiam em qual cartório estava registra- da a UBES e forjaram um livro de ata, redigiram a ata e re- gistraram a diretoria. Quando o Tibério chegou, foi para o cartório registrar a chapa vencedora e ouviram: isso já está registrado, já tem uma diretoria registrada. Daí, co- meçou a briga das diretorias. A disputa começou, evidente- mente, nos estados, forçando cada entidade estadual a tomar posição sobre qual dire- toria apoiar
entidade considerada de direita, que era a UBES, e outra considerada de esquerda, que era a UNES. Mas a unificação já vinha sendo pensada com mais objetividade desde 1953, quando Dynéas assumiu a UNES e Aníbal Teixeira a UBES. Ambos chegaram a ter conversas nesse sentido. Conta Dynéas: Começamos a desenvolver um trabalho de unificação. Eu entrei em contato direto com o Aníbal. A gente sentava, dis- cutia, marcávamos primeiro todas as diferenças, depois ví- amos o que era possível fazer, o que era possível discutir. Começamos a ver que a gente marchava junto, cada um na sua esfera de influência, mas pelo menos com uma certa unidade
Mas pouco tempo depois, Após o suicido de Getulio em 1952, o grupo de Tibério se Vargas, em 1954, e a eleição de lembrou que no mesmo cartório Juscelino Kubitschek, em 1955, estava registrada a antiga União uma nova perspectiva começou Nacional dos Estudantes Secuna se formar na política brasileira, dários (UNES). Então, com apoio refletindo inclusive no movida maioria das tendências polímento estudantil secundarista, ticas de esquerda do movimento já que Aníbal apoiava JK e o secundarista, eles resgatam o presidente tinha um canal de antigo nome e, assim, passam a diálogo sempre aberto para as existir duas entidades no país: entidades estudantis. uma com forte influência dos Nesse período, a UNES conintegralistas e outra marcada pe- tinuou realizando congressos e las idéias do Partido Comunista. elegeu em 1956 Helga Hoffman Como prova do seu autoritarisa primeira mulher presidente da mo, os integralistas expulsam a entidade. Na UBES, quem assume UNES da sede no Flamengo, que naquele ano é José Luis Clerot, continua o trabalho nas entidaconsiderado o “presidente da des de base, mas fica sem um lo- reunificação” porque, sem rescal fixo para as suas atividades. trições e mantendo até mesmo admiração pela atuação política A reunificação: caminhos dida esquerda, foi quem conduziu ferentes que levam ao mesmo o processo de aproximação entre fim! as duas entidades. Ambos começam então a costurar as vias de Em português claro, duranuma unificação. te algum tempo foi assim que Dessa forma, as diferenças e funcionou o movimento: uma conflitos ideológicos foram pou8
co a pouco sendo dissolvidos. As reivindicações eram cada vez mais comuns, como as lutas pela reforma do ensino, por mais vagas nas escolas e contra os aumentos de mensalidades. Outra luta importante desse período, que merece ser destacada, foi a campanha que paralisou os bondes do Rio de Janeiro, em 1956, contra o aumento nas passagens. Conversa aqui. Discute ali. Pensa acolá. Debate mais um pouco e as duas entidades então resolveram convocar em 1956 um congresso em Porto Alegre para que enfim fosse proposta a reunificação. Ambas se unem sob o nome de União Brasileira dos Estudantes Secundaristas e elegem Clerot para mais um mandato. Daí pra frente, reunificada, “a vida continuou”, como gosta de dizer Dynéas... 1956: a revolta dos bondes e a unificação
A maior prova de que uma UBES unificada era capaz de amplificar e fortalecer ainda mais a luta pelos direitos dos estudantes deu-se quando estouraram no país as campanhas do final da década de 1950 contra o aumento das passagens nos bondes do Rio de Janeiro. O ápice aconteceu em maio de 1956, no primeiro ano do governo Juscelino Kubitschek. A companhia Light and Po- wer , que monopolizava o transporte dos bondes, ameaçou reajustar as tarifas de um para dois cruzeiros. O bonde era uma condução usada por quase todos os estudantes por causa do seu baixo preço. A partir daí, liderados pela força e irreverência dos estudantes secundaristas uma série de protestos começou a pipocar pela cidade, tendo à frente
A campanha pela nacionalização do Petróleo iniciada em 1947 teve à sua frente, além da força do movimento estudantil, um personagem ilustre que ajudou muito na concepção do movimento: o escritor Monteiro Lobato.
a União Metropolitana dos Estudantes (UME) e o seu presidente José Batista de Oliveira Júnior. Nas palavras de José Clerot dá para sentir o tamanho da mobilização e a importância que ela teve na unificação das entidades: Havia uma proximidade muito grande das bandeiras de luta e naquele momento começamos a fazer um tra- balho comum. Na campanha contra o aumento dos bondes, nós conseguimos parar o Rio de Janeiro, a tal ponto que o Juscelino desceu no [aero- porto] Santos Dumont e não conseguiu ir para Laranjeiras [Juscelino foi de helicóptero ao palácio do catete]. Distri- buímos os estudantes em vá- rios piquetes pela cidade. No final, a quantidade de bondes parados era maior que o Ma- racanã. Tenho um jornal da greve que aparece a foto dos dois presidentes [da UBES e da UNES] na capa. Inclusive, com o prédio da UNE cercado pela polícia
A campanha paralisou o Rio, nos dias 30 e 31 de maio de 1956, e acarretou em enorme prestígio e demonstração da força que tinha a entidade dos estudantes secundaristas.
Ato político da campanha “O petróleo é nosso!”
“O Petróleo é nosso”: Monteiro lobato, os estudantes e a defesa do patrimônio nacional!
A campanha pela nacionalização do Petróleo iniciada em 1947 teve à sua frente, além da força do movimento estudantil, um personagem ilustre que ajudou muito na concepção do movimento: o escritor Monteiro Lobato. A historiadora Maria Paula Araújo resgata a seguinte história em seu livro “Memórias Estudantis”: No livro “O poço do Visconde”, publicado em 1937, a turma do Sítio do Pica-pau Amarelo descobre petróleo no terreno do próprio sítio. Orientados pelo Visconde de Sabugosa, enfrentam trustes internacio- nais e conseguem perfurar o primeiro poço de petróleo do Brasil – o Caraminguá nº 1
Dynéas também lembra da participação de Lobato num dos maiores movimentos de opinião pública e de mais intensa participação popular na história da República: Monteiro Lobato, pouco antes de falecer, ingressou no parti- do (comunista). Ele influenciou o partido a se envolver nessa luta do petróleo. A lei então
foi para o Congresso numa batalha muito difícil porque lá as forças reacionárias e os entreguistas não queriam aceitar de jeito nenhum o mo- nopólio estatal do petróleo
O movimento ganhou tanta repercussão que teve a capacidade de unir diferentes setores sociais numa mesma campanha. A partir de 1948, o movimento estudantil passa a liderar as principais manifestações e cria a Comissão Estudantil em Defesa do Petróleo. Dynéas brinca que “tinha mais propaganda da campanha do que tem hoje da CocaCola ou do McDonald”. O presidente Getúlio Vargas então atende ao apelo da opinião pública e assina, em outubro de 1953, a Lei nº 2004, que criou a Petrobras. Era a consagração –com apoio dos estudantes e a adesão de amplos setores da sociedade – do sonho de Monteiro Lobato.
*RAFAEL MINORO é jornalista, editor do Portal estudantenet; coordenador do Depto. de Comunicação da UNE e da UBES **ARTENIUS DANIEL é jornalista, repórter do Portal estudantenet; 9
O Ã Ç A P I C I T R A P
JORNADA DE AÇÃO GLOBAL Fórum Social Mundial em novo formato Ana Maria Prestes Rabelo*
O
Fórum Social Mundial (FSM) está na agenda do século XXI. Desde a sua primeira edição, em janeiro de 2001, na cidade de Porto Alegre, esse evento vem cumprindo o papel de aglutinar e realçar as principais lutas dos movimentos sociais ao redor do mundo. Sob o lema “Outro Mundo é Possível” já deixou sua marca nas Américas, na Ásia e, recentemente, no continente africano. Não está imune, no entanto, a desgastes e limites impostos pelo tempo de duração, pelas disputas internas e pela hegemonia implacável da dominação imperialista. Após três exitosos encontros no Brasil, sempre na cidade de Porto Alegre, em 2004 o FSM realizou sua primeira grande mudança. Foi realizado em Mumbai, na Índia, sendo um grande êxito em organização, público e combatividade. Foi também nesse encontro que ganhou força um intenso debate no seio das organizações que “coordenam” o processo FSM através de um Conselho Internacional. Fruto desse debate, tratado a seguir, nasceram novos formatos para o encontro anual, nomeadamente os fóruns policêntricos e a jornada de ação global 2008. Formato e periodicidade O evento anual do FSM é um encontro gigante. Consome significativas energias de todos que se envolvem na sua preparação e organização. Qualquer entidade representativa dos movimentos
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O FSM de 2008 será um teste de sobrevivência. Há os que poderão dizer que o invento político fracassou, não teve forças para se consolidar como uma tradição vigorosa. Há porém os que poderão alegar que sua força e capacidade de renascer estão justamente na diversidade das formas que assume e no enraizamento local que atingirá ao ser promovido simultaneamente em dimensão global e em comunidades locais. sociais ou organização não-governamental que pretenda ter uma participação relevante no encontro precisa investir. O investimento consiste em tempo para preparação, articulação das agendas e principalmente recursos financeiros para deslocamento e permanência no local do encontro. Frente a tantos investimentos, o questionamento inevitável que surgiu no decorrer dos encontros, entre organizadores e participantes do FSM, foi quanto à sua eficácia. Aqui se pronuncia uma das principais polêmicas que divide os integrantes da sua coordenação. Há os que defendem que a eficácia está justamente na existência do encontro e na disponibilização de um “espaço” para debates e articulações. Mas há também os que apostam que o resultado a se esperar do FSM seria a promoção de um “movimento” mundial com objetivos e metas claras a serem alcançadas, o que não estaria ocorrendo. Está aqui implícita uma ten-
são entre dois campos que se traduziu em um debate sobre o formato e a periodicidade do encontro anual do FSM. Esse debate chegou a um termo parcial na reunião do Conselho Internacional de Parma (outubro, 2006), quando se decidiu que o FSM de 2008 não seria um encontro mundial centralizado, permitindo a permanência das organizações nas suas regiões, mas sim “uma jornada de mobilizações mundiais em torno dos mesmos dias do Fórum Econômico Mundial de Davos”. O grande temor de alguns dos “criadores” do FSM era o de que este perdesse sua característica anti-Davos, que lhe garantiu projeção mundial nos primeiros anos. O FSM de 2008, desse modo, será um teste de sobrevivência. Estará sujeito a severas críticas externas e internas. Há os que poderão dizer que o invento político fracassou, não teve forças para se consolidar como uma tradição vigorosa. Há porém os que poderão alegar que sua força e capacidade de renascer estão
Jovens e estudantes de todo o mundo sempre foram elemento fundamental do processo do Fórum Social Mundial Bandeiras tremulam na cerimônia de abertura do 3º Fórum Social Mundial – Porto Alegre, 2003
justamente na diversidade das formas que assume e no enraizamento local que atingirá ao ser promovido simultaneamente em dimensão global e em comunidades locais. O dia de ação global
O dia de ação global não será propriamente um dia, mas antes uma semana de atividades que terá como auge o dia 26 de janeiro de 2008. O objetivo dos organizadores é reunir, sob o lema que identifica o FSM – “Outro mundo é possível” – milhões de pessoas, organizações, redes, movimentos, sindicatos expressando diferentes segmentos sociais e culturais em todas as partes do planeta, desde as zonas rurais às urbanas. A grande questão é que, diferentemente de um encontro centralizado, preparado com antecedência e com o qual as pessoas e organizações se comprometem previamente, esse tipo de agenda estará mais vulnerável às intempéries conjunturais. Na reunião do Conselho Internacional
em Berlin (maio, 2007) muitas cação como grande instrumento organizações se queixaram, por de construção da próxima etapa exemplo, de ser um período de do FSM defendem que altos mondifícil mobilização até mesmo tantes sejam investidos na propelas condições climáticas, de paganda e no apelo às adesões. frio rigoroso no norte e calor Por outro lado, há os que defenescaldante no sul. dem que somente a propaganda O principal temor, no entannão basta, é preciso coordenar to, é o de que a falta de um gran- o processo. Ir às regiões, fazer de mote mobilizador – como foi controle das adesões, colaborar a guerra do Iraque para impulna solução dos pormenores da sionar as manifestações do 15 de execução das atividades. Fica a fevereiro de 2003 – coloque em questão: por que não combinar cheque a jornada. Bastará lançar as duas medidas? um convite e aguardar a adesão A participação da juventude das pessoas e organizações ao redor do mundo? Não será necessária uma coordenação mais Essa combinação é sabidadeterminante para garantir o mente muito bem feita pelos êxito da empreitada? jovens e estudantes de todo Aqui mais uma vez as diso mundo que sempre foram tintas concepções de FSM se elemento fundamental do prodividem. Essa diferença foi cesso Fórum Social Mundial. A percebida na grande polêmica participação da juventude, espesobre o papel da comunicação cialmente nas edições de Porto no processo de construção do Alegre, foi fundamental para dar dia de ação global. Comunicação o tom da alegria, da festividade versus mobilização foi o eixo do e da combatividade que sempre debate nas últimas reuniões do marcou o FSM. Foi a juventude Conselho Internacional em Berlin que levou o FSM para fora das (maio, 2007) e Belém (outubro, salas da PUC-RS no primeiro 2007). Os apologistas da comuni- FSM, foi ela quem puxou o Fora 11
Mais uma vez a juventude que está presente nas mais distintas frentes, seja de gênero, cultura, educação, etnia e tantas outras, vai dar o tom da combatividade e da urgência nas mudanças necessárias para a construção do outro mundo possível. Manifestação pacifista contra a Guerra do Iraque, 2003.
Bush do Iraque que se transformaria na jornada de 2003, foi ela quem lançou as principais campanhas contra a comercialização dos serviços – como a educação – na OMC. Com o dia de ação global não será diferente. Vai acontecer de acordo com o caminhar e o avanço das lutas nos diferentes países. Será a expressão do atual estágio de resistência ao neoliberalismo e construção de alternativas. Mais uma vez a juventude que está presente nas mais distintas frentes, seja de gênero, cultura, educação, etnia e tantas outras, vai dar o tom da combatividade e da urgência nas mudanças necessárias para a construção do outro mundo possível. O futuro do FSM
É notório que o FSM vive uma certa crise de perspectiva. A institucionalização do seu processo foi inevitável. Perdeu o viço da novidade e ainda não conseguiu se recriar de modo a emergir novamente na cena pública como algo potente e necessário. Está na agenda dos movimentos, mas muitos já alegam ser por demais dispendioso e pouco efetivo atender a todos os encontros. Por isso mesmo, em 2008 assumirá um novo formato com a jornada de mobili12
zações, voltando em 2009 a ser centralizado, agora em um local simbólico: a Região Amazônica, na sua parte brasileira. Quando as especulações eram se o Fórum de 2009 seria novamente na África, se voltaria para uma cidade brasileira, como Salvador ou Curitiba, ou se iria para mares nunca dantes navegados, como a Coréia, surgiu a proposta do FSM na Amazônia. A proposta inicial suscitou algumas críticas, oriundas do fato de ser apresentada como um Fórum da Região Amazônica, sugerida como território autônomo, sendo que a sede do encontro será no coração do Brasil, no Pará. Também pelas motivações temáticas, de se inserir no atual debate sobre o aquecimento global, capitaneado por Ângela Merckel, quando presidente da Comissão Européia, e Bush, como principal bandeira de uma cidadania globalizada. Há, contudo, incríveis possibilidades deste FSM superar seus desvios de origem. O acúmulo propiciado por seguidas edições do Fórum Pan-amazônico trouxe para os povos e organizações da região certa sincronia no trabalho organizativo e no tratamento das temáticas que mais os afligem. Será, portanto, uma forma de reparar um aspecto defasado do FSM, o tratamento adequado das questões amazônicas e de
tudo que isso implica para as lutas ambientais, territoriais e de direitos humanos. A região que abrigará o Fórum está no coração de um continente que fervilha em desafios políticos e sociais tanto a partir dos movimentos como de governos comprometidos com uma globalização contra-hegemônica, o que certamente terá impacto nos rumos do Fórum. O anúncio do FSM 2009 na Amazônia será também mais um fator aglutinador e incentivador das jornadas de janeiro. Afinal, todos que estão unidos na construção do outro mundo possível se preocupam com o futuro desse “espaço” que já tornou possíveis tantos “movimentos” locais, nacionais, regionais e globais, que formam uma potente rede altermundialista. É paradoxal estar em um encontro para se programar o próximo, mas é preciso reconhecer que muito da força do FSM está nesse movimento. A partir de cada atividade do dia de ação global se projetará mais uma luta, uma articulação, uma temática, a ser abordada no FSM 2009 em Belém. *ANA MARIA PRESTES RABELO é Mestre em Ciência Política. Representante da Organização Continental Latino-Americana e Caribenha de Estudantes (OCLAE) no Conselho Internacional do Fórum Social Mundial.
Juventude em tempo e lugar de mudança: movimentos jovens na A I R América do Sul contemporânea O E T
SITUAÇÕES TIPO DA PESQUISA
Maurício Santoro*
A
América do Sul vive intensas transformações políticas que coincidem com o apogeu da quantidade de jovens com relação ao total da população – quadro que deve permanecer pelo menos até 2015. Qual o papel da juventude nas mudanças em curso em nosso continente? Para responder a essa pergunta, o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE) e o Instituto Pólis – Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais – organizaram a pesquisa “Juventude e Integração Sul Americana”. O projeto realizou parcerias com instituições em seis países sul-americanos: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai. Equipe de cerca de 50 pesquisadores entrevistou aproximadamente 800 pessoas, das favelas do altiplano boliviano ao sertão brasileiro, passando pelos ativistas argentinos de direitos humanos, pelos camponeses paraguaios, pelos estudantes chilenos e pelos militantes partidários uruguaios (ver quadro). A pesquisa foi formada a partir de 19 estudos de caso, que batizamos de “situação tipo”. Cada um foca em uma organização/movimento juvenil. O que nos ensinam sobre a juventude do continente?
País/Instituição
Descrição da Situação
Organização pesquisada
Argentina/ Fundação SES
Filhos de desaparecidos políticos da ditadura militar (1976-1983)
H.I.J.O.S.
Jovens contrários à instalação de fábricas de celulose no Rio Uruguai
Assembléia Juvenil Ambiental de Gualeguaychú
Jovens do movimento piqueteiro na província de Buenos Aires
Jóvenes de Pie
Jovens beneficiários de projetos sociais na província de Misiones
Movimento Juvenil Andresito
Movimento hip hop aymará em El Alto
Grupos de hip hop em El Alto
Movimento pela criação de uma Escola Normal em El Alto
Movimentos estudantis em El Alto (Antonio Paredes Candía, INSEA, INSTHEA)
Jovens empregadas domésticas em La Paz
Federação Nacional das Trabalhadoras do Lar
Jovens que trabalham na colheita da cana em São Paulo
Jovens trabalhadores
Movimento pelo passe livre – Revolta do Buzu – em Salvador
Jovens que participaram do movimento
Jovens trabalhadores do setor de telemarketing
Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações no Estado de São Paulo e Sindicato dos Trabalhadores emTelemarketing e empregados em empresas de telemarketing na Grande São Paulo
Movimento hip hop em Caruaru
Grupo Família MBJ
Organizações de defesa da juventude
Fórum das Juventudes do Rio de Janeiro
Jovens no Fórum Social Mundial
Acampamento Intercontinental da Juventude - FSM
Movimento de protesto dos secundaristas,“Rebelião dos Pingüins” em Valparaíso
Coordenadora de Estudantes Secundaristas de Valparaíso
Jovens beneficiários de projetos sociais em Concepción
Organizações juvenis que participam no Departamento de Jovens de Concepción
Jovens camponeses
Associação de Agricultores do Alto Paraná
Movimento do passe livre
Federação Nacional de Est.Secundaristas
Juventudes partidárias
Grupos jovens do Partido Colorado, Partido Nacional e da Frente Ampla
Movimento pela liberação da maconha
Plantá tu Planta, Prolegal, La Placita
Bolívia / PIEB
Brasil / IBASE e Instituto Pólis
Chile / CIDPA
Paraguai / BASE-IS Uruguai / Cotidiano Mujer / Faculdade de Ciências Sociais da Universidade da República
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O
bservação preliminar: Não existe um “jeito jovem” de fazer política na América do não existe um “jeito Sul, porque a juventude do continente é bastante diversifi jovem” de fazer políticada em suas atitudes diante da vida e da sociedade. ca na América do Sul, porque a juventude do continente é bastante diversificada em suas atitudes diante da vida e da sociedade. Isso ficou claro no estudo sobre as juventudes partidárias no Uruguai. No país platino, os partidos políticos são instituições sólidas desde o século XIX, com ampla base social. A pesquisa ouviu membros Movimento Juvenil das principais agremiações: ParAndresito – jovens beneficiários de tido Colorado, Partido Nacional projetos sociais e Frente Ampla. na província de Missiones Os jovens dos partidos tra(Argentina). dicionais tendem a ver a política em termos da perspectiva problemas políticos. As duas clássica de representação dos (população negra e indígena). eleitores, e os grupos juvenis se visões são injustas com a juven- Cerca de dois terços da juventude e lhes imputam qualidades tude está no setor informal ou vinculam a líderes partidários mais velhos. Nas organizações ou defeitos que estão presentes em ocupações que não oferecem em muitas pessoas, mas que da Frente Ampla, predominam garantias sociais e estabilidade. não podem ser considerados abordagens que ressaltam os Os governos da região desencomo definidores de toda uma vínculos com movimentos sovolveram políticas públicas para geração. ciais e sindicatos. Em todos os lidar com o problema. Em geral As preocupações que mais se elas consistem em benefícios partidos, entrevistados manifestaram desconforto em serem destacam entre os jovens são as fiscais dados a empresas que tratados como jovens, pois afir- questões relacionadas a trabaempreguem jovens, ou então lho e educação. Os dois temas maram que dessa maneira os no oferecimento à juventude de mais velhos esperavam que eles estão muito interligados, pois programas de capacitação e treise manifestassem apenas sobre o acesso a escolas de qualidade namento profissional, visando a é visto como fundamental para temas supostamente juvenis, melhorar suas possibilidades de conseguir um emprego estável e inserção no mundo do trabalho. como sexualidade e drogas, ao que pague um bom salário – sopasso que gostariam de influir Apesar dos méritos, essas ininho inacessível à maioria dos nos debates de “gente grande”, ciativas não conseguem resolver como os de política econômica. jovens. a situação. Os pontos mais difí. “Se sou jovem, perco”, resumiu ceis que elas enfrentam são as O Sonho do Trabalho Decente um rapaz. discriminações cruzadas – por Em outras situações pesetnia, gênero, local de moradia quisadas, apareceu de maneira Dados da Comissão Econômi- – que afetam tantos jovens. ca da ONU para América Latina intensa a vigência de dois esEm nossa pesquisa, em divere Caribe e pesquisas da Organitereótipos sobre os jovens. Um sos momentos ouvimos relatos zação Internacional do Trabalho doloridos sobre pessoas que se é aquele que vê na juventude a mostram que o desemprego protagonista da crítica social e sentem desprezadas por viveentre os jovens da América do dos grandes projetos de transrem em bairros pobres, ou por Sul varia entre três a quatro veformação do mundo. O outro usarem cabelos coloridos e rouzes mais do que taxa registrada é o que considera os jovens pas que fogem do padrão habientre os adultos. A situação é dedicados à alegria, à festa e ao tual das grandes empresas. Os prazer, com freqüência critican- ainda pior para mulheres e para jovens também manifestaram do seu suposto isolamento dos pessoas de etnias discriminadas sentimentos parecidos com rela14
ção a outros adultos em posição de autoridade – em particular professores – que os tratam da mesma maneira. A questão é importante porque, para muitos rapazes e moças, a maneira de se vestir e de apresentar seu corpo é elemento essencial de sua identidade social, do modo como levam sua vida. É o caso de um músico de hip hop de Caruaru (Pernambuco), que numa conversa com o chefe da polícia militar local, desabafou: “O senhor quer que eu seja o senhor, mas eu sou eu”. Em contexto de tantas dificuldades, os jovens acabam ficando com os empregos que os adultos não quiseram ou não puderam assumir. Em geral são funções que exigem força física, disposição ou muita flexibilidade de horários. Como exemplo, temos a colheita da cana no estado de São Paulo, em grande medida realizada por rapazes que migram do Nordeste durante alguns meses por ano, e chegam a colher entre 10 e 20 toneladas de cana diária. O esforço físico está acima da capacidade humana, mesmo de um jovem saudável, e os resultados são diversos problemas de saúde, além do uso intensivo de estimulantes químicos para lidar com a dor e o cansaço. Outro caso são os serviços de
Apareceu de maneira intensa a vigência de dois estereótipos sobre os jovens. Um é aquele que vê na juventude a protagonista da crítica social e dos grandes projetos de transformação do mundo. O outro é o que considera os jovens dedicados à alegria, à festa e ao prazer, com freqüência criticando seu suposto isolamento dos problemas políticos. telemarketing, que usam muitos estudantes. Como trata-se de trabalho feito por telefone, sem contato físico, é um nicho de mercado bastante aproveitado por mulheres negras, que têm dificuldades em conseguir empregos que envolvam visibilidade pública – digamos, como vendedoras em lojas dedicadas à classe média alta e à elite. A ocupação profissional de maior participação jovem é a de empregada doméstica – oferecida em especial a mulheres negras ou indígenas. Os serviços de limpeza são pesados e com freqüência envolvem dormir na casa dos patrões. Na Bolívia, trabalhar numa casa de família costuma ser o primeiro estágio na estratégia de moças de etnia quéchua ou aymará, que querem sair da zona rural e migrar para a cidade. Elas se queixam da discriminação, dos chefes que acham que elas não têm boas maneiras e não sabem comer ou
As preocupações que mais se destacam entre os jovens são as questões relacionadas a trabalho e educação Movimento estudantil reivindica a criação de uma Escola Normal na cidade de El Alto (Bolívia).
usar o banheiro. Muitas reclamam de que os patrões trancam armários e móveis com medo de que elas furtem objetos. Por que tantos jovens se submetem a empregos em más condições? Em grande parte pela ausência de opções, mas não só por isso. Foi comum ouvirmos dos entrevistados na pesquisa que se tratava apenas de uma “fase”, de uma ocupação “que não é para sempre”. Por mais dura que fosse a atividade, ela era vista como uma etapa necessária à realização de um projeto de vida mais amplo – ajudar a família, financiar os estudos ou mesmo adquirir um bem de consumo muito desejado, como uma moto. A Busca por Educação
Nas últimas décadas houve impressionante expansão da educação na América do Sul, tanto nas escolas fundamentais quanto no ensino médio. A atual geração de jovens é mais instruída do que a de seus pais, mas os anos adicionais que passaram a estudar não significaram uma melhor inserção no mercado de trabalho. As demandas dos jovens com relação à educação podem ser divididas em dois grandes grupos: o acesso às escolas e a busca na melhoria da qualidade do ensino. A primeira perspectiva está presente na parcela
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A atual geração de jovens é mais instruída do que a de seus pais, mas os anos adicionais que passaram a estudar não significaram uma melhor inserção no mercado de trabalho. mais pobre da juventude, como os canavieiros em São Paulo, os adolescentes bolivianos ou os camponeses paraguaios. Exigem escolas que atendam suas comunidades e que se adaptem às suas necessidades culturais e profissionais. No caso do mundo rural, por exemplo, isso significa um calendário escolar que seja compatível com os ciclos de plantio e colheita. Também quer dizer professores que valorizem as tradições e o modo de vida dos agricultores, o que não costuma ocorrer. Os jovens paraguaios se queixam de que são ensinados a desprezar o trabalho rural e a considerar como “civilizado” apenas o mundo urbano. Muitos acabam aceitando essa orientação e migram para as cidades, para viver de serviços temporários ou biscates. O caso boliviano também merece realce. Os adolescentes da cidade de El Alto – município vizinho a La Paz, formado basicamente por migrantes indígenas da zona rural – pressionaram diversos governos pela criação de uma escola de formação de professores em sua região. O presidente Evo Morales demonstrou simpatia, mas alegou que não tinha recursos. Os jovens não se intimidaram, foram às ruas protestar e conseguiram o apoio de deputados do próprio partido de Morales. Embora o número de vagas ainda seja insuficiente, há enorme pressão popular pela ampliação das oportunidades 16
A questão é importante porque, para muitos rapazes e moças, a maneira de se vestir e de apresentar seu corpo é elemento essencial de sua identidade social, do modo como levam sua vida. É o caso de um músico de hip hop de Caruaru (Pernambuco), que numa conversa com o chefe da polícia militar local, desabafou: “O senhor quer que eu seja o senhor, mas eu sou eu”. de estudo. O movimento dos alunos também exerceu influência sobre o currículo, insistindo para a inclusão de disciplinas relacionadas às humanidades e à cultura geral, ao passo que as autoridades preferiam destacar matérias técnicas, tradicionalmente associadas aos pobres. O acesso à escola não se esgota na criação da instituição ou no número de vagas: também é necessário chegar até lá. Isso tem se tornado um problema sério nas cidades cada vez maiores da América do Sul. O resultado é a eclosão de uma série de movimentos de passe livre – no Brasil, no Chile, no Paraguai – que demandam passagem gratuita ou com descontos para estudantes. É freqüente, nos três países, que os gastos com transporte representem parcela considerável da renda das famílias pobres e muitas vezes os jovens se encontram sem dinheiro até para pagar o ônibus, trem ou
metrô que precisam tomar para chegar ao colégio. O caso mais impressionante em termos de impacto público foi a chamada “Revolta do Buzu” em Salvador. O movimento começou por causa do anúncio de aumento nas passagens de ônibus. Os protestos dos estudantes paralisaram a cidade durante meses, mas a população os apoiou, apesar dos transtornos no trânsito, porque houve o entendimento de que a mobilização defendia o interesse de todos. No que diz respeito aos movimentos por melhoria na qualidade da educação, o exemplo mais expressivo é a “Rebelião dos Pingüins” no Chile. O nome inusitado se explica pela cor do uniforme dos secundaristas, que lembra a desses animais. Os pingüins surpreenderam aqueles que viam no Chile uma sociedade apática, anestesiada pelo neoliberalismo, e mostra-
Assembléia Juvenil Ambiental de Gualeguaychu (Argentina) realiza manifestação contra a instalação de fábricas de celulose no Rio Uruguai.
Manifestações da “rebelião dos pingüins”, Chile, 2006.
Os pingüins surpreenderam aqueles que viam no Chile uma sociedade apática, anestesiada pelo neoliberalismo, e mostraram a força dos movimentos sociais no país. Os estudantes contestaram a má qualidade das escolas públicas e a dificuldade de acesso à universidade. ram a força dos movimentos sociais no país. Os estudantes contestaram a má qualidade das escolas públicas e a dificuldade de acesso à universidade. Conclusões
Esse rápido panorama não pretende abordar todos os casos da pesquisa, e sim chamar a atenção dos leitores para a intensa transformação que ocorre nos movimentos juvenis da América do Sul. Além da tradicional mobilização dos estudantes, destaca-se a questão do mercado de trabalho (com muita freqüência junto a demandas por educação) e uma série de outros temas que envolvem cultura, meio ambiente, gênero. A Argentina, o país de mais elevado desenvolvimento social da América do Sul, mostra com
força essas outras possibilidades. Ali vimos jovens extremamente envolvidos com os debates sobre a ditadura militar de 1976-1983 e que buscam preservar a memória de seus pais, mortos sob tortura pela repressão política. Também há o caso do movimento ambientalista da cidade de Gualeguaychú, que se opõe à instalação de duas fábricas de celulose no município uruguaio vizinho de Fray Bentos. Os jovens participam dos bloqueios de estrada e das manifestações que se tornaram o mais importante assunto da agenda dos dois países. O Brasil foi citado com freqüência como modelo para políticas públicas de juventude, e também tem muito a aprender com a riqueza e a diversidade dos movimentos juvenis dos vizinhos da América do Sul.
Movimento H.I.J.O.S (filhos de desaparecidos da ditadura militar argentina).
Manifestação de estudantes brasileiros.
*MAURÍCIO SANTORO é pesquisador do IBASE, professor da pós-graduação em Relações Internacionais da Universidade Cândido Mendes. NOTA 1 Muitas dessas informações provêm da excelen-
te oficina técnica “Trabalho Decente e Juventude”, promovida pela Organização Internacional do Trabalho em Brasília, em novembro de 2007. Agradeço aos colegas do evento pelas contribuições. Jovens do movimento hip-hop aymará em Wayna Tambo (Bolívia).
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A CONSTRUÇÃO DO HOMEM A I R NO JOVEM MARX (PARTE 4) O E T
Augusto C. Buonicore*
Marx e os Manuscritos Econômicos e Filosóficos
N
os Manuscritos Econômi- cos e Filosóficos , escrito em 1844, o humanismo de Marx adquire maior consistência. Não se trata mais aqui da defesa de um homem em geral, abstrato, mas de um homem concreto, histórico. Era um humanismo sob novo ponto de vista, o ponto de vista do proletariado revolucionário. Nesse trabalho o autor critica os economistas burgueses, que consideravam os homens apenas enquanto produziam para o Capital. Reduziam o proletariado àquele que “sem capital nem renda da terra vivia puramente do trabalho e do trabalho unilateral, abstrato, apenas como operário”. Assim puderam estabelecer “o princípio pelo qual, como qualquer cavalo, ele tem que ganhar o suficiente para poder trabalhar. Não considerava-o no tempo em que não trabalhava, ou seja, como homem. Assim, “os mendigos, os desempregados, os trabalhadores famintos, indigentes, criminosos, eram figuras que não existiam para a economia política, mas apenas para os olhos dos médicos, juízes, coveiros e burocratas”. As necessidades dos trabalhadores “se reduziriam às necessidades de mantê-los diariamente no trabalho, de molde a não extinguir a raça dos trabalhadores”. Os salários teriam “o mesmo significado da manutenção de qualquer outro instrumento de produção 18
Nos Manuscritos Econômicos e Filosóficos , escrito em 1844, o humanismo de Marx adquire maior consistência. Não se trata mais aqui da defesa de um homem em geral, abstrato, mas de um homem concreto, histórico.
(...) É o óleo aplicado à mola para conservá-la rodando”. O homem se transformava numa peça de engrenagem e a sociedade numa grande fábrica. Marx submeteu assim o capitalismo a uma crítica feroz, de um ponto de vista revolucionário. Foi uma das críticas mais radicais escritas até então. Denunciou a desumanização do homem e sua transformação em simples mercadoria. Denunciou o processo de alienação – não apenas religiosa e política, mas fundamentalmente a alienação que teria por centro o próprio trabalho humano. Definiu o trabalho alienado como fundamento do homem alienado. No capitalismo, afirmava Marx, “a produção não apenas produz o homem como mercadoria humana (...) produz o homem como um ser mental e fisicamente desumanizado. Imoralidade,
aborto, escravidão do trabalho”. E prosseguia: “A partir do momento em que a humanidade se compõe principalmente de trabalhadores, dos quais deserdados são os proletários, o humanismo real que se preocupa com os interesses de cada homem é aquele que defende os interesses proletários.” Na sociedade capitalista os operários eram as maiores vítimas da guerra sem quartel da concorrência pelos mercados. O operário, segundo Marx, não ganhava necessariamente quando o capitalista ganhava, mas perdia necessariamente quando ele perdia. “Se a riqueza da sociedade declina”, afirmou, “é o operário quem mais sofre; mas se a riqueza progride, essa é a situação mais favorável para os operários, mas significa para eles também um trabalho extenuante, que abreviará sua existência”.
A economia política burguesa era, por sua vez, extremamente moralista – pelo menos quanto à classe operária. Segundo o jovem Marx, “sua tese principal era a renúncia à vida e às necessidades humanas. Quanto menos se comer, beber, comprar livros, ir ao teatro ou bares, ou botequim, e quanto menos se pensar, amar, doutrinar, cantar, pintar, esgrimir etc. tanto mais se poderia economizar (...) Tudo o que o economista tirava sob a forma de vida e humanidade devolvia sob forma de dinheiro. (...) O trabalho deve ser apenas o que lhe é necessário para desejar viver, e deve desejar viver para ter isso”. Em contraposição à moralidade burguesa começava a surgir uma nova moralidade: “Quando artesãos comunistas formam associações, o ensino e a propaganda são seus primeiros objetivos. Mas sua própria associação engendra uma necessidade nova – a necessidade da sociedade –, o que é um meio torna-se um fim (...) Fumar, comer e beber não são mais meios de congregar pessoas. A sociedade, a associação, o divertimento tendo também como fito a sociedade é suficiente para eles, a fraternidade do homem não é a frase vazia, mas uma realidade e a pobreza do homem resplandece sobre nós vindo de seus corpos fatigados.”
Na sociedade capitalista os operários eram as maiores vítimas da guerra sem quartel da concorrência pelos mercados. O operário, segundo Marx, não ganhava necessariamente quando o capitalista ganhava, mas perdia necessariamente quando ele perdia.
também sua própria alienação. Escreveu Marx: “O trabalhador fica mais pobre à medida em que produz mais riquezas e sua produção cresce em força e Já no seu 1º manuscrito Marx extensão. O trabalhador torna-se passa a estender o conceito de uma mercadoria ainda mais baalienação do campo da política para o campo da economia, estu- rata à medida que cria mais bens (...) quanto mais trabalhadores dando particularmente a alienase desgastem no trabalho tanto ção do trabalho. No capitalismo o trabalho é exterior ao operário, mais poderoso se torna o mundo dos objetos por ele criado não pertence à sua essência. em face dele mesmo, tanto mais No seu trabalho o operário não simples se torna a vida interior, se afirma, mas, ao contrário, se e tanto menos ele se pertence a nega. Não se sente bem, mas insi próprio (...) O trabalhador pôs feliz. Não desenvolve nenhuma a sua vida no objeto, e sua vida, energia física e espiritual, mas então, não mais lhe pertence, mortifica o corpo e arruina o porém ao objeto.” Concluía ele espírito. O operário, portanto, que, se o produto do trabalho só se sente bem consigo mesmo não pertencia ao operário, isso fora do trabalho, pois no trabasó era possível porque pertencia lho sente-se fora de si. a outrem, o capitalista. No capitalismo o trabalho é Marx descobriu assim um forçado, imposto de fora. Não dos fundamentos da alienação representa a satisfação de uma humana no capitalismo: a apronecessidade do trabalhador, priação do produto do trabalho mas apenas um meio de receber pelo não-operário (proprietário um salário, um simples meio dos meios de produção), fato de atender outra necessidade. Todo trabalho do operário volta- que acarreta uma dominação real daquele que produz por se contra ele, como uma força aquele que não produz. A alieestranha e hostil. O operário, ao nação do produto do trabalho produzir mercadorias, produzia exprimia-se na hostilidade entre o operário e o não-operário. Essa concepção está na raiz No capitalismo, o trabalho é exterior ao operário, não da crítica de Marx a certas corpertence à sua essência. No seu trabalho o operário não se rentes socialistas, que buscavam afirma, mas, ao contrário, se nega. Não se sente bem, mas eliminar a condição de proletáinfeliz. Não desenvolve nenhuma energia física e espiritual, rio através de um aumento de mas mortifica o corpo e arruina o espírito. O operário, salários, escondendo-se sob a portanto, só se sente bem consigo mesmo fora do trabalho, palavra de ordem dos “salários justos”. Escreveu Marx: “Uma pois no trabalho sente-se fora de si. elevação do salário pela força (...) A desalienação humana passa pela superação da exploração assalariada
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A propriedade privada, segundo Marx, “tornou-nos néscios e parciais a ponto de um objeto só ser considerado nosso quando é diretamente comido, bebido, vestido, habitado etc, em resumo quando utilizado de alguma forma (...) Todos os sentidos físicos e intelectuais foram substituídos pela simples alienação de todos eles, pelo sentido do ter”.
nada mais seria que um melhor assalariado dos escravos e não uma conquista para o operário, nem para o trabalho, o seu destino humano.” O salário seria conseqüência do trabalho alienado e “aquele que se erguia contra a propriedade privada devia reclamar a anulação do trabalho alienado, e, portanto, do salariato, como a situação na qual o trabalho não era um fim em si, mas um servidor do salário”. O Homem e a sociedade
Marx já nesse período tinha clareza da unidade dialética que se forjava entre o homem e a sociedade. Nele já não vemos nada que se assemelhe ao determinismo econômico, que alguns teimam em lhe impingir. A sociedade e as condições históricas produziam os homens concretos, mas ao mesmo tempo estes não eram meros produtos sem vontade, e sim agentes ativos que com sua ação consciente eram capazes de mudar as condições que lhes deram origem. Afirmava ele: “Da mesma forma que a sociedade produz o homem, também ela era produzida por ele.” E seguia em seu raciocínio afirmando que “embora o homem seja um indivíduo único (...) ele é igualmente o todo, o todo ideal, a existência subjetiva da sociedade como é pensada e vivenciada. Ele existe 20
(...) como a soma das manifestações humanas da vida”. O homem, portanto, não pode ser entendido como o Robson Crusoé do pensamento liberal. Ele só pode ser concebido como parte integrante do mundo dos homens, a sociedade. Cada indivíduo era portador do conjunto dessas relações (homem/homem, homem/natureza). O homem (individual/ real) só pode ser entendido na coletividade dos homens. Podemos notar ainda neste trabalho uma grande influência das idéias de Feuerbach e de seu humanismo, de sua “essência humana” em geral. Mas, no Marx dos Manuscritos, essas idéias já se encontravam em transição e tenderiam a desaparecer na obras seguintes, em especial na Ideologia Alemã de 1845. Todo o mundo para o homem, inclusive os seus sentidos, eram fruto da ação dos próprios homens – através do trabalho humano – e “mesmo as formas de relação do homem com o mundo, o ver, ouvir, cheirar, saborear (...) amar, ou seja, tudo o que é possível captar e transmitir através dos órgãos de nossa individualidade são produtos de anos de trabalho social humano”. “È evidente”, continuava ele, “que o olho humano aprecia as coisas de maneira diferente
da do olho bruto, não humano, assim como o ouvido humano difere do ouvido bruto, e só quando o objeto se torna um objeto humano (...) o homem não fica perdido nele. Isso somente é possível quando o objeto se torna um objeto social e quando ele próprio se torna um ser social”. Mas todas essas formas de apreensão humana do mundo, através dos sentidos, encontramse em nossa sociedade limitadas em sua potencialidade pela existência da propriedade da privada e pela exploração do trabalho. A propriedade privada, segundo Marx, “tornou-nos néscios e parciais a ponto de um objeto só ser considerado nosso quando é diretamente comido, bebido, vestido, habitado etc, em resumo quando utilizado de alguma forma (...) Todos os sentidos físicos e intelectuais foram substituídos pela simples alienação de todos eles, pelo sentido do ter”. A sociedade capitalista tem no dinheiro uma forma particular de alienação da essência humana em geral, a qual inverte o sentido da realidade. A propriedade do dinheiro passa a ser também de quem o possui: “Sou feio, mas posso comprar a mais bela mulher e conseqüentemente não sou feio (...) Sou estúpido, mas o dinheiro é o verdadeiro cérebro de todas as coisas e, sendo assim,
como poderá este seu possuidor ser estúpido?” O dinheiro, para Marx, “converte o amor em ódio (...), o servo em senhor (...), a estupidez em inteligência (...) Quem pode comprar a bravura é bravo, malgrado seja covarde”. Contrapondo-se ao mundo do dinheiro, Marx pregava uma nova sociedade em que “o homem fosse Homem e em que a relação com o mundo fosse humana, aonde o amor só pudesse ser trocado por amor (...) Se desejar apreender a arte, será preciso apenas ser uma pessoa autenticamente educada”. Mas para realizar tal mundo é preciso, antes de mais nada, abolir a propriedade privada. Esse seria o primeiro passo para a “apropriação da verdade humana (...) e a substituição positiva de toda a alienação, o retorno do homem da religião, do Estado, para a vida realmente social”. O comunismo, assim, seria para Marx a abolição da propriedade privada e o fim da alienação humana. Ele seria a “verdadeira apropriação da natureza humana através do e para o Homem (...) O retorno do Homem a si mesmo como ser social (...) O comunismo como naturalismo plenamente desenvolvido é humanismo (...) É a resolução do antagonismo entre Homem e natureza, entre homem e seu semelhante. É a verdadeira solução do conflito entre a existência e a essência (...) entre o indivíduo e a espécie”. (continua na próxima edição de juventude.br) * AUGUSTO CÉSAR BUONICORE é historiador, mestre em Ciência Política pela Unicamp, secretário-geral do Instituto Maurício Grabóis (IMG), membro do conselho editorial das revistas Princípios, Debate Sindical e Crítica Marxista e membro do Conselho Consultivo do CEMJ.
Contrapondo-se ao mundo do dinheiro, Marx pregava uma nova sociedade em que “o homem fosse Homem e em que a relação com o mundo fosse humana, aonde o amor só pudesse ser trocado por amor (...) Se desejar apreender a arte, será preciso apenas ser uma pessoa autenticamente educada”. Mas para realizar tal mundo é preciso, antes de mais nada, abolir a propriedade privada. 21
“A argamassa fundamental de nossa obra é a juventude, em que depositamos nossa esperança e a quem preparamos para tomar de nossas mãos a bandeira.” Ernesto “Che” Guevara
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o dia 9 de outubro de 1967 o comandante Che Guevara era assassinado nas selvas da Bolívia. Quarenta anos depois, a juventude de todo o mundo homenageia o revolucionário que se tornou um ícone da rebeldia juvenil e das lutas por liberdade, democracia, dignidade e justiça social.
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Como contribuição a esse momento de homenagens e reflexões sobre o legado de Che Guevara, Juventude.br publica, em duas partes, o Dossiê Che. Nesta primeira parte trazemos registros biográficos, estudos e crônicas sobre o significado da figura de Che. Na próxima edição, que circula no primeiro semestre de 2008 – quando a juventude de todo o mundo voltará a lembrar de Che por ocasião da passagem do 80º aniversário de seu nascimento –, Juventude.br voltará ao tema através da abordagem das idéias e da herança teórica do Che. Boa leitura!
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Che Guevara nas trilhas da revolução latino-americana Augusto C. Buonicore*
Há 40 anos, no dia 9 de outubro, morria o comandante Che Guevara. Tombou no seu posto de combate pela libertação econômica, política e social da América Latina. Mas quem foi Che Guevara? Qual sua contribuição à causa socialista? Tentaremos, sem grandes pretensões, encontrar algumas dessas respostas neste e no próximo artigo. Nas décadas que se seguiram à sua trágica morte nas selvas bolivianas, Che foi perdendo sua substância e se transformando num ícone – na verdade, um dos maiores ícones da segunda metade do século XX. Seu rosto de guerrilheiro altivo foi estampado em camisetas, cartazes e pichações por todo o mundo. Se existe um lado positivo neste fenômeno é o fato de manter viva a imagem de um dos maiores heróis latino-americanos; de outro – negativo –, ele acaba acobertando as idéias e o projeto político pelo qual Guevara viveu e morreu: a libertação da América Latina do julgo imperialista, a conquista do socialismo e a construção do homem e da mulher novos. O sistema capitalista tem uma incrível capacidade de incorporar alguns elementos da cultura alternativa, até mesmo revolucionária, e transformá-los em objetos de mercado, formas sem conteúdo, neutras, inofensivas. No entanto, a personalidade 24
“Outra vez sob meus calcanhares o lombo de Rocinante, retomo o caminho com meu escudo no braço (...). Muitos dirão que sou aventureiro. Eu sou de fato, só que de um tipo diferente, daqueles que entregam a pele para demonstrar suas verdades” Che Guevara (trecho de carta a seus pais, antes de partir para sua última trincheira na Bolívia).
O homem e seu destino
forte de Che não pode ser presa, capturada, na camisa de força do ícone, da marca, do mito. Por isso, para compreender o verdadeiro Che, é preciso ir para além do ícone, além da marca, além do mito. Estes não têm sangue correndo nas veias, não são de carne e osso, não sentem fome ou frio. Eles não têm dúvidas ou medos, são fantasmas que não convivem com as malditas contradições cotidianas. Ao contrário dos ícones, os homens e mulheres de verdade, inclusive os mais revolucionários deles, padecem de todas essas vicissitudes humanas. E Che foi, acima de tudo, um homem. Um homem do seu tempo.
Ernesto Guevara de la Serna nasceu em 14 de junho de 1928 na Argentina. Filho de família de pequenos produtores rurais de erva-mate. Cresceu usufruindo a vida como um membro das classes médias sul-americanas. Mas, desde muito cedo, Ernesto sofreu com seus problemas de saúde. Aos dois anos de idade apareceu-lhe a asma, que o acompanhou, como um fantasma, durante toda a sua vida, inclusive em seus derradeiros dias nas selvas bolivianas. Ironicamente, aquele que seria considerado o mais temido comandante guerrilheiro latinoamericano, foi declarado inapto para o serviço militar no seu próprio país. Guevara, então, matriculou-se na Faculdade de Medicina da Universidade de Buenos Aires.
Guevara com camponeses cubanos em dia de trabalhos voluntários.
A doença, no entanto, não enfraqueceu o seu espírito indomável; pelo contrário, ela o impulsionou a ultrapassar todos os limites. Com 23 anos comprou uma motocicleta e, ao lado de um amigo, percorreu diversos países da América Latina. Em 1953 se formou em medicina e partiu novamente em outra aventura para conhecer mais e melhor seu sofrido continente. Passou pela Bolívia e depois seguiu para a Guatemala, onde havia um governo democrático e popular, dirigido por Jacobo Arbenz. Este havia expropriado as terras da poderosa empresa norte-americana United Fruit. Nessa ocasião Guevara comprou alguns livros marxistas e passou a estudá-los com afinco.
Com 23 anos comprou uma motocicleta e, ao lado de um amigo, percorreu diversos países da América Latina.
Guevara valorizava muito o aspecto ideológico também na construção do chamado “homem novo”, ou seja, de um novo humanismo socialista. O jovem Guevara, que apoiava o governo, se alistou para trabalhar num programa de saúde entre a população indígena, mas foi obrigado a ficar num posto médico na capital guatemalteca. Em 18 de junho de 1954 o presidente Arbens foi derrubado do poder por mercenários apoiados pelos EUA. E Guevara tentou organizar um grupo de jovens para resistir à invasão. Afirmaria mais tarde: “Na Guatemala era necessário lutar, porém quase ninguém lutou”. O jovem médico argentino, fichado como “perigoso comunista”, foi incluído nas temidas “listas negras” dos condenados à morte e obrigado a se refugiar no consulado argentino. O novo governo conservador, servilmente, devolveu as terras nacionalizadas à United Fruit, re-
tirou os direitos trabalhistas dos camponeses pobres, prendeu, torturou e assassinou vários militantes de esquerda. Guevara extraiu deste trágico acontecimento as suas primeiras – e inesquecíveis – lições sobre a luta emancipacionista na América Latina: 1- o imperialismo norte-americano era o principal inimigo dos povos; 2- a luta revolucionária seria o único meio para se conquistar um poder democrático, popular e socialista; 3- as burguesias nacionais já haviam esgotado o seu papel na luta revolucionária antiimperialista no continente. Guevara passou dois meses asilado no consulado argentino e, então, seguiu com outros refugiados para o México. Ali entrou em contato com elementos da oposição cubana, ligados 25
ao movimento “26 de julho”, que o convidaram para participar dos planos para derrubada do ditador Fulgêncio Batista. Escreveu ele: “Falei com Fidel uma noite toda. E ao amanhecer já era o médico de sua futura expedição. Na realidade, depois de minhas caminhadas por toda a América Latina e do arremate na Guatemala, não era necessário muito para incitar-me a entrar em qualquer revolução contra um tirano”. Amarrava-se assim o destino do jovem médico argentino com o da revolução cubana. Depois de um ano de preparativos, em novembro de 1956, 82 homens partiram para Cuba a bordo do Granma. Antes de chegar a seu objetivo a expedição foi descoberta pelas forças armadas do ditador cubano e, após duros combates, ficou reduzida a apenas 15 homens, que se refugiaram na Sierra Maestra. Os poucos sobreviventes uniram-se aos camponeses pobres, que lhes serviram de base de apoio para o início da ação guerrilheira. Em pouco tempo Che assumiu o comando da 2ª coluna de guerrilheiros. No dia 1º de janeiro de 1959 as suas tropas conquistaram a cidade de Santa Clara e o ditador Batista fugiu de Cuba. Três dias depois os “barbudos” de Fidel entraram triunfantes em Havana e Guevara foi nomeado governador militar daquela província. A revolução vitoriosa foi profundamente popular, assentada nos camponeses e nos trabalhadores urbanos, e cumpriu todos os seus compromissos. O governo revolucionário expropriou os latifúndios, muito deles pertencentes a companhias norte-americanas. Quando as refinarias norte-americanas localizadas
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O sistema capitalista tem uma incrível capacidade de incorporar alguns elementos da cultura alternativa, até mesmo revolucionária, e transformá-los em objetos de mercado, formas sem conteúdo, neutras, inofensivas. em Cuba se recusaram a refinar petróleo vindo da URSS, o governo cubano as nacionalizou. Em represália, Washington suspendeu a compra de açúcar, visando sufocar a economia da ilha. A cada pressão dos norte-americanos, o governo cubano radicalizava ainda mais suas posições antiimperialistas. A revolução foi rapidamente mudando seu caráter, de nacional-democrática passou a ser socialista. Em abril de 1961 ocorreu a tentativa de invasão de Cuba por mercenários, pagos e apoiados pela CIA, na Bahia dos Porcos. As tropas invasoras foram destroçadas em poucas horas. Fidel rompeu definitivamente com os norte-americanos e se afirmou marxista-leninista. Ainda nesse ano Che representou Cuba na reunião da Organização dos Estados Americanos, ocorrida no Uruguai – convocada especialmente para condenar o novo regime cubano
e excluí-lo da organização. Neste conclave Guevara denunciou firmemente os planos do imperialismo contra a ilha e defendeu o governo de Fidel da acusação de tentar exportar a revolução para a América Latina. Declarou ele: “Não podemos deixar de exportar exemplos, como querem os Estados Unidos, porque o exemplo é algo espiritual que ultrapassa as fronteiras. O que damos de garantia é que não exportaremos a revolução, damos a garantia de que não se moverá um fuzil de Cuba, que não se moverá uma só arma de Cuba, para luta em nenhum outro país da América”. Continuou: “O que não podemos assegurar é que as idéias de Cuba deixem de implantar-se em algum outro país da América. O que asseguramos a esta Conferência é que, se não forem tomadas medidas urgentes de prevenção social, o exemplo cubano penetrará nos povos e, então, aquela exclamação (...) de Fidel em 26 de julho e que foi interpretada como uma agressão, se tornará uma realidade. Fidel disse que se mantiveram as atuais condições sociais ‘a cordilheira dos Andes será a Sierra Maestra da América’”. Na volta, Guevara passou pelo Brasil e foi condecorado pelo então presidente Jânio Quadros. Poucos dias depois, sob forte pressão da direita, o presidente brasileiro renunciaria, abrindo uma crise política e militar que conduziu o país à beira de uma guerra civil. Em outubro de 1962 aconteceu uma nova crise com os EUA. O governo norte-americano descobriu que Cuba possuía mísseis nucleares e passou a exigir que fossem imediatamente
desmontados. Houve, então, A experiência da guerrilha boliviana revelou os equívocos uma nova ameaça de invasão de muitas das concepções político-militares defendidas pelo e o mundo chegou bastante revolucionário cubano, entre elas a afirmação de que já existipróximo de uma guerra nuclear. riam as condições objetivas para a eclosão de uma revolução Os soviéticos recuaram e, unisocialista em toda a América Latina, cabendo apenas a ação lateralmente, sem acordo com os cubanos, decidiram retirar os enérgica de um pequeno grupo de revolucionários para que mísseis da ilha. Fidel e Guevara se constituíssem as condições subjetivas. sentiram-se traídos pelos russos. frente de Cuba, e chegou a hora Em 1961 Guevara foi indicado humano que se aproxime do de nos separarmos (...). Declaro para ministro da Indústria. melhor dos humanos. Purificar uma vez mais que eximo Cuba Defendeu uma industrialização o melhor do homem através do de qualquer responsabilidade, mais rápida e a centralização trabalho, do estudo, da prática a não ser aquela que provém maior da economia. Por suas da solidariedade contínua com posições entrou em conflito com o povo e com todos os povos do do seu exemplo. Se minha hora final me encontrar debaixo de os soviéticos que defendiam mundo; desenvolver o máximo outros céus, meu último pensauma Cuba não-industrial, conde sensibilidade, até o ponto mento será para o povo e especentrada na produção de açúcar de sentir-se angustiado quando cialmente para ti, que te digo – numa espécie de divisão interem algum canto do mundo um obrigado pelos teus ensinamennacional do trabalho “socialista”. homem é assassinado e até o tos e pelo teu exemplo, ao que Polemizou também em torno ponto de sentir-se entusiastentarei ser fiel até às últimas da predominância de incentimado quando em algum canto conseqüências dos meus atos; vos materiais para o aumento do mundo se levanta uma nova que estive sempre identificado da produtividade do trabalho e bandeira de liberdade”. com a política externa da nossa advogou a necessidade de uma revolução, e continuo a estar; emulação assentada fundamenOutras serras, que onde quer que me detenha talmente na ideologia socialista. outras trincheiras sentirei a responsabilidade de Como ministro Guevara visitava ser revolucionário cubano, e fábricas e canaviais e participava No entanto, Che não se adapcomo tal atuarei. Não lamento dos trabalhos manuais. Ele foi o tou bem na função de ministro por nada deixar de material para principal incentivador do trade Estado e acabou pedindo minha mulher e meus filhos. balho voluntário na produção, para ser substituído no cargo A Estou feliz que seja assim. Nada seguindo exemplo dos primeiros partir de 1964 tornou-se uma peço para eles, pois o Estado os anos da revolução soviética. espécie de relações exteriores proverá com o suficiente para Os membros dos ministérios e da revolução cubana, viajando viver e para ter instrução”. Esta das universidades, uma vez por para vários países da América carta é um veemente desmensemana, ajudavam no corte de Latina, África e Ásia. Em 1965, tido aos boatos que correram o cana ou exerciam outro tipo de misteriosamente, desapareceu mundo – usados pelos inimigos trabalho, manual e produtivo. da vida pública e renunciou a da revolução cubana – sobre um À frente deste esforço estava o todas as suas responsabilidades ministro e presidente do Banco junto ao governo e à direção do possível rompimento de relações entre os dois revolucionários de Cuba, Ernesto Che Guevara. Partido Comunista Cubano. Isso cubanos. Guevara valorizava muito o era necessário tendo em vista o Depois de participar de uma aspecto ideológico também na novo projeto revolucionário em frustada tentativa revolucionária construção do chamado “homem que ele iria se envolver. no Congo, ele partiu secretanovo”, ou seja, de um novo Em sua carta de despedida mente para a Bolívia. Este país humanismo socialista. Em O que a Fidel escreveu: “Outras serfoi escolhido por sua localização deve ser um jovem comunista, ras do mundo requerem meus central que, acreditava, perescreveu: “o que se coloca para modestos esforços. Eu posso mitiria estender o movimento todo jovem comunista é ser esfazer aquilo que lhe é vedado guerrilheiro por todo o consencialmente humano, ser tão devido à sua responsabilidade à
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tinente latino-americano. Em No dia 8 de outubro de 1967 o pequeno grupo foi cercado março de 1967 o pequeno grupo e massacrado. Che acabou sendo ferido em combate e guerrilheiro comandado por preso. No dia seguinte foi executado ilegalmente por Che foi descoberto pelos órgãos ordem do governo do general Barrientos, temente de de repressão. Num primeiro momento ele obteve algumas que um julgamento público pudesse se transformar num vitórias sobre o desorganizado palanque para as idéias revolucionárias de Che. exército boliviano, mas logo entraram em ação os “rangers”, Sobre o trágico desaparecina Bolívia, os mineiros, havia treinados pelos norte-americamento de Che e as esperanças sido esmagada pelo governo em nos no Panamá, com o apoio de que ele semeou, cantou o poeta junho de 1967. Essa era uma “técnicos” da CIA. e compositor cubano Pablo A experiência da guerrilha bo- prova de que as revoluções não Milanés: “Não porque caístes/ podem ser copiadas. liviana revelou os equívocos de Tua luz é menos alta./ Um cavalo Em seus últimos dias, Guemuitas das concepções políticode fogo/ Sustenta a tua escul- vara escreveu: “Dia de angústia militares defendidas pelo revotura guerrilheira/ Entre o vento que em certo momento pareceu lucionário cubano, entre elas a e as nuvens destas serras./ Não ser o nosso último dia (...) o afirmação de que já existiriam porque foi calado és silêncio/ exército está mostrando maior as condições objetivas para a E não porque te queimaram,/ eclosão de uma revolução socia- efetividade de ação, e a massa Porque te dissimularam sobre a camponesa não nos ajuda em lista em toda a América Latina, terra,/ Porque te esconderam/ Em nada e se converte em delacabendo apenas a ação enérgica cemitérios, bosques e pântanos/ de um pequeno grupo de revolu- tores”. Estes eram claros sinais cionários para que se constituís- de que uma tragédia estava pres- Vão impedir que te encontremos./ Che comandante, amigo ”. tes a ocorrer. A situação exigia sem as condições subjetivas. recuo, mas já era tarde demais. No início de outubro eram No dia 8 de outubro de 1967 apenas 17 os guerrilheiros que * AUGUSTO CÉSAR BUONICORE é historiador, o pequeno grupo foi cercado e permaneciam vivos ao lado de mestre em Ciência Política pela Unicamp, secretário-geral do Instituto Maurício massacrado. Che acabou sendo Che – um número maior do que Grabóis (IMG), membro do conselho o que se alojou na Sierra Maestra ferido em combate e preso. No editorial das revistas Princípios, Debate dia seguinte foi executado ileem 1956 –, mas as condições Sindical e Crítica Marxista e membro do galmente por ordem do governo Conselho Consultivo do CEMJ. eram-lhes completamente addo general Barrientos, temente versas. A guerrilha atuou numa de que um julgamento público zona hostil, em condições basBibliografia: pudesse se transformar num tante diferentes das existentes AQUINO, RUBIM et alli. História das Sociedades palanque para as idéias revona serras cubanas. Os camponeAmericanas. Rio de Janeiro: Ed. Eu e você, 1981. lucionárias de Che. O corpo do ses compunham uma massa BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. De Martí a Fidel. comandante guerrilheiro foi enainda atrasada e que não tinha Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1998. terrado clandestinamente e por a tradição revolucionária dos SADER, Eder (org.). Che Guevara. Coleção Grandes mais de 30 anos o local permacamponeses cubanos. A prinCientistas sociais. São Paulo: Ed. Àtica, 1988. neceu desconhecido. cipal força social de esquerda HARNECKER, Marta. Fidel, a estratégia política da vitória. São Paulo: Ed. Expressão Popular, 2000.
VEJA GUEVARA NO YOUTUBE: Fidel lê a carta de despedida de Che http://www.youtube.com/watch?v=kQoXQYBBjnc&mode=related&search= Fidel fala da morte de Che em 1967 http://www.youtube.com/watch?v=huvrR8FCJpU Discurso em Santa Clara em 1961 http://www.youtube.com/watch?v=OfMvvGw4lIs&mode=related&search= Belo discurso na ONU em 1964 http://www.youtube.com/watch?v=DO7yxx7Y81w&mode=related&search Vídeo-clipe sobre Guevara http://www.youtube.com/watch?v=O_QXOG1rDLs&mode=related&search
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CHE: A LEGENDA DA REVOLUÇÃO Bernardo Jofly*
H
á quarenta anos atrás o Exército boliviano, assessorado pela CIA, abateu a sangue frio, com vários disparos, um prisioneiro desarmado. Enterrou-o em segredo e inventou que a morte se dera em combate. Seu nome: Ernesto Guevara de la Serna. Morria o braço direito de Fidel na guerrilha da Sierra Maestra, o militante comunista, o peregrino da luta antiimperialista, o estudioso, teórico e pensador, o polemista de afiada e certeira ironia, o profeta visionário da revolução socialista na América e no mundo. O Exército boliviano fez um péssimo negócio. Matou um homem indefeso, ardendo de febre, sufocado pela asma, estafado por meses de caminhada numa terra inóspita, onde a Cordilheira dos Andes cede lugar à selva Amazônica. E deu vida ao herói, ao mito, ao símbolo, de uma força e permanência sem igual. Trinta anos depois, o fantasma de Che Guevara ainda ronda e atormenta os poderosos donos do sistema que ele viveu para destruir. Uma geração que nem pensava em nascer, em 08 de outubro de 1967, reaviva a legenda do Che, que é a legenda da revolução. Ernesto Guevara nasceu em 1928, numa família de classe média da Argentina. Asmático desde criança, travou seu primeiro combate visando dominar a doença, às custas de muito esporte e intermináveis caminhadas. Recém-formado em medicina, pôs a mochila nas
O Che não é um modismo, pois os donos da indústria da moda pagariam um bom dinheiro para vê-lo esquecido. costas e pegou a estrada com um amigo para descobrir o mundo, a começar por nossa América Latina. Formou aí suas convicções revolucionárias, em contato com os mineiros da Bolívia, os caboclos da Amazônia, os índios do altiplano, os bóias-frias das plantações de bananas da United Fruit na América Central. No México, por acaso, topou com Fidel Castro e seus companheiros, que se preparavam para iniciar a luta armada contra a ditadura de Batista. Decidiu acompanhá-los a bordo do Granma, no que parecia uma aventura mas era o início da primeira revolução socialista no nosso continente. Dois anos depois, Batista fugia para os Estados Unidos e os guerrilheiros entravam em Havana, aclamados pela multidão que enchia as ruas. O Che participou da construção da nova sociedade em Cuba, foi ministro da Indústria, divulgou o exemplo da revolução pelo mundo afora, inclusive no Brasil. Mas seu espírito irrequieto e sua consciência internacionalista logo o empurraram para novas trincheiras. Incorporou-se à luta pela libertação do Congo. Em seguida entrou clandestinamente na Bolívia, através do Brasil, decidido a acender ali o rastilho de uma revolução social latinoamericana. Entregou a vida nessa empreitada.
Pode-se distinguir esse ou aquele aspecto do pensamento ou da ação de Guevara, mas são miudezas ao lado da figura de gigante que ele forjou nesses combates. Ninguém encenou com tanta clareza e contundência os anseios de transformação profunda que agitaram a agitam este século e este continente. Foi o herói dos jovens do mundo inteiro nas jornadas rebeldes de 1968, e de todas as gerações e lutas que se seguiram, até nossos caras-pintadas de 1992 e os outros, que vieram depois. O Che não é um modismo, pois os donos da indústria da moda pagariam um bom dinheiro para vê-lo esquecido. Não é um desses heróis chapa-branca, com seu inconfundível cheirinho de artificialidade e mofo. É uma vida, e uma morte, de inteira dedicação a uma causa que vale a pena. E é também a recriação coletiva dessa vida e dessa morte nos corações e mentes da raça humana, com impacto todo especial nos jovens e nos latino-americanos. Se alguém neste planeta merece o título de herói, sem aspas nem reticências, é este nosso vizinho, nosso irmão, nosso companheiro, mais vivo do que nunca – Ernesto Che Guevara. * BERNARDO JOFFILY é jornalista, editor do Portal Vermelho. Texto adaptado de um outro publicado há 10 anos, quando do trigésimo aniversário da morte de Che. 29
Che Guevara: múltipla imagem da dupla face de Che e escritos sobre a construção do socialismo e a juventude Pedro Castro* Mary Garcia Castro**
De seu humanismo comunista emergiu o pedestal de sua imagem mística, atualmente até mercantilizada, que, não obstante, os seus mais ferrenhos inimigos tentam também destruir ou ao menos desconstruir. Que se cuidem estes se, mais dia menos dia, as grandes massas exploradas, sobretudo jovens, da humanidade atual, não se contentarem com o empolgamento apenas com essa sua face, mas passarem igualmente e se encantarem com a outra, a do ódio ao inimigo de classe. Múltipla imagem da dupla face de Che
É
deveras notável a amplitude atual das visões ou imagens sobre a personalidade, o papel, a trajetória, o significado da vida e sobretudo da dialética entre a vida e a morte de Che Guevara. Ao ensejo dos quarenta anos de sua morte, qualquer tentativa de resumi-la esbarra numa imensidão de antecedentes, inclusive de textos e outras referências impressas, televisivas e radiofônicas sobre o que aqui estamos considerando a sua dupla face, tanto da ótica de seus inimigos quanto de seus amigos.
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A título de ilustração dessas imagens, comecemos com dois exemplos sintomáticos de versões de ontem e de hoje dos seus inimigos. Segundo o livro organizado por Maurício Dias e Mario J. Cereghino, em 1967, relatório secreto da Central Inteligency Agency (CIA), dos EUA, sobre a guerrilha da Bolívia, dizia: Che teria afirmado que a guer- rilha deve ser o núcleo do ím- peto revolucionário... Guevara também teria confessado que o apoio político exterior é ne- cessário para a vitória da re- volução na América Latina, embora, de início, a luta tenha
Outra pérola das interpretações dos inimigos de Che Guevara sobre sua vida e sua morte, esta bastante atual, ainda que escandalosamente caricata, é a da satânica revista Veja, da Editora Abril, de propriedade da família Civita, para quem “Che teria seu lugar assegurado na mesma lata de lixo onde a história já arre- messou há tempos outros teóricos e práticos do comunismo, como Lênin, Stalin, Trotsky, Mao e Fidel Castro” . Para esse sinistro periódico da imprensa escrita brasileira, com base no depoimento de quatro refugiados traidores da revolução cubana hoje encastelados na cidade de Miami, nos EUA, a vida de Che Guevara teria sido de parecer um assunto estrita- lívia que a rede possui um vídeo “uma seqüência de fracassos”. Em sua lunática apelação conmente interno. Com o progres- que seria a prova do envolvimen- so da revolução ‘seu caráter to da CIA na captura e execução tra o que consideram um mito internacionalista e proletário de Che Guevara... Assim como no farsante da imagem do Che arse tornará um fato’ . Em outras passado recente, é nossa intenção güem, entre outras insânias, que palavras, a assistência exterior nos entrincheirar em um no com- este “não gostava de tomar ba- às revoluções não pode ser es- ment a respeito” . E, mais oito dias nho e tinha cheiro de rim fervi- condida por muito tempo... O após a sua morte, o mesmo em- do” ( in revista VEJA. Ed. Abril, 03 ‘espectro’ de Che, que foi eleito baixador transmite ao Departa- /10/2007). Nas versões dos seus assumipresidente honorário in absen- mento de Estado estadunidense a tia da conferência da Orga- matéria então publicada pelo di- dos amigos, quando não declanização Latino-americana de ário El Siglo, do Chile, e assinada radamente companheiros ou caSolidariedade (OLAS) em Hava- pelo jornalista Eduardo Labarca, maradas, citaríamos inicialmente na, simboliza de modo claro a cujo texto dinamitava a versão o sociólogo franco-brasileiro Miabordagem militante que Fidel até então argüida pelo governo chael Löwy (in LÖWY, Michael. Os cadernos inéditos de Che GuevaCastro deseja conferir a esta boliviano. Dizia o embaixador: ra. Le Monde Diplomatique Brasil , Assembléia (in DIAS, Maurício Ele escreve que uma importan- out/2007, p. 26/27), diretor de & CEREGHINO, Mario J. Rela- tório da CIA – Che Guevara. te fonte oficial de La Paz lhe pesquisa do Centre National de revelou que a CIA participou la Recherche Scientifique (CNRS), Ediouro, 2007. p. 79). da execução de Che Guevara. professor da Universidade de O cubano Feliz Rodriguez foi Paris, notoriamente de tendênE, oito dias após o assassinato indicado como o agente da CIA cia trotskista e autor de muitas de Che Guevara, na Bolívia, o enpresente no local... Labarca obras, inclusive de um livro sotão embaixador dos EUA naquele afirmava que a história da cre- bre o Che, sobretudo com base país, pedindo sigilo sobre o nome mação do cadáver de Che era em carta de Che Guevara a seu do seu informante, reportava a falsa e que na verdade o corpo amigo Armando Hart, de 1965, Washington, em 16 de outubro, estava sepultado nas cercanias em idéias de autores da revisa partir das inconfidências do do necrotério de Vallegrande ta Pensamento Critico, dos anos repórter da United Press, Carlos Villaborda: “O jornalista soube (in DIAS e CEREGHINO. Op. cit. 60/70 (entre os quais Fernando Martinez Heredia, autor do livro pelo responsável da CBS na Bo- p. 99).
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Che, el Socialismo y el Comunis- mo, premiado pela Casa de Las Américas, em 1989) e em obras posteriores de Che, sobre guerra de guerrilhas, economia e política. Löwy destaca o que considera uma “independência de espírito de Guevara”, seu “distanciamen- to crítico em relação ao ‘socialis- mo real’” e sua “busca de uma via radical” , além do que considera “os limites de sua reflexão ”. De um lado, Löwy opina que tal independência de espírito de Che expressara-se em suas posições críticas à Nova Política Econômica da então URSS – que Lênin teria deixado de corrigir “por ter cometido o erro de morrer” . Os equívocos da NEP teriam sido devidos a uma “cumplicidade tática que os países socialistas de então teriam tido com os países explora- dores do Ocidente”, em detrimento da efetivação do internacionalismo proletário e da percepção da supremacia e da relevância do planejamento central (no interior do qual se destaca o papel do ‘homem novo’) sobre as leis do valor e do mercado. A “independência de espírito ” a que se refere Löwy também restaria patente na sugerida crítica explícita de Guevara à linha que considerava possível “a construção do comunismo em um só país” , caracterizando a posição geral de Che como “um caminho para uma alternativa comunis- ta/democrática ao então modelo soviético” . Por outro lado, Löwy considera como limite do pensamento de Guevara, ao menos na primeira fase de suas reflexões mais conhecidas, o não ter compreendido a questão do sta- linismo, embora tivesse se dado conta do que Löwy considera “o papel nefasto de Stalin” . 32
A complexidade do humanismo revolucionário do Che alerta para a marca peculiar e o sentido de seus textos endereçados aos jovens. Uma segunda interpretação do papel e do pensamento de Che Guevara está contida no livro supracitado de Heredia (HEREDIA, Fernando Martinez. Che, el socia- lismo y el Comunismo . La Habana: Ediciones Casa de las Américas, 1989. ps. 175/176 e 178), que, em alguns pontos centrais, coincide com as idéias já anunciadas de Michael Löwy. Contudo, há dois outros pontos-chave destacados por Heredia que nos parecem relevantes no que significa hoje em dia o papel representado por Che na luta pelo socialismo e pelo comunismo. O primeiro diz respeito às “relações entre o pensamen- to e a conduta”, considerado por este autor como um dos aspectos fundamentais na concepção de Guevara. No plano individual, chamou a atenção de Heredia como as pessoas que foram as companheiras mais próximas do Che, mas também quadros e militantes das fileiras partidárias, o avaliavam dizendo sempre que
Che Guevara participa de trabalhos voluntários em Cuba.
viveu e anunciou com sua própria vida a possibilidade de uma experiência humana mais integral, de uma liberta- ção das pessoas que só o nosso tempo pode pretender reali- zar em escala de milhões
Para Che, o destino individual de grande parte dos membros da vanguarda da fase inicial da transição socialista era o de consumir-se na atividade que lhes tocava, do que sua própria vida foi um dos exemplos lapidares. No plano dos acontecimentos, como exemplo de que Che via na conduta conseqüente convertida em força organizada a criação de realidades que o pensamento prefigura e é capaz de projetar dentro O Che forjou-se a si próprio . do que é objetivamente possível, Autocontrole, autodisciplina, Heredia cita como ponto central auto -educação, enfim, esta- na posição teórica e na prática reriam envolvidos nas multidões volucionária de Che Guevara de anedotas e avaliações do Che, em termos de sua severi- a concepção unitária da luta dade autocrítica, sua austeri- pelo socialismo antes e depois dade merecidamente famosa, da tomada do poder políti- sua integridade absoluta. Nes- co, mediante uma estratégia se sentido, haveria uma con- internacionalista de alcance seqüência rigorosa entre essa mundial. Em sua conduta in- forma permanente de si pró- dividual, conseqüente com a prio e de suas idéias sobre a estratégia revolucionária que formação do homem... O Che acreditava para a América La-
tina, como dirigente comunista Che Guevara deixou seu lugar na construção socialista da na- ção cubana para entregar-se ao fomento da luta armada revolucionária na América do Sul, acudindo ao que acredita- va ser ‘o chamado da hora’
sua resposta ao horizonte que parecia sem aberturas racio- nais foi em termos de volunta- rismo extremo; concretizou na sua última ação a necessidade de absoluto que havia percor- rido todo o seu pensamento (ti- nha dito na Argélia em 1964: ‘hoje buscamos desespera- damente o melhor caminho. Enganamo-nos. Tornamos a nos enganar... Vamos pondo o nosso pequeno grão de areia a serviço da grande aspiração da humanidade: o advento de- finitivo do comunismo, a socie- dade sem classe, a sociedade perfeita’)
A quarta versão aqui invocada é a de Augusto Buonicore (in Portal Vermelho, 09/10/2007), no qual analisa a participação e o pensamento de Che Guevara, tendo em vista o período anterior e posterior à tomada do poder político em Cuba, o período de transição socialista naquele país e as questões colocadas nesse processo do desenvolvimento, em particular a da relação entre a lei do valor e o planejamento central e a do homem novo . Nesse texto Buonicore, apesar de algumas ressalvas, afirma que Guevara, em várias passagens de sua obra, provou não absolutizar a luta armada, particularmente a guerrilha rural, e levantou a necessidade de utilização de outros métodos de luta.
Che entendia que não importava o perigo que corresse, inclusive o do sacrifício, um homem ou um povo, “quando estava em jogo o destino da humanidade” . E sobre isso escreveu a seus pais, então: “Nada mudou em essência, salvo que sou muito mais cons- ciente, meu marxismo está enrai- zado e depurado. Creio na luta armada como única solução para E nesse texto Quartim de Moos povos que lutam por libertar- rais também dirá que se e sou conseqüente com minhas crenças”. Nenhuma vitória é garantida Os revolucionários, afirmou Uma terceira versão é a de de antemão, mas é conquista- Che, não podem prever de João Quartim de Moraes, em texda na luta, com os meios que antemão todas as variantes to publicado no Portal Vermelho . lhe são inerentes. O problema táticas a serem utilizadas no Nela esse autor comenta textos decisivo é sempre o de saber processo de luta por um pro- de Michael Löwy, de 1997, e de se um determinado método de grama libertador. A qualidade François Maspero, de 1995, sobre luta, em uma dada situação, de um revolucionário se mede o pensamento de Che Guevara, leva à organização ou à de- por sua capacidade de encon- abordando questões em torno da sorganização das forças revo- trar táticas adequadas a cada originalidade da revolução cubalucionárias, leva ao seu forta- mudança de situação, em ter na, da ambigüidade das conceplecimento ou ao seu enfraque- sempre em mente as diversas ções estratégicas sobre a revolucimento. Por isso, a consigna táticas possíveis e explorá-las ção socialista na América Latina dos dirigentes cubanos de que ao máximo. Seria um erro im- e do considerado último combate o dever do revolucionário é fa- perdoável descartar, por exem- de que Che participou diretamenzer a revolução só contribui plo, a participação nos proces- te, o da Bolívia. João Quartim respara a causa da emancipação sos eleitorais. Em determinado gata texto de Renato Sandri (exdos povos e dos trabalhadores momento eles podem significar PC italiano) no qual se encontra o se levar em conta que o dever um avanço no programa re- seguinte registro sobre idéias de de uma direção revolucioná- volucionário (in BUONICORE, Che Guevara: ria é o de medir, com o máxi- Augusto. O pensamento vivo mo senso de responsabilidade, de Che Guevara. Portal VermeNos escritos dos últimos meses, quais são as possibilidades efe- não menos que no seu agir, lho, 9/10/2007) tivas de vitória, de modo a fa- emerge o sentimento trágico zer todo o possível para que os da vida, o desafio à morte... Em seu artigo, Buonicore tammortos não caiam em vão ( in Em uma palavra, a natureza QUARTIM DE MORAES. Uma bém informa que Che, antes de hispânica que o havia nutrido. entranhada presença. Portal partir para a sua luta guerrilheira na Bolívia, escreveu aos pais: Mas, para além da literatura, a Vermelho, 8.10.2007) 33
“Outra vez sob meus calcanhares o lombo do Rocinante, retomo o caminho com meu escudo no bra- ço (...) Muitos dirão que sou aven- tureiro, eu sou de fato, só que de um tipo diferente, daqueles que entregam a pele para demons- trar suas verdades”. Finalmente, Buonicore manifesta sua opinião divergente da considerada posição dos dirigentes da revolução cubana, entre os quais o Che, de que à época da guerrilha dirigida por este na Bolívia “existiam condições objetivas para a eclosão de uma revolução socialista em toda a América Lati- na” , divergência que perdura na avaliação daquele processo até os dias atuais, como se verá em seguida. Entre outras inúmeras que existem, a última interpretação a que recorremos sobre a ação, o pensamento de Che Guevara e suas implicações no processo revolucionário mundial e particularmente latino-americano é o de algumas idéias do comandante Fidel Castro em torno de pontos aqui já aventados, expostas no capítulo 14 do texto denominado “Cien Horas con Fidel” (entrevista concedida ao jornalista Ignácio Ramonet. Le Monde Diplomatique Brasil . Ano 1, nº 3, Caderno 25, agosto de 2006, ps. 13/14/15). Com efeito, sobre a divergência em relação à existência ou não de condições objetivas para a efetivação de revoluções socialistas na década de 1960, afirma na citada entrevista Fidel Castro: Às vezes existem condições ob- jetivas para as mudanças re- volucionárias e não se dão as condições subjetivas. Foram os fatores de caráter subjetivo os que impediram que realmente naquela época não se estendes- se a revolução. O método da 34
. e t t i r g a M é n e R e d a r u t n i p , a l e n a j A
luta armada estava provado. Já lhe digo, Nicarágua triunfa doze anos depois da morte do Che na Bolívia. Quer dizer que as condições objetivas em mui- tos países do resto da América Latina eram superiores às de Cuba. Aqui existiam muito me- nos condições objetivas, porém eram suficientes para haver uma, duas ou três revoluções. No resto da América Latina as condições objetivas eram mui- to maiores
E mais adiante: Che, quando regressa da excur- são prolongada, encontra-se com problemas, produz-se uma bronca entre o dirigente do Par- tido Comunista Boliviano, Mario Monje, que tinha gente ali e um dos dirigentes da outra linha anti Monge, chamado Moises Guevara. Monge pede a direção e o Che era muito reto, rígido... Eu penso que o Che deveria fa- zer maior esforço de unidade, é uma opinião que lhe dou. Seu caráter o levava a ser muito franco e entabolara uma áspe- ra discussão com Monje, muitos de cujos quadros haviam aju- dado à organização, porque
Inti e os demais eram desse gru- po. O que Monje reclamava era impossível, ser chefe daquela força, uma ambição indignante e inoportuna. Já havia alguns problemas e algo que não se tem mencionado ou apenas se menciona e que fez muito dano ao movimento revolucionário na América Latina: a divisão pró-soviéticos e pró- chineses. Isso dividiu toda a esquerda e todas as forças revolucionárias no momento histórico em que existiam as condições objetivas e era perfeitamente possível o tipo de luta que o Che foi pro- mover ali
Sobre Che, sua personalidade, suas atitudes, suas posturas etc, nesse mesmo texto, à pergunta do jornalista sobre se o Che teria pecado por sua rigidez, responde Fidel Castro: O Che era a super honradez, era super honrado e o termo diplomacia, melhor dizendo, a astúcia, possivelmente o re- pugnava. Mas, diga-me bem, em nossa própria revolução, quantas vezes descobrimos ambições nos nossos homens? Quem podia substituir? Quem tinha prestígio e talento para ocupar uma determinada res- ponsabilidade? Tolices. Mais de uma vez tivemos que entregar comandos e fazer concessões. Faz falta certo tato em determi- nadas condições em que se você vai direto não encontra solu- ção. Naquele momento, a rup- tura entre Monje e Che causava dano... Você não imagina aqui, algumas coisas que toleramos, erros grandes, cometidos às ve- zes por um ou por outro. Fize- mos sempre por cima de tudo uma crítica ao fato, mas com o espírito de unidade
Ainda nessa entrevista Fidel Castro indica outros problemas e até erros que a seu juízo teriam concorrido para a liquidação prematura daquela experiência guerrilheira na Bolívia e adiante acrescenta sobre a personalidade do Che: Eu penso que o máximo são os valores morais, a consciên- cia. O Che simboliza os mais altos valores humanos e um exemplo extraordinário. Criou uma grande auréola, uma grande mística. Eu o admira- va e o apreciava muito. Sem- pre produziu muito afeto essa admiração... São muitas as re- cordações que nos deixou, ina- pagáveis e por isso digo que é um dos homens mais nobres, mais extraordinários e mais desinteressados que conheci, o que não teria importância se não acreditasse que homens como ele existem aos milhões e milhões na massa. Os homens que se destacam de maneira singular não poderiam fazer nada se muitos milhões, iguais a ele, não tivessem o embrião ou não tivessem a capacidade de adquirir tais qualidades. Por isso nossa Revolução in- teressou-se por lutar contra o analfabetismo e por desenvol- ver a educação, para que to- dos sejam como o Che
Feitas tais considerações, e com base nessa garimpagem, resta-nos concluir com nossos próprios comentários. Se for possível sintetizar tantos ângulos, dimensões e conexões que envolvem o pensamento e a ação de Che Guevara, na vida humana em geral e em suas repercussões mais próximas de nós, sobretudo na América Latina, fixamo-nos na excelsa contradição entre duas
máximas que caracterizam a dialética entre sua vida e sua morte, a saber: a contida na frase “há que endurecer-se, mas sem perder a ternura jamais” , cuja autoria um dos seus inimigos aqui resgatados – os proprietários da revista VEJA – tenta inescrupulosamente arrancar-lhe. Nela estão expressos os dois sentidos nítidos de sua vida e de sua morte. De um lado, como registrou Heredia em seu livro já citado, “o gran- de sentimento de amor, pelo qual estaria guiado o revolucionário verdadeiro e a nova síntese com que estaria envolvida a transição ao comunismo, que permitiria ao pensamento cumpir seu papel integrador e gerador de vínculos solidários entre os grupos e os indivíduos” ; de outro, o ódio de classe, do explorado contra o explorador, que o próprio Che assinala, em um de seus livros (in GUEVARA, Che. Textos Políticos. São Paulo: Centro Editorial Latino Americano, 1980, ps.123/124), ao afirmar: “o ódio como fator de luta, o ódio intransigente ao ini- migo, que impulsiona além das limitações naturais do ser huma- no e o converte numa efetiva, vio-
lenta, seletiva e fria máquina de matar. Os nossos soldados têm de ser assim, um povo sem ódio não pode triunfar sobre um inimigo brutal” . É nesse nexo contraditório que se cristaliza o seu humanismo aparentemente apenas cristão, mas sem dúvida essencialmente comunista. É como se nele se manifestassem, simultaneamente, Cristo e Barrabás. De seu humanismo comunista emergiu o pedestal de sua imagem mística, atualmente até mercantilizada, que, não obstante, os seus mais ferrenhos inimigos tentam também destruir ou ao menos desconstruir. Que se cuidem estes se, mais dia menos dia, as grandes massas exploradas, sobretudo jovens, da humanidade atual, não se contentarem com o empolgamento apenas com essa sua face, mas passarem igualmente e se encantarem com a outra, a do ódio ao inimigo de classe, o explorador, que também levou o Che tanto à perseverança nas formas mais extremas de luta quanto ao necessário real sacrifício que ele concebeu, professou e praticou.
Che Guevara e Fidel Castro, comandantes da revolução cubana.
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ESCRITOS SOBRE SOCIALISMO E JUVENTUDE
A reflexão anterior sobre a complexidade do humanismo revolucionário do Che alerta para a marca peculiar e o sentido de seus textos endereçados aos jovens, aos camaradas em tempos de batalhas em diferentes partes, como no Congo e na Bolívia e de construção do socialismo em Cuba. Esses textos trazem a preocupação de aliar exemplo a princípios e orientações, chamando atenção para a importância de vivenciar a realidade do povo e compreender suas formas de vida, considerando que a comunicação se faz pelo relacionamento direto; destacam a importância do estudo mesmo em períodos de luta, incluindo em seus planos de leitura filosofia e estratégia militar, entre outros gêneros; enfatizam que o trabalho, em situação de construção do socialismo, necessita de outros vetores de referência que não o lucro ou a gratificação mais imediata; frisam a importância da disciplina, mas cuidando-se contra seguidismos e sectarismos castradores da criatividade crítica, e ressaltam a importância de alimentar o otimismo sobre o vira-ser do socialismo. Considerando, entretanto, que o triunfo do projeto socialista exigiria dedicação, a formação de vanguardas que não necessariamente seriam sobre-humanas, mas movidas por tal projeto, a gratificação do ser parte de uma história. Também em número especial da revista Caros Amigos (ano XI, número 35, out/2007) são destacadas as múltiplas faces do Che, ou melhor, o revolucionário em sua integralidade. Essa edição especial traz como chamada “Che, combatente e intelec-
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Teria desenvolvido o hábito de leitura desde criança e já na adolescência escrevia diários com anotações das leituras: “Tudo que lia anotava num caderno que chamava de Índices de livros. Aos 17 anos começou a escrever seu Dicionário de Filosofia, coletânea de conceitos, biografias e correntes filosóficas” tual ”, e apresenta planos de leitura rascunhados pelo Che, que incluem a revisão de clássicos do socialismo, filósofos contemporâneos e história do capitalismo e dos países em desenvolvimento, em particular daqueles em que suas ações mais mediatas se focalizavam. Teria desenvolvido o hábito de leitura desde criança e já na adolescência escrevia diários com anotações das leituras: “Tudo que lia anotava num ca- derno que chamava de Índices de livros. Aos 17 anos começou a es- crever seu Dicionário de Filosofia, coletânea de conceitos, biografias e correntes filosóficas ” (in Caros Amigos , out/2007. p. 7). Mas o caminho do conhecimento conjugou a preocupação com leituras constantes e viagens com singular olhar. Em seu diário, quando da primeira viagem pela Argentina, com 22 anos, comenta o então Ernesto Guevara:
...que vejo: pelo menos não me nutro com as mesmas formas que os turistas. (...) Não, não se conhece assim um povo, uma forma e uma interpretação da vida, aquilo é luxuosa cobertu- ra, porém sua alma está refle- tida nos enfermos dos hospi- tais, nos asilados no albergue, ou no pedestre com quem se conversa intimamente... (In Caros Amigos , out/2007. p. 7) Às vésperas de partir no Granma, em outubro de 1956, para a
Che em pescaria a bordo do Granma.
luta em Cuba, escreve uma carta para sua mãe em que é ressaltada a determinação por conhecer e transformar, aprofundando-se em escritos marxistas mas curvando-se à necessidade do chamado do presente pelo futuro: Eu estou a caminho de mudar a ordem dos meus estudos: an- tes me dedicava mal ou bem à medicina e o tempo livre era dedicado ao estudo informal de São Carlos (Marx). A nova etapa de minha vida traz tam- bém a mudança de ordem: agora São Carlos é primordial, é o eixo pelos anos em que o esferóide me admitir em sua camada mais externa... decidi cumprir primeiro as funções principais, arremeter contra a ordem das coisas, com o es- cudo no braço, todo fantasia e, depois, se os moinhos não me quebrarem a cabeça, es- crever... Pra evitar patetismos pré-mortem essa carta sairá
quando as batatas estiverem assando de verdade (In Caros Amigos , out/2007. p. 11)
A preocupação do Che com o lugar da formação intelectual crítica do revolucionário ilustra-se em vários escritos e discursos, principalmente quando se dirige aos jovens, mas o que vale enfatizar é como tal preocupação o acompanha, independentemente da frente em que estivesse. Também chama atenção seu acento em uma educação que fugisse dos parâmetros “doutrinários”, ou seja, em que não se desse ao povo apenas “divulgação marxis- ta” mas se colaborasse para uma “cultura marxista” , o que deveria passar pelo debate de clássicos da filosofia, do marxismo, dos filósofos modernos, das polêmicas e autores capitalistas. Já em fase de guerrilha pós-revolução cubana, quando se preparava para o combate na África (04/12/1965), escreve para Armando Hart, então Ministro da Educação de Cuba: ...quero te expor algumas idéiazinhas sobre a cultura de nossa vanguarda e de nosso povo em geral. Neste longo pe- ríodo de férias enfiei o nariz na filosofia, coisa que há tem- po pensava fazer. Deparei-me com a primeira dificuldade em Cuba: não há nada publi- cado, se excluímos os tijolos soviéticos que têm o inconve-
niente de não te deixar pensar; o partido já o fez por ti e tu de- ves digerir. Como método, é o mais antimarxista, mas, além disso, costumam ser muito ruins. A segunda, e não menos importante, foi meu desconhe- cimento da língua filosófica (lutei duramente contra o mes- tre Hegel e no primeiro assal- to sofri duas quedas). Por isso fiz um plano de estudos para mim que, acredito, pode ser estudado e muito melhorado para constituir a base de uma verdadeira escola de pensa- mento; já fizemos muito, mas um dia teremos também de pensar. Meu plano é de leitu- ras, naturalmente, mas pode ser adaptado para publicações sérias da Editora Política. Se deres uma olhada nas publi- cações dela poderás ver a pro- fusão de autores soviéticos e franceses que ela tem... Assim não se dá cultura marxista ao povo, no máximo divulgação marxista, o que é necessário, se a divulgação é boa (não é este o caso), mas insuficiente. Meu plano é este: 1. Clássicos filosóficos; 2. Grandes dialéti- cos e materialistas; 3.Filósofos modernos; 4. Clássicos da eco- nomia e precursores; 5. Marx e o pensamento marxista; 6. Construção socialista; 7. He- terodoxos e capitalistas e 8. Polemicas (In Caros Amigos , out/2007. p. 16)
Já a editora Anita Garibaldi apresenta textos de Guevara anteriores (quando em Cuba), escritos entre 1959 e 1962, reunidos por Sandra Alves (GUEVARA, Che. Socialismo e juventude. Textos e fotos . 2º reimpressão. São Paulo: Anita Garibaldi, 2005). Os textos refletem sobre o socialismo e a importância de uma juventude e de uma universidade modeladas por valores apropriados à consolidação do socialismo, tendo como referência a ilha caribenha. No prefácio aos textos de Guevara, José Carlos Ruy enfatiza discurso pronunciado pelo Che quando do segundo aniversário da União de Jovens Comunistas (UJC) de Cuba, ressaltando tanto seu elogio ao entusiasmo da juventude quanto sua crítica ao sectarismo, ao “vício do reunismo”, que atrapalharia o envolvimento em tarefas concretas. Aquele autor também ressalta a argumentação de Guevara contra uma comum desqualificação, aliás bem contemporânea, que se faz nos países capitalistas contra os militantes socialistas, qual seja a de que estes sacrificariam a individualidade em prol do Estado – no caso da Cuba dos anos 1960, em prol da construção do Estado socialista. Como indica José Carlos Ruy, Guevara considerava que na luta guerrilheira fez especial diferença a subjetividade, a formação de um sujeito feito na relação entre um projeto por mudanças so-
A preocupação do Che com o lugar da formação intelectual crítica do revolucionário ilustra-se em vários escritos e discursos, principalmente quando se dirige aos jovens, mas o que vale enfatizar é como tal preocupação o acompanha. Che discursa durante ato no teatro da Central dos Trabalhadores de Cuba, Havana, 1962.
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é uma anomalia, realmente. referência, mas uma referência E para a UJC tem faltado um que se filtra por um outro projeto pouco de espírito criador. Tem de si e do outro, “o homem [sic, a sido, por meio de sua lideran- pessoa humana] novo” – mudança, demasiadamente dócil, ça esta que, claro, se ampara em respeitosa e pouco decidida a perdas existenciais de benesses resolver seus próprios proble- do sistema. mas... A unidade dialética entre revolucionário e povo, a que se refere Nossa juventude, incluindo nós, Guevara, pediria exemplos, uma está convalescendo de uma outra prática, crítica, evitando a enfermidade que, felizmente, noção de vanguarda como algo não foi muito grave, mas que distanciado do povo, ordenado influenciou muito para o atra- por burocratismos, seguidismos so do aprofundamento ideoló- e sectarismos, males que abortagico de nossa revolução. Esta- riam a criatividade e a construmos todos convalescendo desse ção de uma outra ordem, e que mal chamado sectarismo. segundo Guevara rondariam organizações relacionadas ao ParA que conduz o sectarismo? tido em Cuba, nos anos 60. Em Conduz à cópia mecânica, às vários textos dirigidos aos jovens analises formais, à separação comunistas, Che qualificava sua entre os dirigentes e as mas- ciais e a sensibilidade e a vivência ênfase no estudo, no trabalho e sas... se não ouvimos a voz do junto ao povo oprimido: “O que na disciplina, ou seja em um cerpovo... as palpitações do povo fica difícil entender para quem to tipo de estudo, de trabalho e não vive a experiência da revolu- de disciplina embasados em um para transformá-las em idéias ção é essa estreita unidade dialé- certo tipo de projeto, sublinhanconcretas, em diretivas preci- tica existente entre o indivíduo e do a importância da individuação sas, mal poderíamos passar a massa, onde ambos se inter-re- criativa orientada pelo projeto essas diretivas à União dos Jo- lacionam” (GUEVARA apud RUY, socialista. vens Comunistas José Carlos in GUEVARA, Che. Em discurso comemorativo Socialismo e juventude. Textos e do segundo aniversario da UJC, A importância da integração fotos . 2º reimpressão. São Paulo: em 20 de outubro de 1962, decla- entre dirigentes, revolucionários Anita Garibaldi, 2005. p. 9). ra Guevara (GUEVARA, Che. Socia- e o povo Guevara aprendeu não Em linguagem atual dos es- lismo e juventude. Textos e fotos . somente em textos de clássicos tudos culturais poder-se-ia fri- 2º reimpressão. São Paulo: Anita sar a antinomia entre ser ativis- Garibaldi, 2005. p.s 21-22): Em vários textos dirigidos ta socialista e o individualismo É evidente que a UJC, como or- pequeno-burguês, a gratificação aos jovens comunistas, ganismo menor, como irmão ancorada no prazer imediato, no Che qualificava sua ênfase menor das Organizações Re- auto e alter consumo. Mas tamno estudo, no trabalho e volucionarias Integradas, tem bém, sugere a reflexão Guevariana disciplina, ou seja em de beber dali as experiências na, a importância de que em tal um certo tipo de estudo, dos companheiros que traba- ativismo se conceba o lugar da lharam mais em todas as ta- individuação, caracterizada pela de trabalho e de disciplina refas revolucionárias, e deve formação da identidade passanembasados em um certo escutar sempre com respeito a do pela alteridade, pelo contato tipo de projeto, sublinhanvoz dessa experiência. com o outro (no caso, identificado a importância da indido como possível companheiro viduação criativa orientaMas a juventude precisa criar. de projeto de classe). Um outro, Uma juventude que não cria o povo, que passa a ser parte da da pelo projeto socialista.
Em linguagem atual dos estudos culturais poderse-ia frisar a antinomia entre ser ativista socialista e o individualismo pequeno-burguês, a gratificação ancorada no prazer imediato, no auto e alter consumo. Mas também, sugere a reflexão Guevariana, a importância de que em tal ativismo se conceba o lugar da individuação, caracterizada pela formação da identidade passando pela alteridade, pelo contato com o outro.
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do marxismo, mas na sua vivência quando das lutas na Revolução Cubana, refletindo que os exemplos, a postura dos guerrilheiros teriam contribuído para aproximar os camponeses, expostos à violência do exército de Batista. Ele conta sobre a marcha em solo cubano após o desembarque do Granma: Os camponeses nos viam pas- sar sem nenhuma cordialida- de. Mas Fidel não se incomo- dava. Cumprimentava-os sor- rindo... Quando nos negavam comida, seguíamos a marcha sem protestar. Pouco a pouco o campesinato foi notando que os barbudos que andávamos ‘levantados’ constituíamos precisamente o contrário dos guardas que nos procuravam. Enquanto o exército de Batis- ta se apropriava de tudo que lhe conviesse dos bohios [casas simples dos camponeses cuba- nos] – até as mulheres, é claro – a turma de Fidel Castro res- peitava as propriedades dos guajiros e pagava generosa- mente tudo que consumia
Juventude, população no presente; juventude, população no futuro – debate que hoje se apresenta no plano de concepções sobre juventudes e suas necessidades, em países como o Brasil em início de século XXI. nos falta de cultura geral e da própria arte da guerra... Nossa função primordial é educar ho- mens para o combate, e se não houver uma real aproximação não poderá ocorrer essa edu- cação que não deve ser só a maneira de matar um indiví- duo, mas também e sobretudo a atitude diante dos sofrimen- tos de uma longa luta; isso só se consegue quando o profes- sor pode ser tomado também como modelo a seguir pelos alunos (assina Tatu, pseudônimo de Che em língua suaíli, em 12 de agosto de 1965, durante a guerrilha no Congo. In Caros Amigos , out/2007. p. 21)
O terrorismo implantado pelo exército de Batista foi sem dú- vida nosso aliado mais eficaz Tais princípios fazem parte nos primeiros tempos (in Caros do léxico revolucionário do Che, Amigos , out/2007. p. 6) considerando que da juventuEm “Mensagem aos combaten- de comunista se construiriam o tes” , escrita em linha de combate novo homem e a nova mulher, o no Congo, Guevara também res- que ele entendia por vanguarda, salta a importância da educação e identificando formatações difedo exemplo, assim como do com- renciadas de acordo com o mopanheirismo, em um processo re- mento histórico e as necessidades da Revolução. volucionário: A União dos Jovens ComuÉ preciso aprender as coisas nistas seria a única organização do Congo para nos ligar mais cubana pós-revolucionária que aos companheiros congoleses, traria o adjetivo de “comunismas é preciso aprender o que ta”, apontando para um vir-a-ser
– o que bem sugere a importância com que se concebia a juventude no hoje para a construção do amanhã. De fato, segundo Guevara, foi Fidel quem sugeriu o nome: “A União dos Jovens Comu- nistas está diretamente orientada para o futuro... Para isso , a UJC alça seus símbolos que são os sím- bolos do povo de Cuba: o estudo, o trabalho e o fuzil” . Juventude, população no presente; juventude, população no futuro – debate que hoje se apresenta no plano de concepções sobre juventudes e suas necessidades, em países como o Brasil em início de século XXI. Já nos escritos do Che tal aparente dicotomia segue outros parâmetros, em tempos de construção do socialismo cubano, na década de 60, já que o vetor de referência é um processo em que indivíduo e causa se confundem e o futuro se gesta no presente. A UJC teria nascido, então, com outro nome (Associação de Jovens Rebeldes e Milícias Nacionais Revolucionárias), segundo o Che quando da formação do Exército Rebelde, “nas tarefas massi- vas da defesa nacional, que era o problema mais urgente e que precisava de uma solução mais rápida” (GUEVARA, Che. Socialis-
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Guevara refuta a crítica segundo a qual um tal ideário estaria pautado por romanticismo idealista, fazendo do jovem comunista assim pensado um “arquétipo humano”. De fato sua própria trajetória ilustra o que projetava para os jovens comunistas. Guevara foi um jovem comunista. mo e juventude. Textos e fotos . 2º reimpressão. São Paulo: Anita Garibaldi, 2005. p. 15). Guevara, no mesmo discurso, destaca a importância da UJC para a “elevação política da juventude cubana”. O trabalho, além do estudo, da defesa e da formação política, é referência comum nos textos de Guevara dirigidos à juventude comunista. O norte de construção do socialismo também modela as referências ao trabalho e ele frisa a importância dos jovens comunistas considerarem o trabalho em tal perspectiva: “Não pode haver defesa do país somente no exercício das armas, dispostas à defesa; também devemos defen- der o pais construindo-o com o nosso trabalho e preparando os novos quadros técnicos” (GUEVARA, Che. Socialismo e juventude. Textos e fotos . 2º reimpressão. São Paulo: Anita Garibaldi, 2005. p. 15). Contudo, ele reconhece a complexidade de, mesmo em uma sociedade consolidando sua Revolução, como na Cuba nos anos 60, “fazer do trabalho algo cria- dor, algo novo” . Declara no mesmo discurso que esse seria um dos pontos mais débeis da UJC de então: mobilizar as pessoas para o envolvimento com o trabalho, mesmo que este tenha características diferentes do trabalho no capitalismo, sendo necessário para a nova sociedade. Insiste no investimento em incentivos morais, na perfilhação de valores básicos como os que pinçamos de seu discurso quando destaca o que entende como tarefas de um jovem comunista: 40
a “honra que se sente por ser jovem comunista”; H
H
“o sentido de dever dian- te da sociedade que estamos construindo”; H
“uma grande responsabi- lidade diante dos problemas, grande sensibilidade diante das injustiças; espírito incon- formado cada vez que surge algo que está errado”; H “declarar
guerra ao forma- lismo... estar sempre aberto para receber as novas experi- ências”; H “ser
um exemplo vivo... ser o exemplo no qual possam mi- rar-se os homens e mulheres de idade mais avançada que perderam certo entusiasmo ju- venil”; H “um
grande espírito de sa- crifício, não somente para as jornadas heróicas, mas para todos os momentos”; H
“desenvolver ao máximo a sensibilidade até sentir-se an- gustiado quando se assassina uma pessoa em qualquer lu- gar do mundo e sentir-se en- tusiasmado quando em algum lugar do mundo se erga uma nova bandeira de liberdade... não se limitar pelas fronteiras de um território... praticar o internacionalismo proletário” (GUEVARA, Che. Socialismo e juventude. Textos e fotos . 2º reimpressão. São Paulo: Anita Garibaldi, 2005. p. 27-28)
Guevara refuta a crítica segundo a qual um tal ideário estaria pautado por romanticismo idealista, fazendo do jovem comunista assim pensado um “arquétipo humano ”. De fato sua própria trajetória ilustra o que projetava para os jovens comunistas. Guevara foi um jovem comunista. Sua percepção de humanismo prende-se ao horizonte de possibilidades do ser humano, que é interrompido por um sistema de injustiças mas que pode ser construído: o projeto de construção do socialismo é também um projeto que levaria o ser humano à realização de tal potencialidade humanista. Assim, defende Guevara que o jovem, se comunista, pode se destacar em tal direção: ...propõe-se a todo jovem co- munista ser essencialmente humano. Ser tão humano que se acerque do melhor do hu- mano. Purificar o melhor do homem [e da mulher] por meio do trabalho, do estudo, do exercício contínuo da soli- dariedade com o povo e com todos os povos do mundo (GUEVARA, Che. Socialismo e juventude. Textos e fotos . 2º reimpressão. São Paulo: Anita Garibaldi, 2005. p. 28). *PEDRO CASTRO é sociólogo, professor
aposentado da Universidade Federal Fluminense (UFF) e militar da reserva (PMBa). **MARY GARCIA CASTRO é socióloga, professora aposentada da Universidade Federal da Bahia e professora dos Mestrados em Família na Sociedade Contemporânea e Políticas Sociais e Cidadania da Universidade Católica de Salvador; membro da diretoria da União Brasileira de Mulheres (UBM) e do Conselho Consultivo do CEMJ.
Che: mais vivo do que nunca Roniwalter Jatobá*
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anta Cruz de la Sierra, Bolívia, final de 2006. Um ex-sargento do exército é operado de catarata num hospital doado pelo povo cubano e recém-inaugurado pelo presidente Evo Morales. Tratase de mais um dos milhares de bolivianos que fazem tratamentos oftalmológicos gratuitos oferecidos por Cuba em toda a América Latina. Logo após a operação, seu filho vai à sede do jornal El Deber e pede que publiquem um agradecimento aos médicos cubanos por recuperar a visão do pai. Seria mais uma bem-sucedida cirurgia da chamada “Operación Milagro” realizada por médicos cubanos, mas o nome do ex-sargento chama a atenção. É Mario Terán. Para quem não sabe, foi o homem que assassinou friamente o comandante Ernesto Che Guevara há 40 anos, em 9 de outubro de 1967, logo depois que ele foi capturado num local chamado Quebrada Del Churo, no leste da Bolívia. Dessa forma, humanitariamente, médicos cubanos “vingavam” a morte do Che. “Quatro décadas depois de Mario Terán ter tentado destruir um sonho e uma idéia, Che retorna para vencer mais uma batalha”, apontou o jornal Granma. “Hoje um homem velho, Terán pode apreciar de novo as cores do céu e da floresta, admirar os sorrisos dos seus netos e assistir a jogos de futebol.” La Higuera, Bolívia, 8 de outubro de 1967. De pés e mãos
Conheci a história sobre a vida de Ernesto Che Guevara apenas no início da década de 1970 e, um pouco mais ainda, quando pesquisei sua vida para uma biografia para jovens. (...) Inspirouse noutro libertador, o cubano José Martí, para mostrar que “a melhor forma de dizer é fazer”
atados, o comandante Che Guevara está deitado no chão do aposento de uma escola, aguardando ordens superiores. À noite, tentam interrogá-lo, mas o líder revolucionário permanece fechado em seu silêncio. No dia seguinte, um coronel tenta colher informações sobre os guerrilheiros que ainda estão em fuga. -- Coronel, tenho memória muito ruim – diz Che. – Não me lembro e nem sei como responder à sua pergunta. O militar começa um breve interrogatório. -- O senhor é cubano ou argentino?-- indaga. -- Sou cubano, argentino, boliviano, peruano, equatoriano... O senhor entende. -- O que o levou a resolver a operar em nosso país? -- O senhor não vê o estado em vivem os camponeses? São quase como selvagens, vivendo num estado de pobreza que deprime o coração, tendo apenas um aposento no qual dormem e
Che, ao assumir o Ministério das Indústrias de Cuba, 1961.
comem, sem roupas para vestir, abandonados como animais... -- Mas o mesmo acontece em Cuba –- diz o coronel. -- Não, isso não é verdade. Não nego que ainda existe pobreza em Cuba, porém pelo menos lá os camponeses têm uma idéia de progresso, enquanto o boliviano vive sem esperança. Tal como nasce, morre, sem jamais ver melhoras em sua condição humana. O destino do Che está decidido. O governo boliviano ordena que se executem os prisioneiros. O sargento Mario Terán, que havia se oferecido para a tarefa, será o carrasco. Quando ele entra pela porta, Che diz: -- Sei que você veio para me matar. Atire, covarde, você só vai matar um homem. O militar aponta seu fuzil semi-automático e puxa o gatilho, atingindo-o nos braços e pernas. Ele cai e fica se contorcendo no chão, aparentemente mordendo um dos pulsos na tentativa de evitar gritos. O 41
sargento dispara outra rajada. Outro soldado colabora com um disparo final, o tiro de misericórdia. Eram 13 horas e dez minutos de 9 de outubro de 1967, um domingo de sol. Aos 39 anos de idade, o comandante Ernesto Che Guevara está morto. Um mundo mais igualitário e justo. Conheci a história sobre a vida de Ernesto Che Guevara apenas no início da década de 1970 e, um pouco mais ainda, quando pesquisei sua vida para uma biografia para jovens. A sua trajetória foi um convite para transformar o mundo em algo melhor, mais igualitário e mais justo. E quem poderia ficar indiferente naqueles tempos tão conturbados? Aprendi que o guerrilheiro argentino, admirador de poesia e prosa, inspirouse noutro libertador, o cubano José Martí, para mostrar que “a melhor forma de dizer é fazer”. E fez. Sonhador utópico, acima de possíveis erros que cometeu no decorrer de seus 39 anos, conservou a fé inabalável em suas idéias e a aura de um homem incorruptível que renuncia à sedução do poder. A Cidade do México, onde conheceu Fidel Castro, foi o seu berço revolucionário. Ali, em 1955, depois de fazer duas memoráveis viagens por países da América Latina e conhecer os problemas da região, o médico e asmático Ernesto Che Guevara encontra seu destino. Depois de um ano de treinamento militar nos arredores da capital mexicana, Che e outros 82 revolucionários partem, em 25 de novembro de 1956, em direção a Cuba, a bordo do pequeno barco Granma. Desembarcam na Província 42
do Oriente, sete dias depois. Rapidamente descobertos pelo exército do ditador Fulgêncio Batista, 21 deles são massacrados. Os sobreviventes, Che entre eles, refugiam-se em Sierra Maestra. Nascia, então, o movimento guerrilheiro que, em 2 de janeiro de 1959, expulsaria de Cuba o ditador e estabeleceria a primeira república socialista da América Latina. Na chegada à Havana, após a entrada vitoriosa de Fidel Castro em 8 de janeiro de 1959, Che Guevara logo aplica sua disciplina aprendida nos momentos difíceis e decisivos da guerra em solo cubano: proíbe a venda de bebidas alcoólicas e os jogos de azar. Enquanto as multidões ainda celebravam nas ruas o êxito dos revolucionários, o Conselho de Ministros concede ao Che a nacionalidade cubana. Mas, em seguida, ele cai doente. Diagnóstico: anemia e enfisema pulmonar duplo. Por recomendação médica, ele parte para um período de repouso no
Homenagem a Che na Praça da Revolução, em Havana.
Ernesto Che Guevara é, sem dúvida, o maior mito de esquerda do século 20
balneário de Tarará, próximo a Havana. Mesmo convalescente, elabora dali os planos e metas para o futuro de Cuba, como os pormenores de uma reforma agrária. Em 28 de outubro de 1959, onze meses após a vitória, Guevara assume a presidência do Banco Nacional de Cuba. O próprio Che encarou essa escolha como um momento bemhumorado. Contava ele que, numa reunião do alto escalão do governo, Fidel perguntou se havia ali algum economista. Distraído, Guevara entendeu “comunista”. Ergueu a mão e conquistou o cargo. O correspondente do mais importante jornal norte-americano, The New York Times, fez o seguinte comentário sobre a nomeação de Che para o banco do país: -- Houve assombro e senso de ridículo... Che não entendia de bancos, mas Fidel precisava de um revolucionário, e não existiam banqueiros revolucionários. Nesse período, Guevara já havia se separado de Hilda Gadea, que conheceu na Guatemala em 1953 e com quem teve uma filha, Hilda Beatriz, e se casado com a cubana Aleide March, que conheceu na guerrilha; futuramente iriam gerar quatro filhos (Aleidita, Camilo, Celia e Ernesto). Dedicado à revolução, ele trabalhava até 16 horas no banco e, nos finais de semana, aproveitava para cortar cana. Guevara foi o principal incentivador do trabalho voluntário na produção. Os membros dos ministérios e das universidades, uma vez por semana, ajudavam no corte de cana ou em outra função produtiva.
Che Guevara participa de trabalhos voluntários em Cuba.
- O trabalho voluntário é um veículo de ligação e de compreensão entre nossos trabalhadores administrativos e os trabalhadores braçais – dizia ele. Impôs também a austeridade como sua marca: não autoriza sua mulher, Aleida, a exceder a cota de alimentos em época de racionamento e nem a usar o carro oficial. Durante o ano de 1960, o governo revolucionário expropriou latifúndios, muitos de propriedade de empresas norte-americanas. Em represália, o governo de Washington decreta um embargo comercial, suspendendo a compra do seu principal produto de exportação, o açúcar. A cada pressão norte-americana o governo cubano radicalizava mais as suas posições: -- Cuba sim, ianques não. No começo de janeiro de 1961, os Estados Unidos rompem relações diplomáticas com Cuba e Che Guevara assume o cargo de ministro da Indústria. Meses depois, em abril, a ilha sofre a invasão de mercenários, apoiados pela CIA, na Baía dos Porcos, com o objetivo de derrubar o governo revolucionário. A resistência do povo cubano foi fundamental para barrar as tropas invasoras, que foram dominadas antes de ganhar força. Cuba perde 161 combatentes, mas o Exército cubano faz 1.200 prisioneiros, que logo são tro-
cados por um resgate de 52 milhões de dólares em remédios e alimentos. Ainda nesse ano Che representa Cuba na reunião da Conferência Interamericana de Punta Del Este, em Montevidéu, Uruguai, onde denunciou firmemente o imperialismo norte-americano. Na volta, passou pelo Brasil e recebeu a comenda Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul das mãos do presidente Jânio Quadros. Em outubro de 1962, Cuba enfrenta nova crise com os Estados Unidos. O governo norte-americano descobre que na ilha havia mísseis atômicos soviéticos e exigiu que fossem desativados. Iniciou-se, então, o cerco militar contra Cuba e o mundo chegou próximo a um confronto nuclear, à Terceira Guerra Mundial. Os soviéticos foram obrigados a recuar e, unilateralmente, sem acordo com os cubanos, decidiram retirar os mísseis da ilha. Ernesto Che Guevara não se adaptou bem, no entanto, às funções burocráticas, mesmo na função de presidente de banco ou ministro. A partir de 1964, tornou-se uma espécie de relações exteriores da Revolução Cubana, viajando para África, Ásia e América Latina. Como presidente da delegação cubana na Assembléia Geral das Nações Unidas, em 11 de dezembro, em Nova York, faz um forte discur-
so atacando os mordomos do imperialismo norte-americano na América Latina. Guevara queria mesmo era colocar em prática a sua teoria de expansão do socialismo. Em abril de 1965, juntamente com 13 cubanos, entra no Congo, África. Fracassa, no entanto, a sua tentativa revolucionária. Meses depois, em outubro, no ato de fundação do Partido Comunista Cubano, Fidel Castro lê uma carta na qual Guevara abdica de todos os seus cargos na revolução de Cuba: “Renuncio formalmente a meus cargos na direção do partido, a meu cargo de ministro, a meu grau de comandante, a minha condição de cubano. (...) Outras terras do mundo reclamam o concurso de meus modestos esforços.” Depois do insucesso no Congo, Guevara volta secretamente a Cuba para preparar a campanha da Bolívia. Ele escolhera esse país por causa de sua localização central, o que permitiria estender o movimento guerrilheiro por todo o continente latino-americano. Ali, todos sabem, encontraria a morte. Ernesto Che Guevara é, sem dúvida, o maior mito de esquerda do século 20. E continua, no novo milênio, mais vivo do que nunca, apesar de uma imprensa de direita – porta-voz de Miami –, que, às vésperas do 40º aniversário de sua morte, propositadamente busca esquecer a conjuntura em que viveu o líder revolucionário e, deslocada do contexto histórico, tenta desacreditar a biografia de Che Guevara e, por tabela, os ideais do socialismo. No passarán. *RONIWALTER JATOBÁ é escritor. Autor de, entre outros livros, Paragens (Boitempo) e O jovem Che Guevara (Nova Alexandria).
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s i p á L a p o h p i H
Che: símbolo de união da juventude latino-americana Marcelo Buraco*
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esta época em que os meios de comunicação de massa, setores da academia e os pensadores liberais apregoam a divisão da sociedade, a falência da luta de classes e a segmentação das culturas, um símbolo de união que a juventude carrega incomoda as elites de prontidão. O discurso pós-modernista que visa atingir a juventude dividindo e fragmentando sua ação não resiste a um olhar mais próximo, que faz perceber a figura estampada nas camisas, tatuagens, bandeiras, nas letras de músicas, nos grafites de rua e em toda parte por onde a juventude está. No intuito de descaracterizar essa ação consciente dizem que a figura do guerrilheiro heróico é tratada como mera mercadoria de prateleira, chegando ao cúmulo de darem outra conotação histórica aos fatos, como tentou uma revistinha de m... chamada “Veja”. Esqueceram que a juventude que traz consigo esse símbolo conhece muito bem a história e os boatos da “Veja”, que só serviram pra isolar ainda mais essa revistinha do grande público. Fico pensando comigo como se sente essa elite quando vê nas arquibancadas dos estádios de futebol pela América Latina os bandeirões que as torcidas carregam estampadas com o rosto de Che Guevara. E nos painéis de fundo dos grandes shows das bandas de rock, hardcore, rap e outros estilos a mesma face estampada. Durante as letras das músicas menções à história do guerrilheiro. Andando pelas ruas painéis de
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Trazer a face do Che consigo é uma prova de que a juventude não aceita essa sociedade desigual e excludente. É uma prova de que a juventude quer mudanças, e uma prova de que a juventude está disposta a lutar pelo novo. Como sempre estou circulando por vários meios, fui conferir o que mais esses jovens pensavam sobre o Che, além de saber Todos sabemos que a estampa que o 9 de outubro é a sua data. na camisa de um jovem represen- Ouvi de todos eles que Che lutava ta o que este defende como idéia, contra o capitalismo e contra os e não existe fenômeno maior do Estados Unidos (em alusão direta que a face do guerrilheiro. ao imperialismo). Vêm à minha memória vários E uma situação engraçada aconshows de rap, dentre os quais os teceu enquanto eu olhava revistas do GOG e do Faces da Morte, que numa banca de jornal, quando um têm nas suas letras fortes con jovem aparentemente de classe teúdos políticos, onde o público média me perguntou o porquê de – às vezes cinco, dez mil pessoas eu ter aquela tatuagem no ombro – traz consigo bandeiras do Che, com o rosto de Che Guevara. Percantando durante todo o espetá- cebi que a curiosidade dele era culo com essas bandeiras erguia mesma que a minha quando das nos braços, já que em geral saí fazendo minha enquête com não podem entrar com mastros os jovens, e então respondi: “Se nesses eventos. você treme de indignação diante E aí me vêm a elite e a mídia das injustiças cometidas contra dizer que essa ação não é consqualquer pessoa em qualquer parciente?! Inconsciente foi essa te do mundo, então somos commesma elite que, ao matar Che, panheiros” (Che). não percebeu que acabava de E ele correspondeu dizendo: imortalizar sua vida e as causas “Hasta la victoria, siempre”. que ele sempre defendeu. Isso foi na terça-feira dia 9 de Trazer a face do Che consigo outubro de 2007, mais ou menos é uma prova de que a juvenao meio-dia na banca de jornal da tude não aceita essa sociedade Praça do Carmo em Santo André, e desigual e excludente. É uma com certeza outros milhões de joprova de que a juventude quer vens pela América Latina estavam mudanças, e uma prova de que naquele momento lembrando a a juventude está disposta a lutar memória do guerrilheiro heróico. pelo novo. Fica comprovada a fala de Che: Neste período em que lembra- “As elites podem derrubar uma, mos os 40 anos do assassinato duas ou mais rosas, mas nunca do heróico guerrilheiro, vejo deterão a primavera”. milhares de jovens ostentando *MARCELO BURACO é membro-fundador da esse símbolo de rebeldia, numa posse Negroatividade de Santo André. manifestação direta de reverênDa direção da Nação Hip-Hop Brasil e colunista do Hip-Hop a Lápis. cia à memória do Che. grafites gigantescos com o rosto e frases de Che, desde as grandes avenidas do centro às vielas nos bairros das periferias.
Soy loco por ti América (Gilberto Gil – Capinam) “Soy loco por ti, América Yo voy traer una mujer playera Que su nombre sea Marti Que su nombre sea Marti Soy loco por ti de amores Tenga como colores la espuma blanca de Latinoamérica Y el cielo como bandera Y el cielo como bandera Soy loco por ti, América Soy loco por ti de amores Sorriso de quase nuvem Os rios, canções, o medo O corpo cheio de estrelas O corpo cheio de estrelas Como se chama a amante Desse país sem nome, esse tango, esse rancho, esse povo, dizei-me, arde O fogo de conhecê-la O fogo de conhecê-la Soy loco por ti, América Soy loco por ti de amores El nombre del hombre muerto Ya no se puede decirlo, quién sabe? Antes que o dia arrebente Antes que o dia arrebente El nombre del hombre muerto Antes que a definitiva noite se espalhe em Latinoamérica El nombre del hombre es pueblo El nombre del hombre es pueblo Soy loco por ti, América Soy loco por ti de amores Espero a manhã que cante El nombre del hombre muerto Não sejam palavras tristes Soy loco por ti de amores Um poema ainda existe Com palmeiras, com trincheiras, canções de guerra, quem sabe canções do mar Ai, hasta te comover Ai, hasta te comover Soy loco por ti, América Soy loco por ti de amores Estou aqui de passagem Sei que adiante um dia vou morrer De susto, de bala ou vício De susto, de bala ou vício Num precipício de luzes Entre saudades, soluços, eu vou morrer de bruços nos braços, nos olhos Nos braços de uma mulher Nos braços de uma mulher Mais apaixonado ainda Dentro dos braços da camponesa, guerrilheira, manequim, ai de mim Nos braços de quem me queira Nos braços de quem me queira Soy loco por ti, América Soy loco por ti de amores”
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70 anos sem Noel Fernando Garcia*
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ascido no Rio de Janeiro em 1910, Noel de Medeiros Rosa viveu intensamente seus curtos 26 anos de existência. Através das cerca de 300 canções que compôs em oito anos corridos de produção musical, Noel contribuiu sobremaneira para a consolidação da estrutura poética, rítmica e melódica do samba brasileiro. Seu espírito jovem e boêmio está presente em todos os depoimentos até hoje recolhidos sobre sua personalidade. Pelos ambientes marginais que perambulou conheceu artistas, malandros, prostitutas e boêmios que ajudaram a influenciar e moldar sua filosofia de vida, a qual, registrada no conteúdo de suas letras, diz muito do estilo de vida e do caráter nacional do povo brasileiro. Marcantes eram as características físicas de Noel, com seu rosto sem queixo oriundo de um parto a fórceps. Esse traço físico o deixava envergonhado quando sorria torto ou comia na frente de outras pessoas. Tal fato está na origem do apelido “queixinho”, recebido de amigos do Colégio São Bento, onde estudou. A deficiência física, no entanto, ao contrário de um obstáculo, representou um diferencial e até um charme para aquele compositor genial criado em ambientes de classe média, para onde levou o samba – música surgida originalmente do batuque e do gingado dos negros que habitavam os morros cariocas. Era chamado o Poeta da Vila, pois sua obra musical foi construída tendo como ambiência 46
Seu espírito jovem e boêmio está presente em todos os depoimentos até hoje recolhidos sobre sua personalidade. privilegiada o bairro de Vila Isabel. Ali Noel criou canções que refletiam a grande efervescência da vida carioca e brasileira dos anos 30 – período de profundas mudanças no cenário político e cultural do país. Testemunha dos grandes acontecimentos de seu tempo, Noel traçou, através de sua obra musical, um amplo panorama do Brasil das primeiras décadas do século XX. Sempre atento ao seu tempo, Noel foi produto e reflexo de sua época, o que não o impedia de ter o olhar permanentemente voltado para o futuro. Sua música compôs a trilha do filme “Alô Alô Carnaval” quando o cinema apenas iniciava o processo de sonorização. Foi pioneiro no uso da palavra “bossa” e do termo “horário de verão”. Ajudou a conformar a estrutura musical do samba, deixando de lado o ritmo maxixado que começava então a se esgotar. Trouxe para a música brasileira o cinema falado, a vida do operário, a miséria e as desigualdades sociais, o amor desiludido, a relação com as mulheres, o respeito à Pátria e às coisas do Brasil, a boemia, o homossexual, a burocracia das repartições, a malandragem, a filosofia, o assédio moral e sexual no trabalho, o culto ao corpo, a dívida externa, o ciúme e tantos outros temas pouco ou nada trabalhados até então.
A obra de Noel Rosa situase na raiz da moderna música popular brasileira. Canções como Feitio de Oração, Não tem tradução, Pra que mentir, Pierrô apaixonado, Três apitos, Pastorinhas, Palpite infeliz e Conversa de Botequim representam contribuições seminais, a partir das quais se originou parte importante da música nacional e popular brasileira. Noel compunha sempre de forma irreverente, usando palavras do dia-a-dia. Abusava do sarcasmo e da sensualidade sem excessos constrangedores. Cunhou assim uma linha literária própria e inconfundível, servindo de escola para grandes letristas, intérpretes e melodistas de várias gerações, como Tom Jobim, Ary Barroso, Chico Buarque, Caetano Veloso, João Bosco, Edu Lobo, Gilberto Gil, Martinho da Vila, Paulinho da Viola, Cartola, Ivan Lins, Zé Renato e tantos outros que até hoje bebem da fonte Noel Rosa. Depois de sua morte, em 1937, a obra de Noel conheceu quase uma década de esquecimento, coisa comum em um país que não costuma valorizar a memória de sua produção cultural. Aracy de Almeida e outros amigos do poeta trouxeram-no à tona novamente, enfatizando sua contribuição indispensável à música popular brasileira.
É preciso reforçar o sentido de pertencimento de uma juventude que carece de exemplos, ídolos e referências capazes de inspirá-la
Morto precocemente aos 26 anos, viveu a vida de forma intensa, rebelde e apaixonada e deixou uma obra que situa-se na raiz da moderna música popular brasileira.
Da mesma forma que o poeta baiano Castro Alves, Noel Rosa é um ícone da juventude brasileira. Morto precocemente aos 26 anos, viveu a vida de forma intensa, rebelde e apaixonada. Parecendo saber que morreria cedo, produziu em pouco tempo um gigantesco arcabouço de composições tendo como parceiros nomes que formavam a mais fina nata da música brasileira de então: Ismael Silva, Pixinguinha, Vadico, Lamartine Babo, Orestes Barbosa, Heitor dos Prazeres, Ary Barroso, Francisco Alves, Almirante e João de Barro (o recém-falecido Braguinha). Homenagear a figura do jovem compositor que revolucionou a música brasileira significa resgatar um capítulo importante de nossa música popular. Mais que isso, significa contribuir para a democratização do acesso à memória da presença cultural da juventude brasileira, possibilitando assim o conhecimento e o reconhecimento da participação juvenil em importantes setores e momentos da vida nacional – tarefa à qual o CEMJ tem se dedicado ao longo das últimas duas décadas, desde que foi fundado em 1984. O Brasil conta hoje com cerca de 35 milhões de jovens de 15 a 24 anos, segundo dados do IBGE. Nos dias atuais, essa mesma juventude é duramente atingida pelo flagelo da exclusão cultural. O acesso à cultura, que deveria complementar a formação educacional da juventude brasileira, ainda é escasso em função, em
grande medida, da privatização é um povo sem identidade. dos espaços culturais – fenôPor grave que seja, essa situameno facilmente observado em ção ainda contribui para fazer da setores como o teatro. Nossos juventude brasileira uma vítima jovens não têm acesso a museus, fácil da estandardização dos cinemas, teatros, praças polibens simbólicos, alavancada por esportivas, shows e a muitos um mercado cultural que aposta outros equipamentos e espaços cada vez mais no efêmero e culturais. Dados do Projeto Juno descartável, demonstrando ventude (2004) revelam que 78% absoluta indiferença em relação dos jovens nunca compareceram à dimensão sócio-educativa do a um debate público ou conferên- entretenimento cultural. cia, 62% não conhecem concerNeste momento político tos ou espetáculos teatrais, 52% ímpar, no qual nosso país busca nunca pisaram em uma biblioavançar na construção de um teca e 39% de nossos jovens não novo modelo econômico e sabem o que é um cinema. social, revestem-se de grande Nesse contexto, não é difícil importância iniciativas voltadas concluir que a TV surge como à elevação do nível cultural de única alternativa cultural disnossa juventude e ao reforço ponível para amplos setores da de idéias como as de soberania, juventude brasileira. Uma alteridentidade e projeto nacional. nativa, diga-se de passagem, na Em um contexto como esse, nada maioria das vezes de baixíssimo mais apropriado que rememorar teor cultural, cuja programação o grande Noel Rosa, a partir de – salvo raras exceções – pauta-se uma perspectiva que reforce a pelo entretenimento descomatualidade de sua vida e obra – à promissado e pela divulgação qual têm restrito acesso grande de valores e idéias estranhas à parte das novas gerações de nossa realidade. A veiculação brasileiros. É preciso reforçar de produtos culturais de outros o sentido de pertencimento de países, muitas vezes de baixa uma juventude que carece de qualidade, é fato que acaba por exemplos, ídolos e referências moldar a forma de pensar e agir capazes de inspirá-la e ajudá-la da juventude brasileira. Não à a compreender os fatores que toa, podemos constatar cotidiacondicionam as possibilidades namente que amplas parcelas de desenvolvimento pleno de de nossos jovens, embora amem nosso povo e de nosso país. os valores e a cultura nacional , adotam como referência homens *FERNANGO GARCIA é historiador, diretor de estudos e pesquisas do CEMJ. e mulheres nascidos e criados NOTAS em outros contextos históri1 Iniciativa de âmbito não-governamental composta por diversas entidades e instituições cos, alheios à realidade e aos que trabalham com jovens. Durante os anos de problemas nacionais – fato que 2003 e 2004, o Projeto Juventude elaborou um contribui para o apagamento documento com subsídios para a formulação de uma política de juventude para o Brasil. da memória coletiva do povo 2 Segundo pesquisa do Projeto Juventude brasileiro. E, nunca é demais (2004), 91% dos jovens de nosso país têm lembrar, um povo sem memória orgulho de ser brasileiros. 47
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Conferência Nacional de Juventude: levante sua bandeira Danilo Moreira*
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Serão sete meses de intensos debates sobre a realidade da juventude e as ações do poder público, voltadas para os mais de 50 milhões de brasileiros e brasileiras entre 15 e 29 anos.
á está acontecendo a 1ª Conferência Nacional de Políticas Públicas de Juventude, promovida pelo Governo Federal. As etapas preparatórias, iniciadas em setembro, estão aquecendo os debates e elegendo delegados Logomarca da 1º Conferência Nacional de Políticas de Juventude. para etapa nacional, marcada para o final de abril de 2008, em problema e que reconhecesse Até que ponto o que chamamos Brasília. Serão sete meses de inessa parcela da população como de “problemas da juventude” tensos debates sobre a realidade sujeito de direitos e agente de não seriam conseqüência dessa da juventude e as ações do poder histórica ausência do Estado, mudanças. público, voltadas para os mais Nesse ambiente é que vimos resultando na negação de direide 50 milhões de brasileiros e emergir inúmeras iniciativas tos básicos como a educação de brasileiras entre 15 e 29 anos. como diálogos e fóruns promoviqualidade, o trabalho decente, a Esperamos chegar ao final desse cultura, o esporte e o lazer? Será dos pelos movimentos juvenis, processo participativo com a frentes parlamentares de polítique determinados comportadefinitiva afirmação do tema mentos “violentos” não estariam cas de juventude, elaboração de juventude na pauta das políticas estudos e pesquisas divulgados associados a falsas expectatipúblicas – o que, por si só, não pela sociedade civil e organisvas criadas por uma sociedade seria um objetivo modesto. mos internacionais e, finalde consumo onde o ter é mais Houve um tempo em que importante que o ser? Será que a mente, a criação, em fevereiro de juventude era apenas sinônimo situação em que ainda se encon- 2005, da Secretaria Nacional e do de futuro, como se esta fosse tra parcela da juventude brasilei- Conselho Nacional de Juventude, um eterno porvir e não tivesse ambos ligados à Secretaria Geral ra pode servir para a generalizaqualquer sentido no tempo preda Presidência da República. ção da imagem de dezenas de sente. Da mesma maneira eram milhões? Será que reconhecemos A primeira com o objetivo de tratadas as políticas públicas coordenar e articular as iniciaa capacidade de sonhar e lutar direcionadas a esse segmento. tivas do Governo Federal para por uma nova realidade, reiteraTalvez por isso, chegamos ao esse segmento, e o segundo, damente demonstrada por essa início do século XXI com preocu- mesma juventude? composto majoritariamente pela pantes indicadores sociais relasociedade civil, com a missão de Essa Conferência não surge cionados a emprego, escolariformular, propor e acompanhar. do acaso. É resultado de uma dade e segurança pública, dentre caminhada iniciada ainda no Estava dado o primeiro passo. outros. Tal situação também é Chegamos em 2007, após a primeiro mandato do presidente reflexo de anos seguidos em que Lula, quando se somaram diexpressão da vontade das urnas, o ritmo da economia, em especom o compromisso renovado e versas vozes dos movimentos cial nos anos 90, vinha sempre juvenis, da sociedade civil e das o desafio redobrado. Agora, não acompanhado de palavras como nos basta ter superado governos forças políticas que partilhavam recessão e estagnação. anteriores também na área da o sonho de um Brasil decente, Diante disso e desde já, lesob a liderança de um presidente juventude, precisamos nos supevantamos algumas questões para operário. Um Brasil que superas- rar. Não por uma questão de vaios debates que se avizinham. dade, mas por uma necessidade. se uma visão da juventude48
Até que ponto o que chamamos de “problemas da juventude” não seriam conseqüência dessa histórica ausência do Estado, resultando na negação de direitos básicos como a educação de qualidade, o trabalho decente, a cultura, o esporte e o lazer? Ampliar o acesso à educação de promisso de não deixar que o qualidade, promover a inserção Estado brasileiro ficasse inerte da juventude no mercado de e muito menos abrisse mão do trabalho, democratizar o acesso potencial de 4,5 milhões de à cultura, esporte e lazer, res jovens que não estudam, não peitando as particularidades da trabalham e sequer concluíram juventude são – e serão – desao ensino fundamental. Para essa fios não apenas de um governo, parcela da juventude é que surge Danilo Moreira, da Secretaria Nacional de mas de toda a sociedade e, por o novo Projovem, um esforço Juventude, participa do lançamento da que não dizer, de uma geração intergovernamental coordenado 1º Conferência Nacional de Juventude na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul. política. pela Secretaria Nacional de JuNeste segundo mandato já ventude, que resultou da articutiramos do papel o FUNDEB, que lação, reformulação e ampliação mos que esta se torne um poderoso processo participativo que significa um aporte de mais de de programas como Consórcio aponte prioridades para a ação 4,5 bilhões na educação básica, Social da Juventude, Juventude do poder público em todos os incluindo aí os ensinos infantil Cidadã, Agente Jovem, Saberes níveis, que propicie uma maior e médio. Lançamos o Plano de da Terra e Escola de Fábrica. A articulação dos movimentos Desenvolvimento da Educação meta é atingir até 2010, final juvenis e da sociedade civil, que – PDE. Com ele, os sistemas deste governo, 4,2 milhões de fortaleça a institucionalização públicos de ensino em todos jovens, investindo 5,4 bilhões das políticas de juventude nos os níveis terão mais recursos de reais para que estes possam estados e municípios e, acima de da União, mas também estarão retornar à escola, concluir o encomprometidos com metas de sino fundamental, aprender uma tudo, que inclua definitivamente a juventude em nossa estratégia qualidade. Além disso, as metas profissão e ter acesso a ações de desenvolvimento nacional. estabelecidas no PDE compreende cidadania, esporte, cultura e Realizaremos um processo dem 150 novas escolas técnicas lazer. inovador de mobilização, em e dobrar o número de vagas nas Ao lado dessas e de outras consonância com o tamanho, a universidades públicas em dez iniciativas, devemos assegurar complexidade e diversidade do anos. o direito à participação, indisnosso país. As etapas da ConOutra marca da Política Nacio- pensável ao fortalecimento de ferência poderão ocorrer nos nal de Juventude é a da inclusão uma democracia com o povo, à grupos juvenis, nas escolas e social – atribuída a este governo qualidade das políticas públicas universidades, na internet, nos até por seus críticos. No último e elemento tão caro à juventude municípios e estados. Esperamos dia 05 de setembro, juntamente brasileira. E isso é o que pretenque sejam momentos intensos com a Conferência de Juventude demos com a realização da 1ª foi lançado o novo Projovem. Conferência Nacional de Políticas de encontros e debates sobre os mais variados temas: da Essa iniciativa reafirma o comPúblicas de Juventude. Esperaeducação ao meio-ambiente, do trabalho ao esporte, da saúde Mesa do 1º Encontro de estudantes do ProUni, aos direitos humanos, da culevento promovido em tura à sexualidade, do presente São Paulo pelo CEMJ. ao futuro do país. Levante sua bandeira! *DANILO MOREIRA é secretário-Adjunto da Secretaria Nacional de Juventude e Vice-Presidente do Conselho Nacional de Juventude (Conjuve)
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e d u t n e v u J e d s a c i l b ú P s a c i t í l o P
CEMJ realiza 1º Encontro dos Estudantes do Prouni Carla Santos*
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Programa Universidade para Todos (ProUni) surgiu para oferecer oportunidade de inclusão aos estudantes de baixa renda, distantes de uma vaga pública, ao ensino superior privado. Porém, a idéia de torná-lo um mecanismo efetivo de igualdade de acesso à universidade ainda precisa ser muito melhorada, como atestam os nove pontos reivindicados na Carta Aberta dos estudantes bolsistas do programa entregue ao ministro da Educação, Fernando Haddad, no último dia 25 no 1º Encontro Municipal dos Estudantes do ProUni da Cidade de São Paulo, promovido pelo Centro de Estudos e Memória da Juventude (CEMJ) em parceria com a União Nacional dos Estudantes (UNE) e com a União Estadual dos Estudantes de São Paulo (UEE-SP). Objetiva, a carta aprovada no Encontro enfatiza que os estudantes do ProUni ainda não dispõem de direitos mínimos adquiridos pelos demais estudantes dentro das instituições privadas de ensino. Esse documento será incorporado como contribuição no documento final da Conferência Nacional de Juventude, já que o 1º Encontro dos Estudantes do ProUni foi validado como conferência livre de juventude (etapa preparatória à Conferência Nacional). O processo de discussão reuniu mais de 2 mil universitários de 7 instituições da capital de São Paulo. (UNIP, Unibero, Unicsul, Anhembi Morumbi, Unicastelo, Uniban e Mackenzie). 50
Participantes do 1º Encontro de estudantes do ProUni.
Os estudantes do ProUni ainda não dispõem de direitos mínimos adquiridos pelos demais estudantes dentro das instituições privadas de ensino. Necessidades rotineiras para qualquer estudante universitário podem se tornar um verdadeiro pesadelo para aquele que é bolsista do ProUni.
Hoje, os bolsistas do ProUni, em inúmeras instituições, não podem solicitar transferência de turno, unidade, universidade e curso. A eles também ainda não é garantida, por todas as universidades, o direito à disputa de vagas remanescentes em instituições públicas. Além disso, muitos são discriminados na hora de disputar qualquer espaço na universidade, inclusive bolsas de iniciação científica e de estudos. Essas, dentre outras questões, destacam que necessidades rotineiras para qualquer estudante universitário do país podem se tornar um verdadeiro pesadelo para aquele que é bolsista do ProUni. Para eles, o nó fundamental das “nove falhas” mora na desinformação. Os estudantes diagnosticaram que o setor de bolsistas no site do Ministério da Educação (MEC) é insuficiente para resolver problemas cotidianos dos estudantes, já que o mesmo se resume a reproduzir trechos de determinadas portarias, abrindo assim a possibilidade para diferentes interpretações. Senador Eduardo Suplicy fala no 1º Encontro de estudantes do ProUni.
Regulamentação Na prática, o encontro defendeu uma maior regulamentação do programa para corrigir a desigualdade, não apenas no acesso à universidade, mas a todas as possibilidades que surgem a partir da entrada do bolsista na mesma. A carta aponta que não basta garantir uma vaga, é preciso regulamentar mais e melhor o programa para que os estudantes do ProUni não sejam descriminados pelas instituições privadas na hora de exercer todos os direitos oferecidos aos demais estudantes. Em sentido mais amplo, a União Estadual de Estudantes de São Paulo (UEE-SP) e a UNE, entidades co-promotoras do 1º Encontro, deram mais um passo importante na pressão para que o MEC regulamente o setor privado de ensino no país. Como bem tem mostrado a personagem Branca (Susana Vieira), vilã da novela global Duas Caras, é preciso dar um basta à libertinagem exercida pelos tubarões das instituições pagas. Não se pode mais permitir que, além de manterem as contas das universidades como verdadeiras caixas-pretas, os tubarões recebam subsídios públicos em nome da igualdade praticando o seu inverso. *Do portal Vermelho (www.vermelho.org.br).
Leia abaixo a íntegra da Carta Aberta aprovada no 1º Encontro dos Estudantes do ProUni Carta Aberta ao Exmo. Sr. Ministro de Estado da Educação Fernando Haddad Sr. Ministro, Nós, estudantes bolsistas do ProUni reunidos na cidade de São Paulo, dedicamos algumas palavras a Vossa Excelência, afim de apresentar uma série de idéias e reivindicações a respeito do Programa Universidade Para Todos. Em primeiro lugar é importante registrar que consideramos o ProUni uma grande conquista dos estudantes brasileiros. Ele é resultado da luta histórica em garantir a ampliação de vagas no ensino superior, considerando que o Brasil detém a pífia marca de apenas 11% dos jovens de 18 aos 24 anos matriculados. Registramos aqui, com convicção, que a grande maioria de nós não estaria na universidade sem o ProUni. O recorte social que ele garante inclui uma parcela da população que não teria acesso a uma vaga pública e muito menos poderia pagar as mensalidades praticadas nas instituições privadas. Muitos de nós, com idade já mais avançada, havia perdido a expectativa de concluir uma graduação e agora volta aos bancos escolares retomando esse antigo sonho. Defendemos a ampliação do ProUni! Queremos que mais jovens, como nós, tenham acesso ao ensino superior, até que esse direito seja universalizado para toda a população! Queremos a ampliação da universidade pública para que assim ela seja democratizada e popularizada! Buscamos o investimento na escola básica para que tenhamos igualdade de oportunidade com aqueles que têm condição de pagar as altas mensalidades. Respondemos aqui a todos aqueles que atacaram o ProUni, insinuando que a seleção social derrubaria a qualidade do ensino! Lembramos a eles que o estudante do ProUni também passa por uma seleção de mérito, através de nota mínima do ENEM e da concorrência aberta por determinada vaga. Tornamos público, ainda, que todas as pesquisas dessa questão, além do Exame Nacional de Avaliação dos Estudantes – ENADE – comprovam que os ingressos pelo Prouni ou por outros programas de seleção sócio-econômica têm desempenho superior à média dos demais. Por isso defendemos a radicalização desses critérios. Mais vagas no ProUni! Pela implementação imediata da reserva de vagas nas universidades públicas brasileiras para estudantes oriundos da escola pública! Comprendemos o ProUni como um direito! Como nosso direito ao estudo! E, assim, não vacilaremos em nos defender de cada abuso ou distorção. Com todos os méritos que tem, não devemos nos cegar para o fato de que toda política em implementação deve ser aprimorada e melhorada. Muitas vezes, a generalidade dos decretos não consegue perceber as dificuldades enfrentadas no dia-a-dia do estudante. Durante a nossa organização e a realização das etapas deste encontro diagnosticamos uma série dessas dificuldades. Apresentamos aqui as principais delas sistematizadas.
POR MAIS INFORMAÇÃO Com toda a certeza, a falta de determinadas informações é o nosso principal problema. Isso gera uma incerteza sobre nossos direitos e deveres em relação ao Programa. A maioria de nós mal tem certeza em relação às exigências de desempenho acadêmico para a manutenção da bolsa, o que cria uma série de boatos. Diagnosticamos que o setor de bolsistas no site do Ministério da Educação é insuficiente para resolver essa questão, já que se resume a reproduzir trechos de determinadas portarias, abrindo a possibilidade para diferentes interpretações. Identificamos que as próprias instituições têm dúvidas sobre vários critérios. É comum encontrarmos casos em que somos prejudicados por informações inverídicas que recebemos por funcionários das próprias secretarias das Faculdades. Sendo assim, defendemos: • Que o MEC desenvolva uma cartilha explicativa voltada aos estudantes beneficiados, a ser entregue no ato da matrícula de cada um, detalhando os direitos e deveres do estudante PROUNI ao matricular-se pelo programa; • Que o MEC reformule o setor de informações aos bolsistas do sítio do PROUNI na internet, detalhando melhor os direitos e deveres dos estudantes do programa; • Que o MEC exija das instituições de ensino que preparem melhor as secretarias para atender ao estudante PROUNI e que crie documentos públicos de orientação para os diferentes atores envolvidos afim de desmistificar uma série de critérios.
POR CRITÉRIOS MAIS CLAROS PARA A PERDA DE BOLSA: PELO FIM DA EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE RENDA ANUAL! O medo de perder a bolsa é outro problema freqüentemente encontrado. A falta de informação, aliada a interpretações diferentes por parte de cada instituição, gera um verdadeiro terrorismo entre nós. Por várias vezes, nos deparamos com colegas que pensam que nosso desempenho deve ser de no mínimo 7,5 em qualquer disciplina matriculada. Não somos contrários à exigência de um desempenho mínimo para a manutenção da bolsa. No entanto, por se tratar da retirada de um direito adquirido, defendemos que esses critérios sejam uniformizados para que fiquem claros a todos os estudantes. Apresentamos, ainda, a discordância em relação à exigência da comprovação de renda todos os anos praticada por algumas instituições amparadas pelas determinações do MEC. A portaria MEC nº 34 fala em encerramento da bolsa por “substancial mudança de condição socioeconômica do bolsista”. Pois bem, “substancial mudança” não define claramente qual seria ela, o que abre margem para interpretação das próprias instituições. Além disso, consideramos contraditório com os objetivos do programa limitar nosso desenvolvi-
mento financeiro. Tal medida, além de nos trazer incerteza todos os anos acerca da manutenção da bolsa, incentiva a informalidade no trabalho, a negativa de promoções e até problemas familiares com pais e irmãos que tiveram algum tipo de progresso no trabalho. Sendo assim, defendemos: • A definição objetiva e publicização dos critérios para a perda de bolsa; garantia pelo MEC do cumprimento, pelas instituições, da determinação de que o aluno “deverá apresentar aproveitamento acadêmico em, no mínimo, 75% (setenta e cinco por cento) das disciplinas cursadas em cada período letivo”; • O imediato fim da exigência da comprovação de renda a cada renovação de bolsa.
PELO DIREITO À TRANSFERÊNCIA A transferência de matrícula no ensino superior é uma prática muito comum entre todos os estudantes. Pode ser conseqüência de uma série de fatores, como transferência de domicílio, conquista ou mudança de horário de emprego, etc. Acontece, ainda, a desilusão com determinado curso que nos obriga a experimentar currículos diferentes. A maioria das faculdades tem nos negado esse direito. Em alguns casos, sequer transferência de período tem sido autorizada. Outro problema encontrado é o da transferência para cursos em universidades públicas. Pela ausência do vestibular na seleção do ProUni, várias faculdades têm se negado a permitir que os estudantes do PROUNI disputem com seus méritos o direito a uma vaga remanescente nesses cursos. Por isso, defendemos: • A exigência, pelo MEC, de que as Faculdades permitam o pleno direito de transferência, como é facultado a todos os estudantes. Garantia do direito à transferência de turno, unidade, universidade e curso; • Garantia do direito dos estudantes do ProUni à disputa de vagas remanescentes em todas as universidades públicas brasileiras;
IGUALDADE DE CONCORRÊNCIA A TODOS OS ESPAÇOS DA UNIVERSIDADE Pensamos que os estudantes do ProUni devem ter os mesmos direitos e deveres que todos os outros. Sendo assim, todos os espaços de disputa de mérito nas faculdades devem ser abertos a nós. Nos deparamos com uma realidade diferente no caso do pleito de bolsas de iniciação científica e outras, por exemplo. Sob a justificativa da duplicidade de bolsa nos é negado por várias faculdades o direito à disputa dessas vagas. Essa justificativa é falsa já que nenhum estudante do ProUni jamais recebeu nenhum tipo de remuneração por parte do governo ou das instituições. Outro caso não menos comum é o das habilitações optativas. Em muitas Faculdades tem sido a
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a negado a nós disputar determinada habilitação,
• Direito pleno de participação em todos os espaços de ensino, pesquisa e extensão promovidos pelas universidades.
nos obrigando a cursar as menos concorridas. Assim, defendemos:
• Igualdade de direitos e deveres dos estudantes do ProUni com o restante dos estudantes matriculados; garantia do direito à igualdade na disputa por qualquer espaço na universidade; • Garantia do direito à iniciação científica com bolsa de estudos; • Garantia do direito à disputa de habilitações por mérito.
PELA GARANTIA DE CONCLUSÃO PLENA DOS CURSOS Uma de nossas preocupações é a da plena conclusão dos nossos cursos. O direito a uma bolsa do ProUni, conquistada por méritos na nota do ENEM e pelo critério sócio-econômico, deve nos garantir a conclusão da graduação. Temos nos deparado com várias dúvidas a esse respeito. Uma delas é a de bacharelados opcionais de quarto ano. Várias faculdades não têm deixado claro nosso direito de cursá-lo alegando que se trata de uma segunda titulação. Pensamos que trata-se de um complemento do curso, e portanto somos intransigentes na exigência do direito a cursá-lo. Outro caso em aberto é o que trata da alteração de grades curriculares durante a vigência do contrato. Temos nos deparado com cursos como o de Pedagogia, que, por alterações nas diretrizes do Conselho Nacional de Educação, tem obrigado as instituições a ampliar a duração do curso, excedendo a vigência do contrato do ProUni. Ainda vemos dúvida a respeito de uma possível reprovação no último ano letivo. Várias faculdades nos informam que nesse caso teríamos que arcar com o custo dessa DP para concluir a graduação, mesmo que dentro dos 25% previstos para reprovação. Um outro problema é referente ao trancamento de matrícula. Conforme autoriza o MEC, o trancamento é permitido. No entanto, a maioria das instituições exige o pagamento do período trancado ao final do curso. Sabemos que o trancamento, em vários casos, como a maternidade das estudantes ou os problemas de saúde não é uma opção. Assim, defendemos: • Direito a todo tipo de complemento curricular aos estudantes do ProUni durante a vigência da bolsa, incluindo os bacharelados opcionais; • Garantia de conclusão do curso com vigência da bolsa nos casos de aumento da grade curricular; • Direito à matrícula gratuita de qualquer reprovação, mesmo que no último ano letivo, desde que dentro do limite de desempenho estabelecido; • Direito ao trancamento de matrícula justificada sem prejuízo à conclusão do curso com a bolsa; • Garantia, por parte do MEC, do direito à matrícula aos estudantes selecionados pelo programa em cursos que não formaram turma, através de transferência;
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Mesa do Encontro.
• Garantia, por parte do MEC, da continuidade dos cursos nos casos de encerramento do convênio entre o MEC e a instituição.
POR CONDIÇÕES DE PERMANÊNCIA E PROGRAMAS DE INSERÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO Não podemos ignorar que, mesmo com a isenção da mensalidade, nossa permanência durante a graduação é difícil. Como sabemos, a trajetória escolar exige muito mais do que a garantia da carteira na sala de aula. As necessidades são várias: desde a alimentação, o transporte público até a própria moradia para muitos de nós que mudam de município. Além disso, existem as exigências diversas a que cada curso nos submete, com materiais muitas vezes caríssimos e que, decisivos, abrem a possibilidade da reprovação não pela ausência de mérito, mas de dinheiro suficiente para acompanhar os demais colegas. Por um lado, pensamos que o atual modelo de concessão de bolsas-permanência deva ser revisado. A exigência da média de 6 horas aulas diárias não é atingida inclusive por alguns cursos de Medicina ou Engenharia. Além disso é fundamental que se leve em conta a questão dos custos com materiais didáticos exigidos. Além disso, é fundamental que pensemos numa perspectiva de inserção no mercado de trabalho para os estudantes do ProUni, através de programas próprios de estágio. Por isso defendemos: • Flexibilização e ampliação dos critérios de concessão da bolsa-permanência aos estudantes do ProUni. Inclusão, entre os seus critérios de seleção, de possíveis custos com material didático exigidos por determinados cursos; • Programas de estágio e primeiro emprego direcionados aos estudantes do ProUni; • Políticas públicas municipais, como o passe-livre aos estudantes bolsistas.
FORMAÇÃO COMPLETA: POR INCENTIVO DE INGRESSO EM PÓS-GRADUAÇÕES Uma de nossas preocupações é referente à continuidade de nossa vida acadêmica. O ProUni, pensado como instrumento de choque social para setores mais desfavorecidos da população, também deve propiciar uma formação completa. Sem dúvida, sem nenhuma política específica muitos de nós não se acomodarão apenas com uma graduação e não buscarão outros diplomas. Defendemos: • Convênios específicos nas pós-graduações de universidades públicas brasileiras para estudantes egressos do ProUni; • Critérios sócio-econômicos para a distribuição de bolsas de pós-graduação;
PELA IMPLEMENTAÇÃO REAL DA COMISSÃO NACIONAL DE ACOMPANHAMENTO E CONTROLE SOCIAL DO PROUNI Como fica claro, os problemas e encruzilhadas enfrentados por nós não são poucos. O dia-a-dia muitas vezes traz à tona questões que os decretos e leis não conseguem perceber. As universidades muitas vezes não são obrigadas por lei a garantir determinados direitos e nos submetem a situações inadequadas. Desse modo, a Comissão Nacional de Acompanhamento e Controle Social do PROUNI – CONAP – deve cumprir papel fundamental. Assim, reivindicamos: • Funcionamento regular da CONAP; • Garantias materiais por parte do MEC para o funcionamento da CONAP; • Promoção e institucionalização da CONAP como instrumento fiscalizador da implementação do PROUNI e de amparo aos estudantes bolsistas.
POR FORMAÇÃO DE QUALIDADE! Queremos muito mais que o direito à matrícula. Queremos educação de qualidade. Por isso, acreditamos que o Ministério da Educação deve ser intransigente na fiscalização de nossos cursos, a fim de garantir sua qualidade. Assim, defendemos: • Rigor na fiscalização do MEC sobre os cursos oferecidos pelo ProUni; • Implementação real do SINAES – Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior – e maior rigor na determinação de descredenciamento de cursos mal avaliados por ele; • Descredenciamento do ProUni de toda faculdade com mais de um curso mal avaliado. Sr. Ministro, Essas são as nossas reivindicações. Sabemos que Vossa Excelência é um dos idealizadores do programa e esperamos que busque sensibilidade e convicção para fazê-las cumprir. Pensamos que assim o ProUni será um programa ainda melhor. Somos a primeira de muitas gerações que terão o direito de estudar através do ProUni. Tentamos neste encontro cumprir o nosso papel, buscando inspiração na idéia de um Brasil grandioso, de uma nação que faça jus ao seu tamanho, às suas riquezas naturais, à sua criatividade científica, tecnológica e econômica e, principalmente, que faça isso através das potencialidades do seu povo. A educação é instrumento fundamental na busca desse desafio. Não queremos mais desperdiçar as grandes mentes brasileiras excluídas dos bancos escolares! Que este encontro incentive a todos que lutam por uma educação melhor e mais democrática! Educação de qualidade a todas e todos os brasileiros! São Paulo, 24 de novembro de 2007. 1º Encontro Municipal dos Estudantes do PROUNI da Cidade de São Paulo.
e d u t n e v u j Dinah Menezes e Gabriela Melo* e d s Com uma série de políticas inovadoras, a O prefeito de Aracaju, Edvaldo Nogueira (centro), c a Prefeitura de Aracaju se torna i ao lado de lideranças juvenis do município. l b referencial para a juventude ú p Resgatando a cidadania “A partir de 11 de agosto, s ra um pedido singelo, mas a Dia do Estudante, todos c que, uma vez atendido, i Entre as políticas voltadas à t os estudantes vão pagar í traria mudanças significa juventude que vêm sendo de l meia-tarifa também aos o tivas na vida dos estudantes da senvolvidas pela administração p capital sergipana. Há anos eles domingos e feriados. municipal em Aracaju, destaca m queriam ter direito à meia-passe o programa Jovem Cidadão, Afinal, estudante não e executado por meio da Secretaria s sagem também aos domingos e deixa de ser estudante a feriados, e demonstravam sua Municipal de Assistência Social e i nesses dias. c vontade usando apitos, faixas Cidadania (Semasc). Tendo como n e argumentos contundentes. ê público-alvo jovens em trajetória i r Apesar de toda a mobilização, Voz aos jovens de rua, o objetivo do programa é e o sonho dos jovens continuava inseri-los na sociedade e reinte p x sendo só um sonho. Entre 1984 e 1985, Edvaldo grá-los a suas famílias. E A conquista veio em junho Nogueira foi presidente do DiPara isso, são oferecidos cur-
Aracaju: garantindo espaço para os jovens
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deste ano. Precisamente no dia 13, o prefeito de Aracaju, Edvaldo Nogueira (PCdoB) anunciou a boa notícia, que beneficiou mais de 85 mil jovens: “A partir de 11 de agosto, Dia do Estudante, todos os estudantes vão pagar meia-tarifa também aos domingos e feriados. Afinal, estudante não deixa de ser estudante nesses dias. Levando em conta sua formação global, é preciso que ele possa utilizar a meia-passagem para ir ao cinema, à biblioteca e a eventos culturais, seja quando for”, disse o prefeito. O presidente do Grêmio Estudantil do Colégio Estadual Atheneu Sergipense, André Luiz, definiu o momento como vitorioso. “Todos os estudantes de Aracaju estão felizes que o prefeito, até como ex-integrante do movimento estudantil, tenha ouvido nossa solicitação e decretado a meia-passagem aos domingos e feriados também”, falou.
retório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal de Sergipe (UFS), fato que suscita uma grande identificação e aproximação entre o prefeito e os estudantes. Sua trajetória tem rendido ainda, no âmbito municipal, iniciativas inéditas voltadas aos jovens, como a criação da Assessoria Especial de Políticas Públicas para a Juventude, em 3 de setembro deste ano. Segundo Edvaldo Nogueira, o objetivo é dar mais espaço para os jovens na administração municipal e elaborar um plano para a juventude de Aracaju, um projeto que incorpore as idéias e anseios dos jovens nas mais diversas áreas. “O diálogo com lideranças e órgãos que representam a classe estudantil tem sido uma marca da atual gestão municipal”, afirma Karla Suely, assessora especial de Políticas Públicas para a Juventude em Aracaju.
sos profissionalizantes, oficinas de arte, atividades esportivas e palestras sócio-educativas, além de refeição e transporte. “Hoje, 161 adolescentes participam do Jovem Cidadão e recebem uma bolsa de R$ 100. Eles têm aulas de judô, capoeira, caratê, serigrafia, percussão, copa e cozinha, informática, confecção e dança. Tudo isso os mantém ocupados, em constante desenvolvimento e promove o resgate da cidadania”, conta a secretária municipal de Assistência Social e Cidadania, Rosária Rabelo. Educação como prioridade
Em Aracaju, as parcerias também vêm rendendo bons frutos para a juventude. Juntamente com o Governo Federal, a Secretaria Municipal de Educação (Semed) desenvolve o Programa Nacional de Inclusão de Jovens em Aracaju (ProJovem). O ob53
Cerimônia de certificação de jovens em Aracaju.
A geração de emprego e renda é uma prioridade e o caminho é a qualificação. Por isso, temos ofertado uma grande quantidade de cursos e os jovens têm aproveitado essa oportunidade.
Oficina de teatro juvenil promovida pela assessoria de políticas públicas de juventude de Aracaju.
jetivo é a conclusão do ensino fundamental de jovens com idade entre 18 e 24 anos, em 12 meses, oferecendo, além das matérias regulares, cursos técnicos profissionalizantes e aulas práticas de cidadania. O resultado é a melhoria na qualidade de vida e aumento da auto-estima. Um dos pontos positivos que podem ser destacados nesse programa é a diminuição da evasão escolar. “O índice de evasão diminuiu para 17%, contra os 50% de índice da escola convencional. Isso se deve a todo um planejamento pedagógico, principalmente no que compete à parte de qualificação profissional que o curso prevê, pois garante aos alunos inserção no mercado de trabalho”, ressalta a secretária municipal de Educação, Tereza Cristina. Inserção no mercado de trabalho
A inserção no mercado de trabalho é uma das principais preocupações dos jovens. Para facilitar esse acesso, a administração municipal vem oportunizando a qualificação profissional, aumentando significativamente as chances de realizar o sonho do primeiro emprego. 54
Para isso, são oferecidos por meio da Fundação Municipal do Trabalho (Fundat) 61 opções de cursos, dentre eles: informática, telemarketing, assistência técnica em microcomputadores, atendimento ao cliente, culinária, depilação, eletricidade, inglês, espanhol e recepcionista. “A geração de emprego e renda é uma prioridade e o caminho é a qualificação. Por isso, temos ofertado uma grande quantidade de cursos e os jovens têm aproveitado essa oportunidade para começar a carreira profissional”, aponta o presidente da Fundat, Carlos Magno. OP Jovem
A participação popular é uma marca da administração na cidade de Aracaju. Para ter um canal de diálogo sempre aberto com a população, existe a Secretaria Municipal de Participação Popular (SEPP). Já para criar um espaço de participação específico para os jovens dentro da SEPP, já está em discussão a criação do Orçamento Participativo da Juventude (OP Jovem). “O OP da Juventude vai dar a esse segmento uma voz ativa dentro da Prefeitura”, diz o secretário municipal de participação popular, Rômulo Rodrigues. * Jornalistas, da assessoria de imprensa da Prefeitura de Aracaju.
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