QUESTÕES COMENTADAS – FURTO E ROUBO (Arts. 155 e 157 do CP) 1) O pai que, tendo o filho sequestrado e ameaçado de morte, é coagido por sequestradores armados e forçado a dirigir-se a certa agência bancária para efetuar um roubo a fim de obter a quantia necessária para o pagamento do resgate e livrar o filho do cárcere privado em que se encontra pode, em tese, lograr a absolvição com base na alegação de (TJSP, juiz, 2009, VUNESP) a) Inexigibilidade de conduta diversa. b) Legítima defesa. c) Exercício regular de direito. d) Estrito cumprimento do dever legal. Comentários: Deve ser marcada a letra “a” . De fato, não era exigível outra conduta do pai nas circunstâncias que se apresentam. A inexigibilidade de conduta diversa leva à exclusão da culpabilidade, elemento integrante da estrutura do crime, segundo a doutrina majoritári a a [1] [1] . Sabe-se que o CP elenca expressamente, em seu art. 22, duas causas de inexigibilidade de conduta diversa, quais sejam: coação irresistível e obediência hierárquic a hierárquic a [2] [2] . No caso da questão certamente vislumbra-se uma coação moral irresistível que levou o pai desesperado a praticar um fato típico e ilícito, mas que não é culpável. O enunciado não traz hipótese de legítima defesa, posto não estarem presentes seus requisitos (art. 25 do CP). Necessário observar que a ação do agente não foi voltada a repelir injusta agressão, pois na realidade cedeu à coação dos sequestradores vindo a dirigir sua conduta danosa contra terceiros. Também não é o caso de exercício regular de direito, visto que ninguém tem o direito de praticar roubo a banco. Do mesmo modo afasta-se a possibilidade de estrito cumprimento de dever legal, conquanto não havia nenhum dever imposto ao agente de proceder da forma como agiu.
2) A e B, agindo de comum acordo, apontaram revólveres para C exigindo a entrega de seus bens. Quando B encostou sua arma no corpo de C, este reagiu entrando em luta corporal com A e B, recusando a entrega da “res furtiva”. Nesse entrevero, a arma portada por B disparou e o projétil atingiu C, que veio a falecer, seguindo-se a fuga de A e B, todavia, sem levar coisa alguma de C. Esse fato configura (TJSP, juiz, 2009, VUNESP) a) Roubo tentado e lesão corporal seguida de morte. b) Roubo tentado e homicídio consumado. c) Latrocínio. d) Homicídio consumado. Comentários: Deve ser marcada a letra “c” . O roubo qualificado pela morte da vítima é um crime qualificado pelo resultado, denominado pela doutrina e pela jurisprudência de latrocínio. O resultado agravador agravador (morte) pode sobrevir tanto a título de dolo quanto a título de culpa. Exige-se, portanto, dolo no antecedente (roubo) e dolo ou culpa no consequente (morte). Os atos tendentes a tirar a vida da vítima devem sobrevir durante ou logo após o roubo, mas sempre em razão deste. Foi o que ocorreu no caso versado na questão em comento: houve a morte da vítima em razão do roubo, podendo-se imputar aos agressores, pelo menos a título de culpa, referido evento. Quanto ao fato de não ter havido subtração, clara é a Súmula nº 610 do STF ao estabelecer que: “Há crime de latrocínio, quando o homicídio se c onsuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima”.
3) João, dependente químico, com intenção de subtrair valores em dinheiro para aquisição de substâncias entorpecentes, entrou em um ônibus estadual e, munido de uma arma de brinquedo, anunciou assalto, ordenando que todos os presentes colocassem, em uma sacola que deixara no chão, os valores em espécie que possuíssem, ameaçando matá-los caso se recusassem a fazê-lo. Todos obedeceram à sua ordem e ele conseguiu subtrair, ao todo, R$ 500,00. João saiu do ônibus e, após uma perseguição policial que durou cerca de meia hora, foi preso. Considerando essa situação hipotética e o concurso formal de crimes, assinale a opção correta (Exame de Ordem 2009.3, OAB, CESPE-UNB).
a) A prisão em flagrante foi ilegal, dado que a perseguição policial tornou impossível a consumação do crime. b) Como o valor subtraído ultrapassou minimamente o valor do salário mínimo em vigor, será possível aplicar o princípio da insignificância, ou da bagatela, para afastar a tipicidade da conduta de João, o qual deverá, consequentemente, consequentemente, ser imediatamente posto em liberdade. c) Para o cálculo da prescrição dos crimes praticados por João, é indiferente o acréscimo que se realize em face do concurso formal de crimes, haja vista que, em tais situações, a extinção da punibilidade incide sobre a pena de cada um dos crimes, isoladamente. d) João praticou crime de roubo qualificado pelo emprego de arma, visto que, embora a arma empregada tenha sido de brinquedo, foi apta a amedrontar as vítimas, tendo o agente conseguido consumar o crime. Comentários: Deve ser marcada a letra “c” . De fato, em caso de concurso de crimes, o cálculo da prescrição deve ser realizado em relação a cada delito, sem levar em consideração eventual acréscimo decorrente do concurso. Nesse sentido: “apesar de se unificarem as penas para efeito de cumprimento, quando se tratar do cálculo da prescrição, deve-se tomar, isoladamente, cada delito” (NUCCI, 2006, p. 514). A hipótese da letra “a” é absurda. Aparentemente a perseguição policial se deu após a consumação do delito. Mesmo que a intervenção policial tivesse ocorrido antes da consumação do crime, mas já iniciada sua execução, a hipótese seria de tentativa de roubo, afastando-se afastando-se a possibilidade de crime crime impossível. De qualquer modo, o flagrante foi legítimo. Segundo posição da doutrina e jurisprudência majoritárias, majoritárias, não se aplica o princípio da insignificância ao crime de roubo. Afasta-se, assim, a hipótese veiculada na letra “b” . A assertiva constante na letra “d” também não está correta. O uso de arma de brinquedo é meio idôneo para intimidação da vítima mediante grave ameaça, levando à caracterização do crime de roubo. Tal circunstância, contudo, não é suficiente para atrair a incidência da majorante prevista no art. 157, § 2º, I, do CP, que faz referência ao emprego de arma na execução do roubo. Não houve, portanto, roubo “qualificado”, “majorado” ou “circunstanciado”. O entendimento predominante atualmente, portanto, é que o emprego de arma de brinquedo para ameaçar a vítima leva à caracterização do roubo, porém não conduz à incidência da majorante em referência dada a ausência de potencialidade lesiva. A Súmula 174 do STJ, que sustentava a incidência da causa de aumento no caso do emprego de arma de brinquedo durante o roubo, foi cancelada em 24-10-2001, DJU 06-11-2001.
4) Lurdes subtraiu um passe de ônibus de Camila, utilizando-se de uma arma de brinquedo para ameaçar a vítima. A ação foi inteiramente monitorada por policiais que se encontravam no cenário do crime, os quais prenderam a agente em flagrante, lavrando termo de restituição do objeto apreendido à vítima. Com base na situação hipotética apresentada, assinale a opção correta (MPTO, promotor, 2006, CESPE-UNB). a) Lurdes responderá por roubo qualificado pelo emprego de arma de fogo. b) De acordo com recente entendimento do STF, Lurdes responderá por crime de roubo tentado, embora se tenha apoderado da res furtiva . c) É pacífico o entendimento de que o juiz, ao sentenciar o caso, poderá aplicar o princípio da insignificância. d) O monitoramento da ação de Lurdes pelos policiais não influi na consumação do crime. Comentários: Deve ser marcada a letra “b” . A questão, formulada em concurso de 2006, visivelmente foi inspirada em julgado (HC 88.259), então recente, do STF, divulgado no Informativo-STF nº 425 (de 1º a 05 de maio de 2006). Eis a ementa do mesmo: HABEAS CORPUS. PENAL. ROUBO TENTADO OU CONSUMADO. CONTROVÉRSIA. Ainda que o agente tenha se raída sob a ameaça de arma de brinquedo, é de se reconhecer o crime tentado, e não o apossado da “res”, subt raída consumado, considerada a particularidade particularidade de ter sido ele a todo tempo monitorado por policiais que se encontravam no cenário do crime. Hipótese em que o paciente subtraiu um passe de ônibus, o qual, com a ação dos policiais, foi restituído imediatamente à vítima. Ordem concedida. (STF, 2ª Turma, HC 88259-SP, rel. min. Eros Grau, Grau, DJ 26-05-2006).
O STF considerou que a presença dos policiais durante a execução do delito interferiu na consumação deste, mesmo que os mesmos tenham agido depois da inversão da posse. Isto ficou bem claro no voto do relator, acompanhado por seus pares: “É um caso típico de crime tentado, e não consumado, já que o agente se teve a posse d a coisa roubada, todavia permanecia sob vigilância do policial de rua”. Não se trata de crime impossível (art. 17 do CP), posto que o reconhecimento deste levaria à inviabilidade de punição da tentativa. A questão reforça a percepção de que os estudantes de Direito e, principalmente, os concursandos, devem acompanhar os Informativos do STF e do STJ. Quanto à letra “a” , já vimos nos comentários da questão anterior que o emprego da arma de brinquedo para execução do roubo não se presta a majorá-lo. O princípio da insignificância e inaplicável ao crime de roubo. Incorreta, portanto, a afirmação constante na letra “c” . No tocante à letra “d” , já vimos que, segundo o STF, o monitoramento da ação do(a) agente por policiais inviabiliza a consumação do roubo, devendo a conduta ser apenada na forma tentada. Essa circunstância, portanto, influencia na consumação do delito.
5) Em relação aos crimes contra o patrimônio, assinale a opção correta (defensor-PI, 2009, CESPE-UNB). a) Segundo a teoria da contrectatio , o momento consumativo do delito de furto ocorre quando o agente consegue levar o objeto ao lugar a que era destinado. b) Segundo o STJ, não incide a majorante do repouso noturno quando o furto é praticado em estabelecimentos comerciais. c) A majorante do repouso noturno incide sobre delito de furto praticado em sua forma qualificada. d) Caracteriza bis in idem a condenação dos mesmos agentes pelo crime de quadrilha armada e roubo qualificado pelo uso de armas e concurso de pessoas. e) O crime de defraudação de penhor configura-se com a obtenção de vantagem indevida, oriunda da alienação, de qualquer modo, de bem dado em penhor, seja ele fungível ou infungível. Comentários: Deve ser marcada a letra “e”. Segundo o STJ: “O crime de defraudação de penhor se configura com a obtenção de vantagem indevida, oriunda da alienação, de qualquer modo, de bem dado em penhor, seja ele fungível ou infungível” (RHC 23.199-SP, 6ª Turma, j. 03.06.2008). Note-se que a assertiva apenas repetiu os termos da jurisprudência referida. Afasta-se a hipótese da letra “a”, posto que a teoria da “contrectatio” expressa que “a consumação se dá pelo simples contato entre o agente e a coisa alheia, dispensando o seu deslocamento” (CUNHA, 2008, v.3, p 119). Quanto à letra “b” , afirma Cleber Masson (2010, v. 2, p. 321), citando o HC 29.153-MS, que a jurisprudência do STJ inclina-se no sentido de sustentar que: “[...] a majorante é perfeitamente aplicável aos fur tos cometidos durante o repouso noturno em automóveis estacionados em vias públicas, bem como em estabelecimentos comerciais” . No tocante à letra “c” , resta mencionar que prevalece o entendimento (CAPEZ, 2006, v. 2, p. 387) de que a majorante do repouso noturno (art. 155, § 1º, do CP) somente se aplica ao furto em sua forma simples (art. 155, caput, do CP). Argumenta-se na doutrina e jurisprudência que se fosse intenção da Lei aplicar a majorante ao furto qualificado (previsto no art. 155, § 4º, do CP) a mesma teria sido prevista em parágrafo posterior à previsão da forma qualificada do delito. No tocante à letra “d”, cumpre mencionar que é reiterada a jurisprudência do STJ no seguinte sentido: “Não configura „bis in idem‟ a condenação por c rime de quadrilha armada e roubo qualificado pelo uso de armas, ante a autonomia e independência dos delitos” (STJ, 5ª Turma, HC 54773-SP, rel. min. Laurita Vaz, DJ 07-02-2008). No mesmo sentido: “Bis in idem que não se caracteriza, na condenação por crime de quadrilha armada e roubo qualificado pelo uso de armas e concurso de pessoas, tendo em vista a autonomia e independência dos delitos” (STJ, 5ª Turma, REsp 819773-TO, rel. min. Gilson Dipp, DJ 11-09-2006). O crime de quadrilha armada está previsto no art. 288, parágrafo único, do CP.
6) Assinale a opção correta com referência aos crimes contra o patrimônio (delegado-PB, 2009, CESPE-UNB). a) No crime de roubo, se a arma não é apreendida e, consequentemente, não pode ser submetida a perícia, o autor do crime responde por roubo simples, pois, tratando-se de crime não transeunte, a prova testemunhal não supre a ausência de perícia, mesmo que tenha havido disparo da arma de fogo.
b) A jurisprudência tem aplicado analogicamente o entendimento já consolidado quanto ao crime de furto, para fins de afastar a tipicidade do roubo de uso. c) Inexiste concurso material entre os delitos de quadrilha armada e o roubo qualificado pelo emprego de arma, devendo o porte ou a posse da arma de fogo ser considerado uma única vez, sob pena de bis in idem . d) Ocorre crime de latrocínio se, logo após a subtração da coisa pretendida, por aberractio ictus , o agente atinge seu comparsa, querendo matar a vítima. e) Se o agente, após subtrair os pertences da vítima com grave ameaça, obriga-a a entregar o cartão do banco e a fornecer a respectiva senha, há concurso formal entre os crimes de extorsão e roubo, pois são crimes da mesma espécie, isto é, contra o patrimônio. Comentários: Deve ser marcada a letra “d”. Explica Rogério Greco (2009, p. 159) que: “Para que se possa falar em „aberratio ictus‟ deve ocorrer a seguinte situação: a) o agente quer atingir uma pessoa; b) contudo, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, vem a atingir uma pessoa diversa”. Nesse caso, segundo o art. 73 do CP, o agente responde como se tivesse atingido a pessoa visada. Assim, mesmo que tenha atingido seu parceiro na empreitada criminosa, o agente deve responder como se tivesse atingido a vítima. No caso da assertiva, essa circunstância, considerando-se a intenção de matar, leva à caracterização de latrocínio (consumado ou tentado, conforme sobrevenha ou não a morte da pessoa atingida). Quanto à letra “a” , pedimos vênia para transcrever o seguinte ensinamento de Cleber Masson (2010, v. 2, p. 375): “O entendimento atual do Plenário do Supremo Tribunal Federal é no sentido de serem desnecessárias, para fins de aplicação da causa de aumento de pena prevista no art. 157, § 2º, inciso I, do Código Penal, a apreensão da arma e sua respectiva perícia, desde que o emprego da arma e seu potencial lesivo sejam provados por outros meios, tais como declarações da vítima e depoimentos de testemunhas”. Portanto, não é somente através de perícia que se pode comprovar o emprego de arma na execução do roubo para fins de imputação da forma majorada. No tocante à letra “b” , basta deixar registrado que a doutrina e jurisprudência majoritárias afirmam que não há atipicidade no caso do crime de roubo de uso, pois na hipótese não se ofende somente o patrimônio, mas também outros bens jurídicos (integridade física e/ou liberdade individual). Deve, portando, o agente responder normalmente por roubo, mesmo que pretenda apenas usar o objeto subtraído. Quanto a este ponto, assim leciona Rogério Sanches Cunha (2008, v.3, p. 130): O roubo de uso é crime (TJDFT 44/180), não importando se a real intenção do agente era subtrair para ficar ou subtrair apenas para usar momentaneamente (o uso da coisa é um dos poderes inerentes à propriedade, da qual o agente se investe mediante violência ao real proprietário). Reconhecemos, porém, importante parcela da doutrina lecionando que o „animus‟ de uso exclui o crime. A letra “c” também traz assertiva incorreta, conforme já exposto nos comentários referentes à questão anterior. No tocante à letra “e” , o simples fato de se afirmar que roubo e extorsão são crimes da mesma espécie já conduz à conclusão de incorreção da assertiva. Entende-se atualmente que crimes da mesma espécie apenas são aqueles que dizem respeito à mesma figura típica (ou seja, o roubo, seja ele simples, majorado ou qualificado é de mesma espécie). Quando os delitos correspondem a figuras típicas distintas, mesmo que o bem jurídico primordialmente protegido seja o mesmo, não é o caso de crimes da mesma espécie. Desse modo, o roubo e a extorsão, apesar de terem como bem jurídico primordialmente protegido o patrimônio, não podem ser considerados crimes da mesma espécie.
7) Considera-se famulato o furto (delegado-PB, 2009, CESPE-UNB) a) Praticado em estado de extrema miserabilidade, para evitar perigo maior decorrente da ausência de alimentação, situação em que há estado de necessidade, não se incluindo no conceito, entretanto, o furto de bens supérfluos. b) De gados pertencentes a terceira pessoa, espalhados por currais, com ânimo de assenhoramento definitivo pelo autor do crime. c) Praticado pelo empregado, aproveitando-se de tal situação, de bens pertencentes ao empregador. d) De energia elétrica. e) De bens de uso comum do povo, que possam ter algum valor econômico. Comentários: Deve ser marcada a letra “c” . Aqui não cabem maiores comentários. Basta dizer que o famulato é largamente referido na doutrina para definir o furto realizado pelo empregado em detrimento dos bens de seu patrão.
8) Se aceita a adoção do princípio da insignificância em caso de furto de bagatela, a hipótese será de (TJ-AP, juiz, 2009, FCC) a) Absolvição por atipicidade material da conduta. b) Redução da pena pela regra do art. 155, § 2º, do Código Penal. c) Concessão de perdão judicial. d) Extinção da punibilidade. e) Reconhecimento de circunstância atenuante inominada. Comentários: Deve ser marcada a letra “a” . Hoje se aceita de forma praticamente pacífica que a tipicidade deve ser entendida em seus aspectos formal e material. Há tipicidade formal quando determinada conduta concreta se adequa ao comportamento abstratamente previsto no tipo penal. Ocorrem situações, contudo, que embora havendo a tipicidade formal, não há a tipicidade material, assim entendida esta como lesão significativa ao bem jurídico protegido pelo tipo. Desse modo, se alguém furta (em circunstâncias normais), por exemplo, um lápis, há tipicidade formal (adequação da conduta do agente ao comportamento previsto no art. 155 do CP), porém não se pode dizer que há uma lesão significativa ao bem jurídico protegido pelo t ipo (patrimônio da vítima). Não há, destarte, tipicidade material. Diante desse aspecto, para ser reconhecida a presença da tipicidade, o fato deve ser tanto formalmente quanto materialmente típico; e, uma vez constatada a presença de crime de bagatela (pela aplicação do princípio da insignificância), que pressupõe não ter havido lesão significativa ao bem jurídico protegido, resta concluir que o fato não é materialmente típico. Assim, impende absolver o réu por atipicidade da sua conduta.
9) Antônio sentou-se ao lado de João, em ônibus coletivo, e subtraiu dele, sem que João percebesse, certa importância em dinheiro. Após deslocar-se para outro lugar do coletivo, saca de uma arma de fogo, ameaça Pedro e Paulo, subtraindo de cada um deles 1 (um) celular e 1 (um) relógio de ouro. Avalie o contexto e assinale a alternativa CORRETA (TJ-PR, juiz, 2010, PUCPR): I. Há roubo em concurso formal com furto em continuidade delitiva. II. Cometeu furto em concurso material com roubo continuado. III. Há concurso formal de furto e roubo. IV. Há furto em concurso material com roubos em concurso formal. a) b) c) d)
Apenas a assertiva I está correta. As assertivas II e IV estão corretas. Apenas a assertiva II está correta. Apenas a assertiva IV está correta.
Comentários: Deve ser marcada a letra “d” . Resta claro na assertiva que Antônio inicialmente praticou o crime de furto contra João. Esta foi a sua primeira ação. Depois praticou o crime de roubo contra Pedro e Paulo. Esta foi a sua segunda ação. Desse modo, temos duas ações, sendo que na primeira foi praticado um único crime (de furto), porém na segunda ação identifica-se a prática de dois crimes de roubo. Portanto, há concurso material (duas ações diferentes – art. 69 do CP) entre o crime de furto e os roubos. Como foram praticados dois roubos mediante uma única ação (segunda ação, segundo já explicado), verifica- se concurso formal nesse caso entre os dois crimes de roubo (art. 70 do CP). Daí a assertiva correta referir que “há furto em concurso material com roubos em concurso formal”.
10) Coloque “C” (Certo) ou “E” (Errado):
a) ( ) Júlio e Lúcio combinaram entre si a prática de crime de furto, ficando ajustado que aquele aguardaria no carro para assegurar a fuga e este entraria na residência – que, segundo pensavam, estaria vazia – para subtrair as jóias de um cofre. Ao entrar na residência, Lúcio verificou que um morador estava presente. Lúcio, que tinha ido armado sem avisar Júlio, matou o morador para assegurar a prática do crime. Depois de fugirem, Júlio e Lúcio dividiram as jóias subtraídas. Nessa situação, Júlio responderá pelo crime de furto, enquanto Lúcio responderá pelo crime de roubo (delegado federal, 2004, CESPEUNB). b) ( ) Considere a seguinte situação hipotética. Luiz, imputável, aderiu deliberadamente à conduta de Pedro, auxiliando-o no arrombamento de uma porta para a prática de um furto, vindo a adentrar na residência, onde se limitou, apenas, a observar Pedro, durante a subtração dos objetos, mais tarde
repartidos entre ambos. Nessa situação, Luiz responderá como partícipe do delito pois atuou em atos diversos dos executórios praticados por Pedro, autor direto (delegado-TO, 2008, CESPE-UNB). c) ( ) O roubo nada mais é do que um furto associado a outras figuras típicas, como as originárias do emprego de violência ou grave ameaça (delegado-TO, 2008, CESPE-UNB). d) ( ) A presença de sistema eletrônico de vigilância em estabelecimento comercial torna crime impossível a tentativa de furto de um produto desse estabelecimento, por absoluta ineficácia do meio, conforme entendimento consolidado do STJ (DPU, defensor, 2010, CESPE-UNB). Comentários: Na letra “a” temos uma assertiva correta. A situação espelhada é resolvida com base na previsão constante no art. 29, § 2º, do CP: “Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser -lhe-á aplicada a pena deste […]”. No caso, verifica-se que Júlio quis participar apenas do crime de furto. Deve, portanto, responder nos limites de seu dolo. Quanto a Lúcio, inegável que cometeu o crime de roubo. Na letra “b” temos uma assertiva errada. Na situação hipotética, Luiz figura como coautor e não como partícipe. Cabe lembrar que na doutrina pátria temos duas teorias que disputam a preferência dos penalistas quando se trata de definir o conceito de autor, quais sejam: b) teoria objetiva formal; a) teoria do domínio do fato. As duas pressupõem um conceito restritivo de autor, ou seja, diferenciam autor (e coautor) de partícipe. Para a teoria objetiva formal, autor (ou coautor) é somente aquele que realiza o núcleo do tipo (núcleo este que, no crime de furto, como sabemos, é “subtrair”), sendo partíc ipe aquele que contribui de outra maneira (acessoriamente) para o delito. Para a teoria do domínio do fato, autor é aquele que tem poder de decisão (mesmo que parcial) no processo de execução do delito. Quanto à adoção das duas teorias no Brasil, enfatizam Luiz Flávio Gomes e Antonio García-Pablos de Molina (2007, v. 2, pp. 495-496): [...] a clássica doutrina pátria (assim como a jurisprudência) adota, em geral, a teoria objetiva formal e, dessa forma, afirma que autor é quem realiza o verbo núcleo do tipo, sendo partícipe quem concorre para o delito de outra maneira. […] Na atualidade, entretanto, prepondera a teoria do domínio do fato, que é muito superior. Para ela, autor em Direito penal é: (a) quem realiza o verbo núcleo do tipo (que tem o domínio da ação típica); (b) quem tem o domínio organizacional da ação típica (quem organiza, quem planeja etc.); (c) quem participa funcionalmente da execução do crime mesmo sem realizar o verbo núcleo do tipo (quem segura a vítima para que seja golpeada por outra pessoa), ou, ainda, (d) quem tem o domínio da vontade de outras pessoas (isso é o que ocorre na autoria mediata). Por fim, pertinente também ventilar que coautor, em uma análise sintética, nada mais é do que um autor que compartilha com um ou mais autores (também considerados coautores na hipótese de concurso de agentes) a execução de um delito determinado; ou seja, o conceito de autor serve também para definir o conceito de coauto r [3] . Já o partícipe é aquele cuja conduta é secundária no concurso de agentes, materializando-se através do auxílio, induzimento ou instigação. Na assertiva ora comentada, vê-se claramente que a banca examinadora adotou a teoria do domínio do fato, tendo considerado Luiz como coautor do furto. A letra “c” contém assertiva correta. Uma simples leitura dos arts. 155 e 157 do CP conduz à conclusão de que a diferença fundamental entre os crimes de furto e roubo está no fato deste último exigir que a subtração seja levada a efeito mediante violência (própria ou imprópria) ou grave ameaça. Nos dois delitos há a subtração de coisa alheia móvel com intenção de assenhoreamento definitivo. A letra “d” apresenta assertiva errada. No caso evidenciado não há crime impossível, segundo reiteradamente tem decidido o STJ: “A presença de sistema eletrônico de vigilância no estabelecimento comercial ou mesmo a vigilância da sua conduta por preposto da empresa não torna o agente completamente incapaz de consumar o furto, a ponto de reconhecer configurado o crime impossível, pela absoluta ineficácia dos meios empregados. Precedente do STJ” (STJ, 5ª Turma, HC 117880-SP, rel. min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 03-11-2009).
GABARITO: 1A 2C 3C 4B 5E 6D 7C 8A 9D 10 C, E, C, E
QUESTÕES COMENTADAS - CRIMES CONTRA A VIDA (Arts. 121 a 128 do CP) 1) JOÃO CARVALHO, respeitado neurocirurgião, opera a cabeça de JOSÉ PINHEIRO. Terminada a operação, com o paciente já estabilizado e colocado na Unidade de Tratamento Intensivo para observação, JOÃO CARVALHO deixa o hospital e vai para casa assistir ao último capítulo da novela. Ocorre que, pelas regras do hospital, JOÃO CARVALHO deveria permanecer acompanhando JOSÉ PINHEIRO pelas doze horas seguintes à operação. Como é um fanático noveleiro, JOÃO desrespeita essa regra e pede à MARGARIDA, médica da sua equipe, que acompanhe o pós-operatório. MARGARIDA é uma médica muito preparada e tão respeitada e competente quanto JOÃO. MARGARIDA, ao ver JOSÉ PINHEIRO, o reconhece como sendo o assassino de seu pai. Tomada por uma imensa revolta e um sentimento incontrolável de vingança, MARGARIDA decide matar aquele assassino cruel que nunca fora punido pela Justiça, porque é afilhado de um influente político. MARGARIDA determina à enfermeira HORTÊNSIA que troque o frasco de soro que alimenta JOSÉ, tomando o cuidado de misturar, sem o conhecimento de HORTÊNSIA, uma dose excessiva de anti-coagulante no soro. JOSÉ morre de hemorragia devido ao efeito do anti-coagulante. Assinale a alternativa que indique o crime praticado por cada envolvido (FGV, TJPA, Juiz, 2009). a) JOÃO CARVALHO: homicídio culposo – MARGARIDA: homicídio doloso – HORTÊNSIA: homicídio culposo. b) JOÃO CARVALHO: homicídio culposo – MARGARIDA: homicídio doloso – HORTÊNSIA: não praticou crime algum. c) JOÃO CARVALHO: homicídio preterdoloso – MARGARIDA: homicídio culposo – HORTÊNSIA: homicídio culposo. d) JOÃO CARVALHO: não praticou crime algum – MARGARIDA: homicídio doloso – HORTÊNSIA: não praticou crime algum. e) JOÃO CARVALHO: homicídio culposo – MARGARIDA: homicídio preterdoloso – HORTÊNSIA: não praticou crime algum. Comentários: A resposta correta corresponde à letra “D”. JOÃO CARVALHO não praticou crime algum. Não se pode confundir eventual responsabilidade funcional com responsabilidade penal. Ele não agiu dolosa nem culposamente em relação ao resultado. JOÃO, de fato, se ausentou do plantão, porém deixou substituta à altura. Isso contrariou as regras do hospital, o que poderia lhe acarretar alguma responsabilização funcional. O fato não é suficiente, contudo, para dizer que ele foi negligente ou imprudente. De outro modo, percebe-se que a conduta dele não teve vinculação direta com a morte, que foi causada exclusivamente pela ação dolosa de MARGARIDA. Quanto a HORTÊNSIA, percebe-se que a mesma foi utilizada apenas como um instrumento para executar a ação pretendida por MARGARIDA, que foi a autora mediata do homicídio. A conduta de HORTÊNSIA revela a ocorrência de erro de tipo escusável, pois trocou o soro de JOSÉ sem saber que dentro no novo recipiente havia uma substância letal; ou seja, não sabia que, com sua ação estava “matando” a vítima. Não responde, portanto, por crime algum. Quando a MARGARIA, como já se disse, foi autora mediata do homicídio doloso. Ocorreu a situação prevista no art. 20, § 2º, do CP (GRECO, 2009, p. 76; NUCCI, 2006, p. 206).
2) JORGE é uma pessoa má e sem caráter, que sempre que pode prejudica outra pessoa. Percebendo que IVETE está muito triste e deprimida porque foi abandonada por MATEUS, JORGE inventa uma série de supostas traições praticadas por MATEUS que fazem IVETE sentir-se ainda mais desprezível, bem como deturpa várias histórias de modo que IVETE pense que nenhum de seus amigos realmente gosta dela.
Por causa das conversas que mantém com JORGE, IVETE desenvolve o desejo de autodestruição. Percebendo isso, JORGE continua estimulando seu comportamento autodestrutivo. Quando IVETE já está absolutamente desolada, JORGE se oferece para ajudá-la a suicidar-se, e ensina IVETE a fazer um nó de forca com uma corda para se matar. No dia seguinte, IVETE prepara todo o cenário do suicídio, deixando inclusive uma carta para MATEUS, acusando-o de causar sua morte. Vai até a casa de MATEUS, amarra a corda na viga da varanda, sobe em um banco, coloca a corda no pescoço e pula para a morte. Por causa do seu peso, a viga de madeira onde estava a corda se quebra e IVETE apenas cai no chão. Como consequência da tentativa frustrada de suicídio, IVETE sofre apenas arranhões leves. Assinale a alternativa que indique a pena a que, por esse comportamento, JORGE está sujeito (FGV, TJPA, Juiz, 2009). a) Tentativa de homicídio. b) Lesão corporal leve. c) Induzimento ou instigação ao suicídio. d) Auxílio ao suicídio. e) Esse comportamento não é punível. Comentários: A resposta correta corresponde à letra “E”. A conduta de JORGE seria enquadrada nos termos do art. 122 do CP se IVETE tivesse morrido ou sofrido lesão corporal grave ou gravíssima. Referido dispositivo assim dispõe: “Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar -se ou prestar-lhe auxílio para que o faça: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave”. Diante dessa redação, construiu a doutrina que o fato somente é punível se por conta do induzimento, instigação ou auxílio, a vítima tenta se suicidar e consegue (efetivamente morre), ou se por conta de sua ação vem a sofrer lesão grave ou gravíssima. Caso não ocorra nenhum desses resultados, o fato é atípico, pois não se admite simples tentativa de praticar o crime previsto no art. 122 do CP (CAPEZ, 2006, v.2, pp. 92-93). Para haver punição deve ocorrer um dos resultados previstos no tipo.
3) De acordo com o art. 14, inciso II, do CP, diz-se tentado o crime quando, iniciada a execução, este não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. Em relação ao instituto da tentativa (conatus ) no ordenamento jurídico brasileiro, assinale a opção correta (CESPE-UNB, Exame OAB 2009.2). a) A tentativa determina a redução de pena, obrigatoriamente, em dois terços. b) As contravenções penais não admitem punição por tentativa. c) O crime de homicídio não admite tentativa branca. d) Considera-se perfeita ou acabada a tentativa quando o agente atinge a vítima, vindo a lesioná-la. Comentários: A resposta correta corresponde à letra “B”. Quanto à assertiva “A” , verifica-se que o art. 14, parágrafo único, do CP, prevê que, em regra, o reconhecimento da tentativa leva a uma redução de pena de um a dois terços. A proporção de redução, portanto, não é fixa como afirma a assertiva. A assertiva “B” , que é a correta, encontra absoluta paridade com o que está previsto no art. 4º da Lei das Contravenções Penais (Decreto-lei nº 3.688, de 03-10-1941). No tocante à assertiva “C” , necessário lembrar que tentativa branca ou incruenta é aquela em que a vítima não chega a ser atingida pela ação do
agente. Ex: sujeito, com intenção de matar, atira em alguém, porém erra a pontaria e não acerta em ninguém. Como se vê, nesse caso (de tentativa branca), o agente responde normalmente por tentativa; no caso do exemplo, de homicídio. Quanto à assertiva “D” , relembra-se que a tentativa perfeita ou acabada ( também conhecida como crime falho) ocorre “[…] quando o agente esgota, segundo o seu entendimento, todos os meios que tinha ao seu alcance a fim de alcançar a consumação da infração penal, que somente não ocorre por circunstâncias alheias à sua vontade” (G RECO, 2009a, p. 40). Portanto, o conceito que aparece na assertiva não possui exata relação com a noção de tentativa perfeita; sendo, na realidade, o conceito de tentativa cruenta. No dizer de Fernando Capez (2003, v. 1, p. 226): “Cruenta: a vítima é atin gida, vindo a lesionar-se. Do mesmo modo, pode ocorrer tentativa cruenta na tentativa imperfeita (a vítima é ferida, e, logo em seguida, o agente vem a ser desarmado) ou na perfeita (o autor descarrega a arma na vítima, lesionando- a)”. 4) Com relação ao dolo e à culpa, assinale a opção correta (CESPE-UNB, Exame OAB 2009.2). a) A conduta culposa poderá ser punida ainda que sem previsão expressa na lei. b) Caracteriza-se a culpa consciente caso o agente preveja e aceite o resultado do delito, embora imagine que sua habilidade possa impedir a ocorrência do evento lesivo previsto. c) Caracteriza-se a culpa própria quando o agente, por erro de tipo inescusável, supõe estar diante de uma causa de justificação que lhe permite praticar, licitamente, o fato típico. d) Considere que determinada agente, com intenção homicida, dispare tiros de pistola contra um desafeto e, acreditando ter atingido seu objetivo, jogue o suposto cadáver em um lago. Nessa situação hipotética, caso se constate posteriormente que a vítima estava viva ao ser atirada no lago, tendo a morte ocorrido por afogamento, fica caracterizado o dolo geral do agente, devendo este responder por homicídio consumado. Comentários: A resposta correta corresponde à letra “D”. Descarta- se a letra “A” por conta da previsão constante no art. 18, parágrafo único, do CP: “Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente”. Portanto, somente é possível a punição pela modalidade culposa de determinado crime se houver previsão expressa nesse sentido. Quanto à letra “B” , percebe-se que na culpa (mesmo consciente) não há aceitação do resultado, que é um dos elementos que caracteriza o dolo eventual. No tocante à letra “C” , esclarece-se que o conceito lá ilustrado é de culpa imprópria e não de culpa própria (GRECO, 2009, p. 52). Colhe-se na doutrina o seguinte ensinamento, que demonstra a exatidão da assertiva “D” (CAPEZ, 2003, v. 1, p. 190): Dolo geral, erro sucessivo ou “aberratio causae”: quando o agente, após realizar a conduta, supondo já ter produzido o resultado, pratica o que entende ser um exaurimento e nesse momento atinge a consumação. Exemplo: um perverso genro, logo após envenenar sua sogra, acreditando-a morta, joga-a, o que supunha ser um cadáver, nas profundezas do mar. A vítima, no entanto, ainda se encontrava viva, ao contrário do que imaginava o autor, vindo, por conseguinte, a morrer afogada. Operou-se um equívoco sobre o nexo causal, pois o autor pensava tê-la matado por afogamento. No momento em que imaginava estar simplesmente ocultando um cadáver, atingia a consumação. Tal erro é irrelevante para o Direito Penal, pois o que importa é que o agente queria matar, e acabou, efetivamente, fazendo-o, não interessando se houve erro quanto à causa geradora do resultado morte. O dolo é geral e abrange toda a situação, até a consumação, devendo o sujeito ser responsabilizado por homicídio doloso consumado, desprezando-se o erro incidente sobre o nexo causal, por se tratar de um erro meramente acidental. Mais. Leva-se em conta o meio que o agente tinha em mente (emprego de veneno), para fins de qualificar o homicídio, e não aquele que, acidentalmente, acabou empregando (asfixia por afogamento).
5) A premeditação pode ser vista como o desejo de praticar o crime, cultuado no interior do agente, que aguarda o momento ideal para fazê-lo. Neste caso (TJMT, Juiz, VUNESP, 2009), a) Somente poder-se-á falar em premeditação, enquanto qualificadora do crime de homicídio, se houver um lapso temporal entre o motivo que desencadeia o delito e sua ocorrência. b) Apesar de sua importância, não está prevista expressamente em nosso ordenamento jurídico como qualificadora. c) Trata-se de causa de aumento de pena aplicada sempre que ficar provado que o agente poderia ter desistido do resultado, mas, ao invés disso, seguiu adiante na prática criminosa. d) Verifica-se que, na maioria dos delitos praticados, a premeditação está presente na conduta do agente, todavia, só há previsão legal para qualificar-se o delito no crime de homicídio. e) O planejamento anterior à prática do crime é previsto como circunstância agravante genérica prevista na parte geral do Código Penal. Comentários: A resposta correta corresponde à letra “B”. A premeditação não é prevista no CP como agravante genérica, nem como causa de aumento de pena ou qualificadora. Fernando Capez (2006, v. 2, pp. 61-62) faz os seguintes comentários sobre ela no tocante ao crime de homicídio:
Premeditar, segundo do dicionário Aurélio, significa resolver com antecipação e refletidamente. A doutrina, estrangeira e pátria, nunca chegou a um consenso sobre o exato sentido do termo “premeditação”. Sempre se discutiu se a premeditação denotaria um maior grau de depravação moral do agente, de perversidade, ou, pelo contrário, denotaria uma maior resistência à prática delitiva. Em algumas legislações a premeditação constituiria traço característico do assassinato (Código Penal suíço de 1937). A nossa legislação penal, contudo, não prevê a premeditação como circunstância qualificadora do homicídio, pois entende-se que ela, muitas vezes, demonstraria uma maior resistência do agente aos impulsos criminosos, motivo que não justificaria o agravamento da pena. [...] Em que pese não ser prevista como qualificadora, a premeditação, conforme o caso concreto, poderá ser levada em consideração para agravar a pena, funcionando como circunstância judicial (CP, art. 59). (grifos nossos) 6) João matou seu desafeto com vinte golpes de faca. Nesse caso (Defensor Público-MT, FCC, 2009), a) Ocorreu concurso formal de infrações. b) Responderá por vinte crimes de homicídio em concurso material. c) Deve ser reconhecido o crime continuado. d) Responderá por um crime de homicídio. e) Responderá por crime de homicídio tentado e consumado em concurso material. Comentários: A resposta correta corresponde à letra “D”. O crime de homicídio é um delito plurissubsistente, de tal modo que vários atos integram a conduta “matar”. No caso, cada facada (todas desferidas em um mesmo contexto fático) foi apenas um ato integrante da conduta voltada a tirar a vida da vítima. Portanto, ocorreu um único de crime de homicídio, até mesmo porque a vítima foi uma só.
7) Não se inclui dentre as qualificadoras do crime de homicídio a (Defensor Público-MT, FCC, 2009) a) Premeditação. b) Traição. c) Surpresa. d) Emboscada. e) Asfixia. Comentários: A resposta correta corresponde à letra “A”. O art. 121, § 2º, do CP, prevê expressamente a traição, emboscada e asfixia como circunstâncias qualificadoras. No tocante à surpresa, entende a doutrina que ela qualifica o crime de homicídio por levar à configuração de um modo de execução que dificulta ou torna impossível a defesa do ofendido (art. 121, § 2º, IV, do CP), conforme se colhe na doutrina de Fernando Capez (2006, v.2, p. 56). A premeditação não qualifica o crime de homicídio, segundo já se deixou claro nos comentários da questão “5”.
8) Quanto aos crimes contra a pessoa, assinale a opção correta (CESPE-UNB, Defensor Público-PI, 2009). a) São compatíveis, em princípio, o dolo eventual e as qualificadoras do homicídio. É penalmente aceitável que, por motivo torpe, fútil etc., assuma-se o risco de produzir o resultado. b) É inadmissível a ocorrência de homicídio privilegiado-qualificado, ainda que a qualificadora seja de natureza objetiva. c) No delito de infanticídio incide a agravante prevista na parte geral do CP consistente no fato de a vítima ser descendente da parturiente. d) No delito de aborto, quando a gestante recebe auxílio de terceiros, não se admite exceção à teoria monista, aplicável ao concurso de pessoas. e) Por ausência de previsão legal, não se admite a aplicação do instituto do perdão judicial ao delito de lesão corporal, ainda que culposa. Comentários: A resposta correta corresponde à letra “A”. No dolo eventual não se tem presente uma vontade direta de realizar o resultado previsto no tipo, porém o agente prevê e aceita esse resultado. Portanto, essa aceitação pode se dar por um motivo torpe, por exemplo. Quanto à letra “B” , tem reiteradamente assentado a doutrina e jurisprudência que é possível reconhecer a coexistência de qualificadora objetiva com circunstância que induza o privilégio (que são todas subjetivas). Nessa situação ocorrerá o chamado homicídio privilegiado-qualificado. No tocante à letra “C” , não se pode admitir a incidência da agravante em referência, pois tal circunstância já figura como elementar do tipo insculpido no art. 123 do CP. Desse modo, ocorre rá vedado “bis in idem” se admitirmos isso; ou seja, teremos uma mesma circunstância sendo utilizada para fazer a adequação típica e também para agravar a pena da agente. Quanto à letra “D” , deve ser observado que quando terceiro age como co-autor no crime de auto-aborto (art. 124 do CP), ele responde pelo crime do art. 126 do CP, enquanto que a gestante responde pelo art. 124 do mesmo “codex”. Da mesma forma, quando uma gestante, conscientemente, procura um terceiro (médico, por exemplo) para realizar procedimentos que levarão à morte do nascituro que ela carrega em seu ventre, sendo nessas circunstâncias realizado o aborto; o terceiro responde pelo art. 126 do CP e a gestante responderá pelo art. 124 do CP. Esta é uma exceção à teoria monista (que sustenta o entendimento de que aqueles que concorrem para um mesmo fato criminoso devem responder pelo mesmo tipo penal), adotada como regra geral em nosso direito penal (art. 29, “caput”, do CP). Nos casos exemplificados, teremos duas pessoas concorrendo para um mesmo fato, porém responderão por tipos penais distintos. Por fim, no tocante à letra “E” , basta consignar que o perdão judicial é possível na lesão corporal culposa, segundo prevê o art. 129, § 8º, do CP.
9) Assinale a opção correta com relação ao crime de homicídio (CESPE-UNB, Delegado-PB, 2008). a) No homicídio qualificado pela paga ou promessa de recompensa, o STJ entende atualmente que a qualificadora não se comunica ao mandante do crime. b) Com relação ao motivo torpe, a vingança pode ou não configurar a qualificadora, a depender da causa que a originou.
c) A ausência de motivo configura motivo fútil, apto a qualificar o crime de homicídio. d) Para a configuração da qualificadora relativa ao emprego de veneno, é indiferente o fato de a vítima ingerir a substância à força ou sem saber que o está ingerindo. e) A qualificadora relativa ao emprego de tortura foi tacitamente revogada pela lei específica que previu o crime de tortura com resultado morte. Comentários: A resposta do gabar ito corresponde à letra “B”. Quanto à letra “A” , ressalta-se que há decisões do STJ esposando o entendimento de que no homicídio qualificado pela paga ou promessa de recompensa (art. 121, § 2º, I, do CP), respondem pela qualificadora tanto o executor quanto o mandante. Nesse sentido o HC 99.144-RJ, julgado em 04-11-2008. Nisso se pautou a banca examinadora para considerar a assertiva como incorreta. Cabe enfatizar, contudo, que esse não é o entendimento da doutrina majoritária, havendo também divergência jurisprudencial quanto a este ponto. Rogério Sanches Cunha (2008, v. 3, pp. 20- 21) assevera que: “Existe divergência na doutrina sobre se a qualificadora em tela é simples circunstância, com aplicação restrita ao executor do crime, que é quem mata motivado pela remuneração, ou se será aplicada também ao mandante, configurando verdadeira elementar do tipo. Apesar da segunda corrente, no passado, haver encontrado amparo no STF, o STJ, em 2003, acolheu a primeira [...]. Com razão o Superior Tribunal de Justiça. Nem sempre o mandante, ao se valer de um sicário (matador de aluguel), age com torpeza, podendo, não raras vezes, estar impelido de relevante valor moral ou mesmo dominado de violenta emoção”. No mesmo sentido explica Capez (2006, v. 2, p. 45): “Tratando-se de circunstância de caráter pessoal, não se comunica ao partícipe, nos termos expressos do art. 30. [...] Essa posição não é pacífica. Há quem sustente (Nélson Hungria) que as qualificadoras não são circunstâncias comuns, mas um meio-termo entre as elementares e as circunstâncias, ou seja, encontram-se situadas em uma zona cinzenta, intermediária, não sendo nem uma coisa, nem outra. [...] Entendemos, porém, que só existem elementares (que estão no caput e são essenciais para a existência do crime) e circunstâncias (que estão nos parágrafos e não são fundamentais, de modo que, mesmo excluídas, a infração continua existindo). Sem a qualificadora o crime ainda existe, só que na forma simples ou privilegiada, de modo que configura mera circunstância. [...] Assim, o executor responderá pela qualificadora, pois cometeu o crime impelido por motivo de cupidez econômica, mas o mandante não, devendo responder pelo seu próprio motivo.” (CAPEZ, 2006, v.2, p. 45). Rogério Greco também entende que o mandante não deve responder pela qualificadora em comento (GRECO, 2009a, p. 226). Quanto à letra “B” , indubitavelmente ela apresenta uma assertiva correta. Ensina Cezar Roberto Bitencourt (2010, v. 2, p. 79) que: “Nem sempre a vingança é caracterizad ora de motivo torpe, pois a torpeza do motivo está exatamente na causa da sua existência. Em sentido semelhante, sustenta Fernando de Almeida Pedroso que „a vingança, como sentimento de represália e desforra por alguma coisa sucedida, pode, segundo as circunstâncias que a determinaram, configurar ou não o motivo torpe, o que se verifica e dessume pela sua origem e natureza‟. Com efeito, os f undamentos que alimentam o sentimento de vingança, que não é protegido pelo direito, podem ser nobres, relevante, éticos e morais; embora não justifiquem o crime, podem privilegiá-lo, quando, por exemplo, configurem relevante valor social ou moral, v.g., quando o próprio pai mata o estuprador de sua filha”. Quanto a assertiva “C” , existe polêmica na doutrina sobre o assunto lá versado. Fernando Capez ( 2006, v.2, p. 48) e Rogério Greco (2010, v. II, p. 156) admitem que a ausência de motivo leva à configuração de motivo fútil para efeitos de qualificar o crime de homicídio. Cezar Roberto Bitencourt (2010, v. 2, p. 80), Damásio de Jesus (apud GRECO, 2010, v. II, p. 156) e Celso Delmanto (apud CUNHA, 2008, v. 3, p. 22) não admitem raciocínio nesse sentido. Já decidiu o STJ que: “[…] Não se pode confundir, como se pretende, ausência de motivo com futilidade. Assim, se o suj eito pratica o fato sem razão alguma, não incide essa qualificadora, à luz do princípio da reserva legal” (STJ, REsp. 769651-SP, rel. min. Laurita Vaz, 5ª T., DJ 15-05-2006, p. 281). Esse segundo entendimento foi o adotado pela banca examinadora. Rog ério Sanches Cunha (2008, v. 3, p. 21) registra que: “A ausência de motivo, segundo alguns, equipara-se, para os devidos fins legais, ao pretexto fútil, porquanto seria um contra-senso conceber que o legislador punisse com pena [maior] aquele que mata por futilidade, permitindo que o que age sem qualquer motivo receba sanção mais branda (nesse sentido: RTJE 45/276; RT 511/357 e 622/332; RJTJSP 138/449)”. No tocante é letra “D” , deve ser dito que para a qualificadora de emprego de veneno se aperfeiçoar, o veneno deve ser ministrado de forma dissimulada. Nesse sentido leciona Luiz Regis Prado (2008, v. 2, p. 74): “Insta ressaltar, porém, que o homicídio somente será qualificado pelo envenenamento quando o recurso a esse meio não for do conhecimento da vítima, ou seja, quando ocorrer o emprego insidioso da substância. Se o agente ministra o veneno de forma violenta, não se perfaz a qualificadora, embora possível, em tese, a caracterização do meio cruel”. No que se refere à letra “E” , de imediato identifica-se incorreção na afirmação lá constante. Convivem perfeitamente as disposições da Lei de Tortura com a qualificadora de emprego de tortura no homicídio, prevista no CP. Nesse aspecto, vale transcrever os seguintes ensinamentos de Rogério Greco (2010, v. II, p. 159): Qual a diferença, portanto, entre a tortura prevista como qualificadora do delito de homicídio e a tortura com resultado morte prevista pela Lei nº 9.455/97? A diferença reside no fato de que a tortura, no art. 121, é tão-somente um meio para o cometimento do homicídio. É um meio cruel de que se utiliza o agente, com o fim de causar a morte da vítima. Já na Lei nº 9.455/97, a tortura é um fim em si mesmo. Se vier a ocorrer o resultado morte, este somente poderá qualificar a tortura a título de culpa. Isso significa que a tortura qualificada pelo resultado morte é um delito eminentemente preterdoloso . O agente não pode, dessa forma, para que se aplique a lei de tortura, pretender a morte do agente, pois, caso contrário, responderá pelo crime de homicídio tipificado pelo Código Penal. Concluindo o raciocínio, no art. 121, a tortura é um meio cruel, utilizado pelo agente na prática do homicídio; na Lei nº 9.455/97, ela é um fim em si mesmo e, caso ocorra a morte da vítima, terá o condão de qualificar o delito, que possui o status de crime preterdoloso.
10) Coloque Certo (“C”) ou Errado (“E”): a) ( ) O Código Penal brasileiro permite três formas de abortamento legal: o denominado aborto terapêutico, empregado para salvar a vida da gestante; o aborto eugênico, permitido para impedir a continuação da gravidez de fetos ou embriões com graves anomalias; e o aborto humanitário, empregado no caso de estupro (CESPE-UNB, Delegado-TO, 2008). b) ( ) Considere a seguinte situação hipotética. MANOEL, penalmente responsável, instigou JOAQUIM à prática de suicídio, emprestando-lhe, ainda, um revólver municiado, com o qual JOAQUIM disparou contra o próprio peito. Por circunstâncias alheias à vontade de ambos, o armamento apresentou falhas e a munição não foi deflagrada, não tendo resultado qualquer dano à integridade física de JOAQUIM. Nessa situação, a conduta de JOAQUIM, por si só, não constitui ilícito penal, mas MANOEL responderá por tentativa de participação em suicídio (CESPE-UNB, Delegado-TO, 2008). c) ( ) Considere a seguinte situação hipotética. JOÃO e MARIA, por enfrentarem grave crise conjugal, resolveram matar-se, instigando-se mutuamente. Conforme o combinado, JOÃO desfechou um tiro de revólver contra MARIA e, em seguida, outro contra si próprio. MARIA veio a falecer; JOÃO, apesar do tiro, sobreviveu. Nessa situação, JOÃO responderá pelo crime de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio (CESPE-UNB, DelegadoRR, 2003). d) ( ) Considere que um indivíduo penalmente responsável pratique três homicídios dolosos em concurso material. Nesse caso, a materialização de mais de um resultado típico implicará punição por todos os delitos, somando-se as penas previamente individualizadas(CESPE-UNB,Delegado-RR, 2003). e) ( ) Na gravidez molar, configura-se crime de aborto o emprego, pela gestante, de meios abortivos que resultem na expulsão da mola (CESPEUNB,Delegado-RR, 2003). Comentários: A assertiva correspondente à letra “A” está Errada. Somente há duas formas de abortamento permitidas pelo nosso Código Penal, quais sejam: o aborto necessário ou terapêutico (art. 128, I, do CP) e o aborto sentimental, humanitário ou ético (art. 128, II, do CP). A assertiva correspondente à letra “B” está Errada. Não há punição para a simples tentativa de cometimento do crime previsto no art. 122 do CP, que foi o caso da conduta de MANOEL. Somente haverá punição se a vítima morrer (suicídio se consumou) ou se sofrer lesão corporal grave ou gravíssima (em decorrência da tentativa de suicídio). Em complemento, vide comentários à questão número “2”. A assertiva correspondente à letra “C” está Errada. JOÃO deve responder pelo crime de homicídio, considerando que matou MARIA. O consentimento desta é irrelevante para fins de enquadramento da conduta típica, visto que a vida é um bem jurídico indisponível. A assertiva correspondente à letra “D” está Certa. Havendo o reconhecimento da ocorrência de mais de um crime em concurso material, a soma das penas individualizadas é consequência necessária, conforme previsto no artigo 69 do CP. A assertiva correspondente à letra “E” está Errada. Guilherme de Souza Nucci (2006, p. 551) explica: “gravidez molar: desenvolvimento completamente anormal do ovo. Não há aborto, pois é preciso se tratar de embrião de vida humana”. No mesmo sentido o magistério de Luiz Regis Prado (2008, v. 2, p. 108): “Já gravidez molar consiste em uma formação neoplasmática (mola), derivada principalmente das membranas fetais, ou seja, é um produto conceptivo degenerado, inapto a produzir uma nova vida. A interrupção da gravidez extra-uterina ou da gravidez molar não configura o delito de aborto”. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 5ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: RT, 2006. GRECO, Rogério. Curso de direito penal, parte especial, vol. II. 7ª ed. rev.,ampl. e atual. – Niterói: Impetus, 2010. GRECO, Rogério. Código penal comentado. 2ª ed. rev.,ampl. e atual. – Niterói: Impetus, 2009. PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal, parte especial, vol. 2. 7ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: RT, 2008.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – parte geral, v. 1. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – parte especial, v. 2. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006. CUNHA, Rogério Sanches; coordenação de Luiz Flávio Gomes e Rogério Sanches Cunha. Direito penal – parte especial, v. 3. – São Paulo: RT, 2008. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal – parte especial, v. 2. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. GABARITO: 1= D 2= E 3= B 4= D 5= B 6= D 7= A 8= A 9= B 10= a) E; b) E; c) E; d) C; e) E.
QUESTÕES COMENTADAS - HOMICÍDIO (ART. 121 do CP) 1) O motorista de um ônibus, percebendo a presença de um menor pendendo na traseira do veículo por ele conduzido, imprime alta velocidade, fazendo com que, numa curva acentuada, o pingente acabe por ser atirado contra o solo, vindo a morrer em decorrência de grave lesão cerebral provocada pela queda. Diante da presente hipótese, marque a alternativa correta sobre o crime cometido pelo motorista (TJ-MG 2004-2005): a) Homicídio culposo, pela imprudência. b) Homicídio culposo, pela negligência. c) Homicídio praticado com dolo eventual. d) Lesão corporal seguida de morte. e) Homicídio privilegiado. Comentários: A assertiva correta corresponde à letra “c”. Pertinente lembrar que a culpa pode ser consciente ou inconsciente. Em ambas as hipóteses há a previsibilidade objetiva (aferida sob o ponto de vista do homem mediano), porém somente na modalidade consciente há a previsibilidade subjetiva[1], ou seja, o agente, no caso concreto, realmente prevê que poderá ocorrer o resultado danoso. Prevê, porém não aceita a possibilidade da ocorrência; pelo contrário, confia que naquela situação concreta o resultado não sobrevirá. Em outro prisma, semelhantemente à culpa consciente, no dolo eventual o agente também prevê o resultado (previsibilidade subjetiva), mas nesse caso simplesmente demonstra indiferença com a ocorrência deste; ou seja, aceita a possibilidade dele ocorrer, assumindo, desse modo, o risco de produzi-lo (art. 18, I, parte final, do CP). Vide quanto à temática: GRECO, 2007, v.I, pp. 201-210. O enunciado em exame traz o caso de um motorista, que percebendo alguém pendurado no ônibus que conduz, imprime alta velocidade. Sabe-se que na conduta culposa o agente não objetiva o cometimento de nenhum ilícito penal, nem tampouco assume o risco de cometê-lo. No caso em questão, se não houvesse ninguém pendurado no ônibus, e o motorista imprimisse alta velocidade vindo a provocar um acidente com mortes, certamente estaríamos diante de uma situação de homicídio culposo, todavia no caso em epígrafe, o condutor percebeu alguém pendurado no ônibus, e mesmo assim, ao invés de parar o veículo, pelo contrário, veio a imprimir alta velocidade. Extrapolou, portanto, os limites da simples imprudência, e entrou na seara do dolo eventual, pois se posicionou de forma indiferente ante a concreta possibilidade da pessoa pendurada, cair e morrer. Houve o seguinte pensamento: “não quero matar, mas sei que ele pode morrer. E, se isso acontecer, para mim é indiferente (tanto faz)”. Portanto, tal conduta se adequa perfeitamente à modalidade dolosa da espécie eventual.
2) Uma pessoa, da janela de seu apartamento, efetua dois disparos de arma de fogo contra um seu desafeto que passava na rua, pretendendo lesioná-lo. Por erro na execução, um projétil acerta um automóvel que estava estacionado (não era seu); o outro projétil acerta um transeunte, produzindo-lhe a morte. O desafeto do atirador não sofre qualquer lesão. Segundo o Código Penal Brasileiro, o atirador deve responder pelo crime de (42º Concurso MP-MG): a) Lesão corporal seguida de morte. b) Tentativa de lesão corporal e homicídio culposo. c) Homicídio culposo, unicamente. d) Homicídio culposo e dano, em concurso material. e) Homicídio doloso consumado. Comentários: A alternativa correta corresponde à letra “a”. Primeiramente, deve ser observado qual era a vontade do agente, que circunscreve o seu dolo. O enunciado deixa claro que havia o dolo de lesionar. O objetivo do agente, portanto, não era matar. Daí já se exclui a possibilidade do homicídio (isso nos estreitos limites do enunciado, sem divagações). Houve também, no caso hipotético, erro na execução, também conhecido como “aberratio ictus”; previsto no art. 73 do CP, que diz claramente que o agente, quando por erro na execução, atinge outra pessoa, responde como se tivesse
praticado o crime contra aquela que pretendia ofender. Portanto, permanece íntegro o seu dolo (e, no caso, conforme demonstrado, o seu dolo era de praticar lesão corporal). No caso em exame, ainda, o lesionado veio a falecer. Como o dolo era de lesionar, a morte somente pode ter sobrevindo por culpa, o que atrai os termos do art. 129, parágrafo 3º, do CP. Trata-se de autêntica hipótese de crime preterdoloso (dolo no antecedente: lesão corporal; e culpa no conseqüente: morte). Necessário observar, em outro prisma, que a conduta do agente causou também dano a um carro que não lhe pertencia, igualmente decorrente d e seu erro. Essa situação é prevista no art. 74 do CP. É o chamado “aberratio criminis”, ocorrente quando fora dos casos de “aberratio ictus” (art. 73 do CP), por acidente ou erro na execução do crime, sobrevém resultado diverso do pretendido, ocasião em que o agente deverá responder a título de culpa, se o fato é previsto como crime culposo. No caso do enunciado, o delito, no aspecto ora enfocado (tiro no carro), seria de dano (art. 163 do CP). Acontece, entretanto, que não há a modalidade culposa de tal infração penal. E, como no caso do “aberratio criminis” o resultado diverso do pretendido deve ser imputado a título de culpa, nos exatos termos do que prevê o art. 74 do CP, torna-se impossível a imputação de delito de dano ao agente, por inexistência da figura culposa para a espécie. Nesse sentido as lições de Nucci (2006, p. 412) quanto ao “aberratio criminis”: “trata-se do desvio do crime, ou seja, do objeto jurídico do delito. O agente, objetivando um determinado resultado, termina atingindo resultado diverso do pretendido. Ex.: Tício, tendo por fim atingir Caio, vendedor de uma loja, atira uma pedra contra sua pessoa. Em lugar de alcançar a vítima, termina despedaçando a vitrine do estabelecimento comercial. Portanto, em lugar de uma lesão corporal, acaba praticando um dano. O agente responde pelo resultado diverso do pretendido somente por culpa, se for previsto como delito culposo (art. 74, 1ª parte, CP). No exemplo supracitado, Tício não responderia por crime de dano, por inexistir a figura culposa”. Portanto, na hipótese ilustrada o erro fez o agente incidir tanto em “aberratio ictus” quanto em “aberratio criminis”. Excluída a hipótese da imputação de dano culposo; resta, portanto, apenas a imputação da lesão corporal seguida de morte.
3) Julgue os itens seguintes (Certo ou Errado): I. Se o sujeito, após ferir culposamente a vítima, sem risco pessoal, não lhe presta assistência, vindo ela a falecer, responde por dois crimes: homicídio culposo e omissão de socorro (Juiz Federal 2006 – TRF da 5ªR – CESPE/UNB). II. Considere a seguinte situação hipotética. Antônio, querendo a morte de José, instigou Carlos a matá-lo. Carlos, que já havia cogitado do fato, ficou dominado por ódio mortal por tudo que Antônio disse de José. Carlos, então, dirigiu-se à casa de José e lá resolveu levar a cabo sua intenção criminosa, matando-o. Nessa situação, ambos responderão por homicídio em co-autoria (Juiz Federal 2006 – TRF da 5ª – CESPE/UNB). III. Leandro, com a intenção de matar Getúlio, ministrou veneno a este. Presumindo que a vítima já falecera, Leandro a enterrou no quintal de sua casa, vindo posteriormente a ser apurado que a quantidade de veneno ministrada à vítima não fora suficiente para a sua morte, de forma que ela morreu em face da asfixia, após ser enterrada. Nessa situação, ocorreu erro sobre o nexo causal, de modo que Leandro responderá apenas por tentativa de homicídio (Delegado 2008 AC – CESPE/UNB). IV. O veículo que Maria conduzia, sem qualquer motivo aparente, desgovernou-se e colidiu contra uma árvore. No acidente, faleceram os passageiros Antônio, seu irmão, e Aurélio, um conhecido. O órgão do Ministério Público ofereceu denúncia contra Maria, imputando-lhe a prática de duplo homicídio culposo, em concurso formal. Nessa situação, concedido o perdão judicial pelo juiz à acusada, a extinção da punibilidade abrangerá as duas infrações penais (Promotor 2005 – MP/MT - UNB/CESPE). V. Considere a seguinte situação hipotética. Fábio, por motivo de relevante valor social, praticou um crime de homicídio com a participação de Pedro, que desconhecia o motivo determinante do crime. Nessa situação, o homicídio privilegiado, causa de diminuição da pena descrita no CP, se estenderá ao partícipe Pedro, pois trata-se de circunstância de caráter pessoal que se comunica aos demais participantes (Defensor Público 2005 – DP/SE – UNB/CESPE).
Comentários: Apenas a assertiva “IV” está correta. Quanto à primeira assertiva (“I”), resta lembrar que a omissão de socorro funciona apenas como causa de aumento de pena do homicídio culposo (art. 121, parágrafo 4º, do CP). Não há, portanto, concurso de crimes. Quanto à assertiva “II”, basta dizer que Antônio ao instigar Carlos atua apenas como partícipe e não como co-autor. Sabe-se que no concurso de pessoas pode haver autores (ou co-autores) e partícipes. Os autores (ou co-autores) são responsáveis pela conduta principal, enquanto que os partícipes, pela conduta acessória. A participação pode ser moral ou material. A primeira se dá pelo induzimento ou instigação, e a segunda, pelo auxílio. No caso em epígrafe, estamos diante de uma participação mediante instigação. Na assertiva “III” evidencia-se uma situação de “aberratio causae” (erro sobre o nexo causal), porém a conclusão correta é diversa da contida na alternativa, conforme ensina Capez (2003, v.1, p. 190), após dar um exemplo onde o genro que envenenou a sogra, e pensando que ela estivesse morta, jogou-a no mar, diante do quê sobreveio a morte por afogamento: “O dolo é geral e abrange toda a situação, até a consumação, devendo o sujeito ser responsabilizado por homicídio doloso consumado, desprezando-se o erro incidente sobre o nexo causal, por se t ratar de um erro meramente acidental. Mais. Leva-se em conta o meio que o agente tinha em mente (emprego de veneno), para fins de qualificar o homicídio, e não aquele que, acidentalmente, acabou empregando (asfixia por afogamento)”. No tocante à assertiva “IV”, observamos que não está claro na mesma se Maria agiu de forma culposa, pois se diz que o acidente sobreveio sem qualquer motivo aparente. Tal narrativa merece uma crítica, pois se Maria agiu sem culpa, não há que se falar em crime. O ponto de discussão, no entanto, não é este, visto que se enfoca expressamente a hipótese do juiz aplicar o perdão judicial. Portanto, se houve ou não crime, esse não é o ponto de enfoque, devendo-se pressupor a hipótese de aplicação da causa extintiva de punibilidade referida. Diante disso, surge a questão central: em caso de dois homicídios, em concurso formal (ou seja, praticados mediante uma única ação ou omissão), se em um deles é cabível o perdão judicial, este se estenderá ao outro crime? Sabe-se que no caso em testilha seria cabível, presuntivamente, o perdão judicial quanto à morte do irmão de Maria (art. 121, parágrafo 5º, do CP), porém não haveria respaldo legal para o perdão judicial referente ao homicídio que vitimou o terceiro. Em desate dessa questão, a jurisprudência tem entendido que o perdão judicial concedido em relação a um dos crimes deve se estender ao outro, segundo preceituado no HC 21.442-SP (STJ, DJU de 9-12-2002, p. 361, rel. min. Jorge Scartezzini): “Sendo o perdão judicial uma das causas de extinção da punibilidade (...), deduz-se que o benefício deve ser aplicado a todos os efeitos causados por uma única ação delitiva. O que é reforçado pela interpretação do art. 70, do Código Penal Brasileiro, ao tratar do concurso formal, que determina a unificação das penas, quando o agente, mediante uma ação, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não. Considerando-se, ainda, que o instituto do Perdão Judicial é admitido toda vez que as conseqüências do fato afetem o respectivo autor, de forma tão grave que a aplicação da pena não teria sentido, injustificável se torna sua cisão (...)”. No mesmo sentido posiciona-se a doutrina (CAPEZ, 2003, v.1, p. 510): “a extinção da punibilidade não atinge apenas o crime ao qual se verificou a circunstância excepcional, mas todos os crimes praticados no mesmo contexto. Exemplo: o agente provoca um acidente, no qual morrem sua esposa, seu filho e um desconhecido. A circunstância excepcional prevista no art. 121, parágrafo 5º, do CP só se refere às mortes da esposa e filho, mas o perdão judicial extinguirá a punibilidade em todos os três homicídios culposos”. Na assertiva “V” se faz referência a uma hipótese de cr ime cometido em concurso de pessoas. Fábio, o autor, teria agido imbuído de relevante valor social. Pedro, o partícipe, desconhecia a circunstância motivadora do crime. Nesse caso, importante relembrar os termos do art. 30 do CP, in verbis: “Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”. Nesse andar, sendo a motivação do delito (in casu relevante valor social) uma circunstância pessoal (subjetiva), não se estende ao partícipe, visto que incomunicável. Observar também que circunstância é diferente de elementar, pois quanto a esta a regra é a comunicabilidade, mesmo que tenha natureza pessoal (ver, por exemplo, a elementar “funcionário público”, no caso do crime de peculato – art. 312 do CP, que mesmo apenas atrelada ao autor - ou a um dos co-autores, se comunica aos demais concorrentes se for do conhecimento destes). Então, calha repetir que, como regra geral, a circunstância pessoal (vinculada a um ou a alguns concorrentes na prática de um delito) não se comunica aos demais, mesmo que seja do conhecimento destes, exceto quando a circunstância for elementar do crime.
4) Tibúrcio praticou um homicídio sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, com o uso de asfixia. Na ocasião, apesar de ser maior de dezoito e menor de 21 anos de idade, era reincidente. Confessou a autoria da infração penal perante a autoridade judiciária e no plenário do júri. Julgue os itens que se seguem, relativos à situação hipotética apresentada e à legislação a ela pertinente. I – Tibúrcio praticou um crime de homicídio privilegiado-qualificado. II – O homicídio privilegiado-qualificado é crime hediondo, insusceptível de comutação de pena. III – Caso Tibúrcio venha a ser condenado pelo júri popular, o juiz presidente deverá observar o critério trifásico na dosimetria da pena, sob pena de nulidade da sentença. IV – De acordo com a jurisprudência dominante, a circunstância atenuante da menoridade relativa não é preponderante sobre as demais.
V – No caso de condenação de Tibúrcio, reconhecidas as atenuantes da menoridade e confissão espontânea, o juiz presidente poderá fixar a pena privativa de liberdade em quantidade inferior ao mínimo previsto no tipo. Estão certos apenas os itens (Promotor 2001 – MP/AM – CESPE/UNB) a) I e II. b) I e III. c) II e IV. d) III e V. e) IV e V. Comentários: Está correta a letra “b”, considerando que apenas as assertivas I e III são verdadeiras. Assertiva “I”. De fato a situação narra um caso de homicídio privilegiado-qualificado (ou qualificado-privilegiado como preferem chamar alguns autores). Segundo a doutrina e jurisprudência majoritárias, não há óbice em reconhecer qualificadora e privilégio diante de um mesmo f ato criminoso. Isto porque a qualificadora funciona como tipo derivado enquanto que a hipótese privilegiadora, no caso do homicídio, não passa de uma causa de aumento de pena. Assim, no momento da dosimetria da pena utiliza-se, no primeiro momento, a faixa da reprimenda em abstrato fixada no tipo qualificado para iniciar a operação de fixação da pena em concreto, considerando-a como ponto de partida da dosimetria. No tocante à circunstância privilegiadora, valora-se a mesma somente na terceira fase da dosimetria como minorante (causa de diminuição). Deve se atentar, não obstante, para o fato de serem inconciliáveis as circunstâncias que induzem o privilégio (art. 121, parágrafo 1º, do CP), t odas de caráter subjetivo (pessoal), com as qualificadoras que sejam também de natureza pessoal. Por exemplo: não se pode reconhecer homicídio privilegiado-qualificado quando a qualificadora for por conta do motivo do crime (motivo torpe, fútil ou mediante paga ou promessa de recompensa) [2]. No caso em exame, o uso de asfixia é uma circunstância qualificadora de natureza objetiva, não havendo, portanto, óbice ao reconhecimento da mesma concomitantemente à admissão do privilégio. Assertiva “II”. O reconhecimento do privilégio é incompatível com a hediondez do homicídio. Assim ensina Rogério Greco (2007, v.II, p. 195): “Contudo, majoritariamente, a doutrina repele a natureza hedionda do homicídio qualificadoprivilegiado, haja vista que – é o argumento – não se compatibiliza a essência do delito objetivamente qualificado, tido como hediondo, com o privilégio de natureza subjetiv a”. Ressaltamos, contudo, que tal posição não é pacífica, segundo aduz Rogério Sanches Cunha (2008, v.3, pp. 23- 24): “A doutrina diverge. Uma primeira corrente, fazendo uma analogia com o disposto no art. 67 do CP, entende preponderar o privilégio, desnaturando a hediondez do delito (RT 754/689). Outra, lecionando que o art. 67 aplica-se somente para agravantes e atenuantes, e não fazendo a Lei 8.930/94 qualquer ressalva, entende que o homicídio qualificado- privilegiado permanece hediondo”. Assertiva “III”. O sistema trifásico é imposto pelo CP (art. 68 do CP), não cabendo ao juiz utilizar outro para a dosimetria da pena. Daí decorre a nulidade da sentença quando o magistrado se afastar do sistema eleito como obrigatório pela lei penal. Assertiva “IV”. Está sedimentado na doutrina e jurisprudência, que na segunda fase da dosimetria da pena, onde o juiz analisa atenuantes e agravantes, há circunstâncias que preponderam sobre as outras, em caso de concurso entre elas. O art. 67 procura nortear a ordem de preponderância, dispondo que:“No concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da rei ncidência”. Nesse norte, se construiu, doutrinária e jurisprudencialmente, a seguinte ordem de preponderância, segundo ensina Schmitt (2006, p.88): “Diante disso, nos cabe formar a seguinte escala de preponderância: 1º) menoridade; 2º) reincidência; 3º) confissão; 4º) motivos do crime”. Consoante posição majoritária, portanto, a m enoridade relativa (réu menor de 21 anos de idade) prepondera sobre todas as demais circunstâncias legais. Assertiva “V”. As atenuantes são analisadas na segunda fase da dosimetria da pena, sendo entendimento assente que nessa fase não é possível que a sanção penal seja reduzida abaixo do mínimo previsto no tipo (no caso de reconhecimento da preponderância de atenuantes) e nem elevada acima do máximo em abstrato (por força do reconhecimento de agravantes)[3].
5) Tício Micio, policial militar, atendendo ocorrência solicitada ao COPON 190 foi informado sobre um crime de roubo que estava sucedendo próximo ao Fórum de Macapá. Ao passar pela Avenida Fab, onde atenderia a ocorrência,
depara com Felício Louco, foragido do COPEN (IAPEN) e considerado de alta periculosidade (condenado por 17 homicídios), na posse de um objeto metálico parecido com uma arma branca (mais tarde constatou-se que o objeto era um isqueiro) e simulava através de gestos bruscos que estava ameaçando gravemente seu filho Técio Micio, obrigando-o a entregar sua carteira porta cédulas. Entretanto, Técio era amigo de Felício Louco, sem o conhecimento de Tício. Neste momento Tício sacou seu revólver e desferiu um tiro em Felício Louco, matando-o. Pergunta (Promotor 2005 – MP/AP): a) A conduta de Tício não foi legítima, mesmo tratando-se de vítima perigosa, deve responder por crime na sua forma tentada. b) A brincadeira era com Técio, portanto, deve Tício ser processado por crime doloso consumado e qualificado, pela não observância dos princípios gerais do direito. c) Agiu Tício em estado de necessidade putativa, pois era seu dever salvar o filho e, além disso, era Felício Louco foragido, podia usar dos recursos necessários para detê-lo. d) É caso específico de legítima defesa putativa de terceiro. Comentários: A alternativa correta corresponde à letra “d”. Tício, ao se deparar com a situação ilustrada, imaginou que seu filho estivesse sendo vítima de agressão injusta, diante do quê revidou, vindo a tirar a vida de Felício Louco. Trata-se de legítima defesa putativa de terceiro, considerando que a injusta agressão não era real, mas somente imaginária. A hipótese se encaixa perfeitamente no que prevê o art. 20, parágrafo 1º, em sua parte inicial[4]: “É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. (...)”; interpretado em consonância com o art. 23, II, e 25 do CP. Afasta-se a hipótese de estado de necessidade putativo, visto que neste há perigo atual (art. 24 do CP) e não agressão humana injusta, atual ou iminente (art. 25 do CP). Fazendo-se uma interpretação sistemática, vê-se que o preenchimento dos requisitos da legitima defesa (art. 25 do CP) em um determinado caso concreto, leva à conclusão, por exclusão, de não haver estado de necessidade. Entendemos ser este o melhor critério de diferenciação, dentro de uma perspectiva pragmática, considerando possíveis pontos em comum dos dois institutos. É o caso da questão, onde se narra que o agente imaginou que o terceiro (seu filho) estivesse sofrendo uma injusta agressão atual, repeliu-a através do uso dos meios necessários para tanto. Se há legítima defesa, portanto, não há estado de necessidade, mesmo que se possa aventar um perigo atual. Sob um prisma dogmático, explica Greco (2007, v. I, p. 320): “Diferentemente da legítima defesa, em que o agente atua defendendo-se de uma agressão injusta, no estado de necessidade a regra é de que ambos os bens em conflito estejam amparados pelo ordenamento jurídico. Esse conflito de bens é que levará, em virtude da situação em que se encontravam, à prevalência de um sobre o outro”. Cezar Roberto Bitencourt também delimita que (2004, v. 1, p. 308): “O estado de necessidade não se confunde com a legítima defesa. Nesta, a reação realiza-se contra bem jurídico pertencente ao autor da agressão injusta, enquanto naquela a ação dirige-se, de regra, contra um bem jurídico pertencente a terceiro inocente. Em ambas, há a necessidade de salvar bem ameaçado”.
6) Joaquim atropela Raimundo que veio a falecer em decorrência da ingestão de veneno, tomado pouco antes de ser atropelado. Do enunciado é certo aduzir (Promotor 2005 – MP/AP): a) Joaquim deve ser punido por crime de homicídio culposo. b) Há a exclusão da causalidade decorrente da conduta causa absolutamente independente, mas responderá pela lesão corporal sofrida pelo Raimundo. c) Independente do resultado aplica-se a teoria do evento mais gravoso. d) É o genuíno caso do crime preterdoloso. Comentários: A alternativa correta corresponde à letra “b”. No caso hipotético há uma causa absolutamente independente (ingestão de veneno) que se sobrepôs à conduta de Joaquim, determinando a morte de Raimundo. Trata-se de uma causa preexistente. Rompido o nexo de causalidade
entre sua conduta e o resultado morte, Joaquim responde apenas pelo dano que provocou [5], ou seja, por lesão corporal, subentendendo-se que não tinha intenção de matar Raimundo, pois se houvesse dolo nesse sentido responderia por tentativa de homicídio[6].
7) Caio dispara uma arma objetivando a morte de Tício, sendo certo que o tiro não atinge um órgão vital. Durante o socorro, a ambulância que levava Tício para o hospital é atingida violentamente pelo caminhão dirigido por Mévio, que ultrapassara o sinal vermelho. Em razão da colisão, Tício falece. Responda: quais os crimes imputáveis a Caio e Mévio, respectivamente? (Juiz 2007 TJ-PA FGV) (A) Tentativa de homicídio e homicídio doloso consumado. (B) Lesão corporal seguida de morte e homicídio culposo. (C) Homicídio culposo e homicídio culposo. (D) Tentativa de homicídio e homicídio culposo. (E) Tentativa de homicídio e lesão corporal seguida de morte. Comentários: A alternativa correta corresponde à let ra “D”. Caio almejou matar Tício, nisso residiu seu dolo, porém não conseguiu atingi-lo em órgão vital, de tal modo que provavelmente sobreviveria se não fosse a superveniência de outra causa. Mévio, imprudentemente avançou um sinal vermelho, vindo o caminhão que conduzia a colidir com a ambulância que estava prestando socorro à vítima, provocando a morte desta. Destarte, a conduta de Mévio foi que originou a morte de Tício, mas a conduta de Caio também contribuiu para esse evento. Tendo como referencial de análise a conduta de Caio, estamos, portanto, diante de uma causa (provocada pela conduta de Mévio) relativamente[7] independente superveniente. Assim, Caio deve responder somente pelos atos por ele praticados, ou seja, pela tentativa de homicídio. Essa solução depreende-se da análise do art. 13, parágrafo 1º, do CP: “A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam- se a quem os praticou”. Mévio deve responder por homicídio culposo, considerando a sua imprudência.
8) Maria da Silva é médica pediatra, trabalhando no hospital municipal em regime de plantão. De acordo com a escala de trabalho divulgada no início do mês, Maria seria a única médica pediatra com obrigação de trabalhar no plantão que se iniciava no dia 5 de janeiro, às 20h e findava no dia 6 de janeiro, às 20h. Contudo, depois de passar toda a noite do dia 5 sem nada para fazer, Maria resolve sair do hospital para participar da comemoração do aniversário de uma prima sua, um churrasco que se realizaria em uma casa a poucas quadras do hospital. Maria deixa o hospital às 12h do dia 6 de janeiro sem, contudo, avisar onde estaria. Maria deixou o número de seu telefone celular, mas o papel que o continha se extraviou do quadro de avisos. Maria não retornou mais ao hospital até o final do plantão. Ocorre que, às 14h do dia 6 de janeiro, Manoel de Souza, criança de apenas 6 anos, é levado ao hospital por
parentes precisando de socorro médico imediato. Embora houvesse outros médicos de plantão (um cardiologista e uma ortopedista), ambos se recusaram a examinar Manoel, alegando que não eram especialistas e que a responsável pelo plantão da emergência era Maria da Silva. Manoel de Souza morre de meningite cerca de oito horas depois, na porta do hospital, sem ter sido atendido. Qual foi o crime praticado por Maria? (Juiz 2007 TJ-PA, FGV) (A) Homicídio culposo. (B) Nenhum crime. (C) Omissão de socorro. (D) Homicídio doloso, na modalidade de ação comissiva por omissão. (E) Homicídio doloso, na modalidade de ação omissiva. Comentários: A alternativa correta, segundo o gabarito, é a de letra “B”: não houve crime. Sob o ponto de vista teórico a questão é de difícil solução. O caso é de uma médica que abandonou o seu plantão (saiu antes do horário estabelecido). Quando estava ausente, deu entrada um paciente, que veio a falecer por falta de assistência. Primeiramente, afastemos a hipótese de ocorrência do crime de omissão de socorro (art. 135 do CP), considerando que, se a médica sequer estava presente no hospital não tinha como, conscientemente (dolosamente) [8], deixar de prestar assistência ao doente. O crime em questão não admite a forma culposa. É um delito omissivo próprio. Resta, então, indagar se ocorreu o crime de homicídio. Nesse desiderato, deve-se lembrar que a conduta, enquanto elemento do fato típico, pode ser dolosa ou culposa, e comissiva ou omissiva. O crime de homicídio é um crime material. Exige, portanto, resultado naturalístico para sua consumação. Desse modo, para o fato típico ser imputado ao agente deve haver um liame (nexo de causalidade) entre o resultado (morte) e a conduta. Quando o dolo ou culpa se apresentam em suas formas comissivas, a identificação do nexo causal é relativamente fácil. Basta identificar a conduta e averiguar o resultado fisicamente produzido por ela, em uma relação de causa e efeito. Na questão em exame, certamente não ocorreu uma ação da médica que gerou o resultado (morte), em uma relação fática de causalidade. Afasta-se, portanto, a hipótese de delito comissivo, seja em sua forma dolosa ou culposa. Resta, então, analisar a possibilidade de ocorrência de delito omissivo. Sabemos que os crimes de tal categoria podem ser próprios ou impróprios. No caso dos primeiros há uma tipificação da inação proscrita. O simples não agir criminalizado leva à sua consumação, independentemente de resultado naturalístico. Como o homicídio prescinde de um resultado naturalístico para se consumar, seja ele derivado de uma conduta dolosa ou culposa, certamente que não pode tomar a forma de crime omissivo próprio[9]. Resta, portanto, no tocante ao caso hipotético apresentado na questão, a verificação se há crime omissivo impróprio. Nesta espécie delitiva aparece a figura do garante (vide art. 13, parágrafo 2º, do CP), que seria a pessoa com o dever de agir com o escopo de evitar a produção do resultado danoso previsto no tipo. Aqui não se fala em conduta que produziu faticamente o resultado, mas sim que não evitou este quando o agente tinha obrigação de fazê-lo; e por tal razão deve a ele ser imputado o delito. Segundo t em sedimentado o STF: “A casualidade, nos crimes comissivos por omissão, não é fática, mas jurídica, consistente em não haver atuado o omitente, como devia e podia, para impedir o resultado”[10]. O delito omissivo impróprio pode ser imputado ao agente tanto a título de dolo quanto a t ítulo de culpa, dependendo do elemento subjetivo presente na conduta em concreto e da admissão da forma culposa para o tipo penal que se busca adequação. No caso do homicídio (para o qual a lei prevê a forma culposa), é admissível a sua imputação sob o aspecto omissivo impróprio tanto na forma dolosa quanto culposa. O crime omissivo impróprio apresenta sete requisitos que determinam sua tipicidade (GOMES e MOLINA, 2007, v.2, pp. 429-433): a) constatação da situação típica de perigo e o conseqüente resultado naturalístico; b) especial dever jurídico de agir para evitar o resultado; c) possibilidade concreta de agir (para evitar o resultado); d) omissão da conduta esperada (que evitaria o resultado); e) juízo de desaprovação da conduta (incremento ou não diminuição de
um risco proibido relevante); f) juízo de desaprovação do resultado (resultado jurídico desvalioso; ofensa real, transcendental, grave e intolerável); e g) juízo de imputação objetiva do resultado (conexão direta entre o resultado jurídico e o incremento ou não diminuição do risco proibido). Voltando ao caso em exame: da médica que abandonou o plantão, e que durante sua ausência um paciente veio a falecer por falta de atendimento; dentre os sete requisitos acima mencionados, queremos destacar o de letra “c”, que se extrai literalmente do art. 13, parágrafo 2º, do CP, quando exige que o omitente, além do dever de agir tenha a possibilidade de agir para evitar o resultado. Essa possibilidade (podia agir) deve ser encarada sob o ponto de vista físico; sendo imprescindível para caracterização do delito omissivo impróprio. Por tal razão que Rogério Greco (2007, v. I, p. 234), após citar Sheila de Albuquerque Bierrenbach (que defende que a possibilidade de agir demanda a presença física do agente quando o perigo se instala ou está na iminência de se instalar sobre o bem jurídico), conclui que: “A impossibilidade física afasta a responsabilidade penal do garantidor por não ter atuado no caso concreto quando, em tese, tinha o dever de agir”. Na situação hipotética apresentada na questão certamente não havia possibilidade física da médica agir, mesmo que a consideremos como garante. Ela não estava mais no hospital quando o paciente deu entrada, não tendo como evitar o resultado. Por essa razão, não há crime a ser imputado. É claro que a mesma agiu incorretamente ao se afastar do plantão antes do final de seu turno. Decerto que tal proceder produz reflexos no tocante à sua relação funcional, porém o Direito Penal não se contenta somente com isso. A imputação delitiva, porquanto, deve abarcar o aspecto subjetivo do agente. Um descuido, que no caso não gera diretamente um resultado[11], não pode funcionar como base da imputação de lesões posteriores sob o simples argumento de que o agente poderia prever a ocorrência de riscos, diante dos quais teria que agir para proteger os bens jurídicos ameaçados. Raciocínio nesse sentido equivaleria em fazer uma ponte subjetiva (sob o pálio da previsibilidade no campo culposo) entre a conduta e o risco previsível, mas desprezar qualquer liame imediato (fático, jurídico ou subjetivo) entre a conduta e o resultado. Nesse andar, se admitirmos que o simples fato do médico abandonar o plantão (ou mesmo faltar a este), sem saber (concretamente) que tem alguém em risco, precisando ou que precisará de seus cuidados, acarreta a sua responsabilização criminal, dada a sua condição de garante, por todos os resultados danosos que sobrevierem aos pacientes a quem tinha obrigação de atender, estaremos descambando para o lado da mera responsabilização objetiva, sem perquirição da existência de dolo ou culpa que vincule o agente ao resultado ocorrido. E, solução nesse sentido, é repugnada pelo Direito Penal contemporâneo. Por fim, lembro que o posicionamento aqui adotado não tem suporte em doutrina e jurisprudência unânimes. Longe disso, a questão ainda está sendo amadurecida pelos juristas, considerando a sua imensa complexidade. O Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de apreciar recurso através do qual se buscava trancar ação penal decorrente de fato semelhante ao ilustrado na questão ora apreciada[12]. Houve intenso debate, mas sem se decidir propriamente o mérito (o Tribunal alegou que na sede recursal utilizada não seria possível aprofundar a análise probatória), a Segunda Turma do STF, por maioria, se recusou a trancar a ação penal. Os ministros vencidos defenderam a atipicidade da conduta, em posição que se coaduna com a espelhada nas linhas pretéritas. O voto condutor da divergência vencida foi capitaneado pelo ministro Marco Aurélio,, do qual peço vênia para transcrever alguns trechos: “(...) Em não estando no local a pessoa, não há como considerá-la responsável, tendo em conta a atividade profissional que exerce, por fatos nele ocorridos. Daí o exemplo colhido em obra de Júlio Fabrini Mirabete: Imagine-se a hipótese de um salva-vidas contratado para chegar às oito horas da manhã no clube contratante. Em determinado dia, por motivo qualquer, chegou às nove horas e tomou conhecimento de que na aula das oito e meia uma criança falecera afogada. Indaga-se: teria esse salva-vidas cometido homicídio? A resposta é desenganadamente negativa. Daí o consagrado mestre ter concluído, em „Manual de Direito Penal‟ que em tais casos, o dever de agir deriva principalmente de uma situação de fato e não apenas do contrato. Não serão autores de crime o guarda de segurança que se atrasou para o serviço, não impedindo a ação de depredadores e o salva-vidas que faltou ao trabalho em dia em que uma criança se afogara na piscina. (...) Não é demais ter presente a premissa de que o homicídio culposo pressupõe haver o agente causado a morte por omissão, por falta de atenção ou de diligência a que estava obrigado em face das circunstâncias reinantes, quando, possível fisicamente, era de esperar-se comportamento inerente à ordem natural das coisas. Para que fique configurado o homicídio culposo, indispensável é que se tenha postura humana voluntária, positiva ou negativa, olvidando-se noções de cuidado via imprudência, negligência ou imperícia, vindo a morte a ser involuntária. Logo, a ausência verificada no plantão do hospital público no qual a Paciente não era a única médica, ainda que colocado em segundo plano o aviso da Chefia sobre tal ausência, afasta a incidência do disposto no artigo 13, parágrafo 2º, alínea “b”, do Código Penal. A especialidade em pediatria não atrai, tendo em conta a morte da vítima, a responsabilidade excepcional, a ser implementada com parcimônia, segundo Celso Delmanto, Roberto Delmanto e Roberto Delmanto Júnior. Fora isso, é caminhar-se para a confusão entre a responsabilidade penal e administrativa. É dar-se às normas do Código Penal o sentido de revelarem não a glosa com base na culpa ou dolo, mas a partir de ângulo simplesmente objetivo, assentando-se que a ausência ao trabalho, por isto ou por aquilo, seria de molde a colocar o servidor como
criatura garantidora da não ocorrência de um certo resultado.”
Reiterando que o entendimento de atipicidade no caso em análise não é pacífico, mencionamos o seguinte aresto: “Penal. Homicídio negligente. Médico. Abandono do plantão. Inobservância de regra técnica. Nexo de causalidade omissiva. Pena privativa de liberdade substituída por restritiva de direitos. Se a vítima internada com crise convulsiva e diante do tratamento emergencial e oportuno saíra do quadro apresentado no ingresso, vem a iniciar novo quadro convulsivo, sendo os médicos pediatras de plantão chamados pelo serviço de alto-falante do nosocômio, não tendo sido atendida porque haviam, no horário de plantão, deixado o hospital, sem aguardar, inclusive, a chegada de outro médico, vindo a criança a falecer, realizam conduta reprovável diante da ausência de cuidado comportamental devido. Os médicos plantonistas não podem se afastar do setor de emergência, regra técnica e não genérica, por serem sabedores do dever de permanecer no local, admitindo o risco desaprovado, abandonaram o hospital, dando causa por omissão consciente, pois deixaram de assistir à criança com nova crise convulsiva, dando causa a sua morte. Recurso parcialmente provido, tão- só para reduzir o período de prestação de serviço à comunidade.” (TJRJ, Terceira Câmara Criminal, Apelação Criminal nº 5510/2002 -processo nº 2001.050.05510, rel. des. Álvaro Mayrink da Costa, julgamento em 27-05-2003)
9) Josefina Ribeiro é médica pediatra, trabalhando no hospital municipal em regime de plantão. De acordo com a escala de trabalho divulgada no início do mês, Josefina seria a única médica no plantão que se iniciava no dia 5 de janeiro, às 20h, e findava no dia 6 de janeiro, às 20 h. Contudo, depois de passar toda a noite do dia 5 sem nada para fazer, Josefina resolve sair do hospital um pouco mais cedo para participar da comemoração do aniversário de uma prima sua. Quando se preparava para deixar o hospital às 18 h do dia 6 de janeiro, Josefina é surpreendida pela chegada de José de Souza, criança de apenas 06 anos, ao hospital precisando de socorro médico imediato. Josefina percebe que José se encontra em estado grave, mas decide deixar o hospital mesmo assim, acreditando que Joaquim da Silva (o médico plantonista que a substituiria às 20 h) chegaria a qualquer momento, já que ele tinha o hábito de se apresentar no plantão sempre com uma ou duas horas de antecedência. Contudo, naquele dia, Joaquim chega ao hospital com duas horas de atraso (às 22 h) porque estava atendendo em seu consultório particular. José de Sousa morre em decorrência de ter ficado sem atendimento por quatro horas. Que crime praticaram Josefina e Joaquim, respectivamente? (Juiz 2008 TJ-MS FGV) a) Homicídio culposo e homicídio culposo. b) Homicídio doloso e homicídio doloso. c) Omissão de socorro e omissão de socorro. d) Homicídio doloso e nenhum crime. e) Homicídio doloso e homicídio culposo. Comentários: A presente questão é semelhante à anteriormente comentada. O gabarito apresenta a letra “d” como alternativa correta. Aqui a médica plantonista estava presente quando foi apresentada a vítima em risco. É claro que, pelas circunstâncias evidenciadas, a médica não teve vontade (elemento do dolo direto) que a vítima morresse, mas simplesmente se comportou de forma indiferente ao possível resultado que poderia, em tese, evitar. Há desse modo, a presença do dolo eventual (do qual são requisitos[13]: representação do resultado; aceitação desse resultado; e indiferença frente ao bem jurídico). A hipótese é de delito omissivo impróprio (art. 13, parágrafo 2º, do CP). Não há simples culpa consciente da profissional, pois ao se afastar do hospital, deixando sem assistência um paciente que ela mesma constatou estar em estado grave, além de prevê o resultado, assumiu o risco que este sobreviesse. A mera suposição de que outro médico chegaria antes do seu horário normal de serviço, não serve para afastar a indiferença frente ao bem jurídico em perigo e a aceitação do resultado. A conduta em evidência, portanto, revela atuar além do culposo, ou seja, doloso sob a modalidade eventual.
Quanto a médico que se atrasou para o plantão, ora se invoca os mesmos fundamentos demonstrados nos comentários da questão anterior para justificar a posição que defende ser tal fato atípico.
10) O reconhecimento do homicídio privilegiado é incompatível com a admissão da qualificadora (Promotor 2009 MP-CE, FCC) a) do motivo fútil. b) do emprego de explosivo. c) do meio cruel. d) da utilização de meio que possa resultar em perigo comum. Comentários: A letra “a” corresponde à assertiva correta. Já está sedimentado que as circunstâncias que induzem ao privilégio no homicídio são de caráter subjetivo (pessoal), consoante interpretação do art. 121, parágrafo 1º, do CP. Nesse andar, há incompatibilidade entre as circunstâncias privilegiadoras e as qualificadoras que também forem de ordem subjetiva. Das qualificadoras elencadas na questão em exame, apenas o motivo fútil tem natureza subjetiva, pois revela a motivação do agente; sendo as demais de ordem objetiva (dizem respeito a meios de execução). Vide comentários da questão 4, onde se aborda temática similar. Referências bibliográficas: GRECO, Rogério. Curso de direito penal, parte geral, vol. I. 8ª ed. rev.,ampl. e atual. – Niterói : Impetus, 2007. GRECO, Rogério. Curso de direito penal, parte especial, vol. II. 3ª ed. rev.,ampl. e atual. – Niterói : Impetus, 2007. PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal, parte geral, vol. 1. 7ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo : RT, 2007. CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – parte geral, v. 1. 6ª ed. São Paulo : Saraiva, 2003. NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 5ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: RT, 2006. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, v. 1. 9ª ed. São Paulo : Saraiva, 2004. SCHMITT, Ricardo Augusto. Sentença penal condenatória. Salvador : Juspodivm, 2006. GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de; coordenação de Luiz Flávio Gomes. Direito penal – parte geral, v. 2. – São Paulo : RT, 2007. CUNHA, Rogério Sanches; coordenação de Luiz Flávio Gomes e Rogério Sanches Cunha. Direito penal – parte especial, v. 3. – São Paulo : RT, 2008.
Notas: [1] Nesse particular vide Capez (2003, v.1, p. 193). [2] “Tem sido posição predominante na doutrina e na jurisprudência a admissão da forma qualificada-privilegiada, desde que exista compatibilidade lógica entre as circunstâncias. (...) Em regra, pode-se aceitar a existência concomitante de qualificadoras objetivas com as circunstâncias legais do privilégio, que são de ordem subjetiva (motivo de relevante valor e domínio de violenta emoção). O que não se pode acolher é a convivência pacífica das qualificadoras subjetivas com qualquer forma de privilégio, tal como seria o homicídio praticado, ao mesmo tempo, por motivo fútil e por relevante valor moral. (...)Excepcionalmente, pode ser incabível, conforme o caso concreto, a coexistência entre uma qualificadora objetiva e o privilégio. Tal aconteceria, por exemplo, quando, violentamente emocionado, sem equilíbrio e de inopino, o agente, logo após injusta provocação, reage, matando a vítima. Embora, em tese, se possa sustentar que o ataque ocorreu de surpresa, dificultando a defesa do ofendido, é preciso destacar que a provocação injusta foi o motivo suficiente para uma reação súbita” (NUCCI, 2006, pp. 530-531). [3] Vide NUCCI, 2006, p. 380.
[4] PRADO, 2007, v.1, p. 396; e GRECO, 2007, v.I, p. 342. [5] O art. 13 do CP diz claramente que o resultado só é imputável a quem lhe deu causa. [6] GOMES e MOLINA, 2007, V. 2, p. 265. [7] É relativamente independente porque se não fosse a ação de Caio a vítima não precisaria ser conduzida de ambulância. E, por conseguinte, a conduta de Caio contribuiu (de forma relativa) para o resultado, mesmo que a causa determinante deste tenha sido outra conduta. Lecionando sobre as causas relativamente independentes supervenientes Capez (2003, v.1, pp. 154-155) explica: “A conseqüência dessas causas, se fôssemos aplicar a teoria adotada como regra pelo Código Penal (equivalência dos antecedentes), seria a manutenção do nexo causal. (...) O sujeito que feriu a vítima com um soco foi um dos que causaram sua morte no acidente da ambulância, pois sem aquele ela não estaria no veículo. Seu soco, portanto, pela teoria da equivalência dos antecedentes, provocou a morte do ofendido. No caso das causas supervenientes relativamente independentes, contudo, o legislador adotou outra teoria, como exceção, qual seja, a da condicionalidade adequada, pois o art. 13, parágrafo 1º, determina a ruptura do nexo causal. Assim, embora pela regra geral a conduta seja causa, por opção do legislador, fica rompido o nexo de causalidade, pois, isoladamente, ela não teria idoneidade para produzir o resultado. Como resultado dessa teoria, no exemplo que acabamos de ver, o agressor deixa de ser considerado causador da morte da vítima na ambulância. Convém lembrar, porém, que isso é uma exceção que só se aplica às causas supervenientes relativamente independentes; o parágrafo 1º do art. 13 do CP é bastante claro ao limitar o seu alcance a elas”. [8] A recusa em prestar o socorro é uma característica intrínseca ao elemento subjetivo do tipo da omissão de socorro (GRECO, 2007, v. II, pp. 368-369), portanto se o agente sequer presenciou o risco a que a vítima estava submetida não tinha como recusar ajuda. [9] Observar que mesmo no homicídio provocado (em uma relação direta de causalidade) por uma conduta culposa caracterizada pela negligência, onde o traço característico peculiar é a omissão do dever de cautela, não estamos diante de um crime omissivo, mas sim de um delito comissivo. Para entendermos isso cabe citarmos os ensinamentos de Gomes e Molina (2007, v. 2, pp. 423- 424): “A norma proibitiva é violada por meio de uma ação (fala-se nesse caso em crime comissivo); a mandamental por meio de uma abstenção da ação esperada; fala-se nesse caso em crime omissivo. Há, portanto, duas formas de se realizar o tipo penal: por ação (crimes comissivos) ou por omissão (crimes omissivos). Em outras palavras: nos crimes comissivos o agente cria uma situação de perigo para bens jurídicos alheios, enquanto nos omissivos o agente se omite, isto é, há ausência de uma intervenção para a salvaguarda de bens jurídicos alheios”. Portanto, a culpa por negligência, ressalvada a hipótese de ocorrência de crime omissivo impróprio, cria uma situação de perigo para o bem jurídico protegido (no caso do homicídio, a vida), revelando seu caráter comissivo. Não há, destarte, uma omissão de salvaguarda de bem jurídico (caracterizadora do crime omissivo), exceto no caso de incidência de crime omissivo impróprio. [10] Citação colhida na obra de Capez (2003, v.1, p. 147).
[11] A solução é diferente quando o descuido provoca diretamente o resultado. Por exemplo: alguém constrói um prédio com material de qualidade ruim para economizar e o prédio vem futuramente a desabar por conta de falhas estruturais, provocando mortes e lesões corporais. Nesse caso, o descuido provocou diretamente os resultados, não havendo dificuldade nenhuma na imputação. No caso dos crimes omissivos impróprios, segundo se demonstrou, o agente não provoca diretamente o resultado, mas sim se furta a evitar que ele aconteça, devendo e podendo fazê-lo, o que a acarreta a imputação. Nesse passo, principalmente o poder fazer deve ser encarado sob o ponto de vista físico, que é pressuposto do aspecto subjetivo da imputação: o não agir movido por descuido (culpa), por deliberalidade (dolo direto) ou por indiferença frente à possível ocorrência do resultado projetado (dolo eventual). Ora, se o agente não tem conhecimento do risco diante do qual deve agir para evitar o dano, não há como imputar a ele o resultado, mesmo que a título de culpa. Destarte, a tão-só previsibilidade exigível pelo dolo eventual e pela culpa para imputação de crime de dano, não é da simples ocorrência do risco, mas sim da ocorrência do resultado. A previsibilidade da ocorrência do risco impreciso (por exemplo: prever que pode chegar algum ou alguns pacientes, sem saber exatamente quais nem quantos, precisando de cuidados médicos) não interfere, necessariamente, na imputação. A previsibilidade que justifica a imputação a título de culpa ou dolo eventual no caso dos crimes omissivos impróprios de dano, segundo penso, diz respeito à projeção de que uma situação de risco já identificada poderá gerar um resultado danoso. É o caso, por exemplo, do médico que se deparando com um paciente que chega para ser atendido (situação de risco) não se digna a fazer um exame clínico adequado, mandando o mesmo retornar para casa dizendo que ele está apenas com um passageiro mal-estar, vindo o paciente a morrer posteriormente vitimado por um infarto. Nesse caso, havia uma situação de risco (conhecida e presenciada pelo agente) e havia uma previsibilidade objetiva do resultado; sendo perfeitamente imputável ao médico o resultado. [12] O Acórdão referido foi assim ementado: “RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS-CORPUS. HOMICÍDIO CULPOSO. OMISSÃO. NEGLIGÊNCIA MÉDICA. DILAÇÃO PROBATÓRIA. NÃO-CABIMENTO DO WRIT. Vítima que veio a falecer em razão do descaso da paciente, médica, que, de forma negligente, se afastara de seu plantão. Denúncia por crime omissivo impróprio. Pretensão de trancar a ação penal, por falta de justa causa. Dilação probatória incompatível com o rito do hábeas-corpus. Recurso ordinário a que se nega provimento. (STF, Segunda Turma, RHC 78707-SP, rel. p/Acórdão min. Maurício Corrêa, DJ 10-10-2003, p. 52). [13] Como esse teor os ensinamentos de Gomes e Molina (2007, v.2, p. 378).