VANESSA MOREIRA DOS SANTOS
PRÁTICAS ALIMENTARES Marshall Sahlins e Mary Douglas
Recife-PE !"
PRÁTICAS ALIMENTARES Marshall Sahlins e Mary Douglas
Vanessa Moreira dos Santos
Tra#alho a$resen%a&o na &isci$lina &e 'is%(ria e Teoria An%ro$ol(gica II) &o Progra*a &e P(s-+ra&ua,o e* An%ro$ologia &a .ni/ersi&a&e 0e&eral &e Perna*#uco) co*o re1uisi%o $arcial $ara o#%en,o &e no%a final2
Recife 3 PE !"
A antropologia tem dedicado atenção às práticas alimentares desde que Malinowski jogou luz à importância dos aspectos da produção, preparo e troca de comida na sociedade troriandesa! "istinguir o ato alimentar # no qual o $omem não se di%erenciaria das outras esp&cies animais em relação à nutrição # e o ato culinário, pr'prio à esp&cie $umana, que & capaz de cozin$ar e cominar ingredientes, torna a comida uma categoria rele(ante, atra(&s da qual as sociedades constroem representaç)es sore si e de%inem sua identidade em relação a outras!
*
"e certa %orma, o con$ecimento sore a alimentação está relacionado à compreensão da di(ersidade dos costumes, mostrando o caráter sim'lico que en(ol(e as ati(idades $umanas e como di%erentes sociedades organizam de modo particular soluç)es espec+%icas para resol(er prolemas uni(ersais! A análise de $áitos alimentares pode ser associada a temas di(ersos, soretudo com n%ase na dimensão sim'lica dos alimentos, a qual está dilu+da nos seus sistemas de classi%icação, de%inindo a ordem do comest+(el, as modalidades de aquisição, preparação, consumo e partil$a, constituindo, assim, elementos signi%icati(os para se pensar a identidade social de seus consumidores! - ato de comer & espec+%ico de cada sociedade e em torno da comensalidade constru+ram#se in.meras regras que %azem parte de um sistema, já que alimentação não & prática isolada, mas integra um sistema sim'lico e relaciona#se com outros sistemas! /omer & %undamental para a sore(i(ncia, por&m está cercado de taus, interdiç)es, prescriç)es que %azem com que o impulso da %ome, aspecto natural, s' possa ser satis%eito oser(ando#se as in.meras regras que delimitam a prática alimentar! /ada cultura tem de%inido o que se pode e o que não se pode comer, al&m das sanç)es para quem come alimentos proiidos! A alimentação & uma ati(idade social comple0a en(ol(endo outras pessoas na produção de alimentos, em seu preparo e, soretudo, na pr'pria comensalidade, ocasião para se criar e manter %ormas ricas de sociailidade em di%erentes es%eras da (ida social, inclusi(e na dimensão do sagrado!
*
1 procura do signi%icado da alimentação na $ist'ria do $omem, com a conseq2ente criação de uma cozin$a 3$umana e $umanizada3, /at$erine 4erl&s 5*6768 prop)e uma distinção entre o ato alimentar 5no qual o $omem não se distinguiria das outras esp&cies animais em relação à nutrição8 e o ato culinário, pr'prio à esp&cie $umana 5o $omem & o .nico a cozin$ar e cominar ingredientes8!
- ato de alimentar#se & sempre mediado por regras diet&ticas, cujas origens e %inalidades são m.ltiplas e são elaoradas a partir de di(ersas %ormas de saer, como o con$ecimento cient+%ico, o senso comum, religi)es, que criam interdiç)es para e0cluir do cardápio alimentos considerados culturalmente como noci(os! 4ara Mar9 "ouglas, no li(ro Pureza e Perigo, os conceitos de poluição e de tau, tão %requentemente empregados para analisar o 3pensamento primiti(o3, eram igualmente rele(antes para a compreensão do cotidiano dos ocidentais, como dos :outros;!
%rica, as crenças e as aç)es relacionadas à pureza e à impureza não são apenas quest)es de $igiene! A $igiene e a limpeza são um ritual que ajuda a criar ordem na (ida das pessoas! A antrop'loga inglesa parte da análise dos te0tos do ?e(+tico, um dos li(ros do Vel$o @estamento, para uscar aquelas que seriam as ases das interdiç)es alimentares, como a proiição do consumo da carne de porco entre os judeus! @al restrição seria e0pressão de um conjunto de (alores da religião judaica dos quais %ariam parte noç)es de santidade e de integridade, sendo consideradas de ordem sim'lica e não prática ou utilitária! A partir dessas noç)es & que os mandamentos sagrados classi%icam os animais que são ons para o consumo nesse caso, os ruminantes e de casco %endido tais como os carneiros e as caras e os animais que não de(em ser comidos!
%undada no sagrado! -s taus alimentares (isam separar alimentos cuja ingestão pode poluir quem os consome! 4ara "ouglas, a noção de poluição, de sujeira, não está relacionada a quest)es de $igiene! As proiiç)es do consumo de determinados alimentos não pretendem proteger o :organismo iol'gico;, mas ojeti(am de%ender o :organismo social; dos memros de determinado grupo religioso, %i0ando suas identidades em contraponto às identidades de participantes de outros grupos religiosos! - porco, portanto, & considerado impuro para o consumo não por suas caracter+sticas ou $áitos, mas simplesmente porque ele %oge à classi%icação dos animais que são ons para o consumo segundo os mandamentos do Vel$o @estamento! Fssas regras diet&ticas não tm apenas caráter prático, %undado no con$ecimento acerca das propriedades dos alimentos, mas %azem parte de um sistema sim'lico mais amplo, ancorado na ideia de sagrado, que estaelece %ronteiras entre judeus e gentios! -utro traal$o importante nesta área & Cultura e razão prática do antrop'logo norte#americano Mars$all Sa$lins, pulicado em *67G nos Fstados Hnidos, e no Crasil no %inal da mesma d&cada, tendo sido reeditado em IJJK! Fm um dos cap+tulos do li(ro denominado La pensée bourgeoise - a sociedade ocidental enquanto cultura , $á a discussão acerca do consumo de carne pelos norte#americanos! 4artindo da ideia de que nen$uma sociedade pode dei0ar de lado a manutenção iol'gica da sua população, Sa$lins 5IJJKL*G8 destaca que a cultura atua na escol$a e classi%icação das %ormas poss+(eis de sore(i(nciaL 3os $omens não Nsore(i(emN simplesmente! Fles sore(i(em de uma maneira espec+%ica! Fles se reproduzem como certos tipos de $omens e mul$eres, classes sociais e grupos, não como organismos iol'gicos ou agregados de organismos!3 -s $omens produzem ojetos para sujeitos sociais espec+%icos que possuem signi%icados di(ersos em culturas di(ersas! A pesquisa de Sa$lins sore consumo de carne re%orça a análise da produção enquanto uma intenção cultural! Ap's analisar as possiilidades e (iailidades de produção e comercialização de carne de gato, cac$orro ou mesmo de ca(alo, o antrop'logo discute a recusa da sociedade norte#americana em consumir carne desses animais, ainda que a racionalidade econDmica con%erisse legitimidade! A produção de carne desses animais seria mais arata e nutricionalmente tam&m são (alorizados! Mas,
a Am&rica & a terra do cão sagrado! Oazendo uma analogia com a Pndia, con$ecida por ser a terra da (aca sagrada, # pa+s onde a população não aceita a possiilidade de tornar a (aca um alimento# ele mostra que a l'gica que está por trás da não comestiilidade de cac$orros & cultural! <ão & a razão prática que justi%ica esta escol$a!
Assim, & na cominação de di%erentes relaç)es com o meio e com outras culturas que as práticas culturais são criadas, sendo que di%icilmente o conjunto (alorizado por um grupo será igual àquele (alorizado por outro! 1 luz dessas a%irmaç)es, pode#se a%irmar que nossos $áitos alimentares %azem parte de um sistema cultural repleto de s+molos, signi%icados e classi%icaç)es, de modo que nen$um alimento está li(re das associaç)es culturais que a sociedade l$es atriui!
aç)es $umanas acaou por gerar nas cincias sociais uma tendncia a (er o mar0ismo como a teoria e0plicati(a da sociedade ocidental! Sa$lins e0plora esta questão demonstrando que a relação entre a razão prática e a simolização no mar0ismo, relação esta diminu+da por interpretaç)es parciais que geram uma imagem distorcida e etnocntrica
da
sociedade moderna,
tam&m apresentam, assim como as trocas :primiti(as;, uma %orma de simolização! Fstas conclus)es são importantes para dimensionarmos a
questão
alimentar que sintetiza, ela mesma, os aspectos de materialidade e cultura a que se re%ere Sa$lins! Assim como a identidade, a comida & relacional e pode prestar#se a di%erentes interpretaç)es! "essa %orma, as tradiç)es alimentares são marcadas por mudanças constantes e são acionadas pelos grupos como e0pressão de identidade e como marcadores de %ronteiras, re(elando tam&m as posiç)es que os di%erentes grupos ocupam em conte0tos relacionais!
<ão asta ter acesso ao saer cient+%ico para modi%icar costumes alimentares, pois eles não estão %undados tão somente na racionalidade $umana! Fsta certamente e0iste, mas con(i(e tensamente com (alores sim'licos e com os prazeres propiciados pela comida, sejam eles gustati(os, psicol'gicos ou sociais, isto &, pro(enientes das relaç)es criadas em torno das re%eiç)es! "e %ato, a $umanidade come de tudoE inclusi(e a si pr'pria, como mostra a prática do canialismo!