UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE HUMANIDADES CURSO DE HISTÓRIA
PAULO HENRIQUE OLIVEIRA LIMA
“NEM DECALQUE, NEM CÓPIA: A QUESTÃO INDÍGENA EM JOSÉ CARLOS MARIÁTEGUI (1924 A 1930)”.
FORTALEZA 2014
2
PAULO HENRIQUE OLIVEIRA LIMA
“NEM DECALQUE, NEM CÓPIA: A QUESTÃO INDÍGENA EM JOSÉ CARLOS MARIÁTEGUI (1924 A 1930)”.
Tese submetida à Coordenação do Curso de Licenciatura Plena em História da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de graduado em História. Orientação Prof. Dr. William James Melo.
FORTALEZA 2014
2
2
PAULO HENRIQUE OLIVEIRA LIMA
“NEM DECALQUE, NEM CÓPIA: A QUESTÃO INDÍGENA EM JOSÉ CARLOS MARIÁTEGUI (1924 A 1930)”.
Tese submetida à Coordenação do Curso de Licenciatura Plena em História da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de graduado em História. Orientação Prof. Dr. William James Melo.
FORTALEZA 2014
2
3
Lima, Paulo Henrique Oliveira Nem decalque, nem cópia: a questão indígena em José Carlos Mariátegui (1924 a 1930). – Fortaleza, 2014. XXp. ;il, Orientador: Prof. Dr. William James Melo. Monografia (Graduação em Licenciatura plena em História) – Universidade Estadual do Ceará, Centro de Humanidades. 1. História da América. I. Universidade Estadual do Ceará, Centro de Humanidades.
3
4
PAULO HENRIQUE OLIVEIRA LIMA
“NEM DECALQUE, NEM CÓPIA: A QUESTÃO INDÍGENA EM JOSÉ CARLOS MARIÁTEGUI (1924 A 1930)”.
Tese submetida à Coordenação do Curso de Licenciatura Plena em História da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de graduado em História. Orientação Prof. Dr. William James Melo.
Aprovada em ___/___/___ BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________ Prof. Dr. William James Melo (Orientador) Universidade Estadual do Ceará
_____________________________________________
_____________________________________________
4
5
À minha família, por todo o carinho, e à Revolução latino-americana, sonho compartilhado por mim e por Mariátegui.
5
6
AGRADECIMENTOS Primeiramente, gostaria de agradecer a meus pais, pela compreensão e respeito a minha militância política, razão de ser da minha vida. À minha mãe, que através do cristianismo me ensinou a importância da solidariedade e da justiça social. A meu pai, que mesmo sem ler Paulo Freire me ensinou, na prática, a importância do exemplo pedagógico, da coerência entre o que se diz e o que se faz. A minha irmã Tereza e aos meus irmãos Solano e Gustavo, pelo companheirismo nas horas difíceis. A meus colegas do curso de História da Universidade Estadual do Ceará, com os quais compartilhei muitas alegrias durante estes anos. Em especial gostaria de agradecer ao grande camarada Rafael Lima, um grande amigo que fiz na universidade e tenho certeza de que levarei para a vida inteira. Ao Paulo Airton Damasceno, Thais Paz, Samanta Forte, Acácio Simões, Vicente Olsen, Jéssica, Ana Raquel, Renê, Helena Maria, Adson, e tantos outros com quem vivenciei estes últimos anos de universidade. A meus professores pelos quais nutro bastante respeito, em especial ao meu orientador William Melo, com quem gosto tanto de conversar e que manteve uma paciência incondicional neste processo da escrita da monografia. À grande companheira Iara Fraga, mulher forte e guerreira, com a qual compartilhei parte importante da minha vida, e com quem amadureci coletivamente. À Mariana Davi, grande companheira que mesmo estando longe, contribuiu com esta escrita da monografia. À Evenice Neta, grande amiga e companheira. Uma das pessoas responsáveis por ter me tornado militante e historiador. A quem devo sinceros agradecimentos. À Maíra Guedes que tive o prazer de conhecer de forma mais profunda recentemente e estando numa condição semelhante à minha compartilhou várias das minhas angústias e alegrias próprias dos/as militantes que enfrentam a vida acadêmica. Às companheiras e companheiros do Levante Popular da Juventude e da Consulta Popular Ceará. Primeiramente pela paciência que tiveram para com este processo e segundo por compartilharem do mesmo sonho de transformação da sociedade. Em especial, Leidiano Farias, Fabiano Sousa, Cláudio Silva, Pedro Dutra, Fernando Carvalho, Rogério Chaves, Carlos Santos, Isick Kauê, Thiago Nascimento, Tamyres Lima, Sara Ortins, Lorrayne Santos, Guarany Oliveira, Lucas Inocêncio, Miguel Braz, Nani Silva, Rosalho, André Matheus, Júlio 6
7
Freire, Joane Araújo, Luciana Guerra, Raul Castro, Emille Sampaio, Ana Letícia, Humberto Neto. Além de companheiros/as de outros estados do país, Débora Sá, Lauro Carvalho, Dorinha, Letícia Carvalho, Laércio Teodoro, Laíla Alana, Baunilha, Suzany, Élida, Marcel, Iyalê, Hitallo Viana, Jessy Dayane, Celso Aquino, Rawy Sena, Ivan Siqueira, as gêmeas Viviane e Tatiane Leal, Hugo Pacotinho, Elen Rebeca, Patrícia Chaves, Júlia Garcia, Kelly Rangel, Leno Barbosa, Ingrid Moraes, Gabriel Machado, Maria Joana, Amanda Rosa, Katarina Fernandes, Matheus Medeiros, Filipe Rodrigues, Lira Alli, Thays Carvalho, Carla Bueno, Raul Amorim, Thiago Wender, Rodrigo Suñe, Lúcio Centeno, Ronaldo Souza, Janaíta Hartmann e tantos outros compas. Agradeço a todas e todos, sinto que cada um contribuiu de forma decisiva neste processo.
7
8
Quando você for aplaudido ao entrar na tribuna, pense nos que morreram. Quando forem buscar você ao chegar no aeroporto, pense nos que morreram. Quando for sua vez de falar ao microfone, ou quando você for focalizado pela televisão, pense nos que morreram. Olhe para eles, sem camisa, arrastados, sangrando, encapuzados, arrebentados, desfeitos em pias, na máquina de dar choque, o olho arrancado, degolados, crivados de balas, jogados na beira da estrada, em covas que eles mesmos cavaram, em valas comuns, ou simplesmente sobre a terra, adubo de plantas da montanha: você os representa, eles, os que morreram delegaram a você. Ernesto Cardenal 8
9
RESUMO José Carlos Mariátegui (1894-1930) é um dos maiores intelectuais do Peru e um dos percussores de um pensamento marxista latino-americano. Mariátegui deu importantes contribuições ao estudo da política internacional, do fascismo e da questão indígena na América Latina. Sua obra transcende os limites territoriais de seu país, estando traduzida em mais de uma dezena de idiomas, sendo objeto de estudo de diversos seminários, colóquios pelo continente americano e encontrando leitores na Europa e no Oriente. Sua herança política é reivindicada por grande parte da esquerda latino-americana. No Peru, praticamente todas as organizações populares reivindicam sua ancestralidade. Autodidata, se profissionalizou jornalista como ajudante de tipografia. E no exercício da profissão de jornalista tornou-se militante político, acontecimento que o levou a descobrir o socialismo. Esta pesquisa, portanto, tem como objetivo analisar o pensamento do intelectual peruano acerca da questão indígena na América Latina. Mais especificamente no período de 1924 a 1930, intervalo de tempo em que se intensifica sua produção intelectual e sua atividade política enquanto dirigente revolucionário do Partido Socialista do Peru. Este período coincide com o retorno ao seu país de origem, após aproximadamente quatro anos vivenciando a realidade europeia, se encerrando no ano de sua morte. A razão de ser desta pesquisa é compreender em que medida a questão indígena aparece como uma chave heurística na produção intelectual de Mariátegui, possibilitando que o mesmo, ao se debruçar sobre o assunto, analise de forma original a realidade do Peru e de forma mais ampla, a realidade da América Latina. A pesquisa se realizará pela análise documental e produção bibliográfica que verse sobre o marxismo e a questão indígena na América Latina.
PALAVRAS CHAVE: Questão indígena. Marxismo. América Latina.
9
10
RESUMEN José Carlos Mariátegui (1894-1930) es uno de los más grandes intelectuales del Perú y uno de los precursores de un pensamiento marxista latinoamericano. Mariátegui hizo importantes contribuciones al estudio de la política internacional, el fascismo y las cuestiones indígenas en América Latina. Su obra trasciende las fronteras de su país y se traduce en más de una docena de idiomas, el objeto de estudio de diversos seminarios, simposios por continente americano y la búsqueda de lectores en Europa y el Oriente. Su legado político es reclamado por la mayor parte de la izquierda latinoamericana. En el Perú, casi todas las organizaciones populares afirman que su ascendencia. De formación autodidacta, se convirtió en un periodista profesional como asistente de la tipografía. Y la profesión de periodista se convirtió en un activista político, un evento que lo llevó a descubrir el socialismo. Por tanto, esta investigación tiene como objetivo analizar el pensamiento intelectual peruano sobre las cuestiones indígenas en América Latina. Más específicamente, en el período 1924-1930, el intervalo de tiempo en el que se intensifica su producción intelectual y su actividad política como líder revolucionario del Partido Socialista del Perú. Este período coincide con el regreso a su país de origen, después de unos cuatro años de experimentar la realidad de Europa, finalizando el año de su muerte. El fundamento de esta investigación es comprender hasta qué punto aparece la cuestión indígena como una heurística en la producción intelectual de la clave Mariátegui, permitiendo al mismo, hacer hincapié en el tema, analizar de manera original la realidad de Perú y, más ampliamente la realidad de América Latina. La investigación se llevará a cabo mediante el análisis de la producción bibliográfica y documental que aborda el marxismo y las cuestiones indígenas en América Latina.
PALABRAS CLAVE: Asuntos Indígenas. Marxismo. América Latina.
10
11
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
IS – Internacional Socialista IC – Internacional Comunista PSP – Partido Socialista do Peru PCP – Partido Comunista do Peru CGTP – Confederação Geral dos Trabalhadores Peruanos PCB – Partido Comunista Brasileiro PSI – Partido Socialista Italiano PCI – Partido Comunista Italiano APRA – Aliança Popular Revolucionária Americana API – Associação Pró Direito Indígena PC´s – Partidos Comunistas
11
12
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
13
1. MARIÁTEGUI UM INTELECTUAL ORGÂNICO DOS ANDES
15
1.1 Da idade da pedra à idade da revolução.
15
1.2 O marxismo agônico de Mariátegui
22
1.3 Quando o índio se comunica com o homem de vanguarda da capital
28
2. UM PERU “SEM O ÍNDIO E CONTRA O ÍNDIO”.
34
2.1 A Conquista como fratura histórica do Peru
35
2.2 Uma via não clássica para o capitalismo
42
2.3 Nacionalidade peruana em formação.
60
3. NEM DECALQUE, NEM CÓPIA: CRIAÇÃO HEROICA.
53
3.1 “Um intermezzo polêmico”: a relação entre Mariátegui e os indigenistas
53
3.2 Mariátegui e a Internacional Comunista
59
3.3 O Socialismo Indo-Americano.
65
CONSIDERAÇÕES FINAIS
70
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
74
12
13
INTRODUÇÃO Esta pesquisa tem como objetivo analisar o pensamento do intelectual peruano José Carlos Mariátegui (1894-1930) acerca da questão indígena na América Latina. Mais especificamente no período de 1924 a 1930, intervalo de tempo em que se intensifica sua produção intelectual e sua atividade política enquanto dirigente revolucionário do Partido Socialista do Peru. Este período coincide com o retorno ao seu país de origem, após aproximadamente quatro anos vivenciando a realidade europeia, se encerrando no ano de sua morte. A razão de ser desta pesquisa é compreender em que medida a questão indígena aparece como uma chave heurística na produção intelectual de Mariátegui, possibilitando que o mesmo, ao se debruçar sobre o assunto, analise de forma original a realidade do Peru e de forma mais ampla, a realidade da América Latina. Mariátegui é um dos percussores de um pensamento marxista latino-americano. Feito extraordinário se pensarmos a realidade de um intelectual autodidata que se profissionalizou jornalista como ajudante de tipografia. E no exercício da profissão de jornalista tornou-se militante político, acontecimento que o levou a descobrir o socialismo. Além de ser, igualmente, um grande intelectual e teatrólogo. Mariátegui é certamente o que alguns historiadores como Carlo Ginzburg classificariam como uma pessoa “excepcional normal”. Um ser humano que vivenciou as contradições de sua época e ao mesmo tempo produziu uma obra que extrapolou o século XX. Sua contribuição intelectual serviu para enriquecer o marxismo produzido na América Latina, e que por tanto tempo sofreu do fenômeno que Fernando Claudín identificou como “paralisia teórica”. Não por coincidência sua obra foi recuperada pela esquerda revolucionária latino-americana com referência na Revolução Cubana. A obra de Mariátegui é a afirmação da máxima leninista “análise concreta da situação concreta” e da possibilidade de ao compreender a realidade, transformá-la. A importância desta pesquisa reside no fato dela contribuir para a compreensão do pensamento de um intelectual – apesar da sua importância para a América Latina – pouco estudado no Brasil, principalmente nos meios acadêmicos, do qual ele é um ilustre desconhecido. É lugar comum nas disciplinas de História da América, a crítica à postura mecânica dos Partidos Comunistas (PC´s), e da grande maioria de intelectuais referenciados neste leito histórico, de adotarem uma teoria da evolução, afirmando o caráter universal dos cincos modos de produção como estágios obrigatórios do desenvolvimento histórico da humanidade. O que não é comum é analisarmos porque este fenômeno acontece. Tampouco, analisarmos aqueles que no bojo desta tradição intelectual dos PC´s, resistiram ao lugar 13
14
comum e esforçaram-se para compreender a singularidade da realidade latino-americana, mesmo enfrentando dificuldades, tais como a falta de uma tradição teórica e partidária de esquerda no continente, um instrumental teórico bastante reduzido e a dificuldade no acesso aos textos dos clássicos do marxismo. A descoberta de Mariátegui e da questão indígena enquanto objeto da pesquisa historiográfica surge, portanto, fora do ambiente universitário. Produto da militância política que desenvolvo desde minha adolescência e que se intensifica na universidade. Mas é, sobretudo, dentro desta instituição acadêmica, no processo da pesquisa histórica e com o auxílio dos meus professores, que a compreensão da dimensão do pensamento de Mariátegui ganha toda sua magnitude. Optei por realizar essa pesquisa em três capítulos: no primeiro, busquei analisar a trajetória intelectual e militante de Mariátegui, sua relação com o marxismo e os movimentos sociais de sua época. De que forma estas questões se relacionam fazendo com que Mariátegui se constitua como um intelectual orgânico da questão indígena no Peru, possibilitando que o mesmo supere as visões tradicionais acerca do problema do índio. No segundo capitulo, analisei a parte da obra de Mariátegui dedicada à formação social peruana. Como ele compreende o processo histórico de conformação do Peru moderno, a relação entre a questão indígena, a grande propriedade de terra e a questão nacional, nos marcos de uma via não clássica de desenvolvimento capitalista. Mariátegui, com todos os limites e contradições de sua obra, é um dos pioneiros em identificar a existência de uma burguesia débil em nosso continente, incapaz de desempenhar um papel protagonista num processo revolucionário na América Latina. No terceiro, procuro compreender como Mariátegui, no seio da tradição revolucionária aberta com a Revolução de Outubro, relaciona de forma original a questão indígena com a construção do socialismo no Peru, eixo central de sua atuação intelectual e política no período analisado nesta pesquisa. As divergências e polêmicas travadas com setores do indigenismo peruano e com a Internacional Comunista, acerca do socialismo indo-americano. Por fim, esta pesquisa tem como objetivo de atear ao passado aquela centelha da esperança à qual Walter Benjamin faz referência nas suas Teses sobre o conceito de história.
14
15
1. MARIÁTEGUI: UM INTELECTUAL ORGÂNICO DOS ANDES. José Carlos Mariátegui la Chira (1894-1930) é considerado um dos maiores intelectuais peruanos do século XX e fundador de uma tradição marxista genuinamente latino-americana1. Mariátegui deu contribuições importantes ao estudo da política internacional, do fascismo e da questão indígena na América Latina. Sua obra transcendeu os limites territoriais de seu país, estando traduzida em mais de uma dezena de idiomas, sendo objeto de estudo de diversos seminários, colóquios pelo continente americano e encontrando leitores na Europa e no Oriente. Sua herança política é reivindicada por grande parte da esquerda latino-americana. No Peru, praticamente todas as organizações populares reivindicam sua ancestralidade. Seus biógrafos costumeiramente dividem a vida do peruano em dois momentos: a idade da pedra, expressão cunhada pelo próprio Mariátegui, para designar o período que vai da sua infância até meados de 1919, em que se vê obrigado a se exilar na Europa; e a idade da revolução2, consistindo no intervalo de tempo que compreende sua vivência europeia, seu retorno ao Peru, até sua morte em 1930.
1.1 Da idade da pedra à idade da revolução. Nascido no dia 14 de junho, em Moquegua, sul do Peru, Mariátegui é o filho mais velho de Francisco Javier Mariátegui, um funcionário público, e de Maria Amalia La Chira, uma costureira. Devido à separação de seus pais e ao agravamento da sua saúde, muda-se com a mãe e seus três irmãos para Huacho, uma pequena cidade litorânea ao norte de Lima. Em Huacho, aos 7 anos de idade, Mariátegui inicia seu único processo de escolarização formal, que é interrompido por um acidente que lhe fratura o joelho esquerdo. A despeito de passar por diversas intervenções cirúrgicas, esse acidente deixa-o manco pelo resto da vida. Em 1909, com 15 anos, Mariátegui parte junto com a família para Lima. Na capital, começa a trabalhar como ajudante de tipografia no jornal liberal-conservador La Prensa. É nesse contexto que Mariátegui, já autodidata, começa paulatinamente a se abrir para questões de seu tempo, tendo contato com notícias do que ocorria no Peru e no mundo. Vale destacar que o nascimento e a juventude de Mariátegui coincidem com o processo de apogeu e crise da República Oligárquica e do civilismo (1895-1919). O civilismo 1
Endossam esta afirmação Aricó (1987), Fernandes (1994), Löwy (1999), Netto (1980), Bellotto e Corrêa (1982) e Escorsin (2006). 2 A expressão “idade da revolução” é de autoria de Belloto e Corrêa (1982, p.16).
15
16
expressava a ideologia e ação do partido civilista, cuja base social era formada por grandes comerciantes urbanos, grandes fazendeiros de açúcar e algodão e pelos mais notados profissionais liberais da época. É sob a hegemonia desse partido que se consolida algumas características do período colonial no Peru, dentre elas: o corte entre a “costa” (desenvolvida e branca) e a “serra” (atrasada e indígena); o controle por parte de uma pequena elite de comerciantes e de latifundiários – os gamonales3 – da economia nacional, subordinados aos interesses dos imperialismos inglês e norte-americano, que controlavam o comércio exterior, as ferrovias e os bancos; e, por fim, a construção de uma nacionalidade peruana “sem o índio” e “contra o índio”. Aos 18 anos, o jovem Mariátegui, ascende à redação do La Prensa, cobrindo diversas ocorrências urbanas em Lima. Dois anos depois, com o pequeno artigo “À margem da arte”, inicia suas atividades enquanto crítico de arte sob o pseudônimo de Juan Croniqueur. Mariátegui, através de Juan Croniqueur, se aproxima do famoso poeta peruano Abraham Valdelomar, com quem fundará a revista Colónida. Esta revista, que contou com somente quatro edições entre janeiro e maio de 1916, procurou combater o academicismo e o conservadorismo da cultura oligárquica peruana. Colónida representava uma reação no campo da estética às instituições vigentes no Peru, uma recusa à tradicional política criolla. Mariátegui anos mais tarde se referirá à Colónida como um movimento, uma atitude: “Colónida representou uma insurreição – dizer uma revolução seria exagerar na sua importância – contra o academicismo e suas oligarquias, sua ênfase retórica, seu gosto conservador, seu ar de cortesão do século 18 e sua melancolia medíocre e chã. Reclamava sinceridade e naturalismo. Seu movimento, demasiado heteróclito e anárquico, não pôde se condensar em uma tendência nem se concretizar em uma fórmula. Esgotou sua energia em seu grito iconoclasta e em seu orgasmo esnobe. [...] Colónida não foi um grupo, não foi um cenáculo, não foi uma escola – foi um movimento, uma atitude, um estado de ânimo.” (Apud ESCORSIN, 2006 p. 30)
Ainda nesse período, Mariátegui será coautor de duas peças de teatro ( Las Tapadas e La Mariscada), ganhando bastante popularidade entre a intelectualidade de Lima. Será um dos fundadores do círculo de jornalistas e receberá o prêmio Municipalidade de Lima por um de seus artigos. Concomitante a tudo isso, o Peru, durante a 1ª Guerra Mundial, é sacudido por uma forte agitação política. Diversos levantes indígenas ocorrem por todo o país em reação a
3
Gamonal – típico representante da oligarquia rural, proprietário fundiário que exercia poder senhorial sobre os indígenas que habitavam suas terras.
16
17
expropriação dos ayllus4, contando com uma importante sublevação nacional em 1915. Em 1918, por influência das manifestações em Córdoba5, a capital peruana é tomada por manifestações estudantis reivindicando uma Reforma Universitária. Dessas manifestações desponta a liderança estudantil de Victor Raúl Haya de La Torre, futuro fundador da Aliança Popular Revolucionária Americana (APRA) e importante personagem da história política do Peru contemporâneo. No ano seguinte, é a vez da embrionária classe operária peruana realizar suas manifestações, que começam com os operários mineiros do Vale do Chicama culminando numa greve geral que paralisou Lima. Todas essas mobilizações protagonizadas por indígenas, estudantes e operários contribuíram para a perda de legitimidade e crise política do governo civilista de José Pardo (1915-19), que por sua vez inicia uma forte campanha de repressão contra seus opositores. Imerso nessa atmosfera Mariátegui terá sua iniciação política. Ainda em meados de 1916, ele afasta-se do La Prensa, de caráter liberal-conservador, e passa a integrar o jornal progressista e opositor ao governo Pardo, El Tiempo, cobrindo as atividades no parlamento peruano. Em 1918, conhece o também jornalista César Falcón, com quem funda o periódico destinado ao grande público chamado Nuestra Época. Nuestra Época representa um ponto de inflexão na atitude de Mariátegui perante a política criolla. O jornalista peruano passará da recusa esteticista a uma crítica mais concreta da realidade política e social do país em que vive. Não à toa, no primeiro número da revista, Mariátegui noticia a “morte” de Juan Croniqueur. Em seu artigo “O dever do Exército e o dever do Estado”, o jornalista critica a política armamentista do então governo Pardo: Política de trabalho e não política de armamento: é disso que precisamos. Política de trabalho e também política de educação. Que se explore nosso território e que ponha fim ao nosso analfabetismo: então, teremos dinheiro e soldados para a defesa do território peruano 6. (apud ESCORSIN, 2006, p. 32)
Em decorrência dessa publicação, um grupo de militares invade a oficina de El Tiempo, onde era impresso Nuestra Época, e agridem Mariátegui. Esse episódio agrava ainda mais a crise política do país, ocasionando a renúncia do Ministro do Exército e do Chefe do Estado Maior do governo Pardo. 4
Propriedade comunitária indígena. No ano de 1918 ocorre na cidade argentina de Córdoba, uma insurreição estudantil por uma Reforma Universitária, reivindicando a liberdade de cátedra e a democratização do acesso à universidade. 6 ESCORSIM, L. Mariátegui. Vida e obra. S. Paulo: Expressão Popular, 2006.p.32. 5
17
18
Após esse incidente, Mariátegui e Falcón passam a não contar mais com o apoio de El Tiempo. Neste momento, os dois jovens jornalistas criam o jornal independente La Razón, um periódico umbilicalmente ligado às reivindicações populares, e que questiona frontalmente a política oligárquica do governo Pardo. Ao mesmo tempo, os dois jornalistas participam da tentativa frustrada de construção de um comitê de propaganda socialista no Peru, iniciativa reprimida pelo governo. No ano de 1919, em meio ao ambiente de inquietação popular, Augusto B. Leguía, ex presidente civilista que governara o país entre 1908 e 1912, canaliza a oposição ao civilismo e concretiza um golpe de estado, depondo e prendendo o presidente José Pardo. O golpe inicia o período da história peruana conhecida como oncencio, os onze anos de governo ditatorial de Leguía, que será responsável por intensas transformações na sociedade peruana e um novo modelo de desenvolvimento para o país, ainda mais articulado ao imperialismo. Coube, portanto, a um presidente civilista o sepultamento do civilismo. Leguía como forma de satisfazer parte das reivindicações populares liberta os operários e estudantes presos, sendo aconselhado a retirar Mariátegui e Falcón da cena política peruana. Devido ao parentesco entre Mariátegui e a esposa de Leguía, os dois jornalistas são convidados a trabalharem como agentes de propaganda do Peru na Europa – Mariátegui na Itália e Falcón na Espanha -, com a opção, caso não aceitassem, de irem para o cárcere. Diante deste dilema, em outubro de 1919, Mariátegui e Falcón partem para Europa, marcando o fim do período apelidado pelo próprio peruano de “idade da pedra”. É neste momento da vida em que Mariátegui vivencia o acirramento das contradições sociais em seu país. Em meio à crise política e econômica gerada durante a 1ª Guerra Mundial, Mariátegui se torna um intelectual engajado, orientando-se politicamente na defesa dos setores populares peruanos. No velho continente, Mariátegui e Falcón desembarcam no dia 10 de novembro, em La Rochelle, França. Os peruanos permanecem por um breve período em Paris. Em seguida César Falcón se radicará na Espanha, enquanto Mariátegui dirige-se a Itália, onde passará dois anos e sete meses, conhecendo diversas cidades, mas fixando-se na maior parte do tempo em Roma. Durante sua estadia na Itália Mariátegui desposa Anna Chiappe e tem seu primeiro filho. Mariátegui não realiza estudos formais no período, tampouco frequentará instituições universitárias, será na agitada vida política e cultural italiana, marcada pela crise do liberalismo, pela ascensão do fascismo e pela organização da esquerda comunista que o jornalista peruano fará seus estudos. 18
19
Na península, Mariátegui terá acesso aos clássicos do pensamento marxista, com destaque para as obras de Karl Marx, Friedrich Engels e Lenin. Do mesmo modo, Mariátegui será leitor dos textos dos comunistas italianos e do sindicalismo revolucionário, sobretudo das ideias do francês Georges Sorel (1847-1922), do qual sofrerá bastante influência. Mariátegui ainda participa, juntamente com César Falcón do Congresso de Livorno em 1921, no qual é fundado o Partido Comunista Italiano (PCI), que tinha dentro de suas fileiras, o grupo de intelectuais e militantes do L´Ordine Nuovo, dos quais se destaca a figura de Antonio Gramsci. Ele participará de diversos círculos letrados, tendo convivido com intelectuais como Benedetto Croce, D´Annunzio, Marinetti, Gobetti, dentre vários. A partir desse intenso convívio intelectual Mariátegui, que tem sua sustentação material como correspondente do periódico peruano El Tiempo, produzirá diversos artigos analisando os fenômenos relacionados à política internacional, com destaque para a Revolução Russa e à ascensão do fascismo, que serão compilados nos livros La escena contemporánea, publicado em 1925, El Alma matinal y otras estaciones del hombre de Hoy, editado postumamente em 1949 e Cartas de Italia, também póstumo em 1969. Mariátegui que adere ao marxismo na Europa vivencia as contradições e as diferenças da realidade europeia em comparação com as do continente americano. É durante a sua estadia no velho continente em que ele amadurece suas concepções intelectuais e políticas. A necessidade de retornar ao Peru, do qual se sentia um estranho e ao mesmo tempo um ausente, utilizando o conhecimento acumulado durante os anos de exílio, para compreender a realidade de seu país e, assim, contribuir para um processo de transformação da sociedade constituem sua nova tarefa americana: “(...) Só me senti americano na Europa. Pelos caminhos da Europa, encontrei o país da América que deixara e no qual vivera quase como um estranho e ausente. A Europa me revelou até que ponto pertencia a um mundo primitivo e caótico; e, ao mesmo tempo, me impôs, me esclareceu o dever de uma tarefa americana” 7.
Seu regresso ao Peru ocorre em 18 de março de 1923. Mariátegui ao longo dos sete anos restantes de sua vida se dedicará ativamente às atividades intelectuais, de compreensão da realidade peruana e latino-americana, e políticas, de organização das classes trabalhadoras. O período marcado pelo retorno ao seu país natal até sua morte em 1930 marca o advento do Mariátegui enquanto intelectual revolucionário e dirigente político que se destacará entre a
7
ESCORSIM, L. Mariátegui. Vida e obra. S. Paulo: Expressão Popular, 2006.p.35.
19
20
intelectualidade peruana e dentro do movimento comunista internacional, este período é a “idade da revolução”. Mariátegui se depara com um Peru imerso em diversas transformações, num processo de modernização impulsionado pelo governo Leguía (1919-1930). Durante o oncenio, verificamos um ritmo intenso de urbanização das principais cidades peruanas, com grande crescimento demográfico, forte investimento em estradas e ferrovias e do desenvolvimento da mineração e da indústria8. Entretanto, o processo de modernização ocorrido durante o governo Leguía assume características conservadoras, na medida em que se mantiveram as estruturas da República Oligárquica, principalmente a grande propriedade da terra, popularmente conhecida como gamonal . Além do mais, continuará o processo de marginalização da população indígena, expressas em medidas como a conscripción vial , que se utilizava de mãode-obra indígena, em caráter compulsório, para a construção de obras públicas. Por intermédio do operário Fausto Pousada, Mariátegui se aproximará de Victor Raul Haya de La Torre, já considerado um importante dirigente político peruano. Mariátegui ministra uma série de 17 conferências, para trabalhadores, sobre a história da crise mundial9, na Universidade Popular González Prada (UPGP), contribuindo para o seu jornal Claridad, de oposição ao presidente Leguía. No mesmo ano, uma nova onda repressiva do governo obriga a Haya de La Torre a se exilar no México e Mariátegui assume a direção do periódico Claridad . Intensifica também seu trabalho enquanto jornalista, escrevendo diversos artigos sobre política internacional para os periódicos Variedades e Mundial, reunidas na obra Figuras y aspectos da vida mundial . Em 1925, funda em conjunto com seu irmão Julio Cesar, a sociedade editorial Minerva, que será responsável de publicar suas obras e as de diversos intelectuais peruanos. Um ano depois, funda a revista Amauta, que no idioma quéchua corresponde ao homem sábio, consciente de si e do mundo. Em Amauta, Mariátegui articulará diversos intelectuais de vanguarda, que a despeito de não constituírem um grupo com mesma ideologia e programa político, representam um movimento, um espírito de renovação intelectual e artística, com o claro objetivo de “criar um Peru novo dentro do mundo novo”. Apesar da pluralidade ideológica, a revista segue um compromisso, sendo “o crivo” da intelectualidade de vanguarda. Amauta tem como objetivo principal analisar a realidade e os problemas 8
ESCORSIM, L. Mariátegui. Vida e obra. S. Paulo: Expressão Popular, 2006.p.26.
9
Essas conferências serão coligidas na obra Historia de la crisis mundial , publicada postumamente no ano de 1959.
20
21
peruanos, interligando-os com a realidade mundial, como fica claro nas próprias palavras de Mariátegui em sua Apresentação: O objetivo dessa revista é formular, esclarecer e conhecer os problemas peruanos a partir de pontos de vista doutrinários e científicos. Mas consideraremos sempre o Peru dentro do panorama do mundo. Estudaremos todos os grandes movimentos de renovação políticos, filosóficos, artísticos, literários e científicos. Todo o humano é nosso. Essa revista ligará os novos do Peru, primeiro, aos outros povos da América e, em seguida, aos dos outros povos do mundo. Nada mais acrescento. Será preciso ser muito pouco perspicaz, para não se dar conta de que neste momento, no Peru, nasce uma revista histórica 10.
Em 1927, no seu nono número e já com prestígio internacional, a revista Amauta é interditada e Mariátegui é preso. Por motivos de saúde é detido no Hospital Militar de San Bartolomé. A interdição e a prisão ordenadas pelo presidente Leguía acusavam Mariátegui, outros intelectuais e operários, de um “complô comunista” contra o governo. Illán (1974) aponta o posicionamento anti-imperialista da revista Amauta como principal motivo para sua interdição. O governo peruano observava em Mariátegui uma ameaça e pressionado pela embaixada norte-americana inventou o complô. Mariátegui e seus companheiros são soltos devido à pressão política desencadeada pelos setores populares e democráticos, nacionais e internacionais. Amauta é reaberta. Um ano depois, Mariátegui que havia rompido com Haya de La Torre e com o projeto político da APRA, participa da reunião secreta, na praia de La Herradura, de fundação do Partido Socialista Peruano. Nesta reunião é eleito secretário geral do partido. Paralelo a Amauta, ele fundará o periódico Labor , destinado aos operários e camponeses peruanos. Labor teve sua circulação entre novembro de 1928 até o final de 1929, quando teve sua publicação proibida pelo governo. Também em 1928, Mariátegui publica sua maior obra, o livro Sete ensaios de interpretação da realidade peruana. Os “Sete ensaios” consiste numa análise original da realidade do Peru sob uma perspectiva marxista. A obra é fruto de um longo processo de estudo e sistematização, centrando a análise nos elementos constitutivos do Peru moderno, com destaque especial ao problema indígena e ao problema da terra. Em 1929, Mariátegui realiza mais um de seus objetivos contribuindo para a fundação da Central Geral dos Trabalhadores Peruanos (CGTP). Ainda no corrente ano, na qualidade de secretário geral do Partido Socialista Peruano (PSP), Mariátegui, escreve o documento “O problema das raças na América Latina” para I Conferência Comunista Latino-Americana 10
MARIÁTEGUI, José Carlos. “Apresentação de Amauta”, In. Löwy, Michael.: Por um socialismo indoamericano. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.p.102.
21
22
realizada em Buenos Aires. A referida Conferência, primeira e única realizada pela Internacional Comunista no subcontinente, teve como objetivo aprofundar a compreensão da realidade latino-americana e de questões particulares da nossa formação social, no qual estava inclusa a questão indígena. Nesse mesmo ano, o jornalista e dirigente comunista presencia o agravamento das suas condições de saúde, sendo obrigado a renunciar suas atividades políticas enquanto secretário geral do PSP. No ano seguinte, em 16 de abril de 1930, Mariátegui morre com 36 anos incompletos, seu corpo é enterrado em um cemitério popular de Lima, por trabalhadores ao som do hino da Internacional . Em sua lápide tem uma frase do escritor francês Henri Barbusse, na qual afirma que Mariátegui é o protótipo do homem novo do Novo Mundo.
1.2
O marxismo agônico de Mariátegui. “Eu, marxista, convicto e confesso”. José Carlos Mariátegui, 1927.
Esta expressão é utilizada pela primeira vez, por Mariátegui, em uma carta ao diário El Comercio, quando se encontrava preso no Hospital San Bartolomé, por ocasião do suposto “complô comunista”, no qual estaria envolvido. No ano seguinte, a mesma expressão é retomada nas páginas de sua maior obra, os 7 ensaios de interpretação da realidade peruana, “Este aspecto da colonização, como muito outros de nossa economia, ainda não foi estudado. Coube-me a mim, marxista, convicto e confesso, a sua constatação”11. Embora esta expressão revele a convicção com que Mariátegui se assume marxista, ela pouco diz sobre sua trajetória intelectual ou sobre suas concepções teóricas. Como vimos anteriormente, o jovem Mariátegui utilizando o pseudônimo de Juan Croniquer, era partidário de um determinado tipo de anticapitalismo romântico, fundado centralmente na crítica estética às instituições da República Oligárquica, e expresso na revista Colónida. Entre os anos de 1916 a 1919, ocorre uma mudança de orientação política em Mariátegui. Esta alteração consiste no abandono paulatino de concepções puramente estéticas, passando a uma crítica política mais concreta à República Oligárquica e a política criolla. Esta transformação no pensamento de Mariátegui deve-se principalmente a confluência de três fatores fundamentais. Primeiro, a aproximação de Mariátegui às ideias de Gonzalez Prada (1844-1918), intelectual peruano de inspiração anarquista, o qual teve oportunidade de 11
MARIÁTEGUI, José Carlos. Sete ensaios de interpretação da realidade peruana . São Paulo: Editora Expressão Popular. 2008, p.72.
22
23
entrevistar para o periódico El Tiempo, considerado pelo jovem jornalista “o primeiro instante lúcido da consciência do Peru12”. O contato com as ideias de Gonzalez Prada, principalmente através do ensaio Nuestros Indios 13, transmitiram ao jovem jornalista algumas problemáticas centrais que estarão presentes em sua obra mais madura: o índio como centro da nacionalidade peruana, a valorização das massas enquanto sujeito histórico transformador, bem como a recusa de qualquer tipo de academicismo. O segundo consiste na intensificação das atividades jornalísticas de Mariátegui no parlamento. Como já assinalamos, é nesse momento, trabalhando no periódico de El Tiempo, em que Mariátegui conhecerá César Falcón, já adepto de algumas ideias socialistas. De acordo com Quijano, a vivência de Mariátegui no parlamento contribuirá de forma decisiva para seu amadurecimento político, pois “o parlamento peruano desses anos era o cenários em que se debatiam as opções ideológicas e os conflitos políticos dentro da coalizão dominante, antes da derrota das frações mais senhoriais que provocaria o golpe de Leguía” (Quijano apud Escorsin, 1982, p. 37). O terceiro fator deve-se ao acirramento da luta de classes no Peru que ocorre no período de 1915 a 1919, provocando grandes mobilizações indígenas, operárias e estudantis. Buscando intervir nessa realidade que os dois jovens jornalistas, Mariátegui e Falcón, criarão Nuestra Época, superando os limites editoriais de El Tiempo e radicalizando suas posições políticas. Esta transformação, bem como o terreno concreto onde ela acontece, é fundamental para compreendermos o seu pensamento. Mariátegui, já maduro, identifica este processo como o início de sua trajetória socialista. Esta afirmação evidencia-se no informe escrito em terceira pessoa, para o congresso fundacional da Confederação Sindical Latino-Americana, que ocorre em Montevidéu em maio de 1929, no qual destaca como marco sua atuação em Nuestra Época: “a orientação socialista de Mariátegui tem seu ponto de arranque na publicação, em meados de 1918, da revista Nuestra Época, influenciado pela revista España de Araquistain, que morreu no segundo número em consequência de um artigo antiarmamentista de Mariátegui que os oficiais da guarnição de Lima consideraram ofensivo para o Exército, em razão do qual se manifestaram contra o autor, violentamente, junto à gráfica de El Tiempo”.
12
ESCORSIM, L. Mariátegui. Vida e obra. S. Paulo: Expressão Popular, 2006.p.62. PRADA, Manuel González, Nuestros Indios In: ZEA, Leopoldo, Fuentes de la Cultura Latinoamericana, V.13, México D.F.:Fondo de Cultura Economica, 1997. 13
23
24
A despeito de Mariátegui evidenciar sua atuação em Nuestra Época como ponto de partida de sua trajetória socialista, será somente durante seu “estágio europeu” que o jornalista peruano terá contato com as ideias Marx e Engels. Será mais especificamente na Itália, com aproximadamente 25 anos, no contexto do pós-guerra, no início do que o historiador Eric Hobsbawm intitulou do breve século XX, que Mariátegui se tornará marxista. O cenário encontrado pelo jornalista na península itálica é marcado por dois acontecimentos basilares para compreendermos a sua formação intelectual e política, que culminam na sua adesão ao marxismo. No campo prático-político, é o período de crise do liberalismo em contraposição à ascensão do fascismo e do movimento comunista. Já no campo das ideias é o momento de afirmação do marxismo como principal e decisivo instrumental teórico-metodológico de transformação da realidade. É necessário destacar que o marxismo nunca foi unanimidade dentro do pensamento socialista, o que inclusive torna compreensível a afirmação de Mariátegui que o início de sua orientação socialista “tem seu ponto de arranque na publicação, em meados de 1918, de Nuestra Época”, ou seja, sem conhecimento do marxismo. É somente com o impacto da Revolução de Outubro de 1917, e devido à influência da Internacional Comunista que o materialismo histórico se tornará referência mundial para o pensamento revolucionário. Neste sentido, outro elemento é decisivo para compreendermos o tipo de marxismo desenvolvido por Mariátegui. Trata-se do cenário de disputa política vivenciado pela esquerda italiana no pós-guerra e observado pelo jornalista peruano em seu mirante 14. Mariátegui presenciou a crise do Partido Socialista Italiano (PSI), fundado em 1882, e com referência no pensamento político da Internacional Socialista (IS). Coutinho caracteriza bem as concepções políticas das quais o Partido Socialista era tributário: “Uma concepção positivista-evolucionista do marxismo; e essa concepção servia como uma luva para justificar ideologicamente a prática política imobilista, fatalista [...]. Os principais ideólogos do PSI entendiam a revolução proletária como o resultado de uma inexorável lei do desenvolvimento econômico: o progresso das forças produtivas, aguçando a polarização de classe e conduzindo a crises do tipo catastrófico, levaria fatalmente, em um dado momento, a um colapso do capitalismo, com a consequente irrupção da insurreição proletária. Enquanto isso cabia ao proletariado fortalecer ao máximo suas organizações e esperar pelo ‘grande dia’; à intransigência doutrinária juntava-se uma posição objetivamente passiva, de expectativa imobilista. O marxismo era interpretado como uma defesa dos fatos contra a vontade, da objetividade ‘natural’ contra a subjetividade criadora”. (Coutinho apud ESCORSIN, 2006, p. 85)
14
Aqui utilizo a expressão de Löwy (2005), no sentido destacar a importância do lugar de onde Mariátegui observa estes acontecimentos. Lugar a meu ver decisivo para sua formação teórica e política.
24
25
Mariátegui observa atentamente a crise do Partido Socialista, participando juntamente com seu colega César Falcón do Congresso de Livorno ocorrido em 1921. Em Livorno, o debate em torno das 21 condições de ingresso na Internacional Comunista (IC) expõe as divergências em torno das concepções positivistas-evolucionistas-reformistas hegemônicas no PSI. O acirramento destas divergências fazem emergir a fundação de um novo partido, o Partido Comunista Italiano (PCI), comandado pelo grupo do L´Ordine Nuovo, e sessão italiana da IC. O jornalista peruano observa com bons olhos o surgimento do PCI, destacando o compromisso revolucionário do partido e a composição de seus dirigentes, evidenciadas, por Mariátegui, nesta breve nota: “trabalha exclusivamente pela revolução e para a revolução. [...] Seus dirigentes são [...] intelectuais: o advogado Terracini, de L´Ordine Nuovo, de Turim, o professor Graziadei, o engenheiro Bordiga.” (Mariátegui apud ESCORSIN , p. 87)
Esta referência ao Partido Comunista Italiano, e ao grupo do L´Ordine Nuovo é importante para compreendermos o marxismo de Mariátegui, na medida em que ela revela uma ruptura de tradições entre o marxismo positivista e evolucionista da Internacional Socialista, representado pelo PSI, no qual o socialismo é produto inevitável do desenvolvimento das forças produtivas, conduzindo à crises e ao colapso do capitalismo; e à tradição emergente da Internacional Comunista, na qual a revolução proletária é possível a partir da ação criadora das massas e sua consequente conquista do poder político do Estado, sob a direção de um partido de vanguarda. Neste ponto, outra vez mais é importante recorremos à especificidade do mirante italiano de Mariátegui. Se em outros países da Europa, como a Alemanha, o combate às concepções políticas da Internacional Socialista foi um recurso direto ao pensamento de Hegel e ao seu método dialético, com destaque para as obras de Gyorgy Lukács e Karl Korsch. Na península itálica, apesar das incursões ao pensamento hegeliano, o combate as concepções positivistas e evolucionistas da IS se valerá das contribuições filosóficas do liberal-conservador Benedetto Croce (1866-1952). Croce, com quem Mariátegui manteve relações pessoais, influenciou o pensamento da geração de jovens comunistas italianos, em especial o também jornalista Antonio Gramsci e o grupo do L´Ordine Nuovo. Croce combatia o evolucionismo vulgar, o cientificismo e o positivismo. Em contraposição defendia o valor do espírito e o papel da vontade e da ação na transformação do real. Deste modo, o filósofo italiano influencia Mariátegui não a partir de suas concepções políticas ou ideológicas, bastante distintas das do peruano, mas sim no papel 25
26
liberador da vontade e da ação humana, bem como na crítica ao materialismo vulgar e ao economicismo. Ainda na Europa, Mariátegui tem acesso à obra do pensador francês Georges Sorel, autor de Reflexões sobre a violência, publicado pela primeira vez em 1908, e lido pelo jornalista peruano numa quinta edição francesa de 1921. Esta aproximação com as ideias de Sorel é mediada por Croce, do qual o teórico francês do sindicalismo revolucionário era amigo e correspondente. Sorel exerceu uma crítica severa as práticas da Internacional Socialista e da socialdemocracia europeia no começo do século XX, principalmente ao seu desvio parlamentarista. Sorel vai destacar a importância da ação das massas enquanto sujeito coletivo na transformação da realidade, inclusive em seu elemento espontâneo. Neste sentido, o autor francês construirá o conceito do mito. Para Sorel, o mito é uma construção não racional e irrefutável, é a expressão das convicções de um grupo em linguagem de movimento e um mobilizador da ação social. Mariátegui sustentará uma grande admiração por Sorel, fazendo referências ao pensador em várias de suas obras e incorporando em seu pensamento a teoria do mito. Em seu artigo intitulado “O homem e o mito”, escrito em 1925, e em manifesta referência ao pensamento soreliano, o jornalista peruano discorrerá acerca do mito da revolução social, uma força mística e espiritual que move os revolucionários: “Nesta época, o que mais nítida e claramente diferencia a burguesia e o proletariado é o mito. A burguesia já não tem nenhum mito, Tornou se incrédula, cética, niilista. O mito liberal renascentista envelheceu demais. O proletariado tem um mito: a revolução social. Dirige-se para este mito com uma fé veemente e ativa. [...] A força dos revolucionários não está em sua ciência; está em sua fé, na sua paixão, na sua vontade. É uma força religiosa, mística, espiritual. É a força do Mito 15.”
Este diálogo de Mariátegui com intelectuais não marxistas, e não obstante com posições polêmicas, é importante para evidenciar como o peruano compreende a tradição marxista. Mariátegui pensa o marxismo como uma tradição aberta por Marx e Engels, um método de análise da realidade, não como um sistema teórico fechado, pronto e acabado, portanto devendo ser enriquecida por contribuições de pensadores de tradições teóricas diversas. No entanto, não podemos encerrar as concepções marxistas de Mariátegui às aquisições teóricas feitas na Europa. Pois, é sobretudo a partir de seu retorno ao Peru em 1923, confrontando o conhecimento adquirido em seu estágio europeu com a especificidade 15
MARIÁTEGUI, José Carlos. “O homem e o mito”, In. Löwy, Michael.: Por um socialismo indo-americano. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.p.59.
26
27
da realidade social peruana e latino-americana que Mariátegui desenvolverá um marxismo original e criativo, amadurecendo as suas concepções marxistas. Neste sentido, o jornalista peruano se defrontará com a realidade de um país periférico, agroexportador, com forte penetração imperialista, onde quatro quintos da população são indígenas. Uma realidade praticamente inexplorada pelo marxismo. Mariátegui, na qualidade de intelectual e dirigente político, buscará compreender a realidade peruana para transformá-la. Deste modo se valerá da documentação histórica e dos estudos acerca da economia de Bartolomé de Las Casas, Garcilaso Inca de La Veja, Ricardo Palma e González Prada. Ao contrário de outros intelectuais revolucionários como Antonio Gramsci, Mariátegui não contava com uma tradição teórica ou partidária de esquerda no Peru, foi sempre o seu percussor. Autodidata, nunca concluiu estudos formais, enfrentando as dificuldades de acesso informação no Peru de sua época. Basta dizer que grande parte de suas fontes bibliográficas foram adquirida a partir do intercâmbio com intelectuais de outros países e da publicação a partir de 1925 do quinzenário La Correspondencia Sudamericana órgão oficial da Internacional Comunista para América do Sul, sediado em Buenos Aires. É principalmente através deste periódico que Mariátegui terá comunicação com o movimento comunista internacional. Neste contexto, o jornalista peruano desenvolverá um marxismo identificado com a interpretação e transformação da realidade, tendo como foco a ação dos sujeitos coletivos. Essa característica permite que o autor enriqueça o pensamento marxista com as especificidades de sua realidade nacional. Mariátegui não transpõe a análise da realidade europeia para a realidade latino-americana. Para o peruano, o marxismo era um método de análise que ao mesmo tempo era enriquecido pela realidade concreta. Esta afirmação é evidenciada no célebre editorial de Amauta Aniversário e Balanço, publicado em setembro de 1928, no qual Mariátegui reafirma o caráter originário a construção do socialismo indoamericano: “Não queremos, certamente, que o socialismo seja na América decalque e cópia. Deve ser criação heroica. Temos de dar vida, com nossa própria realidade, na nossa própria linguagem, ao socialismo indo-americano. Eis uma missão digna de uma geração nova 16”.
16
MARIÁTEGUI, José Carlos. “Aniversário e Balanço”, In. Löwy, Michael.: Por um socialismo indoamericano. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.p.120.
27
28
Portanto, podemos afirmar que José Carlos Mariátegui, através de seus ensaios e com seu estilo de propagandista, foi um marxista agônico, combatente. Mariátegui, que retorna ao Peru marxista, tem claro sua tarefa americana: pensar a realidade peruana sob a perspectiva de uma transformação socialista. A sua contribuição ao marxismo deve-se tanto no campo prático enquanto dirigente político, fundador do Partido Socialista Peruano, mas principalmente no campo teórico, onde contribuiu para pensar de forma criativa a realidade peruana e latino-americana. Durante esses anos combateu diversas concepções teóricas e políticas, as dos indigenistas de seu tempo, as de Haya de La Torre, ou até mesmo as da Internacional Comunista. Mariátegui em entrevista a jornalista Angela Ramos, publicada no periódico Mundial, de 23 de junho de 1926, revela a convicção no que acredita ser seu destino: “Sou uma alma agônica, como diria Unamuno. (Agonia, tal como Unamuno com muita razão observa, não é morte e, sim, luta. Aquele que combate agoniza.) Há alguns anos, teria escrito que só ambicionava realizar a minha personalidade. Agora, prefiro dizer que só ambiciono cumprir o meu destino. Na verdade, isso quer dizer a mesma coisa. O que sempre me aterrorizou é trair-me a mim mesmo. Minha sinceridade é a única coisa a que nunca renunciei. A tudo mais renunciei e renunciarei sempre, sem arrepender-me 17”.
1.3
Quando o índio se comunica com o homem de vanguarda da capital. Mariátegui retorna ao Peru com a clareza de sua tarefa americana. Essa tarefa
consistia, por um lado, na organização da cultura, buscando dar organicidade a um movimento de intelectuais peruanos de vanguarda, com o objetivo de compreender a realidade nacional e inserir o Peru no mapa do conjunto de ideias transformadoras mundiais, e se expressando principalmente através da revista Amauta. Por outro, tratava-se também de organizar os trabalhadores e indígenas peruanos em sua luta pelas condições de existência e pela construção do socialismo indo-americano, projeto esse expresso na fundação do Partido Socialista Peruano, na Central Geral dos Trabalhadores Peruanos (CGTP) e no periódico Labor . Mariátegui quando retorna ao Peru encontra um país em transição. O processo de colapso do civilismo que culminou na emergência do governo Leguía e no oncênio, teve como uma de suas bases a incapacidade da república oligárquica em dar conta das demandas de outros extratos de classe, principalmente das classes médias e da emergente classe 17
MARIÁTEGUI, José Carlos. “Uma entrevista com José Carlos Mariátegui”, In. Löwy, Michael.: Por um socialismo indo-americano . Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.p.97.
28
29
trabalhadora urbana. Inexistiam espaços de representação política para estes segmentos da sociedade, não à toa que o principal movimento de reivindicação das classes médias durante o período 1919-1920 será o movimento estudantil peruano. Por outro lado, apesar da existência de alguns partidos (partido civilista, partido constitucional, partido democrata) a representação política das oligarquias dava-se através de círculos restritos, sendo o mais famoso o grupo dos “vinte quatro amigos 18”, que se reunia constantemente para debater assuntos referentes à administração pública e aos problemas nacionais. Os trabalhadores e indígenas peruanos, apesar de constituírem aproximadamente quatro quintos da população19, careciam de um espaço de organização e representação política. Mesmos suas organizações de caráter sindical, reivindicatório, eram muito frágeis e de caráter regional. Na percepção do peruano, o movimento dos trabalhadores era muito embrionário, para que suas organizações fossem fracionadas por possíveis divergências de cunho ideológico. Mariátegui, nesse sentido, será um partidário da política de frente única como fica evidente no texto intitulado “O 1º de maio e a frente única”, escrito em 1924: O movimento classista, entre nós, ainda é muito incipiente, muito limitado, para que pensemos em fraciona-lo, cindi-lo. Antes de chegar a hora, talvez inevitável, de uma divisão, cabe-nos realizar muita obra comum, muito trabalho solidário. Temos de empreender em conjunto muitas e amplas jornadas. Cabe-nos, por exemplo, suscitar consciência de classe e sentimento de classe na maioria do proletariado peruano. Este esforço pertence por igual a socialistas e sindicalistas, a comunistas e libertários. Todos temos o dever de semear germes de renovação e de difundir ideias classistas. Todos temos o dever de afastar o proletariado dos sindicatos amarelos e das falsas “instituições representativas”. Todos temos o dever de lutar contra os ataques e as repressões reacionárias. Todos temos o dever de defender a tribuna, a imprensa e a organização proletária. Todos temos o dever de sustentar as reivindicações da escravizada raça indígena. No cumprimento destes deveres históricos, destes deveres elementares, encontram-se e unem-se nossos caminhos, seja qual for nossa meta final 20 .
Mariátegui destaca como tarefas da frente única suscitar consciência e sentimento de classe no proletariado peruano, bem como o de defender a organização proletária e as reivindicações indígenas. Esses objetivos nos ajudam a compreendermos a realidade peruana do período, com uma classe trabalhadora nascente, sem grandes tradições ideológicas e onde o fator classe e raça se complicam.
18
ESCORSIM, L. Mariátegui. Vida e obra. S. Paulo: Expressão Popular, 2006.p.237. Os dados existentes são do próprio Mariátegui. 20 MARIÁTEGUI, José Carlos. “O 1º de maio e a frente única”, In. Löwy, Michael.: Por um socialismo indoamericano. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.p.166. 21 MARIÁTEGUI, José Carlos. “O problema elementar do Peru”, In. Löwy, Michael.: Por um socialismo indoamericano. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.p.88. 19
29
30
Ainda em 1924, observando as movimentações por conta do IV Congresso Indígena, Mariátegui escreve o artigo “O problema elementar do Peru”. No referido artigo, o intelectual peruano supera as análises tradicionais, que tratam a questão indígena do ponto de vista filantrópico ou educacional, características das entidades indigenistas. Mariátegui afirma o problema do índio como um problema social, que deve ser solucionado a partir da ação política dos próprios indígenas. Além disso, o jornalista afirma o congresso como um fato histórico novo no cenário político peruano. Apesar de ainda incipiente, o movimento indígena começava a ter consciência de sua situação, a superar a dispersão regional e afirmar suas reivindicações elementares. Somente quando a população indígena deixar de ser uma “massa inorgânica” é que poderão decidir seu rumo histórico: A solução do problema do índio tem de ser uma solução social. Seus realizadores devem ser os próprios índios. Esta concepção faz ver a reunião dos congressos indígenas como um fato histórico. Os congressos indígenas ainda não representam um programa, mas já representam um movimento. Indicam que os índios começam a adquirir a consciência coletiva da sua situação. O que menos importa nos congressos indígenas são os debates e suas decisões. O decisivo, o histórico é o congresso em si mesmo. O congresso como afirmação da vontade da raça de afirmar suas reivindicações. Falta aos índios uma articulação nacional. Seus protestos foram sempre regionais. Isto contribuiu, em grande parte, para seu abatimento. Um povo de quatro milhões de homens, consciente do seu número, não desespera nunca do futuro. Os mesmos quatro milhões de homens enquanto forem só uma massa inorgânica, uma multidão dispersa, serão incapazes de decidir seu rumo histórico. No congresso indígena, o índio do norte encontrou-se com o índio do centro e com o índio do sul. Ademais, no congresso, o índio comunicou-se com os homens de vanguarda da capital. Estes homens tratam-no como a um irmão. Seu sotaque é novo, sua linguagem também é nova. O índio neles reconhece sua própria emoção. Seu sentimento de si mesmo amplia-se com este contato. Algo ainda muito vago, ainda muito confuso esboça-se nesta nebulosa humana, que contém provavelmente, seguramente, os germes do futuro da nacionalidade 21.
Vale destacar ainda, a relação que Mariátegui estabelece entre os indígenas e os “homens de vanguarda da capital”. A consanguinidade entre ambos. A nova linguagem, o novo sotaque, que esses intelectuais de vanguarda possuem e que faz com que os indígenas reconheçam neles sua própria emoção. É da relação orgânica entre ambos que Mariátegui ver a possibilidade de se superar a “nacionalidade sem o índio e contra o índio” e construir uma nacionalidade autenticamente peruana. Essa relação fica ainda mais evidente quando, três anos depois, Mariátegui escreve o prólogo ao livro Tempestade nos Andes do intelectual Luis E. Valcárcel22. Segundo o 21
MARIÁTEGUI, José Carlos. “O problema elementar do Peru”, In. Löwy, Michael.: Por um socialismo indoamericano. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.p.88. 22 LÖWY, M. O marxismo na América Latina. S. Paulo: Perseu Abramo, 1999.p.102
30
31
jornalista, Valcárcel identifica em seu livro o processo do renascimento indígena. “A serra amanhece grávida de esperança”. No entanto, esse processo não se trata de reviver o Tahuantisuyo23, abrindo mão das conquistas da civilização ocidental. Trata-se do ressurgimento do povo indígena que após séculos de colonização coloca-se em movimento para decidir seu destino enquanto povo. O “novo índio” que surge desse renascimento não é um ser abstrato, é, sobretudo, o professor, o camponês, o operário, o agitador político. O que distingue esse novo índio não é seu processo de escolarização, mas sim seu espírito combativo: O “novo índio” não é um ser mítico, abstrato, que só existe pela fé do profeta. Sentimos que ele é um ser vivo, real, ativo, nos momentos finais deste “filme serrano”, que é como o próprio autor define seu livro. O que distingue o “novo índio”, não é a instrução, mas o espírito. (o alfabeto não redime o índio.) O “novo índio” espera. Tem uma meta. Este é o seu segredo e sua força 24
Mariátegui reconheceu esse novo indígena em um encontro com Ezequiel Urviola, trabalhador e agitador político da cidade de Puna, logo após seu retorno ao Peru. Esse momento o marcou fortemente e é descrito no prólogo a Tempestade nos Andes. O novo índio era o indígena socialista, revolucionário: Também pude reconhecer isso em mais de um mensageiro da raça que veio para Lima. Recordo o imprevisto e impressionante tipo de agitador que encontrei há quatro anos no índio de Puna. Ezequiel Urviola. Este encontro foi a mais forte surpresa que o Peru me reservou após meu regresso da Europa. Urviola representava a primeira faísca de um incêndio futuro. Era o índio revolucionário, o índio socialista. Tuberculoso, corcunda, sucumbiu após dois anos de trabalho infatigável. Hoje não mais que Urviola não exista. Basta que tenha existido. Como diz Valcárcel, hoje a serra está prenhe de espártacos 25.
Em 1927, Mariátegui retoma em seu texto “Mensagem ao Congresso Operário”, a política de frente única. Nesse congresso são lançadas as bases para o debate de uma organização nacional dos trabalhadores, que culminarão dois anos depois na Confederação Geral dos Trabalhadores Peruanos (CGTP). A questão da consciência de classe reaparece, na qual o caráter educativo da organização sindical é ressaltado:
23 24
Império Inca em quéchua. LÖWY, M. O marxismo na América Latina. S. Paulo: Perseu Abramo, 1999.p.104
25
LÖWY, M. O marxismo na América Latina. S. Paulo: Perseu Abramo, 1999.p.104
31
32
O lema do congresso deve ser unidade proletária. As discrepâncias teóricas não impedem o acordo em relação a um programa de ação. A frente única dos trabalhadores é o nosso objetivo. Na tarefa de construí-la, os trabalhadores de vanguarda têm de dar o exemplo. Na jornada de hoje, nada nos divide: tudo nos une. (...) Cabe ao Segundo Congresso lançar as bases para uma confederação geral do trabalho, reunindo todos os sindicatos e associações operárias da república que aceitem um programa classista. O objetivo do primeiro congresso foi a organização local; o do Segundo, deve ser, na medida do possível, a organização nacional. É preciso formar a consciência de classe, os organizadores bem sabem que, na sua maior parte, os operários só tem um espírito de corporação ou de grêmio. Este espírito deve ser ampliado e educado até converter-se em espírito de classe 26.
Com a criação do Partido Socialista Peruano, em 1928, a relação entre Mariátegui e os trabalhadores e indígenas peruanos se aprofundará. O partido fundado na praia de Herradura, na qual o intelectual peruano é nomeado secretário-geral, é concebido em seus Princípios Programáticos, como “a vanguarda do proletariado, a força política que assume a tarefa da sua orientação e direção na luta pela realização dos seus ideais de classe27”. Um ano depois o partido já demonstra seu crescimento e seu enraizamento nos diversos segmentos da classe trabalhadora Na primeira metade de 1929, existiam já organizações importantes – sem contar Lima – em Arequipa, Puno e Cuzco; ao mesmo tempo, criaram-se também núcleos do partido na região mineira do centro (Morococha, Jauja, Huanáco, Cerro de Pasco) e em outras três capitais de departamento (Chiclayo, Trujillo, Cajamarca). Havia também uma organização em Catabambas (departamento de Apurímac). No departamento de Lima, além de Lima e Callao, surgiu outra organização importante em Huacho. Esta enumeração mostra claramente os três centros do partido: as minas, a zona indígena do Peru meridional e o departamento de Lima. Ao mesmo tempo, é digno o fato de iniciar-se um trabalho de organização nas plantações do Norte. (Anderle apud ESCORSIN, 2006, p.262)
Podemos dizer, portanto, que José Carlos Mariátegui, desde o seu retorno ao Peru em 1923, até sua morte em 1930, estabelece uma relação de novo tipo com os trabalhadores e indígenas de seu país. Mariátegui se diferenciará dos demais intelectuais tradicionais peruanos, constituindo o que Gramsci chamou de intelectual orgânico: “Cada grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo tempo, de um modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e no político 28.” (GRAMSCI,1968, p.6)
26
MARIÁTEGUI, José Carlos. “Mensagem ao Congresso Operário”, In. Löwy, Michael.: Por um socialismo indo-americano. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.p.105. 27 MARIÁTEGUI, José Carlos. “Princípios Programáticos do Partido Socialista do Peru”, In. Löwy, Michael.: Por um socialismo indo-americano . Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.p.124. 28 GRAMSCI, A. Os intelectuais e a organização da cultura . Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968. P. 6
32
33
Nesse sentido, Mariátegui enquanto intelectual orgânico é produto da crise da república oligárquica, de sua expressão política, o civilismo e do processo de modernização conservadora característico do oncênio leguísta. Mas, sobretudo, o jornalista peruano que se tornou marxista durante sua estadia na Europa, é expressão da emergência de uma classe trabalhadora urbana e do processo de ressurgimento indígena. Não restam dúvidas pelo que foi exposto dos objetivos de Mariátegui em sua tarefa americana. Mariátegui tinha o objetivo de construir no Peru o Socialismo Indo-americano e percebia como sua tarefa estimular a organização e a consciência de classe dos trabalhadores e indígenas peruanos. Os verdadeiros protagonistas deste processo.
33
34
2. UM PERU “SEM O ÍNDIO E CONTRA O ÍNDIO”. A mais profunda análise realizada por Mariátegui acerca da formação social do Peru encontra-se em seu clássico livro, os “Sete ensaios de interpretação da realidade peruana”, publicado em 192829. Os Sete ensaios é produto do esforço de Mariátegui de analisar de forma sistemática o Peru a partir de um ponto de vista marxista. Mariátegui não foi o primeiro intelectual a utilizar o marxismo para compreensão da realidade de um país da América Latina. Empenho semelhante fora realizado pelo socialista argentino Juan B. Justo30, ainda no século XIX. Entretanto, Justo, que possuía referência no pensamento político da Internacional Socialista, não conseguiu superar os limites de uma visão eurocêntrica da realidade latino-americana, na qual o socialismo era resultado do progresso político, do desenvolvimento econômico e da democratização das instituições do estado. Com o impulso da Revolução de Outubro na América Latina, e com o advento dos Partidos Comunistas (PC´s) no continente, o desafio da interpretação de uma realidade nacional distinta daquela estudada pelos clássicos do marxismo se renova. É nesse bojo que se insere José Carlos Mariátegui. Entretanto, as análises realizadas pelos partidos comunistas só ganham solidez nas décadas de 30 e 40 do século XX. Assim, compreende-se o caráter pioneiro da análise mariateguiana, escrita de forma original ainda durante a década de 20. Tendo acesso a um instrumental teórico marxista bastante reduzido, o peruano produziu uma obra que ainda hoje constitui uma referência no estudo da América Latina. Em sua época, não careceram críticas à sua perspectiva teórica e metodológica, sendo acusado de europeizado e portador de teorias exóticas. Mariátegui jamais renunciou o que a civilização ocidental produziu de melhor. “Tudo o que é humano é nosso”, diria o peruano em outro artigo. Deste modo, os Sete Ensaios consistem na sua contribuição ao pensamento socialista para compreensão da realidade e dos problemas do Peru. Seu modo de nacionalizar o marxismo. Ou tal como Sarmiento31, sua forma de conceber a nacionalidade:
29
É interessante assinalar que os Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana é uma das duas obras editadas por José Carlos Mariátegui e publicadas quando este se encontrava vivo. A outra obra La Escena Contemporánea, publicada em 1925, analisa ascensão do fascismo na Itália e os primeiros anos da Revolução Russa. O restante de sua obra somente é publicado postumamente. 30 Juan B. Justo (1865-1928), médico, jornalista e fundador do Partido Socialista Argentino. 31 Refiro-me aqui e Mariátegui também a Domingo Faustino Sarmiento (1811-1888), um dos maiores expoentes do romantismo argentino e presidente da República entre os anos de 1868-74.
34
35
Todo esse trabalho não passa de uma contribuição à crítica socialista dos problemas e da história do Peru. Não falta quem me acuse de europeizado, alheio aos fatos e às questões do meu país. Que a minha obra se encarregue de me justificar contra essa especulação barata e interessada. Fiz na Europa o melhor da minha aprendizagem. E acredito que não há salvação para a Indo-América sem a ciência e o pensamento europeus ou ocidentais. Sarmiento, que ainda é um dos criadores da argentinidade, foi considerado, na sua época, um europeizado. Não achou melhor maneira de ser argentino32.
2.1 A Conquista como fratura histórica do Peru. Um dos principais aspectos da análise mariateguiana da formação social do Peru, é a afirmativa de que a Conquista espanhola representou uma “fratura histórica” no modo de vida do Tawantisuyo33. O Império Inca, a maior das civilizações pré-colombianas, com aproximadamente 10 milhões de habitantes, ocupava um território que ia desde a cidade de Quito no Equador, perpassando o sul da Colômbia, o sudoeste da Bolívia, o noroeste da Argentina, até a região norte do Chile, tendo como capital Cuzco no Peru. O Tawantisuyo tinha como base econômica os ayllus, comunidades agrícolas familiares, que propiciavam bem-estar material para a população do Império. Segundo Mariátegui, a Conquista, principalmente do ponto de vista da economia, representou uma “quebra de continuidade” no modo de vida abundante do Império Inca: No plano da economia se percebe melhor que em qualquer outro até que ponto a conquista divide a história do Peru. A conquista aparece nesse terreno mais claramente que em qualquer outro, como uma quebra de continuidade. Até a conquista, desenvolveu-se no Peru uma economia que nascia espontânea e livremente do solo e da gente peruana. No império dos incas, agrupação de comunas agrícolas e sedentárias, o mais interessante era a economia. Todos os testemunhos históricos concordam na afirmação de que o povo incaico – trabalhador, disciplinado, panteísta e simples – vivia com bem estar material. As subsistências abundavam; a população crescia. O império ignorou radicalmente o problema de Malthus34.
Em 1532, os conquistadores espanhóis comandados por Francisco Pizarro (1476-1541) e sua tropa de 168 homens, aproveitam-se do conflito interno decorrente da morte do imperador inca Huayna Capac (1468-1527). Deste modo, os espanhóis tomam Cuzco, capturando e assassinando Atahualpa (1502-1533), um dos concorrentes à sucessão imperial. Ávidos por metais preciosos, os conquistadores acabam por destruir a unidade política e 32
MARIÁTEGUI, José Carlos. Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana . São Paulo: Editora Expressão Popular, 2008. p 32. 33
Assim era como os incas denominavam seu império. A palavra quéchua significa “os quatro cantos do mundo”. 34 MARIÁTEGUI, José Carlos. Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana . São Paulo: Editora Expressão Popular, 2008. p 33.
35
36
territorial do Tawanatisuyo, desarticulando sua economia e o decompondo-o em diversas comunidades: Os conquistadores espanhóis destruíram, naturalmente, sem poder substituir, essa formidável máquina de produção. A sociedade indígena e a economia incaica se descompuseram e se aniquilaram completamente sob o golpe da conquista. Rompidos os vínculos de sua unidade a nação se dissolveu em comunidades dispersas. O trabalho indígena deixou de funcionar de forma solidária e orgânica. Os conquistadores quase só se ocuparam de distribuir e disputar entre si o fértil botim de guerra. Despojaram os templos e palácios dos tesouros que estes guardavam; repartiram entre si as terras e os homens, sem se preocuparem com o seu futuro como forças e meios de produção 35.
Mariátegui observa o processo da Guerra da Conquista36 como o conflito entre duas economias distintas, no qual “por cima das ruínas e resíduos de uma economia socialista, lançaram as bases de uma economia feudal37”. Mariátegui não dominava o conceito marxista de Modo de Produção e desconhecia o de Modo de Produção Asiático, conceitos fundamentais para a compreensão da realidade latino-americana. Isto faz com que Mariátegui na sua interpretação da realidade peruana afirme o caráter comunista do Incário38 e identifique a natureza feudal da ordem econômica instaurada com a colonização. Mariátegui para quem o comunismo incaico “não pode ser negado nem diminuído por ter se desenvolvido sob o regime autocrático dos incas”, se valerá da pesquisa de César A. Ugarte (1895-1933)39, caracterizando os traços fundamentais da economia do Tawantisuyo: Propriedade coletiva da terra cultivável pelo Ayllu ou conjunto de famílias aparentadas, ainda que dividida em lotes individuais intransferíveis; propriedade coletiva das águas, terras de pasto e bosques pela marca ou tribo, ou seja, uma federação de ayllus estabelecidos ao redor de uma mesma aldeia; cooperação comum no trabalho; apropriação individual das colheitas e frutos 40.
Penso que neste momento fica evidente minha afirmação. Mariátegui deixa transparecer que ao classificar o Império Inca como comunismo agrário, tem em 35
MARIÁTEGUI, José Carlos. Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana . São Paulo: Editora Expressão Popular, 2008. p 34. 36 A Conquista do Peru durou pelo menos um período de 10 anos (1532-1542), quando é constituído o ViceReino do Peru e passa-se a uma segunda etapa da colonização, a “organização da Conquista”. 37 MARIÁTEGUI, José Carlos. Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana . São Paulo: Editora Expressão Popular, 2008. p 34. 38 Em torno desta questão, Mariátegui trava uma célebre polêmica com o indigenista Augusto A. Morales (18881957), poeta, educador e jornalista peruano, que fora integrante do movimento Colónida e autor do romance histórico El pueblo del Sol (1924). 39 Economista, historiador e professor universitário da Universidade Nacional Mayor de San Marcos. O primeiro intelectual a realizar um estudo da história econômica do Peru. Foi colaborador da revista Nuestra Época, editada em 1918 por Mariátegui e César Falcón. Autor de Bosquejo de la historia económica del Perú (Lima, 1926). 40 MARIÁTEGUI, José Carlos. Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana . São Paulo: Editora Expressão Popular, 2008. p 71.
36
37
consideração, sobretudo sua estrutura econômica (o conjunto das relações de produção), relativizando as dimensões jurídico-política e ideológica do Incário. Por modo de produção compreendo um conceito abstrato referente a uma totalidade social que abrange uma estrutura econômica, uma jurídico-política e outra ideológica (Gebran, 1978). Por sua vez, o jornalista peruano chega a se aproximar do conceito de modo de produção asiático ao afirmar que “O regime incaico certamente foi teocrático e despótico. Mas este é um traço comum entre todos os regimes da antiguidade”. Dentro da perspectiva marxista, o modo de produção asiático caracteriza-se por sociedades onde o estado é produto da necessidade de defesa dos interesses das comunidades, com um governo altamente centralizado, composto por uma comunidade superior, não havendo desenvolvimento da propriedade privada e da produção mercantil. Outro elemento característico nestas sociedades são as grandes obras públicas de irrigação, realizadas a partir da obrigatoriedade do trabalho coletivo, compensando assim o parco desenvolvimento das forças produtivas (Gebran, 1978). Ou nas palavras de Marx: “No seio do despotismo oriental, com esta ausência de propriedade que parece caracterizá-lo do ponto de vista jurídico, encontra-se por consequência, existindo efetivamente como base, esta propriedade de tribo ou de comunidade, na maioria do tempo criada por uma combinação da manufatura e da agricultura no interior da pequena comunidade, que assim se torna absolutamente auto-suficiente e encerra no seu interior todas as condições da reprodução e da produção suplementar. Uma parte de seu excedente de trabalho pertence a coletividade de nível superior, que finalmente existe como pessoa, e este excedente de trabalho é posto em valor no tributo, etc, como nos trabalhos em comum para maior glória da unidade, do déspota real, da entidade tribal imaginária, deus 41”.
Não se trata, porém, como disse Coutinho (2011) em relação a Caio Prado Júnior (1907-1990)42, de submeter retrospectivamente Mariátegui a “um exame de marxismo”. O jornalista peruano é um marxista latino-americano que vivenciou as contradições de seu tempo (a falta de uma tradição teórica e partidária de esquerda no continente, um instrumental teórico marxista bastante reduzido, a dificuldade no acesso aos textos dos clássicos do marxismo, etc.). Gebran (1978) afirma que o debate acerca da chamada “teoria das formações sociais”, somente se intensifica em 1928, em decorrência da preocupação dada pela Internacional Comunista aos países considerados coloniais ou semicoloniais, dentre os 41
MARX, Karl. “Formações econômicas pré-capitalistas”, in: PINSKY, Jaime (org): Modos de Produção na Antiguidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984, p.11. 42 Historiador, geógrafo e bacharel em direito. Membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Um dos principais historiadores marxistas do país. Autor de obras tais como Formação do Brasil Contemporâneo (1942), História econômica do Brasil (1945), Dialética do conhecimento (1963), História e desenvolvimento (1968), A Revolução Brasileira (1966), A questão agrária no Brasil (1979), entre outros títulos. Célebre crítico da interpretação hegemônica dentro do PCB, na qual predominava no campo brasileiro relações feudais.
37
38
quais se encontravam os países da América Latina. Sendo que na ocasião os participantes do congresso da IC, rejeitam de suas formulações o conceito de modo de produção asiático, adotando uma teoria da evolução e afirmando o caráter universal dos cincos modos de produção como estágios do desenvolvimento histórico da humanidade. Essa discussão somente é retomada pela Internacional Comunista durante a década de 30, com a publicação de textos inéditos de Marx e Engels, dentre eles os escritos sobre as Formações Econômicas Pré-capitalistas43 e a obra A Ideologia Alemã44. Ou seja, textos importantes que poderiam ajudar Mariátegui a compreender a realidade do seu continente só foram publicados após sua morte. Portanto, trata-se de ao compreender os eventuais limites da produção mariateguiana, sublinhar, sobretudo a criatividade e os méritos pioneiros enquanto intérprete marxista do Peru e da América Latina. Dito de outra forma, compreender como Mariátegui inserido no seio da tradição da Internacional Comunista consegue de forma criativa superar seus limites. Neste sentido, outro aspecto importante da análise mariateguiana da colonização consiste em identificar a sobrevivência dos ayllus durante o período colonial, conciliando a “propriedade feudal com a propriedade comunitária”. No Peru, ao contrário de outras regiões da América espanhola onde predominou o extermínio e a escravização indígena, “a legislação relativa às “comunidades” adaptou-se à necessidade de não atacar nem as instituições nem os costumes indiferentes ao espírito religioso e ao caráter político do regime colonial”. Com a instituição da encomienda, que consistia na atribuição de grupos indígenas a colonos espanhóis, e da mita, que regulamentava o trabalho indígena principalmente nas minas e nas obras públicas, os diversos povos indígenas foram considerados vassalos da coroa espanhola mediante o pagamento de tributos e do fornecimento de trabalho compulsório. Na teoria a encomienda era uma mediação entre a escravidão e o trabalho livre, preservando certas formas de organização indígena em troca de tributos. Na prática os espanhóis se apropriaram das melhores terras e expropriaram grande parte dos povos indígenas, escravizando ou exterminando todos aqueles que se rebelassem contra a sua dominação. O ayllu sobrevive como uma engrenagem administrativa e fiscal, subordinada a hacienda e a serviço do encomendero. Ou nas palavras de Mariátegui, “a comunidade podia e devia subsistir, para maior glória e proveito do rei e da Igreja”: Mas a comunidade, sob esse regime, não podia ser verdadeiramente amparada, e sim apenas tolerada. O latifundiário impunha ao camponês a lei e sua força despótica 43 44
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo, Hucitec, 1987. Marx, Karl. Formações econômicas pré-capitalistas. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985.
38
39
sem controle possível do Estado. A comunidade sobrevivia, mas dentro de um regime de servidão. Antes havia sido a própria célula do Estado que lhe assegurava o dinamismo necessário para o bem-estar de seus membros. A colônia a petrificava dentro da grande propriedade, base de um novo Estado, estranho ao seu destino 45 .
A nova economia que surge no vice-reinado e que nasce das ruínas do Império Inca tem um começo difícil. Predominou no colonizador espanhol o espírito aventureiro e de senhorio, do culto à corrida e do catolicismo de espetáculo. O colonizador tinha dificuldades de construir grandes núcleos de trabalho, e devido ao declínio da encomienda no século XVII teve que recorrer à escravidão africana, construindo assim as bases de uma economia híbrida: O pioneer espanhol, além do mais, não tinha aptidão para criar núcleos de trabalho. Em vez da utilização do índio, parecia perseguir seu extermínio. E os colonizadores não se bastavam para criar uma economia sólida e orgânica. A organização colonial fracassava pela base. Faltava a ela o cimento demográfico. Os espanhóis e os mestiços eram muito poucos para explorar, em vasta escala, as riquezas do território. E, como para o trabalho nas fazendas da costa se recorreu à importação de escravos negros, foram misturados, aos elementos característicos de uma sociedade feudal, elementos e características de uma sociedade escravista 46.
Deste modo o processo de colonização do Peru segue a lógica identificada por Gebran (1978), no qual num primeiro momento quando “as relações ainda não eram coloniais”, ou seja, antes da “organização da Conquista”, ocorre uma aceitação de parte das estruturas econômico-sociais do Império Inca, refletindo uma preocupação em conservar a organização das sociedades locais com o objetivo de melhor assegurar sua subsistência e facilitar o acesso aos metais preciosos e a produção. Num segundo momento, a colonização se expande, num movimento contraditório no qual a desintegração da antiga formação social e a paulatina organização do poder de dominação do colonizador. A dialética da colonização reside na contingência de modificar a economia existente e a necessidade de preservar esta economia para melhor explorar o tributo. A exploração da mão-de-obra e a expropriação de terras expandem-se na medida em que a economia colonial, para manter os níveis de acumulação, não pode se contentar apenas com o tributo, ocorrendo a substituição da antiga formação social por um novo modo de produção, que garanta o excedente necessário à acumulação da metrópole à produção mercantil. Ao identificar que “foram misturados aos elementos característicos de uma sociedade feudal, elementos de uma sociedade escravista”, Mariátegui se aproxima das formulações de 45
MARX, Karl. “Formações econômicas pré-capitalistas”, in: PINSKY, Jaime (org): Modos de Produção na Antiguidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984, p.12. 46 MARIÁTEGUI, José Carlos. Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana . São Paulo: Editora Expressão Popular, 2008. p 35.
39
40
Marx em Contribuição Crítica da Economia Política, no qual na Conquista da América pode ter ocorrido uma interação, uma síntese entre o modo de produção do colonizador espanhol, dos povos indígenas e dos escravos africanos: “No que se refere às conquistas, há três possibilidades: o povo conquistador impõe ao povo vencido seu modo de produção ou deixa o antigo modo de produção e contenta-se em exigir um tributo, ou há uma interação, que dá nascimento a uma nova forma, uma síntese 47”.
Mariátegui aponta a questão sem conseguir resolvê-la. A discussão historiográfica acerca da constituição de um modo de produção específico do processo de colonização da América Latina data da década de 70 do século passado. O chamado modo de produção escravista colonial No entanto, Mariátegui consegue identificar o processo que será chave para a constituição deste novo modo de produção: o extermínio de grande parte da população indígena. Os espanhóis estabeleceram um regime de exploração brutal diante dos povos indígenas. A busca por metais preciosos engendrou na economia colonial o sistema de escravidão, que levou a morte milhares de índios peruanos. A colonização possível devido à superioridade militar dos europeus e a concepção de mundo mítica dos indígenas foi, segundo Mariátegui, uma verdadeira carnificina: A população do império incaico, conforme cálculos prudentes, não era inferior a 10 milhões. Há quem a faça subir para 12 e até mesmo 15 milhões. A conquista foi, antes de tudo, uma tremenda carnificina. Os conquistadores espanhóis, por conta de seu número escasso, não podiam impor seu domínio senão aterrorizando a população indígena, na qual as armas e os cavalos dos invasores produziram uma impressão supersticiosa, e estes passaram a ser vistos como seres sobrenaturais. A organização política e econômica da colônia, que se seguiu à conquista, não deu fim ao extermínio da raça indígena 48.
Mariátegui conclui que os espanhóis embriagados com o ouro e com a prata encontradas durante o vice-reinado, acabaram por exterminar a população indígena destruindo as antigas instituições incas, empobrecendo o território conquistado de tal forma que os colonizadores não tinham capacidade de saber. A Espanha ao colonizar o vice-reinado do Peru, formulou uma verdadeira política de despovoamento:
47
MARX, Karl. Contribuição a Crítica da Economia Política. 2ª Edição. São Paulo. Expressão Popular, 2008. P.17. 48 MARIÁTEGUI, José Carlos. Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana . São Paulo: Editora Expressão Popular, 2008. p 61.
40
41
A prática de extermínio da população indígena e de destruição de suas instituições – muitas vezes em contraste com leis e providências da metrópole – empobrecia e dessangrava o fabuloso país ganho pelos conquistadores para o rei da Espanha, numa medida tal que estes não eram capazes de perceber e avaliar. Formulando um princípio da economia de sua época, um estadista sul-americano do século 19 devia mais tarde dizer, impressionado pelo espetáculo de um continente semideserto: “Governar é povoar”. O colonizador espanhol, infinitamente afastado desse critério, implantou no Peru um regime de despovoamento 49.
2.2 Uma via não clássica para o capitalismo.
Entretanto, o principal aspecto da análise mariateguiana da formação social, e pelo qual atribuímos grande parte do caráter pioneiro dos Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana, reside no fato de que Mariátegui identifica no Peru, uma via não clássica para o desenvolvimento do capitalismo. Dito de outra forma, o jornalista peruano assinala “a etapa na qual a economia feudal se transforma pouco a pouco, em economia burguesa. Mas sem deixar de ser, no contexto do mundo, uma economia colonial50”. Coutinho (2011) nos explica que na literatura marxista existem dois conceitos que nos ajudam a compreender “vias não clássicas” de passagem para o capitalismo. Primeiro, o conceito de via prussiana, prussiana, formulado por Lenin para identificar o processo de modernização capitalista na questão agrária. Segundo, o de revolução passiva construído passiva construído por Gramsci para caracterizar processos e transformações “pelo alto”, sem a participação ativa de trabalhadores urbanos e camponeses. Lenin (2002)51 afirma que o modo de produção capitalista ao desenvolver-se encontra na agricultura velhas formas de posse de terra. Sendo o próprio capitalismo que cria para si as formas correspondentes de relações agrárias, partindo das formas antigas de propriedade. Neste sentido, o desenvolvimento capitalista no campo pode ocorrer através da transformação paulatina do domínio dos latifundiários (a via prussiana) ou através da destruição violenta da grande propriedade de terra, a chamada via americana (ou via clássica). Para Lenin, dois caminhos objetivamente possíveis de desenvolvimento capitalista: A estes dois caminhos do desenvolvimento burguês, objetivamente possíveis, chamaríamos de caminho tipicamente prussiano e caminho do tipo norte-americano. No primeiro caso, a exploração feudal do latifúndio transforma-se lentamente numa 49
MARIÁTEGUI, José Carlos. Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana . São Paulo: Editora Expressão Popular, 2008. p 73. 50 MARIÁTEGUI, José Carlos. Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana . São Paulo: Editora Expressão Popular, 2008. p 36. 51 LENIN, V. I. Programa Agrário da Social-democracia na Primeira Revolução Russa de 1905-1907. Goiânia: Alternativa, 2002.
41
42
exploração burguesa-júnker, burguesa-júnker, condenando os camponeses a decênios inteiros da mais dolorosa expropriação e do mais doloroso jugo, ao mesmo tempo em que se distingue uma pequena minoria de “Grossbauers” (lavradores abastados). No segundo caso, ou não existem domínios latifundiários ou são liquidados pela revolução, que confisca e fragmenta as propriedades feudais. Neste caso predomina o camponês, que passa a ser o agente exclusivo da agricultura e vai evoluindo até converter-se em granjeiro capitalista. No primeiro caso, o conteúdo fundamental da evolução é a transformação dos feudais-latifundiários-júnkers. No segundo caso, o conteúdo está na transformação do camponês patriarcal em granjeiro burguês 52.
Já Gramsci ao referir-se ao processo de unificação do estado italiano - o chamado Risorgimento – Risorgimento – constrói o conceito de revolução passiva, passiva, caracterizado como um processo de modernização avesso à revolução popular “ativa”. A revolução passiva passiva “consiste numa sequência de manobras “pelo alto”, de conciliações entre os diferentes segmentos das elites dominantes, com a consequente exclusão da participação popular 53”. Mariátegui desconhecia ambas as caracterizações de vias não clássicas para o desenvolvimento capitalista. Já demonstramos o estoque reduzido de categorias marxistas do qual se valia o jornalista peruano54. No entanto, é interessante perceber como a análise mariateguiana da formação do que podemos chamar de Peru moderno, se aproxima em diversos aspectos dos conceitos de via prussiana prussiana e de revolução passiva, passiva, formulados por Lenin e Gramsci. Para Mariátegui esta segunda etapa da economia peruana inicia-se com Revolução de Independência (1821-1824), mas “enquanto a Conquista engendra totalmente o processo da formação da nossa economia colonial, a Independência aparece determinada e dominada por este processo55”. Deste modo, as ideias revolucionárias advindas da Revolução Francesa e da Independência Estadunidense encontraram terreno fértil na América do Sul, contagiando de criolla. A geração de libertadores da qual fazem parte Simón forma decisiva a sua elite criolla. Bolívar (1783-1830) e San Martín (1778-1850) compõem o grupo de jovens sul-americanos “ricos, ociosos e em desfavor com a Corte 56”, que residiam em Madri na primeira década do século XIX. Ambos partilhavam de diversos elementos da educação e da cultura espanhola, 52
LENIN, V. I. Programa Agrário da Social-democracia na Primeira Revolução Russa de 1905-1907. Goiânia: Alternativa, 2002. p 28. 53 COUTINHO, Carlos Nelson. Cultura e sociedade no Brasil: ensaio sobre ideias e formas. 4ª edição. São Paulo. Editora Expressão Popular, 2011. p 210. 54 Mariátegui conhecera outras obras de Lenin, não o programa agrário específico é interessante assinalar as dificuldades de acesso a literatura marxista na América Latina. Já o conceito de revolução passiva 55 MARIÁTEGUI, José Carlos. Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana . São Paulo: Editora Expressão Popular, 2008. p 36. 56 ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas: reflexões sobre a origem e difusão do nacionalismo. São Paulo. Companhia das Letras, 2008. p 97.
42
43
tendo como fado o fato de terem nascido do outro lado do Atlântico. San Martín chegou a participar da luta armada a rmada contra Napoleão. Enquanto o jovem Bolívar combateu as incursões britânicas na Venezuela, na unidade comandada por seu pai, um importante comandante miliciano. Logo, constituíam ao mesmo tempo uma comunidade colonial e uma classe superior, deviam ser economicamente submetidos e explorados, mas também eram essenciais para a estabilidade do Império, portanto já não poderiam ser dominados da mesma forma pelos espanhóis. O ódio e o sentimento de inferioridade destes criollos criollos em relação à metrópole se transformou em impulsos revolucionários (Anderson, 2008). Mariátegui igualmente atribui como um componente importante à existência de uma burguesia, mesmo que embrionária, que teve sistematicamente seus interesses políticos e econômicos confrontados pela metrópole através de medidas tais como a constituição de novos tributos, o aumento da eficiência da arrecadação, o enrijecimento do monopólio comercial e a maior centralização das decisões políticas por parte da administração espanhola. A incipiente burguesia peruana não poderia deixar de se contagiar com o humor revolucionário da burguesia europeia: As ideias da revolução francesa e da constituição estadunidense encontraram um clima favorável para sua difusão na América do Sul, por que na América do Sul já existia, ainda que embrionariamente, uma burguesia que, diante de suas necessidades e interesses econômicos, podia e devia ser contagiada pelo humor revolucionário da burguesia europeia. A independência da América hispânica não teria se realizado, certamente, se não tivesse contado com uma geração heroica, sensível à emoção da sua época, com capacidade e vontade para desenvolver uma verdadeira revolução nesses povos 57.
Além desses elementos listados por Mariátegui, outro que certamente contribuiu para impulsionar a luta pela Independência em países como o Peru, foi o medo crescente da mobilização política de indígenas e negros escravos. Este medo se intensifica em 1808 quando Napoleão conquista a Espanha, privando os criollos de criollos de qualquer respaldo militar da metrópole. Para a elite peruana, ainda era viva a lembrança da insurreição indígena liderada por Tupac Amaru (1740-81). Ao mesmo tempo conheciam a rebelião negra comandada por Toussaint L’Ouverture que pôs fim à escravidão no Haiti e deu origem em 1904 a segunda república independente das Américas, aterrorizando o imaginário de senhores de escravos por todo o continente.
57
MARIÁTEGUI, José Carlos. Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana . São Paulo: Editora Expressão Popular, 2008. p 36.
43
44
Isso nos ajuda a compreender porque apesar de Bolívar ter se comprometido em por fim da escravidão nos territórios libertados58 e San Martín em 1821 declarar que “no futuro, os aborígenes não serão chamados índios ou nativos; eles são filhos e cidadãos do Peru e serão conhecidos como peruanos59”, os movimentos latino-americanos pela independência foram de pouca espessura social, sendo protagonizados por fazendeiros ricos aliados a um número um pouco menor de comerciantes, e a vários tipos de profissionais (advogados, militares, funcionários locais e provinciais). Justificando assim a afirmação de Mariátegui que a Independência foi uma transformação pelo alto, numa aliança entre latifundiários e a incipiente burguesia peruana, sem a participação ativa dos camponeses indígenas: “A revolução americana, em vez do conflito entre a nobreza latifundiária e a burguesia comerciante, produziu em muitos casos sua colaboração, seja pela impregnação de ideias liberais que contaminavam a aristocracia, seja por que em muitos não via nessa revolução mais que movimento de emancipação da coroa da Espanha. A população camponesa, que no Peru era indígena, não teve presença direta, ativa, na revolução. O programa revolucionário não representava suas reivindicações60 ”.
Ainda de acordo com Mariátegui, para que a revolução democrática-liberal (a via clássica da revolução burguesa) ocorresse no Peru faziam-se necessários dois fatores: primeiro a existência de uma burguesia mais orgânica, “consciente de seus fins e dos interesses de sua ação61” e segundo, um estado de ânimo revolucionário entre as massas camponesas indígenas, apresentando “sua reivindicação do direito á terra, em termos incompatíveis com o poder da aristocracia latifundiária 62”. Para o intelectual peruano, a revolução encontrou o Peru atrasado na formação de sua burguesia. “Os elementos de uma
58
Anderson (2008) nos explica que não sem idas e vindas. Ele libertou seus escravos em 1810, com a proclamação da independência venezuelana. Em 1816, conseguiu ajuda militar do presidente Alexandre Pétion em troca da promessa de terminar com a escravidão em todos os territórios libertados. A promessa foi cumprida em Caracas 1818 – mas cale lembrar que Madri teve êxito na Venezuela durante 1814-16 em parte porque ela emancipou os escravos leais à Coroa. Quando Bolívar se tornou presidente da Grande Colômbia (Venezuela, Nova Granada e Equador), em 1821, ele solicitou e obteve junto ao Congresso uma lei que libertava os filhos de escravos. Ele não havia pedido ao Congresso que abolisse a escravidão porque não queria incorrer na ira dos grandes fazendeiros. 59 ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas: reflexões sobre a origem e difusão do nacionalismo. São Paulo. Companhia das Letras, 2008. p 87. 60 MARIÁTEGUI, José Carlos. Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana . São Paulo: Editora Expressão Popular, 2008. p 83. 61 MARIÁTEGUI, José Carlos. Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana . São Paulo: Editora Expressão Popular, 2008. p 82. 62 MARIÁTEGUI, José Carlos. Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana . São Paulo: Editora Expressão Popular, 2008. p 82.
44
45
economia capitalista eram, no nosso país, mais embrionários que em outros países da América, onde a revolução contou com uma burguesia menos larvar, menos incipiente63”. Portanto, a revolução da Independência triunfa pela solidariedade continental dos povos latino-americanos que lutavam contra o domínio espanhol e por que as condições políticas e econômicas internacionais a favoreciam. Assim, Mariátegui compreende a Independência do Peru dentro de um movimento mais amplo e contraditório, onde o nacionalismo continental dos revolucionários hispano-americanos e a formação dos novos estados nacionais entrelaçam-se às necessidades de desenvolvimento da civilização ocidental e ao conflito entre as principais potências coloniais da época (França e Inglaterra). O Império Britânico não relutou em reconhecer a independência das novas repúblicas sul-americanas. Entretanto, como demonstra Mariátegui, o próprio governo inglês fora antecipado pelos bancos de Londres que haviam financiado as revoluções de Independência: Enfocada sobre o plano da história mundial, a independência sul-americana se apresenta como decidida pelas necessidades de desenvolvimento da civilização ocidental ou, melhor dito, capitalista. O ritmo do fenômeno capitalista teve, na elaboração da independência uma função menos aparente e ostensiva, mas sem dúvida mais decisiva e profunda que o eco da filosofia e da literatura dos enciclopedistas. O império britânico, destinado a representar de maneira tão genuína e transcendental os interesses da civilização capitalista, estava ainda em formação. Na Inglaterra, a sede do liberalismo e do protestantismo, a indústria e a máquina preparavam o futuro do capitalismo, ou seja, do fenômeno material do qual aqueles dois fenômenos, um político e outro religioso, aparecem na história como fermento espiritual e filosófico. Por isso coube à Inglaterra – com essa clara consciência de seu destino e missão histórica à qual deve sua hegemonia na civilização capitalista – desempenhar um papel primário na independência da América do Sul. E, por isso, enquanto o primeiro-ministro da França – a nação que alguns anos antes havia dado o exemplo de sua grande revolução – se negava a reconhecer as jovens repúblicas sul-americanas que podiam lhe enviar “junto com seus produtos, suas ideias revolucionárias”, o Sr. Canning, tradutor e executor fiel do interesse da Inglaterra, consagrava, com esse reconhecimento, o direito desses povos de se separarem da Espanha e, subsidiariamente, de se organizarem de forma republicana e democrática. O Sr. Canning, por outro lado, tinha sido praticamente antecipado pelos banqueiros de Londres que, com seus empréstimos – que, nem por serem usurários, foram menos oportunos e eficientes – haviam financiado a fundação das novas repúblicas 64 .
O início do Peru republicano (1821-1842) é marcado pelo domínio do caudilhismo militar, produto de um momento revolucionário que não tinha conseguido criar uma nova classe dirigente. O poder era exercido pelos militares tanto pela legitimidade conquistada durante a Independência, mas também por serem os únicos capazes de manter o poder pela 63
MARIÁTEGUI, José Carlos. Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana . São Paulo: Editora Expressão Popular, 2008. p 81. 64 MARIÁTEGUI, José Carlos. Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana . São Paulo: Editora Expressão Popular, 2008. p 37.
45
46
força das armas. Os caudilhos se apoiavam ora no liberalismo inconsistente da incipiente burguesia peruana ora no conservadorismo colonial dos grandes proprietários de terra. No conflito de classes entre liberais e conservadores, “faltava uma reivindicação direta e ativa dos camponeses que obrigasse os primeiros a incluir em seu programa a redistribuição da propriedade agrária65”. A política de desvinculação da propriedade agrária inscrita nos princípios liberais da República não atacou o latifúndio. As consequências práticas da revolução, no que tange a propriedade da terra, não podiam deixar de se deter no limite imposto pelos interesses dos grandes proprietários. A nova Constituição e seu Código Civil emancipavam formalmente os indígenas peruanos, no entanto, como deixava intacto o poder e a força da grande propriedade de terra, a pequena propriedade não prosperou. Pelo contrário, “o latifúndio se consolidou. E a propriedade da comunidade indígena foi a única a sofrer as consequências desse liberalismo deformado66”. Neste período, a economia peruana conhece o seu segundo grande ciclo econômico, marcado pelo predomínio do guano67 e do salitre68 nas exportações nacionais, alimentando o comércio internacional, numa união entre os latifundiários peruanos e o capital estrangeiro, preservando as características de uma economia colonial. O período de acumulação do guano e do salitre consolidará a prevalência costeira do Peru. Enquanto os espanhóis, em busca de ouro e prata, eram obrigados a desbravar a Cordilheira dos Andes e manter postos avançados na serra. O Peru em troca de máquinas e produtos industrializados enviará a Inglaterra guano e salitre, deslocando o eixo da vida econômica para a costa, acentuando o dualismo e o conflito entre a costa criolla e a serra indígena. Durante o primeiro governo de Ramón Castilla (1845-51)69 se intensifica o processo de formação da burguesia peruana. As diversas concessões dadas pelo Estado peruano ao capital inglês e os lucros provenientes do guano e do salitre fornecerão um novo impulso enérgico a este processo. Esta burguesia confundida em sua origem com os grandes 65
MARIÁTEGUI, José Carlos. Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana . São Paulo: Editora Expressão Popular, 2008. p 84. 66 MARIÁTEGUI, José Carlos. Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana . São Paulo: Editora Expressão Popular, 2008. p 87. 67 Guano é um excelente fertilizante natural com altos níveis de nitrogênio, composto de fezes de aves e morcegos. O guano é encontrado em grandes quantidades nas diversas ilhas do litoral peruano. Mariátegui assinala com certa ironia que enquanto “a Espanha nos queria e nos guardava como país produtor de metais preciosos. A Inglaterra nos preferiu como país produtor do guano e do salitre”. 68 Fertilizante composto de nitrato de sódio. Também encontrado em grandes quantidades no litoral peruano. 69 Militar peruano viveu entre os anos de 1797 até 1867, governou o país em dois períodos (1845-51) e (185562). Na sua primeira presidência, iniciada em 1845, entregou a comercialização do guano a uma companhia inglesa. Concedeu aos ingleses o direito de construir e explorar a primeira linha férrea do Peru, ligando Lima e o porto do Calllao.
46
47
proprietários de terra é historicamente subordinada aos interesses do capital estrangeiro. Esta classe de capitalistas peruanos teve que superar seus preconceitos aristocráticos e adotar s princípios liberais da política e da economia: Os lucros do guano e do salitre criaram no Peru, onde a propriedade havia conservado até então um caráter aristocrático e feudal, os primeiros elementos sólidos de capital comercial e bancário. Os profiteurs diretos e indiretos das riquezas do litoral começaram a constituir uma classe capitalista. Formou-se no Peru uma burguesia, confundida e enraizada em sua origem e estrutura com a aristocracia, formada principalmente pelos sucessores dos encomenderos e latifundiários da colônia, mas obrigados por sua função a adotar os princípios fundamentais da economia e da política liberais 70.
O último capítulo da economia peruana analisado por Mariátegui trata-se da situação do Peru pós Guerra do Pacífico71 (1879-83), período este no qual houve uma paralisação e um quase colapso das forças produtivas do país, com a perda de importantes territórios para o Chile e a perda dos principais produtos de arrecadação da economia nacional, o guano e o salitre. O pós-guerra ratifica através do contrato Grace72 o predomínio britânico no Peru, controlando o comércio, a mineração e os transportes. Mariátegui sintetiza este novo momento da economia nacional, onde “ela se organiza lentamente sobre bases menos férteis, porém mais sólidas do as do guano e do salitre”: 1º. O surgimento da indústria moderna. (...) A formação de um proletariado industrial (...), que estanca uma das antigas fontes do proselitismo caudilhista e transforma os termos da luta política. 2º. A função do capital financeiro. O surgimento de bancos nacionais (...) que se movem dentro de um âmbito estreito, enfeudados aos interesses do capital estrangeiro e da grande propriedade agrária; e o estabelecimento de sucursais de bancos estrangeiros que servem aos interesses da finança norte-americana e inglesa. 3º. O encurtamento das distâncias e o aumento do comércio entre o Peru e os Estados Unidos e a Europa (...) em consequência da abertura do Canal do Panamá (...). 4º. A gradual superação do poder britânico pelo poder norte-americano (...). 5º. O desenvolvimento de uma classe capitalista, dentro da qual deixa de predominar, como antes, a antiga aristocracia. A propriedade agrária conserva seu poder, mas declina o dos sobrenomes do vice-reinado (...). 70
MARIÁTEGUI, José Carlos. Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana . São Paulo: Editora Expressão Popular, 2008. p 40. 71 A Guerra do Pacífico foi um conflito militar ocorrido entre 1879 e 1883, confrontando o Chile às forças conjuntas da Bolívia e do Peru. Ao final da guerra, o Chile anexou ricas áreas em recursos naturais de ambos os países derrotados. O Peru perdeu a província de Tarapacá e a Bolívia teve de ceder a província de Antofagasta, ficando sem saída soberana para o mar. 72 Contrato assinado, em 1888, entre o governo de Andrés A. Cáceres (1883-90) e o Comitê Inglês de Acionistas da Dívida Externa do Peru. O referido contrato redigido por Michael P. Grace propunha o cancelamento da dívida externa peruana, em troca as empresas inglesas administrariam durante o período de 75 anos, as ferrovias peruanas. Além disso, o contrato ainda previa que o governo peruano deveria repassar às empresas inglesas, três milhões de toneladas de guano e dois milhões de hectares na selva central do Peru.
47
48
6º. A ilusão da borracha. (...) Com a queda do preço da borracha, chega ao fim esta ilusão (...). 7º. (...) A alta dos produtos peruanos [no exterior] causa um rápido crescimento da fortuna privada nacional. Opera-se um reforço da hegemonia da costa na economia peruana. 8º. A política dos empréstimos. O restabelecimento do crédito peruano no exterior conduziu novamente o Estado a recorrer aos empréstimos para a execução do seu programa de obras públicas. Também nesta função, os Estados Unidos substituíram a Grã Bretanha 73.
O Peru em que pese o incremento da mineração74 mantém as características de um país agrícola. As fazendas situadas na costa de cana-de-açúcar, arroz e algodão ocupavam aproximadamente 75.429 trabalhadores, conformando um importante proletariado agrícola. Enquanto o setor fabril ocupava modestos 21.000 trabalhadores. A maior parte da população peruana encontrava-se ainda na produção artesanal e em outros setores da economia. Desta forma Mariátegui conclui que: No Peru atual coexistem elementos de três economias diferentes. Sob o regime de economia feudal nascida da Conquista subsistem na serra alguns resíduos ainda vivos da economia comunista indígena. Na costa, sobre um solo feudal, cresce uma economia burguesa que, pelo menos em seu desenvolvimento mental, dá a impressão de uma economia retardada 75.
Mariátegui compreende que as relações sociais de trabalho são determinadas, principalmente na agricultura, pelo regime de propriedade da terra. Na medida em que subsistir o latifúndio “feudal”, permanecerão também relações sociais de produção características de economias pré-capitalistas, tais como a yanaconagem76, o enganche77 e o arrendamento. Mesmo na costa onde a agricultura evoluiu para uma técnica capitalista. Deste modo Mariátegui conclui sua caracterização de uma via não clássica para o desenvolvimento do capitalismo no Peru. Uma revolução burguesa protagonizada pelos grandes proprietários de terra e uma burguesia incipiente, com o apoio de frações das classes médias (militares, advogados, funcionários públicos, etc.). Esta via da revolução tem como característica central a hegemonia da grande propriedade de terra em detrimento da propriedade comunitária indígena, ao mesmo tempo em que marginaliza a participação dos 73
MARIÁTEGUI, José Carlos. Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana . São Paulo: Editora Expressão Popular, 2008. p 44. 74 A mineração segundo os dados estatísticos utilizados por Mariátegui ocupavam no ano de 1926, aproximadamente 28.592 operários. 75 MARIÁTEGUI, José Carlos. Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana . São Paulo: Editora Expressão Popular, 2008. p 46. 76 Yanaconagem: imposição de obrigações pessoais, além das condições terríveis de parceria. 77 Enganche: sistema de recrutamento e sujeição da mão-de-obra através de dívida ou da imposição de condições de trabalho extremamente desfavorável para parceiros.
48
49
trabalhadores e camponeses indígenas da política nacional. Uma via subordinada aos interesses e às necessidades do imperialismo britânico e a posteriori ao imperialismo norteamericano, mantendo a condição colonial da economia peruana.
2.3. Nacionalidade peruana em formação. A conclusão da análise de Mariátegui da via não clássica da revolução burguesa no Peru é que os países hispano-americanos constituem nações incompletas, em sua maioria, nações somente esboçadas. Apesar de estes países caminharem no mesmo sentido de um desenvolvimento capitalista, subsistem neles densos resíduos de “feudalidade”, produto da opção feita pela manutenção da grande propriedade de terra na agricultura. Essa escolha os impedem de resolverem seus problemas elementares e constituírem sociedades organizadas de maneira democrática e regular.
Os países hispano-americanos sequer são capazes de
conformarem um agrupamento internacional que defenda seus interesses comuns: Presentemente, enquanto algumas nações liquidaram seus problemas elementares, outras não progrediram muito na solução deles. Enquanto algumas nações chegaram a uma organização democrática regular, em outros subsistem até agora densos resíduos de feudalidade. O processo de desenvolvimento de todas estas nações segue a mesma direção, mas em algumas realiza-se mais rapidamente que em outras. Mas o que separa e isola os países hispano-americanos não é esta diversidade de tempo político. É a impossibilidade de que, entre nações incompletamente formadas, entre nações na sua maioria esboçadas, estabeleça-se e articule-se um sistema ou um agrupamento internacional. Na história, a comuna precede a nação. A nação precede toda sociedade de nações 78.
O autor dos Sete Ensaios compreende que “o regime de propriedade de terra determina o regime político de toda a nação 79”. Neste sentido, “o problema agrário – que até agora a República não pôde resolver – domina todos os problemas da nossa nação80”, inviabilizando a construção de instituições democráticas e liberais81. 78
MARIÁTEGUI, José Carlos. “A unidade da América Indo-espanhola”, In. Löwy, Michael: Por um socialismo indo-americano . Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.p.81. 79 MARIÁTEGUI, José Carlos. Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana . São Paulo: Editora Expressão Popular, 2008. p 70. 80 MARIÁTEGUI, José Carlos. Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana . São Paulo: Editora Expressão Popular, 2008. p 70. 81 É importante salientarmos que Mariátegui vivencia uma conjuntura histórica marcada pelo apogeu e crise do civilismo (1895-1919) e a emergência do oncenio. Durante o período de hegemonia civilista, a discussão acerca dos assuntos nacionais era realizada de maneira informal por um núcleo dirigente da elite criolla chamado “os vinte e quatro amigos” 81 que se reunia frequentemente no Club Nacional . Segundo ESCORSIN (2006) este grupo reuniu dois homens que juntos governaram o Peru durante 24 anos (José Pardo e Augusto B. Leguía), oito ministros de gabinete, cinco ministros do tesouro, três presidentes do Senado. Além de contar com a participação dos dois principais editores dos jornais de Lima. Enquanto o oncenio (1919-1930) é o período de onze anos de governo ditatorial do presidente Leguía.
49
50
Deste modo Mariátegui observa que o Peru ainda é uma nacionalidade em formação. O Peru moderno é constituído a partir da destruição do Peru autóctone, a Conquista aniquilou os elementos mais vivos da cultura inca, substituindo-os pela cultura e religião espanhola. Frustrando assim a única peruanidade que existiu. A Independência protagonizada pela elite criolla e influenciada pelo pensamento liberal não reivindicou a peruanidade inca: O Peru é, ainda, uma nacionalidade em formação. Constitui-se o Peru sobre as inertes camadas indígenas, sobre os aluviões da civilização ocidental. A conquista espanhola aniquilou a cultura inca. Destruiu o Peru autóctone. Frustrou a única peruanidade que existiu. Os espanhóis extirparam do solo e da raça todos os elementos vivos da cultura indígena. Substituíram a religião inca pela religião católica romana. Da cultura inca só deixaram vestígios mortos. Os descendentes dos conquistadores e dos colonizadores constituíram o fundamento do Peru atual. A independência foi realizada por esta população crioula. A ideia de liberdade não brotou espontaneamente do nosso solo; seu germe nos veio de fora 82 .
Pelo contrário, a elite criolla peruana ignora a questão indígena, comportando-se como um verdadeiro avestruz que esconde a cabeça para não ver um problema. E o problema do índio no Peru, é o problema de quatro milhões de peruanos, de três quartos da população, é o problema da nacionalidade: Os criollos, os metropolitanos não prezam este tema difícil, mas sua tendência a ignorá-lo, a esquecê-lo não nos deve contagiar. O gesto da avestruz que, ameaçada, esconde a cabeça sob as asas é muito estúpido. Quando nos negamos a ver um problema, não conseguimos fazer com que o problema desapareça. E o problema dos índios é o problema de quatro milhões de peruanos. É o problema de três quartos da população do Peru. É o problema da maioria. É o problema da nacionalidade 83
Para Mariátegui esse é o drama do Peru contemporâneo, constituir uma nacionalidade somente a partir dos elementos da cultura criolla, um Peru sem o índio e contra o índio: Este é o drama do Peru contemporâneo. Drama que nasce, como escrevi há pouco, do pecado da Conquista. Do pecado original, transmitido à República, de querer 84 constituir uma sociedade “sem o índio e contra o índio” .
Esta questão transcende uma mera “questão administrativa”; tampouco se limita as propostas político-administrativas apresentadas por centralistas e federalistas85 – o que está
82 MARIÁTEGUI, José Carlos. “O nacional e o exótico”, In. Löwy, Michael.:Por um socialismo indoamericano. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.p.44. 83 MARIÁTEGUI, José Carlos. “O problema elementar do Peru”, In. Löwy, Michael.:Por um socialismo indoamericano. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.p.85. 84 MARIÁTEGUI, José Carlos. “O rosto e alma do Tahuantisuyo”, In. Löwy, Michael.:Por um socialismo indo-americano. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.p.92.
50
51
em causa é a dualidade entre o Peru litorâneo (criollo) que explora o Peru serrano (indígena), Mariátegui desloca o problema para o plano mais abrangente da integração nacional. É o fato de que “nossa organização política e econômica que necessita ser integramente revisada e transformada”: A unidade peruana está por fazer-se; e não se apresenta como um problema de articulação e convivência, nos limites de um Estado único, de vários pequenos Estados ou cidades livres. No Peru, o problema da unidade nacional é muito mais profundo, porque não há que resolver uma pluralidade de tradições locais ou regionais, mas uma dualidade de raça, de língua e de sentimento, oriunda da invasão e da conquista do Peru autóctone por uma etnia estrangeira, que não conseguiu fundir-se com a raça indígena, nem conseguiu eliminá-la ou absorvê-la 86.
Para Mariátegui o problema do índio é o problema da terra. Dito isso, o intelectual peruano aproxima-se da formulação de Lenin sobre a questão agrária na Rússia, onde diferentemente da Alemanha entre os anos de 1848 e 1871, na qual a criação de um estado unificado sintetizava a questão nacional, “é a questão agrária que encarna agora na Rússia a questão nacional do desenvolvimento burguês87”. Ou seja, para Mariátegui é a questão agrária, “cuja solidariedade com o problema do índio é demasiado evidente 88”, que encarna a questão nacional do desenvolvimento burguês no Peru. Esta afirmação se comprova quando ele afirma não existir um terceiro caminho para a questão, o Peru tem que optar entre o gamonal89 e o índio: O Peru tem que optar entre o gamonal e o índio. Este é o seu problema. Não existe um terceiro caminho. Apresentado este problema, todas as questões de arquitetura do regime [político-administrativo] passam a segundo termo. O que importa aos homens novos é que o Peru se pronuncie contra o gamonal, a favor do índio 90 .
E mais adiante Mariátegui certifica: esta questão não será resolvida enquanto subsistir a grande propriedade de terra, o feudalismo dos gamonales:
85
O Peru é uma república centralizada. Para Mariátegui a polêmica entre centralistas e federalistas é uma querela entre latifundiários. “A tendência federalista recruta adeptos entre os gamonales em desgraça com o poder central”, afirma o jornalista peruano. 86 MARIÁTEGUI, José Carlos. Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana . São Paulo: Editora Expressão Popular, 2008. p. 205 87
COUTINHO, Carlos Nelson. Cultura e sociedade no Brasil: ensaio sobre ideias e formas. 4ª edição. São Paulo. Editora Expressão Popular, 2011. p 209. 88 MARIÁTEGUI, José Carlos. Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana . São Paulo: Editora Expressão Popular, 2008. p. 53. 89 Típico representante dos grandes proprietários de terra no Peru. 90 MARIÁTEGUI, José Carlos. Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana . São Paulo: Editora Expressão Popular, 2008. p. 208.
51
52
Todas as teses sobre o problema indígena que ignoram ou aludem a este como problema econômico-social, são outros tantos exercícios teóricos – e às vezes apenas verbais – condenados a um descrédito absoluto. Nem a boa fé de algumas as salvam. Praticamente todas só serviram para ocultar ou desfigurar a realidade do problema. A crítica socialista a descobre e esclarece, porque busca suas causas na economia do país e não no seu mecanismo administrativo, jurídico ou eclesiástico, nem em sua dualidade ou pluralidade de raças, nem em suas condições culturais ou morais. A questão indígena nasce da nossa economia. Tem suas raízes no regime de propriedade da terra. Qualquer tentativa de resolvê-la com medidas de administração ou polícia, com métodos de ensino ou obras de estradas, constitui um trabalho superficial ou adjetivo, enquanto subsistir o feudalismo dos gamonales 91.
Mais uma vez, ele insiste: a liquidação do gamonalismo poderia ter sido realizada pela República, dentro dos princípios liberais e capitalistas. No entanto, este processo foi sabotado pelos grandes proprietários de terra encarregados da revolução da Independência. No Peru nunca existiu uma burguesia com sentido nacional, capaz de viabilizar a “revolução democrática e liberal”, a via clássica da revolução burguesa, democratizando a propriedade de terra e libertando os índios da servidão em que se encontravam. Não se trata, portanto, de acreditar que, no momento de crise do pensamento liberal, a incipiente burguesia peruana realizará essas mudanças. Para Mariátegui essas transformações só podem ser realizadas através da construção do socialismo. É impossível ser nacionalista ou revolucionário no Peru de Mariátegui, sem ser socialista: Esta liquidação do gamonalismo, ou do feudalismo, poderia ter sido realizada pela república dentro de princípios liberais e capitalistas. Mas, pelas razões que já assinalei esses princípios não dirigiram de maneira efetiva e plena nosso processo histórico. Sabotados pela própria classe encarregada de aplicá-los, durante mais de um século foram impotentes para redimir o índio de uma servidão que constituía um fato absolutamente solidário com o do feudalismo. Não é o caso de esperar que hoje, quando esses princípios estão em crise no mundo, adquira de repente, no Peru, uma insólita vitalidade criadora. O pensamento revolucionário, e mesmo o reformista, já não pode ser liberal, mas sim socialista. O socialismo aparece em nossa história não por força do acaso, de imitação ou de moda, como supõem os espíritos superficiais, mas sim como uma fatalidade histórica. E acontece que, enquanto, por um lado, os que professamos o socialismo propugnamos lógica e coerentemente a reorganização do país sobre bases socialistas e – constatando que o regime econômico e político que combatemos gradualmente se converteu numa força de colonização de capitalismos imperialistas estrangeiros – proclamamos que este é um momento de nossa história no qual não é possível ser efetivamente nacionalista e revolucionário sem ser socialista; por outro lado não existe no Peru, como jamais existiu, uma burguesia, com sentido nacional, que se professe liberal e democrática e que inspire sua política nos postulados de sua doutrina 92.
91
MARIÁTEGUI, José Carlos. Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana . São Paulo: Editora Expressão Popular, 2008. p. 53 92 MARIÁTEGUI, José Carlos. Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana . São Paulo: Editora Expressão Popular, 2008. p. 55.
52
53
3. NEM DECALQUE NEM CÓPIA: CRIAÇÃO HEROICA. Só me senti americano na Europa. Pelos caminhos da Europa, encontrei o país da América que deixara e no qual vivera quase como um estranho e ausente. A Europa me revelou até que ponto eu pertencia a um mundo primitivo e caótico; e, ao mesmo, tempo me impôs, me esclareceu o dever de uma tarefa americana 93.
Mariátegui retorna ao Peru em meados de 1923 e está convicto de sua tarefa americana. Esta tarefa consiste na concretização do seu projeto político: a inserção do Peru na modernidade revolucionária do século XX pela via do socialismo. O projeto mariateguiano, por um lado, compreende a dimensão da organização da cultura, dando organicidade a um movimento de intelectuais e artistas de vanguarda, tendo como objetivo a interpretação da realidade nacional e a valorização da cultura peruana, processo este que Escorsin (2008) identificou como a “peruanização da vanguarda” expresso prioritariamente nas páginas da revista Amauta. A outra dimensão do projeto de Mariátegui apoia-se na organização da classe trabalhadora peruana em sua luta por melhores condições de vida e pela construção do socialismo indo-americano, projeto materializado na construção do Partido Socialista do Peru (PSP), na Central Geral dos Trabalhadores Peruanos (CGTP) e no periódico Labor . E, como assinala Mariátegui, “no Peru, as massas – a classe trabalhadora – são indígenas na proporção de quatro quintos94”.
3.1
“Um intermezzo polêmico”: a relação entre Mariátegui e os indigenistas. Neste sentido, em seu retorno ao Peru, Mariátegui incidirá sobre a geração de jovens
intelectuais provenientes das lutas universitárias que ocorrem entre os anos 1919 e 1923. A vanguarda, a nova geração95 de intelectuais, a qual Mariátegui fará referência em diversos textos, terá como tema central de sua análise a questão indígena no Peru. Mariátegui se constituirá como um dos porta-vozes96 dessa nova geração e todo seu esforço será de identificar a questão indígena enquanto questão nacional e direcioná-la numa perspectiva revolucionária:
93
ESCORSIM, L. Mariátegui. Vida e obra. S. Paulo: Expressão Popular, 2006.p.XXX MARIÁTEGUI, José Carlos. “Indigenismo e Socialismo: intermezzo polêmico”, In. Löwy, Michael: Por um socialismo indo-americano . Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.p.81. 95 A vanguarda, a nova geração, designa um conjunto muito heterogêneo de jovens intelectuais peruanos, ainda num processo de definição teórica, ideológica e política, que não se completaria senão na passagem dos anos vinte aos trinta do século XX. Para Mariátegui os termos vanguarda e nova geração serão sinônimos até meados de 1926-27, anos no qual esta geração inicia seu processo de definição ideológica. 96 O outro porta-voz desta geração é certamente Haya de la Torre. 94
53
54
Para conhecer como sente e como pensa a nova geração, uma crítica leal e séria começará, sem dúvida, por averiguar quais são suas reivindicações. Compete-lhe constatar, por conseguinte, que a reivindicação capital de nosso vanguardismo é a reivindicação do índio. Este fato não tolera mistificações nem permite equívocos. Traduzido para uma linguagem inteligível a todos, inclusive para os conservadores o problema indígena apresenta-se como o problema de quatro milhões de peruanos. Exposto em termos nacionalistas – insuspeitáveis e ortodoxos -, apresenta-se como o problema da assimilação à nacionalidade peruana das quatro quintas partes da população do Peru 97.
Portanto, o empenho de Mariátegui é se diferenciar do nacionalismo conservador dos passadistas criollos, para quem a nacionalidade peruana é hispânica e latina. “O Peru, como representa essa gente, não descende do Incaico autóctone; descende do império estrangeiro que lhe impôs, há quatro séculos, sua lei, sua confissão e seu idioma98”. O indigenismo revolucionário da nova geração de intelectuais peruanos não se fundamenta numa perspectiva de restauração romântica do Império Inca. Baseia-se, sobretudo, numa perspectiva de solidariedade aos problemas atuais do índio, buscando construir uma pátria e uma nacionalidade aos povos que foram submetidos e conquistados pelos espanhóis: E seu indigenismo não é uma especulação literária nem um passatempo romântico. Não é um indigenismo que, como muitos outros, se resolve e se esgota numa inócua apologia do Império dos Incas e de seus faustos. Os indigenistas revolucionários, no lugar de um platônico amor ao passado incaico, manifestam uma ativa e concreta solidariedade com o índio hoje. Este indigenismo não sonha com utópicas restaurações. Sente o passado como uma raiz, mas não como um programa. Sua concepção da história e de seus fenômenos é realista e moderna. Não ignora nem esquece nenhum dos fatos históricos que nestes quatro séculos modificaram, com a realidade do Peru, a realidade do mundo. (...) No Peru, os que representam e interpretam a peruanidade são aqueles que, concebendo-a como uma afirmação e não como uma negação, trabalham para dar de novo uma pátria aos que, conquistados e submetidos pelos espanhóis, a perderam há quatro séculos e não a recuperaram ainda 99.
Deveza (2008) reconstrói o debate acerca da questão indígena no Peru. Este tema se intensifica na intelectualidade no período posterior a Guerra do Pacífico (1879-1884). A vitória dos chilenos após a ocupação militar de Lima revelou a fragmentação da sociedade e a
97
MARIÁTEGUI, José Carlos. “Nacionalismo e Vanguardismo: na ideologia política”, In. Bellotto, Manoel L. e Corrêa, Anna Maria M. (orgs). Mariátegui/Política. S.Paulo, Ática, col. Grandes Cientistas Sociais, 1982. P 104. 98 MARIÁTEGUI, José Carlos. “Nacionalismo e Vanguardismo: na ideologia política”, In. Bellotto, Manoel L. e Corrêa, Anna Maria M. (orgs). Mariátegui/Política. S.Paulo, Ática, col. Grandes Cientistas Sociais, 1982. P 105. 99 MARIÁTEGUI, José Carlos. “Nacionalismo e Vanguardismo: na ideologia política”, In. Bellotto, Manoel L. e Corrêa, Anna Maria M. (orgs). Mariátegui/Política. S.Paulo, Ática, col. Grandes Cientistas Sociais, 1982. P 106.
54
55
indiferença dos indígenas ante a “defesa da pátria”, ocasionando uma discussão acerca da identidade nacional peruana. Decorrente deste debate acerca da identidade nacional floresce a geração de intelectuais peruanos conhecida como a generación del 900, a antiga geração, a qual Mariátegui implicitamente fará referência, com sua subsequente divisão entre hispanistas e indigenistas. Intelectuais como José de la Riva Aguëro100 e Vitor Andrés Belaúnde101, ressaltaram a predominância de elementos da cultura hispânica na formação do Peru moderno. Enquanto em detrimento a esta concepção, o arqueólogo Julio O. Tello valorizou traços da tradição e do folclore indígena como constituidores da cultura nacional. Coube a Manuel González Prada102, destacado literato e intelectual anarquista, um papel protagonista na politização da questão indígena no Peru, denunciando as condições de exploração do índio e responsabilizando as classes dominantes pela fragmentação nacional. González Prada, do qual Mariátegui foi um interessado leitor, será o primeiro a relacionar o problema do índio ao domínio dos gamonales, situando o tema em sua dimensão social. Contudo, González Prada jamais constituiu um programa de reivindicações econômicas e sociais que tivesse como objetivo por fim ao problema do índio. Seus escritos acerca do tema são acima de tudo um brado à rebelião indígena: La condición del indígena puede mejorar de dos maneras: o el corazón de los opresores se conduele al extremo de reconocer el derecho de los oprimidos, o el ánimo de los oprimidos adquiere la virilidad suficiente para escarmentar a los opresores. Si el indio aprovechara en rifles y cápsulas [...] Al indio no se le predique humildad y resignación, sino orgullo y rebeldía. ¿Qué ha ganado con trescientos o cuatrocientos años de conformidad y paciencia? Mientras menos autoridades sufran, de mayores dañosse liberta. Hay un hecho revelador: reina mayor bienestar en las comarcas más distantes de las grandes haciendas, se disfruta de más orden y tranquilidad en los pueblos menos frecuentados por las autoridades. En resumen: el indio se redimirá merced a su esfuerzo propio, no por
100
José de la Riva Agüero y Osma (1885-1944) foi um historiador e político peruano. Catedrático da Universidade Nacional Maior de São Marcos (Lima). Foi membro da chamada "Generación del 900". Foi um escritor e entre suas obras se encontram tratados de direito, história do Peru, história da literatura, filosofia e religião. Dentre suas obras, destacam-se: Elogio do Inca Garcilaso de la Vega (1916) e o Peru histórico e artístico (1921). 101 Víctor Mario Rafael Andrés Belaúnde (1883-1966) foi um intelectual humanista, jurista, diplomata, e educador peruano. Um dos principais integrantes da "Generación del 900" e um dos personagens mais influentes da sociedade peruana. Chegou a ocupar a presidência da Assembleia Geral das Nações Unidas. Publicou várias obras, dentre elas: O Peru antigo e os métodos sociológicos (1908), A crise presente (1914), Meditações peruanas (1931). 102 José Manuel de los Reyes González de Prada y Álvarez de Ulloa, (Lima, 5 de janeiro de 1844 - Lima, 22 de julho de 1918), foi um escritor, pensador anarquista e poeta peruano. Foi a figura más discutida e influente nas letras e na política do Peru no último terço do século XIX. No plano literário é considerado o mais alto expoente do realismo peruano, assim como por suas inovações poéticas é denominado um dos percussores do modernismo americano. Como escritor publicou diversos livros: Páginas Livres (1894), Nossos Índios (1904) e Horas de Luta (1908)
55
56
la humanización de sus opresores. Todo blanco es, más o menos, un Pizarro, un Valverde o un Areche 103.
No início do século XX, a defesa dos indígenas peruanos será protagonizada pela Associação Pró-Indígena (API), fundada em 1909, por iniciativa de jovens intelectuais limenhos, dos quais se destacam Pedro Zulen e Dora Mayer. A API que tinha como característica um ponto de vista liberal e filantrópico da questão indígena, dissolve-se em 1916, dando lugar ao Comitê Central Pró-Direito Indígena Tawantisuyo que aglutinou diversos intelectuais radicais e lideranças indígenas em torno de um ideal de igualdade e justiça social, a ser conquistado através da mobilização indígena, amparada na constituição do Peru e no aparato legal do estado. O Comitê chegou a realizar com o apoio do governo Leguía, cinco congressos indígenas em Lima, entre 1921 e 1926, antes de ser interditado em 1927 por ação do próprio governo. Este panorama é importante para compreendermos “o conjunto de ideias e polêmicas que, no Peru dos anos vinte do século passado, giraram em torno da condição e do protagonismo dos índios na sociedade peruana104”, que chamamos de indigenismo e que teve como “condicionamento sócio-político, a movimentação indígena, que, acentuada no marco da crise da república oligárquica (de que o civilismo foi o episódio final) adentra no oncenio de Leguía105”. Durante este período ocorrem sucessivas sublevações indígenas no Peru, sempre com a sangrenta derrota dos insurgentes106 influenciando o pensamento social acerca da questão indígena no país107. Segundo Escorsin (2008): Essa movimentação, contudo, está ligada à dinâmica maior da sociedade peruana no período do oncenio: a expansão das relações capitalistas no conjunto do país (mas fortemente na serra) e o deslocamento do comando da dominação imperialista da Inglaterra para os Estados Unidos – em suma, a modernização leguiísta À época, o amplo rearranjo no bloco de poder e um realinhamento das classes sociais, assim como a emersão do proletariado urbano na cena política, contribuíram decisivamente para fornecer os quadros sociais do debate indigenista.
103
PRADA, Manuel González, Nuestros Indios In: ZEA, Leopoldo, Fuentes de la Cultura Latinoamericana, V.13, México D.F.: Fondo de Cultura Economica, 1997. P. 438. 104 ESCORSIM, L. J.C. Mariátegui: marxismo, cultura e revolução. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ, 2004.p.292. 105 ESCORSIM, L. J.C. Mariátegui: marxismo, cultura e revolução. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ, 2004.p.293 106 Das quais merecem menção a sublevação de Rumi Maqui (no Puno), em 1915, as matanças indígenas em Layo e Trocroyoc (províncias de Cannas e Espinar), em 1922 e as rebeliões em Ayacucho, La Mar, Tayacaja, Huancané, Azángaro e Quispicanchis, em 1924. 107 Fruto dessa movimentação será o surgimento, nos anos vinte, de uma série de organizações em defesa dos índios; enquanto o governo Leguía não girou decisivamente no rumo da ditadura (1923/1924), as próprias instâncias governamentais estimularam tais organizações, procurando, com elas, a formulação de uma política indigenista abrangente.
56
57
Neste sentido, este amplo rearranjo no bloco no poder e o realinhamento das classes sociais à qual Escorsin (2008) se refere produzirá o cenário da questão indígena encontrado por Mariátegui no seu retorno ao Peru, marcado pela existência de dois grandes campos intelectuais. O primeiro, composto por intelectuais de direita, cujos principais ideólogos eram Riva Aguëro, Manuel Villarán, Francisco Calderón e Vitor Andrés Belaúnde, que sem questionar as bases econômicas e sociais da sociedade peruana, buscavam a diminuição do poder dos gamonales, propugnando a resolução dos problemas indígenas através da educação e da catequização. O segundo campo aglutinará diversos intelectuais progressistas envolvidos com a problemática indígena e que terão apoio do governo Leguía através da Seção de Assuntos Indígenas, criada em 1921 no centenário da independência do Peru. Vale destacar que Leguía até meados de 1924 buscou sustentação para o seu governo no movimento indígena, permitindo que intelectuais comprometidos com a defesa dos direitos indígenas se articulassem com instâncias estatais para a formulação de uma política indigenista abrangente. Esta frente ampla progressista envolveu nomes diversos, tais como Germán Leguía y Martínez, Erasmo Roca, José Antonio Encinas, Hildebrando Castro Pozo, Félix Cosío e Luis E. Valcárcel, até meados de 1924, quando o acirramento da luta de classes no conflito entre indígenas e gamonales impõe uma inflexão no governo Leguía, que passa a adotar medidas repressivas ante o movimento indígena, implodindo esta frente progressista em diversos grupos. É justamente neste momento em que Mariátegui intervém no debate da questão indígena. Em 1924, e por ocasião da realização do quarto Congresso Indígena, Mariátegui escreve o artigo “O problema elementar do Peru”, no qual demarca com as concepções conservadoras e afirma o índio como centro da nacionalidade peruana. A questão indígena é vista em seus fundamentos econômicos e sociais e deve ser solucionada a partir da ação dos próprios índios: E o problema dos índios é o problema de quatro milhões de peruanos. É o problema de três quartos da população do Peru. É o problema da maioria. É o problema da nacionalidade. (...) Uma política realmente nacional, não pode prescindir do índio, não pode ignorar o índio. O índio é o alicerce da nossa nacionalidade em formação. (...) O problema do índio, que é o problema do Peru, não pode encontrar sua solução numa fórmula abstratamente humanitária. Não pode ser a consequência de um movimento filantrópico. As sociedades beneficentes de caciques e de rábulas são um escárnio. As ligas, como a extinta Associação Pró-Indígena, são uma voz que clama no deserto. A Associação Pró-Indígena sequer chegou a transformar-se em movimento. Sua ação reduziu-se, gradualmente, à ação pessoal generosa, abnegada, nobilíssima de Pedro S. Zulen. A experiência da Associação Pró-Indígena, como tal, foi uma experiência negativa. Serviu para atenuar, para medir a insensibilidade de uma geração e de uma época. A solução do problema do índio tem de ser uma solução social. Seus realizadores devem ser os próprios índios. Esta concepção faz
57
58
ver a reunião dos congressos indígenas como um fato histórico. Os congressos indígenas ainda não representam um programa, mas já representam um movimento. Indicam quem os índios começam a adquirir consciência coletiva da sua situação. O que menos importa no congresso indígena são seus debates e suas decisões. O decisivo, o histórico é o congresso em si mesmo. O congresso como afirmação da vontade da raça de formular suas reivindicações. Falta aos índios uma articulação nacional. Seus protestos sempre forma regionais. Isto contribuiu em grande parte para seu abatimento. Um povo de quatro milhões de homens, consciente de seu número, não desespera nunca do futuro. Os mesmos quatro milhões de homens, enquanto forem só uma massa inorgânica, uma multidão dispersa, serão incapazes de decidir seu rumo histórico 108.
A partir deste período, o indigenismo peruano, passa por um momento de maior definição ideológica, que com o decorrer do tempo se acentuará ganhando contornos político partidários, motivado prioritariamente pela cisão entre Haya de La Torre e Mariátegui. É neste sentido que podemos compreender a célebre polêmica que ocorre no ano de 1927, entre Mariátegui e Luis Alberto Sánchez. Sánchez participou juntamente com Haya de La Torre da geração da reforma universitária, tornando-se um reconhecido historiador e periodista peruano, catedrático da Universidad Nacional Mayor de San Marcos e durante a década de 30, um importante quadro político do Partido Aprista Peruano. Sánchez critica o indigenismo da nova geração de intelectuais peruanos, acreditando que sejam “ funestas desviaciones, debido al afán de calcar nacionalismos exóticos. Eso hay que terminarlo. Hay que seguir honradamente el propio criterio109”. Mais adiante Sánchez afirma: En lo que yo no convengo es en que se exalte ‘solo’ el elemento indígena, serrano, olvidando al cholo, olvidando al criollo; que se separe para crear, en vez de reunir; que se fomente odios en lugar de amparar cordialidades (...) Por eso mi afán de deslindar la oposición sistemática de algunos entre costa y sierra. Por eso mi deseo de llegar a una cooperación de todas las fuerzas vivas del Perú, de una integralización, de un totalismo, de un esfuerzo común, antes que seguir en la absurda declamación de un separatismo tendencioso y deslavazado 110
Mariátegui responde às críticas de Sánchez de forma contundente: O “indigenismo” dos vanguardistas não parece sincero a Luis Alberto Sánchez. Não tenho por que converter-me em fiador a sinceridade de ninguém. De mais a mais, cabe a Sánchez precisar sua acusação, especificando os casos em que se apoia. Por minha conta, o que afirmo é que, em relação à convergência ou articulação de “indigenismo” e socialismo, ninguém que considere o conteúdo e a essência das coisas pode surpreender-se. O socialismo ordena e define as reivindicações das 108
MARIÁTEGUI, José Carlos. “O problema elementar do Peru”, In. Löwy, Michael.: Por um socialismo indoamericano. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.p.88. 109 Pacarina del Sur - http://www.pacarinadelsur.com/home/abordajes-y-contiendas/45-disecciones-de-lageneracion-peruana-luis-alberto-sanchez-y-jose-carlos-mariategui-la-polemica-del-indigenismo 110 Pacarina del Sur - http://www.pacarinadelsur.com/home/abordajes-y-contiendas/45-disecciones-de-lageneracion-peruana-luis-alberto-sanchez-y-jose-carlos-mariategui-la-polemica-del-indigenismo
58
59
massas, da classe trabalhadora. E, no Peru, as massas – a classe trabalhadora – são indígenas na proporção de quatro quintos. Nosso socialismo, pois, não seria peruano – sequer seria socialismo – se não se solidarizasse, primeiramente, com as reivindicações indígenas. Nesta atitude, não se esconde nenhum oportunismo. Não se descobre nenhum artifício, se pensa por dois minutos no que é socialismo. Esta atitude não é postiça, fingida ou astuta é apenas socialista 111.
E conclui: O “indigenismo”, contra o qual reage belicosamente o espírito de Sánchez, não aparece exclusivamente, nem mesmo principalmente, como uma colaboração da inteligência ou do sentimento litorâneos. Sua mensagem vem, sobretudo, da cordilheira. Não somos “nós os litorâneos” os que agitamos, presentemente, a bandeira das reivindicações indígenas. São os habitantes da cordilheira; são particularmente, os de Cuzco. E, ademais, os mais insuspeitos. O “Grupo Ressurgimento” não foi inventado em Lima. Nasceu, espontaneamente, em Cuzco. E este grupo, com seu primeiro manifesto, é que se encarregou de responder ao sr. José Angel Escalante. Não há em mim nenhum dogmatismo. O que existe, certamente, é convicção, paixão, fervor. Creio que o próprio Luis Alberto Sánchez, generosamente, disse isto mais de uma vez. Meu espírito não é dogmático, mas afirmativo. Creio que os espíritos construtivos são os que se apoiam numa afirmação, sem temor exagerado à sua responsabilidade e às suas consequências. Minha posição ideológica está clara. Em todo caso, o que ainda está por esclarecer é a posição de Luis Alberto. Se nos ativermos a seu último artigo, teremos de considerá-lo, neste debate, um “expectador”. Eu sou um combatente, um agonista. Seguramente, é sobretudo por isso que não estamos de acordo 112.
3.2
Mariátegui e a Internacional Comunista. Mariátegui se torna marxista no período em que esteve na Europa (1919-1923), mais
especificamente no seu “mirante italiano”, no contexto do pós-primeira Guerra Mundial (1914-1919). Período marcado pela crise do liberalismo econômico, pela ascensão do fascismo e pelo triunfo da Revolução de Outubro. Também já assinalamos que Mariátegui acompanha de perto a crise do Partido Socialista Italiano (PSI), participando juntamente com César Falcón, do Congresso de Livorno, no qual ocorre a fundação do Partido Comunista Italiano (PCI). Mariátegui, portanto adere ao marxismo com referência no pensamento político da Internacional Comunista (IC). Deste modo, concordo com Escorsin (2008) quando afirma que “Mariátegui era um comunista (auto) formado nos quadros da Internacional” 113. Esta referência é importante, na medida em que será a partir do referencial teórico e político da Internacional Comunista que o
111
MARIÁTEGUI, José Carlos. “Indigenismo e Socialismo: intermezzo polêmico”, In. Löwy, Michael: Por um socialismo indo-americano . Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.p.110. 112 MARIÁTEGUI, José Carlos. “Indigenismo e Socialismo: intermezzo polêmico”, In. Löwy, Michael: Por um socialismo indo-americano . Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.p.111. 113 ESCORSIM, L. J.C. Mariátegui: marxismo, cultura e revolução. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ, 2004.p.395
59
60
jornalista peruano conceberá parte essencial da sua tarefa americana: a organização do proletariado peruano. Portanto, o Partido Socialista do Peru (PSP) fundado por Mariátegui e mais seis militantes em 1928, na casa do ferroviário Avelino Navarro114, num bairro pobre de Lima, foi concebido como “a vanguarda do proletariado, a força política que assume a tarefa da sua orientação e direção na luta pela realização dos seus ideais de classe115”. O PSP, em consonância com as posições da Internacional, adota como referencial ideológico o marxismo-leninismo, “adaptando sua práxis as circunstâncias concretas do país116”: O capitalismo encontra-se na sua fase imperialista. É o capitalismo dos monopólios, do capital financeiro, das guerras imperialistas pelo controle dos mercados e das fontes de matérias-primas. A prática do socialismo marxista, neste período, é a do marxismo-leninismo. O marxismo-leninismo é o método revolucionário da etapa do imperialismo e dos monopólios. O Partido Socialista do Peru adota-o como seu método de luta 117.
Além disso, Mariátegui será um adepto da política de frente única, característica da Internacional Comunista no período entre 1921 a 1928. Grosso modo, esta linha política afirmava que passado o período revolucionário que possibilitou a vitória da Revolução Russa, era necessário aos comunistas estabelecerem uma política de alianças mais ampla, inclusive com setores não revolucionários, tendo como objetivo a defesa dos interesses fundamentais da classe trabalhadora. O centro da tática das organizações comunistas no período consistia na acumulação de forças, visando principalmente sua inserção nas organizações de massa, com destaque para os sindicatos. A frente única será a essência da ação política desenvolvida por Mariátegui no Peru, entre o período do seu retorno da Europa em 1923 até sua morte em 1930. Mariátegui é um adepto da frente única, não simplesmente por reconhecer a IC como instância legítima de formulação política dos comunistas. Mas, sobretudo por acreditar que a política de frente única é a mais adequada à situação concreta vivenciada no Peru:
114
Estiveram presentes nesta reunião de fundação, os operários Júlio Portocarrero, Avelino Navarro, Hinojosa e Borja, o vendedor ambulante Bernardo Regman e o empregado de uma empresa de seguros, Ricardo Martínez de la Torre. Eles e Mariátegui formaram a “célula secreta dos sete”. 115 MARIÁTEGUI, José Carlos. “Princípios Programáticos do Partido Socialista do Peru”, In. Löwy, Michael: Por um socialismo indo-americano . Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.p.122. 116 MARIÁTEGUI, José Carlos. “Princípios Programáticos do Partido Socialista do Peru” In. Löwy, Michael: Por um socialismo indo-americano . Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.p.122. 117 MARIÁTEGUI, José Carlos. “Princípios Programáticos do Partido Socialista do Peru”, In. Löwy, Michael: Por um socialismo indo-americano . Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.p.123.
60
61
O movimento classista, entre nós, é ainda muito incipiente, muito limitado, para que pensemos em fracioná-lo e dividi-lo. Antes que chegue a hora, talvez inevitável, de uma divisão, cabe-nos a realização de muita coisa em comum, muito trabalho solidário. Temos que empreender juntos muitas e largas jornadas. Cumpre-nos, por exemplo, suscitar na maioria do proletariado peruano consciência de classe e sentimento de classe. Esta tarefa nos toca, igualmente, a socialistas e sindicalistas, a comunistas e libertários. Todos temos o dever de semear germes de renovação e difundir idéias classistas. Todos temos o dever de afastar o proletariado das assembléias amarelas e das falsas ‘instituições representativas’. Todos temos o dever de lutar contra os ataques e as repressões reacionárias. Todos temos o dever de defender a tribuna, a imprensa e a organização proletária. Todos temos o dever de sustentar as reivindicações da escravizada e oprimida raça indígena. No cumprimento desses deveres históricos, desses deveres elementares, encontrar-se-ão e juntar-se-ão nossos caminhos, qualquer que seja a nossa meta final. A frente única não anula a personalidade, não anula a filiação de nenhum dos que a compõem. Não significa a confusão nem o amálgama de todas as doutrinas em uma doutrina única. É uma ação contingente, concreta, prática. O programa da frente única considera exclusivamente a realidade imediata, fora de toda abstração e toda utopia. Preconizar a frente única não, pois, preconizar o confusionismo ideológico. Dentro da frente única, cada qual deve conservar sua própria filiação e seu próprio ideário. Cada qual deve trabalhar por seu próprio credo. Todos, porém, devem sentir-se unidos pela solidariedade de classe, vinculados pela luta contra o adversário comum, ligados pela mesma vontade revolucionária e pela mesma paixão renovadora. Formar uma frente única é ter uma atitude solidária ante um problema concreto, ante uma necessidade urgente. Não é renunciar à doutrina a que cada um serve nem à posição que cada um ocupa na vanguarda. A variedade de tendências e a diversidade de matizes ideológicos é inevitável nessa imensa legião humana que se chama proletariado. A existência de tendências e grupos definidos e precisos não é um mal; é, pelo contrário, o sinal de um período avançado do processo revolucionário. O que importa é que esses grupos e essas tendências saibam entender-se em face da concreta realidade imediata. Que não se esterilizem bizantinamente em exconfissões e excomunhões recíprocas. Que não afastem as massas da revolução com o espetáculo das querelas dogmáticas de seus predicadores. Que não empreguem suas armas nem dilapidem seu tempo em ferir-se uns aos outros, mas sim em combater a ordem social, suas instituições, suas injustiças e seus crimes 118.
Dito isso, me parece carecer de fundamentação a interpretação de alguns intelectuais, dentre os quais Aricó (1978) e Quijano (1991) acerca da relação entre Mariátegui e a Internacional Comunista, na qual estabelecem um conflito expresso ou latente entre o jornalista peruano e as posições políticas da IC. Pelo contrário, e neste ponto estou de acordo mais uma vez com Escorsin (2008), ao afirmar que as tensões existentes entre Mariátegui e a Internacional são naturais, divergências e discrepâncias produtos do conflito entre compreensões políticas distintas da tática a ser desenvolvida pelos comunistas e ocasionada principalmente pelo pouco conhecimento da Internacional Comunista acerca da realidade latino-americana.
118
MARIÁTEGUI, José Carlos. “O 1º de maio e a frente única”, In. Löwy, Michael: Por um socialismo indoamericano. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.p.165.
61
62
Como se sabe a política de frente única da Internacional Comunista, formulada por Lenin em 1921 e implementada de forma mais efetiva a partir de 1923, é revogada em 1928 no VI Congresso da Internacional Comunista. Neste congresso ocorre uma inflexão no centro da tática da Internacional para os partidos comunistas, um “giro esquerdista”, estabelecendo a política que ficou conhecida como “classe contra a classe119”, caracterizando o “terceiro período” da IC, demarcando uma oposição entre comunistas e socialdemocratas, os últimos considerados a “ala esquerda” do fascismo120. Também é neste mesmo congresso, em que a Internacional voltará seus olhos para os chamados “países semicoloniais” da América Latina. Deste modo, buscando seu enraizamento no subcontinente, a IC efetivará o funcionamento do Secretariado SulAmericano, existente desde 1925, mas dinamizado somente a partir de 1928, com a publicação do periódico Correspondencia Sudamericana121 e com a realização da I Conferência Comunista da América Latina, realizada em meados de 1929, em Buenos Aires. O Partido Socialista do Peru, do qual Mariátegui era secretário-geral, participa da Conferência em Buenos Aires, representado por dois de seus militantes, Júlio Portocarrero e Hugo Pesce, subscrevendo três documentos à conferência: os Princípios Programáticos do Partido Socialista do Peru, o Ponto de Vista Anti-imperialista e o Problema de Raças na América Latina, todos os documentos escritos por Mariátegui. É nesta conferência em que podemos compreender as tensões existentes entre Mariátegui e a Internacional, mas objetivamente no debate acerca da questão indígena e do caráter da revolução na América Latina. Mariátegui aprofunda sua elaboração acerca da temática racial iniciada nos 7 Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana, reafirmando o problema das raças na América Latina na sua compreensão econômica, política e social, atrelando o tema ao problema da terra e à liquidação da feudalidade. Para Mariátegui, o capitalismo é incapaz de resolver o referido problema no subcontinente: O capitalismo, como sistema econômico e político, manifesta-se incapaz, de na América Latina, da edificação de uma economia emancipada dos estigmas feudais. O preconceito de inferioridade da raça indígena permite-lhe uma exploração máxima 119
ESCORSIM, L. J.C. Mariátegui: marxismo, cultura e revolução. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ, 2004.p.406. 120 ESCORSIM, L. J.C. Mariátegui: marxismo, cultura e revolução. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ, 2004.p.406. 121 Revista quinzenal editada pelo Secretariado Sul-americano da Internacional Comunista, que englobava ainda os PCs da América Central e México. Editada em Buenos Aires, circulou no período de junho de 1927 a setembro de 1927 e de agosto de 1928 até maio de 1930.
62
63
desta raça, e não está disposto a renunciar a esta vantagem, de que tantos proveitos obtêm 122.
Para o imperialismo a situação de opressão e miséria em se encontram as populações indígenas na América Latina, apresenta-se como forma de aumentar a exploração da mão-deobra indígena, maximizando ainda seus lucros, tudo isso com a leniência das burguesias nacionais: Para o imperialismo ianque ou inglês, o valor econômico destas terras seria muito menor, se com suas riquezas naturais não possuíssem uma população indígena atrasada e miserável a qual, com o concurso das burguesias nacionais, é possível explorar integralmente. A história da indústria açucareira peruana, atualmente em crise, demonstra que seus rendimentos repousaram, antes de tudo, no baixo custo da mão-de-obra123.
O preconceito de raça diante dos indígenas revela a natureza associada do imperialismo e as burguesias nacionais. A solidariedade entre as classes dominantes soma-se ao desprezo com que estas tratam a população negra ou indígena, este sentimento que tende a se espalhar pelas classes médias, torna as burguesias nacionais instrumentos do imperialismo: A raça tem, primeiramente, esta importância na questão do imperialismo. Mas tem também outro papel, que impede assimilar o problema da luta pela independência nacional nos países da América com forte percentagem de população indígena, da mesma forma que na Ásia ou na África. Os elementos feudais ou burgueses, em nossos países, sentem pelos índios, como pelos negros e mulatos, o me smo desprezo que os imperialistas brancos. O sentimento racial desempenha nesta classe dominante um sentimento absolutamente favorável à penetração imperialista. Entre o senhor ou o burguês crioulo e seus peões de cor, não há nada de comum. A solidariedade de classe se soma à solidariedade de raça ou de preconceito para fazer das burguesias nacionais instrumentos dóceis do imperialismo ianque ou britânico. Este sentimento estende-se a grande parte das classes médias, que imitam a aristocracia e a burguesia no desprezo pela plebe de cor, ainda que sua própria mestiçagem seja muito evidente 124.
Apesar dessa caracterização geral, Mariátegui identifica que a questão racial na América Latina apresenta proporções e características diferentes, de acordo com o processo de miscigenação e assimilação cultural ocorrido em cada país. Deste modo Mariátegui construirá uma espécie de tipologia da questão racial na América Latina, onde países tais como Peru, Bolívia e o Equador, de tipo “incaico”, nos quais a maior parte da população é indígena, “a reivindicação do índio é a reivindicação popular e social dominante”. Nestes 122
MARIÁTEGUI, José Carlos. “O problema das raças na América Latina”, In. Bellotto, Manoel L. e Corrêa, Anna Maria M. (orgs). Mariátegui/Política. S.Paulo, Ática, col. Grandes Cientistas Sociais, 1982. P 51. 123 MARIÁTEGUI, José Carlos. “O problema das raças na América Latina”, In. Bellotto, Manoel L. e Corrêa, Anna Maria M. (orgs). Mariátegui/Política. S.Paulo, Ática, col. Grandes Cientistas Sociais, 1982. P 52. 124 MARIÁTEGUI, José Carlos. “O problema das raças na América Latina”, In. Bellotto, Manoel L. e Corrêa, Anna Maria M. (orgs). Mariátegui/Política. S.Paulo, Ática, col. Grandes Cientistas Sociais, 1982. P 53.
63
64
países o fator raça confunde-se com fator classe. Em países de tipo “asteca”, tais como o México e a Guatemala, o percentual de indígenas é tão grande, e a mestiçagem é tão ampla, que as características raciais indígenas são características nacionais. Já em caso de países como o Brasil e a Colômbia, onde o contato com os europeus foi muito violento e a miscigenação muito grande, predomina na questão indígena, o tipo “silvícola”, onde a população índia foi reduzida a grupos segregados do litoral, isolados da economia nacional: O problema das raças não é comum a todos os países da América Latina, nem apresenta, naqueles em que é relevante, as mesmas proporções e características. Enquanto, em alguns países, tem uma importância reduzida ou uma localização regional, de modo que não influi apreciavelmente no processo sócio-econômico, em outros coloca-se de forma imperativa 125.
A Internacional baseando-se na interpretação de Lenin acerca das nacionalidades defendeu o direito dos indígenas latino-americanos à autodeterminação, incluindo o direito de separar-se das estruturas estatais opressoras e a constituição de uma República Indígena entre os povos quéchua e aymará na região dos Andes: [...] O problema dos índios, onde adquire uma forma aguda, é uma questão nacional (e não somente uma questão agrária) e [exige] que desde já a vinculemos à palavra de ordem da autodeterminação [..] 126.”
Mariátegui, que como vimos anteriormente relaciona a questão indígena ao socialismo, discordará da resolução do IV Congresso da Internacional Comunista que prevê como solução para o problema das raças nos países do continente americano, a constituição de um estado indígena autônomo: [...] A constituição da raça índia num Estado autônomo, no momento atual, não conduziria à ditadura do proletariado indígena nem, menos ainda, à formação de um Estado indígena sem classes [...] conduziria à constituição de um Estado indígena burguês, com todas as contradições internas e externas dos Estados burgueses 127.
Para Mariátegui a proposta de autodeterminação apresentada pela IC parecia uma transposição mecânica do problema soviético, que não guardava qualquer correspondência com a realidade estudada pelo jornalista nos seus Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana. A relação estabelecida por Mariátegui desde seu retorno ao Peru com trabalhadores e camponeses indígenas, bem com os intelectuais indigenistas de vanguarda, mostrava-lhe que 125
MARIÁTEGUI, José Carlos. “O problema das raças na América Latina”, In. Bellotto, Manoel L. e Corrêa, Anna Maria M. (orgs). Mariátegui/Política. S.Paulo, Ática, col. Grandes Cientistas Sociais, 1982. P 56. 126 ESCORSIM, L. J.C. Mariátegui: marxismo, cultura e revolução. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ, 2004.p.415. 127 ESCORSIM, L. J.C. Mariátegui: marxismo, cultura e revolução. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ, 2004.p.416.
64
65
as reivindicações das maiorias indígenas peruanas giravam em torno do problema da terra e da opressão dos gamonales, antes do que uma afirmação étnico-cultural. Dito isso, as tensões estabelecidas entre Mariátegui e a Internacional Comunista residem acima de tudo numa incompreensão acerca da formação social latino-americana, do qual a adoção por parte da IC da tese da autodeterminação dos povos quéchua e aymara, caracterizam um processo mais profundo de burocratização no qual ingressa a Internacional Comunista a partir de 1928 e que Claudín (1972) identificou como “paralisia teórica”.
3.3
O Socialismo Indo-Americano. Tenho uma declarada e enérgica ambição: contribuir para a criação do socialismo peruano128
A síntese e o objetivo central do projeto mariateguiano para o Peru é a construção do socialismo indo-americano. Neste ponto, Mariátegui se diferencia tanto das formulações da Internacional Comunista, que defendia para os países semicoloniais da América Latina uma revolução em dois momentos, uma primeira etapa democrático-burguesa conduzida pela burguesia nacional (supostamente com interesses antagônicos ao imperialismo) e uma segunda etapa socialista protagonizada pelo proletariado. Mas também as formulações de Mariátegui serão bastante distintas das de Haya de La Torre e do seu kuomitang latinoamericano. Mariátegui tem como ponto de partida para sua concepção de socialismo, a análise concreta da sociedade peruana, intimamente investigada em sua obra os Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana e desenvolvida no documento Princípios Programáticos do Partido Socialista do Peru. Destas obras decorrerão uma análise histórica da conformação do Peru moderno, e o caráter colonial de sua economia. Para Mariátegui, existe uma conexão entre o processo de mundialização da economia capitalista e à natureza internacional do movimento revolucionário, na qual as próprias circunstâncias nacionais estão subordinadas ao ritmo da história mundial. O capitalismo contemporâneo em sua fase superior imperialista destina aos países semicoloniais da América Latina uma posição subalterna na economia internacional, determinando sua produção nacional, para atender aos interesses do mercado mundial. O Peru republicano caracterizado por uma burguesia incipiente e dependente do imperialismo sequer consegue desenvolver um 128
ESCORSIM, L. Mariátegui. Vida e obra. S. Paulo: Expressão Popular, 2006.p.127.
65
66
programa de nacionalização e fortalecimento de sua indústria, limitando o seu papel a um país produtor de matérias primas: A economia pré-capitalista no Peru republicano, pela ausência de uma classe burguesa vigorosa e pelas condições nacionais e internacionais que determinaram o lento avanço do país na via capitalista, não pode libertar-se sob regime burguês enfeudado aos interesses imperialistas, mancomunado com a feudalidade gamonalista e clerical - das taras e resíduos da feudalidade colonial 129.
Obviamente, Mariátegui não delirava, supondo que a revolução tivesse no Peru, um caráter imediatamente socialista e proletário: o que ele sustentava era que as tarefas próprias da etapa democrático-burguesa não poderiam dada a natureza da burguesia peruana, ser realizadas senão pelo proletariado, este, seria o condutor, desde o princípio, do processo. Deste modo, na ausência de uma burguesia vigorosa, não faz sentido uma etapa democrático-burguesa conduzida pela burguesia, tal como concebia a IC. Somente a ação das massas trabalhadoras peruanas em sua luta contra o imperialismo tem a capacidade de emancipar a economia peruana do seu destino colonial, realizando as tarefas democrático burguesas não realizadas pela burguesia do Peru: O destino colonial do país retoma seu processo. A emancipação da economia do país só é possível por meio da ação das massas proletárias solidárias com a luta antiimperialista mundial. Só a ação proletária pode, primeiro, estimular e, depois, realizar as tarefas da revolução democrático-burguesa, que o regime burguês é incompetente para desenvolver e cumprir 130.
Para o jornalista peruano existe uma relação orgânica entre a realização das tarefas democráticas e a construção do socialismo. Neste sentido, para Mariátegui, não se trata de duas revoluções, uma burguesa e outra socialista. No bojo da revolução socialista, o proletariado realiza estas tarefas democráticas, fundamentais para a conquista do poder político, e na medida em que elas se desenvolvem, a revolução vai adquirindo seu caráter socialista: Cumprida sua etapa democrático-burguesa, a revolução torna-se revolução proletária nos seus objetivos e na sua doutrina. O partido do proletariado, capacitado na luta pelo exercício do poder e pelo desenvolvimento do próprio programa, realiza nesta etapa as tarefas de organização e defesa da ordem socialista 131.
129
MARIÁTEGUI, José Carlos. “Princípios Programáticos do Partido Socialista do Peru”, In. Löwy, Michael: Por um socialismo indo-americano . Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.p.123. 130 MARIÁTEGUI, José Carlos. “Princípios Programáticos do Partido Socialista do Peru”, In. Löwy, Michael: Por um socialismo indo-americano . Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.p.123. 131 MARIÁTEGUI, José Carlos. “Princípios Programáticos do Partido Socialista do Peru”, In. Löwy, Michael: Por um socialismo indo-americano . Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.p.124.
66
67
Destarte, Mariátegui observa na sobrevivência dos ayllus, nas comunidades agrícolas indígenas, bem como na grande empresa agrícola, elementos de uma solução socialista da questão agrária no Peru. A preservação da pequena propriedade indígena não deve ser confundida com um processo romântico de reconstrução do Império inca. Segundo Mariátegui, o socialismo não pode prescindir do desenvolvimento técnico-científico da civilização moderna: O socialismo vê tanto na subsistência das comunidades quanto nas grandes empresas agrícolas os elementos de uma solução da questão agrária, solução que vai tolerar, em parte, a exploração da terra por pequenos agricultores, ali onde o yanaconazgo ou a pequena propriedade recomendem deixar a gestão individual - enquanto se avança na gestão coletiva da agricultura - as zonas nas quais este tipo de exploração prevalece. Mas isto, tanto quanto o estímulo que se conceda ao livre ressurgimento indígena, à manifestação criadora das suas forças e do seu espírito nativo, não significa absolutamente uma romântica e anti-histórica tendência de reconstrução ou ressureição do socialismo inca, que correspondeu à condições históricas completamente superadas e do qual só restam, como fator aproveitável dentro de uma técnica de produção perfeitamente científica, os hábitos de cooperação e socialismo dos camponeses indígenas. O socialismo pressupõe a técnica, a ciência, a etapa capitalistas e não pode implicar o menor retrocesso na aquisição das conquistas da civilização moderna, mas, pelo contrário, a máxima e metódica aceleração da incorporação destas conquistas à vida nacional 132.
Neste ponto, o jornalista peruano aproxima-se da reflexão feita por Marx no prefácio realizado à segunda edição russa do Manifesto Comunista. O filósofo alemão se perguntava acerca das possibilidades da antiga propriedade comunal russa servir como ponto de partida para o desenvolvimento comunista, ou se era necessário aos camponeses russos percorrer o mesmo caminho de desenvolvimento dos países ocidentais. Marx até então condicionava este processo ao fato do triunfo de uma revolução na Rússia ser acompanhada pela vitória de uma revolução proletária nos países da Europa ocidental: O Manifesto Comunista tinha por tarefa proclamar a inevitavelmente iminente dissolução da propriedade burguesa moderna. Mas na Rússia encontramos, face à trapaça capitalista em rápido florescimento e à propriedade fundiária burguesa que precisamente só agora se começa a desenvolver, mais de metade do solo na posse comum dos camponeses. Pergunta-se agora: poderá a Obchtchina russa(*) — uma forma, ainda que fortemente minada, da antiquíssima posse comum do solo — transitar imediatamente para a [forma] superior da posse comum comunista? Ou, inversamente, terá de passar primeiro pelo mesmo processo de dissolução que constitui o desenvolvimento histórico do Ocidente? A única resposta a isto que hoje em dia é possível é esta: se a revolução russa se tornar o sinal de uma revolução proletária no Ocidente, de tal modo que ambas se completem, a actual propriedade comum russa do solo pode servir de ponto de partida de um desenvolvimento comunista133. 132
MARIÁTEGUI, José Carlos. “Princípios Programáticos do Partido Socialista do Peru”, In. Löwy, Michael: Por um socialismo indo-americano . Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.p.123. 133 MARX, K. ; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. 9. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999. P. 11.
67
68
Mariátegui no célebre editorial da revista Amauta, intitulado Aniversário e Balanço demarca sua posição socialista em contraposição a Haya de La Torre e da Aliança Popular Revolucionária Americana (APRA), que defendia a existência de um espaço-tempo americano distinto do europeu. Assim sendo, o marxismo, acusado de europeizado, não teria validade revolucionária no continente. Para Haya de La Torre a revolução latino-americana tinha um caráter nacional e anti-imperialista, sendo dirigida por uma aliança de quatro classes sociais (a burguesia nacional, as classes médias, o proletariado e os camponeses), sendo hegemonizada pelas classes médias. No referido texto, Mariátegui afirma de forma incisiva que a revolução no continente americano é uma etapa da revolução mundial. Nas condições concretas da América Latina a revolução socialista será uma revolução agrária, nacional e anti-imperialista: A própria palavra Revolução, nesta América de pequenas revoluções, presta-se a muitos equívocos. Temos de reivindica-la rigorosa e intransigentemente. Temos de restituir-lhe seu sentido estrito e cabal. A revolução latino-americana será uma etapa, uma fase da revolução mundial, nada mais, nada menos. Será, pura e simplesmente, a revolução socialista. A esta palavra acrescentem, segundo os casos, todos os adjetivos que quiserem: “anti-imperialista”, “agrarista”, “nacionalistarevolucionária”. O socialismo os supõe, os antecede, abrange-os a todos 134.
Noutro texto chamado Ponto de Vista Anti-imperialista, Mariátegui oferece mais elementos de sua polêmica com Haya de La Torre. Assinalando que a situação peruana (e, de forma mais ampla, a latino-americana) não pode ser pensada em analogia com a chinesa – tal como pensava Haya -, Mariátegui salienta que a articulação de modos de produção diversos em sua economia, mais a forma do desenvolvimento capitalista comandado pelo imperialismo, não confere à burguesia e à pequena burguesia condições de desenvolver uma política anti-imperialista consequente: O antiimperialismo para nós, não constitui nem pode constituir, por si só, um programa político, um movimento de massas apto para a conquista do poder. O antiimperialismo, admitido que pudesse mobilizar, ao lado das massas operárias e camponesas, a burguesia e a pequena burguesia nacionalistas (já negamos terminantemente esta possibilidade), não anula o antagonismo entre as classes, não suprime sua diferença de interesses 135.
134
MARIÁTEGUI, José Carlos. “Aniversário e Balanço”, In. Löwy, Michael: Por um socialismo indoamericano. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.p.119. 135
MARIÁTEGUI, José Carlos. “Ponto de vista anti-imperialista”, In. Löwy, Michael: Por um socialismo indoamericano. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.p.132.
68
69
Por fim, Mariátegui esclarece “O socialismo não é, certamente, uma doutrina indoamericana. Mas nenhuma doutrina, nenhum sistema contemporâneo não é nem pode sê-lo”, e embora o socialismo, tal como o capitalismo tenha nascido na Europa, tampouco são especificamente europeus. Trata-se de um movimento mundial, dentro da órbita da civilização ocidental. A Indo-América se encontra dentro desta ordem mundial, ela “pode e deve ter individualidade de estilo, mas não uma cultura e nem um destino particulares”. Deste modo, Mariátegui conclui afirmando: Não queremos, certamente, que o socialismo seja na América decalque e cópia. Deve ser criação heroica. Temos de dar vida, em nossa própria realidade, na nossa própria linguagem, ao socialismo indo-americano. Eis uma missão digna de uma geração nova 136.
136
MARIÁTEGUI, José Carlos. “Aniversário e Balanço”, In. Löwy, Michael: Por um socialismo indoamericano. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005. p.120.
69
70
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Deste modo, acredito que a originalidade do pensamento de Mariátegui acerca da questão indígena na América Latina, deva ser compreendida dentro de um contexto histórico mais amplo, no qual a sua trajetória de vida está intimamente relacionada à singularidade da sua produção intelectual. Dito de outro modo, o fato de Mariátegui ser nascido numa família pobre e tornar-se intelectual a partir da sua experiência prática nos jornais de Lima, o diferenciava, dentre outros, da geração de intelectuais de vanguarda formados no movimento estudantil no contexto da luta pela reforma universitária no Peru. Intelectuais com quem Mariátegui irá interagir, buscando aglutiná-los em torno da revista Amauta, desde seu retorno ao Peru em 1923 até sua morte em 1930. Da mesma forma, a breve experiência desenvolvida por Mariátegui na revista Colónida, através do pseudônimo de Juan Croniqueur, no combate ao academicismo e à tradicional política criolla, são fundamentais para compreendermos a originalidade de seu pensamento. Neste sentido, penso que não haja uma oposição entre a experiência intelectual desenvolvida por Mariátegui durante o período que denominamos de “idade da pedra” e a produção intelectual da “idade da revolução”, intervalo de tempo estudado de forma mais profunda nesta pesquisa. A chave para esta compreensão reside numa entrevista concedida por Mariátegui à Angela Ramos, publicada no periódico Mundial no ano de 1926. Mariátegui, questionado acerca da formação das suas aspirações políticas e literárias, descreve um processo no qual o seu amadurecimento intelectual ao mesmo tempo em que conserva elementos da sua compreensão de mundo enquanto jovem, os supera de forma dialética: Sou pouco autobiográfico. No fundo, não estou muito seguro de ter mudado. Seria eu, na minha adolescência literária, aquilo que os outros acreditavam, aquilo que eu mesmo acreditava ser? Penso que as expressões e os gestos iniciais não definem um homem em formação. Se na adolescência minha atitude foi mais literária e estética do que religiosa e política, não há razão para surpresa. Esta é uma questão de trajetória e uma questão de época. Amadureci mais do que mudei. O que existe em mim agora existia em mim embrionariamente quando eu tinha vinte anos e escrevia disparates que não sei por que as pessoas ainda lembram. No meu caminho, encontrei uma fé. Mas encontrei-a por que partira muito cedo em busca de Deus. Sou uma alma agônica, como diria Unamuno. (Agonia, tal como Unamuno com muita razão observa, não é morte e, sim, luta. Aquele que combate agoniza.) Há alguns anos teria escrito que só ambicionava realizar minha personalidade. Agora
70
71
prefiro dizer que ambiciono cumprir meu destino. Na verdade, tudo isso quer dizer a mesma coisa. O que sempre me aterrorizou é trair-me a mim mesmo. Minha sinceridade é a única coisa a que não renunciei e renunciarei sempre, sem arrepender-me137.
Igualmente importante, é o “mirante italiano” escolhido por Mariátegui para viver durante seu estágio europeu (1919-1923), onde realiza parte considerável de seus estudos dos clássicos, amadurecendo suas concepções políticas e intelectuais, culminando na sua adesão ao marxismo. Num contexto marcado pelo pós-guerra, pelo triunfo da Revolução Russa e pelo advento do fascismo na Itália, no qual o marxismo exercerá uma grande capacidade de atração na intelectualidade progressista do período. Ao mesmo tempo, as concepções marxistas de Mariátegui serão muito características de um tipo de marxismo identificado com a tradição da Internacional Comunista, que tinha como centro a crítica às concepções positivistas e evolucionistas da história, nas quais o socialismo é produto do desenvolvimento econômico e do desenvolvimento das forças produtivas, típicas da Internacional Socialista. É neste sentido que devemos compreender as incursões de Mariátegui a Georges Sorel. Portanto, Mariátegui adere ao marxismo-leninismo da IC, no bojo de um processo de renovação do marxismo na qual a análise da realidade nacional era fundamental para o triunfo da revolução nos países semicoloniais da América Latina. Neste sentido, ficam evidentes as motivações teóricas da polêmica com Haya de La Torre, fundador da Aliança Popular Revolucionária Americana, que não à toa criticava as posições socialistas de Mariátegui, acusando-o de europeizado. No entanto, só é possível compreender as diferenças de análise com a Internacional Comunista, se pensarmos que Mariátegui é um dirigente político que estabelece uma relação orgânica com o movimento indígena e com intelectuais indigenistas, num contexto de transição e crise do civilismo e conformação, durante o oncenio leguista, do Peru moderno. Aliás, um país dependente, com forte componente étnico, no qual, segundo dados fornecidos por Mariátegui, quatro quintos da população são compostos por indígenas. E na medida em que compreende a singularidade do seu país, identifica a necessidade da investigação da realidade como uma tarefa política e parte essencial de seu projeto revolucionário. Os Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana, obra que certamente é um marco fundamental na constituição de um pensamento marxista genuinamente latino137
MARIÁTEGUI, José Carlos. “Uma entrevista com José Carlos Mariátegui”, In. Löwy, Michael: Por um socialismo indo-americano. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005. p.96.
71
72
americano, tem como motivação central, compreender a realidade do Peru para transformá-la. Processo descrito com muita sabedoria por Escorsin (2008), como a “peruanização da vanguarda”. O estudo da realidade peruana empreendido por Mariátegui nos Sete Ensaios tem como novidade fundamental para o marxismo no continente, a descoberta de uma via não clássica da revolução burguesa no Peru. A revolução da Independência (1821-1824) protagonizada pela elite criolla em aliança com nascente burguesia peruana, num amplo processo de solidariedade continental contra a dominação espanhola, marginalizou a participação da população camponesa indígena, deixando intacta a estrutura agrária herdada dos tempos de colônia. Outro aspecto inovador dos Sete Ensaios reside na afirmação mariateguiana do caráter incipiente da burguesia peruana e de sua incapacidade de levar a cabo uma revolução de caráter nacional e anti-imperialista. Posição bastante distinta da interpretação que se tornará hegemônica nos partidos comunistas durante as décadas de 30 e 40 do século XX. Ao adotarem a elaboração da IC acerca da teoria das formações sociais e afirmarem o caráter universal dos cinco modos de produção como estágios obrigatórios do desenvolvimento da humanidade, os partidos comunistas transplantaram mecanicamente para América Latina, a elaboração de Marx acerca do desenvolvimento capitalista na Europa ocidental. Os comunistas latino-americanos, devido a sua incompreensão da realidade nacional, terminaram por classificar a formação social do continente como semifeudal e defenderam a necessidade de uma revolução burguesa protagonizada pela burguesia nacional. Como sabemos a consequência política desta análise na América Latina foi a desastrosa postura passiva dos partidos comunistas perante a burguesia nacional, ficando paralisados diante dos diversos golpes militares ocorridos no continente durante as décadas de 60 e 70. Caio Prado Júnior em sua obra a Revolução Brasileira (1977) denuncia a paralisia da qual foi acometida o Partido Comunista Brasileiro (PCB) diante do Golpe Militar em 1964, relacionando esta passividade com a crença disseminada entre os comunistas brasileiros da existência de uma burguesia nacional progressista e antagônica ao imperialismo. Ou quando os partidos comunistas ficaram à margem dos processos revolucionários, tais como os ocorridos em Cuba (1953 -1959) e na Nicarágua (1972-1979). Deixando de cumprir o que Darcy Ribeiro chamou de sua vocação revolucionária. Não à toa estes processos ocorrem por fora dos PC´s. Justamente revoluções que combinaram a realização das tarefas democráticas pela classe trabalhadora com a luta pelo socialismo. 72
73
Destarte, penso que no campo teórico e da análise da formação social, Mariátegui é percussor de uma estratégia revolucionária, que em nosso país tiveram correspondência em intelectuais tais como Caio Prado Junior (1977) e Florestan Fernandes (1975). No campo partidário suas concepções encontram semelhanças nas formulações do Projeto Democrático e Popular do Partido dos Trabalhadores, datado de 1987. Além disso, Mariátegui inova na sua concepção de socialismo. Uma revolução calcada na história nacional, que ao mesmo tempo em que reivindica as tradições, a memória do Peru incaico, não abre mão do desenvolvimento conquistado pela civilização ocidental. A história peruana fora reivindicada não pelos tradicionalistas, mas pelos revolucionários. Os limites e contradições da produção de intelectual de Mariátegui nos parecem claros também. A sua formação marxista precária, levou-o a afirmar o caráter socialista do Império Inca. Uma clara incompreensão do conceito marxista de modo de produção e um total desconhecimento do conceito marxiano de modo de produção asiático. Da mesma forma Mariátegui não conseguiu fugir de classificar o modo de produção desenvolvido na colônia como feudal. Estudos mais contemporâneos de Jacob Gorender (1992) e Ciro Flamarion Cardoso (1973) revelam a existência de um modo de produção específico durante a colonização da América: o modo de produção escravista colonial. No entanto, Gebran (1978) contextualiza estas contradições no seio da tradição da Internacional Comunista como decorrente do debate político interno a IC e ao desconhecimento de obras fundamentais de Marx, tais como a Ideologia Alemã. Por fim, este estudo buscou abordar uma dimensão da obra de Mariátegui, tomando a questão indígena como uma chave heurística para compreendermos a originalidade do seu pensamento acerca da formação social e da revolução latino-americana. No entanto, sua vasta obra extrapola os limites desta questão. Mariátegui produziu uma sólida análise da ascensão do fascismo na Itália, bem como analisou diversos processos pelo mundo, tais como as Revoluções Russa, Mexicana e Chinesa, que não puderam ser abordadas neste trabalho, mas que mereciam um estudo mais profundo. Mariátegui analisou de forma original a realidade peruana, mas compreendia a revolução latino-americana, como uma etapa fundamental para a revolução mundial. Como todo quadro dirigente formado na tradição da Internacional Comunista.
73
74
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas : reflexões sobre a origem e difusão do nacionalismo. São Paulo. Companhia das Letras, 2008. AMAYO, E. e SEGATTO, J. A. (Orgs.). J. C. Mariátegui e o marxismo na América Latina.Araraquara/S. Paulo: UNESP/Cultura Acadêmica, 2002. ARICÓ, José. O marxismo latino-americano nos anos da Terceira Internacional In: HOBSBAWM, ERIC (org).. Historia do Marxismo na Época da Terceira Internacional : O Novo Capitalismo,o Imperialismo, o Terceiro Mundo, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. BARSOTTI, P. e PERICÁS, L. B. (orgs.). América Latina. História, idéias e revolução. S.Paulo: Xamã, 1998. BELLOTTO, M. e CORRÊA, A. M. (orgs.). Mariátegui. Política. S. Paulo: Ática, 1982. CARDOSO, Ciro Flamarion Santana. "Sobre los modos de producción coloniales en
América". In: ASSADOURIAN, Carlos Sempat. et al."Modos de producción, en América Latina". Cuadernos Pasado y Presente. Córdoba. 1973. CASANOVA, Pablo González (org). America Latina: História de meio século . Brasília: Editora Universidade de Brasília. 1988 CLAUDIN, Fernando. A Crise do Movimento Comunista (V. 1: A Crise Internacional Comunista; V. 2: O Apogeu do Stalinismo), Global, SP, 1985-1986. COUTINHO, Carlos Nelson. Cultura e sociedade no Brasil: ensaio sobre ideias e formas. 4ª edição. São Paulo. Editora Expressão Popular, 2011. ESCORSIM, L. Mariátegui. Vida e obra. S. Paulo: Expressão Popular, 2006. ESCORSIM, Leila. J.C. Mariátegui: Marxismo, Cultura e Revolução, (Tese de Doutorado), Rio de Janeiro: UFRJ, 2004. FALCON, Francisco, “História das Idéias”. In: CARDOSO, C.F. e VAINFAS, R.(Orgs.), Domínios da História: Ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro, Campus, 1997, pp.91-125. FERNANDES Florestan, A revolução burguesa no Brasil: um ensaio de interpretação sociológica. 2ª ed. Rio de Janeiro, Zahar, 1975. 74
75
GEBRAN, Philomena (org). Conceito de Modo de Produção. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1978. GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. Editora Ática. São Paulo. 1992. GRAMSCI, A. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968. HOBSBAWM, E. (org.). História do marxismo. VIII. O marxismo na época da Terceira Internacional: o novo capitalismo, o imperialismo, o Terceiro Mundo. Rio de Janeiro:Paz e Terra, 1987. LÊNIN, Vladmir Ilitch:. O desenvolvimento do capitalismo na Rússia . São Paulo. Abril Cultural, 1982. _________. Programa Agrário da Social-democracia na Primeira Revolução Russa de
1905-1907. Goiânia: Alternativa, 2002. _________. Obras Escolhidas em Três Tomos, Edições Avante! — Lisboa, Edições Progresso — Moscovo, 1977. LÖWY, M. O marxismo na América Latina. S. Paulo: Perseu Abramo, 1999. LEIBNER, Geraldo. El Mito del Socialismo Indígena en Mariátegui , Lima: Fondo Editorial-PUC,1999. MARIÁTEGUI, José Carlos. “Aniversário e Balanço”, In. Löwy, Michael.:Por um socialismo indo-americano. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005. _________. “O 1º de maio e a frente única” , In. Löwy, Michael: Por um socialismo indoamericano. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005. _________. “O nacional e o exótico”, In. Löwy, Michael.:Por um socialismo indoamericano. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005. _________. “O problema elementar do Peru” , In. Löwy, Michael.:Por um socialismo indo-americano. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005. _________. “O rosto e alma do Tahuantisuyo ”, In. Löwy, Michael.:Por um socialismo indo-americano. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005 _________. “Ponto de vista anti-imperialista” , In. Löwy, Michael.:Por um socialismo indo-americano. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.
75
76
_________.
“Princípios Programáticos do Partido Socialista do Peru” , In. Löwy,
Michael: Por um socialismo indo-americano. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005. _________. “Uma entrevista com José Carlos Mariátegui” , In. Löwy, Michael: Por um socialismo indo-americano. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005. _________. “Um intermezzo polêmico”, In. Löwy, Michael.:Por um socialismo indoamericano. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005. _________. “Nacionalismo e Vanguardismo: na ideologia política” , In. Bellotto, Manoel L. e Corrêa, Anna Maria M. (orgs). Mariátegui/Política. S.Paulo, Ática, col. Grandes Cientistas Sociais, 1982. _________. “O problema das raças na América Latina”, In. Bellotto, Manoel L. e Corrêa, Anna Maria M. (orgs). Mariátegui/Política. S.Paulo, Ática, col. Grandes Cientistas Sociais, 1982. _________. Sete ensaios de interpretação da realidade peruana . São Paulo: Editora Expressão Popular/Clacso, 2008 MARX, K e ENGELS, F. A ideologia alemã São Paulo : Editora Expressão Popular. 2009. _________. Cultura, arte e literatura (textos escolhidos) : Editora Expressão Popular. 2010. _________. Manifesto do Partido Comunista. 9. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999. Marx, Karl. Formações econômicas pré-capitalistas. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985. _________. Contribuição a Crítica da Economia Política . 2ª Edição. São Paulo. Expressão Popular, 2008. PINSKY, Jaime (org): Modos de Produção na Antiguidade . Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. PRADA, Manuel González, Nuestros Indios In: ZEA, Leopoldo, Fuentes de la Cultura Latinoamericana, V.1-3, México D.F.: Fondo de Cultura Economica, 1997.
76