NEOCONSERVADORISMO PÓS-MODERNO E SERVIÇO SOCIAL BRASILEIRO
Coleção QUESTÕES DA NOSSA ÉPOCA Volume 132
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira Br asileira do Livro, SP, SP, Brasil)
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Coleção QUESTÕES DA NOSSA ÉPOCA Volume 132
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira Br asileira do Livro, SP, SP, Brasil)
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Josiane Soares Santos
NEOCONSERVADORISMO PÓS-MODERNO E SERVIÇO SOCIAL BRASILEIRO
NEOCONSERVADORISMO PÓS-MODERNO E SERVIÇO SOCIAL BRASILEIRO Josiane Soares Santos Capa: Estúdio Graal Preparação de originais: Carmen T. da Costa Revisão: Maria de Lourdes de Almeida Composição: Dany Editora Ltda. Coordenação editorial: Danilo A. Q. Morales
Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorização expressa da autora e do editor. © 2007 by Autora Direitos para esta edição CORTEZ EDITORA Rua Bartira, 317 — Perdizes 05009-000 — São Paulo-SP Tel el.: .: (11) (11) 386 38644-01 0111 11 Fax ax:: (11) (11) 3864 3864-4 -429 2900 E-mail: cortez@cortezed
[email protected] itora.com.br www.cortezeditora.com.br Impresso no Brasil — setembro de 2007
Dedico este trabalho aos meus pais, Josefa e João, dois admiráveis exemplares entre tantos lutadores brasileiros.
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Sumário Apresentação ............................................................. Capitalismo contemporâneo e pós-modernidade .................................................. 1.1 Reestruturação produtiva e crise do capitalismo ..................................................... 1.1.1 Neoliberalismo e ofensiva antidemocrática: as bases do neoconservadorismo ........................... 1.2 A hegemonia ideocultural no capitalismo tardio .............................................................. 1.2.1 Pós-modernidade: a modernidade como pretérita ..................................... 1.2.2 Pós-modernidade e suas expressões na teoria social .................................... 1.2.3 Neoconservadorismo pós-moderno e positividade capitalista .......................
CAPÍTULO 1
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Substratos ideoteóricos do Serviço Social: conservadorismo e sincretismo............... 2.1 Conservadorismo e legitimidade profissional ..................................................... 2.2 Dimensões ontológicas e reflexivas do sincretismo no Serviço Social ...................... 2.3 Serviço Social e pós-modernidade: uma compatibilidade antimoderna .......................
CAPÍTULO 2
Rebatimentos do neoconservadorismo pós-moderno no Serviço Social .................................................. 3.1 As aproximações sucessivas entre Serviço Social e tradição marxista............................. 3.2 Traços gerais da influência pós-moderna no Serviço Social ................................................ 3.2.1 A epistemologia pós-moderna ........... 3.2.2 Críticas ao marxismo ..........................
CAPÍTULO 3
47 47 59 67
72 72 85 88 96
Considerações finais ................................................. 108 Referências bibliográficas ........................................ 113
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Apresentação Esse texto foi originalmente produzido como uma dissertação de mestrado,1 na qual pretendi oferecer uma das leituras possíveis da década de 1990, focalizando o Serviço Social nesse cenário. Esse período, na profissão, é caracterizado pela sua consolidação nos mais variados aspectos, conforme sinaliza o rápido balanço realizado por Netto (1996b), destacando-se, ainda, segundo o autor, a sólida afirmação dessa área no âmbito acadêmico. Característica de tais conquistas no nível da elaboração teórica é que as mesmas foram produzidas pela vertente marxista (com todas as diferenças existentes em seu interior), cujo enfrentamento e “intenção de ruptura” com o Serviço Social tradicional veio se adensando a partir do processo de renovação profissional ao longo dos anos 1980. Nessa trajetória, quero evidenciar duas questões que estão no cerne da argumentação deste estudo com base nas colocações de Netto (idem). 1. SANTOS, J. S. Neoconservadorismo pós-moderno e Serviço Social brasileiro. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) — Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2000.
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A primeira delas é que, diante do papel de vanguarda teórica, representado por autores da vertente marxista, os impactos da ruptura tenderam a ser superdimensionados. Presumia-se uma hegemonia progressista teórica, política e ideológica nos meios profissionais, donde se concluía a sólida afirmação da direção social propugnada pela referida vertente. Na verdade, o que parece ter ocorrido foi uma intimidação das demais concepções presentes no terreno profissional — em especial, do conservadorismo — em termos de explicitação das diferenças. Esta avaliação chama a atenção para o peso nada residual do conservadorismo na constituição ideoteórica e histórica do Serviço Social, pois, como modalidade específica de intervenção na divisão sociotécnica do trabalho no capitalismo dos monopólios, essa profissão foi dinamizada pelo conservadorismo. É preciso considerar ainda a articulação sincrética (Netto, 1992), decorrente da constituição do objeto profissional e seu espaço sócio-ocupacional, que tende a tornar esse corpo ídeo-teórico eclético, do ponto de vista científico: nele costumam ser incorporadas de forma complementares as mais incompatíveis “modas” que percorrem as ciências sociais. Se é verdade que o conservadorismo e o sincretismo constituem parte do caldo cultural do Serviço Social brasileiro e, nesse sentido, respondem pelo perfil antimoderno dessa atividade profissional (Netto, 1996b e Parra, 1999), deve-se considerar, então, o segundo argumento referido acima: a emergência, na virada da década de 1980, de uma outra forma de resistência teórico-cultural ao marxismo e à razão dialética — elementos da modernidade fulcrais para a direção social construída na busca da ruptura com
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o conservadorismo no Serviço Social. Refiro-me à pósmodernidade, cujas críticas ao projeto civilizatório moderno jogam no sentido da desqualificação de seu potencial emancipatório. Determinantes da sua emergência são as alterações nos diversos âmbitos das relações sociais, desde a economia até a cultura que têm provocado uma ânsia na busca de interpretações para essas mudanças causadoras de uma generalizada perplexidade nas ciências sociais. Levando-se em consideração o agravante de localizarse no final do milênio, essa sensação, nos anos 1990, adquiriu “um certo ar” apocalíptico, em especial para alguns analistas que identificaram em seu curso acontecimentos de ordem inteiramente nova para os quais os parâmetros analíticos clássicos não mais oferecem, segundo eles, respostas adequadas. A pós-modernidade surge assim imbricada à atual crise capitalista e caracteriza-se em oposição às teorias sociais modernas se propondo como uma alternativa à sua ineficiência. A problematização desses determinantes aparece iluminando o objeto em questão: o substrato ideoteórico do Serviço Social. Se o conservadorismo é um dos componentes do tecido profissional e o sincretismo tende a absorver as novidades paradigmáticas emergentes nas ciências sociais; e se, por outro lado, existe uma ofensiva neoconservadora, representada na teoria social pela pós-modernidade, propus-me a identificar os rebatimentos deste neoconservadorismo numa profissão com o perfil acima caracterizado. Objetivei assim tornar inteligíveis algumas das manifestações dessa ofensiva neoconservadora no campo do Serviço Social contemporâ-
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neo, partindo da prospecção de Netto (1996b) relativa a probabilidades férteis de sua expansão nos meios profissionais, por meio de um investimento na desconstrução/ deslegitimação da direção social estratégica de ruptura com o tradicionalismo. A análise dos anos 1990 apresentada aqui tem como marco no Serviço Social o ano de 1993. Nesse ano foram aprovados o novo Código de Ética e a Lei de Regulamentação da Profissão, dando corpo aos princípios e concepções normativo-legais do projeto ético-político-profissional. É nesse mesmo ano que a XXVIII Convenção Nacional de ABESS2 delibera a revisão do currículo mínimo dos cursos de graduação em Serviço Social. Tal fato, em particular, delimitou o período que estaria em foco no trabalho, pois uma leitura atenta deste momento histórico para a profissão evidencia que o processo de revisão curricular teve seu primeiro impulso na (mal) chamada “crise de paradigmas”. Este foi um tema amplamente discutido nas ciências sociais, que rebateu (como outros) tardiamente no Serviço Social. Parece-me que os indícios sistematizados de tal rebatimento despontam na profissão a partir de 1991, com os trabalhos da gestão 89/91 da então ABESS (hoje ABEPSS), relativos à pesquisa e à produção de conhecimento no Serviço Social e sua relação com a prática profissional. Reunidos sob esse tema, os artigos contidos no número 5 dos cadernos ABESS popularizam nos meios profissionais esse 2. Sua realização ocorreu em Londrina, de 6 a 10 de outubro de 1993, e teve como tema: “Formação profissional: novos caminhos, novas demandas”.
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debate e seus corolários: a “crise do marxismo” e a proposta do pluralismo metodológico. A delimitação do ano de 1993 em face do marco da revisão curricular me parece, então, legítima como ponto de partida tendo em vista a caracterização da “crise dos paradigmas” no conjunto das manifestações pós-modernas. Considerei, a partir disso, que de 1993 em diante as publicações na área de Serviço Social tenham passado a abordar com maior freqüência discussões como a da “crise dos paradigmas” e outras correlatas à leitura pós-moderna da sociedade contemporânea, uma vez que este pressuposto passa a estar presente nos debates da profissão devido ao desencadeamento da revisão curricular. Partindo desse marco, não aleatoriamente escolhido, a pesquisa teve como fontes 16 artigos selecionados nos números entre 41 e 61 da Revista Serviço Social & Sociedade — periódico de circulação nacional — publicados entre os anos de 1993 e 1999 e alguns livros lançados no período em questão, de autoria de profissionais identificados na análise das revistas como autores que incorporam o debate pós-moderno na profissão. No primeiro capítulo, intitulado “Capitalismo contemporâneo e pós-modernidade”, o foco é o contexto que possibilita a emergência da pós-modernidade: a crise do regime de acumulação capitalista do pós-guerra e seu correspondente modo de regulação. Desenvolvo a idéia de que o capitalismo vive uma de suas mais agudas crises do ponto de vista produtivo e, paradoxalmente, o seu momento de maior hegemonia ideocultural. Faço então
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uma caracterização dessa hegemonia ideocultural expressa através da pós-modernidade enquanto “lógica cultural do capitalismo tardio” (Jameson, 1996) objetivando apontar que sua superficialidade e niilismo, em termos de teoria social, são funcionais na afirmação da positividade capitalista e, portanto, neoconservadoras. O segundo capítulo, “Substratos ideo-teóricos do Serviço Social: conservadorismo e sincretismo”, ressalta dois componentes do seu substrato ídeo-teórico, problematizando-os conceitualmente enquanto vias de aproximação entre a profissão e a pós-modernidade, porquanto ambos se coadunam em sua antimodernidade: o conservadorismo e o sincretismo. Essas características aparecem em suas dimensões ontológicas e reflexivas, problematizando até que ponto o combate a elas não pode ser confundido com a sua eliminação do tecido profissional. No terceiro capítulo reúno os “Rebatimentos do neoconservadorismo pós-moderno no Serviço Social” a partir de uma caracterização do seu alvo principal: a vertente crítico-dialética e a direção social a ela subjacente, consubstanciada no projeto-ético-político-profissional. Identifiquei que no Serviço Social incorporam a pós-modernidade não só autores do campo conservador — opositores históricos da vertente de ruptura — mas também marxistas, cuja apropriação desse referencial é, na atualidade, epistemológica. Em ambos os grupos, a retórica pós-moderna opera como um componente atualizador de traços do conservadorismo profissional e instrumentaliza o investimento de deslegitimação da direção social estratégica fundada na razão dialética.
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Convido o leitor a percorrer as páginas que se seguem advertindo que as afirmações aqui contidas são de minha inteira responsabilidade, embora sejam produto de interlocuções com muitas pessoas, algumas das quais gostaria de agradecer. Primeiramente ao meu orientador e amigo José Paulo Netto; à banca examinadora da dissertação (Yolanda Guerra e Lúcia Barroco), a quem também peço desculpas se não incorporei todas as sugestões feitas; às hoje minhas colegas do Departamento de Serviço Social da UFS pelas contribuições na minha graduação e, por fim, à Lúcia Aranha, que, além de ter sido professora, é uma amiga e interlocutora muito especial, cujo alcance das marcas na minha trajetória profissional e pessoal são tantas que nem consigo dimensionar.
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Capitalismo contemporâneo e pós-modernidade 1.1 Reestruturação produtiva e crise do capitalismo
Nas últimas décadas o capitalismo enfrenta o acirramento de suas contradições internas, motores propulsores da crise na qual todo o sistema mundial encontra-se imerso desde os anos 70. 1 Até então o fordismo, como forma de organização hegemônica do processo de trabalho, tinha sua base na produção em massa voltada para um consumo também em massa. Os elevados índices de desemprego decorrentes da crise e, conseqüentemente, a quebra deste ciclo de produção/consumo em massa têm impactos decisivos sobre a taxa de lucros capitalista. Assim, uma das características fundamentais do fordismo/ keynesianismo passa de princípio organizativo a problema: a rigidez. 1. Pretendo aqui apenas colocar a crise como um marco, não efetuando assim uma análise mais detida da mesma por razões de espaço. Entretanto, ao longo da argumentação estão indicadas as minhas principais referências autorais para o entendimento do tema que está mais problematizado no texto original da dissertação.
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Havia problemas com a rigidez dos investimentos de capital fixo de larga escala e de longo prazo em sistemas de produção em massa que impediam muita flexibilidade de planejamento e presumiam crescimento estável em mercados de consumo invariantes [...]; na alocação e nos contratos de trabalho; [...] dos compromissos do Estado. (Harvey, 1996: 135)
Estagnada, a dinâmica da acumulação limitou a capacidade de inovação da produção que também encontrou dificuldades devido ao aumento da concorrência mundial, muito embora em bases diferentes das adotadas no período do imperialismo clássico.2 Entendendo que o capital, como o definiu Marx, é uma relação social, este quadro — sumariamente apontado — gera conseqüências e iniciativas tanto da parte dos proprietários dos meios de produção quanto dos trabalhadores: a direção em que se dará o desfecho da crise está em disputa. Assim o considero porque, estando em posições radicalmente diferentes no processo produtivo, as classes fundamentais do capitalismo possuem não só interesses distintos como antagônicos, que vêm sendo confrontados historicamente em sua luta. Do ponto de vista daqueles a quem interessa a retomada do crescimento econômico, traduzida em apropriação privada da mais-valia, inicia-se um movimento em busca de saídas para a crise em pelo menos três frentes principais, tendo sempre como eixo a flexibilidade em confronto com a rigidez do fordismo: 2. Sobre isso ver Chesnais (1996).
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1) o aumento da área de aplicação de capitais especulativos, ou seja, sem envolvimento direto na produção, cujo rendimento é garantido pela sua liquidez e mobilidade em tempo real. Essa alternativa se abre aos capitalistas graças a uma série de medidas que, no plano político, garantem a desregulamentação das economias e dos Estados nacionais; 2) reestruturação industrial que, de acordo com Harvey (1996), ocorre determinada pelo aumento da concorrência combinando processos produtivos flexíveis com processos do fordismo. São as visíveis transformações no sentido da descentralização, desverticalização, terceirização, automação, enfim, de uma nova organização do trabalho objetivando potencializar a extração da maisvalia relativa, sem prejuízo da extração de mais-valia absoluta. Ao mesmo tempo que se investe pesado nas inovações tecnológicas e organizacionais, joga-se com as idéias do fim da centralidade do trabalho e do consenso entre as classes — obtido por um “envolvimento manipulado” dos trabalhadores — também se repõem antigas formas de exploração escondidas sob a ilusão de uma sociedade de produtores independentes de mercadorias. [...] Uma sociedade sem vendedores de força de trabalho posto que o contrato de compra e venda da força de trabalho está se metamorfoseando num contrato de fornecimento de mercadorias. (Teixeira, 1998a: 73)
Além disso, é fundamental para a reestruturação produtiva a fragilização do sindicalismo. Nesse sentido, algumas das estratégias são a “ideologia da qualidade”, mas também a histórica repressão ao movimento sindical com-
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bativo,3 o aumento do desemprego e a fuga das indústrias dos locais onde há maior grau de maturidade na luta de classes, realizando uma verdadeira “onda migratória” à procura de novos mercados de trabalho;4 3) criação de condições políticas de que o mercado não dispõe para a implementação da flexibilidade: tratase das transformações na esfera da ação estatal enquanto padrão de regulação. Os ajustes neoliberais, além de intervirem na reprodução dos pressupostos históricos de dominação, aumentam substantivamente a liberdade do capital: liberdade de movimento para o capital financeiro, para a desregulamentação das economias e dos direitos dos trabalhadores, entre outras. Assim o Estado é “reformado” para que possa continuar funcional às necessidades da nova fase de “acumulação flexível”: Estado mínimo para os trabalhadores e máximo para o capital, uma vez que, malgrado sua “redução” o Estado continua intervindo para garantir as condições mais propícias à extração da mais-valia. Do ponto de vista da classe trabalhadora os desafios da crise são igualmente grandes, pois as iniciativas ante3. Não podemos esquecer do tratamento que Margareth Tacher conferiu à greve dos mineiros na Inglaterra e do também exemplar episódio da greve dos petroleiros em 1995, início do primeiro governo Fernando Henrique Cardoso. 4. “No Brasil dos anos noventa, a guerra fiscal entre os Estados, que vêem disputando os minguados investimentos industriais está criando um ambiente favorável à descentralização industrial, tendo muitas empresas revelado preferência por regiões ‘novas’, sem tradição sindical e com poucas alternativas de empregos locais” (Meneleu Neto, in Teixeira, 1998a: 90).
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riormente descritas afetaram as suas formas de ser tornando-a mais heterogênea, fragmentada e complexa. A crise atingiu [...] diretamente a subjetividade do trabalho, sua consciência de classe, afetando seus organismos de representação dos quais os sindicatos e os partidos são expressão. Os primeiros [...] foram forçados a assumir uma ação cada vez mais defensiva, cada vez mais atada à imediatidade, à contingência, regredindo já a sua limitada ação de defesa de classe no universo do capital. Gradativamente foram abandonando seus traços anticapitalistas, aturdidos que estavam, visando a preservar a jornada de trabalho regulamentada, os demais direitos sociais já conquistados e, quanto mais a revolução técnica do capital avançava, lutavam para manter o mais elementar dos direitos da classe trabalhadora, sem o qual sua sobrevivência está ameaçada: o direito ao trabalho, ao emprego. (Antunes, 1997: 148)
Segundo Harvey (1996: 132-133), mesmo antes do colapso na economia capitalista do pós-guerra, os sindicatos já apareciam para um grupo crescente de excluídos do fordismo como organizações que buscavam servir a si mesmas e não a objetivos gerais. O movimento sindical nos países centrais já estava em crise, portanto, quando dos movimentos contraculturais dos anos 1960, que, articulados aos movimentos de minorias excluídas e à crítica da racionalidade burocrática despersonalizada, formavam um forte movimento político-cultural no próprio momento em que o fordismo parecia estar no apogeu. O combate à organização sindical tradicional vindo de estratos da própria classe trabalhadora gerou — juntamente com uma série de outros fatores — novas formas
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de organização: os chamados “novos movimentos sociais”. Apesar de protagonistas importantes na cena política contemporânea, eles pouco auxiliam no redimensionamento da prática político-sindical e partidária. Escassas são as iniciativas que surgiram enquanto expressão construtiva desses questionamentos, a exemplo dos cobas (comitat di base) que começaram a despontar a partir de meados da década de 1980 na Itália. No mais, percebe-se que esses questionamentos acabam por colaborar, em última instância, com os objetivos capitalistas de descredibilizar os sindicatos e partidos diante dos trabalhadores. Tendo em conta que o atual padrão mundial de acumulação reduz a oferta de empregos produtivos e valoriza a competição, estimula a incidência entre os trabalhadores de preconceitos sociais, religiosos, étnicos etc. Diferentes formas de fascismo, racismo, messianismo e chauvinismo proliferam no mundo atual. No limite muitas dessas manifestações defendem o extermínio dos antagonistas e/ou diferentes, como o demonstram o renascimento dos movimentos contra os migrantes na Europa. (Abreu, 1997: 65)
A expansão do sindicalismo de empresa, baseada nesses mesmos valores da competitividade e do individualismo, também ajuda a consolidar as novas formas de organização e gestão do processo de trabalho, intensificando-o com a adesão dos trabalhadores. É o que Meneleu Neto (in Teixeira, 1998a) denominou de “disciplina consentida”. Em países de industrialização tardia como o Brasil, não só o lapso temporal em que se expressa a crise do
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fordismo/keynesianismo é diferente (seus rebatimentos mais visíveis são da década de 1990) como também todo o processo da reestruturação produtiva tem particularidades que precisam ser consideradas, agravando as condições negativas para a organização dos trabalhadores. Entre estas chamo atenção para o recente restabelecimento da democracia no Brasil que ocorre nesta conjuntura internacional de crise do capitalismo, em que uma das “saídas” apontadas pelas classes dominantes, do ponto de vista político, tem por base o neoliberalismo. Isso significa dizer das dificuldades para consolidar direitos, especialmente sociais, neste contexto marcado pelo autoritarismo neoliberal. 1.1.2 Neoliberalismo e ofensiva antidemocrática: as bases do neoconservadorismo
No muito que já se escreveu sobre o neoliberalismo há quase que uma unanimidade na afirmação do seu teor antidemocrático. 5 Essa constatação tem por base avaliações críticas das repercussões práticas do ideário neoliberal na política mundial contemporânea, mas também as formulações de seus primeiros teóricos. Hayek e Friedman não faziam nenhuma questão de camuflar este aspecto da sua doutrina, já que a democracia em si mesma [...] jamais havia sido um valor central do neoliberalismo. A liberdade e a democracia, 5. Ver, entre outros, Netto (1995), Anderson, Borón, Oliveira, Machado (in Sader e Gentili (Org.), 1996).
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explica Hayek, podiam facilmente tornar-se incompatíveis, se a maioria democrática decidisse interferir com os direitos incondicionais de cada agente econômico de dispor de sua renda e de sua propriedade como quisesse. (Anderson, in Sader e Gentili, 1996: 19-20)
É claro que, ao falar de democracia, não estou esquecendo todas as reduções operadas em sua substância quando a mesma tornou-se realidade histórica. Deve-se situar, portanto, que “estamos falando de ‘capitalismos democráticos’, em que o substantivo é o capitalismo e o adjetivo, a democracia” (Boron, in Sader e Gentili, 1996: 69). Também não se pode considerar indistintamente os processos de democratização ocorridos nos países desenvolvidos e periféricos. As considerações de Przeworsky (1989), por exemplo, apontam os problemas desse processo em países da Europa, cuja história e inserção nas relações internacionais são precedentes importantes para os avanços democráticos no ordenamento das relações entre Estado e sociedade civil. E se nesses países onde a democracia possui algum grau de efetividade o neoliberalismo tem vencido com certa facilidade as resistências contra suas investidas antidemocráticas, o que dizer dos seus êxitos em países periféricos como o Brasil, onde a democracia é um processo ainda prenhe de debilidades com suas principais raízes remontando a uma longa história de cultura autoritária e conservadora? É necessário, portanto, apontar os limites de um processo de democratização que carece de aprofundamentos principalmente pela história de conservadorismo, clientelismo, centralismo estatal e autoritarismo do país ;
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isso para não falar do nível de inserção do Brasil no capitalismo internacional. Funcionando como verdadeiros óbices, estes e outros fatores, ao manterem a democracia apenas no seu aspecto formal (o que não deixa de ser uma conquista fundamental), são aliados da ofensiva antidemocrática e conservadora do neoliberalismo . Obviamente que após o processo de democratização não se trata de uma ameaça ditatorial.6 As manifestações dessa ofensiva são bem menos impopulares, sem deixar de expressar o habitual “vale-tudo” justificado em nome da recuperação da “saúde” do capitalismo. A barbárie é uma delas e seus indícios no Brasil já estão por toda parte, sendo aprofundados a partir da conjuntura que acompanha os ajustes neoliberais. Oliveira (in Sader e Gentili, 1996) resgata que o “neoliberalismo à brasileira” tem investido na destruição da utopia, da esperança que alimenta os movimentos sociais, abrindo as comportas para uma onda conservadora de que o Brasil não tem memória. Resulta daí não só o enfraquecimento do Estado, o que é extremamente funcional à ordem atual, mas principalmente da organização dos trabalhadores, conforme dito acima. Outros fenômenos têm sido típicos dessa conjuntura conservadora, como a conversão de intelectuais progressistas ao ideário da ordem à moda pós-moderna e a ideologia da estabilidade que se 6. Apesar de merecer destaque, a meu ver, a “ditadura do Executivo” implementada nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso e também nos mandatos de Luís Inácio Lula da Silva. Esse processo tem no uso indiscriminado de medidas provisórias, o seu instrumento privilegiado.
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espraia num quadro de crise infirmando toda e qualquer tentativa de mudança e/ou experimentação sociopolítica (Oliveira, in Sader e Gentili, 1996: 27). Exemplo disso foram as duas vitórias em primeiro turno de Fernando Henrique Cardoso, ministro da Economia do governo Itamar e “pai” da estabilidade monetária, e a recente reeleição de Lula. Tendo em vista tais particularidades, considero que o processo de reestruturação produtiva no Brasil reproduz, em certa medida, os vieses mais gerais característicos do nosso processo histórico. “Se, nos anos noventa, as inovações tecnológicas parecem ainda restritas e pontuais no parque industrial brasileiro, o mesmo não pode ser dito das inovações organizacionais, ou seja, dos novos métodos de gerenciamento do trabalho (e da produção)” (Alves, in Teixeira, 1998a: 137). Aqui, a mais-valia relativa conviveu sempre com a mais-valia absoluta e os incontáveis focos de trabalho escravo e infantil. Nesse contexto de uma burguesia cuja mentalidade é moldada por valores aristocráticos combinados ao que há de mais conservador em termos do imperialismo mundial, a lógica de valorização do capital comanda muito mais uma reestruturação organizacional do que produtiva e tecnológica. O objetivo primordial é a remoção do obstáculo representado pelo trabalho organizado e o reforço à sua precarização via redução de direitos e aumento do desemprego. Percebem-se, portanto, as dificuldades no horizonte da classe trabalhadora para disputar os rumos da crise. Desmontar a sua resistência é a palavra de ordem para os
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capitalistas no mundo inteiro. Para tanto, contam com as determinações objetivas da crise, mas também com a expansão de uma hegemonia ideo-cultural que considero como seu principal pilar de sustentação. As iniciativas no sentido da “acumulação flexível” ainda não conseguiram superar a crise dos ganhos de produtividade de forma satisfatória: (os) resultados (são) medíocres tanto em termos de crescimento econômico quanto no que diz respeito à elevação da produtividade média do trabalho e à expansão do comércio internacional. Em todos esses aspectos, o mundo atual está longe de apresentar desempenhos semelhantes aos do período 1945-75. (Benjamin, 1998: 30-31) O que tem favorecido o novo padrão de acumulação é o clima de “vazio ideológico” expresso na ausência de um projeto societário que se oponha a ele . O abandono
progressivo das características anticapitalistas pelo sindicalismo e a emergência dos “novos” movimentos sociais que não possuem essas características desde sua gênese atestam a ausência de sujeitos capazes de organizar uma alternativa. O discurso a favor das mudanças acaba sendo melhor apropriado pelas elites que realizam, via política institucional, as “reformas do Estado” de acordo com a sua ótica e adesão eleitoral dos trabalhadores (desorganizados ou não). Entendendo que este é um elemento importante para pensar as condições da luta de classes no capitalismo contemporâneo, passo agora a expor algumas dimensões desta hegemonia ideo-cultural e suas determinações relativas em especial à teoria social.
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1.2 A hegemonia ideo-cultural no capitalismo tardio
No seu processo de produção e reprodução social, a humanidade cria através do trabalho não só um mundo materialmente tangível. Ela cria hábitos, valores morais, éticos e civilizatórios: cria a sociabilidade que interage na formação da subjetividade dos indivíduos sociais. Os elementos da subjetividade humana são, portanto, dialeticamente determinados pelo processo produtivo, mas nem por isso de menor importância. Se essa assertiva é correta, não se deve perdê-la de vista ao tratar da fase atual do capitalismo. Assim como as que a antecederam, existe uma consciência correspondente à dinâmica contemporânea dessa sociedade em que a produção em função dos lucros permanece como princípio organizador básico da vida econômica. Para tempos de crise, temos uma consciência da crise. Ela aparece como algo anárquico e disforme. Dilui-se a distância entre crise e normalidade, pois a existência normal torna-se crítica [...] [em face de] um cotidiano de miséria material e moral que a todos atinge. Desaparece a idéia de que a vida pode e deve ter um horizonte amplo, sólido e aberto. Em seu lugar, predomina a sensação, psicologicamente desestruturante, de desgoverno das expectativas. Tudo se torna precário. Um sentimento do provisório, do frágil, do especulativo [...] preside as ações. As elites estão sempre pensando no próximo bom negócio; o povo, na estratégia de sobrevivência para o próximo dia. (Benjamin, 1998: 14)
Uma consciência correspondente à fase de acumulação flexível tende a ser igualmente fugidia e efêmera; em
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meio à crescente insegurança provocada pelo desemprego, ela é marcada pela incerteza; do ritmo frenético das inovações lançadas no mercado, ela precisa ser cada vez mais descartável e capaz de consumir as novidades. Se, neste momento, para a lógica de valorização do capital o aumento do controle sobre o trabalho é central, a forma mais eficaz de fazê-la é a ofensiva ideológica. Esta reforça valores do antigo liberalismo, como o individualismo e a competição, mesclando-os com as características que o novo modelo produtivo precisa para ter sucesso também nos níveis da distribuição e do consumo. Conforme caracterizou Braz (1997), as inovações tecnológicas da fase da acumulação flexível do capital cumprem enquanto mercadorias uma dupla função social: a busca de novos espaços de produção da mais-valia e a reprodução social do sistema de valores que legitimam o capitalismo como forma de organização da produção. Tudo é cada vez mais mercantilizável, inclusive os males que o próprio capitalismo produz. Os tranqüilizantes químicos têm seu consumo em alta. A indústria da segurança privada é alimentada pela violência urbana. Os seguros-saúde fazem parte de um mercado que lucra com o desmantelamento do sistema público de saúde e das políticas de prevenção de doenças; isso para não falar da indústria farmacêutica. A educação, também sofrendo os mesmos ataques, torna-se um artefato de luxo. O rastro da busca de um lugar no mercado é explorado pelo mercado editorial, que oferece um bom número de livros especializados no assunto.7 7. Braz (1997: 21-22) seleciona alguns títulos responsáveis por gordas cifras nessa fatia do mercado que funcionam como verdadeiros
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Aliás, o mercado editorial parece mesmo ser dos mais beneficiados com a proliferação da infelicidade que grassa o mundo contemporâneo. “A pornografia tornou-se negócio de grande dimensão, oferecido às multidões solitárias” (Benjamin, 1998: 14), enquanto a literatura de autoajuda e esotérica oferece felicidade e salvação em “outro mundo”, compondo o panorama que Braz (1997) denominou de “revitalização do irracionalismo”. As seitas religiosas, especialmente as neopentecostais, por sua vez, cumprem um papel central no “reencantamento do mundo” com suas explicações teocêntricas da realidade e tendem a tornar-se grandes empresas com a exploração do “mercado da fé”. São livros, CDs, vídeos, canais de TV, enfim, todo tipo de serviço que ofereça algum conforto a uma grande parcela da população “à procura de referências de vida em meio à avassaladora homogeneização cultural” (Braz, 1997: 23). Indicador histórico importante do grau de insatisfação com o status quo, a juventude e sua cultura também se encontram atingidas pela revitalização do conservadorismo. É visível a proliferação do individualismo e seu afastamento em relação aos movimentos organizados, ao contrário do ocorrido na década de 1960, em que houve um protagonismo fundamental de contestação cultural. A trilha sonora que embala essa “galera”, de acordo com Braz (1997), é mais uma manifestação do que já demanuais ao ensinar o caminho das pedras para ser bem-sucedido, como, por exemplo, o livro do médico Lair Ribeiro O sucesso não ocorre por acaso.
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nominamos antes como “cultura da crise”. O technodance ou dance music são expressões do pastiche. Como a paródia, (o pastiche) é o imitar de um estilo único, peculiar ou idiossincrático, é o colocar de uma máscara lingüística, é falar numa linguagem morta. Mas é uma prática neutralizada de tal imitação, sem nenhum dos motivos inconfessos da paródia, sem o riso [...]. O pastiche é uma paródia branca, uma estátua sem olhos. (Jameson, 1996: 44-45)
Esse som mistura velhos estilos musicais num ritmo sem criatividade, repetitivo, anárquico e, sobretudo, eclético, ou consiste ainda na regravação de antigos sucessos com novos (e em geral empobrecidos) arranjos. O pastiche também é visível nas tendências da moda que apresentam reedições dos visuais dos anos 1960 e 70, porém sem “o seu status de ‘alternativo’ (os tênis americanos são misturados com o antes alternativo estilo indiano)” (Braz, 1997: 30), por exemplo; ou ainda na arquitetura, na pintura, no cinema e em outros domínios da cultura. Denota-se assim a tendência do capitalismo contemporâneo de expandir os setores de acumulação como uma das “saídas” para a crise e, nesse sentido, reforçar a “cultura da crise” e seus valores. É um processo construído princi-
palmente pela via da sua difusão nos meios de comunicação que apresentam uma crescente capacidade de homogeneizar as consciências e “apagar” da memória das pessoas qualquer vestígio que aponte para outro modo de vida. Tudo é visto como se o mundo passasse a existir a partir de agora. Afirma-se, assim, o presente imediato e com ele o
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sentimento de que as coisas devem permanecer como são. Este ceticismo alcança as raias do niilismo e já se aceita o fato de que o capitalismo deve ser vivido como um sistema gerador de desemprego e de exploração, enquanto o socialismo fracassou em suas promessas de eliminar a injustiça social e promover a abundância. (Teixeira, 1998a: 16)
Esse movimento que parte do “diagnóstico de esclerose” do projeto moderno de civilização e da sua substituição por uma consciência “pós-moderna” que, enquanto “lógica cultural do capitalismo tardio” (Jameson, 1996), explica a emersão do conjunto de manifestações descritas nesta seção, entre outras. 1.2.1 Pós-modernidade: a modernidade como pretérita
O capitalismo já há algum tempo vem tentando se ver livre do projeto civilizatório moderno devido à sua incompatibilidade histórica cada vez mais evidente com os valores centrais constitutivos desse projeto. Tal afirmação pode aparecer como um equívoco aos olhos do senso comum, para quem o discurso do mundo moderno associa-se à ordem burguesa. Sem dúvida que, nesse sentido, o capitalismo revolucionou a história da humanidade proporcionando um desenvolvimento das forças produtivas inimaginável dois séculos atrás. A esse respeito é conhecida a análise de Marx e Engels apresentada no Manifesto comunista, em que ressaltam o papel revolucionário da burguesia na derrubada do regime feudal expresso, principalmente, nos valores de que a burguesia nesse momento era portadora.
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A afirmação da universalidade, da individualidade e da autonomia, pilares de sustentação dessa consciência revolucionária, compunha o que Rouanet (1998: 9) designa como “projeto moderno de civilização”: A universalidade significa que ele visa todos os seres humanos, independentemente de barreiras nacionais, étnicas ou culturais. A individualidade significa que esses seres humanos são considerados como pessoas concretas e não (só) como integrantes de uma coletividade e que se atribui valor ético positivo à sua crescente individualização. A autonomia significa que esses seres humanos individualizados são aptos a pensarem por si mesmos, sem a tutela da religião ou da ideologia, a agirem no espaço público e a adquirirem pelo seu trabalho os bens e serviços necessários à sobrevivência material.
Esse processo teve como ganho fundamental o “desencantamento do mundo” a partir do qual generalizouse a idéia, no mundo ocidental, da centralidade do homem e não de Deus ou qualquer outro poder sobrenatural na constituição da sociedade; isto é, a centralidade da razão, do humanismo. Até então, toda a estruturação da sociabilidade humana e sua consciência obedeciam à lógica da mistificação contida no discurso do poder outorgado por Deus, criador do mundo, que conferia legitimidade à imutabilidade das esferas do poder político e a uma sociedade estamental. O questionamento desses valores permitiu que a burguesia, pertencente ao Terceiro Estado, pudesse tornar-se hegemônica política e socialmente, fazendo jus ao lugar de destaque que já ocupava economicamente.
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Uma vez no poder, a burguesia como protagonista desse projeto civilizatório operou um giro em todas as instâncias da vida humana ainda como “sujeito histórico universal” (Hegel apud Marcuse, Marcuse, 1988), ou seja, portadora de interesses universais. Coutinho (1972), analisando esse processo no âmbito da teoria social, aponta até 1848 o desenvolvimento desenv olvimento do ideário moderno no sentido da razão dialética, localizando por volta desse período o que vai chamar de surgimento da “razão miserável” e da destruição da razão (Lukács, 1959). Isso significa dizer que o projeto da modernidade foi útil à burguesia enquanto seus interesses ainda eram expressões universais. universais. A partir do momento em que se transmutaram, evidenciando claramente seu projeto particular de classe dominante, a modernidade e seu desenvolvimento em direção à emancipação humana e à razão dialética passam a representar uma ameaça. O que a burguesia tenta apagar são as contradições inerentes ao ideário moderno, cujo potencial dialético está prenhe de possibilidades, de movimentos e negatividade . Nesse sentido nada mais
oportuno que o resgate de Marx e Engels realizado por Berman (1997): “Tudo que é sólido desmancha no ar”. Este é o temor que passa a rondar a classe dominante: o desenvolvimento de sua sociedade representa, contraditoriamente, o desenvolvimento de forças capazes de enterrá-la. Em 1848 uma conjuntura revolucionária emerge, demonstrando o potencial contido nesse projeto civilizatório quando nas mãos de um novo sujeito histórico expressivo dos anseios universais. Essa percepção gera na burguesia burguesia e em seus ideólogos a iniciativa que perpa per passsou todo o desenvolvimento posterior do capitalismo:
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o empobrecimento deliberado da razão dialética em direção à razão instrumental e da destruição da razão na direção do irracionalismo; da universalidade e da igualdade restritas às leis; da autonomia e liberdade podados pela desigualdade econômica. Nisso consiste o abandono da razão dialética a que se refere Coutinho, do qual são expressões, entre outros, o “liberalismo econômico” (Bellamy, 1994) e o positivismo transformados em ideologia (no sentido marxiano de falsa consciência) a serviço da manutenção man utenção da ordem burguesa. Essa estratégia está sendo reeditada na atualidade em nome da superação da crise do capitalismo. Até então, mesmo empobrecidos, os princípios do projeto civilizatório moderno ainda eram reivindicados. Mesmo as expressões da “razão miserável” eram capazes de afirmar alguma potencialidade racionalizante (ainda que instrumental) e um referencial utópico de “vida boa” (ainda que negando as contradições em nome da harmonia). O que vemos hoje é o “atestado de óbito” da modernidade e não mais o seu empobrecimento. A crise do capitalismo contemporâneo diagnostica-a de morte natural eximindo a ordem burguesa de qualquer responsabilidade por esse desfecho. A meu ver, cabe investigar tanto a veracidade deste diagnóstico quanto as evidências de um envenenamento que pretendeu ser mortal, mas ainda não obteve o seu êxito. De fato, como admite Rouanet, o projeto civiliza-
tório moderno está fazendo água por todas as juntas. O universalismo está sendo sabotado por uma proliferação de particularismos — nacionais, culturais, raciais, religiosos. Os nacionalismos
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mais virulentos despedaçam antigos impérios e inspiram atrocidades de dar inveja a Gêngis Khan. O racismo e a xenofobia saem do esgoto e ganham as eleições. A individualidade submerge cada vez mais no anonimato do conformismo e da sociedade de consumo; a autonomia intelectual, baseada na visão secular do mundo, está sendo explodida pelo reencantamento do mundo [...]. A autonomia política é negada por ditaduras ou transforma-se numa coreografia eleitoral encenada de quatro em quatro anos. A autonomia econômica é uma mentira sádica para dois terços do gênero humano que vivem em condições de pobreza absoluta. (1998: 9-10)
No entanto, não se trata de decretar ainda o seu óbito, conforme o faz Santos (1996), devido ao não-cumprimento das suas “promessas”, porque entendo que o que se realizou de modernidade no capitalismo pouco ou quase nada tem a ver com o ideário moderno da Ilustração pelo seu flagrante “ajustamento” aos interesses de dominação e não de emancipação. Portanto, a crise diz respeito a uma configuração determinada do projeto moderno: a modernidade capitalista.8 8. Assim como a crise que derrubou o socialismo real também possui determinações concretas, sendo antes a “crise de uma forma determinada de transição socialista e não do projeto revolucionário de uma sociedade embasada na ausência do mercado (e tudo que disso decorre)” (Netto, 1995: 19-20). Embora se encontrem em Marx as potencialidades da modernidade retomadas em sua plenitude, não foi esta a lógica que imperou no socialismo real, impregnada que estava da racionalidade burocrático-formal hegemônica no mundo burguês que pretendeu negar. Netto (ibid.) tece algumas considerações sobre os problemas do socialismo real, tais como a falta de socialização do poder político e da economia. Sem enxergar essas e outras determinações
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1.2.2 Pós-modernidade e suas expressões na teoria social
A teoria social sempre jogou um papel de destaque na construção da hegemonia ideocultural do capitalismo, tendo em vista a importância que a ciência adquire como força produtiva9 desde seus primórdios e não apenas na fase da acumulação flexível, como alguns pensadores destacam hoje (Teixeira, mimeo.). É a partir do nível da elaboração filosófica e científica que se espraiam muitas das idéias que moldam o cotidiano e o senso comum. O que caracteriza os “ideólogos da moda” (Lukács apud Braz, 1997) hoje está em boa parte refletido na descrição feita acerca da “consciência da crise”. A impotência e a perplexidade diante do mundo contemporâneo são típicas atitudes dos pós-modernos: a rapidez, a profundidade, e a imprevisibilidade de algumas transformações recentes conferem ao tempo presente (segundo estes analistas) uma característica nova: a realidade parece ter tomado definitivamente a dianteira da teoria. Com isto a realidade torna-se hiper-real e parece teorizar-se a si mesma. Esta auto-teorização da realidade é o outro lado da dificuldade de nossas teorias em darem conta do que se passa, em última instância, da dificuldade em fica fácil propalar a vulgarização destas duas crises (a da modernidade e a do socialismo) que são o principal fôlego da ofensiva empreendida no campo teórico pela pós-modernidade. 9. Óbvio que há aí uma diferença essencial entre o papel das ciências naturais que funcionam diretamente como força produtiva e o das ciências humanas cuja funcionalidade à ordem burguesa precisa ser mediatizada pelas esferas da consciência e da subjetividade.
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serem diferentes da realidade que supostamente teorizam. (Santos, 1996: 18-19)
O autor apresenta o quadro do que considera como as “cinco perplexidades/desafios à imaginação sociológica” características das décadas de 1980 e 90 transcritas a seguir: os problemas mais absorventes são [...] de natureza econômica: inflação, desemprego, taxas de juro, déficit orçamental, crise financeira do Estado-Providência, dívida externa, política financeira em geral, (tanto em nível nacional como internacional): integração regional, protecionismo, ajuda externa etc. Contudo (são também demandas para a análise sociológica) [...] [o] político, [o] cultural, e [o] simbólico [...] [os] modos de vida; [...] a intensificação das práticas transnacionais, da internacionalização da economia à translocalização maciça de pessoas como migrantes ou turistas, das redes planetárias de informação e comunicação à transnacionalização da lógica do consumismo destas transformações [tais fatores provocam uma] marginalização do Estado nacional, a perda da sua autonomia e da sua capacidade de regulação social (ou, ao contrário, o fortalece)?; [...] o regresso do indivíduo. O esgotamento do estruturalismo trouxe consigo a revalorização das práticas e dos processos e, nuns e noutros, a revalorização do indivíduo que os protagonizam. Foram os anos de análise da vida privada, do consumismo e do narcisismo, dos modos e estilos de vida, do espectador ativo da televisão, das biografias e trajetórias de vida, análises servidas pelo regresso do interacionismo, da fenomenologia, do micro em detrimento do macro. Contudo em aparente contradição com
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isto, o indivíduo parece hoje menos individual que nunca, a sua vida íntima nunca foi tão pública; [...] um surpreendente desaparecimento ou atenuação das (clivagens entre capitalismo e socialismo) e sua substituição por um não menos surpreendente consenso a respeito de um dos grandes paradigmas sócio-políticos da Modernidade: a democracia. [...] Contudo, [...] os seus conceitos satélites têm vindo a ser declarados em crise: a patologia da participação sob a forma de conformismo, do abstencionismo e da apatia política; a patologia da representação sob a forma da distância entre eleitores e eleitos etc.; [e além disso verificamos na história européia que] democracia e liberalismo econômico foram sempre má companhia um para o outro [...]. Contudo [...] hoje a promoção da democracia (em) nível internacional é feita conjuntamente com o neoliberalismo e de fato em dependência dele; [...] a intensificação da interdependência transnacional [...] faz com que as relações sociais pareçam hoje cada vez mais desterritorializadas, ultrapassando as fronteiras até agora policiadas pelos costumes, o nacionalismo, a língua, a ideologia e, muitas vezes, por tudo isso ao mesmo tempo. Contudo [...], assiste-se a um desabrochar de novas identidades regionais e locais alicerçadas numa revalorização do direito às raízes. (Santos, 1996: 19-21)
Essa longa citação reproduz o que pode ser constatado com facilidade em textos de outros autores que também reivindicam a pós-modernidade: a superficialidade de suas análises sobre as transformações societárias recentes aparece como uma clara opção em contraponto a descrições totalizantes, já que totalidade, neste ponto de vista, é “confundida” com totalitarismo e ocultamento das diferenças. A estratégia consiste mais precisamente na sataniza-
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ção da totalidade e das categorias universalizantes do projeto da modernidade em nome da completa ausência de perspectivas que proponham o enfrentamento da com plexidade do real para além da perplexidade, da impotência ou da celebração.
Santos (1996: cap. 4) adensará mais a lista de perplexidades que se transformam em desafios para a Sociologia quando lança sua hipótese explicativa para as mesmas: o esgotamento da modernidade enquanto projeto civilizatório devido ao não-cumprimento das suas “promessas”; esgotamento pela incapacidade das formas concretas de sociedade que o encarnaram (o capitalismo e o socialismo) tiveram de proporcionar aos homens condições de vida pautadas nos princípios da razão, liberdade e autonomia. Constata o autor a inexistência de utopias de transformação no modo de produção, pois “mesmo admitindo que a classe operária continua a ter interesse na superação do capitalismo, não parece que tenha capacidade para a levar a cabo. E se, por hipótese, se defende que ainda tem capacidade, parece então que já não tem interesse” (Santos, 1996: 107). Neste mesmo capítulo, Santos apresenta a programática pós-moderna como “saída” para a falida era da Modernidade: a aglutinação, através das miniracionalidades,
dos numerosos grupos sociais (que manifestam) um interesse veemente na resolução de alguns problemas como sejam a catástrofe ecológica, o perigo da guerra nuclear, a paz, a diferença sexual e racial. (Idem)
Estará formada assim a “rede de sujeitos” construída pelo “coletivismo da subjetividade” (expressões do autor)
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e a questão da transformação social fica então ladeada. Assim, resolvidos estes e outros problemas, como o da distribuição de renda e a democratização política, estaríamos mais ou menos conduzidos (conforme sugere o título do livro) “ pela mão de Alice”, e diria mais: no país das maravilhas!
A mesma lógica ordena a proposta de Lyotard (1989) para a superação da crise no âmbito da ciência que, de acordo com sua leitura, equivale à crise das metanarrativas como formas de legitimação do discurso científico. Isso significa dizer que, devido à importância da ciência como força produtiva na sociedade dita “pós-industrial” e ao poder demonstrado pelas inovações tecnológicas, uma nova linguagem se faz necessária. Fazendo claras menções ao pensamento moderno, Lyotard caracteriza o chamado “pensamento por oposições” (1989: cap. 4) como inadequado ao perfil da ciência contemporânea. No seu raciocínio, a atualidade requer o abandono da totalidade e o reconhecimento da hiper-positividade da diferença . Diferença: eis a palavra-chave que rege, tanto aqui como em Santos, a caracterização do tempo presente e da proposta metodológica que, em Lyotard, corresponde aos jogos de linguagem. Apresento-lhes assim a mais nova versão teórica apologética da ordem burguesa. Embora haja, no interior desse pensamento, autores que se coloquem numa postura de “oposição” (como é o caso de Santos) demarcando uma diferença do ponto de vista político em relação aos que possuem uma postura “reconfortante”, do ponto de vista teórico não me parece problemático equalizar essas diferenças. Isso porque mesmo os mais progressistas infirmam
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metodologicamente a razão dialética e suas potencialidades emancipatórias. Esta é, portanto, a lógica cultural do capitalismo tardio. A pós-modernidade, para além de ser a linguagem coadunante ao novo estágio desta sociedade, conforme quer Lyotard, é a linguagem que a legitima e reforça. Dito de outra forma, O pensamento pós-moderno, com sua defesa de um pluralismo de jogos de linguagem que impossibilita ir além de consensos locais e temporais, não permite dispor de critério algum para discernir as injustiças sociais. Nos deixa a mercê do status quo, encerrados no existente e sem possibilidades de uma crítica sócio-política racional. Tal pensamento, ainda que se proponha o contrário, termina não oferecendo apoio à democracia e sendo um apoio às injustiças vigentes. Merece, portanto, ser denominado conservador ou neoconservador ou, ao menos, ser suspeito de realizar tais funções. (Mardones, 1994: 38)
Lembro do descrito há pouco: a construção de uma racionalidade sem as pretensões universalizantes da razão moderna que, resolvendo alguns “probleminhas”, tornará essa ordem sociopolítica adequada para todos, indistintamente. Esta proposta não soa de todo estranha. Alguns de seus supostos são bem conhecidos e remetem às correntes sociológicas positivistas modernas, impregnadas, como as da “nova moda”, de conservadorismo. Se, no período anterior a 1848, o conservadorismo possuiu tons reacionários e anticapitalistas, após este momento histórico, marcado pelas ameaças cada vez mais concretas do movimento operário, o
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conservadorismo vai dar as mãos ao positivismo [...] fundando as modernas ciências sociais (tornando-se) um importante componente da cultura burguesa do período da decadência (Lukács). Nessa passagem desaparecem do pensamento conservador as demandas restauradoras e o próprio componente anticapitalista se converte numa conceptualização de caráter científico. A atenção dos conservadores se voltará para a construção de um corpo de conhecimentos que, favorecendo a gestão da ordem burguesa (mesmo que, para esta funcionar, haja que promover reformas dentro da ordem), permita controlar e regular suas crises e, assim, superar a ameaça revolucionária. (Machado, 1997: 61-62)
Obviamente, por estarem situados em momentos históricos diferenciados, não se trata do mesmo tipo de conservadorismo, até porque, em sua crítica à razão moderna, a pós-modernidade inclui inc lui o positivismo enquanto “paradigma” dela resultante (apesar dos pós-modernos dirigirem-se, no nosso entendimento, de forma muito mais intensa, ao marxismo). A contemporaneidade aparece assim, diante desta vertente emergente nas ciências sociais, como um emaranhado de fenômenos que se esgotam em sua própria singularidade. Se é impossível a descoberta de um sentido no processo histórico-social, que possa ser apreendido, instaura-se o império da icognoscibilidade com a relativização de todo conhecimento, permitindo uma multiplicidade inesgotável de interpretações, todas válidas. A realidade teria como característica essencial o seu caráter fragmentário, que
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impede qualquer possibilidade de síntese ou totalização que apreenda o real. (Evangelista, 1997: 31)
Dessa forma, as críticas polarizam frontalmente com o marxismo enquanto teoria social que desenvolve a racionalidade dialética da Ilustração, com todo o seu potencial totalizante. Já com o positivismo, o embate não é tão substantivo assim. Embora as críticas à perversidade da razão, esboçadas anteriormente, sejam dirigidas, a meu ver, à racionalidade instrumental e manipulatória típica do “paradigma” em questão, o embate do pós-modernismo com o mesmo é mais superficial devido à centralidade meramente epistemológica. Isso porque, apesar da formalidade da racionalidade positivista, ela localiza na realidade empírica (portanto no objeto) as substâncias analisadas pelo sujeito cognoscente; já “para os partidários das correntes irracionalistas, o conteúdo, a essência, a substância da realidade são meras atribuições dos sujeitos individuais” (Guerra, 1997: 13). Ficando no âmbito epistemológico, as críticas acabam por não atingir — e até por se apropriar dos — fundamentos conservadores do positivismo porquanto reverenciam o aparente e, conseqüentemente, a imediaticidade empírica (da qual dão mostras as constatações das ditas “rápidas” e “incompreensíveis” mudanças da contemporaneidade descritas no início dessa caracterização do pensamento pós-moderno), com a qual o referido “paradigma” (o positivismo) sempre conviveu muito harmonicamente. Ademais, Jameson (1996) enfatiza que o pós-modernismo assim referido “é uma concepção histórica e não meramente estilística” (ibid.: 72). Ela traz em seu bojo,
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nas mais diferentes áreas onde se expressa (arte, arquitetura, sociologia, lingüística, política etc.), a celebração das imagens reificadas do presente e transforma o passado em uma miragem visual, em estereótipo, ou textos (abolindo) efetivamente qualquer sentido prático do futuro e de um projeto coletivo. (Abandona assim) a tarefa de pensar o futuro às fantasias da pura catástrofe e cataclismos inexplicáveis. (Ibidem) 1.2.33 Neoc 1.2. Neoconse onserva rvadori dorismo smo pós-mod pós-moderno erno e positiv positividad idadee capitalist capitalistaa
A essa altura, espera-se ter evidenciado pelo menos duas questões: a primeira delas é que toda a construção teórico-metodológica da pós-modernidade emerge a partir de determinada interpretação da realidade contem porânea marcada, sim, por significa significativas tivas alteraçõe alterações. s. A segunda é que a percepção dessas alterações, conforme demonstrado , é fundamentalmente aparente: descreve-as
como uma série de problemas componentes da chamada “crise da Modernidade” sem penetrar em sua essência, reproduzindo, no nível da teoria social, o que Jameson (1996) denominou de “nova falta de profundidade” presente na esfera da cultura por meio do pastiche e do ecletismo. Percebe-se que esta superficialidade analítica, sendo um componente funcional à ordem burguesa, possui um caráter conservador, conservador, pois termina por afirmar afirmar a sua positividade.10 Justifica-se assim a superficialidade 10. Característica que pretende afirmar o capitalismo como insuperável, eterno e isento da negatividade que perpassa o real. Ver Netto (1981).
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do embate do pensamento pós-moderno com a racionalidade formal. Relacionado a isso, outra de suas características, que tem repercussões para as reflexões aqui tematizadas, é a constituição epistemológica da sua leitura da realidade social, afastando a pós-modernidade de uma apreensão ontológico-social. Entendendo que essas questões impactam os mais diversos setores da vida social, objetiva-se a seguir problematizá-las especificamente em relação a uma das especializações profissionais inserida na divisão sociotécnica do trabalho: o Serviço Social. Nesse sentido, cabe não perder de vista que o Serviço Social pode ser pensado sob diversos ângulos, dentre os quais é de preocupar, particularmente aqui, a sua dimensão ideoteórica. Considerase imprescindível ao percurso analítico aqui empreendido recuperar as determinações históricas de traços centrais do corpo ídeo-teórico do Serviço Social por meio dos quais, tendencialmente, aparece uma aproximação como conservadorismo pós-moderno. São eles o conservadorismo, tanto em sua versão restauradora quanto reformista, cujos indícios de epistemologismo e recusa ontológica travejam fundamente as elaborações próprias de uma certa legitimidade profissional; e o sincretismo que, “na elaboração do saber, [...] é a face visível do ecletismo” (Netto, 1992: 145). Esses traços da profissionalidade do Serviço Social, arraigados no seu substrato ídeo-teórico e cultural, perfilam a antimodernidade enquanto um componente propício à influência pós-moderna nessa especialidade do trabalho.
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Capítulo 2
Substratos ídeo-teóricos do Serviço Social: conservadorismo e sincretismo 2.1 Conservadorismo e legitimidade profissional
Segundo Machado, não se pode compreender o conservadorismo pensando-o nem do ponto de vista do senso comum, nem como uma tradição teórica despida de determinações históricas, pois se trata de “uma expressão cultural [...] particular de um tempo e um espaço sociohistóricos muito precisos: o tempo e o espaço da configuração da sociedade burguesa” (Machado, 1997: 43). As primeiras manifestações do pensamento conservador se dão como respostas reacionárias à Revolução Francesa,1 responsável por iniciar a derrocada do mundo feudal e subverter desde a organização produtiva aos valores estruturantes da sociabilidade. São características desse período, entre outras premissas, a defesa da tradição e do costume, assim como a exaltação de formas de organização social do passado como válidas para o presente. Isso simboliza uma aceitação 1. Um autor típico dessa fase do conservadorismo é Edmund Burke e suas Reflexões sobre a Revolução na França.
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parcial do capitalismo, ao reconhecer algumas vantagens nesse modo de produção, propondo a sua convivência com instituições sociais pré-capitalistas — “o privilégio da família, as corporações, o protagonismo público-temporal da Igreja, a hierarquia social cristalizada etc.” (Machado, 1997: 50) —, ou seja, simboliza a rejeição do teor revolucionário da cultura burguesa que, sendo nesse momento portadora do ideário da modernidade, ameaçava a “ordenação natural do mundo” com seus princípios universalizantes, racionalizantes e humanistas de “desencantamento” do mesmo (cf. cap.1). Para os conservadores deste momento, a noção de “comunidade” inspirada na família é a expressão da sociedade pretendendo significar a relação entre os indivíduos, pretensamente baseada na coesão social (Iamamoto, 1992). Este era mais um motivo para que a radicalidade da revolução como ação política de ruptura fosse rechaçada veementemente. Entre 1830 e 1848, a crise vivenciada pelo capitalismo repercute decisivamente na constituição do pensamento conservador. Esse período assinala o acirramento das contradições do mundo burguês, pois são o próprio desenvolvimento do capitalismo e a consolidação da dominação burguesa que engendram as forças organizativas do movimento operário, vigorosas nesse momento de crise, e desencadeiam o que Lukács (1959) chamou de “período da decadência ideológica da burguesia”. Se, originalmente, o pensamento conservador é como vimos restaurador e antiburguês, na reviravolta referida por Lukács este caráter se transforma: o que tende a se desenvolver no seu interior, mais que aqueles dois traços, é o
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seu eixo contra-revolucionário. Nos primeiros conservadores, a recusa da revolução expressava um repúdio à revolução burguesa (em Burke, particularmente, expressava um repúdio ao paradigma francês da revolução burguesa); nos conservadores que trabalham nas condições pós-48, com a evidência da inviabilidade da restauração, o conservadorismo passa a expressar o repúdio a qualquer revolução — ou seja, o pensamento conservador passa a se definir explicitamente como contra-revolucionário. É assim que ele tem substantivamente mudada a sua função social: de instrumento ideal de luta antiburguesa, converte-se em subsidiário da defesa burguesa contra o novo protagonista revolucionário, o proletariado. (Machado, 1997: 57-58)
As transformações referidas evidenciam-se tanto na função sociopolítica do conservadorismo — agora plenamente integrado aos componentes culturais da ordem burguesa — quanto em seus pressupostos teórico-conceituais. Preocupados com a ordem capitalista, pelo antagonismo crescente entre as suas classes fundamentais, os conservadores buscam agora uma conciliação com o progresso. Do ponto de vista que interessa aqui, o lema “ordem e progresso” traduz um aspecto fundamental do positivismo enquanto expressão típica do conservadorismo moderno, consistindo numa proposta política para o enfrentamento da “questão social”. Esses elementos já aparecem em Comte, mas exponenciam-se com Durkheim: nele vêm à tona a forte conotação reformista, a valorização da moral como força social coesionadora e da educação como responsável pelo ensinamento do que seja a força das leis. Durkheim advoga que as leis submetem os fenômenos tanto físicos quanto sociais a uma tal ordena-
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ção que “a vontade humana não pode interromper à sua vontade [...] por conseqüência, as revoluções no sentido próprio do termo são coisas tão impossíveis como os milagres” (apud Machado, 1997: 65). A emergência desses novos traços, contudo, não se contrapõe de forma absoluta aos que constituíram o primeiro momento do pensamento conservador. Mesmo no caso da Europa, considerada o berço de toda essa tradição cultural, a mencionada renovação teórica tem por suporte uma linha de continuidade com certos princípios anteriores adaptados a um novo momento histórico, apesar do abandono de outros. Por exemplo, o pressuposto ordenamento natural do mundo social, típico da primeira fase, permanece após 1848, porém tem seu fundamento explicativo substituído. Se em princípio tratava-se de uma ordem divinizada, agora passa a ser fruto de leis imutáveis com base em argumentos científicos. Ocorre nesse sentido o que Netto (1992: 40) denominou equalização do “social” à natureza , ou seja, o escamoteamento “da específica ontologia do ser social (pela via da) atribuição de um estatuto ‘científico’ à reflexão sobre a sociedade diretamente extraído dos modelos da ciência da natureza”. Essa metamorfose foi vivenciada de uma forma particular pelo Serviço Social. Não são poucas as indicações que, na bibliografia profissional, afirmam a presença do pensamento conservador como constitutiva da sua matriz ídeo-teórica, em muito apoiadas na legitimidade conferida a essa atividade pela classe dominante no capitalismo. Mas, conforme alerta Netto (1992), é preciso buscar as demais determinações componentes dessa relação entre o Serviço Social e o pensamento conservador ultra-
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passando as fronteiras da abordagem genérica, presente em grande parte dessas indicações. Com esse intuito o autor recupera o que chamei de “metamorfose” do pensamento conservador e suas influências no Serviço Social. As características da fase restauradora são tipicamente européias, principalmente por estarem neste continente as principais marcas da ruptura revolucionária que deu fôlego à reação conservadora até 1848. É lá, mais precisamente na França, que encontramos o “catolicismo social”, vertente ligada à Igreja Católica “que estará no coração mesmo das protoformas francesas do Serviço Social — e não só delas, mas no bojo da configuração profissional nessa região até, pelo menos, os anos quarenta” (Netto, 1992: 109). O mote do anticapitalismo romântico direciona uma intervenção de resistência católica às premissas racionalizantes recolhidas pelo capitalismo emergente do projeto Ilustrado e que infirmam a hegemonia dos valores religiosos como base de organização da vida social. Diferença marcante se observa na configuração do Serviço Social norte-americano, influenciado pela vertente reformista do pensamento conservador. Tal influência resultou de uma aceitação muito mais orgânica do capitalismo, em razão não só da ausência dos “traumas” de ruptura com a ordem feudal como também do diferencial cultural derivado da religião protestante (reformada). Nesse panorama, o Serviço Social sintoniza-se com a classe dominante reformando, adequando ou modernizando comportamentos sempre que a manutenção da ordem burguesa o requisite. Verifica-se, portanto, que
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nas fontes ideológicas das protoformas e da afirmação inicial do Serviço Social europeu, dado o anticapitalismo romântico, há um vigoroso componente de apologia indireta do capitalismo; nas fontes norte-americanas, nem desta forma a ordem capitalista era objeto de questionamento. [...] (Em conseqüência desta diferença), na angulação própria da apologia indireta [...] a moldura da intervenção é, basicamente, ético-moral em duas direções: na do ator da intervenção (que deve restaurar a ordem perdida) e na do processo sobre que age (que deve ser recolocado uma ordem melhor). Onde não há ponderação da apologia indireta, o reformismo profissional é modernizador: a intervenção tem por objetivo um padrão de integração que joga com a efetiva dinâmica vigente e se propõe explorar alternativas nela contidas — a ordem capitalista é tomada como invulnerável, sem o apelo a parâmetros pretéritos. A moldura da intervenção se desloca visivelmente: o ator profissional é um prestador de serviços, que reclama uma remuneração e se apresenta como portador de uma qualificação técnica — sua intervenção é exigida pela natureza mesma da ordem vigente, cuja estrutura profunda é invulnerável e, deste ponto de vista, só deve ser objeto de juízos de fato. (Netto, 1992: 112-113)
Apesar dessas diferenças registra-se na história do desenvolvimento profissional das duas matrizes uma série de cruzamentos, principalmente a partir dos anos 1930 (o que será tratado mais cuidadosamente na seção que se segue). Desse modo, quando o Serviço Social surge no Brasil — a partir de 1936, institucionalizando-se na década de 40 —, ele possui em seu arcabouço teórico original traços mesclados tanto do Serviço Social europeu quanto do norte-americano. Lembremos ainda que o cor-
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po teórico do conservadorismo deve ser pensado de acordo com os parâmetros acima referenciados, porém tendo em vista sua inserção em diferentes particularidades sociohistóricas. No Brasil, por exemplo, onde vivemos um processo de constituição do capitalismo diferenciado do europeu, que não foi antecedido por um regime feudal e nem implantado por uma revolução burguesa clássica, não se pode imaginar que o conservadorismo aqui seja análogo ao gestado em outras condições históricas. O “nosso” conservadorismo tem o seu perfil marcado pela inserção periférica da economia brasileira no mercado mundial, determinando inclusive o sistema de saberes produzidos. Em termos de Serviço Social, o conservadorismo é constitutivo da sua trajetória. A iniciativa de fundação da primeira escola, em São Paulo, foi resultante da mobilização do laicato em torno do projeto de recristianização da Igreja Católica entre as décadas de 1920 e 1930. Temse aí presente o conservadorismo de matriz restauradora colocando-se como alternativa no enfrentamento da “questão social”, que fora agravada com a chegada dos imigrantes anarco-sindicalistas e, ao mesmo tempo, servindo de base para recuperar o espaço perdido com a laicização do Estado após a República: a Igreja procura superar a postura contemplativa. Fortalece-se defensivamente e, diretamente orientada pela hierarquia, procura organizar e qualificar seus quadros intelectuais laicos para uma ação missionária e evangelizadora na sociedade. Contrapõe-se aos princípios do liberalismo e ao comunismo, que aparecem como um perigo ameaça-
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dor à sua posição na sociedade. O movimento de “reação católica” é respaldado em uma vasta rede de organizações difusoras de um projeto de recristianização da ordem burguesa, sob o imperativo ético do comunitarismo cristão exorcizando essa ordem de seu conteúdo liberal. A Igreja luta, ainda, pela legitimação jurídica de suas áreas de influência dentro do aparato de Estado. (Iamamoto, 1992: 18)
A institucionalização profissional, por sua vez, foi “patrocinada” pelo Estado com a expansão da sua área de intervenção na sociedade — já nos quadros do capitalismo monopolista — através das instituições sócio-assistenciais na década de 1940. A lógica ordenadora desses espaços era a do reformismo, ressaltado anteriormente como resposta característica das classes dominantes no Brasil ao dinamismo transformador que o capitalismo tendencialmente põe em movimento no desenvolvimento das suas forças produtivas. Tal lógica muda substantivamente os aportes da intervenção do assistente social, pois a manutenção da legitimidade conferida pelo Estado à profissão requisitava respostas sintonizadas com o reformismo conservador e não com o restauracionismo. Isso fez com que o processo de secularização e de ampliação do suporte técnico-científico da profissão [...] [ocorresse] sob a influência dos progressos alcançados pelas ciências sociais nos marcos do pensamento conservador, especialmente de sua vertente empiricista norte-americana. (Ibid.: 21)
O conservadorismo é, portanto, um componente ídeoteórico de peso no Serviço Social do Brasil, devendo sua
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presença ser debitada a movimentos mais amplos que o estrito círculo da intencionalidade profissional. Ele esteve, como em outros países, constituindo-o de forma decisiva: cauciona até hoje determinado tipo de legitimidade — aquele que trabalha pela manutenção da ordem burguesa. Obviamente há que considerar os abalos sofridos pelo pensamento conservador no Serviço Social com o processo de renovação profissional. No Brasil, sua vertente mais crítica (a intenção de ruptura) protagonizou a descoberta mesma do conservadorismo, apontando para a possibilidade de construir a profissão sob uma outra base de legitimidade, conferida pelos usuários dos serviços. Foi um giro importante, pois até então a presença do conservadorismo era naturalizada; era como que intrínseca, de tão arraigada na cultura profissional. Embora essa crítica, mesmo com todos os desenvolvimentos que teve até o momento, não seja suficiente para apagar vestígios do conservadorismo do campo do Serviço Social (defendi mesmo que este, aliás, não é o seu objetivo), ela contribuiu para o esclarecimento das relações entre esse e o pensamento conservador , na medida em que desvendou
o componente — este sim, intrínseco da profissionalidade do Serviço Social — da divisão sociotécnica do trabalho. Esse é o dado que deixa “cair a máscara” do conservadorismo, apreendendo que o pensamento conservador é um dos referenciais possíveis para fundamentar o exercício profissional, mas apenas um dos e não o único . Isso
porque a mediação do mercado de trabalho que expõe o
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Serviço Social às contradições da socialidade burguesa o expõe a outras demandas portadoras de uma legitimidade própria, para a qual o pensamento conservador é inepto por razões diversas, mas principalmente pela sua filiação teórica, que obscurece (pela via do irracionalismo ou da miséria da razão; cf. cap. 1) os aspectos ontológicos do ser social. Isto significa dizer que a descoberta de uma legitimidade que avance no sentido da emancipação humana não pode ser fundada pelo pensamento conservador, dado que este manipula os fenômenos específicos do ser social com a mesma instrumentalidade (Guerra, 1995) com que manipula qualquer outro tipo de fenômeno: como “coisas”. Contraditoriamente, a renovação também forneceu aportes para duas outras vertentes que situam o pensamento conservador sob novas bases: a “modernização conservadora” e a “reatualização do conservadorismo”, construídas como movimentos impulsionados pela legitimidade que lhe é própria em resposta a dois fatores centrais. O primeiro deles é exógeno: a erosão do tradicionalismo profissional, em boa medida determinada pelo desenvolvimento do capitalismo, exigia uma nova postura técnico-operativa diante da “questão social”. Essa exigência demandava mudanças na eficiência típica do conservadorismo profissional. Ele, então, revê a sua instrumentalidade para adequar-se a tais requisições — seja modernizando-se tecnicamente, com a incorporação de referenciais estrutural-funcionalistas e desenvolvimentistas, seja repsicologizando-se através da fenomenologia. É necessário, no entanto, explicitar as filiações de ambas as vias ao pensamento conservador.
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O segundo fator a que me refiro é endógeno: a crítica esboçada pela “intenção de ruptura” que aprofunda a crise de legitimidade vivida pelo tradicionalismo na direção mencionada há pouco. E quando digo que o papel desta crítica não é o de eliminar o conservadorismo do terreno profissional é por uma razão muito simples: ele é a perspectiva que responde pelas atualizações constantes do pensamento conservador enquanto referencial que melhor responde às exigências postas por esta demanda intrínseca ao mercado de trabalho do Serviço Social. Ou seja, há um fato que o antecede: na divisão sociotécnica do trabalho é fundante da profissão a demanda pela reprodução das relações capitalistas de produção. Na pioneira análise de Iamamoto temos que o Serviço Social como instituição componente da organização da sociedade, não pode fugir a essa realidade. [...] Como as classes sociais fundamentais e suas personagens só existem em relação, pela mútua mediação entre elas, a atuação do Assistente Social é necessariamente polarizada pelos interesses de tais classes, tendendo a ser cooptada por aqueles que têm uma posição dominante. Reproduz também, pela mesma atividade, interesses contrapostos que convivem em tensão. Responde tanto a demandas do capital como do trabalho e só pode fortalecer um ou outro pólo pela mediação do seu oposto. Participa tanto dos mecanismos de dominação e exploração como, ao mesmo tem po e pela mesma atividade, da resposta às necessidades de sobrevivência da classe trabalhadora e da reprodução do antagonismo nesses interesses sociais, reforçando as contradições que constituem o móvel básico da história . A
partir dessa compreensão é que se pode estabelecer uma
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estratégia profissional e política para fortalecer as metas do capital ou do trabalho , mas não se pode excluí-las do
contexto da prática profissional, visto que as classes só existem inter-relacionadas. É isto, inclusive, que viabiliza a possibilidade de o profissional colocar-se no horizonte dos interesses das classes trabalhadoras. (1995: 75; grifos em itálicos do original e em negrito meus)
As respostas que o Serviço Social e as demais especialidades do trabalho são chamadas a dar neste sentido têm seu resultado, independentemente da intencionalidade desses profissionais, travejado pelo conservadorismo — cujas mudanças internas, expressas nas atualizações constantes do pensamento conservador, vêm sempre aprimorar o seu potencial afirmativo da positividade da ordem burguesa (Netto, 1981). Assim, enquanto a demanda que o sustenta existir, o conservadorismo estará presente no Serviço Social — ora mais fortalecido, ora menos, porém sempre atualizandose para responder adequadamente às requisições que lhes são formuladas . Ele é uma tendência constitutiva dessa
profissionalidade, o que não quer dizer que seja a única. O papel da perspectiva crítico-dialética nesse sentido é aprofundar as fragilidades do projeto conservador desenvolvendo a outra legitimidade igualmente constitutiva do tecido profissional, mas isso não elimina a sua oponente. Não nestas condições históricas, cujos limites estão circunscritos à ordem burguesa. Arrogar-se essa tarefa é reforçar o messianismo (Iamamoto, 1992) não raras vezes reiterado na história profissional, desconsiderando o quadro atual de hegemonia ideológica do capital.
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2.2 Dimensões ontológicas e reflexivas do sincretismo no Serviço Social
Após demarcar a presença do conservadorismo como um elemento societário ontologicamente central e, por isso mesmo, enraizado profundamente na cultura profissional, examinarei mais a fundo, a partir daqui, a análise de outro traço historicamente constitutivo da dimensão ideoteórica do Serviço Social: o sincretismo (Netto, 1992). Tal designação aponta para a recorrência com que, no desenrolar do desenvolvimento profissional, os seus agentes incorporam ecleticamente “novas” teorias para subsidiar não apenas o exercício profissional, mas também a produção teórica. Dão mostras disso as interações ocorridas entre as tradições profissionais da Europa e dos Estados Unidos (cf. Netto, 1992: seção 2.4 e ss.). O conservadorismo modernizador norte-americano, sincrético à partida — pois em relação ao Serviço Social registram-se também influências do personalismo2 —, adquire tons psicologistas nas décadas de 1930 e 40, numa clara abertura à concepção européia, historicamente mais apoiada numa individualização moralizante da “questão social”. A tradição européia, por sua vez, impulsionada pelo neotomismo, capturou a necessidade de uma intervenção tecnicamente mais elaborada para o militantismo do lai2. Corrente ideológica francamente irracionalista que “moldura as refrações da ‘questão social’ no âmbito da personalidade [e/ou] no da relação interpessoal” (Netto, 1992: 120). É importante, entretanto, distingui-lo do personalismo de Mounier.
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cato católico, que foi encontrada nos desenvolvimentos do Serviço Social norte-americano. No Brasil “o mesmo fenômeno se fez presente com idêntico vigor: referimonos aos capítulos históricos do desenvolvimento de comunidade e do chamado movimento de reconceptualização” (Netto, 1992: 124). Não é originalidade, portanto, da pós-modernidade recomendar que se mesclem diferentes matrizes teóricas para aumentar o poder de desvendamento da teoria sobre a realidade. Esta idéia, propalada como uma “grande descoberta”, deita raízes muito antes da “onda” pós-moderna: é um procedimento teórico típico das ciências sociais e responde pelo obscurecimento das relações centrais do capitalismo. Isso significa dizer que as ciências sociais particulares, sendo fruto do período de decadência ideológica da burguesia, interditam as possibilidades que os homens adquirem — com o “recuo das barreiras naturais” (Marx, apud Lukács, 1979) — de se perceberem como sujeitos históricos pela via das teorias sociais. Se o recuo das barreiras naturais explicita a essência mesma da “produção e [...] reprodução da vida social (podendo estas aparecerem) aos homens como resultado das suas relações com a natureza e consigo mesmos” (Netto, 1994: 31), é este mesmo recuo que, contraditoriamente, amplia a reificação. A alienação constitutiva da divisão capitalista do trabalho e o conseqüente processo de fetichização que “coisifica” cada vez mais essas mesmas relações do homem com a natureza e entre si alcançam a totalidade da vida social cerceando as potencialidades da razão: é esta a lógica que ordena o nascimento das ciências
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em questão. Elas espelham a cisão das relações sociais em objetos dissecados à imagem e semelhança da divisão capitalista do trabalho. É a divisão intelectual do trabalho, em que cada “ciência” passa a tratar do “seu” objeto específico, permanecendo a sua articulação com o “todo” um problema desprezível e/ou metodologicamente irresoluto. [...] Nas sarcásticas palavras de Lukács (1968: 472-473): “ao se converter, exatamente como a economia, etc., numa ciência concreta rigorosamente especializada, à sociologia se colocam, como às demais ciências específicas, problemas condicionados pela divisão capitalista do trabalho. E entre eles, e em primeiro lugar, uma tarefa que surge espontaneamente e da qual nunca adquire clara consciência a metodologia burguesa: a de atribuir os problemas decisivos da vida social, por parte de uma disciplina especializada que como não é competente para resolvê-los, à jurisdição de outra disciplina também especial que, por seu turno — e com a mesma atitude conseqüente — se declara incompetente. Como é natural, trata-se sempre daqueles problemas decisivos da vida social com relação aos quais a burguesia decadente possui um interesse cada vez maior em evitar que sejam claramente colocados e, mais ainda, resolvidos. O agnosticismo social como forma de defesa de posições ideológica e irremissivelmente condenadas adquire, assim, um estatuto metodológico, que funciona inconscientemente. (Netto, 1992: 136-137)
Lançar luzes sobre a origem das ciências sociais particulares e seus procedimentos teórico-metodológicos é útil para expor o conservadorismo e o ecletismo como resultantes das exigências que as mobilizaram. Não por acaso
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encontramos o conservadorismo e o sincretismo ideológico e científico também impregnando o Serviço Social. As relações existentes entre este e as ciências sociais têm sido, majoritariamente, de incorporação das teorias produzidas nesse âmbito.3 Até aí, nenhum problema entendendo que a natureza dessa profissão é interventiva e estão, portanto, interditadas as chances de ela autonomizar-se teoricamente. No entanto, nem sempre foi essa a premissa que balizou as relações em tela. No afã de demarcar a diferença entre o Serviço Social e suas protoformas, algumas tendências profissionais atribuem centralidade ao processo de organização técnicocientífica da filantropia. Tal processo teria contribuído para que o Serviço Social avançasse na sua “teorização”, cujo objetivo é, partindo desses conhecimentos reconhecidos como científicos, evoluir ao estágio de “ciência”. Esta foi durante muito tempo a intencionalidade predominantemente posta na relação do Serviço Social com as ciências sociais. Vejo aí, pelo menos, três problemas graves. O primeiro deles, que se pode considerar superado, é a própria pretensão de transformar o Serviço Social em “ciência”, “teoria” ou qualquer outra coisa do gênero .4 3. Ressalto esta premissa no sentido de evidenciar a posição de “receptor” que o Serviço Social ocupa nesta relação, o que não significa dizer que os conhecimentos produzidos no âmbito do Serviço Social (mas que não são teorias) não possam ser incorporados pelas ciências sociais particulares. 4. Talvez não se possa afirmar que a pretensão de transformar o Serviço Social em ciência esteja totalmente superada. Percebo que persistem ainda autores que podem até não pretender que o Serviço Social alcance o status de ciência, mas defendem que a incorporação de
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Seu fundamento encontra-se numa leitura equivocada da particularidade profissional: esta deve ser atribuída à organização de um espaço na divisão sociotécnica do trabalho, dinamizado pelas necessidades de intervenção sistemática junto à “questão social” na ordem monopólica e não a uma “evolução” que tem na busca da cientificidade seu fator determinante. O segundo problema é o da forma como se estabeleceram essas relações. A posição de “receptor” (Netto, 1992) do conhecimento produzido nas ciências sociais promoveu uma postura passiva que o absorvia (ou, seria melhor dizer, absorve) sem qualquer questionamento crítico da sua validade. Dando-o por suposto,5 o Serviço Social apenas o incorporava. E aí reside o terceiro problema: incorporando-o sem criticidade, o critério que comandava tal operação era cumulativo , uma vez que se acreditava indiscutível a remissão dos avanços teóricos à quantidade de elementos incorporados até então. Para atender à intencionalidade referida, a “teorização” do Serviço Social refletia em suas produções não uma síntese, mas um agregado (que) apresenta-se com uma estrutura reiterativa: o apelo a diferentes ciências sociais, com o recurso a componentes nem sempre compatíveis com a moldura elementos científicos tem o claro objetivo de fazer superar a subalternidade técnica desses profissionais — o que, a meu ver, é tão equivocado quanto a primeira hipótese pelas mesmas razões. 5. Netto acrescenta a este fato como suas conseqüências mais evidentes “a escassa atenção à pesquisa e à investigação (e as escassas predisposição e formação para tanto); [...] [e a] consolidação do praticismo na intervenção profissional” (1992: 143).
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em que são inseridos [...]. Desta forma, a psicologia do ego se imbrica com uma teoria do equilíbrio social, a psiquiatria se engrena com uma teoria dos microssistemas sociais, a psicanálise se articula com a dinâmica dos pequenos grupos, a teoria funcionalista da mudança social se sintoniza com os esquemas dualistas em economia etc. (Netto, 1992: 145)
Eis o sincretismo científico. Suas origens possuem, entretanto, outras determinações além da filiação teórica do Serviço Social às ciências sociais e sua intencionalidade em relação a tais conhecimentos. É certo que a forma como tais relações se construíram historicamente foi decisiva para a consolidação do sincretismo científico no Serviço Social. Antecede-a, no entanto, o sincretismo derivado da configuração do espaço sócio-ocupacional da profissão. Ou seja, antes mesmo de reproduzir-se no âmbito ideoteórico, o sincretismo já era constitutivo da profissionalidade do Serviço Social, expressando-se pelo menos de três maneiras distintas: no âmago do seu universo problemático original; no horizonte do exercício profissional e nas modalidades específicas de intervenção (Netto, 1992). As demandas que estruturam a requisição profissional, conforme já dito antes, advêm da necessidade de intervenção do Estado sob a “questão social” na era monopólica de organização do capitalismo mundial. Esta fase de desenvolvimento do capitalismo, ao acentuar as contradições imanentes ao processo sócio-histórico, reproduz em escala ampliada o antagonismo entre capital e trabalho fazendo-o desbordar, mais que antes, o território fabril strictu senso. A expansão da “questão social”
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tendeu a tomar formas cada vez mais complexas, perpassando todos os poros da vida social, num movimento correspondente à complexidade da expansão monopólica do capital. Este fato, se por um lado teve o mérito de torná-la evidente — modificando a relevância do trato que lhe era conferido e exigindo respostas mais sofisticadas da classe dominante e “seu” Estado —, por outro lado ofereceu suportes para uma eficiente manipulação das referidas respostas pela via da fragmentação. As políticas sociais foram assim setorialmente pensadas para destrinchar a complexidade aludida: tomadas em sua fenomenalidade, as expressões da “questão social” transmutam-se em diferentes problemas tratados isoladamente pelas especializações da divisão sociotécnica do trabalho, entre elas, o Serviço Social. Por estarem mergulhados na lógica da singularidade, salientam-se os aspectos sincréticos da problemática polivalente que demanda a intervenção operativa do assistente social.
No horizonte desta mesma intervenção, e conjugado à heterogeneidade das situações que a constituem, aparece o segundo elemento de sincretismo referido. Trata-se do cotidiano, solo em que se move tal profissionalidade. Este espaço — segundo Lukács (apud Netto, in Netto e Carvalho, 1996) — insuprimível da vida em sociedade, mas nem por isso a-histórico, é o lugar onde a reprodução social se realiza na reprodução dos indivíduos como tais. Isto significa dizer que a dimensão própria da cotidianidade é a singularidade: a reprodução social do gênero humano encontra-se velada pela saliente — no sentido de mais visível — reprodução dos indivíduos singular-
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mente falando. A superficialidade extensiva é, portanto, uma de suas determinações fundamentais, já que, nesse processo, leva-se em conta “o somatório dos fenômenos que comparecem em cada situação precisa sem considerar as relações que os vinculam” (Netto, in Netto e Carvalho, 1996: 67). O cotidiano, sendo historicamente determinado, adquire uma funcionalidade própria na sociedade capitalista. O desenvolvimento dos monopólios, e com mais intensidade do capitalismo tardio, apresentou uma tendência crescente de potencialização do cotidiano do ponto de vista produtivo e ideológico (cf. cap. 1). A reificação típica dessa fase do capitalismo responde pela universalização da forma mercadoria no inteiro cotidiano dos homens e sua entronização, aparentemente invisível, como único locus da vida social. Esse processo está obviamente relacionado ao obscurecimento da razão dialética e da totalidade já situado. Especificamente no que diz respeito aos aspectos tematizados nesse momento, a reificação interdita freqüentemente o procedimento de “suspensão” da heterogeneidade da vida cotidiana (Netto, in Netto e Carvalho, 1996). A “suspensão” é o recurso capaz de fazer com que os indivíduos se vejam mediatizados pela universalidade do ser social e ao voltarem para o cotidiano percebam-se como particularidades, ultrapassando assim a singularidade. Isso tudo concorre para validar o sincretismo próprio às demandas do Serviço Social. As determinações do cotidiano são parte da legitimidade que sustenta o mercado de trabalho desse profissional chamado a intervir de forma a ordenar a ampliação da heterogeneidade ocorrida a
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partir do capitalismo monopolista. Precisamente aí reside o último elemento da tríade que compõe o sincretismo: a instrumentalidade posta nas requisições mencionadas. O cotidiano perpassa os diversificados processos de trabalho em que se inserem os assistentes sociais que encontram, tendencialmente acobertadas, as determinações fundamentais do ser social. Ao encontrá-las acobertadas, a intervenção profissional tende a “manipular os fenômenos sociais com a mesma instrumentalidade posta na relação entre o homem e a natureza e esta (instrumentalidade) passa então a dominar as relações dos homens entre si” (Guerra, 1997: 15). O sincretismo desta vez encontra-se no cerne da modalidade específica de intervenção; na operacionalidade que, em face da polivalência das demandas a que responde, faz uso da manipulação abstrata de variáveis empíricas recolhidas dos processos sociais tomados setorialmente (Netto, 1992). A referência intelectual coadunante a esse processo não poderia ser encontrada, portanto, em outro terreno que não fosse o das ciências sociais particulares. Seu invulgar pragmatismo e empiricismo, calcados na lógica formal-abstrata, são os ingredientes que estão nas bases de fundação do sincretismo científico do Serviço Social. 2.3 Serviço Social e pós-modernidade: uma compatibilidade antimoderna
O conservadorismo, articulado no interior do sincretismo ideológico e científico que marcam o Serviço Social, dinamiza uma complexa tendência antimoderna na
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profissão (Netto, 1996b). Esta é resultante da influência que o programa da antimodernidade de origem católica teve no Serviço Social do Brasil, reagindo à secularização, à laicização, à liberdade de pensamento, à autonomia individual etc.; não por acaso, a direção social estratégica dominante em seu interior vinculava-se a um projeto social e político que recusava o liberalismo e o socialismo (projetos claramente modernos)”. (Ibid.: 118)
Mas não só isso: a tendência antimoderna é complexa. E o é mais precisamente devido à composição sincrética que lhe é constitutiva. Os elementos originalmente antimodernos — como a perspectiva do anticapitalismo romântico e o corporativismo — foram sendo acomodados e adaptados a uma estrutura moderna em face dos influxos mesclados das vertentes restauradora e reformista num processo que, bem ao gosto do sincretismo, apresenta um misto de componentes muitas vezes incompatíveis teoricamente. As relações do Serviço Social com a modernidade apresentam, portanto, algumas incompatibilidades. Se, por um lado, o sincretismo está plenamente sintonizado com a modernidade burguesa e sua concepção de ciência, em termos ideológicos, por outro, o Serviço Social tem “um pé” no conservadorismo antimoderno. Tendo em vista os valores axiais do projeto moderno, apontados por Rouanet (cf. cap.1), Parra analisa que, diante da universalidade da modernidade, [...] o Serviço Social desenvolvia sua atividade em função de provocar a
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aceitação das desigualdades de classe, de gênero, de raça
atribuindo-as ao terreno do individual, quando não do patológico. [...] Diante da individualidade do homem, capaz de ser pensado em si mesmo, com seus direitos à felicidade e à auto-realização, o Serviço Social teve a função de homogeneizar os setores dominados, enquadrando-lhes no disciplinamento necessário à força de trabalho. [...] Diante da autonomia política, entendida como liberdade civil no espaço privado e no espaço público, o Serviço Social foi introduzido no espaço da vida privada dos setores dominados com vistas a controlar e organizar a vida cotidia-
[...] Diante da autonomia econômica, entendida como possibilidade de produzir assim como de consumir bens e serviços, o Serviço Social se colocou a na dos mesmos.
tarefa de capacitar e disciplinar para a produção e o tra-
impondo um estilo de vida que reproduzia a normatização da produção. [...] Diante da autonomia intelectual, a razão autônoma livre de dogmatismos e tutelas, o Serviço social assumiu uma perspectiva científica para fazer uso da razão instrumental — ou seja, estabelecer procedimentos, realizar tipologias e classificações, reconhecer sociopatologias — orientados principalmente ao controle, subordinação e manipulação dos setores com os quais trabalhava. (1999: 92-94) balho,
Daí por que no Serviço Social as influências da crítica pós-moderna ao ideário da modernidade tendem a ecoar fertilmente: sua profissionalidade foi saturada de elementos antimodernos que, do ponto de vista ideoteórico, se expressam no conservadorismo. Esse componente é o fio condutor da aproximação pós-moderna, ordenada pelo sincretismo e sua habitual ausência de reservas críticas.
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Tal característica ganha no capitalismo em crise da década de 1990 mais um aliado: as crescentes requisições do mercado de trabalho no sentido do reforço à setorialidade. No caso do Serviço Social, exposto como as demais profissões às inseguranças do trabalho na sociedade contemporânea, um tratamento acrítico de tais requisições parece estar sendo a tônica predominante junto à categoria profissional, e nessa direção fazemos algumas ponderações. O atendimento acrítico dessas requisições tende a fortalecer a busca por atualização teórico-instrumental relativa aos “campos de atuação” do Serviço Social vistos isoladamente. Em tempos de pós-modernidade são abundantes os materiais que, aprisionados pela lógica do fragmento, dão suporte a esse tipo de resposta. As probabilidades de expansão dessa tendência são consideráveis diante da predominância, na cultura profissional, das preocupações “microssociais” e, conseqüentemente, da chamada “microintervenção”. Segundo Netto (1996c), essa dominância foi relativamente abalada após a introdução do desenvolvimento de comunidade seguida pelos questionamentos próprios da renovação profissional, o que não significa, conforme já dito, que tais características tenham sido banidas do tecido profissional. Dentre os rebatimentos possivelmente daí derivados, ressalto o reavivamento das características supramencionadas, apontando um perfil profissional tecnicista e, do ponto de vista ideológico, conservador, tendo sua intervenção pautada pela aceitação da positividade capitalista.
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Além da ausência de criticidade, outro traço do sincretismo marca a produção teórica do Serviço Social e tende a ser reforçado com a pós-modernidade: as vulgarizações das teorias originais. Tratando-se das teorias pósmodernas — declaradamente ecléticas elas mesmas —, tal procedimento não só é ordenado pelo sincretismo, como também tende a reforçá-lo no terreno especificamente profissional. O perfil das influências do pensamento pós-moderno no Serviço Social é problematizado a seguir, possibilitando visualizar mais concretamente a compatibilidade antimoderna que as constitui e que, na década de 1990, possui uma particularidade: o embate contra a direção social estratégica de ruptura com o conservadorismo, travestido num debate teórico-epistemológico.
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Capítulo 3
Rebatimentos do neoconservadorismo pós-moderno no Serviço Social 3.1 As aproximações sucessivas entre Serviço Social e tradição marxista
Tratar analiticamente a constituição ídeo-teórica do Serviço Social nos anos 1990 é remeter ao protagonismo que a vertente crítico-dialética tem imprimido ao debate profissional. A dinâmica do Serviço Social neste período permite identificar um amadurecimento da relação entre a profissão e referencial que peculiariza o embate com tradicionalismo: as formulações marxiana e marxista. Vários analistas já apontaram para a processualidade dessa relação,1 em que se destacam níveis de apropriação cada vez mais complexos. Em tal processualidade, identificamos o primeiro desses momentos por ocasião do Movimento de Reconceituação como uma apropriação ideológica do marxismo. 1. Ver, especialmente, Netto (1996b e 1996c) e Iamamoto (1992 e 1998).
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A leitura de divulgadores dessa tradição intelectual, a que se teve acesso predominantemente a partir da militância política, forneceu um determinado e problemático “recorte” que se encaixava às requisições postas naquele momento histórico para a profissão: nesse primeiro encontro com o marxismo capturaram-se seus elementos ideopolíticos, como aportes para a ruptura. Quando assinalo o caráter problemático desse “recorte”, remeto aos equívocos registrados na história do “marxismo”, desde sua gênese, passando pela Segunda e Terceira Internacionais, que generalizaram como “oficiais” determinadas interpretações e desenvolvimentos da obra marxiana. Decorreram daí alguns desdobramentos, a exemplo de posturas fatalistas, que esperavam a realização do inelutável capítulo da revolução socialista como uma “lei” sem minimizando assim a ação humana; ou ainda, o seu inverso, posições messiânicas, impregnadas de voluntarismo e moralismo, que encaravam a luta de classes como a luta do “bem contra o mal”. Em ambos os casos tem-se uma concepção abstrata do homem e da sociedade. Cabe lembrar que aqui não é o espaço para tratar destes que são apenas alguns dos muitos equívocos dos ideólogos marxistas, resultando num empobrecimento das reflexões marxianas comandado pelas necessidades imediatas da prática política. O Serviço Social absorve o marxismo através dessas produções e, conseqüentemente, absorve também os seus equívocos. A unilateralidade dessa apreensão do marxismo como doutrina pragmático-científica “caiu como uma
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luva” para o momento de ruptura que se tencionava efetuar, justificando ideologicamente a necessidade de superação da neutralidade técnica. Determinada pela con juntura de crise da ditadura militar, a emergência da “intenção de ruptura” (Netto, 1996c) pretendeu refundar as bases de legitimidade do Serviço Social (cf. cap. 2), buscando-as junto aos sujeitos potencialmente questionadores da ordem capitalista e sua expressão ditatorial. Sem deixar de ser importante naquele momento, a radicalidade no posicionamento político provocada pela apropriação apenas ideológica do marxismo mistificou alguns aspectos da profissão devido à falta de clareza de pontos essenciais do marxismo ausentes (ou praticamente ausentes) das formulações às quais se teve acesso. 2 É interessante notar que esse processo não rompeu radicalmente com a herança conservadora, de cunho positivista e irracionalista, predominante, historicamente, no Serviço Social, o que vai constituir-se num dos fatores explicativos da aproximação tardia da profissão ao debate do marxismo e à sua incorporação, por via de um marxismo positivista, suavizado nos moldes de Althusser e Harnecker. Pode-se, portanto, concluir que a Reconceituação levou a
2. A discussão do acesso às formulações teóricas marxistas é importante, pois, conforme indica Netto, durante um bom tempo o marxismoleninismo “passou como sendo a única leitura correta do pensamento de Marx, [posto que] erigida pelas estruturas de poder estatais e partidárias da [autocracia stalinista]” (1981: 27). O mesmo autor aponta que em face desta verdadeira “censura”, alguns aspectos da obra marxiana que não eram do interesse da burocracia soviética, como, por exemplo, as formulações em torno da alienação, foram “esquecidos”.
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uma ruptura política que não foi acompanhada de uma ruptura teórica com essa herança conservadora . (Quiroga,
1991: 88; grifos meu)
Tendo sido o Movimento de Reconceituação um marco na instauração do pluralismo profissional (Netto, 1996c), reputamos desnecessário tecer maiores considerações acerca da parcialidade de tais rupturas, posto que esta era uma das direções existentes no interior do Movimento.
O segundo momento do referido processo de aproximações sucessivas entre Serviço Social e tradição marxista localiza-se ao longo da década de 1980 e expressa, predominantemente, uma apropriação epistemológica . Pretende-se aqui apontar para o fato de que, apesar de iniciarem nesta década o debate com as fontes marxianas clássicas3 e marxistas de maior densidade analítica — especialmente com Gramsci —, a tônica da leitura para os segmentos de vanguarda da categoria ainda esteve marcadamente influenciada pelo epistemologismo. A epistemologia4 surge na idade Moderna quando a burguesia, em seu processo de progressiva conservadoriza3. Referência imperativa ao pioneirismo na utilização deste recurso deve ser feita a Iamamoto (in Iamamoto e Carvalho, 1995). 4. Guerra (1995: 55), ao tratar do racionalismo no século XX, resgata que: “A preocupação com as causas primeiras, com o noumenon ou essência das coisas, dada a influência do pensamento filosófico kantiano, é subsumida por inquietações a respeito dos diferentes modos de conhecer a realidade. A reação contra a tradição ontológica da filosofia clássica se traduz na retomada da questão acerca das condi-
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ção, vai reduzindo cada vez mais o alcance e profundidade da razão. É responsável, assim, pela difusão da impossibilidade de conhecimento do ser (ontologia), propondo então a teoria do conhecimento como esfera máxima de alcance da razão. (Anotações do curso “Teoria e prática no Serviço Social”/Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UFRJ, ministrado pela prof. dra. Lúcia Barroco no primeiro semestre de 1997)
Mostra disso pode ser verificada na formação profissional por meio do currículo do curso de graduação em Serviço Social aprovado em 1982 e sua estruturação em três eixos dissociados: o da História, o da Teoria e o do Método. O agravante, para além da dissociação, é o fato mesmo de serem estes os eixos da formação profissional do Assistente Social, ou seja, de representarem neste momento a particularidade da profissão. Esta concepção de Serviço Social está determinada pelo entendimento do marxismo como um “modelo”, derivando em polêmicas diversas que pareciam “fechar” o Serviço Social nele mesmo. Um outro debate que traduz a apropriação epistemológica refere-se à mudança do Código de Ética aprovado em 1986. Neste código, como na formação profissional, evidenciam-se os pressupostos marxistas de leitura da sociedade, sem as devidas mediações que particularizam o exercício profissional (Barroco, 1996), o que retrata, ções e possibilidades do conhecimento e no resgate da experiência, o que impõe, de um lado, a recuperação do método lógico-experimental na análise e tratamento dos fenômenos e processos sociais, e, de outro, a distinção entre ciências naturais e ciências do espírito (ou sociais)”.
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predominantemente, a apreensão do marxismo como um modelo que se “aplica” na prática. Tendo em vista que a demanda por essas reflexões derivou de necessidades postas à profissão em dado momento histórico, não se trata de menosprezar o significado desses avanços, apesar de detectar nos mesmos essa dimensão instrumental e manipulatória dos conceitos que em Marx são imanentes à ontologia: remetem à ontologia do ser social e não apenas ao pensamento e às idéias .
Não se pode imaginar idealisticamente que a produção teórica dessa época pudesse dar conta de movimentos ainda não colocados na pauta de discussões da profissão, sem o equacionamento dos que vinham se constituindo efetivamente como núcleos problemáticos e demandando tais reflexões. Por outro lado, penso que reside, entre outros fatores, nesse tipo de apreensão da teoria social de Marx o motivo da queixa histórica de que “a teoria na prática é outra”. Eis a percepção generalizada que emergiu da apropriação epistemológica do marxismo pelo Serviço Social: a de que deveria existir uma identidade entre teoria e prática; esta última deveria ser moldada pela teoria de forma que o produto final correspondesse à teoria “aplicada”. Esse entendimento suscitou a expectativa de que o assistente social fosse o “agente de transformação social”. Iamamoto denomina esse fenômeno como um “messianismo (traduzido) numa visão ‘heróica’, ingênua das possibilidades revolucionárias da prática profissional, a partir de uma visão mágica da transformação social” (1992: 116). A rápida caracterização de equívocos como estes,
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que persistiram (e ainda persistem) em diversas práticas de Serviço Social ao longo de um significativo lapso de tempo mostram que não é possível “falar de Marxismo e sim, de marxismos, implicando diferentes compreensões e incompreensões da [...] obra (de Marx)” (Quiroga, 1991: 93). A necessidade de ultrapassar esses equívocos se revela ao longo da década de 1980 diante da frustração provocada pela falta de correspondência dessas concepções com o movimento do real, o que impulsionou esforços coletivos em busca de leituras que pudessem “libertar a prática social de uma análise que não (dava) conta da historicidade do ser social gestado na sociedade capitalista ” (Iamamoto, 1992: 116). Entendo que a superação deste momento pode ser denominada como apropriação ontológica da vertente crítico-dialética. Sendo algo bastante recente — meados da década de 1990 —, ela tem permitido o desvelamento de questões fundantes para a ruptura com o conservadorismo, intervindo assim de forma qualitativamente superior
na garantia da direção social estratégica (Netto, 1996b). Esse salto pode ser constatado em pelo menos três debates centrais para o Serviço Social nesse período: a reformulação do Código de Ética Profissional, a Lei de Regulamentação da Profissão e a Revisão Curricular (ou elaboração das novas diretrizes para a formação profissional do assistente social). De forma geral, eles realizaram a inversão necessária ao processo de constituição do “concreto pensado” extrapolando a endogenia da década de 1980 e colocando a sociedade civil no centro
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do debate.5 Tal inversão, denominada aqui de “apreensão ontológica do marxismo”, vai captar as mediações que estiveram, em grande parte, ausentes do momento anterior e sistematizá-las no projeto ético-político-pro fissional.
Trata-se dos valores e princípios formulados no Código de Ética e na Lei de Regulamentação da Profissão, ambos de 1993, bem como nas novas diretrizes curriculares aprovadas em 1996. Tais valores e princípios são a expressão do que seja o compromisso com os usuários dos serviços na esfera propriamente profissional, sendo possível apenas porque puderam partir dos avanços da década anterior. Isto é, a apreensão dessas mediações tem dois pressupostos basilares: a concepção da profissão inserida na divisão sociotécnica do trabalho capitalista e do seu objeto como sendo as diversas expressões da “questão social” no capitalismo dos monopólios.
Quero dizer com isso que, apesar de o debate acerca da “questão social”, por exemplo, aparecer para parte da categoria como inteiramente novo, ele já estava posto na década de 1980, conforme anteriormente dito. O que muda substantivamente nos anos 1990 é o tratamento conferido a estes e outros debates e, voltamos a enfatizar, a centralidade que possuem a partir de uma apropriação ontológica da teoria social de Marx .
Esse percurso, entretanto, não pode ser creditado apenas ao amadurecimento teórico da profissão em relação a 5. Conforme resgata Iamamoto, pautada em Marx, é a sociedade civil que explica o Estado, sendo a mesma “o verdadeiro cenário da história” (1998: 241).
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uma determinada matriz teórico-metodológica. A década de 1990, no Brasil e no mundo, expõe a “questão social” em níveis cada vez mais complexos, matizados pela mais recente crise capitalista (cf. cap. 1). Sendo a história social o fator fundante da profissão (cf. cap. 2), não nos foi possível adiar a inversão aludida atrás, pois a “questão social” satura crescentemente os poros da intervenção, apresentando-se sob velhas e novas formas. Seu conhecimento, portanto, é algo imperativo para o trabalho profissional, ou melhor, para a construção de alternativas de intervenção da instrumentalidade profissional (Guerra, 1995). As mesmas são bem mais complexas que a aplicação de “modelos”, pois são mediatizadas pela particularidade do objeto e das relações com ele estabelecidas pelo sujeito — nesse caso, o assistente social, trabalhador em relação com as múltiplas refrações da “questão social”. Por isso o resgate da ontologia do ser social e da práxis como forma de conceber as relações entre teoria e prática supera a concepção de identidade entre elas e a conse-
qüente equalização entre prática profissional e prática política, com todos os vieses fatalistas e messiânicos que lhes são próprios (Iamamoto, 1992). O processo de renovação profissional alcança outros patamares quando compreende a vinculação orgânica entre profissão e realidade, tendo esta última como pólo regente da relação e não a teoria, como ocorreu na década de 1980. Considero fundamental nesse processo a incorporação totalizante da obra marxiana, mas também marxista de autores como Gramsci e, mais recentemente Lukács, cujas obras
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empenham-se na recuperação da obra de Marx como ela realmente é: [...] uma teoria crítica da sociedade [...] (oferecendo um tratamento cuidadoso a problemas como) as relações entre sujeito e objeto da prática sócio-histórica, a dialética do conhecimento, as complexas mediações entre economia e cultura, as relações entre ética e política e [...] à questão da alienação. (Netto, 1981: 24 e 29)
Esses pressupostos explicitam o que permanecia velado pelo pensamento formal-abstrato: o fato de que o homem como ser social diferencia-se dos seres orgânicos e inorgânicos pelo trabalho . Isso representa a capacidade
de ele efetivar um movimento de intervenção objetiva na natureza criando um produto que, antes da sua existência material, já existia na consciência do agente, mas que, uma vez objetivado, torna-se independente deste. O momento essencialmente decisivo na constituição ontológica do ser social é a atividade da consciência como mediadora dessa produção (Lukács, 1978). O assistente social, apropriando-se dessas bases, deve lançar sobre a realidade, objeto de sua intervenção, uma análise que, não lhe permitindo conceber o pensamento dissociado do ser, entende a consciência como momento teórico da vida real dos homens. Nesse sentido, não pode haver nem dicotomia nem identidade entre teoria e prática. Isso porque, em primeiro lugar, de acordo com Marx
(s/d.: 203), “os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha, e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”. Portanto, nem sempre a objetivação dos resultados cor-
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responde ao projeto idealizado pelos sujeitos. Em segundo lugar, essas esferas (teoria e prática) possuem particularidades e mantêm uma autonomia no interior da unidade que as vincula indissociavelmente.6 Além do desafio de pautar sua intervenção numa concepção ontológico-social, evidencia-se também a necessidade de apreender a particularidade característica do processo de trabalho da sociedade burguesa como mediação indispensável a uma prática historicamente situada. Um referencial que, ao apanhar a legalidade do ser social genérico, aproxima-se do entendimento da lógica própria da sociedade burguesa e seu movimento — este é hoje o mais fecundo veio da vertente marxista no Serviço Social no nível da produção teórica. Ele tem por suposto que “as categorias são formas de ser, determinações da existência” (Marx apud Lukács, 1979). Nesse sentido é inevitável a remissão a Pontes (1995) quando chama atenção para a potencialidade heurística da categoria mediação em suas acepções tanto ontológica como reflexiva. O seu resgate “no plano metodológico permitiu o reencontro da profissão com algumas temáticas centrais à forma de inserção do Serviço Social na sociedade capitalista, bem como com a sua [...] (particularidade) profissional” (Pontes, 1995: 188). E diria mais: tal resgate constitui-se no epicentro da atualidade e maturidade do projeto de ruptura, conferindo-lhe suas determinações mais concretas.
Não é minha intenção oferecer aqui um balanço que se pretenda exaustivo dos avanços da vertente crítico-dia6. Ver Vázquez (1997), cap. 2, segunda parte.
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lética na profissão, mas não posso deixar de problematizar algumas questões que, ao perpassarem a constituição desses avanços, franqueiam espaços para as influências conservadoras pós-modernas. Ao apontar três momentos na relação entre Serviço Social e marxismo, está claro ser este um recurso analítico que pretende dar conta de aspectos tendenciais e relativos da totalidade em questão. Ou seja, tendo a concepção de teoria como a reprodução ideal aproximada e relativa do movimento real, é suposto fundante que as reflexões tematizadas não abarcam todos os sujeitos envolvidos na apropriação do marxismo pelo Serviço Social. Dito de outra forma, não se trata de uma evolução linear e “em bloco”. Além do pluralismo profissional já apontado, outros fatores adensam tal ressalva. Um deles é o denominado por Netto como a constituição de uma intelectualidade no Serviço Social no Brasil, significando que, ao longo deste processo, desenvolveu-se no interior da categoria, uma divisão de trabalho (uma especialização) que é própria das profissões amadurecidas: a criação de um segmento diretamente vinculado à pesquisa e à produção de conhecimentos. (1996b: 112)
Tratando-se da dimensão ídeo-teórica da profissão, obviamente que o ângulo das referências aqui reunidas diz respeito muito mais a essa vanguarda intelectual que à grande massa dos profissionais vinculada a instituições não-universitárias. O mesmo autor sinaliza, não sem razão, uma preocupação relativa ao alargamento do fosso
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existente entre essas duas extremidades do trabalho profissional, quais sejam, a da produção de conhecimentos e a da execução dos serviços, ponderando que é preciso pensar em como diminuí-lo. Enquanto os avanços significativos na apropriação marxista permanecerem restritos ao pequeno círculo de profissionais ligados à produção de conhecimentos, a relação teoria/prática tenderá a reproduzir o mito da dicotomia e a ser terreno fértil para a manutenção do conservadorismo e do sincretismo.7 Tais questões tornam-se mais complexas quando se constatam — mesmo no interior desse pequeno círculo de pesquisadores marxistas da categoria — polêmicas e, portanto, diferentes apropriações dos diferentes marxismos. Sua configuração é ineliminavelmente plural e, assim sendo, a trajetória de aproximações sucessivas do marxismo não se limita ao roteiro aqui esboçado. O percurso desses intelectuais não foi uniforme, havendo uma diversidade nos níveis de apreensão que varia em face de vários determinantes. O mais decisivo entre eles, ao nosso ver, é a maior ou menor proximidade dos intérpretes de referência às fontes marxianas, bem como o conhecimento dessas mesmas fontes. 7. Claro que não basta apenas conferir densidade teórico-metodológica e ético-política ao exercício profissional, posto que sabemos da maior complexidade da prática no interior da sua unidade com a teoria (Vásquez, 1997). É preciso considerar, nesse caso, as condições próprias do trabalho profissional e sua inserção em processos de trabalho em que a objetivação das finalidades é determinada por vários fatores muito além da intencionalidade do sujeito. Sobre isso ver Iamamoto (1998).
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A tematização que é objeto deste capítulo pretende abordar algumas manifestações da ofensiva pós-moderna na produção teórica do Serviço Social na década de 1990, em que são perceptíveis pelo menos duas vias. A primeira consiste na revitalização do conservadorismo por meio da absorção sincrética do irracionalismo pósmoderno. A segunda, mais sutil, porém igualmente ordenada pelo histórico traço sincrético do Serviço Social, aparece junto aos segmentos da vertente marxista que, na década de 1990, apresentam uma apropriação epistemológica desta teoria social, uma vez que esse veio é uma
das bases privilegiadas do pensamento pós-moderno. Foi objetivando deixar clara a existência dessa segunda possibilidade que incursionei essa caracterização da vertente crítico-dialética e sua constituição complexa. Além disso, tal caracterização justifica-se pela necessidade de apresentar o marxismo como principal alvo — tanto no Serviço Social como nas demais áreas do conhecimento em ciências humanas — das críticas pós-modernas. 3.2 Traços gerais da influência pós-moderna no Serviço Social
As polêmicas pós-modernas no terreno do Serviço Social têm, em geral, o mesmo perfil da polêmica nas ciências sociais, qual seja: o principal combate travado é contra a teoria social de Marx e seu ponto de vista privilegiado é o epistemológico (cf. cap.1). Assim sendo, um traço que particularmente chama a atenção é o constante recurso da simplificação em relação à tradição crítico-
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dialética, operado com o intuito de demonstrar a “insuficiência” do marxismo na atualidade. Pode-se objetar a esta verificação, questionando em que essa característica particulariza o Serviço Social, já que nas elaborações originais pós-modernas recorre-se ao mesmo recurso. A resposta está no fato de que, embora os autores pósmodernos “clássicos” se utilizem de simplificações para invalidar as “metanarrativas”, no Serviço Social a tendência do sincretismo ideológico constitutiva do tecido profissional (cf. cap. 2), somada à também já histórica afeição pelas dimensões “microssociais” da realidade social, potencializa a simplificação. Dito de outra forma: o que particulariza o recurso à simplificação do marxismo submetido à crítica pós-moderna no Serviço Social são os caracteres próprios da nossa apropriação de ambos os referenciais no interior dos históricos conservadorismo e sincretismo profissionais. Os desdobramentos
disso são as críticas à totalidade como totalitarismo, à ortodoxia como dogmatismo, à universalidade como estruturalismo (e conseqüente negação do sujeito). Ainda no âmbito da simplificação, a postura epistemológica na apreensão da teoria social de Marx realiza uma verdadeira mutilação em seu acervo ontocategorial que passa, segundo essa visão, a ser submetido a uma necessária “reconstrução”, “complementação”, “reinvenção” e operações do gênero, típicas da racionalidade formal. A mesma conclusão é transposta, não raras vezes, para a concepção de Serviço Social em cuja ótica — própria da leitura imediatista (ou sem mediações) pós-moderna —, ao mudar a realidade, mudam as representa-
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ções “construídas” acerca do objeto profissional. Atenção para o detalhe: as representações logicamente construídas equivalem ao objeto em si. Este é inapreensível em sua universalidade porque cada vez mais se multiplicam a diversidade e a diferença. Resultado disso é o reforço à singularidade e à positividade, valorizando-se o conservadorismo profissional e as intervenções no nível do fragmento, tanto de cariz relativista e irracionalista quanto epistemologista, aprisionado na lógica formal. Vale ainda, nesse momento mais geral, apontar para as diferentes características presentes nas duas vias supramencionadas de aproximação pós-moderna à profissão. Existem aquelas críticas de origem conservadora que rejeitam o marxismo e atualizam-se absorvendo, numa moldura sincrética, as proposições pós-modernas, e existem aquelas críticas que, ainda reivindicando o marxismo em alguns de seus aspectos, recomendam a superação de “lacunas” e o aumento de sua potencialidade ex plicativa com os “paradigmas pós-modernos” . No pri-
meiro grupo, identifico uma crítica que, para além de investir na deslegitimação da direção teórico-metodológica, investe, sobretudo, contra a direção ético-política consolidada em oposição ao conservadorismo. No segundo grupo, as críticas retratam igualmente “(embutidas) na polêmica teórico-epistemológica e operativa, [...] um conteúdo nitidamente ídeo-político” (Netto, 1996b: 119). Entretanto, não expressam a inteira desqualificação do projeto ético-político e sim uma disputa (de cariz reformista) por hegemonia em seu interior, em que as mediações do direito burguês, especialmente sua concepção de
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democracia e cidadania, não são valores instrumentais e sim universais, ou seja, perdem o seu caráter de mediações e passam a ser finalidades da ação profissional. No rol das referências bibliográficas que dão suporte a tais posturas, encontrei vários autores que estão alinhados às leituras pós-modernas em sua diversidade8 (cf. cap. 1), mas também outros, alinhados ao irracionalismo, à fenomenologia e à sociologia compreensiva. 9 Entre estes merecem destaque Michel Foucault10 e Boaventura de Sousa Santos. O primeiro — sem sombra de dúvidas mais que o segundo — tem sido utilizado em suas digressões acerca do poder, especialmente dos “micropoderes”. Já Boaventura Santos tem influenciado, com o seu discurso da “perplexidade”, as abordagens sobre o “esgotamento da modernidade” e as dívidas em relação às suas “promessas” (cf. cap. 1), como também as discussões sobre a perda de centralidade da classe trabalhadora e o potencial transformador dos “novos sujeitos políticos”. 3.2.1 A epistemologia pós-moderna
Num primeiro bloco de influências pós-modernas, agrupei características relacionadas à “epistemologia pós8. Habermas, Giddens, Claus Offe, Castoriadis, Vatimo, Eder Sader, Deleuze, Guatarri, Clifford Geertz e André Gorz, para ficar nos mais conhecidos. 9. Weber, Capra, Husserl, Merleau-Ponty e Nietzsche. 10. Consultar tese de doutorado recém-defendida na ESS/UFRJ (2006) intitulada Foucault: um autor proto-pós-moderno, da autoria de Mavi Pacheco.
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moderna”. Designei nessa categoria traços que refletem a forma pós-moderna de análise da realidade e derivações para o âmbito da relação sujeito/objeto e concepções de Serviço Social. Este foi o agrupamento que con-
densou a maior parte dos dados: todos os textos analisados apresentam manifestações nesse sentido, o que não acontece em relação ao outro grupo de manifestações pósmodernas analisadas aqui (críticas ao marxismo). Logo de início notei que, bem ao gosto da tradição ideo-sincrética no Serviço Social, a interpretação pósmoderna da realidade contemporânea tem sido incorporada sem que se possa detectar nenhuma problematização a respeito. Algumas passagens podem ser conferidas em: Martinelli (in Martinelli, On e Muchail, 1998: 148), Martinelli (1994: 65), Mejía (1993: 11 e 21) e Carvalho (1995: 5-6).11 É grande o número de passagens onde constatei esse tipo de análise, sobre as quais me interessa neste momento evidenciar-lhes o perfil. As assertivas de falência da modernidade e emergência de fenômenos contemporâneos inteiramente novos, interpretações centralizadas na “semiotização da vida”, entre outros, nos colocam diante não só da aceitação acrítica do pensamento pós-moderno como de seus traços fundantes, tais como a apologia da singularidade. Obviamente não se trata de negar a exis11. Peço desculpas ao leitor por não disponibilizar ao longo do texto desse capítulo vários dos trechos citados. Eles estão originalmente presentes na dissertação, mas tiveram que ser suprimidos desta versão por motivo de espaço.
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tência da crise contemporânea e sim determinada forma de apanhá-la.
Há que se ressaltar que são as conjunturas de crise que abalam e hipertrofiam a convicção que os homens depositam na razão objetiva. Nestes momentos a tendência é substituir os supostos do conhecimento dados pela razão por pressupostos subjetivistas e irracionalistas [obstruindo as determinações ontológico-sociais da questão]. (Guerra, 1995: 138)
Já apontei como essa lógica fenomênica está imbricada à positividade do capitalismo (cf. cap. 1). Quero agora avançar nos rebatimentos da adoção dessa lógica na produção recente do Serviço Social. Para aquele grupo de autores que se reclama filiado à tradição crítico-dialética na profissão, permanecendo, contudo, no nível de apropriação epistemológica deste referencial, a adição da epistemologia pós-moderna re força uma concepção de Serviço Social cada vez mais endógena. Dito de outra forma , o acréscimo de mais este referencial teórico-metodológico atualiza nestes autores a pretensão de que o Serviço Social construa objetos, teorias, metodologias — assertivas extremamente auto-centradas no interior da profissão .
Entre estes autores, destaco a posição de Martinelli, com a questão da identidade, 12 e principalmente de Faleiros, para quem 12. “[...] enquanto categoria política, a identidade tem uma dimensão cultural muito importante, construindo-se e reconstruindo-se permanentemente no movimento do real. Como expressão material e con-
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é possível construir um objeto e, portanto, uma teorização da intervenção profissional , a partir da produção de conhecimentos em Serviço Social. [...] A análise do Serviço Social hoje passa (do seu ponto de vista) pela questão da condição de possibilidade de construção de um paradigma. (1997: 67-68; grifos meus)
Suas posições, amplamente conhecidas, reforçam nos seus escritos da década de 1990 a mesma questão dos anos 80, qual seja: a particularidade da profissão centrada na metodologia. Retoma, assim, constantemente conceitos como “(re)presentar-se” e “(re)produzir-se”, agora compondo a chamada “metodologia da articulação”, ou o “empowerment”. Tais proposições têm peculiarizado Faleiros como um dos principais críticos das formulações marxistas acerca do objeto de trabalho do Serviço Social. Segundo ele. Veja-se a polêmica estabelecida em seus escritos (1997 e 2000) sobre a “questão social”. Penso que essa polêmica está situada em torno da disputa mencionada sobre a direção estratégica interna à vertente crítico-dialética. Nesse sentido, dois aspectos devem ser ressaltados. O primeiro é a absorção da lógica pós-moderna com ênfase no epistemologismo e no questionamento da totalidade — neste caso, expresso na afirmação da insuficiência explicativa da categoria “questão social”, substituída pela plurideterminação fragmentada. O segundo decorre de uma observação que creta do modo de aparecer da prática, a identidade pressupõe que assumamos que poder, desejo e linguagem são seus elementos constitutivos” (Martinelli, 1994: 73).
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extrapola essa citação: a ausência, na formulação deste autor, da dimensão ética e, conseqüentemente, de referências ao projeto ético-político-profissional. Ao enfatizar os componentes técnico-operativos, a teoria, a metodologia e o poder como elementos centrais na sua concepção de Serviço Social, raríssimas e visivelmente laterais são as menções que tocam nos aspectos éticos, não chegando estes a serem efetivamente parte das suas reflexões mais densas. Não atribuo esse silêncio a um “esquecimento qualquer”. Ele é reflexo da concepção carente de mediações própria da apropriação epistemológica e tende a expressar a desvalorização da direção apontada pelo projeto profissional e sua mediação na esfera da ética. Concordo, assim, com Guerra, quando afirma que a atividade humana, o trabalho, bem como as práticas profissionais, enquanto uma das maneiras de objetivação do ser social, uma forma de sociabilidade entre os homens, portam, sobretudo, dimensões políticas e éticas que ao serem limitadas à dimensão instrumental, postergam a natureza ontológica das relações sociais . (1995: 169-170)
Derivação ideo-política dessa discussão, este parece ser um dos pontos de encontro entre as concepções de objeto e Serviço Social constitutivas das formulações de autores que não se colocam no interior da tradição marxista na profissão. Como no grupo anterior, as referidas formulações não só descuram da questão ética na sua acepção atualmente hegemônica no projeto ético-político, como reatualizam o humanismo abstrato do Serviço
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Social tradicional em sua discussão sobre a particularidade da profissão. Costa (1995), por exemplo, protagonizou um dos debates da revisão curricular recente, cujo registro afirmava a centralidade do conceito de “ proteção social” na contraposição ao de “questão social”. Como se tornou público desde a época em que foi levantada, essa posição também se contrapunha à “questão social” como objeto do trabalho do Serviço Social, pautada a autora em dois pilares básicos: a recuperação da matéria teórica substantiva com a qual se construiu a profissão e a tarefa de atualizar e reinventar as velhas tradições do Serviço Social.13 Por isso digo da sua explícita vinculação ao humanismo abstrato, ao mesmo tempo em que o enquadra na epistemologia pós-moderna dos “paradigmas”, aproximando-se também da posição de Faleiros: construir uma teoria do Serviço Social.14 13. “Adotar, pois, a proteção social como campo de interesse teórico da profissão cria um verdadeiro desmonte das orientações curriculares dos anos 80; [...] Efetuar estas mudanças paradigmáticas recoloca o Serviço Social no ponto de encontro de suas velhas tradições. A tarefa intelectual é atualizá-las e reinventá-las” (Costa, 1995: 63). 14. Esta, aliás, é outra simplificação encontrada no combate aos autores marxistas na profissão, pois se afirmam coisas que efetivamente não foram ditas (ou escritas) pelos mesmos. Nesse caso específico, uma leitura acertada da polêmica não atribuiria a tais autores o impropério de invalidar a produção de conhecimentos no Serviço Social. Ver, a exemplo disso, On (in Martinelli, On e Muchail, 1998b), Faleiros (1997), entre outros. O que tais autores de fato interditam é a constituição teórica autônoma do Serviço Social, o que em hipótese alguma é sinônimo de “produção de conhecimentos”, que é um conceito mais amplo.
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Ainda no sentido da contraposição à “questão social”, Brant (1993) vai defender a retomada do trabalho com famílias em meio à “sociedade-providência” e suas “redes de solidariedade” — a parental/conterrânea, a apadrinhada e a missionária. Em relação a esta última, temos que é a religião que estabelece princípios facilitadores de uma valorização da ação como condição de mudança. É a instituição religiosa, mais que os partidos políticos ou agentes públicos, que forma as bases para um salto que aqui chamamos de “solidariedade de luta. (Brant, 1993: 74)
Vê-se a coadunância dessa reflexão com a luta pósmoderna contra o desencantamento do mundo na esfera da cultura ganhando centralidade em algumas definições do campo profissional. Outros exemplos de concepções de Serviço Social com traços acima apontados podem ser visualizados em: On (in Martinelli, On e Muchail, 1998: 154), Reis (1994: 54-55) e Bertani (1993: 42 e 45). Nos textos acima destacados, a dicotomia entre esferas “macro” e “micro”, com a valorização desta última — comum ao conservadorismo do Serviço Social e à epistemologia pós-moderna —, aparece junto à retomada dos princípios como a “autodeterminação” e o “relacionamento assistente social-cliente”. Outra manifestação a considerar é a expansão do debate sobre “representações sociais” no Serviço Social. Emblemáticos nesse sentido são os textos de Gentili (1997 e 1998) que reúnem todos os traços que vimos relacionando à epistemologia pós-moderna e revitalização do
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conservadorismo profissional. Desde a pretensão de construir objetos (1998: 31) e escolher o que seja o produto do trabalho do assistente social (1998: 202) até a sua concepção de profissão (1998: 24 e 26), esta autora parece sintonizada com a tendência do reforço ao endogenismo. A premissa com a qual trabalha — a de que as representações são determinantes centrais da profissão — reanima no interior da endogenia uma das suas mais típicas características: o voluntarismo ou messianismo. Especialmente em suas críticas aos autores da vertente marxista — que serão analisadas na seção seguinte — predomina a visão de que a solução para as dificuldades enfrentadas pelos profissionais da “prática” estaria fundamentalmente na dependência da vontade de esses autores se aproximarem teoricamente de tais questões, produzindo “novas representações”. Obviamente que tais inflexões na direção do conservadorismo desdobram-se em propostas para o tratamento das demandas postas à profissão no mercado de trabalho. Algumas indicações explicitam respostas num sentido francamente acrítico e tecnicista, submetido à lógica do mercado, que não é a da defesa da esfera pública, contida no projeto ético-político da profissão. Em Martinelli (1994), temos o imperativo de adequação à competitividade e ao trabalho com os usuários na perspectiva de fomentar esses valores; em Faleiros, o silêncio quanto ao Programa Comunidade Solidária, a crítica ao princípio da universalização das políticas públicas (1996) e a defesa do terceiro setor (1999); em Gentili (1998: 72), a reivindicação de “modelos de instrumentalidade”. Mas é em Fritsch (1996: 128) que temos esboçado um exemplar de
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Serviço Social plenamente funcional à lógica das “inovações organizacionais”, com direito à apologia da participação nos moldes “adesionistas” próprios da crise capitalista na atualidade. Não dá para esquecer que na última vez em que ouvimos falar de participação como “convergência entre as classes” na bibliografia profissional estávamos em plena era desenvolvimentista... 3.2.2 Críticas ao marxismo
Se fica marcado como um traço da epistemologia pósmoderna no Serviço Social o recurso a simplificações na leitura de realidade, transpostas para as relações sujeito/ objeto e para as concepções de profissão — o que sinaliza a compatibilidade entre esta lógica e a do pensamento formal-abstrato e sua positividade, velhos conhecidos do sincrético campo ídeo-teórico do Serviço Social —, no conjunto das manifestações em questão neste ponto, a simplificação descamba para a desqualificação do debate. Neste item, estão agrupadas reflexões encontradas na produção teórica em análise consubstanciadas em críticas ao marxismo, o que implica assertivas que absorvam em alguma medida a polêmica pós-moderna da “insuficiência” explicativa deste “paradigma” e suas propostas para a superação desta crise. Como vemos, esses as-
pectos não poderiam ser abordados prescindindo da discussão anterior acerca da epistemologia pós-moderna, pois a chave para situar o marxismo como alvo das críticas que serão aqui expostas é justamente a simplificação que o reduz a um modelo teórico similar aos produzidos no interior da lógica formal. Quando afirmo, portanto, a
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tendência a um debate desqualificado, o afirmo em face do teor pouco substantivo e abstrato (no sentido marxiano) do mesmo. Em determinados momentos, algumas das críticas chegam a ser arbitrárias, atribuindo, sem fundamentação, conteúdos e traços que absolutamente não estão presentes nas formulações aludidas. Tais recursos preocupam, sobretudo, pela ausência de elementos basilares para a formação de um leitor crítico, pois estamos diante de um perfil profissional visivelmente reproduzido a partir de um universo cultural que tende a pauperizar-se crescentemente (Netto, 1996b). Ao contrário da seção anterior, nesse agrupamento não se incluem todos os textos em análise. Netto (1996b) levanta algumas questões úteis para explicar as razões desse fato, especialmente em relação a alguns autores do campo marxista no Serviço Social que, apesar de incorporarem traços da epistemologia pós-moderna, não esboçam francamente as polêmicas subjacentes à adoção dessa postura teórico-metodológica. Na década de 1980, o protagonismo alcançado pelas correntes profissionais inspiradas na tradição marxista (teria ganho) uma credibilidade tão forte que seus oponentes (teriam sido) compelidos a uma extrema cautela defensiva. A resistência à tradição marxista, fundamente arraigada em ponderáveis segmentos da categoria, não (teria se reduzido) — simplesmente não encontrava condições para manifestar-se franca e abertamente. (Netto, 1996b: 113)
Na década de 1990, com a dominância da cultura pósmoderna, essas condições passam a existir fomentando
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as críticas elencadas, especialmente no âmbito acadêmico, onde vários intelectuais de referência para o pensamento crítico de esquerda se converteram à ordem. Entretanto, o peso da vertente crítico-dialética no debate do Serviço Social ainda tem muito dessa credibilidade conquistada na década anterior e ao longo mesmo dos anos 1990. Essa variável faz com que as críticas ao marxismo, na maior parte das vezes, inspirem, no mínimo, cautela não só aos historicamente opositores dessa vertente, mas, sobretudo, àqueles que construíram sua trajetória intelectual no interior da mesma e agora parecem sinalizar uma adesão à pós-modernidade. O recurso mais visível que denota tal cautela é, novamente, o sincretismo ideológico. Os que não fazem críticas diretas ao marxismo, embora incorporem a lógica do fragmento (cf. seção anterior), através do sincretismo se permitem conjugar ambos os referenciais ampliando seu “olhar” sob o objeto e, portanto, mantêm uma “confortável” posição sem rupturas substantivas com a vertente ainda hegemônica na produção teórica da profissão. Exemplo dessa tendência no material analisado aparece nos escritos de Martinelli (1994, 1998a e 1998b). Os que, reclamando-se marxistas, fazem as críticas típicas da epistemologia pós-moderna à vertente críticodialética em geral e na profissão, parecem estar envolvidos em uma disputa mais franca pela hegemonia em seu interior. Sua fração de cautela está, a meu ver, expressa na sincrética manutenção discursiva do ponto de vista da totalidade somado à defesa do pluralismo metodológico.
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Nesse grupo temos Faleiros (1996, 1997 e 1999), Carvalho (1995) e Costa (1995).15 E, finalmente, há um terceiro grupo que, colocandose fora dessa tendência, faz basicamente as mesmas críticas do grupo anterior, diferenciando-se, porém, na afirmação do fragmento como nível privilegiado de análise e dinamizando de forma contundente aqueles vetores antimodernos da constituição ideoteórica na profissão. Aqui encontramos Setubal (1993), Reis (1994), On (in Martinelli, Muchail e On, 1998b), Fritsch (1996), Munhoz (1996), Gentili (1998) e Demo (1997). Tendo situado minimamente os blocos em questão, vamos às críticas referidas. Conforme já afirmado, o fio condutor das críticas pósmodernas ao marxismo é de ordem epistemológica: realiza-se uma drástica eliminação do seu acervo ontocategorial, remetendo a crítica ao “paradigma” marxista, como se esta fosse a sua totalidade . Nesse sentido, o Ser-
viço Social absorve como um dado a “crise de paradigmas”, reproduzindo acriticamente toda a “ladainha” própria do “saber de 2° grau” (Netto, 1992), onde rebatem, de forma tardia e esquemática, as polêmicas das ciências sociais. Carvalho, por exemplo, assumindo uma análise epistemológica, escreve: 15. “Quero reafirmar, todavia, meu alinhamento à corrente de pensamento marxista, mas àquela que repele a onipotência das explicações genéricas, que nega a ‘possibilidade de subordinar o comportamento histórico a um conjunto de leis universais ou de teorias que tudo abrangem’ (Desan, in Hunt, 1992: 73)” (Costa, 1995: 61).
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Num balanço crítico da crise paradigmática na Sociologia, embora reconhecendo a existência de crise nas duas matrizes clássicas de análise, [...] é importante destacar que o peso dessa crise recai, sobretudo, no marxismo. [...] E o que, especificamente, é cobrado do marxismo como modelo de análise da realidade na contemporaneidade? A questão central, segundo seus críticos, é a incapacidade de o marxismo dar conta dos novos cenários, dos fenômenos emergentes na sociedade contemporânea. (1995: 13; grifos meus)
Faleiros, por sua vez, já devidamente destacado como um dos autores marxistas que possui uma apropriação epistemológica deste referencial, também se alinha na reprodução deste princípio, afirmando que não pretende em seus textos “(fechar-se) num determinismo, hoje metodologicamente descartado até no domínio das ciências sociais” (1996: 9), pois “o discurso das ciências sociais contemporâneas passou a valorizar o sujeito como um personagem que entra em cena com seus desejos, seu mundo simbólico, sua individualidade” (1997: 73). E, mais do que isso, afirma ainda estarmos vivendo um momento de crise dos paradigmas, das formas de se pensar a profissão, (advinda) justamente (da) perspectiva de reduzir toda a explicação a um único modelo , justifi-
cando-o em função de não se incorrer no ecletismo. (Ibid.: 84; grifos meus)
Percorrendo o outro grupo que esboça críticas ao marxismo, encontra-se o mesmo princípio aglutinador.16 Para além de toda a ordem de equalizações simplistas que apa16. Ver (Demo, 1997: 47).
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recem em tais análises, a questão que problematizo no momento é o enquadramento paradigmático da teoria social de Marx. A noção de paradigma remete “a uma tendência de naturalizar a sociedade ou de ideologizar a natureza” (Guerra, 1995: 85), diluindo as particularidades existentes entre estas esferas e supondo legítima a transposição das formas tratar o objeto entre elas — mais freqüentemente das ciências naturais para as sociais. Ora, sabe-se que no pensamento de Marx a unidade estabelecida entre elas não dissolve sua diversidade (ibid.: 81), ou melhor, não elude a necessária existência de mediações que possibilitam a constituição da particularidade de ambas, mas especialmente da sociabilidade humana portadora da capacidade historicamente desenvolvida de projetar finalidades. Nesse ínterim, é preciso ressaltar a inteira im procedência de se atribuir a uma perspectiva ontológico-social uma leitura paradigmática dada a insuficiência deste conceito para alcançar as determinações pró prias do objeto em questão.
Em relação direta com a particularidade do objeto na teoria social de Marx, uma outra crítica improcedente é a de que esta anula o papel do sujeito porque o considera estruturalmente determinado. Para invalidá-la basta re-
cordar a centralidade originalmente desenvolvida no pensamento marxiano da teleologia como capacidade propriamente humana de projetar finalidades. Isso para não falar de outros autores da tradição marxista que retomam a práxis como categoria ontológico-social. O fato ontologicamente primário de que o homem responde, por meio da práxis, às suas necessidades de repro-
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dução não quer dizer que este ato seja possível sem a consciência que escolhe, entre as possibilidades historicamente colocadas, em que direção vai respondê-las. É certo que determinadas obras da tradição marxista respondem historicamente por uma pauperização inegável desses aspectos do pensamento marxiano. Entretanto, isso não autoriza a generalização dessa crítica para toda uma tradição teórica, conforme o fazem praticamente todos os autores reunidos neste item. Algumas passagens que merecem destaque estão em Carvalho (1995: 3 e 21) e Faleiros (1997: 85). Neles, vêse sem muito esforço como são utilizadas algumas expressões que retiram qualquer caráter dialético do marxismo, em nada se aproximando da complexidade inerente à apropriação ontológica que hoje confere o tom do debate mais significativo na tendência marxista do Serviço Social. Diria mais, o dogmatismo, que é outro alvo de críticas, é, em boa medida, criação dessas formulações. Pelo menos esta é a inevitável opinião de quem lê,
por exemplo, os imperativos destacados em negrito que Faleiros (1997) acrescenta ao pensamento marxiano por sua própria conta: Reduzir a intervenção social a um único modelo, a uma teoria exclusiva, que tudo possa abarcar, é um procedimento unilateral que não leva em conta a dinâmica da his-
tória, a historicidade dos processos, a especificidade e a dinâmica de cada conjuntura. [...] O reducionismo é a ex pressão teórica do autoritarismo porque reduz a realidade a uma única visão de totalidade, de expressão de uma classe contra a outra. Ao se falar excessivamente, em totalidade,
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esqueceu-se da particularidade, do enfrentamento contraditório das partes. (Faleiros, 1997: 69 e 85; grifos meus)
Sugere-se, nessa passagem, que a ortodoxia metodológica adotada por autores marxistas dentro e fora do Serviço Social seja sinônimo de dogmatismo, autoritarismo e reducionismo. Em On (in Martinelli, Muchail e On, 1998b: 153 e 157) chega-se a falar em dominação intelectual. O caminho de superação desse “atraso intelectual” inspira várias propostas. A interdisciplinaridade 17 para uns, ou ainda a interdisciplinaridade com adoção de um outro ponto de vista de totalidade, relacionado ao “paradigma holístico” (Munhoz, 1996: 169), (Ramos, 1993), para outros; o pluralismo metodológico (Carvalho, 1995); ou, quem sabe, todas as alternativas juntas possam ampliar mais o alcance da investigação... São o relativismo e o irracionalismo pós-moderno da “variedade de verdades à escolha na prateleira” que já se fazem presentes na produção teórica do Serviço Social. Seja de forma clara ou de forma velada, o ecletismo ou sincretismo ideológico torna-se de uma forma geral a tendência up do momento com a satanização da totalidade dialética. Quando não é tratado como “vilão”, Netto (1996b) detecta “não (ser) incomum [...] um tratamento caridoso [...] que generosamente se dispensa aos habitantes do Jurassic Park ” (p. 113), tal qual o registrado em Carvalho 17. Ver os diversos artigos reunidos sob o título O uno e o múltiplo nas relações entre as áreas do saber , em Martinelli, On e Muchail (1998b).
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(1995: 23), onde se sugere que para pensar as “dimensões macro” o “paradigma” marxista ainda pode ter alguma utilidade subsidiária na produção de conhecimento. Por fim, cabe-me sinalizar as críticas dirigidas diretamente aos autores da vertente marxista no Serviço Social. Nesse âmbito, Faleiros (1997) novamente destacase pela contundência e por evidenciar uma leitura pouco apurada do pensamento de tais autores. Seus “alvos” preferenciais, não por acaso, são Netto e Iamamoto, pesquisadores cujas obras têm sido centrais no desvelamento das particularidades profissionais nos últimos 25 anos; mas também outros autores (por exemplo, Mota) e, fundamentalmente, a tradição crítico-dialética na profissão (em sua abordagem ontológica) encontram-se na mira das críticas.18 Comprova-se através dessas passagens que o teor das críticas freqüentemente ressalta premissas inexistentes nas obras citadas (tal como o fim do Serviço Social em Netto) ou desqualifica o pensamento dos autores (como na acusação de que estejam ausentes em Iamamoto os aspectos relativos à superestrutura). Penso serem dispensáveis, neste ponto, maiores comentários a respeito dessas críticas que encontram sua melhor resposta na fecundidade analítica dos autores em questão. Já as críticas de Gentili (1997 e 1998) caracterizam-se por apontar insuficiências e lacunas da literatura própria da vertente crítico-dialética no trato das questões referentes ao exercício profissional.19 18. Ver Faleiros (1997: 29-30, 83-84 e 117). 19. Conferir, a título de exemplo, os trechos contidos em Gentilli (1997: 135-137; e 1998: 185 e 200-201).
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O problema dessas críticas não é exatamente apontar como lacunas da produção teórica na vertente marxista as questões do exercício profissional, até porque não são poucas as constatações desse tipo que podemos encontrar no interior dessas mesmas produções. A questão que merece atenção é a vinculação dessa lacuna à insuficiência ou inépcia da tradição crítico-dialética para dar cabo das mesmas devido à sua “generalidade” .
É como se a autora sugerisse num mesmo movimento que as lacunas são conseqüências inevitáveis desta incapacidade do marxismo para alcançar a esfera “micro”. Este raciocínio esquemático é próprio da desqualificação pós-moderna do marxismo e, no caso da autora em questão, parece ter o objetivo de atingir a direção social estratégica construída no sentido da ruptura com o Serviço Social tradicional. Mas as críticas encontradas na argumentação de Gentili não param por aí. Coadunam-se com elas sua proposta de superação para o distanciamento constatado: uma produção teórica que se aproxime das requisições imediatas do mercado de trabalho, expressas no discurso profissional; uma produção teórica, correspondente aos “antigos” modelos do Serviço Social tradicional, que seja instrumentalizante, especialmente do ponto de vista técnico (1998: 72, 142, 185 e 205). Valorizando a concepção tradicional de instrumentalidade, haurida na racionalidade formalabstrata, aprisionam-se as respostas às demandas profissionais na sua imediaticidade (cf. seção anterior). A explicação para isso, a esta altura, deve parecer óbvia: a instrumentalidade posta a partir da práxis como
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categoria ontológico-social não cabe em “modelos”. Nesse sentido, não se pode requerer da razão dialética a solução dessa questão somente a partir da elaboração teórica. Tanto porque o elemento fundante desse ponto de vista é a história social e, sendo assim, não existem soluções teóricas para impasses constitutivos da esfera prática 20 (tais como as condições concretas de trabalho e valorização profissionais); quanto porque a realidade social é sempre mais rica e complexa que o conhecimento produzido a seu respeito. Logo, uma elaboração teórica que contemple os “problemas da prática” (ou de suas “representações”, como quer a autora) não é, sozinha, a “tábua de salvação” numa profissão cuja particularidade é a inserção interventiva (e subalterna) na divisão sociotécnica do trabalho do capitalismo monopólico. Estando o principal impasse na composição sincrética das demandas objetivamente colocadas à profissão, bem como do próprio espaço ocupacional (cf. cap. 2), a leitura de Gentili é insuficiente, pelo seu endogenismo e messianismo: desloca, improcedentemente, para a esfera do que a mesma denomina “elite profissional” e sua intencionalidade, a solução da clássica dicotomia entre teoria e prática, apesar de, contraditoriamente, reivindicar a “complexidade das representações”. Ou seja, complexidade aí não quer dizer riqueza de mediações e sim, algo mais próximo do vocábulo relativista e irracionalista da pós-modernidade. Cumpre-me indicar a imensa “popu20. A concepção marxiana é de unidade entre teoria e prática e não de identidade, estando supostas as suas particularidades e o fato de a prática ser o critério de verdade.
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laridade” da qual goza esta inexeqüível alternativa na categoria como um todo, em face do endogenismo e messianismo característicos da mesma; o que significa reconhecer a eficácia dessa estratégia no fortalecimento do conservadorismo pela via antimarxista no Serviço Social.
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Considerações finais Ao me propor a presente investigação e começar a estudar o pensamento pós-moderno, parecia-me muito distante a idéia de que os traços desse pensamento pudessem ter alguma ressonância no Serviço Social. Chegamos, assim, a imaginar serem absolutamente residuais essas influências, supondo-as pontuais e episódicas; afinal, como uma profissão que trabalha com questões tão concretas poderia absorver a premissa de que o significado das coisas é dado pelo sujeito? Apenas fui entendendo que as possibilidades de aproximação entre o neoconservadorismo pós-moderno e o Serviço Social eram grandes na medida em que iniciei a apreensão das múltiplas determinações constitutivas desses dois pólos da investigação. Em relação à pós-modernidade, suas determinações ontológicas encontram-se radicadas no contexto da crise capitalista recente. É preciso demarcar que, embora muito da discussão sobre esse pensamento se faça majoritariamente no plano das idéias, onde o seu sentido estaria dado pela contraposição ao moderno, não concebemos que a premissa seja assim tão simples. É verdade que para pensar o pós-moderno é imprescindível compreender o moderno; entretanto, não o moderno apenas como estilo e sim enquanto projeto civilizatório.
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A modernidade, tomada desta forma, é muito mais complexa e cheia de mediações que o costumam supor os pós-modernos, pois é eminentemente contraditória: no interior deste mesmo ideário produziram-se fenômenos históricos e teorias sociais absolutamente diversos, tais são as suas potencialidades, ainda a meu ver, inesgotadas. Inesgotadas porque este projeto civilizatório teve parte de suas premissas “atrofiadas” na sua realização histórica, especialmente no seio da sociedade burguesa após o início do seu período de decadência ideológica; essas premissas foram, mais precisamente, a razão dialética e sua dimensão emancipatória. O pensamento pós-moderno, operando com as simplificações que lhe são peculiares, dá por suposto que a modernidade se resume à modernidade burguesa e ao que se realizou historicamente no socialismo real. Agrega a essas constatações as alterações que vêm se processando na sociedade contemporânea e proclama: é um projeto esgotado; portanto, as teorias sociais (ou “paradigmas”, como eles preferem denominá-las) que dele derivaram também não conseguem mais explicar a sociedade atual. Esta é muito mais complexa que a sociedade moderna por ser mais fragmentada. A ciência deve então relativizar seus parâmetros, misturar diferentes métodos e pontos de vista, uma vez que não existe mais objetividade e o sentido dos fragmentos é dado em si mesmo, dependendo da visão do sujeito. Essa forma de pensar é o produto mais recente do período de decadência ideológica da burguesia. Sendo própria desse momento de crise, a pós-modernidade constitui-se na lógica cultural do capitalismo tardio, possuin-
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do, portanto, francos traços neoconservadores ao se mostrar incapaz de superar a positividade aparente dos fragmentos. O Serviço Social, por sua vez, tem no conservadorismo um elemento central da sua constituição ideoteórica e histórica, o que, somado ao sincretismo que lhe é igualmente constitutivo, torna-o um terreno bastante propício a proposições antimodernas e conservadoras, a exemplo do pensamento pós-moderno. O motivo de espanto é que, pela primeira vez após a reconceituação, o conservadorismo profissional não está restrito apenas ao chamado “campo da prática”, onde é reconhecida a dificuldade de penetração da vertente crítico-dialética. A ofensiva neoconservadora pós-moderna tem fortes influências acadêmicas, especialmente no âmbito das ciências sociais. Resultado disso é que constatei nessa investigação — cujo objeto foi circunscrito a partir do universo da produção de conhecimentos na área de Serviço Social — um razoável número de autores e textos que, incorporando de alguma forma a lógica pós-moderna, reanima traços do conservadorismo profissional. Os mais freqüentes me parecem ser a endogenia, derivada da leitura fragmentada e epistemologista da realidade contemporânea que, ao ser transplantada para as concepções de Serviço Social, traz à tona o messianismo; e a velha requisição por modelos de ação profissional tecnicistas, consoantes às requisições imediatas do mercado de trabalho. Ressalta-se ainda que a revitalização do conservadorismo profissional com base no neoconservadorismo pós-
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moderno tem particularidades derivadas não só do momento histórico, mas, sobretudo, do enfrentamento posto pelo movimento de renovação profissional. Ou seja, o conservadorismo agora tem como pré-requisito para se fortalecer a descredibilização da vertente crítico-dialética e o faz, do ponto de vista teórico, incorporando as críticas pós-modernas ao marxismo; e do ponto de vista ideopolítico, investindo na deslegitimação do projeto-ético-político-profissional. Em ambos os casos, o argumento mais utilizado é o da responsabilização desse “paradigma” pela dicotomia entre teoria e prática devido ao seu caráter generalizante, que não dá conta do “micro”, “esquece o sujeito” e é “dogmático”. Essa leitura, embora seja a mesma encontrada tanto entre autores que se colocam fora do marxismo quanto entre os que possuem uma vinculação histórica à vertente crítico-dialética, difere quanto aos seus objetivos, pois, como dissemos atrás, está claro o embate travado para atingir a direção social estratégica. Por parte do primeiro grupo, o interesse de deslegitimar essa direção aparece em suas proposições de “resposta direta, pura e simples, instrumental-operativa, às demandas do mercado de trabalho (como) o caminho mais rápido para a neutralização dos conteúdos críticos da cultura profissional” (Netto,
1996b: 123-124; grifos meus). Já para o segundo grupo, onde a disputa é pela hegemonia no interior dessa direção social, busca-se deslegitimar os conteúdos que apontam para a superação da ordem burguesa: sua tendência é a de “ transformar uma
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qual dispõem as classes e segmentos das classes sociais — nesse caso, as políticas sociais (e demais mediações do projeto ético-político, como a cidadania, a democracia, entre outras) — em finalidade” (Guerra, 1995: 147; grifos meus). Isso porque considero que a epistemologia, predominante no seu raciocínio, compatibiliza-a com a lógica formal e, portanto, com a positividade capitalista. A abordagem desses embates, não padecendo de neutralidade, teve a intencionalidade de caracterizar o enfrentamento delineado a partir da defesa do projeto ético-político-profissional e da razão emancipatória que o estrutura. Sobretudo porque o debate, da forma como vem se construindo, não expressa apenas o necessário pluralismo profissional — árdua conquista diante de toda uma tradição “consensualista” ou “homogeneizadora” —, mas possibilidades regressivas em termos das concepções de profissão e de projetos societários.
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