LIGA ACADÊMICA DE CIRURGIA EXPERIMENTAL-LACE Módulo I: Material e Técnicas básicas de instrumentação cirúrgica
INTRODUÇÃO É indiscutível a importância dos materiais cirúrgicos para a realização do procedimento cirúrgico. Tendo em vista essa importância, foram sendo criados novos instrumentos na tentativa de facilitar o trabalho do cirurgião e, sobretudo, minimizar o trauma cirúrgico ao paciente. São instrumentos de funções específicas de diérese, preensão, exposição, hemostasia e síntese que devem estar em bom estado de conservação e assepsia, a fim de propiciar um adequado ato cirúrgico, evitando complicações pós-cirúgicas. Neste capítulo, teremos uma visão geral dos materiais de maior relevância para a prática médica e noções de instrumentação a fim de que o leitor possa ter a capacidade de participar ativamente de cirurgias de forma correta, evitando erros e complicações. MAGALHÃES, H. P. define material cirúrgico como sendo o conjunto de objetos, instrumentos e equipamentos que entram em contato direto ou indireto com a região operatória, utilizados para a execução de determinado procedimento cirúrgico. Os instrumentais cirúrgicos são divididos de acordo com sua função em:
Classificação dos instrumentais cirúrgicos Tipo
Função
Exemplos
Diérese
Divulsão e corte
Tesoura e bisturi
Preensão
Prender estruturas
Exposição
Afastamento de estruturas Interrupção de sangramentos
Pinça anatômica e pinça dente de rato Afastadores dinâmicos (Farabeuf) e estáticos (Gosset) Pinças hemostáticas (Kelly, Crile, etc...)
Especial
Específicas de cada tipo de cirurgia
Pinça de Abaddie-cirurgia gástrica
Síntese
União de tecidos
Agulhas e porta-agulhas (MayoHegar)
Hemostasia
1. INSTRUMETOS DE DIÉRESE 1.1. Bisturi Constituído de cabo de metal com encaixe para a lâmina em uma de suas extremidades. Na prática, as lâminas de numeração com a dezena 1 se adaptam ao cabo número 3. Por exemplo, a lâmina 15 encaixa no cabo 3. Enquanto que lâminas com a dezena 2 se adaptam ao cabo número 4. Por exemplo, lâminas 22 se encaixam no cabo 4.
Existem duas formas de empunhadura do bisturi. A primeira e mais comum, chamada de “tipo lápis”, é usada para cortes menores e mais precisos e a segunda, “tipo arco de violino”, é utilizada para cortes mais extensos e contínuos.
Empunhadura tipo lápis
Empunhadura em arco de violino
A lâmina do bisturi deve ser retirada e colocada com o auxílio de uma pinça hemostática, evitando assim problemas de encaixe e possíveis acidentes para o instrumentador.
Forma de colocar a lâmina de bisturi com o auxílio do porta agulha
1.2. Tesoura Função de cortar tecidos, gazes, fios, borracha, plástico, etc. Além de promover dissecção e divulsão de tecidos. As tesouras podem ser longas ou curtas, com extremidades curvas ou retas. As tesouras de ponta fina são indicadas para cortes de estruturas delicadas, enquanto que tesouras de ponta mais robusta são usadas para corte de fios ou tecidos mais resistentes. Vale salientar que as tesouras usadas para corte de fio de forma alguma devem ser usadas para corte de tecidos, pois o corte de fios ou outras estruturas sintéticas acabam danificando a pareamento das lâminas dificultando um corte preciso nos tecidos humanos. O corte de estruturas como os fios deve ser feito com a ponta da tesoura de forma inclinada a fim de facilitar e aumentar a precisão do corte. A empunhadura da tesoura é feita com o dedo polegar e o dedo anular, de forma que a falange distal do polegar se encaixe em uma argola e a outra argola fique entre as falanges distal e média do dedo anular. Com o dedo indicador, o cirurgião poderá dar a precisão necessária para o corte.
Empunhadura de tesoura
Existem dois tipos básicos de tesouras: as de dissecção de pontas finas e delicadas (Metzembaum e Mayo) e as de uso geral, também chamadas de “tesouras fortes”.
Tesoura de Metzembaum (superior) Tesoura de Mayo (inferior)
2. INSTRUMENTOS DE PREENSÃO São instrumentos auxiliares usados para agarrar tecidos. São empunhados com a mão esquerda em forma de lápis, usando-se os dedos polegar e médio como apoiadores e o dedo indicador executa a ação de pinçamento. Esta forma de empunhadura deve ser a única usada, visto que proporciona maior segurança e estabilidade de movimento. Existem pinças com ou sem dente de rato. Aquelas são utilizadas para apreensão de pele para sutura ou outros materiais como campos, borracha.
Pinça de Adson com dente de rato
3. INSTRUMENTOS DE HEMOSTASIA DEFINITIVA Pinças hemostáticas que servem para pinçamento de vasos ou apreensão de aponeuroses e fios de sutura. Diferentemente dos demais instrumentos, estes possuem cremalheira responsável por deixar o instrumento estático de acordo com o grau de pressão implementado na cremalheira. São empunhados do mesmo modo que as tesouras. Para desengrenar o instrumento, faz-se um leve movimento de aproximação das argolas entre si, liberando os dentes, seguindo com o movimento de afastamento da cremalheira de forma a liberar os dentes. É desnecessário o uso das duas mãos para se abrir a cremalheira.
Empunhadura de pinça hemostática (Kocher
3.1. Pinça de Kocher Pinça dente de rato utilizada para tração de aponeuroses ou pinçamentos transversais de tecidos. Tem pontas mais longas e robustas; e pode ser encontrada nas formas reta ou curva.
Pinça de Kocher
3.2. Pinça de Kelly e Crile Possuem pontas menores, usadas para vasos e pinçamento de tecidos menos grosseiros. Estas pinças possuem ranhuras em suas pontas que as diferenciam: a Kelly caracteriza-se por possuir ranhura até a metade de sua extremidade, enquanto que a Crile possui ranhuras por toda a sua extremidade. Estas pinças podem ser retas ou curvas e sua utilidade vai depender da necessidade da cirurgia.
Pinça de Crile (reta) e Kelly (curva), mostrando a disposição das ranhuras
3.3. Pinça de Halsted (pinça mosquito) A Halsted é uma pinça de dimensões diminutas com ranhuras por toda sua extremidade, podendo ser curva ou reta. É utilizada para preensão de estruturas mais delicadas.
Pinça Halsted
4. INSTRUMENTOS DE EXPOSIÇÃO Os afastadores são instrumentos importantes no ato cirúrgico por aumentarem a capacidade de visualização do cirurgião, uma vez que é necessário que se tenha um campo visual adequado para atingir as estruturas desejadas assim como para evitar erros cirúrgicos. A escolha do afastador é dependente da resistência das estruturas a serem afastadas e da profundidade da cirurgia. Existem dois tipos de afastadores: os afastadores estáticos e os dinâmicos. 4.1. Afastadores dinâmicos São aqueles que necessitam de tração continua implementado pelo médico auxiliar durante o ato cirúrgico. Têm a vantagem de poderem ser posicionados de acordo com a necessidade e devem ser manuseados de forma delicada para evitar laceração tecidual ou rompimento de estruturas mais frágeis. Seguem alguns tipos de afastadores dinâmicos: 4.1.1. Farabeuf Recomendado para afastamento de pele, subcutâneo e músculos superficiais.
Afastador Farabeuf
4.1.2. Afastador Legenbeck Devido ao maior comprimento, pode atingir planos mais profundos e possui um cabo de manuseio, facilitando sua empunhadura.
Afastador Legenbeck
4.1.3. Afastador Doyen Tem forma parecida com o Legenbeck, contudo sua porção de apreensão é maior, aumentando a área de captação tecidual.
Afastador Doyen
4.1.4. Afastadores Volkmann Sua parte de apreensão possui garras que aumentam a aderência aos tecidos, sendo usado para afastamento de músculos.
Afastador Volkmann
4.1.5. Espátulas São afastadores de formas variáveis usados na cavidade pleural ou abdominal. Possuem a capacidade de se adaptar à situação da cirurgia de forma a se moldar à necessidade da operação. Ex: sapatas.
Afastador Dinâmica (Sapata)
4.2. Afastadores estáticos São estruturas montadas que durante o ato cirurgico ficam estáticas, facilitando a abertura do campo visual sem a necidade de tração contínua, visto que o instrumento possuem pontos de apoio que sustentam os tecidos. São indispensáveis em cirurgias abdominais e pleurais. São contituidas por duas astes paralelas unidas por uma barra transversal onde se articulam de forma a encontrar a melhor abertura. 4.2.1. Afastadores Gosset Afastador de parede abdominal.
Afastador Gosset
4.2.2. Afastador de Balfour Parecido com o anterior, porém é mais robusto e possui uma terceira lâmina curva que também se apoia à parte deslizante.
Afastador Balfour
4.2.3. Afastador de Finochietto Usado em cirurgia torácica para a abertura de espaços intercostais ou mediastinal.
Afastador Finochietto
5. INTRUMENTAL ESPECIAL BÁSICO 5.1. Gastrintestinais 5.1.1. Pinças de preensão atraumáticas (Pinça de Babcokc, duval, Collin) Servem para preensão de tecidos e vísceras, tendo a superfície ampla em contato com ranhuras.
Pinça Babcock (esquerda), Collin (Direita) e Duval (inferior)
5.1.2. Pinças de preensão traumáticas (Pinça de Allis) Poder maior de preensão por denteamento na superfície de contato.
Pinça de Allis
5.1.3. Pinças de Campo (Pinça de Backaus) Pontas agudas ou com dentes para fixar campos à pele, prender os campos entre si ou fixar objetos.
Pinça de Backaus
5.2. Cardiovascular 5.2.1. Pinça de Mixter Possui ponta curva de importância para dissecção de vasos ou passagem de fios por entre vasos.
Pinça Mixter
5.3. Ginecológico 5.3.1. Pinça de Foerster São pinças longas usadas para antissepsia útero-vaginal.
Pinça Foerster
6. INSTRUMENTOS DE SÍNTESE São instrumentos destinados à união dos tecidos. Compreendem o portaagulha e as agulhas. Os porta-agulhas possuem ranhuras para preensão da agulha e cremalheira para fechamento. Podem ter ponta reta, curva ou angulada. A potência do porta-agulha será escolhida segundo a delicadeza das agulhas e do tecido; e o comprimento em relação à profundidade da sutura. Existem dois tipos principais: 6.1. Porta-agulha de Hegar Possui argolas na extremidade da haste, possuindo a mesma empunhadura das pinças hemostáticas. Ideal para suturas profundas devido ao seu tamanho. Para transfixação de estruturas rígidas é recomendado o empunhamento espalmado.
Porta-agulha de Hegar
6.2. Porta-agulha de Mathieu As duas hastes são curvas com cremalheira na extremidade e mola entre elas para mantê-las abertas. Ideal para trabalho em superfície. Deve ser usada espalmada.
Porta-agulha de Mathieu
O porta-agulha é manuseado através de movimentos de supinação e pronação da mão. Tanto a introdução quanto a retirada da agulha é feita com o movimento inicial de pronação.
Empunhamento de Porta-agulha
MESA DE INSTRUMETAÇÃO Antes de ser montada, a mesa de instrumentação deve ser preparada com uma lâmina de borracha esterelizada, para evitar contaminação nos materiais de ponta fina que podem perfurar o campo e entrar em contato com a mesa. A borracha também evita o contato do líquido dos materiais com a mesa, o que também provocaria contaminação. Sobre essa lâmina de borracha, coloca-se o campo duplo para, só então, receber os instruentos. A disposição dos instrumentos na mesa cirúrgica é semelhante à imagem a seguir, podendo apresentar variações de acordo com a praticidade para o cirurgião e instrumentador:
Disposição da mesa cirúrgica
Os instrumentos devem estar dispostos de acordo com o tempo da cirurgia, iniciando-se pela diérese e seguida pela preensão, hemostasia, exposição, especial e síntese.
TÉCNICA DE INSTRUMENTAÇÃO A instrumentação pode ser efetuada por pedido verbal ou manual (por sinais), a instrumentação constitui-se de quatro etapas: a solicitação feita pelo cirurgião, a entrega efetuada pelo instrumentador, o recebimento pelo cirurgião e a devolução feita pelo cirurgião ao instrumentador. Todas as etapas devem ser feitas com cuidado e atenção, evitando acidentes para os participantes da cirurgia e, sobretudo, a fim de evitar contaminação dos instrumentos. A solicitação manual possui algumas peculiaridades que poderá ser obsevada no vídeo produzido pela LACE. A entrega do instrumento deve ser feita sempre com a intenção de facilitar o serviço do cirurgião. Sendo assim, instrumentos com argola devem ser repassados com as argolas voltadas para o cirurgião; o bisturi deve ser repassado com o cabo voltado para o cirurgião a fim de evitar o contato direto do cirurgião com a lâmina, na tentativa de evitar acidentes. O pensamento vale para os demais instrumentos. No recebimento, o cirurgião deve colocar a mão espalmada, de forma que o instrumentador possa colocar o material bem posicionado na mão do cirurgião. A devolução deve ser semelhante, ou seja, o cirurgião deve entregar materiais pontiagudos com a parte cortante voltada para si, evitando acidentes para o instrumentador.