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O DUALISMO CARTESIANO Nelson Ferreira dos Santos1
RESUMO O pensamento de René Descartes (1596-1650) foi decisivo para o surgimento da Filosofia Moderna. Sua dúvida metódica levou-o a elaboração de um método e um novo modo de ver o homem, fazendo uma separação radical entre mente e corpo. Este trabalho descreve, de forma sucinta, o dualismo cartesiano e procura esclarecer o conceito de ideia em seu pensamento, bem como essas ideias se tomam realidade r ealidade em nossa mente.
Palavras chaves: Dualismo mente-corpo. Alma. Mente. Ideia.
1. INTRODUÇÃO Desde a antiguidade clássica, os filósofos se dedicam em investigar a natureza do homem e o processo de aquisição do conhecimento. Os antigos gregos viam o homem como uma dualidade entre o corpo e a alma. E vemos essa concepção dualista em Platão, que nos remete à distinção entre corpo e alma, bem como uma separação entre a realidade sensível e outra suprassensível. Este problema acompanhou toda a filosofia até René Descartes que concebeu a mente como existindo independentemente do corpo sensível, atribuindo à alma sinônimo de entendimento, razão e espírito. E por não acreditar que a mente pudesse ser explicada através da matéria, Descartes propôs um tipo diferente de substância, sem extensão ou posição no espaço, com a característica essencial de pensar.
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Graduando de filosofia da Faculdade Católica de Fortaleza. Trabalho em exigência da disciplina de Filosofia da Mente. Email:
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2. DESENVOLVIMENTO René Descartes ao elaborar sua filosofia, demonstra que corpo e alma são duas substâncias distintas e com propriedades incompatíveis, naquilo que se chama de dualismo de substância. Sua filosofia estabelecia que toda espécie de pensamento somente poderia existir na alma, deixando claro seu modo de pensar concernente ao que chamamos hoje de problema mente-corpo. Esse dualismo caracteriza a alma como algo não físico e, portanto, o sentido que o termo alma adquire expressa uma conotação mentalista e não algum princípio vital que anime os corpos físicos, o que torna a ligação da alma com o corpo algo bastante problemático. Nessa separação radical entre res cogitans e res extensa , Descartes identifica o eu com a res cogitans , ou seja, com o eu pensante ou consciente, como podemos ler na Meditação Sexta: Já que, de um lado, tenho uma ideia clara e distinta de mim mesmo, na medida em que sou apenas uma coisa pensante e inextensa, e que, de outro, tenho uma ideia distinta do corpo, na medida em que é apenas uma coisa extensa (res extensa ) e que não pensa, é certo que este eu, isto é, minha alma, pela qual eu sou o que sou, é inteira e verdadeiramente distinta de meu corpo e que ela pode ser e existir sem ele.2
Ao cogito cabe as propriedades do pensar, negar, sentir e querer, que são as características do sujeito em Descartes. E com isso afirma-se a veracidade da existência de estados da alma ou mente, pelo simples critério que não é possível negar, pensar, sentir ou querer sem ser. Pois é logicamente impossível que haja uma ação sem agente. Podemos então, estabelecer um paralelo conceitual e dizer que a concepção cartesiana de alma é similar ao conceito de mente no vocabulário atual da filosofia da mente. Entretanto, ao igualarmos estados mentais com a própria essência da res cogitans , uma série de dificuldades se tornam aparentes, 2
DESCARTES, René. Discurso do método; Meditações; Objeções e respostas; As paixões da alma; Cartas. 2.ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 134.
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como a realidade sensível que permanece em dúvida, visto que a incerteza sobre a veracidade do conhecimento adquirido pelos sentidos não foi dissipada. Ao estabelecer esses conceitos, nosso filósofo divide as ideias, vontades e juízos. Onde ideias são obras do espírito e tidas como imagens das coisas e se relacionam a algo exterior ao sujeito; enquanto vontade e juízo são algo adicionado a essas imagens - conhecimento para os juízos e paixões para a vontade. As ideias são divididas em três tipos: i. ideias inatas, ii. ideias que provem de fora e iii. ideias inventadas pelo sujeito. Vemos que ao contrário de J. Locke (1632-1704), para Descartes o homem não é uma tábula rasa. As ideias inatas habilitam o homem de uma capacidade de perceber as coisas ou uma verdade. Além desses tipos de ideias, Descartes estabelece uma diferença, digamos qualitativa baseada em graus de perfeição. Pois as ideias que representam as substâncias possuem mais realidade objetiva e por isso possuem mais representação, uma maior perfeição do que aquelas que representam os modos ou acidentes. Para o pensamento cartesiano, essa diferença qualitativa, esse “graus de ser” presentes nos conteúdos das ideias permite que se aplique o princípio de
causalidade, que diz que todo efeito tira sua realidade da causa. Desse princípio de causalidade se conclui que é a causa que transmite sua realidade ao efeito, donde do nada, nada se produz e que o “mais perfeito” não pode s er efeito do “menos perfeito”.
Como dito anteriormente, as ideias são obras do espírito e sua natureza não requer outra realidade formal senão a que recebe do pensamento. Desta forma, as ideias podem ser vistas como sendo: (a) uma determinada modificação na consciência ou (b) a partir de seu conteúdo representacional. De onde teríamos do ponto de vista de (a) uma realidade formal de uma ideia e de (b) uma realidade objetiva. Como a ideia é somente um modo da consciência, sua realidade formal é somente aquela que já existe no próprio pensamento, no qual ela (ideia) é apenas uma forma. Entretanto, seu conteúdo representacional (sua realidade objetiva) deve ter uma causa externa. Em síntese, pode-se dizer que o espírito é a causa
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das ideias em si, enquanto a realidade (objetos exteriores) são causas das ideias com conteúdos representacionais (ideias específicas). Em relação à ideia de Deus, Descartes a considera como uma ideia inata, que é de natureza distinta das ideias adquiridas e das que são construídas pela alma. Afirmando ainda que essa noção pode ser concebida, mas não pode ser compreendida, uma vez que o finito não pode compreender o infinito.
O sistema de pensamento de Descartes recebeu diversas críticas, não só por parte de seus contemporâneos intelectuais, como ainda nos dias de hoje, diversos pesquisadores dedicam-se a analisar seus argumentos sobre o dualismo de substância. Já em sua época, Antoine Arnauld (1612-1694), embora concordasse com muitos aspectos de seu pensamento, chama a atenção para a incorporeidade da mente e sua distinção em relação ao corpo. A dúvida sistemática, que leva à formulação do cogito , parece de fato mostrar que o pensamento não pode estar separado da essência do sujeito. Porém, isso não demonstra necessariamente que a essência do “eu” consista somente em pensar, excluindo-se todos os demais processos mentais. No início do século XX, a filosofia da linguagem caracteriza a linguagem como constituinte da realidade, ou seja, as palavras são partes essenciais da formação de conceitos, enquanto para o pensamento filosófico tradicional, no qual Descartes estava inserido, as palavras descreviam conceitos e estavam subordinadas a estes. Essa nova visão linguística se torna popular nos meios acadêmicos e a crítica ao dualismo toma um caráter decisivo.
3. CONCLUSÃO Em conclusão, podemos afirmar que Descartes pode ser considerado como um “filósofo da mente”, uma vez que suas ideias voltavam-se para questões ontológicas do que chamaríamos hoje de estados mentais e de pensamento. Todos que fizeram alguma abordagem da mente tiveram que se deparar com o pensamento de Descartes e sua metafísica, em grande parte devido à aparente solidez do encadeamento lógico-argumentativo empregado pelo autor.
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4. BIBLIOGRAFIA DESCARTES, René. Discurso do método; Meditações; Objeções e respostas; As paixões da alma; Cartas. 2.ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. BORGES, D. G. A Crítica Contemporânea ao Dualismo Metafísico AlmaCorpo de René Descartes. Vitória, 2010. 84fl. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Faculdade de Filosofia , Universidade Federal do Espírito Santo. TEIXEIRA, J. F. Como Ler a Filosofia da Mente. 2.ed. São Paulo: Paulus, 2009.