M AGIA GRECO-EGÍPCIA FernandoLiguori
magia greco-egípcia representa uma síntese da magia praticada pelas culturas da Suméria, Acádia, Babilônia, Egito e Grécia. Seu período tardio também recebeu influência da tradição judaica e cristã, além de outros cultos de menor expressão, mas que existiam nas regiões que compreendem a Europa e Oriente Médio. Vamos considerar a influência m mágico-espirit ágico-espiritual ual dessas culturas.
A
Suméria A maioria dos acadêmicos concorda que o berço da humanidade é o Sul da Mesopotâmia, uma zona fértil no Oriente Médio próxima ao Golfo Pérsico. Não existe um consenso sobre quando os sumerianos primeiro apareceram nessa região, no entanto, a escritura sumeriana mais antiga data de 3400 a.C. Os sumerianos viviam em comunidades agrícolas que sustentavam uma casta sacerdotal responsável por organizar a adoração dos deuses e a prática da astrologia e astronomia, ciências bem conhecida por eles. Na verdade, deve-se aos sumerianos o crédito pelo que hoje conhecemos como astrologia e astronomia. A astrologia tem uma relevância especial para nós nesse estudo, pois ela provê o mapa das influências celestes que afetam a humanidade. Muito possivelmente, todas as comunidades agrícolas do Mundo Antigo estavam conscientes do drama celestial representado pelo Sol. Esse conhecimento deu nascimento a uma complexa mitologia tecida em torno de personalidades envolvidas no drama. Essa mitologia envolvia mitos acerca da fertilidade, semeadura e colheita. Considerava-se que o Sol nascia na Primavera, alcançava sua plenitude no Solstício de Verão, enfraquecia e envelhecia no Equinócio de Outono e morria no Solstício de Inverno. Morto, o Sol moribundo então descia ao submundo para se preparar ao próximo nascimento no Equinócio de Primavera.
Babilônia A Babilônia foi uma cidade-estado dentro do vasto império sumeriano. A Babilônia nasceu no fim ou declínio da Suméria, por volta de 1950 a.C. A história conta que vários povos nômades invadiam as terras da Mesopotâmia. De larga vastidão, o terreno era plano, sendo necessário a construção de inúmeras torres conhecidas como ziggurats, cujo objetivo era mapear o horizonte. Cada torre fazia parte do complexo de um templo e outras construções adjacentes. Os sacerdotes que viviam no templo próximo
a torre desenvolveram um calendário lunar para computar o tempo. Esse calendário consistia de treze luas ou meses de vinte e oito dias, que somavam 364 no final. Isso provocava uma perda de ¼ de dias. Ao longo do tempo essa discrepância se tornaria bastante significativa. Depois de anos pesquisando o vasto céu da Babilônia, os sacerdotes chegaram a conclusão que fora a Lua e o Sol, havia mais cinco corpos celestes, os planetas Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno. No início de suas pesquisas, eles consideravam os planetas e estrelas como deuses. No entanto, posteriormente eles concluíram que os deuses eram de uma categoria completamente distinta e que eles, na verdade, governavam os corpos celestes. A cada um dos planetas os sacerdotes atribuíram uma divindade:
Sin (Suen ou Nanna), o Senhor da Sabedoria, foi identificado com a Lua e o computo do tempo. Nabu (Nabium), o Mensageiro dos Deuses e Escriba Divino foi identifica-do com Mercúrio. Vênus, que sempre se destacou pelas manhas, dando nascimento ao dia, era associada às qualidades femininas do amor, brandura e procriação. Ela foi identificada com Ishtar (Inana). Considerava-se que Shamash (Utu), o provedor do conhecimento que ilumina através da adivinhação e o dispensador onisciente da justiça, viajava pelos céus brandindo o corpo. Ele foi associado ao Sol. Nergal (Erra), o deus furioso da guerra e dos incêndios, febre e pragas, foi identificado com Marte, o planeta vermelho. Marduk, que se tornou o rei dos deuses na época em que a Babilônia deixou de ser uma cidade-estado para se tornar a capital do império, foi identificado com Júpiter. Ninurta (Ningirsu), o campeão celestial dos deuses e destruidor de inimigos foi identificado com Saturno. Os Assírios, após a conquista da Babilônia, preservaram estes estudos. Posteriormente, esses astrólogos assírio-babilônicos foram chamados de Caldeus.
Egito A cultura egípcia é vastamente antiga. Antes de 4000 a.C., os egípcios já negociavam com cobre e construíam represas e canais para irrigar suas terras. Os primeiros papiros com informações astrológicas datam de 21001800 a.C. e continham informações práticas em como acessar ou manipular energias planetárias. Eles desenvolveram um calendário agrícola baseado nas inundações do rio Nilo. Ele era dividido em três ou quatro meses correspondentes às estações de inundação, plantio e colheita. O ano egípcio era dividido em trinta e seis períodos de dez dias, adicionando cinco dias extras para festividades. Isso somava 365 dias no total.
Os egípcios também dividiam os dias e as noites em doze horas, do nascer ao pôr-do-Sol e do pôr-do-Sol até o nascer do dia. Como nos posteriores grimórios da Idade Média e Renascença que atribuíam as horas do dia e noite aos planetas, os egípcios também escolhiam horas do dia ou da noite mais adequadas para seus encantamentos, feitiços e sortilégios. O Egito ficou famoso no mundo antigo por produzir magistas de alto calibre espiritual. A prática da magia estava presente no dia-a-dia dos egípcios como unha e carne. Isso possibilita enxergar a realidade de uma maneira distinta. O mais poderoso magista do Egito sempre era considerado o Faraó. Ele era o responsável pelo bem-estar do Egito e se assegurava de que a inundação do Nilo sempre ocorresse na medida exata, pois muita água encharcava a terra, destruía o plantio e provocava fome; por outro lado, pouca água não nutria as plantações, provocando fome também. Existem relatos de que Nectanebus, o último Faraó nativo do Egito por volta de 358 a.C., fazia bonecos mágicos a base de cera de seus inimigos, os quais ele nomeava e subjugava magicamente a fim de obter a vitória no campo de batalha. Os Persas conquistaram o Egito por volta do Séc. VI a.C. e para lá levara a Astrologia da Babilônia. O Egito recebeu em seu território inúmeros conquistadores. Todos, de certa maneira, deixaram sua marca. O maior conquistador do Egito foi Alexandre, o Grande, por volta de 332 a.C. Após sua morte, Ptolomeu, um de seus generais, inaugurou uma nova dinastia. Muitos acadêmicos do Império Helênico recorriam a Grande Biblioteca de Alexandria para estudar. Foi neste ambiente cultural altamente diversificado que nasceu a filosofia e espiritualidade greco-egípcia. Em 31 a.C. o Egito foi conquistado pelos romanos e tornou-se uma província de Roma. O Egito exercia certo fascínio no mundo antigo. Apolônio de Tiana (15100 a.C.), Pitágoras (571 a.C.) e Orfeu beberam da sabedoria egípcia e na época da ocupação romana, ainda existiam muitos templos ativos no Egito.
Grécia Até o reinado de Filipe da Macedônia (382-336 a.C.), pai de Alexandre, o Grande, a Grécia era uma nação de cidades-estados completamente independentes. Filipe uniu essas cidades-estado em um único império. Aos vinte anos, Alexandre assume o trono de seu pai em 336 a.C. e consolida seu reinado exterminando pequenas rebeliões e estabelecendo uma língua comum para toda a Grécia. Seu domí-nio, o vasto Império Helênico que ia até a Índia, durou poucos anos, de 334 a 323 a.C. Alexandre respeitava as culturas locais de seu império, seus credos e religiosidade. Uma característica marcante do Império Helênico era que o indivíduo não era considerado helênico por nascimento, mas por educação. Os povos conquistados podiam manter seus cultos e crenças, desde que elas fossem expressas em grego. Isso provocou uma miscigenação cultural de larga escala entre todos os povos que compunham o Império Helênico.
Politicamente, o império morreu com Alexandre, no entanto, a influência da miscigenação cultural de seu império duraria mais 600 anos, de 225 a.C. a 313 d.C. O estilo de vida grego, segundo a visão de Ptolomeu, se estabeleceu no Séc. II a.C. Sua visão celeste retratava o planeta Terra rodeado por outros sete planetas: Lua, Mercúrio, Vênus, Sol, Marte, Júpiter e Saturno.
Planeta Mercúrio Vênus Marte Júpiter Saturno
Nome em Grego Estrela Cintilante Estrela da Noite, Vespertina, Arauto da Manha ou Arauto da Luz Estrela Furiosa Estrela Luminosa Estrela Brilhante
Por volta do Séc. VII a.C., ocorria um intercâmbio cultural entre a Grécia e a Babilônia. Esse intercâmbio produziu inúmeras deidades que recebiam características gregas e babilônicas. As deidades babilônicas eram associadas aos planetas e por volta do Séc. IV a.C. as deidades gregas associadas às deidades babilônicas também foram associadas aos planetas, como no quadro abaixo:
Planeta Lua Mercúrio Vênus Sol Marte Júpiter Saturno
Deidade Babilônica Sin Nabu Ishtar Shamash Nergal Marduk Ninib
Deidade Grega Selene (Mene) Hermes Afrodite Helio Ares Zeus Cronos
Os Caldeus atribuíram os planetas a metais, gemas, plantas, animais etc. Os gregos aumentaram essas associações e elas são utilizadas até hoje por nós magistas. E embora a magia fosse praticada no dia-a-dia, como uma sombra ou lapso da prática egípcia, existia uma legislação dura contra a prática da magia negra na Grécia. No entanto, a maior contribuição dos gregos a magia e adivinhação foi a isopsefia, onde cada letra do alfabeto é atribuída a um número. A prática trata-se de unir as letras para formar um total que seja o equivalente em números da palavra. A isopsefia nasceu no Império Helênico e a Tradição Oculta diz que Pitágoras se valeu desta ciência para adivinhação. Ela foi amplamente difundida pela cultura gnóstica no Séc. II d.C. e foi neste período que ela foi incorporada ao misticismo judaico, a Qabalah, onde recebeu o nome de gematria. Mas a isopsefia não nasceu com os gregos. Há registro de sua presença já entre os babilônicos que também atribuíam números aos deuses.
Muitos dos nomes bárbaros contidos nos PMGE foram construídos a partir da isopsefia.
Hebreus Religiosamente, os hebreus se comportavam de maneira diferente dos povos ao seu redor, pois eram monoteístas. O Egito passou por uma breve experiência monoteísta no reinado de Akhenáton, entre 1352 e 1336 a.C., mas restaurou o culto politeísta após sua morte. A impressão na mente dos sacerdotes e magistas daquele tempo era que, se os hebreus só necessitavam de um Deus sem forma, então esse Deus deveria ser extremamente poderoso. A Bíblia está repleta de referências à prática da magia. Estudos sobre as escrituras judaico-cristãs comprovam que Moisés foi um grande magista. Educado no Egito, ele teve acesso direto a Casa do Deus Vivo como filho adotivo da irmã do Faraó. O Faraó era considerado o Deus sobre a Terra e era sua função cuidar do povo e da nação egípcia. No seio da família real, Moisés conviveu com o cerne da religiosidade do Egito, estudando diretamente com sacerdotes e magistas de alta ordem. Seria tolice imaginar que Moises não tivesse acesso a magia egípcia. No seu dia-a-dia, ele convivia com a magia, na oportunidade oportunidade de viver próximo ao maior magista do Egito, o próprio Faraó. A lenda diz que a batalha do êxodo foi uma guerra mágica m ágica travada entre dois grandes magos, Moisés e o Faraó do Egito. E embora a magia seja uma força natural, sua prática deve ser aperfeiçoada. Moisés e o Faraó do Egito tiveram a mesma educação mágico-espiritual, mas Moisés mostrou-se um magista mais proficiente na ocasião do êxodo. Outra curiosidade da lenda do êxodo, é que Moisés protegeu os hebreus após saírem do Egito com a picada de uma serpente que ele ressuscitou. Muito provavelmente, essa é uma referência ao báculo que Moisés carregava. Muitas ideias são levantadas nessa fase da lenda. Por exemplo, o estudo profundo nos Papiros Mágicos Demóticos (PMD) demonstrará que a magia egípcia opera por meio do princípio de indução simpática: um talismã ou totem consagrado a Sobek, a deusa com cabeça de crocodilo, era uma proteção contra ataques de crocodilos, muito comuns nas margens do rio Nilo. Por outro lado, Heka, traduzido como poder mágico, era o deus da magia retratado segurando duas baquetas mágicas e os magistas egípcios usavam um báculo ou cajado. Moisés, como um magista treinado na magia egípcia, conduzia os hebreus através do deserto empunhando um báculo, com o qual ele tirou água da pedra. Segundo algumas autoridades, Moisés foi o precursor da magia grecoegípcia, quando incorporou os nomes de Deus em hebraico na prática da magia que aprendeu no Egito. Essa é uma característica dos magistas grecoegípcios, a abordagem sincrética na construção de feitiços, convergindo em
uma só invocação panteões e outros elementos de tradições distintas na intenção de maximizar sua eficácia. Salomão (970-931 a.C.) é, incontestavelmente, o hebreu que mais influenciou a magia medieval e a ele é atribuída à arte do controle sobre criaturas espirituais. Essa abordagem, praticamente construiu toda a visão da magia na Europa durante a Idade Média e Renascença, cuja prática baseia-se quase que completamente na arte da evocação mágica. O procedimento, presente também nos PMGE, consiste do magista, protegido por um círculo mágico, evocar certa classe de espíritos ou entidades dentro de um triângulo de manifestação, ao Leste do círculo. O magista deve então interrogar e conjurar a entidade, na intenção de obter controle sobre ela. Essas evocações mágicas são construídas com os nomes bárbaros de evocação, presentes nas longas listas de espíritos e entidades dos Pergaminhos Mágicos Greco-Egípcios (PMGE). Entre os hebreus, também não é possível deixar de lembrar o profeta Daniel, cuja capacidade de interpretar sonhos e visões, lekanomanteia (), excedeu a dos magos e feiticeiros babilônicos, o que lhe garan-tiu uma posição privilegiada na corte babilônica. Nos PMGE, é a evocação de um daimon ou espírito para que fale através de um scryer .
Cristianismo O cristianismo nasceu como um culto de escravos, praticado por uma minoria que buscava aceitação e reconhecimento entre os pagãos que os aceitavam muito bem, não havendo nenhum relato de luta ou perseguições contra os praticantes da nova fé cristã. A prática espiritual dos primeiros cristãos era profundamente influenciada pelas culturas pagãs, principalmente a grega e a egípcia. O conceito de trindade foi amplamente explorado pelos sacerdotes egípcios nos diversos estágios do desenvolvimento de sua mitologia. A Trindade Cristã: Pai, Filho e Espírito Santo , tem uma clara influência egípcia. Em 312 d.C., o cristianismo tornou-se a religião oficial do Império Romano e a vocação religiosa tornou-se um meio de se conquistar influência política. Cada família com posses aspirava ter relações dentro da Igreja. Nesse processo o cristianismo consolidou seu poder, esmagando impiedosamente qualquer oposição. Em 391 d.C. Roma aprovou um decreto que fechava todos os templos egípcios. Pagãos letrados eram considerados uma ameaça, uma vez que não se deixavam manipular pela nova fé. Ao invés de pregar a boa nova como Cristo havia especificado, a Igreja de Roma impingiu sua fé à força no mundo. Nesse caminho, uma vasta quantidade de papiros mágicos e tratados filosóficos foram perdidos e inúmeros magistas e sacerdotes pagãos incineraram seus escritos pessoais diante do medo do terrível Crucifixo de Cristo.
Com a ascensão do cristianismo, a prática da magia não morreu, mas foi forçada a existir a margem da sociedade. O povo egípcio, que antes recorria à magia no seu dia-a-dia, agora dependia dos sacerdotes coptas, hostis a qualquer prática mágica. No entanto, alguns sacerdotes coptas praticava uma forma cristianizada de magia greco-egípcia, onde ao invés de espíritos, daimons ou outras criaturas espirituais, anjos eram convocados e ao invés de inúmeros deuses, havia apenas um. Essencialmente, os sacerdotes coptas substituíram os nomes bárbaros de evocação que caracterizavam a magia greco-egípcia pelo nome de anjos, o que para muitos magistas descaracterizou a prática, tornando-a ineficiente. Além da teogonia e práticas mágico-espirituais das tradições acima mencionadas, outras ideias religiosas foram incorporadas nos Papiros Mágicos Greco-Egípcios . Ideias de tradições que transcendem fronteiras como o zoroastrismo, o mitraísmo, o gnosticismo, o neoplatonismo, o hermetismo e o serapismo. Particularmente, os hinos órficos e homéricos que foram extensivamente incorporados no corpo de inúmeros papiros.
Zoroastrismo No Séc. VI a.C. Zoroastro empreendeu uma reforma na antiga religião iraniana. Ele ensinou de Ahura Mazda, o conhecimento soberano, foi o único criador e senhor do mundo. Essa foi à maior influência monoteísta por trás do judaísmo, cristianismo e islamismo. Ele manteve também o panteão persa, dividindo-o em um complexo sistema dualista que colocava qualquer divindade abaixo de Ahura Mazda, o Deus Supremo ou Ahriman, a incorporação definitiva do mal. A contradição entre o dualismo e o monoteísmo de Zoroastro termina quando Ahura Mazda triunfa no fim dos tempos. No Mediterrâneo e no mundo helênico, Zoroastro passou a ser referência sobre o mistério e o conhecimento oculto que vinham do Oriente. Inúmeros tex-tos foram escritos em seu nome e o mitraísmo, cultura baseada no zoroastrismo, se espalhou por todo Oeste.
Mitraísmo Mithras é o nome grego do deus indo-europeu Mitras. No panteão persa, Mitras era um anjo abaixo de Ahura Mazda, no entanto, maior do que o Sol. No sistema de Zoroastro, Mitras tornou-se o responsável por julgar as almas e era considerado um representante divino de Ahura Mazda, protegendo a humanidade contra o mal de Ahriman. De acordo com Plutarco (46-120 d.C.), o primeiro contato dos romanos com o mitraísmo ocorreu durante a campanha de Pompeu (106-48 a.C.) contra os piratas cilícios por volta de 70 a.C. O mitraísmo se tornou uma religião de soldados que oferecia salvação não apenas através da compaixão ou da fé, mas também através da fidelidade, honestidade, alto valor moral,
virilidade e bravura. A história apresenta o mitraísmo como um culto misterioso, praticado apenas entre os homens, tido como o precursor da Maçonaria. A iniciação no mitraísmo envolvia ordálios severos e o Candidato subia de Graus – como em uma Ordem - relacionados aos sete planetas. O mitraísmo logo se tornou uma espécie de religião universal entre os homens do Império Romano, ao ponto de ser o principal rival do cristianismo em Roma nos primeiros séculos. Quando finalmente o cristianismo consolidou seu poder por volta do Séc. V, o mitraísmo foi repreendido e seus aderentes caçados, presos e torturados. Toda a literatura do mitraísmo foi queimada e seus templos profanados, tornando-se a morada de mendigos e criminosos. Os sacerdotes do mitraísmo eram assassinados nos templos e seus corpos eram jogados sob o altar, ali permanecendo e apodrecendo. Os templos se tornaram verdadeiros cemitérios. No entanto, o cristianismo se apoderou quase que por completo dos métodos e procedimentos de culto e da teologia do mitraísmo, alegando que foram os adoradores de Mitras que os copiaram. Diante da crescente oposição pagã que se levantava descontente com a violência e usurpação cultural, os sacerdotes cristãos alegaram que o diabo antecipou a verdadeira fé criando um falso culto antes do nascimento de Cristo.
Gnosticismo Gnosticismo é um termo genérico para inúmeras ideologias e sistemas mitológicos defendidos por diferentes professores e suas comunidades. A palavra gnosticismo vem do grego gnose, que significa conhecimento. Tratase de uma mistura intercultural que se estendeu ao longo de todo Império Helênico e durou séculos, permitindo que várias comunidades gnósticas desenvolvessem suas ideias religiosas influenciadas pelas tradições grega, judaica, iraniana, cristã e outras influências do Extremo Oriente. Os gnósticos rejeitaram os ensinamentos da Igreja Cristã que só tratava de fé e salvação. Eles ensinavam que dentro de cada ser humano existe uma centelha divina que caiu do reino celestial, governado pelo Deus Oculto, no mundo, governado pelo demiurgo maligno, ficando agrilhoada ao destino, nascimento e morte. Trata-se de um estado de alienação criado pela dualidade da separação entre a centelha divina e o reino celestial. A ideia da iniciação ser um processo de preparo para a morte é evidente entre os gnósticos. Para que a centelha divina seja reabsorvida novamente no Reino Celestial, primeiro ela tem de se libertar da prisão das esferas planetárias. A iniciação, portanto, prepara o gnóstico magicamente para essa travessia.
Neoplatonismo
Os neoplatônicos identificaram o objetivo de sua busca espiritual como a união com a força divina que a tudo permeia e isso era conquistado, assim eles ensinavam, com a contemplação. Jâmblico, no entanto, recomendava o uso de uma técnica de exaltação mágica conhecida como Teurgia. Na visão de Jâmblico, a teurgia opera transformações profundas no magista que a pratica. A contemplação é uma prática passiva. A teurgia, por outro lado, através de suas invocações, é uma prática ativa. Jâmblico demonstrou que a prática da filosofia não está distante da magia.
Hermetismo A Alexandria, no delta do Nilo, era uma cidade próspera, um centro cosmopolita de comércio e a principal fonte de grãos para o exército do Império Romano. A cidade era tão promissora que soldados e oficiais romanos se aposentavam lá. Um conglomerado intercultural que abrigava judeus, gnósticos, neoplatônicos e inúmeras outras culturas, próximas e distantes. Nesse ambiente rico nasceu o hermetismo como um culto eclético nos primeiros séculos. O hermetismo faz referência a um corpo de escritos herméticos e filosóficos popularmente atribuídos a Hermes, uma deidade resultante da fusão do Hermes grego e do Thoth egípcio. Hermes foi associado ao comércio, viagens, cura e magia. Thoth foi o porta-voz e escriba dos deuses, inventou as artes, a medicina, a magia, a adivinhação, a ciência, o desenho, a escrita e a música. Thoth e Hermes incorporam o magista ideal e eram tidos dessa maneira. Os escritos herméticos influenciaram profundamente a prática da magia na Idade Média e Renascença e constituem a base fundamental por trás da magia moderna.
Serapismo No antigo Egito houve o culto a um deus nascido da fusão entre Osiris e Apis, cujo nome era Serapis, uma divindade greco-egípcia cujo culto foi instaurado por Ptolomeu I (367-283 a.C.) na intenção de unir o povo grego e egípcio. A fusão que deu nascimento a Serapis ocorreu da lógica que, se Apis era animado pela alma de Osiris e Osiris era considerado o Touro do Ocidente, então Serapis seria a divindade que possuía o melhor de ambos. Mas Serapis incorporava ainda funções de muitos outros deuses como Zeus, Dionísio, Poseidon, Hades e Asclépio. Seus maiores atributos, no entanto, estavam conectados a fertilidade e a vida após a morte. Templos de adoração a Serapis foram construídos na Alexandria e por todo o Mediterrâneo. A destruição do Serapeum Alexandrino pelos cristãos em 391 d.C. encerrou o serapismo. Os cristãos, entretanto, copiaram em seu culto muitos métodos utilizados pelos serapistas como canto, o uso de luzes, sinos, paramentos, procissões e música.
Hinos Órficos Nas lendas gregas, Orfeu foi o primeiro grande mago. Na sua mitologia, era filho da musa Calíope e Apolo, rei da Trácia. Ele foi um dos cinquenta argonautas que atenderam ao chamado de Jasão na busca pelo Tosão de ouro. Foi no Egito que Orfeu aprendeu a Arte dos Magi e as lendas contam que seus encantamentos podiam mudar o curso de rios, conduzir o trajeto de aves e crescer o fruto das árvores fora da época. Na tentativa de salvar sua esposa Eurídice do submundo, Orfeu encantou o barqueiro Caronte e adormeceu Cérbero, o guardião. No entanto, por descuido, teve sua amada arrancada de seus braços quando olhou para ela, contrariando as condições que Hades havia dado para que ele a resgatasse do submundo. Atacado por um grupo de mulheres contrariadas, as Mênades, Orfeu tombou e teve seu corpo desmembrado e sua cabeça atirada no rio Hebro. Quando sua cabeça caiu no rio, imediatamente começou a proferir encantamentos. A lenda conta que sua cabeça foi transformada em um oráculo. Após isso o orfismo – um conjunto de práticas mágico-espirituais nascidas no Império Helênico, no encontro das culturas da Grécia e Trácia –, começou a se difundir. O orfismo é um antigo culto grego que existiu por volta de 600 a.C. e foi baseado nos escritos e scritos do poeta Orfeu. Os órficos acreditavam que o corpo físico era a prisão da centelha divina que se encontrava encarcerada em um ciclo eterno de mortes e renascimentos. Somente através de processos iniciáticos era possível a centelha divina se libertar do corpo e ser reabsorvida na Fonte de Tudo. Os hinos órficos foram encontrados em lâminas de ouro colocadas sobre os cadáveres na intenção de protegerem os espíritos dos mortos na vida após a mor-te e sua jornada em direção a um novo nascimento. As lâminas mais antigas datam do Séc. VI a.C. e as mais recentes do Séc. IV d.C., destacando a duração do orfismo em pelo menos mil anos. Existem inúmeras referências do orfismo nos PMGE e um feitiço em especial atribuído a Orfeu (PMGE XIII 934-936). É evidente que Orfeu teve muita influência sobre os magistas greco-egípcios.
Hinos Homéricos Os dois maiores épicos da cultura ocidental são os poemas de Homero (928898 a.C.) Ilíada (sobre a Guerra de Tróia) e Odisseia (sobre as peregrinações de Ulisses). A história conta que Homero era um grego asiático, nascido na Esmirna, atual Izmir na Turquia. Acreditava-se que ele era cego e que trabalhou em Ionia, costa ocidental da Turquia. Para os magistas greco-egípcios, os escritos de Homero eram imbuídos de poder espiritual. Inúmeros versos da obra de Homero foram utilizados por todos os PMGE: encantamento para conter a raiva (PMGE IV 467-68),
encantamento para obter amigos (PMGE IV 833-34) e até encantamentos para necromancia (PMGE IV 236-38) e proteção mágica (PMGE IV 568-69).
Os nomes bárbaros de evocação Os encantamentos, sortilégios e feitiços dos Pergaminhos Mágicos GrecoEgípcios contém palavras de poder conhecidas na Tradição Oculta como nomes bárbaros de evocação. Muitas dessas palavras podem significar o nome de deuses ou atributos divinos, funções etc. de divindades de inúmeras culturas espirituais. No entanto, sua grande maioria é completamente irreconhecível. Embora acadêmicos acreditem que estas palavras eram utilizadas apenas para impressionar os clientes dos antigos magos e feiticeiros, não pode deixar de ser levada em consideração toda a influência mágico-espiritual que traçamos até o presente. Para todas essas culturas, a palavra como veículo da expressão divina era tida em alta medida, uma tecnologia espiritual pela qual o magista poderia influenciar os planos, seus subplanos e todos os seus habitantes. Na prática da magia greco-egípcia é possível notar o poder dos encantamentos e feitiços quando reforçados pelo som hipnótico dos nomes bárbaros de evocação. Para os magistas greco-egípcios, estes nomes são poderosas fórmulas mágicas carregadas de poder divino que se perderam na noite dos tempos. Alguns nomes aparecem repetidas vezes nos PMGE, o que demonstra a existência de um vocabulário mágico que há muito se perdeu, no entanto, partilhado por alguns magistas greco-egípcios. A magia é uma arte. A combinação de diferentes nomes bárbaros revelou fórmulas mágicas uteis nas situações mais triviais do dia-a-dia. Como demonstrado acima, muitos feitiços e encantamentos combinavam três ou quatro línguas diferentes. Essa combinação de dialetos produziu um rico material pelo qual é possível traçar inúmeras técnicas de magia utilizada pelos magos e sacerdotes greco-egípcios. greco-egípcios. Além dos nomes bárbaros de evocação, os Papiros Mágicos GrecoEgípcios traziam fórmulas mágicas compostas somente por vogais. Essa combinação de vogais – e às vezes somente a vogal – eram cantadas. Tratase essencialmente uma técnica egípcia encontrada em quase todos os encantamentos dos PMGE. Influenciado por essa técnica de magia grecoegípcia, Krumm Heller (1876-1949) estruturou muitos exercícios de vocalização mântrica para a FRA, Fraternitas Rosacriciana Antiqua . Demetrius, que morreu por volta de 180 a.C., escreveu no seu De Eloutine: No Egito, os sacerdotes cantavam hinos de louvor aos deuses e empregavam a combinação de vogais em uma série de sons sucessivos que inebriavam os sentidos e a mente ao ponto de entorpecer o corpo.1
1 Citado
em O Hermes Egípcio: Uma Abordagem Hiistórica . Maria Campela Agrião, Tese de Mestrado, UFJF, Faculdade de Ciência das Religiões, 2015.
Os Oráculos Caldeus, tido em alta medida pelos teúrgos neoplatônicos, explica a importância de se manter inalterados os nomes bárbaros de evocação: Nunca mude os nomes bárbaros; Pois existem nomes em cada nação dados por Deus e têm um poder indescritívels nos Ritos.2
2 Chaldean Oracles: As set down by Julianus . Tradução de Stanley Thomas.
Tecendo os fios da tapeçaria greco-egípcia Ao longo dos cinco primeiros séculos, no período da ocupação romana, a cultura egípcia foi completamente integrada ao mundo helênico. Essa absorção se estendeu por um vasto período de tempo e envolveu mudanças fundamentais na escrita egípcia. Os hieróglifos, entregues aos egípcios pelo próprio deus Thoth, passaram a ser utilizados somente para fins religiosos. Eles eram vastamente usados e a parir de 500 a.C. começaram a se expandir com centenas de novos sinais que ao longo do tempo foram introduzidos. Seu declínio ocorreu no Séc. IV d.C. O demótico, que apareceu por volta de 660 a.C. como uma alternativa bem mais simplificada dos hieróglifos, começou a ser utilizado somente para fins literários e de comércio. Mas no fim do Séc. IV d.C. ele começou a ser substituído pelo grego, que por sua vez era derivado do alfabeto copta. O demótico entrou definitivamente em desuso no início do Séc. V d.C. A adoção do grego e do demótico preservou o conhecimento espiritual que outrora foi mantido pelos egípcios. Os sacerdotes, por outro lado, se aproximaram mais da população, tornando-se mais acessíveis a um público muito maior. Mas os magistas greco-egípcios não se limitavam apenas as influências próximas a Alexandria. Antigas rotas comerciais garantiam o intercâmbio com culturas remotas. Por exemplo, incensos eram trazidos da China ou Índia para serem usados nas cerimônias mágicas. É interessante notar que os grandes feitos dos xamãs gregos eram muito similares aos dos yogīs. Como poderá ser notado, muitas técnicas de magia greco-egípcia são bem distintas das fórmulas utilizadas pela maioria dos magistas ocidentais, o que sugere uma influência exótica, como a magia sumeriana. Muitas técnicas de magia greco-egípcia eram executadas para a satisfação pessoal de clientes na intenção de amor, riqueza, saúde, fama, conhecimento do futuro, o controle sobre terceiros etc. Muitos dos feitiços nos PMGE serão considerados da natureza da magia negra (popular ou baixa), mas outros, por outro lado, serão considerados sublimes e enaltecedores. Aqui, considera-se que magia negra seja fruto de atos mágicos executados para fins exclusivamente mundanos. Exemplos nos PMGE incluem feitiços para manter animais fora de casa, comer alho e não ficar com mau hálito, beber e não ficar embriagado, sorte no jogo, amor, vingança e adivinhação. Alta Magia ou Teurgia é a prática onde o magista invoca energias divinas na intenção de acelerar seu desenvolvimento espiritual. No entanto, não existe nos Papiros Mágicos Geco-Egípcios nenhuma delineação clara sobre o que é Alta Magia e o que não é. Alguns feitiços de Alta Magia, por exemplo, podem ser identificados como magia negra porque lidam com sacrifício de animais. Esses feitiços sugerem, portanto, duas classes distintas de magistas. Assim, quem foram os magistas grecoegípcios?
A primeira classe de magistas eram os sacerdotes. Eles atuavam nos templos e faziam peregrinações. Tanto no Egito quanto na Grécia os sacerdotes se dedicavam exclusivamente as funções litúrgicas e clericais, oferecendo suas habilidades mágicas a clientes ricos. A segunda classe de magistas eram os manganeumatas das sombras. Feiticeiros que viviam a margem da sociedade, na porta dos templos. Sua área de atuação, além de feitiços e sortilégios de todos os tipos, era o contato com espíritos dos mortos, gênios adivinhos e espíritos de classe inferior. Os gnósticos, hermetistas e mitraístas desenvolveram um sistema de iniciação através das energias planetárias. Os teúrgos neoplatônicos, por outro lado, desenvolveram um sistema de iniciação baseado na invocação de energias divinas. A magia greco-egípcia funde práticas mágico-espirituais dos antigos sumérios, babilônios, egípcios, gregos, hebreus e cristãos, fornecendo inúmeros feitiços e outras tecnologias espirituais como armadilhas de espírito, exorcismos e purificações.
Sobre o Autor: Fernando Liguori é hermetista praticante e escritor interessado em Neoplatonismo, Tradição Salomônica, Magia na Antiguidade, Filosofia, Yoga, Tantra, Āyurveda, Xamanismo e Cabala Crioula. É líder e fundador do Colegiado da Luz Hermética , uma Escola Neoplatônica de Iniciação que inclui uma Igreja de Ciências Herméticas (Ecclesiae Lvx Hermeticae ) e a Ordem das Irmãs de Seshat , cujo trabalho é apresentar os Arcanos de Mistério da Tradição Esotérica Ocidental sob uma perspectiva feminina e para mulheres apenas. Nós celebramos os Mistérios & Arcanos da Iniciação através do conhecimento inspirado transmitido por Pitágoras, Sócrates, Platão, Aristóteles, Plotino, Jâmblico, Dionísio, o Areopagita e Marsílio Ficino. Somos uma comunidade teúrgica ecumênica fundada na cidade de Juiz de Fora (MG). Nós nos esforçamos para nos engajar na veneração do divino e alcançar o autoconhecimento celestial.
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