LURIA, A. R. Curso de Psicologia Geral . Ed. 2. Vol. 2. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 1991.
II – PERCEPÇÃO
Retomada do capítulo anterior “Nada do que falamos no capitulo anterior foi além dos limites do estudo das formas mais
elementares de reflexo ou dos limites do estudo de elementos particulares de reflexo do mundo
exterior ou interior” (p. 38). Di fer en ça en tr e as se n sa ções e a pe rc ep ção Sensações:
captação de indícios isolados do mundo interno e externo a partir de órgãos superespecializados dos sentidos;
Percepção: sistemas complexos de integração de imagens a partir das sensações. Integração dos momentos biológicos aos histórico-culturais. “O homem não vive em um mundo de pontos luminosos ou coloridos isolados, de sons ou contatos, mas em um mundo de coisas, objetos e formas, em um mundo de situações complexas; independentemente de ele perceber as coisa que o cercam em casa, na rua, as arvores e a relva dos bosques, as pessoas com quem se comunica, os quadros que examina e os livros que lê, ele esta invariavelmente em contato não com sensações isoladas mas com imagens inteiras; o reflexo dessas imagens ultrapassa os limites das sensações isoladas, baseia-se no trabalho conjunto dos órgãos dos sentidos, na síntese de sensações isoladas e nos complexos sistemas conjuntos. Essa síntese pode ocorrer tanto nos limites de uma modalidade (ao analisarmos um quadro, reunimos impressões visuais isoladas numa imagem integral) como nos limites de varias modalidades (ao percebermos uma laranja, unimos de fato impressões visuais, táteis e gustativas e acrescentamos os nossos conhecimentos a respeito da fruta). Somente como resultado dessa unificação e que transformamos sensações isoladas numa percepção integral, passamos do reflexo de indícios isolados ao reflexo de objetos ou situações inteiros ” (p. 38).
Imp or tânc tânc ia d a ex per iênc ia an teri or na co m po si ção da per cep ção e c aráter ativ o e m ed iad o d a per c ep ção Discriminação da grande variedade de estímulos em estímulos essenciais e estímulos secundários;
Julgamento e identificação das informações captadas com a experiência anterior do sujeito;
“Esse processo requer que se discriminem do conjunto de indícios atuantes (cor, forma,
propriedades táteis, peso, sabor, etc.) os indícios básicos determinantes com a abstração simultânea de indícios inexistentes. Requer a unificação do grupo dos principais indícios e o cotejo do conjunto de indícios percebidos e despercebidos com os conhecimentos anteriores do objeto. Se no processo dessa comparação a hipótese do objeto proposto coincidir com a informação que chega, ocorrera a identificação do objeto e o processo de percepção deste se concluirá; se como resultado dessa comparação não ocorrer a coincidência da hipótese com a informação que realmente chega ao sujeito, a procura da solução adequada continuara enquanto o sujeito na o encontra-la, noutros termos, enquanto ele não identificar o objeto ou não inclui-lo em determinada categoria ” (p. 39).
“Deste modo, a percepção plena do objeto surge como resultado de um complexo trabalho de análises e síntese, que ressalta os indícios essenciais e inibe os indícios secundários, combinando os detalhes percebidos num todo apreendido” (p. 40). “ A seguir o processo de percepção está intimamente ligado à reanimação dos remanescentes da experiência anterior, a comparação da informação que chega ao sujeito com as concepções anteriores, ao cotejo das ações atuais com as concepções do passado, com a discriminação dos indícios essenciais, com a criação de hipóteses do valor suposto da informação que a ele chega e com a sintetização dos indícios perceptíveis em totalidades e com a (tomada de decisão) a respeito da categoria a que pertence o objeto perceptível ” (p. 40).
Importância da ling uagem
“Por ultimo é essencial, ainda, a circunstancia de que o processo de percepção do objeto
nunca se realiza em nível elementar e sua composição tem sempre como integrante o nível superior de atividade psíquica, particularmente a fala (discurso). O homem não contempla simplesmente os objetos ou lhes registra passivamente os indícios. Ao discriminar e reunir os indícios essenciais, ele sempre designa pela palavra os objetos perceptíveis, nomeando-os, e deste modo apreende-lhes mais a fundo as propriedades e as atribui a determinadas categorias” (p. 41). A
percepção é ativa, mediada, generalizadora, corretiva, dirigida e pode ser modulada.
“O processo de atividade perceptiva e sempre determinado pela tarefa que se coloca diante do sujeito” (p. 42).
Luria se propõe a estudar a “psicologia da atividade perceptiva do homem” (p. 44), cujos traços g erais podem ser descrito s da seguin te forma
“É natural que a percepção correta dos complexos objetos não depende apenas da
precisão do funcionamento dos nossos órgãos dos sentidos mas também de varias outras condições essenciais. Situam-se entre estas a experiência anterior do sujeito e a amplitude de profundidade das suas concepções, a tarefa a que ele se propõe ao analisar determinado objeto, o caráter ativo, coerente e critico da sua atividade receptora, a manutenção dos movimentos ativos que integram a atividade receptora, a capacidade de reprimir a tempo as hipóteses do significado do objeto perceptível se estas não corresponderem a informação afluente” (p. 43).
Per c ep ção T átil Os
receptores táteis distribuem-se desigualmente pela pele e pelos órgão interiores do corpo. Eles são capazes de perceber estímulos mecânicos externos, proprioceptivos, de temperatura e dolorosos. Sensibilidade tátil simples, sensação de localização e sensibilidade distintiva (p. 48). Formas complexas de percepção tátil: percepção da forma. Para ser capaz de captar a
forma dos objetos é preciso que a mão esteja em movimento. Daí, o caráter ativo da percepção tátil complexa. “Na percepção tátil do objeto, a questão mais importante e a transformação paulatina da
informação que recebemos sucessivamente acerca de indícios particulares do objeto em sua imagem integral (simultânea)” (p. 50). “Vemos facilmente que o processo de identificação da imagem do objeto, que ocorre de imediato na visão, no tato tem caráter desdobrado e ocorre por meio de uma cadeia sucessiva de testes com a discriminação dos indícios particulares, a criação e a formação de varias alternativas e a obtenção da hipótese definitiva. Por isto o processo de percepção tátil (ativa), a
qual surge no processo de apalpação, pode servir de modelo de qualquer percepção cujos elos particulares são aqui desdobrados e especialmente acessíveis a analise ” (p. 50). A riqueza da experiência tátil do sujeito abrevia o processo de identificação dos objetos em cada nova percepção tátil. Quanto mais experiente, maior a velocidade da identificação da forma.
Per c ep ção Vi s u al “O sistema visual se caracteriza, a primeira vista, por traços grandemente opostos ao sistema tátil. Se na percepção tátil o homem capta apenas traços isolados do objeto e só posteriormente os reúne numa imagem integral, por meio da visão ele percebe de uma só vez a imagem completa do objeto; se o tato e um processo de captação desdobrada e sucessiva de traços e sua síntese posterior, a visão dispõe de um aparelho para perceber simultaneamente as formas complexas do objeto ” (p. 54). O
olho humano é altamente complexo: retina, cristalino, íris, pupila, músculos oculares,
etc.
Especialização da relação entre células da retina e neurônios: “ Já dissemos que os
neurônios, integrantes tanto do corpo caloso exterior como das áreas de projeção do córtex visual, distinguem-se por uma elevadíssima especialização. Uns reagem apenas as linhas planas, outros, apenas as linhas agudas; uns reagem apenas aos movimentos do objeto do centro a periferia, outros, apenas aos movimentos do objeto da periferia ao centro, etc.” (p. 59). Percepção
da forma: Gestalt
Percepção
da forma: Caráter histórico-cultural da percepção da forma
“ A teoria da Psicologia estrutural (Psicologia da Gestalt) deu contribuição importante e
inovadora a analise da percepção integral das formas. Mas ela tem também as suas limitações. Concebendo as leis da percepção das estruturas como o reflexo natural das leis integrais dos processos fisiológicos e ate físicos, ela abstrai o fato de que, todos os fenômenos da percepção humana, por ela descritos, formaram-se em determinadas condições históricas e não podem ser interpretados definitivamente sem se levarem em conta essas condições. Eis porque, como mostram os fatos, as leis da "nitidez da percepção", "da conclusão do todo" (fechamento), apresentadas pelos partidários do Gestaltismo como leis naturais de cada percepção, na realidade revelaram- se plenamente uteis apenas •para a percepção do homem, formada nas condições de uma determinada cultura; elas não são confirmadas no estudo da percepção dos homens daquelas formações históricas nas quais a percepção das formas geométricas não tem o caráter abstrato que a distingue atualmente ” (p. 63). Caráter
ativo da percepção visual: movimentos dos olhos
A percepção visual de objetos e situações complexas depende da inclusão destes objetos e destas situações em uma atividade prática que o sujeito desenvolve, na qual estejam dados os objetivos, o tema e os motivos da atividade. Assim, para o desenvolvimento da percepção, o sujeito será capaz de julgar os indícios visuais de acordo com sua importância em relação aos objetivos e motivos da atividade como um todo (p. 67-68). Por exemplo, as diversas maneiras de se perceber um quadro (obra de arte): o método da pintura, o tempo histórico do pintor, o uso da perspectiva, o uso das cores, a presença ou ausência da figura humana, etc. Tipos objetivo e subjetivo da percepção visual: “ Não são menos importantes outras diferenças individuais de percepção, como o predomínio da percepção analítica com a discriminação de muitos detalhes em uns e da percepção sintética integral, em outros ” (p. 71).
Percepção Material - correspondência entre a percepção, a linguagem e a qualidade da experiência dos sujeitos; “Como mostraram as pesquisas, a percepção percorre um longo caminho de desenvolvimento. A essência desse desenvolvimento consiste não tanto no enriquecimento
quantitativo quanto na profunda reorganização qualitativa cujo resultado e a substituição das formas elementares imediatas por uma complexa atividade perceptiva, constituída tanto pela atividade prática de conhecimento do objeto quanto pela analise das particularidades essenciais deste, analise essa que e feita com a participação imediata do discurso ” (p. 75). “Somente depois que o objeto começa a ser designado pela palavra ("urso", "pato") e que a percepção da criança adquire caráter material constante e ela deixa de cometer os erros aqui descritos” (p. 76). “Tudo isto mostra que a percepção material do homem se forma no processo de uma ampla –atividade perceptiva, sendo a própria percepção material um produto "reduzido" dessa atividade” (p. 77). A percepção é simultaneamente pressuposto e resultado do desenvolvimento da atividade humana, do desenvolvimento da experiência. O pressuposto biológico é, ao longo do tempo, superado pela experiência histórico-social dos sujeitos.
Pe rc ep ção d o E s p aço Estreita
relação entre o aparelho vestibular e o aparelho motor dos olhos;
São
necessários 1) a convergência dos olhos; 2) a tensão relativa da musculatura dos olhos derivada do deslocamento da imagem; 3) a percepção estrutural (profundidade); O
espaço é quase sempre assimétrico: frente, fundo, esquerdo, direito, alto, baixo;
Esta assimetria permite-nos identificar objetos de posicionamento constante que nos facilite a orientação. Caso não houvesse esta assimetria, teríamos muita dificuldade de diferenciar a nossa orientação espacial. Por ex., entradas e saídas muito semelhantes nos terminais de metrô.
Importância da “mão dominante” e das noções abstratas de “direita” e “esquerda”: para assegurar a nossa orientação no espaço “tornam-se necessários mecanismos suplementares,
antes de tudo a distinção da mão direita "principal" cora cujo apoio o homem faz uma analise complexa do espaço anterior e do sistema de representações espaciais abstratas (direitaesquerda) que, como mostraram observações psicológicas, e de origem histórico-social ” (p. 84). “Os distúrbios do esquema do corpo são formas especiais de distúrbio da percepção espacial. Eles surgem com a irritação patológica das áreas proprioceptivas do córtex subpariental e se manifestam numa mudança sui generis das sensações do próprio corpo: doentes com semelhante afecção podem ter a sensação de que um lado do seu corpo tornou-se estranhamente maior, e a cabeça "inchou", tornando-se maior do que todo o corpo, etc. O distúrbio do esquema do corpo constitui um importante sintoma de apoio para o diagnostico dos focos patológicos nas áreas sub-parietais do córtex e nas respectivas formações subcorticais” (p. 85-86).
Per ce pção A ud it iv a da percepção tátil e visual – que se relacionam mais diretamente com o espaço –, a percepção auditiva está relacionada com estímulos que ocorrem no tempo. Daí a capacidade de distinguir entre frequências e amplitudes das ondas sonoras, a captação da variação sonora, sua transmissão via alterações no fluido do ouvido interno, sua captação por grupos neuronais especializados (cada grupo capta e transmite apenas em determinadas faixas de frequência e amplitude) e sua recepção e integração e estabilização nos centros corticais superiores; Diferentemente
Diferença
entre sensação sonora e percepção sonora: “(...) o mundo das excitações sonoras do homem e determinado por outros fatores de origem não biológica mas histórico-social ” (p. 89).
Dois
sistemas da percepção: “Podemos distinguir dois sistemas objetivos, que se formaram no processo da historia social da humanidade e exercem grande influência na codificação das sensações auditivas do homem em complexos sistemas de percepção auditiva. O primeiro deles e o sistema rítmicomelódico (ou musical) de códigos, o segundo, o sistema fonemático de códigos (ou sistema de códigos sonoros da língua). São esses dois fatores que organizam em complexos sistemas de percepção auditiva os sons percebidos pelo homem ” (p. 90). A
linguagem: “ A linguagem humana dispõe de todo um sistema de códigos sonoros, a base dos quais se constroem os seus elementos significantes: as palavras. Para distinguir os sons do discurso ou fonemas não basta possuir um ouvido agudo; para percebe-los e necessário efetuar um complexo trabalho de discriminação dos indícios essenciais do som do discurso e de abstração dos traços estranhos, secundários para tal distinção. Cada etapa historicamente formada possui um complexo código de traços essenciais, que permitem distinguir o sentido de uma palavra pronunciada; na língua portuguesa esses traços são, por exemplo, as marcas de sonoridade ou surdez das consoantes (sons muito semelhantes que se distinguem por apenas um desses traços como, por exemplo, "b" e "p", "d" e "t" que permitem mudar o significado da palavra. Podemos tomar como exemplo a distinção entre palavras como "braça" e "praça", "bala" e "pala", "dote" e "pote". Esses traços sonoros, de significado semântico distintivo, são denominados traços fonemáticos; aqui a essência da captação auditiva do discurso consiste em distinguir esses traços na cadeia falada, torna-los dominantes, abstraindo simultaneamente o timbre com o qual são pronunciadas as palavras e a altura do tom que distingue a voz de quem as pronuncia. A assimilação do sistema fonemático objetivo (variado em língua diferente) constitui a condição que organiza o ouvido do homem e assegura a percepção do discurso sonoro. Sem o domínio desse sistema fonemático, a audição fica desorganizada e a pessoa que não domina o sistema fonético de uma outra língua não só "não o entende" como não distingue os traços fonéticos essenciais para 'essa língua, noutros termos, "não escuta" os sons que o compõem ” (p. 91). Processo
ativo da percepção auditiva: “ A diferença entre a percepção auditiva e a tátil e visual consiste apenas em que se na percepção tátil e visual os componentes motores estão incluídos no mesmo sistema de analisadores (os movimentos de apalpação da mão, os movimentos de busca dos olhos), na percepção auditiva eles estão separados do sistema auditivo e reunidos distintivamente num sistema especial de canto vocal para audição musical e de pronunciação para audição do discurso” (p. 92). A forte relação entre a audição e a linguagem significa que esta é responsável pelo desenvolvimento daquela, no sentido de que a linguagem produz um refinamento da audição. Alucinações
auditivas: Afecções de regiões centrais do córtex cerebral responsáveis pela integração auditiva podem gerar situações de alucinações auditivas: “ surgimento de sensações de tons, ruídos, sons de musica ou fala na ausência de causas reais ” (p. 95).
Per ce pção do Tem p o Formas elementares de percepção do tempo: ritmos biológicos (frequência de disparos neuronais, pulsações do coração, frequência respiratória, sono e vigília, sensação de fome, etc. Formas complexas da percepção do tempo: padrões de avaliação do tempo criados pelo homem: minutos, segundos, horas, dias, meses, anos.