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ESPOLIAÇÃO URBANA
Este livro é constituído de textos escritos entre 1973 e o inicio de 1979. Analisa as conseqüén cias do acirramento da exploração do trabalho e da espoliação urbana que afetaram a maioria dos que levam adiante as engrenagens produtivas. Os textos estão norteados pela hipótese de que urna grande oferta de mãodeobra constitui um elemento elemento importan im portante te para o sistema económico realizar uma acumulação que se tem ex pa p a n d ido id o , dila di lap p idan id and d o gran gr and de pa p a rte rt e da forç fo rçaa de tra tr a b a lho lh o , prin pr inci cip p alm al m ente en te os segme seg mento ntoss não qualificados que podem ser facilmente substituídos pela reserva de trabalho disponível. Os artigos, centrados especialmente na Região Metropolitana de São Paulo, focalizam, sob o ângulo do trabalho e da vida urbana, determinados aspectos de uma expansão capitalista que adq a dquiriu uiriu feiç feiçõe õess nitidam nitidamenente selvagens, que se expressam tanto na deterioração salarial
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ESPOUACÀO URBANA
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Segunda Edição
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Coleção Estudos Brasileiros vol. 44 Direção: Aspásia Alcântara Camargo Juárez Brandão Lopes Luciano Martins
Ficha Catalògráfica CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.
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Kowarick, Lucio. A Espoliação E spoliação urban urbana a / Lucio Kowarick. - Rio de de Janeiro: Paz e Terra, 1979. 1979. (Coleção Estudos brasileiros; v. 44) 1. São Paulo Paulo (Cidade) (Cidade) - Condições Con dições sociais 2. So ciologia ciolo gia urbana urbana I. Título Tít ulo II. II. Série Série
79-Q810
CD D - 301. 301.36 36 309.181551 CD U - 30 301( 1(11-21 21)) 308(816.11)
EDITORA PAZ E TERRA Conselho Editorial :
Antonio Candido Celso Furtado Fernando Gasparian Fernando Henrique Cardoso
A ESPOLIAÇÃO URBANA |
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Para BEL, CAIO, KIKA e ZECA.
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Copyright © by Lucio Kowarick
Lú Rodrigues - diagramação capa e supervisão gráfica Alltype - fototipos Agência F4 - fotografias
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. • t'' l i \ Fotos: Antonio Anto nio J. Saggese - capa, capa, pp. 40, 65, 98, 102 Henrique de Macedo Neto pp. 54, 85, 116, 119, 122, 130, 138, 152, 161, 169, 178, 181, 184
Copyright © by Lucio Kowarick
Lú Rodrigues - diagramação capa e supervisão gráfica Alltype - fototipos Agência F4 - fotografias
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Antonio Anto nio J. Saggese - capa, capa, pp. 40, 65, 98, 102 Henrique de Macedo Neto pp. 54, 85, 116, 119, 122, 130, 138, 152, 161, 169, 178, 181, 184 Juca Martins - pp. 18, 19 19 Manoel No váis - p. 51 51 Nair Benedicto Bened icto - pp. 18 186, 6, 204 Nadia Somekh - pp. 25, 25, 28 28 Ruth Toled To ledo o - pp. 4, 70, 70, 115 Sérgio Ferro - painel de Villeneuve, Grenoble, França, pp. 189, 190
Direitos adquiridos pela Editora Paz e Terra S/A Rua São José, José, 90 — 18.° andar andar Centro — Rio de Janeiro, R.J. tel.: 221-3996 Rua Carijós, 128 Lapa Lapa — São Paulo, SP tel.: 263-9539 1983 Impresso no Brasil Prin Pr inte ted d in Brazil Bra zil
ÍNDICE
Prefác Prefácio io de Fernand Fer nando o Henrique Cardos Ca rdoso o
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Explicação Explicação e agradecim agrad ecimentos entos
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O mito da sociedade amorfa e a questão da democrac dem ocracia ia
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A lógica lógica da desordem desor dem
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Autoconstrução de moradias e espoliação urba ur bana na
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A favela favela como fórm ula de sobrevivência
75
Usos^e abusos: reflexões sobre as metamorfoses do traba tra balho lho
99
Nos No s barra ba rracos cos da Cidad Ci dadee Jard Ja rdim im
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Os cidadãos cidad ãos da Marginal Mar ginal
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A conqui con quista sta do espaço espaç o
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A cidade, no mundo capitalista contemporáneo, tem sido pensada e vivida como deformação: ora é a Manhattan de todas as ambições e devaneios, ora o Harlem de cada dia de sofrimento. No caso paulistano, até fisicamente se vê o inferno na terra ou o céu artific tificial ial de cimento armado. arm ado. São as as hastes hastes pontiagudas pon tiagudas da Avenida Paulista, ostentando ostenta ndo relógios relógios implacá implacáveis veis de de luzes que acendem e apagam, ou o Kitsch mais puro das antenas de retransmissão, dominando o vasto acampamento de cidadesdormitório e de favelas desfeitas como folhas secas no casario de teto de meiaágua das tristes periferi peri ferias as longín lon gínqua quas. s. Mas a cidade é também, e sobretudo, a morfología petri pe trific ficad adaa de urna ur na form fo rmaa de divisão divis ão social socia l do trab tr abal alho ho que separa o campo da cidade e que joga quem foi expro pria pr iado do de seus meios mei os de vida vid a na con convivê vivência ncia com os ex ex prop pr opri riad ador ores es.. É, p o rta rt a n to, to , teia te ia viva v iva de relaçõe re laçõess sociais e, no caso da cidade orgulhosamente capitalista, é também expressão imediata de uma forma de exploração social e económica. Foi sob este ángulo que Lúcio Kowarick tomou São Paulo para desvendála aos que a véem todos os dias e não se apercebem.. Não é de agora que o Autor se debruça sobre o fenómeno urbano para entendêlo no contexto de um sistema produtivo mais amplo e para especifi cálo como processo social. Suas preocupações com o fenómeno da marginalidade urbana e com a lógica da “desordem” que caracterizou caracterizou a expansão expansão paulistana resultaram em contribuições importantes ' k análise desses
prob pr oble lem m as e são sã o hoje ho je lei l eitu tura ra o b rig ri g a tóri tó riaa p a ra quem que m se inin teressa pelo tema. Neste Ne ste novo no vo livro, Lúcio Lúc io K ow aric ar ick k j u n ta alguns alg uns estudos, nem todos inéditos, mas todos limados de formulações menos acabadas e de repetições que poderíam cansar o leitor. Não se trata, contudo, de uma colcha de retalhos. Ao contrário, existe um fio condutor entre os capítulos, e de sua leitura transparece uma perspectiva analítica analítica que aind a não havia sido sido explorada sistematicasistematicamente no caso brasileiro: a de que se cristaliza uma “es polia po liaçã ção o u rb a n a ” . Chamo a atenção para esta noção porque ela pode ter desdobramentos fecundos. Por trás dela está a verificação cação de que que a forma atual de expansão capitalista sob sob o impulso das grandes empresas concentradas do ponto de vista do investimento e concentradoras de rendas e de popu po pula laçõ ções es reor re ord d ena en a as relaçõe rela çõess sociais soci ais de expl ex plor oraç ação ão e faz do controle da terra urbana e dos recursos de infra estrutura das cidades poderosos instrumentos para a es polia po liaçã ção o social. E sta st a persp pe rspec ectiv tiva, a, delin de linea eada da no C apít ap ítul ulo o III do livro, permite uma compreensão mais global do proce pro cesso sso u rban rb ano o e, ao mesm me smo o tem te m po, po , dos proce pro cess ssos os sociais e econômicos de exploração vigentes nas sociedades capitalistas. Não é necessário antecipar o que se expõe adiante no livro nem eu quero tirar do leitor o gosto de segui seguirr o raciocínio raciocínio do Auto r pa ra ver como,a pa rtir desta persp pe rspec ectiv tiva, a, a ques qu estã tão o u rba rb a n a torn to rna ase se mais ma is inteligível. O outro grande tema subjacente às análises deste livro é o da participaçã particip ação. o. M uito se fala no Brasil, Brasil, especialespecialmente no âmbito da análise política, a respeito da participação popular ou de sua ausência. Falta ainda entre nós mostrar como a cidade moderna abre novas arenas de participação social e política que são fundamentais pa p a ra a mob m obili iliza zaçã ção o p o p u lar, la r, p a ra a efetiv efe tivida idade de d a dem demo, o, cracia e, quem sabe, para um futuro socialista. No caso da Espanha existem estudos muito interessantes nesta direção, notadamente o livro de Manuel Castells sobre Cidade, Democracia e Socialismo. 10
Eu não diría que o presente volume se coloca na perspec per spectiva tiva que mencion men cionei ei acima. acima . M as ele abr a bree clareira clar eirass nesta direção. Começa por discutir o “ mito da sociedade sociedade amorfa” e roça os temas das formas de organização que permitem a sobrevivên sobrevivência cia nas fave favelas las.. Os capítulos finai finais, s, que reproduzem diálogos com favelados e questionam implicitamente a questão da cidadania num contexto de luta ingente para a sobrevivência, balizam os limites dos proces pro cessos sos de parti pa rtici cipa paçã ção o social socia l e polít po lítica ica na gran gr ande de cidade do capitalismo selvagem. Os dados sobre o nível de vida e de renda dos paulistanos, embora conhecidos pelos especialistas, produzem sempre impactos e reforçam a necessidade de aprofundar a reflexão sobre as possibilidades da prática práti ca democrática numa situação de esc escas asse sez. z. . Espero que dentro de alguns anos, com a cidade sacudida pelo sopro das greves, das reivindicações urbanas e dos movimentos das minorias oprimidas (que, na verdade, são maiorias) seja possível uma retomada do tema por po r Lúcio Lúci o Kowa Ko waric rick k p a ra subl su blin inha harr o lado lad o dinâm di nâmic ico o da vida social nas cidades. Por enquanto as organizações comunitárias de base, as lutas das populações periféricas, o protesto urbano em geral, ainda são gotas d’água no universo universo de espoliação estrutura estru turall que a cidade expressa. Justificase, portanto, a perspectiva adotada pelo Autor que nos ajuda a entender os grandes mecanismos de reprodução da espoliação. Já virá o tempo do inconformismo. Pareceme salutar, pois, que os cientistas sociais comecem a afiar os instrumentos de análise e belisquem aqui e ali o movimento do real para permitir que a cidade seja vista e se torne também palco de renovação social. Nos limites do realismo sociológico, Lúcio Kowarick deixa entrever que as pedras que construíram o universo urbano de espoliação e desigualdade também podem rolar. Que este livro sirva de estím.ulo para um em pu p u rrã rr ã o na luta lu ta social soci al u rban rb anaa é o que qu e melh me lhor or se pod p odee dede sejar a um Autor que tanto se tem destacado pela seriedade de sua abord agem e pelo compromisso de sua atitu de crítica crí tica.. _ , Fernando Henrique Henriqu e Cardoso Card oso
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EXPUOCOES EA3RADECIAAEN1C6
Este livro compõese de textos escritos em diferentes momentos entre 1973 e inicio de 1979. Não obstante as alterações que caracterizaram a sociedade brasileira nesse período e a própria mudança de quem procura inter pret pr etar ar estas alteraç alte raçõe ões, s, penso pen so que ele guar gu ard d a urna unida uni da de temática. De um lado, procurei analisar as conse qüências qüências do acirramento acirramen to da èxploraç èxploração*d ão*do o trabalh trab alho o e da espoliação urbana que afetaram a maioria daqueles que levam adiante as engrenagens produtivas. De outro, os textos aqui apresentados estão norteados pela hipótese segundo á qual uma grande oferta de mãodeobra constitui um elemento de importância para o sistema econômico realizar uma acumulação que tem se expandido, dilapidando boa parte da força de trabalho, principalmente os segmentos não qualificados que podem ser pronta e facilmente substituídos pela reserva de trabalho disponível. vel. Mas o reservató rese rvatório rio disponível, disponível, por p or si só, não nã o explicaria semelhante processo dilapidador. Ele só se tornou possível na medi me dida da em que qu e foi forj fo rjad ado o um pode po dero roso so esquema de controle, contenção e repressão sobre as organizações de defesa e reivindicação das classes trabalhadoras. Centrados, especialmente, na Região Metropolitana de São Paulo, os artigos que se seguem focalizam, sob o ângulo do trabalho e da vida urbana, determinados aspectos de uma expansão capitalista que adquiriu feições nitidamente selvagens, que se expressam tanto na 13
deterioração salarial como nas condições de transporte, habitação, saúde, saneamento e outros componentes básicos básico s p a ra a repr re prod oduç ução ão da força forç a de trab tr abal alho ho.. É importante advertir que alguns capítulos já foram M ito da Sociedade Socied ade A m orfa or fa public pub licad ados os.. O prime pri meiro iro “ Ò Mito e a Questão da Democracia” tomou forma a partir de uma comunicação que fiz na XXIX? Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada na PUC de São Paulo, em 1977, tendo sido publicado na Folha de São Paulo de 7 de agosto do mesmo ano. “A Lógica da Desordem Desord em” é parte do “São Paulo: 1975, Crescimento e Pobreza ”, Edições Loyola, São Paulo, 1976, coordenado por mim e por Vinicius Caldeira Brant que, com Candido Procopio Ferreira de Camargo, teve um papel essencial na edição do referido livro, livro, do qual o capítulo por mim escrito muito se beneficiou. No entanto, a versão aqui divulgada difere um pouco pou co da edição ediç ão brasile bra sileira, ira, pois, p a ra este livro, co consi nside derei mais adequada a que elaborei na Inglaterra no âmbito do Institute of Development Studies da Universidade de Sussex, que contou com as observações de Manfred Bienefeld e foi publicada no Discussion Paper número 102 daquele Instituto. Auto construç strução ão de Morad Mo radias ias e E s O capítulo III, “ Autocon poliação Urbana”, numa forma preliminar, foi discutido no Grupo G rupo de Trabalho Traba lho sobre “El “ El problema de La La Vivie Viviennda en América Latina”, México, 1978. O seguinte, “A Favela Favela como Fórmula de Sobrevivência” So brevivência”fo x escrito para a XXX? Reunião Anual da SBPC, São Paulo, 1978. Apresentei “ Usos e Abusos: Reflexões sobre as Me tamorfoses do Trabalho” na XXVI? SBPC de Recife, em 1974, e foi publicado no livro coletivo “ Cidade: Usos e Abu A buso soss”, Brasiliense, São Paulo, 1978. Com relação a esse trabalho que compõe o capítulo VI, quero destacar a colaboração de Ruth Correa Cardoso. Ambos capítulos decorrem de uma pesquisa por nós coordenada e financiada pela Fundação Ford: Integração e Desintegra ção de Populações Marginais. Nela N ela tam ta m bé bém m pa part rtic icip ipaa ram ra m 14
Rosa Fisher Ferreira, Ana Maria Niemeyer e Alvaro Fernando Ribeiro Netto, que, além do trabalho de cam po, ajud aj udar aram am a escrever o relató rel atóri rio o apres ap resen enta tado do no Seminário de Estudos Urbanos, realizado no Rio de Janeiro em 1974, do qual retirei o material para montar o capítulo entitulado “Nos Barracos de Cidade Jardim ” . O capítulo capítulo VII “Os Cidadãos da Marginal''’ saiu na revista Argum Arg ument ento o número núm ero 1, Paz e Terra, Te rra, Rio, R io, 1973 1973,, e fo foi escrito escrito em colaboração com Eduard o G raeff e M argarida Carvalhosa, a quem deixo explícitos meus agradecimentos por me permitirem reproduzir o artigo neste liEspa ço” , vro. Escrevi o último capítulo “A Conquista do Espaço no inicio de 1979 com o intuito de fazer um fecho para este conjunto de trabalhos que, longe de significar um po p o n to de chegad che gada, a, p rocu ro cura ra ser um espaço esp aço de part pa rtid ida. a. Assim, este livro é antes uma reflexão sobre a última década do que uma análise da conjuntura que começou a se es boça bo çarr a p a rtir rt ir de 1978 1978.. Não Nã o há nele uma um a inte in terp rpre reta taçã ção o direta e explícita acerca da nova configura co nfiguração ção de forças e conflitos que se defrontam, de modo especial, ñas áreas mais industrializadas do País. Esta é uma tarefa a ser enfrentada. Mesmo assim, creio, que o material aqui publicado traz elementos que se adicionam ao esforço de tentar ta r capt ca ptar ar o significado das lutas que cada vez mais se se fazem presentes na sociedade brasileira. Devo dizer que algumas passagens dos textos já publi pu blicad cados, os, desde desd e que não alterasse alter assem m seu sentido sen tido,, foram for am suprimidas. Não tive também a preocupação de atualizar todos os dados dás partes j á publicadas. Isto, Isto, em cercerta medida, foi feito quando informações mais atuais se mostraram pertinentes. De toda forma, os capítulos inéditos fornecem dados mais recentes e, sob alguns ângulos, complementam os trabalhos publicados anteriormente. Além das pessoas mencionadas, muitas outras participaram da discussão e montagem destes textos. Nesse sentido, quero deixar explícito o relevante papel qiie tiveram os participantes do Seminário sobre Problemas Ur 15
baño ba ñoss que m u ito it o cont co ntri ribu buír íram am , n a info in form rmal alid idad adee de d e nos n ossas discussões, para calibrar pontos essenciais dos textos aqui apresentados. Laura de Campos Vergueiro, Pedro Paulo Popponic e Volf Steinbaum leram os manuscritos e sugeriram valiosas alterações de forma e conteúdo que melho raram m uitos trechos trechos deste deste livr livro. o. Contu do, à parte os “Cidadãos da Marginal ”, que é um trabalho de co autoria, auto ria, a responsab resp onsabilidade ilidade pelo que está escrito escrito é minha. Finalmente, quero agradecer à Editora Brasiliense e à Pontificia Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, na figura de seu presidente, Dr. José Carlos Dias, pela permissão de reeditar “Usos e Abusos ” e “A Lógica da Desordem”.
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O mi mitto d a socie socie d ad ade e amor am orffa e a questão questão da dem ocr ocraci acia. a. É comum se ouvir que a Sociedade Civil no Brasil é amorfa. Com isto se tem em mente que as associações voluntárias partidos políticos, sindicatos e demais gru pos de defesa de interesses coletivos coleti vos rara ra rame ment ntee co conse nseguiram aglutinar as camadas populares no sentido de levar adiante suas reivindicações. De fato, quando se compara a sociedade brasileira com alguns países avançados, verificase que a participação em associações voluntárias é extremamente baixa. Poucos são os que participam de associações de bairro, grupos profissionais ou sindicatos e partidos políticos. Na cidade de São Paulo, po porr exemplo, exempl o, uma pesqui pes quisa sa reare alizada em 1973 revelou que 93% das pessoas pessoa s que co c o m põem a classe de renda re nda baixa não parti par tici cipam pam de ne nenh nhuu ma associação voluntária. 1 Daí a idéia de que a Sociedade Civil é amorfa, frágil, enfim en fim “gela “ gelatino tinosa” sa” . A idéia idéia de tal tal fragilidade adq adquir uiree novas dimensões quando se aponta para o fato de que as camadas populares não apresentam formas de autodefesa no que diz respeito à preservação ou conquista de bens e serviços urba ur bano noss de cará ca ráte terr básico: tran tr ansp spor orte tes, s, habitação, saneamento etc... Neste particular, o fenômeno atual mais flagrante tulvez seja a expulsão das cama1 cama 1 1 Quem tratou adequadamente adequadam ente da participação socia sociall das camadas populares foi foi BERLINCK, Manoel Marginali Marginalidade dade Social e Relações Relações de de Classe em São Paulo, Vozes, 1975.
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das pobres para a periferia da cidade, quando investimentos públicos e privados valorizam determinadas á reas. Exemplo típico neste sentido são as obras do Metro, que causam enorme especulação imobiliária nas á reas afetadas e o resultado final: os pobres saem e os ricos entram sem que haja, por parte daqueles que perderam, a possibilidade de defender seus interesses. Entretanto, é preciso qualificar tais colocações, a fim fim de situar situa r nos devidos devidos termos a questão qu estão do amorfismo amorfism o social. É preciso afirmar, inicialmente, que os conflitos sociais têm aflorado de maneira intensa em vários momentos da historia brasileira. Para não mencionar acontecimentos recentes, basta apontar que houve épocas de intensa mobilização em que que as as camadas popu p opulares lares conseguiram desenvolver formas de participação e reivindicação que não deixaram de ter influência no pêndulo do pode po derr do Estad Es tado. o. Basta pe pens nsar ar no pe perío ríodo do p op opul ulist ista, a, quando as associações voluntárias tinham não só o que dizer como o que diziam, muitas vezes, precisava ser levado em consideração. Nã N ã o o b stan st ante te tais tai s fatos, fato s, é freq fr eqüe üent ntee cara ca ract cter eriz izar ar a fragilidade da Sociedade Civil em termos de uma espécie de “vocação metafísica”, como se o povo brasileiro fosse, por sua própria natureza, impregnado por uma espécie de conformismo pacífico e passivo. Semelhante visão tem sido um ingrediente ideológico bastante utilizado pa p a ra ju j u stif st ific icar ar o intens inte nsoo co conn trole tro le que o E stad st adoo h isto is toric ricaamente tem exercido sobre as iniciativas sociais e políticas das camadas populares. Isto é, dada a fragilidade “natural” da Sociedade Civil, cabe ao Estado suprir suas “deficiências”, tutelandoa dentro dos parâmetros considerados desejáveis e permissíveis pelo Poder instituído. Por detrás desta visão reside a idéia de que as massas são incapazes para as funções de governo. Seria como se o. ato de governar fosse, por definição, o privilégio de uma elite, restrita e iluminada, que sabe 0 que é o certo e o errado para o conjunto da sociedade. Neste tipo de ideologia, as camadas populares não só seriam des-
classificadas para interferir no processo decisorio, como também todas as vezes que o fizessem havería uma degradação da política.2 Esta postura de cunho eminentemente elitista e autoritária tem raízes em discursos ideológicos mais abrangentes. Em primeiro lugar, em certos círculos da cultura dominante, impera a ideologia de que a sociedade brasileira leira à diferença diferença do que se passa lá fora é harmoniosa. harmon iosa. Esta maneira de pensar encontra respaldo em certas interpretações da história brasileira, segundo as quais tudo tudo o que foi feito pçr estes lados dos trópicos reàlizouse pacificamente: o Descobrimento do Brasil, foi por acaso; a Independência feita sem sangue, um grito foi o suficiente par p araa o País enco en co n trar tr ar sua a uton ut on om ia nacio na ciona nal. l. Em suma, tudo o que se passou por aqui, processouse sem violências: a história desenrolouse com naturalidade. Uma vez abolida a escravidão e apagada essa página negra da nossa história, os exescr exescravos avos foram naturalm n aturalm ente abso a bsorrvidos ao convívio da sociedade: passouse a viver numa “ democra democracia cia racial” racial” . Em segundo lugar, o complemento destas interpretações é que os conflitos sociais são vistos como excepcionais, como algo que não faz parte das tradições harmônicas da “ pátria pá tria brasileira” brasile ira” . Assim, Assim, por exemplo, exemplo, as greves e contestações que marcaram a Primeira República teriam sido realizadas por elementos estranhos, apoiados em ideologias espúrias e alheias ao corpo social brasileiro, por natureza um corpo social sadio, sem conflitos. O que orienta tal postura talvez seja a idéia de con taminação social3. social 3. Ou seja: a sociedade brasileira é boa por po r natu na ture reza za,, mas também tam bém é frágil e, p o rta rt a n to, to , pode po de ser facilmente impregnada por interesses estranhos.1Neste 2 Para uma análise análise das tradições tradições autoritárias e elitistas, elitistas, veja veja KOR NHA USER , Politics o f Mass Society, The Free Free Pres Press, s, New Ne w York, 4* William William The Politics 4* ediç ed ição ão,, 1965. 1965. 3 A idéia de contam con tamina inação ção social pode êet encontrada encontrada em PARETO, Vilfredo Vilfredo The Mind and Society (2 volumes), London, 1963. Ao nível de uma interpretação psicológica dos componentes da personalidade fascista veja: ADORNO, T. W. et alii The Authoritarian Personality, Science Editions, New York, 2 volumes, 1964.
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part pa rtic icu u lar, la r, é com co m um se ouvi ou virr em certo ce rto tip ti p o de discu dis curso rso que, quando quan do um grupo se afasta de seus seus caminhos “ na tutu rais”, isto é, quando critica, denuncia ou pressiona, o faz po p o rqu rq u e foi c o n tam ta m ina in a d o p o r algum alg um germ ge rmee e stra st ran n h o ao seu corpo. Da perspectiva deste discurso ideológico, as reivindicações, o debate social ou as pressões são facilmente percebidos como conspirações que põem em risco a ordem social. social. Neste tipo de colocação, as relações entre Estado e Sociedade Civil são invertidas: não são mais os grupos sociais que devem controlar o Estado, através de canais coletivos de representação e participação, mas ao contrário, cabe ao Estado garantir o que, na ótica dos valores valores dominantes, constitui a “ boa sociedade” . Daí Da í decorrem afirmações de que o Direito emana do Estado. Daí Da í a necessidade de guiar a Sociedade Civil Civil até o dia em que, com o passar dos tempos, ela perca a sua imaturidade e desenvolva os anticorpos que a autodefendam da contaminação a que está sujeita. Ne N e sta st a visão visã o elitis eli tista ta e a u tori to ritá tári riaa , a polít po lític icaa é consi co nsiderada como algo estanque, especial e restrito aos poucos que sabem o que é desejável para todos. Nesta visão, a maioria não deve interferir nos processos decisorios por p orqu que, e, pelo meno me noss p o r e n q u a n to, to , ela é puer pu eril il,, inap in apta ta,, contaminável e, como conseqüência, precisa ser guiada po p o r um m ingu in guad ado o g rupo ru po de esclare escl arecid cidos. os. Semelhante interpretação da sociedade, como não pod po d ería er ía deixa de ixarr de ser, tem cons co nseq eqüê üênc ncia iass dire di reta tass n a m aneira pela qual a economia e a política se concretizam e como, em última análise, se alicerçam os projetos de desenvolvimento do País. Neste sentido, é necessário apon ap ontar, tar, de imediato, uma um a questão qu estão que permeia est estee con ju n to de ensai en saios os e que qu e será se rá d e talh ta lhaa d a nos cap ca p ítulo ítu loss sub seqüentes. Referese ao fato de que a expansão econômica do Brasil recente poder ser caracterizada como um processo dilapidador. dilapi dador. Dilapi Dil apidad dador or na medida medid a em que tem depredado parte da mãodeobra que leva adiante os proc pr oces esso soss p rod ro d utiv ut ivos os.. Assim, Ass im, frisese, de um lado la do,, que, qu e, no período por muitos denominado de “milagre brasi 24
leiro”, os salários mínimo e mediano dos trabalhadores urbanos decresceram em termos reais em contraste com que ocorreu em períodos anteriores.4De outro, apontese o aumento da mortalidade infantil, da jornada de trabalho e do tempo de locomoção gasto por aqueles que utilizam os transportes coletivos, bem como a alta taxa de desem prego pre go qu quee ating ati ngee subs su bstan tancia cialm lmen ente te os grup gr upos os etár et ário ioss mais idosos. Para levar a cabo um modelo de crescimento que acirrou a deterioração dos níveis de vida, tornouse necessário desarticular e reprimir as iniciativas dos múlti plos e nu num m eros er osos os grup gr upos os que fora fo ram m alijad ali jados os dos benefíbene fícios do desenvolvimento. Enquanto tais processos perdurarem, qualquer concepção de Democracia estará comprometida, posto que um crescimento econômico de caráter nitidamente selvagem supõe que a Sociedade Civil seja mantida desativada em termos de não levar adiante a defesa dos interesses vitais das camadas populares. É de se supor que o empobrecimento e deterioração dos padrões de consumo vitais persistirão, enquanto as organizações instrumentais na defesa dos interesses coleti coletivos vos fundamentalmente, partidos partido s políticos políticos e sindisindicatos continuarem sob tutela e controle do Estado. Enquanto a ideologia dominante segundo a qual o “debate social aumenta os custos da produção” tiver força pa p a ra se real re aliz izar ar no diaa dia ad dia, ia, a Socie So ciedad dadee Civil e star st aráá comprom com prometida etida naquilo que ela tem de essen essenci cial al:: o direito direito de debater deb ater e de se se organizar organiza r em torno tor no de interesses interesses coletivos. O revigoramento e autonomia da Sociedade Civil é a luta fundamental que perpassa toda a questão da Democracia. Nesta ótica, a Política não pode continuar sendo o privilégio de alguns poucos iluminados. Contudo, não se trata, obviamente, apenas de Democracia polít po lítica ica en ente tend ndid idaa “ stri st rict ctuu sens se nsu” u” co com m o escolh esc olhaa dos go 4 O salário mediano media no é aquele que abrange, no conjunto conjunt o dos trabalh trab alhador adores, es, os 50% 50% de remuneração mais baixa.
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vernantes e ampliação da representação partidária, poi» sua contrapartida necessária é a democratização dos benefícios econômicos e sociais. Assim, parece necessário pôr um xeque a questão da Sociedade Civil e de suas relações com o Estado, fundamentalmente no que diz respeito ao papel a ser desempenhado pelas classes subalternas no quadro necessariamente complexo, contraditório e conflitante deste relacionamento. Estas não podem mais ser equacionadas como mera mercadoria que se vende no mercado de tra balho ba lho a preços pre ços geralm ger alment entee irrisó irr isórios rios.. É preciso prec iso reto re tom m ar nesta equação a tradicional questão da cidadania, entendida na sua acepção clássica, isto é, o conjunto de direitos e deveres de participar não só na criação das obras sociais como no controle destas obras. Ou seja: a ampliação e garantia dos direitos e deveres implícitos no exercício da cidadania supõem, de imediato, a possibilidade não só de usufruir dos benefícios materiais e culturais do desenvolvimento, como também, sobretudo, a de interferir nos destinos desse desenvolvimento.
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A ló g ica da desor desorde dem m
A Região da Grande São Paulo é o centro dinámico do País. A produção industrial, o sistema financeiro, a renda per capita, enfim, qualquer indicador de pujança econômica apresentase com larga fartura quando com pa p a rad ra d o às o u tras tr as área ár eass da socied soc iedade ade brasil bra sileir eira. a. Contudo, permanecer no nível destas constatações que traduzem, em última análise, o grau de desempenho econômico econômico mas não necessariament necessariamentee “ qualidade de vivida” da ” da população popu lação signi signific ficaa revelar revelar apenas um um lado da questão e deixar de relacionar dois processos que fre qüentemente aparecem interligados: crescimento econômico e pauperiza paup erização ção de vastas parcelas das class classes es tra b alhadoras. As condições de vida dependem de uma série de fatores, da qual a dinâmica das relações de trabalho é o ponto primordial. Não obstante tal fato, é possível fazer uma leitura destas condições através da análise da ex pans pa nsão ão u rba rb a n a , com seus serviços, serviços , infr in fra aes estr trut utu u ra, ra , espa es paços, relações sociais e níveis níveis de consumo, consum o, aspectos diret d iretaamente ligados ao processo de acumulação do capital. Um exame da Grande São Paulo pode iniciarse com uma visão da Metrópole em seus aspectos físicoes paciais, paciais, para pa ra depois detectaremse os processos que estão po p o r detr de trás ás deste des te conj co njun unto to de apa a parê rênc ncia ias. s. A apar ap arên ênci ciaa desordenada do crescimento metropolitano pode ser vista através de seu seu tra çado ça do irregular e o desconexo de de seus seus eses29
paço pa çoss vazios vaz ios e oc ocup upad ados os que já j á sugerem suge rem form fo rmas as d isp is p a rara tadas de ocupação do solo. Essa impressão de desordem ainda se agrava quando conhecida a realidade que não consta con sta do m ap apaa oficial oficial da cidade: há h á 26 mil ruas rua s e 5 m il. il . loteamentos clandestinos.. A distribuição espacial da população no quadro deste crescimento caótico reflete a condição social dos habitantes da cidade, espelhando ao nível do espaço a segregação imperante no âmbito das relações econômicas. O agravamento dos problemas que afetam a qualidade de vida da população de São Paulo não atinge a cidade em geral. Sobretudo a partir das últimas três ou quatro décadas, surgem e se expandem os bairros periféricos que, conjuntamente com os tradicionais cortiços e favelas, las, alojam alojam a população trabalh trab alhad adora ora.. Ê nestas nestas áreas que se concentra a pobreza da cidade e de seus habitantes. É conveniente começar por uma rápida reconstituição histórica. histórica. Nos primordios da industrialização industrialização e basicamente camen te até a té os anos a nos 30, as empresas resolveram em parte pa rte o problema de moradia da mãodeobra através da construção de “vilas operárias”, geralmerite contíguas às 'fábricas, cujas residências eram alugadas ou vendidas aos operários. O fornecimento de moradia pela própria empresa diminuía as despesas dos operários com sua pró p rópp ria ri a sobre so breviv vivênc ência, ia, pe perm rmiti itind ndoo que os salá sa lário rioss fossem rebaixados. Tal tipo de solução era viável na medida em que a quantidade de força de trabalho a ser alojada era relativamente pequena pois destinavase de modo especial aos operários menos disponíveis no mercado de tra balho ba lho e o ba baixo ixo cu custo sto dos terr te rren enos os e da co cons nstr truç ução ão compensava a fixação do trabalhador na empresa. Neste Ne ste caso, caso , o cu custo sto de rep re p rod ro d u ç ã o da forç fo rçaa de tra tr a b a lho lh o , pelo meno me noss no que diz respei res peito to à m orad or adia ia,, era er a resolvireso lvido pela própria empresa. O cenário do Brás^ Moóca, Belém de então, onde a vida girava em torno dos “apitos das fábricas de tecido”, caracterizavase pela concentração das moradias operárias na proximidade dos locais de trabalho. 30
Com a intensificação da industrialização, cresce ra pidam pid ament entee o núme nú mero ro de traba tra balh lhad ador ores es,, aum au m enta en tand ndo o a pressão press ão sobre sobr e a ofer of erta ta de habit ha bitaç açõe õess popul po pulare ares. s. Tais Ta is fefenômenos ocorrem paralelamente à valorização dos terrenos fabris e residenciais que torna, do ponto de vista da empresa, antieconômica a construção de vilas par p araa “ seus” seus ” operá op erário rios, s, aind ai ndaa mais quan qu ando do,, com a aceleração do fluxo migratório, acumulase um excedente de força de trabalho na cidade. As empresas transferem assim o custo da moradia (aquisição, aluguel, conservação do imóvel) conjuntamente com os gastos com transporte para o próprio tra bal b alha hado dorr e os relac rel acio iona nado doss aos serviços serviços de infra infra estrutura urbana, quando existentes, para o Estado. Deste momento em diante as “vilas operárias” tendem a desaparecer e a questão da moradia passa a ser resolvida pelas relações relaç ões econô eco nômi mica cass no m erca er cado do imobi im obiliá liário rio.. A partir de então surge no cenário urbano o que passo pa ssou u a ser desig de signa nado do de “ perif pe rifer eria ia”” : agl a glom omer erad ados os disdis tantes dos centros, clandestinos ou não, carentes de infraestrutura, onde passa a residir crescente quantidade de mãodeobra necessária para fazer girar a maquinaria econômica. Como acumulação e especulação andam juntas, a localização localização da classe classe trabalh trab alhad adora ora passou a seguir seguir os flufluxos dos interesses imobiliários.1No contexto explosivo do crescimento metropolitano, o poder público só se muniu tardíamente de instrumentos legais para tentar dar urh mínimo de ordenação ao uso do solo. No entanto tal iniciativa ocorre num período em que o desenho urbano já está está em grande parte traçado em conseqüência conseqüência da retenção dos terrenos por parte de grupos privados. Desta forma a ação governamental restringiuse, tanto agora como no passado, a seguir os núcleos de ocupação criados pelo setor privado, e os investimentos públicosI públicos I I Veja Veja WILH EIM, Jorge São Paulo Metrópole 65, Difusão Européia do Livro, São Paulo, 1965. 965. Analiso Analiso mais detalhadam ente a questão da especulação urbana urba na no capítulo IV.
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vieram colocarse à serviço da dinâmica de valorização especulação do sistema imobiliárioconstrutor. Algumas cifras para ilustrar os resultados desta lógica gica desordenada: desordenada: na Capital há h á 4,5 4,5 m2 de área verde verde por po r ha habi bita tant nte, e, e n q u an anto to o p a d rão rã o m ínim íni m o desejável desejá vel é de 8 m2. Na Região Metropolitana, dos 8.000 quilômetros que formam a rede de de circulação de tráfego local, local, apenas 40% é pavimentado.2Apenas cerca de 30% dos domicílios são servidos pela rede de esgotos e 53% pela de água. Resultado: “as populações servemse em geral de fossas negras, privadas secas e tanques.sépticos e de água proveniente de poços rasos, em geral contaminados pela prox pr oxim imid idad adee de fossas ne negr gras as”” . 3 Na Nass “ pe peri rife feri rias as”” a situação é ainda mais drástica: tãosomente 20% das casas têm rede de esgotos e 46% de água. Para se ter uma idéia do alto índice de contaminação ambiental" basta mencionar que três quartos das habitações da periferia... “lançam esgotos em simples fossas negras, quando não a céu aberto” . 4 Mesmo Mesmo em em ampla amplass áreas áreas da Capital muitas muitas ruas não são pavimentadas pav imentadas e há vastas áreas desprovidas desprovidas de iluminação.5 É imperioso traçar as grandes linhas desta situação. No N o proces pro cesso so de deso sord rden enad adoo de ex expa pans nsão ão lirb li rban ana, a, o setor set or imobiliário levava adiante a ocupação espacial, guardando imensas áreas mais próximas aos núcleos centrais à espera de valorização, enquanto zonas mais longínquas, sem qualquer infraestrutura, infraestrutura , eram abertas ab ertas para a aquisiaquisição das classes pobres. A ocupação de novas áreas, longe de seguir critérios programados, baseouse na retenção especulativa de terrenos, fenômeno ainda freqüente na Capital onde são abundantes os lotes ociosos, pfin 2 Fonte: Fonte: São Paulo: Paulo: Secretaria dos Negócios Metropolitano Me tropolitanoss Região Metropo Me tropolitalitana de São Paulo: Diagnóstico 75. Condições Urbanas: Transporte. São Paulo, 1975, mimeo. 3 Fonte: Região Metropolitana Metropolitan a de São Paulo: Paulo: Diagnóstico 75 75 Condições Urbanas Saúde, Governo do Estado de São Paulo, 1975, pp. 28 e 1415, mimeo, op. cit. 4 Idem, Diagnóstico 75 Desenvolvimento Desenvolvimento SócioEconômico, Prom oção Social, Social, op. cit.
5 São Paulo. Prefeitura Municipal Plano plurianual plurian ual de de projetos CURA. CUR A. São Paulo, Paulo, 1974.
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54^5 | <*3 cipalmente nas%reas peri^ríeas‘"bestr 7 0 rste;NTrr Sudeste e também, atualmente, cada vez mais generalizado na Grande São Paulo. A frase... “é o preço do progresso” traduz e ao mesmo tempo justifica o crescimento caótico da metrópole. Indica inicialmente a incapacidade do poder público de prog pr ogra ram m ar form formas as mais racion rac ionais ais de oc ocup upaç ação ão do solo. Ademais, fundamenta uma forma de expansão que, devido à "fra "fragil gilida idade de das das organizações pop populare ularess para interferir nos processos decisorios, confere grande liberdade de ação aos grupos privados inteiramente voltados para a obtenção do lucro. Vale a pena descrever o processo pelo qual se leva adiante a dinâmica especulativa. “A especulação imobiliária (...) adotou um método, próprio, para parcelar a terra da cidade. Tal método consistia (e consiste) no seguinte: o novo loteamento nunca era feito em continuidade imediata ao anterior, já provido de serviços públicos. Ao contrário, entre o novo loteamento e o último já equipado, deixavase uma área de terra vazia, sem lotear. Completado o novo loteamento, a linha de ônibus que o serviria seria, necessariamente, um prolongamento a part pa rtir ir do últim últ imoo centro cen tro eq equip uipad ado. o. Q ua uand ndoo estend est endida ida,, a linha de ônibus passa pela área não loteada, trazendo lhe imediata valorização. O mesmo ocorreria (e ocorre) com os demais serviços públicos: para servir o ponto extremo loteado, passariam por áreas vazias, beneficiárias imediatas de de melhoramento melhoram ento público. Desta forma, trans trans feriase para o valor da terra, de modo direto e geralmente antecipado, a benfeitoria pública. Ainda hoje, sempre que se chega a um centro secundário da cidade de Santo Amaro à Penha, indistintamente e se continua em direção à periferia, o processo é visível (agora também: em vários pontos da Grande São Paulo): entre cada loteamento alcançado existe uma área ainda vazia.” h , ; ,,,
6 CARDOSO, CARDO SO, Fernando Fern ando Henrique, CAMARG CAM ARGO, O, Candido P. P. Ferreira de, KO WARICK, Lúcio Considerações sobre o desenvolvimento de São Paulo: cidtura'ie participaç participação, ão, São Paulo, CEBRAP, 1973, pp. 910, Caderiíbs CEBRAP, 14.
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Paralelo a este processo, processo, depois dep ois dos anos 30 iniciase iniciase um surto industrial que trilha os eixos ferroviários a partir da Capital: de um lado a Ferrovia SantosJundiaí im pulsio pul siona na as ativ a tivida idades des econôm eco nômica icass em Santo Sa nto Andr An dréé e São Caetano. De outro, ao longo da Estrada de Ferro Central do Brasil surgem pequenos núcleos industriais mas prin pr inci cipa palm lmen ente te as cham ch amad adas as “ cida ci dade des sdo dorm rmit itór ório io”” , que alimentam de início as empresas da Capital e mais recentemente outros núcleos industriais da região. Após a Segunda Grande Guerra, de modo especial depois de 1960, através das rodovias, São Bernardo e Diadema, Guaru lhos lhos e Osasco municípios municípios contíguos à Capital passam, em momentos diferentes dos últimos 20 anos, por um rápido processo de industrialização. O importante a ressaltar é que cada um desses núcleos, na medida em que se expande, cria, por sua vez, a sua própria “periferia”, que passa a refletir, talvez ainda de forma mais dramática, os problemas sócioeconômicos apontados para a Capital. O vertiginoso crescimento demográfico da região, que entre 19601970 foi de 5,5% ao ano, conjugado ao process proc esso o de reten ret ençã ção o dos terr te rren enos os à esper es peraa de valo va lori riza zação, levou ao surgimento de bairros cada vez mais distantes. 7Amontoamse populações em áreas longínquas, afastadas dos locais de trabalho, impondose distâncias de deslocamento cada vez maiores. Acentuase o processo de criação de “cidadesdormitório”, verdadeiros acampamentos acampamentos despro desprovid vidos os de infrae inf rae stru türa.8 tür a.8 Neste Neste contexto, além do trabalho e da moradia, que serão analisados lisados a segu seguir, ir, o sistema sistema de transpo tran sportes rtes elemento tam bém básico básic o na repr re prod oduç ução ão da força fo rça de trab tr abaa lho lh o passa pas sa a ser um dos problemas cruciais. “Quem trabalha em Diadema, mora fora. Quem mora em Diadema trabalha fora”, diz o prefeito desse 7 Como é conhecido a migração teve importante impo rtante papel pape l no crescimento demográfi demográfico co da Região Metropolitana, conforme aponta o quadro n» 1. 8 Ressaltese que 12 dos 37 37 municípios da região tiveram, no períod pe ríodo o considerado, uma taxa de crescimento demográfico superior a 15% ao ano.
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município de grande expansão industrial, exprimindo uma situação que constitui a regra geral na Grande São P àu lo.9 lo .9 Os deslocamentos deslocamentos assumem assumem desta forma uma feição caótica. Efetivamente, o tempo médio de deslocamento subiu nos últimos anos de 30%, enquanto aumentam, fundamentalmente para a população operária que utiliza o transporte de massa, as distâncias a serem percorridas: “os usuários que moram na periferia da cidade... (permanecem) de 3 a 4 horas diárias nos veículos que os levam levam ao trabal trab alho ho e trazem de volta vol ta para pa ra casa” ca sa” . 10 Ademais, o intenso processo de motorização ocorrido nos últimos anos, expresso pela frota de veículos que passa pas sa de 120 mil na Capi Ca pital tal em 196 9600 pa p a ra quase quas e um milhão em 1974, acirrou aci rrou enormemen enorm emente te o grau de congestiocongesti onamento do tráfego. Em 1968 havia 7 milhões de deslocamentos diários, cifra que em 1974 passa para 13,9 milhões. Contudo, o importante a ressaltar é a modalidade como se efetuam estes percursos diários. De um lado, sob a forma de transporte individual: são os grupos abastados, possuidores de automóveis, cuja média de ocupação é de 1,2 pessoa por veículo. De outro, o trans port po rtee de massa mass a atravé atr avéss de ônibus ôni bus que tran tr ansp spor orta tam m 6,8 milhões de passageiros, carregando nos momentos de maior afluência cerca de 130 passageiros por veículo, o dobro da lotação máxima prevista. O transporte ferroviário de subúrbio conduz 900.000 passageiros por dia: é o quotidiano dos “pingentes”, ou seja, 700 usuários que duas vezes ao dia abarrotam uma composição que não deveria receber mais de 300 passageiros. É claro que os assim chamados “problemas do trânsito” afetam a todos. A exasperação oriunda do conges 9 Exemplificando com mais alguns casos: casos: segundo lontes aa Prefeitura de Osasco Osasco metade da população ativa trabalha em outros municipios; 50% dos 102.000 em pregados éxistentes em São Bernardo em 1973 973 residiam fora do Município. Ademais calóulase que cerca de 100 mil pessoas chegam diariamente pela Via Dutra à Capital ou à região industrial circunvizinha a São Paulo. Em 1973, houve na Grande São Paulo um prejuízo de 6 bilhões de cruzeiros devido a horas perdidas com os deslocamentos. Os exemplos poderiam ser multiplicados. 10 Os dados aqui citados foram basicamente retirados de: Região Região Metropolitana Metropolitana de São Paulo Diagnóstico Diagnóstico 75: 75: Condições Condições Urbanas Urba nas Transporte, op. cit.
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QUADRO N? 1 GRANDE SÃO PAULO: TAXAS ANUAIS DE CRESCIMENTO POPULACIONAL VEGETATIVO, MIGRATÓRIO E TOTAL ____ ______ ____ __ P E R ÍO D O E R E G IÃ O 1960/50 Município de São Paulo Outros Municípios Grande São Paulo 1970/60 Município de São Paulo Outros Municípios Grande São Paulo
T AX AS A N U A I S D E C R E S C I M E N T O VEGETATI VEGETATIVO VO
MIGRA TÓRIO
TOTAL
2.49 2.14 2.45
3.76 6.16 4.20
5.60 7.50 5.95
2.13 3.28 2.36
2.85 6.75 3.76
4.57 8.74 5.54
Fonte de dados brutos: IBGE, Censos Demográficos de 1950, 1960 e 1970.
tionamento, tioname nto, buzinas, falta de estacionamento, tensão decorrente do atropelo do tráfego e até certa medida a dificuldade de cobrir distâncias crescentes e realizadas em tempos mais longos afetam as pessoas que se locomovem com seu automóvel. Tal tipo de exasperação exprime apenas alguns aspectos da intensa e exaustiva locomoção locomoçã o que diariamente se efetiva na Metrópole. Mas os problemas mais cruciais atingem os usuários dos transportes coletivos em que a maior parte das locomoções serve pa p a ra co cobr brir ir o traj tr ajet etoo que liga lig a a residê res idênc ncia ia ao tra tr a ba balh lhoo . Filas, superlotação, atrasos, perdas do dia de trabalho e às vezes a fúria das depredações não constituem apenas simples “problemas do trânsito”. As horas de es pera pe ra e de pe perc rcur urso so antes ant es e de depoi poiss do dia de tra tr a b a lho lh o , via de regra extremamente longo, expressam o desgaste a que estão submetidos aqueles que necessitam do trans por p orte te de massa ma ssa p a ra chega che garr a seus empre em pregos gos.. Em ou outr tras as pala pa lavr vras as,, subm su bmet etid idoo à en engre grenag nagem em econ ec onôm ômica ica da qua quall não pode escapar, o trabalhador, para reproduzir sua condição de assalariado e de morador urbano, deve su jeita je itar rse se a um tempo tem po de fadiga fad iga qu quee co cons nstit titui ui um fato fa torr adicional no esgotamento daquilo que tem a oferecer: süa força de trabalho. E como esta, pelo menos nos níveis de qualificação mais baixos, è abundante, a engrenagem econômica pode facilmente substituíla su bstituíla tão logo logo o desgaste a que está sujeita faça decair sua produtividade. 36
Foi apontado o papel que o sistema de transportes teve na fixação habitacional da classe trabalhadora criando, através dos fluxos da especulação imobiliária, as “periferias”, que em períodos mais recentes passaram a constituir o cenário comum em quase todas as áreas ur bana ba nass d a G ran ra n d e São Paulo Pa ulo,, onde on de vivem cerca de 96% 96% dos habitantes da região. Como é óbvio, a especulação imobiliária não se ex prim pr imee tãoso tão some ment ntee pela pel a rete re tenç nção ão de terre te rreno noss que qu e se situam entre um centro de suas zonas periféricas. Ela se apresenta também com imens imenso o vigor dentro das das próprias áreas centrais, quando zonas estagnadas ou decadentes recebem investimentos em serviços ou infraestruturas básicas. O surgi sur gime ment nto o de uma um a rodo ro dovi viaa ou vias expressas, exp ressas, a canalização de um simples córrego, enfim, uma melhoria urbana de qualquer tipo, repercute ¿mediatamente no preço dos do s terren ter renos os.. Neste Nest e sentido sent ido talvez o exemplo exemp lo mais flagrante e recente seja o que ocorre com as áreas contíguas ao trajeto presente e futuro do Metrô. O fato de recortar certos bairros da cidade remodela o uso e o tipo de imóveis existentes, encarecendo vertiginosamente o preço pre ço dos lotes disponívei dispo níveis. s. Forja Fo rjase se assim e o poder po der público púb lico atrav atr avés és de desap de sapro ropr priaç iaçõe õess e plan pl anos os de “ re urbanização” interfere diretamente neste processo uma nova configuração espacial que visa ao mercado residencial ou de serviços das camadas abastadas, enquanto os grupos pobres tendem a ser expulsos para áreas mais distantes. Desta forma, um transporte de massa, que deveria servir ao deslocamento da população operária, devido à alquimia especulativa do setor imobiliário construtor e à “neutralidade” tecnicista do planejamento público púb lico,, conv co nverte ertese se em instr in strum umen ento to dos do s interesses dos estratos privilegiados. Este processo de expulsão é intenso nos núcleos de rápida valorização da região metropolitana. O Prédio Martinelli é um exemplo dos procedimentos de “recuperação” efetuados em certas zonás, quando a valorização de imóveis tornase incompatível com a presença da po pulaç pu lação ão de rend re nd a baixa. O pode po derr públ pú blico ico impõe impõ e refor ref or37 '
mas, cujo custo está fora do alcance dos moradores mais pobr po bres es,, forç fo rçan and d o com isso sua su a tran tr ansf sfer erên ênci ciaa p a r a as á reas da periferia. Tal processo de “limpeza” refletese também nas favelas da Capital, que apesar da interdição formal de seu crescimentó tiveram um incremento substancial. Após os intensos desfavelamentos que ocorreram na Capital nos anos 60, as favelas tenderam a seguir o fluxo do desenvolvimento econômico que ocorria nas áreas mais industrializadas da Grande São Paulo. Apesar de inexistirem dados precisos acerca da população favelada sabese que ela é numerosa em certos municí nicípio pioss Guarulho Gu arulhos, s, Osasco, Osasco, Diadema, D iadema, São Bernardo do Cam po e que que apresentam característi características cas sociosocioeconómicas semelhantes às da C a p ita it a l,1 l, 11 A localização das favelas tendeu a seguir a trilha da industrialização, amontoandose em áreas próximas ao mercado de mãodeobra nãoqualificada. Quando a pres pr essã são o imob im obil iliá iári riaa ou cong co ngel elam amen ento to de cert c ertas as áreas áre as t o r namse mais vigorosos numa cidade ou região, novas favelas surgem ou são transferidas para municípios vizinhos, onde os negócios imobiliários ainda não se apresentam tão lucrativos. Neste particular, um caso típico é a transferência das favelas de São Caetano para Mauá, ocorrida há alguns anos, e que constituem um exemplo flagrante de “limpeza” de uma região marcada por intensa valorização de terrenos. Além dos favelados havia na Capital 615 mil moradores de cortiços. Ademais, 1,8 milhão de indivíduos moram nas “cas “ casas as precárias” precár ias” da “ periferia” perif eria” . Tais cifras cifras ref refe e1 1 11 Os últimos dados disponíveis da PNA D assinalam a existência, existência, na Região MetroMetro polita po litana na de São Paulo, de 54.739 54.739 barrac bar racos os,, com 318.285 318.285 habi ha bitan tantes tes no fim de 1972. Se este crescimento tiver continuado no mesmo ritmo, existirãono último trimestre de 1978 cerca de 830 mil habitantes da Grande São Paulo alojados em barracos. barra cos. Nem todos todo s podem pod em ser considera cons iderados dos estritame estri tamente nte favelados, mas esses esses dados permitem ter uma idéia da magnitude do problema. Em São Bernardo do Camp Ca mpo o o número nú mero de favelados favelad os passo pa ssou u de 281 281 mil em 1974 1974 para pa ra 374 mil em 1978, 1978, o que representa 9,1% da população do Município. Conforme: Cadastro de Favelas, São Bernardo do Campo, 1978, Prefeitura do Município de São Bernardo do Campo, p. 21. Na Capital, no mesmo ano havia’cerca de 500 mil favelados. Em Diademar, existia cerca de 12.750 favelados, o que corresponde a 9,0% da população do Município. Conforme: Prefeitura Municipal de Diadema, 1978. Retomo a análise das favelas no Capítulo IV.
remse somente à Capital para o ano de 1975. Sabese que o número de habitações precárias aumentou nos últimos anos, fenômeno que também tem ocorrido nos outros municípios da Região Metropolitana, para onde se tem dirigido a população trabalhadora. Mais recentemente, com a explosão do preço dos terrenos, a tendência é acentuar acentu ar a expulsão expulsão da população popula ção para par a as “periferias”, onde, distante dos locais locais de trabalho, traba lho, se avolumam barracos e casas precárias. Esta é a etapa mais recente do processo “expulsãofixação” das classes trabalhadoras, que obviamente não se reduz às populações faveladas. Nas assim chamadas “casas precárias” da “periferia” reside o fulcro do problema, presidido pela lógica especulativa dos “loteamentos” que fixou, em casas sas “pró “ pró prias” pria s” , boa p arte da clas classe se trabalh trab alhad adora. ora. 12M uitos dos novos bairros operários tanto no que se refere à qualidade das construções e de infraestrutura básica, como no que tange aos aspectos legais da posse do terreno, não se diferenciam substancialmente das favelas. Ressaltese que pouco mais da metade dos domicílios particulares da Grande São Paulo são próprios ou em estágio de aquisição. De um lado, através do Banco Nacio Na ciona nall de H abita ab itaçã ção o (BNH) (BN H),, as classes médias médi as pass pa ssaaram à situação de proprietários, situandose em áreas mais centrais, melhor servidas, enquanto as classes tra balhadoras balha doras foram fixadas fixadas na “periferia”, “periferia” , construindo, elas elas mesmas, nas horas de folga com a ajuda gratuita de parentes, vizinhos e conte co nterrân rrâneo eos, s, as suas suas casas própri pró prias. as. 13 12 Analiso a questão das casas precárias da periferia, fundamenta fund amentalmente lmente no que diz respeito ao processo de autoconstrução de moradias no capítulo III. 13 Algumas pesquisas apon tam que a grande maioria das casas de periferia decorrem da autoconstru ção. Assim, Assim, por exemplo, exemplo, uma pesquisa dirigida por Carlos Lemos mostrou que 88,5% das casas da região periférica pesquisada foi construída pelos Opinião ão de 18.7.75. próprios próp rios moradores. morado res. Vide Jornal Opini A média de pessoas por cômodo habitável na periferia da Capital é de 1,85 para os grupos cuja renda familiar atinge até 3 salários mínimos, ou seja, 78% das pessoas e de 1,58 para os que ocupam de 3 a 6 salários mínimos, isto é, 19% dos casos. Veja Aspirações com relação a programa de Educação de Base, CADERNO SEBES, 1973. Contudo, Con tudo, quando qu ando se computa o número de pessoas pessoas gor dorm itório a proporção atinge, em média, 2,6 pessoas, para o conjunto da região.
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A construção da casa própria, através da ajuda mútua, constitui a única possibilidade de alojamento para os tra balh ba lhad ador ores es meno me noss quali qu alific ficad ados os,, cujo cu joss baixo bai xoss rend re ndim imen entos não permitem pagar aluguel e, muito menos, candidatarse aos empréstimos do BNH. Por outro lado, essa “solução” do problema habitacional contribuiu para de pri p rim m ir os salári sal ários os pagos pag ospe pelas las empre em presas sas aos tra tr a b a lh a d o res. Eliminandose dos custos de sobrevivência da força de trabalho um item importante como a moradia, os salários limitamse a cobrir os demais gastos essenciais, como o transporte e a alimentação. A periferia como fórmula de reproduzir nas cidades a força de trabalho é conseqüência direta do tipo de desenvolvimento econômico que se processou processo u na sociedade bras br asile ileir iraa das da s últim úl tim as década déc adas. s. Possi Po ssibi bilit litou ou,, de um lado, lad o, altas taxas de exploração de trabalho,' e de outro, forjou formas espoliat espo liativas ivas que se dão ao níve nívell da próp ria condicond ição u rbana rba na de existên existência cia a que foi foi submetida subm etida a clas classe se tratr a bal b alh h ado ad o ra. ra . Há também os habitantes dos cortiços, concentrados em áreas decadentes de bairros mais centrais: Bom Retiro, Brás, Bela Vista. Os cortiços tendem a expandirse, se, na medida m edida em que q ue se reurbaniza reurb anizam m os bairros centrais, ao longo de outras áreas desvalorizadas, em especial as que margeiam os trilhos ferroviários em regiões como Perus e Pir P irit itu u b a .14No s cortiços vivem vivem em em média 3,6 3,6 pessoas por cômodo. A quarta parte destes cômodos não tem janelas externas. Contudo, em 67% dos casos, seus moradores gastam menos do que 1/2 hora no percurso até o local local de tr a b a lh o .15 Favelas, casas precárias da periferia e cortiços abrigam a classe trabalhadora, cujas condições de alojamento expressam a precariedade dos salários. Essa situação tende a se se agravar, n a medida m edida em que se se vêm deterioran Diagnóstico sobre sobre o fenômeno dos corti 14 Os dados dado s aponta apo ntados dos foram fora m extraídos de: de: Diagnóstico ços no Município de São Paulo, São Paulo HABISEBES, São Paulo, 1975. 15 90% dos casos levam levam até 1 hora, o que contras con trasta ta enormemente enormem ente com o tempo de Idem. deslocamento dos habitantes da periferia. Idem.
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do os salários. Para os gastos básicos de urna familia nutrição, m oradia, transpo tra nsporte, rte, vestuário, vestuário, etc etc.. aquele aquele que em em 1975 ganh ga nhav avaa um salário mínimo deveria tra tr a b a lhar 466 horas e 34 minutos mensais, isto é, cerca de 16 horas duran du rante te 30 dias dias p or m ê s .16 Tais cifras assumem sua real dimensão quando se tem em conta que, na Grande São Paulo, em 1973, cerca de 19% dos empregados ganhavam até um salário mínimo, 54% até dois e 75% dos assalariados até três rendimentos mínimos mensais. Importa reter não apenas que os níveis de remuneração e as condições de vida de grande parte dos trabalhadores se deterioraram, mas que esta deterioração se acentuou justamente quando a economia cresceu a uma significativa taxa de 10% ao ano dando origem ao que por muitos foi designado de “Milagre Brasileiro”. Mas é de se perguntar: que tipo de milagre é esse que, ao mesmo tempo, reflete um crescimento acelerado e exclui deste crescimento a maioria da classe trabalhadora? Trata se, certamente, de um santo perverso que com uma mão dá a alguns o que com a outra retira de muitos. A lógica da acumulação que preside ao desenvolvimento brasileiro recente apóiase exatamente na dilapidação da força de trabalho. Na presença de uma vasta reserva de mãodeobra e na ausência de uma sólida organização sindical e política da classe operária, tornou se fácil aumentar as taxas de exploração. O desgaste de uma força de trabalho submetida a jornadas de trabalho prol pr olon onga gada dass e as espi es pinh nhos osas as cond co ndiçõ ições es u rban rb anaa s de existência tornamse possíveis na medida em que a maior pa p a rte rt e da m ãod ão de eob obra ra pod po d e ser pro p ron n tam ta m e n te subs su bstit tituí uída da.. Se inexistem dados precisos acerca da situação de subemprego, sabese, por outro lado, que... “para a po pula pu laçã ção o com máis de 10 anos, ano s, a p rop ro p o rçã rç ã o d a força fo rça de trabalho masculina desempregada atinge a ponderável cifra de 11,4%. Já no contingente feminino a taxa de de 16 Fonte: DIEESE, abril de 1975.
semprego é de de apenas apen as 6,9 6 ,9% % .17 Mas como c omo se sabe a taxa de desemprego feminino esconde outro fenômeno. É o desemprego, chamado oculto por não aparecer nas estatísticas, de enorme contingente de mulheres que não dispõe de empregos nem estuda, mas que, pro forma, desempenha atividade doméstica e por isso não se declara desempregado. Na medida em que se passa dos grupos jove jo vens ns aos mais mai s idosos ido sos diminu dim inuem em as taxas tax as de pa part rtic icip ipaação: para a mulher sobretudo a partir dos 30 anos; para o homem sobretudo a partir dos 50 anos. Tais dados revelam um processo de utilização da força de trabalho que atua seletivamente quanto ao momento de exclusão das estruturas produtivas. Ess.a seletividade está apoiada no fato do contingente masculino ser suficientemente numeroso para tornar desnecessária boa parte do trabalho feminino desde os 30 anos, bem como para substituir a mãodeobra masculina de mais de 50 anos por força de trabalho jovem. É significativo neste particular verse que antes dos 4049 anos o desemprego masculino é de apenas apena s 4,6%; 4,6%; nas faixas etárias seguintes seguintes dá um salto sa lto vertiginoso: entre 50 e 59 anos a proporção passa a ser de 24%, no decênio seguinte de 43%, e a partir dos 70 anos, de 64%. Criase assim um ciclo de ‘vida produtiva’ em que as empresas podem utilizar abusivamente de súa força de trabalho, alijando a mãodeobra desgastada do mercado de trabalho. Decretase assim a incapacidade para o trabalho em função da mãodeobra disponível, e surge, prem pr emat atur uram amen ente te,, a categ ca tegor oria ia “ ve velho lho”” , ainda ain da que, em muitos casos, os trabalhadores excluídos estejam em pleno vigor de sua energia energ ia física e ment me ntal. al.”” 18 17 São desempregados, além das pessoas desocupadas desocupa das que estão procuran proc urando do emprego, os indivíduos indivíduos incluidos na categoria categoria “outros” “ outros” da PNAD PNA D que estariam em em condições dições de trabalhar. trabalh ar. As porcentagens aqui apresentadas resultam resultam da soma em valores inscritos nas colunas referentes aos desocupados e “outros” das tabulações da PNAD. “Outros” são pessoas fora da Força de Trabalho que não estão ocupadas em afazeres domésticos, nem frequentam escolas e tampouco não podem tra balhar. bal har. Veja qua quadro dro n? 2. 18 KO KOWA WARIC RICK, K, Lúcio e BRANT, BRAN T, Vinicius Vinicius Caldeira Caldeir a (organizadores) São Paulo, 1975, Crescimento e Pobreza, op. cit. pp. 8283.
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Além dos aspectos anteriormente apontados, ressul temse os índices de nutrição insatisfatórios e a maior ex posição pos ição à m orta or talid lid ade ad e p rem re m atu at u ra. ra . Neste Ne ste p artic ar ticul ular ar conco nvém ressaltar que entre 1940/50 a taxa de mortalidade infantil diminui de 30% e na década seguinte decresceu de 32%, contrastando com o aumento ocorrido entre 1960 19 60/7 /75 5 que qu e foi fo i de 37%. 190Suas 0 2Suas principais causas ligam se a doenças infecciosas que se relacionam diretamente ao saneamento ambiental e à subnutrição, fatores que geralmente aparecem associados. Quanto ao primeiro aspecto, já analisado anteriormente, é digno de nota que a população da Capital servida pela rede de água passou de 61% em 1950 para 56% em 1973, enquanto a atendida pela de esgo e sgoto to manteve man tevese se estável em torn to rno o dos 35%,. No conjunto dos municípios da região, no entanto, em 1971, 35% da população era atendida, ao passo que, quatro anos após, a propo pro porçã rção o cai cai para p ara 3 0 % .211No que se se refere à nutrição é desnecessário fazer grandes elucubra ções: “nas classes de rendas mais baixas, o consumo de alimentos, além de diminuir quântitativamente, constituise de alimentos de qualidade ou tipos inferiores, de menores preços. (...) Com a diminuição do poder aquisitivo (queda do salário real) as classes mais pobres têm suas condições de alimentação sensivelmente prejudicadas... A desnutrição pode ser causa direta de morte, e atuar como fator preponderante e agravante de doenças infecciosas, aumentando a taxa de mortalidade infantil: 52% da população da Capital e 73% da dos demais mu
19 O coeficiente d a mo rtalidad rtali dadee infantil infant il na Capita! Cap ita! em 1940 1940 era de 123,9 123,99 9 por 1.00 1.000 0 nascidos vivos; em 1950 decresce para 89,71 e em 1960 para 62,94. Entre 1961/65 o coeficiente médio sobe para 66,33, no quinquênio seguinte para 79,19 e entre 1971/75 para 90,53 por 1.000 nascidos vivos. Fonte dos dados brutos; Departamento Estadual de Estatística do Estado de São Paulo._ 20 Região Metropo litana de São Paulo, Diagnóstico Diagnóstico 75 75 Condições Urbana s SaúS aúde, p. 5, op. cit. A esperança de vida ao nascer, no município de São Paulo era, em 1959/67, de 62,39 anos e em 1969/71 de 60,83, diminuindo de um ano e meio.
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nicípi nicípios os da região região são subnutrid os” . 21O quadro qu adro das condições de saúde é ainda agravado pelo fato de parte considerável dos trabalhadores não contar com os benefícios da Previdência Social. Deixando de lado os 490 mil tra balha ba lhado dore ress autô au tôno nom m os da G rand ra ndee São Paulo Pa ulo em 1972 1972,, cuja imensa maioria não tem carteira de trabalho, e tomandose tãosomente os assalariados, verificase que não mais de 70% 70% possui a sua carteira de traba tra balho lho assinada. Quando se considera apenas o estoque masculino pois a m ãod ão de eob obra ra feminin fem ininaa é em boa bo a medid me didaa canali can aliza zada para as atividades atividades domésticas remuneradas remune radas a pro porç po rção ão dos que nã o têm a carte ca rteira ira assin as sinad adaa é de d e 2 0 % .22 Além desses, 40% dos que procuraram os ambulatórios e postos do INPS em 1974 deixaram de ser atendidos, o que corresponde a 4 milhões de consultas. Tais situações indicam um quadro bastante claro da vulnerabilidade em em que se encont enc ontram ram mesmo os empregados regisregistrados quando ocorre desemprego, doença ou acidente de trabalho, trilogia que marca a trajetória de considerável parcela daqueles que só têm a sua força de trabálho para pa ra asseg ass egura urarr a sobrevivênc sobrev ivência. ia. Neste Ne ste part pa rtic icul ular ar é tam bém bé m sintom sin tomát ático ico o ace a centu ntuad ado o aumento dos acidentes de trabalho que ocorrem no Brasil. O Estado de São Paulo, longe de fugir à regra, concentra grande proporção de acidentados: 712.000 em 1973, 780.000 no seguinte, o que corresponde a cerca de quarta parte da força dê trabalho registrada, cifra que ganha sua real significação quando se tem em conta que na Fran F rança ça ela é três vezes vezes in fe rio ri o r.2 r. 23 Novam No vamente, ente, parece viável inferir que por detrás destes recordes de escala 21 Idem , p. 19. A desnu trição triçã o aparece como causa básica ou associad as sociadaa em em 28% dos óbitos em menores de i ano na Gran de São Paulo; retirandose os óbitos óbito s neo neo natais, a proporção sobe para 45%. Ademais, 65% das doenças infecciosas registradas na área foram associadas à desnutrição. Fonte: Investigação Interamerica na de Mortalidade na Infância,'Distrito de São Paulo, 196870. 22 Fonte: Regiões Metropo Metr opolita litanas, nas, 4? bimestre bimestr e de 1971197 19711972, 2, Rio de Janeiro, Jane iro, IBGE, IBG E, 256, 23 Região Metro politana politan a de São Paulo: Diagnóstico 75, 75, Desenvolvimento Desenvolvimento e InovaInova ções Tecnológicas, op. cit. No Estado de Sãò Paulo a proporção de acidentes/dias úteis de trabalho tem aumentado anualmente de quase 10%.
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mundial estão o uso e o abuso com que o capital tem submetido os trabalhadores no processo produtivo: de quase 4.000 acidentes na industria paulista, cujas causas foram pesquisadas em detalhes, 23% foram devidos às falhas humanas, enquanto que no restante... “houve uma condição insegura, isolada ou associada como origem do acidente” . 24 Mas mesmo os acidentes imputad imp utados os a falhas falhas humanas decorrem de processos de maior envergadura. Dentro da fábrica, estão associados à monotonia dos gestos repetitivos da produção parcializada, que requer atenção concentrada, pouca memória, nenhuma imaginação e geralmente geralm ente grande grand e esforço físic físicoo através das jo r nadas de trabalho prolongadas em que o ritmo de produ pro dução é extremamente extremam ente acelerado; e fora da fábrica ligamse ligamse ao tempo de deslocamentos, à subnutrição e ao próprio nível de saúde, processos que redundam, em última análise lise,, na intensa inten sa fadiga do op e rá rio ri o .25 Tanto os dados sobre o processo de trabalho como os referentes às condições de vida revelam um agravamento da situação das famílias trabalhadoras de São Paulo. É claro que nem todos foram igualmente atingidos. O considerável acúmulo de riquezas registrado tam bém chegou cheg ou a be bene nefici ficiar ar certos cer tos estr es trat atos os da classe op opee rárá ria, de modo especial os segmentos especializados que, com o desenvolvimento e diversificação do parque fabril conseguiram aumentar seus níveis salariais e participar, 24 Pesquisa realizada por Leda Leal Ferreira, Ferreir a, cujos resultados resultad os foram transcrito trans critoss no semanário Opinião de 18.7.75 25 Mais da metade dos acidentes afetam os órgãos superiores su periores dos operários operá rios e o uso uso de luvas, segundo técnicos do Ministério do Trabalho, reduziría os acidentes em 22% dos casos. Não há por que duvidar de tal afirmação. Contudo, entrevistas em profund pro fundidad idadee revelam revelam outros outr os aspectos da história histó ria da industrialização industria lização recente. recente. Os operários de uma secção da fábrica, devem soldar certo número de pontos em uma placa que permanece determinado tempo em sua frente. Se houver erro na soldagem a placa é perdida. O número de placas médio a ser soldado por hora é também determinado por estudos de tempo e movimentos e uma produção mínima é estabelecida, tendo em conta o desempenho dos operários mais hábeis. Os mais hábeis conseguem fazer tais operações com luvas. Os outros não. Trabalham sem luvas. Quando se ferem são multados. Por vezes há perda total ou parcial de unhas ou dedos. Tal fenômeno ocorre em empresa multinacional, moderna e dinâmica sediada em São Paulo. Há outros exemplos em que as condições de trabalho e os resultados são semelhantes.
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ainda que timidamente, dos benefícios da sociedade industrial. Nã N ã o obsta ob stant ntee a situ si tuaç ação ão de pobr po brez ezaa e a crescente deterioração das condições urbanas, para muitos que vêm de outras regiões do Brasil, a fixação na Grande São Paulo representou uma melhoria econômica e social. Mas esta questão não pode ser exagerada pois, em última instância, é do mesmo processo que advém a total tota l exclusão econômica e social experimentada por crescente contingente expulso das áreas rurais. Ademais, em vista da queda do padrão de consumo básico é viáVel supor que, se para muitos perdura a imagem que “a vida melhorou”, tal autoavaliação é decorrente de uma impressão de participação que se dá mais ao nível simbólico do que no real, fruto de uma dinâmica inerente à sociedade de massas que forja através dos meios de comunicação aquilo que pode ser designado de “mercado de ilusões”: é o mundo das vitrines, da televisão, dos painéis publicitários onde os que subiram servem servem de exemplo exemplo e esperanespe rança para aqueles que só podem consumir na fantasia o sucesso do estilo^de vida daqueles que venceram. Na N a realid rea lidad ade, e, o crescime cres cimento nto econôm eco nômico ico recente rece nte forfo r jo u uma um a sofist so fistica icada da sociedade socie dade de consum con sumo o cujo acesso é altamente restritivo. O fulcro dinâmico da expansão industrial dos últimos 15 anos centrouse nos artigos de consumo durável de luxo e teve necessariamente de se apoiar nos estreitos círculos de renda média e alta, a quem, efetivamente, o crescimento econômico beneficiou. Os estratos inferiores não só foram excluídos, como também pagaram um alto preço pelo aumento de riquezas. Apontouse que a lógica da acumulação imperante na sociedade brasileira tem levado à dilapidação na força de trabalho. Do ponto p onto de vista empresarial, em que o lucro é o objetivo máximo, esta lógica é impecável. Porém ela não prevalece apenas para as empresas privadas. Isto ocorre também com os financiamentos públicos na construção civil: é elucidativo mostrar que 80% dos emprésti49
mos do Banco Nacional da Habitação foram canaliza dos para os estratos de renda média e alta, ao mesmo tempo que naufragavam os poucos planos habitacionais voltados para as camadas de baixo poder aquisitivo. É contrastante neste sentido que as pessoas com até 4 salá rios mínimos constituam 55% da demanda habitacional ao passo que as moradias colocadas no mercado pelo Sistema Financeiro de Habitação raramente incluíam famílias com rendimento inferior a 12 salários. O que ocorre no setor da construção acontece também no pla no urbano. urbano. Já se disse que o poder público andou an dou a rebo que dos loteamentos privados. Quando finalmente o pla no viário passou a ser pensado na escala da cidade, de al guns anos para cá, poder-se-ia pensar que o interesse co letivo prevalecería. No entanto os-vastos investimentos com a abertura de novas avenidas, vias expressas e eleva dos têm em vista principalmente o aumento vertiginoso da frota de veículos particulares, cujo índice de utiliza ção é baixo (1,2 passageiros por veículo) em detrimento dos transportes coletivos colet ivos de que se ser serve ve a maioria maioria da po pulação. Na realidade, as “necessidades sociais”, numa situa ção em que as reivindicações e protestos coletivos estão bloqueados, são instrumentalizadas em função das “ne cessidades da acumulação”. Assim os investimentos, nos quais é preponderante a. participação estatal, visam à lubrificação da engrenagem econômica, e os problemas vividos pela população só se transformam em problemas públicos na medida em que são compartilhados comp artilhados pelas ca madas dirigentes. Para ilustrar a questão dos problemas públicos póde-se tomar, por exemplo, a poluição ou a meningite, questões que têm sido objeto de preocupação do poder público. Sem menosprezar a dimensão do problema, pode-se dizer que a poluição do ar, malgrado localizar-se mais acentuadamente em áreas fabris, não deixa de afetar a todos. Existe, obviamente, nítida correlação entre pobre50
za e meningite. Não obstante o vírus ser seletivo, está no ar e pode afetar a todos ou pelo menos atemorizar a todos. O trânsito também de certa forma afeta a todos. Mas a subnutrição ou os acidentes de trabalho nada têm de “democráticos”. Associamse nitidamente com a po pula pu laçã çãoo tra tr a b a lha lh a d o ra, ra , e seus da dano nos, s, ap apes esar ar de en enorm ormes, es, parec pa recem em susc su scit itar ar um alar al arme me cujo cuj o eco é bem be m meno me noss estri es tridente. Aparece como problema secundário porque não diretamente vivenciado pelos grupos dirigentes e porque as camadas diretamente afetadas não possuem formas de iniciativa para transformar o “seu” problema'num “problema coletivo”. É isto que está na raiz do aumento da pobreza e na deterioração das condições urbanas, fenômenos que pude pu dera ram m se efet ef etua uarr de form f ormaa tão tã o m arc ar c an ante te na m ed edid idaa em que foi forjado um rígido esquema de controle das iniciativas populares. É claro que a dilapidação de trabalhadores e a de pred pr edaç açãã o ecológ eco lógica ica ou u rba rb a n a po pode dem m refletir refl etirse se no p róró prio pr io proces pro cesso so de ex expa pansã nsãoo do capi ca pita tall n a m ed edid idaa em que implicarem na canalização de recursos que poderíam ser drenados para investimentos produtivos. Mas, por ora, os grupos empresariais não parecem excessivamente preo pr eocu cupp ad ados os com os cu custo stoss de deco corre rrent ntes es do mode mo delo lo de desenvolvimento imperante no Brasil. Concentramse no lucro, desprezando a dilapidação que realizam no âmbito da sociedade. Por sua vez, num contexto em que as iniciativas populares encontramse controladas, a política governamental baseiase em parâmetros que alimentam os interesses da apropriação privada. Tais parâmetros são ditados pelos imperativos do processo de acumulação, excludentes excludentes e predató pre datórios, rios, e não pelas “ necess necessiidades sociais” que transcendem a lógica da engrenagem econômica. Reordenam, quando possível, os efeitos negativos de tal processo na medida em que afetarem a lógica da acumulação, dentro da qual a classe trabalhadora, enfraquecida na sua dimensão política e social, tem sidò equacionada como um mero instrumento produtivo a 52
serviço da expansão do capital. As coisas simples precisam constantemente ser ditas: tas: é o capital e não a sua força de traba tra balho lho que deteriora a vida metropolitana. Para o capital, a cidade e a classe trabalhadora interessam como fonte de lucro. Para os trabalhadores a cidade é o mundo onde devem pro p rocu cura rarr desenvo des envolver lver suas sua s poten po tencia cialid lidad ades es coletivas. Entre os dois existe um mundo de diferenças. E um mundo de antagonismos.
A utoconstr utoco nstrução ução d e m orad oradiias e espoliação urbana
O “problema” habitacional não pode ser analisado isoladamente de outros processos sócioeconômicos e políticos mais amplos, não obstan obs tante te nele nele se condensar cond ensar um conjunto de contradições específicas. Assim, numa primeira instância é preciso verificar as modalidades produtivas tivas a partir pa rtir das quais a m oradia orad ia é confeccionada. Neste par p artic ticu u lar, la r, convém con vém m encio en ciona narr que o sistema sistem a capi ca pital talista ista pres pr essu supõ põee a destr de strui uiçã ção o dos meios au tôn tô n o m o s de vida, vid a, b a sicamente, na expropriação da terra e dos instrumentos prod pr odut utiv ivos os.. Passa Pass a a prod pr odu u zir zi r o que qu e antes ante s trab tr abal alh h ad o res re s independentes realizavam para prover sua própria subsistência, criando mercadorias que são consumidas por meio do salário ganho através da venda de sua força de trabalho. Esta é a marcha histórica geral do processo dé acumulação, cuja obviedade torna desnecessárias maiores clarificações, a não ser aquela que aponta para o fato que o desenvolvimento das forças produtivas não se dá de maneira uniforme e linear; ao contrário, ocorre de modo desigual, no qual coexistem de forma articulada empresas com alta densidade de capital constante e unidades cujas modalidades produtivas dificilmente pode riam ser caracterizadas como plenamente capitalistas. O interesse desta questão está em pensála em relação à habitação das classes trabalhadoras urbanas. Se de um lado, em quase todos os ramos da economia, perduram unidades produtivas “arcaicas” de tipo manufatu 55
reiro, por outro lado, a confecção de bens para a auto subsistência deixou de ser, principalmente nas cidades, uma prática generalizada. Isto é inerente à mercantiliza ção da economia, em que o consumo decorfe da produção realizada através de extração de maisvalia, forma que consubstancia o processo de valor de troca a partir do qual a mercadoria assume a sua plena dimensão. Ora, no processo de produção da habitação, se existem empresas de porte nitidamente industrial bem como unidades com características manufatureiras, as classes trabalhadoras em proporções que variam em cada cidade, mas que são sempre significativas, solucionam seu prob pr oble lem m a de m orad or adia ia além do aluguel alug uel dç habi ha bita taçõ ções es deterioradas e da construção de barracos em favelas através da autoconstrução de suas residências. A razão desta espécie de “economia natural” em pleno sistema urbanoindustrial, cuja mola propulsora e dominante centrase nas empresas com alta densidade de capital, nada têm de anacrônico, pois a produção capitalista or ganizase, não para prover os trabalhadores com os meios de vida necessários para sua subsistência, mas pa p a ra realiz rea lizar ar um excedente exced ente que é priv pr ivad adam amen ente te a p rop ro p ria ri a do. Ressaltese que a produção de habitações, cuja confecção inclui uma gama variada de insumos, resulta de uma complexa rede de agentes, inclusive comerciais e financeiros, na qual o “controle” sobre a terra urbana constitui um fator fundamental no preço das mercadorias colocadas no mercado.1Apontese, também, para o fato que as atividades econômicas que resultam na mer cadoriahabitação estão cada vez mais fundidas em torno da dinâmica do grande capital, evidência qúe se generaliza em várias regiões do Brasil, principalmente em São Paulo. Do ponto de vista da realização do capital, os interesses daí resultantes tendem a produzir uma mercadoria socialmente adequada quanto ao seu padrão de ha 1 Analiso Analiso a questão questão da terra urbana em relação relação à cidade cidade de de São Paulo no capítulo capítulo seguinte.
bital bit alida idade de para pa ra as faixas de renda ren da mais elevadas, elevada s, vcdun vcdun do o acesso para a grande maioria dos trabalhadores que precisam, prec isam, por po r consegui cons eguinte nte,, enco en cont ntra rarr outr ou tras as fórmulas fórm ulas para pa ra se repr re prod oduz uzir ir nas cidades e nqua nq uant nto o merca me rcador doria ia para pa ra o c a p i ta l .2 No caso da auto au toco cons nstr truç ução ão,, que na sua finalid fin alidade ade e essência não deve ser entendida como uma forma de poup po upan ança ça,, mas enqu en quan anto to uma um a solução solu ção de subsistência, subsistên cia, criase criase um dos elementos a m oradia orad ia indispensáve indispensáveis is como meio de vida, que acaba por se constituir uma fórmula que rebaixa o custo de reprodução da força de tra balho ba lho,, perm pe rmiti itind ndo o realiz rea lizar ar uma um a extra ex traçã ção o do excedente exced ente econômico apoiada em salários que podem ser constantemente deprimidos. Ademais, principalmente nas cidades, o “problema” habitacional está diretamente atrelado ao fornecimento de bens de consumo coletivo, no qual a ação do Estado tem ganho crescente importância, pois os inve i nvestim stiment entos os público púb licoss são cada ca da vez mais respo res ponnsáveis por este componente também básico da reprodução da força de trabalho. Não sem menor importância no “problema” da habitação urbana está a questão da terra, cuja adequação atrelase à existência de uma infraestrutura de serviços. Portanto, os investimentos públic púb licos os também tam bém sob este ângulo ân gulo apare ap arece cem m como com o fato fa torr determinante no preçorfinal das moradias, constituindo se num elemento elemento poderoso po deroso que irá condicionar onde e de que forma as diversas classes sociais poderão se localizar no âmbito de uma configuração espacial que assume, em todas as metrópoles brasileiras, características nitidamente segregadoras. Mas não é só do ângulo do preço da terra urbana, das características do setor imobiliárioconstrutor ou do papel pap el do Estad Es tado o que a quest qu estão ão deve ser equa eq uaci cion onad ada. a. O padr pa drão ão habi ha bita taci cion onal al enqu en quan anto to eleme ele mento nto básico bás ico da repro rep ro 2 Não vou analisar neste texto os mecanis mecanismos mos que, do po nto de vista vista do capital, capital, tornam a mercadoriahabitação um bem a que só as camadas de renda mais elevadas têm acesso. acesso. Entre outros out ros autores que’tratar que’trataram am do problema da jiabitaçâ o deste angulo, veja. veja. PRADILLA PRADI LLA,, Emilip Notas Acerca dei Problema Problema de la Vivie Viviend nda a, Arquitetura/Urbanismo, 7, julhoagosto, 1977.
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dução da força do trabalho decorre do conjunto da com posiç po sição ão social do capi ca pital tal e da form fo rmaa co como mo se rep re p arte ar te o trabalho excedente do necessário. Isto é determinante dos níveis de subsistência da classe trabalhadora, cujo valor irá variar de maneira flagrante em razão da poten ciação ciação das forças produtivas prod utivas e da capacidade capa cidade que as clasclasses trabalhad trabalh adora orass tiverem tiverem de aquinho aqu inhoar ar uma parcela dos excedentes gerados pelo processo de acumulação. Neste Ne ste p arti ar ticu cula lar, r, pa parec recee co corr rret etoo afir af irm m ar que a existência de um vasto exército de reserva, longe de ser uma “massa marginal”, entendida como um contingente com pouco pou co ou nu nulo lo significa sign ificado do p a ra o proc pr ocess essoo econô eco nômi mico co,, tem tem se con constituíd stituídoo numa num a das principais princip ais alavancas de acumulação dos países de capitalismo tardio, entre os quais o Brasil é um caso exemplar, pois permite dilapidar, através da superexploração do trabalho e da espoliação ur bana ba na,, b oa p a rte rt e d a m ão ãod de eob obra ra en enga gaja jada da na nass en engg rena re nagens produtivas na medida em que os segmentos desgastados podem ser substituídos pelos vastos reservatórios disponíveis.3É claro que a mera existência de um reservatório de mãodeobra é uma condição necessária, mas não suficiente, para que o capitalismo cresça, depredando, principalmente, os segmentos nãoqualificados da força de trabalho, os quais, digase de passagem, constituem a grande maioria daqueles que levam adiante a maquinaria produtiva da socied sociedade ade brasile bra sileira.4 ira.4 Além Além da abundância da reserva de mãodeobra, o processo de dilapidação está diretamente relacionado à capacidade de organização organização da class classee traba tra balha lhado dora ra em defender defender tanto seus níveis salariais e condições de trabalho em geral, como o acesso aos serviços de caráter coletivo, que têm reflexos diretos nos níveis de reprodução ampliada da força de trabalho, dos quais a habitação constitui um 3 Tratei desta questão em: Capitalismo e Marginalidade na América Latina , Paz e Terra, Rio, 1975. 4 No Estado de São Paulo apenas 18% do conjunto dos trabalhadores trabalhador es ligados ligados à inindústria em 1973 estão na categoria de operários “qualificados”. Veja: SENAI, Relatório de 1973, São Paulo, 1974.
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componente essencial. Assim, o chamado “problema” habitacional deve ser equacionado tendo em vista dois processos interligados. O primeiro referese às condições de exploração do trabalho propriamente ditas, ou mais precisamente às condições de pauperização de pauperização absoluta ou relativa relativa a que estão sujeitos os diversos segmentos da classe trabalhadora. O segundo processo, que decorre do anterior e que só pode po de ser plen pl enam amen ente te ente en tend ndid ido o q u an do anal an alisa isado do em rara zão dos movimentos contraditórios da acumulação do capital, pode ser nomeado de espoliação urbana: urbana: é o somatório de extorsões que se opera através da inexistência ou precariedade de serviços de consumo coletivo que se apresentam como socialmente necessários em relação aos níveis de subsistência e que agudizam ainda mais a dilapidação que se realiza no âmbito das relações de tra balho ba lho.. Em ambos os processos o papel do Estado é fundamental. Em primeiro lugar, por criar o suporte de infra estrutura necessário à expansão industrial, financiando a curto ou a longo prazo as empresas e por agir diretamente enquanto investidor econômico. Ademais, por ser o agente que tem por encargo gerar os bens de consumo coletivo ligados às necessidades da reprodução da força de trabalho. Em segundo lugar por manter a “ordem social” necessária à realização de um determinado “modelo” de acumulação. Neste aspecto, quando os recursos estatais se canalizam preponderantemente para os imperativos da acumulação de capital em detrimento daqueles mais diretamente acoplados à reprodução da força de trabalho, acirrando o processo de espoliação urbana, e quando a criação de excedente se realiza também através absoluta de vastos contingentes sociais, da pauperização absoluta o Estado, para viabilizar semelhante “modelo de ordem social” de características selvagens para a força de trabalho, só pode assumir feições nitidamente autoritárias e repressoras. O controle e contenção dos movimentos rei vindicativos passam a ser condição paru a efetivação de 59
semelhante modelo excludente dè repartição dos benefícios, que, por sinal, tem sido a tônica do processo de acumulação recente no Brasil. Tendo em conta tais processos é que o “problema” habitacional transparece plenamente. De fato, as agências governamentais têm empregado vultosos recursos no financiamento das habitações. Contudo, a imensa parc pa rcela ela dos m on onta tann tes te s empr em preg egad ados os segue uma um a lógica lóg ica de financiamento ditada pela lei do lucro, destinandose aos estratos de renda que podem pagar o preço de mercado da construção habitacional. Até mesmo os programas que se destinam para a assim chamada demanda de “interesse social”, não só são quantitativamente pouco expressivos, como também, freqüentemente, as camadas que deveriam ser beneficiadas não têm condições de amortizar as prestações previstas pelas fantasiosas soluções oficiais. O resultado é que as habitações ou ficam vazias ou acabam sendo transferidas para os grupos de renda mais elevada enquanto que as pessoas a quem se destinavam os programas subsidiados pelo poder público acabam voltando às suas condições originais de moradia, que, aliás, são aquelas que imens imensaa parcela da cla class ssee trabalh trab alhad ador oraa precisa adotar ado tar para pa ra c o n tin ti n u a r se repr re prod oduz uzin indo do nas cidades cida des.. 5 É o a lulu guel de um cômodo de cortiço localizado em áreas deterioradas ou de uma casa de mínimas dimensões nas “periferias” distantes da cidade, ambas as soluções implicando em condições de habitabilidade extremamente precárias e, no mais das vezes, em gastos de aluguéis que comprimem ainda mais o já minguado orçamento de consumo das famílias trabalhadoras. A solução de sobrevivência mais econômica, mas também a mais drástica, é a favela, 5 Semelhante análise análise foi foi realizada em relação relação às populações removidas para par a os con junt ju ntos os habitaciona habita cionais is da Gu Guana anaba bara. ra. “ (Os novos moradores) morad ores) podem ser caractericaract erizados, na sua quase totalidade, como integrantes dos setores da baixa classe média... A dizer pela fachada fachada dos imóveis imóveis que ocupam, contrasta contr astando ndo com aquela aq uela dos ocupados pelos primeiros primeiros residentes, residentes, podese inferir automaticam autom aticamente ente tratarse tratars e de
para pa ra onde, onde , como se verá no capítu cap ítulo lo seguinte, são drenu dos os patamares mais pobres da classe trabalhadora. A solução mais importante do ponto de vista quantitativo na cidade de São Paulo é a autoconstrução, esta magnífica fórmula que o capitalismo dependente deflagrou para pa ra rebaix reb aixar ar o custo cus to de repr re prod oduç ução ão da força for ça de tra tr a b a lho, compatibilizando uma alta taxa de acumulação com salários crescentemente deteriorados. Vale a pena transcrever crever a longa longa citação: citação: “ Uma Um a não insignificante porcenporce ntagem das residências das classes trabalhadoras foi construída pelos próprios proprietários, utilizando dias de folgas, fins de semana e formas de cooperação como o ‘mutirão’. Ora, á habitação, bem resultante dessa operação, se produz por trabalho nãopago, isto é, sobre trabalho. Embora esse bem não seja desapropriado pelo setor privado da produção, ele contribui para aumentar a taxa de exploração da força de trabalho, pois o seu resultado a casa casa refle reflete tese se numa baixa aparen te do cuscusto de reprodução reprodu ção da força de trabalho traba lho de que os os gastos gastos com habitação são um componente importante e para deprimir os salários reais pagos pelas empresas. Assim, uma operação que é, na aparência, uma sobrevivência de prátic prá ticas as de ‘econo eco nomi miaa n a tura tu ra l’ dent de ntro ro das cidades, cidad es, casa se admiravelmente bem com um processo de expansão capitalista, que tem uma de suas bases e seu dinamismo na intensa intensa exploração da da força de traba tra ba lho ” . 6 Realizada através do trabalho adicional e gratuito, que freqüentemente perdura por anos, a confecção da casa própria só pode levar à redução de outros itens vitais da cesta do consumo, inclusive à diminuição do padrão alimentar que, para muitas famílias, passa a se situar abaixo dos níve níveis is mínimos mínimos de de sobrevivência.7 sobreviv ência.7 AsDualista, Es 6 OLIVEIRA, OLIV EIRA, Francisco de A Economia Brasil Brasileira eira:: Crítica à Razão Dualista, tudos tudos CEBRA P 2, outubro de 1972, p. 31. 7 Um estu do em profundid prof undidade ade realizado em 5 “loteam “lo teamentos entos”” da periferia da Região da Grande São Paulo trouxe à tona o significado real destes processos. Veja: BONDU KI, Nabil e ROLNICK , Raquel Raquel “Periferia: Ocupação do Espaço e Re produção da Força de Trabalho, Trabalho, Cadernos PROD EUR n» 2, FAUUSP, São Paulo, 1979.
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sim sim, a autoconstru autoco nstrução ção enqu en quanto anto uma alquimia que serv servee pa p a ra rep re p rod ro d u zir zi r a força fo rça de tra tr a b a lho lh o a baixos baixo s cu custo stoss pa para ra o capital, constituise num elemento que acirra ainda mais a dilapidação daqueles que só têm energia física pa p a ra oferec ofe recer er a um sistema siste ma econ ec onôm ômico ico que de per si já apresenta características marcadamente selvagens. Por outro lado, este longo processo redunda, no mais das vezes, numa moradia que, além de ser desprovida de infra estrutura básica e de se situar em áreas distantes dos locais de emprego, apresenta padrões bastante baixos de habitabilidade. Além disto, a casa se deteriora rapidamente pois é feita por trabalhadores nãoespecializados, que utilizam técnicas produtivas e ferramentas rudimentares, onde a divisão de trabalho é praticamente inexistente e sua construção efetuada aos poucos e sem se qüência qüência program pro gramada. ada. Ademais, Ademais, a casa, casa, por ser produzida com materiais de qualidade inferior, exige constantes re par p aros os,, impl im plica icand ndoo p o r p a rte rt e da dass famílias fam ílias um esforç esf orçoo de restauração praticamente praticam ente p erm er m an anen ente. te.8831* Em síntese, podese afirmar que a construção da casa própria leva a um endividamento que, face à deterioração salarial imperante, só pode ser coberto através do prolongamento da já extensa jornada de trabalho. Se a este tempo forem adicionadas as horas gastas na locomoção diária e as referentes à confecção da moradia, 8 “A casa, construída artesanalmente, conta com um um ou outro outr o material mais mais 'moderno’... porém o processo é predominantemente artesanal (...) Contando com materiais tradicionais de manipulação conhecida, ferramentas ferramenta s simples, simples, e já que o orçamento orçam ento restrito não permite correr riscos riscos de inovações inovações,, a técnica de construção é tradicional (...). A construção parcelada... pode se arrastar... até por mais de uma geração. (...) Os Os aspectos de conforto ambient a mbiental al na habitação habitaçã o (ventilação, (ventilação, insolação, salubridade, iluminação, congestionamento habitacional) são mais precários nas áreas onde predomina o processo processo de autoconstru autoc onstrução ção na produção produçã o da casa. (...) É raro a recorrência à impermeabilização na autoconstrução. No desenvolvimento da habitação, os cômodos seguintes tendem a‘ ‘sufocar’ os primeiros, tornandoos escuros, úmidos e mal ventilados... (...) Nos loteamçntos mais recentes, de dez anos para cá... é possível notar já uma detenorização da habitação que não recebeu um mínimo indispensável de acabamento...” Conforme: MARICATO, Ermínia Auto Cons Constr truç ução ão'. '. A Arquitetura Possí Possível, vel, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, trabalho apresentado na 28’ Reunião Anual da Sociedade Sociedade Brasileira Brasileira para o Progresso da Ciência, Ciência, junho jun ho de d e 197 1976, p 1,12. 1,12. 13 e 15
temse um quadro claro do desgaste daqueles que ingressam na aventura de possuir uma propriedade, freqüente mente marcada por baixo valor de revenda. Uma vez apontadas as modalidades e conseqüências da autoconstrução da moradia, cabe introduzir algumas questões mais centradas no ângulo da acumulação recente no Brasil a fim de especificar alguns pontos ligados ao processo proc esso de rep r epro rodu duçã çãoo da força de trab tr abal alho ho.. O prim p rimeir eiroo pont po ntoo a ser ressalt res saltado ado é que que,, à diferen dife rença ça da maior ma ioria ia dos países latin la tinoa oame meric rican anos, os, o Brasil nã nãoo é uma um a região regiã o ecoeco nômica em que as empresas multinacionais criaram um mero enclave exportador ou onde buscam vantagens comparativas para produzir uma estreita gama de artigoss visando, go visando, primordialmente, primo rdialmente, exportálos para o mercado internacional. Tratase, ao contrário, contrá rio, de uma sociedasociedade onde, nos últimos 20 anos, o capital multinacional gerou um patamar industrial diversificado e complexo, voltado tanto para a produção de bens de consumo durável, como de bens intermediários ou de capital, que foram canalizados, predominantemente, para o mercado local. ^ Foge do âmbito deste ensaio discutir as contradições do capitalismo dependente. Pretendese, simplesmente, apontar alguns processos específicos que parecem estar na raiz do acirramento das contradições que se es pelham pel ham na qu ques estão tão d a ^ è p rod ro d u ç ã o da força for ça de trab tr abal alho ho.. É óbvio que uma economia dependente implica na não internalização de parte ponderável do excedente localmente produzido, na implantação de pacotes tecnológicos com alta densidade de capital que desarticulam a economia préexistente, inclusive a agrícola, elevando em muito as migrações que se dirigem para as cidades, onde a taxa de empregos tende a aumentar em ritmo infe9 infe 9
9 Vej Veja: a: CARDOSO, CARDOS O, Fernand Fe rnandoo Henrique e FALETTO, FAL ETTO, Enzo Post Scriptum Scriptum,, (capítulo adicional do livro Depend Dependênc ência ia e Desenvolv Desenvolvimen imento to na América Latina ) mimeo. 1976.
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rior ao incremento increm ento da força força de trabalh trab alhoo po p o ten te n c ial.1 ia l.10 Além disto, o fato das empresas multinacionais seguirem uma lógica lógica de captação cap tação de excedente excedente baseada na dinâmidinâm ica de interesses sediada em âmbito internacional, só pode po de levar a um m aior ai or co com m p rom ro m etim et imen ento to q u an anto to à co c ontinuidade do desenvolvimento local. Há uma u ma questão que fica ficará rá em em aberto pois pois transbo trans borrda em muito o limite da presente análise: é a temática segundo a qual o capitalismo dependente, em razão de uma lei histórica específica ao caráter de seu desenvolvimento “ associado” associado ” , se baseia na superexploração extensiva da força de trabalho, em síntese, maisvalia absoluta. “ Sem pretender extrapolar leis gerais de crescimento pa p a ra as socie so cieda dade dess pe perifé riféric ricas, as, é conv co nven enien iente te fris fr isar ar qu quee o 10 Em 1975 1975,, as 9 maiores regiões metro politan as representava m 27% 27% da população popu lação total tota l do País, devendo reun ir no final da p resente década cerca de 31% 31% da populapopula ção brasileira. Digno de nota é que, entre 1950 e 1970, a taxa de crescimento dos empregos foi, foi, em tod as as regiões regiões metropolitanas, inferior ao aumen to da pop ulação. Taxas Anuais de Crescimento entre 19501970
Capitais
São Paulo Belo Belo Horizonte Horizon te Belém Curitiba Recife Fortaleza Salvador Rio de Janeiro Porto Alegre
População Totai
População Ocupada
5.79 6.30 4.76 4.62 4.08 5.10 4.77 3.99 5.58
5.10 5.64 3.71 4.60 2.97 4.61 3,61 3.20 3.61
Fonte: Retrato Retra to sem Retoques da Problemática Problemática Urbana Urbana, DM, maio/junho de 1976, pag. 11. 11 Esta é a tese tese de M A RIN I, Rüi M aur o Dialéctica de la Dep Dependencia, endencia, La Economia Exportadora, Sociedad y Desarrollo Desarrollo,, vol. 1, janeiromarço de 1972, p. 35 51. Veja também: FRANK, André Gunder Capitalism and Underdevelopment in Latin America, Modem Readers, New York, 1969. Esta é uma questão bastante polêmica que ainda necessita, a meu ver, de maiores clarificações. Quem se opôs a esta tese tese foi foi entre entre outros: outros: CARDOSO CARD OSO,, Fem ando Henrique H enrique Á s Novas Teses Equivocadas, in Autoritarismo e Democratização, Paz e T erra , Rio, R io, 1975 1975,, especialmente, p. 27 a 33.
ciclo de expansão recente da economia brasileira processouse através de acentuada potenciação das forças produtivas traduzidas no aumento de produtividade do tra balh ba lhoo no seto se torr indu in dustr strial ial qu quee subiu su biu,, en entr tree 196 19687 873, 3, 32 32% % ao mesmo tempo que o salário mediano dos trabalhadores urbanos, também em padrões reais, decresceu em 15% no períod pe ríodoo con considerad siderado. o. 12 N ão resta dúvida dú vida que o assim chamado “milagre brasileir?>”,à diferença daquele realizado na Alemanha ou Japão, onde os salários reais, entre 1958 e 1970, subiram, respectivamente, 95 e 92%, encontrou um dos seus sustentáculos na pauperização pauperizaç ão ab soluta de, pelo menos, a metade dos trabalhadores industria tr iais is.. 13 A afirmação segundo a qual o setor dinâmico da economia que utiliza tecnologia avançada não precisaria base ba sear ar sua acum ac umul ulaç ação ão nu num m a evo e voluç lução ão regressiv regr essivaa dos sasa lários, pois pode alicerçar seu crescimento no aumento da produtividade do trabalho, é válida para as sociedades onde as organizações operárias apresentam um alto grau de defesa dos seus interesses. No caso brasileiro, a retomada do crescimento econômico teve como corolário a repressão sobre as aglutinações da sociedade civil, com conseqüências nefastas nos salários da maioria dos trabalhadores. Nesta conjuntura, em que o modelo de desenvolvimento encetado abriu um vasto espaço para as inversões estrangeiras, o processo de pauperização ve12 Esta deterioração contrasta com o aumento do salário mediano verificado entre 1955 e 1959 que se comportou da forma seguinte: índice 103 em 1955,97, 116, 113' e 114 para os anos seguintes. Entre 1965 e 1969, por outro lado, já passa a haver um decréscimo decré scimo acentua ace ntuado: do: 100 100 em 1965 1965 e 94, 86, 86, 93 e 89 nos anos an os subseqüen sub seqüentes. tes. Conforme: SINGER, Paul A Crise Crise do do Milagre, Milagre, Paz e Terra, Rio, 1976, p. 59. Os cálculos de Singer baseiamse nos Anuários Estatísticos do Brasil e os meus nos levantamentos realizados pelo Ministério do Trabalho, através dos dados da “lei dos dois terços”. Estes dados referemse ao Brasil. No Estado de São Paulo, entre 19681973, a deterioração real dos salários medianos dos trabalhadores ur banos ba nos foi de 11% 11%, o que, certam cer tamente ente,, está est á na raiz do prolo pr olonga ngame mento nto da jorn jo rnad adaa de trafbálho, expresso na proporção da mãodeobra que trabalhava mais de 50 horas semanais, que subiu de 18% para 39%. Conforme PNAD, op. cit. 13 Além da evolução do salário mediano, medi ano, convém reafirm rea firmar ar que a queda do salário mínimo acentuouse bastante após 1965. É sempre conveniente apontar que no Brasil de 1973, 35% dos trabalhadores nãoagrícolas ganhavam até um salário mínimo por mês e 67% até dois.
rificado foi um fator adicional de relevância na extração de excedentes, aumentando ainda mais as margens de lucro das empresas com alta densidade de capital, em particular as multinacionais. Além disto, o modelo econômico posto em marcha canalizouse para um mercado basta ba stant ntee restr re strito ito,, o que q ue se comb co mbino inouu com a polít p olítica ica de intensa concentração de renda em torno dos estreitos círculos que iriam consumir as sofisticadas mercadorias prod pr oduz uzida idass pelo no novo vo leque lequ e de indús ind ústri trias as impl im plan anta tada dass rio País. É inegável que as empresas multinacionais criaram um espaço político que permitiu maximizar de forma extremamente rápida a maturação e a drenagem para o exterior dos recursos investidos: legislação tarifária preferencial para importação de equipamentos, isenções fiscais, financiamentos a juros decrescentes', facilidades pa p a ra a exp e xpor orta taçã çãoo de excedentes exce dentes e uma um a ga gama ma de medi m edidas das que gerou situações altamente privilegiadas do ponto de vista da acumulaç acu mulação ão do capital. 14 Mesmo aceitandose aceitand ose a hipótese’que, por razões estritamente ligadas ao processo prod pr odut utiv ivo, o, a pauperização absoluta não se constituía num elemento necessário para ativar a expansão ampliada do grande capital o que já é uma questão discutível não resta dúvida que um modelo econômico marcado por tantas “concessões liberticidas”, só podería contraporse a um clima de “debate social”. Desta forma, parece ser possível afirm af irmar ar que que,, me^rao de deixa ixand ndos osee de lado lad o as vi vi cissitudes do processo de acumulação, a viabilização polític po líticaa do assim ch cham amad adoo “ milagre mila gre bras br asile ileiro iro”” a rqu rq u itetado, fundamentalmente fundam entalmente pa para. ra. beneficiar beneficiar o oligopóli oligopólioo 14 “ Em chegando, o Estado cria... (para ò capital estrangeiro) as as condições para pa ra um desempenho oligopolistico: mercados cativos protegidos por altas barreiras alfandegárias, créditos a juros, negativos, expansão das empresas estatais fornecedoras de insumos básicos para proporcionarlhes os elementos do eapital constante, contenção do crescimento do setor de produção de bens de capital, o que lhes facilita a imposição de composições técnicas de valor extremamente favoráveis, umu política polí tica liberticida libert icida de incentivos incenti vos de tod as as classes, deduções deduçõ es fiscais que funciofunc ionaram na verdade como financiamento da concentração de capital”. OLIVEIRA, A cumulação ão Capitalista, Capitali sta, Estado Es tado e Urbanização: Urbanização: A Nova Qualidade Qualidade Francisco de - Acumulaç do Conflito de Classes , CONTRAPONTO, ano 1, n? 1, novembro de 1976, Rio, p. 10
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internacional internacio nal implicava um controle con trole mais rígido rígido de de part pa rtid idos os,, sind si ndica icato tos, s, órgã ór gãos os de impr im pren ensa sa e demais dema is grup gr upos os da Sociedade Civil que se opunham ao excludente modelo de crescimento posto em marcha, o que, a seu turno, só pode po deri riaa levar leva r à cont co nten ençã ção o das reivind reiv indica icaçõe çõess ope op e rári rá rias as,, acirrando a deterioração salarial de vastas vastas parcelas da classe trabalhadora. Ademais, a velocidade com que se operou a ampliação e entrada de plantas industriais de grande porte tornou necessário que o Estado criasse uma vasta infra estrutura de serviços, gerando os prérequisitos necessários a.um processo de acumulação cujo patamar havia se ampliado rápida e enormemente. Este ponto, além da depressão salarial, é fundamental para caracterizar a questão da reprodução da força de trabalho. Na verdade, o Estado investiu enormes somas para dar condições de realização para a empresa oligopolística, colocando se de maneira cabal a serviço da reprodução ampliada do capital. O Estado, em plena época populista, já se orientava neste sentido, sem contudo desprezar inteiramente certos investimentos básicos para a reprodução da força de trabalho, que a própria ambigüidade do pacto político db período tornava necessários. Contudo, com o avanço do processo de acumulação, o Estado perde sua ambigüidade: convertese em pressuposto da realização do grande capital, fornecendo insumos básicos e tornando se ele ele próprio pró prio um agente produ pro duto tor, r, o que levou à crescencrescente exclusão das massas trabalhadoras, agora também no que se refere aos a os serviços de consum con sum o coletivo. 15 De fato, os gastos do Estado com “capital social”, que são aqueles diretamente acoplados às necessidades 15 " O Estad o é forçado força do a definirse, e esse aba ndon nd ono o de ambigüida ambi güida de é fatal para suas relações com as classes trabalhadoras: passa a ser ele mesmo um explorador de mais valia, com a passagem de empresas estatais de deficitárias deficitárias pa ra superavi tárias, e mais importante que isso, passa a converter o conjunto da riqueza nació' nal em pressuposto indelével da acumulação privada, cujos limites se viam estreitos quando o Estado persistiu numa pauta de nãoprodutor de mercadorias em sentido sentido estrito” . OLIVE IRA, Francisco de de Acumul Acumulaçã ação o Capitalista Capitalista, Estado Estado e Urbanização, op. cit., p. 10. .
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dc reprodução do capital, passaram de 54°(), entre 1950 54. para 83°,, nos dois primeiros anos do governo Geisel, enquanto os recursos destinados às despesas em “bem estar social"', entre aquele período e os anos de 197073, decresciam de 7 para 2%:... “os gastos do Estado nos últimos 25 anos têmse têmse voltado fundam fund amenta entalme lmente nte ao atendimento das necessidades de desenvolvimento capitalista, à manutenção das condições de segurança (ordem social) desse desenvolvimento, ao lado da parcela menor dedicada a bemestar social (ou necessidade de trabalho). Um Estado, enfim, estruturalmente a serviço do capit ca pital al"'. "'. 16 Neste Nes te parti pa rticu cula lar, r, o Banco Nacio Na ciona nall de H abita ab itaçã ção o (BNH) não só se tornou um poderoso instrumento da acumulação, pois drenou uma enorme parcela de recursos para ativar o setor da construção civil recursos por sinal advindos em grande parte de um fundo retirado dos próprios assalariados (FGTS) como também voltouse para a confecção de moradias destinadas às faixas de renda mais elevadas. De fato, o BNH, entre 1964 e 1977, aplicou a não desprezível soma de 135 bilhões de cruzeiros financiando 1.739.000 habitações, que foram destinadas, de modo particular, a famílias com rendimentos superio su periores res a 12 12 salários salár ios mín m ín im o s.1 s. 17 Mas não só a habitação passou a ser tratada enquanto instrumento de aceleração econômica. Os serviços de consumo coletivo também passaram a ser geridos através de uma lógica^çalcada na rentabilidade. Tal fenô 16 Km 1974 1974 o Estado ga stou 1,35% 1,35% de seu seu orçam ento na área do setor ttab alho al ho , no ano seguinte dispende 2% com saúde e saneamento, ao passo que as despesas com "defesa e segurança" sobem de 15% em 196163 para 23% em 197073. Veja: AFON SO, Carlos A. e SOUZA, Herbert de O Estado e o Desenvolvimento Ca pitalista pitalista no Brasil, Paz e Terra, Rio, 1977, p. 51. 17 Conform e: Relatorio Rela torio do Banco Nacional de Habitaçã o, 1977 1977.. Digno de nota no ta neste aspecto é que, entre 196567 e 1978, o custo da habitação subiu 37% mais do que a ntédia do custo de vida em geral, sendo o ítem que mais se elevou no período considerado. Fonte: Fundação Getúlio Vargas, in, O Estado de São Paulo de 12/05/78. Para uma análise da política do BNH, veja: BOLAFFI, Gabriel A Casa das Ilu sões Perdidas : Aspectos SócioEconômicos do Plano Nacional de Habitação, Ca dernos CEBR C EBRA A P, n? 27, Editora Brasiliense, São Paulo, 1977.
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II
meno expressase nas taxas cobradas pelo Estado, quando do fornecimento de certos serviços públicos, que, fre qüentemente, tornamse incompatíveis com os rendimentos mento s das famílias que deveriam ser beneficiadas. 18 EnEn tretanto, é na criação dos serviços urbanos pelo setor privado que triunfaram os imperativos da expansão do ca pital: a “ solu so luçã ção” o” dos prob pr oblem lemas as urba ur bano noss tem sido eq equa uacionada a partir de vultosos empreendimentos princi palme pal mente nte,, sane sa neam amen ento to,, sistema sist ema viário viár io e de tran tr ansp spor orte tes, s, que geram enorme massa de excedente e, direta ou indiretamente, uma produção produ ção de mercadorias em escala escala cres crescentemente ampliada am pliada que responde aos intere interesses sses lucrativos da dinâmica econômica, servindo como dinamizador do processo de acumulação e trazendo minguados resui IX Este problem pro blemaa afetou, afetou , por exemplo, as popu populações lações pobres pob res do Município Mu nicípio de São São Bernardo do Campo, o mais rico do país em termos de arrecadação: “Por mais irônico que possa parecer, parte dã rede de água é ociosa pelo simples fato de que os moradores não possuem poder aquisitivo para efetuar a ligação domiciliar na rede pública". MARICATO, Hrminia T. M. A Proletarizando Proletarizando do Espaço Espaço sob a Cirande Indústria : O Caso de São Bernardo do Campo na Região da Grande São Paulo, Universidade de São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, São
Paulo, Paulo , 19 1977 77,, mimeo., p. 56. Este caso que pod podee ser ser gen general eralizad izadoo para pa ra várias á reas da cidade de São Paulo bem como para a maioria das cidades brasileiras que, digase de passagem, contam com uma enorme proporção de residências desprovidas de rede de água e esgoto. Áreas Metropolitanas: Proporção de Prédios Servidos por Rede de Água e Esgoto em 19 1974 74 (em porcentagens)
Áreas Metropolitanas
São Paulo Rio de Janeiro Recife Belo Horizonte Porto Alegre Alegre Salvador Fortaleza Curitiba Belém
Proporção Propor ção dos Prédios Servidos Servidos por P0r Rede de Esgoto Rede de Água 53 70 36 67 98 68 35 58 60
33 34 11 60 37 15 16 35 5
Fonte: Retrato sem Retoques da Problemática Urbana,'op. cit„ p. 18.
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tados em termos de melhorar os serviços básicos para a reprodu repr odução ção da força de traba lho. lho . 19 O núcleo destas questões, entretanto, é de caráter político pol ítico.. Padrõ Pa drões es de habi ha bita tabi bilid lidad adee mais elevados que implicam a existência de serviços de consumo coletivo material e culturalmente adequados para a reprodução dos trabalhadores só serão atingidos quando estes conseguirem desenvolver canais de reivindicação vigorosos e autônomos, tanto no que se refere às condições de trabalho como os que dizem respeito às melhorias urbanas. Neste sentido, o adequado em relação à reprodução da força de trabalho não decorre apenas do grau de desenvolvimento das forças produtivas mas, sobretudo, da capacidade que apresentarem as classes trabalhadoras de se apropriar de uma parcela da riqueza gerada pela sociedade. Em outras palavras, decorre do grau de organização das diferentes classes e camadas sociais que se confrontam na arena social numa determinada conjuntura histórica. Por outro lado, é preciso fisar que as necessidades sociais são forjadas historicamente e, neste sentido, nada nad a leva a afirmar que a conquista de certos certos benefíbenefícios tenha como conseqüência amortecer o conflito de clas classe ses: s: este é, é, por po r definição, dinâmico dinâm ico e insolúvel insolúvel dentro de unv sistema marcado pela apropriação privada do excedente econômico. Colocado no âmbito das lutas sociais, o processo de espoliação urbana, entendido enquanto uma forma de extorquir as camadas populares do acesso aos serviços de consumo coletivóTassume seu pleno sentido: extorsão significa impedir ou tirar de alguém algo a que, por alguma razão de caráter social, tem direito. Assim como a ci
19 Veja, neste sentido, o proj eto da tese de: de: SILVA, An a Amélia Planejamento Ur bano e Conflito Social na Grande São Paulo , mimeo, abril de 1978. Quem sintetiza de forma simples e correta o “ problem a” dos bens de consumo coletivo coletivo é Francisco de Oliveira Oliveira em em relação ao sistema de transporte de massa massas: s: “ Não pode o Estado resolver resolver o chamado de transpo rte urbano? Pelo tama nho do excedente excedente que maneja, maneja, pod e; mas ma s se esse excede exc edente nte pro vém em pa rte rt e da pro pr o du çã o au tom to m ob ilíst ilí stica ica , então en tão não pode”. Acumulação 12. Acumulação Capitali Capitalista, sta, Estado e Urba Urbaniz nizaçã ação, o, op. op. cit., p. 12.
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dadania supõe o exercício de direitos tanto econômicos como políticos polít icos e civis civis,, cada cad a vez mais parece pare ce ser possível falar num conjunto de prerrogativas que dizem respeito aos benefícios propriamente urbanos. É claro que este rol de direitos não é sistematicamente contemplado pelas legislações vigentes, mas, nem por isso, ele é menos essencial ou deixará de ser alvo de pressões por parte do grande contingente que mora .em péssimas condições de habitabilidade, gasta 3 a 4 horas diárias no transporte, não tem possibilidade po ssibilidade de lazer lazer ou que q ue recebe recebe uma escola escola rização deficiente e muitas vezes deixa de ser atendido pelos pe los serviços servi ços de saúde saú de.. A cid c idad adan ania ia,, ob obvi viam amen ente te,, n ã o se esgota nestes itens, pois sua obtenção implica na efetivação de direitos políticos e civis e se complementa com um conjunto de benefícios econômicos inerentes à esfera das relações de trabalho. Assim, o “problema” habitacional, bem como outros elementos básicos para a reprodução da força de trabalh trab alho, o, terá um encaminhamento encaminham ento na medida em que movimentos populares urbanos conectados à luta que se opera nas esfer esferas as do trabalh trab alhoo puserem em xeque xeque a forma form a do domínio tradicionalmente exercido pelo Estado no Brasil, onde se condensam as contradições de uma sociedade plena de desigualdades e oposições
4 A fa v e la c o m o fó r m u la d e s o b r e v iv ê n c ia
Comparada a outras metrópoles latinoamericanas, a população favelada de São Paulo é pouco numerosa. Na cidade cid ade do México, Méx ico, po r exemplo, exem plo, 45% dos d os habi ha bitan tante tess moram em favelas ou em aglomerações de características semelhantes. Em Caracas representam mais de um terço dos moradores da cidade. Santiago tem um quarto da popu po pula laçã ção o vivend viv endo o em “ C alla al lam m pas” pa s” e em Lima, Lim a, m etade eta de dos habitantes mora ñas.“Barriádas”. Mesmo no cenário brasileiro, metrópoles como Salvador ou Rio, para ficar nos casos mais flagrantes, apresentam cifras bem mais expressivas do que as existentes em São Paulo. No caso baiano, basta mencionar os Alagados, onde se concentram mais de 100 mil pessoas. No Rio existem aglomerados bastante antigos e numerosos, encravados nos morros altamente valorizados da Zona Sul. No final da década passada, nada menos do que 1 milhão de pessoas vivia^em barracos e, não obstante as remoções realizadas nos últimos anos, nada indica que tal contingente tenha decrescido. ' Não N ão existem estud est udos os sistemá sist emático ticoss que apon ap ontem tem p ara ar a as razões que tornaram o Rio ou Salvador centros que. agregam grande número de favelados. Uma das causas prováv pro váveis eis seria a existência, existên cia, nas cidades cida des litor lit orân ânea eas, s, de1 de 1 Mit o da Marginalidade: Favela Favelass e Política no Rio 1 Veja Veja:: PERLM AN, Janice Janice E. O Mito de Janeiro. Paz e Terra, Rio, 1977. No Nordeste cerca de 14% da população vive em barracos. Conforme: PNAD, IBGE, 1973.
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vastas glebas de propriedade do poder público, em particular do Exército e da Marinha, onde os favelados teriam se fixado em áreas pouco aproveitáveis para receber edificações ou menos sujeitas a valorizações. Haveria, especialmente, a questão da topografia da cidade, causa geralmente apontada para o Rio, onde os favelados galgaram os íngremes morros num momento em que os em pree pr eend nded edore oress imob im obili iliár ário ioss aind ai ndaa não nã o se inte i nteres ressav savam am em construir naqueles espaços, então pouco valorizados, da Zona Sul:.. l:.... “ as favelas favelas permane perm anecera ceram m por p or muito muit o tempo temp o ao abrigo de qualquer especulação posto que os terrenos por po r elas ocup oc upad ados os,, de p rop ro p ried ri edad adee de órg ó rgão ãoss públ pú blico icoss ou de particulares, encontravamse em condições topográficas de difícil exploração, ocorrendo geralmente em encostas de morros ou em terrenos alagadiços, sem contar aque aquele less de propriedade contestada ou desconhecida” desconhecida” . 2 Existem, obviamente, fatores históricos específicos a cada cidade. No Rio, por exemplo, consta que aos soldados que voltaram à cidade no final do século passado, após a Guerra de Canudos,e que não tinham onde morar, foilhes permitido construir barracos em terrenos sem valor de mercado, como uma recompensa aos serviços prestados à Pátria.3 Não N ão obst ob stan ante te serem múlti mú ltipla plass as causas cau sas,, não nã o se pode po de esquec esq uecer er que, onde on de os favela fav elado doss são num nu m eroso ero sos, s, sempre existem grupos interessados em oferecer determinados serviços de infraestrutura ou mesmo a garantia de não removêlos em troca de uma certa quantidade de vo los. Sem sombra de dúvida este foi o caso do Rio, onde as favelas tornaramse centros de interesse para aqueles que pretendiam um mandato político, e durante muito tempo foram importantes currais eleitorais de vereadores, deputados ou senadores. Mas não se pode esquecer 2 VALL ADAR ES, Licia Licia do Prado Passa-se uma Casa, op. cit. Rio, p. 31. 3 A designação “favela” parece ter aí a sua origem: em Canudos havia uma encosta chamada de Morro da Favela, que, por sua véz, é uma planta típica das caatingas baianas. Contudo, o dicionário ilustrado da língua portuguesa do Instituto Brasilei Brasileiro ro de Edições Edições Pedagógicas Pedagógicas ap on ta p ara o fato que o nome “ favela” favela” advêm de um dos morros do Rio de Janeiro.
também c esta é ainda uma peculiaridade típica do Rio que em certas favelas se desenvolveram organizações de reivindicação e autodefesa que levaram à consolidação dos aglomerados e, em alguns casos, chegaram a resistir àsforças econômicas e políticas no seu intento de desalojálas. 1 Hm São Paulo, os favelados jamáis tiveram um grau de organização semelhante aos do Rio. Contudo, tal fato não significa que venham a ter maior capacidade de resistência e iniciativa política. A tentativa de oposição à remoção que surgiu em alguns núcleos durante 1978, hem como o esboço de reivindicação em busca de melhorias urbanas, presente em alguns aglomerados, nos últimos tempos, mostra que os favelados poderão desempenhar um papel dentro da dinâmica dos movimentos sociais que despontam no contexto paulistano. De toda forma, eles sempre representaram um contingente pouco numeroso de pessoas na história da cidade. Desde o final do século passado, quando teve início um substancial incremento demográfico, os cortiços constituíam uma paisagem freqüente no cenário da cidade De fato, desde cedo, além das vilas operárias construídas pelas empresas, foi grande a quantidade de cortiços que proliferaram nos bairros operários da época, Brás, Belém, Barra Funda e em zonas mais centrais, tais como Santa Cecília. Não se tratava apenas de moradias deterioradas que passaram a ser alugadas aos trabalhadores que em grande número afluíam para a cidade. Eram, sobretudo, casas construidas com a finalidade específica4 específica4 4 Exemplo Exemplo recente desta desta forma de luta urbana é a resistênci resistênciaa dos moradores da F avela do Vidigal às pressões da especulação imobiliária que procuram expulsálos daqueles espigões supervalorizados da cidade. À diferença de São Paulo, os favelados do Rio, além de serem muito mais numerosos, sempre apresentaram uma capacidade de organização e resistência que, dentro dos seus limites e possibilidades, defendia seus interesses básicos, entre os quais, o principal é o de não serem removidos. “Os casos conhecidos de oposição à ação governamental foram inicialmente o da Favela do Pasmado, removida em 1964 sob as vistas da polícia armada com metralhadoras, e o da Ilha das Dragas, em 1969, onde a remoção só se realizou realizou após a prisão de membros da Associação Associação de Morado res local” . VALL ADARES, Licia do Prado ídem, p. 112!
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í de alojar em pequenos cubículos os operários, cujos aluguéis uma vez somados propiciavam retornos ponderáveis aos empreendedores imobiliários dos períodos iniciais da industrialização. Em épocas mais recentes, com a aceleração das migrações internas, decorrentes do novo patamar industrial que se forjou depois da Segunda Grande Guerra, a classe trabalhadora passou a residir preponderantemente nas assim chamadas “casas precárias”, situadas nas múltiplas e cada vez mais distantes “periferias” da cidade. De forma crescente, como já foi apontado no capítulo anterior, a moradia desprovida de infraestrutura, construída de maneira parcelada pelo próprio proprietário com a ajuda de parentes em loteamentos clandestinos, foi o resultado de salários crescentemente deteriorados e uma das formas que permitiu que a mãodeobra engajada no processo produtivo se reproduzisse a baixos custos. Neste Ne ste sentid sen tido o a repr re prod oduç ução ão da força de tra t rab b a lho lh o , no que diz respeito à moradia, tem se operado mais freqüen temente através da “casa de periferia” do que em torno dos cortiços ou das favelas, não obstante tais moradias também se constituírem em fórmulas de que os trabalhadores de menores rendimentos precisam lançar mão para subsistir na cidade.5 Apesar da preponderância da “casa própria” situada nas “periferias” da cidade, é preciso apontar que pro porc po rcio iona nalm lmen ente te pouc po uco o significat sign ificativa, iva, a popu po pula laçã ção o favelafavel ada tèm crescido num ritmo rit mo bast ba stan ante te intenso. inten so. F.m 19 1958 re prese pre senta ntava va 1,3% ,3% dos habi ha bita tant ntes es de São Paul Pa ulo o e, 10 anos após, apenas 0,8%. Em 1973 já era novamente 1,3% e, em 1975, malgrado serem os favelados proporcionalmente ainda pouco numerosos, já totalizavam 117 5 A caracterização do que é “h abitação precária” varia muito conforme es critérios critérios que forem adotados. A título de ilustração, mericionese que 48% dos domicílios existentes na Capital em 1977 apresentavam um padrão arquitetônico “péssimo”. Conforme Pesquisa Origem/Destino1977, EMPLASA, Resultados Preliminares.
mil pessoas. No ano seguinte havia mais de 200 mil e, em 1978, as estimativas apontam para a existência de 490 mil moradores em favelas.6 Em relação a este incremento recente, é viável afir ,mar que, além da compressão salarial que está no ámago do processo de favelização, o vertiginoso aumento no preço da terr te rraa urba ur bana na que nos último últi moss ano anoss també tam bém m afetou as áreas periféricas tornou ainda mais problemática a confecção da casa própria. Semelhante aumento não deixa de ser significativo, pois tem se proc p roces essad sadoo a um ritm rit m o bem mais inten int enso so do que o crescimento da população que mora na cidade. Ele assume sua real significação quando se leva em consideração que os órgãos públicos procuram impedir a proliferação de novas favelas ou o surgimento de barracos nos núcleos já existentes. Por outro lado, nos últimos anos, a Prefeitura tem desenvolvido programas de remoção das favelas, que ocorrem tão logo os terrenos onde se situam passam a ter uma “serventia” para a Metrópole ou os barracos neles localizados a ser um “foco de mal estar” para moradores mais abastados. É o caso das favelas da “Parada Agente Cícero”, “Córrego do Tatua pé” pé ” , “ Sapá Sa pá”” , “ T olst ol stoi oi”” , “ Jard Ja rdim im P an anoo ram ra m a ” , “ Cida Ci dade de Jardim” e outras tantas que são destruídas, quer para dar lugar às obras que a cidade necessita para se expandir, dir, quer, quand quandoo pela sua mera presença presença impedem impedem a valorização dos imóveis próximos. Quando o terreno em que estão situadas é de propriedade particular, que é o caso de 60% dos aglotnerados da Capital, os favelados são imediatamente expulsos. No caso do terreno ser público púb lico oc ocorr orrem em as famosa fam osass remoções: remo ções: qu quan ando do nã nãoo con
6 Fonte: Município Mu nicípio de São Paulo Indica dores Básicos, Qu adro 7, CO GEP, GE P, 1978 1978.. Este Este núm ero só inclui inclui os m oradores cujos barracos estão em terrenos que não são de sua propriedade. Se forem compu tados os barracos que constituem, em grande número de casos, casos, a primeira forma de mora dia anterio r à construção de uma casa de alvenaria, praticados pormuitos habitantes das periferias, o contingente seria mais elevado.
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seguem escapar da vigilância da Prefeitura, mudandose pa p a ra outro ou tross aglo ag lom m erad er ados os,, os Habitante Habi tantess dos b arra ar raco coss são transferidos para as Vilas de Habitação Provisórias que, além de estarem longe dos locais de emprego, pois estão situados nas “periferias” extremas da cidade, em nada se diferenciam das favelas. Os assim chamados “problemas habitacionais”, entre os quais quais a próp pr ópria ria favela, favela, deve deve ser ser entendido no âmbiâmb ito de processos sócioeconômicos e políticos abrangentes, que determinam a produção do espaço de uma cidade e refletem sobre a terra urbana a segregação que caracteriza a excludente dinâmica das classes sociais. Num Nu m a cidad cid adee como co mo São Paulo Pa ulo,, a terr te rraa tem sido fonfo nte de volumosos e rentáveis negócios. Neste particular cumpre ressaltar que, nos últimos tempos, a rentabilidade real dos terrenos urbanos cresceu a uma média de 30% ao ano, praticamente o dobro da verificada no mercado de ações e muitas vezes superior à das cadernetas de pou p oupa panç nça. a. Este vulto vu ltoso so negócio negóc io tem um dos seus alice ali cerrces básicos na retenção especulativa de terrenos. Neste sentido, é digno de nota que 45% da área urbana líquida da cidade continua constituída por terrenos baldios e que esses vazios urbanos em 40% dos casos são compostos por glebas de razoáveis dimensões, superiores a 16.000 nr. Semelhante processo dá origem a uma produção do espaço urbano que só pode ter características nitidamente segregadoras. De um lado, tem sido um dos principais fatores do crescimento caótico da cidade, pois cria “periferias” cada vez mais longínquas dos centros de emprego e, ao mesmo tempo, gera um padrão de sedimentação habitacional rarefeito e descontínuo, impedindo que uma imensa massa humana seja beneficiada com bens de consumo coletivo básicos. De outro, como a rapidez de valorização destes vazios está associada à implantação desses serviços, o poder público tem desempenhado um papel pape l funda fun dam m enta en tall na difere dif erenc nciaç iação ão dos preços preç os da terr te rraa , servindo, com os investimentos que realiza, ao processo 80
de especulação imobiliária.7 A volumosa parcela de recursos alocada em infra estrutura urbana, quando não acoplada às vicissitudes da economia, tendeu a se transformar num elemento de enorme importância para a captação de lucros por parte do setor imobiliárioconstrutor que se apropria dos espaços valorizados pelos investimentos públicos. Em São Paulo, onde enorme contingente populacional não tem acesso a serviços públicos básicos, a questão da terra aparece enquanto um elemento segregador do pon po n to de vista vis ta sócio sóc ioec econ onôm ômico ico q u ando an do se sabe sab e que 70% 70% dos terrenos estocados possuem algum equipamento públi pú blico co,, como co mo rede red e de água, águ a, esgoto esg oto ou pavi pa vim m enta en taçã ção, o, perm pe rman anec ecen endo do social soc ialme mente nte ociosos ocio sos e servin ser vindo, do, p o rtan rt an to, to , como elemento vigoroso na dinâmica de especulação fundiária.8 Existem infindáveis exemplos deste processo e talvez o #aso mais flagrante sejam as transformações ocasionadas pelas obras passadas e presentes do Metrô. Digno de nota, neste particular, é que as maiores valorizações, entre 1973 e 1976, ocorreram em terrenos situados às margens da linha NorteSul, especialmente em torno da estação terminal de Santana e no bairro do Ja ba b a q u a ra, ra , onde on de os preço pre çoss subi su biram ram 35% a mais em com co m papa ração com o verificado para o conjunto do Município.9 Nu N u m a M etró et rópo pole le em que qu e a p rodu ro duçã ção o de espaço esp aço se faz sem a existência de uma Sociedade Civil vigorosa na defesa dos interesses básicos da maioria dos seus habi . V. 7 Para se ter uma idéia do peso da infraestrut ura rede de de água e esgoto, galerias pluviais pluv iais,, arru ar ruam am en tos, to s, guias gui as e sarj s arjeta eta s, etc. no preço pre ço da terr te rra, a, ba st a me ncion nc ion ar que o custo de um a urbanizaç ão simplifica simplificada da (simples (simples abertura de ruas e topog rafia, vielas em concreto e captação de água em pontos baixos) é oito vezes menor do qúe o exigido exigido legalmente pela pela P refeitura refeitura para aprova r um loteamento. Esta didiferença de 800% indica de maneira cabal o papel que a infraestrutura urbana tem no processo de valorização imobiliária. Urbana na,, Departa 8 CA MP AN ARIO , Milton e LUCCHESI, Denise Denise Expansão Urba mento de Estudos Urbanos, COGEP/EMURB, mimeo, 1977. 9 Fonte: Cadastro do De partam ento de Patrimônio, Empresa Municipal de U rba nização, EMURB.
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tantes, as transformações urbanas só podem se realizar como um rolo compressor que esmaga todos aqueles que não têm recursos para conquistar os benefícios injetados na cidade. Novamente, as recentes obras da linha Leste Oeste constituem exemplo flagrante de remodelação de um espaço urbano que, ao valorizar certas áreas, leva à expulsão dos moradores de renda baixa. Tão logo se noticiou o início das obras, houve uma intensa valorização dos imóveis. Mesmo numa periferia distante e, até recentemente, desprovida de benfeitorias como o distrito de Itaquera, taque ra, só a implantação imp lantação do canteiro de obras que dará lugar à futura estação dobrou o preço dos terrenos que se encontram nas zonas próximas. No trecho que une a Praça da Sé ao Tatuapé, só o início das pbras fez com que o aluguel aumentasse várias vezes: “Com nossa renda”, dizia um dos moradores da área, “não dá para pagar o que estão pedindo, isto é, é, 50% 50% do salário familia fa miliar” r” . Mesmo os proprietário prop rietárioss de imóveis imóveis,, que constituem cerca cerca de um terço dos habitantes da área, só receberam, na maior parte dos casos, uma indenização “ridícula e vil”, sendo obrigados a deixar bairros como Brás, Belém e Tatuapé, com toda sua infraestrutura, para ocupar áreas desprovidas de be nfei nf eito toria rias. s.1 10 A dinâmica de produção dos espaços urbanos, ao gerar uma melhoria, cria simultânea e constantemente milhares de desalojados e desapropriados que cedem seus locais de moradia para grupos de renda que podem paga pa garr o preço pre ço de um progr pro gres esso so que se oper op eraa atrav atr avés és de uma enorme especulação imobiliária. Tal trama urbana só pode levar à fixação das camadas pobres em zonas desprovidas de serviços públicos, até o dia em que, com o crescimento da Metrópole, também destes locais tenderão a ser expulsos se, porventura, sua iniciativa política ainda continuar bloqueada. Como foi analisado no capítulo anterior, para sobreviver na cidade, a imensa maioria da classe traba 10 SOLA NO, Jaene & ZA N, Pedro: A Auto fagia da Cidade, in in O Estado de São Paulo, 30 de outubro de 76. Dados baseados em pesquisa realizada pelo Metrô.
lhadora, migrante ou nativa, só pode se fixar em áreas distantes dos centros equipados. Para os que ingressam na longa aventura da casa própria, pró pria, a alternativa é a dimidiminuição, geralmente drástica, da já rebaixada cesta de consumo, através da qual conseguem pagar, durante 20 anos, um terreno freqüentemente clandestino e construir aos poucos, com a ajuda da família, uma moradia com péssimas péssim as co condiç ndições ões de h a b ita it a b ilid il idaa d e .11 Para aqueles que não têm o pecúlio para dar de entrada num terreno ou que não possuem o apoio do tra balho ba lho g ratu ra tuito ito que leve ad adia iant ntee a co confe nfecçã cçãoo da" m orad or adia ia,, a casa própria permanece um sonho constantemente adiado. E então a alternativa vem a ser uma casa de alü guel, muitas vezes de um ou dois cômodos, nos fundos de outra, sem esgoto, com água do poço, teto de zinco e soalho de cimento num dos muitos loteamentos da cidade. Outra solução é o cortiço, caracterizado pela promiscuidade advinda do grande número de pessoas que coabitam o mesmo cômodo, cujo aluguel, em 83% dos casos, atinge até pouco mais de um salário mínimo por mês. Neste sentido, tornase necessário frisar que o aluguel de um cômodo em áreas mais centrais ou de uma casa de mínimas dimensões na periferia custa, em média, de meio a um salário mínimo.112 Ê por po r isso que q ue a favela aparece para um crescente número de pessoas como a ú nica forma de sobreviver ha cidade. É necessário frisar que os favelados constituem um estrato extremamente pobre pob re da população de São São Paulo, 11 N ão se conhece o número núm ero de loteam entos clandestin os na cidade. Só em torno tor no da represa Billings e Guarapiranga, viviam em 1973, 200 mil pessoss nos 130 loteamentos arrolados, dos quais 115 eram clandestinos. Não obstante terem sido indultados recentemente, centenas de milhares de pessoas que moravam em construções não aprovad as pela Prefeitura, estimase estimase que cerca cerca de 15% da área oc upada líquida da Capital, isto é, excluídos os logradouros, vias e terrenos públicos, correspondia a loteamentos clandestinos. 12 50% dos aluguéis de morad ias custam cus tam até 1 salário mín imo po r mês. Veja; G O D l NH N H O , M ar ta Th erezi ere zinh nh a As Implic Imp licaçõe açõess d o Alug Al ugue uell no Prob Pr oblem lem a H abita ab ita cioci onal, Instituto Brasileiro de Administração Municipal. Em 1975, 37% dos domicílios de São Paulo eram alugados.
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pois enquanto apenas 6% dos habitantes da capital têm um rendimento familiar inferior a 2 salários mínimos mensais e o conjunto da classe trabalhadora em 20% dos casos está nesta situação, 80% dos favelados não ultra passam esta faixa de re r e n d a .13 De forma majoritária, a favela abriga o trabalhador braçal que vende no mercado sua força de trabalho a preços irrisórios ou que, através de uma atividade autô noma, aufere rendimentos extremamente baixos. Dada a oferta de mão-de-obra existente na cidade, que continua a rçceber volumosos contingentes migratórios, os favela dos encontram-se em desvantagem para competir por melhores remunerações no mercado de trabalho. Desta ca-se, neste sentido, o alto grau de analfabetismo impe rante nos favelados com mais de 14 anos, cerca de quatro vezes maior do que o existente entre os habitantes do M unic un icíp ípio. io.1 14 Os homens geralmente trabalham enquanto operá rios braçais na construção civil ou desempenham ativi dades autônomas como ambulantes, jardineiros, carre gadores, vigilantes e tarefeiros de funções variadas e in termitentes, enquanto a maioria das mulheres que traba-
13 Para o conjun to da po pulaçã o do Município, os dados são de: de: K.IRSTEN, K.IRSTEN, J. T. cit. Os da dos referentes à clasOrçamentos Familiares da Cidade de São Paulo, op. cit. Os se trabalhadora, que incluem uma amostra da mãodeobra na indústria, serviços e trabalhadore s por conta própria, encontramse: encontramse: DIEES E Família AssalariaAssalariada e Padrão de Vida n? 2, 1974. Os rendimentos da d a população popul ação favelada foram obtidos obti dos do BOLETIM HABI/COPED, Caderno Especial n? 1, Estudo Sobre o Fenômeno Favela do Município de São Paulo. Para realçar o grau de pobreza dos favelados, ba sta mencionar que 3% das famílias famílias ganham gan ham mais mais do que 4 salários salários mínimos mensais, mensais, propo p ropo rção que é de 40% 40% para a classe classe trab trabalha alha dora. do ra. Convém que se se fris frise, e, por po r ou tro lado, lado , que a classe tra t ra ba lhad lh ad ora or a tem rendim ren dim entos ent os basta ba sta nte inferiores infer iores em relação à população total do município: só 18% das famílias conseguem rendas mensais superiores a 6 salários mínimos, enquanto tal proporção para os habitantes da Capital é de 52%. Idem. Convém novamente apontar para o recente aumento da pobreza em São Paulo: em 1971/1972, 6% das famílias ganhavam até 2 salários mínimos mensais, proporção que, em 1974, subiu para 12%. Conforme: Critérios para a Classificação SócioEconômica, ABA/ABIPENE. 14 N as favelas favelas a taxa de analf abetismo abetis mo é de 54% 54%;; na faixa etária e ntre 7 e 14 14 anos existe 9% de crianças analfabetas na Capital ao passo que tal proporção na favela e três vezes maior. Boletim HABI/COPED. Idem p. 93.
lha o faz faz na condição cond ição de empregadas empre gadas dom d om éstic és ticas as.1 .15 Devese atentar que, excluidos os deficientes físicos e mentais, os aposentados e assegurados do INPS, 45% dos favelados favelado s .com .com mais de 15 anos ano s que q ue teriam condições pa p a ra tra tr a b a lha lh a r não nã o exercem qua qu a lqu lq u er ativi ati vida dade de remirne rada, destacandose, dentro deste contingente, a elevadã parce pa rcela la de 15% que se decl de clar araa form fo rmal alm m ente en te como co mo desemdes em preg pr egad ada. a. 16 P o r o u tro tr o lado, lad o, tam ta m bém bé m é dig d igno no de n o ta que 39% dos que mantêm um vínculo empregatício encon trase em situação irregular de trabalho, pois tratase de assalariados não registrados e que, por conseguinte, não têm acesso acesso aos benefícios benefícios previdenciários que sua inserção no sistema sistema produtivo prod utivo deveria deveria lhes lhes p ro p o rc io n a r.1 r. 17 Desemprego, não registro em carteira, atividades po p o r con co n ta p róp ró p ria ri a de cara ca ract cter eríst ístic icas as inte in term rmite itent ntes es e, sobretudo, baixos níveis salariais, são condições freqüen tes para todos aqueles que levam adiante o processo produtivo, mas que, pela sua magnitude, fazem dos favelados um grupo cujos níveis de vida encontramse abaixo dos padrões de subsistência imperantes para o conjunto da classe trabalhadora de São Paulo. Pobre dentre os pobres, este estrato da população trabalhadora só pode encontrar na favela a solução para subsistir na cidade. Fruto de uma engrenagem econômica e política que deprime os salários, diminuindo, por conseguinte, os níveis vitais de consumo, dos quais a moradia é um componente essencial, tornase favelado todo indivíduo ou família que não pode pagar o jogo especulativo do mercado imobiliário. Não é por outra razão que, que, não nã o obstante impedimento form al do surgimento surgimento de
15 Do t ota l da m ãode obra e mpre gada nas favelas, favelas, 19% 19% está na con struçã o civi civil, l, 16% exerce atividades por conta própria e 24% canalizase para os empregos domésticos. Idem pp. 103 e 104. 16 Idem pp. 102 e 103. Re ssaltese que apen as 2,7% dos favela dos estã o na catego ria de “deficiente mental” e “assegurado do INPS” e somente 0,5% na de “aposen tad oria ” . Idem pp. 102 102. 17 Idem p. 103. Tal prop orç ão na Região M etro polita na da G ran de São Paulo é de 30%. Fonte: PNAD, Regiões Metropolitanas, op. cit.
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novas favelas, o congelamento dos núcleos existentes e as inúmeras remoções que se fizeram nos últimos anos, o número de favelados cresce, num ritmo acelerado. Tradicionalmente a favela apresentavase como fórmula de sobrevivência para a população pobre em pelo menos dois aspectos. Em primeiro lugar, por significar uma economia nos gastos de habitação que representam pouc po uco o menos me nos da q u a rta rt a part pa rtee do orça or çam m ento en to de urna familia típica da classe trabalhadora. Em segundo lugar, na medida m edida em que as favelas favelas tendiam a se se localizar próxipró ximas aos centros de emprego, levariam a uma redução nos dispéndios dispéndios com com transpo tran sporte, rte, que representam cerca de 9% da cesta de consumo da mãodeobra que utiliza a condução coletiva como meio de deslocamento entre a m oradia orad ia e o trabalh trab alho. o. 18 Se a favela continua sendo ainda uma fonte de redução de gastos para seus moradores, pois as despesas para construir ou alugar um barraco são sensivelmente inferiores às inerentes a qualquer outra modalidade de moradia, aquelas que se referem referem aos transporte trans portess parecem ter perdi pe rdido do,, pelo menos me nos em parte pa rte,, sua significa sign ificação ção como com o forma de poupança para o minguado orçamento do favelado. A razão razã o de tal fenômeno fen ômeno é que as favelas tendem, tendem , elas também, a serem expulsas para as “periferias” distantes onde a pressão imobiliária se faz menos presente e onde, além da inexistência de outros serviços públicos, a viagem quotidiana para os centros de trabalho se faz de maneira dispendiosa e demorada, j Os locais do Município onde mais apareceram novos barracos, entre 1972 e 1975, apontam para tal fenômeno. De fato, os maiores incrementos ocorreram nas Administrações Regionais de Campo Limpo, São Miguel, Ermelino Matarazzo, Butantã, regiões que se encit. p. 57. Em 1973... “80,3% dos aglomerados... situa18 Conforme DIEESE, op. cit. vamse na proximidade de vias de trânsito centrais dos bairros o que parece indicar que a favelização é um processo bem relacionado às oportunidades de melhor transporte, proximidade a locais de trabalho, comércio e equipamentos urbanos em geral. Estudo sobre Fenômeno Favela do Município de São Paulo, op. cit., p. 39.
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contram na extrema “periferia” da Capital, enquanto Pinheiros, Sé e Penha, que constituem áreas mais centrais e já j á co conn soli so lida dada dass do p on onto to de vista vis ta da o cu cupa paçã çãoo e infra inf ra estrutura urbanas, tiveram uma diminuição do número de barra ba rraco cos. s. 190O 02O crescimento da Metrópole alicerçaddna dinâmica do lucro que constantemente valoriza a terra urbana tem tornado cada vez mais difícil aos favelados fixaremse em terrenos próximos aos centros de emprego. À semelhança da maioria dos trabalhadores, a tendência é também... “a expulsão dos favelados para a periferia, agravando ainda mais o quadro de ‘exclusão’ desse segment segmentoo ddaa população popu lação”” . 2n De toda forma, a favelização constitui uma solução de sobrevivência por representar uma diminuição nos gastos com moradia. Pode, ainda, de certa forma, representar uma diminuição no tempo de locomoção e nos gastos com transportes na medida em que montar um barr ba rrac acoo repr re pres esen enta ta um exp exped edien iente te p a ra rem re m ed edia iarr a alta alt a taxa de rotatividade nos empregos presente na economia paulistana. Efetivamente, Efetivamente, a confecção confecção de um barraco, desde que exista um terreno disponível, é extremamente mais factível, por sua rapidez e custo, do que vender uma moradia e construir ou comprar outra, fato importante quando se tem em conta que cerca da quarta parte dos trabalhadores da Capital não permanecem no emprego por p or pe perío ríodo do supe su peri rior or a um a n o . 21 Tal fenômeno pode ser extremamente útil para determinadas atividades econômicas. Dentro da cidade, a poss po ssibi ibilid lidad adee de maior ma ior loco lo com m oç oção ão reside res idenci ncial al serviría serv iría par p araa seguir segu ir os camin cam inho hoss itine iti nera rant ntes es da co conn stru st ruçã çãoo civil. civil. No N o âmbi âm bito to mais mai s geral da econ ec onom omia, ia, serviría serv iría como com o mão 19 R elató rio Prelimin ar do Cadastr Cad astroo de Favelas de 1974/1975, Secretaria Secretar ia do Bem Bem Estar Social, Departamento de Habitação e Trabalho, mimeo. s/d. 20 TASCHER, Suzana Pasternack Favelas do Município de São Paulo: Resultados de Pesquisa. Comunicação apresentada na 28? Reunião da Sociedade Brasileira par p araa o Progr Pro gresso esso d a Ciênc Ci ência, ia, Brasíli Bra sília, a, 1976, p. 15. implicações do do aluguel aluguel,, op. cit. cit. Para a mão 21 GO DÍN HO , Marta Therezinha As implicações deobra que ganha até 2 salários salários mínimos m ensais a rotatividade anual é de 31%. 31%.
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deobra flutuante, constante e periodicamente atraída e expulsa pelos surtos tanto urbanos como agrários, podendo se deslocar mais facilmente em função fun ção das necessinecessidades do processo de acumulação, pois está de certa forma desatada de um local de residência. Desta forma, enquanto caso exemplar de mãodeobra que se apresenta como “ paupar pau paratod atodaob aobra” ra” , o favelado favelado pode facil facilment mentee preenc pre encher her as necessidades n ecessidades mais imedi im ediata atass da engrenagem engre nagem prod pr odut utiva iva que na cidade cida de e no campo, cam po, freqüen freq üentem temente ente,, precisa precis a mobili mo bilizar zar de man m aneir eiraa rápid ráp idaa conting con tingente entess pon p onde deráveis de força de trabalho nãoqualificada. Como é óbvio, a favela significa uma condição de vida extremamente precária. Em São Paulo, elas estão localizadas, freqüentemente, em áreas de litígio, fundos de quintais, nas faixas marginais de vias e córregos, em terrenos ou construções temporariamente abandonados, áreas, enfim, que ainda não se destinaram para um uso coletivo ou não adquiriram um valor suficientemente rentável para serem comercializadas. Cerca de dois terços dos aglomerados estão situados em terrenos em que são freqüentes inundações ou que apresentam grande de clividade, onde os barracos estão sujeitos ao risco de desabamento. Em 66% dos casos, não possuem iluminação pública. púb lica. 98% 98% dos do s barra ba rraco coss não estão estã o ligados lig ados à rede red e de esgoto nem possuem fossa séptica, 80% são desprovidos de água encanada e em igual proporção o lixo é jogado ao “ ar livre” . Por Po r estes estes dados, é fácil fácil perceber o alto teor te or de contaminação ambiental imperante nas favelas e as con seqüências seqüências sobre a saúde de seus seus n lora lo rad d o res. re s.2 22 Por outro lado, os barracos revelam alarmantes pa22 Conforme: E studos sobre o Fenômeno Favela, op. cit , pp. 38, 59 e 60. Tais dados contrasta m com os existente existentess para o conjun to do M unicípio que, não obstan te ter taxas bastante precárias, ainda assim são bastante melhores do que os existentes nas favelas. Contudo, em certas regiões periféricas da cidade a porcentagem de domicílios desprovidos de infraestrutura assemelhase à imperante nas favelas. Em São Miguel, Ermelino Matarazzo, Itaquera, Guaianazes e PerúsPiritu ba, ba , onde on de mo ram 14% 14% dos do s ha bita bi tant ntes es do M unicíp uni cípio, io, 95% dos d os dom icílios icí lios não nã o est ão conectados à rede de esgotos e 70% não estão ligados à de água. Fonte: Orçamento 1976, Prefeitura do Município de São Paulo.
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drões de habitabilidade, pois em 95% dos casos sua área é de até 2 m 2por morador. Impera também alto grau de prom pr omis iscu cuid idad ade, e, post po sto o que a m etad et adee dos b a rra rr a cos co s não nã o possui poss ui pare pa rede dess inte in tern rnas as e dois quin qu into toss apre ap rese sent ntam am uma média sempre superior a 4 pessoas por cômodo. Ademais, as paredes externas de 93% dos barracos são confeccionadas de madeira usada, 46% apresentampisos sem revestimento e 26% das coberturas são feitas de materiais teriais inadequados, inadequa dos, propiciando propic iando a infiltração de ág u a .23 A precariedade das condições de vida, por si só, já torna temerário classificar o favelado como um cidadão urbano. Mas não é somente sob este aspecto que a cidadania, entendida como um rói mínimo e imprescindível de direitos, está ausente. Se para o morador urbano existe a possibilidade de tentar tent ar formas de organização que vise visem m impedir a expulexpulsão dos locais onde habitam ou de pressionar os centros decisorios a fim de obter, para seus bairros, a melhoria dos serviços coletivos, para o favelado até o exercício deste aspecto mínimo de cidadania está comprometido. A condição de morador urbano, se não significa o acesso a determinados bens, abre, pelo menos em princí pio, o cam ca m inho inh o p ara ar a reivin rei vindic dicar ar sua obte ob tenç nção ão.. Este pare pa rece ser o sentido dos movimentos populares organizados em torno de moradores, que através de associações de várias ordens e matizes procuram obter certas melhorias consideradas indispensáveis. Não resta dúvida que o fornecimento de benefícios urbanos em São Paulo tem ocorrido de maneira extremamente defasada em relação às necessidades mínimas da população, e nada indica que, que, num horizonte medianamente próximo, haverá h averá uma substancial substancial alteração no destino dos investimentos públicos. Mesmo em épocas em que as reivindicações populares tinham maiores possibilidades de expressão, quando a dinâmica política precisava levar em consideração as “aspirações do povo”, as conquistas efetivamente conse 23 Conforme: Estudo sobre o Fenômeno Favela, op. cit., cit., pp. 53, 55, 56 e 57. 90
guidas, tanto no âmbito do trabalho como no contexto da moradia, foram bastante tênues. Contudo, exatamente porque os benefícios obtidos foram insignificantes, e porq po rque ue a sobrevi sobr evivênc vência ia dos do s trab tr abal alha hado dore ress está est á cada ca da vez vez mais atrelada aos serviços de caráter coletivo, as reivindicações em torno das melhorias urbanas aparecem como uma fonte latente ou manifesta de pressões onde se condensa a possibilidade de exercício de uma cidadania que, por mais mitigada que seja, coloca em questão certos direitos mínimos da condição urbana de existência. Ao contrário, o fato de ser favelado tem desqualificado o indivíduo da condição de habitante urbano, pois retiralhe a possibilidade de exercício de uma defesa que se processa em torno da questão da moradia. Ocupante de terra alheia, o favelado passa a ser ser definido por sua situação de ilegalidade, e sobre ele desaba o império draconiano dos direitos fundamentais da sociedade, centrados na propriedade privada, cuja contrapartida necessária é a anulação de suas prerrogativas enquanto morador. Assim, nem neste aspecto mínimo o favelado tem aparecido enquanto cidadão urbano, surgindo, aos olhos da sociedade, como um usurpador que pode ser destituído sem a possibilidade de defesa, pois contra ele paira o reino da legalidade em que se acenta o direito de expulsá lo. Tal tem sido a situação do caso paulistano, onde só excepcionalmente os favelados conseguiram receber melhorias lhorias urbanas e jamais conquistaram , a partir pa rtir da posse, posse, a propriedade dos terrenos, o que não significa que sua capacidade de luta possa emergir num futuro próximo em torno da defesa e conquista de Benefícios urbanos. De toda forma, a política governamental que congelou o crescimento das favelas, procurando impedir o surgimento de novos núcleos e o adensamento dos já existentes, destruindo muitos aglomerados e permitindo que o proprietário privado o fizesse impunemente, criou entre os favelados uma “consciência de proibição”: é a condição de estar numa situação ilegal de moradia que signifi significa ca a eventualidad eve ntualidadee sempre presente de ser ser obrigado 91
a abandonar a favela de urn momento para outro. Face a esta contingência, o favelado tende a perceberse no cenário urbano de São Paulo como uma pessoa sem direitos e sem formas de organização para obtêlos. A condição de favelado representa uma vulnerabilidade que o atinge não apenas enquanto morador: atinge o também no cerne dos direitos civis, pois mais fácil e frequentemente pode ser confundido com “malançfros” ou “maloqueiros” que constituem objeto especial da ação policial. E muitos são confundidos, o que faz com que, mesmo aqueles que não tenham passado pela experiência, interiorizem a iminência do perigo. Foco de batidas policiais, policiais, a favela favela é também tamb ém estigmatizada estigmatizad a pelos ha bita bi tant ntes es “ bem c o m p o rta rt a d o s” como co mo a n tro tr o de deso de sord rdem em que destoa da paisagem dos bairros melhor providos, preci pre cisan sando do ser remov rem ovid idaa p a ra que a tra t ran n q ü ilid il idaa d e volte vol te a reinar no quotidiano das famílias que se sentem contaminadas pelo perigo da proximidade dos barracos. Por todos esses fatores, a favela é percebida como um atestado potencial de má conduta. Ao contrário do que muitos pensam, ela não concentra uma população com características de lumpen. Lá existem mendigos, pro pr o stit st itu u tas ta s ou delin de linqü qüen entes tes,, mas como co mo em qual qu alqu quer er o u tro bairro pobre da cidade, impera o trabalhador assalariado ou autônomo que leva adiante á engrenagem produtiva. Até mesmo nas relações de trabalho o favelado é estigmatizado. Não raro, as empresas deixam de empregar um indivíduo pelo fato de morar numa favela, e em certos períodos da presente década algumas chegavam mesmo a ostentar placas que evidenciavam semelhante forma de discriminação. Nas residências das classes mais abastadas é comum não aceitar ou até mesmo despedir uma empregada doméstica quando a patroa descobre a origem domiciliar daquela que convive nos quartos dos fundos das moradias burguesas. Sem sombra de dúvida, o padrão de moradia reflete todo um complexo processo de segregação e discriminação presente numa sociedade plena de contrastes acirra
dos. De uma forma mais ou menos acentuada, este processo perpassa todos os patamares da pirámide social em que os mais ricos procuram se diferenciar e se distanciar dos mais pobres. Mas a favela recebe de todos os outros moradores da cidade um estigma extremamente forte, forjador de uma imagem que condensa os males de urna pobr po breza eza que, p or ser excessiva, é tid t idaa como com o viciosa e, no no mais das vezes, também considerada perigosa: “a cidade olha a favela como uma realidade patológica, uma doença, ça, uma praga, um quisto, uma calamidade pública” . 24 Não N ão obst ob stan ante te as múlti mú ltipla plass form fo rmas as de contr co ntrol olee que visam impedir a favelização, é sempre possível burlar a vigilância e construir um barraco no meio dos núcleos já existentes ou em áreas ainda não congeladas, pois, de pend pe nden endo do do seu tam ta m an h o inicial inicia l e do núm nú m ero de pessoas que participam de sua confecção, é viável montálo até em um dia. Malgrado a pressão e repressão, a remoção e expulsão, o número de favelados tem crescido num ritmo bastante rápido, o que leva a indagar sobre o destino deste crescente número de pessoas. A primeira explicação que desponta é que a favela seria um estágio temporário no perc pe rcur urso so do migr mi gran ante, te, uma um a espécie de perío pe ríodo do de p o u panç pa nçaa forç fo rçad adaa que qu e lhe perm pe rmiti itirí ríaa tro tr o car ca r o b a rra rr a co p o r uma habitação h abitação de melhores condições. condições. Nesta concepção, a favela seria uma espécie de “trampolim” pelo qual os recémchegados recémchegados à cidade, após certo tempo, temp o, penetrariam em patamares caracterizados pelo usufruto de níveis de consumo superiores, inclusive uma moradia com padrões mais mais elevados de habitabilidade. habitabilidad e. ^ Se é verdade que a maioria dos que moram mora m nas favefavelas são migrantes, não se pode afirmar que elas constituam um estágio provisório na vida daqueles que habitam os barracos. Tanto é assim que 53% dos favelados chefes de família residem na Capital há mais de 5 anos e 37% aqui estão por um* período superior a ur .a década, 24 PARISS E, L. Las Favelas Favelas en la Expansión Expansión Urb ana de Rio de Janeiro: Estudio Geográfico, América Latina , ano 12, n? 3, Jul/set. 1969, p. 16.
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enquanto enq uanto apenas apena s 12% 12% estão há menos de de 1 ano no M unicí nicípi pio. o. 25 Para muitos a favela tornase uma condição constantemente prolongada, e nada indica que sirva enquanto uma poupança prévia, necessária a um movimento as censional na busca de benefícios sócioeconômicos. Ao contrário, para razoável contingente, a faVelização é um expediente necessário para sobreviver na cidade e, muitas vezes, o resultado de uma trajetória onde já houve melhores níveis de vida:... “41% de favelados migrantes... usufruíram de situação diversa da atual durante algum tempo e chegaram a favela por um processo de fíl tração descendente” . 26 Na realidade, a crescente crescente faveliza favelização ção que se operou no Município de São Paulo nada mais é do que um dos resultados do acirramento da exploração do trabalho que só pode po de levar leva r a um crescente cresc ente grau gr au de espoliaç espo liação^n ão^nos os níveis de consumo do habitante urbano. Num quadro em que os salários tornamse cada vez mais espremidos para cobrir os gastos básicos entre os quais os referentes à moradia a favela pode aparecer como única alternativa para aqueles que querem permanecer na cidade. Quer po p o rque rq ue os aluguéis alugu éis torn to rnam ams see incom inc ompa patív tívei eiss em face do minguado orçamento de consumo de muitos trabalhadores, quer porque a compra de terreno e a construção da casa própria sejam onerosos e impliquem também re. gularidade nos ganhos da família que ingressou neste longo e tortuoso processo de aquisição, qualquer “crise” que ocorra pode significar a perda da possibilidade de canalizar recursos nos gastos com habitação. Esta “crise” se” doença, doença, acidente no trabalho traba lho ou desemprego desemprego , frefrequente no quotidiano da mãodeobra que se desgasta no processo produtivo, constitui uma das fontes de fa
25 Conforme: Estudos sobre o Fenôme Fenômeno no Favel Favela, a, op. op. cit., p. 111. 26 TASCHÊR, Suzana Pasternack Favelas no Município de São Paulo: Resultados de Pesquisa, op. cit., p. 12.
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velização, pois muitas vezes representa, para as famílias de poucos salários mínimos, a impossibilidade de continuar pagando as dívidas ou aluguéis imperantes no mercado imobiliário. É claro que a favela recebe também o recém chegado à cidade e que uma parcela dos que moram em barra ba rraco coss po pode derá rá con conseg seguir, uir, com a po poup upan ança ça que ela rere presen pre senta, ta, as co condiç ndições ões econôm eco nômica icass p a ra ingres ing ressar sar em ou outra situação habitacional de características menos precárias. Mas nada indica que este processo de “conquista da cidade” seja preponderante entre os favelados. Ao contrário, os dados disponíveis levam a afirmar que esta passagem passa gem frequ fre quen entem temen ente te nã nãoo oc ocorr orre, e, po pois is ap apen enas as 5,4%' das famílias faveladas possuem um terreno na região da Grande São Paulo, dos quais 4,7% ainda em fase de pagamento, sendo frequente, devi devido do às às mencionadas menc ionadas “cri“c rises” que imperam no quotidiano de suas vidas, a descon tinuidade das amortizações e a conseqüente perda da pro p ropp rie ri e d a d e .27 A saída da favela não é um processo de fácil efetivação. As observações realizadas indicam que, basicamente, ela ocorre quando da existência de duas eventualidades. Em primeiro lugar, quando há apoio externo, ex presso na existência existê ncia de pa paren rente tess qu quee ch cham amam am os favelafave lados para residirem conjuntamente ou ajudarem na construção ou aluguel aluguel de uma moradia. morad ia. A segunda eventualidade pode ocorrer na época da remoção, quando a Prefeitura auxilia os favelados que têm terreno, dandolhes materiais ou dinheiro para que dêem início à construção da casa própria. Mas estes processos requerem um mínimo de recursos que na maioria dos casos não se encontra disponível, haja vista que a renda familiar média nos aglomerados paul pa ulist istan anos os atinge atin ge o irrisó irr isório rio m o n tant ta ntee de 1.2 salári sal árioo 27 Conforjne: Estudos sobre o Fenômeno Favela no Município de São Paulo, op. op. cit., p. 61.
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mínimo mínimo men m ensal sal.2 .28 Desta forma, forma, um restri restrito to número, através do dispêndio físico nas horas extras e da ajuda de parentes e amigos consegue a poupança necessária para pa ra a aq aquis uisiçã içãoo de um terre te rreno no,, geralm ger almen ente te situ si tuad adoo nas extremas “periferias” da Metrópole, e para dar início ao lento e arriscado processo de construção de uma casa. Se esta é a aspiração da maioria dos favelados, eles sabem, por po r ou outr troo lado, lad o, que em São Paulo Pau lo este son s onho ho dificilm difi cilmenente se concretizará, a não ser que Deus, o Governo ou a Loteria, entidades com poderes igualmente míticos, revertam o destino de sua trajetória sem futuro. À semelhança com o que ocorre com o conjunto dos trabalhadores nãoqualificados, para o favelado também existem crescentes dificuldades em obter emprego conforme a idade avança, pois 30% dos chefes de família com mais de 55 anos encontramse desempregados e a metade das pessoas desta faixa etária não desenvolve qualquer atividade remunerada. Assim, não parece ser difícil assinalar a trajetória deste componente ainda mais subremunerado da classe trabalhadora. Parte diminuta destes, depois de muitos “exercícios”, realiza o salto para pa ra melhor me lhores es condições condiç ões de vida. M as, p a ra a maio m aioria ria,, a favela não é um “trampolim”, pois não conduz a parte alguma da cidade. Dadas suas condições socioeconómicas, sua força de trabalho desgastase precocemente nos processos produtivos, tornandose facilmente desnecessária em face da abundância de energia jovem constantemente produzida na cidade. Assim, em muitos 28 Vale a pena apon tar que mesmo no caso de programas hab itacionais subsidiados pelo pe lo G over ov erno no,, a exp experi eriên ência cia real re aliz izad adaa no R io m os tro u que qu e a rend re nd a dos favelad fave lados os removidos para os conjuntos habitacionais era na imensa maioria dos casos incompatível com a amortização das prestações: “Se bem que o preço das habitações ções oferecidas pela COHAB se houvesse houvesse revelado revelado inferior ao do me rcado de aluguéis guéis da cidade, cidade, a realidade era que, para muitos novos residentes em especial especial pa ra aqueles aque les oriun ori undo doss de favela favel a o preç p reçoo a pag p agar ar era er a supe su perio rio r às suas su as poss po ssibi ibilid lidaades”. VALLADARES, Licia do Prado Passa-se uma Casa, op. cil. p. 74. Vale a pena também ressaltar que na trajetória dos favelados removidos era freqüente o retorno à favela: “Se inexistem dados precisos que permitem dimensionar o peso de c ada ad a um dos desti de stinos nos tom to m ados ad os,, a ten dênc dê ncia ia p redo re dom m inan in ante te,, a par p arti tirr de entrevistas e informações indiretas, foi a volta à favela”. Idem, p. 80.
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casos casos,, ao invés invés do “tra “ tram m polim po lim”” , há o declínio declínio que torna tor na cada vez mais difícil sua sobrevivência na cidade. Por ser uma mãodeobra que só tem a energia física para oferecer no mercado de trabalho, o sistema que ajudou a construir tornaa supérflua fazendo com que ingresse no rol dos milhares de desempregados e subempregados que em boa medida nem constituem mais uma reserva de trabalho. Neste aspecto, é necessário frisar que, à diferença dos países capitalistas plenamente desenvolvidos, onde o exército industrial de reserva é mantido pelo Estado através de aposentadorias, pensões ou seguros de desemprego, no Brasil é a própria classe trabalhadora que, além de manterse com rendimentos crescentemente deprimidos, tem a seu encargo tanto o reservatório de mãodeobra como o contingente que não tem mais muitas veze vezess até precocement preco cementee a energia física física e m ental para se vender no mercado de trabalho. O fato de acharemse excluídos dos processos produtivos e, até, em muitos casos, a impossibilidade de continuar sobrevivendo na cidade, atinge significativamente parcela da mãodeobra de baixa qualificação profissi prof issional onal.. ^ Não poderia ser diferente num sistema que transforma os homens em mercadoria para o capital, aviltando brutalmente o valor de venda de sua força de trabalho. Pobre dentre os pobres, os favelados camada superespoliada da da clas classe se traba tra balha lhado dora ra estão estão particuparticu larmente sujeitos aos usos e abusos de um sistema cujo crescimento tem se realizado através da exclusão daqueles que constroem as riquezas que não são suas.
29 Digno de nota, neste particular, é que só através do SETR EM , órgão oficial oficial de triagem e encaminh amen to de migrantes, cerca cerca de 3.000 3.000 pessoas pessoas são mensalmente remetidas para fora da Região da Grande São Paulo. Conforme: H1LLAS, Ro bert be rto o A D u ra Viagem Viag em no Trem Tre m dos D ester es ter rado ra do s, Isto é, n? 65, 1978, pj). 58 a 61. 61. Cálculos oficiosos oficiosos indicam que, somandose este contingente àqueles que voltam por iniciativa própria, haveria cerca de 100.000 pessoas que anualmente saem da Grande São Paulo, muitos dos quais em condições sócioeconômicas que classicamente classicamente foram designadas de “asilo do exército industrial de reserva” reserva” .
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Usos e a b u so s: refl reflexões exõ es sobre as metam m etamorf orfoses oses do d o trabalho abalho
A análise aqui desenvolvida baseiase numa pesquisa que estudou em profundidade algumas famílias em duas favelas de São Paulo: “Cidade Jardim” e “Jardim Panoram Pano rama” a” . É claro claro que não se pode generalizar generalizar a partir de alguns poucos casos. Mas é possível discutir a partir deles alguns problemas teóricos mais amplos. As análises que se seguem, tendo em conta as histórias de vida, constituem uma reflexão acerca das transformações por que passa pa ssa a força fo rça de trab tr abaa lho lh o braç br açal al n a sua tra tr a jetó je tóri riaa do campo para a Metrópole, em que, muitas vezes, existem experiências de trabalho em cidades de pequeno e médio por p orte te.. O esforç esf orçoo está est á em rela re laci cion onar ar o m un undo do qu quot otid idia iano no de umas poucas famílias a processos.de caráter global que forjam e dão sentido à sua realidade quotidiana. Isto é, procurouse detectar... “as características estruturais significativas da sociedade da qual... (estas) pobres vítimas são são os prisioneir prisioneiros” os” . 1 As famílias estudadas têm um passado rural. Vieram para São Paulo, através de migração direta ou paulatina, premidas pela extorsão imperante nas relações de trabalho do campo ou pelas condições préur.banas de existência onde é freqüente o desemprego. Todos começaram a trabalhar, geralmente na roça, na pequena prox 1 SILBERSTEIN, Paul Favela Livi Living ng:: Personal Solution Solution to Larger Problems Problems.. América Latin a , v. 12(3) julset. 1969, p. 184.
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prie pr ieda dade de da famíli fam íliaa ou nas de outr ou trem em,, entre en tre 8 e 10 anos, an os, inclusive as mulheres, que dividiam o trabalho doméstico com a lavoura. Para elas, o aprendizado anterior à chegada a São Paulo foi basicamente este. Neste sentido, a mudança pa p a ra a cid c idad adee levou levo u a uma um a m aior ai or dedi de dica caçã ção o das mulhe mu lheres res ao trabalho doméstico, seja ele remunerado ou não. De parti pa rtici cipa pant ntes es em um tra tr a b a lho lh o coop co oper erat ativ ivo o famili fam iliar ar,, real re aliizado nas roças de subsistência das pequenas propriedades ou nas “tarefas” das fazendas de agricultura comercial, as mulheres, ao se urbanizarem, também limitam seu campo de atividades ao cuidado da casa e dos filhos, ou se se transform trans formam am em empregadas domésticas. domésticas. Na p rátirá tica há poucas opções profissionais. A migração interna alimenta um grande exército de reserva masculino, o que faz com que a mulher, enquanto força de trabalho bra çal, tenha pequena possibilidade de ingressar na estrutura produtiva urbana em ocupações outras que as que circundam o espectro dos serviços domésticos.: O trabalho feminino remunerado na Metrópole é utilizado pelas camadas de renda média e alta ou pelos pró pr ó prio pr ioss m orad or ador ores es das favelas e trab tr abaa lha lh a d o res re s que vivem nas suas redondezas. Antes de chegar a São Paulo, o trabalho destas mulheres era realizado na maior parte das vezes com os familiares, inicialmente com os pais e post po ster erio iorm rmen ente te com o m arid ar ido. o. No cam ca m inho in ho para pa ra a gra g ran nde cidade, muitas passam por cidades menores, onde fazem suas primeirâs tentativas de integração à economia urbana. Nestes estágios de seu roteiro migratório, tentam'uma primeira adaptação às novas situações de tra balho ba lho,, mas as opo op o rtu rt u n ida id a d es de tra tr a b a lho lh o assa as sala lari riad ado o 2 24°u do total da mãod eobra empregada nas favelas favelas de São Paulo canaliza canalizase se para pa ra os emprego emp regoss doméstic dom ésticos os e 30°„ 30°„ da popu po pulaç lação ão favelada favela da desemp dese mpenh enhaa apenas apen as Bolet etim im HABI. ABI. op. a i , atividades ligadas ligadas às "prendas "prend as domésticas” . Conforme: Bol p. 104. 104. Por ou tro lado, lado , 30u„ 30u„ do contin co ntingen gente te de mulheres mulh eres de 10 anos ano s e maisresi maisresi dentes na Gra nde São Paulo trabalh am , das quais 35“0 35“0 no ramo de "pre stação de serviços", onde predomin predominamos amos empregadas domésticas. Ademais, quase a metade das mulheres residentes na Região executa, unicam ente, afa/ere afa /eress domésticos não remunerados. Fonte: PNAD, op. cit. 1972.