WILLIAM JAMES O Eu Escondido Tradução: Marcos de Aguiar Villas-Bôas
Palavras iniciais do tradutor: toda tradução é uma interpretação e requer ajustes para que se torne compreensível pelo auditório a que se destina. O texto, ao que parece traduzido para o português pela primeira vez, data de 1890 (ver texto original, em: ) e o seu autor é um dos maiores gênios dos últimos séculos, o que ressalta a sua relevância. O tradutor buscou respeitar muito mais a substância do que a forma, tendo procurado transmitir de modo claro e simples o que o autor parecia querer significar em forma mais rebuscada e com recursos da época, como o uso de parágrafos muito extensos, os quais foram subdivididos a critério do tradutor. William James, juntamente com Charles Peirce e outros, foi o criador da poderosa corrente filosófica chamada de Pragmatismo (Americano). Diz-se que, pelo fato de Peirce, aquele que deu nome e primeiras bases ao Pragmatismo, ter sido alguém pouco sociável, coube a James a divulgação dessa corrente pelo mundo. Peirce, James, Oliver Wendell Holmes Jr. e outros foram membros do Clube Metafísico (The Metaphysical Club), um grupo de estudiosos constituído e destitutído por eles em Harvard, no ano de 1872, cujas discussões ajudaram a desenvolver o Pragmatismo. James foi o primeiro professor de um curso de Psicologia nos Estados Unidos e é amplamente conhecido como um pioneiro dessa ciência naquele país e, até mesmo, no mundo. O texto é histórico e genial. James analisa inicialmente a relação entre ciência e misticismo para depois mergulhar num estudo realizado à época por outro pioneiro da Psicologia: o francês Pierre Janet. Pela época em que foi escrito, a sua profundidade em termos de visão acerca do que é ciência, dos seus furos, pontos cegos e de como fazê-la avançar é digna de grande admiração, sendo as ideias atuais ainda hoje, 126 anos depois.
Primeira Parte “O grande campo para novas descobertas”, disse um amigo da ciência para mim outro dia, “é sempre o resíduo não identificado”. Ao redor dos fatos ordenados e acreditados de toda ciência, sempre flutua um tipo de nuvem de poeira de observações excepcionais, de ocorrências minuciosas e irregulares, e raramente encontradas, que sempre se provam mais fáceis de atender do que de ignorar. A ideia de toda ciência é a de um sistema fechado e completo de verdade. O charme da maioria das ciências, para os seus mais passivos discípulos, consiste na sua aparência, de fato, de vestir apenas essa forma ideal. Cada uma das nossas várias “logias” parece oferecer um definido tronco de classificação para cada fenômeno possível que ela professa cobrir; e, tão menos livre seja o luxo da maioria dos homens, quando um esquema organizado e consistente desse tipo tenha sido compreendido e assimilado, um esquema diferente é inimaginável. Nenhuma alternativa, seja no todo, seja nas partes, poderá ser concebida. Fenômenos não identificados no sistema são, portanto, absurdos paradoxais e devem ser considerados falsos. Quando, ademais, como frequentemente acontece, as menções a eles são vagas e indiretas, quando eles vêm como meras maravilhas e excentricidades, ao invés de coisas sérias, elas são negligenciadas ou negadas com a melhor das consciências científicas. Somente os nascidos gênios deixam-se estar preocupados e fascinados por essas excelentes exceções e não têm paz até que elas sejam trazidas a consideração. Galileus, Galvanis, Fresnels, Purkinjes e Darwins estão sempre sendo confundidos e intrigados por coisas insignificantes. Renovará a sua ciência aquele que constantemente procurar o fenômeno irregular. E, quando a ciência é renovada, as suas novas fórmulas frequentemente têm nelas mais da voz das exceções do que se esperava ter das regras. Nenhuma parte do resíduo desconhecido tem usualmente sido tratada com mais desrespeitosa negligência científica do que a massa de fenômenos chamada de místicos. A Fisiologia não terá nada a ver com eles. A Psicologia Ortodoxa vira as suas costas para eles. A Medicina os varre para fora, ou, no máximo, numa veia anedótica, registra alguns deles como “efeitos da imaginação”, uma frase de mera dispensa, cujo sentido, nessa linha, é impossível de tornar preciso. A todo o tempo, entretanto, os fenômenos estão lá permanecendo difundidos sobre a superfície da história. Não importa onde você abra as suas páginas, você encontra coisas
registradas sob o nome de divinações, inspirações, possessões demoníacas, aparições, transes, êxtases, curas miraculosas e produções de doenças, e poderes ocultos possuídos por indivíduos peculiares sobre pessoas e coisas da sua vizinhança. Nós supomos que a mediunidade se originou em Rochester, Nova Iorque, e o magnetismo animal, com Mesmer; mas, uma vez que se olhe para trás nas páginas da história oficial, em memórias pessoais, documentos legais, narrativas populares e livros de anedota, e você encontrará que nunca houve um tempo no qual essas coisas não foram relatadas tão abundantemente como agora. Nós, aristocratas criados em faculdades, que seguimos a linha da cultura cosmopolita exclusivamente, não raro nos deparamos com algum jornal antigo ou algum volumoso autor nativo, cujos nomes nunca são ouvidos em nosso círculo, mas que enumeram seus leitores pelo quarto de milhão. Sempre nos dá um pequeno choque encontrar essa massa de seres humanos não somente vivendo e nos ignorando, e todos os nossos deuses, mas realmente lendo, escrevendo e cogitando sem nunca pensar em nossos cânones, padrões e autoridades. Bem, um público não menor mantém e transmite de geração para geração as tradições e práticas do oculto, mas a ciência acadêmica se preocupa tão pouco com essas crenças e opiniões quanto você, gentil leitor dessa revista, se preocupa com os leitores da Waverley and the Fireside Companion. A nenhum tipo de mente é dado discernir a totalidade da verdade. Algo escapa ao melhor de nós, não acidentalmente, mas sistematicamente, e porque nós temos uma reviravolta. A mente acadêmico-científica e a mente místico-feminina evitam os fatos uma da outra, assim como elas voam para longe do temperamento e do espírito uma da outra. Os fatos estão lá apenas para aqueles que têm uma afinidade mental com eles. Uma vez que eles estão apurados e admitidos, as mentes críticas e acadêmicas são, de longe, as mais preparadas para interpretá-los e discuti-los – para certamente passarem de místicos para especulações científicas é como passar de lunático a são. Mas, por outro lado, se há algo que a história humana demonstra, é a extrema lentidão com a qual o acadêmico comum e a mente crítica toma conhecimento de fatos como existentes que se apresentam a eles como fatos selvagens sem espaço ou cabimento, ou como fatos que ameaçam romper com o sistema aceito. Em Psicologia, Fisiologia e Medicina, seja lá onde for o debate entre os místicos e os cientistas que tenha sido decidido de uma vez por todas, foram os místicos que usualmente se mostraram certos acerca dos fatos, enquanto que os cientistas tiraram o melhor deles em relação a suas teorias.
O mais recente e flagrante exemplo disso é o “magnetismo animal”, cujos fatos foram fortemente desprezados como um pacote de mentiras pela academia de ciência médica mundo afora até que a teoria não-mística de “sugestão hipnótica” foi encontrada por eles, quando os fatos passaram a ser admitidos tão excessivamente e perigosamente comuns que leis penais especiais, realmente, tiveram que ser passadas para evitar que pessoas sem diplomas de Medicina pudessem tomar parte em sua produção. O mesmo aconteceu com estigmatizações, invulnerabilidades, curas instantâneas, discursos inspirados e possessões demoníacas, registros os quais foram arquivados em nossas bibliotecas até ontem como “Superstições”, agora, sobre o neorepaginado título de “Casos de Histero-Eplipesia”, são republicados, reobservados e relatados com uma crédula avidez. Repugnante como o estilo místico de filosofar pode ser (especialmente, quando autocomplacente), não há qualquer tipo de dúvida de que ele segue com um brinde de encontro a algum tipo de experiência fenomenal. O Autor foi forçado nos últimos anos a aceitar isso, e ele agora acredita que ele – quem irá prestar atenção aos fatos que se atrevam à mística, ao mesmo tempo em que reflita sobre eles por meio científico-acadêmicos – estará na melhor posição possível para ajudar a filosofia. É uma circunstância de bom prognóstico, que mentes cientificamente treinadas em todos os países pareçam estar sendo levados à mesma conclusão. Aqui e agora é esse o caso mais do que na França. A França sempre foi a casa do estudo do caráter. A literatura francesa é um longo e delicado comentário sobre as variações das quais a natureza humana é capaz. Parece fazer sentido, portanto, que, onde a minudente e crente observação de peculiaridades pessoais anormais é a ordem do dia, a ciência francesa deveria tomar a dianteira. O trabalho feito em Paris e em Nanci sobre o transe hipnótico é bem conhecido. Considerado qualquer montante de imperfeição, ainda assim a coisa essencial remanesce, que aqui nós temos uma massa de fenômenos, até então “foras da lei”, trazidos dentro da tábua de investigação sóbria – o resto é apenas uma questão de tempo. Segunda Parte
No último verão, apareceram registros em Havre de observações feitas pelo Sr. Pierre Janet, professor de filosofia na faculdade daquela cidade, sobre certos sonambulismos histéricos, publicados num volume de 500 páginas intitulado “Do Automatismo Psicológico” (Paris, Alcan), que, servindo como a tese do autor para o Doutorado em Ciência em Paris, provocou certa comoção no mundo ao qual essas coisas pertencem. A nova luz que esse livro lança sobre algo que foi vagamente conhecido como vida mental inconsciente parece tão importante que eu proponho entreter os leitores da Scribner’s dando alguma conta do seu conteúdo, como um exemplo do tipo de “pesquisa psíquica” que um homem astuto, com boas oportunidades, pode agora atingir.
O trabalho se apoia em fatos e é deficiente na forma. O autor objetiva, além do mais, generalizar apenas aonde os fenômenos os forçam que assim o faça, e afirmações abstratas sejam mais imbricadas, como se fossem intersticiais mais do que nas performances gaulesas. Na mente do Sr. Janet, há um sabor inglês desse tipo que é prazeroso encontrar em alguém que é, por outro lado, francês. Eu devo citar também algumas das citações do Sr. Binet, o mais engenhoso e original membro da Escola Salpêtrière, pois os dois senhores, trabalhando independentemente e com diferentes assuntos, chegam a conclusões que estão surpreendentemente em acordo entre si. Ambos podem ser chamados contribuintes para a ciência comparada do estado de transe. Os “sujeitos” estudados por ambos são sofredores das formas mais graves de histeria, e ambos os autores, eu imagino, são consequentemente levados a exagerar a dependência das condições de transe desse tipo de doença. Os sujeitos do Sr. Janet, os quais ele chama de Léonie, Lucie, Rose, Marie, etc. eram pacientes no Hospital de Havre, sob os cuidados de médicos que eram amigos dele e que os permitiram fazer observações para o contentamento do seu coração. Um dos mais constantes sintomas em pessoas sofrendo de doença histérica nas suas formas extremas consiste em alterações da sensibilidade natural de várias partes e órgãos do corpo. Normalmente, a alteração é um tipo de imperfeição ou anestesia. Um ou ambos os olhos são cegos, ou cego de metade do campo de visão, ou este é extremamente contraído, de forma que suas margens aparecem escuras ou, ainda, o paciente perdeu seu total senso para cores. A audição, o paladar, o olfato podem similarmente desaparecer em parte ou totalmente. Ainda mais impactante é a anestesia cutânea. Os antigos caçadores de bruxas, procurando pelas “focas dos demônios”, bem aprenderam sobre a existência dessas partes insensíveis da pele das suas vítimas, para as quais o minudente exame físico da Medicina recente dedicou atenção novamente apenas mais tarde. Eles podem estar espalhados por qualquer lugar, mas estão muito aptos a afetar um lado do corpo. Não raramente, eles afetam um lado inteiro do corpo, da cabeça aos pés, e a pele insensível, vamos dizer, do lado esquerdo será então encontrada separada da pele naturalmente sensível da direita por uma perfeitamente bem definida linha de demarcação à frente e nas atrás. Algumas vezes, mais marcante de tudo, toda a pele, mãos, pés, rosto, tudo, e as membranas mucosas, músculos e articulações, até onde elas possam ser exploradas se tornam completamente insensíveis sem as outras funções vitais serem gravemente prejudicadas. Essas anestesias e hemianestesias, em todos os seus variados graus, formam o núcleo das observações e hipóteses do Sr. Janet. E, primeiro de tudo, ele tem uma hipótese sobre a anestesia ela mesma, que, como todas as hipóteses provisórias, podem prestar excelente serviço enquanto esperam o dia em que uma melhor tomará o seu lugar. O pecado original da mente histérica, ele acha, é as contrações do campo da consciência. A atenção não tem força suficiente para tomar no número normal de sensações ou ideias de uma vez. Se uma pessoa normal puder sentir dez coisas de uma vez, um histérico pode sentir no
máximo cinco. Nossas mentes são, todas elas, como vasos cheios de água e uma nova gota faz outra sair; somente a mente do histérico é sobrenaturalmente pequena. O poder de unificação e sintetização que o Ego exerce sobre os múltiplos fatos que são oferecidos a ele é insuficiente para fazer todo o seu trabalho e um hábito arraigado é formado de negligenciar ou supervalorizar determinadas porções de massa. Portanto, um olho será ignorado, um braço e uma mão, ou uma parte do corpo. E além da anestesia, histéricos são, com frequência, extremamente distraídos e incapazes de fazer duas coisas ao mesmo tempo. Quando conversando com você, eles esquecem todo o resto. Quando Lucie parava para conversar com alguém, ela deixava de ouvir qualquer outro. Você podia ficar atrás dela, gritar aos seus ouvidos, sem fazer ela se virar; ou mesmo ficar perante ela, mostrar a ela objetos, tocá-la etc. sem atrair sua atenção. Quando finalmente ela toma conta de você, ela acha que você acabou de voltar ao recinto e lhe cumprimenta de acordo. Esse esquecimento singular faz ela contar todos os seus segredos em voz alta, independente da presença de ouvintes inadequados. Esse campo mental contraído (ou estado de monoideísmo, como isso tem sido chamado) caracteriza também o estado hipnótico de pessoas normais, para que, nesse importante respeito, um histérico acordado é como uma pessoa normal em transe hipnótico. Ambos estão completamente perdidos na ideia presente deles, tendo seus redutivos e corretivos saído de visão. As anestesias da classe de pacientes de que estamos tratando podem ser feitas desaparecer mais ou menos completamente por vários processos estranhos. Foi descoberto recentemente que magnetos, pratos de metal, os eletrodos de uma bateria, colocados contra a pele, têm esse poder peculiar. E, quando um lado é aliviado nesse sentido, a anestesia é descoberta do outro lado, que, até ali, estava bem. Se esses efeitos estranhos de magnetos e metais se devem à sua direta ação fisiológica ou a um efeito prévio sobre a mente do paciente (“atenção esperada” ou “atenção”) é ainda uma questão suspensa. Um ainda melhor despertador de sensibilidade na maioria desses sujeitos é o estado hipnótico, que o Sr. Janet parece ter mais facilmente induzido por meio do ortodoxo método “magnético” de “passes” feitos sobre o rosto e o corpo. Foi fazendo esses passes que ele primeiro tropeçou sobre um dos mais curiosos fatos registrados no seu volume. Um dia, quando o sujeito chamado Lucie estava em estado hipnótico, ele fez passes sobre ela de novo por meia hora como se ela estivesse já “adormecida”. O resultado foi jogá-la em uma espécie de síncope da qual, depois de outra meia hora, ela reviveu uma segunda condição sonambúlica inteiramente diferente daquela que tinha a caracterizado até então – sensibilidades diferentes, uma memória diferente, uma pessoa diferente, resumidamente. No estado acordado, a pobre jovem mulher estava toda anestesiada, quase surda e com uma visão malmente contraída. Ruim como ela estava, todavia, a visão era o seu melhor sentido e ela a usou como um guia em todos os seus movimentos. Com os seus olhos enfaixados, ela ficava inteiramente desamparada e, como outras pessoas cujos casos semelhantes foram
registrados, ela quase imediatamente caiu no sono em consequência de lhe ser retirado o seu último estímulo sensorial. O Sr. Janet chama esse acordar ou estado primário (dificilmente, numa conexão como essa, alguém pode chamar isso de “normal”) pelo nome de Lucie 1. Em Lucie 2, o seu primeiro tipo de transe hipnótico, as anestesias haviam sido diminuídas, mas não removidas. No transe mais profundo “Lucie 3”, acontecido como descrito há pouco, nenhum traço de anestesia existia. A sensibilidade dela se tornou perfeita e, ao invés de ser um extremo exemplo do tipo “visual”, ela foi transformada no que, na terminologia do Prof. Charcot, é conhecido como um motor. Isso quer dizer que, ao passo em que, quando acordada, ela tinha pensado em termos visuais exclusivamente e podia imaginar as coisas apenas lembrando como elas pareciam, agora, nesse transe mais profundo, seus pensamentos e memórias pareciam largamente compostos de imagens de movimentos e toque – é claro que eu apresento aqui sumariamente o que aparece no livro como uma introdução de muitos fatos. Tendo descoberto esse transe mais profundo em Lucie, o Sr. Janet naturalmente ficou ansioso por encontrar isso em outros sujeitos. Ele o achou em Rose, Marie e em Léonie; e, melhor de tudo, o seu irmão, Dr. Jules Janet, que era um estagiário no Hospital Salpêtrière, encontrou isso no celebrado sujeito Witt...cujos transes tinham sido estudados por anos por muitos dos médicos da instituição sem nenhum deles ter conseguido despertar essa muito peculiar modificação da personalidade. Com o retorno de todas as sensibilidades no transe mais profundo, os sujeitos são transformados, como se assim fosse, em pessoas normais. As memórias deles, em particular, crescem em extensão; e aqui vem a primeira grande generalização teórica do Sr. Janet, que é essa: Quando um certo tipo de sensação é abolida num paciente histérico, também são abolidas com isso toda a coleção de sensações daquele mesmo tipo do passado. Se, por exemplo, a audição for o sentido anestésico, o paciente fica impossibilitado até mesmo de ouvir sons e vozes, e tem que falar, quando a fala ainda é possível, por meio de pistas motoras ou articulatórias. Se o senso motor for abolido, o paciente deve querer o movimento dos seus membros primeiro definindo-os para a sua mente em termos visuais e deve inervar a sua voz por ideias premonitórias do modo como as ideias irão soar. Os efeitos práticos dessa lei do Sr. Janet sobre as recordações do paciente seriam necessariamente grandes. Veja as coisas tocadas e seguradas, por exemplo, e movimentos corporais. Todas as memórias dessas coisas, todos os registros dessas experiências, sendo normalmente estocados em termos táteis, teriam que ser incontinentemente perdidos e esquecidos tão breve que a sensibilidade cutânea e muscular deveriam vir a desaparecer no curso da doença. As memórias deles viriam a ser restauradas, por outro lado, tão logo o senso de toque voltasse. As experiências, de novo, vivenciadas numa condição de toque anestésica (e armazenadas por consequência em termos visuais e auditivos exclusivamente) pode não ter contraído nenhuma “associação” com ideias táteis, de modo que essas ideias são, para o sertempo, esquecidas e praticamente não-existentes.
Se, contudo, as sensibilidades de toque forem alguma vez restauradas, e suas ideias e memórias com elas, pode facilmente acontecer que elas, com suas associações agrupadas, podem temporariamente manter fora da consciência coisas como a consciência e outras experiências acumuladas durante o período anestésico que não tem conexão com elas. Se o toque for o sentido dominante na infância, seria, portanto, explicado porque anestesiados histéricos, cujas sensibilidades táteis e memórias são trazidas novamente pelo transe, frequentemente assumem comportamento infantil e até se chamam por nomes de criança. Essa é, ao menos, uma sugestão do Sr. Janet para explicar um nada raro tipo de observação. Bourru e Burot descobriram, por exemplo, no seu extraordinário sonâmbulo masculino Louis V., que recordar por sugestão uma certa condição de sentimento corporal nele iria invariavelmente transportá-lo de volta para a época de sua vida na qual aquela condição havia prevalecido. Ele esquecia os últimos anos e retornava ao caráter e tipo de intelecto que o tinham caracterizado nos tempos antigos. A teoria do Sr. Janet provocará controvérsia e estimulará observação. É o que se deve pedir de qualquer teoria.
Terceira Parte
A minha própria impressão é que a lei de que as anestesias carregam “amnesias” com elas não aparecerá nitidamente em cada caso. O intrincamento do processo associativo e o fato de que, comparativamente, poucas experiências são armazenadas em uma forma apenas de sensibilidade já seriam suficientes para evitar isso. Ilustrações perfeitas da lei serão, por conseguinte, encontradas apenas em sujeitos privilegiados como o próprio Sr. Janet. Eles, de fato, parecem ter exemplificado isso maravilhosamente. O Sr. Janet diz: “Parece-me que, se eu tivesse que acordar em alguma manhã sem sentimentos musculares ou táteis, como Rose, eu poderia, de repente, perder meu senso de cor e não distinguir nada no mundo a não ser preto e branco. Eu deveria ficar aterrorizado e, instantaneamente, pedir ajuda. Essas mulheres, ao contrário, acham o seu estado tão natural que elas nunca nem reclamaram. Quando eu, depois de algumas tentativas, provei a Rose que ela não podia perceber nenhuma cor, eu a descobri ignorante sobre o fato. Quando eu mostrei a Lucie que ela não podia sentir nem dor, nem contato, ela respondeu: “Tanto melhor!”. Quando a deixei consciente de que ela nunca soube onde seus braços estavam até que os tivesse visto e que ela havia perdido as pernas quando na cama, ela respondeu: “É natural, contanto que eu não as veja; todo mundo é assim”. Em uma palavra, ser incapaz de comparar o estado de sensibilidade atual deles com um anterior sobre o qual toda a memória é perdida, eles sofrem não mais do que nós por não ouvirmos a ‘música das esferas’”.
O Sr. Janet armazenou o sentido tátil deles temporariamente por meio de correntes elétricas, passes etc., e, então, os fez segurar vários objetos, como chaves e lápis, ou fazer movimentos particulares, como o sinal da cruz. No momento em que a anestesia retornou, eles acharam impossível recordar os objetos ou os atos. “Eles não tinham segurado nada nas mãos, eles não tinham feito nada etc.” No dia seguinte, entretanto, tendo sido restaurada a sensibilidade por processos similares, eles se lembraram perfeitamente a circunstância e disseram o que eles tinham segurado e o que tinham feito. É nesse sentido que o Sr. Janet explica a lei geral de que as pessoas esquecem, no seu estado acordado, o que aconteceu com elas no transe. Há diferenças de sensibilidade e, consequentemente, rupturas na associação de ideias. Alguns dos histéricos (como temos visto) reganharam completa sensibilidade no seu transe mais profundo. O resultado foi um alargamento do seu poder de recordar que eles podiam, então, voltar e explicar a origem de muitas das peculiaridades deles que, não fosse assim, seriam inexplicáveis. Um estágio no grande ataque convulsivo histérico-epiléptico é o que os escritores franceses chamam de a fase das atitudes passionais, na qual o paciente, sem falar e sem dar conta dela mesma, coloca para fora movimentos de medo, raiva ou algum outro estado mental. Usualmente, essa fase é, com cada paciente, uma coisa tão estereotipada que parece automática e dúvidas têm sido expressadas sobre se alguma consciência existe enquanto ela dura. Quando, contudo, a sensibilidade tátil da paciente Lucie voltou no estado dela de Lucie 3, ela explicou a origem da sua crise histérica em um grande susto que tinha tido quando criança num dia em que certos homens, escondidos atrás das cortinas, pularam sobre ela; contou como ela passou por essa cena de novo em todas as crises dela; contou sobre suas convulsões ao andar dormindo pela casa quando criança e como, por vários meses, ela tinha sido fechada num quarto escuro por conta de uma desordem nos olhos. Todas essas eram coisas das quais ela não recordava nada enquanto acordada, porque eles eram registros de experiências principalmente de movimento e de toque, e, quando acordada, seus sentidos de movimento e toque desapareciam. Mas, o caso de Léonie é o mais interessante, e demonstra maravilhosamente como, com as sensibilidades e impulsos motores, as memórias e caráter mudarão. “Essa mulher, cuja vida soa mais como um improvável romance do que a uma história genuína, tem tido ataques de sonambulismo natural desde os seus 3 anos. Ela tem sido hipnotizada constantemente, por todos os tipos de pessoas, dos 16 anos em diante e ela está agora com 45. Enquanto a sua vida normal se desenvolveu num sentido no meio das redondezas do seu pobre país, a sua segunda vida foi passando por salas de estar e consultórios médicos, e naturalmente, tomou uma inteiramente diferente direção. Hoje, quando no seu estado normal, essa pobre mulher camponesa é uma pessoa séria e triste, calma e devagar, muito suave com todo mundo e extremamente tímida; ao olhar para ela,
ninguém iria nunca suspeitar do personagem que ela contém, mas, quando ela é posta para dormir hipnoticamente, uma metamorfose acontece. Sua face não é a mesma. Ela mantém os olhos fechados, é verdade, mas a agudeza dos seus outros sentidos preenchem o lugar deles. Ela é feliz, barulhenta, incansável, às vezes insuportavelmente. Ela continua com boa natureza, mas adquire uma singular tendência à ironia e incisiva zombaria. Nada é mais curioso do que ouvi-la, depois de uma sessão, ao receber visita de estranhos que a desejam ver adormecida. Ela dá um retrato falado deles, imita suas maneiras, finge conhecer os seus pequenos aspectos e paixões ridículos, e para cada um inventa um romance. A essa característica deve ser adicionada a posse de um enorme número de recordações de cuja existência ela nem sequer suspeita quando está acordada, pois sua amnésia é completa... Ela nega o nome de Léonie e toma o de Léontine (Léonie 2), ao qual os seus primeiros magnetizadores a acostumaram. ‘Aquela boa mulher não sou eu’, ela diz. ‘Ela é muito estúpida’. A ela, Léontine (ou Léonie 2), atribui todas as sensações e todas as ações; em suma, todas as experiências conscientes pelas quais passou no sonambulismo, e as enlaça juntas para fazer a história da sua já longa vida. A Léonie 1, por outro lado, ela exclusivamente atribui os eventos vividos nas horas acordadas. Eu fui, de início, golpeado por uma importante exceção à regra e fui colocado a pensar que deve haver algo arbitrário na partição de suas recordações. No estado normal, Léonie tem marido e filhos, mas Léonie 2, a sonâmbula, enquanto reconhece os filhos como dela, atribui o marido “à outra”. Essa escolha era talvez explicável, mas não seguiu a nenhuma regra. Não foi senão mais tarde que eu descobri que os magnetizadores dela, tempos atrás, tão audaciosos como certos hipnotizadores antigamente, tinham a sonambulizado para os seus primeiros partos e que ela tinha caído naquele estado espontaneamente nos demais. Léonie 2 estava, então, bastante certa ao atribuir a ela aqueles filhos – vez que ela foi quem os teve – e a regra de que o seu primeiro estado de transe forma uma personalidade diferente não foi quebrada. Mas, é o mesmo com o seu segundo estado de transe. Depois dos passes renovados, síncope etc., ela atinge a condição que eu tenho chamado de Léonie 3, ela é ainda outra pessoa. Séria e grave, ao invés de uma criança incansável, ela fala devagar e se move pouco. De novo, separa ela mesma de Léonie 1. ‘Uma boa, mas estúpida mulher’, ela diz, ‘e não sou eu’. E ela também se separa de Léonie 2. ‘Como você pode ver algo de mim naquela criatura louca?’, ela diz. ‘Felizmente, eu não sou nada para ela’”. Léonie 1 sabe apenas dela mesma; Léonie 2 dela e de Léonie 1; Léonie 3 sabe dela e de ambas as outras duas. Léonie 1 tem uma consciência visual; Léonie 2 tem visual e auditiva; em Léonie 3, de uma só vez, há visual, auditiva e tátil. O professor Janet pensou que, de início, ele era o descobridor de Léonie 3, mas ela lhe disse que esteve frequentemente naquela condição antes. Dr. Perrier, um magnetizador anterior, tinha se deparado com ela do mesmo modo que o Sr. Janet, buscando por meio de passes aprofundar o sono de Léonie 2. “Essa ressurreição de um personagem sonâmbulo, que tinha
sido extinto por vinte anos, é curiosa o bastante; e, falando em Léonie 3, eu naturalmente agora adoto o nome de Léonore, que foi dado a ela pelo seu primeiro mestre”. O leitor facilmente vê quais surpresas o estado de transe pode preparar, não apenas para o sujeito, mas para o operador. Para o sujeito, as surpresas são frequentemente inconvenientes o bastante, especialmente quando o transe vem e vai espontaneamente. Assim, Léonie 1 se encontra extremamente desconcertada quando, na rua, amigos de Léonie 2 (que não são amigos dela) a abordam. Léonie 2 espontaneamente escreve cartas, que Léonie 1, não as entendendo, as destrói quando encontra. Léonie 2 começa a escondê-las num álbum de fotografia, que ela sabe que Léonie 1 nunca vai olhar, porque ele contém o retrato do magnetizador anterior dela, cujo olhar pode pô-la a dormir de novo, o que ela não gosta. Léonie 1 se vê em lugares conhecidos apenas por Léonie 2, para os quais esta última a levou e, então, levantou voo etc. É possível ver um novo tipo de “Comédia dos Erros”, para a qual seria preciso a habilidade de um vaudevilliste parisiense a lhe fazer justiça. Eu temo que o leitor não versado nesse tipo de conhecimento irá aqui deixar a sua impaciência tomar conta e jogar fora o meu artigo como um trabalho de um mistificador ou de um tolo. Esses fatos parecem tão bobos e irreais, esses “sujeitos” tão contrários a tudo que nossa educação nos guiou a esperar que as nossas colegas criaturas fossem! Bem, nossa educação tem sido muito estreita, isso é tudo. Deixe alguém ao menos uma vez se tornar familiarizado com o comportamento desse não tão raro personagem, um bom sujeito hipnótico, e uma inteira classe de fenômenos que eu estou registrando parecerão ser não apenas possíveis, mas prováveis. Trata-se, depois de tudo, apenas do cumprimento do que o gênio especulativo de Locke sugeriu muito tempo atrás, quando, naquele famoso capítulo de “Identidade e Diversidade” que causou um grande escândalo no seu tempo, depois de dizer que a personalidade se estende não mais distante do que a consciência, ele chegou a afirmar que há dois diferentes “eus” ou pessoas em um homem, se as experiências vividas por aquele homem pudessem cair em dois grupos, cada uma se reuniria num distante foco de recordações. Porém, ainda mais marcantes as coisas estão por ficar, então eu rogo ao leitor que seja paciente e me escute um pouco mais, ainda que ele deseje desistir ao fim. Essas diferentes personalidades, admitidas como possíveis por Locke, que nós, sob a guia do Sr. Janet, temos vistos realmente sucedendo uma à outra com o nome de Lucie 1, 2 e 3; e sob Léonie 1, 2 e 3 mutuamente rejeitando e desprezando umas às outras; estão provadas pelo Sr. Janet não somente como existentes em formas sucessivas nas quais as vimos, mas como coexistentes, existindo simultaneamente; de tal maneira que enquanto Lucie 1, por exemplo, é aparentemente a única Lucie, anestésica, desamparada, mesmo absorvida em conversação, aquela outra Lucie – Lucie 3 – está a todo o tempo “viva e chutando” dentro da mesma mulher, totalmente sensível e amplamente acordada, e ocupada com as suas próprias consideravelmente diferentes preocupações. Essa coexistência simultânea dos diferentes personagens nos quais um ser humano pode ser separado é a grande tese do livro do Sr. Janet. Outros, como Edmund Gurney, Bernheim,
Binet e mais têm tido a mesma ideia e provaram isso certo em alguns casos; mas o Sr. Janet enfatizou e generalizou isso, e mostrou ser verdadeiro universalmente. Ele conseguiu fazê-lo escoando a consciência submergida e fazendo-a responder em certos modos peculiares sobre os quais eu irei agora fazer breve registro.
Quarta Parte
Ele [Pierre Janet] descobriu em vários sujeitos, quando a ordinária ou primária consciência estava completamente absorvida em conversação com um visitante (e o leitor lembrará quão absolutamente esses histéricos recaem em esquecimento de coisas a sua volta), que o “eu” submerso ouviria a voz dele se ele aparecesse e se dirigisse ao sujeito com um sopro, e responderia obedecendo as ordens tais quais dadas por ele ou por gestos, ou, finalmente, por escrita a lápis numa folha de papel colocada sob o braço. A consciência ostensiva, enquanto isso, seguiria com a conversação, inteiramente inconsciente dos gestos, atos ou performances escritas da mão. Essa última, por sua vez, apareceu pouco perturbada pelas preocupações da consciência superior. Essa prova, por escrita automática, da existência da consciência secundária é mais cogente e arrebatadora; mas um monte de outros fatos provam a mesma coisa. Se eu adentrá-los rapidamente, o leitor estará provavelmente convencido. A aparentemente anestésica mão desses sujeitos, por um lado, irá sempre se adaptar discriminadamente a qualquer objeto que seja posto dentro dela. Com um lápis, ela fará movimentos de escrita; com uma tesoura, ela colocará os dedos dentro dela e irá abrir e fechar as lâminas etc. A consciência primária, podemos chamá-la assim, está, enquanto isso, impossibilitada de dizer se alguma coisa está na mão, se a última for escondida da vista. “Eu ponho óculos na mão anestésica de Léonie; essa mão o abre e o leva em direção ao nariz, mas, na metade do
caminho, ali ao entrar no campo de visão de Léonie, ela vê isso e para estupefata. “‘Por que’, diz ela, ‘eu tenho óculos na minha mão esquerda!’”. O Sr. Binet descobriu um tipo muito curioso entre a aparentemente anestésica pele e a mente em alguns sujeitos de Salpêtrière. As coisas colocadas nas mãos não eram sentidas, mas pensadas (aparentemente em termos visuais) e, de modo algum, referidas pelo sujeito no início da sensação em sua mão. Uma chave, uma faca, colocadas na mão ocasionavam ideias de uma chave ou de uma faca, mas a mão nada sentia. Similarmente, o sujeito pensou nos números 3, 6 etc., se a mão ou o dedo fossem dobrados 3 ou 6 vezes pelo operador ou se ele a acariciasse 3, 6 etc. vezes. Em alguns sujeitos, foi encontrado um fenômeno ainda mais estranho, que pode remeter àquela curiosa idiossincrasia de “audição colorida”, descrita ultimamente com muito cuidado pelos escritores estrangeiros. Esses indivíduos viram, por assim dizer, a impressão recebida pela mão, mas não podiam senti-la; e as coisas vistas não apareceram, de forma alguma, associadas com a mão, porém mais como uma independente visão, que usualmente interessava e surpreendia o paciente. Com a mão escondida por uma tela, ela era requisitada a olhar para outra tela e contar sobre qualquer imagem visual que poderia se projetar após isso. Números, então, viriam, correspondendo ao número de vezes que o membro insensível havia sido tocado, levantado etc. Linhas e figuras coloridas viriam, correspondendo a similares que haviam sido traçadas em cima da palma; a própria mão, ou os seus dedos, viriam quando manipulada; e, finalmente, objetos colocados nela viriam, mas na mão em si nada podia ser sentido. É claro, simulação não seria difícil aqui, mas o Sr. Binet não acredita nessa (usualmente muito superficial) explicação a ser uma provável para os casos em questão[1]. O modo usual pelo qual os médicos medem a delicadeza do nosso toque é pelos pontos de compasso. Dois pontos são normalmente sentidos como um sempre que eles estão perto demais para discriminá-los; mas, o que é “muito perto” numa parte da pele pode parecer muito distante em outra parte. No meio das costas ou na coxa, menos de três polegadas pode ser muito próximo; na ponta dos dedos, um décimo de polegada é longe demais. Agora, testado desse modo, com o apelo feito à consciência primária, que fala por meio de boca e que parece tomar o campo sozinha, a pele de uma dada pessoa pode ser inteiramente anestésica e não sentir nenhuma das coordenadas; e, ainda, essa mesma pele provará ter uma sensibilidade perfeitamente normal se o apelo for feito àquele outra secundária ou subconsciência que se expressa automaticamente por escrita ou por movimentos da mão.
O Sr. Binet, o Sr. Pierre Janet, o Sr. Joules Janet, todos descobriam isso. O sujeito, qualquer vez que tocado, significaria “um ponto” ou “dois pontos”, tão acuradamente quanto uma pessoa normal. Mas, ela significaria isso apenas por esses movimentos, e, dos próprios movimentos, o “eu” primário dela estaria tão inconsciente quanto dos fatos que eles significaram, pois o que a consciência submersa faz a mão fazer automaticamente é desconhecido à alta consciência, que usa a boca. Os senhores Bernheim e Pitres também provaram, por observações complicadas demais para serem dadas aqui, que a cegueira histérica não é de modo algum cegueira. O olho de um histérico que é totalmente cego quando o outro (ou olho que enxerga) está fechado, fará um compartilhamento perfeito de visão quando ambos os olhos estiverem abertos juntos. Mas, mesmo quando ambos os olhos estão semicegos por conta de doença histérica, o método de escrita automática prova que as percepções deles existem, mas apenas sem comunicação com a consciência superior. O Sr. Binet descobriu a mão dos seus pacientes inconscientemente escrevendo palavras que os seus olhos estavam em vão se esforçando para “ver”, ou seja, para trazer à consciência superior. A sua consciência submersa estava, é claro, as vendo ou a mão não poderia ter escrito como ela escreveu. Similarmente, o “eu” subconsciente percebe perfeitamente bem cores as quais os olhos histericamente cegos para cores não podem trazer à consciência normal. De novo, espetadas, queimadas e beliscões na pele anestésica, todos não notados pelo “eu” superior, são recordados de terem sido sofridos, e são alvos de reclamação, logo que o “eu” inferior tem uma chance de se expressar pela passagem do sujeito para o transe hipnótico. Deve ser admitido, assim, que, em certas pessoas ao menos, a total consciência possível pode ser dividida em partes que coexistem, mas que mutuamente ignoram uma à outra e compartilham os objetos de conhecimento entre elas e, mais marcante ainda, são complementares. Dê um objeto a uma das consciências e, por conta disso, você o remove da outra ou das outras. Exceto por um certo fundo comum de informação, como o comando de linguagem etc., o que a consciência superior sabe, o “eu” inferior não sabe, e vice-versa. O Sr. Janet provou isso maravilhosamente em seu sujeito chamado Lucie. O seguinte experimento servirá como a tipificação do resto: no seu transe, ele colocou cartas sobre o seu colo, cada uma contendo um número. Ele, então, disse a ela que, ao acordar, ela não poderia ver nenhuma carta cujo número era múltiplo de três. Para o 12, 18, 9 etc., ela era cega. Mas, a mão, quando o “eu” subconsciente era interrogado pelo método usual de absorção da atenção do “eu” superior em outra conversação, escreveu que as únicas cartas no colo de Lucie eram aquelas numeradas com 12, 18, 9 etc., e, sendo pedida para pegar todas as cartas que estavam lá, ela pegou essas e deixou as outras lá quietas.
Similarmente, quando a visão de certas coisas foi sugerida ao subconsciente de Lucie, a Lucie normal repentinamente se tornou parcialmente ou totalmente cega. “Qual o problema? Eu não posso ver!”, o personagem normal, de repente, gritou no meio da conversa, quando o Sr. Janet sussurrou ao personagem secundário para fazer uso dos olhos. As anestesias, paralisações, contrações e outras irregularidades das quais os anestésicos sofrem parecem, então, se dever ao fato de que o seu personagem secundário se enriqueceu roubando uma função que esse último deveria ter mantido. A indicação para cura é evidente: chegar ao personagem secundário por hipnotismo, ou por qualquer outro meio, e fazê-la “desistir” daquele olho, da pele, do braço ou de qualquer parte que esteja afetada. O “eu” normal, depois disso, ganha posse, enxerga, sente e está possibilitado de se mover de novo. Desta forma, o Sr. Jules Janet curou o sujeito Witt... de todos os tipos de aflições que, até ele ter descoberto o segredo dela no transe profundo, teria sido difícil de desfazer. “Cessez cette mauvaise plaisanterie”, ele disse ao “eu” secundário, e ele obedeceu. O modo como vários personagens compartilham o estoque de sensações possíveis entre eles parece ser curiosamente ilustrado nessa jovem mulher. Quando acordada, sua pele é sensível em todos lugar, exceto uma zona no braço onde ela habitualmente usa um bracelete. Essa zona tem sentido; mas, no transe profundo, quando todo o resto do corpo sente, essa zona particular se torna absolutamente anestésica. Algumas vezes, a ignorância mútua dos “eus” leva a incidentes que são estranhos o bastante. Os atos e movimentos realizados pelo “eu” subconsciente são tirados do “eu” consciente, e o sujeito fará todo o tipo de coisas incongruentes, das quais ele continua completamente ignorante. “Eu ordeno Lucie [pelo método da distração] a fazer um pied de nez, e suas mãos vão imediatamente para a ponta do nariz. Perguntada sobre o que ela está fazendo, ela responde que não está fazendo nada e continua falando por um longo tempo, sem uma suspeita aparente que os dedos dela estão movendo em frente ao seu nariz. Eu a faço caminhar pelo quarto, ela continua a falar e acredita estar sentada”. O Sr. Janet observou atos similares num homem em delírio alcoólico. Enquanto o médico estava questionando-o, o Sr. Janet o fez, por sugestão em sussurro, andar, sentar, ajoelhar e até deitar com o rosto sobre o chão, enquanto ele acreditava estar a todo o tempo em pé ao lado da cama. Essas bizarrerries soam incríveis até que alguém tenha visto algo assim. Muito tempo atrás, sem entender isso, eu mesmo vi um pequeno exemplo do modo no qual o conhecimento de uma pessoa pode ser compartilhado pelos dois “eus”. Uma jovem mulher, que tinha estado escrevendo automaticamente, estava sentada com um lápis em sua mão, tentando relembrar, por minha sugestão, um homem a quem ela tinha visto uma vez. Ela podia lembrar apenas da primeira sílaba.
Num homem jovem perfeitamente saudável que pode escrever com uma prancheta, eu depois descobri que a mão estava completamente anestésica durante o ato de escrita. Eu podia espetá-la severamente sem o sujeito notar isso. A prancheta, contudo, acusou-me em termos fortes de ferir a mão. Espetadas na outra (não-escrevente) mão, enquanto isso, que despertaram forte protesto dos órgãos vocais do jovem homem, eram negadas pelo “eu” que escreveu na prancheta. Nós obtemos resultados similares em sugestões pós-hipnóticas. É um fato familiar que certos sujeitos, quando induzidos durante um transe a realizar um ato ou a experimentar uma alucinação após acordar, irão, quando o momento chegar, obedecer ao comando. Como o comando é registrado? Como a sua performance acontece tão no tempo? Esses problemas foram, por muito tempo, um mistério, pois a personalidade primária não lembra nada do transe ou da sugestão, e irá frequentemente inventar um pretexto improvisado para ceder ao inexplicável impulso que vem sobre ele tão repentinamente e ao qual ele não pode resistir.
[1] Todo esse fenômeno mostra como uma ideia que fica embaixo do limiar de um certo “eu” consciente pode lhe ocasionar efeitos associativos. As sensações da pele, não sentidas pela consciência primária do paciente, acorda, no entanto, o visual usual deles a ela associados.
Quinta Parte (Final)
Edmund Gurney foi o primeiro a descobrir, por meio da escrita automática, que o “eu” secundário estava acordado, mantendo sua atenção constantemente fixa ao comando e esperando pelo sinal de sua execução.
Alguns sujeitos em transe, que eram também escritores automáticos, quando acordados do transe e postos à prancheta – não sabendo ainda o que tinham escrito e tendo a sua atenção superior totalmente absorvida pela leitura em voz alta, por conversa ou por solução de problemas aritméticos mentalmente – registrariam as ordens que eles haviam recebido, juntamente com anotações relativas ao tempo passado e o tempo ainda a correr antes da execução. Não é, portanto, ao “automatismo”, no sentido mecânico, que esses atos se devem: um “eu” os preside, um separado, limitado e enterrado, mas, ainda assim, um “eu” completamente consciente. Mais do que isso, o “eu” enterrado frequentemente vem à superfície e desaloja o outro “eu” enquanto os atos estão acontecendo. Em outras palavras, o sujeito cai em transe novamente quando o momento chega para execução e não tem recordação subsequente do seu ato. Gurney e Beaunis constataram esse fato, que tem sido, desde então, verificado em larga escala, e Gurney também mostrou que o paciente se tornou “sugestionável” de novo durante o breve tempo de performance. As observações do Sr. Janet, por sua vez, bem ilustram o fenômeno. “Eu digo a Lucie para manter os seus braços levantados depois que ela deva ter acordado. Dificilmente ela está no seu estado normal quando coloca os seus braços sobre a sua cabeça, mas ela não presta atenção neles. Ela vai, vem, conversa, mantendo os braços altos no ar. Se perguntada sobre o que seus braços estão fazendo, ela fica surpresa com essa pergunta e diz muito sinceramente: ‘Minhas mãos não estão fazendo nada; elas estão exatamente como as suas.’... Eu a comando para chorar e, quando acordada, ela, de fato, soluça, mas continua no meio das suas lágrimas a conversar sobre muitos assuntos alegres. Quando o soluço acaba, não fica traço da sua dor, que parecia ser completamente subconsciente.” O “eu” primário frequentemente tem que inventar uma alucinação pela qual mascara e esconde da sua própria visão as façanhas que o outro “eu” está perpetrando. Léonie 3 escreve cartas reais, enquanto Léonie 1 acredita que ela está tricotando, ou Lucie 3 vem ao consultório do médico, enquanto Lucie 1 acredita que ela está em casa. É um tipo de delírio. O alfabeto, ou a série de números, quando colocados sob atenção do personagem secundário, pode, por um tempo, estar perdido para o “eu” normal. Enquanto a mão escreve o alfabeto, obediente ao comando, o “sujeito”, para sua grande surpresa, descobre que ela está impossibilitada de se recordar disso etc. Poucas coisas são mais curiosas do que essas relações de mútua exclusão, que existem em todas as graduações, entre as várias consciências parciais. Quão longe essa separação da mente em diferentes consciências pode acontecer em cada um de nós é um problema. O Sr. Janet sustenta que isso apenas é possível onde haja fraqueza anormal e consequentemente um defeito no poder de unificação ou coordenação.
Uma mulher histérica abandona parte da sua consciência, porque ela está muito fraca nervosamente para mantê-la junta. A parte abandonada, enquanto isso, pode solidificar em um “eu” secundário ou subconsciente. Num sujeito perfeito, por outro lado, o que é deixado fora da mente por um momento continua voltando na próxima. Todo o fundo de experiências e conhecimentos continua integrado, e nenhuma parte separada dele pode se tornar organizada estavelmente o bastante para formar “eus” subordinados. A estabilidade, a monotonia e estupidez desse último é, com frequência, muito marcante. A autoconsciência pós-hipnótica parece pensar em nada além da última ordem que recebeu; a consciência cataléptica, em nada além da última posição imprimida ao membro. O Sr. Janet podia causar definitivamente vermelhidão circunscrita e tumefação da pele, em dois desses sujeitos, sugerindo a eles em hipnotismo a alucinação de um cataplasma de mostrada de qualquer formato especial. “J’ai tout le temps pensé à votre sinapisme”, diz o sujeito colocado de volta em transe após a sugestão ter tido efeito. Um homem, N----, quem o Sr. Janet operou em longos intervalos, era, de tempo em tempo, manipulado por outro operador, e, quando colocado para dormir de novo pelo Sr. Janet, disse que ele estava “muito longe para receber ordens em Algiers”. O outro operador, tendo sugerido aquela alucinação, tinha esquecido de removê-la antes de acordar o sujeito do seu transe, e a pobre, passiva, personalidade de transe tinha parado por semanas no sonho estagnado. As performances subconscientes de Léonie, tendo sido ilustradas para alguém que pedia um pied de nez, executado com a sua mão esquerda durante a conversa, quando, um ano depois, ela o encontra de novo, lá vai a mesma mão para o nariz de novo, sem Léonie 1 suspeitar do fato. E isso me leva para o que, depois de tudo, é a parte mais importante dessas investigações – quero dizer, a sua possível aplicação para aliviar a miséria humana. Deixe-se pensar e dizer o que se quer da barbárie intelectual e grosseira de muito da filosofia dos nossos “médicos de nervo”. Deixe-se desgostar o quanto queira da meticulosa atitude materialista da mente que muitos mostram. Ainda assim, o seu trabalho, como um todo, é consagrado por sua fertilidade prática e positiva. Teoremas sobre a unidade do princípio do pensamento serão sempre, assim como eles sempre têm sido, estéreis; mas, observações de fatos levam a novos assuntos ao infinito. E, quando alguém reflete que nada menos do que a cura da insanidade – essa mais terrível aflição humana – deita-se possivelmente ao final de pesquisas como aquelas que Sr. Janet e os seus confrères estão começando, é possível sentir que o desdém que alguns psicólogos espiritualistas exibem por esses pesquisadores são muito mal colocados.
O modo de redimir as pessoas da barbárie não é ficar afastado e zombar das suas tentativas estranhas, mas mostrá-las como fazer as mesmas coisas melhor. A sugestão hipnótica ordinária está se provando imensamente fértil no campo terapêutico e o mais sutil conhecimento de estados subconscientes que nós estamos agora ganhando irão aumentar os nossos poderes nessa e noutras direções. Quem sabe quantos estados patológicos (não simplesmente aqueles nervosos e funcionais, mas orgânicos também) podem ser decorrentes da existência de algum perverso fragmento enterrado de consciência obstinadamente nutrindo sua estreita memória ou delírio e, portanto, inibindo o fluxo normal da vida? Um caso concreto irá melhor exprimir o que quer dizer. Ao todo, é mais profundamente sugestivo para mim do que tudo no livro de Janet. A história é de uma jovem garota de 19 anos chamada Marie, que foi ao hospital em uma condição quase desesperada, com crises convulsivas mensais, frieza, febre, delírio, ataque de terror etc. durante dias, juntamente com várias anestesias inconstantes, contraturas a todo o tempo e uma cegueira fixa no olho esquerdo. Primeiro, o Sr. Janet, não adivinhando nenhum fator psicológico particular no caso, não teve muito interesse na paciente, que ficou no hospital por sete meses e teve todos os usuais cursos de tratamentos aplicados, incluindo cura com água e sugestões hipnóticas ordinárias, sem um mínimo bom efeito. Ela, então, caiu num tipo de desespero cujo resultado foi fazer o Sr. Janet tentar lançá-la a um transe mais profundo, de modo a obter, se possível, algum conhecimento acerca dos seus mais remotos antecedentes psicológicos e das causas originais da doença, sobre as quais, em estado acordado e em hipnotismo ordinário, ela não poderia dar nenhuma explicação definida. Ele foi bem sucedido até além das suas expectativas; tanto suas primeiras memórias, quanto as memórias internas das suas crises retornaram no sonambulismo profundo e ela explicou três coisas: os seus periódicos frieza, febre e delírio se deviam a uma boba imersão dela em água fria aos 13 anos. A frieza, a febre etc. eram consequências que, então, se seguiram; e agora, anos depois, a experiência então carimbada no cérebro pela primeira vez estava se repetindo em intervalos regulares na forma de alucinação provocada pelo “eu” subconsciente, e da qual a primeira personalidade somente experimentou os resultados exteriores. Os ataques de terror eram explicados por outra experiência chocante. Aos 16 anos, ela viu uma mulher ser morta por cair de um lugar alto; e o “eu” subconsciente, por razões que só ele sabe, se via pronto para se acreditar presente nessa experiência todas as vezes que as outras crises viessem. A cegueira histérica do olho esquerdo teve o mesmo tipo de origem, datando do seu sexto ano, quando ela tinha sido forçada, apesar das suas crises, a dormir na mesma cama que outra criança, cuja face esquerda emitiu uma nojenta erupção. O resultado foi uma erupção nas
mesmas partes da face dela própria, que voltou por vários anos antes de desaparecer inteiramente e, juntamente com ela, uma anestesia da pele e a cegueira do olhos esquerdo. Então, temos muito da origem das várias aflições da pobre garota. Agora, para a cura! Precisava-se, é claro, fazer a personalidade subconsciente parar de ter essas alucinações. Mas, elas tinham ficado tão estereotipadas e habituais que isso se tornou uma tarefa difícil de cumprir. Comandos simples eram infrutíferos, mas o Sr. Janet, ao fim, chegou a um artifício que mostra quantas fontes o “médico de mente” de sucesso deve possuir. Ele carregou a pobre Marie de volta à imaginação nas primeiras datas. Isso se provou tão fácil com ela quanto em muitas outras pessoas quando em transe, ou seja, para produzir uma alucinação de que ela era novamente uma criança, todo o necessário era imprimir uma forte afirmação nesse sentido. Deste modo, o Sr. Janet, recolocando-a como se tivesse seis anos, a fez passar pela cena da cama outra vez, mas deu a ela um diferente dénouement. Ele a fez acreditar que a horrível criança não tinha erupção e que era charmosa, até que ela estivesse convencida e tratasse sem medo esse novo objeto de imaginação. Ele a fez remitir a cena da imersão fria, mas deu a ela um resultado inteiramente diferente. Ele a fez viver de novo o acidente da velha mulher, mas substituiu um assunto cômico pelo antigo trágico que tinha causado impressão tão profunda. A Marie subconsciente, passiva e dócil como usualmente, adotou essas novas versões dos contos antigos e estava aparentemente vivendo em contemplação monótona delas ou tinham sido extintas todas juntas quando o Sr. Janet escreveu o livro. Todos os sintomas mórbidos cessaram como por mágica. “São cinco meses”, o autor diz, “desde que esses experimentos foram realizados. Marie não demonstra mais o menor sinal de histeria. Ela está bem e, em particular, cresceu completamente robusta. O seu aspecto físico se modificou absolutamente”. Finalmente, ela não é mais hipnotizável, como acontece frequentemente nesses casos quando a saúde retorna. Os curadores de mente e cientistas cristãos, dos quais nós temos muito ouvido recentemente, inquestionavelmente obtiveram, por métodos amplamente diferentes, resultados, em certos casos, não menos marcantes do que nesse. O homem médico ordinário, se ele não acredita realmente nos fatos, os dispensa da sua atenção com a observação curta e seca de que eles são “apenas efeitos da imaginação”. O grande mérito desses investigadores franceses, e dos Srs. Myers, Gurney e “dos pesquisadores físicos”, é que eles estão, pela primeira vez, tentando ler algum tipo de sentido definido dentro dessas vagas frases. Pouco a pouco, o sentido vai ficar mais preciso. Isso me parece um grande passo a ser verificado que o “eu” secundário, ou “eus”, coexiste com o primário, as personalidades de transe com o normal, durante o estado acordado.
Mas, o que esses “eus” secundários podem ser e quais as suas remotas relações e condições de existência, são perguntas para as quais as respostas são tudo menos claras. Minha própria impressão é que a generalizações do Sr. Janet estão baseadas num número muito limitado de casos para cobrir todo o campo. Ele conclui que o “eu” secundário é sempre um sintoma de histeria e que o fato essencial sobre a histeria é a falta de poder sintetizador e consequente desintegração do campo de consciência em partes mutuamente exclusivas. A consciência primária e secundária, juntas, podem, na teoria do Sr. Janet, nunca exceder a consciência normal total do indivíduo. Essa teoria certamente expressa muito bem os fatos que caíram sob a observação do seu autor, porém, aqui, se esse fosse um artigo crítico, eu teria algo a dizer. Há transes que obedecem outro tipo. Eu conheço uma mulher não-histérica que, no seus transes, conhece fatos, todos juntos, que transcendem a sua consciência normal possível, fatos sobre as vidas das pessoas as quais ela nunca viu e das quais nunca ouviu falar antes. Eu estou bem ciente de todas as responsabilidades a que essa afirmação me expõe, e eu a faço deliberadamente, não tendo praticamente nenhuma dúvida de que ela seja verdadeira. A minha própria impressão é que a condição de transe é uma coisa imensamente complexa e flutuante, dentro do entendimento da qual nós mal começamos a penetrar e a respeito da qual qualquer generalização ampla é certamente prematura. Um estudo comparativo de transes e estados subconscientes é, enquanto isso, da mais urgente importância para a compreensão da nossa natureza. É frequente acontecer que fatos difusos de um certo tipo flutuem ao redor por um dado tempo, mas que nada científico ou sólido venha deles até que algum homem escreva o suficiente para um livro dar a eles corpo e significado. Então, eles aparecem juntos, como se assim fossem, de todas as direções, e aquele livro se torna o centro de cristalização de uma rápida acumulação de novo conhecimento. Eu tenho certeza de que o livro do Sr. Janet será um desse tipo e eu confidentemente profetizo que qualquer um induzido por esse artigo a seguir o caminho de estudo no qual tal livro é um brilhante pioneiro irá colher uma recompensa rica.