Holodomor : O Império da Fome
«No distrito de Semipalatinsk, uma comissão que foi verificar o estado de um orfanato descobriu, na cave, vinte cadáveres decompostos de crianças que não foram retiradas a tempo devido à falta de transporte»141.
Entre 1931 e 1933, a população autóctone perde entre 1,7 a 2 milhões de pessoas, das quais 1,1 a 1,4 milhões são vítimas da fome e das epidemias; cerca de 600000 cazaques procuram refúgio noutras repúblicas da URSS e em países limítrofes como a China e a Mongólia142. Por sua vez, na Rússia, as regiões cerealíferas do Baixo e do Médio Volga registaram, em 1933, cerca de 400000 mortos, enquanto no Grande Norte, Carélia, Urais e Sibéria Ocidental, sucumbiram de «distrofia alimentar» 150000 cam poneses deportados nos «povoamentos especiais»143. Ironicamente, o último episódio da tragédia da fome terá lugar em Moscovo, em 1937, com a condenação por «sabotagem» dos responsáveis pelo processo de recenseamento da população. Em consequência dos efeitos devastadores da colectivização e da fome, os resultados obtidos – menos 8 milhões do que o número esperado por Estaline (170 milhões) – foram anulados, procedendo-se, dois anos depois, a um novo recenseamento com números convenientemente “ajustados”144.
Um genocídio ucraniano É inegável que a fome na Ucrânia e no Kuban não se distingue, inicialmente, da tragédia que se abate sobre outros territórios, sendo entendida pelo poder como o corolário da “guerra civil” travada contra os kulaks, e condição necessária à definitiva consolidação do sistema estalinista145. É essa a interpretação que fazem os dignitários do regime – imbuídos da cultura de violência que caracteriza o bolchevismo – reconhecendo a sua utilizaCitado por Marie (2004: 318). Pianciola (2004: 167-175). 143 Kessler (2008: 117-129); Werth 1 (2008). 144 Blum (1994: 48-49); Marie (2004: 412). Sobre as atribulações do recenseamento de 1937, ver também Catherine Merridale, «The 1937 Census and the Limits of Stalinist Rule», The Historical Journal 39 (1), Março, 1996, pp. 225-240; Mark Tolts, «The Failure of Demographic Statistics: A Soviet Response to Population Troubles», Comunicação apresentada na «IUSSP XXIVth General Population Conference», Salvador-Bahia, 18-24 de Agosto, 2001; Stephen G. Wheatcroft, «The first 35 years of Soviet living standards: Secular and conjunctural crises in a time of famines», Explorations in Economic History 46, 2009, p. 36. 145 Ellman (2007: 676-677). 141 142
85