Questão-de-Facto e Questão-de-Direito:
Distinção e Consequências no Direito Moçambicano
Por Gil Cambule Advogado1 Assistente universitário 2 1
SCAN, Advogados e Consultores
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Dedicatória
À Dália, Minha amada, pela paciência e dedicação nos momentos em que este texto foi produzido.
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Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane
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SUMÁRIO
I. Introdução 3
II. Do binómio binómio «Facto-D «Facto-Direi ireito» to» ao binómio binómio «Questão «Questão-de-de-fact factoo e Questão-d Questão-deeDireito»
- Facto e Direito - Da distinção entre facto e Direito à distinção entre questão de facto e questão de Direito - Critérios ou orientações de distinção
III. A crise na aparente certeza - Distinção entre questão de facto e questão de Direito: um problema claro? - O modelo subsuntivo – O facto e o Direito no silogismo judicial - Castanheira Neves: A crise…
IV. As consequências da distinção no ordenamento jurídico moçambicano - Participação dos juízes eleitos ou o Tribunal Colegial e o juiz singular - Graus de recurso - Poderes de cognição dos tribunais - Modificabilidade das decisões de facto
Conclusões Bibliografia
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Introdução
Propomo-nos a tratar neste do tema d’ A A Questão de facto e a Questão de Direito: determinação e consequências no ordenamento Direito moçambicano.
O Direito é estudado, cultivado, aplicado e até mesmo pensado sempre sob o signo de um postulado geralmente tido como dado, de modo pacífico: o postulado do binómio factonorma, ou se quisermos, o postulado do binómio «facto» e «Direito». Há uma crença generalizada de que a experiência jurídica implica a aceitação – e, de certo modo modo,, o ente entend ndim imen ento to – da exis existê tênc ncia ia de duas duas cate catego gori rias as de real realid idad ades es,, ou, ou, ma mais is correctamente, de duas ordens de realidade, de dois mundos: o mundo do ser e o mundo do dever ser. O facto pertencerá, assim, a esse mundo do ser, da realidade dada, a realidade concreta, neutra, desprovida de qualquer significação normativa, ao mundo do ser… o mundo do caso. Diante desse mundo neutro, dessa realidade a-jurídica, existe o mundo do dever ser o mundo normativo, constituído pelo conjunto de normas de carácter geral, abstractas, hipo hipoté téti tica cas, s, dest destin inad adas as a ser apli aplica cada dass aos aos fact factos os,, conf confer erin indo do-l -lhe hess sign signif ific icad adoo e consequência no mundo do dever ser. O facto, entidade concreta, deve subsumir-se à norma, entidade abstracta.
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Desse postulado, resulta que a actividade forense pode incidir a sua investigação na determinação e delimitação das realidades próprias do mundo do ser – e aí teremos a questão de facto – bem como pode, já com base em conceitos dotados de valor normativo e jurídico, indagar sobre o valor dos mesmos factos na tentativa de lhes conferir um significado já hipoteticamente fixado pela norma – e aí teremos a chamada questão de Direito. Intentamos no presente texto – numa abordagem que desde já se reconhece modesta inconclusiva – reflectir à volta da distinção destas duas questões. Para tal, começamos por abordar a genérica distinção entre «facto» e «Direito», num caminho que necessariamente leva à distinção entre a questão de facto e a questão de Direito. Partindo dos dados aí apresentados, pomos, a seguir, em causa a validade do próprio problema da distinção de questão de facto e questão de Direito, nos moldes em que o assume o modelo silogístico-subsuntivo da aplicação. Porque inevitável, é com António Castanheira Neves que tentamos sustentar no segundo capítulo que o problema da distinção é, na verdade um problema em crise, um problema insanavelmente votado à sua própria insolubilidade, quando apresentado na perspectiva do modelo do silogismo judicial, mas é também com Castanheira que tentamos, ainda no mesmo capítulo, seguir o caminho inverso: o da assunção e reposição do problema. No terceiro Capítulo fazemos uma revista do nosso processo – do nosso Processo P rocesso Civil – e da nossa Organização Judiciária, na tentativa de surpreender aí as «marcas» que a distinção deixou como suas consequências. E terminamos com algumas notas conclusivas.
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« Narra mihi factum, dabu tibi ius »
Capítulo I Do binómio «Facto-Direito» ao binómio «Questão-de-facto e Questão-de-Direito»
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1. Fac Facto e Dire ireito ito
“O elemento dinamizador da ordem jurídica é o facto. Os factos alteram as situações existentes ” existentes ”3, diz José de Oliveira Ascensão. Em outra obra, o mesmo autor acrescenta que “a real realid idad adee circ circun unst stan ante te só é tran transfsfor orma mada da atra atravé véss de fact factos os.. Nenhu Nenhuma ma realid realidade ade histór histórica ica surge surge desaco desacompa mpanha nhada da de um facto facto histórico originante. Os factos alteram as circunstâncias de equilíbrio pré-existente. As mudanças criam tristeza por levarem consigo os estados felizes, como no trecho de Camões de «Sôbolos rios vão por Babi Babiló lóni nia» a»,, mas mas cria criam m tamb também ém a supe supera raçã çãoo ou, ou, pelo pelo meno menos,s, a esperança de superação das angústias a ngústias e desajustamentos presentes ”4. A realidade, a história, o mundo da vida decorre por uma sucessão de factos, sucessão de eventos de ordem humana, social, convivencial mas também de factos de ordem natural que criam mudança. Esses «eventos», enquanto acontecimentos exteriores que modificam a «ordem das coisas», são, como bem lecciona José de Oliveira Ascensão o elemento dinamizador da ordem jurídica.
3
José de OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, uma Perspectiva Luso-Brasileira, Almedina, Coimbra, 11.ª Edição, 2003, p14
4
José de OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil, Teoria Geral, Vol. II, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2003, p.10
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Já o Direito, na sua acepção objectiva, pode, sem preocupação de aprofundamento, ser conceituado como “conjunto “conjunto de regras abstractas, hipotéticas e dotadas de coercibilidade que regem as “ uma relações intersubjectivas e sociais numa dada comunidade comunidade ””5. Desempenha assim o Direito “uma função de instrumento de disciplina social fundamental visando alcançar valores como a justiça, a oportunidade, a exequibilidade, a certeza e a segurança ” segurança ”6. Fact Factoo e Dire Direit itoo surg surgem em-n -nos os,, assi assim, m, como como duas duas cate catego gori rias as dist distin inta tas, s, disso dissoci ciad adas, as, pertencendo a primeira ao chamado domínio do ser enquanto o segundo pertencerá ao domínio do dever-ser. Com efeito, enquanto o facto aparece-nos como a realidade dada, como ressalta quando comummente dizemos “e um facto!”, já o Direito aparece-nos como um comando geral, hipotético e abstracto que de modo algum se reduz ao facto. O binómio facto-Direito apresenta-se ao longo da história como o mais importante (ou pelo mais o mais analisado) da experiência jurídica, apresentando-se esta como a aplicação do comando (entidade hipotética e abstracta) ao facto (realidade dada e concreta).
2. Da distin distinção ção entre entre o facto facto e o Direito Direito à distin distinção ção entre entre quest questão ão de facto facto e questão de Direito
A ideia da separação entre facto e Direito aprimorou-se de tal modo na história do Direito ao ponto de, na actualidade, o formalismo processual processual civil estar manifestamente manifestamente construído sob a concepção ideológica do que aí se apresenta como facto e aquilo que está posto como Direito. Direito.7
5
Ana PRATA, Dicionário Jurídico, Vol I, I, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2008, p. 498
6
Ibidem
7
Cfr. Karinne Emannoela Goettems DOS SANTOS, A SANTOS, A questão de facto e a questão de Direito, sob uma perspectiva hermenêutica , Dissertação de Mestrado Mestrado em Ciências Jurídicas, em 2006 na Universidade Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil, p.97
10
No Direito processual moçambicano, exemplos elucidativos não faltam, como, aliás, em sede sede própr própria, ia, termos termos ocasiã ocasiãoo de aprese apresenta ntar. r. São os casos casos de facto factoss que fatalm fatalment entee separados do Direito não chegam de modo algum à apreciação dos Tribunais superiores; os limites apertados da participação dos juízes eleitos na discussão e decisão das matérias (podendo, apenas, participar na discussão e decisão da matéria de facto); a fixação dos poderes de cognição do Tribunal Supremo (por regra, acometido apenas à matéria de Direito); a modificabilidade das decisões em sede de recursos (muito limitada quanto à matéria de facto). O nosso processo civil encontra-se assim construído tendo como base a ideia «normal», «indiscutida » de que os factos encontram-se inelutavelmente separados do Direito. A separação do facto do Direito desemboca na separação da chamada questão de facto da questão de Direito que dá título ao presente texto. Segundo Ana Prata, “Considera-se questão de facto, em processo civil toda a matéria que se resolve no apuramento da verificação de que um certo facto ocorreu ou das circunstâncias em que se verificou. É ainda matéria de facto e não de Direito toda a afirmação que envolve conceitos não jurídicos, isto é, dotados de sentido que têm na linguagem corrente ou na de outras áreas científicas, diversas da do Direito” Direito”8. A mesma autora conceitua como questão de Direito toda aquela que “se “ se resolve pela aplicação de uma norma jurídica ou exige uma qualificação que se analisa com recurso a um conceito jurídico ”9. Por outras palavras, num primeiro momento, naquilo que se deve considerar questão fáctica, a actividade do juiz é exercida com recurso às chamadas «máximas da experiência» no intuito da fixação dos factos e, correspectivamente, a sindicância dos correspondentes elementos de prova. Já no segundo momento, no da quaestio juris , “ para atribuir já um significado a esses factos, um significado que não pode ser dado senão por essas máximas da experiência e que já é um significado jurídico, uma qualificação jurídica ”10 8
Ana Prata, Dicionário…, p. 1212
9
Idem, 1211
11
Alberto dos Reis lecciona que a questão de facto “de um ponto de vista do julgador, prende-se com e exige uma actividade actividade investigatór investigatória ia e o concurso concurso de meios que permita permita o julgador julgador tomar conhecimento dela, actividade investigatória e meios aqueles que nos mostram como a questão de facto não pode em caso algum (salvo os factos factos notórios notórios e os admitidos por acordo) acordo) ser conhecido conhecido pelo julgador julgador sozinho, por si, sem o concurso dos outros sujeitos e de meios a tal destinados ”11. Enquanto, inversamente, “a “ a questão de Direito, embora exigindo também investigação, resolve-a a juiz por si sem ser necessário o concurso de outros sujeitos e de outros meios que não o estudo, a reflexão e os seus conhecimentos das normas e da vida ”12. Já Castro Mendes afirma que “a questão de facto qua tale resolve-se, em regra, por consulta de textos legais facilmente acessíveis ao juiz e, em seguida, por raciocínio ou dedução; de um modo intimo, portanto, que exige actividade processual diferenciada para chegar a uma conclusão exacta ou correcta. A questão porém exige investigação afim de chegar (quanto possível) a uma solução ou resposta verdadeira; tal investigação tem de ser regulada como uma actividade processual própria e descriminada ”13. Giuseppe Chiovenda, um mestre de referência incontornável no Direito processual, afirma por sua vez que “a “ a actividade do juiz dirige-se necessariamente a dois objectivos distintos: exame de normas como vontade abstracta da lei (questão de Direito), exame dos factos que transformam em concreto a vontade da lei (questão de facto). Resultado da sua actividade será a vontade da lei ”.14
10
Rui Filipe Serra Serrão PATRICIO, O dolo enquanto elemento do tipo penal (no Direito português atual): questão-de-facto ou questão-de-Direito? questão-de-Direito? , Relatório apresentado no Seminário de Direito Penal no âmbito do mestrado em ciências jurídico-criminais, jurídico-criminais, na Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa, 1996/7, p.50 (adiante também tratado por Rui PATRÍCIO) 11
Alberto dos Reis, citado Rui PATRÍCIO em O dolo…, dolo…, p. 50
12
Ibidem
13
João de Castro MENDES, Direito Processual Civil , vol II, AAFDL, Lisboa, 1987, pp.688/9
14
Giuseppe CHIOVENDA, As CHIOVENDA, As instituições do Direito Processual Civil , Bookseller, Campinas, Brasil, 1998
12
O nosso Direito processual, dizíamos, encontra-se construído com base na aceitação de que facto e Direito são grandezas distintas e irredutíveis. Outro não era, aliás, até há bem pouco o princípio fundamentador da Faculdade da Direito da Universidade Eduardo Mondlane onde durante a totalidade dos anos do curso, o estudante estudava «o Direito» as normas abstractas, gerais e hipotéticas, relegando-se o estudo do facto (ou pelo menos o conhecimento dele), da problemática da vida à margem da aborda abordagem gem.. Actual Actualmen mente, te, com a refor reforma ma curric curricula ularr introd introduzi uzida da no ano de 2010, 2010, introduzindo o método do estudo com base no caso concreto querer-se-á quiçá voltar a reconhecer que o Direito não pode olvidar as suas origens: não pode o estudo do Direito ignorar a análise da conturbada e conflituosa convivência social que lhe dá origem 15. Preocupação pelo conteúdo destes curricula em que manifestamente se privilegia o estudo do «Direito» afastado do «facto» já foi apresentada também no Brasil, onde o destacado processualista Ovídio Baptista da Silva nota que “o estudante não tem acesso aos «factos», apenas às «regras» pois o Direito tanto na universidade como na práti prática ca contin continua ua sendo sendo uma ciênci ciênciaa demons demonstra trativ tiva, a, não uma ciênci ciênciaa da compre compreens ensão ão constr construíd uída a dialecticamente. A retórica, enquanto ciência da argumentação forense, ainda não teve o seu ingresso na universidade brasileira ”16. Mais esclarecedor sobre o ensino do Direito tendo em conta o binómio facto-Direito e a prevalência deste último e excluído o primeiro é ainda o processualista Ovídio Baptista em outra obra sua em que nota que
15
No momento em que terminámos este texto, já outra mudança se verificou no plano do Curso de Direito da UEM, parecendo voltar-se ao método anterior. Consta que este regresso não deve, entretanto, afastar a preocupação por este cunho prático, “fáctico”, das lições… a ver vamos!
16
Ovídio Araújo Baptista da SILVA, Processo e Ideologia, o Paradigma Racionalista, Racionalista, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2004 pp. 36/7
13
“a busca de segurança jurídica que o racionalismo pretendeu obter através da utilização de metodologias das ciências da natureza ou da matemática – origem do normativismo moderno – fez com que a doutrina e o ensino universitário suprimissem o estudo de «casos» preocupando-se tanto nos manuais quanto na docência universitária apenas com a «norma», com a eliminação do «facto». A separação entre «direito» e «facto», inspirada nos dois mundos kantianos – o mundo do ser e do dever ser – que deita raízes no racionalismo dos fil filós ósof ofos os do sécu século lo XVII XVII,, perm perman anec ecee into intoca cada da na dout doutri rina na contemporânea mesmo que ninguém tenha dúvida de que o Direito, como ciência da compreensão exista no «facto» hermeneuticamente interpretado” interpretado”17. Entre nós, apesar de o ensino do Direito, conforme já anotado acima, parecer querer voltar a destacar a análise do «facto», acreditando-se que este seja o fundamento da reforma curricular operada na Faculdade de Direito, parece-nos seguro afirmar que a nível da dout doutri rina na (a pouc poucaa – quase quase inex inexis iste tent ntee – sobr sobree este este pont pontoo em Moça Moçamb mbiq ique ue)) e da jurisprudência é um dado pacífico a distinção entre facto e Direito e, por consequência no formalismo processual daquilo que aí se tem como questão de facto e o que se entende como questão de Direito. Estar-se-á, ainda, pelos vistos, naquilo que Castanheira Neves denominou de “atitude “ atitude que corresponde à fase mais elementar e também mais ortodoxa do positivismo jurídico legalista, para o qual a distinção longe de ser um verdadeiro problema se limitava a ser um mero postulado – o postulado da posição lógica enunciativa de dois «objectos» diversos, a «norma» e os «factos» e nada mais ”18. É pertinente um pequeno parêntesis para tomarmos nota da evolução histórica da distinção destas duas realidades: o facto e o Direito.
17
Ovidio Araújo Baptista da SILVA, Processo…, Processo…, p.36
18
António CASTANHEIRA NEVES, Questão-de-facto Questão-de-facto e Questão-de-Direito Questão-de-Direito ou O Problema Metodológico da Juridicidade (Ensaio de uma reposição crítica) I Acrise, Acrise, Livraria Almedina, Coimbra, 1967, p. 95, nota de rodapé n.º 13
14
Na idade média, ao juiz era conferida uma ampla discricionariedade e uma considerável faculdade de investigação dos factos no intuito de remediar a incerteza que se apresentava no Direito. Aí, a norma jurídica não fixava elementos da situação fáctica 19. Já no ideário iluminista, muito ligado à ideia da certeza e segurança do Direito, com a correspondente ansiedade em eliminar as arbitrariedades do juízes a lei vem a adquirir primazia, o que supõe conferir maior importância e relevo à interpretação do Direito do que na busca do facto que, entretanto, fica pré-determinado pela Lei com a denominada fattispecie 20. Os iluministas, em nome das mencionadas certeza e segurança jurídicas, impõem, então, a “anulação total do julgador na actividade jurisdicional de aplicação da lei para garantir o postulado unívoco da lei ”21. Deste modo, a distinção entre a questão de facto e a questão de Direito aparece-nos com fundamentos mais políticos em menos em razões de ordem prática. O certo, porém, é que a distinção está lá, no nosso processo, nos nossos tribunais, na nossa doutrina, no nosso Direito. É nessa base que interessa o seu estudo, para lhe conferir fundamentação prática que eventualmente não tenha ou, inversamente, para revelar o seu sem-sentido, pugnando pela sua eliminação.
3. Critér Critérios ios ou orien orientaç tações ões de disti distinç nção ão
A distinção de questão de facto e questão de Direito tem se colocado fundamentalmente fundamentalmente ao níve nívell de recu recurs rsoo send sendoo que que hist histor oric icam amen ente te,, as orie orient ntaç açõe õess afir afirma mada dass a resp respei eito to reconduzem-se principalmente principalmente a três:
19
Karinne Emanoela Goettems dos SANTOS, A SANTOS, A Questão…, Questão…, p.107
20
Cfr. ibidem
21
Idem, p. 108
15
a) Orientaçã Orientaçãoo de carácter carácter lógico lógico – que recor recorre re à distinção distinção entre entre o conceito conceito de de facto e o conceito de Direito.
“ Afirma esta orientação que temos a questão de facto quando estiver a pensar-se algo mediante conceitos ou expressões de sentido comum, técnico ou científico não jurídicos e uma questão de Direito, pelo contrário, contrário, quando a expressão expressão ou conceito conceito legal for usado com sentido sentido especificamente jurídico (legal ou doutrinal)” doutrinal) ”22. É este sentido sentido adoptado adoptado por Ana Prata para quem “ é ainda matéria de facto e não de Direito toda a afirmação que envolve o recurso a conceitos não jurídicos, isto é, dotados do sentido que têm na língua corrente ou de outras áreas científicas diversas do Direito ”23.
b)
Orientação de carácter gnoseológico, segundo a qual “questão “ questão de facto será a que se resolve através de juízos e actos puramente cognitivos, questão de Direito a que implica juízos de valor ou actos de avaliação” avaliação”24.
c)
Orientação de carácter objectivo – a que “recorre “ recorre a um critério que traduz só por palavras a distinção entre normas e factos opondo o que for individual-concreto (questão de facto) ao conceitual (questão de Direito)” Direito) ”25.
“Esta terceira orientação” orientação ” porém
22
Rui PATRÍCIO, O dolo… p. 34
23
Ana PRATA, Dicionário… p.1212
24
Rui PATRÍCIO, O dolo… 34
25
Ibidem
16
“ ficou irremediável e naturalmente ultrapassada logo que se verificou o carácter geral de certas determinações que se não podiam entender rigorosamente como jurídicas mas que em virtude daquele carácter geral não podiam subtrair-se à apreciação dos tribunais supremos, devendo- se, para o efeito, ser tidos como verdadeira questão de Direito. Seria o caso da determinação correspondente aos chamados factos gerais e, sobretudo, às regras da experiência. Até porque, além do mais, não pode deixar de entender-se que a violação de uma regra de experiência é revisível na medida em que ela se traduz sempre na violação da disp dispos osiçição ão lega legall cujo cujo cont conteú eúdo do é prec precis isad adoo graç graças as à regr regraa da experiência ”26. Restam-nos assim as duas primeiras orientações que pelo que nos é dado a ver da nossa jurisp jurisprud rudênc ência ia (que (que mai maiss adi adiant antee será será aprese apresenta ntada) da),, parece parece que que se utili utilizam zam de modo modo concorrente. Já entre nós, a nível doutrinal, pode se afirmar com toda a segurança (e correspondente tristeza) que a distinção entre questão de facto e questão de Direito permanece um terreno virgem, sem qualquer abordagem pelos autores moçambicanos. Percorrendo as nossas leis processuais e considerando o importante relevo que a esta distinção é dado a nível dos poderes de cognição dos tribunais – como adiante em sede própria termos ocasião de ver – só podemos concluir que a distinção entre facto e Direito – e a sua correspondente distinção entre questão de facto e questão de Direito – são tidos como dados pacíficos pela nossa doutrina. Distinção imanente no nosso formalismo processual mas sem suporte doutrinal que auxilie o julgador a interpretá-la e a melhor aplicá-la na decisão do caso. É neste sentido revelador a afirmação do jovem processualista Tomás Timbane, autor do único livro de Direito Processual Civil escrito por um moçambicano, segundo o qual
26
Idem, pp.34/5
17
“importa destacar que a selecção da matéria de facto a realizar no saneamento tendo em conta as limitações acima impostas só pode versar sobre factos, havendo necessidade de distinguir entre matéria de facto e matéria de Direito. Não há critérios seguros para distinguir questão de facto e questão de Direito, quer na doutrina quer na jurisprudência. Diz-se que matéria de facto são situações concretas da vida real que fun funda dame ment ntam am a acçã acçãoo e a defe defesa sa ou são são os acon aconte tecicime ment ntos os e circunstâncias concretas, determinados no espaço e no tempo, passados e presentes, do mundo exterior e da vida anímica, humana que o Direito objectivo converteu em pressupostos de um efeito jurídico ”27. É o mesmo autor que, citando Paulo Pimenta, lecciona que “a distinção entre matéria de facto e matéria de Direito marca de forma indelével todo o processo civil, desde os articulados até a decisão final da causa, para além de que a estrutura do processo civil radica na clara distinção entre o campo da intervenção do órgão (colegial ou singular) incumbindo o julgar a matéria de facto e do juiz a quem compete lavrar a sentença ”28. Portan Portanto, to, a dis distin tinção ção é tomada tomada como como fundam fundament ental al no nosso nosso formal formalism ismoo proces processua suall nomeadamente em sede de recurso e do funcionamento do tribunal e entretanto não haver «qualquer critério seguro» para distinguir as duas questões. Mas será hoje, com os dados actuais do conhecimento jurídico a distinção entre questão de facto e questão de Direito uma questão pacífica? Parece dever-se afirmar que esta distinção é uma categoria em crise…
27
Tomas TIMBANE, Lições de Processo Civil I, I , Escolar Editora, Maputo,2010, p.370
28
Ibidem
18
Capítulo II A crise na aparente certeza
19
1. Distinçã Distinçãoo entre entre questão questão de facto facto e questã questãoo de Direito Direito:: um problem problemaa claro? claro?
Para abrir este capítulo, nada melhor que reproduzir aqui o sumário do Ac. de 09 de Agosto de 2004 do Tribunal da Relação de Coimbra proferido na Apelação n.º293/04, com o Cons. Távora Victor como Relator:
“1. O Direito tem que ser intencionado essencialmente à protecção de interesses axiologicamente legitimados da vida em sociedade, cuja realização transvaza bastas vezes o apertado esquema silogístico-tradicional. 2. A realização realização de uma verdadeira verdadeira justiça material passando passando sempre pela aplicação aplicação da lei mediada pelo juiz terá que para além do elemento literal da norma encontrar os valores que num dado momento lhe estão subjacentes e extrair os princípios reguladores adequados a uma correcta solução normativa. 20
3. E o que se passa em matéria de interpretação da lei sucede de igual forma quanto às situações factuais esbatendo-se a rígida dicotomia entre o facto e o Direito enfeudada à lógica tradicional. 4. Nesta medida, não tem sido estranho o enriquecimento que o pensamento jurídico tem registado nomeadamente pelo contributo das modernas ciências da linguagem e, em particular, pela investigação e progresso no domínio da hermenêutica que acentuadamente se tem feito sentir na metodologia e ciência do Direito. 5. Em matéria de destrinça entre «questão de facto» e «questão de Direito» é hoje um dado adquirido que muitos conceitos tidos como puros estão já imbuídos de um sentido e não se prende isoladamente a mero facto ou ao Direito, antes se apresentado como uma simbiose entre ambos 6. São precisamente os casos em que o facto e o Direito são tão próximos na linguagem corrente que é muito difícil indagar destes factos sem qualquer conotação jurídica prévia. 7. Por outro lado, também ao nível dos leigos, a expressão jurídica extravasou de há muito o campo técnico- jurídico para se publicizar, tornando-se domínio comum. 8. Não é, pois, de se estranhar que no início do processo cognitivo de uma expressão se surpreenda já uma pré-compreensão reportando-se à coisa de que o texto fala e à linguagem em que se fala dela. Esta pré- compreensã compreensãoo que é um fenómeno da natureza natureza não impede impede todavia todavia o juiz de apreender apreender a especific especificidade idade do caso; só que na sua análise e tratamento, a questão de facto é inseparável da questão de Direito ”29.
2. O modelo modelo subsunt subsuntivo ivo – o facto facto e o Direito Direito no no silogismo silogismo judici judicial al
29
Ac. de 09.08.2004 do T. R. Coimbra, na Apelação n.º 293/04
21
O Direito, pelo menos na faceta dele apresentada no surgimento do Estado moderno, é uma realidade abstracta e coercitiva, separada dos fatos aos quais o mesmo se pretende aplicar. Necessário é, portanto, ““ter ter presente que a separação entre «direito» e «facto» foi uma ambição das filosofias modernas, estando ligada sem dúvida à concepção do Direito como uma previsão normativa ”30. A relação entre o Direito e os factos que o mesmo interpreta e aos quais se aplica foi, então, então, aprese apresenta nta numa numa perspe perspecti ctiva va do método método silogí silogísti stico-s co-subs ubsunt untivo ivo que impunh impunhaa a realização do Direito através de um simples e normal acoplamento da lei (premissa maior) sobre os factos (premissa menor) da qual se extrairia então a «conclusão» que, neste caso, corresponderia corresponderia à decisão judicial31.
É dizer “de início não se pretendia verdadeiramente com a invocação do silogismo mais do que traduzir de forma impressiva o enunciado de um princípio regulativo de um paradigma ou padrão ideal a prescrever às decisões judiciais e como meio de lhe definir o que político-ideologicamente se pretendia delas. E o que se pretendia era, sem dúvida a realização destes postulados político-jurídicos: a exclusiva titularidade do Direito pelo Estado, pelo poder legislativo segundo o princípio princípio revolucio revolucionário nário e parlamentar parlamentar da «separaçã «separaçãoo dos poderes»; poderes»; e a total exclusão do poder criador do Direito por parte da função judicial já como consequência daquele princípio já para lograr uma abstracta garantia contra o arbítrio judicial de que se fizera experiência no ancien régime ” régime ”32. No âmbito do modelo silogístico-subsuntivo, ao juiz cabe a exclusiva tarefa de aplicar o Direito aos factos ou, por outras palavras subsumir os factos (dados concretos, puros e neutros) à lei (entidade abstracta, geral e significante). 30
Ovidio Araújo Baptista da SILVA, «Fundamentação das sentenças como garantia constitucional» in Revista da Hermeneutica Jurídica: Direito, Estado e Democracia: entre a (in)efectividade (in)efectividade e o imaginário social , Livraria do Advogado, Porto Alegre, 4006, p.349. 31
Cfr. Karinne Emanoela Goettems dos SANTOS, A SANTOS, A questão… p.80
32
António CASTANHEIRA NEVES, Questão… Questão… p.108
22
A crença aqui é de que existem os factos desprovidos de qualquer conteúdo de natureza jurídica (de um significado valorado), realidades neutras, próprias do mundo do ser e, face a elas, há a norma, entidade abstracta, hipotética, coercitiva que confere significado àqueles factos no intuito do alcançar a decisão judicial que assim seria o culminar da aplicação do Direito. Neste sentido, neste binário modelo subsuntivo, a actuação judicial tem dois momentos distintos: num deles incide seu foco nesses dados neutros, nestes factos que carecem de prova e aí a questão que se levantar será a denominada questão de facto. facto. Já num segundo momento haverá a necessidade de determinar uma certa norma aplicável para aqueles factos e qualificá-los conforme tal norma, onde se levanta, no seu literal sentido a questão «quid juris », », verdadeira questão de Direito. Entretanto, a partir do momento em que como vimos os próprios processualistas apenas tomam a distinção como um dado – e até os ordenamentos jurídicos lhe atribuem consequências notáveis na marcha do processo judicial e até na fixação dos poderes cognitivos dos tribunais e fixação dos graus de recursos – sem, no entanto, clarificar a importante questão do critério da distinção, torna-se imperioso questionar, e aqui com Chaim Perelman “será “será verdade, como pretendem vários juristas, que o raciocínio do juiz pode ser reduzido a um silogismo, de um modo esquemático, no qual a premissa maior enunciaria a regra do Direito, a menor ofereceria os elementos fácticos e a decisão constituiria a decisão judicial? ” judicial? ” é o mesmo Perelman que afirma logo a seguir que tal análise é inadmissível pois suprimiria todas as dificuldades levantadas pela distinção do facto e do Direito33. A distinção entre questão de facto e questão de Direito parece-nos, assim, uma questão por ser repensada, por ser reavaliada, revisitada, uma questão em crise… Ente Entend ndim imen ento to que que nos nos repo report rtaa ao estu estudo do do pens pensam amen ento to que que a nosso nosso ver ver ma mais is profundamente profundamente tratou do nosso tema na língua portuguesa: António Castanheira Neves.
33
Chaim PERELMAN, Ética e Direito, Direito, Editora Martins Fontes, S. Paulo, 1996, pp. 571/2
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3. Castan Castanhe heira ira Neves: Neves: a Crise Crise
Hoje, uma abordagem do tema da distinção de questão de facto e questão de Direito que não contemplasse um estudo do pensamento do Professor Castanheira Neves seria necessariamente incompleto. Este autor português apresentou em 1967 uma monumental tese de Doutoramento precisamente intitulada: “ Questão-de-facto “ Questão-de-facto – Questão-de-Direito (Ensaio de uma reposição crítica) ” na qual aborda com impressionante profundidade o tema que nos ocupa.
Como acertadamente afirma Rui Patrício, “Castanheira Neves parte de uma ideia de crise acerca do problema de distinção entre a questão de facto e questão de Direito porque «o pensamento jurídico não assume válida e autenticamente o problema ou porque se ocupa dele de um modo que simplesmente o oculta ou porque injustificadamente pensa tê-lo ultrapassado» e intenta, mais do que o seu esclarecimento, a reposição do problema ”34. Com efeito, logo a abrir a sua tese, Castanheira Neves afirma que “a “ a analítica problemática que nos permita esclarecer e ao fim assumir um certo problema é o que se propõe p ropõe este livro ”35. Desde logo, Castanheira Neves coloca o problema da distinção da questão de facto e questão de Direito – que entende não ter sido ainda discutido convenientemente no Direito – como “nódulo “nódulo problemático-metodológico do pensamento jurídico enquanto verdadeiro o pensar ”, tratar-se-á, diz o mestre português de encarar o objectivamente constitutivo da juridicidade ”, problema como “o “o problema metodológico da juridicidade ”36.
34
Rui PATRÍCIO, O dolo…, p.35
35
António de CASTANHEIRA NEVES, Prefácio da Obra Questão de facto… op cit.
36
Idem
24
Este problema apresenta-se então para este autor não de modo lateral e sem a necessária de se esclarecer e justificar a si próprio, um problema meramente «incidental» à margem, no proces processo so decisó decisório rio como como parece parecem m entend entender er vário várioss proces processua sualis listas tas,, outros outrossim sim,, este este problema apresenta-se no centro do próprio pensar e decidir jurídico, de tal sorte que a superação da distinção apresentada no modelo silogístico significará mesmo que “o decidir jurídico, afastada a possibilidade da sua redução a um mero deduzir em abstracto – pois que é um decidir normativo em concreto – se oferecesse como uma síntese jurídico-material em que o jurídico e o factual participam unitariamente integrando a unidade jurídica do caso concreto decidendo e decidido, isto é, integrando de modo compositum e indivisível tanto a unidade intencional interrogativa do concreto problema jurídico como a unidade intencional significativa da decisão concretamente proferida ”37. Não pretendemos de modo algum apresentar com toda a amplitude – aliás nem o cons conseg egui uirí ríam amos os – o pens pensam amen ento to de Ca Cast stan anhe heir iraa Neve Neves, s, nos nos seus seus fund fundam amen ento tos, s, desenvolvimentos, conclusões e consequências, outrossim, apenas abordar à guisa de um enunciado geral aquilo que são os respectivos pontos fundamentais. O autor luso, dizíamos, parte de uma ideia de crise; o problema de distinção entre questão de facto e questão de Direito seria um problema em crise. Com efeito, anteriormente tido como um dado pacífico, com indiscutível, a possibilidade de distinção entre facto e Direito, diz aquele autor, começou a ser posta em causa por certos autores como Binding e Whelhi que directamente declararam a sua impossibilidade lógica 38. São estes autores que pela primeira vez proclamaram de um modo directo e inequívoco aquilo que viria a ser apelidado de tese da impossibilidade metodológica da distinção. distinção . Poster Posterio iorme rmente nte,, a tese tese da impos impossib sibili ilidad dadee genera generaliz lizouou-se, se, tendo tendo-se -se trans transfor formad madoo o problema da distinção num problema em crise, de tal sorte que hoje, a doutrina que ainda o afirma com certa vivacidade, apenas o faz com uma renúncia crítica, quer dizer, “ a tese da impossibilidade denuncia, a todas as luzes, uma típica situação de crise enquanto traduz um cepticismo nas soluções a emergir de um fundo de dogmatismo nos pressupostos ”39. 37
idem
38
Cfr. António CASTANHEIRA NEVES, Questão…, p.91
39
Idem, p.95
25
Na verdade, o carácter metodologicamente insolúvel da distinção começou a revelar-se cedo, tendo se notado que mesma de modo algum poderia ter qualquer efeito útil no campo do conhecimento e interpretação das normas jurídicas e determinação e prova dos factos, tendo-se assim, restringido mesmo doutrinalmente ao momento ou ao acto de aplicação concreta do Direito, por ser apenas aí, no momento da relação concreta entre o Direito e o facto que a distinção teria algum sentido. Fora desse momento, o facto e o Direito apresentam-se numa unidade tal que a sua distinção como categorias separadas e irredutíveis torna-se impossível. Com efeito, nota mestre português “uma distinção, ainda quando pensada em geral ou qualquer que seja o seu tipo e natureza só tem sentido na base dos dois pressupostos exigidos com lógica de necessidade: exige-se tanto uma «razão de diferença» (pela qual os termos a distinguir e distintos se justifiquem autónomos ou relativamente irredutíveis um perante o outro) como uma «razão de coerência» (aquela em que haverá de pensar-se uma qualquer unidade entre os termos, a possibilitar-lhes a propria relação por que se dife difere renc ncie iem) m).. Dist Distin ingui guirr é nece necess ssar aria iame ment ntee (ou (ou tal tal como como lógi lógico co- - puramente o exige a estrutura conceitual-fenomenológica de distinguir) afirmar afirmar uma razão de diferença diferença no fundo de uma razão de coerência, coerência, pois sempre a análise pressupõe a síntese. E no nosso caso, a razão de coerência, a unidade pressuposta, não deixa de impor-se-nos como uma natureza muito particular ”40.
Sucede, entretanto, que o facto e o Direito não apresentam uma «razão de diferença» no sentido de se terem por autónomos e relativamente irredutíveis irredutíveis entre si, mas, curiosamente, também não apresentam a tal «razão de coerência» por lhes faltar um «quê», aquela unidade que nos servisse de base para diferenciar. Na verdade, o facto e o Direito encontram-se conexionados não por uma correlatividade puramente lógica, posto que há neles uma unidade de carácter analítico mas se encontram conexionados por uma unidade de carácter sintético. 40
Idem, p.96
26
Na verdade, lecciona o autor luso, “se o «direito» e o «facto» «facto » não vão referidos uma ao outro por força da analítica das suas intencionalidades simplesmente lógicas, nem por isso é menos evidente conexioná-los numa necessária correlação, embora ainda por esclarecer. Disso se dava também conta Radbruch quando afirmava posto que de um modo insuficiente e também só formal que «é lícito dizer-se a priori não haver nenhuma norma jurídica que não regule algo». A norma e o facto implicam-se e só têm sentido através da unidade de um nexo normativo no qual a norma manifesta a intenção de uma específica validade, o dado positivo ou negativamente valioso. E nexo de uma unidade decerto sintética uma vez que só numa síntese se pode superar a tensão de uma particular negatividade estática entre a norma e o facto, a tensão normativa entre a validade e o dano” dano ”41. Aceitando-se esta unidade sintético-material, Castanheira Neves insiste no entendimento de que o problema da distinção não pode ter sentido em qualquer outro momento da experiência jurídica que não apenas no momento da aplicação concreta do Direito. O «facto» e o «Direito» não podem ser compreendidos senão nessa unidade na medida em que eles apenas apresentam dois momentos, duas facetas complementares da mesma intenção totalizante 42. “Por isso”, isso”, lecciona o mestre português, “é então impossível querer decompor a unidade objectiva (do caso jurídico concreto) ou significativa (da decisão jurídica concreta) em dois elementos significativo-conceituais absolutamente (contraditoriamente) (contraditoriamente) distintos cada um deles, «em si» - como o exige a distinção
41
Idem, pp. 99/100
42
Cfr. Idem, p.102
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conceitual pura ou simplesmente lógico-formal – como impossível é querer dividir em termos de discrição lógica (dividir em duas «coisas» separadas) quer a sintética e construtiva intenção axiológico-normativa do Direito, quer a estrutura dinâmica e sintética do problemático da decisão concreta ”43. Assim, conclui Castanheira Neves, o problema de distinção entre facto e Direito e, correspectivamente, o problema da distinção entre questão de facto e questão de Direito revela-se uma verdadeira aporética – “aporética esta decerto imanente no sentido e estrutura da teoria lógico- subsuntiva da aplicação do Direito, com ser uma aporética que dela mesma logicamente emerge ao tentar realizar a sua específica intenção metodológica pois são os próprios desenvolvimentos do seu esquema silogístico-subsuntivo, e naquele plano que é o seu – no plano lógico- teorético ou lógico-conceitual – a mostrarem-nos a distinção lógicamente impossível, insanavelmente aporética. O que não é senão outra forma de dizer que o esquema subsuntivo pela via mesma da lógica a que com tanta fé sacrifica a si próprio se anula ”44. Assim, o modelo lógico subsuntivo lógico-subsuntivo, o modelo do silogismo judiciário colocou sempre o problema da distinção entre «facto» e «Direito» como um modelo explicativo da decisão judicial, perspectiva que Castanheira Neves procura demonstrar a sua invalidade metodológica , como, aliás, acima sucintamente tentámos apontar. Nessa sede, Castanheira Neves tenciona ultrapassar este modelo – modelo este que, aliás, nunca assumiu devidamente o problema da distinção entre «facto» e «Direito», ocupando-se dele de um modo que simplesmente o oculta ou, inversamente, assumindo-o como problema ultrapassado. O autor português desvela a crise insolúvel que o problema enfrenta na perspectiva de teoria subsuntiva e intenta empreender uma “reposição crítica do problema”: “ a analítica analítica problemática que nos permita esclarecer e ao fim assumir um certo problema é o que se propõe este livro ”, diz o autor45. 43
Idem, p. 102
44
Idem, p. 103/4
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No entender de Castanheira Neves, “a questã questão-d o-de-f e-fact actoo compor comporta ta dois dois moment momentos os fundam fundament entais ais.. Em primeiro lugar, a determinação no âmbito da relevância jurídica a reconhecer à situação histórico-concreta problemática. Ou seja, trata-se de delimitar e determinar, na globalidade da situação histórica em que o problema jurídico concreto se situa, o âmbito e o conteúdo da relevância jurídica dessa situação problemática. Este é, afinal, o campo da «pré-compreensão», da antecipação do sentido da intuição de uma relevância jurídica do caso, momento indispensável para prosseguir. Em segundo lugar, a comprovação dos elementos específicos dessa relevância e dos seus efeitos; aqui, fundamentalmente, o problema da prova, o problema da verdade jurídica como verdade prática. Mas não se trata, como nas concepções tradicionais, da prova de factos puros, mas da comprovação de que o problema jurídico, como problema prático, existe, tem fundamento fáctico” fáctico”46. Já no que respeita à questão de Direito, Castanheira neves distingue a questão de Direito em abstracto que teria como objectivo a determinação do critério jurídico que orienta e concorre para a fundamentação da solução jurídica do caso a decidir da questão de Direito em concreto que “comporta “comporta uma comprovação (ou não) da questão de facto no primeiro dos seus sentidos apontados ”47. Se à questão de Direito em abstracto corresponde corresponde a escolha da norma aplicável, essa norma será uma hipótese de solução do caso concreto “uma “ uma antecipação antecipação ou projecto projecto de solução solução que na questão de Direito em concreto se submeterá a uma verdadeira experimentação metodológica ”48. A questão de Direito Direito em concreto concreto no entender entender de Castanheir Castanheiraa Neves Neves é, por excelênci excelênciaa o campo da discussão das lacunas e da analogia, sendo que a sua resolução por mediação da norma comporta três momentos: 45
António CASTANHEIRA NEVES, Prefácio da Obra Questão…, Questão…, op cit.
46
Rui PATRICIO, O dolo… p.35
47
Idem, p.36
48
Idem, p.37
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a) confrontação entre a norma-critério e o caso a decidir; b) reponderação da problemática e da normatividade da norma perante o caso concreto; c) aque aquele le em que que se apel apelaa aos aos fund fundam amen ento toss da vali valida dade de sist sistem emát átic ica, a, fund fundam amen ento toss da normativa juridicidade do sistema. A terminar esta brevíssima (e reconhecidamente imperfeita) apresentação do pensamento de Castanheira Neves a respeito do nosso tema, importa notar que aquele esboça também um critério relativo à distinção entre questão de facto e questão de Direito, no que diz respeito ao recurso perante o tribunal de revista: ““admitido admitido o recurso por um fundamento legalmente previsto, o S. T. como tribunal de «revista», conhecerá da causa até o onde o exija a conexão problemática das questões desde que lhe o permitam os poderes de que pode dispor ” dispor ”49.
49
Castanheira Neves, Questão… p. 36
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Capítulo III As consequências da distinção no ordenamento jurídico moçambicano
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Denominámo-las consequências da distinção, mas talvez a designação correcta fosse a de «marcas» da distinção no ordenamento jurídico moçambicano. Em que aspectos concretos do Direito moçambicano é que podemos surpreender estas marcas da distinção entre questão de facto e questão de Direito? É o que passamos a analisar
1. Participação Participação dos Juízes Eleitos
À luz luz das das norm normas as actu actual alme ment ntee vige vigent ntes es,, resp respei eita tant ntes es à Orga Organi niza zaçã çãoo Judi Judici ciár ária ia em Moçambique, os Tribunais podem funcionar como órgãos colegiais ou, antes, com um juiz singular. Com efeito, o Tribunal Supremo e os Tribunais Superiores de Recurso sempre devem funcionar como órgãos colegiais na apreciação das causas e tomada de decisões (arts. 41; 42 e 48 da Lei n.º 24/2007 de 20 de Agosto, Lei da Organização Judiciária). Diversamen Diversamente, te, nos termos termos do art. 70, n.º 1 da Lei da Organização Organização Judiciária, Judiciária, “ em primeira instância, o tribunal judicial de província pode funcionar como tribunal singular ou colegial, conforme determinado pela lei de processo”. processo ”. Os tribunais judiciais de distrito, também esses, podem funcionar como tribunal singular ou colegial, conforme for determinado pela lei de processo (art. 81 da mesma lei). Em todos estes tribunais encontram afectas duas categorias de juízes, designadamente: os juízes profissionais (também designados juízes de Direito) e os juízes eleitos (também designados leigos, são pessoas de reconhecida idoneidade e residentes na área do tribunal em causa, sem qualquer formação jurídica).
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A determinação ou distinção das questões de facto e questões de Direito no âmbito de um processo judicial tem uma influência capital na fixação na competência ou do campo de actuação destes juízes eleitos já que a lei, de modo geral, condiciona ou limita a sua participação à discussão de matéria de facto. Com efeito, o artigo 17 da Lei da Organização Judiciária estabelece que “1. os juízes eleito participam nos julgamentos em primeira instância, em todos os casos previstos na lei processual ou sempre que a sua interv intervenç enção ão for deter determin minada ada pelo pelo juiz juiz da causa, causa, promov promovida ida pelo pelo ministério Público ou requerida pelas partes. 2. A participação dos juízes eleitos é restrita à discussão e decisão sobre matéria de facto. 3. Os juízes eleitos podem ainda ser ouvidos sempre que os tribunais judiciais de distrito apreciarem em recurso as decisões dos tribunais ”. comunitários ”. Desta disposição da Lei da Organização Judiciária Judiciária que preferimos citar na íntegra ressaltam dois pontos fundamentais: a) os juízes eleitos têm, na organização judiciária moçambicana um amplo campo de actuação desde o órgão máximo da estrutura (Tribunal Supremo) até à base (Tribunal Judicial de Distrito de 2.ª classe); e b) mais importante para a nossa abordagem, os juízes eleitos não discutem matéria de Direito. Do topo à base da orgânica dos Tribunais Judiciais, os juízes eleitos, onde participem, apenas apenas podem intervir intervir quando quando em causa esteja a discussão e decisão sobre sobre matéria de facto. É no arti artigo go 646. 646.ºº do Códi Código go de Proc Proces esso so Civi Civill que que enco encont ntra ramo moss o regi regime me das das consequências emergentes da violação das regras sobre esta participação dos juízes eleitos, em tribunal colegial. À luz daquele artigo (seu n.º2), o julgamento deve ser anulado quando se constate que as questões de facto foram julgadas pelo tribunal singular quando o deviam ser pelo tribunal colectivo.
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Já, inversamente, as respostas dadas ao tribunal colectivo sobre questões de Direito têm-se por não escritas. Assim entendeu o Tribunal Supremo no Ac. de 24 de Abril de 1998 da Apelação 152/97 quer estabeleceu que a “ falta da reunião do tribunal colectivo em violação do disposto no n.º1 do art. 10 alínea b), n.º1 do art. 49 e n.º do art. 50, todos da Lei n.º 10/92 de 06 de Maio, aplicável por força do art. 28 da Lei 18/92 de 14 de Outubro acarreta a nulidade do julgamento, conforme estatuído no n.º2 do art. 646.º do Código de Processo Civil, o que deve ser declarado”. declarado”. O Tribunal Supremo tem entendido que a participação dos juízes eleitos nos tribunais judici jud iciais ais de provín província cia não é obrig obrigató atóri riaa quand quandoo se trate trate de audiên audiência cia prelim prelimina inar. r. A justificação de peso é que nessa audiência, não se discute matéria de facto, podendo-se, porém, discutir matéria de Direito que, como vimos, está excluída das competências atribuídas aos juízes eleitos. O artigo 508.º do CPC que dispõe sobre a audiência preliminar e o despacho saneador estabelece no seu n.º1 que, entre outros, a audiência preliminar pode ter como fim facultar às partes a discussão de facto e de Direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar excepções ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa. Mais importante, o n.º3 daquele artigo dispõe que “ se ao juiz se afigurar possível conhecer conhecer do pedido no despacho despacho saneador, saneador, a audiência audiência preliminar preliminar é obrigatóri obrigatóriaa sob pena de nulidade nos ”. termos da alínea d) do artigo 668.º ”. É justamente nestas ocasiões em que ao juiz se afigura possível conhecer imediatamente do mérito da causa que o Tribunal Supremo tem entendido que a participação dos juízes eleitos não é obrigatória, não podendo, assim, a sua falta determinar a nulidade do acto. Muito elucidativo desta posição do Supremo moçambicano é o Ac. de 27 de Junho de 199850, com o Cons. Luís Filipe Sacramento como Relator, que passamos a transcrever na íntegra: “Sumário:
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Ac. do Tribunal Supremo de 27 de Junho de 1998, Relator: Cons. Luis Filipe Sacramento
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Na audiência preparatória não se mostra necessária a intervenção dos juízes eleitos já que não se discute matéria de facto e, portanto, não se aplicam as regras contidas nos artigos 10, n.º1, 49, n.º1 alínea b) e n.º1 do artigo 50 da Lei n.º 10/92 de 06 de Maio.
Exposição: Nos presentes presentes autos de apelação, na nota de revisão revisão que antecede antecede suscita-se suscita-se como prévia uma questão questão de natureza processual relacionada com a falta da constituição do tribunal colectivo que, a proceder, impedirá o conhecimento do fundo da causa. A questão levantada diz respeito ao facto de na audiência preparatória cuja acta se encontra junta a fls. 37, não terem participado juízes eleitos contrariando-se deste modo o estatuído no artigo 50 da Lei n.º19/92 de 06 de Maio. De acordo com a lei, só tem lugar a participação dos juízes eleitos nos tribunais de província quando funciona em primeira instância e apenas quando decida sobre matéria de facto conforme o disposto no artigo 10, n.º1; 49, n.º1,a alínea b) e 50, n.º1, todos da Lei n.º 10/92 e conjugados. Daqui se retira que a intervenção dos juízes eleitos só se efectiva quando haja que discutir e decidir sobre matéria de facto. Ora, a audiência preparatória tem lugar quando findos os articulados, se mostre possível ao juiz conhecer do pedido com efeito de obter a conciliação das partes em primeiro lugar, discutir do pedido ou de excepções em segundo lugar, como se alcança do artigo 508.º do CPC. Resulta assim evidente que se está perante um acto processual em que não tem lugar a discussão e decisão da matéria de facto, razão pela p ela qual não têm que intervir nele os juízes eleitos. Consequentemente conclui-se que não se aplique à audiência preparatória as regras contidas nos artigos 10, n.º1; 49, n.º 1 al. b) e 50, n.º1 da Lei 10/92 de 06 de Maio e, portanto, que neste caso não se coloque o problema de falta de constituição d O Tribunal Colectivo (…).
35
Acordam em conferência na secção cível do Tribunal Supremo, nos autos de Apelação n.º 136/97 em que é Apelante Albano de Sousa e Apelado Fernão Linquindo Sunde em subscrever a exposição de fls. 124-v e 125 e, consequentemente, em julgar ultrapassada a questão prévia suscitada na nota de revisão relativa à falta de constituição do tribunal colectivo, por não se aplicar ás audiências preparatórias as regras estabelecidas nos artigos 10, n.º1; 49.º, n.º1 b) e 50, n.º1, todos da Lei n.º 10/92 de 06 de Maio por não se tratar de acto judicial em que tenha lugar discussão e decisão sobre matéria de facto ”.
É um entendimento que faz sentido, tendo em conta que nesta audiência, por regra, a matéria de facto não é discutida já que a mesma, a ser discutida, sê-lo-á na audiência de discussão e julgamento. Na audiência preliminar ou o juiz julga que a matéria de facto se apresenta com suficiente clareza e conhece do mérito da causa sem necessidade de qualquer discussão ou, inversamente, entende que a mesma ainda carece de esclarecimento, remetendo a mesma para a fase seguinte do processo, rectius , fase de instrução, o que culminará com a discussão da mesma na audiência final. Em qualquer dos casos, a audiência preliminar não é momento para que a matéria de facto seja discutida e, como tal, a participação dos juízes eleitos não se afigura obrigatória.
Sendo a questão de mérito unicamente de Direito, é também permitido ao juiz decidi-la nesta fase, como bem se sabe e conforme se preceitua no artigo 510.º do CPC: “ findos os articulados e realizada a audiência preliminar, nos casos em que a ela houver lugar, nos termos do artigo 508.º, pode ser proferido, dentro de quinze dias, despacho saneador para os fins seguintes (…) c) conhecer directamente o pedido se a questão de mérito for unicamente de Direito e poder já ser decidida com a necessária segurança, ou se, sendo a questão de Direito e de facto, ou só de facto, o processo contiver ”. todos os elementos para uma decisão conscienciosa ”.
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Quanto à chamada audiência final, a audiência de discussão e julgamento da causa, parecenos seguro afirmar que à luz do Direito vigente, desde que a lei não imponha especialmente especialmente o contrá contrário rio,, sempr sempree deverã deverãoo partic participa iparr os juízes juízes eleito eleitos, s, lembre lembre-se -se,, com o tribun tribunal al funcionando em primeira instância. É o entendimento que se retira do artigo 646.º, n.º1 nos termos do qual, a discussão e julgamento da causa são feitos com intervenção do tribunal colectivo dispondo ainda o mesmo artigo que o julgamento será anulado sempre as questões de facto forem julgadas pelo juiz singular quando o devessem ser pelo tribunal colectivo (n.º2 daquele artigo).
Do expo expost stoo nest nestaa fase, fase, resu result ltaa entã entãoo clar claroo que que a part partic icip ipaç ação ão dos dos juíz juízes es elei eleito toss é completamente vedada quando o tribunal funcione como instância de recurso já que a mesma só é permitida nos julgamentos em primeira instância (art. 17, n.º1 da Lei da Organização Judiciária). Por outro lado, mesmo em se tratando do funcionamento do tribunal em primeira instância, não pode a intervenção do juiz eleito extravasar o estrito limite das questões de facto sob pena de toda e qualquer resposta dada nessa sede, ser dada por não escrita, tornando-se assim, completamente irrelevante para a decisão da causa (art. 646, n.º3 do CPC).
2. Grau Grauss de de rec recur urso so
A determinação da matéria de facto e da matéria de Direito tem, também, à luz do ordenamento jurídico moçambicano, uma forte repercussão na fixação dos graus de recurso. Com efeito, dispõe o artigo 19 da Lei da Organização Judiciária Judiciária que “1. Das decisões proferidas pelos tribunais em primeira instância, sobre matéria de facto, há apenas um grau de recurso, excepto nos casos especialmente previstos na lei. 2. Sobre matéria de Direito Direito há apenas apenas dois graus de recurso, recurso, excepto nos casos especialmente previstos na lei. 3. Das decisões sobre matéria de direito proferidas pelos tribunais judiciais de província cabe recurso directo para o Tribunal Supremo”. Supremo ”. 37
Assim, consoante a matéria a impugnar por via do recurso seja de facto ou de Direito, teremos diferentes graus. Em se tratando de decisão sobre matéria de facto, a não ser que a Lei disponha de modo diverso, há apenas um grau de recurso. O que significa dizer que um caso decidido pelo Tribunal Judicial de Distrito (quer seja de primeira ou segunda classe), em princípio, não pode na sua decisão de facto ser reapreciado pelo Tribunal Supremo, portanto, mesmo na melhor das hipóteses, terminará no Tribunal Judicial de Província. Entende-se então que é às instâncias inferiores inferiores que se deve conferir o poder de de apreciar e decidir sobre os factos que interessam à decisão global da causa. É nessas instâncias que melhor se apreciará e decidirá sobre a prova dado o facto de ser também aí onde se verificará em pleno os importantes princípios de imediação e da oralidade que caracterizam o nosso Direito Probatório. Às instâncias superiores, nomeadamente ao Tribunal Supremo, caberá assim papel de outra índole, a aplicação da lei aos factos, o que implica a interpretação do Direito e a fixação da jurisprudência. É neste sentido esclarecedor o artigo 41 da Lei da Organização Judiciária, nos termos do qual “sem “ sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, o Tribunal Supremo apenas conhece de matéria de Direito”. Direito ”.
Em conformidade, quanto à matéria de Direito, diz o preceito legal, há dois graus de recurso. Ao atingir o campo sensível da admissão do recurso, a distinção entre o que num processo judicial representa questão-de-facto daquilo que no mesmo processo constituiria questãode-Direito ganha assim importância capital porquanto toca até o princípio constitucional de acesso de todos os cidadãos à justiça. Com efeito, o pleno acesso dos cidadãos implica a garantia de que todos acedam aos tribunais, tenham direito de defesa, de assistência jurídica e patrocínio judiciário. Mas também implica a possibilidade de os cidadãos vencidos em certos processos judiciais terem o direito de ver a sua causa reapreciada imparcialmente por um órgão diferente do que inicialmente decidiu.
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Nota importante de se destacar nesta fase é a que resulta da interpretação dos artigos 19, n.º3 da Lei da Organização Judiciária e do artigo 725.º do CPC. Aquele primeiro dispõe que “das decisões sobre matéria de direito proferidas pelos tribunais judiciais de província em segunda instância « per saltum » cabe recurso directo para o Tribunal Supremo ”. Admite-se assim o chamado recurso « per que passará, neste caso, por «saltar» o Tribunal Superior de Recurso para ver a causa reapreciada imediatamente no Supremo, a partir de um Tribunal judicial de província.
3. Podere Poderess de cogn cogniçã içãoo dos dos tribun tribunais ais
A determinação da matéria de facto e de Direito tem também, à luz do Direito vigente, importantes consequências no que respeita aos poderes de cognição dos tribunais judiciais. Nos termos do artigo 29 da Lei da Organização Judiciária, a função jurisdicional é exercida pelos seguintes tribunais: o •
Tribunal Supremo;
•
Tribunais Superiores de Recurso;
•
Tribunais Judiciais de Província;
•
Tribunais Judiciais de Distrito.
Quando as circunstâncias assim o justifiquem, permite a lei a criação de tribunais judiciais de competência especializada (Cfr. art. 29, n.º1 da Lei da organização Judiciária). Em regra, o Tribunal Supremo conhece apenas de matéria de Direito. É o que estatui o artigo 41 da Lei da organização Judiciária, o que se coaduna com as suas competências principais que são, nomeadamente, a uniformização de jurisprudência e a decisão de conflitos de competência. Pode, entretanto, o Supremo conhecer de matéria de facto quando ele funcione como Tribunal de 1.ª instância (artigo 51 da Lei da Organização Judiciária). 39
Já os Tribunais Superiores de Recurso – que são essencialmente tribunais de recurso – conhecem de matéria de facto e de Direito quando julguem em primeira instância ou quando, funcionando como tribunal de recurso, julgam, em segunda instância, os recursos das decisões dos tribunais judiciais de província. Já não podem, porém, conhecer de matéria de facto naquelas situações em que o caso, interposto no tribunal judicial de distrito, tenha sido reapreciado de facto e de Direito pelo tribunal de província. Portanto, conforme já anotado, sobre matéria de facto há apenas um grau de recurso (artigo 19, n.º1 da Lei da Organização Judiciária). Quanto aos Tribunais Judiciais de Província ressalta que os mesmos podem, em princípio, tanto funcionando em primeira como em segunda instância, conhecer de matéria de facto e de matéria de Direito pelas razões já expostas no parágrafo anterior. Não podem, porém, estes tribunais, em sede de recurso, conhecer de matéria de facto em casos interpostos no Tribunal Judicial de Distrito de 2.ª classe que tenham conhecido recurso no Tribunal Judicial de Distrito de 1.ª classe. Os Tribunais Judiciais de Distrito, tanto de primeira como de segunda classe, é seguro afirmar-se que os mesmo têm poderes de cognição plenos no sentido de que podem conhecer de matéria de facto e de matéria de facto sem qualquer restrição.
4. Modifi Modificab cabili ilidad dadee da decisã decisãoo de facto facto
A determinação de matéria de facto e de matéria de Direito tem, também, importantes consequências em sede de recurso, mais concretamente no que respeita à modificabilidade das decisões de facto. Refira-se que à luz do Direito Processual vigente em Moçambique, estão previstos como recursos ordinários a apelação, a revista, o agravo e o recurso para o Plenário do Tribunal Supremo, prevendo-se prevendo-se como extraordinários a revisão, a oposição de terceiro e a suspensão de execução e anulação de sentenças manifestamente injustas e ilegais.
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Em linha de princípio, as decisões sobre matéria de Direito podem sempre ser modificadas pela instância de recurso, independentemente da espécie de recurso em causa. Já quanto à matéria de facto e pelas razões já apontadas acima, a lei impõe algumas restrições à sua reapreciação e consequente modificação. Com efeito, no que em específico se refere ao recurso de apelação, as decisões sobre matéria de facto apenas podem ser modificadas nas seguintes situações: (cfr. art. 712 do CPC) a) quando quando constem constem do proce processo sso todos todos os element elementos os de prova prova que servir serviram am de base base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada a decisão com base neles proferida. É, portanto, uma situação em que o tribunal hierarquicamente superior contacta com a prova, do mesmo modo como contactou o tribuna recorrido, seja porque o tribunal de recurso tem consigo todos os elementos de prova fundamentais daquela decisão sobre a matéria de facto (por os mesmos constarem do processo), seja porque fundamentando-se a decisão em depoimentos dos intervenientes processuais, os mesmos tenham sido gravados;
b)
se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas. Parece-nos ser aqui o caso em que a análise dos elementos probatórios e a decisão sobre a matéria de facto revelam, com toda a certeza e suficiente clareza que os factos foram mal apreciados, porquanto os mesmos decididamente impunham uma decisão diversa daquela do tribunal de primeira instância;
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c)
se o recorrente apresentar documento novo, superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão se assentou. Aqui estamos diante da situação em que um documento que podia influir na decisão da matéria de facto, por ser superveniente, nem sequer foi apreciado pelo tribunal recorrido. É de toda a lógica que introduzido o documento supervenientemente na lide, o mesmo terá de ser apreciado pelo tribunal de recurso, sendo que se for susceptível de influir na decisão de facto, deverá poder modificar-se esta com fundamento no aludido documento;
d)
ainda em sede de recurso de apelação é permitido ao tribunal superior (em 2.ª instância) anular a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto, mesmo oficiosamente, quando repute deficientes, obscuras ou contraditórias as decisões sobre determinados pontos da matéria de facto ou quando considere dispensável a ampliação desta, nos termos da alínea f) do art. 650.º do CPC.
Quanto ao recurso de revista, a lei dispõe que a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada salvo caso excepcional de anulação de sentença com fundamento na sua nulidade (disposições conjugadas dos artigos 729.º e 722.º, n.º2 do CPC). O recurso de agravo, regulado nos artigos 733.º e seguintes do CPC, incide essencialmente sobre questões de Direito, não se apresentando aí, com a necessária relevância a questão da modificabilidade modificabilidade da matéria de facto. No caso do recurso de revisão regulado nos artigos 771.º e seguintes do CPC resulta claro que a matéria de facto pode ser modificada pela 2ª instância.
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Com efeito, a título de exemplo, nos casos em que o recurso tenha tido como fundamente o decurso da acção ou execução à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, mostrando-se que faltou faltou a sua citação ou é nula a citação feita (cfr. art. 771, al. f)), anulamse todos os termos posteriores à citação do réu ou ao momento em que aquela devia ter sido feita, ordenando-se que o réu seja citado para a causa. Anulando-se aqueles trâmites e procedendo-se à citação do réu para os termos do processo, fácil é de notar que todos os elementos probatórios terão de ser reapreciados, o que, consequentemente, ditará, em princípio a modificação da decisão de facto. Outras circunstâncias no recurso de revisão em que a decisão pode ser modificada são as previstas nas alíneas a) e e) do artigo 771 do CPC que passamos a citar: “a) quando se mostre por sentença criminal passada em julgado que [a decisão] foi proferida por prevaricação, concussão, peita, suborno ou corrupção do juiz ou algum dos juízes que na decisão intervieram; (…) e)qu e)quan ando do se apre aprese sent ntee docu docume ment ntos os de que que a part partee não não tive tivess sse e conhecimento ou de que não tivesse podido fazer uso no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para ”. modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida ”. Portanto, numa circunstância (alínea a) do artigo771.º do CPC), estamos diante de uma situação em que o julgador não actua com a necessária imparcialidade e a desejada independência; outrossim, movido por razão antijurídica, voluntariamente aprecia os factos de modo modo tenden tendencio cioso, so, atribu atribuind indo-l o-lhes hes sentid sentidoo e efeito efeitoss que não são os que seriam seriam normalmente queridos pelo Direito. Noutra circunstância, apresenta-se um documento cuja apreciação não ocorreu em primeira instância por a apresentação não ter sido possível. Nestes casos, estabelece a lei de processo, “ profere-se nova decisão, procedendo-se às diligências absolutamente indispensáveis e dando-se a cada uma das partes o prazo p razo de oito dias para alegar por escrito” escrito ” (art. 776.º b) do CPC). Outras circunstâncias em que se afigura possível a modificação da matéria de facto são as previstas nas alíneas b), d) e e) do artigo 771.º do CPC.
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Trata-se das situações em que uma sentença a transitada em julgado venha a revelar a falsidade de um documento, de um acto judicial, um depoimento ou declaração de perito que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever; aquelas situações em que tenha sido declarada nula ou anulada por sentença já transitada em julgado a confissão, desistência ou transacção em que a decisão se fundasse, bom como aquelas situações em que a confissão, desistência ou transacção é nula, por violação do disposto nos artigos 37.º e 297.º do CPC. Nestas circunstâncias, estabelece o CPC, deve ordenar-se que “que “ que sigam os termos necessários para a causa ser novamente instruída e julgada, aproveitando-se a parte do processo que o fundamento da revisão não tenha prejudicado” prejudicado ” (art. 776.º c)). Se a causa vai ser novamente instruída e julgada, a decisão de facto poderá também sofrer modificação. O recurso de oposição de terceiro funda-se na circunstância de a decisão recorrida ter resultado de simulação processual das partes, envolvendo prejuízo para o terceiro que dela recorre. A lei não se pronuncia clara e expressamente a este respeito mas parece-nos aqui dever-se concluir pela modificabilidade da decisão de facto em segunda instância nos termos do artigo 29, n.º1 da Lei da Organização Judiciária. Efectivamente, seria ilógico, pensar-se que provada a simulação a simulação processual das partes no processo que levou à decisão recorrida, a parte de facto dessa mesma decisão possa sempre continuar incólume quando o tribunal de recurso ( rectius rectius , tribunal de segunda instância) poder conhecer de matéria de facto. O mesmo entendimento deve ser assumido no que se refere à prerrogativa do Procurador Gera Gerall da Repú Repúbl blic icaa de requ requer erer er a susp suspen ensão são da exec execuç ução ão e anul anulaç ação ão de sent senten ença çass manifestamente injustas. Com efeito, dispõe o artigo 782, n.º 3 alínea c) que “ quando o Tribunal Supremo ordena a suspensão da execução da sentença deve reapreciar a sentença impugnada, decidindo ou ordenando que se decida conforme lhe pareça mais adequado”. adequado ”. Pode assim o Tribunal Supremo, funcionando como tribunal de segunda instância modificar a decisão de facto adoptada pelo tribunal de primeira instância.
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São estes os «momentos» do ordenamento jurídico moçambicano em que julgamos que a distinção entre questão de facto e questão de Direito se apresenta com mais relevância. Chegados aqui, julgamos poder já avançar para uma tentativa de «fecho» da nossa reflexão, o que a fazemos com as «conclusões» « conclusões» que se seguem.
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Conclusões
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1.
As ideias que a seguir apresentamos, menos do que verdadeiras conclusões, melhor se deveriam chamar «tópicos « tópicos finais » assumindo-se as mesmas apenas como notas finais da nossa reflexão. Tal é a sinuosidade do nosso tema e o facto de o mesmo não ter ainda sido devidamente abordado no nosso meio jurídico que nos levam, menos do que a tentar uma abordagem conclusiva sobre o mesmo, buscar apenas a sua devida colocação, ou, como diria Castanheira Neves, buscar a sua reposição. reposição.
2.
A ideia da distinção entre facto e Direito, enfeudada na crença da sua irredutibilidade por o primeiro pertencer ao mundo do ser (da realidade dada, neutra e concreta) e o segundo pertencer ao mundo do dever-ser (da norma, entidade abstracta, geral e hipotética) encontra-se na base da reflexão jurídica e, sobretudo, no fundamento da função jurisdicional.
3.
No modelo lógico-subsuntivo, no modelo da função jurisdicional caracterizada pelo silogismo judicial, a distinção entre questão facto e Direito dá conteúdo à distinção entre a questão-de-facto e questão-de-Direito, no entendimento de que a função jurisd jurisdici icion onal al compo comporta rtaria ria essenci essencialm alment entee três três momen momentos tos – caract caracterí erísti sticos cos do silogismo – designadamente o momento da norma (premissa maior), geral, abstracta, hipotética que se aplicaria aos factos – segundo momento – (premissa menor) levando a uma decisão (conclusão – terceiro momento). No âmbito desse modelo, fácil seria distinguir a questão de facto – por a mesma se referir ao apuramento e delimitação dos factos, carecendo de prova – da questão de Direito – a qual se referiria à qualificação jurídica dos factos; já não matéria de prova e sim, função de conferir sentido e consequências jurídicos aos factos.
4.
No modelo lógico-subsuntivo, na verdade, a distinção entre questão de facto e ques questã tãoo de Dire Direit itoo nem nem sequ sequer er se colo coloca ca como como um prob proble lema ma ou, ou, como como diz diz Castanhei Castanheira ra Neves, a sua colocação colocação é de um certo certo modo modo que o torna sem sentido, sentido, posto que se entende o facto como inelutavelmente separado (do) e totalmente irredutível ao Direito. Distintas desse modo, as duas unidades carecem de uma «razão de diferença» que justifique a sua distinção como um problema, assim como carecem de uma «razão de coerência», a unidade que daria sentido a qualquer tentativa de distinção. 47
5. Sucede, Sucede, entretan entretanto to que o «facto» «facto» e o «Direi «Direito» to» com que que trabalh trabalham am os juristas juristas não não se apre aprese sent ntam am como como gran grande deza zass tota totalm lmen ente te sepa separa rada das, s, irre irredu dutí tíve veis is,, ante antess se conexionando por razões que levam a que o entendimento de um apenas seja possível implicando o outro: o facto do jurista é o «facto jurídico» e a norma é sempre uma norma para regular factos; estas realidades não se compreendem fora desta unidade. Difícil ou quase impossível é pensar um facto totalmente despido de qualquer significação normativa, assim como impossível será imaginar uma norma completamente abstracta, hipotética, sem qualquer referência à realidade factual. O facto, na sua concretude, só pode ser entendido na fenomenológica generalidade enquanto, por sua vez a norma, não pode ser compreendida fora da sua latente concretude, por a mesma sempre se referir ao facto e nela buscar a sua aplicação. 6.
É aqui que separar se torna uma acção problemática; que questionar apenas «a nível dos factos» e, posteriormente, «questionar a nível do Direito» torna-se um problema. Prob Proble lema ma que, que, acei aceita tamo moss dize dizerr com com Ca Cast stan anhe heir iraa Neve Neves, s, é um prob proble lema ma metodológico metodológico da juridicidade.
7. À volta volta desta distinç distinção, ão, o nosso Direi Direito to impõe-se impõe-se limites limites a si mesmo mesmo no seu própr próprio io «dizer-se» - na actividade jurisdicional. Os limites dos poderes cognitivos dos nossos tribunais, nomeadamente das instâncias superiores, são delimitados por aquilo a que aí se entende ser matéria de facto e o que entende posto como matéria de Direito. Também à volta desta distinção, o nosso Direito impõe limites de acesso à justiça para os cidadãos: o reexame das causas (a sua possibilidade ou impossibilidade) encontra-se delimitado por essa distinção. 8.
Distinção imanente à nossa juris-dição, distinção aceite, pacífica, recorrente nos nossos tribunais, uma distinção «silogísticamemente» aplaudida, «subsuntivamente» assumida. No nosso Direito, nos nossos tribunais ela não é problema: é um postulado. Por isso, afirmam tranquilamente os nossos processualistas, ««não não há critérios seguros para distinção de matéria de facto e matéria de Direito» Direito » e ficam-se por aí.
9.
A distinção tem, entretanto, consequências muito sérias no nosso Direito, conforme vimos no ponto 7 supra , sendo, por outro lado, que a mesma coloca o nosso juiz no reprovável papel de mero aplicador cego de normas processuais sem alma; um juiz que, fiel ao principio iluminista e politico-ideológico da separação dos poderes, é avesso a uma interpretação criadora do Direito. É o juiz que em nome da legalidade, 48
em nome da sacrossanta separação de poderes, sacrifica impiedosamente a justiça material do caso concreto. É o juiz da Lei! 10.
Neste estado de coisas, em Moçambique, o problema da distinção entre questão de facto e questão de Direito precisa, assim, de ser … reposto ou, mais correctamente, posto.
Bibliografia
A) A) Dout Doutri rina na 1. CASTANHEIR CASTANHEIRA A NEVES, António, António, Questão Questão-de-fa -de-facto cto e Questão-d Questão-de-dir e-direito eito ou O Problema Problema
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Forense, Rio de Janeiro, 2004; 10. TIMBANE, Tomás, Lições de Processo Civil I , Escolar Editora, Maputo, 2010;
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B) Legi Legisl slaç ação ão - Código de Processo Civil – Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44 129, de 28 de Dezembro de 1961, tornado extensivo ao (então) Ultramar pela Portaria n.º 19 305, de 30 de Julho de 1962 e alterado pelo Decreto-Lei n.º 47 690 de 11 de Maio de 1967, Decreto-Lei n.º 323/70 de 11 de Julho, Decreto-Lei n.º 1/2005 de 27 de Dezembro e Decreto-Lei n.º 1/2009 de 24 de Abril; - Lei da Organização Judiciária – Lei n.º 24/2007 de 20 de Agosto; C) Jurisprudência - Ac. do Tribunal Supremo de 27 de Junho de 1998, Relator: Cons. Luís Filipe Sacramento; - Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 09 de Agosto de 2004, na Apelação 293/04, Relator: Cons. Távora Victor;
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Índice
Sumário -- 4
Introdução --5 Capítulo I. Do binómio «Facto-Direito» ao binómio «Questão-de-facto e Questãode-Direito -- 7
1. Facto e Direito--8 2. Da distinção entre facto e Direito à distinção entre questão de facto e questão de Direito -- 9 3. Critérios ou orientações de distinção -- 14
Capítulo II. A crise na aparente certeza -- 18 1. Distinção entre questão de facto e questão de Direito: um problema claro? -- 19 2. O modelo subsuntivo – O facto e o Direito no silogismo judicial -- 20 3. Castanheira Neves: A crise… -- 22
Capítulo III. As consequências da distinção no ordenamento jurídico moçambicano -- 30 1. Participação dos juízes eleitos ou o Tribunal Colegial e o juiz singular -- 31 2. Graus de recurso -- 36 51
3. Poderes de cognição dos tribunais -- 38 4. Modificabilidade das decisões de facto -- 39
Conclusões -- 44 Bibliografia -- 47
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