FILOSOFIA Volume 03
a i f o s o l i F o i r á m u S
2
Coleção Estudo
Frente A
05 06
3
Helenismo: a difusão da cultura grega e a busca pela felicidade Autor: Richard Garcia Amorim
17 Filosofia cristã: a relação entre fé e razão Autor: Richard Garcia Amorim
FILOSOFIA
MÓDULO
05 A
Helenismo: a difusão da cultura grega e a busca pela felicidade
Istambul (atual) Bizâncio
I L
Í
Edessa
R
I A
Antipolis
Pela
A C A L CÍ D I C
É P I R O MA
Olinto
Potidaco
Leucas
A
A
É
S
I A
 R
L O C R I D A
Termópilas N I A
J
Ô N I
C O
Zanto
Elis Olímpia
ÓLI DA O G R
S A
E E L N O P O
Messena
Argos
Pilos M Esfactéria
Faceia
Paira
C A
Á T I
Ceos
IA
C
A L
M A
R
Magnésia
Samos
Andros Epidauro
Sardes
Maratona
Icária Siros
Esparta Ô N
Quios
Atenas
Trezena
ÊN E S S I A
D IA
Í L
Mitilene
Cálcis
Magara Corinto
Pérgamo
Lesbos
E I A
DIA A R CÁ
P
A
Hecatones
Halonesos
U B
Patras
ACAIA
E G E U
Peparetos
E
Delfos
Cefalônia
R
Políegas
L IA
C
M Í SI
Tróia
M
Icos
Ó E T
Ábidos
Tenedos
A
TESSÁL I A
Helesponto
Lemnos
Larissa G N Ambracia
A R
Samotrácia Imbros
M
Corcira
Proconeses
Tasos
A I
N D Ô C E
M
FRENTE
Mileto
Delos
Paros
Cós
Amargos
M Melos I R T O I C O
A
Leros
Naxos
Sitnos Cimolos
C ÁR I
Astipaleia Rodes
Thera
Citera
M A
R D E
C R E T A
C R E T A
Anafe
Telos
Cárpatos N
Cnossos Gortina
Grécia no séc. V a.C. Neste mapa, é possível observar as cidades-estados gregas, bem como a Macedônia. Atlas histórico escolar. MEC/Fename.
O Período Helenístico (ou Helenismo) compreende o período que se estende desde do século IV a.C. até o início da Idade Média, apresentando características gregas e romanas. Seu início está intrinsecamente ligado à gura de Alexandre, o Grande, rei da Macedônia, e às suas expedições e conquistas. A palavra helenismo, do grego hellenismós, signica “falar grego”. Assim, helenista é o nome dado àqueles que utilizaram o idioma grego para se comunicar, seja por escrito ou apenas oralmente. Helenístico também pode se referir àquele que adotara o grego como segunda língua. Por exemplo, no livro Atos dos Apóstolos, present e na Bíblia Sagrada, a palavra helenístico foi utilizada para se referir aos judeus que substituíram sua língua materna pelo grego. É importante notar que, com o tempo, Editora Bernoulli
3
Frente A Módulo 05 a palavra helenismo deixa de se referir somente a uma transformação de idioma para abranger toda uma cultura helenística. Dessa forma, passou a representar o fenômeno de aculturação dos outros povos que, não sendo gregos ou orientais, adotaram a cultura e a forma de viver e conceber o mundo dos gregos. Para que tal transformação fosse efetuada, foi fundamental a figura de Alexandre, conhecido como o maior conquistador e estrategista da Antiguidade.
D R n i o i e p e r
R i o D n i e s t e r
R i o V e i g a
MAR DE ARAL
o
i R i o b D a n ú
MAR NEGRO
MAR CÁSPIO
MACEDÔNIA Trácia Granicius (334) Pella ANAT ÓLIA Górdio ANATÓLIA
R i o O x u s
ASSÍRIA Gaugamela Hecatómpilos Báctria R H i C U S o (331) T N D U PÉRSIA I R i H g i o r E e Morte de Dario u f r a t Ecbatana (330) e s Mesopotâmia Bucefalia Susa Proftasia Babilônia s u Morte de Alexandre d n I (323) oi Pasárgada G R
Isso (333)
M A R M
E D IT E RR ÂN EO
Alexandria
O REINO DA MACEDÔNIA
R i o D o n
Oásis de Siwa
Mênfis R
EGITO
O L
i o N i l o
F
O P
É
DESERTO DA AR ÁBIA ARÁBIA SAARA
ÍNDIA
R S I C O
Patala OCEANO ÍNDICO
N
Império de Alexandre Batalhas
0
450 km
O Império Macedônico conquistado por Filipe e por Alexandre: território que se estendia dos Bálcãs à Índia, incluindo o Egito e a Báctria (aproximadamente o atual Afeganistão). n e s r e d e P h c a B r o n n u G
Busto de Filipe II à mostra na Gliptoteca Ny Carlsberg
Localizado na Península dos Bálcãs ou Península Balcânica, o reino da Macedônia situava-se na região nordeste da Grécia. A maioria de sua população era formada por camponeses livres que se dedicavam a tarefas ligadas à terra e à criação de gado. Apesar de algumas diferenças, a língua macedônica era muito semelhante à língua grega. Os atenienses, pertencentes à maior e mais importante cidade grega, tinham um modo muito peculiar de ver os estrangeiros. Embora fossem também gregos, os macedônicos eram desprezados pelos atenienses, sendo considerados bárbaros e devendo ser mantidos longe das glórias e dos privilégios reservados somente aos “verdadeiros homens gregos”. No ano de 359 a.C., Filipe se torna rei da Macedônia, aos 23 anos de idade, no lugar do rei Amintas IV, cando conhecido então como Filipe II. Filipe II foi assassinado em 336 a.C., ao ser apunhalado por um de seus soldados, Pausânias, diante da população durante o festival de outubro. Nesse festival, comemoravam-se as cerimônias de casamento da Macedônia, inclusive o da lha do rei, Cleópatra. Aproveitando aquela ocasião, Filipe II fez uma espécie de encontro internacional, convidando vários enviados das cidades-estados gregas e outros líderes dos povos balcânicos.
4
Coleção Estudo
Antes de se tornar um grande rei, com glórias e honrarias devidas somente aos deuses, Filipe havia passado três anos como refém na cidade grega de Tebas, num momento em que o reino da Macedônia enfrentava uma grande crise, devido às guerras em que o reino esteve envolvido. Em Tebas, Filipe teve a oportunidade de estudar as táticas de guerra mais sosticadas de seu tempo e também as inovações estratégicas militares tebanas, principalmente a falange. Ao regressar para a Macedônia em 360 a.C., tendo também estudado os métodos militares dos gregos, com sua experiência, Filipe montou as falanges, constituídas de dez leiras de infantaria armada com novas lanças, duas vezes mais longas do que aquelas comumente utilizadas, possuindo cada uma cerca de cinco metros de extensão. Com tal formação, os soldados que carregavam tais lanças podiam car mais distantes do que os que estavam à frente na batalha. Desse modo, as lanças da retaguarda, projetando-se entre as da primeira leira, eram absolutamente devastadoras contra os exércitos inimigos. Como resultado dessa disposição e técnica, as falanges formavam um escudo, quase como um ouriço, praticamente indestrutível. Apoiando a retaguarda, havia a cavalaria. Os homens que a constituíam portavam uma armadura diferente em força e peso e combatiam por trás os opositores, deixando os inimigos encurralados. Como reforço, o exército de Filipe ainda possuía as catapultas, capazes de lançar pedras de mais de dez quilos a distâncias que chegavam a 200 metros. Enm, Filipe da Macedônia formou um exército com força e perícia quase indestrutíveis, composto de homens bem treinados e dispostos à conquista do mundo, que se iniciou pela Grécia, já enfraquecida devido à Guerra do Peloponeso.
Helenismo: a difusão da cultura grega e a busca pela felicidade
Os soldados (ou falangistas) mantinham uma formação cerrada, com as armas das primeiras linhas projetadas para a frente, de modo que seria impossível atingir qualquer homem da formação sem ser perfurado por alguma lança. Essas lanças, chamadas sarissas, mediam de quatro a cinco metros e eram constituídas apenas de uma ponta aada e um contrapeso. Os membros restantes da formação, aqueles que cavam longe da primeira linha, mantinham as lanças elevadas em média de 45º graus, numa posição de prontidão e anulando parcialmente um ataque pelo alto, por exemplo, caso a cavalaria inimiga saltasse sobre a primeira linha de lanças. Os homens que cavam nas últimas leiras da falange eram usados como substitutos, quando os soldados da frente morriam ou tombavam, além de constituirem uma força de “empurrão” para toda a formação, de modo que o inimigo era literalmente esmagado sob o avanço do Exército.
Após a conquista da Grécia, os macedônicos se puseram à conquista da Pérsia, que possuía um vasto império, e dominaram também outros povos, sendo atraídos, principalmente, por tesouros e terras cultiváveis. Foi durante as comemorações que antecederiam o início da conquista dos persas que Filipe II veio a falecer, assumindo o trono então seu lho, Alexandre.
ALEXANDRE, O GRANDE: VIDA E CONQUISTAS
Com a morte de Filipe II, Alexandre (356-323 a.C.) se tornou rei da Macedônia, com apenas 20 anos. No entanto, sua pouca idade não representou qualquer empecilho para a genialidade de uma das guras mais importantes da história da Antiguidade. Tendo construído um dos maiores impérios da história, alguns homens de seu tempo chegaram a armar que Alexandre pertencia à descendência direta de Zeus. Antes de se tornar rei, Alexandre já tinha tido experiências políticas e militares ao lado do pai. Aos 16 anos, por exemplo, quando Filipe liderou um ataque contra a cidade de Bizâncio em 340 a.C., Alexandre assumiu o controle do reino da Macedônia. Já na batalha de Queroneia, decisiva na conquista de Atenas, Alexandre liderou a cavalaria, o que foi fundamental para a vitória macedônica. Conta-se que sua personalidade era sobremaneira singular. Por um lado, era um homem de visão diferenciada, extremamente inteligente, que buscava construir uma síntese entre o Oriente e o Ocidente. Alexandre era conhecido por seu respeito aos derrotados e por sua admiração pelas ciências e pelas artes, o que cou claro com a criação da cidade de Alexandria (atual Istambul), que se tornou, substituindo Atenas, a cidade mais importante do mundo em sua época, devido ao seu caráter cultural, cientíco e econômico (talvez pela inuência do mestre e preceptor Aristóteles, que educou Alexandre durante sua infância), sendo substituída por Roma somente trezentos anos depois. Por outro lado, Alexandre apresentava-se como um homem extremamente instável, violento e cruel, inclusive com aqueles que lhe eram mais próximos. Como resultado de todas as suas campanhas e guerras, Alexandre criou um império que se estendia da Grécia à extremidade da Índia. Como rei e general de seus exércitos, nunca perdeu uma batalha. Não voltou para a Macedônia, sua terra natal, depois de suas conquistas, permanecendo na Babilônia até sua morte. Em 323 a.C., com apenas 33 anos, Alexandre morreu, vitimado por uma febre. Seus generais passaram, então, a disputar o poder entre si. O vasto império acabou se dividindo em reinos menores, entre os quais se destacam a Macedônia, a Síria, Pérgamo e o Egito. Os generais de Alexandre se tornaram os governantes desses reinos, que permaneceram até as invasões romanas.
As consequências das conquistas de Alexandre para a cultura grega e para a Filosofia
Busto de Alexandre. Cópia romana em mármore do original de Lisipo, de 330 a.C. (Museu do Louvre). Segundo Plutarco, as esculturas de Lisipo representavam elmente o famoso conquistador macedônio.
A consequência política mais importante dos feitos de Alexandre foi o desmoronamento da importância sociopolítica da poleis grega. Com as conquistas sobre toda a Grécia, a liberdade dos homens livres, característica que sustentava a democracia grega, mais propriamente a ateniense, perdeu sua força e vivacidade. Atenas, a principal polis grega, agora, fazia parte dos povos conquistados. Por mais que Alexandre respeitasse os atenienses e mantivesse a cidade Editora Bernoulli
5
A I F O S O L I F
Frente A Módulo 05 como sua aliada, a liberdade, sustentáculo da democracia, foi duramente atingida. Após a morte de Alexandre, com a formação dos reinos do Egito, da Síria, da Macedônia e de Pérgamo, a importância da cidade livre, da polis, foi perdida e seu ideal de independência e liberdade foi praticamente esquecido. Desse modo, a polis pensada por Platão e Aristóteles, com seus ideais de moralidade e organização tidos como a forma perfeita de organização social e política, passou a ser vista como uma utopia.
n e v h t u R
Alexandre Magno e seu cavalo Bucéfalo, na Batalha de Isso. Mosaico encontrado em Pompeia, hoje no Museu Arqueológico Nacional, em Nápoles.
De cidadão, o homem grego se tornou súdito. Já não era a assembleia de homens livres que governava a cidade, mas agora eles recebiam ordens e tinham de acatá-las, uma vez que estavam submetidos pela força e pelo poder militar e político da Macedônia. Em 146 a.C., com as invasões romanas, a Grécia perdeu totalmente sua liberdade, tornando-se província de Roma. Desse modo, os gregos, não podendo definitivamente retornar ao ideal de cidadania da polis, aquele que valorizava os ideais cívicos de sua cidade e por isso o homem se identicava somente com ela (prova disso era o tratamento dos gregos dispensado aos estrangeiros), passaram a valorizar uma ideia cosmopolita, ou seja, já que não havia uma cidade com a qual o sujeito se identicasse, o mundo passaria, então, a ser sua cidade. Nesse novo contexto de cosmopolitismo, o homem não estava mais preocupado em se tornar cidadão, passando agora a se preocupar consigo próprio, não tendo mais como identidade a comunidade política, mas sim o indivíduo, o homem particular, ou seja, ele mesmo. Desse modo, se a cultura do mundo clássico, das cidades-estados gregas, se empenhava em formar o cidadão, esse novo mundo criado por Alexandre trouxe à tona o indivíduo, que, ao contrário do cidadão antigo, que se preocupava com o bem e com a felicidade de todos, passou a se preocupar consigo e com a sua felicidade. Ética e política tornaram-se coisas distintas. A ética clássica, presente até Aristóteles, baseava-se na união entre homem e cidadão, sendo que o bom político era, consequentemente, o melhor homem. Agora, a ética se estruturava de maneira autônoma, buscando compreender como o homem singular deve agir e viver para ser feliz particularmente.
6
Coleção Estudo
Da cultura helênica para a cultura helenística Com as conquistas de Alexandre, o mundo se tornou um só reino. Isso signica que a cultura dos helenos, que antes era preservada somente entre os povos gregos, principalmente em Atenas, foi difundida pelo mundo. Por cultuar os ideais gregos, Alexandre, ao dominar os demais povos, difundiu a cultura helena, que se espalhou pelo mundo e foi absorvida, de um ou de outro modo, por todos os povos conquistados. A própria Roma, que mais tarde dominou a Macedônia, absorveu a cultura grega, por exemplo, quando renomeou os deuses gregos e os cultuou em seus ritos religiosos. Dentro da nova perspectiva de homem, visto agora como indivíduo, se fez necessário encontrar um novo modo de vida. Assim, foi preciso pensar em uma moral que levasse em conta o homem particular e que pudesse se constituir em uma forma para que este encontrasse a felicidade. Dessa maneira, a losoa se dirigiu ao homem concreto e individual e, em alguma medida, ocupou o lugar antes reservado à antiga polis e à sua religião. A losoa ofereceu novos conteúdos para a vida espiritual, iluminou a consciência, ensinou o homem a viver e a ser feliz. A preocupação losóca do helenismo foi predominantemente ética, tendo as demais especulações losócas se subordinado a este interesse prático. Há uma concepção terapêutica da losoa, segundo a qual os lósofos helenistas comparam sua arte com a do médico. Dessa forma, assim como os médicos curam os males do corpo, a losoa cura os males da alma. A losoa cuida das enfermidades da alma causadas pelas falsas crenças e pelos temores diante da vida e da morte. É nesse contexto que surgem as escolas filosóficas – estoicismo, epicurismo, ceticismo e cinismo –, que pretendem apresentar para os homens uma nova maneira de ser e viver que possa levá-los à felicidade.
O ESTOICISMO
s n o m m o C e v i t a e r C / o k k a h S
Busto de Zenão de Cício no Museu de Pushkin
Helenismo: a difusão da cultura grega e a busca pela felicidade Fundada por Zenão de Cício (332-262 a.C.), cidade localizada em Chipre, em 300 a.C., a escola estoica representou a mais importante das correntes de pensamento do Período Helenístico. A palavra estoicismo tem sua origem no termo stoa poi kilé, que signica pórtico pintado, local em que os membros dessa escola se reuniam. Dentre as principais guras que compunham a escola estoica, estão Cleantes (331-232 a.C.) e Crisipo (280-206 a.C.). A ideia de natureza é essencial para compreendermos o estilo de vida e a proposta de felicidade pregada pelo estoicismo. Segundo essa escola, a Filosoa é dividida em três partes, a física, a lógica e a ética, sendo esta última a mais importante. Nessa concepção, a Filosoa é vista como uma árvore, na qual os frutos correspondem à ética, a raiz à física e o tronco à lógica. Para o estoicismo, o homem deve viver segundo o que é natural. Dentro dessa concepção ética, o homem pertenceria à natureza, vista como o macrocosmo, sendo o ser humano somente um microcosmo. Dessa forma, o microcosmo está submetido ao macrocosmo. Para que o homem alcance a felicidade verdadeira, suas ações devem estar de acordo com o macrocosmo, ou seja, com aquilo que a natureza determina.
possível somente àquele que constrói sua fortaleza interior, ou atinge a apatheia, que seria a indiferença a tudo o que acontece, de modo que os fatos da vida, sendo inevitáveis porque são naturais, não podem tirar a paz interior do homem. O estoicismo ensina o homem a enfrentar as vicissitudes da vida de forma calma, resignada, e, sobretudo, digna. Esse estado é alcançado por meio do autocontrole e da austeridade de uma vida disciplinada e construída somente com o que é estritamente necessário à sobrevivência, sem qualquer luxo ou culto às coisas supéruas. A escola estoica teve grande aceitação no mundo romano (posterior ao mundo helênico), tendo como principais representantes pensadores da qualidade de Sêneca (4 a.C.-65 d.C.) e Marco Aurélio (121-180), imperador de Roma após 161. Em sua versão latina, o estoicismo se manifestou principalmente na ideia de indiferença a tudo o que acontece na vida do homem, sem que este perca a paz interior construída com a racionalidade losóca.
A I F O S O L I F
São três as virtudes que levariam o homem à felicidade: a inteligência, que o conduziria ao conhecimento e ao discernimento do bem e do mal; a coragem, que consiste em conhecer o que deve ser temido e o que não deve ser temido; e a justiça, que seria o conhecimento do que deve ser dado a cada um segundo o que lhe é devido. Em sua concepção, o estoicismo dirá que não existe nada além da vida terrena: se o homem é natureza e deve se inteirar a ela, ao morrer ele continua a ser natureza, de outra forma, certamente, mas simples natureza. “O homem dissolve-se na natureza.” Dentro de sua proposta ética, podemos perceber que o estoicismo estará próximo de um determinismo ou fatalismo: as coisas estão determinadas pela sua natureza, e, se assim é, o homem deve aceitar tal natureza, tal “destino” e cumpri-lo, fazendo sempre o que é correto. Isso não signica que o sujeito não tenha vontade ou capacidade de pensar naquilo que é certo ou errado, mas que ele deve aceitar o que é inevitável, se for isso o que a racionalidade do cosmos determinar. É importante perceber que a natureza não é arbitrária e irracional, por isso os estoicos insistiam no esforço para conhecer a racionalidade intrínseca à natureza, compreendendo, assim, as suas determinações, sem se desesperar diante delas. Nesse ponto, encontra-se aquilo que talvez seja o maior ensinamento do estoicismo: se os acontecimentos seguem o curso da natureza, o homem deve aceitá-l os de forma tranquila, buscando nessa aceitação a verdadeira felicidade. Dessa forma, o sujeito deve alcançar a ataraxia (estado de paz interior) por meio da tranquilidade da alma,
a z n e l A o d r a n o e L
O suicídio não era um tabu para os estoicos. Diante de uma situação extrema, seria a solução mais racional a ser tomada pelo homem.
É interessantíssima a ideia trazida pelo estoicismo sobre a possibilidade do suicídio. De acordo com essa corr ente, se a natureza é racional e o homem deve viver de acor do com essa racionalidade, preservando o autocontrole e a paz interior, em alguns casos, o suicídio se torna natural. Por exemplo, quando o sujeito é acometido de uma doença grave e incurável, que lhe causará, inevitavelmente, uma dor tamanha, tirando-o do controle de si mesmo, provocando a angústia e o sofrimen to como consequências, afastando-o denitivamente da felicidade, Editora Bernoulli
7
Frente A Módulo 05 o mais racional seria, portanto, deixar de viver. Por isso, o suicídio é visto pelos estoicos como um caminho racional diante de situações extremas e não como um pecado ou um erro. As inuências do estoicismo serão claramente identicadas no cristianismo, quando este, anos depois, tecerá elogios ao autocontrole, à resignação diante dos acontecimentos e sofrimentos inevitáveis e à vida simples e abnegada em vista de um ideal maior que está para além desse mundo.
O EPICURISMO: O ENCANTAMENTO DOS “JARDINS” DE EPICURO
o i z n a S l e a f a R
Detalhe da obra Escola de Atenas , de Rafael Sanzio. Em destaque, Epicuro.
s t r e b o R i l i g n e h c S h t i e K
Busto de Epicuro
Das escolas do Período Helenístico, talvez a que defenderá a mensagem mais fascinante seja o epicurismo. Fundado por Epicuro (341-270 a.C.), o epicurismo traz como pano de fundo de uma vida feliz a procura pelo prazer, que deve ser buscado em todas as coisas, o desprezo pela morte e a negação do temor aos deuses. Epicuro nasceu em Samos e chegou a Atenas em 323 a.C., mesmo ano da morte de Alexandre, o Grande. Fundou sua escola em Atenas em 306 a.C., depois de viajar por muitos lugares e conhecer os homens e o mundo. Diferentemente das escolas de Platão (a Academia) e de Aristóteles (o Liceu), a escola de Epicuro não era um centro de investigação losóca em busca da verdade sobre o mundo ou sobre o homem, identicando-se mais como um permanente retiro espiritual, em que os amigos se reuniam para buscar a felicidade por meio de uma vida simples e regrada, entregue à reexão sobre o homem e à busca do prazer.
8
Coleção Estudo
Rejeitando o dualismo alma e corpo, Epicuro dirá que o homem e o mundo são formados por átomos, ideia retirada do pré-socrático Demócrito. Segundo este, os átomos, que em si são eternos, se juntam formando todos os seres, inclusive o homem. Uma vez que tais seres são destruídos, esses átomos são separados e voltam à natureza, formando então outros seres. Na concepção religiosa do epicurismo, não existiria vida após a morte, uma vez que a própria alma humana é formada também por átomos e, quando o homem morre, esses átomos são simplesmente dispersados. Assim, Epicuro vai contra a preocupação dos homens em querer agradar os deuses com ritos e sacrifícios, uma vez que não há por que agradá-los, já que a alma não irá para junto deles após a morte. Além disso, Epicuro, em sua Carta sobre a felicidade, escrita para seu amigo Meneceu, dirá que os deuses vivem em um lugar chamado de intermundo, não se importando com a vida dos homens, e, por isso, estes também não deveriam se preocupar em agradá-los, pois deles “nada temos a esperar e nada a temer”. Dentro de uma visão materialista, Epicuro dirá que o único conhecimento verdadeiro é aquele obtido por meio dos sentidos, que também são materiais, sendo eles os instrumentos pelos quais o homem conhece os seres do mundo. Desse modo, o epicurismo valorizará as sensações, pois entende que elas são o testemunho imediato dos sentidos, sendo sempre verdadeiras. Se não há vida após a morte e o destino, em certa medida, segue a natureza dos seres, sendo que o homem pode também seguir algumas coisas determinadas por si mesmo, resta ao homem buscar uma vida feliz nesta realidade terrena, vivendo cada dia como uma construção propriamente humana em busca do prazer. A boa vida, a felicidade neste mundo, deve ser a meta a ser atingida pelo sujeito.
Helenismo: a difusão da cultura grega e a busca pela felicidade Ao contrário do que se pensou por muito tempo, Epicuro não pregava uma vida de prazeres imoderados e sem limites, não podendo ser considerado, assim, o defensor de um hedonismo1 raso e supercial, no sentido de que o que vale na vida é o prazer em si mesmo, sem consequências de qualquer natureza.
n á d l o R a n A
O hedonismo, no sentido mais conhecido da palavra, é a busca pelo prazer sem medida e sem consequências. Se entendido deste modo, o epicurismo não pode ser chamado de hedonismo. El hedonismo, de Ana Roldán.
Segundo a doutrina epicurista, o homem atinge uma vida feliz à medida que busca o prazer de forma moderada e equilibrada. Há uma clara distinção entre os prazeres ligados ao corpo e os prazeres ligados à alma, sendo estes mais importantes do que aqueles. Não são todos os prazeres que trazem a tranquilidade, mas somente os prazeres simples e racionalmente discernidos. Nas palavras de Epicuro, “todo prazer é bom, mas nem todos devem ser desejados. Toda dor é ruim, mas nem toda dor deve ser rejeitada”. Segundo a ética epicurista, o homem feliz é aquele que é austero e moderado, buscando os prazeres simples e virtuosos, racionalmente escolhidos. É por isso que o lósofo dirá que, de todas as virtudes, a mais valiosa é a prudência, pois é por meio dela que o homem é capaz de discernir os prazeres e escolher os melhores. Assim, Epicuro estabelece uma hierarquia entre os prazeres, dividindo-os em: 1º. Prazeres naturais e necessários. Exemplo: comer o
suciente para saciar a fome. 2º. Prazeres naturais e não necessários: Exemplo:
comer comidas renadas. 3º. Prazeres não naturais e não necessários: Exemplo:
riqueza, poder e prestígio.
Segundo Epicuro, os prazeres da primeira categoria devem ser buscados, os da segunda podem ser buscados de vez em quando e os da terceira nunca devem ser buscados, pois são insaciáveis e levariam o homem à angústia. Sobre o mal e a dor, Epicuro dirá que ambos são inevitáveis. Desse modo, dirá que o mal físico ou é facilmente suportável ou, se é insuportável, dura pouco e leva à morte. E a morte não deve ser vista com medo ou como um mal em si, ela é, simplesmente, a suspensão dos sentidos. Epicuro, em sua Carta, dirá que “quando ela (a morte) está presente, nós não estamos, e quando nós estamos presentes, ela não está presente”, por isso, a morte não deve representar nada para o homem. Já em relação aos males da alma, Epicuro dirá que a losoa é capaz de curá-los e de libertar completamente o homem de tais males.
Como devemos viver: a síntese de Epicuro Epicuro nos forneceu uma síntese de sua mensagem no chamado quadri-fármaco (ou quatro remédios para os males do mundo), que consiste em quatro lições a serem seguidas para se alcançar a verdadeira felicidade: 1ª. São vãos os temores dos deuses e do além. 2ª. É absurdo o medo da morte. 3ª. O prazer, quando for entendido de modo justo, está
à disposição de todos. 4ª. O mal ou é de breve duração ou é facilmente
suportável.
Seguindo esses princípios, o homem poderá alcançar a paz interior, a absoluta imperturbabilidade, sendo então feliz. No m de sua Carta sobre a felicidade, Epicuro diz: Medita, pois, todas essas coisas e muitas outras a elas congêneres, dia e noite, contigo mesmo e com teus semelhantes, e nunca mais te sentirás perturbado, quer acordado, quer dormindo, mas viverás como um deus entre os homens. Porque não se assemelha absolutamente a um mortal o homem que vive entre bens imortais. EPICURO. Carta sobre a felicidade a Meneceu. Ed. bilíngue, grego/português. Tradução de Álvaro Lorencini e Enzo Del Carratore. São Paulo: Editora Unesp, 1997.
1 Hedonismo: doutrina que encontra no prazer o sumo bem e na busca do prazer o objetivo da vida do homem. Os cirenaicos são os fundadores dessa doutrina, colocando os prazeres do corpo acima dos prazeres da alma. Mas mesmo os cirenaicos condenavam os excessos e diziam ser necessário manter um domínio sobre si mesmo ao experimentar os prazeres. Editora Bernoulli
9
A I F O S O L I F
Frente A Módulo 05
CETICISMO
2.
Sendo assim, não é necessário ter fé nas coisas, mas sim permanecer sem opiniões, sem inclinações, sem agitações, dizendo a respeito de tudo: “é não mais do que não é”, “é e não é”, ou “nem é, nem não é”;
3.
Aqueles que se encontram nessa posição, ou seja, aqueles que atingirem tal atitude frente às coisas, em primeiro lugar alcançarão a apatia e depois a imperturbabilidade. Ou seja, essas pessoas alcançarão a felicidade.
Busto de Pirro, fundador do ceticismo
Fundado por Pirro de Élida (365/360-275/270 a.C.), o ceticismo, também conhecido como pirronismo, é uma das escolas mais importantes do Período Helenístico. Apesar de a tradição considerar o ceticismo como uma escola, ao contrário de Epicuro e dos estoicos, o ceticism o foi mais um pensamento, uma ideia que se disseminou pelo mundo do que propriamente uma escola. Os seguidores de Pirro não eram discípulos, mas simples admiradores que tomavam sua vida e atitudes como modelo para a busca da felicidade. Pirro fez parte do Exército de Alexandre, o Grande, e com ele foi até a Índia. Nesse caminho, percebeu que as convicções gregas, as verdades que até então eram arraigadas e inquestionáveis de sua tradição, não passavam de um modo particular de ver o mundo, ou seja, as verdades ditas pelos gregos, que pareciam incontestáveis e evidentes, eram somente mais uma visão particular ao lado de outras visões diferentes sobre os mesmos assuntos. Com isso, Pirro concluiu que verdades únicas e absolutas não existem, não passando de opiniões. Pirro não deixou nada escrito, a exemplo de alguns pré-socráticos e do próprio Sócrates. Quem escreveu sobre seus ensinamentos foi seu seguidor Tímon. Segundo Tímon, para que o homem seja feliz, ele deve car atento a três coisas: •
Como são as coisas por natureza.
•
Qual deve ser nossa disposição em relação a elas.
•
O que nos ocorrerá se nos comportarmos assim.
De acordo com Tímon, Pirro dá uma resposta a tais questionamentos: 1.
10
As coisas são igualmente sem diferença, sem estabilidade, indiscriminadas; logo, nem nossas sensações nem nossas opiniões são verdadeiras ou falsas; Coleção Estudo
A dúvida é uma das atitudes do cético. Será que realmente existem verdades absolutas sobre as coisas? Para o ceticismo, não.
A ideia central do ceticismo é, portanto, que o homem não pode encontrar uma verdade absoluta sobre nada no mundo. Dessa forma, cético é aquele que não busca a verdade, pois sabe que ela é impossível de ser atingida, seja porque o homem não tem condições de encontrá-la, seja porque ela não existe. De uma forma ou de outra, a postura do homem deve ser a de se abster de julgar o que as coisas são, de não emitir qualquer resposta à pergunta: o que é? Assim, se as coisas são indiferentes, sem medida e indiscerníveis, sendo que os sentidos, a razão, o pensamento não podem dizer o que as coisas são ou deixam de ser, o homem deve se contentar em simplesmente não buscar a verdade, permanecendo sem nenhuma inclinação, na total indiferença. É essa indiferença que levaria o homem à felicidade. Não há por que se angustiar e perder a paz interior em busca da verdade, pois esta não existe ou é impossível de ser encontrada. Está aqui o ponto principal da argumentação cética, resumida no conceito de époche, que signica a suspensão do juízo. Um dos mais importantes representantes do ceticismo foi Sexto Empírico (séc. II), que escreveu suas Hipotiposes Pirrônicas, principal fonte que temos de conhecimento do ceticismo antigo. Em sua obra, ele dirá que o ceticismo é “a faculdade de opor de todas as maneiras possíveis os fenômenos e os noumenos [coisas em si mesmas, essências das coisas], e daí chegarmos, pelo equilíbrio das coisas e das razões opostas, primeiro à suspensão do julgamento (epokhé) e, depois, à indiferença (ataraxia)”.
Helenismo: a difusão da cultura grega e a busca pela felicidade
CINISMO
l e t s E e k l E , t u l K r e t e P s n a H
Diógenes, o cínico mais famoso. Andava com uma lanterna nas mãos em busca de um homem que fosse realmente justo.
A palavra cínico, provavelmente utilizada pela primeira vez para se referir a Diógenes de Sinope, tido como o fundador dessa escola losóca, provém do grego kynismó ou kynós e do latim cynismu, que signica “cão”. Desse modo, Diógenes e os demais cínicos caram conhecidos como os “cães da cidade”. Porém, Antístenes, seguidor de Sócrates e quase contemporâneo de Platão, foi o primeiro a viver segundo os princípios adotados pelo cinismo, sendo considerado, portanto, seu primeiro fundador. Nesse caso, Diógenes é visto como uma espécie de refundador do cinismo, pois é ele o maior e mais importante expoente desse pensamento. A ideia central do cinismo é a mais anticultural das concepções losócas da Grécia Antiga: Diógenes declarou que toda pesquisa losóca abstrata e teórica, bem como a matemática, a física, a astronomia, a música e todo e qualquer outro tipo de conhecimento teórico, é inútil para levar o homem à felicidade. Essa concepção é claramente identicável com sua célebre “procura pelo homem”. Conta-se que Diógenes saía pela cidade, de dia, com uma lanterna na mão, dizendo procurar “um homem que fosse justo”. Com isso, ele queria encontrar um só homem que vivesse de acordo com a natureza, longe de todas as convenções da sociedade e indiferente ao próprio capricho da sorte e do destino, sabendo reencontrar sua verdadeira e original natureza, vivendo conforme essa natureza e com isso alcançando a verdadeira felicidade. O modo de vida do cínico, em especial de Diógenes, resume o porquê de os participantes dessa escola serem conhecidos como os “cães”: os cães não se importam com nada, não perdem a paz em busca de comida, mas comem o que aparece; não se angustiam porque não têm onde dormir,
mas dormem em qualquer lugar e, sobretudo, não têm qualquer vergonha em fazer o que é natural, satisfazendo suas necessidades em frente a todos e quando sentem vontade. Da mesma forma deveriam ser os homens, que devem agir sem se preocupar com as convenções sociais ou qualquer norma de conduta. É interessante observar que é o animal que diz para o cínico como ele deve viver e agir, e não o contrário: uma vida sem metas (metas que a sociedade coloca como necessárias, como obter riquezas e prestígio), uma vida sem necessidade de moradia xa e também sem conforto. Segundo o cinismo, esses prazeres são criados pelos homens e são dispensáveis à vida feliz. Segundo Diógenes, “quanto mais se eliminam as necessidades supéruas, mais se é livre”. Tal liberdade pregada pelos cínicos se manifestava em todos os sentidos: liberdade da palavra, pois diziam o que queriam da forma que queriam, sendo considerados, por isso, arrogantes; e liberdade da ação, pois faziam o que queriam, em qualquer lugar que estivessem e diante de qualquer pessoa. O trecho a seguir nos dá uma visão mais clara do modo de viver e pensar dos cínicos: Costumava fazer qualquer coisa à luz do sol, mesmo o que diz respeito a Demeter e Afrodite (comer e amar). [...] Se comer não é estranho, nem mesmo na praça pública é estranho. Não é estranho comer; portanto, também não é estranho comer na praça pública. [...] Costumava masturbar-se em público e dizia: quem me dera pudesse aplacar a fome esfregando-me o ventre. DIÓGENES, Laércio. VI, 69.
Os cínicos desprezavam o prazer, pois, segundo eles, o prazer não só debilita o físico, mas escraviza a alma, que se torna dependente das coisas ou homens que trazem tal prazer. Dessa maneira, os cínicos viam como ideal de vida a ser alcançado a autarquia, ou seja, bastar-se a si mesmo, sendo preciso, para isso, a apatia e a indiferença diante de todas as coisas. Conta-se que um dia Alexandre, o Grande, foi visitar Diógenes, que estava em seu barril (ele vivia em um barril), a tomar o sol da manhã. Chegando perto de Diógenes, Alexandre, o homem mais rico e poderoso da Terra, disse: “Pede-me o que quiseres que eu te darei”. Ao qual Diógenes responde: “Não me faça sombra. Devolve meu sol”. Apesar de parecer uma anedota, a história resume o ideal do cinismo: o homem não necessita de nada a não ser daquilo que a própria natureza se encarregou de lhe dar. Nada que não seja natural é essencial à vida, e a felicidade só pode ser alcançada a partir de uma vida simples e de acordo com a natureza. Editora Bernoulli
11
A I F O S O L I F
Frente A Módulo 05 03. No Período Helenístico “a sensação de isolamento, desenraizamento e insegurança era, de fato, forte o bastante para estimular muitos homens a buscar uma forma de vida que lhes proporcionasse uma íntima sensação de segurança e estabilidade. Isto foi o que as novas losoas do Período Helenístico se puseram a proclamar.” A partir do trecho anterior, REDIJA um texto explicando a importância das escolas losócas para o Período Helenístico.
EXERCÍCIOS PROPOSTOS 01. (UFMG) Leia este trecho:
t e j u P e r r e i P
Alexandre visita Diógenes. O rei admirava tanto o “cão” que disse: “Na verdade, se eu não fosse Alexandre, gostaria de ser Diógenes”. O encontro de Alexandre com Diógenes de Sinope . Pierre Pujet, 1680. Museu do Louvre.
EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 01. Intelectual e espiritualmente, de fato, a época de Alexandre assinala na Grécia uma mudança decisiva, que afetou especialmente as minorias cultas. No novo mundo dos grandes impérios, quando a civilização grega já tinha se espalhado por todo o Oriente próximo, [...] os horizontes do indivíduo grego viam-se consideravelmente
Dependendo das condições anteriores, o mesmo vinho parece azedo para aqueles que acabaram de comer tâmaras ou gos, mas parece ser doce para aqueles que consumiram nozes ou grão-de-bico. E o vestíbulo da casa de banhos esquenta os que entram, mas esfria os que saem, se cam esperando nele. Dependendo de se estar com medo ou conante, o mesmo objeto parece temível ou terrível ao covarde, mas de forma alguma a alguém mais corajoso. Dependendo de se estar em sofrimento ou em situação agradável, as mesmas coisas são irritantes para os que sofrem, e agradáveis para os que estão bem. .......................................................................... .......................................................................... Se, então, não se pode preferir uma aparência à outra, com ou sem uma demonstração ou um critério, as diferentes aparências que ocorrerem, em diferentes condições, serão indecidíveis. De modo que a suspensão do juízo com relação à natureza dos existentes externos é introduzida também desse modo. SEXTO EMPÍRICO. Hipotiposes pirrônicas I, 110-117.
Com base na leitura desse trecho, REDIJA um texto caracterizando a corrente filosófica que defende as armações nele contidas.
alargados, mas ao mesmo tempo este havia perdido o sentimento de segurança que a vida da antiga cidade
02. Habituar-se às coisas simples, a um modo de vida não
de segurança que a vida da antiga cidade podia lhe dar”.
luxuoso, portanto, não só é conveniente para a saúde, como ainda proporciona ao homem os meios para enfrentar corajosamente as adversidades da vida: nos períodos em que conseguimos levar uma existência rica, predispõe o nosso ânimo para melhor aproveitá-la, e nos prepara para enfrentar sem temor as vicissitudes da sorte.
REDIJA um texto explicando o que isso representou para
EPICURO. Carta sobre a felicidade (a Meneceu).
podia lhe dar. Segundo o texto, no Período Helenístico, “os horizontes do indivíduo grego viam-se consideravelmente alargados, mas ao mesmo tempo este havia perdido o sentimento
os gregos dessa época.
Tradução de Álvaro Lorencini e Enzo Del Carratore. São Paulo: Editora UNESP, 2002. p. 41.
02.
12
EXPLIQUE por que a ideia de cosmopolitismo foi
REDIJA um texto respondendo à seguinte pergunta:
importante para o Período Helenístico.
simplicidade é sinônimo de felicidade?
Coleção Estudo
Helenismo: a difusão da cultura grega e a busca pela felicidade 03. Leia o trecho a seguir. Mas acontecem muitos sobressaltos tristes, horríveis, duros de se agüentar. Como não podia afastar-vos deles, armei vossos espíritos contra todos: suportai bravamente. Nisto vós estais à frente de um deus: ele está à margem do sofrimento dos males, vós, acima do sofrimento. Desprezai a pobreza: ninguém vive tão pobre quanto nasceu. Desprezai a dor: ou ela terá um m ou vos dará um. Desprezai a morte: a qual vos nda ou vos transfere. Desprezai o destino: não dei a ele nenhuma lança com que ferisse o espírito. Antes de tudo, tomei precauções para que ninguém vos retivesse contra a vontade; a porta está aberta: se não quiserdes lutar, é lícito fugir. Por isso, de todas as coisas que desejei que fossem inevitáveis para vós, nenhuma z mais fácil do que morrer. Coloquei a vida num declive: basta um empurrãozinho. Prestai um pouco de atenção e vereis como é breve e ligeiro o caminho que leva à liberdade [...] A isso que se chama morrer, esse instante em que a alma se separa do corpo é breve demais para que se possa perceber tão grande velocidade: ou o nó apertou a garganta, ou a água impediu a respiração, ou a dureza do chão arrebentou os que caíram de cabeça, ou a sucção de fogo interrompeu o respirar; seja o que for, voa. Por acaso enrubesceis? Passa rápido o que temestes tanto tempo! SÊNECA. Carta sobre a Providência Divina.
A partir da leitura do trecho anterior e de outros conhecimentos sobre o assunto, REDIJA um texto caracterizando e explicando a corrente losóca expressa por ele.
04. Também ele, em criança, e ainda depois, foi supersticioso, teve um arsenal inteiro de crendices, que a mãe lhe incutiu e que aos vinte anos desapareceram. No dia em que deixou cair toda essa vegetação parasita, e cou só o tronco da religião, ele, como tivesse recebido da mãe ambos os ensinos, envolveu-os na mesma dúvida, e logo depois em uma só negação total [...] A partir do trecho anterior, retirado do livro A cartomante, de Machado de Assis, REDIJA um texto identicando a corrente losóca presente no trecho e explicando sua premissa fundamental.
05. É por essa razão que armamos que o prazer é o início e o m de uma vida feliz. Com efeito, nós o identicamos como o bem primeiro e inerente ao ser humano, em razão dele praticamos toda escolha ou recusa, e a ele chegamos escolhendo todo bem de acordo com a distinção entre prazer e dor. EPICURO. Carta sobre a felicidade (a Meneceu). Tradução de Álvaro Lorencini e Enzo Del Carratore. São Paulo: Editora UNESP, 2002. p. 41.
A partir do texto e de outros conhecimentos sobre o assunto, REDIJA um texto se posicionando a favor de ou contra a seguinte armação: o homem feliz é aquele que busca o prazer e se afasta da dor em todas as ocasiões.
06. A losoa se preocupa com muitas questões teóricas, como, por exemplo: o que é a verdade? O que é o conhecimento? O que distingue uma boa ação de uma má ação? O que é justiça? Ou, ainda, o que dá legitimidade a um governo? Para essas questões, a losoa oferece muitas respostas. SMITH, Plínio. O que é ceticismo? São Paulo: Brasiliense, 1992. p. 07. Coleção Primeiros Passos, 262.
A partir dessa citação, REDIJA um texto considerando a seguinte armativa: se a losoa responde várias coisas sobre as mesmas questões, podemos considerar alguma delas realmente verdadeira?
07. Aprovo os sentimentos fortes e generosos dos estóicos, que dizem que as coisas externas não são impedimento para a felicidade, mas que o sábio é feliz, mesmo que o toro de Falárides o esteja queimando. Os idiotas não participam de nenhum bem, pois o bem é virtude ou aquilo que participa as virtudes; as coisas que provêm dos bens, que são aquelas das quais se tem necessidade, sendo vantajosas, cabem apenas aos sábios, assim como as coisas que provêm dos males, que são aquelas das quais não se tem necessidade, cabem apenas aos viciosos. São, com efeito, coisas nocivas. E por isso todos os sábios são estranhos ao dano em ambos os sentidos; não são capazes de causar dano, nem de sofrer dano, enquanto os idiotas estão em situação contrária. CRISIPO. Fr. 586. In: REALE, Giovanni. História da Filosoa: losoa pagã antiga. 3. ed. São Paulo: Paulus, 2003. p. 300.
No texto anterior, Crisipo defende uma postura estoica diante das adversidades do mundo. REDIJA um texto denindo quais os princípios defendidos pelo estoicismo que levariam o homem a tal postura. Editora Bernoulli
13
A I F O S O L I F
Frente A Módulo 05 08. Sustentava por isso que nada se pode obter na vida sem exercícios, aliás, o exercício é o artíce de qualquer sucesso. Eliminados, portanto, os esforços inúteis, o homem que escolhe as fadigas requeridas pela natureza vive feliz; a ininteligência dos esforços necessários é
GABARITO Fixação
pelo prazer para quem esteja a isso habituado é algo
01. No Período Helenístico, os gregos, por terem tido suas terras invadidas pelos exércitos macedônicos, perderam sua liberdade política e,
dulcíssimo. E assim como os que estão habituados a viver
como consequência, perderam a segurança
nos prazeres passam de má vontade para um teor de vida
que a cidade, sua cultura e os valores cívicos representavam para eles. Dessa forma,
a causa da infelicidade humana. O próprio desprezo
contrário, também aqueles que se exercitam de modo contrário, com maior desenvoltura desprezam os mesmos prazeres. Estes eram seus preceitos e a eles conformou sua vida. Falsicou realmente a moeda corrente, porque dava menor valor às prescrições das leis do que às da natureza. Modelo de sua vida, dizia, foi Héracles, que nada antepôs à liberdade.
os gregos, em particular os atenienses, se viram na situação de povo dominado, o que retirou deles a possibilidade de se autodeterminarem e decidirem conjuntamente o seu futuro e o da polis. Por outro lado, seus horizontes s e alargaram, uma vez que o mundo se tornou um único território,
DIÓGENES, Laércio. Vida dos lósofos. In: REALE, Giovanni.
havendo um sincretismo de culturas, o que fez com que os gregos pensassem em si mesmos,
História da Filosoa: losoa pagã antiga. 3. ed.
individualmente, sem se preocuparem com a
São Paulo: Paulus, 2003. p. 257-258.
cidade, estando exatamente nesse fato a origem das escolas losócas do Período Helenístico.
REDIJA um texto relacionando a citação anterior com
a ideia de “cão” trazida por Diógenes de Sinope, a qual caracteriza a escola do cinismo.
SEÇÃO ENEM
02. Com as invasões macedônicas, os gregos, por não mais se identicarem exclusivamente com sua cidade e seus valores, se viram pertencendo a um mundo muito maior. Dessa forma, não mais se deniam como cidadãos desta ou daquela cidade, mas agora se sentiam cidadãos do mundo ou cosmopolitas. Essa possibilidade permitiu que eles se desprendessem de sua origem, fazendo-os
01. Dizemos que a nalidade do cético é a tranqüilidade nas
pensar no mundo todo como um único lugar, não
matérias de opinião. Pois, tendo começado a losofar verdadeiras e quais são falsas, de modo a obter a
havendo mais a ideia de estrangeiro ou cidadão. Sendo assim, independentemente da cidade que habitavam, a vida deveria ser vivida na busca da
tranqüilidade, deparou com uma discordância de igual
felicidade própria e particular.
para julgar as representações e apreender quais são
força; e, não podendo decidi-la, suspendeu seu juízo
03. Com as conquistas de Alexandre, os homens
sobre ela. Estando em suspensão de juízo, ocorreu-lhe
gregos viram-se sem uma cidade e sem um
casualmente a tranqüilidade nas matérias de opinião.
ideal de vida cívica a seguir. Aquilo que lhes
SEXTO EMPÍRICO. Hipotiposes pirrônicas.
que o homem se mantivesse no estado de tranquilidade,
como cidadãos, decidirem o futuro da polis, lhes foi retirado. Desse modo, um novo modo
ele deveria
de vida deveria servir como caminho para que
Em virtude dessa descoberta do cético pirrônico, para
B) negar que as coisas são como aparecem.
os homens pudessem novamente ser felizes, e foi isso que as escolas losócas do Período Helenístico se propuseram a fazer. Cada uma
C) opor a todo argumento um argumento igual.
delas trazia uma maneira de ser e viver com a
D) abster-se do julgamento e não emitir opinião.
qual o homem poderia alcançar a paz interior e, consequentemente, a felicidade.
A) armar que as coisas são como aparecem.
E) recusar-se a reconhecer os dados sensíveis.
14
garantia a felicidade, que era justamente o poder de se reunirem na praça pública e juntos,
Coleção Estudo
Helenismo: a difusão da cultura grega e a busca pela felicidade
Propostos
inclusive, no cristianismo. Essa corrente losóca se caracteriza pela busca da apatheia, ou seja,
01. A corrente tratada é o ceticismo. Essa corrente de
a perfeita indiferença a todos os acontecimentos
pensamento defende a tese de que é impossível
externos à vida humana, sejam eles bons ou
encontrar o conhecimento verdadeiro. Além
maus. Assim, o estoicismo defenderá que o
disso, para o ceticismo, ou pirronismo, o homem
homem construa uma fortaleza interior que seja
deveria suspender os juízos, pois ele não tem
inabalável e que garanta a ataraxia ou paz interior.
condições de saber emitir opiniões sobre os seres
Nada pode tirar a paz do homem, nada pode
ou o mundo.
retirar o homem de seu estado de autocontrole
02. Resposta subjetiva (espera-se que o aluno seja
e concentração para a busca da sabedoria pelo
capaz de se posicionar argumentativamente a
estudo da Filosoa. Essa ideia de indiferença se
favor de ou contra essa ideia. É muito útil, quando
manifesta no desprezo à dor, à morte, ao destino
possível, valer-se de outros lósofos em sua
e à pobreza presente no texto.
argumentação). A favor: Sim, simplicidade é sinônimo de
04. O texto representa a corrente losóca do ceticismo antigo ou pirronismo. Segundo tal
felicidade. Acompanhando o argumento de
corrente, o homem deve duvidar de tudo, pois não
Epicuro, podemos perceber que a posse de bens
existem verdades absolutas sobre nada. Aquilo
vários e abundantes não é garantia de uma
que se tem como verdade são ideias particulares
vida feliz e realizada. Existem muitos exemplos e testemunhos de pessoas que, apesar de terem uma vida luxuosa proporcionada pela riqueza, não são felizes ou realizadas, mas sofrem demasiadamente pela falta de algo que preencha seu vazio existencial. Dessa forma, uma vida mais simples, menos apegada aos bens materiais, embora estes sejam fundamentais para a manutenção do mínimo de conforto para a vida do homem, pode ser o caminho mais viável para a felicidade. Contra: Não, simplicidade não é sinônimo de
felicidade. Ser simples não signica ser feliz, pois, se assim o fosse, teríamos de concordar que todas as pessoas que possuem uma vida
dos indivíduos que, não raras as vezes, são contrárias às ideias dos demais, o que leva à conclusão que nenhuma dessas ideias é, em si, a correta. Tal corrente tem seu início com Pirro, soldado do Império Macedônico que, em suas batalhas ao lado de Alexandre, percebeu que em cada localidade, em cada povo, em cada cultura, as verdades sobre os mesmos temas variavam. A partir disso, concluiu que não existem verdades absolutas sobre qualquer assunto. Tal ideia se manifesta na dúvida constante sobre todas as coisas, atitude própria do cético. 05. Resposta subjetiva (espera-se que o aluno seja capaz de se posicionar argumentativamente a
mais luxuosa, mais rica, seriam necessariamente
favor de ou contra essa ideia. É muito útil, quando
infelizes, e isso não se comprova. O que faz ou
possível, valer-se de outros lósofos em sua
não uma existência feliz é a atitude interna do
argumentação).
homem diante das situações. Dessa maneira,
A favor: O princípio de toda escolha humana é,
é totalmente possível e plausível que existam
de fato, a busca pela felicidade e a recusa da
homens que gozem de luxos e sejam felizes,
dor. Tal atitude é plenamente humana, uma
e homens que tenham uma vida simples, com
vez que ninguém pode, por natureza, desejar a
poucos bens, e sejam profundamente infelizes.
dor como causa de possibilidade da felicidade.
O que importa é a atitude interna do indivíduo,
Os animais agem dessa forma, buscando o prazer
não o que ele possui, seja muito ou pouco.
que, no caso, é a satisfação de seus instintos.
03. A corrente losóca expressa no trecho em
Por que o homem seria diferente, se ele também
questão é o estoicismo. Sêneca foi um dos
goza de uma natureza instintiva? Tal princípio da
principais lósofos estoicos do período do Império
satisfação do prazer e fuga da dor encontra-se
Romano e suas inuências foram sentidas,
vastamente defendido na história da Filosoa,
Editora Bernoulli
15
A I F O S O L I F
Frente A Módulo 05 começando com Epicuro, passando por Stuart Mill
ciência, por exemplo, a Física Moderna, em que
e chegando a Nietzsche e Freud. Tomando como
os resultados dos cálculos podem ser superados,
exemplo, para corroborar o argumento, Nietzsche
encontrando-se outros resultados para o mesmo
dirá que a escolha daquilo que nega o prazer e
movimento dos corpos. Porém, a realidade das
busca deliberadamente a dor é próprio dos seres
ciências humanas é outra, diferentemente das
inferiores, da “moral de rebanho”, apregoada
ciências exatas. Se, nestas, a verdade deve
pela moral cristã ocidental, representando,
permanecer sempre a mesma, naquelas, pelo
segundo o lósofo, a decadência humana. Quem,
fato de terem como objeto o homem, e sendo
em sã consciência, escolheria deliberadamente
este essencialmente indeterminado, poderíamos
o sofrimento e rejeitaria o prazer? Não há
pensar que as verdades dessas ciências podem
justicativa razoável para tal atitude. Seria a
ser aprimoradas ou, mesmo, totalmente refeitas
própria desnaturalização do homem.
com o passar do tempo.
Contra: A felicidade não pode ser consequência
07. O estoicismo é a corrente losóca do Período
somente das ações que trazem prazer ao
Helenístico que prega a total resignação do
homem. Se assim fosse, teríamos de armar que
homem diante dos acontecimentos da vida para se
todos aqueles que lutam e, devido à sua luta,
atingir a felicidade. Nesse caso, o homem deveria
sofreram ou ainda sofrem por uma causa maior,
construir uma fortaleza interior de modo que as
moralmente justicável, como a democracia em
vicissitudes da vida, ou seja, os acontecimentos,
regimes totalitários, não são felizes. Ao contrário,
bons ou maus, não lhe tirassem do estado de paz
percebe-se que, apesar da dor, que nesse caso
interior ou ataraxia. Para o estoico, o ideal seria
é o contrário do prazer, essas pessoas são sim
atingir a apatheia, que é exatamente a indiferença
felizes, pois seu sofrimento tem como justicativa
diante de todas as coisas, pois só por meio dessa
uma causa maior. Como exemplo, temos Santo
indiferença é possível alcançar a felicidade. Essa
Agostinho, quando este fala sobre a distinção
ideia é clara no texto de Crisipo quando ele fala
entre a cidade dos homens e a cidade de Deus.
sobre o sábio, que suporta o fogo, ou seja, as
Segundo ele, vivemos na cidade dos homens e,
adversidades e acontecimentos externos, sem
para sermos éis a Deus, devemos deixar todos
perder contudo a paz, não sendo tais coisas
os prazeres dessa cidade terrena e, assumindo a
impedimento à sua felicidade.
dor e o sofrimento, esperarmos o momento em que possamos ir à cidade de Deus. Nesse caso, podemos dizer que a felicidade na Terra não é trazida pelo prazer, mas a dor seria o caminho para a felicidade perfeita e plena.
08. Representante mais importante da escola cínica, Diógenes de Sinope demonstrou o total desprezo pelas coisas do mundo, sejam materiais ou não, em vista de uma vida simples e feliz. Para ele, o ideal de felicidade estaria no total desapego de
06. O argumento mais legítimo para defender o
todas as coisas, a exemplo do cão, que não tem
ceticismo é justamente o de que o conhecimento
nada como seu e vive inteiramente de acordo
verdadeiro não é possível, pois muitas são as
com sua natureza. Para os cínicos, a vida natural
respostas para as mesmas questões. Se muitas são
é a que deve fazer sentido para o homem, pois
as respostas, e várias são plausíveis e sustentadas
nada que não seja parte da natureza deve ser
pela razão, qual delas seria verdadeira? Como
considerado para a busca da felicidade. O cão vive
exemplo dessa tese, temos Descartes, que rejeita
totalmente entregue à sua natureza e, por isso,
as bases losócas que sustentavam as ciências
vive feliz.
justamente porque poderiam ser colocadas em dúvida. Se algo é realmente verdadeiro, tal verdade deve se legitimar por argumentos irrefutáveis. Não é possível pensar em uma
16
Coleção Estudo
Seção Enem 01. D
FILOSOFIA Filosofia cristã: a relação entre fé e razão
MÓDULO
FRENTE
06 A
o l e g n a l e h c i M
A Criação de Adão, de Michelangelo, pintado no teto da Capela Sistina (Detalhe)
O período entre a Antiguidade e o Renascimento, preanunciado por Francesco Petrarca (1304-1374) e batizado por este de medium aevum, cou conhecido como Idade Média. Pejorativamente chamado de “Idade das Trevas” ou “Noite dos Mil Anos”, esse período sofreu com a estagnação da política e da economia, devido ao sistema feudal, e com o atraso da ciência, impedida de avançar devido à presença scalizadora da Igreja. Iniciando-se no século V, com a queda do Império Romano do Ocidente (476), quando da invasão de Roma pelos visigodos, e se estendendo até o início do pensamento moderno, no nal do século XV e início do século XVI, a Idade Média foi palco de profundos avanços da história e do pensamento ocidental, embora tenha sido amplamente criticada. As obras de grandes pensadores, como Agostinho de Hipona, Tomás de Aquino, Pedro Abelardo e Guilherme de Ockam,
são exemplos cabais da importância e do fervor intelectual desse período. Podemos mencionar ainda a arte gótica, presente até os dias atuais, e a fundação das primeiras universidades a partir do século XI. É na Idade Média que acontece, de forma sistemática, a aproximação entre fé (religião) e razão (filosofia). Porém, tal aproximação não se deu somente a partir do século V, uma vez que a religião cristã teve seu início já no século I, antes da queda do Império Romano do Ocidente. O pano de fundo que leva à compreensão do surgimento e do crescimento do cristianismo é o Helenismo, que permitiu, graças à convivência de várias culturas num mesmo território, uma aproximação entre o judaísmo e a cultura grega, preanunciando a losoa cristã que surgiria algum tempo depois.
Editora Bernoulli
17
Frente A Módulo 06 O primeiro pensador a buscar uma conciliação entre religião e losoa foi Fílon de Alexandria (25 a.C.-50 d.C.). Conhecido também como Fílon, o Judeu, ele escreveu alguns comentários ao Pentateuco a partir das ideias de Platão, fazendo uma aproximação entre a cosmologia platônica, presente no livro Timeu, e a criação do mundo por Deus. Platão se referiu ao Demiurgo, um semideus que criou todas as coisas do mundo a partir das ideias inteligíveis já existentes. Já para Fílon, Deus criou todas as coisas a partir de suas próprias ideias, e não de ideias tidas como autônomas, como supunha Platão, que não provinham do próprio Deus.
t e v e h T é r d
n A
Fílon de Alexandria
O ponto mais importante de nossa análise consiste justamente em nos determos na tentativa de conciliação entre fé e razão 1, ou seja, entre a filosofia clássica, principalmente a de Platão e Aristóteles, e as verdades reveladas, crença fundante do cristianismo, o que marcará denitivamente o pensamento e o modo de ser e viver da Idade Média. Apesar de, historicamente, a Idade Média ter seu início com a queda do Império Romano do Ocidente no século V, o pensamento medieval deve ser entendido a partir do início do cristianismo, no século I. O crescimento do cristianismo foi um processo longo e gradativo, estendendo-se de seu nascimento, com a morte de Cristo e a formação das primeiras comunidades cristãs, até sua consolidação, com a conversão e o batismo do imperador romano Constantino, no ano de 337, e a consequente institucionalização da religião cristã, mais especificamente do catolicismo, como religião oficial do Império Romano no ano 391.
O cristianismo foi difundido após a morte de Jesus de Nazaré, judeu que armava ser o messias e que, por isso, foi crucicado, aos 33 anos, tendo pregado uma nova maneira de ser e viver, levantando a bandeira do amor, da compaixão e do perdão. Após sua crucicação, pequenas comunidades foram formadas, principalmente como resultado da pregação dos apóstolos e de outros neoconvertidos, como Paulo de Tarso, antes perseguidor de cristãos e agora adepto do cristianismo após ter tido uma experiência com o Cristo ressuscitado. Essas pequenas comunidades, em geral guiadas por um líder local, se reuniam em assembleias para a leitura e para a execução de rituais que reviviam os atos e as mensagens de Jesus Cristo. Tais reuniões representaram a semente do que cou conhecido algum tempo depois como Igreja. Embora seguindo um mesmo mestre como modelo, nessas primeiras comunidades, não havia uma unidade em relação aos ritos, aos sacramentos e mesmo à leitura dos textos, que eram comumente interpretados de maneiras distintas. Essas diferenças poderiam provocar uma ruptura interna no cristianismo, pois a doutrina e as crenças variavam e muitas vezes se contradiziam. Diante disso, surgiu a necessidade de se realizar uma institucionalização que promovesse a unidade da nova religião, de seus ritos, textos sagrados, doutrinas e objetivos. Tal unidade deveria ser rapidamente conrmada, uma vez que o cristianismo crescia vertiginosamente e agregava, a cada dia, mais éis, que compunham comunidades espalhadas por toda a Judeia e pelo Oriente Médio.
Pantocrator. Mosaico do século XII, que se encontra na Igreja d e Santa Soa, em Constantinopla, hoje Istambul, na Turquia.
1 Este foi o principal e mais difícil problema sobre o qual os Padres da Igreja e toda a Idade Média tiveram de se debruçar. Será que a fé é contrária à razão? Será que a losoa é inimiga das verdades cristãs? É na tentativa de conciliar fé e razão que Agostinho constrói uma síntese extraordinária entre a Bíblia, as verdades da Igreja e a losoa de Platão .
18
Coleção Estudo
Filosofia cristã: a relação entre fé e razão Diante do desafio de se promover uma união do cristianismo, fazia-se urgente a construção de uma unidade doutrinária. As perguntas fundamentais que deveriam ser respondidas eram: Em que acreditar? Como as leis e regras morais deveriam ser pregadas aos novos cristãos? O que é permitido e o que é proibido fazer? Quem e quais povos poderiam se tornar cristãos? Seriam todos os homens de boa vontade ou somente os provenientes do judaísmo? Como defender doutrinariamente o cristianismo contra as outras religiões e seitas que surgiam na mesma época?
A passagem a seguir demonstra seu posicionamento em relação à losoa: “Eu sou cristão, glorio-me disso e, confesso, desejo fazer-me conhecer como tal. A doutrina de Platão não é incompatível com a de Cristo, mas não se casa perfeitamente com ela [...]”. Desse modo, os Padres Apologistas representaram uma primeira tentativa de compreender a fé cristã.
Era extremamente necessário munir o cristianismo de explicações lógicas e coerentes que se fizessem compreender tanto pelos críticos da nova religião quanto pelos intelectuais neoconvertidos. Era inaceitável participar de uma religião que não trouxesse consigo argumentos inteligíveis de suas bases doutrinárias, argumentos estes que deveriam ter uma fundamentação losóca, uma vez que a losoa fazia parte da vida de praticamente todos os pensadores e intelectuais, trazida pela tradição helênica. Para os lósofos medievais, o fato de o cristianismo representar “a Verdade” era um dado inquestionável. A questão era saber se os homens deveriam simplesmente acreditar na revelação cristã ou se também deveria haver uma compreensão dessas verdades por meio da razão. Existiria uma relação entre os filósofos gregos e a Bíblia? Haveria uma contradição entre a revelação de Deus aos homens, representada pela Bíblia e pela interpretação da Igreja, e a razão, representada pela losoa, ou ambas poderiam conviver em harmonia? Este é o desao que representou a grande questão medieval. Nesse sentido, cabe destacar um momento importante da Idade Média, o chamado Período dos Padres Apologistas, que se iniciou a partir do século II. Dentre os Padres Apologistas (Apologia: defesa, justicação), o mais importante foi, sem dúvida, Justino Mártir (100-165/167). Justino escreveu duas importantes obras, denominadas Apologias , nas quais busca defender o cristianismo, considerando-o a “verdadeira filosofia”, contrário, portanto, a alguns antigos princípios losócos que não se harmonizavam completamente com o cristianismo. Justino foi um grande estudioso de Platão e, ao se converter ao cristianismo, ele reviu suas crenças na losoa platônica, principalmente no tocante à possibilidade de, por meio dela, alcançar a verdade.
A I F O S O L I F
São Justino Mártir. Os mártires eram mortos por causa da perseguição aos primeiros cristãos por parte dos romanos. As mortes eram as mais cruéis possíveis. Muitos cristãos foram decapitados, outros jogados aos leões no Coliseu, outros queimados vivos, etc. São Justino foi decapitado em 165/167. Com os Padres Apologistas, começa a atividade losóca cristã. A tese comum que defendem é de que o cristianismo é a única losoa segura e útil e resultado último a que a razão deve chegar. Os lósofos pagãos conheceram sementes de verdade que não puderam entender plenamente: os cristãos conhecem a verdade inteira porque Cristo é o logos, isto é, a razão mesma da qual participa todo o gênero humano. A apologética desses padres constitui, portanto, a primeira tentativa de inserir o cristianismo na história da losoa clássica. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de losoa. 5. ed. Tradução de Alfredo Bossi. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 74.
Porém, o que mais nos interessa é o momento posterior ao dos Padres Apologistas, denominado Período dos Padres da Igreja ou Patrística, no qual se verica uma crescente aceitação da losoa grega pelos cristãos e líderes do cristianismo. Editora Bernoulli
19
Frente A Módulo 06 Dessa forma, os textos, ideias e filósofos seriam selecionados se servissem ao objetivo da Igreja, que era o de forticar a fé a partir desses textos, agora interpretados à luz da revelação divina.
n a k r y k a s a V v a t s u G
A imagem mais antiga de Santo Agostinho, o mais importante pensador da Patrística, no afresco do século VI, na Basílica de Latrão, em Roma.
Os Padres da Igreja constituíam um conjunto de lósofos cristãos, que, principalmente a partir do século III, aproximou, por meio de seus escritos e pregações, a losoa grega do cristianismo. Nesse contexto, a losoa teve um papel primordial, servindo como base à formulação de argumentos que defendessem de modo compreensível a doutrina cristã frente às heresias2, comuns tanto dentro quanto fora do cristianismo. É claro que a fé ocupa lugar primordial e precedente à razão, mas, justamente pela necessidade de munir a fé de argumentos racionais, a losoa grega se torna imprescindível para este processo. No entanto, não é qualquer losoa que pode ser aceita, sendo os textos, as ideias e os pensadores gregos cuidadosamente selecionados. Aqueles textos, ideias ou pensadores que pudessem representar, mesmo que timidamente, alguma ameaça à doutrina cristã e à revelação são deixados de lado, buscando-se somente aqueles que servissem de base para uma nova interpretação dos textos e dos pensamentos a partir da lógica e da visão cristã.
Os santos triunfam sobre a heresia. Escultura de Gustav Vasakyrkan em Estocolmo.
Essa postura cristã foi amplamente difundida, principalmente nos Concílios de Niceia (325), Constantinopla (381) e Calcedônia (451). Com o objetivo de legitimar e construir uma doutrina que atendesse a todo o cristianismo, as reuniões da Igreja em torno de questões teológicas e morais se dedicaram a uma conciliação entre fé e razão, entre losoa e revelação, que pudesse atender aos anseios do cristianismo nascente, nessa época, já reconhecido como religião (313) e mais tarde elevado ao patamar de religião ocial do Império Romano (391). Durante a realização dos Concílios, foi comum a utilização de teorias e textos losócos com o intuito de defender uma postura favorável ao cristianismo e de condenar as heresias. É nesse momento delicado do cristianismo que a losoa encontra bases sólidas de comunhão com a doutrina cristã. Alguns conceitos dos principais lósofos gregos, Platão e Aristóteles, foram amplamente utilizados como fundamento teórico para a doutrina cristã. Exemplos disso são os conceitos de essência, substância, alma, corpo, ideia, causa, entre outros. Também a retórica e a lógica foram aplicadas de forma a defender a fé e justicar a teologia, fornecendo a esta as bases de uma argumentação clara a favor das verdades reveladas.
2 Heresia: doutrina contrária a uma verdade estabelecida pela religião. Esse termo é amplamente utilizado para se referir a todas as ideias contrárias ou críticas às verdades fundamentais do cristianismo.
20
Coleção Estudo
Filosofia cristã: a relação entre fé e razão Algumas ideias das escolas filosóficas do Período Helenístico também foram usadas como auxiliares da fé, principalmente aquelas ideias que se referem à vida simples e morticada. Por exemplo, dos estoicos, veremos as ideias de austeridade, sacrifício, abnegação, disciplina e autocontrole serem amplamente utilizadas como forma de preparar o cristão para se tornar digno da vida futura, depois da morte, junto a Deus.
Com eventos em todo o mundo em homenagem aos 200 anos de nascimento do cientista britânico, celebrados amanhã, e o 150º aniversário de seu livro A Origem das Espécies, lançado em novembro de 1859, o Vaticano destacou que a Igreja Católica nunca condenou Charles Darwin. Segundo o presidente do Conselho Pontifício para a Cultura, arcebispo Gianfranco Ravasi, o livro do cientista
Apesar da constante tentativa de aproximação, o problema da relação entre fé e razão ainda hoje é um desao enorme para a Igreja e para a Filosoa. De um lado, temos os defensores de uma verdade revelada inquestionável e, do outro, aqueles que defendem um conhecimento cientíco construído sem qualquer necessidade do transcendente.
britânico nunca foi parar no Index Librorum Prohibitorum –
No entanto, a própria Igreja Católica, em acordo com as descobertas cientícas e com o próprio progresso da ciência, demonstra abertura para algumas concepções cientícas antes condenadas. É o que podemos observar na reportagem a seguir:
que o “magistério da Igreja não proíbe o estudo da doutrina
índice de textos proibidos da Igreja. No último século, tanto o papa Pio XII como João Paulo II se manifestaram sobre a evolução. Em sua encíclica Humani Generis (1950), Pio XII já dizia do evolucionismo, que busca a origem do corpo humano em matéria viva preexistente”. Naqueles tempos, Pio XII insistia em afirmar que “a fé católica manda defender que as almas são criadas imediatamente por Deus”. O pontíce encorajava um
Vaticano considera não haver contraposição entre fé e evolução
confronto “sério, moderado e temperado”. Em 22 de outubro de 1996, João Paulo II fez um grande
Juan Lara
Cidade do Vaticano, 11 de fevereiro de 2009 (EFE). O Vaticano acredita que não existe, a priori , contraposição entre fé e a ideia da evolução, ainda que o papa Bento XVI não compartilhe das teorias que explicam a existência da humanidade só como resultado do acaso e que, para João Paulo II, Darwin não bastasse para explicar a origem do homem.
discurso na Pontifícia Academia das Ciências armando que a evolução “já não era uma mera hipótese, mas uma teoria”. Após declarar, como Pio XII, que era importante não perder de vista alguns pontos pré-determinados, João Paulo II reconheceu que a convergência dos resultados de trabalhos realizados independentemente nesse campo constituía “um argumento signicativo a favor dessa teoria”. O antecessor de Bento XVI declarou que a Igreja estava interessada diretamente na questão da evolução, porque esta inui na concepção do homem, “sobre o qual – disse – a Revelação mostra que foi criado à imagem e semelhança de Deus”. O papa polonês ainda armaria anos depois que “não basta a evolução das espécies para explicar a origem do gênero humano, como não basta a casualidade biológica para explicar por si só o nascimento de uma criança”.
n o r e m a C . J
(Imagem acrescentada ao texto original)
Charles Darwin, criador da teoria da evolução, defendida em seu livro A Origem das Espécies, publicado em 1859.
Já Bento XVI sempre defendeu a chegada à fé por meio da razão, apoiando o diálogo entre fé e ciência. Da mesma forma que seus antecessores, o atual pontíce declara que não há oposição entre “a fé da compreensão da criação e a evidência empírica da ciência”. Editora Bernoulli
21
A I F O S O L I F
Frente A Módulo 06 O papa atual não compartilha, no entanto, do evolucionismo radical. Em visita à Alemanha em setembro de 2006, criticou o que chamou de “essa parte da ciência que se empenha em buscar uma explicação ao mundo na qual Deus é supéruo”.
O texto que se segue mostra com clareza a necessidade de união entre fé e razão. Segundo o autor, Nicola Abbagnano, essa união é importante para a compreensão das verdades de forma racional, sendo, portanto, que losoa e cristianismo devem se complementar em alguma medida e não simplesmente se excluírem.
Joseph Ratzinger considerou na ocasião “irracionais” as teorias que consideram a existência da humanidade um
A flosofa grega e a t radição cristã
“resultado do acaso” e destacou que, para os cristãos, “Deus é o criador do céu e da terra e que para entender a origem do mundo é preciso ter Deus como ponto de referência”. Para Bento XVI, armar que a fundação do cosmos e sua evolução estão na sabedoria divina “não quer dizer que a criação só tem a ver com o começo do mundo e da vida. Implica também que Deus abarca essa evolução e a apoia, a sustenta continuamente”, completou recentemente o papa na Pontifícia Academia das Ciências. Em 2005, no início de seu ponticado e com o objetivo de superar os receios entre ciência e fé e para recuperar
a y o G e d o c s i c n a r F
a unidade do saber, o Vaticano deu início ao projeto Stoq
(Imagem acrescentada ao texto original)
(Ciência, Teologia e Pesquisa Ontológica, na sigla em
Mesmo as verdades da religião precisam ser compreendidas pelos homens de forma racional.
inglês). O Stoq é considerado um dos mais prestigiosos programas de pesquisa existentes no mundo sobre a relação entre ciência, losoa e teologia.
O sono da razão produz monstros. Francisco de Goya (1897-1898) A Grécia foi o berço verdadeiro da losoa. Pela primeira vez no mundo ocidental, compreendeu e realizou a losoa como investigação racional, isto é, como investigação
Foi criado para ser “fruto do renovado espírito de diálogo
autônoma que em si mesma encontra o fundamento e a
entre teologia católica e ciência, inaugurado pelo Concílio
lei do seu desenvolvimento. A losoa grega demonstrou
Vaticano II e que culminou com a revisão do caso Galileu”,
que a filosofia só pode ser procura da liberdade.
segundo armou o então ministro da Cultura do Vaticano,
A liberdade implica que a disciplina, o ponto de partida,
cardeal Paul Paupard.
o m e o método da investigação sejam justicados
Segundo Paupard, o Stoq nca as bases para uma verdadeira mudança de mentalidade com relação à ciência dentro da Igreja Católica.
e postos por essa mesma investigação, e não aceitos independentemente dela. A inuência do cristianismo no mundo ocidental determinou uma nova orientação da losoa. Toda a religião implica um conjunto de crenças
“Privilegiando conhecer a verdade, a Igreja não pode
que não são fruto de qualquer investigação porque
ignorar a ciência. A religião pode puricar a ciência da
consistem na aceitação de uma revelação. A religião é a
idolatria do cienticismo e dos falsos absolutos”, armou
adesão a uma verdade que o homem aceitou devido a um
Paupard. EFE
testemunho superior. Tal é, com efeito, o cristianismo. Aos
Disponível em: . Nov. 2009. Acesso em: 3 maio 2010.
22
Coleção Estudo
fariseus que lhe diziam: “Tu alegas de ti mesmo e, portanto, o teu testemunho não tem valor”, Jesus respondeu:
Filosofia cristã: a relação entre fé e razão “Eu não estou só, somo s eu e aque le que me enviou”
EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
(S. João, VIII, 13, 16), apoiando assim o valor da sua doutrina no testemunho do Pai. A religião parece,
01. Era extremamente necessário munir o cristianismo
portanto, nos seus próprios princípios, excluir a
de explicações lógicas e coerentes que se zessem
investigação e consiste antes numa atitude oposta,
compreender tanto pelos críticos da nova religião quanto
a da aceitação de uma verdade testemunhada do alto,
pelos intelectuais neoconvertidos.
independentemente de qualquer investigação. Todavia,
REDIJA um texto explicando o que signica dizer que era
logo que o homem se interroga quanto ao signicado
necessário “munir a fé de explicações lógicas”.
da verdade revelada e tenta saber por que caminho pode realmente compreendê-la e fazer dela carne da
02. É claro que a fé ocupa lugar primordial e precedente
sua carne e sangue do seu sangue, renasce a exigência
à razão, mas, justamente pela necessidade de munir
da investigação. Reconhecida a verdade no seu valor
a fé de argumentos racionais, a filosofia grega se
absoluto, tal como é revelada e testemunhada por
torna imprescindível para este processo. No entanto,
um poder transcendente, imediatamente se impõe a
não é qualquer losoa que pode ser aceita, sendo os
cada homem a exigência de se aproximar dela e de a
textos, as ideias, os pensadores gregos cuidadosamente selecionados.
compreender no seu signicado autêntico para com ela e dela viver verdadeiramente. Esta exigência só pode
REDIJA um texto explicando o posicionamento dos
ser satisfeita pela investigaçã o losóca. A investigação
pensadores cristãos em relação à losoa, com base na
renasce, pois, da própria religiosidade, pela ne cessidade
citação anterior.
que o homem religioso tem de se aproximar, tanto quanto
03. O estoicismo ensina ao homem a enfrentar as vicissitudes
lhe for possível, da verdade revelada. Renasc e com uma
da vida de forma calma, resignada, tranquila e, sobretudo,
tarefa especíca, que lhe é imposta pela natureza de
digna. Este estado é alcançado por meio do autocontrole
tal verdade e pelas possibilidades que pode oferecer
e da austeridade própria de uma vida disciplinada e
à sua efetiva compreensão pelo homem; mas renasce
construída somente com o que é estritamente necessário
com todas as características, próprias da sua natureza,
à sobrevivência, sem nada de luxos ou o culto às coisas
e com força tanto maior quanto maior for o valor que
supéruas.
se atribui à verdade em que se acredita e se pretende
REDIJA um texto explicando como o estoicismo auxiliou
fazer sua. Da religião cristã nasceu assim a losoa
o cristianismo na formulação de sua ética.
cristã. Esta tomou também como objetivo conduzir o homem à compreensão da verdade revelada por Cristo, de modo a que ele possa realizar o seu autêntico
EXERCÍCIOS PROPOSTOS
signicado. Os instrumentos indispensáveis para este m encontrou-os a losoa cristã, prontos a servirem, na
01.
REDIJA um texto explicando a impropriedade de se
losoa grega. As doutrinas da especulaçã o helênica do
utilizar o termo “Idade das Trevas” ou “Noite dos Mil Anos”
último período, essencialmente religioso, prestavam-se
para se referir à Idade Média.
a exprimir, de modo acessível ao homem, o signicado da revelação cristã; e com esta finalidade foram,
02.
efectivamente, utilizadas da maneira mais ampla.
como possibilitador da aproximação entre religião e losoa.
ABBAGNANO, Nicola. História da losoa. Vol. II. Tradução de Antônio Borges Coelho. Lisboa: Editorial Presença, 1969. p. 108-109.
REDIJA um texto explicando a importância do Helenismo
03.
REDIJA um texto explicando o papel de Fílon, o Judeu,
para o nascimento da losoa cristã. Editora Bernoulli
23
A I F O S O L I F
Frente A Módulo 06 04. O crescimento do cristianismo foi um processo longo
08. Todavia, logo que o homem se interroga quanto ao
e gradativo, estendendo-se de seu nascimento, com a
signicado da verdade revelada e tenta saber por que
morte de Cristo e a formação das primeiras comunidades
caminho pode realmente compreendê-la e fazer dela
cristãs, até sua consolidação, com a conversão e o
carne da sua carne e sangue do seu sangue, renasce a
batismo do imperador romano Constantino, no ano de
exigência da investigação.
337, e a consequente institucionalização da religião cristã,
ABBAGNANO, Nicola. História da Filosoa. V. II. Tradução de
mais especicamente do catolicismo, como religião ocial
Antônio Borges Coelho. Lisboa: Editorial Presença, 1969. p. 108-109.
do Império Romano no ano 391. REDIJA um texto explicando por que, principalmente com
No trecho anterior, vemos a necessidade da religião de
a institucionalização do cristianismo como religião ocial
se aproximar da losoa. REDIJA um texto explicando
do Império Romano, se tornou urgente sua explicação
a tese defendida pelo autor Nicola Abbagnano acerca de
de forma racional.
tal aproximação.
05. Eu sou cristão, glorio-me disso e, confesso, desejo fazer-me conhecer como tal. A doutrina de Platão
SEÇÃO ENEM
não é incompatível com a de Cristo, mas não se casa perfeitamente com ela [...] MÁRTIR, Justino. In: REALE, Giovanni. História da Filosoa: Patrística e Escolástica. 3. ed. São Paulo: Paulus, 2007. p. 39.
A partir da citação anterior, REDIJA um texto explicando o posicionamento de Justino Mártir em relação à losoa e à religião.
06. Alguns conceitos utilizados na losoa cristã foram claramente retirados da losoa clássica, principalmente de Platão e Aristóteles, e foram utilizados como base para defender as verdades da fé. Dentre esses conceitos, são importantes os de essência e alma / corpo retirados de Platão. REDIJA um texto explicando a relação entre a losoa de Platão e o cristianismo a partir desses conceitos.
07. A aproximação entre fé e razão, entre religião e losoa / ciência, sempre foi um desao, principalmente para a Igreja Católica. Na reportagem intitulada “Vaticano considera não haver contraposição entre fé e evolução”, o repórter Juan Lara cita uma frase do papa João Paulo II que diz “não basta a evolução das espécies para explicar a origem do gênero humano, como não basta a casualidade biológica para explicar por si só o nascimento de uma criança”. REDIJA um texto explicando o posicionamento da Igreja a partir da citação anterior.
24
Coleção Estudo
01. (Enem–2001) O texto a seguir reproduz parte de um diálogo entre dois personagens de um romance. – Quer dizer que a Idade Média durou dez horas? – Perguntou Soa. – Se cada hora valer cem anos, então sua conta está certa. Podemos imaginar que Jesus nasceu à meia-noite, que Paulo saiu em peregrinação missionária pouco antes da meia noite e meia e morreu quinze minutos depois, em Roma. Até as três da manhã a fé cristã foi mais ou menos proibida. [...] Até as dez horas as escolas dos mosteiros detiveram o monopólio da educação. Entre dez e onze horas são fundadas as primeiras universidades. GAARDER, Jostein. O Mundo de Soa, Romance da História da Filosoa. São Paulo: Cia das Letras, 1997 (Adaptação).
O ano de 476 d.C., época da queda do Império Romano do Ocidente, tem sido usado como marco para o início da Idade Média. De acordo com a escala de tempo apresentada no texto, que considera como ponto de partida o início da Era Cristã, pode-se armar que A) as Grandes Navegações tiveram início por volta das quinze horas. B) a Idade Moderna teve início um pouco antes das dez horas. C) o cristianismo começou a ser propagado na Europa no início da Idade Média. D) as peregrinações do apóstolo Paulo ocorreram após os primeiros 150 anos da Era Cristã. E) os mosteiros perderam o monopólio da educação no nal da Idade Média.
Filosofia cristã: a relação entre fé e razão
GABARITO
que o caminho para a salvação, para uma vida
Fixação
exatamente uma vida simples e desapegada,
correta segundo os mandamentos cristãos, seria uma vez que as coisas deste mundo, os bens
01. Quando o cristianismo foi reconhecido como religião ocial do Império Romano, tornou-se necessário
que
suas
verdades
e
crenças
fossem explicadas para o povo, que acabava de se converter juntamente com o imperador, e para os homens cultos do Império Romano, que necessitavam de explicações coerentes sobre a nova fé, de forma que pudessem se defender dos ataques daqueles que não aceitavam o cristianismo e que criticavam suas crenças e
materiais, não levariam o homem para perto de Deus, pelo contrário, afastariam o homem do caminho correto, levando-o a se apegar às coisas passageiras e terrenas. Dessa maneira, podemos dizer que tais ideias de desapego, resignação, abnegação, vida simples e pobre, voltada para dentro de si e não para o mundo exterior, são heranças da escola estoica para o cristianismo.
Propostos
doutrinas. Dessa forma, principalmente no período
01. Os termos “Idade das Trevas” e “Noite dos Mil Anos”
da Patrística, o cristianismo se uniu à losoa
trazem consigo a ideia de estagnação e atraso,
para buscar nela argumentos que justicassem
como se na Idade Média nada de bom tivesse
a si mesmo, construindo, então, argumentos
acontecido, como se tudo o que ocorreu não tivesse
próprios, de fundo losóco, que pudessem servir
nenhum valor para a história da humanidade
às suas necessidades de explicação e defesa da fé.
e para o pensamento losóco. Tal ideia não
Não bastava acreditar somente nas verdades do
corresponde à realidade histórica. É possível
cristianismo, tornou-se necessário compreender
identicarmos inúmeros progressos ocorridos
tais verdades, embora muitas fossem impossíveis
durante a Idade Média, como a fundação das
de ser explicadas.
universidades, o desenvolvimento da arte gótica cristãos,
e o aparecimento de lósofos importantíssimos
é evidente que a losoa antiga, principalmente
para a história do pensamento ocidental, como
dos gregos Platão e Aristóteles, vem em segundo
Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, entre
plano, ou seja, é um simples complemento das
outros. Dessa forma, a ideia de que a Idade Média
verdades religiosas. Por isso se utiliza a ideia
consistiu somente em um período sem qualquer
de que a ‘razão é escrava da fé’. A losoa é
importância, intermediário entre o Renascimento
vista como um caminho para a explicação das
e a Antiguidade, é imprópria e incorreta.
verdades religiosas, tendo seu valor reconhecido
02. Foi no Helenismo que se observou a primeira
pelos lósofos cristãos à medida que serve de
aproximação entre fé e razão, ou seja, entre religião
argumento para explicar o que a fé diz. Desse
e losoa. Sua contribuição se deu a partir da
modo, os textos e pensadores da losoa são
convivência de vários povos e culturas no mesmo
cuidadosamente selecionados para que sirvam
território, nas mesmas cidades, aproximando
a esse propósito. O que pode parecer contrário
denitivamente homens que até então se
à fé, aquilo que pode gerar alguma dúvida e
identicavam unicamente com sua própria cultura
levar ao questionamento da verdade revelada,
e se restringiam à convivência somente com
é imediatamente eliminado.
aqueles que pertenciam ao seu povo. Com essa
02. Para os
pensadores ou
lósofos
03. A ética estoica privilegia uma vida simples e
aproximação, houve inevitavelmente um diálogo,
desapegada dos bens materiais, sendo que a
o que tornou possível uma espécie de sistematização
felicidade somente será atingida quando o homem
ou síntese entre religião e losoa, uma vez
se tornar indiferente a tudo o que é externo.
que os representantes desses pensamentos
Da mesma maneira, o cristianismo acredita
puderam interagir formal ou informalmente.
Editora Bernoulli
25
A I F O S O L I F
Frente A Módulo 06
03. Fílon de Alexandria foi o primeiro religioso a realizar uma aproximação sistemática entre religião e losoa. Conhecedor principalmente das ideias de Platão, ele pôde criar uma síntese entre a religião judaica, mais especicamente entre o Pentateuco, e a losoa clássica, a partir da ideia da criação do mundo. Para Platão, no livro Timeu, quem criou todas as coisas do mundo foi um semideus chamado Demiurgo, que o fez a partir de ideias previamente existentes (as formas ou ideias inteligíveis). Porém, segundo a religião, Deus também criou todas as coisas a partir de ideias, no entanto, tais ideias não são entidades autônomas como concebia Platão, mas sim ideias provenientes do próprio Deus. A partir desse argumento de Fílon, torna-se clara a aproximação de vários pontos da religião com a losoa antiga. 04. Foi necessário tornar claras e inteligíveis as verdades pregadas e defendidas pelo cristianismo para que as pessoas pudessem compreender e aceitar essa nova fé, não somente por obrigação, anal, o próprio imperador havia se convertido e todos estavam acompanhando-o. Além dessa necessidade de explicação, era urgente a necessidade de se construir uma unidade doutrinária no cristianismo, pois até então havia divergências quanto à sua interpretação e aos modos de viver. Diante disso, a única forma de criar tal unidade e de se fazer compreender em seus fundamentos foi buscar na losoa os argumentos lógicos e racionais que dessem à nova religião sustentação diante dos desaos que esta vivenciava, criando então uma losoa cristã. 05. Justino é um dos principais representantes da Escola Apologética, que antecedeu a Patrística, no século II. Como o próprio nome diz, os Padres Apologistas defendem a fé cristã e, para isso, constroem argumentos para que a fé não seja contrariada. No texto em questão, é clara a preferência de Justino pela religião, contrapondo-a, em muitos aspectos, à losoa clássica, especicamente à losoa platônica, dando um caráter de superioridade à religião e às verdades reveladas em relação à losoa grega pagã. 06. Platão, como o lósofo que sistematizou a metafísica, buscava a verdade última das coisas, chamada de essência. O cristianismo se apropriou de tal conceito ao dizer que a essência do homem é, por exemplo, a alma. Dessa forma,
26
Coleção Estudo
a religião cristã defenderá que existe algo que está para além da aparência dos seres, sendo o fundamento da realidade, e esse ser seria o próprio Deus. Também os conceitos de alma e corpo, tratados por Platão, serão utilizados pelos lósofos cristãos. O homem tem, portanto, duas realidades em si: a alma, que seria sua essência e por isso é imutável e perfeita, e o corpo, material e imperfeito. Segundo Platão, só pela alma se conhece a verdade. Para o cristianismo, a alma seria a habitação de Deus no homem, sendo o corpo, segundo Santo Agostinho, a parte imperfeita e ruim do homem, fonte do pecado e da concupiscência. 07. Para a religião, a ciência ou a losoa não são capazes de explicar como as coisas acontecem, principalmente no que se refere à vida humana. Se, pela teoria da evolução, sabe-se que a vida se deu de forma natural, ou seja, sem necessitar de algo extraordinário e transcendental para que ela acontecesse, a Igreja se pronunciará dizendo que não basta a hipótese cientíca para explicar a vida, mas que há uma vontade externa e perfeita que quis que a vida existisse. Dessa forma, segundo o texto, não haveria uma clara contraposição entre ciência e fé, mas uma complementaria a outra no momento em que se reconhecesse que a natureza pode ter seu funcionamento iniciado ou promovido por uma vontade divina. 08. Para Nicola Abbagnano, a religião deve ser compreendida pela losoa justamente porque faz parte da natureza do homem a necessidade de conhecer o que as coisas são e como são. Assim, ele defenderá que, quando o homem se interroga sobre o signicado da verdade, sendo essa verdade religiosa, revelada, surge consequentemente a necessidade de compreendê-la, de forma que ela possa ter um sentido pessoal para o próprio crente. Não basta simplesmente saber que as verdades existem, é preciso, para satisfazer a necessidade de conhecer, compreendê-las de forma inteligível. Só dessa forma seria possível viver essa verdade de maneira coerente e pessoal. Nesse sentido, religião e razão devem caminhar juntas.
Seção Enem 01. A
EC00000000FIV211 6V0000000MPBV211
Rua Juiz de Fora, 991 - Barro Preto Belo Horizonte - MG Tel.: (31) 3029-4949
www.editorabernoulli.com.br