Como explicar sociologicamente os rituais e crenças de povos primitivos
Introdução e Método Radcliffe-Brown é um funcionalista, nele todas as ações de um determinada sociedade possuem função social. “Todo costume e toda crença em uma sociedade primitiva desempenha algum papel determinado na vida social da comunidade, assim como todo órgão de um corpo vivo desempenha algum papel na vida geral do organismo [...]. Continuando com a analogia, o estudo do significado dos costumes selvagens é uma espécie de fisiologia social” (p. (p. 1).
Para Radcliffe-Brown não podemos analisar a vida de uma comunidade estudando separadamente cada um dos aspectos da mesma, ou seja, não podemos investigar só o significado do abraço, ou do choro, ou da dança, por exemplo, é necessário estudar todo o sistema social no qual estes rituais estão inseridos pois, eles podem ter significados diferentes em situações diferentes. Partindo deste pensamento, Radcliffe-Brown tenta desvendar não a origem histórica, mas a origem psicológica e sociológica das crenças e costumes dos andamaneses. A intenção do autor é comparar, não um costume isolado, mas todo o sistema social dos andamaneses com o de outras raças selvagens, e para isso utiliza-se do trabalho de campo, pois para o autor a grande vantagem do etnólogo de campo é que por viver em contato diário com o povo que está estudando, adquire uma série de impressões por meio de observações, análise e a interpretação das instituições. Neste texto estão presentes não só as descrições dos rituais dos andamaneses como também a interpretação do autor para tais rituais. O autor defende que para explicar ou interpretar as crenças e costumes de um povo selvagem é necessário se basear em algumas hipóteses sociológicas sobre a natureza dos fenômenos a serem explicados e fazer uso de alguns métodos de trabalho.
Hipóteses A boa regra do método é formular clara e explicitamente as hipóteses de trabalho nas quais a interpretação está baseada. A primeira hipótese mais adotada pelos autores antropológicos ingleses, é que as crenças de povos selvagens se devem a tentativa por parte do homem primitivo de explicar os fenômenos da vida e da natureza. Como esses autores descobrem em si mesmos o desejo de compreender e de explicar os fenômenos da morte, do sono e dos sonhos, acredita que o homem primitivo também tenha esta mesma motivação. Segundo essa hipótese, as crenças seriam primárias, surgindo no inicio como meras crenças, mas adquirindo em seguida o poder de influenciar a ação, e originando assim todo tipo de cerimônias e costumes. Essa hipótese é chamada de hipótese intelectualista. A segunda hipótese explica as crenças do homem como sendo resultant es de emoções e moções de surpresa e de terror, ou de reverência e pasmo, provocados pela contemplação dos fenômenos da natureza. A hipótese de trabalho adotada por Radcliffe-Brown é a de que a função social dos costumes rituais dos ilhéus andamaneses é manter e transmitir de uma geração a outra as disposições emocionais das quais a sociedade – tal como está constituída – depende para sua existência. Trata de uma tentativa de descobrir conexões entre as diferentes características de uma sociedade, tais como elas existem no presente.
Métodos Radcliffe-Brown utiliza algumas regras de método para compreensão do raciocínio São elas: 1. Levar em consideração a explicação dada pelos próprios nativos, pois eles, assim como o homem civilizado da Europa Ocidental procura racionalizar o seu comportamento.
2. Partir do pressuposto de que quando um mesmo costume ou costume similar é praticado em diferentes ocasiões, ele tem o mesmo significado ou um significado similar em todas essas ocasiões. 3. Supor que quando diferentes costumes são praticados conjuntamente em uma mesma ocasião, haja um elemento comum nos costumes. Essa regra é inversa da anterior. A descoberta do que é comum a todos explicará o significado de cada um. 4. Evitar qualquer comparação dos costumes andamaneses com costumes similares de outras etnias.
Costumes
Cerimônia de Casamento A principal característica é que a noiva e o noivo devem publicamente abraçar um ao outro, este abraço é feito gradualmente e cada etapa é mais intima do que a anterior. No começo os dois sentam-se lado a lado, depois os seus braços são colocados em torno um do outro e finalmente o noivo senta-se no colo da noiva. O abraço é uma expressão do sentimento de ligação. Este ritual tem dois aspectos, conforme o ponto de vista dos observadores ou do ponto de vista do próprio casal. Os observadores, com sua presença, dão a sanção à união que é representada diante deles. O casamento diz respeito não só aos noivos, mas a toda a comunidade, tanto que há uma clara demonstração de reprovação a casamentos irregulares, nos quais os casais se unem sem uma cerimônia, demonstrando desprezo por um importante principio social. Do ponto de vista do casal a cerimônia serve para mostrar a toda a comunidade a mudança de posição social do casal, pois entre os andamaneses há uma divisão muito acentuada entre pessoas casadas e solteiras, quanto ao modo como são vistas pelos outros e a respeito de seu lugar na comunidade. Para o autor é fácil perceber o significado da cerimônia de casamento. “Através do casamento o homem e a mulher entram em uma relação especial e intima um com o outro; são como se diz, unidos. A união social é simbolizada ou expressa pela união física do abraço” . (p. 6)
Ato de Presentear Os andamaneses têm o hábito de presentear. Em um casamento este ato é unilateral, expressa a aprovação social do casamento. Em relações de amizade, o ato de presentear expressa a boa vontade de um para com o outro. Quando dois amigos se encontram depois de uma separação após se abraçarem e chorarem juntos, trocam presentes. Este é um ato recíproco. Recusar um presente é um insulto, equivale a rejeitar a boa vontade de quem o presenteia. Cerimônia de Paz Acontece entre os andamaneses do Norte e tem o intuito de acabar com a cólera de um grupo em relação ao outro, perdoar e esquecer seus erros. É simbolizado pela dança. Nesta cerimônia os dançarinos são divididos em dois grupos. Um grupo expressa seus sentimentos agressivos em relação ao outro com gritos e gestos ameaçadores enquanto o outro grupo fica bem quietinho, tomando cuidado de não expressar medo ou ressentimento. Assim os que estão em um dos lados expressam coletivamente sua cólera que, apaziguada, se extingue enquanto o outro grupo, ao se submeter passivamente, expia seus erros, assim a inimizade chega ao fim. Segundo o autor, “o rito é uma afirmação de solidariedade ou de união social, [...] a natureza da regra é fazer os participantes sentirem que são presos uns ao s outros por laços de amizade”. (p. 10) Cerimônia de Troca das Armas Forma especial do rito de troca de presentes. O propósito da cerimônia é mudar o sentimento de dois grupos locais em relação um ao outro, substituir o sentimento de inimizade pelo de amizade, já que não se pode lutar com um homem usando as armas dele, enquanto ele tem as nossas.
Cerimônia de Iniciação Por meio destas cerimônias, o rapaz ou a moça é gradualmente retirado de uma condição de dependência em relação à sua mãe ou parentas femininas mais velhas. A iniciação é um longo processo que se completa no casamento. Cerimônia do Fim do Luto Durante o período de luto os enlutados são cortados da vida da comunidade em virtude dos laços que ainda os unem à pessoa morta. Ao final do luto, os ossos do morto são recuperados e a modificação nas relações entre os mortos e os vivos é concluída. A pessoa morta está inteiramente excluída do mundo dos vivos. Os enlutados então reentram na sociedade e retomam seus lugares na vida social. Nessa ocasião eles e seus amigos choram juntos. Ato de Chorar Os andamaneses têm o costume de chorar juntos em várias ocasiões: 1. Quando dois amigos ou parentes se encontram após algum tempo separados 2. Na cerimônia de paz, os dois grupos choram juntos, abraçando seus ex-inimigos 3. No final do período de luto, os amigos dos enlutados choram com os enlutados 4. Após a morte, os parentes e amigos choram abraçados ao morto 5. Quando os ossos dos falecidos são retirados do túmulo, chora-se sobre eles 6. Em um casamento, os parentes de cada um choram com o noivo ou a noiva 7. Nas várias etapas das cerimônias de iniciação, as parentas de um jovem ou de uma moça choram por ele/ela. Em todos os exemplos acima, o choro não é uma expressão espontânea de sentimento, mas faz parte do ritual exigido pelo costume e deixar de chorar constitui uma ofensa. Radcliffe-Brown considera o rito do choro como “ a
afirmação de um laço de solidariedade social entre aqueles que tomam parte dele e como um meio de produzir neles uma realização daquele laço, despertando o sentimento de ligação”. Em alguns
casos, o rito serve para renovar relações sociais – rito recíproco. Em outros casos, para mostrar a existência continuada do laço social – casamento, iniciação ou morte. “Em todos os casos podemos dizer que a finalidade do rito é instaurar um novo estado nas disposições afetivas que regulam a conduta das pessoas umas em relação às outras, [...]”. (p. 12)
Crenças Os andamaneses fazem usos de alguns objetos apenas como adorno e de outros, por acharem que tem algum poder de proteção, por exemplo, se pintam com barro branco, usam colares de concha ou vestem um cinto para ficarem bonitos; e usam colar de ossos humanos na cabeça, no pescoço, na cintura para se proteger de certos tipos de perigo. Para manter a coesão da sociedade e para garantir a conformidade aos costumes e à tradição, sem o qual a vida social seria impossível, um dos meios mais potentes é o reconhecimento por parte do individuo do fato de que, para sua segurança e bem-estar ele depende inteiramente da sociedade. Um exemplo é o fogo, que é o objeto do qual a sociedade mais depende para seu bem-estar. “[...] a função da crença [...] é manter na mente do individuo o sentimento de sua dependência em relação à sociedade”. (p. 14)
Personalidade Social Personalidade social é o que dá a pessoa o seu valor social. As cerimônias de iniciação podem ser descritas como o meio do qual a sociedade dota a criança de uma personalidade social adulta, porém a personalidade social de um individuo depende também de suas qualidades pessoais, força, inteligência,habilidade para caçar e de suas qualidade morais.
Rituais Funerários Para a sociedade, uma morte é a perda de um dos seus membros. Depois da morte a sociedade precisa organizar-se de novo. Para os andamaneses a morte remove uma pessoa que era objeto de sentimentos de afeição e de ligação por parte de outras e constitui uma ofensa direta contra esses sentimentos nos sobreviventes. Os costumes funerários dos andamaneses são uma expressão coletiva e ritual de um sentimento coletivo. É obrigação dos parentes e amigos manterem o luto, estejam tristes ou não. “Os costumes funerários dos andamaneses devem ser explicados como uma reação coletiva contra o ataque ao sentimento coletivo de solidariedade que constitui a morte de um membro do grupo social”. (p. 17)
Conclusão “ [...] os costumes rituais das Ilhas Andaman formam um sistema estreitamente articulado, e que não podemos entender o seu significado se considerarmos apenas cada um desses costumes isoladamente, e que temos que estudar o sistema todo para chegarmos a uma interpretação” . (p. 17)
Radcliffe-Brown afirma que é preciso substituir o antigo método comparativo no qual costumes isolados de diferentes povos são colocados lado a lado pelo novo método no qual todas as instituições de uma sociedade ou de um tipo social são estudadas em conjunto, de modo a exibir suas relações como partes de um sistema orgânico. Esses costumes são os meios através dos quais a sociedade atua sobre seus membros e mantém vivo um sistema de sentimentos. “Uma das maneiras mais importantes pelas quais o individuo sofre a força moral da sociedade da qual é membro é através do sentimento de obrigação moral, que lhe dá a experiência de um poder que o compele a subordinar seus desejos egoístas às exigências do costume social”.
(p. 18) O melhor exemplo deste processo está nas coisas utilizadas como alimento. Para os andamaneses a comida é uma das principais fontes da alternância entre euforia social e disforia social. Quando a comida é farta a felicidade espalha-se pela comunidade, há danças e banquetes; já quando é escassa a comunidade vive sentimento coletivo de fraqueza, opressão. No entanto é principalmente através do ritual que a força moral da sociedade é sentida. “[...], podemos definir o ritual como o meio pelo qual o individuo é forçado a sentir a força moral da sociedade agindo sobre ele ou diretamente, ou em alguns casos indiretamente, através das coisas que tem efeitos importantes na vida social. (p. 19)
Critica A minha critica à Radcliffe-Brown é que ele tenta explicar tudo o que acontece na comunidade andamanesa, ele acha que tudo todas as ações têm uma função social, nada acontece simplesmente, e eu acredito que nem tudo é explicável, muitas coisas são como são e pronto. Pode ser que entre os andamaneses algum dia um amigo, por exemplo, chorou ao reencontrar o outro e isso acabou por se tornar padrão, sem explicação, simplesmente aconteceu. Por outro lado, concordo quanto ele afirma que não podemos estudar um povo observando seus costumes separadamente, mas temos que estudar todo o sistema social deste povo, pois numa comunidade, geralmente um costume não existe isoladamente, mas, dependendo da situação vários costumes podem ocorrer ao mesmo tempo, e o que tem certo significado em uma determinada situação, pode ter outro significado em situação diferente.
Aluna: Marcia Cristina de Oliveira Dias – 201134027-4 Professora: Izabel Fichamento do texto: A Interpretação dos Costumes e Crenças dos Andamaneses: Rituais Autor do texto: A. R. Radcliffe-Brown