Evolução e desafios da pol ítica brasileira de ciência, tecnolo gia e inovação
O papel reservado às empresas* Eduardo B. Viotti ** VERS Ã ÃO O P PREL IMIN A R – – F F A AV VOR N N Ã ÃO O C CIRCUL A AR R O OU C CIT A AR R F
1. Introd ução
Durante décadas os brasileiros parecem ter acreditado que a emergência de empresas tecnologicamente dinâmicas seria uma conseqüência mais ou menos natural de processos de industrialização, liberalização ou estabilização macroeconômica. Às políticas específicas de ciência e tecnologia (C&T) cabia contribuir principalmente para a formação f ormação de recursos humanos e a geração de uma oferta de conhecimentos científicos e tecnológicos. O principal alvo das políticas de C&T eram as instituições de ensino e pesquisa. Apesar de algumas exceções, as empresas não eram, na prática, alvo direto e relevante das políticas de C&T. A elas caberia basicamente aproveitar a oferta de conhecimentos e recursos humanos gerados por aquelas instituições. Desde o final dos anos 1990, contudo, a promoção da inovação tecnológica passou a ser incluída de maneira explícita entre os objetivos da política brasileira. Contudo, a efetiva integração da empresa, agente sine qua non da inovação, nas políticas de ciência e tecnologia ainda parece fortemente afetada pela tradição anterior que a considerava um agente externo ao sistema de C&T. O principal objetivo desse trabalho é analisar e avaliar, em grandes linhas, como evoluiu a participação da empresa brasileira 1 nas políticas de ciência e tecnologia (C&T) e como essa evolução está condicionando as atuais perspectivas do processo de mudança técnica e de inovação no Brasil.
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Versão preliminar de artigo elaborado para o Seminário Internacional sobre Avaliação de Políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação, Rio de Janeiro, Brasil, 3 a 5 de Dezembro de 2007, organizado pelo Centro Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) e apoiado pelo Banco Mundial. Pesquisador e professor colaborador do Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS) da Universidade de Brasília (UnB) e consultor legislativo licenciado do Senado Federal para a área de política científica e tecnológica. E-mail:
[email protected] [email protected] .. 1 A não ser quando referência expressa for feita em contrário, a expressão empresa brasileira refere-se neste trabalho a toda e qualquer empresa constituída de acordo com as leis brasileiras, independentemente da origem ou nacionalidade de seu capital controlador (de acordo com preceito introduzido pela Constituição brasileira de 1988). A adoção dessa linguagem não parte do pressuposto de que as estratégias tecnológicas das empresas de capital nacional sejam idênticas às das empresas sob controle estrangeiro. Existem fortes evidências da existência de estratégias diferenciadas que necessitam ser tratadas de forma diferente pela política. **
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2. Evol Evol ução da políti ca brasileir a de C&T C&T
É possível caracterizar o esforço brasileiro de desenvolvimento desde a 2ª Grande Guerra Mundial em três diferentes fases. A busca do desenvolvimento por intermédio do crescimento, da industrialização extensiva, caracterizou a primeira fase que se estendeu desde a 2ª Guerra até aproximadamente o ano de 1980. 2 O segundo período, correspondente aproximadamente às duas últimas décadas do Século XX, foi marcado pela busca (decidida ou relutante) da eficiência como a forma de assegurar o desenvolvimento brasileiro. No atual período, iniciado aproximadamente na virada para o Século XXI, o país busca um novo tipo de desenvolvimento, que ainda não assumiu uma identidade completamente definida. Inicia-se um processo de revalorização das políticas públicas como ferramenta necessária ao desenvolvimento, mas não há uma ruptura com a valorização dos mecanismos voltados para a busca da eficiência que se supõe o mercado seria capaz de assegurar independentemente de políticas públicas. Não é ainda possível caracterizar claramente essa fase, mas um de seus aspectos marcantes é, sem dúvidas, a relevância sem precedentes que vem assumindo a inovação no discurso da política de C&T. É possível que esse aspecto esteja apontando para a emergência de um período caracterizado pela busca da inovação como a via para o desenvolvimento, mas isso obviamente ainda não está definido. A análise detalhada das políticas de C&T implementadas ao longo das últimas décadas não é propriamente objetivo deste artigo. Ele se propõe a, primeiro, apresentar um quadro panorâmico e sintético que permita organizar o entendimento da evolução das políticas e, segundo, buscar melhor compreender o papel reservado às empresas em cada uma das principais fases do desenvolvimento brasileiro. Com base nesse esforço, ele pretende também identificar quais seriam os principais desafios que se colocam para as políticas de C&T na atual fase do desenvolvimento brasileiro. São apresentadas a seguir, de forma relativamente esquemática, as principais características de cada uma das 3 fases do desenvolvimento brasileiro e de suas correspondentes políticas de C&T. Destaca-se, em particular, o papel esperado das empresas. Ademais, a apresentação de cada uma das fases é concluída com a indicação de algumas das principais conseqüências das políticas para o processo de desenvolvimento do país, com a exceção da análise da última fase, que é concluída com a indicação de algumas tendências ou características recentes que merecem atenção particular.
2
A dinâmica do desenvolvimento brasileiro baseada no crescimento extensivo do setor industrial iniciou-se muito antes do pós-guerra, mas nesta análise adota-se o ano de 1950 como referência do início dessa fase basicamente por que apenas no início da década de 50 é que foi criada a moderna política brasileira de C&T. São marcos da institucionalização dessa, a criação em 1951 do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) e da Campanha Nacional de Aperfeiçoamento Aperfeiçoamento do Ensino Superior (CAPES), que tiveram suas atribuições e nomes posteriormente transformados, mas preservaram suas siglas e mantém, até os dias de hoje, grande importância para a política de C&T.
3 1ª Fase: Em bus ca do desenvolvi mento via cr escimento (~1950 – 1980)3 (Industr ialização extensiv a)
Industrialização via substituição de importações (Proteção à indústria nascente, apoio estatal ao investimento privado nacional e estrangeiro, empresas públicas…) (Inspirada na teoria do desenvolvimento formulada pela CEPAL.) (A industrialização era vista como uma forma de transferir tecnologias, relações sociais e instituições modernas para economias atrasadas. Portanto, a industrialização seria a via para o desenvolvimento.)
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Política de C&T implícita no modelo de desenvolvimento − Promoção da industrialização extensiva (i.e., absorção da capacidade de produção de bens manufaturados). − Políticos, gestores de política e economistas em geral compartilhavam a crença ingênua de que a industrialização (i.e, a assimilação de capacidade de produção) iria trazer naturalmente a “industrialização” do processo de mudança técnica (i.e., o desenvolvimento de capacidade de inovação).
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Política de C&T explícita − Promoção de pesquisa e desenvolvimento (P&D) (criação e fortalecimento de universidades e instituições de pesquisa, assim como formação de recursos humanos para P&D). − Política de C&T ofertista (desarticulada da política industrial) Inspirada pelo Modelo Linear de inovação (“science-push”) (Tal modelo entende que exista uma relação mais ou menos direta entre o esforço de pesquisa e a inovação tecnológica, passando por etapas sucessivas que seriam iniciadas pela pesquisa básica. Esse tipo de pesquisa seria responsável pelo avanço do conhecimento, sobre qual então seria possível realizar a pesquisa aplicada e, subseqüentemente, o desenvolvimento experimental até chegar à inovação propriamente dita. Por isso, o avanço da pesquisa e do desenvolvimento, especialmente da pesquisa básica, seria o catalisador de uma reação em cadeia que acabaria por levar à inovação tecnológica.) (O modelo também pressupõe que o país que contribui para o avanço do conhecimento mais cedo ou mais tarde acabará colhendo seus frutos na forma de avanços tecnológicos.) (A política inspirada pelo modelo linear pode ser representada como um esforço centrado na ampliação da oferta de conhecimentos científicos e tecnológicos produzidos pelas instituições de P&D. As empresas, consideradas agentes externos ao “sistema de C&T”, seriam responsáveis por posteriormente aproveitarem aquela oferta e transformá-la em inovação.)
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3
Informações e avaliações sobre a política brasileira de CTI durante as primeiras duas fases podem ser encontradas em Erber (1979), Brasil (1991), Galvão (1993), Gibbons (1995), Schwartzman et all. (1995a, 1995b, 1996a e1996b), MCT / ABC (2001), MCT (2002).
4 •
Conseqüências − Os processos de industrialização e de crescimento econômico foram bem sucedidos. − O Brasil foi considerado um “milagre econômico” durante os anos 1970, de forma similar àquela em que nos dias de hoje são consideradas a China e a Índia. − No entanto, a dinâmica do crescimento foi perdida a partir do final da década de 1970. − A oferta de conhecimentos parece não haver encontrado sua demanda. − A esperada “industrialização” do processo de mudança técnica foi essencialmente um fracasso. − A competitividade internacional da indústria brasileira permaneceu muito baixa. − A pobreza e a desigualdade permaneceram muito elevadas. − Esgotou-se o dinamismo econômico do crescimento baseado na substituição de importações e enfraqueceu-se a capacidade de o Estado implementar políticas de desenvolvimento.
2ª Fase: Em busca do desenvolvimento via eficiência (~1980 - 2000)
Liberalização (Privatização, desregulamentação, redução ou remoção de subsídios e de barreiras tarifárias e não-tarifárias ao comércio internacional, atração de investimento direto estrangeiro…) (Inspirada no Consenso de Washington)
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Política de C&T implícita no modelo de desenvolvimento − Expectativa de que a liberalização dos mercados e a elevação das pressões competitivas compeliriam as empresas a inovar. − Expectativa de que abertura do mercado doméstico para produtos, serviços e capitais estrangeiros contribuiria para a elevação da intensidade e da velocidade do processo de transferência de tecnologias para o país.
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Política de C&T explícita − Promoção das atividades de P&D, acompanhada de contido ou relutante apoio a instituições de pesquisa e ensino públicas. − Expansão e consolidação da pós-graduação. − Educação, especialmente educação fundamental, vista como uma espécie de panacéia universal. − Fortalecimento do regime de propriedade intelectual (internalização do TRIPS). − Promoção de empreendedorismo e de incubadoras. − Introdução da “inovação” no discurso da política, mas essa era vista mais
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5 como uma conseqüência do correto conjunto de incentivos e punições proporcionados pela liberalização do mercado. O Modelo Linear manteve forte influência, especialmente na comunidade acadêmica. (O peso no debate teórico e de políticas da doutrina econômica predominante à época contribuiu para conceder uma sobrevida ao Modelo Linear.4) •
4
Conseqüências − A formação de recursos humanos de alto nível – mestres e doutores, assim como a produção científica, expandiram-se a taxas muito elevadas, enquanto que o número de patentes internacionais obtidas por residentes no Brasil e a produtividade média do trabalhador brasileiro apresentaram crescimento pífio. − Houve elevação da eficiência e produtividade de certos setores industriais baseada principalmente em estratégias defensivas, especialmente, na elevação das importações de insumos e na adoção de novas técnicas de gestão e controle de qualidade. − Avanços ocorreram também na modernização de alguns setores de serviços privatizados e desnacionalizados, especialmente em telecomunicações. − A pressão competitiva, a abertura, e o fortalecimento da propriedade intelectual demonstraram-se incapazes de efetivamente estimular o desenvolvimento de uma dinâmica significativa de inovação nas empresas. − O crescimento agregado e o desenvolvimento tecnológico do país foram pouco significativos. − Ocorreu uma especialização regressiva na pauta de exportações: os produtos intensivos em recursos naturais e em mão-de-obra voltaram a ganhar participação na pauta. − Os níveis de pobreza e desigualdade não sofreram redução significativa 5 e permaneceram muito elevados. (Isso ocorreu apesar da forte expectativa dos defensores da agenda liberal de que o contrário é que deveria acontecer com a remoção da intervenção estatal típica do período de substituição de importações, que se supunha ser uma das principais razões
Tal doutrina era associada à teoria econômica neoclássica, a qual parte do pressuposto de que às empresas cabe apenas escolher tecnologias existentes. Trata a tecnologia como uma variável externa à própria teoria econômica. Admite a existência de dificuldades para a apropriação privada de resultados de investimentos em P&D. E acredita que ações voltadas para influenciar o comportamento das empresas são, em princípio, ineficientes e, por isso, indesejáveis. Com essas características, o predomínio daquela escola de pensamento econômico contribuiu para manter as políticas de C&T alienadas do papel central desempenhado por empresas no processo de inovação. Favoreceu assim a continuidade de políticas inspiradas no Modelo Linear. 5 Durante a segunda década dessa fase ocorreu certa redução dos níveis de pobreza no Brasil. Tal redução, contudo, é atribuída especialmente a dois fatores não relacionados diretamente com a agenda de liberalização. O primeiro é o ganho de renda dos assalariados ocorrido com o fim do processo inflacionário. O segundo é resultado da generosa concessão, feita pela Constituição de 1988, de benefícios previdenciários e de assistência social que contribuíram para melhorar as condições de vida de significativos segmentos mais pobres da população do país, especialmente no setor rural.
6 da persistência dos elevados níveis de pobreza e desigualdade). − Desilusão com as promessas do Consenso de Washington relativamente difundida entre a população. − Eleição de um novo governo no final do ano de 2002 que se apresentou com uma plataforma eleitoral que buscava se dissociar da agenda proposta pelo Consenso de Washington e se propunha a construir um tipo de desenvolvimento menos preocupado com a competição e a eficiência e mais comprometido com a inclusão. 3ª Fase: Em b usca de um novo tip o de desenvolv imento (~2000 em di ante) (Em busca do desenvolvimento via inovação?) 6
Paradigma de políticas misto ou indefinido (Muitos dos fundamentos das políticas inspiradas pela agenda característica da fase anterior permanecem. Iniciam-se experimentos na direção do fortalecimento de determinadas políticas públicas que não se alinham inteiramente com aquela agenda. Políticas sociais e compensatórias vêm sendo fortalecidas.)
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Política implícita de C&T no modelo de desenvolvimento − Ainda não é possível discernir a emergência de características específicas de uma nova política implícita de C&T. (As políticas de contínua valorização da moeda nacional e de manutenção de elevados níveis de juros têm, no entanto, significativos impactos negativos na área de C&T. Empresas ou cadeias produtivas de elevado valor adicionado têm sido prejudicadas e são desestimulados seus investimentos em P&D e inovação. Empresas de setores intensivos em recursos naturais, geralmente commodities indiferenciadas, cuja estratégia competitiva não depende significativamente de investimentos em P&D e inovação, têm sido mais favorecidas.)
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Políticas explícitas de C&T − Uma das características marcantes das atuais políticas de C&T nacional e estaduais é o experimentalismo, o lançamento de uma miríade de diferentes programas e instrumentos ainda que sem estratégias, prioridades e coordenação muito efetivas. 7 − Na verdade, é preciso reconhecer que o espaço para a formulação e implementação de políticas ainda não está claramente definido. Esse foi
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6
Sobre a recente política brasileira de CTI, veja Arruda et al. (2006), especialmente, capítulo 3, Os novos instrumentos da política tecnológica, pp. 82-114. Veja também Brasil (2003), Guimarães (2006), ABDI (2006 e 2007), Salerno e Daher (2006), Vermulm e Paula (2006) MCT (2006); Suzigan e Furtado (2006). 7 Arruda et al. (2006, p. 109) afirmam nas conclusões de seu livro que “O que se tem visto é uma grande desorganização na execução das ações públicas na área de ciência, tecnologia e inovação. Os recursos financeiros disponíveis, que são insuficientes, são alocados de forma não planejada e pulverizada, incapazes de promover a mudança estrutural necessária. Se por um lado o setor privado revela insuficiente capacitação tecnológica, por outro, a transformação para uma economia industrial mais dinâmica sob o ponto de vista da inovação exigirá uma adequada e competente participação do setor público.”
7 muito reduzido em razão da atual mobilidade de capitais, bens e serviços, característica da globalização, e pela entrada em vigor das regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) a partir de sua criação em 1995. Muitas das velhas práticas de política tornaram-se obsoletas ou foram proibidas. Apesar do esmaecimento da crença liberal na não-política, ainda não foi possível consolidar um novo paradigma de políticas. Isso justifica, em parte, o experimentalismo que vem ocorrendo nos últimos anos. − Parece crescer a consciência de que a crença na emergência de forte processo de inovação nas empresas, como resultado natural do processo de abertura, fortalecimento da propriedade intelectual e ampliação dos investimentos estrangeiros, também foi ingênua. Assim como o foi a crença semelhante existente no período de substituição de importações. − Como conseqüência de tal consciência, a adoção de políticas ativas para promover a inovação assume crescente importância no debate sobre as políticas econômicas, industriais e de C&T. − Elevadas expectativas estão sendo depositadas no papel de universidades e instituições de pesquisa públicas no processo de inovação. (Um novo marco legal foi criado para estimular a contribuição de universidades e institutos de pesquisa para o processo de inovação: a chamada “Lei de Inovação” 8, inspirada no Bayh-Dole Act norte-americano e na lei de inovação francesa.) (Tais expectativas são muitas vezes superdimensionadas, como se fosse possível que universidades e instituições de pesquisa pudessem vir a assumir o papel de verdadeiras parteiras da inovação, compensando a falta de empresas inovadoras.) A abordagem associada ao Modelo Sistêmico está sendo absorvida por analistas e formuladores ou executores de política. (Entre outras medidas, a “Lei de Inovação” autoriza a participação minoritária do governo federal no capital de empresas privadas de propósito específico que visem o desenvolvimento de inovações; assim como a concessão de recursos financeiros, sob a forma de subvenção econômica, financiamento ou participação acionária, visando o desenvolvimento de produtos e processos inovadores. A administração pública também fica autorizada a realizar encomendas tecnológicas de soluções de problemas técnicos específicos ou de produtos e processos inovadores que atendam objetivos de interesse público.) (A chamada “Lei do Bem” 9 consolidou e ampliou incentivos fiscais préexistentes, assim como estabeleceu novos incentivos fiscais, a empresas que realizam P&D e inovação tecnológica. Além desses incentivos fiscais, a lei autoriza o Governo a conceder subvenções econômicas a empresas que contratarem pesquisadores, titulados como mestres ou doutores, para a realização de atividades de P&D e inovação tecnológica.)
8
Lei nº 10.973, de 02/12/2004. A Lei nº 11.196, de 21/11/2005, chamada de “Lei do Bem”, concede, em seu Capítulo III, incentivos fiscais à P&D e à inovação. 9
8 (Essas são medidas de política cuja inspiração rompe com o paradigma do Modelo Linear.) Contudo, a prática tem mostrado que é mais fácil estabelecer objetivos, justificativas e políticas de C&T inspiradas pela abordagem sistêmica, do que executá-las efetivamente sem deixar que as práticas tradicionais (inspiradas pelo Modelo Linear) acabem por influenciar ou dominar a implementação de políticas. O Modelo Linear não foi substituído ou deslocado inteiramente e permanece como uma forte influência, especialmente entre cientistas e acadêmicos. 10 A força da inércia de suas práticas é muito forte. Freqüentemente, medidas tradicionais de apoio à P&D, inspiradas pelo Modelo Linear, acabam emergindo como a forma de supostamente implementar objetivos inspirados pela Modelo Sistêmico. 11 (Por exemplo, parece que uma pequena proporção dos recursos aplicados pelos Fundos Setoriais guarda relação direta com o apoio ao desenvolvimento de atividades inovativas em empresas. 12 Muitas vezes, processos de seleção e avaliação a priori de projetos, mesmo quando em tese voltados para promover a inovação nas empresas, acabam reproduzindo práticas de avaliação similares àquelas mais apropriadas para o exame de projetos acadêmicos, as quais são mais bem estabelecidas e conhecidas no sistema de C&T brasileiro.) Algumas outras tendências ou características que merecem atenção − O interesse e o envolvimento de estados e municípios pela inovação como ferramenta de desenvolvimento regional ou local tem crescido de maneira significativa.
•
10
Há que lembrar que formas de apoio a atividades de P&D, mais alinhadas com o Modelo Linear, acabam sendo favorecidas pela exceção que as regras da OMC estabelecem para o subsídio estatal a essas atividades, mesmo quando seus beneficiários diretos são empresas. Por outro lado, contudo, muitas das outras formas de estimular a inovação na empresa podem ser passíveis de condenação pelas regras da OMC. 11 Na verdade, as dificuldades para a consolidação de um modelo de políticas efetivamente sistêmico não é um problema apenas brasileiro. Guardadas as diferenças, problema similar parece também ocorrer na Europa. Arundel e Hollanders (2006, p. 3) afirmam que apesar de a comunidade envolvida com a política de CTI na Europa nem se referir mais ao modelo de “science-push” baseado na P&D, a leitura cuidadosa dos principais documentos de política indica que “o conceito de inovação utilizado é essencialmente o de atividades de P&D”. Para eles, “os principais instrumentos de política utilizados em todos os países Europeus ou subsidiam P&D ou são ligados a P&D, como é o caso, por exemplo, do apoio para o registro e a comercialização de direitos de propriedade intelectual de invenções realizadas por instituições públicas” (idem, p. 3). Confirmando tal avaliação, Arundel (2006, p. 4) estima que, na Europa, “programas que não envolvem P&D respondem por provavelmente menos de 5% do total do apoio que os governos destinam à inovação.” Documento de avaliação de políticas da OCDE (2005, p. 7) também chega a conclusão semelhante ao afirmar que “A política de inovação nos países da OCDE tem sido vista essencialmente como uma extensão da política de P&D e como tal ela tem sido vinculada a pesquisa e desenvolvimento tecnológico. Isso continua a ocorrer apesar de a abordagem sistêmica desenvolvida sob o rótulo de ‘Sistemas Nacionais de Inovação’ (SNI) durante os anos 1990 haver expandido essa perspectiva para incluir vínculos de interação nos sistemas de inovação.” [Traduções do autor.] 12 Avaliação dos Fundos Setoriais realizada por equipe do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp, sob a coordenação do CGEE, estimou, no entanto, que 31,5% dos projetos apoiados pelos fundos envolveram diretamente empresas (CGEE 2007).
9 − A atenção dedicada pela mídia brasileira a assuntos relacionados a ciência,
tecnologia e inovação tem aumentado, apesar de ainda ser relativamente pequena em comparação com a de outros países em acelerado processo de emparelhamento (“catching up”). − O novo conceito de Arranjos Produtivos Locais (APL’s), apesar dos usos indevidos ou abusos, é uma nova ferramenta de grande utilidade para análise e intervenção no processo de mudança técnica e inovação. Pode vir a se consolidar como uma das formas de se viabilizar práticas que rompam de maneira efetiva com o paradigma de políticas inspiradas no Modelo Linear e que tornem mais efetiva a abordagem sistêmica. − A emergência de um segmento específico da política voltado para a promoção da C&T a serviço da inclusão social aparece como uma novidade importante. Apesar de incipiente e de estar mais dedicado à educação, difusão de práticas ou tecnologias e à capacitação em C&T, do que à inovação propriamente dita, sua importância não pode ser desconsiderada. (É possível criticar o estágio atual de formulação dessa política e questionar sua eficácia como ferramenta de inclusão social. Contudo, sua própria existência coloca a necessidade de ser enfrentado o debate - sempre adiado - sobre quais e quantos são os beneficiados pelos resultados da política de C&T em contraposição à questão da neutralidade da C&T e da liberdade de pesquisa.) 3. Algumas evidências de resultados das políticas
10
Doutor es Titul ados n o B rasil 1987-2006
Número Total e Proporção em Relação aos EUA (%) 40.0
10.000
9.000 35.0 8.000 30.0 7.000 25.0 6.000 ) 20.0 % (
19.9
20.7 20.5
5.000
) º N (
19.3
17.2
4.000
15.0 14.8 12.9
3.000
11.8
10.0 8.5
9.3
2.000
7.0
5.0
6.0 3.1
3.0
3.3
3.9
4.7
4.5
4.7
1.000
4.9
0.0
0 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Brasil/EUA (%)
Brasil (Nº)
Fontes: NSF/DSRS, "U.S. Doctorates in the 20th Century,"
; SRS/NSF, InfoBrief NSF 08-301, November
2007 , e ASCAV/MCT .
11
Parti cip ação de Publicações e Patentes Brasileiras no Mund o
1963 / 2006 (%)
2.0
1.8
1.6
1.4
1.2
1.0
0.8
0.6
0.4
0.2
0.0 1963 1965 1967 1969 1971 1973 1975 1977 1979 1981 1983 1985 1987 1989 1991 1993 1995 1997 1999 2001 2003 2005 Patentes
Publicações
Fontes: SI (ASCAV/MCT ) e USPTO, “Extended Year Set - Historic Patents By Country, State, and Year”, Notas:
November 30, 2007 < www.uspto.gov/web/offices/ac/ido/oeip/taf/cst_utlh.htm>. Publicações: Participação percentual do número de artigos publicados em periódicos científicos internacionais por residentes no Brasil em relação ao total mundial. Patentes: Participação percentual do número de patentes de invenção concedidas a residentes no Brasil no total de patentes de invenção concedidas pelo USPTO (EUA).
12
Produtividade do Trabalho
(EUA = 100) - 1962-2002
80
70
Taiwan
60
Coréia
50
% 40 México
30
Brasil
20
10
0 0 6 9 1
2 6 9 1
4 6 9 1
6 6 9 1
8 6 9 1
0 7 9 1
2 7 9 1
4 7 9 1
6 7 9 1
8 7 9 1
0 8 9 1
2 8 9 1
4 8 9 1
6 8 9 1
8 8 9 1
0 9 9 1
2 9 9 1
4 9 9 1
6 9 9 1
8 9 9 1
0 0 0 2
2 0 0 2
Fonte: Viotti 2006. Notes: Produtividade do trabalho medida em termos de PIB real dividido por pessoa empregada. PIB computado (a preços de mercado) em 1990 e convertido
para dólares norte-americanos de 1990 convertidos para PPP (“Geary-Khamis”).
Renda Real Per Capita
1950-2003 35.000
30.000
EUA
25.000
20.000
Taiwan
15.000 Coréia
10.000
México
5.000 Brasil
0 0 5 9 1
2 5 9 1
4 5 9 1
6 5 9 1
8 5 9 1
0 6 9 1
2 6 9 1
4 6 9 1
6 6 9 1
8 6 9 1
0 7 9 1
2 7 9 1
4 7 9 1
6 7 9 1
8 7 9 1
0 8 9 1
2 8 9 1
4 8 9 1
6 8 9 1
8 8 9 1
0 9 9 1
2 9 9 1
4 9 9 1
6 9 9 1
8 9 9 1
0 0 0 2
2 0 0 2
Fonte: Viotti 2006. Notes: Renda real medida como PIB per capita computado (a preços de mercado) em 1990 e convertido para dólares norte-americanos de 1990 convertidos
para PPP (“Geary-Khamis”).
13
Taxa de Inovação
Período 1998-2000 – Países Selecionados 70
60
60
59 51
50
49 44
43
42
40
40
40
38
37 31
30
26
20
10
-
a h n a m e l A
a c i g l é B
a d n a l o H
Fontes: EUROSTAT e IBGE. (Apud Viotti
a c r a m a n i D
T al. 2005)
a i r t s u Á
a i d n â l n i F
l a g u t r o P
a ç n a r F
a i c é u S
a i l á t I
a h n a p s E
l i s a r B
a i c é r G
14
Dispêndio em P&D Interno
Percentagem do Faturamento das Empresas Industriais com Atividade Inovadora, 2000 – Países Selecionados 3.0% 2.7% 2.5% 2.5% 2.2% 2.1% 2.0%
1.5% 1.2% 1.0% 0.8% 0.7% 0.6% 0.5%
0.0%
0.4%
a h n a m e l A
Fonte: Viotti et al. (2005)
a ç n a r F
a d n a l o H
a c i g l é B
a i l á t I
a h n a p s E
l i s a r B
a c r a m a n i D
l a g u t r o P
15
Dispêndio Interno Bruto em P&D
(% PIB) Países Selecionados
0,91
Fontes: OECD - Main Science and Technology Indicators 2006-2 e MCT (Elaboração R. Viotti). Nota: 2005 ou ano mais recente.
16
Dispêndio Interno B rut o em P&D Financi ado pelo Governo
(% PIB) Países Selecionados
0,54
Fontes: OECD - Main Science and Technology Indicators 2006-2 e MCT (Elaboração R. Viotti). Nota: 2005 ou ano mais recente.
17
Dispêndio Int erno Bru to em P&D Financi ado pelas Empr esas
(% PIB) - Países Selecionados
0,38
Fontes: OECD - Main Science and Technology Indicators 2006-2 e MCT (Elaboração R. Viotti). Nota: 2005 ou ano mais recente.
18 Referências
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