Erro em Direito Penal José António Veloso Veloso 1. Erro propriamente dito e erro de execução
O erro propriamente dito é o erro de percepção ou erro intelectual: aquele que consiste numa percepção ou representação errónea da realidade. Diversamente a aberratio ictus nada tem a ver com o erro, nem com a formação da vontade. A aberratio ictus tem a ver com a destreza psico-fsica do a!ente. " um problema de imputação ob#ectiva e não um problema de erro. As normas do $ódi!o penal sobre erro referem-se referem-se apenas ao erro propriamente dito ou erro de percepção%. A aberratio ictus não se encontra e&pressamente e&pressamente consa!rada no $ódi!o 'enal sendo construda a partir do re!ime da tentativa e do concurso ideal de infracç(es. 2. Erro-ignorncia e erro-suposição
O erro intelectual compreende duas espécies:
A i!nor)ncia ou descon*ecimento do que e&iste+ A suposição do que não e&iste.
o art %./% e art %0. temos erros-i!nor)ncia enquanto que no art %./1 temos #2 um caso de erro de suposição. !. Erro de "acto e erro de direito
3emos 3emos que fazer a se!uinte distinção:
Erro so#re o "acto t$pico% é o erro sobre as circunst)ncias do
facto também c*amado de erro sobre os elementos do tipo, erro sobre o tipo ou erro de tipo. Deve-se ter em conta o art %. $'. Erro so#re a puni#ilidade% é o erro sobre a ilicitude. o art %0. 4erro sobre as proibiç(es que...5 e a se!unda parte do art %./% que também é c*amado de 4erro sobre a proibição e 4erro de proibição5.
&. 'ecapitulação so#re o dolo
unca são requeridos para o dolo quaisquer actos de consci6ncia ou vontade re7e&ivos re7e&ivos ou secund2rios, ou se#a, actos de consci6ncia ou de 1
Art 16.º e art 17.º
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vontade pelos quais o a!ente re7icta sobre os seus dados psquicos prim2rios, os duplique, os intensi8que.1 A consci6ncia re7e&iva é desnecess2ria quer para a a8rmação do dolo, quer para a a8rmação de quaisquer outros dados psquicos que a lei considere relevantes. 'ara a8rmação do dolo, basta a consci6ncia mar!inal não sendo necess2ria a consci6ncia focal+ basta a consci6ncia liminar ou difusa, não sendo necess2ria a consci6ncia clara ou de atenção. 9asta a consci6ncia ou o saber de situação. " su8ciente para o dolo que se possa dizer que o a!ente disp(e da informação correspondente. 'ara e&istir o dolo relativamente a elementos normativos do tipo, não se requere que *a#a con*ecimentos técnico-#urdicos sendo su8cientes os con*ecimentos correspondentes do cidadão comum. Erro so#re o "acto t$pico
3odo o erro pode ser visto de duas maneiras: positivamente como suposição ou ne!ativamente como descon*ecimento: tudo depende da descrição da situação de que se parte, e essa é sempre arbitr2ria. 1. Erro so#re o "acto t$pico A( Erro-ignorncia - primeira parte do art 1).*+1
O descon*ecimento de um aspecto da situação que corresponda a um elemento do tipo tem obviamente como consequ6ncia o não *aver dolo. uer se trate de elemento descritivo, quer de elemento normativo, o dolo 8ca e&cludo se ele for descon*ecido. uanto muito poder2 *aver crime ne!li!ente, se o erro for culposo e se o crime ne!li!ente se encontrar previsto na lei. ;sto é o que diz o art %./% %. ' e o n. < $'. $asos particulares: Descon*ecimento da individualidade fsica ou numérica do ob#ecto material da acção. " o que tradicionalmente se c*ama error in persona =se se trata de pessoa *umana> e error in ob#ecto =se se trata de outro ob#ecto>. Aqui o dolo incide sobre um elemento atpico da situação e o dolo não é e&cludo. 2
Não é preciso saber se sabe, não é preciso pensar que se está a pensar, não é preciso querer querer
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2. Erro so#re o "acto t$pico ,( Erro-suposição
?st2 aqui em causa a suposição errónea de aspectos da situação que se#am elementos do tipo, e que de facto não e&istam. ?sta *ipótese encontra-se abran!ida pelo re!ime da tentativa. $asos particulares: A suposição errónea da individualidade fscia ou numérica do ob#ecto não é elemento do tipo, e portanto, se *2 o con*ecimento b2sico das suas qualidades tpicas, *2 dolo do facto praticado. A suposição errónea de circunst)ncias a!ravantes quali8cativas =elementos a!ravantes do tipo quali8cado> são imputadas ao a!ente na forma de tentativa impossvel do crime a!ravado correspondente. Erro so#re a puni#ilidade 1. Erro so#re a puni#ilidade A( Erro-ignorncia - art 1.* e segunda parte do art 1).*+1
O descon*ecimento erróneo da punibilidade encontra-se previsto no art %0. e na se!unda parte do n. % do art %.. o art %0. fala-se em 4erro sobre a ilicitude5 e no %./% 1.' de 4erro sobre proibiç(es cu#o con*ecimento se#a razoavelmente indispens2vel para con*ecer a ilicitude do facto5. ;licitude neste conte&to si!ni8ca ilicitude criminal ou punibilidade. " a su#eição do facto praticado a uma sanção criminal - nos limites do con*ecimento que disso t6m os cidadãos comuns. O con*ecimento da punibilidade do facto é necess2rio: se o a!ente sabe que o seu facto é e&tramamente imoral, ou sabe que é um ilcito civil, mas sup(e que não é punvel com sanção criminal, est2 em erro sobre a ilicitude penal. O con*ecimento da punibilidade do facto é su8ciente: e&iste nomeadamente quando o a!ente sabe que o facto é punvel se!undo a lei positiva aplic2vel, mas discorda do #uzo ético que sub#az @ norma incriminadora. 3
A distinção entre as normas aqui em apreço não é uma distinção na espécie do erro - o erro é ambas as *ipóteses da mesma espécie, um erro-i!nor)ncia sobre a punibilidade, mas uma distinção no ob#ecto do erro, isto é, nas incriminaç(es a que respeita:
O art %0. refere-se aos crimes cu#a punibilidade se pode presumir con*ecida, e não é desculp2vel que não se#a con*ecida, de todos os cidadãos normalmente socializados. ?stes crimes são os c*amados 4crimes naturais5, 4crimes em si5 ou mala in se. 3odos os crimes previstos no $' são mala in se. A se!unda parte do n.% do art %. refere-se aos crimes cu#a punibilidade se não pode presumir con*ecida de todos os cidadãos, nem é sempre indesculp2vel que o não se#a. Da o re!ime mais benevolente de equiparação ao erro sobre o facto. ?stes crimes são os c*amados 4crimes arti8ciais5, 4crimes de criação meramente estatal5, 4crimes meramente proibidos5 ou mala prohibita. O art %./% 1.' apresenta uma restrição e uma ampliação. o primeiro caso as pessoas que e&ercem estavelmente uma determinada actividade =função, pro8ssão, etc> t6m um dever reforçado de con*ecer as normas #urdicas que re!ulam essa actividade. ão podem, quando as descon*eçam, ser equiparadas aos restantes cidadãos sob o re!ime muito benévolo. Deve ser-l*es aplicado o re!ime mais severo do art %0.. 9ene8ciar2 do re!ime do art %./% aquele que, não e&ercendo normalmente uma certa actividade, é por qualquer circunst)ncia transitória, c*amado a praticar um acto caracterstico dessa actividade, sem estar especialmente preparado para ela. elativamente ao se!undo caso, em caso de incriminação nova, deve-se conceder o re!ime do art %., sem distinção entre crimes em si ou meramente proibidos, por todo o perodo que se#a necess2rio para con*ecer a nova norma. A ampliação deve valer também para as pessoas que e&ercerem certa actividade, relativamente @s normas re!uladoras desta, embora neste caso o perodo de toler)ncia deva ser mais reduzido do que para o cidadão comum.
2. Erro so#re a puni#ilidade ,( Erro-suposição
ão se encontra e&pressamente re!ulado no $ódi!o 'enal. " a suposição de que um facto é punvel, não estando realmente includo no cat2lo!o de crimes na ordem #urdica. A doutrina c*ama a esta *ipótese crime putativo ou crime ima!in2rio. O facto praticado com suposição errónea de punibilidade não é 4
punvel, ainda que pudesse conceber-se al!uma aplicação analó!ica do re!ime da tentativa.
!. asos particulares de erro so#re normas
O erro sobre a punibilidade é apenas umas das muitas formas possveis de erro sobre normas. 3em uma import)ncia especial entre todos os erros sobre normas #2 que é o Bnico erro sobre as normas ao qual a lei portu!uesa atribui relev)ncia. Erro so#re as causas de /usti0cação
O erro de suposição de causas de #usti8cação, mais precisamente, a suposição de elementos situacionais de uma causa de #usti8cação, encontra-se re!ulado no art %./1. 1. Erro-ignorncia A( Desconecimento de elementos descritios do tipo /usti0cador
ão se encontra e&pressamente re!ulado. " o descon*ecimento de aspectos situacionais dos pressupostos ou dos requisitos de uma causa de #usti8cação. 3emos um caso particular que o $ódi!o 'enal d2 uma solução: o do descon*ecimento do consentimento do ofendido, tratado como tentativa =. Dentro da doutrina portu!uesa tem sido proposto a !eneralização deste re!ime a todas as causas de #usti8cação.< 2. Erro-ignorncia ,( Desconecimento da norma de /usti0cação en3uanto tal
ão se encontra e&pressamente re!ulado. ão é f2cil que ocorra o descon*ecimento da e&ist6ncia da própria norma de #usti8cação enquanto tal, se se trata de uma das causas de #usti8cação !erais previstas no $ódi!o 'enal+ mas #2 facilmente ocorre em relação a causas de #usti8cação da 'arte ?special e de le!islação avulsa. ?m qualquer dos casos, o a!ente bene8cia ob#ectivamente da #usti8cação, embora descon*eça a norma. !. Erro-suposição A( 4uposição de elementos descritios do tipo /usti0cador 3
Teresa Bee!a
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" o caso basicamente re!ulado no art %./1. ?sta re!ra vale tanto para a suposição de pressupostos como para a de requisitos. &. Erro-suposição ,( 4uposição da norma de /usti0cação en3uanto tal
ão se encontra re!ulado e é uma matéria de !randes dBvidas. Devese tratar por analo!ia com o art %0., ou deve-se ne!ar toda e qualquer relev)ncia do erro. 5. Erro so#re elementos normatios do tipo /usti0cador
4uposição errónea de elementos normatios do tipo /usti0cador% esta *ipótese cabe na letra do art %./1 mas seria
insatisfatória uma solução que aplicasse este re!ime muito benévolo a todos os casos possveis. A suposição de elementos normativos da causa de #usti8cação pode ser causada por um de dois erros: ou por um erro sobre elementos situacionais, pressupostos da aplicação de normas #urdicas+ ou por um erro sobre a e&ist6ncia enquanto tal das normas #urdicas.
Desconecimento de elementos normatios do tipo /usti0cador% @ primeira vista, poder-se-ia abordar, tal como o
descon*ecimento de elementos descritivos, na perspectiva do elemento sub#ectivo da #usti8cação: se *2 descon*ecimento de um elemento normativo da previsão da norma #usti8cadora, não *2 o elemento sub#ectivo da #usti8cação. 'or outro lado, *2 casos em que parece impor-se antes a analo!ia com o descon*ecimento da norma de #usti8cação enquanto tal, admitindo que o facto 8ca ob#ectivamente #usti8cado.
A#erratio ictus
?sta 8!ura nada tem a ver com o erro: não é um problema de dolo e de culpa, mas de imputação ob#ectiva. 3rata-se como concurso ideal de tentativa e crime culposo =ou dolo eventual>, se!uindo as re!ras !erais de concurso. A tentativa é possvel, uma vez que o ob#ecto est2 presente no conte&to da acção: se!ue o re!ime !eral da tentativa, e é punvel sempre que o crime consumado se#a punvel com mais de 1 anos de prisão =1<./1>. 'ara o caso da identidade tpica entre o facto pro#ecado e o facto cometido, tem *avido na literatura su!est(es no sentido de aplicar o re!ime do erro de percepção =in persona/in ob#ecto>, punindo apenas 6
por um só crime doloso consumado. o erro de percepção est2 presente no conte&to da acção do a!ente um só ob#ecto, e só esse ob#ecto é posto em peri!o+ da que se possa e deva fazer a crase das duas quali8caç(es formalmente possveis. a aberratio ictus estão sempre presentes, e e&postos ao peri!o, v2rios ob#ectos, e tem de se considerar simultaneamente as v2rias perspectivas de lesão e de peri!o de lesão em que todos se encontram. A diferença entre o re!ime do erro e da aberratio ictus é o se!uinte: o erro entre factos tipicamente id6nticos trata-se como um só crime no erro de percepção, e como concurso ideal na aberratio ictus+ e quando *2 uma quali8cação da tentativa no erro de percepção, a tentativa é impossvel, enquanto na aberratio ictus a tentativa é possvel. Erro e motiação
Os motivos e os factores emocionais impulsionadores da vontade aparecem na aplicação da lei penal em dois enquadramentos: como elementos do tipo de ilcito, desi!nadamente de tipos quali8cados ou privile!iados+ e !enericamente, no )mbito do #uzo de culpa, em que se faz uma apreciação tão completa e individualizada quanto possvel dos aspectos psquicos do facto. A ocorr6ncia de um erro, se#a de descon*ecimento, se#a de suposição, pode ter in7u6ncia nos motivos e nos factores emocionais que impelem a vontade. ?sta in7u6ncia ser2 tanto mais intensa quanto mais peso tiver a componente co!nitiva na economia do motivo. O direito penal toma os motivos e os factores emocionais impulsionadores da vontade tal como de facto e&istem na psique do a!ente, independentemente do correcto ou incorrecto con*ecimento da realidade que porventura os ten*a determinado. ;sto vale tanto para o descon*ecimento como para a suposição errónea.
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Teresa Bee!a. "osé Ant#nio $eoso não concor%a co& esta posi'ão.
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