PARTE I A natureza da leitura e da dislexia
1 O poder de saber Este é um livro sobre leitura – uma habi- descobertas científicas sobre a leitura e a lidade extraordinária, peculiar ao ser huma- dislexia e frustrada pela relativa falta de disseno, mas decididamente não natural. Adquiri- minação e aplicação prática desses notáveis da na infância, faz parte de nossa existência avanços, quero compartilhar com vocês tudo o como seres civilizados e não chama a atenção que sei sobre a ciência da leitura. Quero deida maior parte das pessoas. Acredita-se tacita- xar bem claro que agora é possível, e com um mente que se, na infância, alguém for suficien- alto grau de precisão, identificar precocemente temente motivado e participar de uma casa em as crianças que têm dislexia e depois tratar as que se valoriza a leitura, aprenderá a ler com suas dificuldades, ajudando-as a aprender a ler. facilidade. Mas, como muitas outras hipóteses Também podemos fazer mais do que antes peque parecem ter um sentido intuitivo, a hipó- los adolescentes, jovens adultos e adultos. tese de que a leitura se dá natural e facilmente Tão nocivo quanto qualquer vírus que em todas as crianças não é verdadeira. Um nú- ameaça tecidos e órgãos, a dislexia pode mero muito grande de meninos e meninas bem infiltrar-se em todos os aspectos da vida de uma intencionados – incluindo alguns muito inteli- pessoa, sendo freqüentemente descrita como gentes – passa por sérias dificuldades quando uma incapacidade oculta, porque se pensava aprendem a ler, mas não por sua própria cul- que não apresentava sinais visíveis. A dislexia, pa. Esse problema frustrante e persistente em porém, só se oculta àqueles que não têm de aprender a ler se chama dislexia. viver com ela e sofrer seus efeitos. Quando você A maior parte das crianças deseja apren- quebra um braço, um raio X lhe dará uma proder a ler e, de fato, o fazem rapidamente. Para va visível do fato; se você é diabético, a medias crianças disléxicas, contudo, a experiência da de glicose no sangue confirmará. Antigaé muito diferente: a leitura, que parece ser algo mente, as dificuldades de leitura podiam ser que as outras crianças atingem sem esforço ne- explicadas de várias maneiras. Hoje, contudo, nhum, é algo além de seu alcance. Aquelas é possível apontar para uma imagem do funciocrianças, que entendem a palavra transmitida namento interno do cérebro, o que se faz por oralmente e adoram ouvir histórias, não conse- meio da nova tecnologia de imagem cerebral, guem decifrar as mesmas palavras quando es- e dizer: “Veja isto aqui. É aqui que está a raiz critas no papel. Frustram-se e desapontam-se. do meu problema”. Sabemos exatamente onde Os professores se perguntam o que eles ou a crian- e como a dislexia se manifesta no cérebro. ça podem estar fazendo de errado e, freqüente A realidade desagradável da experiência mente, diagnosticam erradamente o problema diária com a dislexia pode, com freqüência, coou recebem maus conselhos. Os pais questio- lidir com a percepção de professores, adminisnam-se, sentindo-se ou culpados, ou irritados. tradores, pessoas conhecidas e formadores de Foi para esses pais e para essas crianças opinião que questionam a própria existência que escrevi este livro. Exultante com as novas de um problema que atinge tantas pessoas. Há
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quem afirme que a dislexia não existe, atribuindo os problemas de leitura inteiramente a fatores sociológicos ou educacionais e negando totalmente os fatores biológicos. Quem questiona a validade da dislexia afirma que não há provas científicas que sustentem tanto uma base biológica quanto uma base cognitiva para o problema, argumentando que os alunos com dislexia colhem os benefícios de um tratamento especial associado a um mau diagnóstico. George, um aluno da Universidade do Colorado, descreveu a dislexia como sendo “a fera”, um predador desconhecido que ataca em silêncio, continuamente desorganizando sua vida. Não saber o porquê disso tudo lhe causa uma grande dor, incluindo notas que não correspondem às horas que passou estudando ou a seu conhecimento e alto nível de inteligência. George gostaria de “ver a cara da fera”, para entender por que isso acontece com ele. Além de seu profundo desejo de compreender a natureza do misterioso problema que o en volve, ele alimenta o medo de ser identificado como disléxico. A natureza oculta da dislexia – não saber o que esperar ou quando a dificuldade se manifestará – faz com que fique muito apreensivo: “É como se ela só estivesse esperando que eu cometesse um erro para, repentinamente, aparecer de novo, com escárnio”. Essa situação, muito comum, é agora desnecessária. Sabemos por que os disléxicos, independentemente de sua motivação ou inteligência, passam por dificuldades de leitura. A dislexia é um problema complexo que tem suas raízes nos mesmos sistemas cerebrais que permitem ao homem entender e expressar-se pela linguagem. Pela descoberta de como uma ruptura nesses circuitos neurológicos fundamentais para a codificação da linguagem dá surgimento a esse problema na leitura, pudemos compreender como os tentáculos dessa desordem partem do fundo do cérebro e se estendem não apenas ao modo como uma pessoa lê, mas, surpreendentemente, a uma gama de outras funções importantes, incluindo a capacidade de soletrar, de memorizar palavras e articulá-las e de lembrar certos fatos. Pela primeira vez desde que se identificou a dislexia, há mais de cem anos, os cientistas podem ago-
ra ver a “cara da fera” – e estamos a caminho de domesticá-la e comandá-la. Lembro-me de passar horas tentando con vencer Charlotte, uma estudante disléxica do 1 ano de direito, a buscar ajuda para os seus exames finais. Charlotte é uma pessoa brilhante, mas lê muito devagar, precisando de mais tempo do que o disponível para as provas. Seus professores a respeitavam, e ela tinha certeza de que passaria nos exames – a não ser, pensa va ela, que soubessem que era disléxica. Com todas as visões estereotipadas da dislexia, raciocinava ela, seus professores pensariam duas vezes a respeito de sua capacidade. Charlotte angustiava-se com a decisão: “Se eu pedir mais tempo para resolver as questões do exame, todos pensarão que não mereço uma boa nota e que, na verdade, não sou tão inteligente. Se não pedir mais tempo, não conseguirei terminar”. Para Charlotte e outras pessoas como ela, o chamado tratamento especial é uma ironia cruel. Com freqüência me pedem para falar sobre a dislexia, e cada vez que falo, perguntam: Onde posso ler sobre o que você acaba de falar? Onde posso obter essas informações? Você recomendaria algum livro? Escrevi este livro como uma resposta a essas perguntas e a todas as outras que nunca tinha tempo de responder. Quero derrubar o muro da ignorância que cerca a dislexia e substituí-lo pelo conhecimento. Quero preparar todos os pais a saberem, primeiro, o que é melhor para os seus filhos e, segundo, o que podem fazer para ter certeza de que se tornarão leitores. Com este livro, quero construir uma ponte sobre o enorme abismo que existe entre o que estamos aprendendo no laboratório e o que está sendo aplicado na sala de aula. O campo da neurociência está explodindo de tantas no vidades. As descobertas recentes sobre a compreensão dos mecanismos cerebrais subjacentes à leitura são, sem dúvida, revolucionárias. Muitas dessas informações pareciam ser um segredo bem guardado. Em uma era em que podemos ver a imagem do cérebro de um indi víduo que lê e literalmente observar o cérebro em ação, é inaceitável que adultos e crianças o
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estejam passando por dificuldades de leitura ria ver sua neta. Caitlyn, uma menina de 7 anos quando poderiam beneficiar-se do que a que estava para concluir a 1 série, aparenteneurociência moderna já nos ensinou sobre a mente não conseguia ler. Adam me disse: “Semleitura e a dislexia. pre pensei que ela fosse muito inteligente. Isso Sendo uma cientista em atividade e que tudo não tem muito sentido. Sua mãe, Peggy, já lutou com o enigma da dislexia por mais de está ao lado dela. Ela faria qualquer coisa pela duas décadas, quero ver essa explosão de co- menina, mas nem ela, nem ninguém parece nhecimento em ação. Como médica especialis- saber o que fazer”. ta em dificuldades de aprendizagem, cuido de Quando encontrei Caitlyn, ficou claro por crianças disléxicas há mais de duas décadas, e que sua mãe estava tão decepcionada. Caitlyn, foram esses meninos e meninas, juntamente depois de dois anos na escola, ainda não sabia com seus pais, que serviram de inspiração para como começar a ler. Havia memorizado umas todo o meu trabalho. Na ciência, há interesse poucas palavras que sabia ler mecanicamente, freqüente pelas questões teóricas que cercam mas quando lhe mostrávamos uma nova palauma doença, mas muito menos interesse pela vra, mal conseguia começar a ler. Em vez disquestão clínica propriamente dita. Da mesma so, pronunciava palavras conhecidas, que, em forma, há médicos muito esclarecidos que en- geral, não guardavam nenhuma relação com a tendem a disfunção clínica e seus efeitos sobre palavra em questão. Às vezes, ela sabia a pria condição humana, mas que não estão muito meira letra. Quando, por exemplo, mostrávafamiliarizados com os últimos avanços cientí- mos a ela a palavra boy (menino), ela dizia ficos. Como médica/cientista, sei que para aju- sem pensar bat (morcego). No geral, das 24 dar de maneira mais eficaz as crianças e os palavras que um aluno de 1 série deveria coadultos com dislexia, precisamos da contribui- nhecer, Caitlyn sabia 4. Mais frustrante para ção de ambos os campos do conhecimento, os sua mãe foi a atitude da escola. O diretor agiu quais, às vezes, estão em oposição. Assim, ou- como se Peggy tivesse algum problema emotra das minhas metas ao escrever este livro foi cional; o conselheiro escolar insinuou que a a de levar ao leitor um novo nível de compre- mãe era muito ansiosa. Mas ninguém na escoensão científica da dislexia e demonstrar como la parecia estar fazendo alguma coisa para dar esse novo conhecimento pode ser aplicado para conta da falta de progresso na leitura de ajudar quem sofre com o problema. Uma vez Caitlyn. Todos os relatórios falavam de seu bom entendida a dislexia, os sintomas e tratamento comportamento, observando que ela estava passam a ter um sentido diferente. Não haverá “tendo um bom desempenho para o seu nível”. mistério, e você terá o controle da situação, “Ora”, perguntou Peggy, “o que isso quer disendo capaz de determinar o que é melhor para zer?”. Os pedidos de reuniões com os respon você e para seu filho ou aluno. Já ajudei mui- sáveis pela escola foram ou ignorados, ou subtos pais a entender, clara e logicamente, o que metidos a um atraso considerável; os poucos é a dificuldade de leitura, como identificá-la, encontros realizados tinham como foco mais qual sua causa e, mais importante, o que se as “necessidades emocionais” de Peggy do que pode fazer. as necessidades acadêmicas de sua filha. Peggy Hoje sabemos que a dislexia atinge uma começou a se questionar, mas quando obserem cada cinco crianças – 10 milhões apenas vou que sua filha estava passando de uma vida nos Estados Unidos. Em todo bairro e em toda alegre a uma situação de isolamento cada vez sala de aula, há crianças lutando para conse- maior, teve a certeza de que não estava invenguir ler. Para muitas delas, a dislexia roubou a tando coisas. alegria da infância. O ponto de ruptura ocorreu durante o Caitlyn quase foi uma das dessas crian- aniversário de 7 anos de Caitlyn. Peggy havia ças. Recebi um telefonema de seu avô, Adam, trabalhado bastante para fazer da festa algo um colega de faculdade, hoje pediatra no nor- bem especial. Durante toda a festa, Caitlyn não te da Califórnia, perguntando-me se eu pode- parava de perguntar: “Quando é que eu vou a
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apagar as velinhas?”. A seguir, apagaram-se as Caitlyn estava orgulhosa de seu progresluzes, e Peggy entrou com um bolo de aniver- so. Havia superado sua velha dificuldade – ler sário, com sete velinhas faiscantes. Caitlyn cor- e pronunciar as palavras que jamais havia visreu para a mesa, subiu em uma cadeira e cur- to. Era capaz de pronunciar uma palavra de vou-se sobre o bolo. Fechou bem os olhos, con- pois da outra com confiança, mesmo palavras centrou-se e apagou todas as velas. Depois, difíceis como “school” (escola). E acrescentasubiu as escadas até seu quarto e fechou a por- va: “Também sei soletrar, quer ver?”, então, cuita. Peggy encontrou Caitlyn na cama com seu dadosamente, com grande determinação, ela livro de histórias favorito no colo. Lágrimas escrevia s-c-h-o-o-l em letras grandes. A seguir, corriam pelo seu rosto: “Você disse que qual- pegou um livro em sua mochila e começou a quer desejo meu seria realizado, mas não é lê-lo, orgulhosa e concentrada: verdade. Meu desejo não se tornou realidade”. Em uma sala grande e verde, havia um telefoCaitlyn ainda não conseguira ler nenhuma das ne e um balão vermelho e um quadro em que palavras de seu livro. uma vaca saltava sobre a lua. Caitlyn, é claro, é disléxica. Tinha dificuldades em ler palavras longas e para encontrar Fiquei impressionada com o progresso de a palavra certa para dizer. Ao falar, suas pausas eram longas e sempre muitos hum estavam Caitlyn e também com a mudança radical de presentes. Sua incapacidade de identificar al- sua mãe. Acredito muito que por trás do sucesguns dos sons das letras do alfabeto persistia. so de toda criança que tenha alguma dificulTodos esses sintomas também se encontravam dade está alguém profundamente compromenos resultados de uma série de testes prepara- tido, intensamente envolvido e totalmente cados para determinar se uma criança é disléxica. pacitado, em geral, mas nem sempre, a mãe. Sentei-me com Peggy e conversei com ela por Peggy era outra pessoa, sorria, estava confianum bom tempo sobre Caitlyn e sobre dislexia. te. Tranqüila, ela passava uma discreta, mas Sabia, pela experiência, o quanto era impor- considerável, confiança. Ela disse: tante que Peggy entendesse, no nível mais bá Agora tenho o controle do destino de minha sico possível, o que significava o diagnóstico filha. Nunca mais vou ter de esperar pelo dide dislexia que eu havia dado à sua filha. Eu retor da escola para determinar o futuro dela. sabia que, se Peggy entendesse o problema, ela Agora que sei, agora que entendo, nunca mais ajudaria a filha da maneira mais eficaz. vou ter de estar à mercê daquele homem. EnPeggy e Caitlyn retornaram à Califórnia tendo o problema dela, sei do que ela precinão somente com o diagnóstico de dislexia, sa e tenho o poder – independentemente de qualquer pessoa – para agir pelo melhor de mas, mais do que isso, com um plano de ação, minha filha. Sinto que tenho muito controle um programa projetado para superar as difida situação. Sou uma pessoa diferente. Liculdades de leitura de Caitlyn. Peggy agora sabertar-se dessa dependência absoluta de oubia por que Caitlyn não sabia ler e sabia exatatras pessoas na determinação do futuro de mente o que era necessário fazer. Também, seu filho é o sentimento mais alegre que se igualmente importante foi o fato de Peggy espode ter. No ano passado, eu simplesmente tar ciente dos pontos fortes de Caitlyn e de não sabia do que ela precisava. Hoje eu sei como tais pontos poderiam ajudá-la a ler. do que ela precisa. Não estou mais na incerteza da escuridão. Peggy seguiu nosso plano. Ela se certificou de que sua filha recebia as instruções de leituPeggy mudou, de uma mãe de quatro fira determinadas. Um ano depois, Caitlyn ha via progredido muito. Agora não era mais uma lhos de voz doce, passou a ser um “tigre”, uma menina para quem a leitura era um mistério força a ser considerada quando o assunto era indecifrável – Caitlyn passou a ser uma joven- a proteção e a garantia de sua filha Caitlyn. A leitura é freqüentemente a chave para zinha muito segura de si e que entendia como as letras representavam os sons. Ela sabia ler a realização dos sonhos que um pai tem para seu filho. Já muito cedo, as crianças são monimuito bem, para não dizer perfeitamente.
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toradas, e seu futuro com freqüência se determina no ambiente escolar. Na sala de aula, a leitura é tudo; é essencial para o sucesso acadêmico. Os problemas de leitura têm conseqüências em todo o desenvolvimento, inclusi ve na vida adulta. É por isso que é tão importante ser capaz de identificar a dislexia com precisão e muito cedo, tomando as atitudes adequadas sem demora para que a criança aprenda e goste de ler. Quase todas as crianças que não eram capazes de aprender a ler ou a ler bem há alguns anos podem agora se tornar leitores competentes. A leitura pode continuar a ser extremamente difícil para um número muito pequeno de crianças, mas mesmo este contingente pode beneficiar-se da aplicação dos notáveis avanços em nossa compreensão do processo de leitura. Como você verá no Capítulo 5, a leitura não é um processo natural ou instintivo, mas adquirido, e deve ser ensinado. O modo pelo qual se ensina a leitura é algo que pode influenciar muito a tranqüilidade com que cada criança aprende a transformar o que são aparentemente rabiscos abstratos em letras cheias de significado e depois em sons e em palavras, frases inteiras e parágrafos. A leitura representa um código; mais especificamente, um código alfabético. Cerca de 70 ou 80% das crianças são capazes de entender esse código depois de um ano de ensino. Para as outras, a leitura permanece como algo que está além de seu alcance por um, dois ou até mais anos na escola. Mas agora temos a chave para decifrar esse código. O que é bastante estimulante no que diz respeito ao nosso nível de compreensão da dislexia é que ele explica a leitura e as dificuldades de leitura para todas as idades e todos os níveis de escolaridade. Pela identificação do principal ponto fraco responsável pela dislexia, os cientistas agora entendem como algumas crianças adquirem a capacidade de ler e outras não. O modelo de dislexia que surgiu pode ser aplicado ao entendimento e ao tratamento das dificuldades de leitura das crianças que há pouco entraram na escola e das que estão nas primeiras séries e nas séries intermediárias, bem como dos jovens adultos que estejam cur-
sando o ensino médio, faculdade, escola profissional ou pós-graduação. O modelo tem relevância também para aquela legião de adultos que passa pela vida sem a capacidade de apreciar a leitura. Esses homens e mulheres, em geral negligenciados, podem também beneficiar-se da nova compreensão que temos da leitura. Independentemente de quem seja essa criança ou adulto, de sua origem, da espécie de ambiente em que vive, de seu nível de inteligência ou de quaisquer outras influencias, a capacidade de uma pessoa ler passa sempre pelo mesmo caminho profundo no cérebro. Esse caminho foi identificado. Em termos práticos, isso quer dizer que sabemos qual sistema funcional do cérebro está envolvido no processo. Além disso, novas descobertas tornam possível agora (1) identificar com um alto grau de precisão quais crianças estão na situação de mais alto risco para a dislexia – mesmo antes de que desenvolvam problemas de leitura –, (2) diagnosticar a dislexia com precisão nas crianças, jovens adultos e adultos e (3) administrar o problema com programas de tratamento altamente eficazes e comprovados. Embora algumas crianças que não sabem aprender a ler sejam identificadas na 1 ou na 2 série da escola, a maioria não é identificada senão na 3 série. Na verdade, não é incomum que não se identifique um disléxico até que ele chegue à adolescência ou à idade adulta. Portanto, também darei atenção a estas questões: como é que se identifica um problema de leitura no ensino médio ou no nível superior, e o que fazer? O aluno deve receber alguma ajuda especial na escola e nos exames? Se a resposta for afirmativa, por quê? Qual é o melhor ambiente escolar para uma criança disléxica? De acordo com um pai, David, esse tipo de informação “salvou” seu filho: a
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Você via que meu filho, Michael, estava muito mal na escola quando cursava o 2 ano do ensino médio. Michael agora deu uma virada acadêmica e emocional, tornando-se uma pessoa confiante e segura. E ele próprio é seu melhor defensor. Sabe do que precisa e por quê. Isso permite que ele se manifeste e administre sua própria vida. É Michael quem fala com os proo
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fessores, e eles o respeitam por isso. Essa autonomia salvou meu filho. P.S.: Neste verão vamos visitar algumas faculdades.
Nunca é tarde demais. Pelo fato de o novo conhecimento ser tão básico e tão fundamental, ele se aplica às pessoas de qualquer idade. Rachel, por exemplo, uma executiva de sucesso, proprietária de um canil e de uma loja para cães, tinha um nível de leitura comparável ao da 4 série. a
É constrangedor. Os vendedores deixam seus panfletos, mas como eu faço para dizer a eles que não consigo ler? Quando vou a um restaurante, não consigo ler o menu e então sempre sou obrigada e dizer: “Qual é o prato do dia?”. Na páscoa judaica, tenho vontade de morrer quando é minha vez de ler. Então, se uma das minhas irmãs me ajuda e começa a ler minha passagem, há sempre alguém que, na melhor das intenções, diz: “Parece que pulamos a Rachel. Acho que ela também deve ter a chance de ler”. Já memorizei um monte de palavras; mas quando me mostram uma palavra nova é como se fosse grego. Você acredita que eu estava tão desesperada que até comprei um programa de leitura anunciado na televisão? Era um programa para crianças de seis e sete anos, mas infelizmente nem esse programa pôde me ajudar. Agora que estou casada e desejando ter filhos, quero ser uma leitora. Quero fazer as coisas normais que todos fazem: ler o jornal, ler uma receita, ler as instruções em um vidro de remédios.
Rachel começou um programa intensivo para adultos. Quando a vi, há pouco tempo, ela relatou o seguinte: Vou ter um bebê. Todo dia, quando acordo, abro meu livro sobre gravidez e leio sobre como minha filha está crescendo. Quando Joy nascer, saberei ler para ela também. Isso é muito bom. Eu sei ler!
Caitlyn, Michael, Rachel e seus familiares passaram por uma nova sensação de esperança que eu quero compartilhar com você. Quero levá-lo ao meu laboratório e mostrarlhe uma ciência revolucionária que permite observarmos o cérebro em funcionamento: pensando, falando, lendo e lembrando. Nas páginas a seguir, examinarei tanto o aspecto científico quanto o aspecto humano da dislexia. A Parte I esclarecerá o que é dislexia e como ela se desenvolve. Explicarei a base cognitiva para a dislexia e o que a pesquisa sobre o cérebro nos ensina sobre a neurobiologia da dislexia e da leitura. Houve um progresso substancial na identificação dos mecanismos neurais subjacentes responsáveis pela leitura e pela dislexia. Esses estudos dizem respeito à mais fundamental das questões, ao mais abstrato e impositivo desafio que os pesquisadores enfrentam: como é que a mente funciona e quais são as relações entre o cérebro e o comportamento, o pensamento e a leitura, a estrutura do cérebro e o seu funcionamento. As Partes II, III e IV levam em consideração o que aprendemos no laboratório, aplicando o que foi aprendido à sala de aula e ao lar. Falarei sobre o impacto da ciência na maneira como abordamos, diagnosticamos e tratamos as crianças e adultos com dislexia. Para garantir que esse conhecimento esteja sendo usado sabiamente, também colocarei em pauta questões práticas de especial interesse de muitas pessoas, incluindo: o diagnóstico precoce e o diagnóstico de crianças maiores e de adultos; considerações especiais no diagnóstico de jo vens adultos brilhantes; o tratamento mais eficaz para as crianças, jovens adultos e adultos; a relação entre dislexia e testes padronizados; a relação entre dislexia e déficit de atenção/ hiperatividade; maneiras de ajudar crianças mais velhas e o que a dislexia implicará quando se for escolher uma carreira. Começaremos pelo exame de como a dislexia foi descoberta, há mais de um século.