TEORIA GERAL DA PENA
Carlos André Bindá Praxedes
SANÇÃO PENAL : é a resposta estatal, no exercício de ius puniendi e após o devido processo legal, ao responsável pela prática de um crime ou de uma contravenção penal : Divide-se em duas espécies : penas e medidas de segurança
PRINCÍPIOS :
1) RESERVA LEGAL OU DA ESTRITA LEGALIDADE ( nullum crimen nulla poena sine lege ) :
Somente a lei pode cominar a pena . art. 5º, XXXIX CF, e também encontra amparo no art. 1º do Código Penal .
2) ANTERIORIDADE :
A lei que comina a pena deve ser anterior ao fato que se pretende punir . Não basta, assim, o nulla poena sine lege . Exige-se que a lei seja prévia ao fato praticado .
3) PERSONALIDADE, INSTRANSCENDÊNCIA OU RESPONSABILIDADE PESSOAL :
A pena, em hipótese algum, pode ultrapassar a pessoa do condenado ( CF, art. 5, XLV ) . É vedado alcançar familiares do acusado ou pessoas alheias à infração penal . É possível, porém, que a obrigação de reparar o dano e a decretação de perdimento de bens, compreendidos como efeitos da condenação, sejam, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas até o limite do valor do patrimônio transferido . A pena de multa não poderá ser cobrada dos sucessores do condenado .
4) INDERROGABILIDADE ( INEVITABILIDADE ) :
É consectário da reserva legal, e sustenta que a pena, se presentes os requisitos necessários para a condenação, não pode deixar de ser aplicada e integralmente cumprida . É, contudo, mitigado por alguns institutos penais, dos quais são exemplos : a prescrição, o perdão judicial, o sursis, livramento condicional .
5 ) HUMANIDADE DAS PENAS :
A pena deve respeitar os direitos fundamentais do condenado enquanto ser humano . Não pode, assim, violar a sua integridade física ou moral . O Estado não pode dispensar nenhum tipo de tratamento cruel, desumano ou degradante ao preso . Com esse propósito, o art. 5º, XLVII, da Constituição Federal proíbe as penas de morte, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis, bem como a prisão perpétua .
6 ) PROPORCIONALIDADE :
A resposta penal deve ser justa e suficiente para cumprir o papel de reprovação do ilícito, bem como para prevenir novas infrações penais . Concretiza-se na atividade legislativa, funcionando como barreira ao legislador, e também ao magistrado, orientando-o na dosimetria da pena . De fato, tanto na cominação como na aplicação da pena deve existir correspondência entre o ilícito cometido e o grau da sanção penal imposta, levando-se ainda em conta o aspecto subjetivo do condenado .
7) INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA :
Inicialmente foi previsto no C Criminal de 1830 . Tem o significado de eleger a justa e adequada sanção penal, quanto ao montante, ao perfil e aos efeitos pendentes sobre o sentenciado, tornando-o único e distinto dos demais infratores, ainda que coautores ou mesmo co-réu . A finalidade é evitar a padronização da pena, da mecanizada ou computadorizada aplicação da sanção penal, que prescinda da figura do juiz, como ser pensante, adotando-se em seu lugar qualquer programa ou método que leve à pena pré-estabelecida .
O princípio é expressamente indicado no art. 5º, XLVI da CF, e repousa na idéia de justiça segundo o qual se deve distribuir a cada indivíduo, o que lhe cabe, de acordo com as circunstâncias específicas do seu comportamento – o que em matéria penal significa a aplicação da pena levando em conta não a norma penal em abstrato, mas especialmente, os aspectos subjetivos e objetivos do crime .
DESENVOLVE EM 3 PLANOS :
Legislativo :
O legislador descreve o tipo penal e estabelece as sanções adequadas, indicando precisamente os seus limites, mínimo e máximo, e também as circunstâncias aptas a aumentar ou diminuir as reprimendas cabíveis .
Judicial :
É efetivada pelo juiz quando aplica a pena utilizando-se de todos os instrumentais fornecidos pelos autos da ação penal, em obediência ao sistema tri-fásico delineado pelo art. 68 CP ( pena privativa de liberdade ), ou ainda ao sistema bi-fásico ( pena de multa – art. 49 CP )
administrativa :
É efetuada durante a execução da pena, quando o Estado deve zelar por cada condenado de forma singular, mediante tratamento penitenciário ou sistema alternativo .
TEORIAS E FINALIDADES DA PENA :
INTRODUÇÃO :
O estudo das teorias relaciona-se intimamente com as finalidades da pena . Na verdade, as teorias inerentes aos fins da pena relacionam-se com a própria origem do Direito Penal . É possível se dizer que a questão dos fins da pena constitui, no fundo, a questão do destino do direito penal e, na plena acepção do termo, do seu paradigma .
TEORIA ABSOLUTA
FINALIDADE RETRIBUTIVA .
Para essa teoria, a pena é uma retribuição do Estado ao mal injusto provocado pelo condenado, consistente na prática de um crime ou de uma contravenção penal . A pena atua com finalidade única de castigar o delinqüente, fator esse que proporciona a justificação moral do condenado e o restabelecimento da ordem jurídica .
TEORIA RELATIVA
FINALIDADE PREVENTIVA
Para essa teoria, a finalidade da pena consiste em prevenir , isto é, evitar a prática de novas infrações penais . Adota-se uma posição absolutamente contrária à teoria absoluta . Destarte, a pena não está destinada à realização da justiça sobre a terra, servindo apenas para a proteção da sociedade . A pena não se esgota em si mesma, despontando como meio cuja finalidade é evitar futuras ações puníveis .
ATENÇÃO :
A PREVENÇÃO de novas infrações penais, atende a um aspecto duplo :
PREVENÇÃO GERAL ( destinada ao controle da violência )
negativa : tem o propósito de criar no espírito dos potenciais criminosos um contra-estímulo suficientemente forte para afastá-los da prática do crime . Busca intimidar os membros da coletividade acerca da gravidade e da imperatividade da pena, retirando-lhes eventual incentivo quanto à prática de infrações penais
positiva : consiste em demonstrar e reafirmar a existência, a validade e a eficiência do Direito penal . Almeja-se demonstrar a vigência da lei penal . Repousa na conservação e no reforço da confiança na firmeza e poder de execução do ordenamento jurídico .
PREVENÇÃO ESPECIAL( direcionada exclusivamente à pessoa do condenado )
negativa : é a segregação do condenado no cárcere, para que ele não torne a ofender a lei penal. Busca, evitar a reincidência .
positiva : preocupa-se com a ressocialização do condenado, para que no futuro possa ele, com o cumprimento integral da pena, retornar ao convívio social preparado para respeitar as regras a todos impostas pelo Direito . A pena é legítima somente quando é capaz de de promover a ressocialização do criminoso .
TEORIA MISTA( UNIFICADORA )
Finalidade retributiva e preventiva : a pena deve, simultaneamente, castigar o condenado pelo mal praticado e evitar a prática de novos crimes, tanto em relação ao criminoso como no tocante à sociedade .
Foi a teoria acolhida pelo art. 59, caput, do CP, quando dispõe que a pena será estabelecida pelo juiz " conforme seja necessário e suficiente para REPROVAÇÃO e PREVENÇÃO do crime "
IMPORTANTE :
Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 ( PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA )
art. 5, item 6 :
" as penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados "
FUNÇÃO SOCIAL DA PENA :
Fala-se atualmente em função social da pena, e consequentemente em função social do DP , direcionada eficazmente à sociedade a qual se destina , pois no tocante a ela a pena tem as tarefas de protegê-la e pacificar seus membros após a prática de uma infração penal .
REFLEXÕES IMPORTANTES :
Não basta a retribuição pura e simples, pois , nada obstante a FINALIDADE MISTA, a crise do sistema carcerário transforma a pena em castigo e nada mais .
Em sua aplicação prática, a pena necessita passar pelo crivo da racionalidade contemporânea, impedindo se torne o delinqüente instrumento de sentimentos ancestrais de represália e castigo
COMINAÇÃO DAS PENAS
Art. 53 CP : As penas privativas de liberdade têm seus limites estabelecidos na sanção correspondente a cada tipo legal de crime .
Em nosso sistema penal, as penas podem ser cominadas em abstrato por diversas modalidades :
ISOLADAMENTE : cominação única de uma pena, prevista com exclusividade pelo preceito secundário do tipo incriminador . Ex : ART. 121 CP, com apenas pena de reclusão
CUMULATIVAMENTE : o tipo penal prevê, em conjunto, duas espécies de penas . Ex : Art. 157, caput do CP, com penas de reclusão e multa
PARALELAMENTE : Cominam-se, alternativamente, duas modalidades de penas . Ex : Art. 235, § 1ºCP, com penas de reclusão ou detenção
ALTERNATIVAMENTE : a lei coloca à disposição do juiz, a aplicação única de duas espécies de penas . Há duas opções, mas o julgador somente pode aplicar uma delas . Ex : art. 140, caput, do CP, com penas de detenção ou multa
CLASSIFICAÇÃO DAS PENAS
PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE :
Retira do condenado o seu direito de locomoção, em razão da prisão por tempo determinado . Não se admite a privação perpétua da liberdade ( CF, art. 5, XLVII,"b" ), mas somente a de natureza temporária, pelo período máximo de 30 anos para crimes ( 75 CP ) ou de 5 anos para contravenções penais ( LCP, art. 10 )
PENA RESTRITIVAS DE DIREITOS :
Limita um ou mais direitos do condenado, em substituição à pena privativa de liberdade . Está prevista no art. 43 do CP e por alguns dispositivos da legislação extravagante .
PENA DE MULTA :
Incide sobre o patrimônio
PENA RESTRITIVA DE LIBERDADE : Restringe o direito de locomoção do condenado, sem privá-lo da liberdade .
EXEMPLO :
Banimento, consiste na expulsão de brasileiro do território nacional, vedada pelo art. 5, XLVII, "d" . É possível a instituição por lei de pena restritiva de liberdade, em face da autorização constitucional ( art. 5, XLVI, "a" . Ex : proibir o condenado, por crime sexual, de aproximar-se da residência da vítima .
PENA CORPORAL :
Viola a integridade física do condenado ( açoites, mutilações, marcas de ferro quente ) São vedadas pelo art. 5, XLVII, "e", em face da crueldade de que se revestem .
IMPORTANTE :
Admite-se , excepcionalmente, a pena de morte, em caso de guerra declarada contra agressão estrangeira ( CF, art. 5, XLVII, "a", nas hipóteses previstas no Código Penal Militar .
TEORIAS EXTREMADAS DA PENA
ABOLICIONISMO PENAL . Origem : Holanda ( Louk Hulsman ) e Noruega ( Nils Christie e Thomas Mathiesen ) :
Para enfrentar a crise do sistema prisional que cresce a cada dia, nos mais variados cantos do mundo, propõe-se a DESCRIMINALIZAÇÃO de determinadas condutas ( o crime deixa de existir ) e DESPENALIZAÇÃO de outros comportamentos ( subsiste o crime, mas desaparece a pena ) .
REFLEXÕES DOS ABOLICIONISTAS :
A forma de punição é falha, pois a reincidência aumenta diariamente . Ademais, há a questão das cifras ocultas, ou seja, nem todos os crimes praticados são conhecidos e apurados pelos operadores do Direito . E dentre os apurados, somente alguns resultam em condenações e, mesmo no grupo dos condenados, poucos indivíduos cumprem integralmente a pena imposta . O problema penal poderia ser adequadamente solucionado por outros meios, notadamente com o atendimento prioritário à vítima, pois seria mais eficaz empregar os valores utilizados com a construção de prisões e manutenção de detentos para reparar os danos a ela proporcionados . Na América Latina, o movimento teve apoio de Raúl Zaffaroni .
DIREITO PENAL MÁXIMO :
Modelo de direito penal caracterizado pela excessiva severidade, pela incerteza e imprevisibilidade de suas condenações e penas, voltado à garantia de que nenhum culpado fique impune, ainda que a custa do sacrifício de algum inocente . É o sistema adotado primordialmente pelos EUA, implicando no método denominado " tolerância zero " .
Qualquer tipo de infração penal deve ser punido severamente, com objetivo de servir de exemplo à sociedade e buscando evitar que o agente possa cometer atos mais graves .
EXEMPLO :
A vadiagem, por exemplo, deve ser punida penalmente, para que não se transforme em furto, e futuramente, em roubo, ou até latrocínio .
Teoria das janelas quebradas ( Broken Windows theory ). 1982. James Q. Wilson e George L. Kelling .
Sustenta a maior incidência de crimes e contravenções penais nos locais onde o descuido e a desordem são mais acentuados . Com efeito, quando se quebra a janela de uma casa e nada se faz, implicitamente se estimula a destruição do imóvel como um todo . Neste sentido, se são cometidos " pequenos " delitos ( lesões corporais leves, furtos ), sem a imposição de sanções adequadas pelo Estado, abre-se espaço para o cometimento de crimes mais graves, tais como : homicídios, roubos, latrocínios, tráfico de drogas .
ATENÇÃO :
Em 1994, Rudolph Giuliani, então Prefeito de Nova York, acolhendo as premissas da teoria das janelas quebradas e a experiência do metrô ( década de 80 ), implantou a política de " tolerância zero ", com a finalidade de vedar qualquer violação da lei, independentemente do seu grau .
GARANTISMO PENAL :
Modelo normativo de direito, que obedece à estrita legalidade, típico do Estado Democrático de Direito, voltado a minimizar a violência, e maximizar a liberdade, impondo limites à função punitiva do Estado . É o equilíbrio entre o abolicionismo e o direito penal máximo
ATENÇÃO :
Máximas do Garantismo Penal : ( Luigi Ferrajoli – Derecho y Razón )
Não há pena sem crime
Não há crime sem lei
Não há lei penal sem necessidade
Não há necessidade de lei penal sem lesão
Não há lesão sem conduta
Não há conduta sem dolo e nem culpa
Não há culpa sem o devido processo legal
Não há processo sem acusação
Não há acusação sem prova que a fundamente
Não há prova sem ampla defesa
OPÇÃO PARA O BRASIL : Abolicionismo , direito penal máximo ou garantismo penal ( direito penal do equilíbrio )
- abolicionismo : utopia
- direito penal máximo : incompatível com um país onde há grande contingente de pessoas pobres
- direito penal mínimo ( equilíbrio ) : O Estado deve intervir minimamente nos conflitos sociais, mas quando o fizer, deve agir com eficiência e sem gerar impunidade, o que gera a confiança no Direito Penal .
JUSTIÇA RESTAURATIVA :
O direito penal sempre se caracterizou pela justiça retributiva : retribuição do mal praticado com a aplicação concreta de outro mal, embora legítimo, representado pela pena .
Atualmente, surge uma nova proposta consistente na justiça restaurativa , que se funda em restaurar o mal provocado pela infração penal . Tutela-se com maior intensidade a figura da vítima, historicamente relegada a segundo plano no Direito Penal . O litígio, antes entre a justiça pública e o responsável pelo ilícito penal, passa a ter como protagonistas o ofensor e o ofendido, e a punição deixa de ser o objetivo imediato da atuação do DP .
Surge a possibilidade de conciliação entre os envolvidos ( autor e vítima ), mitigando-se a persecução penal, uma vez que não é obrigatório o exercício da ação penal .
A Justiça restaurativa tem como principal finalidade, portanto, não a imposição da pena, mas o reequilíbrio das relações entre o agressor e o agredido, contando para tanto com o auxílio da comunidade, inicialmente atacada, mas posteriormente desempenhando papel decisivo na restauração da paz social .
Não mais se imputa a responsabilidade pelo crime pessoalmente ao seu autor ou coautor . Ao contrário, todos os membros da sociedade são responsáveis pelo fato praticado, já que falharam na missão de viverem pacificamente em grupo .
Os procedimentos formais e rígidos da justiça retributiva cedem espaço , na justiça restaurativa, a meios informais e flexíveis, prevalecendo a disponibilidade da ação penal .
Um primeiro passo no Brasil para a implantação da justiça restaurativa operou-se com a Lei 9099/95, notadamente quando se dispõe a evitar a aplicação da pena privativa de liberdade, seja com a composição de danos civis, seja com o instituto da transação penal