Suma
teológica Tomas Tomas de Aquino
Prima pars
PRIMEIRA PARTE
Questão 56: Do conhecimento angélico dos seres imateriais. Em seguida se tratará do conhecimento dos anjos quanto às coisas que conhecem. E, primeiro, do conhecimento dos seres imateriais. Segundo, do conhecimento das coisas materiais.
Sobre o primeiro ponto três artigos se discutem: Art. 1 — Se o anjo se conhece a si mesmo. (II Cont. Gent., cap. XCVIII; De Verit., q. 8, a. 6; III De Anima, lect. IX; De Causis, lect. XIII)
O primeiro discutese assim. — !arece que o anjo n"o se conhece a si mesmo.
1. — !ois, di# $ion%sioque os anjos ignoram as próprias irtu!es". Ora, conhecida a subst&ncia, conhecida está a 'irtude. (ogo, o anjo n"o conhece a sua essência.
). $emais. — O anjo * uma subst&ncia singu+ar do contrário, n"o agiria, pois, os atos s"o pr-prios dos seres singu+ares subsistentes. Ora, n"o sendo nenhum singu+ar inte+ig%'e+, n"o pode ser inte+igido e, assim, como o anjo s- tem o conhecimento inte+ectua+, nenhum anjo poderá conhecerse a si mesmo.
. $emais. — O inte+ecto se mo'e pe+o inte+ig%'e+, pois, o inte+igir * certo mo!o !e pa!ecer, como di# Arist-te+es). Ora, nada se mo'e ou parede por si mesmo, como se 'ê pe+as coisas corp-reas. (ogo, o anjo n"o pode inte+igirse a si mesmo.
/as, em contr#rio, di# Agostinho, que o anjo, na sua própria con$orma%&o, i. ', na ilumina%&o !a er!a!e se conece a si mesmo.
SO(02O. — 3omo já 4icou dito5, o objeto comportase di4erentemente em re+a6"o à a6"o imanente no sujeito e à transiti'a para a+go de e7terior. !ois, nesta 8+tima, o objeto ou a mat*ria, para a qua+ passa o ato, * separada do agente, como, p. e7., o ser aquecido, do que aquece, e o edi4%cio, do edi4icador. /as, para que a a6"o imanente resu+te, * necessário, que o objeto se una com o agente assim, * necessário que o sens%'e+ se una com o sentido para que este se atua+i#e. $e modo que o objeto unido com a potência, está para ta+ a6"o como 4orma, princ%pio de a6"o nos outros agentes pois, como o ca+or * o princ%pio 4orma+ da ca+e4a6"o, no 4ogo, assim a esp*cie da coisa 'ista * o princ%pio 4orma+ da 'is"o nos o+hos.
/as de'emos considerar que ta+ esp*cie do objeto, ora está na 4acu+dade cognosciti'a, em potência somente e, ent"o, esta s- em potência conhece sendo, para que conhe6a em ato, necessário esteja a 4acu+dade cognosciti'a redu#ida ao ato da esp*cie. Se, por*m, a 4acu+dade ti'er a esp*cie sempre em ato, ent"o por esta pode conhecer sem nenhuma muta6"o ou recebimento precedente. $onde resu+ta que ser mo'ido pe+o objeto n"o * da essência do ser conhecente como ta+, mas enquanto * potência cognosciti'a. E n"o importa para ser a 4orma princ%pio de a6"o, que e+a pr-pria seja às 'e#es inerente, e que seja por si subsistente pois, o ca+or n"o aqueceria menos se 4osse por si subsistente, do que aquece sendo inerente. !ortanto, se há a+gum ser que, no gênero dos inte+ig%'eis, se comporte como 4orma inte+ig%'e+ subsistente, esse se inte+ige a si mesmo. O anjo, por*m, sendo imateria+, * uma 4orma subsistente e, assim, inte+ig%'e+ em ato. $onde resu+ta que, pe+a sua 4orma, que * a sua subst&ncia, inte+igese a si mesmo.
$O9$E A ES!OS;A < !=/E=A O>?E2O. — A cita6"o * de antiga tradu6"o, corrigida pe+a no'a, que di#:al'm !isso tam*'m eles mesmos, i e., os anjos, terem coneci!o as próprias irtu!es; e em +ugar disto esta'a na antiga tradu6"o: e alem !isso eles ignorarem as próprias irtu!es. Embora tamb*m se possa conser'ar a +etra da antiga tradu6"o, quanto à este ponto, que os anjos n"o conhecem per4eitamente a sua 'irtude, enquanto procedente da ordem da sabedoria di'ina, para e+es incompreens%'e+.
ES!OS;A < SE@09$A. — 9-s n"o inte+igimos as coisas corp-reas singu+armente, n"o em ra#"o da singu+aridade, mas da mat*ria que * ne+as o princ%pio de indi'idua6"o. $onde, se a+guns seres singu+ares 4orem subsistentes, sem mat*ria, como os anjos, nada impede que sejam inte+ig%'eis em ato.
ES!OS;A < ;E3E=A. — Ser mo'ido e padecer con'êm ao inte+ecto em potência por isso, n"o tem +ugar no inte+ecto ang*+ico, sobretudo quanto ao inte+igirse este a si mesmo. !ois, a a6"o do inte+ecto n"o * da mesma nature#a que a dos corpos, transeunte para outra mat*ria. 1. Ange+. ierarch., cap. B=. ). === de anima C+ect. B==D. . == Super @enes. ad +itteram Ccap. B===D. 5. . 15, a. ) q. F5, a. ). Art. ) — Se um anjo conhece outro. (II Cont. Gent., cap. XCVIII; De Verit., q. 8, art +)
O segundo discutese assim. — !arece que um anjo n"o conhece outro.
1. — !ois, di# o Gi+-so4o que, se o inte+ecto humano encerrasse em si a+guma nature#a do n8mero das nature#as das coisas sens%'eis, essa, e7istente interiormente, impediria a mani4esta6"o de nature#as estranhas do mesmo modo que, se a pupi+a 4osse co+orida de uma certa cor, n"o poderia 'er todas as cores1. Ora, o inte+ecto humano se comporta, como o ang*+ico, no conhecimento das coisas corp-reas, como o ang*+ico, no dos seres imateriais. Ora, como este encerra em si uma determinada nature#a, do n8mero das nature#as imateriais, resu+ta que n"o pode conhecer outros.
). $emais. — ;oda inte+igência conhece o que +he * superior, enquanto por este causada e o que +he * in4erior, enquanto o causa. Ora, um anjo n"o * a causa do outro. (ogo, um n"o conhece outro.
. $emais. — 0m anjo n"o pode, pe+a sua pr-pria essência, como conhecente, conhecer outro pois, todo conhecimento supHe a ra#"o de seme+han6a, e a essência do anjo conhecente, n"o sendo seme+hante à do conhecido, sen"o genericamente, como já 'imos), resu+ta que um anjo n"o teria de outro conhecimento pr-prio, mas s- gera+. E tamb*m, do mesmo modo, n"o se pode di#er que um anjo conhe6a outro pe+a essência do conhecido, pois o pe+o que o inte+ecto inte+ige +he * intr%nseco e s- a ;rindade * e7trinsecamente interior à inte+igência ang*+ica. Seme+hantemente, ainda, n"o se pode di#er que um anjo conhece outro por uma esp*cie, pois esta, sendo imateria+, como o anjo inte+igido, deste n"o di4ere, +ogo, de nenhum modo pode um anjo conhecer outro.
5. $emais. — Se um anjo inte+igisse outro, ou seria por uma esp*cie inata e, ent"o, se $eus criasse um no'o anjo este n"o poderia ser conhecido pe+os já e7istentes ou por uma esp*cie adquirida das coisas e, ent"o, resu+taria que os anjos superiores n"o poderiam conhecer os in4eriores, dos quais nada recebem. (ogo, de nenhum modo, um anjo pode conhecer outro.
/as, em contrario, * o dito: to!a inteligncia conece as coisas que se n&o corrompem.
SO(02O. — 3omo di# Agostinho5, de dup+o modo e4+uiram do Berbo de $eus as coisas ne+e e7istentes abeterno: para o inte+ecto ang*+ico, e como subsistentes na sua pr-pria nature#a. E4+uiram para o inte+ecto ang*+ico por +he ter impresso as seme+han6as das coisas que criou no ser natura+. !or*m, no Berbo de $eus, e7istiram, e7istiram n"o s- as no6Hes das coisas corp-reas mas tamb*m as de todas as criaturas espirituais. Assim, pois, em cada uma destas criaturas espirituais 4oram impressas pe+o Berbo de $eus a no6Hes de todas as coisas, tanto corp-reas como espirituais. ;oda'ia, por ta+ arte que, em cada anjo 4osse impressa a no6"o da sua esp*cie, segundo a e7istência natura+ e inte+ectua+, simu+taneamente de modo que o anjo subsistisse em a nature#a de sua esp*cie, inte+igindose por esta esp*cie. !or*m, as no6Hes de outras nature#as, tanto espirituais como naturais 4oram impressas no anjo somente segundo a e7istência inte+ectua+, de modo que o anjo, por tais esp*cies impressas, conhecesse tanto as criatura corp-reas como as espirituais.
$O9$E A ES!OS;A < !=/E=A O>?E2O. — as nature#as espirituais dos anjos se distinguem umas das outras por uma certa ordem, como já se disseF. Assim que a nature#a de um anjo n"o +he impede o inte+ecto de conhecer outras nature#as ang*+icas pois tanto os superiores como os in4eriores têm+he a4inidade com a nature#a, e7istindo di4eren6a somente quanto aos di'ersos graus de per4ei6"o.
ES!OS;A < SE@09$A. — A re+a6"o de causa e a de causado n"o 4a# com que um anjo conhe6a outro, sen"o em ra#"o da seme+han6a, enquanto causa e causado s"o seme+hantes. $onde, admitindose entre os anjos seme+han6a sem causa+idade, ha'erá em um o conhecimento do outro.
ES!OS;A < ;E3E=A. — 0m anjo conhece outro pe+a esp*cie deste, e7istente no inte+ecto daque+e, e a qua+ di4ere de outro anjo, de quem * seme+han6a, n"o pe+a e7istência materia+ e imateria+, mas pe+a natura+ e intenciona+. !ois, * o anjo mesmo que * 4orma subsistente, com e7istência natura+, e n"o a sua esp*cie, e7istente no inte+ecto de outro anjo, no qua+ e+a tem e7istência inte+ig%'e+ somente do mesmo modo que a 4orma da cor, na parede, tem e7istência natura+, tendo, entretanto, no meio que a transmite, e7istência intenciona+ somente.
ES!OS;A < 0A;A. — $eus 4e# cada criatura proporcionada ao uni'erso que quis criar. !or onde, se E+e ti'esse determinado 4a#er mais anjos ou mais nature#as das coisas, teria impresso nas mentes ang*+icas mais esp*cies inte+ig%'eis do mesmo modo que o edi4icador, querendo 4a#er uma casa maior, 4ar+heia maior o 4undamento. Assim a ra#"o porque $eus acrescentasse a+guma criatura ao uni'erso seria tamb*m a de acrescentar mais a+guma esp*cie inte+ig%'e+ ao anjo. 1. === de anima C+ect. B==D. ). . FI, a. 5. . $e causis Cprop. 11D. 5. Super @enes. ad +itt., =. == Ccap. B===D. F. . FI, a. 5, ad 1, ). Art. — Se os anjos, pe+as suas 4acu+dades naturais, podem conhecer a $eus. (II -ent., !ist. XXIII, q. , a. "; III Cont. Gent., cap. X/I, X/IX; De Verit., q. 8, a. )
O terceiro discutese assim. — !arece que os anjos, pe+as suas 4acu+dades naturais, n"o podem conhecer a $eus.
1. — !ois, $ion%sio di#, que Deus est# coloca!o, por uma irtu!e incompreens0el, so*re to!as as inteligncias celestes. E, em seguida, acrescenta que, por estar acima !e to!a su*st1ncia, est# segrega!o !e to!o conecimento".
). $emais. — $eus dista in4initamente do inte+ecto ang*+ico. Ora, seres in4initamente distantes n"o podem ser atingidos. (ogo, resu+ta que o anjo, pe+as suas 4acu+dades naturais, n"o pode conhecer a $eus.
. $emais. — A Escritura di# C1 3or 1, 1)D: 2ós agora emos a Deus como por um espelo, em enigmas; mas ent&o $ace a $ace. $onde resu+ta que há um dup+o conhecimento de $eus. !or um, $eus * 'isto na sua essência, no sentido em que se di# 'ê+o 4ace a 4ace por outro, * 'isto no espe+ho das criaturas. Ora, conhecer a $eus, pe+o primeiro modo, o anjo n"o o pode pe+as suas 4acu+dades naturais, como já antes se demonstrou). E quanto à 'is"o especu+ar, e+a n"o con'*m aos anjos, que n"o conhecem as coisas di'inas pe+as coisas sens%'eis, como di# $ion%sio. (ogo, pe+as suas 4acu+dades naturais, n"o podem conhecer a $eus.
/as, em contrario, os anjos têm maior poder de conhecimento que os homens. Ora, estes, pe+as 4acu+dades naturais, podem conhecer a $eus, segundo a Escritura Cm 1, 1JD: 3orque o que se po!e conecer !e Deus '4les mani$esto. (ogo, com maior ra#"o, os anjos.
SO(02O. — Os anjos podem ter, pe+as suas 4acu+dades naturais, a+gum conhecimento de $eus. !ara a e'idencia do que, de'emos considerar nos três modos pe+os quais se pode conhecer a+guma coisa. $e um modo, pe+a presen6a da essência da coisa no conhecente, como a +u# * 'ista nos o+hos e, assim, se di# que o anjo se inte+ige a si mesmo. $e outro modo, pe+a presen6a da seme+han6a da coisa na potência cognosciti'a como uma pedra * 'ista pe+os o+hos, por estar nestes a seme+han6a de+a. $e um terceiro modo, enquanto a seme+han6a da coisa conhecida n"o * recebida imediatamente dessa coisa, mas de outra que primeiro a recebeu assim, 'emos um homem num espe+ho. Ora, ao primeiro modo pertence o conhecimento di'ino, pe+o qua+ $eus conhece pe+a sua essência e este modo de conhecer n"o o pode ter criatura nenhuma pe+as suas
4acu+dades naturais, como antes já se disse5. Ao terceiro modo pertence o conhecimeto pe+o qua+ conhecemos a $eus, nesta 'ida, pe+a seme+han6a de+e, e7istente nas criaturas, segundo a Escritura Cm 1, )ID: 3orque as coisas is0eis !e Deus, compreen!en!o4se pelas o*ras que $oram $eitas, tornaram4se is0eis. E, por isso, se di# que 'emos a $eus num espe+ho, o conhecimento, por*m, pe+o qua+ o anjo, pe+as suas 4acu+dades naturais, conhece a $eus, * um meio termo entre os dois outro modos, e se asseme+ha ao conhecimento pe6o qua+ uma coisa * inte+igida por meio da esp*cie de+a recebida. !ois, estando a imagem de $eis impressa na pr-pria nature#a do anjo, este, pe+a sua essência, conhece a $eus, de quem * seme+han6a. ;oda'ia, n"o contemp+a a essência mesma de $eus, porque nenhuma seme+han6a criada * su4iciente para representar ta+ essência. !or onde, ta+ conhecimento mais se apro7ima ao do terceiro modo, por ser a nature#a mesma do anjo um como espe+ho representati'o da di'ina seme+han6a.
$O9$E A ES!OS;A < !=/E=A O>?E2O. — $ion%sio se re4ere ao conhecimento de compreens"o, como as sus pa+a'ras e7pressamente o dec+aram. E, de ta+ modo, $eus n"o * conhecido de nenhuma inte+igência criada.
ES!OS;A < SE@09$A. — $e distar in4initamente de $eus o inte+ecto e a essência do anjo resu+ta que este n"o pode compreender a $eus, nem contemp+ar a di'ina essência, pe+as suas 4acu+dades naturais. 9"o resu+tam por*m, quem por isso, nenhum conhecimento possa ter d $eus pois, assim como $eus dista in4initamente do anjo, assim o conhecimento que $eus tem de si mesmo dista in4initamente do que o anjo tem de $eus.
ES!OS;A < ;E3E=A. — O conhecimento, que o anjo natura+mente tem de $eus * um meio termo entre os dois modos de conhecer contudo se apro7ima mais de um do que do outro, como acima se disse. 1. $e di'. nom., c. = C+ect. ==D. ). . 1), a. 5. . $e di'. nom., cap. B== C+ect. ==D. 5. . 1), a. 5.