A CONCEPÇÃO LOCKEANA DA EXPERIÊNCIA INTERNA (REFLEXÃO) Caius Brandão Universidade Federal de Goiás
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Resumo: Este texto pretende expor a concepção lockeana a cerca da experiência interna, ou “reflexão”, desenvolvida no Ensaio sobre o Entendimento Humano. Para a consecução deste objetivo, este trabalho concentrará suas análises no Livro II do Ensaio, mais especificamente na Introdução e nos capítulos I – Das idéias em geral e da sua origem; II – Das idéias simples; e VI – Das idéias simples provenientes da reflexão.
Palavras-chave: filosofia, epistemologia, idéia, percepção, sensação, reflexão.
John Locke (1632 – 1704) é considerado um dos fundadores do empirismo inglês. Mesmo que sua principal contribuição contribuição ao pensamento pensamento moderno tenha sido talvez no campo campo da filoso filosofia fia pol polít ític ica, a, Locke Locke desen desenvol volve veuu imp import ortant antes es teori teorias as sobre sobre o conhec conhecime imento nto human humano. o. Seu traba trabalho lho na área área da epist epistemo emolog logia ia revel revelaa posiç posiçõe õess contestadoras do racionalismo cartesiano, mesmo que sem deixar de reconhecer a importância de Descartes na construção da sua própria teoria do conhecimento. Neste campo do conhecimento humano, Locke também recebe a influência do matemático e filósofo francês, Pierre Gassendi – um dos primeiros pensadores a esboçar uma teoria da razão empírica. Este texto pretende expor a concepção lockeana a cerca da experiência interna, ou “reflexão”, desenvolvida no Ensaio sobre o Entendimento Humano. (1690). Para a consecução deste objetivo, este trabalho concentrará suas análises no Livro II do Ensaio, mais especificamente especificamente na Introdução e nos capítulos I – Das idéias em geral e da sua origem; II – Das idéias simples; e VI – Das idéias simples provenientes da reflexão. No texto introdutório ao Ensaio, Locke traça os claros limites do entendimento do homem, sem com isso menosprezar a sua importância e utilidade, particularmente à conduta do ser humano. Em clara oposição a Descartes, para quem a essência do sujeito cognoscente (substância pensante) é o pensamento, Locke, ao enfatizar a observação
experimental como sendo a única fonte segura de conhecimento, defende a teoria de que a essência das coisas não é cognoscível ao homem, pois que a ele não é dada a possibilidade de um conhecimento perfeito e universal. Desta forma, certas esferas da realidade seguem alheias às possibilidades cognitivas cognitivas do homem, tais como as verdades da fé, sobre as quais não possuímos a capacidade de formar idéias claras e distintas. Desta forma, com o objetivo de evidenciar a “veracidade e a extensão do conhecimento humano, e quais são os fundamentos e graus da crença, da opinião e do assentimento”, Locke passa a investigar a origem das idéias 1 em geral. Distanciando-se da tradição filosófica que defendia o inatismo 2, no início do Livr Livroo II, II, Lock Lockee é cate categó góri rico co ao prop propor or que que o fund fundam amen ento to e orig origem em de todo todo conhecimento humano é a experiência. Portanto, o famoso termo cunhado por Locke, o de “tab “tabul ulaa rasa rasa”, ”, busc buscaa escl esclar arec ecer er que que a ment mentee da cria crianç nça, a, no mo mome ment ntoo de seu seu nascimento, se encontra totalmente vazia de idéias. De acor acordo do com com Lock Locke, e, as duas duas únic únicas as font fontes es poss possív ívei eiss das das idéi idéias as são são as observações (percepções) sobre os objetos exteriores (sensação) e sobre as operações internas da mente (reflexão). Portanto, através dos sentidos, percebemos os modos, ou as qualidades dos objetos sensíveis par ticulares que são transmitidos destes objetos para a mente. Só assim, podemos adquirir percepções distintas de coisas externas e suas qualidades sensíveis, tais como o quente, o frio, o doce, o amargo, o vermelho, o verde, etc., que são impressas na mente e disponibilizadas ao entendimento. Com base em seu empirismo genético, Locke chega à conclusão de que nenhuma outra classe de idéias é anterior às idéias constituídas por via das sensações. Consequentemente, as idéias geradas pelas percepções sensíveis são a única matéria-prima, a partir da qual outra série de idéias pode ser produzida pela mente.
1
Locke chama de “idéia” tudo aquilo que o espírito possui ao voltar-se para si mesmo, ou seja, “tudo o que é objeto imediato de percepção, de pensamento ou de entendimento”.
2
Corrente filosófica, da qual Descartes era adepto, que afirma serem certas idéias e caracteres originários impressos na alma no momento de sua criação, portanto, anteriormente a qualquer experiência sensível.
A segunda fonte de idéias são as percepções que temos das experiências internas de nossas mentes ou o que Locke também denomina de “internal sense” – quando o espírito volta a sua atenção para as suas próprias “operações interiores”. interiores”. Isto é o que Locke chama de reflexão, ou seja, a percepção de atividades internas que se dão a partir de idéias que foram originalmente recebidas do mundo exteri exterior. or. Desta Desta forma forma,, as observ observaçõ ações es que a mente mente faz faz sobre sobre suas suas própri próprias as oper operaç açõe õess mu muni nici ciam am o ente entend ndim imen ento to com com nova novass noçõ noções es,, tais tais como como as de “percepção, pensar, duvidar, acreditar, raciocinar, conhecer, querer e de todas as diversas ações do nosso próprio espírito...” Assim, podemos dizer que a mente também se abastece de idéias a partir de suas próprias experiências internas. As experiências internas não são produzidas pelas sensações. Por outro lado, vale aqui ressaltar mais uma vez que a atividade de reflexão não pode aconte acontece cerr na ausên ausênci ciaa de conte conteúdo údoss pré-ex pré-exist istent entes es,, ou seja, seja, sem as idéia idéiass transmitidas à mente pelas sensações. Logo, quanto mais exposto à experiência sensível, maior será a variedade de idéias produzidas a partir deste tipo de experiência. experiência. Inversamente, Inversamente, o sujeito não muito afeito às atividades atividades reflexivas, reflexivas, ou seja, aquele que não tem por hábito voltar a sua atenção e considerar atentamente as suas operações internas, então, ele só poderia obter uma variedade limitada de idéias claras e distintas a partir de tais operações. Tant Tantoo as idéi idéias as prov proven enie ient ntes es da sens sensaç ação ão,, quan quanto to da refl reflex exão ão,, são são impressas na mente de forma involuntária, ou seja, quando o entendimento é passivo, o espírito não pode escolher possuir ou não estas idéias. Assim, o espírito não tem como recusar, alterar ou mesmo apagar as idéias geradas pelas operações internas da mente. Elas se impõem ao espírito de forma irremediável. Esta é uma característica das “idéias simples” em geral. Para Locke, o entendimento do homem dispõe de duas classes de idéias: simples e complexas. As idéias simples são aquelas providas pela sensação e pela reflexão, e representam a matéria-prima do entendimento. Através das atividades mentais de combinação e abstração de idéias simples, chegam ao entendimento entendimento as idéias complexas de substância, modos e relações. Como vimos, mesmo que o conhecimento do homem tenha sua origem primeira nas idéias simples impressas na mente pela sensação, também é verdade que adquirimos idéias simples provenientes da reflexão através da contemplação de nossas operações mentais. Para Locke, existem duas classes de idéias simples
funda fundamen mentai tais, s, que emana emanam m da refle reflexão xão:: perce percepçã pçãoo e vol voliç ição. ão. À perce percepçã pção, o, compreendida como a “potência de pensar”, dá-se o nome de “entendimento”; A volição, ou “potência de querer”, denomina-se “vontade”. Todas as outras idéias provenientes da reflexão são meros “modos” de uma destas duas, entre eles: - Memória: enviar uma idéia inconsciente de volta à consciência; - Retenção: manter uma idéia na consciência; - Discernimento: fazer distinção entre as idéias; - Comparação: estabelecer similaridades entre idéias; - Composição: elaborar novas idéias a partir de outras idéias; e - Abstração: criar uma idéia de generalidade a partir da relação entre idéias. A reflexão e a sensação são dois modos distintos de uma mesma faculdade ment mental al.. Como Como já sali salien enta tado do ante anteri rior orme ment nte, e, a ment mentee exec execut utaa dois dois ti tipo poss de ativi atividad dades es funda fundame menta ntais: is: a percep percepção ção (passi (passiva) va),, assoc associa iada da à facul faculdad dadee de entendimento, e a volição (ativa), associada à faculdade de vontade. Então, é a facul faculdad dadee de entend entendime iment ntoo a respon responsáv sável el pelas pelas as ativi ativida dades des de sensaç sensação ão e reflexão, dado que ambas são percepções passivas. Ao longo deste trabalho, nos detivemos na exposição das experiências internas da mente sobre as quais o espírito volta a sua atenção, isto é, a percepção de reflexões que disponibilizam idéias ao entendimento. Em outras palavras, tratamos das operações mentais conhecidas pelo espírito, ou ainda, aquelas que são conscientes. Para Locke, nenhuma operação interna pode escapar à reflexão, que é uma atividade involuntária da mente. Mas, seria a reflexão, de fato, uma atividade passiva? Poderia a mente ignorar algumas de suas próprias operações internas? internas? E sendo este o caso, como como ela faria esta seleçã seleção? o? O Ensaio Ensaio sobre o Entendim Entendiment entoo Humano, Humano, de Locke, Locke, deixou deixou inúmeras inúmeras questões questões em aberto aberto para serem discutidas no campo da epistemologia moderna. Em suma, o conceito de experiência interna (reflexão) assume um papel de importância axial na teoria lockeana do conhecimento, visto ser ela uma das duas únicas formas que o ser humano possui para a aquisição de idéias simples, as quais servem de matéria-prima para as idéias complexas. São exatamente estas duas únicas séries de idéias (sensação e reflexão) que são disponibilizadas ao entendimento, tornando-se o fundamento primeiro do nosso conhecimento.
Referencial Bibliográfico: LOCKE, LOCKE, John. John. Ensaio Ensaio sobre o Entendim Entendimento ento Humano (1999). (1999). Ed.: Fundação Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa. SCHARP, Kevin. Locke’s Theory of Reflection Reflection (2008). The British Journal for the History of Philosophy. Ed: The Ohio State University.