UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA / F / FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO / P / PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
PLANEJAMENTO URBANO NO BRASIL: UM ESBOÇO HISTÓRICO *
* - do Estado Novo ao estado de exceção MARIA ELAINE KOHLSDORF Brasília, dezembro de 1976 Revisado em março 2002 por NARA KOHLSDORF
1. O CONCEITO DE PLANEJAMENTO 1.1.
O conceito de planejamento
lato sensu
Definir e conceituar 1 planejamento é uma árdua tarefa, principalmente pelo fato deste conceito se referir sempre a uma realidade específica sendo, portanto, dinâmico, histórico e processual. Aqueles que se aventuraram neste exercício apresentam similitudes que possibilitam concluir que o planejamento é um processo racional: “Planejamento é um processo de decisões, realizado de forma metódica, com a finalidade de preparar ações exteriores” (Lexikon der Planung und Organisation, Schnelle
Verlag).
“Planejamento significa pensamento sistemático, orientado para o futuro, na formulação de modelos de conduta, metas e padrões de ação alternativos, bem como sua escolha otimizada e a determinação de diretrizes para a realização racional da alternativa escolhida”. (Zangemeister)
Definir consiste em determinar a essência dos objetos (conceitos, palavras, signos), isto é, as propriedades e relações entre seus conteúdos e significados, a partir de regras processuais da lógica. Assim, a definição caracteriza-se pela igualação lógica entre conceitos. Conceituar, por sua vez, é procurar as características essenciais a uma série de objetos, propriedades e relações, visando reuni-los em uma classe ideal de pensamento, em função de objetivos particulares (Kohlsdorf, G, s/d). 1
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“Planejamento é a aplicação de métodos racionais na problemática de formulação de metas sociais e seu rebatimento em programas concretos de ação”. (Faludi) “Entende-se por planejamento a atividade de criar um plano, ou seja, um sistema de ações conscientes, desejadas e orientadas para o futuro. (...)O plano para uma ação baseia-se numa tecnologia, quer dizer, em um sistema de axiomas sobre as conseqüências de determinadas ações, os quais foram apreendidos a partir de experiências no meio-ambiente, assim como apoiados sobre uma estrutura de preferências do planejador, quer dizer, uma avaliação de situações futuras. (H. CH.
Rieger).
“Planejamento pode ser encarado como instrumento, com o fim de preparar decisões”. (Vente) “Planejamento é o projeto sistemático de uma ordem racional sobre a base de todos os conhecimentos respectivos ou pertinentes” . (Kaiser) “Planejamento pode ser visto como uma cadeia de inúmeros processos de busca e decisão organizados em feed-back, com a finalidade de encontrar soluções para problemas”. (Stober) “Planejar é agir sobre um objeto com o propósito de transformá-lo em uma situação que é mais desejável que a atual”. (Ozbekhan) “Planejamento é definido como um processo ou programa de ações, que tem por finalidade intervir numa situação, modificando-a, a fim de resolver um problema (entendendo-se problema como uma discrepância entre uma situação real atual ou futura, tal como ela é, e uma situação ideal presente ou futura, ou tal como ela deveria ser, ou situação aspirada). A determinação da situação aspirada implica um ato valorativo, de fixação de metas (sociais) a alcançar. Esta resolução de problemas deveria ser alcançada racional ou metodicamente, através de uma cadeia de processos de busca e decisões. O resultado é um programa de ações, considerado por nós como solução do problema”. (G.
Kohlsdorf) Percebe-se, dessa forma, que o conceito de planejamento envolve uma relação entre um sujeito (indivíduo, grupos ou classe social) e um objeto qualquer. Essa relação é de conhecimento para a ação e da própria ação sobre o objeto, onde o planejamento não contém a realização do plano, isto é, a ação efetiva sobre o objeto. Por outro lado, a preparação dessa ação é característica fundamental da atividade de planejamento. Este, na verdade, envolve dois tipos de atividades, muito embora se comprometa com apenas um deles. O tipo de atividade participante do conceito de planejamento é o que denominamos como intelectual, e caracteriza-se por ser um processo de conhecimento (do objeto e de suas características internas e externas), de avaliação (das situações presentes e passadas e das alternativas futuras), e de criação (de soluções e alternativas ao problema identificado). O outro tipo de atividade envolta no planejamento é a de natureza material, caracterizada por ser uma ação preparada (planejada) e responsável pela transformação efetiva do objeto, graças a uma série de atividades programadas com este fim e que constituem o chamado “programa de ação”. O produto do processo de planejamento, portanto, é formado por uma proposta (denominada “plano”), e por um programa de implantação desta. A implementação do planejamento é a fase de transformação do objeto (ação efetiva sobre o mesmo). Entretanto, não se deve concluir precipitadamente que o planejamento é esporádico, necessário apenas em determinadas circunstâncias. Essa atividade constituise, antes, em um acompanhamento da realidade dos objetos objetos em questão, tornando tornando seus 2 processos menos estocásticos e mais determinados. Assim, busca-se “modificar, por um Sobre processos, ver Kohlsdorf, G. & Kohlsdorf, M. E.: “O processo de projetação: algumas considerações metodológicas”. Brasília, AUR, 1975. mimeo.
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processo de racionalização, a probabilidade dos resultados, aumentando o poder da sociedade sobre seu próprio destino” 3. Evidentemente, os processos estocásticos testemunham outro tipo de transformação sobre o objeto, cuja ação caracteriza-se por não ser preparada (planejada) nem racional, mas intuitiva e espontânea. Tais ações não interessam a este trabalho, que se concentrará nas ações e atividades diretamente vinculadas ao planejamento. Surge, então, a pergunta: por que o sujeito age de maneira racional sobre o processo de transformação dos objetos? Por que os grupos sociais têm necessidade de dirigir os processos de transformação do seu entorno, prevendo, definindo e buscando solucionar problemas? 4 Apesar de serem questões relacionadas a contextos específicos, devendo ser compreendidas historicamente, há alguns aspectos gerais e universais que as perpassam. Por exemplo, é inegável que os processos de transformação do meio ambiente atingem, ainda que em graus diferentes, o sujeito (grupos sociais); por outro lado, seu entorno é dinâmico e vincula-se a processos de transformações universais que “vêm ocorrendo de maneira cada vez mais vertiginosa, com características mesmo exponenciais”5. Trata-se, portanto, de planejar as próprias relações sociais, políticas e econômicas, contextualizadas em determinado entorno com o qual estabelecem um relacionamento biunívoco. Assim, a atividade de planejamento é indissociável de quem a exerce, posto que está comprometida com o grupo social que a formula e executa. O planejamento assume, então, conotações político-ideológicas suficientemente nítidas para que suas metas “sirvam, obviamente, para a reorganização do sistema de poder em benefício de uns partidos, grupos e líderes, contra outros”. 6 1.2. O conceito de planejamento stricto sensu Tem-se restringido planejamento às atividades governamentais (seja este local, regional ou nacional), considerando-o sempre vinculado a aspectos do objeto (por ex. planejamento econômico, planejamento administrativo) ou a alguma dimensão do mesmo (planejamento nacional, planejamento regional). Assim, os atores do planejamento são reduzidos a técnicos capacitados para tal tarefa que possuem as características de racionalidade e processualidade da atividade: “A atividade de planejamento é uma intervenção que, a partir de um esforço coordenado, procura criar, elevar e alterar certos padrões de consumo ou produção” .
(Kowarick)
“Planejamento é um modo racional de proceder, graças ao qual se diagnosticam as carências, se escolhem os objetivos e se definem os meios a serem empregados, segundo regras e procedimentos aceitos como razoáveis por um conjunto de técnicos”.
(Cardoso, F. H.)
“Planejamento governamental é uma modalidade de tomada de decisões que visa modificar, por um processo de racionalização, a probabilidade dos resultados, aumentando assim o poder da sociedade sobre seu próprio destino”. (Lafer) “O planejamento é um fluxo contínuo de considerações racionalizantes na direção do processo de tomada de decisões do Governo – um processo cujo outro principal elemento é a política”. (Daland) 3
Lafer, B. M. “Estado e sociedade no Brasil: problemas de planejamento”. In: Revista Argumento ano1 nº2. Rio De Janeiro: Paz e Terra, nov/1973. Pp35. Kohlsdorf, G. & Kohlsdorf, M. E. op. cit. 5 Kohlsdorf, G. & Kohlsdorf, M. E. op. cit. 6 Cardoso, F. H. “Aspectos políticos do planejamento”. In: Lafeer, B. M. Planejamento no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1975. PP 170. 4
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Enquanto alguns autores colocam planejamento e política como frontalmente antagônicos, outros os consideram complementares, argumentando que tanto planejamento quanto política envolvem decisões. Conceituada como o estudo do poder de uma sociedade qualquer sobre seu próprio destino 7, a política produz e aloca comandos segundo os diferentes setores do complexo social (econômico, cultural etc.), e pressupõe certos processos decisórios, dos quais resulta. Isto significa que certos atores (grupos sociais dominantes), investidos de poder decisório, definiram metas e objetivos a serem atingidos. A implementação da política deliberada por estes atores tem seus meios e instrumentos consubstanciados e legitimados pela administração pública. Se, por um lado, política e administração envolvem processos decisórios, por outro diferem na essência das decisões: a política é essencialmente criativa, enquanto que a administrativa depende das decisões políticas anteriores. A conseqüência desta discussão foi a caracterização do planejamento como atividade relacionada à administração, ligada ao conceito de racionalidade, e subordinada à política, arrolada à liberdade. Liberdade e racionalidade seriam, portanto, excludentes, o que caracterizaria a ação política não apenas como livre mas, também, como irracional, pois exercida por sujeitos e oposta aos limites da razão. O planejamento, como atividade racional, só estaria relacionado à administração, embora sob o controle de forças irracionais, as políticas. A imprecisão desses antagonismos é ilustrada pela história, por meio da experiência de planejamento em países socialistas (a extinta URSS) e capitalistas (França e EUA), que nega a tese de que o planejamento centralizado só é viável nas sociedades socialistas, onde a política teria sido substituída pela administração em função da inexistência da divisão de classes sociais. Além disso, a crítica marxista da idéia de liberdade aprofundou a incongruência da oposição entre política e administração, e entre política e planejamento: “O sujeito dessa liberdade não poderia ser o indivíduo como um ser indeterminado e geral. (...) a impossibilidade do exercício efetivo da liberdade depende cada vez mais da situação concreta, na qual grupos organizados têm asseguradas as informações para a definição de seus interesses, conhecem suas necessidades e dispõem dos meios de organização para lutar por seus objetivos”. (Cardoso, F. H. Op Cit. pp 163) Por outro lado, historicamente, as decisões políticas tendem a se tornar cada vez mais racionais, devido à crescente conscientização dos indivíduos e sua participação nas decisões e na própria luta pelo poder. Este “movimento racionalizante” deve-se, também, ao aumento de informações e à maior abrangência destas pelos meios de comunicação de massa, caracterizando a “sociedade da informação” e o próprio modelo de participação democrática. Esta sociedade democrática origina a moderna burocracia, uma forma administrativa indispensável à sua manutenção e caracterizada pela expansão do quadro de funcionários e como um instrumento necessário para a igualdade formal exigida pela cidadania nascente, que abrange apenas uma parcela da sociedade (os proprietários). O funcionário burocrático possibilita contrapor a “impessoalidade formalista” (Cardoso, 1975) à racionalização substantiva da política. A burocracia penetra, assim, na sociedade civil, burocratizando-a, incentivada pelo desenvolvimento tecnológico e da organização econômica moderna. 8 Por outro lado, o crescimento das sociedades de massa e das economias industriais, assim como a revolução dos meios de informação e comunicação, determinaram uma forma de decisão na empresa moderna que acentua o processo de separação entre propriedade e controle, numa tendência à administração planejada 7
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Karl Deutsch, apud Lafer, C. op. Cit. pp 34. Weber, apud Cardoso. Op. Cit. 4
(tecnoburocracia, segundo Galbraith). Esta contém em si um corretivo importante à racionalidade formal, uma vez que a expansão do mundo contemporâneo depende do elemento criador. Isto faz com que o planejamento, mesmo limitado à esfera administrativa, contenha em si instrumentos que assegurem a liberdade e a criação. O planejamento, assim, “assume sua significação teórica geralmente como questão política, no contexto novo de sociedade que, para sobreviver e expandir-se, que de planejar” 9. Dessa forma, parece não haver limites entre planejamento e política mas, pelo contrário, a própria atividade de planejar é política. Além da discussão anterior, a história do planejamento brasileiro, desenvolvida no capítulo seguinte, mostra as duas atividades como processos que visam, pelo domínio crescente e aprimorado das variáveis contextuais, assegurar a definição do chamado “destino” do sistema sócio-econômico em que atuam, para determinados grupos detentores do poder. 1.3. O planejamento do desenvolvimento No Brasil, o planejamento, particularizado como atividade governamental e com características institucionais, tem sido classificado como planejamento do desenvolvimento, tanto por técnicos e políticos envolvidos com a atividade, quanto pelos estudiosos e críticos do planejamento brasileiro. Assim, atrelado à questão do planejamento, vêm alusões à meta do desenvolvimento, muitas vezes resultando em títulos como “planejamento para o desenvolvimento”. O conceito de desenvolvimento envolve a consecução de qualidades superiores às contidas na situação atual do objeto, significando um processo que pode ocorrer: ou por evolução, quando as transformações quantitativas ocorrem dentro das mesmas qualidades básicas do objeto; ou por revolução, onde há transformações qualitativas diferentes das qualidades básicas do objeto. 10 O próprio conceito de planejamento, no entanto, inclui processos de desenvolvimento, na medida em que postula transformações de situações problemáticas para outras, aspiradas, que deveriam ter qualidades melhores que as anteriores. Ainda que a formulação de situações desejadas esteja comprometida com o aspecto valorativo de planejadores e daqueles que estão sob a ação do objeto de planejamento, e que estes dois nem sempre coincidam, acreditamos que é possível considerar todo processo de planejamento como um processo de desenvolvimento. O conceito de desenvolvimento, tal como tem sido empregado no Brasil e na América Latina, caracteriza-se por alguns aspectos que exigem revisão, uma vez que têm sido responsáveis pela maioria dos resultados de políticas de planejamento aqui adotadas. Primeiramente, desenvolvimento tem sido colocado como quantitativo e condicionado apenas a variáveis econômicas, concretizando-se como crescimento do produto nacional ou da renda per capita . Assim, estes índices têm se tornado o núcleo da análise das condições de desenvolvimento. Porém, “quando isso explicitamente torna-se o núcleo de análise, então a ciência, pretenciosamente, consagra os parâmetros dominantes da realidade e, em conseqüência, o subdesenvolvimento deixa de ser examinado a partir de sua característica fundamental: a circunstância de realidade sócio-cultural dependente”. (Parisi, 1968). Reduzir, por outro lado, o desenvolvimento global ao desenvolvimento econômico significa uma distorção considerável, na medida em que o processo de desenvolvimento é um processo integrado nos diversos aspectos de uma realidade. A suposição de que o desenvolvimento social é decorrência do desenvolvimento econômico tem conduzido a resultados insatisfatórios, pois a colocação de metas somente econômicas incorre em transformações limitadas ao plano puramente econômico, mantendo a estrutura social e, conseqüentemente, a problemática social, inalteradas. “O 9
Cardoso, F.H. Op. Cit. Pp 170. Philosophisches Woerterbuch/ VEB bilbiographisches Institut Leipzig, 1969. Band 1.
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desenvolvimento é, em si mesmo, um processo social; mesmo seus aspectos puramente econômicos deixam transparecer a trama das relações sociais subjacentes” (Cardoso & Faletto, 1975). Em segundo lugar, o desenvolvimento brasileiro baseia-se no modelo concernente às situações e etapas sócio-econômicas dos países da Europa Ocidental e dos EUA. Porém, tomar formas históricas de determinado procedimento para caracterizá-lo significa inverter o caminho do processo de conhecimento, além de resumi-lo a situações específicas, sem valor universal. De acordo com Parisi (1968), processo de desenvolvimento e circunstância de subdesenvolvimento denotam forças dialéticas do crescimento econômico e da própria evolução histórica do capitalismo. A explicação destes processos dá-se a partir de três categorias essenciais: a forma e o grau da divisão social do trabalh o, a estrutura social, e o sistema social. Nestes termos, o desenvolvimento é conceituado como o “resultado da interação de grupos e classes sociais que têm um modo de relação que lhes é próprio e, portanto, interesses materiais e valores distintos, cuja oposição, conciliação ou superação dá vida ao sistema sócio econômico” (Cardoso & Faletto, op. Cit. Pp 23). O desenvolvimento, em geral, “refere-se mais à estrutura de um tipo de sistema econômico com predomínio do setor primário, forte concentração de renda, pouca diferenciação do sistema produtivo e, sobretudo, predomínio do mercado externo sobre o interno” (ibidem, pp 26). O desenvolvimento vincula-se à situação de dependência para com as nações cêntricas do capitalismo. Assim, as nações desenvolvidas não podem servir como modelo de desenvolvimento, devendo ser consideradas em suas relações com as nações periféricas, posto que tais relações explicam a condição de subdesenvolvimento. “Desta forma, entre as economias desenvolvidas e as subdesenvolvidas, não existe uma simples diferença de etapa ou de estágio do sistema produtivo, mas também de função ou posição dentro de uma mesma estrutura econômica internacional de produto e distribuição” (ibidem, pp25). 1.4. Conclusões gerais “... são questões políticas que marcam as condições de êxito e os limites do planejamento, em situações históricas concretas. Para sua solução os planejadores, como categoria social, pouco podem contribuir. Seu equacionamento adequado dependerá sempre das forças sociais subjacentes ao processo de planejamento da dinâmica da política mais ampla que circunscreve as condições nas quais se dá o planejamento brasileiro. Mas como intelectual e cidadão, o planejador não pode eximir-se de coloca-las e mostrar que a falácia do tecnocratismo, quando as desqualifica por não ser “questões técnicas”, não faz mais que encobrir os problemas políticos subjacentes a qualquer planejamento” (Cardoso, 1975. pp184).
2. O PLANEJAMENTO NO BRASIL 2.1. Introdução O planejamento brasileiro, por ser uma atividade desenvolvida por técnicos e políticos a nível governamental, refere-se predominantemente aos setores econômicos do sistema. Assim, o planejamento urbano com características de centralidade e integração aos demais aspectos contextuais é um fato relativamente recente. O planejamento econômico surge, no Brasil, a partir da década de 30, portanto, pouco depois da adoção do processo na Europa e nos EUA. Seu início deve-se aos novos grupos que se faziam representar na política e que se vinculavam aos interesses industriais nascentes e também às novas 6
funções assumidas pelo Estado no tocante à economia, caracterizadas por uma responsabilidade crescente quanto à criação e distribuição das riquezas. A partir de então, o processo econômico brasileiro passa a ser fortemente controlado por atitudes governamentais. Talvez sejam esses fatores os responsáveis pela interpretação de desenvolvimento como processo econômico apenas, e não a partir de uma visão integrada da realidade: o planejamento brasileiro caracteriza-se pela preocupação com o desenvolvimento como solução para o subdesenvolvimento. Este enfoque tem dirigido não apenas a história econômica do País como também a social, atingida pelos rumos apontados pelo planejamento econômico. Por outro lado, os problemas urbanos demoraram a ser considerados como necessidades de desenvolvimento devido à centralização das atividades de planejamento. Foi apenas na década de 60 do século XX que a necessidade de se planejar os sistemas urbanos começou a ser considerada pelo governo, em função do aprofundamento das contradições sociais devido à industrialização, urbanização e êxodo rural ocorridos na década anterior. Porém, o enfoque limitava-se a questões intra-urbanas, em detrimento do contexto regional onde estas se inserem e graças ao qual se explica a maioria dos problemas urbanos. Por outro lado, o urbano não é considerado o centro da problemática da ocupação do território, que ainda se concentra no rural. Como conseqüência, o planejamento urbano no Brasil pode ser considerado imaturo. Esta atividade ainda é restrita a pequenos grupos de técnicos e políticos que adaptam o know how estrangeiro a construções da realidade, tornando a apreensão do objeto real bastante discutível. Por outro lado, não há um modelo de planejamento brasileiro, o que se agrava com o fato de que os grupos atingidos pelas conseqüências do planejamento estão, em sua maioria, alienados do processo. O planejamento brasileiro é definido em função das camadas da população excluídas do processo econômico, cuja inserção é fundamental para o crescimento nacional. Devido ao baixo grau de informação e participação na vida política dos brasileiros, este discurso desenvolvimentista provoca aceitação gereralizada do planejamento proposto no Brasil. Surgido dentro de um “quadro de apatia da sociedade civil e, especificamente, dos políticos profissionais” 11, e aprovado pelo sistema político tradicional, o planejamento brasileiro não tem se defrontado com maiores impedimentos à sua centralização além daqueles comuns ao poder constituído. O contexto sócio-político-econômico que precedeu o início do planejamento no Brasil demonstra os problemas de federalismo e regionalismo, centralização e descentralização característicos da história do Brasil. 2.2. Antecedentes históricos: sinopse das condições contextuais brasileiras, da Proclamação da República ao Estado Novo A primeira fase da República brasileira, entre sua proclamação em 1889 até a revolução vitoriosa de 1930, conservou o poder político centralizado no Rio de Janeiro, nas mãos da elite agrária tradicional, que dominava a costa brasileira e centralizava o poder econômico do país, resultante da exportação de produtos agrícolas. A constituição de 1891, buscando descentralizar o poder e a administração, incentivou as tendências manifestas de autonomia política de diversas regiões econômicas que, isoladas em torno de seus produtos exportáveis (borracha, açúcar, cacau, café), acentuaram a precariedade das comunicações inter-regionais e acarretaram o declínio do nacionalismo e da unidade brasileira. Esses primeiros tempos da república mostraram desgaste da vida po lítica e das finanças públicas, resultando em distúrbios ameaçadores da chamada ordem constituída. 11
Cardoso, F. H. Op. Cit. Pp 174. 7
Conseqüentemente, a importância das forças armadas na vida nacional aumentou consideravelmente. O início do século XX aprofundou o processo de urbanização iniciado nos anos anteriores, fato este acelerado pela Primeira Guerra Mundial: como reflexo dos problemas colocados para as importações, surgem os primeiros esforços de industrialização brasileira, principalmente quanto à produção de têxteis. Conseqüentemente, aumentou o êxodo rural das populações empregadas em latifúndios de agricultura extensiva. Assim, com mais de um século de defasagem, surgem as conseqüências da Revolução Industrial, apesar da urbanização ter precedido a industrialização 12. Forma-se, a partir de então, uma classe média urbana crescente que, por apresentar-se como potencial força política, é rapidamente absorvida pelas Forças Armadas e pela burocracia, favorecendo o crescimento das mesmas. A burocracia não era orientada para um programa, existindo para absorver possíveis forças políticas. Apesar disso, como aponta Daland (1967), a classe média cresceu mais do que a burocracia, ao mesmo tempo em que o regionalismo e as forças políticas regionais se acentuavam. A situação caracterizava-se pelo fracasso da implantação, pela República, do presidencialismo e do federalismo no Brasil, pois vigorava então o sistema representativo do Império, baseado em favoritismos, corrupção, demagogias e prepotências. Getúlio Vargas, ao assumir em 1930, rompeu a política do Café com Leite, demonstrando o amadurecimento político dos grupos do Rio Grande do Sul. O então presidente modificou o regime, buscando centralizar e unificar a Nação, por meio da revogação da antiga Carta Magna e sua substituição por outra que garantia a autoridade presidencial. A carreira de Getúlio como chefe dotado de poderes irrestritos evoluiu até 1937, quando instituiu o Estado Novo como um sistema ditatorial de governo. A economia brasileira, até a Segunda Grande Guerra, cresceu independente de intervenção estatal quanto ao desenvolvimento e proteção da indústria. A partir do Estado Novo, ela foi atingida por políticas de desenvolvimento, de cunho nacionalista. 2.2 O marco inicial do planejamento no Brasil: esforços de planificação sob o Estado Novo O planejamento, como atividade para superar o subdesenvolvimento, iniciou-se, no Brasil, no Estado Novo, a partir de diagnósticos de carências realizados por técnicos. Enquanto a Guerra e o Pós-Guerra localizavam uma nova mentalidade de planejamento como “a revolução das esperanças que surgem” no cenário mundial, a sociedade brasileira passava por transformações ocasionadas pelo aparecimento de novas classes a partir da industrialização e do novo contexto sócio-econômico: devido à instabilidade dos preços de exportação dos produtos agrícolas, conseqüência da Guerra, o Brasil construiu um modelo de industrialização baseado na substituição de importações. O estímulo à industrialização provocou novo êxodo rural e conseqüente urbanização, formando um proletariado industrial que, aspirando às condições de desenvolvimento, procurava se fazer ouvir nas decisões políticas. Entretanto, as metas de desenvolvimento eram (e ainda são) cada vez mais compartilhadas pelos novos industriais, com a classe média a seu serviço. Três eventos deste período são considerados os pontos referenciais do início da história do planejamento brasileiro: a criação do DASP, representando a criação institucionalizada de órgão de preparação e acompanhamento de planos; a Segunda Guerra Mundial, indutora da industrialização nacional, dando dinâmica à economia 12
Daland, 1967. 8
brasileira, sob a intervenção estatal, devido à carência de bens de consumo e capital atingidos pela crise internacional e devido à pressão dos grupos industriais emergentes; e a Missão Taub, o primeiro plano econômico de investimentos do Governo. Com a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), Getúlio Vargas iniciou o chamado planejamento centralizado. Criado em nome da eficácia do Governo, o DASP coroou a sucessão de reformas administrativas realizadas pelo presidente, que visavam retomar o controle sobre os instrumentos de governo dispersos pelo caráter desintegrador da primeira república. Deveria ser um órgão eminentemente técnico, com objetivos organizacionais, poderes orçamentários, de pessoal, de material, de planejamento e de controle, cujo corpo profissional era formado por uma nova geração de técnicos com formação em planejamento e administração. Apesar destas intenções, o DASP não abstraiu das influências políticas, absorvendo críticas dirigidas ao presidente e à sua política centralizante e comportando-se como um superministério de controle dos demais órgãos nacionais e estaduais. O DASP elaborou, no Estado Novo, dois planos qüinqüenais: o Plano Qüinqüenal de Obras e Reaparelhamento da Defesa Nacional, em 1942, constante de uma lista de investimentos e orçamentos especiais de cuja implantação pouco se sabe; e o Plano de Obras e Equipamento, em 1943, relacionando um orçamento de obras públicas quanto a investimentos e períodos. Esses planos concentraram-se em dois setores da economia considerados pontos de estrangulamento do desenvolvimento e possíveis estímulos para os mesmos: infraestrutura de transportes e energia. Paralelamente à formulação dos dois planos qüinqüenais pelo DASP, foram realizados dois planos de investimentos, por comissões mistas Brasil-Estados Unidos. A primeira já citada Missão Taub foi menos oficial que a segunda, conhecida como Missão Cooke, patrocinada pelo Centro de Estudos de Problemas Brasileiros da Fundação Getúlio Vargas. Ambas, porém, representavam um teste para novos métodos de desenvolvimento Econômico que os EUA aplicavam no Brasil. Os planos, além de dispendiosos, devido à contratação dos técnicos e às demais despesas de realização ficarem por conta do governo brasileiro, tiveram pouca utilidade, pois foram considerados sigilosos pelo governo americano, que só os divulgou anos depois do fim da guerra. O valor deles deve-se a serem os primeiros esforços de planejamento no Brasil, cujo resultado foi um levantamento de informações a serem utilizadas por outros planos, como o da Aliança para o Progresso. A Missão Cooke, por exemplo, recolheu dados referentes à produção, transportes, combustível, petróleo, energias, têxteis, minerais, produtos químicos, educação e desenvolvimento do Vale do São Francisco, uma área com grande possibilidade de desenvolvimento. 2.4. O planejamento institucional e centralizado: do Plano Salte ao Plano e Ação (PAEG) O embrião do planejamento institucionalizado, nascido sob o Estado Novo, cresceu nos 20 anos seguintes, evoluindo dos planos setoriais aos planos nacionais integrados para a economia. Intensificou-se, assim, a atividade de planejamento nas esferas governamentais brasileiras, aprimorando suas técnicas e métodos, devido a condições políticas e econômicas favoráveis e à contínua assistência dos EUA na formação de técnicos brasileiros. Porém, a substância do planejamento no Brasil não chegou a se alterar significativamente, pois ainda se planeja para o desenvolvimento, resumido ao determinante econômico. O aspecto social, quando presente nos planos, é tido como decorrência do crescimento econômico. O planejamento urbano só aparece na construção de Brasília, no Governo de Juscelino Kubitschek.
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Esta fase de formação do planejamento institucional no Brasil tem início no governo de Dutra (1946-1950), que herdou dos anos anteriores algumas agências regionais de planejamento e vários relatórios e planos setoriais isolados, feitos por técnicos do DASP. Em 1946/47 foi elaborado o plano SALTE para coordenar os planos existentes. Este tomou quatro setores responsáveis pelo seu nome: saúde, alimentação, transporte e energia, considerados pontos cruciais do desenvolvimento econômico. A meta era desenvolver esses campos, aumentando a renda e, portanto, o desenvolvimento social. Porém, o plano não propunha assegurar um padrão de vida para os membros de todas as classes sociais, o que seria até mesmo impossível, pois o plano comprometia-se com a imutabilidade da estrutura sócio-econômica brasileira. Assim, o plano SALTE não pode ser considerado um plano social, apesar de incluir um setor social – da saúde pública. A atenção às condições sanitárias brasileiras deve-se ao fato de que estas, como fator da força de trabalho, não deveriam mais constituir-se em obstáculos ao desenvolvimento. “(...) o setor em questão, mesmo que metaforicamente devesse servir ao funcionamento da máquina econômica, atitude que encontra em si mesma a sua própria finalidade, (enquadra-se) no que foi designado de ‘estilo reflexivo de planejamento’”13. O plano SALTE, contudo, não abrangeu toda a atividade econômica brasileira, privada ou pública, caracterizando-se mais como um conjunto de planos senhoriais do que como um plano compreensivo, onde os setores da economia se integram e correlacionam-se sob uma coordenação comum. É, por outro lado, totalmente desvinculado dos recursos econômicos disponíveis para sua implementação, tendo desenvolvido longo percurso desde sua redação, em 1946/47, até ser sancionado, em 1950. Porém, deve-se reconhecer que o plano SALTE não é apenas uma análise econômica ou a elaboração de um orçamento, mas projeto e atitude orientados para a solução de problemas específicos, podendo ser chamado de projeto primitivo de planejamento. Ao longo da história do plano SALTE (elaborado para melhorar a imagem do DASP, desgastada pela política do Estado Novo), surgiram eventos capazes de dar ao planejamento centralizado uma continuidade na década de 40 do século XX: em 1948 constituiu-se a Comissão Técnica Brasil-Estados Unidos, visando recomendar medidas econômicas ao Brasil para equilibrar seus pagamentos; em 1951-53, outra Comissão Brasil-Estados Unidos (Desenvolvimento Econômico Brasil-Estados Unidos) assessorou projetos de desenvolvimento a partir de empréstimos de órgãos internacionais. Ao mesmo tempo, em 1952 criou-se o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), por sugestão desta última comissão, com a finalidade de obter fundos de fontes internacionais ou domésticas para os programas de desenvolvimento (constantes, inicialmente, do Plano SALTE). Entre 1950 e 1954, novamente sob o governo de Getúlio Vargas, o plano SALTE adaptou-se aos planos elaborados pela Comissão Mista. Até então, o planejamento brasileiro limitava-se a planos para alguns setores da economia escolhidos por características estratégicas (energia e transporte) para o desenvolvimento econômico ou por estarem em situações calamitosas. Neste sentido, o Programa de Metas do fim da década de 50 do século XX representou a primeira mudança no sentido de se formular o primeiro plano integrado brasileiro: os vários planos setoriais são coordenados em função do desenvolvimento econômico integral, dando continuidade aos objetivos de desenvolvimento identificados como econômicos. O Programa, com caráter economicista, foi implementado no início do governo de Juscelino Kubitschek, sob o Plano Qüinqüenal. Nesta ocasião, a cúpula governamental, até então à parte, viu-se penetrada pela influência de um corpo de técnicos e intelectuais, ao mesmo tempo em que se iniciava uma nova fase na burocracia 13
Ver artigo de Kowarick sobre as estratégias de planejamento no Brasil. São Paulo, CEBRAP. 10
nacional. O Plano incluía objetivos explícitos politicamente já no segundo governo de Getúlio Vargas, baseados na necessidade de mobilização de novas camadas da população, mas a partir do Estado, compactuando com este, ou melhor, com a elite agrária, no sentido de não realizar reformas sócio-econômicas estruturais. O plano constou de 30 metas centradas nos setores considerados estratégicos para o desenvolvimento nacional: energia, transporte, alimentos, indústrias de base, educação e a construção de Brasília. A diferença entre este e o SALTE, com relação à escolha dos setores, está no enfoque mais globalizante do fenômeno econômico, na medida em que as metas vinculam-se entre si graças a uma conceituação integrada. Continuava, entretanto, como um plano econômico onde, à semelhança do anterior, o social limitavase a outro setor tradicionalmente assim considerado: a educação, objeto de atenção apenas na medida em que os recursos humanos nas áreas técnicas têm efeitos sobre o desenvolvimento econômico. Também em 1956 foi implementado o Conselho de Desenvolvimento como órgão condutor do planejamento, subordinando o pessoal de planejamento aos escalões mais elevados da administração encarregados das decisões políticas. Este conselho era composto por todos os ministros de Estado, pelo diretor do DASP, pelos presidentes do BNDE e do Banco do Brasil e pelos chefes dos gabinetes civil e militar. A importância do Programa de Metas na história do Planejamento brasileiro está no fato dele representar um documento de desenvolvimento, onde os projetos específicos são diretamente vinculados às metas. O programa previa, outrossim, um constante controle, pelos instrumentos de planejamento, da sua implementação. Evidentemente, foi beneficiado por todo um contexto passado de experiências incipientes do Estado Novo, progressos das técnicas de planificação ocorridos na década de 50 no âmbito internacional, e recentes instituições internas (BNDE, Comissão Mista, CEPAL). Por fim, deve-se considerar a meta “Brasília”: a construção de uma nova capital para o País, ainda que um problema explicitamente urbanístico, não pode ser considerado um primeiro esforço quanto à institucionalização do planejamento urbano na administração central. É, mais, meta do planejamento econômico do que um enfoque na necessidade de planejamento urbano. Porém, pode-se dizer que a construção de Brasília despertou e incentivou o interesse em discutir e planejar o urbano, contribuindo para sua institucionalização, que só ocorre posteriormente. No final da década de 50, duas experiências de planejamento regional foram acrescentadas às existentes. Elas ocorreram em São Paulo e no Nordeste, regiões antagonicamente desenvolvidas. Na primeira, quando formou-se o Grupo de Planejamento do Estado de São Paulo, houve duas fases: a inicial, relativa à gestão de Carvalho Pinto (1959-63), caracterizada pela simplicidade e cujo resultado foi o Plano de Ação, um orçamento anual de obras e investimentos; e a posterior, onde o sistema de planejamento foi finalmente institucionalizado a partir da criação da Secretaria do Planejamento. No Nordeste, devido à crise sócio-econômica resultante da seca de 1958, Celso Furtado criou a SUDENE (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste), encarregada de planejar o desenvolvimento da região. As atividades deste órgão, partindo de uma situação de calamidade, estenderam-se à formulação de diretrizes de desenvolvimento econômico para o Nordeste, a partir de diagnósticos da região baseados em estudos aproveitados posteriormente pelos governos centrais e estaduais. Continuando as preocupações relativas ao planejamento, Jânio Quadros criou, em 1961, a COPLAN (Comissão de Planejamento Nacional), coexistente com o Conselho recentemente criado por seu antecessor. Em 1962, o próximo presidente - João Goulart - criou o cargo de Ministro Extraordinário para o planejamento, consolidando o processo de institucionalização do planejamento centralizado no Brasil. Celso Furtado, primeiro a ocupar tal cargo, preparou 11
um plano de desenvolvimento nacional para três anos (1963-65). O Plano Trienal, como foi chamado, apresenta um avanço em relação aos anteriores, tanto na sua estrutura quanto na conceituação de desenvolvimento econômico, que não mais se restringia ao econômico mas incluía o âmbito político-administrativo e, de certa forma, o social. O Plano, a partir de uma profunda análise da realidade econômica brasileira, propôs metas para setores específicos como educação, saúde, recursos naturais, transportes, comunicações, energia elétrica, energia nuclear, petróleo, carvão, pesca, agricultura, mineração e indústria. Destes, a agricultura é o que recebeu mais atenção, enquanto que a indústria foi abordada mais brevemente. Assim, apesar de o Plano Trienal não ter abarcado a problemática do Brasil, não oferecendo solução para a mesma, propôs, pela primeira vez, reformas de base (agrária, administrativa, bancária e tributária), ainda que a serviço das metas de crescimento econômico da nação e, portanto, formuladas como diretivas políticas, apenas. O Plano Trienal apresenta, ainda, um movimento no sentido da centralização das decisões políticas, mesmo que o fomento do desenvolvimento não chegasse a apresentar um rompimento com o passado. “Ainda que seja procurada uma forte intervenção do Governo em certas áreas econômicas, esta é justificada em todos os casos como instrumental à meta de estimular o desenvolvimento dentro das normas existentes na sociedade brasileira. Além disso, o próprio plano está especificamente empenhado na preservação da economia baseada na livre empresa” 14. O Plano Trienal não foi implementado devido às reações dos grupos dominantes, principalmente a classe empresarial, e das forças internacionais. Além disso, apresentava objetivos contrários aos da Aliança para o Progresso, firmados na Carta de Punta Del Este, o que foi agravado pela queda do Governo Goulart. A nova fase da República foi iniciada pelo presidente Castelo Branco, que encomendou um plano ao recém nomeado ministro do Planejamento e Coordenação Geral, Roberto Campos. O Programa de Ação Estratégico do Governo (PAEG), elaborado para cobrir o período entre 1964 e 1967, foi um retrocesso quanto ao Plano Trienal, pois voltou a ser especificamente econômico (crescimento fixado em 7%). O PAEG é mais compreensivo, entretanto, do que os anteriores, pois apresenta uma análise mais global e integrada da economia brasileira. Ele inclui novas áreas tais como bem estar social, política salarial, política tributária e habitação. Esta última será aprofundada no capitulo seguinte, onde é abordada dentro da questão da institucionalização do planejamento urbano no Brasil. As formulações deste plano, entretanto, são mais generalizantes e difusas do que os planos anteriores, não contendo nem planos específicos nem orçamentos para projetos, como constava no Trienal, caracterizando-o como um “plano perspectivo”. O PAEG iniciou, entretanto, a institucionalização do planejamento no Brasil, graças à adoção do processo por um Ministério do Planejamento e Coordenação Geral que, somado à criação da CONSPLAN (Conselho Consultor de Planejamento), institucionalizou as relações entre planejamento e sua execução. A partir de então, é possível se obter informações estatísticas mais precisas e realizar planos setoriais detalhados (no estilo SALTE), integrando-os em um plano de desenvolvimento a longo prazo. No PAEG, entretanto, os setores sociais são reduzidos a meros instrumentos a serviço da consecução dos objetivos econômicos. 2.5. Os problemas urbanos integrados ao planejamento central: o Plano Decenal As experiências anteriores de planejamento brasileiro, principalmente o plano Trienal, o trabalho realizado pela SUDENE e a institucionalização do planejamento centralizado, com o PAEG, antecederam e acompanharam os trabalhos do CEPAL e do ILPES, assim 14
Daland, R. Op. Cit. pp60. 12
como do EPEA como órgão ministerial. A conjuntura destes elementos criou “linhas de racionalidade”15 nos órgãos de decisão econômica e de administração, ampliando-os e aumentando o interesse pelo planejamento. Havia, portanto, condições para implantação de organismos de planejamento, embora até 1964 permanecessem as mesmas características políticas que impediam a consecução de objetivos planejados desde o fim do Estado Novo, resumidas nos seguintes pontos: Uma burocracia cujo fim era a prestação de favores, mantendo apenas formalmente um certo nível de serviços, onde o caráter político prevalece sobre as funções administrativas 16. Uma estrutura de poder onde a participação aumenta consideravelmente entre 1954 e 1964, permitindo a percepção dos problemas pelos diversos grupos sociais. Esta ampliação do sistema político exprimiu-se pelo populismo, um “sistema clientelístico tradicional” que, por um lado, colocava novas necessidades políticas, econômicas e sociais mas, por outro, não propunha soluções para as mesmas. Por outro lado, o populismo era um sistema de representação difusa, “onde as classes não sedimentaram estruturas intermediárias de participação política suficientemente diferenciadas e interferentes ao nível do Estado” (Cardoso, 1975. pp174). Por estas razões, medidas que mudassem o panorama do planejamento brasileiro, garantindo a realização de um sistema efetivo de planejamento, só poderiam ter sido de natureza política: a nova república, surgida em 1964, reorganizou o sistema de poder ao diminuir a participação e inserir novos atores para atuarem sozinhos no mesmo. Assim, a própria revolução – ocorrida fora da sociedade civil, no próprio Estado – trouxe consigo a necessidade de planejar, porque “como corporação, as forças armadas constituíam uma burocracia de base técnica, que requer planos como condição para sua sobrevivência” (ibidem, pp 182). Por isso a urgência em fazer um plano de desenvolvimento logo nos primeiros meses do novo governo. Por outro lado, no final do governo de Castelo Branco, devido à necessidade de preservar o processo revolucionário implantado, gerou-se o Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social (I PND). A partir de estudos de diagnósticos realizados desde 1966 pelo Ministério do Planejamento sobre as áreas de saúde, previdência social, saneamento e educação, estabeleceram-se medidas institucionais acerca dos objetivos prioritários e dos recursos necessários para desenvolvimento das áreas estratégicas. Entretanto, este plano apenas esquematiza diretrizes de desenvolvimento a longo prazo (1966-1976), não apresentando programas específicos que permitissem sua implementação. Conseqüentemente, outros planos contidos dentro do Plano Decenal assumiram maior importância do que este que os continha. Um exemplo é o Plano Estratégico de Desenvolvimento, elaborado para o segundo governo revolucionário (1968/70) e cujas proposições econômicas são uma estratégia concreta de transição entre um estado de economia crítico e o crescimento. O PED beneficiou-se das condições favoráveis ao planejamento já existentes nesta época, avançando a experiência de planejamento brasileiro. Foi possível, inclusive, um sistema de acompanhamento das medidas propostas, com resultados positivos na programação dos instrumentos financeiros e fiscais. Entretanto, este plano teve reflexos importantes sobre as grandes faixas populacionais, devido à sua política salarial: “À semelhança de outras questões, como a política de empregos e a distribuição de renda, os planos – tanto o PAEG quanto o PED – abordam o problema salarial exclusivamente sob a ótica econômica, ignorando por completo os efeitos que uma contenção do salário 15 16
Hirchman, apud Cardoso, F. H. Op Cit. Pp178. Sobre a burocracia brasileira, ver o capítulo 1.2 do presente trabalho. 13
mínimo ocasiona sobre o padrão de vida dos estratos inferiores da população urbana” (Kowarick, op.cit. pp39). É nesta época que os problemas urbanos começavam a se institucionalizar e fazer parte dos programas governamentais. O Plano Decenal propôs várias medidas “frente à constatação do crescimento intenso e desordenado das cidades brasileiras”. A preocupação com o planejamento urbano no Plano Decenal, entretanto, decorria das situações econômicas problemáticas (desequilíbrios entre atividades econômicas e ocupação do solo urbano), reduzindo o planejamento urbano à economia. Porém, no caso de Brasília como alvo do Programa de Metas, as medidas do Plano Decenal eram quanto aos problemas urbanos, onde propõe-se: Uma política nacional de desenvolvimento urbano formulada dentro do contexto de uma política nacional de desenvolvimento integrado. Análise das experiências de países desenvolvidos buscando aspectos que sofreram maiores influências das políticas nacionais, tais como: modificação da estrutura urbana promovendo a redistribuição da população; alteração dos padrões de urbanização, principalmente em mudanças de densidades residenciais e dos traçados urbanísticos básicos; modernização das estruturas locais de planejamento, legislação e distribuição. O Plano aborda, ainda, as bases para formulação de uma política nacional de desenvolvimento urbano, definindo as regiões-programa e os pólos de desenvolvimento. Os níveis de desenvolvimento local e regional são considerados integrados e, nesse sentido, foi proposto que o Conselho de Geografia e o EPEA (Escritório de Pesquisa Econômica Aplicada), um órgão ministerial, executassem as tarefas de divisão do território nacional em regiões homogêneas e preparassem um roteiro para a elaboração de diagnósticos preliminares da economia das micro-regiões. É indispensável, porém, que se considerem aspectos anteriores ao Plano Decenal, que agiram como forças preparatórias da institucionalização do planejamento urbano centralizado no Brasil. Eles podem ser considerados como os elementos mais diretos na formação de uma consciência da problemática urbana e da necessidade e urgência de uma política nacional urbana Em 1963 ocorreu o SEMINÁRIO DE HABITAÇÃO E REFORMA URBANA, desenvolvido em duas etapas: uma em Quitandinha, no Rio de Janeiro, e outra em São Paulo. A iniciativa deste evento foi do Instituto dos Arquitetos do Brasil e do IPASE, embora tenha contado com profissionais e estudantes das mais diversas áreas e regiões do País, bem como líderes sindicais e representantes de órgãos de planejamento e de empresas industriais e de economia mista. Os temas discutidos foram a situação habitacional do País, a habitação e o aglomerado urbano, a reforma urbana (e as medidas para o estabelecimento de uma política de planejamento urbano e de habitação), e a execução dos programas de planejamento urbano e de habitação. O documento final do Seminário levantou pontos-chave no tratamento do problema habitacional e do urbano, condicionantes das políticas oficiais, tais como: “(...) a solução do problema habitacional e da reforma urbana está vinculada à política de desenvolvimento econômico e social (inclusive a reforma agrária), através da qual possa ser rapidamente elevado o padrão de vida do povo brasileiro; (...) o problema da habitação é de responsabilidade do Estado, sendo que sua intervenção deve ser no sentido de equacionar o problema em sua totalidade; disciplinar as atividades no campo habitacional; (...) (...) a política habitacional deve concretizar-se através de planos nacionais, territoriais e de habitação, com o objetivo de corrigir as deficiências quantitativas e qualificativas de moradias e equipamentos sociais, integrados num planejamento global, nos níveis nacional, regional, estadual e municipal; 14
(...) todo plano habitacional deve estabelecer metas de atendimento, através de critérios objetivos de prioridade, e que supõe a fixação de diretrizes que levem em conta: a) a capacidade de amortização ou pagamento das diversas camadas da população; b) o estabelecimento de tipos e dimensões de moradias adequadas à realidade regional, econômica e demográfica; c) as relações entre moradia, trabalho e os serviços e equipamentos urbanos; d) o custo dos serviços e equipamentos urbanos; (...) que para a efetivação da reforma urbana torna-se imprescindível a modificação do parágrafo 16º do art. 141 da Constituição Federal, de maneira a permitir a desapropriação sem exigências de pagamento à vista, em dinheiro; (...) é imprescindível a adoção de medidas que cerceiem a especulação imobiliária, sempre anti-social, disciplinando o investimento privado nesse setor; (...) para a execução da política habitacional, se torna necessária a criação de um Órgão Central Federal, com autonomia financeira e autoridade para atingir seus objetivos.” 17 Em seguida, o SHRU propôs, em nove itens, as medidas necessárias ao encaminhamento de soluções aos problemas habitacionais e urbanos; é importante notar, na terceira proposta, as bases de uma política habitacional e de reforma urbana, abrangendo especificações para: I) Órgão executor da Política Habitacional e Urbana II) Desapropriação para fins habitacionais e de planejamento territorial III) Prioridade de atendimento e normas de controle IV) Plano Nacional Territorial V) Plano Nacional de Habitação VI) Aquisição de imóvel locado É interessante como várias propostas do SHRU foram retomadas já em nova e antagônica situação política, quando foi criado o Banco Nacional de Habitação (BNH) e o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo. Pode-se, então, dizer que, os frutos do SHRU não foram os propostos ideologicamente pelo Seminário, mas assumiram força de lei com atuação efetiva no plano político, econômico e social até os dias de hoje. Em 1964 foi aprovada a lei nº 4380, contendo o PLANO NACIONAL DE HABITAÇÃO, o qual apresentava objetivos de “estímulo à construção de habitações de interesse social e o financiamento da aquisição da casa própria” e diretrizes explícitas, colocando no âmbito dos estados e municípios a execução dos planos diretores e projetos para solução de seus problemas habitacionais. Cabia, entretanto, à iniciativa privada tanto os projetos quanto a construção de habitações. A mesma lei instituiu o Sistema Financeiro de Habitação, pertencente ao Banco Nacional de Habitação e às Sociedades de Crédito Imobiliário. Era prevista a supremacia do BNH (um banco) no trato dos problemas habitacionais, quanto às finalidades, aos poderes e aos recursos deste banco: -
“As finalidades do BNH abrangeram a orientação e controle do sistema financeiro de habitação, dentro das condições gerais estabelecidas pelo Conselho Monetário, prestação de serviços de redesconto e seguro para garantia das aplicações do sistema especializado; prestação de serviços de seguro de vida temporário para os compradores de imóveis; financiamento ou refinanciamento da elaboração e execução de projetos promovidos por entidades locais; refinanciamento das operações das sociedades de crédito 17
In: Revisa Arquitetura nº 15. set/63, pp17-23. 15
imobiliário e financiamento ou refinanciamento de projetos relativos a indústrias de materiais de construção e de pesquisa tecnológica (artigo 17 da Lei nº 4380). O Banco não operará diretamente na compra e venda ou construção de habitações. Sua função será sempre de orientar, disciplinar e assistir financeiramente as entidades do sistema. Os Institutos Federais de Previdência cessaram suas atividades no setor de habitação e foram compelidos a alienar os conjuntos residenciais de sua propriedade, de acordo com normas enquadradas no Plano Habitacional. A Caixa Econômica Federal manterá o sistema de coleta de depósitos populares com a inovação da correção monetária para os depósitos a prazo; será reformulada a Carteira de Empréstimo para Habitação dessa entidade dentro das normas do Plano Habitacional, com a manutenção do sistema de empréstimo direto ao público. Além de vincular uma parcela de suas aplicações para habitação, a Caixa deverá vincular 70% da receita líquida da operação da loteria federal para o mesmo fim. Os recursos colocados à disposição do BNH para a realização do Plano abrangem: a taxa de 1% sobre a folha de pagamento, que deverá ser paga por todas as empresas do país; a parcela de 20% das receitas do SESI e SESC; a parcela de 20% das aplicações dos Institutos de aposentadoria; uma porcentagem dos depósitos da Caixa Econômica Federal a ser fixada pelo Ministério da Fazenda; a subscrição compulsória de letras imobiliárias incidentes sobre a construção de imóveis residenciais de valor acima de 500 vezes o maior salário mínimo do país e sobre o aluguel de imóveis residenciais”.18
Assim, o Plano Nacional de Habitação, por força da lei, colocava a questão habitacional em termos eminentemente econômicos, desvinculando um enfoque amplo da realidade que o considerasse como um problema social e urbano e, portanto, requerente de soluções integradas nas diversas situações concretas e nos vários subsistemas do sistema urbano. Por isso, o BNH conseguiu cumprir suas finalidades prescritas, à medida que, como Banco, reativou a economia nacional graças ao estímulo à construção civil. Porém, pela mesma razão, as soluções do BNH para as populações de baixa renda comprometeram-se prioritariamente com a desfavelização, pela remoção e realocação dos grupos considerados “sub-normais” em conjuntos habitacionais construídos por programas de habitação popular, mostrando-se desastrosas. A mesma lei nº 4380 criava o “órgão técnico” do Plano Nacional de Habitação, o SERFHAU (Serviço Federal de Habitação e Urbanismo), com atribuições tais como: promover pesquisas sobre todos os aspectos relacionados com habitação; promover e prestar assistência técnica a programas municipais e regionais de habitação e interesse social; prestar assistência técnica aos Estados e Prefeituras na elaboração de Planos Diretores e às entidades privadas sem fins lucrativos. À criação deste “órgão técnico”, a lei 4380 reservou apenas 03 dos 71 artigos, subordinando-o ao órgão financeiro (BNH), no art. 54, § 1º e 2º. Estes fatos indicavam que a história do SERFHAU, até sua substituição em 1974 pela CNPU (Comissão Nacional de Regiões Metropolitanas e Política Urbana), seria de um órgão esvaziado pelo BNH ou pelo Setor de Habitação do EPEA. Sua finalidade de prestar, ao órgão financeiro, a assistência técnica necessária para a implementação da política de planejamento habitacional e urbana foi desgastada pela prescrição de que as normas gerais do planejamento formuladas pelo SERFHAU deveriam ser aprovadas pelo Conselho de Administração do BNH, conforme o decreto nº 59917/66. 18
In: Revista de Administração Municipal nº 70. maio/junho 65. pp164 e 165. 16
Tanto a política habitacional quanto a de planejamento físico-territorial sucederam, ao invés de preceder, o Plano de Habitação. A política habitacional é, na verdade, um “Plano Habitacional Decenal”, elaborado pelo Setor Habitacional do EPEA, em 1967, para integrar o Plano Decenal de Desenvolvimento. O equacionamento do problema habitacional é colocado pelo Plano Habitacional do seguinte modo: “... o Planejamento Habitacional é normativo no que respeita ao Setor Público, e apenas indicativo, no que concerne ao setor privado. (...) A intervenção do Estado no Setor Habitacional se fará, dentro do espírito da Lei nº 4380, através do financiamento concedido pelo Setor Público. Este financiamento, além do benefício imediato concedido ao adquirente da casa, terá outras conseqüências, como a de estimular toda a economia, além de gerar novos empregos”. 19
Quanto ao planejamento urbano, foi instituído em 1966 (dec. Nº 59917/66) o Sistema Nacional de Desenvolvimento Local Integrado, que teve no SERFHAU o seu órgão coordenador, e que se definia como um sistema de planejamento que compreende, em nível regional e municipal, os aspectos econômicos, sociais, físicos e institucionais. A origem do Planejamento Local Integrado parece seguir os comprehensive plannings , que são um tipo de plano físico que considera os aspectos econômicos e sociais para a região, definindo as áreas de localização das diferentes funções urbanas considerando-se as implicações sociais e econômicas das mesmas. Entretanto, como a aplicação de comprehensive plannings à realidade de um país de economia dependente enfrentaria problemas administrativos e institucionais, optou-se pela reinterpretação do conceito pelo Setor de Planejamento Regional e Municipal do Ministério do Planejamento. O resultado foi uma modalidade de planos locais em quatro setores básicos (econômico, social, físico-territorial e institucional) orientadores não apenas da ação do poder público como dos investimentos no setor privado. Iniciou-se, então, a elaboração de planos integrados para municípios com mais de 50.000 habitantes, desenvolvidos em duas fases: Estudo Preliminar e Plano. Em 1969, o Programa de Ação Concentrada (PAC) formulou uma estratégia, dentro dos programas nacionais de desenvolvimento, para 457 municípios, adaptando o PDLI para diversos portes de municípios. 2.6. Conclusões gerais Vários pontos do Plano Decenal de Desenvolvimento são bastante discutíveis no plano teórico, como o modelo de pólos de desenvolvimento aplicado a países subdesenvolvidos, por exemplo. Por outro lado, o Decenal não chegou a ser implantado. Pode-se, no entanto, avaliar certos resultados concretos das diretrizes nele contidas, colocadas em termos implementáveis pelo PED, no Governo Costa e Silva, pelo FIPLAN, pelo SEFHAU e pelo BNH. Percebe-se que, desde 1966, a preocupação do Governo Federal quanto à formulação de uma política nacional urbana cresceu a ponto de, em 1974, criar a CNPU, institucionalizando a problemática urbana a partir de si própria. Se remontarmos à trajetória do processo de planejamento pelo Governo Federal a nível geral e não apenas de planejamento urbano, notaremos um movimento que se intensifica continuamente no sentido de trazer para o centro do poder as decisões, contrariamente à característica federativa do Sistema Institucional Brasileiro. As particularidades e diferenças regionais tendem progressivamente a se tornar fatores pouco relevantes na formulação de políticas locais e municipais, cujas suas decisões são cada vez mais centralizadas. 3. O planejamento físico-espacial no Brasil 19
In Revista Arquitetura nº 59. Maio/67 pp 14-16 17
3.1. Introdução Os resultados da institucionalização do planejamento urbano no Brasil são avaliáveis mais facilmente em termos quantitativos do que qualitativos. A atividade de Planejamento relacionada a sistemas urbanos, principalmente a nível local, foi incentivada entre profissionais de diversas áreas (arquitetos, economistas, administradores, principalmente, mas também geógrafos e sociólogos), constituídos em grupos privados, mas vinculados ao setor público quando contratados pelas prefeituras para a execução dos planos. Isto se deve, em grande, parte ao SERFHAU, cujas propostas serviam de modelo às prefeituras, que se incumbiam da função de promover (e não executar) a elaboração e implantação dos planos. O SEFHAU garantia ao setor privado a formulação dos planos, assegurando a demanda por meio de empréstimos colocados à disposição das prefeituras dos municípios, e pela própria política nacional de planejamento urbano (como o Programa de Ação Concentrada, que indicou 457 municípios para uma estratégia de planejamento). Desta forma, os resultados quantitativos da institucionalização do planejamento urbano no Brasil apresentavam a seguinte configuração, em 1974: 237 municípios participaram do Sistema Nacional de Desenvolvimento Local Integrado; Destes, 61% tiveram planos realizados pelo Projeto Rondon e pelas Superintendências Regionais de Desenvolvimento (SUDENE, SUDECO, SUCESUL etc.); Dos restantes, 39% elaboraram estudos preliminares e 12% fizeram planos capazes de gerar estudos efetivos; 63% são relatórios preliminares para municípios de pequeno porte; 22% são termos de referência para municípios de médio e grande porte; 8% são planos de Desenvolvimento Local Integrado para municípios de grande porte. 4% são planos de Ação Imediata para municípios de médio porte; 3% são estudos preliminares Dos 457 municípios constantes do PAC, 38% tiveram seus planos formulados e 18% têm planos em andamento; A distribuição geográfica dos municípios que realizaram Planos de Desenvolvimento Local Integrado é a seguinte: 34% no Nordeste, 30% no Sudeste, 17% no Norte e Centro-Oeste e 2% no Sul; Quanto à população total dos municípios que participaram do SNDLI, 68% são de pequeno porte (menos de 50.000 hab.), 28% são de médio porte (entre 50 e 250.000 hab.) e 4% são de grande porte (mais de 250.000 hab.) Quanto à população urbana dos municípios que participaram do SNDLI, 80% encontram-se em municípios de pequeno porte, 16% nos de médio porte e 4% nos de grande porte; O montante emprestado aos municípios para a formulação de PELI (Cr$ 18.619.887,00) repartiu-se da seguinte maneira: 4% para o Norte, 25% para o Nordeste, 16% para o Centro-Oeste, 53% para o sudeste e 2% para o Sul. 20 A partir desses índices, conclui-se que a realidade é discrepante com relação aos objetivos colocados pelo SERFHAU, que não apenas formularia os planos como implementaria os mesmos. Estudos mais aprofundados apontam para “o inadequado desempenho do setor federal, por sua generalização quanto à estratégia de ação, definição pouco concisa de algumas normas de atuação e fiscalização do conteúdo do 20
Fonte: Relatórios do SERFHAU 18
plano. Resumindo, falta uma diretriz geral que norteie a ação de âmbito federal. Deve-se observar, paralelamente, que as atribuições que recaíram sobre o SERFHAU foram bastante maiores que os recursos destinados à mesma, o que, obviamente, limitou suas possibilidades de atuação” 21. Pode-se dizer que, até a criação da CNPU em 1974, o executor efetivo da Política Nacional de Desenvolvimento urbano era o BNH, cujos recursos provenientes do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço aplicavam-se majoritariamente aos programas setoriais, abrangendo subsistemas urbanos outros além do habitacional, como saúde pública (saneamento), produção, comércio, equipamentos comunitários, em todos os estados da Federação. A aplicação desses fundos, quando em empréstimos para habitação, propunha equilibrar as diferenças regionais pelo “efeito redistributivo”, fixando taxas de juros menores para as regiões economicamente menos desenvolvidas. Porém, o fato de não terem sido consideradas outras variáveis (população urbana e demanda de habitações), somado à característica bancária de investir em áreas que garantem retorno, levou a resultados distanciados das metas de interesse social. É preciso enfatizar que essas metas de interesse social não são, no caso brasileiro e em toda a América Latina, expressão de correntes de pensamento altruístas ou “aspirações ditadas pela justiça social”. São, efetivamente, imperativos colocados pelo próprio contexto das relações sociais, como resultado do efeito das normas ditadas pelo processo de produção adotado. Por isso, acreditamos que se deva iniciar o equacionamento dos problemas urbanos no Brasil a partir do fenômeno de crescimento urbano do país. 3.2. Sinopse do processo de crescimento urbano no Brasil durante o séc. XX O século XX apresentou um papel marcante no processo de ocupação do território brasileiro, consolidando a configuração da rede urbana determinada nos séculos antecedentes pela adoção do modelo de desenvolvimento adotado pelo País. Mais de três séculos de colonização e apenas um de independência, sob constantes ameaças à integridade nacional, resultaram em um quadro urbano caracterizado pela substituição da condição de “cidade da conquista” dos aglomerados urbanos brasileiros. Como comenta Singer (1975), “a capacidade aglutinadora de determinadas cidades-chave (...) ao adquirirem preeminência comercial sobre amplas áreas rurais, não puderam ou não quiseram mais ser elos de transmissão de um sistema de dominação externo, passando aparentemente a incorporar em si todas as funções de dominação, a de imediata exploração do campo e a mais elevada, de cúpula de todo o sistema” (pp105). Entretanto, em 1900 havia apenas 4 cidades com mais de 100 mil habitantes: o Rio de Janeiro (700 mil), São Paulo (240 mil), Salvador (206 mil) e Recife (113 mil), sendo que a população urbana não ultrapassava 10% da população total, que era de 18,2 milhões de habitantes distribuídos, principalmente, ao longo da costa, onde se localizavam as cidades de grande porte. O Brasil apresentava, assim, uma ocupação irregular, densa na costa e rarefeita no interior, com diferenças regionais acentuadas não apenas quanto a características físicas e geográficas quanto pelo desenvolvimento desarmônico das economias. Nesta época, portanto, a supremacia da cidade sobre o meio rural era relativa, pois o poder constituído ainda estava nas mãos da elite agrária, onde as forças produtoras de subsistência e de excedente exportável concentravam-se. As populações rurais permaneciam preferencialmente em seus lugares de origem, inclusive porque o meio urbano ainda não oferecia vantagens suficientemente compensadoras e, principalmente, porque os vínculos econômicos e psico-sociais com o 21
In: Relatório sobre Atuação do SERFHAU. 19
campo eram garantidos pelos grupos armados que asseguraram o aos senhores o domínio da terra e da mão-de-obra. Apesar desses “exércitos do sertão” ameaçarem o sistema federativo instituído pela república, “as forças centralistas, de base urbana, acabaram triunfando sobre as forças autonomistas ou federalistas, de base rural, condição necessária ao estabelecimento da soberania nacional sobre vastas áreas esparsamente povoadas” 22. Embora alguns elementos deste quadro não tenham se transformado completamente até hoje (como as relações servis entre senhor de terra e camponês), as décadas seguintes, quando se define o modelo econômico com base na substituição de importações, assistem à inversão da relação de dependência entre cidade e campo. A Primeira Guerra ocasiona a crise mundial das importações, embrião da indústria brasileira de bens de consumo não duráveis (roupas, tecidos, alimentos), produzidos por dois parques industriais relativamente grandes instalados no Rio de Janeiro e em São Paulo. Nas colônias alemãs e italianas, no Sul, a agricultura passa a ser comercializada, formando outros centros regionais onde se inicia o processo de urbanização mais intenso. Contingentes populacionais rurais começam a se deslocar para o Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Recife e Belo Horizonte, seguindo “uma orientação que significa o fortalecimento do estilo de vida urbana, determinando-se a cidade, enquanto lócus onde mais se efetiva esse modo de vida, como grupo de referência positiva tanto para seus moradores como, principalmente, para habitantes de áreas não citadinas” (Pereira, 1976. pp58). Porém, desde 1930 o Brasil vinha passando por transformações substantivas, tanto políticas quanto sócio-econômicas, advindas da vitória centralista sobre as disputas interregionais: com o governo revolucionário de Getúlio Vargas iniciou-se uma política de industrialização claramente delineada que minimizou os poderes dos senhores de terra e criou a legislação do trabalho aplicável a zonas urbanas. Conseqüentemente, estes fatores, auxiliados pelas novas rodovias, incentivaram o êxodo rural e a conseqüente formação do “exército industrial de reserva” nas cidades maiores: “a mobilização deste exército se fez paulatinamente, entre 1930 e 1945, a partir da abolição da autonomia dos estados, que serviu tanto para unificar o mercado interno como para derrubar as oligarquias locais, cujo poder sobre a população rural foi consideravelmente enfraquecido” (Singer, 1975: 123). A partir da década de 30, as migrações internas foram, juntamente com os efeitos das medidas sanitárias, adotadas nas cidades, resultando no crescimento da população urbana no Brasil que, em 1940, atingiu 31,8% da população total e, em 1950, 36,2%. A segunda fase da industrialização brasileira caracteriza-se pela introdução de bens de consumo durável (automóveis e eletrodomésticos), de bens de capital (siderurgia, produtos químicos, borracha e papel), mediante investimentos de capital e know how estrangeiros, assinalando um crescimento mais intenso das cidades grandes onde se localizavam os novos estabelecimentos industriais. A taxa de crescimento urbano, que entre 1950 e 1950 era de 3,9%, chegou a 5,4% em 1960. As cidades com mais de 10 mil habitantes, com crescimento de 4,8% na década anterior, cresciam 6,4% em 1960. Como conseqüência dessa concentração econômica e populacional, “observa-se também uma redução no número de municípios com 0,05% ou mais do valor da produção nacional: vários pequenos centros foram retirados desse conjunto, enquanto os maiores permaneceram(...). Paralelamente, elevou-se a produção dos subúrbios metropolitanos caracterizados como grandes centros industriais” 23. Inicia-se, com esta segunda fase 22
Singer, P. Op Cit. pp 105. Geiger, P. “Concentração Urbana no Brasil: 1940-70”. In: Revista Pesquisa e Planejamento Econômico nº 2 vol. 2. Brasília: IPEA, dez/1972. pp419. 23
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industrial, o processo de metropolização no Brasil, cujo assentamento inicial foram as sedes dos grandes parques industriais (Rio de Janeiro e São Paulo), que já vinham apresentando certas características de áreas metropolitanas. Desde 1960 este fenômeno vem se intensificando nestes dois pólos, contaminando outros centros regionais que se tornaram repentinamente importantes economicamente. Já nos anos 70 o Brasil contava com nove regiões metropolitanas institucionalizadas como centros de domínio regional: Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Fortaleza e Belém. Comparadas com outros países, as áreas metropolitanas brasileiras apresentavam uma concentração populacional inferior até o final da década de 60: enquanto Rio de Janeiro e São Paulo possuíam, respectivamente, 6,1% e 5,3% da população nacional, Buenos Aires possuía 35% da população Argentina, Londres, 17,7% da população inglesa, e Paris, 15,8% da população total francesa 24. Comparando-se com outros países concêntricos, o processo de metropolização no Brasil também difere quanto à influência da industrialização: “nos países desenvolvidos, as indústrias se multiplicam fora dos grandes centros, os quais geralmente se caracterizam pelo crescimento do setor terciário superior. Nos países em desenvolvimento, a expansão econômica pode-se fazer acompanhar por um processo de concentração espacial”, segundo Geiger (Op. Cit: 421). Os resultados deste processo expressam-se hoje na acentuação dos desequilíbrios de distribuição populacional e econômica entre as regiões, com a conseqüente disparidade entre classes sociais: “os principais aglomerados metropolitanos localizam-se na costa atlântica, concentrando 2/5 da população das cidades, a maior parte das atividades industriais e a maior responsabilidade no que tange à expansão da economia. (...) As três regiões metropolitanas do Nordeste (Recife, Salvador e Fortaleza) são, de outra parte, responsáveis por cerca de 7% da população urbana do país, respondem por menos de 3% do emprego industrial, enquanto que a Grande São Paulo e a Grande Rio, com 29% da população urbana, detêm quase a metade da mão-de-obra empregada na indústria” 25. Internamente, as áreas metropolitanas vêm apresentando características problemáticas, decorrentes do acréscimo populacional vertiginoso e da incapacidade das estruturas urbanas de suportarem-no. Se, até 1920, a situação urbana brasileira não apresentava maiores problemas, o processo de urbanização a partir de 1930 foi acompanhado por disfunções na infraestrutura de abastecimento de água e energia elétrica, além do esgoto, e no sistema viário urbano. Com a aceleração das migrações na década de 50, foram atingidos o sistema de abastecimento e prestação de serviços (principalmente o setor público), os transportes de massa e, principalmente, a habitação. Na década de 60 e 70 somaram-se as conseqüências finais da industrialização, ou seja, a poluição do meio ambiente urbano e as ameaças ao equilíbrio ecológico, resultados da política de laissez faire que acompanhou a implantação das indústrias. Simultaneamente, as condições dos subsistemas urbanos e da cidade também se agravam. Estes problemas, reflexos diretos da urbanização, são provocados, indiretamente, pela política econômica brasileira, sempre mais preocupada com o planejamento do crescimento urbano em detrimento da qualidade de vida e do equilíbrio social, ameaçando o sistema sócio-político econômico. Historicamente, os problemas habitacionais (principalmente quanto à aparência) têm sido alvo das atenções, como as sub-habitações “cabeças de porco”, mocambos, barracos, malocas, favelas, invasões e loteamentos periféricos. Este enfoque, entretanto incorre em soluções faltas, pois não se trata apenas de um déficit habitacional, mas de um processo de crescimento urbano característico dos 24 25
Fonte: ONU, 1966 II PND-Projeto/Brasília, 1974 pp78. 21
países dependentes do terceiro mundo frente à urbanização. As condições “sub” destas habitações são comuns aos demais componentes do sistema urbano - físico, econômico, social e politicamente considerado - onde estão imersas. As sub-habitações vêm sempre acompanhadas de um sub-abastecimento de água e energia elétrica, de uma sub-solução para os esgotos, de uma sub-alimentação, de sub-empregos, enfim, de uma grande subsituação. Desenvolvem-se, assim, no nível da aparência, duas cidades na mesma área jurídica: uma dotada de condições aceitáveis dentro dos padrões da chamada (e indefinida) qualidade de vida, com índices de conforte às vezes iguais aos dos países desenvolvidos, ampliada a partir da cidade já existente graças à criação dos conjuntos habitacionais por empresas imobiliárias e cuja existência é juridicamente reconhecida e assegurada. A outra cidade segrega as populações cuja renda não lhes permite integrar os benefícios da “cidade oficial”, mesmo quando localizada dentro do tecido urbano, e as favelas, invasões ou alagados são autoconstruídos, materializando-se em terrenos cuja posse é contestada ou pública, com elementos diversos mas precários, marginalizada dos serviços e investimentos realizados pelo poder público. 3.3. Equacionamento das soluções aos problemas urbanos: considerações sobre os antecedentes do planejamento urbano no Brasil Antes da institucionalização do Planejamento Urbano no Brasil, em 1964, ocorreram duas fases simultâneas, desenvolvidas em lugares distintos, de elaboração de planos e projetos urbanísticos. A diferença entre elas é a gestão das atividades: nos planos diretores do Rio Grande do Sul a formulação de planos e projetos ocorreu dentro dos órgãos públicos, funcionando neles os próprios escritórios urbanísticos, com certa continuidade e maior base para institucionalização do processo. Nos casos da criação de novas cidades, como Brasília e Goiânia, a atividade foi exercida por escritórios particulares contratados por órgãos públicos. Em ambas as fases, entretanto, a atividade não se caracteriza como planejamento, onde o processo é racional e metódico e realizado por equipes multidisciplinares. As maiores preocupações quanto aos problemas urbanos no Brasil iniciaram-se com um enfoque de “urbanismo”: o fato urbano era considerado sob aspectos quase essencialmente físicos, por equipes de arquitetos ou engenheiros, de maneira pouco metódica. Os planos aparecem como expressão dos princípios urbanísticos no final do séc. XIX, que consideram a concepção urbana apenas como macro-arquitetura. Por outro lado, a influência do racionalismo dos anos 30 é decisiva, analisando a cidade funcionalmente, conduzindo a zoneamentos estanques e hierarquização rígida dos equipamentos urbanos. Na verdade, o funcionalismo só decresce no final da década de 60, quando as diversas áreas de conhecimento que vinham estudando o fato urbano (economia, sociologia, antropologia, geografia e administração) reúnem-se com a arquitetura e engenharia num esforço de planejamento urbano. Os resultados da implantação dos diversos planos (com exceção de Brasília) são raramente julgados, pois pouco resta do original em cidades como Belo Horizonte e Goiânia. A partir destas transformações radicais quanto ao plano original, pode-se afirmar que as cidades brasileiras planejadas acabam apresentando os mesmos problemas das cidades nãoplanejadas. A solução destes tem sido a tradicional, desfigurante e quase sempre ineficaz cirurgia urbana como forma de renovação. Em alguns casos, como Goiânia, foram elaborados novos planos, depois da instituição do Sistema Nacional de Planejamento Local Integrado. Seja como for, as cidades que nasceram ou cresceram por planos não tiveram seu desenvolvimento acompanhado por um processo contínuo de planejamento que adaptasse os planos ao dinamismo dos processos urbanos.
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O plano de BELO HORIZONTE foi resultado da intenção de mudar a capital de Ouro Preto, idéia iniciada com os inconfidentes, mas realizada apenas nos primeiros anos da república, como resultado da própria Constituição do Estado que recomendava a mudança da capital de Minas Gerais. A escolha do local, bem como sua aceitação pelo Congresso Estadual foram objeto de desavença entre as regiões geo-econômicas do estado, interessadas em superar os efeitos dos obstáculos físicos que as separavam economicamente. A decisão final de situar a capital em Belo Horizonte foi quase casual, resultante dos estudos realizados pelo engenheiro Aarão Reis, designado em seguida para chefiar a equipe de construção da mesma. Os trabalhos iniciaram-se em 1895, com a construção da ferrovia que ligaria a cidade à rede da Central do Brasil. Foi inaugurada em 1897 como Cidade das Minas, tendo à frente da comissão construtora o engenheiro Francisco Bicalho, e em 1901 foi nomeada como Belo Horizonte. O plano, um exemplo do urbanismo desse fim de século, apresenta as seguintes características: 1) traçado rigoroso da trama urbana enfatizando a ordem, a harmonia e a simetria e rompendo com a invariabilidade do traçado em xadrez: no plano de Belo Horizonte sobrepunham-se duas tramas ortogonais em ângulo de 45º, criando ruas perpendiculares; 2) as largas avenidas transmitindo um efeito de grandes perspectivas e monumentalidade, em contraposição às antigas ruas estreitas causadoras de problemas viários ocasionados pelos novos meios de locomoção e pelo aumento populacional: em Belo Horizonte fixou-se a largura das ruas em 20m e das avenidas em 35m, o que sofreu alterações devido aos altos custos acarretados; 3) como reação às condições urbanas conseqüentes da Revolução Industrial, o urbanismo europeu dessa época apresentava nostalgia do campo, incorporando características rurais à cidade pela implantação de parques e ajardinamento extensivo das cidades: no Plano de Belo Horizonte, eram previstos um grande parque municipal central, um jardim zoológico e vários jardins. Nesse plano, foram considerados aspectos gerais do uso do solo, dividindo-se a área em três setores (urbano, suburbano e rural), priorizando-se o setor urbano, tratado em termos macro-arquitetônicos (principalmente no centro administrativo, razão de ser da nova cidade, onde previu-se a localização de diversos edifícios públicos) e teve princípios de zoneamento estabelecidos. A parte infra-estrutural (abastecimento de água, rede de esgoto, eletricidade e telefone) foi projetada detalhadamente para um crescimento populacional muito aquém do desenvolvido posteriormente pela cidade. A história do plano de Belo Horizonte não se afasta do quadro típico brasileiro, onde o comprometimento dos planos com a municipalidade não supera a descontinuidade administrativa, sofrendo várias modificações, cortes e supressões de ordens diversas. Por outro lado, a finalidade da mudança da capital mineira só se concretizou décadas mais tarde: até 1930 o impacto provocado pela transferência administrativa inexiste em relação à vida econômica regional, pois “as principais atividades econômicas do estão continuam subordinando-se a mercados situados além-fronteiras e se desenvolvem nas zonas periféricas do território estadual” (Singer, 1974: 221). Este fato se explica pela crise do café, pela ligação ferroviária com os grandes centros econômicos do leste e pelos esforços de criação da indústria siderúrgica. Além disso, a estagnação econômica ignorava a criação de Belo Horizonte devido às ainda grandes distâncias entre os centros produtores mineiros e os mercados da costa. Belo Horizonte cresceu e se tornou o centro econômico do estado não por ser sua capital política, mas pelo empenho, desde os anos 1940, na criação de um parque industrial Contagem significa esse esforço de instalação de indústrias na região, comprometendo inclusive a aglomeração nascida no local: “o zoneamento não foi rigorosamente obedecido devido ao receio dos responsáveis de que a adoção de uma atitude rigorosa pudesse determinar a desistência de empresas cujo estabelecimento era considerado de grande interesse para o estado” (ibidem: 258). Além
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disso, o próprio crescimento urbano de Belo Horizonte foi comprometido, e apresenta hoje problemas semelhantes aos de qualquer área não planejada. GOIÂNIA também foi criada para sediar a capital administrativa do estado de Goiás, e teve seu plano encomendado pelo então interventor no Estado Pedro Ludovico Teixeira ao arquiteto-urbanista Attilio Correia Lima. Esse plano, de 1939, também apresenta influências do urbanismo novecentista por apresentar preocupações com detalhes espaciais, mas já se insere nas correntes urbanísticas contemporâneas à sua formulação, aderindo aos novos princípios de zoneamento trazidos pelo racionalismo sem, no entanto, levá-los ao extremo. Considerando a cidade como um grande projeto arquitetônico, Attilio Correia Lima prescreve, no relatório do plano, o centro administrativo de Goiânia: “A praça principal do centro administrativo, que não está sujeita a trânsito intenso, apresenta um caráter monumental; os edifícios públicos que a guarnecem formam um conjunto arquitetônico único, ligados por um elemento comum em forma de colunata formando galeria coberta. No cruzamento dos eixos das avenidas Pedro Ludovico, Araguaia, Tocantins e ruas 10, 26, 34 e 35, deverá ser erigido futuramente um monumento comemorativo das bandeiras descobertas, e riquezas do Estado, figurando como homenagem principal à figura de Anhanguera” 26. Este relatório, apresentado ao Interventor em 1935, divide-se em Localização, Sítio, Traçado, Praças, Jardins e Esgotos, unindo as duas escolas urbanísticas. Ao tópico “traçado” subordina-se o uso do solo urbano (zoneamento) e confere-se posição determinante na concepção da nova cidade: “ O traçado da cidade obedece de uma maneira geral à configuração do terreno, à necessidade de tráfego e ao zoneamento. (...) Todas as ruas e avenidas procuram não contrariar a topografia, e foram feitas com a preocupação de não seguirem o maior declive, salvo nas avenidas e ruas principais. (...) Da topografia tiramos partido também para obter efeitos de perspectiva, com o motivo principal da cidade, que é o centro administrativo. Domina este a região e é visto de todos os pontos da cidade e principalmente por quem nela chega. As três avenidas mais importantes convergem para o centro administrativo, acentuando a importância deste em relação à cidade, que na realidade deve-lhe sua existência” 27. Ainda que o modelo destas diretrizes seja o desenho de Karlsruhe, Versalhes ou Washington, não se pode deixar de mencionar a preocupação com problemas futuros: sob o tratamento essencialmente paisagístico, há previsões de hierarquização de vias e dimensões das mesmas. O plano disciplina também a localização de vários subsistemas urbanos, dividindo o habitacional em zonas residenciais urbanas e suburbanas, que devem se localizar em lugares tranqüilos e separados dos centros administrativo e comercial. Nos itens “zoneamento”, “praças” e “jardins”, notam-se cuidados ecológicos tanto pela previsão de localização industrial isoladamente (sítio condicionado pela proximidade de vias de escoamento da produção) quanto pela insistência no plantio de vegetais e tratamento das reservas que apresentavam, na época, focos endêmicos. Finalmente, os lotes residenciais são dimensionados de acordo com os índices internacionalmente aceitos, condicionados por “iluminação, insolação, boa distribuição interna e aspecto agradável”28. Ainda que o plano previsse um sistema incipiente de planejamento, com um órgão junto à prefeitura que acompanhasse a implementação daquele, especificando inclusive a composição interna da diretoria e suas atribuições, a cidade apresentaria problemas idênticos às cidades “sem traçado”, pois cresceu segundo o modelo descrito anteriormente.
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Plano da Cidade de Goiânia. In: Revista Arquitetura nº 14. Rio de Janeiro, ago/63. pp15 Idem. Pp 13. 28 Idem. Pp 16. 27
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BRASÍLIA foi criada “para ser um remédio eficaz para atenuar os famosos desequilíbrios regionais brasileiros e, assim, os problemas de distribuição da população (em 1960, o Norte e o Centro-Oeste, com 64% da superfície, contavam com apenas 7% da população) e, igualmente, uma solução para a inflação galopante que tanto reduz o esforço nacional para vencer o subdesenvolvimento” 29. Apesar da mudança da capital federal do Rio de Janeiro para o interior ser uma idéia antiga, primeiro justificada pela estratégia militar e, depois, por questões econômicas, a construção de Brasília era uma das metas (talvez a principal) do Programa de governo do Presidente Juscelino Kubitschek. Em 1957 instituiu-se o concurso nacional para o Plano Piloto da nova sede do Governo Federal, cuja localização e nome retomavam a proposta de José Bonifácio, o “patriarca da independência”, e cuja construção deveria seguir premissas que possibilitassem o desenvolvimento nacional. Como o próprio Lúcio Costa afirma, a cidade não seria “no caso, uma decorrência do planejamento regional, mas a causa dele” (Costa, 1974: 317). Brasília foi concebida com data de inauguração marcada para ocorrer ainda durante o governo de JK, talvez pela já conhecida experiência quanto à relação entre implementação de planos e estabilidade dos governos. Em face destas condições insólitas, a proposta de Lúcio Costa não era exatamente um plano final, mas um primeiro estudo de certas diretrizes que deveriam ser desenvolvidas, detalhadas e só então materializadas. Este processo, entretanto, não ocorreu, em parte devido à urgência em construir à cidade, em parte devido à pouca experiência de planejamento físico que se tinha na época, no Brasil. Isto, somado a fatores do contexto de desenvolvimento brasileiro tornaram esse documento a base, quando não a própria lei de planejamento, sobre a qual se construiu a cidade. Essas ressalvas são necessárias quando se constata a presença, em Brasília, de problemas semelhantes aos das cidades não-planejadas. O Plano de Lúcio Costa também pertence à categoria dos urbanísticos, ou seja, é produto do trabalho e pesquisa do urbanista, uma espécie de sintetizador e manipulador de todas as ordens de variáveis (econômicas, sociológicas, legislativas, estéticas, funcionais, psicológicas, administrativas, políticas etc.) configuradoras do urbano, em um plano de desenho físico-espacial. O resultado demonstra um domínio maior das técnicas de desenho urbano, com ênfase nos aspectos visuais e simbólicos, apresentando forte influência da fase racionalista de Le Corbusier e do funcionalismo da década de 30. A concepção gira entre dois aspectos: a administração como única razão de ser da nova capital e o automóvel como dimensão imprescindível do homem (reflexo da indústria automobilística brasileira nascente). Assim, o plano iniciou-se pela determinação da estrutura urbana, apoiada no “arcabouço de circulação ordenada” (Costa, 1974: 323). O sistema viário hierarquiza as diferentes vias e separa ao máximo a circulação de pedestres da de veículos, contrariando o expresso no parágrafo 8. No entanto, pouco foi determinado a respeito de pedestrianização, organizando uma trama simbólica (marcada pela cruz de posse) e funcional, na medida em que procura resolver os problemas viários até então conhecidos por soluções de desenho (cruzamentos em nível, dimensionamento e traçado das vias). Assim, o problema da circulação/transportes continua sendo enfocado isoladamente, sem integração com os demais sub-sistemas urbanos, o que pode ser influência direta dos movimentos de 30 (CIAM, Carta de Atenas), resultando em setorizações extremas. Alguns desses setores são detalhados já no relatório do Plano Piloto: “Destacam-se no conjunto os edifícios destinados aos poderes fundamentais que, sendo em número de três e autônomos, encontram-se no triângulo eqüilátero, vinculado à arquitetura da mais remota antiguidade, a forma elementar apropriada para conte-los” (ibidem: 317). O plano é eivado de simbolismo, dotando cada proposição funcional de um caráter simbólico, principalmente quanto à monumentalidade, 29
Santos, 1965: 57. 25
diversas vezes referida no texto e, efetivamente, a característica mais forte de Brasília: o caráter desejado é monumental. “Monumental não no sentido da ostentação, mas no sentido da expressão palpável, por assim dizes, consciente, daquilo que vale e significa” (ibidem: 145). O impacto da construção relâmpago de Brasília trouxe resultados não previstos: foi apontada como a principal causa do processo inflacionário no País, transferiu para o Centro-Oeste parte dos contingentes migratórios internos e colocou “na centralização do poder de decisão nacional o seu principal agente indultor” 30. Frente a uma nova mentalidade de planejamento, estes e outros problemas atuais de Brasília estão à espera de equacionamento, observando-se ainda resistências, baseadas em argumentos justificáveis se atentarmos às transformações de várias diretrizes do plano inicial, atendendo em geral a interesses outros que não os da coletividade urbana (como no caso das cidades satélites, que deveriam ser expansões do Plano Piloto). Entretanto, a idéia de que a cidade, organismo vivo, possa ser planejada “de uma só vez” é inaceitável: “uma cidade deve conter seus mecanismos de correção e esses mecanismos repousam exatamente no esforço consciente da sua população, no seu trabalho e na unidade de seus objetivos e das suas aspirações” 31. O enfoque dado aos problemas urbanos pelas instituições públicas limitava-se, até a década de 60, a uma seção das Secretarias de Obras Públicas que, na maioria das vezes, encarregava seus engenheiros ou arquitetos da elaboração de um código de obras ou de projetos específicos de redes de infraestrutura (abastecimento de água, canalizações de esgotos ou redes de distribuição de energia elétrica). Inicialmente, na grande parte dos Municípios brasileiros, estes serviços limitavam-se à sede do mesmo, sendo de natureza intra-urbana. Pode-se afirmar que, os quase 2.500 municípios existentes na época cujas sedes apresentavam características urbanas 32 possuíam, na verdade, um capítulo do Código de Posturas Municipais disciplinando sobre as condições de ocupação do lote, aeração e ventilação das construções. Posteriormente, nos estados mais desenvolvidos da Federação, alguns municípios estenderam sua legislação inclusive à zona rural, inaugurando um esboço de planejamento regional. O enfoque dos problemas urbanos consubstancia-se, porém, na codificação do direito municipal, onde constam, no máximo, certas diretrizes sobre o uso do solo urbano e, mais raramente, leis de zoneamento feitas por técnicos em codificação. Somente as regiões mais desenvolvidas do país contavam com certa experiência de tratamento dos problemas urbanos pelos órgãos públicos, de modo mais global, a nível físico-espacial e com certa efetividade de resultados. Em 1964 mais de 80% dos planos físicos de cidades ou de pequenas regiões homogêneas eram para os casos situados na região centro-sul do Brasil 33. Em outras regiões economicamente menos desenvolvidas, os exemplos são escassos e mais recentes, frutos de atitudes tomadas pelo governo frente a situações de subdesenvolvimento: é o caso da criação da SUDENE, que influiu indiretamente nos casos de Recife, Fortaleza e Caruaru; e da mudança da capital para Brasília, nos casos de Goiânia e Anápolis. O Rio de Janeiro, por ter sido o centro das decisões políticas, econômicas, administrativas e sede da cultura urbana nacional, foi historicamente privilegiado com 30
Loures, L. G. 1º Seminário de estudos dos problemas urbanos de Brasília. Op. Cit. Coutinho, J. C. idem: pp35. 32 Segundo pesquisas de Pe. Lebret, 1500 sedes municipais não poderiam ser consideradas urbanas. Fonte: Modesto, H, 1965. 31
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Pereira, R. M. Integração do planejamento físico no planejamento governamental. In: Revista de Administração Municipal nº 68. Rio de Janeiro, 1965. 26
recursos financeiros e humanos que permitiram contar com órgãos específicos para seus problemas urbanos. Vários prefeitos (como Pereira Passos, por exemplo) deixaram seus nomes ligados a planos físicos para o Rio, os quais sempre constavam de renovações urbanas para solucionar problemas trazidos pelo crescimento explosivo da cidade aos sub-sistemas urbanos. Com a transferência da capital para o centro-oeste, esta tradição de tratamento governamental dos problemas urbanos consolidou-se e evoluiu para o âmbito do Estado da Guanabara e, mais recentemente e mais integradamente, para a Região Metropolitana (FUDREM). No estado de São Paulo também já havia, nos anos 1960, Comissões e Grupos de Trabalho de problemas urbanos ligados ao Governo Federal e à Prefeitura, sendo que diversos municípios já possuíam planos físicos (como Sto. André, S. Bernardo, S. José dos Campos, Sorocaba). Este estado, inclusive, foi pioneiro no Planejamento regional, com a iniciativa da Comissão Interestadual da Bacia do Paraná-Uruguai, em 1952, quando contribuiu tanto para o conhecimento das condições contextuais brasileiras quanto para a aplicação de métodos e técnicas de planejamento, desenvolvidas pela Sociedade de Análises Gráficas e Mecanográficas Aplicadas aos Complexos Sociais (SAGMACS) sob a direção do Pe. Lebret. O enfoque dos problemas urbanos de São Paulo, até então, distinguia-se pela caracterização institucional que adquiriu a partir do Governo Carvalho Pinto, bem como pelo grande número de municípios dotados de planos físicos. O Rio Grande do Sul, por sua vez, é o estado brasileiro que pode ser considerado o precursor do planejamento urbano como processo institucionalizado que trata os problemas urbanos a nível físico, em geral. Isto é conseqüência da excepcional situação de configuração da rede urbana daquele estado, onde as cidades distribuem-se uniformemente sobre o território sem grandes conflitos intra-urbanos (já desfeitos pelo processo de desenvolvimento do estado). Somam-se a estes fatores a composição populacional com grande porcentagem de imigrantes alemães e italianos, e a influência dos grandes centros sul-americanos (Montevidéu e Buenos Aires) na primeira metade do século, aos quais o Rio Grande do Sul ligava-se mais facilmente do que com o restante do País, não apenas por questões geográficas mas, também, pelas econômicas. Dessa forma, desde cedo as chamadas “ilhas de racionalidade” penetraram nos órgãos públicos, principalmente em Porto Alegre, fazendo com que neles se formassem embriões de futuras equipes de planejamento. Por outro lado, a formação de urbanistas nesta cidade iniciou-se me 1947, com o primeiro curso de urbanismo oficializado no Brasil, criado sob a influência da Escola de Montevidéu. Até 1945, entretanto, já existiam 10 planos físicos para municípios gaúchos, além de vários outros serviços como levantamentos topográficos, planos viários e de saneamento, serviço este que pode ser considerado a origem dos planos físicos no Rio Grande do Sul, devido à criação em 1935 da Diretoria de Saneamento e Urbanismo a partir da Comissão de Saneamento do Estado, criada em 191734. Os primeiros “planos diretores” da Diretoria de Saneamento eram normalmente planos viários ou de alinhamentos, complementares à legislação referente a construções. No mesmo ano de criação do Curso de Urbanismo, entretanto, passou a funcionar na Diretoria uma seção encarregada de elaborar planos onde os diversos aspectos físicos da realidade urbana estivessem presentes de maneira integrada. Estes novos planos diretores trouxeram, em quase 20 anos, importantes contribuições ao estudo dos problemas urbanos, chegando mesmo suas análises da realidade física a envolverem aspectos sociais e econômicos, ainda que sempre enfocados por urbanistas (profissionais de arquitetura ou engenharia). Os planos diretores, portanto, apesar de importantes por 34
Fonte: Martins, N. P. “Rio Grande do Sul: experiência urbanística. In: Leituras de Pla nejamento e Urbanismo. Rio de Janeiro, 1965. 27
representarem realizações dentro dos órgãos públicos, não passaram de enfoques apenas físico-espaciais de realidades locais. 3.4. Conclusões gerais finais Concluindo essas rápidas considerações acerca dos primeiros esforços de equacionamento físico dos problemas urbanos brasileiros, é importante reafirmar o sentido das metas sociais no planejamento urbano no Brasil: “O maior mal da cidade grande é o fenômeno que Agamenon Magalhães chamou de inchação. Para isso concorrem: os atrativos reais e os falsos atrativos; a ganância provinciana de crescer de qualquer modo e a influência desavisada do poder público em promover esse crescimento; a precariedade da vida rural e a consciência dessa precariedade; a baixa produtividade agrícola e a miserável renda do homem. (...) Os atrativos reais nasceram da industrialização urbana e da educação. (...) A ausência de salário compatível com as necessidades da família e a ausência da alfabetização fazem com que o brasileiro abandone o campo. (...) O mal não está em que (a tecnologia) tenha crescido tanto nestes últimos anos, mas em que não se tenha distribuído eqüitativamente entre os centros naturais de explosão geográfica, a que ela, necessariamente, se destina. (...) Além da consciência pessoal há uma consciência geral de que de fato o trabalho rural é o ‘derradeiro meio de sobrevivência do homem’. (...) Os mandões vão chamando mais gente e garantindo bom futuro para todos. Encara-se o aumento de população como um caso cívico, a implantação de indústrias como uma determinação patriótica. A indústria é o símbolo da civilização. (...) Vê-se que os problemas urbanos estão intimamente ligados ao campo e à reformulação do modelo brasileiro de desenvolvimento”. 35
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Senador Teotônio Vilela. In: O homem e a Cidade. Simpósio sobre Política Urbana. Brasília: Fundação Milton Campos, 1975. pp 71-78. 28
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